Este documento descreve a vida e carreira da poeta e professora brasileira Laura Brandão no início do século XX. Laura nasceu em 1891 em uma família itinerante e recebeu pouca educação formal, mas desde cedo demonstrou talento para a escrita. Ela se tornou uma poeta reconhecida nos salões literários do Rio de Janeiro e também trabalhou como professora. Mais tarde, Laura se envolveu com o comunismo e militou por causas feministas e operárias. Em 1931, foi deportada para o exílio pelo governo Vargas.
Este documento descreve a vida e carreira da poeta e professora brasileira Laura Brandão no início do século XX. Laura nasceu em 1891 em uma família itinerante e recebeu pouca educação formal, mas desde cedo demonstrou talento para a escrita. Ela se tornou uma poeta reconhecida nos salões literários do Rio de Janeiro e também trabalhou como professora. Mais tarde, Laura se envolveu com o comunismo e militou por causas feministas e operárias. Em 1931, foi deportada para o exílio pelo governo Vargas.
Este documento descreve a vida e carreira da poeta e professora brasileira Laura Brandão no início do século XX. Laura nasceu em 1891 em uma família itinerante e recebeu pouca educação formal, mas desde cedo demonstrou talento para a escrita. Ela se tornou uma poeta reconhecida nos salões literários do Rio de Janeiro e também trabalhou como professora. Mais tarde, Laura se envolveu com o comunismo e militou por causas feministas e operárias. Em 1931, foi deportada para o exílio pelo governo Vargas.
Este documento descreve a vida e carreira da poeta e professora brasileira Laura Brandão no início do século XX. Laura nasceu em 1891 em uma família itinerante e recebeu pouca educação formal, mas desde cedo demonstrou talento para a escrita. Ela se tornou uma poeta reconhecida nos salões literários do Rio de Janeiro e também trabalhou como professora. Mais tarde, Laura se envolveu com o comunismo e militou por causas feministas e operárias. Em 1931, foi deportada para o exílio pelo governo Vargas.
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LAURA BRANDO
SOLTANDO A VOZ NOS SALES LITERRIOS
1 MARIA ELENA BERNARDES "As Mudas do Passado" 2 o ttulo de um artigo da atriz dinamarquesa Iben Nagel Rasmussen no qual ela relata sua experincia quando recria os gestos da personagem Kattrin, a muda de Brecht 3 , e descobre que esta, apesar de muda, no surda e no est isolada; est sempre em contato com o que acontece ao seu redor. E assim, diz ela, "a garota que vagabundeia sempre com seu tambor queria dizer algo e no podia". Foi ento que descobriu que, na verdade, Kattrin falava, "mas com as mos, o saltitar dos ps, com os sons". ENTRE A NORMA E A TRANSGRESSO Ao contrrio de Kattrin, se algumas "mudas do passado" ousaram soltar a voz, elas tiveram que se fazer de "surdas" aos cdigos normatizadores da moral vigente. Imagino que a poeta e militante comunista Laura da Fonseca e Silva - depois do casamento, Laura Brando - tenha tido esta atitude para sobressair entre as mulheres suas contemporneas. Filha de nordestinos que migraram para o Rio de Janeiro, Laura nasceu em 28 de agosto de 1891. Seu pai, Domingos, foi pedagogo, abolicionista e republicano na cidade do Recife. Como professor, viajava pelo Brasil abrindo escolas. Assim, Laura passou sua infncia e adolescncia migrando de um estado para outro e, desta 1 Este artigo uma verso modificada do primeiro e segundo captulos da Dissertao de Mestrado. A Invisibilidade Feminina na Poltica, IFCH-UNICAMP, 1995, orientada pela Profa. Dra. Maria Clementina Pereira da Cunha. 2 RASMUSSEN, I. N. "As mudas do passado", in Scena, n. 3/4. Milo, set. 1979. 3 BRECHT, Bertold. "Me Coragem", in Teatro Completo, V. VI. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1991. Laura Brando. Soltando a Voz nos Sales Literrios 202 maneira, conheceu quase todo o Brasil. Sua me Jacinta, boa cozinheira e costureira, bordava com mos de fada. Laura fora educada para, assim como a me, bordar, costurar, cuidar da casa, casar-se, ter filhos e exercer com distino a carreira domstica. No entanto, as atividades do pai despertavam-lhe um certo fascnio e, desde cedo, parecia espelhar-se nele. Com quatro anos de idade j sabia escrever e, aos dez, compunha pequenos jornais. Neles escrevia cartas, contos e os ilustrava com desenhos a tinta nanquim, distribuindo-os entre os membros da famlia e amigos. Com a vida itinerante que viveu durante toda sua infncia, no teve possibilidade de freqentar escola regularmente, mesmo porque, no incio do sculo, quase no existiam escolas para meninas. Alfabetizou- se ouvindo as aulas nas escolas de seu pai. Sua vida familiar fugia aos padres da poca. Vivia-se o ano de 1909. Aquele era um tempo em que, via de regra, as mulheres casavam- se e assim permaneciam at a viuvez. Mas, para Jacinta, o tempo de suas vivncias particulares contavam mais. Com trs filhos - Laura, Tercina e Bel - separa-se de Domingos. As verdadeiras razes nunca foram reveladas - pelo menos seus descendentes no registraram em suas memrias. Philippe Aris observou que difcil para o historiador interpretar o silncio que reina sobre os vastos domnos da vida: ora ele significa a indiferena ou a ignorncia, ora o pudor e o segredo. Existiam coisas que no se diziam: o amor conjugal era uma delas 4 . Talvez Jacinta tenha se cansado do esprito aventureiro de Domingos, ou o amor tivesse acabado, talvez incompatibilidade de gnios, ou ainda, quem sabe, outros amores! O que se sabe que o casal se separou e Jacinta passou a ser a mantenedora da famlia, primeiro trabalhando como costureira, depois como dona de penso. Com os pais separados, num primeiro momento, Laura passou a viver, com a me e os dois irmos, na casa do tio-av, o Conselheiro Loureno Cavalcanti de Albuquerque. A casa, cercada por rvores centenrias, estava situada Rua Mau 47, esquina da rua dos Junquilhos, 4 ARIS, Philippe. "O amor no casamento", in Sexualidades ocidentais. So Paulo, Brasiliense, 1987, p. 153-159. Maria Elena Bernardes 203 Cadernos AEL, n. 3/4, 1995/1996 em Santa Teresa, no Rio de Janeiro. Laura, com dezoito anos de idade, no parecia preocupada com o que certamente mobilizava as moas de sua idade. Os padres de comportamento do perodo ditavam que o ideal de toda moa deveria ser o casamento. No casar, principalmente no caso da mulher, era tido como um insucesso. Antes fazer um mau casamento do que ficar solteirona era o lema. Longe disso, a preocupao de Laura era outra e parecia no acreditar no casamento e na maternidade como destino. Foi este o perodo de sua maior produo potica, alm de estudar msica e piano; nesta poca tambm que se firma como poeta e declamadora reconhecida nos sales elegantes do Rio de Janeiro. Provavelmente influenciada pela poesia de Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e Raimundo Correia - poetas que ela admirava e com quem mantinha relaes prximas -, suas primeiras composies, editadas no livro Poesias, so vinculadas ao rigor Parnasiano. Da por diante, distanciou-se do Parnasianismo, abandonou a mtrica e seus versos ficaram soltos, menos objetivos, musicados, tm cor, cheiro, luz; prximos do Romantismo. Sua visibilidade e prestgio enquanto poeta na sociedade letrada carioca no era, entretanto, acompanhada de uma remunerao que lhe garantisse o sustento - o que, alis, acontecia com outros poetas e literatos renomados, que no conseguiam prover suas necessidades materiais com a literatura. O prestgio social dos homens de letras, no final do sculo XIX e incio do sculo XX, nem sempre condizia com a condio econmica em que viviam 5 . Laura, com o poema "Entre Artistas", protestava de maneira potica: "Entre artistas no deve ser assim Como na sociedade: preciso outras leis para esta gente Que vive do que sente ( ... ) 5 Sobre a questo ver PEREIRA, Leonardo A.M. O carnaval das letras: os literatos e as histrias da folia carioca nas ltimas dcadas do sculo XIX. Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura, 1995. Laura Brando. Soltando a Voz nos Sales Literrios 204 para esta gente aflita, Que, no meio de tanto horror, inda acredita Na coragem, na Luz; (...) E esta gente que luta e sofre e pensa, s vezes Abandonando um pouco as coisas graves, Procura a fantasia e canta como as aves (...)" Mas nem s de poesia se fazia a vida de Laura. Desde cedo dedicou- se ao professorado. Comeou sua carreira de professora aos quatorze anos, lecionando em So Paulo, no Colgio de seu pai, onde respondia pela classe do Jardim da Infncia. No Rio de Janeiro, nos anos de 1912 e 1913, lecionou no Instituto Amante da Instruo, situado rua Ipiranga. Era um Instituto para crianas rfs. De 1917 a 1919 lecionou no Instituto Lafayette, onde foi tambm diretora do Jardim da Infncia. Este Instituto era uma ampla escola, situado rua Conde de Bonfim 743, no bairro da Tijuca. Contava com seis modernos prdios, numa chcara de cem mil metros quadrados, toda arborizada, onde eram ministrados cursos de jardim da infncia, primrio e complementares. Of e r e c i a ainda o curso Fundamental de seis anos que era organizado para preparar alunos para prestarem os exames perante as bancas examinadoras do Departamento Nacional de Ensino. Seu corpo docente era especializado, quase todos formados em Universidades e pela Escola Normal 6 . Em 1921 lecionou no Colgio Batista Americano/Brasileiro situado rua Dr. Jos Hygio, 350, na Tijuca. Uma das prticas do magistrio, no perodo, eram as aulas particulares. Laura ensinou filhos de famlias ilustres como, por exemplo, as netas de Benjamim Constant, um dos fundadores da Repblica no Brasil. Ensinou tambm as netas do poeta Lus Murat. Na 6 Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro - Anurio: 1919/1920 e Correio da Manh. Rio de Janeiro, 07.02.1929, p. 11. Maria Elena Bernardes 205 Cadernos AEL, n. 3/4, 1995/1996 funo de preceptora, viajou para Paris com a famlia do escritor Joo Ribeiro, onde viveu em Saint-Claud, entre maio e agosto de 1912 7 . Casou-se com o comunista Octvio Brando em 1921, "sem padre e sem juz". Para a poca, sem dvida, foi um atitude de coragem e rebeldia. Certamente foi uma crtica ao contrato de casamento e posio anti-clerical defendida por ambos. Do casamento com Octvio teve quatro filhas: Sttva (1922), Vlia (1923), Dionysa (1925) e Valn (1932). As trs primeiras so brasileiras e a ltima nasceu em Moscou. Aps o casamento, aos poucos, Laura foi se distanciando da elite literria da qual fazia parte. Junto com Octvio envolveu-se com o mundo dos comunistas e trocou os sales literrios pelas ruas, greves operrias, reunies sindicais e a redao da jornal A Classe Operria, orgo oficial do Partido Comunista Brasileiro. Sempre presente em comcios com "as filhas pelas mos", sua participao mais relatada a do episdio da Praa Mau, no Rio de Janeiro, em 25 de maio de 1929, num comcio organizado em solidariedade greve dos grficos em So Paulo, quando Laura, numa liderana mpar, domina os soldados que avanavam contra os manifestantes. Como militante de esquerda atuou ao lado do Partido Comunista Brasileiro, embora nunca tenha se filiado a ele. Com a militncia vieram as prises, a polcia na porta de sua casa acompanhando os passos de Octvio Brando, a vida de privaes a que foi submetida pela conjuntura poltica que o pas vivia. Desde 1922 dedicou-se literatura marxista e sua militncia feminista se deu junto ao Comit de Mulheres Trabalhadoras (1928), ligado ao Bloco Operrio Campons, do qual ela foi uma das fundadoras. Deportada pelo Governo Getlio Vargas, em 1931 parte para o exlio com a famlia. Os dez anos vividos em Moscou foram mais que suficientes para que ela experimentasse as dificuldades enfrentadas por 7 BRANDO, Octvio. A imagem de Laura Brando. Fundo Octvio Brando, Arquivo Edgard Leuenroth/IFCH/UNICAMP, Pasta 120, p. 19, mimeo; Imprensa Popular. Rio de Janeiro, 30.01.1955. Laura Brando. Soltando a Voz nos Sales Literrios 206 um pas que se organizava em torno de uma perspectiva socialista, na qual Laura via tambm as possibilidades de uma nova vida. Seu trabalho durante quatro anos como redatora e locutora na Rdio de Moscou e as condies de trabalho que o pas oferecia s mulheres devolveram a ela a possibilidade de viver sem abdicar ou hierarquizar as coisas que lhe eram importantes: a famlia, a luta pela igualdade social, a liberdade, a poesia e o amor. Juntava, finalmente, as pontas de sua vida que por vezes havia ficado to quebrada. No entanto, viveu uma grande contradio: se, de um lado, ela reconhecia em Stalin um grande lder que foi capaz de enfrentar Hitler, de outro, no suportava presenciar o terror causado por ele com a perseguio, priso e fuzilamento de tantos companheiros. Vivenciou a segregao da famlia imposta pela guerra, adoeceu e morreu em 28 de janeiro de 1942, em Uf-URSS, longe dos amigos, da famlia e do Brasil. 2. CONTRARIANDO AS NORMAS, EM BUSCA DA VISIBILIDADE No comeo deste sculo, as normas de comportamento j no eram centradas no enclausuramento, como era o caso da mulher do sculo XIX descrita por Jurandir Freire Costa, que s saa s ruas nas raras situaes rigidamente previstas de "passeios com a famlia por ocasio das festas pblicas e obrigaes religiosas" 8 . A nova mulher urbana de classe alta deveria adequar-se ao novo padro de comportamento. "A mulher de posse deveria saber receber as visitas do marido, estar presente mesa e s conversaes ... abandonando seus hbitos e europeizando seu corpo, seus vestidos e seus modos" 9 . As novas exigncias da crescente urbanizao e do desenvolvimento comercial do pas solicitavam a presena destas mulheres no espao pblico das ruas, das praas, dos acontecimentos da vida social, nos teatros e cafs. A mudana de hbitos 8 COSTA, Jurandir Freire. Ordem mdica e norma familiar. Rio de Janeiro, Graal, 1977, p. 119. 9 Idem, ibidem. Maria Elena Bernardes 207 Cadernos AEL, n. 3/4, 1995/1996 femininos estimulou-as a maiores cuidados com a aparncia. Entretanto, a primeira e primordial necessidade continuava sendo cuidar dos filhos e da famlia. A socializao dar-se-a em reunies privadas, como bailes, teatros, jantares e recepes. O passeio pelas ruas no comeo do sculo comeou a ser permitido, mas obedecendo a um certo cdigo social. O relgio da confeitaria Colombo marcava o compasso deste cdigo - onde duas imagens de mulher se revezavam - estabelecido de acordo com uma tcita escala de horrios, para que l pudessem tranqilamente tomar o seu ch 10 , assim retratado pelo cronista Lus Edmundo: "At s cinco da tarde as famlias imperavam. De repente, olhando o relgio do fundo, comea o xodo em massa. E todos, quase ao mesmo tempo, o que muito impressiona os que desconhecem os detalhes curiosos da vida dessa casa. Mutao do cenrio na confeitaria. Vo chegando as 'madamas', os 'coronis', os 'caetetus'. Olha -se o relgio - cinco e meia." 11 No s a Colombo, mas tambm a confeitaria Paschoal, situada Rua do Ouvidor, tinha horrios determinados para os seus freqentadores. De uma s trs horas eram os homens de letras; de trs s quatro horas, era a vez das famlias; das cinco s sete horas, das cocottes que l am exibir as suas toilettes e as cintilantes jias que possuam. Este padro que normatizava as regras que a mulher honesta deveria seguir, no condizia com a realidade das mulheres que precisavam trabalhar. Elas am s ruas sozinhas e em horrios no permitidos. Laura, por sua vez, experimentava no dia-a-dia esta contradio. Freqentava sales sofisticados, vivenciava padres de sociabilidade da elite - onde 10 Ver ESTEVES, Marta. Meninas perdidas. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1989, p. 43. 11 EDMUNDO, Lus. O Rio de Janeiro de meu tempo. V.1. Rio de Janeiro, Conquista, 1957, p. 605. Laura Brando. Soltando a Voz nos Sales Literrios 208 a mulher ficava em casa e circulava em espaos delimitados e legitimados pelos cdigos da moral vigente - mas, durante o dia, saa s ruas sozinha para ir ao trabalho para garantir, junto com a me, o sustento da famlia, situao que no combinava com o padro do papel feminino ideal 12 . Vivenciando o duplo papel que sua condio de poeta reconhecida nos sales literrios e de mulher trabalhadora impunham-lhe, Laura, ao que parece, no estava muito preocupada com os cdigos ditados pela moral vigente. O primeiro indcio era que ela tinha vinte e um anos e ainda estava solteira; longe das normas da "convenincia", recebia em sua casa e era recebida pelos seus amigos, inclusive em encontros a ss, no apenas em ocasies sociais. Estes encontros intimistas quase sempre eram celebrados para compartilhar experincias artsticas. Em 1912, por exemplo, o pintor Antnio Parreiras convidou-a para o visitar em seu atelier situado Rua Tiradentes 47, em Niteri. Escreveu a ela o seguinte bilhete: "Saudaes respeitosas: Na segunda-feira e na tera-feira da prxima semana estarei em casa, a fim de mostrar-lhe os meus borres. Muito grato pelo prazer de sua visita ficaria. O respeitoso servo e admirador" 13 . Laura, de maneira silenciosa, subvertia a ordem estabelecida e defendia a independncia da mulher que conquistava sua liberdade enquanto cidad. E, em versos, atestava: "No h nada mais digno de respeito que a independncia na mulher que pura." O ambiente literrio que estava vivendo propiciava-lhe encontros com pessoas que aguavam a sua sensibilidade artstica. Organizava 12
Sobre a questo, ver ESTEVES, Marta. Op. cit., p. 43-53. 13 Bilhete manuscrito e assinado por Antonio Parreiras em 31 de maio de 1912. Fundo Octvio Brando, Arquivo Edgard Leuenroth/IFCH/UNICAMP (Parte 2). Maria Elena Bernardes 209 Cadernos AEL, n. 3/4, 1995/1996 reunies sociais e usufrua ao mximo da companhia dos artistas que freqentavam a casa do Conselheiro, como o compositor Glauco Velasquez, o poeta Hermes Fontes, o artista plstico Antnio Parreiras, o poeta e escritor Olavo Bilac, a pintora Tarsila do Amaral, a violinista Paulina D'Ambrsio e a poeta Jlia Cortines. Glauco Velasquez, freqentador assduo da casa, buscava inspirao em Laura para compor suas peas para piano. "Laura, aparentemente irreal, (...) pairava acima de ns, arrebatada no vo de sua poesia (...) sempre vestia-se de branco como se trouxesse sobre os ombros uma alva tnica; vivia entre ns, qual a prpria fraternidade, bela e serena, justa e proftica, a dizer-nos verdades, apontando-nos, sem impor, o caminho." 14 Ela tinha pelo compositor uma grande amizade e o confortou - moral e intelectualmente - at os seus ltimos dias, quando morreu, em 1914, aos trinta anos de idade 15 . 14 Conforme depoimento de Emilie Kamprad, Fundo Octvio Brando, AEL/IFCH/ UNICAMP, Pasta 123. 15 Glauco Velasquez (...) (1884-1914), (....) foi um artista, fundamentalmente, mas de um romantismo to exacerbado que muitas de suas obras so espantosamente ino- vadoras, modernssimas para a poca. Vivendo em um ambiente cultural nada cos- mopolita, foi um exemplo raro de uma dessas sensibilidades privilegiadas - antenas voltadas para o futuro da arte. A histria particular de Glauco foi bastante triste. Nascido no Sul da Itlia, veio ainda menino para o Brasil, onde foi "adotado"por sua prpria me- uma senhora da sociedade do Rio de Janeiro que, por ser solteira, nunca conseguiu contar ao filho algo a respeito da sua real condio. (...) o rapaz "adotado"revelou um talento precoce que pertubou os professores do conservat- rio. Produziu intensamente durante apenas 10 anos, morrendo tuberculoso aos 30 anos. A trajetria de G. V. foi curta e trs as marcas do inacabado. O que conseguiu nos deixar de suas canes, obras para pequenos conjuntos e para piano - tudo febrilmente adorado em seu tempo, mas rapidamente esquecido aps a sua morte - leva-nos, no entanto, a afirmar: preciso conhecer a sua msica com urgncia, mes- mo que com meio sculo de atraso". Conforme crtica de J. J. Morasi (crtico do Jornal da Tarde e Professor na Universidade de So Paulo) no disco: O Piano Indi- to de Glauco, intrprete: Clara Sverner - London, Odeon, 1977. Laura Brando. Soltando a Voz nos Sales Literrios 210 Dedicou a ele seu poema "Noite de Artista", publicado em seu primeiro livro, em 1915: "Noite irm do Silncio, Noite amiga Cuja luz mais calma sem mormao Em que o corpo repousa da fadiga, E a grande mente busca o grande Espao Oh! Noite! no teu seio que se abriga Quem medita, fugindo ao mundo escasso, Depois, flores da aurora, aos frutos, liga Da idia germinada em teu regao! Tal a Noite, sem trevas e sem frio, Um pouco primavera, um pouco estio Artista, no teu sono, que irradia! Cenrio dos projetos mais risonhos, Que das tantas estrelas, quantos sonhos - Noite to clara que parece dia!" Os sales na Belle poque 16 muito se assemelhavam aos sales do Segundo Reinado. Eles ajudaram a manter, como antes, os relacionamentos convenientemente personalizados, da mesma forma que serviam como interseo dos crculos de um mundo muito restrito, onde os valores europeus determinavam os passatempos. As reunies seguiam, em geral, um padro comum. Os sales distinguiam-se das festas e recepes sociais por sua repetio regular em determinado dia da semana, todas as semanas, a cada quinze dias ou mensalmente. O anfitrio e sua mulher preparavam um jantar ntimo para um grupo selecionado de amigos e conhecidos. Em seguida, o crculo mais amplo de convidados 16 Sobre os Sales na Belle poque acompanho aqui interpretaes como as de NEEDELL, Jefrey. Belle poque tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada do sculo. So Paulo, Cia. das Letras, 1993, p. 106-142. Maria Elena Bernardes 211 Cadernos AEL, n. 3/4, 1995/1996 17 BRANDO, O. Op. cit., Pasta 120, p. 60. 18 Idem, ibidem, p. 64. chegava e se dava incio a uma variedade de passatempos refinados: msica de cmara, selees opersticas, declamao de poesia ou ainda representao rpida de um trecho de pea de teatro. Danas, jogos de cartas e conversas requintadas ajudavam a compor o ambiente. Era uma oportunidade para as mulheres exibirem seus vestidos importados. Os homens usavam sobrecasacas formais de noite. Em geral, as declamadoras ou cantoras eram jovens solteiras pertencentes famlia do anfitrio ou dos convidados. Tais dotes faziam parte da formao de uma moa bem-nascida. Laura frequentava os sales e promovia recitais de poesia. Foi uma declamadora apreciada. Intrprete de Castro Alves, recitava tambm suas poesias e as dos amigos poetas. Olavo Bilac era rigoroso com quem recitava os seus versos. Dizia: "tenho vontade de meter-me embaixo da mesa quando, numa sala, algum diz que uma moa vai recitar versos meus". No entanto, referindo-se a ela numa reunio literria na casa de Coelho Neto, disse: "ouvir Laura ouvir a prpria poesia" 17 . Ainda neste perodo, na casa de Rui Barbosa - um dos mais requintados sales cariocas, o que conferia maior prestgio aos seus freqentadores -, Laura recitou, em 1914, o seu poema "Feiticismo". Rui, admirado, disse: "poderia ter sido escrito por um homem de 35 anos" 18 . O nosso ilustre publicista denunciava-se com seu estranhamento vendo uma mulher, e ainda to jovem, roubando a cena dos homens de letras. Laura dedicou a ele o poema referido, quando publicou seu primeiro livro, em 1915: "Morreu agora mesmo, de repente, Aquela rvore: a seiva ainda est quente. Em homenagem memria Dela, quero contar-te de relance Laura Brando. Soltando a Voz nos Sales Literrios 212 19 Hermes Fontes bacharelou-se em direito em 1911 pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Lanou as Apoteoses e assim se consagrou um dos melhores poetas brasileiros da poca. Foi redator das revistas Careta e Fon-Fon e do Jornal Dirio de Notcias. Colaborou nos peridicos: Tribuna, Imprensa, Atlntida, Brasil-Revista, Folha do Dia, Revista das Revistas, entre outros. Funcionrio concursado dos correios, exerceu vrias comisses, dentre elas a de Oficial de Gabinete do Ministro da Viao. Sua vida no foi, todavia, feliz. Sofreu decepes e amarguras. Por cinco vezes tentou a Academia Brasileira de Letras e no conseguiu eleger-se. Em 1930, devido Revoluo, viu desfeito o sonho de tornar-se deputado e, tendo servido ao governo cado, foi alvo de humilhaes. Sofreu a dor de um lar desfeito e a traio de pessoas amigas. Conforme Dicionrio Literrio Brasileiro. Rio de Janeiro, 1978 e Enciclopdia de Literatura Brasileira. Vol. 1. Ministrio da Educao/ FAE, 1989. 20 Conforme depoimento de Emilie Kamprad, Fundo Octvio Brando, AEL/IFCH/ UNICAMP, Pasta 123. Sua passada vida (...) Foi naquele barranco rido, ao vir da noite, Uma semente sepultou-se viva (...) Abrigando-a no quis tom-la por cativa, Mas, cativo quis ser do seu agrado." As lisonjas dos admiradores aparentemente no a perturbavam, mas, uma dia, as de Hemes Fontes 19 tocaram-lhe o corao e Laura passa a viver um grande e secreto amor no correspondido. Amargurada, confessa amiga Emilie Kamprad: "o grande poeta, surdo, apenas me coloca na fronte a coroa de irm" 20 . "Acenos e Sorrisos" revela o desejo e, ao mesmo tempo, o sentimento de frustrao que ela experimentava pela paixo no correspondida: "Vm dos lbios os beijos e os sorrisos. Maria Elena Bernardes 213 Cadernos AEL, n. 3/4, 1995/1996 Quem no pode beijar, sorri, ao menos; Quem no pode abraar, ergue, em acenos, O brao, em gestos vagos, indecisos.... (...) Porque me acenas, penso que me abraas, E porque me sorris, eu tremo toda, Tenho a impresso de que me ests beijando..." Do poeta que, ao que parece, permaneceu surdo ao amor de Laura, os indcios encontrados constam de trs simples e discretos bilhetes 21 : "Que o ano novo de 1912 outra coisa no ouse no mundo da espiritualidade: realizar todo bem, toda a felicidade da Laura." No segundo, sem data: "Agradeo muito as suas felicitaes e sirvo-me do ensejo para retribuir, desejando-lhe tranqilidade, bem estar e as muitas glrias a quem tem direito a sua laureada alma de sonhadora." O terceiro, no aniversrio de Laura e tambm dele: "Deus inspire a grande poetiza e lhe d largos anos de glria vio e graa." 22 21 Os originais das cartas citadas daqui em diante, enviadas a Laura por poetas, escritores e crticos, fazem parte do acervo que estava em Moscou e chegou ao AEL em agosto de 1995. 22 Cartas manuscritas assinadas por Hermes Fontes em 01 de janeiro de 1912, sem data e 19 de agosto de 1914, respectivamente, no Rio de Janeiro. Laura Brando. Soltando a Voz nos Sales Literrios 214 Laura, em versos, lamentava o fracasso amoroso com o poema "Pobre de mim", publicado no primeiro livro, em 1915: "Pobre de mim que tenho esperanas ainda: Que no sei esconder a alegria, o alvoroo, Quando te encontro, quando esta saudade finda Converso atentamente e finjo que no te ouo Para te ouvir de novo... E quem me v folgando Contigo, pensa que s o meu irmo mais moo... Que grato interromper a voz de quando em quando, Depois dizer que a Tarde ou que a Aurora est linda... E achar mais lindo o Amor, e rir de um modo brando... Pobre de mim que tenho esperanas ainda...!" O poema "Sonata Bohemia", publicado no mesmo livro, em 1915, traduz sua admirao pela poesia de Hermes Fontes e, com leveza, mais uma vez, declara sua paixo ao poeta: "Eu levo a vida no maior desleixo: Quando mais sofro mais ainda canto No suplico, no choro, no me queixo. Que importa que ela amargue e doa tanto? Que adianta blasfemar por que h pesares? Mais vale, neles procurar encanto (...) Se os versos teus, depois dos meus, declamo, A quem quanto aos autores, vive a esmo, Falo, ouvindo lisonjas : Esta poesia dele, no minha. E crendo que elas se confundem mesmo - Eu me julgo, dos astros, a Rainha!" Maria Elena Bernardes 215 Cadernos AEL, n. 3/4, 1995/1996 Laura Brando, 1915. Fundo Octvio Brando. Banco de Imagens/AEL/UNICAMP. Laura Brando. Soltando a Voz nos Sales Literrios 216 Ao que parece, restava-lhe apenas o consolo dos encontros poticos. E nos avessos da vida, mais de duas dcadas depois, Laura passeava pela rua do Ouvidor e os dois poetas j maduros se encontraram. Hermes Fontes estava ento com quarenta e dois anos de idade e uma vida literria consagrada pela crtica. No entanto, infeliz no casamento, j havia se separado. Laura, com trs filhas, tinha uma longa histria para contar: sua vida de casada, com o comunista Octvio Brando, diferentemente da dele, era de muita paixo, embora atormentada pela perseguio poltica - sobretudo de Octvio, que ora estava preso, ora na clandestinidade -, agravada pelas dificuldades financeiras que a famlia enfrentava. Ouvindo sua histria, Hermes Fontes observou: "voc continua uma criatura forte!" Dois dias depois, na noite de 25 de dezembro de 1930, o poeta suicidou-se com um tiro de revlver 23 . Amores frustados no impediram que Laura construsse seu espao de poeta ao lado dos homens de letras. Recebeu, atravs de carta, os aplausos de poetas, escritores, pintores, intelectuais e, com muitos deles, parece ter mantido relacionamento prximo. Dando mostra de que a considerava uma de seus pares, Alberto de Oliveira - poeta parnasiano contemporneo de Bilac - escreveu-lhe comentando seu primeiro livro: "Distinta colega, li todo o seu livro e em parte releio agora, e natural haver umas tantas composies superiores s demais. Ficou-me da obra a melhor impresso. (...) Entre os mais estimulantes volumes de minha estante, guardarei este (...) com os meus aplausos." 24 Os literatos, acostumados com seus iguais, resistiam em reconhecer, num mundo em que s homens reinavam, que as mulheres tambm pudessem mostrar o seu talento literrio. Jlia Lopes de Almeida, casada com Filinto de Almeida, era uma romancista de sucesso por seu prprio 23 BRANDO, O. Op. cit., pasta 120, p. 61-62. 24 Carta manuscrita, assinada por Alberto de Oliveira em 28 de Junho de 1915 no Rio de Janeiro. Maria Elena Bernardes 217 Cadernos AEL, n. 3/4, 1995/1996 25 Carta manuscrita, assinada por Jos Oiticica em 8 de fevereiro de 1916, em Recife. 26 Carta manuscrita, assinada por Jlia Lopes em 1916, no Rio de Janeiro. mrito, e que na dcada de oitenta do sculo XIX imps-se na Repblica das letras; no era reconhecida por alguns como uma uma literata, como eles. Portanto, o reconhecimento de Alberto de Oliveira, dirigindo-se a Laura como "minha distinta colega", atribuindo-lhe o status de igualdade, parece evidenciar o reconhecimento e respeito conquistados por ela. No entanto, a controvrsia a respeito do lugar ocupado por Laura na literatura portanto, na vida pblica-a alm dos seus pares masculinos. A prima Gilka, filha do Conselheiro Loureno Cavalcanti de Albuquerque, no concordava com os caminhos trilhados pela poeta. Tocar piano como toda moa bem nascida e declamar nos sales eram mritos, mas, escrever poemas, fbulas provocadoras e, ainda, public- los, no lhe parecia adequado para uma moa que, alm do mais, morava em sua casa e contava com a proteo de seu pai. Laura, por causa destas desavenas com a prima e no conseguindo que ela compreendesse sua posio, escreveu a Jos Oiticica, anarquista, escritor e catedrtico do Colgio Pedro II , quando este estava de viagem de frias no Recife, pedindo-lhe que escrevesse sobre o assunto para que a discusso tomasse outra proporo. Oiticica respondeu, prometendo escrever um artigo a respeito e encorajou-a: "deves ter orgulho de ser mulher e poeta" 25 . Felizmente, outras mulheres faziam coro com a voz de Laura, e no s a reconheciam como tambm sabiam, pela suas prprias vivncias, o que significava o espao conquistado por elas no mundo das letras, das artes, etc, Jlia Lopes, em quem Laura se espelhava pelo talento e coragem, escreveu a ela: "Um grande beijo pelo seu lindo soneto e toda a minha alma agradecida. No paralelo que fizera entre ns duas caber poeta a supremacia e isso se conhecer quando tiveres a minha idade e gasto as energias que eu tenho espalhado muito desorientadamente, o que desejo que lhe no acontea. Guardo os seus versos com muito carinho. Toda sua. Jlia." 26 Laura Brando. Soltando a Voz nos Sales Literrios 218 Jlia Cortines, outra poeta contempornea de Laura, tambm mantinha com ela relaes de amizade e trocavam experincias do ofcio que as duas abraaram 27 . Do mesmo modo, a pintora Tarsila do Amaral, que fazia parte de suas relaes pessoais, escreveu de So Paulo contando as novidades de seu ofcio de pintora e feliz por estar "mais familiarizada com a pintura a leo". Faz planos junto com Domingos, pai de Laura - que naquele momento morava em So Paulo -, no sentido de preparar um recital da amiga poeta na Sociedade de Cultura Artstica de So Paulo: "(...) Mais tarde, recebi uma pessoa a ti muito querida e aos desta casa muito simptica: teu pai, sempre amvel, com aquele habitual sorriso de bondade (...). Falamos muito a teu respeito e nos lembramos de que uma "Hora Literria", na qual colaborasses com Albertina Bereta, causaria em So Paulo tima impresso. Que tal a idia? Ainda no me dirigi, para esse fim, aos diretores da Sociedade de Cultura Artstica, o que farei brevemente. (...) Dei as tuas saudades aos quadros, aos bustos, ao espelho branco - ao Templo de Arte. Ali os teus versos, com tanta alma recitados, vibram ainda imperceptivelmente, canta a tua voz, cantam teus pensamentos, geme a tua santa saudade e fulgem as tuas lgrimas benditas. Devo-te muito. Quanta riqueza me deixaste! Adeus, minhas recomendaes a sua querida me. A ti um apertado abrao meu. 28 Tarsila, alm de amiga e admiradora da poeta, tambm admirou sua beleza! Envolvida pelos encantos que a amiga despertava, desenhou um retrato de Laura. Teve igualmente prestgio confirmado pela academia: o fillogo e historiador Joo Ribeiro, em 1912, na direo do Almanaque Brasileiro 27 Conforme carta manuscrita, assinada por Jlia Cortines em 1916, no Rio de Janeiro. 28 Carta manuscrita, assinada por Tarsila do Amaral em 19 de Fevereiro de 1919, em So Paulo. Maria Elena Bernardes 219 Cadernos AEL, n. 3/4, 1995/1996 Garnier, publicou dois poemas de Laura: o soneto "Voz da Razo", em junho; e "Sonata Bohemia", em novembro. Os poemas so precedidos de uma nota introdutria que diz: "Laura da Fonseca e Silva - o nome de uma gentil poeta, cujos versos encantadores comeam agora a ser divulgados pela imprensa. Desejamos chamar a ateno dos nossos poetas to numerosos em todo o Brasil que ainda desconhecem o nome da poeta que com seguras esperanas promete ocupar com destaque um dos lugares mais distintos no meio intelectual, ao lado de Jlia Cortines e outras poetas que legitimam o orgulho de seu sexo. Laura Silva, nos seus vinte anos, tem j escrito numerosas produes ainda inditas, apenas ouvidas de ntimos que tanto admiram a arte imitvel com que as recita." 29 Na revista nmero 21 do Centro de Cincias, Letras e Artes de Campinas, publicada em 31 de dezembro de 1915, Laura foi homenageada com a publicao de sua foto com a seguinte legenda: "Da poeta dO Espelho, pessoalmente sabemos muito pouco (...). Literariamente vale pelo talento esttico. (...) atribumos a ela um posto distinto, entre as melhores cultoras de verso no Brasil." Agradecendo a oferta que Laura fez de seu livro Poesia ao Centro de Cincias, Letras e Artes, seu ento diretor, o escritor. Alberto de Faria, escreveu-lhe revelando a dificuldade em aceitar a idia da poesia feminina como coisa sria: 29 Correio da Manh. 16.02.1964. Laura Brando. Soltando a Voz nos Sales Literrios 220 "Os vossos versos so bem versos de moa, pela pureza do sentimento e pelo recato da graa: prefiro-os a outros de maior vibrao, exatamente porque os vossos posso comunicar s minhas filhas." 30 Mas no era este o nico registro possvel. Andrade Muricy, bacharel em direito pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, alm do magistrio exercido na Escola Superior do Comrcio e no Conservatrio Nacional de Canto Orfenico, colaborava nos jornais A Folha e A Tribuna, no Rio de Janeiro, nos quais fazia crtica literria e musical; igualmente nas revistas Amrica Latina e A Festa que, com Tasso da Silveira, fundou e dirigiu. Redator e crtico musical do Jornal do Comrcio, foi ainda diretor do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e membro da Academia Paranaense de Letras. Publicou uma longa crtica a respeito da poesia de Laura no livro Alguns Poetas Novos na qual dizia: "Dificilmente o crtico poder apontar os caracteres ntimos. Alm disso, os seus caractersticos espirituais so mltiplos e talvez ainda incertos. Alguns deles apresentam-se duma simplicidade adorvel, outros arrogantes, muitos elevados a altitude j notvel de arrebatamento e inspirao. Talento bem moderno pela capacidade receptiva inteligente da existncia contempornea. (...) o caracterstico predominante em dona Laura da Fonseca e Silva a tendncia para o pensamento, para a poesia meditativa, em tom singular e concentrado (...) a fora espiritual notvel. (...) A fora de suas composies levam-nos convico de que suas possibilidades artsticas so muito vastas e muito promissoras..." 31 30 Carta manuscrita, assinada por Alberto Faria em 25 de maio de 1916, em Campinas- SP. 31 MURICY, Andrade. Alguns poetas novos. Rio de Janeiro, Carmo, 1918, P. 21-27. Ver tambm artigo de Emilie Carra Guerra no Imprensa Popular de 30 de janei- ro de 1955. Maria Elena Bernardes 221 Cadernos AEL, n. 3/4, 1995/1996 Apesar destas excees, o estranhamento d o tom principal s apreciaes crticas sobre o trabalho de Laura. Outro crtico, Nestor Victor, considerado, segundo Raimundo de Menezes, um dos maiores crticos de literatura no Brasil 32 , escreveu-lhe duas longas cartas, onde fez minuciosas observaes sobre sua produo potica: " (...) Poesia e Imaginao so como dois dirios ntimos, escandalosamente francos, na castidade nunca desmentida das suas expresses artsticas. E quem veja seus livros assim como os vejo, em tudo os ver perfeitos (...). So duas obras essencialmente femininas de uma quase criana, to comovedora quanto admirvel. Do ponto de vista do esprito, s precursora, por enquanto, do que sero, decerto, as nossas moas amanh quando estas puderem corresponder-lhe em luzes e coragem intelectual. (...) e para expressar-lhe o meu apreo e minha admirao, com os votos que fao para que continue a compor versos, ao que raramente se deve incentivar uma mulher. Serenidade no me deu a impresso que de seu ttulo se podia esperar. Em seu conjunto, pelo contrrio, um livro doloroso, pungente, intimamente desordenado, falta de equilbrio, mesmo, como Imaginao e Poesia no so (...). um livro que, at nas suas alegrias e trivialidades, reflete uma fase da vida verdadeiramente convulsiva, to prpria da mocidade. Todos ns, os muito sensveis, atravessamos essas quadras, que na ocasio parece que vo nos matar. Elas no matam, fecundam-nos, quando somos fortes. 32 Foi tambm professor e vice-diretor do Instituto do Ginsio Nacional, depois Colgio Pedro II, e da Escola Superior do Comrcio. Morando em Paris, em 1901, foi correspondente de O Pas e do Correio Paulistano. Tradutor e revisor, trabalhou para a Livraria Garnier, para a qual traduziu La sagesse et la destine, de Maeterlinck. Colaborou no Correio da Manh e foi crtico literrio do jornal O Globo desde sua fundao, em 1926. MENEZES, Raimundo. Dicionrio Literrio Brasileiro. Rio de Janeiro, Livros Tcnicos e Cientficos Editora S/A, 1978, p. 708. Laura Brando. Soltando a Voz nos Sales Literrios 222 Confio que a senhora mostrar que o . Do seu grande talento lcito ainda esperar-se muito. Meias Dzias de Fbulas antes de vir luz ningum imaginaria que em sua natureza at a to normalmente feminina e de um feminismo to brasileiro, estivesse a coragem e a crueza de manejar a stira com o talento, com que nele a senhora o fez. Neste livro de agora quero destacar o soneto 'Vo Todos': 'Recatadas meninas danadeiras De jongo e tango em fulgidos sales Nobres velhas, alcoviteiras Destas meninas e de rapages (...) Jornalistas annimos, capazes De fazer guerra e de fazer as pazes Por qualquer soma abaixo de chinfrim Calunias quem pura e vos desgosta No me dou a desonra da resposta - Mando Cambronne responder por mim' Infelizmente, dir-lhe-ei com franqueza, tal evoluo se afigura muito ingrata ao meu senso esttico, produzindo-se numa natureza de mulher. Eu preferiria muito mais que a senhora encontrasse em si outros recursos para manter o seu tnus vital, que no esses, to inexorveis, to aberrantes do seu sexo. Sempre seu sincero admirador e amigo." 33 O comportamento titubeante dos pares em aceit-la, ao que parece, no a intimidava. Em "Variaes da Lua", um de seus mais expressivos 33 Trechos de cartas manuscritas, assinadas por Nestor Victor em dezembro de 1916 e em 10 de dezembro de 1918, no Rio de Janeiro. Maria Elena Bernardes 223 Cadernos AEL, n. 3/4, 1995/1996 poemas, que emocionava mesmo depois da "Ballade a la Lune", de Musset, e do "Lenilnio", de Raimundo Corra, na opinio de Andrade Muricy, Laura expressava seu ideal de independncia enquanto poeta e mulher; mas no se iludia, pois sabia que o seu destino era transgredir as regras estabelecidas, pois o cotidiano, com seus cdigos normatizadores da moral, apagava a luz daquelas que ousavam brilhar por seu prprio mrito: "Vagando e divagando devagar, A Lua pelo Espao amplo navega A compor, a sorrir, a idealizar... Pobre Lua, que a um sonho vo se entrega: Sonha que tem luz prpria, independente - Pensa que Estrela-Guia a Lua cega (...) Vagando e divagando devagar navega pelo Espao fora a Lua Como se navegasse em pleno Mar. Vai girando, e parece que desliga, A sofrer, a sorrir, a serenar, Na alta misso de Apstola-Poetisa, Vagando e divagando devagar..." Logo aps o seu casamento, em 1921, realizou-se no salo da Biblioteca Nacional uma homenagem memria de Castro Alves. Entre os convidados estavam os escritores e artistas da poca. Laura foi convidada a recitar uma poesia do homenageado. Segundo a lembrana de Octvio Brando, "Laura chegou toda de branco, os longos cabelos negros envolvendo a fronte como um laurel. Subiu o estrado para recitar. Laura Brando. Soltando a Voz nos Sales Literrios 224 Seu rosto ficou todo iluminado. Transfigurou-se. Os olhos brilharam cheios de vida, de emoo e lirismo. No silncio profundo, as estrofes imortais do fragmento sobre a cachoeira de Paulo Afonso foram rolando como uma catarata de harmonias... ." 34 Apesar do reconhecimento pelos seus pares, enquanto declamadora, aos poucos, foi deixando os sales. Os intelectuais e literatos como Alberto de Oliveira, Nestor Victor, Coelho Neto, Hermes Fontes, Clvis Bevilqua, Joo Ribeiro, entre outros, todos admiradores e amigos de Laura, apesar de brilhantes, eram porta-vozes, segundo Octvio Brando, de posies ideolgicas consideradas burguesas 35 . Autodidata obsessivo, Brando foi tambm conhecido pelas polmicas que causou, e no foram poucas as divergncias registradas por todos os lugares onde passou. muito provvel que esta tenha sido uma das razes pelas quais, aos poucos, ela tenha se afastado definitivamente do ambiente literrio. Ela, que at ento fazia parte de uma elite intelectual, que havia se firmado na sociedade patriarcal como mulher e conquistado, pelo seu talento e personalidade, respeito e visibilidade, depois que encontrou Octvio Brando saiu deste universo e se envolveu com um mundo considerado marginal e obscuro, o dos comunistas 36 . Por esta ocasio, Alberto de Oliveira, num encontro com Brando, na Livraria Alves, rua do Ouvidor, constatando que h tempo Laura nada publicava, alertava: "No deixe emudecer a grande voz de Dona Laura." 37 34 BRANDO, O. Op. cit., Pasta 120, p. 100. 35 Idem, ibidem, Pasta 120, p. 140. 36 Marginal do ponto de vista do universo social em que at ento vivera. No entanto, no perodo, do ponto de vista de partido de esquerda, era o que existia como perspectiva de intervir no destino da Nao. 37 BRANDO, O. Op. cit., Pasta 120, p. 59. Maria Elena Bernardes 225 Cadernos AEL, n. 3/4, 1995/1996 Mas ela prpria j pressentia que a poeta estava morrendo desde 1919, quando escreveu o poema "Aurora e Poente", dedicado ao companheiro: "E se eu fosse feliz?... De vez em quando, Agora Me ponho A imaginar, fico pensando Desde que me surgiste Inesperadamente No triste Poente, Sem matizes, do meu sonho, Como uma exuberante aurora Colorida Que me exalta a reerguer o meu Dia da Vida! A minha vida bem meu livro derradeiro A tua vida como o teu livro, uma estria! O teu primeiro livro, a mais justa esperana Dos livros que ho de vir, glorificando a idia Do Futuro-Maior que o teu valor alcana! Quando nasceste Eu j sabia ler... e estrias a tua arte Quando eu acabo na minha arte neste Contraste h luz que chega e luz que parte... O teu Dia comea, o meu Dia termina: Teu Sol levante! minha Estrela Vespertina... E se eu fosse feliz?...E se ressuscitasse O meu dia que morre em teu dia que nasce?..." Octvio, concordando que os caminhos de Laura a partir de ento estavam submetidos ao seu destino, respondeu com o poema "Reflorir": Laura Brando. Soltando a Voz nos Sales Literrios 226 "Sol poente de hoje o sol nascente de amanh Toucando a serrania, o valado, a rech. (...) Sabes que ser esposa, o amor, de um homem como eu? Poders ressurgir. Mas a ressurreio Ser grito de guerra e pean de redeno Se te sentes com fora, eleva-te Montanha Vem comigo, a abraar a minha alma tamanha." Sua voz no emudeceu. No entanto, mudou de tom. Assim, passou a ser ouvida nas ruas, nas praas, no plenrio da cmara municipal do Rio de Janeiro, nos sindicatos e nos comcios. E mesmo que a militncia comunista tenha imprimido uma armadura em seus poemas, a poeta ressuscitou vrias vezes: no exlio, quando a saudade e os sentimentos de cidad brasileira falaram mais forte, nos momentos de angstia e dor vividos em conseqncia da guerra, e at no leito de morte, quando o tom militante cede espao antiga poeta, que retoma a delicadeza de seus primeiros versos. Mesmo que sua vida tenha mudado de rumo, sua produo enquanto poeta foi bastante razovel. Ao longo do tempo publicou regularmente nos jornais e revistas da imprensa comercial e operria, alm de ter tido quatro livros editados. Sua primeira publicao foi o poema "Relgio" (1910), na revista Fon-Fon, Rio Janeiro, com o pseudnimo de Marab Carioca: "(...) Onde o tempo, esboando vrias cores, buscas em vo, mitigar a infinita sede (...) Maria Elena Bernardes 227 Cadernos AEL, n. 3/4, 1995/1996 relgio, livro indito da vida, ao tempo e pelo tempo, desfolhado - numa constncia ingrata e dolorida." O Correio da Manh, em 1913, publicou na primeira pgina seu poema "Homem": "... quem desanima o raro ideal profana..." Na seo "As Nossas Poetas" da revista Fon-Fon 38 , agora devidamente identificada, inclusive atravs da publicao de uma foto, anunciava: "A jovem poeta Laura da Fonseca e Silva, to modesta quanto talentosa, de quem publicamos seu lindo soneto "Viso": "Desde que comecei a fazer versos, H uma boa viso que me acompanha: Olhos profundos de uma cor estranha, Ao cu, erguidos, ou no mar, imersos. Colhe sons, luzes e aromas no ar, dispersos Para brindar-me pela dor tamanha Diz, prometendo a paz nesta campanha, Que os grandes males tem grandes reversos! E ela, a boa viso, num gesto ledo, Respondeu-me em dulcssimo segredo At acabares de fazer poesia!" Os olhos da poeta continuaram por muitos anos atentos aos sons, luzes e cores. Com a lente de poeta via o mundo e registrou suas vises em livros: Poesia (1915), Imaginao (1916), Meia Dzia de Fbulas (1917) e Serenidade (1918) 39 . Embora Laura no seja, hoje, quase um sculo depois, uma poeta conhecida entre ns, no se pode dizer o mesmo em seu tempo - quando eram raras as mulheres literatas e que enfrentavam 38 Fon-Fon, Rio de Janeiro, 08.03.1913. 39 Fundo Octvio Brando, AEL/IFCH/UNICAMP. Pasta "Poemas". Os quatros livros foram impressos no Rio de Janeiro, sem editora. Laura Brando. Soltando a Voz nos Sales Literrios 228 dificuldades para se fazerem respeitar. Sua produo no perodo foi, sem dvida, um sucesso. 3. CONSOLIDANDO A VISIBILIDADE CONQUISTADA Talvez Laura tenha mesmo aprendido a fazer-se de "surda" s regras impostas s mulheres. Atravessou o mundo com paixo e viveu sem nenhuma cerimnia na defesa das bandeiras em que acreditava. Segura e serena, j estava com quase trinta anos e ainda continuava solteira , o que, para a poca, era considerado um demrito. Havia, no entanto, conquistado espao no mundo das letras e independncia financeira exercendo o magistrio. No difcil imaginar que ela discutisse com o escritor Jos Oiticica, com quem mantinha relaes de amizade, os artigos que ele escrevia para a revista anarquista Vida. Em um dos artigos, Oiticica argumentava que o verdadeiro feminismo deveria propor que a mulher tivesse uma profisso que lhe desse independncia econmica e, portanto, a liberdade. Argumentava, ainda, que a mulher duplamente explorada - pela sociedade e pelo homem - ficava impedida de exercer livremente sua vontade e que suas aes eram controladas. Insistiam, segundo Oiticica, em mant-la na ignorncia, no percebendo que era ela quem educava os filhos e, portanto, deveria ser bem instruda 40 . Sufragistas, anarquistas, socialistas, catlicas. Opinies e posturas diversas marcavam o debate sobre a questo feminina na sociedade brasileira. No consta que Laura tenha participado de maneira organizada de nenhum grupo ou associao feminista. No entanto, sua postura a aproximava das posies anarquistas, inclusive pelo relacionamento prximo que mantinha com Oiticica e das relaes de amizade com Maria Lacerda de Moura. E ela no ficou fora do debate instaurado no perodo. possvel que tenha comeado por a seu caminho em direo militncia 40 OITICICA, Jos. Vida. Rio de Janeiro, 31.12.1914, p. 6 e 31.01.1915, p. 4. Maria Elena Bernardes 229 Cadernos AEL, n. 3/4, 1995/1996 poltica. Com a publicao de seu livro Meia Dzia de Fbulas, em 1917, deliciosamente desmascara o falso moralismo em relao s mulheres e, de forma divertida e irnica, explicita uma viso poltica tecendo sua representao da sociedade: Na fbula "Sociedade Protetora", por exemplo, a histria sobre um terreiro, onde as galinhas, com seus pintinhos e frangas amargam a "sobra da misria", provocada pelo luxo das marrecas. Decide-se ento, no terreiro, criar uma Sociedade Protetora do "sexo fraco", com a ajuda dos patos - jornalistas - que promovem grandes festas para arrecadar dinheiro. No final, a "marreca mor" eleita presidenta da sociedade. Certamente, sua crtica foi dirigida aos valores inquestionveis que so insistentemente trabalhados na impressa da poca com o objetivo de "moldar" a sociedade de acordo com seus princpios de verdade. Laura responsabilizou o sistema econmico e social pela misria e pelo luxo de poucos. Por fim, denunciava os "jogos polticos" quando concluiu que a "marreca-mor" foi eleita presidenta. Segundo Octvio Brando, a publicao desta fbula resultou no fechamento de uma associao criada por damas cariocas, que tinha como objetivo "proteger" a mulher. Por outro lado, foi um escndalo, principalmente por ter sido escrito por uma mulher. Algumas filhas de famlias "respeitveis" foram proibidas de ler seus poemas 41 . provvel que as "marrecas" da sociedade, que dirigiam as tais entidades femininas direcionadas filantropia, tenham se sentido atingidas e patrocinado alguma campanha de boicote ao que Laura escrevia. Sua crtica hipocrisia em relao moral sexual foi descrita em "Temporo", outra fbula. A filha da viva Raposa casou-se, mas teve uma criana seis meses e meio depois do casamento. O macaco, que era mdico parteiro foi chamado e calmamente tranqilizou a pobre viva porque estava acostumado a ver casos ainda mais "extraordinrios": nascerem crianas com quatro meses! Assim como em "Ms Lnguas" , posta em dvida a paternidade de uma criana. Laura satiriza, dizendo que seja filho de quem for, sendo filho natural, legtimo ser. Em "Praga Feminina", critica a vaidade dos galos que desprezam as galinhas 41 BRANDO, O. Op. cit., Pasta 120, p. 55. Laura Brando. Soltando a Voz nos Sales Literrios 230 inteligentes e independentes que vivem a cantar, salientando que o destino delas contentarem-se com o canto da galinha d'angola: estou fraca, estou fraca, estou fraca... Roga uma praga e sobre os galos presunosos cai toda uma srie de desgraas ridculas. Nestas trs ltimas fbulas, critica a postura masculina machista que cultuava a imagem da moa recatada, como smbolo de honestidade, e a ordem patriarcal que alijava as mulheres da vida pblica em todas as esferas, confinando-as na dependncia emocional e financeira, primeiro do pai e, depois, do marido 42 . Em relao moral sexual vigente, parece concordar com Maria Lacerda de Moura quando esta escreveu: "A imoralidade no est no amor fora do casamento, est no casamento ou nas unies livres fora do Amor." 43 Ao lado das anarquistas, Laura, em suas fbulas, d-nos pistas sobre como se sentia diante do puritanismo imposto s mulheres "de famlia" e defende o rompimento das tradies seculares da dependncia feminina. Neste sentido, derrubou barreiras vivendo sua vida de acordo com suas escolhas e concepes; ousou ser dona de sua prpria histria. Se poucas mulheres no comeo deste sculo tiveram uma atuao na vida pblica, Laura se destacou como uma mulher poeta e comunista, que no aceitou a praxe da passividade feminina nas lutas sociais e polticas. Na medida em que conhecemos seus sonhos e sua batalhas, ela se torna nossa contempornea - uma mulher que acreditava firmemente que a felicidade pessoal poderia ser conquistada sem sacrificar a vida pblica, e cuja luta por uma vida pessoal e pblica foi rdua, obstinada e nem sempre recompensadora. 42 Sobre este assunto, ver BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1985 e RAGO, Margareth. Do cabar ao lar. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985, p. 74-83. 43 MOURA, Maria Lacerda. Religio do amor e da beleza. So Paulo, Typ. Condor, 1916, p. 103.