HILSDORF Hist Educ Bras Cap 3 A Ilustração No Brasil
HILSDORF Hist Educ Bras Cap 3 A Ilustração No Brasil
HILSDORF Hist Educ Bras Cap 3 A Ilustração No Brasil
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Laboratorio quimico da Universidade de Coimbra, mandado erigir pelo Marques de Pombal,
e onde estudaram e trabalharam muitos brasileiros no final do seculo XVIII.
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A ILUSTRACfAONO BRASIL
1. NossoPonto de Vista
A mentalidade ilustrada que promoveu a reforma da cultura e do ensino do perio-
do pombalino foi capaz de dar urn novo rumo it educas;ao,tanto na metropole quanto
na colonia, em termos de renovas;ao metodologica, de conteudos e de organizas;ao:
essa assertiva sera discutida neste texto, que procura mostrar a existencia de uma
escola ilustrada no Brasil, entre 1770e 1820(0 periodo da "crise do sistema colonial"),
ao mesmo tempo resultante e promotora da circulas;ao das ideias da Ilustras;ao em
Portugal e aqui. Esse ponto de vista inverte as colocas;oes mais conhecidas sobre 0
periodo pos-pombalino da historia da escola brasileira, 0 qual tern sido descrito ainda
nos termos de Fernando de Azevedo: como 0 de urn grande vazio, "meio seculo de
decadencia e de transis;ao" (A Cultura Brasileira, p. 548; p. 533).
De outra parte, procuramos ter presente 0 alerta de Luis Carlos Villalta, 0 qual,
baseado em Vovelle, considera as mentalidades prisioneiras da longa duras;ao,e fala
assim, das sobrevivenciasjesuiticas que detecta na educas;aoescolar dos fins do seculo
XVIII, como as praticas de memorizas;ao,de disputas orais e uso de autores latinos do
canone jesuitico, ao inves da observas;aoe da experiencia preconizadas pelas reformas
pombalinas. Tambem, para esse autor, em Minas Gerais os padroes quantitativos nao
teriam side alterados com a crias;aodas aulas regias pombalinas, mantendo-se estavel
o numero dos que sabiam assinar 0 seu nome mesmo depois das medidas de 1772.
Concordando comele, confirmamos a interpretas;aorestritiva das reformas pombalinas
apresentada anteriormente: afinal, 0 Marques era ilustrado, mas nao urn democrata.
2. Ideias "Afrancesadas"
A aproprias;ao oficial do Ecletismo e do Iluminismo em Portugal foi feita, como
vimos anteriormente, pelos "estrangeirados", cuja mentalidade de renovas;ao daso-
27
Historio do Educo<;ao Brasileiro
ciedade portuguesa foi encampada e apoiada por Pombal enquanto primeiro-ministro
de D. Jose I (1750-1777)e posta em circula~ao pel as institui~oes regias, inclusive
as escolares. Por essa razao dizemos, entao, que a I1ustra~aopombalina tern limites
dados pelo seu componente absolutista, e se nao foi "acovardada" como quer Anita
Novinsky, foi conservadora e reformista. Se, de urna parte, possibilitou a divulga~ao
da estetica neochissica, do pensamento modemo, ilustrado, sobretudo aquele que era
do interesse do regalismo pombalino de linha antiultramontana, e da pnitica ilustra-
da cientifica e pragmatica, produzidos e reproduzidos ambos pela Universidade de
Coimbra reformada em 1772e pelos professores secundarios regios, de outra, como
diz essa autora, as ideias ilustradas no seu aspecto mais avanyado, que e 0 da filosofia
politica liberal e democratica, somente a1canyarama mentalidade portuguesa depois
de Pombal,ja nos finsdo seculoXVIII e iniciodoXIX.I
Para encontrar uma posiyao mais radical temos de falar da outra I1ustra~ao,
aquela nio-oficial, clandestina, dos que viajavam e traziam livros e panfletos ou
transmitiam oralmente suas ideias discordantes, subversivas. Anita Novinsky con-
sidera ate que esses "afrancesados" tiveram suas ideias refor~adas com a leitura das
obras dos pensadores ilustrados franceses, mas nao foi com eles que a discordancia
critica teve origem: ela diz que ja e possivel perceber urn movimento de critica e
contesta~ao expresso sobretudo em termos de religiosidade, de "descristianizayao
interior", presente ao longo de todo 0 periodo colonial (a "heterodoxia religiosa" de
que fala S. Buarque de Holanda nos seus estudos sobre 0 Brasil colonial), mas que
devido it repressao da Inquisiyao foi praticado no interior dos circulos familiares,
estudantis e profissionaise era conhecidoe propagadono "boca a boca".2 Vozes
discordantes nao seriam, portanto, criayao ou privilegio dos movimentos ilustrados
dos fins do seculo XVIII, mas sim manifestayao de urna antiga mentalidade "sub-
terdnea" de contesta~ao.
Tendo como referencial essa analise, que permite focalizar a apropriayao e 0
uso das ideias ilustradas e liberais pela colonia entre 1770e 1822nos dois pIanos,
o oficial e 0 nao-oficial, vamos apresentar alguns caminhos que mostram como a
disseminayao das ideias foi feita pelos letrados e intelectuais, os quais, porem, nao
ternposse exclusiva delas, pois elas tambem tern difusao oral entre 0 povo. Em outras
No Brasil, este influxo iria ao encontro de movimentos contestat6rios em Minas (1789-94), Rio de Janeiro (1794), Bahia
(1798), Pernambuco (1801 e 1817)e da pr6pria Independencia de 1822.
Podemos chegar amesma conclusao pensando nas coloca~es feitas por Hoomaert e Koshiba, que apontam a pouca
influencia dos jesuftas no "mundo dos engenhos" dos seculos XVI e XVII.
28
i .
Capitulo 3: A lIustra<;oono Brasil
palavras, vamos ver como a Ilustra9ao circula na colonia e que parte a escola teve
nisso: enfun, quais os inter-relacionamentos entre uma e outra.
3. Caminhosda Ilustra~io no Brasil
3.1 Os alunos
No Brasil as ideias "afrancesadas" chegam com os alunos que estudavam fora da
colOnia.Com seus estudos cientificos modernos p6s-reforma, Coimbra era a univer-
sidade mais procurada, podendo ser considerada como uma verdadeira matriz de toda
uma gera9ao de intelectuais e cientistas que iniciaram 0 cultivo das ciencias naturais
e exatas. 0 historiador R. Maxwell diz que nos anos letivos de 1786 e 1787 foram 1
matriculados nos cursos de Coimbra, respectivamente, 27 e 19brasileiros, sendo 12
e dez mineiros, 0 que explica para ele 0 envolvimento de Minas na Inconfidencia
de 1789-94. E por que havia essa grande porcentagem de mineiros indo estudar na
Coimbra reformada? Provavelmente porque, entre 1699e 1750,com a produ9ao do
ouro, Minas apresenta outra composi9ao social, complexa, com bastante mobilidade,
com atividades economicas diversificas e urbanizadas e maior riqueza cultural; nao
e patriarcal como a "sociedade do a9ucar" nem sofreu a influencia da presen9a dos
jesuitas ou outras ordens religiosas nos seculos XVI e XVII.
Mas outros centros de estudo das modernas ciencias naturais e medicas - como
Edimburgo, Paris e Montpellier - eram tambem muito procurados.
Exemplos desses alunos sao:
o Domingos Vidal Barbosa, urn participante da conjura9ao mineira, que
cursou medicina em Montpellier. Essa faculdade era considerada urn
foco de jansenistas, grupo nao aceito pela hierarquia da Igreja Cat61ica,
mas que, enquanto opositor dos jesuitas, teve sua doutrina bastante
divulgada no reino;3
o Mariano Jose Pereira da Fonseca, que estudou na nova Faculdade de Filo-
sofia de Coimbra, e Jacinto Jose da Silva, que estudou medicina em
Os jansenistas opunham-se aos jesuitas tanto nos aspectos da moral (eram rigoristas, ao pas so que os jesuitas
eram laxistas) quanta nos dogmaticos (os jansenistas tem uma imagem profundamente negativa do homem, como
um pecador cujo batismo - que inscreve 0 fiel na "barca da Igreja" - nao garante a salva9ao). Se para eles a Gra9a
divina que salva 0 fiel "vem quando quer", 0 melhor entao e preservar a inocencia infantil, educando a razao e a
vontade, aquela para reconhecer os perigos do mundo, esta para escolher sempre 0 bem. Oaf as praticas pedag6gicas
defendidas pelos jansenistas de vigilancia constante dos alunos reunidos em pequenos grupos, de sele9ao das
leituras, de isolamento (nada de viagens de forma9ao, como era de uso na epoca).
29
Historia da Educa<;ao Brasileira
Montpellier, ambos envolvidos no processo da Sociedade Liteniria do
Rio de Janeiro;
D Jose Alvares Maciel, que estudou ciencias naturais em Edimburgo e
filosofia em Coimbra, formando-se em mineralogia, e foi conjurado em
1789,morrendo degredado em Angola;
D Vicente Coelho de Seabra Teles, que estudou filosofia e ciencias naturais
em Coimbra (e considerado urn dos iniciadores da quimica cientifica na
colonia), e participou da Sociedade Liteniria do Rio de Janeiro.
Sabemos que todos eles possuiam e liam nao apenas os autores modernos refe-
rendados pela censura pombalina, como tambem os expurgados e proibidos pela Real
Mesa Censoria, como Diderot, 0 Abade Raynal e Rousseau (0 Emilio). Ou seja, esses
estudantes dominavam tanto a versao oficial das Luzes quanto a versao mais subver-
siva. 0 Abade Raynal, por exemplo, era urn autor muito difundido, principalmente
o seu texto Historia das Duas lndias, 0 qual, publicado em 1772,ja era discutido
pelos inconfidentes mineiros em 1789,porque, entre outras ideias, encontraram nele
sugestoes de "como fazer urn levante".
Nem todos os alunos de Coimbra foram contestadores e revoluciomirios. Muitos
dos brasileiros que estudaram nessa Universidade foram aproveitados na adminis-
tra<;aometropolitana, colocando a forma<;aocientifica e pragmatica nela recebida a
disposi<;aoda domina<;aocolonial. Aatua<;aodesses intelectuais-cientistas emrela<;ao
a colonia foi estudada por M. Odila Dias no texto "Aspectos da Ilustra<;aono Brasil",
muito esclarecedor do que foi uma das presen<;asda Ilustra<;aoentre nos.
3.2 Os livros
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....
I
4.
Mas encontramos tambem aqueles que, mesmo tendo sido alunos dos jesuitas e nunca
saido da colonia, dominavam a literatura ilustrada. E0 caso do inconfidente mineiro
Luis Vieira da Silva, conego e professor de filosofia, 0 qual, segundo Eduardo Frieiro,
tinha uma biblioteca com cerca de 270 titulos e 800 volumes de literatura "condenada";
Villalta avalia a composi<;ao desse acervo em 52,7% de livros profanos e 35% de livros
sacros. Outro inconfidente, 0 poeta Inacio Jose de Alvarenga Peixoto, tinha uma "livraria"
minima, toda de fora dos canones pombalinos: textos de Voltaire, Metastasio e Crebillon
e a Arte da Gramatica Latina, do padre jesuita Manuel Alvares, proibida por Pombal.
Mais urn exemplo da existencia de urn publico leitor que consumia avidamente
essa literatura: 0 texto de Mably, "Direitos e Deveres dos Cidadaos", publicado em
1789, que ja era aqui discutido poucos anos depois, como se verifica pelos documentos
apreendidos por ocasiao da devassa da Sociedade Literaria do Rio de Janeiro, orde-
nada pelo Conde de Rezende, em 1794.
30
Capitulo 3: A lIustra<;oono Brasil
Isso significa que as ideias chegavam pelos livros, que circulavam de fato na
colonia. Villalta lembra 0 professor regio de filosofia Manoel Jose de Siqueira, no-
meado para a distante Cuiaba, que levou consigo ao assumir a cadeira, em 1796,
uma "livraria" com 98 titulos. Mas os livros e impressos nao estavam apenas nas
maos dos estudantes e letrados. Aqui tambem haveria urn "submundo" da literatura
ilustrada e/ou revoluciomiria,como R. Darnton mostrou emrelac;aoas luzes na Europa
continental? A pergunta e pertinente porque, mesmo sem imprensa na colonia, as
ideias circulavam empanfletos e capias manuscritas, em cadernos de notas, emtextos
embarcados clandestinamente e vendidos com muita rapidez para os interessados,
porque, segundo lembra bem R. Maxwell, livros sao mercadoria, tern valor economi-
co. Roberto Ventura confirma que a circulac;ao das ideias "afrancesadas" ultrapas-
sava 0 ambito das elites esclarecidas, pois foram encontrados cadernos com capias
manuscritas de autores franceses proibidos, como Rousseau, entre os participantes
da Inconfidencia Baiana de 1798,a chamada "Conjurac;ao dos Alfaiates", que teve
grande embasamento e participac;ao das camadas populares.
Eborn lembrar, entao, que aqui tambem estao presentes os dois lados da questao:
se havia circulac;aolegal de livros, havia igualmente 0 contrabando; se havia 0 controle
da Real Mesa Censaria e as ordens de embargo do rei, havia a circulac;aoclandestina,
mais nipida e eficiente.
3.3 As sociedadesletradas
As sociedades coloniais letradas, ou de ideias, tambem fizeram circular a Ilustrac;ao.
Urn primeiro grupo e representado pelas Lojas Mac;onicas, que tern urn caniter ini-
ciMico, secreto. Ja se disse que as trocas entre mac;onaria e Iluminismo sao "pura
osmose", e e bem conhecida a figura dos mac;onscolportores, que viajavam levando
e distribuindo a literatura clandestina entre os dois lados do Atlantico. Mas, ainda
assim, e preciso lembrar que a mac;onaria do seculo XVIII e, de modo geral, mais
conservadora do que aquela do seculo XIX: estava envolvida com a Ilustrac;ao, mas
nao com a revoluc;aode per si.
Outro grupo onde houve circulac;ao das ideias ilustradas parece ter sido 0 das
academias literarias. A. Candido estudou, ha alguns anos, em urn texto intitulado
"Minerva Colonial", a existencia de dois tipos de agremiac;oesliterarias no Brasil dos
seculos XVII e XVIII: as barrocas e as ilustradas. As barrocas ou maneiristas sao
"oficiais", tanto no sentido de que foram instaladas sob a protec;ao das autoridades
quanto naquele de servir de reforc;oaos padroes e valores estabelecidos, fossem es-
teticos, fossem politico-sociais. Congregavam intelectuais "fradescos" e palacianos,
figuras literarias oficiais, como as que se reuniam nas Academias "dos Esquecidos"
(1724-26) e "dos Renascidos" (1759-60), na Bahia, e nas Academias "dos Felizes"
31
Hist6rio do Educo<;ao Brasileiro
(1736)e "dos Seletos" (1754), no Rio de Janeiro. As academias ilustradas, para A.
Candido, sao mais livres do que as barrocas e promovem as ideias do seculo. Tern
simpatia pelos estudos cientificos e sociais e adotam a estetica neochissica, padrao
da Ilustrayao. Tambem cortejam 0 poder, mas como tatica para passar 0 contrabando
das ideias modernas. Esse autor acha que estas sociedades ilustradas ja tern urn com-
promisso com a realidade social, pois produziram obras que tematizam aspectos e
questoes da epoca, como os poemas Uraguai, de Basilio da Gama, contra osjesuitas;
o Desertor das Letras, de Silva Alvarenga, que celebrou a reforma da Universidade
de Coimbra; e 0 Reino da Estupidez, de Melo e Franco, que satirizou a administrayao
de D. Maria I. A Sociedade Cientifica (1772)- depois recriada como Sociedade
Literaria (1779-95)- e a Casa dos Passaros (1779), ambas no Rio de Janeiro, reuniam
intelectuais que realizaram a passagem do tipo "neutro" para 0 tipo "patriota", ou seja,
aquele empenhado em difundir as luzes, educando os homens nas "ideias francesas"
para poder enfrentar os problemas sociais da colOnia.Urn dos seus organizadores foi
Manuel Inacio da Silva Alvarenga, formado em direito (1776) na Universidade de
Coimbra reformada. Mestre pombalino de retorica e poetica no Rio de Janeiro, desde
1783,possuidor de uma biblioteca de 1576exemplares, com muitos livros proibidos,
esse defensor das "ideias francesas" foi preso e processado de 1794a 1797,por ocasiao
da devassa na instituiyao. Seu nome e representativo daquele tipo de intelectual que
ve 0 homem de letras como "urn agente positivo da vida civil".
Ainda que atualmente essa rigorosa dicotomizayao proposta por A. Candido
esteja superada, pois sabe-se que a Sociedade Literaria esteve sob 0 controle das
proprias autoridades da metropole e que muitas das atitudes de inovayao que essas
instituiyoes apresentavam tinham urn sentido mais conservador do que revoluciona-
rio, e interessante observa-las como espayo de embricamento das duas correntes da
Ilustrayao na colonia, a pombalina e a afrancesada.
3.4 Os professores
Como vimos, muitos desses ilustrados sao professores das escolas pombalinas, princi-
palmente das disciplinas mais adiantadas, cientificas e literarias: a retorica e a poetica,
as matematicas e a filosofia. Ensinavampelos textos da ilustrayao oficial, aprovadapor
Pombal, mesmo depois que, nos fins do seculo XVIII, a administrayao da metropole
liberou 0 uso de qualquer texto nas escolas, inclusive os antigos metodos dosjesuitas.
Antonio Paim estudou os professores regios de filosofia desse periodo e concluiu que
ensinavam pelos autores recomendados nas instruyoes e regulamentos pombalinos,
como Genovesi e Heinetius, para filosofiamoral e racional, Euclides, para geometria,
Muschembrock, para fisica, Altieri para aritmetica e geometria, Bezout, para aritme-
tica, Job, para etica, e Storchenau, para logica.
32
Capitulo 3: A lIustra~ao no Brasil
Epreciso lembrar que a reforma pombalina foi implantada com muita dificul-
dade na colonia pela oposiyao dos partidarios dosjesuitas e pelo desvio dos recursos
do Subsidio Literario que aconteceu durante a administrayao de capitaes-mores re-
trogrados, como mostrou Miriam Xavier Fragoso para a capitania de Sao Paulo, nas
ultimas decadas do seculo XVIII. Mas, aos poucos, inclusive pel a ayao das Camaras
Municipais junto as autoridades da metropole, foi criada uma rede de aulas avulsas
de primeiras letras, gramatica latina, grego, retorica e poetica, filosofia, matematica
superior e geometria nos moldes das reformas pombalinas.
Na Bahia, por exemplo, usando as informayoes de L. dos Santos Vilhena nas
suas "Cartas Soteropolitanas", temos a seguinte situayao em 1799:
[J em Salvador: 6 aulas de primeiras letras + 4 de gramatica latina + 1 de
geometria + 1 de grego + 1 de retorica + 1 de filosofia;
[J em Ipitanga, Sra. do Monte, Nazare, Nova Real, Muritiba e Rio Vermelho:
1 de primeiras letras;
[J em S. Joao d'Agua Fria: 1 de gramatica latina;
[J em Cachoeiro, Ilheus, Porto Seguro, Sto. Amaro, Itaparica, S. Francisco,
Camamu, Caravelas, Sta. Luzia, Sergipe del Rei, Vitoria, Jacobina,
Jaguaripe e Itapagipe: 1 de primeiras letras + 1 de gramatica latina;
No Ceara, por volta de 1800, existiam 5 aulas de primeiras letras e 5 de grama-
tica latina.
Para Sao Paulo, considerada emrelayaoaos outros centros economicos da colonia
uma capitaniapobre, semrecursos, urn panorama dosprofessorespombalinos existentes
entre 1772e 1801pode ser observado no quadro da pagina 29.
Em Pernambuco, alem das aulas avulsas, foi criado urn Seminario, isto e, urn
colegio, para a formayao de padres com dominio da ciencia aplicada as necessidades
do Estado portugues: ex-aluno da Universidade de Coimbra reformada, bispo e gover-
nador da capitania, Azeredo Coutinho abriu em Olinda, no inicio de 1800, no mesmo
predio do antigo colegio dosjesuitas, 0 Seminario Nossa Senhora das Grayas,40 qual,
rompendo com 0 ensinojesuitico, fazia a aplicayao dos principios ilustrados:
[J pelos seus objetivos, de formayao de padres que atuassem como agentes
da metropole para a modernizayao economica da colonia, pois seriam
preparados segundo os principios do conhecimento cientifico moderno,
ilustrado. Alem de "pastores de almas", os alunos seriam futuros "padres-
Ele criou tambem uma institui"ao feminina, 0 Recolhimento Nossa Senhora da Gloria, para educar as maes de familia.
33
Historia da Educa~oo Brasileira
exploradores", conhecedores das riquezas minerais, vegetais, hidricas, e
realizariam estudos para 0 seu aproveitamento pela Coroa portuguesa;
o pelo seupIanode estudos, que deveriaincorporar as literaturas elinguas chis-
sicas, as linguas modernas, a gramatica portuguesa, as modernas ciencias
naturais e exatas, desenho, geografia, cronologia e teologia;
o pela sua metodologia, que se baseava em rela~oes novas entre mestres e
discipulos, mais brandas, sem castigos fisicos e com apelo a personalidade
do aluno, indicando que a sensibilidade nao era cultivada apenas pelos
leitores de Rousseau, mas atraia tambem os adeptos da ilustra~ao oficial.
A a~aopedagogica de Azeredo Coutinho e exemplar para 0 entendimento da ja
aludida orienta~aopragmatic a das Luzes, pois, se 0 Seminario que criou foi 0 celeiro
dos futuros revoluciomirios pernambucanos de 1817,ele proprio apoiava a escravidao
e foi 0 ultimo grande inquisidor do reino portugues.5 Seria muito interessante, alias,
estudar desse ponto de vista a a~ao do clero e de outras congrega~oes religiosas da
epoca, como fez Francisco Adegildo Ferrer com a ordem franciscana: este autor per-
cebeu que os frades reformaram sua ordem de acordo com as ideias de Pombal e se
tornaram agentes da igreja, da cultura e da escola ilustrada em Portugal e no Brasil.
3.5 A obrajoanina
Finalmente podemos considerar a obra joanina como parte dessa a~ao ilustrada na
colonia. 0 desembarque de D. Joao no Rio, em 1808, acabou com 0 "exclusivo me-
tropolitano", abrindo a colonia para as trocas economicas e culturais com a Inglater-
ra. Segundo A. K. Manchester, com a vinda de D. Joao - programada desde 1807
conjuntamente com os ingleses - houve grandes mudan~as nos sistemas economico,
social e cultural da colonia, mas nao no sistema fiscal, na administra~ao da justi~a
e na organiza~ao militar.
A a~aojoanina na educa~ao escolar acompanha a tendencia geral apontada pela
historia da educa~ao para os seculos XVIII e XIX, de perda pela Igreja da gestao da
educa~ao escolar para os funciomirios do Estado, ao manter as seguintes caracteris-
ticas das reformas de 1759-1772:estatiza~ao, no sentido de concentrar 0 controle da
educa~aoescolar dos niveis secundario e superior nas maos do Estado, e pragmatismo,
no sentido de oferecer conhecimento cientifico utilitario, profissional, em institui~oes
de ensino avulsas, isoladas, segundo 0 modelo ilustrado.6
Alguns autores negam 0 carater revolucionario do movimento de 1817. destacando que seus participantes nao pro-
punham a abolilfao das relayoes escravistas na colonia.
Outro modele da epoca era a OpyaOnapoleonica (liberal) da universidade centralizadora.
34
Capitulo 3: A lIustra<;ao no Brasil
Aulas regias e mestres pomballnos em Sao Paulo: 1772 -1801
Fonte: M. X. Fragoso (1972)
Houve aula de geometria no convento de Sao Francisco em 1771, sendo professor frei Jose do Amor Divino Duque.
Tinha 9 alunos em 1801.
Tinha 53 alunos em 1801.
Tinha 43 alunos em 1801.
Tinha 5 alunos em 1801.
Pelo soldo militar.
35
Cldade Prlmeiras Letras Gramatlca Latina Ret6rica Fllosofia
Sao Paulo1 Jose Carlos dos Pedro Homem Pe. Francisco
Pe. Roque Soares
Santos Bemardes da Costa Xavier de
de Campos
(1768-76) (1774-97) Passos (1774-82) (1786-1801)
Januario Santana Andre da Silva Estanislau Jose Francisco Vieira
de Castro
Gomes (1797- de Oliveira (1782- Goulart (1799-
(1776-97)3 1804)4 1801 )2 1801,1804-?)
Joao Pereira da
Silva Gomide
(1797-1801)
Santos Jose Leocadio Jose Luis Moraes
Pinto de Moraes
Castro (1786-
(1795-1801) . 1801)5
Guaratingueta Manoel Gon<;alves
Franco (1798-
1801)
Paranagua
Jose Bernardo Jose Carlos de
da Silva (1783)
Almeida Jordao
Francisco Inacio (1786-98)
do Amaral (1786-
98)
Taubate
Tenente Francisco
de Paula Simoes
(1786-1801)6
Jundiai
Manoel Rabelo
Xavier (1799-1801)
Curitiba Antonio Xavier
Ferreira (1789-
1801)
Manoel T. Cardoso
de Oliveira (1791-
1801)
Sao Sebastiao Pe. Joao Amaro
da Silva (1795-98)
Sao Vicente Leandro Bento
de Barros (1791-98)
Parnaiba
Pe. Joao
Rodrigues Coelho
(1795-98)
Mogi-Mirim
Floriano Jose Pe. Joao
Rodrigues (1795-98) Rodrigues Coelho
(1799-1801)
Mogi das
Floriano Jose AntonioFreire
Cruzes
Rodrigues (1799- Henriques (1795-
1801) 98)
Itu
Antonio Freire
Henriques (1799-
1801)
Historio do Educa<;Cio Brasileira
Sob essas diretrizes foram criadas varias aulas avulsas de niveis medio e su-
perior para formar os quadros superio-
res da politica e da administra~ao da
Coroa portuguesa sediada na colonia
(ver quadro ao lado).
No Rio de Janeiro seria criada
ainda, em 1816,a Escola Real de Cien-
cias, Artes e Oficios, instalada dez anos
depois como Escola de Belas Artes.
Luis Antonio Cunha fala ainda de
tentativas de se criar 0 ensino de of1-
cios manufatureiros, segundo 0 modelo
escolar (os ilustrados nao aceitavam
mais 0 modelo de forma~ao em
"corpora~oes de oficios"), que teria se
desenvolvidojunto aos estabelecimen-
tos militares do Rio e da Bahia: era
escolar, e nao corporativo, mas dado
em separado do ensino nas aulas regias
avulsas, porque era destinado especifi-
camente aos pobres e amos.
Ve-se, pois, que e dificil atualmente aceitar a afirma~aode Fernando de Azevedo
(A Cu/tura Brasileira, p. 545), de que "a a~ao reconstrutora de Pombal nao atingiu
senao de raspao a vida escolar da colonia". Alias, ate e preciso lembrar que as aulas
regias criadas pela legisla~ao pombalina-joanina nao foram as unicas existentes nos
fins do periodo colonial nem mesmo no pIano da iniciativa publica, estatal: alem de
professores pagos pelo soldomilitar, de mestres de capela pagos pela folha eclesiastica
do Reino (que, alem de musica, tambem ensinavam latim e primeiras letras), existiam
professores mantidos pelas diversas ordens religiosas nos conventos e recolhimentos,
mestres particulares, contratados pelas familias, e aqueles que ensinavam atividades
produtivas do tipo costura e marcenaria, compondo urn quadro rico e diversificado,
indicando nao a exclusividade, mas a presen~a do poder publico ilustrado no campo
da educa~ao escolar no periodo pas-pombalino.
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36
Area
Capitania
Ano
Marinha RJ 1808
Militar RJ 1810
Cirurgia
SA 1808
Anatomia e Cirurgia
RJ 1810
Agricultura
SA 1812
Agricultura
RJ 1814
Qurmica RJ 1812
Qurmica SA 1817
Desenho Tecnico SA 1818
Desenho Tecnico MG 1818
Comercio RJ 1810
Economia Polltica SA 1809
Matematica Superior
PE 1809
Desenho MG 1817
Hist6ria MG 1817
Economia SA 1808
Serralheiros,
MG 1812
espingardeiros
e oficiais de lima
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