2 JEAN HYPPOLITE, LGI CA E EXI STNCI A

DL

[1954]

Gnese e estrutura da Fenomenologia do Esprito
NT

conservava tudo de Hegel e o comentava.

A inteno deste novo livro muito diferente.
Hyppolite questiona a Lgica,
a Fenomenologia
e a Enciclopdia
a partir de uma idia precisa
e sobre um ponto preciso.

A filosofia deve ser ontologia,
no pode ser outra coisa;
mas no h ontologia da essncia,
s h ontologia do sentido.

A est, parece,
o tema desse livro essencial,
cujo prprio estilo de uma grande potncia.

Que a filosofia seja uma ontologia
significar, primeiramente,
que ela no antropologia.

A antropologia quer ser um discurso sobre o homem.
Como tal, ela supe o discurso emprico do homem,
no qual esto separados
aquele que fala
e aquilo de que ele fala.

A reflexo est de um lado
e, de outro, est o ser.

O conhecimento, assim compreendido,
um movimento que no um movimento da coisa,
permanecendo, pois, fora do objeto.

Portanto, o conhecimento uma potncia de abstrair,
e a reflexo uma reflexo exterior e formal.

Desse modo, o empirismo remete a um formalismo,
assim como o formalismo remete a um empirismo.



DL
Revue philosophique de la France et de ltranger, vol. CXLIV, n 7-9, julho-setembro de 1954, pp 457-460.
Logique et existence foi publicada em 1953 pela PUF. Jean Hyppolite (1907-1968), filsofo, especialista em
Hegel, era professor de Deleuze no liceu Louis-le-Grand em curso preparatrio para a Escola Normal Superior;
vindo a ser professor na Sorbonne, dirigiu em seguida (com Georges Canguilhem) o Diploma de Estudos
Superiores que Deleuze consagrou a Hume; a dissertao foi publicada pela PUF com o ttulo Empirisme et
subjectivit, em 1953, na coleo Epimthe, dirigida por Hyppolite. Em entrevistas, Deleuze evoca
reiteradamente sua admirao de estudante por Hyppolite, ao qual, alis, Empirismo e subjetividade foi
dedicado. Para alm da homenagem, essa obra o primeiro texto em que Deleuze formula explicitamente a
hiptese de uma ontologia da pura diferena, que constituir, como se sabe, uma das teses essenciais de
Diferena e repetio.
NT
Jean Hyppolite, Gense et structure de la Phnomnologie de lEsprit de Hegel, Paris, Aubier-Montaigne,
1946.
A conscincia emprica
uma conscincia que se dirige ao ser preexistente
e relega a reflexo subjetividade.

A subjetividade ser tratada, pois,
como um fato,
e a antropologia se constituir
como a cincia desse fato.

Que, com Kant,
a subjetividade devenha um direito,
nada muda no essencial.

A conscincia crtica
uma conscincia que reflete o si do conhecimento,
mas que relega o ser coisa em si.

certo que Kant se eleva identidade sinttica
do sujeito e do objeto,
mas somente de um objeto relativo ao sujeito:
essa prpria identidade a sntese da imaginao,
no posta no ser.

Kant ultrapassa o psicolgico e o emprico,
mas permanecendo no antropolgico.

Enquanto a determinao for apenas subjetiva,
no samos da antropologia.

Se preciso sair dela, como faze-lo?

As duas questes so apenas uma:
o meio de sair dela
tambm a necessidade de sair dela.

Que o pensamento se ponha como pressuposto,
Kant o viu admiravelmente:
ele se pe, porque ele se pensa e se reflete,
e ele se pe como pressuposto
porque o todo dos objetos o supe
como aquilo que torna possvel um conhecimento.

Assim, em Kant,
o pensamento e a coisa so idnticos,
mas o que idntico ao pensamento
somente uma coisa relativa,
no a coisa enquanto ser, em si mesma.


Para Hegel, portanto,
trata-se de elevar-se verdadeira identidade
da posio e do pressuposto,
isto , ao Absoluto.

Na Fenomenologia,
o livro mostra-nos que a diferena geral
do ser e da reflexo,
do em-si e do para-si,
da verdade e da certeza,
desenvolve-se nos momentos concretos de uma dialtica,
cujo prprio movimento consiste em suprimir essa diferena
ou somente conserva-la como aparncia necessria.

Nesse sentido,
a Fenomenologia parte da reflexo humana
para mostrar que tal reflexo e sua seqncia
conduzem ao saber absoluto que elas pressupem.

Trata-se, precisamente, como diz Hyppolite,
de reduzir o antropolgico,
de resgatar a hipoteca de um saber
cuja fonte alctone.

Mas no somente no final ou no incio
que o saber absoluto .

J se encontra em todos os momentos:
uma figura da conscincia ,
de uma outra maneira,
um momento do conceito;

a diferena exterior entre a reflexo e o ser ,
de uma outra maneira,
a diferena interna do prprio Ser,

vale dizer, o Ser idntico diferena,
mediao.

Uma vez que a diferena da conscincia
retornada ao si,
esses momentos apresentam-se, ento,
como conceitos determinados
e como seu movimento orgnico fundado em si mesmo.

Dir-se- que h orgulho tomar-se por Deus,
dar-se o saber absoluto.

Mas preciso compreender
o que o ser
em relao ao dado.

O Ser, segundo Hyppolite,
no a essncia,
mas o sentido.


Dizer que basta este mundo-aqui
no somente dizer que ele nos basta,
mas que ele basta a si
e que ele remete ao ser,

no como essncia para alm da aparncia,
no como a um segundo mundo, que seria o Inteligvel,

mas como ao sentido deste mundo-aqui.

J encontramos esta substituio
da essncia pelo sentido em Plato, sem dvida,
quando ele mostra que o prprio segundo mundo
o tema de uma dialtica
que faz dele o sentido deste mundo-aqui,
no um outro mundo.

Mas o grande agente da substituio
ainda Kant,
porque a crtica troca
a possibilidade formal
pela possibilidade transcendental,

o ser do possvel
pela possibilidade do ser,

a identidade lgica
pela identidade sinttica da recognio,

o ser da lgica
pela logicidade do ser

em suma, a essncia pelo sentido.

Que no haja segundo mundo
, assim, de acordo com Hyppolite,
a grande proposio da Lgica hegeliana,
porque ela a razo de transformar a metafsica em lgica
e, ao mesmo tempo, em lgica do sentido.

Que no haja alm-mundo

significa que no h um alm do mundo
(porque o Ser somente o sentido),
significa que no h no mundo um alm-mundo do pensamento
(porque no pensamento o ser que se pensa),

significa, enfim, que no h no prprio pensamento
um alm da linguagem.

O livro de Hyppolite uma reflexo
sobre as condies de um discurso absoluto;

os captulos sobre o inefvel e sobre a poesia
so essenciais a esse respeito.

As pessoas que tagarelam
so as mesmas que acreditam no inefvel.


Porque o Ser o sentido,
o verdadeiro saber no o saber de um Outro,
nem de outra coisa.

De certa maneira, o saber absoluto
o mais prximo, o mais simples, ele est a.

Nada h para se ver atrs da cortina
ou, como diz Hyppolite,
o segredo que no h segredo.

V-se, ento, qual a dificuldade,
aquela que o autor assinala fortemente:

se a ontologia uma ontologia do sentido
e no da essncia,
se no h segundo mundo,
como pode o saber absoluto distinguir-se ainda do saber emprico?
No recamos na simples antropologia
que tnhamos criticado?

preciso que o saber absoluto
compreenda todo o saber emprico
e nada compreenda alm disso,
pois nada distinto dele h para ser compreendido,

e, contudo, preciso, ao mesmo tempo,
que ele compreenda sua diferena radical
relativamente ao saber emprico.

A idia de Hyppolite a seguinte:
o essencialismo, apesar das aparncias,
no era o que nos protegia do empirismo
e nos permitia ultrapassa-lo.

Na viso da essncia,
a reflexo no menos exterior do que no empirismo ou na pura crtica.

O empirismo
punha a determinao como puramente subjetiva;

o essencialismo
vai to-somente ao fundo dessa limitao
ao opor as determinaes entre si
e estas ao Absoluto.

Esto ambos do mesmo lado.

A ontologia do sentido, ao contrrio,
o Pensamento total que s conhece a si em suas determinaes,
que so momentos da forma.

No emprico e no absoluto
h o mesmo ser e o mesmo pensamento;
mas a diferena emprica, externa,
entre o pensamento e o ser,
cede lugar diferena idntica ao Ser,
diferena interna do Ser que se pensa.

Por isso, o saber absoluto
distingue-se efetivamente do saber emprico,

mas s se distingue deste ao negar, tambm,
o saber da essncia indiferente.

Portanto, na lgica,
ao contrrio do que ocorre no emprico,
no se tem, de um lado, o que eu digo
e, de outro, o sentido daquilo que digo
sendo a persecuo de um pelo outro a dialtica da Fenomenologia.

Meu discurso logicamente ou propriamente filosfico,
ao contrrio, quando digo o sentido daquilo que digo,
e quando, deste modo, o Ser se diz.

Um tal discurso, estilo particular da filosofia,
s pode ser circular.

de se notar, a esse respeito,
as pginas de Hyppolite sobre o problema do comeo em filosofia,
problema que no apenas lgico, mas pedaggico.

Hyppolite ergue-se, portanto,
contra toda interpretao antropolgica ou humanista de Hegel.
O saber absoluto no uma reflexo do homem,
mas uma reflexo do Absoluto no homem.

O Absoluto no um segundo mundo
e, todavia, o saber absoluto distingue-se efetivamente do saber emprico,
assim como a filosofia distingue-se de toda antropologia.

Sobre isso, entretanto,
se devemos considerar como decisiva
a distino feita por Hyppolite
entre a Lgica e a Fenomenologia,
a filosofia da histria no teria com a Lgica
uma relao mais ambgua?

Hyppolite diz:
como sentido, o Absoluto devir;

mas, como no se trata, sem dvida,
de um devir histrico,
(histrico designando aqui algo totalmente distinto
da simples caracterstica de um fato),
qual a relao do devir da Lgica com a histria?

A relao entre a ontologia e o homem emprico
est perfeitamente determinada,
mas no a relao entre a ontologia e o homem histrico.

E quando Hyppolite sugere que preciso
reintroduzir a prpria finitude no Absoluto,
no corremos o risco de um retorno ao antropologismo,
sob nova forma?


A concluso de Hyppolite permanece aberta:
ela cria o caminho de uma ontologia.

Mas gostaramos de indicar que a fonte da dificuldade
j se encontrava, talvez, na prpria Lgica.

Se a filosofia tem uma significao,
ela o tem somente por ser uma ontologia,
e uma ontologia do sentido,
o que se pode reconhecer justamente
a partir de Hyppolite.

O que se tem no emprico e no absoluto
o mesmo ser e o mesmo pensamento;
mas a diferena entre o pensamento e o ser
ultrapassada no absoluto pela posio do Ser idntico diferena,
ser que, como tal, se pensa e se reflete no homem.

Esta identidade absoluta do ser e da diferena
chama-se sentido.

Porm, em tudo isso
h um ponto no qual Hyppolite mostra-se completamente hegeliano:
o Ser s pode ser idntico diferena
medida que a diferena seja levada ao absoluto,
ou seja, contradio.

A diferena especulativa
o Ser que se contradiz.

A coisa se contradiz porque,
distinguindo-se de tudo aquilo que no ,
ela encontra seu ser nessa prpria diferena;
ela s se reflete refletindo-se no outro,
pois o outro seu outro.

este o tema que Hyppolite desenvolve
ao analisar os trs momentos da Lgica:
o ser, a essncia e o conceito.

Hegel criticava em Plato e em Leibniz
o no terem ido at a contradio,
de terem permanecido,
um, na simples alteridade
e, o outro, na pura diferena.

Isto supe, pelo menos,
que no s os momentos da Fenomenologia
e os momentos da Lgica no so momentos no mesmo sentido,
mas supe tambm que h duas maneiras,
a fenomenolgica e a lgica,
de se contradizer.

De acordo com este to rico livro de Hyppolite,
poder-se-ia perguntar o seguinte:
no se poderia fazer uma ontologia da diferena
que no tivesse de ir at a contradio,
justamente porque a contradio seria menos e no mais do que a diferena?


A contradio no somente
o aspecto fenomnico e antropolgico da diferena?

Hyppolite diz que uma ontologia da pura diferena
nos restituiria a uma reflexo puramente exterior e formal
e, afinal de contas, se revelaria ontologia da essncia.

Entretanto, a mesma questo poderia ser levantada de outro modo:

a mesma coisa dizer que
o Ser se exprime
e dizer que ele se contradiz?
Se verdade que a segunda e a terceira parte do livro de Hyppolite
fundam uma teoria da contradio no Ser,
na qual a prpria contradio o absoluto da diferena,
em troca disso,
na primeira parte
(teoria da linguagem)
e em todo o livro
(aluses ao esquecimento, reminiscncia, ao sentido perdido),
no estaria Hyppolite fundando uma teoria da expresso,
na qual a diferena a prpria expresso
e, a contradio, seu aspecto apenas fenomnico?