O documento discute as patologias existenciais no mundo hipermoderno. Primeiramente, descreve as características da sociedade hipermoderna, incluindo a ênfase no indivíduo, no mercado e na tecnologia. Em seguida, explica que embora a hipermodernidade promova o prazer individual, também gera comportamentos angustiados e patológicos, devido à liberdade excessiva e ausência de limites.
O documento discute as patologias existenciais no mundo hipermoderno. Primeiramente, descreve as características da sociedade hipermoderna, incluindo a ênfase no indivíduo, no mercado e na tecnologia. Em seguida, explica que embora a hipermodernidade promova o prazer individual, também gera comportamentos angustiados e patológicos, devido à liberdade excessiva e ausência de limites.
O documento discute as patologias existenciais no mundo hipermoderno. Primeiramente, descreve as características da sociedade hipermoderna, incluindo a ênfase no indivíduo, no mercado e na tecnologia. Em seguida, explica que embora a hipermodernidade promova o prazer individual, também gera comportamentos angustiados e patológicos, devido à liberdade excessiva e ausência de limites.
O documento discute as patologias existenciais no mundo hipermoderno. Primeiramente, descreve as características da sociedade hipermoderna, incluindo a ênfase no indivíduo, no mercado e na tecnologia. Em seguida, explica que embora a hipermodernidade promova o prazer individual, também gera comportamentos angustiados e patológicos, devido à liberdade excessiva e ausência de limites.
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A existncia e suas patologias no mundo hipermoderno
Jos Paulo Giovanetti
FAJE e FEAD
Ao entrarmos no sculo XXI, constatamos mudanas radicais no modo de vida das pessoas. Hoje se valoriza muito mais o presente do que o futuro, e as aes individuais do que as aes coletivas; o consumo se firma como a ao que trar a felicidade para o ser humano, e curtir o momento passa a ser a mxima dos novos tempos. Estamos entrando numa era que est sendo denominada de light, isto , uma vida light, uma sexualidade light, etc. O termo light passa a ser o adjetivo dos novos tempos. Contudo, essa libertao do indivduo de quase todas as suas sujeies, expressas na Revoluo de 1968 ocorrida na Frana, onde o lema fundamental era proibido proibir, trouxe grande problema para o homem contemporneo, qual seja: como se organizar, como se posicionar diante de tanta libertao, seja da libertao cultural, seja da libertao feminista, etc. O homem encontra-se angustiado e vivendo patologias que expressam sua desadaptao ao novo modo de vida que construiu. Assim, o sculo XXI se caracteriza como o perodo em que o aspecto paradoxal a marca registrada, porque ao mesmo tempo em que ele estimula os prazeres (o hedonismo, o consumo, a festa), ele produz comportamentos angustiados e patolgicos (CHARLES, 2009, p. 29). O nosso objetivo neste texto ser explicitar esse paradoxo, ou seja, as caractersticas desse novo modo de viver a contemporaneidade, denominado hipermoderno, e suas implicaes no cotidiano. Desse modo, tentaremos desvendar as angstias e os dilemas desse homem, mostrando alguns dos impactos da vida denominada light na subjetividade, como tambm revelar algumas formas de adoecimento, de patologia. Dessa maneira, dividiremos a exposio em trs partes. Na primeira, visaremos apontar algumas das especificidades do modo de viver do homem hipermoderno. Na segunda parte, destacaremos algumas ressonncias na subjetividade humana, isto , falaremos de alguns impactos das transformaes macro que aconteceram na sociedade ocidental e que provocaram angstias e patologias prprias do sculo XXI. Patologias essas que expressam a lgica paradoxal da hipermodernidade. Num terceiro momento, procuraremos, sucintamente, falar de alguns tipos de adoecimento do homem hipermoderno.
1 A sociedade hipermoderna O termo hipermoderno comeou a ser usado por alguns estudiosos da Frana no intuito de mostrar que, a partir dos anos 1990, a sociedade ocidental vem se organizando de forma especfica, tendo principalmente no consumo e no individualismo os seus pilares principais. Lipovetsky, socilogo e filsofo francs, que por diversas vezes veio ao Brasil para palestras e debates e possui diversas obras traduzidas para o portugus, o grande responsvel pela divulgao do termo hipermodernidade. Assim, vamos tomar esse vocbulo para designar uma forma de organizao da sociedade ocidental. O termo hipermodernidade designa o perodo a partir dos anos 1990 e incio do sculo XXI, em que o homem light, longe de ter alcanado a felicidade, vive profundas angstias. A hipermodernidade no nem o reino da felicidade absoluta nem o reino do niilismo total. Em certo sentido, nem de concluso do projeto do iluminismo nem da confirmao das sombrias previses de Nietzsche(CHARLES, 2009, p. 110).
1.1 Os eixos estruturantes da sociedade hipermoderna
a) A afirmao do indivduo Hipermodernidade o nome que se d a uma nova organizao da sociedade ocidental contempornea, em que o lugar do indivduo na sociedade um dos eixos estruturantes. Evidentemente, que a afirmao do indivduo como ponto nodal na organizao da sociedade vem acontecendo desde a implantao da modernidade no sculo XVIII, mas, atualmente, uma demanda de autorrealizao jamais vista exacerba o princpio individualista. Com isso, difundem-se os valores do hedonismo no campo social ao insistir na vivncia de sentimentos de prazer, de bem-estar ou de conforto (CHARLES, 2009, p. 136). Trata-se, portanto, de gozar a vida com o mximo de curtio. Viver o momento presente se caracteriza por um conflito de posturas, uma vez que assistimos a um descompasso entre o hedonismo individualista, apresentado como ideal de vida, e a moral crist feita de renncia, abnegao, jejuns e privaes (CHARLES, 2009, p. 136). Desse modo, os valores hedonistas (prazer, gozo da vida, busca do bem-estar e do conforto) passam a ser as diretrizes de cada um. Contudo, a grande conquista do homem, hoje, baseando-se nesse princpio do individualismo, que cada um deve assumir a sua vida. Se no incio da modernidade tnhamos a afirmao do princpio individualista como centro organizador da vida humana, atualmente a exacerbao desse princpio nos possibilita afirmar que estamos numa nova fase que comeou nos anos 1960 com a segunda revoluo do indivduo e que, agora, no incio do sculo XXI, denominada de hiperindividualista. Dessa forma, estamos vivendo uma cultura hedonista e psicolgica que incita satisfao imediata de necessidades, estimula a urgncia do prazer (LIPOVETSKY, 2004, p. 85),
cria uma mentalidade de desenvolver livremente todas as potencialidades, isto , o indivduo deve ser mais livre e sem renunciar ao que a sociedade oferece em termos de conforto e lazer. Vida sem fim e sem sentido.
b) A valorizao do mercado Outra base da hipermodernidade a mudana no eixo econmico. evidente que continuamos no mesmo modelo econmico, ou seja, estruturado em uma economia de lucro contrria economia de sobrevivncia que predominou at a Idade Mdia. O que se acelerou nessas ltimas dcadas foi a luta para que o Estado no interviesse no mercado. o mercado que dita as normas e as regras econmicas. Esse princpio estruturante da hipermodernidade sofreu um abalo com a crise econmica que se instaurou no mercado no ano de 2008. Se o mercado queria ser cada vez mais independente do Estado com o neoliberalismo dos anos 1980, a situao gerada pela crise hoje merece uma reflexo mais cuidadosa sobre a dialtica entre o mercado e o Estado. Esse ponto da sociedade contempornea vai demandar uma nova articulao entre esses dois polos, e o mercado ter de se adequar a algumas normas do Estado, deixando de ser absoluto em si mesmo. A autorreferncia do mercado talvez tenha de ser marcada por algumas coordenadas tradicionais.
c) A eficcia tcnica O terceiro pilar da atual sociedade ocidental a valorizao da cincia e da tcnica, que cada vez mais se entendem complementares. Se no incio da modernidade a cincia puxava a tecnologia, hoje a tecnologia que o motor do desenvolvimento cientfico. A tecnologia chegou a um grau de expanso e domnio que a vida para ser vivida depende cada vez mais do desenvolvimento tecnolgico. A evoluo dos computadores com a internet, a cada dia mais veloz, acelera de tal forma nossa vida que qualquer acontecimento j passado no momento seguinte. Por sua vez, a internet tambm possibilita fazer contato com pessoas no momento em que se desejar e em qualquer parte do mundo. Alm da evoluo da internet, temos os telefones celulares cada vez com mais tecnologia, possibilitando aos seus usurios atividades das mais variadas, como tirar fotografia, realizar filmagens, enviar mensagens, assistir televiso, etc. Os aparelhos de vdeo domsticos tambm nos possibilitam fazer uma programao pessoal e assistir s ao que nos interessa e na melhor hora. Todas essas evolues tecnolgicas acabam sendo prticas e mais individualizadas. Estamos em contato com o mundo inteiro, com uma comunidade (por exemplo, o Orkut), mas, ao mesmo tempo, isolados na frente do computador, deixando de lado o contato face a face para privilegiar o contato virtual. Se antes se tinha um nico telefone e um nico aparelho de televiso em uma famlia, hoje, em uma casa, cada um dos seus membros possui o seu aparelho de TV, no quarto, e o seu celular e notebook pessoais. Muitas vezes, no mesmo aparelho celular, j se tem dois nmeros (dois chips diferentes).
1.2 O centramento no Eu A segunda questo importante da sociedade atual se expressa por meio do fenmeno que denominaremos de centramento no Eu, que tem como caracterstica principal forar ao extremo o desenvolvimento livre das potencialidades. Podemos observar esse fenmeno por intermdio de dois movimentos. O primeiro caracteriza-se pela divulgao do consumo; o segundo, pela emancipao da moda. Todas as duas lgicas vividas na sua espontaneidade so no fundo uma afirmao do princpio individualista. Tudo se organiza e se estrutura em funo do Eu. O excesso a marca registrada da sociedade de consumo, visto que, como nos diz Lipovetsky:
[...] ela existe sob o signo do excesso, da profuso de mercadorias, pois agora esse se exacerbou com os hipermercados, e shopping centers, cada vez mais gigantescos, que oferecem uma pletora de produtos, marcas e servios. Cada domnio apresenta sua virtude excrescente, desmensurada, sem limites (LIPOVETSKY, 2004, p. 75).
A sociedade do consumo se estrutura fundamentalmente baseada em duas premissas, mesmo no sendo essas verdadeiras, que impulsionam cada vez mais o homem para o ato de consumo. A primeira mxima que o novo melhor do que o antigo. Pensamos que os produtos novos so sempre superiores em relao aos produtos antigos. Assim, um DVD atual melhor que o modelo lanado no ano passado. S porque tem mais funes, e o design mais bonito, o aparelho novo cobiado e merece investimento. Diz Lipovetsky que com o design o mundo dos objetos se desprende da referncia ao passado, ele coloca fim ao que pertence a uma memria coletiva para ser no mais que uma presena hiperatual (LIPOVETSKY, 1987, p. 198). Chamamos a ateno para o fato de que o exemplo simplesmente de um DVD, e no de um computador, que a cada semana apresenta um modelo novo para seduzir o cliente. A essa mxima podemos ajuntar uma segunda, que : Voc no pode deixar de escolher. As opes so tantas na sociedade que impossvel deixar de no fazer uma escolha. Como exemplo, podemos dizer que se uma pessoa for a uma videolocadora, a quantidade de filme disponvel para sua escolha tamanha que ela se sentiria constrangida a no sair com um deles. O indivduo se v pressionado a fazer sempre uma escolha diante de tantas opes, da diversidade de modelos de roupas, de culos, etc. A hiperescolha passa a ser o referencial do nosso dia a dia. O nmero cada vez maior de possibilidades, como tambm o nmero de canais na TV a cabo, faz-nos viver o processo contnuo da seduo, atravs dos mais variados mecanismos, a saber: sempre estar em contato com uma novidade; sempre ter a possibilidade de escolher; sempre ter a sensao de bem-estar diante do que faz; sempre pensar na busca do lazer. O fenmeno da moda, por sua vez, contribui de forma subliminar para ratificar cada vez mais no seio da atual sociedade o centramento no Eu, j que todo consumo de moda uma afirmao do indivduo. Embora se esteja procurando estar na moda, por exemplo, com um vestido e um sapato da cor predominante no prximo vero, o modelo deve ser exclusivo. muito desagradvel encontrar em uma festa duas pessoas vestidas iguais. Como a moda um dos organizadores da vida contempornea, necessrio ver quais os pilares desse fenmeno para entender a postura das pessoas que so embebidas por ele. As duas caractersticas da moda so: a dimenso do efmero, isto , do passageiro, visto que a cada poca do ano se est sob a ditadura da mudana, e o aspecto da superficialidade, pois, como tudo est em contnua mudana, no h possibilidade do aprofundamento. Essas duas caractersticas se firmaram como os princpios organizadores da vida coletiva. A moda o agente supremo do dinamismo individualista nas suas diversas manifestaes (LIPOVETSKY, 1987, p. 20). Uma nova ideologia se instaura no mundo contemporneo, ou seja, a ideologia da moda.
2 O modo de ser do homem hipermoderno O homem da sociedade hipermoderna um hiperindividualista. Isso significa que ele est cada vez mais centrado em si mesmo e que a dimenso coletiva e a estruturao de si pelo papel das instituies ganham menos importncia. Hoje, a famlia, o Estado, a religio, s para citar as instituies consideradas mais significativas no passado, no tm mais lugar na organizao da vida contempornea. O homem est entregue a si mesmo e, por isso, tem de estar nessa busca e sempre se autoinventar. Nessa tarefa de construo, poderamos pensar que o futuro seria a dimenso mais importante da temporalidade, mas o imediatismo que tem maior peso na organizao da vida. O presente integra cada vez mais o porvir. O homem atual se preocupa com sua sade no futuro e tambm com as questes do envelhecimento, uma vez que ele viver mais. Todavia, o indivduo hipermoderno continua sendo um indivduo para o futuro, um futuro congregado na primeira pessoa (LIPOVETSKY, 1987, p. 105). Indivduo centrado em si mesmo, desconfiado do Estado e dos aparelhos polticos. Cada vez menos engajado socialmente, e mais engajado consigo mesmo. Outra questo da contemporaneidade que marca o modo de ser do homem que estamos numa sociedade da aparncia, numa sociedade do espetculo. O que vale a hiper- realidade, e no a realidade. Se antes dos anos 80-90, o que valia era o ter, isto , as pessoas se firmavam pelo que possuam, e as diferenas de posse demarcavam o seu lugar na sociedade, agora, mostrar que se rico mais importante do que ser rico. Se outrora o fato de ter mais dinheiro que o outro discriminava esse lugar, hoje, atravs de artifcios de leasing, de aluguel de roupa, por exemplo, mostrar que se tem posse mais importante do que realmente ter. A sociedade da aparncia valoriza o homem bem vestido, com a tendncia da moda, do que aquele que aparenta simplicidade, embora este tenha uma conta de banco polpuda. Viver com estilo , para a constituio do Eu, mais importante do que preocupar com o sustento. Na poca do ter, a posse era importante. Hoje, na poca do parecer, vale o que se mostra, ou melhor, o indivduo vale pelo que parece ser, como j dissemos. Qual o tipo de vida que o homem contemporneo privilegia? O que ele vive no seu dia a dia? Rojas, em seu livro O homem moderno, cujo ttulo original em espanhol mais significativo, El hombre light, diz que o homem atual tem uma vida superficial. Light definiria sua forma de viver, j que est implcita uma mensagem forte: Tudo leve, suave, descafeinado, ligeiro, areo, fraco e tudo tem baixo contedo calrico (ROJAS, 1996, p. 69). Para o autor, o termo light, que tem conotao positiva com respeito alimentao, reflete claramente uma vida muito pobre. A vida light caracteriza-se pelo fato de que tudo est sem calorias, sem gosto ou interesse; a essncia das coisas no importa, s quente o superficial (ROJAS, 1996, p. 70). Desse modo, se olharmos para vrios aspectos da vida, descobriremos que o que se l, atualmente, de extrema superficialidade. a literatura de consumo rpido, sem quase nada denso que merea realmente nossa ateno, que serve no mximo para combater o tdio de uma tarde de frias (ROJAS, 1996, p. 76). So as revistas de fofoca que invadem os consultrios mdicos e servem como leitura light para o paciente, que se angustia com seus problemas. Como estamos tambm dentro de uma civilizao da imagem, as revistas que no do prioridade s reportagens, aos artigos reflexivos, mas sim s fotos maravilhosas, so as que tm a ateno do homem light. Vale mais uma revista Caras, uma Contigo, do que uma revista Bravo. O importante ser superficial, saber mais da vida alheia do que enfrentar os prprios problemas, pensar nos fracassos da vida, encarar as tristezas da existncia. Uma das consequncias imediatas desse tipo de vida para as pessoas que esto engajadas na vida acadmica , por exemplo, encontrar com facilidade uma queixa do aluno, quando esse diz: Professor, o texto que o senhor mandou ler muito difcil. Desisti no primeiro pargrafo. Para que fazer um esforo de entendimento das ideias? muito melhor um livro feito para um homem sem cultura, sem critrios definidos e que vive de olho na televiso (ROJAS, 1996, p. 78) do que um livro denso de contedo reflexivo. A cultura da maioria dos brasileiros se reduz aos programas do Slvio Santos (h mais de 40 anos no ar) e do Fausto (tambm no ar, h mais de 15 anos). A cultura da imagem predomina e, na atualidade, chega com fora Universidade, lugar da reflexo e da criao do saber. Outro aspecto de vida que merece uma pontuao e um adjetivo de light a sexualidade. Ter uma vida sexual desgarrada da vida afetiva o modo de viver a sexualidade atualmente. Assim, comum ouvir: Vivo minha sexualidade sem vnculo afetivo. O fenmeno do ficar demonstra que o importante o prazer como fim que move a sexualidade, e no a construo de uma relao. Nas relaes modernas, no existe nenhuma pretenso de conhecer o outro tudo transitrio, epidrmico e intranscedente (ROJAS, 1996, p. 52). importante destacar que no somos contra a expresso de sexualidade. S queremos afirmar que a sexualidade uma linguagem por meio da qual transmitimos a afetividade. Rojas vai mais longe quando diz que a sexualidade light no faz ningum mais seguro de si prprio e nem torna o homem mais compreensivo e humano (ROJAS, 1996, p. 54). Pelo contrrio, a separao entre a vida afetiva e a vida sexual acarretar uma srie de problemas para a vida humana, que se manifestar em vrias patologias, que examinaremos posteriormente. Uma terceira questo para fechar esta segunda parte do texto nos perguntarmos sobre quais so as dimenses da estrutura humana que so valorizadas ou que se apresentam como organizadoras da vida cotidiana. Aqui, quero destacar trs pontos, a saber: tirar algumas concluses sobre o autocentramento do sujeito hipermoderno, destacar como o outro visto na sociedade atual e, finalmente, refletir sobre a maneira de se viver a intersubjetividade. Quais as consequncias mais significativas para a posio do autocentramento do sujeito na sociedade atual? Na atualidade, o individualismo, que se sobressaiu no final do sculo XX e que se expressa no autocentramento do sujeito, atingiu patamares jamais imaginados, e um dos principais efeitos o desaparecimento da alteridade como valor. Esse homem preocupado em satisfazer suas necessidades, em atender aos seus desejos, deixa de lado o outro. E o fechamento sobre si mesmo coloca o outro em segundo plano, quase o tornando irrelevante. No mbito da famlia, em que a presena dos pais fundamental para a constituio do ser, assistimos perda da presena do outro, que passa a no ser mais significativa, quando os pais se sentem despreparados para exercer suas funes e as delegam aos especialistas. Os vnculos afetivos entre os membros perdem intensidade e, por isso mesmo, significao. A desvalorizao do outro chega ao extremo quando se afirma que, para atingir a felicidade, no se precisa do outro. Essa mxima se expressa numa frase de Lasch, retomada por Lipovetsky, em seu livro Era do vazio, quando ele diz: To love myself enough so that I do not need another to make me happy (LIPOVETSKY, 1983, p. 71). Tal expresso mostra que o homem no necessita do outro para ser feliz. Ele tem de se concentrar na satisfao de suas aspiraes e deixar o outro de lado. O que importa para a individualidade a exaltao do prprio Eu. Outro ponto decorrente do anterior, porm, com nuances especficas, a forma de como nos relacionamos com o outro. J que h uma desvalorizao do outro, nessa cultura da afirmao do hiperindividualismo, fica ntida a impossibilidade de poder admirar o outro na sua diferena radical, j que no se consegue se descentrar de si mesmo. O outro apenas visto como objeto para o seu usufruto (BIRMAN, 2001, p. 25). Melhor dizendo, o outro no se apresenta como algum que tem aspiraes e os mesmos direitos do Eu, uma vez que ele visto como um objeto que est diante de uma pessoa para servi-la, para que esta faa dele apenas um indivduo que atenda a uma necessidade. Essa postura aparece muito no desrespeito de aluno para com o professor, situao em que o aluno v o docente no como mestre, mas sim como algum que est ali para ser-lhe til. Nessa perspectiva, qualquer profissional est sempre a servio do indivduo, principalmente se a relao se estabelece na base do dinheiro. Por exemplo, se pagamos a algum pelo servio que nos prestado, o outro mero objeto, mero instrumento que realiza o que estamos necessitando. Pode ser comparada a uma relao com uma prostituta, a qual remuneramos por nos satisfazer uma necessidade, no caso uma necessidade sexual. Essa objetivao do Eu, caracterstica da relao com uma prostituta, estende-se cada vez mais para todas as relaes, inclusive as familiares, em que os pais do jovem individualista so vistos como simples sujeitos esvaziados de significncia educativa. A terceira questo decorrente dessas duas acima apontadas a vivncia da intersubjetividade. J que o outro no tem valor e visto como um objeto, as relaes interpessoais, isto , as relaes humanas, deixam de ser calorosas. Se o que caracterizaria uma relao intersubjetiva eram a intimidade e a intensidade do vnculo afetivo, essa realidade est longe de ser experimentada na sociedade atual. O que se verifica que, no lugar da intimidade, que particularizaria o fortalecimento da interioridade, se experimenta, hoje, uma exterioridade. As consequncias do predomnio da exterioridade como modo de se organizar a vida podem ser constatadas na relao que o indivduo tem com o prprio corpo e com a sua sexualidade. Ele faz do corpo um instrumento do seu desejo. No respeita o corpo como organismo. Submete-o a condies e a exigncias extremas, como, por exemplo, a uma srie de cirurgias para mold-lo estetizao da cultura. O corpo um instrumento e por isso mesmo um objeto que serve para que ele, malhado e sarado, exprima-se como indivduo no seu grupo social. Do mesmo modo, a vivncia da sexualidade exprime s o impulso sexual. A sexualidade light apontada acima mostra como as pessoas tm dificuldade de ir alm do contato sexual e de se entregar a si prprias na relao. Assim, a sexualidade vivida sem qualquer referncia intimidade, entendendo aqui intimidade como uma troca de contedos subjetivos. E, se a sexualidade uma linguagem pela qual transmitimos a afetividade (ROJAS, 1996, p. 53) com o centramento nos desejos do Eu, o sexo passa a ser vivido como algo exterior ao Eu, j que no expressa a intersubjetividade, mas o lan do Eu. As consequncias do modo de ser do homem hipermoderno vo se expressar na fragilidade diante da vida e no sentimento de vulnerabilidade, que exprimiriam insegurana diante da existncia. O homem do sculo XXI apresentar dramas existenciais especficos dessa superficialidade de viver a vida.
3 As patologias da contemporaneidade Essa nova configurao da sociedade contempornea est impondo ao homem outra organizao de vida, que trar resultados diferentes dos at ento vividos. A vida humana, antes centrada no futuro e por isso mesmo baseada nas utopias de progresso e na transformao social, cede lugar a uma vida centrada na presena e na pontualidade do tempo, no aqui e agora, em que as instncias do passado e do futuro se silenciaram relativamente (BIRMAN, 2001, p. 246). Assim, o engajamento do presente passa a predominar, dando nfase s curties do prazer, ao carpen die. A cultura do narcisismo impe ao homem moderno uma centralizao cada vez maior no Eu, deixando, em segundo plano, o outro, e com isso a alteridade passa a perder importncia e a sofrer esvaziamento. A vida contempornea organizada a partir do hedonismo provoca alguns paradoxos. Desse modo, ao mesmo tempo que ela estimula os prazeres (o hedonismo, o consumo, a festa), ela produz comportamentos angustiados e patolgicos (CHARLES, 2009, p. 29). A tirania do prazer pode, num primeiro momento, trazer a sensao de bem-estar, mas, no momento futuro, provoca angstias e comportamento inadequado e frustraes, visto que, ao centrar a vida no presente, o futuro esvanece e tende a perder a importncia na organizao da existncia. O paradoxo est ligado ao fato de que o aumento do entretenimento se faz acompanhar de uma dificuldade cada vez mais real de se viver, de que a prosperidade material surge unida a uma pobreza relacional (CHARLES, 2009, p. 29). O autocentramento empobrece a vida relacional do homem hipermoderno, e os dramas contemporneos no esto ligados sexualidade, como pensou Freud no incio do sculo XX, mas comunicao, relao que o Eu estabelece com o outro. O incio do sculo XXI anuncia-se como uma poca de novos conflitos, de conflitos decorrentes do esvaziamento da alteridade e da intersubjetividade. Da que uma das grandes dificuldades da contemporaneidade a fragilidade dos laos afetivos. Ora, se de um lado o homem atual, ao viver nessa sociedade paradoxal, explicita o esvaziamento da alteridade, por outro a exigncia de se autocentrar cada vez mais exige uma performance que levar ao extremo a exaltao do Eu, de um Eu que no se estrutura a partir da comunicao com o outro, mas em desempenhar papis que sejam glorificados pela sociedade. O que define a psicopatologia contempornea o destaque conferido a quadros clnicos fundados sempre no fracasso da participao do sujeito na cultura do narcisismo (BIRMAN, 2001, p. 164). Esse dilema do desempenho do Eu e consequentemente do esvaziamento da intersubjetividade est na base do sofrimento humano do homem no incio do sculo XXI. Os sintomas neurticos cederam lugar s desordens narcsicas. 1
, a partir desse clima, que poderemos entender os sintomas e consequentemente o sentido do adoecer na atualidade. O adoecer vem como resultado de o homem hoje ser mais legislador do que o homem antigo, isto , ele que d rumo a sua existncia, mas tambm sofre mais com as presses de como a sociedade se organiza. Isso gera um homem mais frgil, que no mais cultua o amor, a amizade, o afeto gratuito, mas que s pensa em desfrutar da vida por meio de festas e badalaes, propiciando um sentimento de vulnerabilidade. A segunda questo que merece uma reflexo : quais os principais sintomas da atualidade? Evidentemente que no nosso objetivo, neste artigo, enumerar uma lista exaustiva, mas apontar as mais frequentes, que exprimiriam a vivncia do dilema atual do ser humano. A fragilidade se manifesta na depresso, na ansiedade e nas diversas formas de fobia, com o nome genrico de sndrome do pnico. evidente que esses sintomas so a ponta do iceberg. Longe de querer esboar um quadro completo das patologias contemporneas, podemos dizer que o cenrio descrito acima nos leva a constatar que as principais formas de adoecimento so: o estresse, a exausto (Burn out), a depresso e o vazio. A toxicomania, atravs do uso sistemtico de medicamentos, vista por alguns clnicos como uma das patologias, pode ser um meio que o homem moderno usa para abafar sua angstia ou sua depresso. Tambm o uso de drogas no psicofarmacolgicas uma forma que o sujeito tem para fugir de suas responsabilidades e tambm ocultar sua angstia. O estresse a maneira de adoecimento com a qual teremos de conviver nos prximos anos, j que o ritmo e as exigncias da sociedade hipermoderna colocam o homem diante da necessidade de responder s questes e s prticas da vida com maior rapidez e eficincia, provocando, assim, uma acelerao do seu cotidiano. A questo, hoje, que no conseguimos mais viver sem estresse. O que devemos aprender como administr-lo. No se pode viver sem estresse numa sociedade exigente demais. Assim, isso pode ser entendido como uma reao somatopsquica resultante de um esforo desgastante do organismo diante das exigncias sociais e pessoais.
O stress altera e pe em descompasso especialmente o hipotlamo, provocando severas alteraes fisiolgicas sobretudo hormonais. O sistema nervoso
1 Sobre o papel do terapeuta diante desse novo quadro, confira um artigo que escrevi h algum tempo, mas que talvez ainda tenha pequena pertinncia. GIOVANETTI, Jos Paulo. Os desafios do terapeuta existencial hoje, in: CAMON (Org.), A prtica da psicoterapia. So Paulo: Editora Pioneira, 1999. p. 163-180. autonmico e a glndula pituitria so acionados; as glndulas supra-renais entram em estafante produo de adrenalina e corticosterides principalmente cortisona os quais lanados na corrente sangunea seguidamente podem comprometer a totalidade do equilbrio orgnico. Tais hiperfunes glandulares podem conduzir a uma queda do sistema imunolgico, expondo suas vtimas a alergias e infeces; afinal, desregulados o timo e as glndulas linfticas, d-se sensvel diminuio de glbulos brancos no sangue e a sade fsica fica vulnervel. 2
O que se pode verificar que o equilbrio do funcionamento psicofsico vem se tornando cada vez mais difcil na sociedade hipermoderna. Junto a esse desequilbrio, a vida atual est cheia de exigncias que provocam incertezas e inseguranas. Estas, por sua vez, geram o fenmeno denominado estresse existencial, que uma reao de sentido diante das exigncias absurdas dos novos tempos. Trata-se de um conjunto complexo de sociopatias que claro, agudizam muito as manifestaes do stress neuropsquico (MORAIS, 1997, p. 29). A dinmica anmica passa a ser expressa no corpo, e com isso o estresse existencial torna-se somatizado. O estresse existencial se caracteriza como uma forma patolgica da pobreza, da falta de sentido prprio da sociedade atual. A segunda patologia que merece nossa ateno a exausto ou o fenmeno denominado Burn out, ou esgotamento. A exausto nos faz sentir vazios e ressecados. preciso fazer a distino entre esgotamento e cansao. O cansao advm de um esforo que, no instante que gera prazer, nos confere bem-estar, como, por exemplo, gostar de dar aulas. O esgotamento o contrrio; advm de uma exigncia do organismo para uma atividade na qual a obrigao predomina, como, por exemplo, trabalhar oito horas por dia num servio que no nos agrada. Assim, trabalhar at a exausto no nos proporcionar bem-estar, e sim insatisfao. Podemos indagar: quais as fontes interiores que nos levam exausto? possvel numerar todas? As fontes so quase infinitas. Entretanto, tentaremos explicitar algumas, sabendo ser impossvel esgotarmos o assunto. Quase todas as fontes da exausto so atitudes que brotam de um movimento interior decorrente das exigncias da sociedade atual, isto , da presso sociocultural sobre o desempenho do Eu. Estamos numa sociedade competitiva, em que todos os dias nos sentimos pressionados a um desempenho que nos exige sempre mais. A ambio de sempre superar os outros e nunca se contentar em desenvolver sua potencialidade leva a pessoa a sacrifcios imensos.
2 Explicaes sobre o que estresse do livro de LIPP, Marlia e outros, Como enfrentar o stress. Campinas/So Paulo, Editora da Unicamp/cone, 2. ed., 1987, p. 20-22, citada por MORAIS, Regis. Stress existencial e sentido da vida. So Paulo, Edies Loyola, 1997. p. 22. importante lembrar que certa dose de ambio benfica na vida. A questo est no sentido de que a ambio pode se tornar uma priso interna da qual difcil escapar. Ambio tem a ver com avidez. Estar vido por honra, reconhecimento, reputao e popularidade. Quem se deixa conduzir pela ambio perde contato consigo mesmo (GRN, 2007, p. 22). Uma segunda fonte de esgotamento continuamente querer provar algo a si mesmo, pois estaramos, nesse caso, girando em torno de n mesmos, de nossa reputao, de nosso sucesso de reconhecimento (GRN, 2007, p. 23). O exemplo mais claro que devemos provar ao outro que somos a melhor opo para ele, j que, como somos um bom terapeuta, o outro fez a melhor escolha quando procurou os nossos servios. Quando damos uma conferncia, temos de satisfazer a todos. Correr sempre atrs do melhor desempenho para que se possa sentir valorizado esgota um ser humano. Procurar satisfazer a todas as pessoas do nosso relacionamento e ser amado por todos nos leva ao esgotamento, uma vez que se est exigindo algo para alm do nosso limite. A carncia afetiva um dos motores interiores que mais nos escraviza, uma vez que sempre estamos a fazer algo alm de nossa capacidade a fim de ganhar a ateno do outro. O terceiro sintoma do adoecimento contemporneo a depresso. necessrio distinguir a depresso como forma existencial de adoecimento da variao do humor, que coloca a pessoa para baixo; em que o termo deprimido o mais adequado. Estar deprimido estar triste, estar com baixo astral. A variao do afeto no impede que a pessoa continue com as tarefas cotidianas. A depresso uma doena na qual o indivduo se sente sem nimo, em que tudo o que ele faz se torna difcil, pesado e cansativo. Quando estamos em depresso, sentimo-nos paralisados, perdemos o tnus vital, a busca do prazer; encontramo-nos sem perspectiva e nos isolamos cada vez mais da vida social. Essas quatro caractersticas que possibilitam dizer que uma pessoa est em profunda depresso, e no s passando por uma variao afetiva. A variao afetiva diferente da perda do prazer pela vida. A depresso constitui um grito do esgotamento a que a pessoa chegou em razo das exigncias absurdas da vida. A sobrecarga de desempenho e o desrespeito para com o que lhe mais original e prprio no ato de viver levam a uma violncia interna que acaba no esgotamento, o qual se manifesta na depresso. Muitas vezes, escutamos algum dizer que est cansado de viver. O termo correto seria esgotamento de viver, uma vez que o cansao recuperado com um bom descanso, ao passo que o esgotamento, como no foi construdo em cima do prazer e da sua potencialidade, coloca-nos para baixo e nos suga a alegria de viver. O outro sintoma patolgico da atualidade o vazio existencial. 3 Um tema que vem sendo apontado h mais tempo, principalmente por Viktor Franckl, nos seus escritos dos anos 1950 e 1960. Hoje, com o tipo de sociedade cada vez mais centrada no Eu e com o esvaziamento da alteridade e das relaes interpessoais j assinaladas anteriormente, o vazio aparece como uma patologia que espelha a confrontao do sujeito com o real e consigo mesmo, mostrando a falta de perspectiva de vida. Fim, fracasso, derrota, mal-estar so conceitos que se usam para exprimir a falta de perspectiva diante da existncia. A sociedade atual nos coloca tantas tarefas que nos esquecemos de olhar para dentro de ns mesmos e de nos perguntar o que o mais importante na vida. Como o sentido expressa-se na direo que se imprime ao viver algo, assim, colocar sentido nas coisas, em algo externo a ns, falsear o problema. Essa atitude de colocar o sentido nas coisas, por exemplo, no ato de consumir objetos prazerosos, a proposta da sociedade hipermoderna. necessrio, porm, desvelar a orientao que sustm os atos concretos. A perda de sentido manifesta a deficincia entre a ideia de direo, que sustenta o ato, e a realizao do prprio ato. A ausncia de rumo que d significado ao ato a perda do sentido. Em nenhum momento, nesta parte final do trabalho, pretendamos esgotar as formas patolgicas do homem atual. Sabemos que nos limitamos a apontar algumas, que muitas vezes no so nem as mais significativas na viso de outros terapeutas. Todavia, nossa inteno que cada um na sua clnica esteja aberto a refletir sobre os males que atingem o ser humano hoje.
Bibliografia
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CHARLES, Sbastien. Cartas sobre a Hipermodernidade ou o hipermoderno explicado s crianas. So Paulo: Editora Barcarolla, 2009.
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GRN, Amselm. Fontes da fora interior. Petrpolis, Editora Vozes, 2007.
3 Remeto o leitor a outro artigo que publiquei, intitulado Ps-modernidade e vazio existencial, no qual destaco os componentes antropolgico e social do vazio, in: JOSGRILBERG, Rui e outros (Orgs.), Existncia e Sade. So Bernardo do Campo: Universidade Metodista de So Paulo, 2002. p. 94-100. LIPOVETSKY, Gilles. Les Temps Hypermodernes. Paris: Bernard Grasset, 2004.
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MORAIS, Regis. Stress existencial e sentido de vida. So Paulo: Edies Loyola, 1997.
ROJAS, Enrique. O homem moderno. A luta contra o vazio. So Paulo, Editora Mandarim, 1996.