Ma14 U17
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Nesta unidade, apresentaremos uma das noes mais fecundas da aritmtica, introduzida por Gauss no seu livro Disquisitiones Arithmeticae, de 1801. Trata-se da realizao de uma aritmtica com os restos da diviso euclidiana por um nmero xado. Seja m um nmero natural diferente de zero. Diremos que dois nmeros naturais a e b so congruentes mdulo m se os restos de sua diviso euclidiana por m so iguais. Quando os inteiros a e b so congruentes mdulo m, escreve-se
a b mod m
Por exemplo, 21 13 mod 2, j que os restos da diviso de 21 e de 13 por 2 so iguais a 1. Quando a relao a b mod m for falsa, diremos que a e b no so congruentes, ou que so incongruentes, mdulo m. Escreveremos, neste caso, a b mod m.
2 MA 14 Unidade 17 Como o resto da diviso de um nmero natural qualquer por 1 sempre nulo, temos que a b mod 1, quaisquer que sejam a, b N. Isto torna desinteressante a aritmtica dos restos mdulo 1. Portanto, doravante, consideraremos sempre m > 1. Decorre, imediatamente, da denio que a congruncia, mdulo um inteiro xado m, uma relao de equivalncia. Vamos enunciar isto explicitamente abaixo.
Proposio 1. Seja
m N,
com
m > 1.
Para todos
a, b, c N,
tem-se que
Para vericar se dois nmeros so congruentes mdulo m, no necessrio efetuar a diviso euclidiana de ambos por m para depois comparar os seus restos. suciente aplicar o seguinte resultado:
Proposio 2. Suponha que
a b mod m
se, e somente
a, b N so se, m|b a.
tais que
b a.
Tem-se que
Sejam a = mq + r, com r < m e b = mq + r , com r < m, as divises euclidianas de a e b por m, respectivamente. Logo,
Demonstrao
ba=
se r r se r r
onde r r < m, ou r r < m. Portanto, a b mod m se, e somente se, r = r , o que equivalente a dizer que m|b a.
2
Note que todo nmero natural congruente mdulo m ao seu resto pela diviso euclidiana por m e, portanto, congruente mdulo m a um dos nmeros 0, 1, . . . , m 1. Alm disso, dois desses nmeros distintos no so congruentes mdulo m.
Portanto, para achar o resto da diviso de um nmero a por m, basta achar o nmero natural r dentre os nmeros 0, . . . , m 1 que seja congruente a a mdulo m. Chamaremos de sistema completo de resduos mdulo m a todo conjunto de nmeros naturais cujos restos pela diviso por m so os nmeros 0, 1, . . . , m 1, sem repeties e numa ordem qualquer. Portanto, um sistema completo de resduos mdulo m possui m elementos. claro que, se a1 , . . . , am so m nmeros naturais, dois a dois no congruentes mdulo m, ento eles formam um sistema completo de resduos mdulo m. De fato, os restos da diviso dos ai por m so dois a dois distintos, o que implica que so os nmeros 0, 1, . . . , m 1 em alguma ordem. O que torna til e poderosa a noo de congruncia o fato de ser uma relao de equivalncia compatvel com as operaes de adio e multiplicao nos inteiros, conforme veremos na proposio a seguir.
a, b, c, d, m N, com m > 1. i) Se a b mod m e c d mod m, ento a + c b + d mod m. ii) Se a b mod m e c d mod m, ento ac bd mod m.
Proposio 3. Sejam Demonstrao
Suponhamos que a b mod m e c d mod m. Podemos, sem perda de generalidade, supor que b a e d c. Logo, temos que m|b a e m|d c. (i) Basta observar que m|(b a) + (d c) e, portanto, m|(b + d) (a + c), o que prova essa parte do resultado. (ii) Basta notar que bd ac = d(b a) + a(d c) e concluir que m|bd ac.
2
Corolrio 1.
Para todos
n N , a, b N,
se
a b mod m,
ento
an
bn mod m.
Demonstrao
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2
Corolrio 2.
O resultado claramente vlido para n = 0. Podemos ainda supor, sem perda de generalidade, que a b. Como a + b 0 mod m, segue-se que m|a + b e, portanto, m|(a + b)(a b). Como (a + b)(a b) = a2 b2 , segue-se que a2 b2 mod m. Aplicando o Corolrio 1, temos que a2n b2n mod m para todo n N . Por outro lado, como
a2n+1 + b2n+1 = (a + b)(a2n ba2n1 + b2n1 a + b2n ),
O corolrio acima ser de grande utilidade no que se segue e substitui as seguintes relaes:
Observao 1.
j que no trabalhamos com nmeros negativos. Com a notao de congruncias, o Pequeno Teorema de Fermat se enuncia como se segue: Se p nmero primo e a N, ento
ap a mod p.
De fato, sem perda de generalidade, podemos supor que b a. Sabemos, pelo Exemplo 2, que
bp ap (b a)p mod p,
e como, por hiptese, temos que p divide bp ap , segue-se que p|b a; ou seja, a b mod p. Isto implica que ai bi mod p para todo i N. Decorre da que
bp1 + abp2 + ap2 b + ap1 pap1 0 mod p.
a, b, c, m N,
com
m > 1.
Tem-se que
a + c b + c mod m a b mod m.
6 MA 14 Unidade 17 Se a b mod m, segue-se imediatamente da Proposio 3(i) que a + c b + c mod m, pois c c mod m. Reciprocamente, suponhamos que a + c b + c mod m. Sem perda de generalidade, podemos supor b + c a + c. Logo, m|b + c (a + c), o que implica que m|b a e, consequentemente, a b mod m.
Demonstrao
A proposio acima nos diz que, para as congruncias, vale o cancelamento com relao adio. Entretanto, no vale, em geral, o cancelamento para a multiplicao, como pode-se vericar no exemplo que se segue.
Exemplo 4.
a, b, c, m N,
com
c=0
m > 1.
Temos que
ac bc mod m a b mod
Demonstrao
m . (c, m)
Como
m c e so coprimos, temos que (c, m) (c, m) ac bc mod m m|(b a)c m c |(b a) (c, m) (c, m)
Corolrio.
7
a, k, m N, m > 1 e (k, m) = 1. mdulo m, ento
com Se
a1 , . . . , a m
a + ka1 , . . . , a + kam
tambm um sistema completo de resduos mdulo
m.
Demonstrao
que
a + kai a + kaj mod m kai kaj mod m ai aj mod m i = j.
Isto mostra que a + ka1 , . . . , a + kam so, dois a dois, no congruentes mdulo m e, portanto, formam um sistema completo de resduos mdulo m.
2
Suponhamos, sem perda de generalidade, que b a. (i) Se a b mod m, ento m|b a. Como n|m, segue-se que n|b a. Logo, a b mod n. (ii) Se a b mod mi , i = 1, . . . , r, ento mi |b a, para todo i. Sendo b a um mltiplo de cada mi , segue-se que [m1 , . . . , mr ]|b a, o que prova que a b mod [m1 , . . . , mr ]. A recproca decorre do tem (i). (iii) Se a b mod m, ento m|b a e, portanto, b = a + tm com t N. Logo, pelo Lema de Euclides, Unidade 5, temos que
(a, m) = (a + tm, m) = (b, m).
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2
Vamos achar o menor mltiplo de 7 que deixa resto 1 quando dividido por 2, 3, 4, 5 e 6. Portanto, queremos achar a menor soluo do seguinte sistema de congruncias:
Exemplo 5.
Pela Proposio 7(ii), temos que toda soluo simultnea das congruncias acima soluo da congruncia
7X 1 mod [2, 3, 4, 5, 6],
e reciprocamente. Portanto, devemos resolver a congruncia 7X 1 mod 60. Isto se traduz como 60|7X 1, o que equivale a resolver a equao diofantina 7X 60Y = 1. Pelo Algoritmo de Euclides, temos que
60 = 7 8 + 4 7=41+3 4=31+1
Portanto,
1 = 4 3 1 = 4 (7 4) = 2 4 7 = 2(60 7 8) 7 = 2 60 17 7.
Decorre da que
1 = ( 60 17)7 ( 7 2)60,
e, portanto, x = 60 17 e y = 7 2. Tomando = 1, temos x = 43 e y = 5 a soluo minimal, pois 43 7 5 60 a nica maneira de escrever 1 = a 7 b 60 com a < 60. Segue-se, ento, que o nmero procurado 7 43 = 301.
Exemplo 6.
Certamente, calcular a potncia 23728 , para depois dividir o resultado por 13, no o melhor caminho. Faremos isto de modo mais econmico. Inicialmente, note que 237 3 mod 13 ( s efetuar a diviso euclidiana e tomar o resto). Pelo Pequeno Teorema de Fermat, temos que 23712 1 mod 13. Logo, pelo Corolrio 1 da Proposio 3, temos que (23712 )2 = 23724 1 mod 13. Analogamente, temos que 2374 34 81 3 mod 13. Usando a Proposio 3(ii), temos que 23728 3 mod 13. Portanto, o resto da diviso de 23728 por 13 3.
Exemplo 7.
logo,
133 + 8 0 mod 45.
segue-se que
173n 8n mod 45.
Agora, o resultado segue-se imediatamente. Vamos determinar o algarismo das unidades do nmero 77 . De fato, vamos determinar, mais geralmente, o algarismo das unidades de todo nmero da forma 77 , onde um nmero natural mpar.
Exemplo 8.
7
10 MA 14 Unidade 17 Note, inicialmente, que 7 + 3 0 mod 10 e, portanto, pelo Corolrio 2 da Proposio 3, temos que
77 + 37 0 mod 10.
Por outro lado, de 32 + 1 0 mod 10, do fato de (7 1)/2 mpar (veja Exemplo 3.2.5) e do Corolrio 2 da Proposio 3, temos que
(32 )
7 1 2
+ 1 0 mod 10.
Logo,
37 + 3 = 3[(32 )
7 1 2
+ 1] 0 mod 10,
e, portanto,
77 77 + 37 + 3 3 mod 10.
Problemas
1.
a) Mostre que, se a + b 0 mod m e c + d 0 mod m, ento ac bd mod m. b) Mostre que, se a b mod m e c + d 0 mod m, ento ac + bd 0 mod m. c) Suponha que ai + bi 0 mod m, i = 1, . . . , n. Mostre que se n mpar, ento a1 an + b1 bn 0 mod m; e, se n par, ento a1 an b1 bn mod m. d) D uma outra prova para o Corolrio 2 da Proposio 3.
2.
11
Ache o resto da diviso b) de 2100 por 11 d) de 14256 por 17 f) de 1316 225 515 por 3
g) de 1! + 2! + + (1010 )! por 40
5.
(ENC 98) O resto da diviso de 1212 por 5 : (A) 0 (B) 1 (C) 2 (D) 3 (E) 4 Para todo n N, mostre que b) 198n 1 divisvel por 17.
100
6.
b) 17 + 27 + + 1007
a) 1 + 2 + 22 + + 219
9. 10.
Determine o algarismo das unidades do nmero 99 . Ache os algarismos das centenas e das unidades do nmero 7999999 . Observe que 74 = 2401 1 mod 100. b) 102n+1 + 1 0 mod 11 (B) x 2 mod 5 (C) x 4 mod 5 Mostre, para todo n N, que (ENC 2000) Se x2 1 mod 5, ento,
Sugesto: 11.
a) 102n 1 mod 11
12.
(A) x 1 mod 5
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13.
Ache o menor nmero natural que deixa restos 5, 4, 3 e 2 quando dividido, respectivamente, por 6, 5, 4 e 3.
14. 15.
b) Mostre que no h nenhum quadrado perfeito na sequncia: 2, 22, 222, 2222, 22222, . . .. c) Mostre que no h nenhum quadrado perfeito na PA: 3, 11, 19, . . . . Mostre que a soma dos quadrados de quatro nmeros naturais consecutivos nunca pode ser um quadrado.
16.
Mostre que nenhum nmero natural da forma 4n + 3 pode ser escrito como a soma de dois quadrados.
17. 18.
k2
1 mod 2k .