Julie Julia Julie Powell
Julie Julia Julie Powell
Julie Julia Julie Powell
de fazer nada.
Prefcio Por Rita Lobo Voc deve se lembrar, ou pelo menos ter ouvido falar, da Oflia. Claro que sim. Quando eu era garota, c egava em casa da escola e corria para a frente da televis!o. "!o avia #eito de almo$ar antes que o programa terminasse. %icava fascinada com aquela sen ora que nunca repetia o card&pio. 'odos os dias um prato diferente. Creme de leite, manteiga, bacon, ela co(in ava sem medo de ser feli(. )epois do almo$o * o de verdade, com arro(, lentil a, bifin o e salada *, e antes de ir para a aula de tnis, eu transformava a longa bancada de m&rmore do ban eiro dos meus pais +era l& que eu escovava os dentes, numa bancada de co(in a imagin&ria e e-plicava para o espel o tintim por tintim o preparo daquela receita que perfumava toda a casa +na min a imagina$!o, que fique claro,. .nos mais tarde, fui fa(er um curso de gastronomia em "ova /or0. Passava o dia na co(in a da escola, e 1 noite, quando aguentava, gostava de sair para #antar e con ecer os restaurantes da cidade. )e madrugada, assistia 1quela sen ora que, para mim, era uma espcie de substituta da Oflia. +2as s3 para mim, #& que ela um 4cone da cultura norte*americana., 5ulia C ild iniciou sua carreira gastron6mica em 789:, com o livro Mastering the Art qf French Cooking. ;m best*seller imediato. )ois anos depois, estreou o primeiro programa de televis!o, he French Chef, que at 788<, ano em que morei nos =;., continuava sendo reprisado, em branco*e*preto, na televis!o norte*americana. ;ma espcie de cult culin&rio. 5ulia come$ou a co(in ar com mais de >? anos. Quando o marido foi trabal ar na %ran$a, ela aproveitou para cursar a mundialmente famosa escola de culin&ria Le Cordon @leu. =ra desa#eitada, dei-ava o frango escorregar para o c !o, tin a mais de 7,A?m de altura, falava de um #eito estran o e, mesmo assim, era idolatrada pelas donas de casa norte*americanas. Confesso que, no in4cio, assistia ao programa apenas para dar risada. 2as, aos poucos, fui me afei$oando a ela at me tornar mais uma de suas mil ares de f!s. "a dcada de 78B?, ela estampou a capa da revista ime, foi parodiada no umor4stico !aturda" #ight $i%e e continuou ensinando 1s massas como co(in ar com seus livros e programas de televis!o. Julia Child C Compan", &inner at Julia's, Cooking (ith Master Chif), *n Julia's +itchen (ith Master Chif), ,aking (ith Julia e Julia Child C Jacques P-pin Cooking at .ome, apenas para citar alguns. =m D???, foi condecorada com a Legi!o de Eonra %rancesa, alm de ter sido agraciada com a 2edal a Presidencial da Liberdade dos =stados ;nidos. 5ulia n!o teve fil os, mas poss4vel que todos os que nasceram nos =;. a partir da dcada de 789? ten am comido, pelo menos uma ve( na vida, uma receita e-tra4da de um livro seu. =, muito possivelmente, enquanto eu escrevo este te-to, alguma garota norte*americana est& assistindo a um de seus programas, imaginando o que quer ser quando crescer.
Nota da Autora Por uma quest!o de discri$!o, v&rios detal es, pessoas e acontecimentos mencionados neste livro foram modificados. Fomente eu, meu marido e certas figuras pGblicas bastante con ecidas, entre elas 5ulia e Paul C ild, s!o identificados por seus verdadeiros nomes. E& tambm passagens que s!o pura inven$!o min a. =-emploH todas as cenas que retratam a vida de Paul C ild e 5ulia 2cIilliams C ild s!o obras de fic$!o, inspiradas em eventos descritos nos di&rios e cartas do casal e na biografia de 5ulia C ild, Appetite for $ift, de "ol RileJ %itc . .grade$o a RileJ %itc por seu 3timo trabal o e 1 @iblioteca Fc lesinger, da ;niversidade de Earvard, por ter generosamente aberto ao pGblico os arquivos de 5ulia C ild. Julie Po(ell
/uinta0feira, 9 de outu1ro de 2343 Paris 5s sete horas de uma noite l6gu1re na 7i%e 8auche, Julia p9s0se a assar pom1os pela segunda %ez na %ida. A primeira.fora naquela manh, em sua primeira aula de culin:ria, na acanhada cozinha da escola Cordon ,leu, no su1solo do n6mero 7D8 da rue du Fau1ourg !t. 0.onor-. Agora ela esta%a assando mais alguns pom1os no apartamento em que %i%ia com o marido Paul, na cozinha situada no topo de uma escada estreita, onde, antes de o %elho casaro ter sido di%idido em %:rios apartamentos, fica%am os c9modos da criadagem. O.fogo e as 1ancadas eram 1ai;os demais para Julia, assim como tudo no mundo. Apesar disso, ela gosta%a mais de sua cozinha no alto da escada do que da cozinha da escola < aprecia%a a luz e o ar fresco que ha%ia l: em cima, adora%a o pequeno ele%ador manual que le%aria suas a%es para a sala de )antar no andar de 1ai;o, ama%a poder cozinhar enquanto o marido permanecia a seu lado, sentado = mesa, fazendo0lhe companhia. *magina%a que no tardaria a se acostumar com as 1ancadas 0 uma mulher de 7,AA de altura esta%a acostumada a se acostumar com tudo. Paul esta%a l:, tirando algumas .fotos da esposa enquanto termina%a de escre%er uma carta para seu irmo Charlie. >!e %oc? %isse a Julie enfiando pimenta e toucinho no ra1o de um pom1o morto>, escre%ia ele, >entenderia o quanto ela est: en%ol%ida@. Mas Paul ainda no tinha %isto nada. !ua mulher, Julia Child, decidira aprender a cozinhar. inha :B anos de idade.
7. =-tra4do de uma carta de Paul C ild endere$ada a seu irm!o C arles em 78>8.
)ia 7, Receita 7 O caminho para o inferno feito de alho-por e batatas .t onde sei, a Gnica evidncia capa( de sustentar a tese de que foi num momento de profundo tdio que 5ulia C ild fe( seu primeiro Potage Parmentier sua receita desse prato. Fegundo ela, o Potage Parmentier 0 que nada mais que uma maneira afrancesada de di(er sopa de batatas * Kc eira bem, tem um gosto delicioso e pura simplicidadeK. 'rata*se da primeira receita do primeiro livro que ela escreveu. 5ulia admite que, se quiser, a pessoa pode acrescentar cenouras, br3colis ou vagens, mas isso n!o tem muito sentido quando o que se busca simplicidade. Pura simplicidade. Parece poesia, n!oL =-atamente o que o mdico recomendou. 2as n!o o que meu mdico recomendou. 2eu mdico * meu ginecologista, para ser mais e-ata * recomendou que eu tivesse um fil o. K"o seu caso, como voc sabe, & os problemas ormonais causados pela FOP. =, afinal de contas, os :? est!o c egando. =m outras palavrasH n!o aver& ocasi!o mel or que esta.K "!o era a primeira ve( que eu ouvia isso. .quela ladain a come$ara fa(ia uns dois anos, no dia em que resolvi vender meus 3vulos por B,< mil d3lares a fim de (erar o dbito do cart!o de crdito. "a realidade, foi min a segunda Kdoa$!oK * uma maneira curiosa de se referir a isso, #& que, ao acordar da anestesia com algumas dG(ias de 3vulos a menos e vestir*se, voc encontra na mesa da recepcionista um c eque nominal no valor de alguns mil ares de d3lares. . primeira ve( foi cinco anos atr&s, quando eu era uma mo$a de D> anos, dura e descomprometida. "!o plane#ava fa(er isso de novo, mas trs anos depois recebi um telefonema de um mdico com um sotaque europeu indecifr&vel, que me perguntou se eu teria interesse em ir at a %l3rida para uma segunda rodada, porque Knossos clientes ficaram muito satisfeitos com os resultados da sua primeira doa$!oK. . doa$!o de 3vulos ainda uma tecnologia recente, e o sistema #ur4dico e as normas de etiqueta, cu#o ritmo de evolu$!o vagaroso, n!o d!o conta dessa nova realidadeM ningum sabe se daqui a de( anos as doadoras de 3vulos n!o ser!o processadas e obrigadas a pagar pens!o aliment4cia 1s crian$as. Por isso, as discussNes sobre o assunto tendem a ser marcadas por um emaran ado de eufemismos e termos imprecisos. 2as o fundamental nesse telefonema era que avia um pedacin o de mim correndo para c& e para l& em 'ampa ou outro lugar qualquer e que os pais desse pedacin o de mim estavam t!o feli(es com ele ou com ela que queriam l e arrumar um par. 2eu lado onesto quis gritarH KCalmaO Quando essas crian$as c egarem 1 puberdade, vocs v!o se arrepender de ter feito issoOK 2as B,< mil d3lares um bocado de din eiro. =nfim, foi na segunda col eita +falam assim mesmoM as cl4nicas de fertilidade empregam uma srie de palavras um tanto apocal4pticas, que descobri que sofro de F4ndrome dos Ov&rios Polic4sticos, algo que parece assustador, mas aparentemente significa apenas que ficarei peluda e gorda e terei de tomar uma batelada de remdios para engravidar. Fignifica tambm, creio eu, que ainda vai demorar para eu me ver livre do #arg!o cripta*religioso dos obstetras. Pois bem. )esde que recebi o diagn3stico da FOP, & dois anos, os mdicos vivem obcecados com min as perspectivas gestat3rias. 5& ouvi o serm!o KOs :? =st!o C egandoK at da boca do meu grisal o e atencioso ortopedista +algum #& ouviu falar de uma pessoa de D8 anos com rnia de discoL,. Pelo menos meu ginecologista tin a alguma #ustificativa para dar palpite sobre o que fa(er com min as partes 4ntimas. 'alve( por isso eu ten a eroicamente resistido 1 tenta$!o de gritar quando ele, limpando o espculo, disse o que disse. 2as, assim que
ele saiu, atirei um dos meus escarpins de)=ille a(ul*marin o no lugar onde at poucos momentos antes estava sua cabe$a. O sapato atingiu a porta com um baque, dei-ando uma marca preta, caiu em cima da bancada e derrubou um pote de cotonetes. Recol i as astes fle-4veis que aviam se espal ado pela bancada e pelo c !o e comecei a recoloc&*las no pote, mas me dei conta de que provavelmente agora estavam contaminadas. =nt!o me limitei a amonto&*las ao lado de um frasco farmacutico c eio de agul as esterili(adas e tratei de vestir meu tailleur anos 78>? * do qual eu ficara muito orgul osa naquela man ! quando "ate, do escrit3rio, me disse que afinava min a cintura e valori(ava meus seios, mas que no tra#eto entre LoPer 2an attan e o ;pper =ast Fide num trem sem ar condicionado da lin a seis do metr6, ficara todo amassado e manc ado de suor. Fa4 furtivamente da sala, com os quin(e d3lares n!o cobertos pelo plano de saGde na m!o, de modo a escapulir o mais r&pido poss4vel, antes que algum descobrisse que eu vandali(ara o lugar. .ssim que desci a escadaria do metr6, percebi que avia alguma coisa errada. .ntes mesmo de c egar 1s catracas, ouvi um ru4do grave, subterrQneo, ecoando nas paredes a(ule#adas, e notei que o nGmero de pessoas circulando pela esta$!o com um ar perdido era maior que o de costume. "o ar ftido, pairava um c eiro penetrante de contrariedade. Ve( por outra os alto*falantes anunciavam alguma coisa, mas nen um daqueles borbotNes de palavras descone-as resultava na c egada de um trem. Como todo mundo, eu me inclinava na borda da plataforma, na esperan$a de en-ergar o amarelo p&lido de um farol relu(indo nos tril os, mas o tGnel permanecia um negrume s3. =u com um c eiro de ovel a mol ada e nervosa. 2eus ps, espremidos nos escarpins a(ul*marin o com lacin os no bico, estavam me matando, sem falar nas min as costas, e avia tanta gente na plataforma que comecei a temer que algum ca4sse nos tril os * quem sabe eu mesma ou a pessoa que eu acabaria empurrando em meu iminente surto psic3tico. =nt!o, como que por encanto, as pessoas come$aram a se afastar. C eguei a pensar que o mau c eiro de meu tailleur atingira n4veis mort4feros, mas os ol ares, entre receosos e divertidos, estampados no rosto dos que aviam dado alguns passos para tr&s n!o estavam em mim. Voltavam*se para uma mul er(in a atarracada, com cabelos grisal os cortados 1 escovin a * o tipo de corte que se costuma fa(er em doentes mentais *, que avia se sentado no c !o atr&s de mim. =u podia ver os redemoin os de seu cabelo, sentir nas canelas o formigamento do e-cesso de pro-imidade f4sica. . mul er resmungava furiosamente consigo mesma. Os passageiros, qual uma manada de gnus que se pNe em debandada ao pressentir a apro-ima$!o de uma leoa, tin am aberto espa$o em torno da louca. =u fui a Gnica a permanecer no perigoso c4rculo va(io, a novil a perdida, a vel a alei#ada que ficara para tr&s. . louca come$ou a desferir tapas na testa. K2erdaOK, vociferava ela. K2erdaO 2=R).OK =u n!o conseguia decidir se seria mais seguro recuar at onde estava a multid!o ou permanecer im3vel. Com a respira$!o acelerada, lancei um ol ar va(io para a plataforma oposta, do outro lado dos tril os, esse truque camale6nico t!o con ecido dos usu&rios do metr6. . louca apoiou as m!os no c !o 1 sua frente e * PL.%'O* deu com a testa no piso de concreto. Rsso foi demais at mesmo para aquela turba de nova*iorquinos, cansados de saber que loucos e esta$Nes de metr6 combinam como pasta de amendoim e c ocolate. O pavoroso ru4do do crQnio se c ocando contra o concreto ecoou no ar Gmido * como se a mul er estivesse usando sua ressonante cai-a craniana como um instrumento de percuss!o para convocar todos os doidos que naquele momento se encontravam espal ados pelas esta$Nes de metr6 da cidade. O estremecimento foi geral * as pessoas
ol avam com nervosismo 1 sua volta. Com um gritin o, #untei*me 1 multid!o. . louca tin a um arran !o escuro e su#o bem no meio da testa, semel ante 1 marca preta que meu sapato dei-ara na porta do ginecologista, e continuava aos berros. O trem c egou. .rdilosamente, aguardei alguns instantes para n!o entrar no mesmo vag!o que ela. %oi s3 quando me vi no trem em movimento, espremida entre os outras passageiras, todos pendurados pela m!o na barra superior feito gado abatido, que me ocorreu * como se algum onipotente )eus dos Feres ;rbanos sussurrasse a verdade em meu ouvido * que os dois Gnicos motivos de eu n!o ter me #untado 1 louca de cabelos grisal os 1 escovin a, pondo*me a dar cabe$adas no c !o e a gritar K2erdaOK numa s4ncope primal, tin am sidoH +7, eu morreria de vergon a e +D, n!o queria dei-ar meu lindo tailleur retr6 ainda mais su#o do que #& estava. O receio de c amar aten$!o e a conta do tintureiro * essas eram as Gnicas coisas que me separavam da mais delirante demncia. Comecei a c orar. Quando uma l&grima caiu nas p&ginas do #e( Aork Post que o su#eito sentado 1 min a frente estava lendo, ele apenas bufou e passou para o caderno de esportes. .o sair do metr6, depois do que me pareceu ter sido uma eternidade, liguei para =ric de um telefone pGblico, na esquina da @aJ Ridge com a >t .venue. KOi, Comprou alguma coisa pro #antarLK =ric fe( o barul in o entre os dentes que sempre fa( quando nota que est& prestes a entrar numa fria. K=ra pra ter compradoLK K@om, eu avisei que ia c egar mais tarde por causa da consulta...K KCerto, certo, desculpe. S que eu n!o... Quer que eu pe$a alguma coisa pelo telefone ou...K K"!o precisa. "o camin o eu passo em algum mercado.K K2as vou come$ar a empacotar as coisas assim que terminar o #e(s.our. PrometoOK =ram quase oito oras da noite, e o Gnico mercado aberto na @aJ Ridge era a mercearia coreana, na esquina da B?t Ftreet com a :rd .venue. =u devia estar um orror, vagando pelo corredor de verduras e legumes em meu tailleur imundo, o rosto manc ado de r4mel, o ol ar catat6nico. "!o conseguia pensar em nada que me apetecesse. Peguei algumas batatas, um ma$o de al o*por3 e um tablete de manteiga Eotel @ar. Fentia*me aturdida e sem vontade pr3pria, como se estivesse seguindo a lista de compras de outra pessoa. Paguei, sa4 da mercearia e fui para o ponto de 6nibus, mas o @98 tin a acabado de passar. Tquela ora da noite, o pr3-imo demoraria no m4nimo uns trinta minutos. .ssim, comecei a camin ada de de( quarteirNes at em casa, levando comigo a sacola pl&stica de onde sa4am as fol as pontiagudas e escuras do al o*por3. Quin(e minutos depois, quando ia passando pela escola cat3lica para meninos da F ore Road, um quarteir!o antes do nosso prdio, me dei conta de que, inconscientemente, avia comprado os ingredientes do Potage Parmentier de 5ulia C ild. Quando eu era crian$a, meu pai adorava contar que avia encontrado no banco de tr&s de seu )atsun (- cor de cobre a pequena 5ulie, aos < anos de idade, entretida com um nGmero antigo e todo amassado da Atlantic Monthl". Contava isso para os colegas do escrit3rio, para os amigos com quem ele e min a m!e sa4am para #antar e para a fam4lia inteira, e-ceto os evanglicos, que tenderiam a censur&*lo. +Por causa da revista, n!o do carro., . ra(!o para isso, imagino, era mostrar que eu avia adentrado de forma precoce as esferas intelectualmente superiores. Por sempre ter sido pssima no bal e no sapateado * e a Gltima a c egar ao alto da corda na aula de gin&stica, uma garota de 3culos de aros vermel os e redondos que n!o fa(ia nem o gnero desamparado nem o c armoso *,
decidi aceitar esses afagos a meu ego. 2as a vers!o verdadeira e n!o intelectuali(ada do fato era que as leituras eram o meio que eu tin a de dar va(!o 1 min a libido. . fim de preservar min a reputa$!o livresca, investi em 'olst3i e Fteinbec0 antes de ser capa( de compreend*los. Porm eu tin a um segredo indecorosoH preferia as porcarias. he &ragonriders if Pern, Flo(ers in the Attic, he Clan of the Ca%e ,ear. =sses livros eram min a cole$!o de revistas Pla"1o" debai-o do colc !o. =sperei a monitora do acampamento sair do dormit3rio para roubar o V. C. .ndrePs que ela tin a escondido atr&s de sua cai-a de 'ampa-. Furrupiei o 5ean .uel de min a m!e, e #& estava na metade quando ela descobriu, de modo que n!o teve alternativa sen!o fa(er uma careta e imaginar ue o livro talve( possu4sse algum valor educacional. 2as nada de Balle" of .orses para voc, mocin a. =nt!o veio a adolescncia, e min as leituras apimentadas foram se #untar aos vel os e-emplares da Atlantic no banco de tr&s do carro. Passei muito tempo sem e-perimentar a ignorQncia deliciosa e libertina com que eu lia aqueles livros * que droga, fa(er se-o n!o era t!o e-citante quanto ler sobre se-oO .c o que o#e em dia qualquer te-ana de 7> anos de idade possui um con ecimento e-austivo sobre os usos se-uais de um piercing na l4ngua, mas duvido que isso as e-cite mais do que min as descobertas sobre o se-o entre os omens de "eandertal. 2as querem ver uma coisa sobre a qual as te-anas de 7> anos n!o sabem porcaria nen umaL Comida francesa. .lgumas semanas ap3s meu anivers&rio de D8 anos, na primavera de D??D, fui visitar meus pais no 'e-as. Para ser franca, =ric praticamente me obrigou a ir. KVoc precisa sair daquiK, disse ele. . gaveta da co(in a, que avia quebrado duas semanas depois de nos mudarmos para o apartamento e que nunca fora consertada direito, tin a acabado de escapar novamente dos tril os, lan$ando min a prataria da PotterJ @arn para todos os lados. =u estava aos prantos, com garfos e facas relu(indo a meus ps. =ric me segurava num abra$o apertado que parecia uma c ave de pesco$o, algo que ele sempre fa( ao tentar me reconfortar quando na verdade est& com vontade mesmo de me dar uns tapas. KVoc vem comigoLK, perguntei, sem desgrudar o rosto do borr!o de ran o que eu estava dei-ando na camisa dele. K=stou c eio de trabal o no escrit3rio. .lm disso, mel or voc ir so(in a. %ique um pouco com sua m!e. Faia para comprar roupas. )urma at tarde.K K2as eu ten o que trabal ar.K U5ulie, voc trabal a como aut6noma. Qual a vantagem de ser aut6noma se n!o pode largar tudo e dar um tempo de ve( em quandoL "!o era isso que voc queriaLK "!o me agradava pensar nos motivos que aviam me levado 1 vida de aut6noma. 2in a vo( ficou esgani$ada. KS, mas n!o ten o din eiro para via#ar.K K. gente tem, sim. = tambm podemos pedir o din eiro da passagem para os seus pais.K =ric segurou meu quei-o e ergueu meu rosto para que eu o encarasse. U5ulie. %alando srio. V&. "!o estou mais aguentando viver com voc desse #eito.K =nt!o eu fui * min a m!e me deu a passagem de presente de anivers&rio atrasado. ;ma semana depois tomei o avi!o para .ustin, num v6o que partia cedo o bastante para dar tempo de eu almo$ar no Po0eH5oVs. = ali, bem no meio do sandu4c e de carne e da por$!o de quiabos, menos de um ms ap3s eu completar D8 anos, min a m!e lan$ou pela primeira ve( a bomba do KOs :? =st!o C egandoK. KCredo, m!eOK KQue foiLK 2in a m!e tem um tom de vo( alegre, sorridente, implac&vel, que sempre usa quando quer que eu encare a realidade. %oi nesse tom que ela come$ou a falar.
KVoc est& na pior, fugindo de "ova /or0, se desentendendo com o =ric, e tudo isso por quL Os anos est!o passando, voc mal aproveita a cidade, por que fa( isso consigo mesmaLK =ra e-atamente para no falar dessas coisas que eu tin a ido para .ustin. F3 n!o me ocorrera que min a m!e iria me cutucar feito um desses cac orros que n!o desistem enquanto n!o tiram o rato da toca. =u tin a ido para "ova /or0 nas mesmas circunstQncias em que todo mundo vai para "ova /or0. .ssim como ser descascada o primeiro e fundamental passo a ser dado por uma batata cu#o destino virar sopa, o ponto de partida fundamental para qualquer aspirante a atri( ir para "ova /or0. =scol ia trabal os que n!o e-igiam teste, o que, tendo em vista o fato de eu n!o ser parecida com a Rene WellPeger nem ser uma atri( sensacional, revelou*se um problema. .cabei me especiali(ando em fa(er bicos para +entre outros,H a empresa que prestava servi$os de fotoc3pia para a O";M o departamento de subscri$Nes que a .RX mantin a para )oint %entures entre empresas asi&ticas e americanasM o vice*presidente de uma empresa de tecnologia de banda larga, que tin a um escrit3rio fant&stico, com vista para a ponte do @roo0lJn, mas que foi 1 falncia duas semanas depois de eu come$ar a trabal ar l&M e uma consultoria especiali(ada em prestar assessoria financeira a conventos de freiras. 2ais recentemente, eu come$ara a trabal ar para uma agncia governamental situada em LoPer 2an attan. 'udo indicava que eles pretendiam me oferecer um emprego fi-o Y quando algum contrata voc para fa(er bicos, mais dia menos dia acaba l e oferecendo um emprego fi-o * e pela primeira ve(, levada por um certo desalento, eu estava cogitando aceitar. =ra o que bastava para me despertar impulsos suicidas sem que min a m!e precisasse di(er que eu estava ficando vel a. =la provavelmente sabia disso, mas, em ve( de me pedir desculpas pela crueldade, limitou*se a colocar outro quiabo frito na boca e disseH KVamos 1s compras. =ssas suas roupas est!o uma vergon aOK "a man ! seguinte, fiquei sentada 1 mesa da co(in a de meus pais at bem depois de ambos terem ido trabal ar, enrolada num roup!o de flanela cin(a todo pu4do de que eu nem me lembrava mais, bebericando uma -4cara de caf. 'in a feito as palavras cru(adas e lido todos os cadernos do imes, e-ceto o de "eg3cios, mas ainda n!o avia cafe4na suficiente em min as veias para eu pensar em me vestir. +"a noite anterior, eu e-agerara nas margaritas * acontecimento nada incomum em min as visitas a .ustin., . porta da despensa estava entreaberta, e meu ol ar vagabundo pousou nas prateleiras de livros, nas fileiras de lombadas familiares que #a(iam ali dentro. .o me levantar para enc er a -4cara de caf pela Gltima ve(, fi( um desvio e apan ei um dos livrosH Mastering the Art of French Cooking, Vol. 7, a vel a edi$!o de 789B de min a m!e, um livro que con ecia a co(in a da fam4lia avia mais tempo que eu. 'ornei a me sentar 1 mesa sobre a qual fi(era mil ares de lanc in os nas tardes de min a infQncia e comecei a fol e&*lo de forma indolente. Quando eu era crian$a, vivia pegando o MtAoFC para dar uma espiada. =m parte, isso n!o passava de uma manifesta$!o da obsess!o que eu tin a com qualquer coisa entre duas capas, mas avia algo mais. O fato que esse livro tem o poder de escandali(ar. MtAoFC ainda capa( de atingir (onas de desconforto profundas, ainda que obscuras. Peguem uma dessas garotas bem descoladas, sem pudores, dessas que tm a pele bem clarin a, uma por$!o de piercings e que n!o sai 1 rua sem passar um l&pis nos ol os. Peguem uma menina dessas e pe$am para ela preparar um Pat? de Canard en Cro6te com o au-4lio das elucidativas ilustra$Nes que aparecem entre as p&ginas <B7 e <B<. Xaranto que ela vai querer voltar correndo para Iilliamsburg * onde ningum vai obrig&*la a desossar um pato inteiro * mais r&pido do que consegue di(er K.i, isso t!!!!o rid4culoOK
2as por quL O que esse livro tem de maisL S s3 um vel o livro de culin&ria, meu )eus. "o entanto, os vegetarianos e os f!s das dietas .t0ins e de Fout @eac tapam o nari( ao sentir o c eiro de renGncia pessoal que e-ala de suas p&ginas. Os auto* intitulados gourmands esbo$am um sorriso de am&vel condescendncia antes de voltar para seus livros de receitas do C e( Panisse.L = eu tin a todos os motivos para pensar assim tambm. .final de contas, sou a s4ntese final da bi(arrice urbana com o moralismo suburbanoH a atri( nova*iorquina. @om, na realidade ac o que n!o posso di(er isso, #& que nunca trabal ei de verdade como atri(. Para ser franca * ora de encarar os fatos * nem c eguei a tentar. 2as se n!o sou uma atri( nova*iorquina, o que sou ent!oL .lgum que todas as man !s pega o metr6 para ir de um dos pontos mais afastados da cidade at o trabal o, no centro financeiro de 2an attan, que passa o dia inteiro atendendo telefone e tirando -ero- e que c ega em casa 1 noite deprimida demais para fa(er outra coisa alm de sentar no sof& e assistir com o ol ar vidrado a um sem*fim de realit" sho(s na 'V at pegar no sono. . , meu )eus. S isso, n!o L =u sou uma secret&riaO Quando tirei os ol os das p&ginas do MtAoFC, meia ora ap3s t*lo aberto, me dei conta de que, bem l& no fundo, fa(ia meses * talve( anos * que eu avia me conformado em ser uma secret&ria. =ssa era a m& not4cia. . boa era que o (umbido na min a cabe$a e a movimenta$!o nauseante mas de certa maneira agrad&vel que constringia min as entran as lembravam*me de que eu ainda podia ser outra coisa. Con ecem o livro Mastering the Art of French CookingC )evem ter no m4nimo ouvido falar dele * um marco cultural, ora. 2esmo quem capa( somente de se lembrar de que se trata do livro daquela sen ora que parece o )an .J0roJd sabe do que eu estou falando. 2as con ecem o livro em siL 'entem arrumar uma das primeiras edi$Nes em capa dura * n!o s!o e-atamente raras. Eouve um tempo em que toda dona de casa americana que sabia colocar uma panela de &gua para ferver tin a um em casa Y pelo menos foi o que me disseram. .s ilustra$Nes n!o s!o nada de maisM n!o & fotos acetinadas da autora com seus cabelos sedosos, mordendo um morango suculento ou sorrindo com frie(a diante de uma torta, com uma faca de trinc ar na m!o, como se fosse uma dominatri; da co(in a loura e severa. Os pratos s!o irremediavelmente datados * os tempos de preparo longos demais, o uso desmesurado de manteiga e creme de leite, e nada de men$Nes a pancetta, sal marin o ou (asa1i. %a( algumas dcadas que n!o figura nas listas de livros de receitas indispens&veis dos gourmands mais inovadores. Contudo, naquela man !, quando o peguei nas m!os, abri sua capa adornada com uma mir4ade de flores*de*lis vermel as e fol eei suas p&ginas amareladas, tive a sensa$!o de finalmente aver encontrado algo importante. Por quL )ebrucei*me de novo sobre as p&ginas, 1 procura do motivo dessa sensa$!o estran a. "!o era a comida em si. =-aminando o livro mais detidamente, a comida come$ou a parecer um detal e quase irrelevante. Eavia algo mais profundo ali, um c3digo, talve( um segredo inscrito no pr3prio papel. "unca busquei o consolo da religi!o * falta em meu )". o gene da f. 2as enquanto lia Mastering the Art of French Cooking 0 esse livro singelo e assustadoramente comple-o, m&gico e reconfortante * pensei que o efeito de sua leitura devia ser semel ante ao de uma ora$!o. .mparo misturado a e-pectativa e carncia. Ler MtAoFC era como ler aqueles versos pornogr&ficos da @4blia. =nt!o, claro, ao tomar o avi!o de volta para "ova /or0 naquele ms de maio, eu levava o MtAoFC de min a m!e escondido na bagagem.
O que se aprende com o Potage Parmentier que KsimplesK n!o e-atamente a mesma coisa que Kf&cilK. "unca me ocorrera que avia uma diferen$a at eu e =ric nos instalarmos no sof& da sala naquela noite * ap3s min a consulta com o ginecologista, trs meses depois de eu ter roubado o vel o livro de culin&ria da min a m!e * e tomarmos as primeiras col eradas da sopa de batatas de 5ulia C ild. Claro que eu #& avia preparado #antares mais f:ceis. 'irar um peda$o de carne grel ada da embalagem e reaquec*lo no forno era um mtodo que logo me vin a 1 mente. Pedir uma pi((a e me embriagar com v&rias doses de vodca*t6nica enquanto o entregador n!o c ega era outro dos meus favoritos. Potage Parmentier estava longe de figurar entre os campeNes de facilidade. Primeiro descasque e corte algumas batatas. )epois pique um pouco de al o*por3, lavando bem em &gua corrente * os desgra$ados costumam vir c eios de terra. 5ogue esses dois ingredientes numa panela com um pouco de &gua e sal. )ei-e ferver por cerca de >< minutos, depois Kamasse com um garfoK ou use um processador de alimentos. =u n!o tin a um processador e n!o estava nem um pouco a fim de amassar nada com um garfo. O que eu tin a era meu espreme dor de batatas. @om, tecnicamente falando, o espremedor era do =ric. .ntes de nos casarmos, alguns anos atr&s, antes de toda aquela onda de dieta .t0ins, o pur de batatas era a especialidade dele. Por algum tempo, antes de nos conscienti(armos do valor que cada mil4metro de despensa tem no @roo0lJn, eu costumava comprar*l e enigm&ticos utens4lios de co(in a. . gra$a da brincadeira +n!o t!o engra$ada assim, estava no fato de que ele s3 sabia fa(er pur. O espremedor o Gnico sobrevivente desse per4odo. %oi o presente de "atal que comprei para ele no ano em que moramos no quarto*e*sala da llV Ftreet, entre a Bt e a At * isso antes que a alta dos aluguis nos mandasse para bem longe de Par0 Flope. =u costurara duas meias de feltro para n3s * a dele, vermel a com arremate branco, a min a branca, com arremate vermel o *, baseando*me num modelo que sa4ra no nGmero de fim de ano da revista Martha !te(art $i%ing. .inda temos essas meias, embora eu n!o saiba costurar e elas pare$am uma obra de arte modernistaH a costura toda torta, as bain as repu-adas e retorcidas. 'ambm s!o pequenas demais para coisas como espremedores de batatas. 2esmo assim, tratei de enfiar numa delas o espremedor que eu comprara para =ric. Pendurada sobre o consolo da lareira meramente decorativa do quarto, parecia que Papai "oel trou-era uma pistola Luger para o meu marido. "unca fui muito boa com presentes de "atal. )epois de co(in ar o al o*por3 e as batatas por cerca de uma ora, amasse*os com um garfo ou com um processador de alimentos ou com um espremedor de batatas. Qualquer dessas op$Nes bem mais trabal osa que usar o Cuisinart * um dos monstrengos devoradores de espa$o que arreban amos quando casamos *, mas 5ulia C ild ac a que o Cuisinart torna a sopa Kantifrancesa e mon3tonaK. ;ma receita que recorre 1 e-press!o KantifrancsK discut4vel, mas quem algum dia fi(er um Potage Parmentier ver& que 5ulia tem ra(!o. Com o espremedor, a sopa ter& pedacinhos 0 pedacin os verdes, pedacin os brancos, pedacin os amarelos *, em ve( de ser um caldo absolutamente uniforme. )epois de amassar bem, basta misturar uns bons nacos de manteiga e est& pronto. 5C di( para #ogar um pouco de salsin a, mas n!o necess&rio. O caldo tem um aspecto t!o bom que dispensa enfeites, e o aroma de outro mundo, o que n!o dei-a de ser curioso. .final, n!o & nada ali alm de al o*por3, batata, manteiga, &gua, pimenta e sal. )urante o preparo da sopa, interessante refletir sobre as batatas. )escascar uma batata uma coisa muito curiosa. "!o que se#a di%ertido, n!o isso. 2as & algo de singular em raspar a casca e lavar a su#eira e cortar a batata em cubos e depois mergul &*los em &gua fria, porque se forem e-postos por muito tempo ao contato com o ar ficam todos
rosados. 'em a ver com o fato de a gente saber e-atamente o que est& fa(endo e por qu. @atatas sempre foram batatas, e as pessoas as tratam assim, com a Gnica e e-clusiva finalidade de preparar uma sopa como essa. )escascar batatas n!o dei-a margem a dGvidas. 2esmo se em seguida as passamos por uma engen oca comprada na Crate and @arrel, o fato que a primeira coisa a fa(er descasc&*las. )os D? aos :? anos, eu supostamente deveria ter passado meu tempo +a, trabal ando noventa oras por semana num emprego superbem pago e eticamente nebuloso, enc endo a cara e fa(endo se-o selvagem com um monte de omens de D? e poucos anosM +b, acordando sempre ao meio*dia no meu loft em Iilliamsburg para me dedicar a pro#etos de pinturaZpoesiaZtric6Zarte perform&tica, me recuperando tranquilamente dos efeitos das drogas da moda e das boates sofisticad4ssimas e do se-o selvagem com um monte de omens +e mul eres, se eu desse conta, de D? e poucos anosM ou +c, dando prosseguimento a meus estudos, me esfalfando para escrever uma tese de doutorado obscura enquanto aliviava min as afli$Nes intelectuais com um pouco de macon a e se-o selvagem com um monte de professores e universit&rios. =ra esse o plano para algum como eu. "!o fi( nen uma dessas coisas. =m ve( disso, me casei. "!o que eu tivesse plane#ado. .conteceu. =u e =ric come$amos a namorar no colgio. =sperem, o pior n!o isso. Come$amos a namorar numa peDa de teatro que fi(emos no colgio. %oi uma paquera digna de um dos filmes mais melosos de 5o n Eug es Y Algu-m Muito Especial, talve( *, com todo tipo de mal*entendidos e namorados ciumentos e bei#os angustiados em cima do palco. =m outras palavras, um amor e-cessivamente colegial, como aqueles que se espera que as pessoas de nossa gera$!o superem e depois reneguem. F3 que conosco n!o foi assim. Por algum motivo nunca c egamos 1 cena da briga definitiva, da separa$!o. .os D> anos * ainda dormindo #untos e ra(oavelmente satisfeitos com a dinQmica assento da privadaZtampa da pasta de dente *, resolvemos nos casar. Por favor, entendamH amo meu marido como uma porca ama seu c iqueiro. 'alve( at mais. Contudo, nos c4rculos que frequento, estar casada & mais de cinco anos antes dos :? ocupa lugar de destaque na lista dos tra$os mais socialmente perniciosos, logo depois de assistir a corridas da ".FC.R e escutar F ania 'Pain. =stou acostumada a ouvir perguntas comoH K=le a Gnica pessoa com quem voc fe( se-o na vidaLK, ou de forma ainda mais in#uriosaH >Boc? a Gnica pessoa com quem ele fe( se-o na vidaLK Rsso tudo para di(er que 1s ve(es fico um pouco na defensiva. 2esmo com Rsabel, que con e$o desde o #ardim*de*infQncia, e com FallJ, min a colega de quarto no primeiro ano da faculdade, e com XPen, que vem comer conosco todo fim de semana e adora o =ric. =u n!o teria coragem de confessar a elas o pensamento que ve( por outra me ocorreH KO =ric tem um lado agressivoK. "!o saberia lidar com as e-clama$Nes de consterna$!o abafadas com rapide( ou com as presun$osas sobrancel as Keu bem que te faleiK. .posto que min as amigas imaginariam algo entre Mulheres Perfeitas e um anGncio de combate 1 violncia domstica estrelado por 5ennifer Lope(. 2as n!o estou di(endo que =ric atira f3sforos em mim nem que tem um comportamento opressor em reuniNes sociais. =stou apenas di(endo que ele me pressiona demais. "!o fica satisfeito em di(er, enquanto me prepara uma vodca*t6nica, que eu sou a mul er mais linda e talentos a do planeta, que sem mim ele morreria. "!o, ele tem de incenti%ar. 'em de fazer sugestEes. )e um #eito que c ega a ser irritante. =nt!o eu fi( essa sopa, esse Potage Parmentier, com a receita tirada de um livro de culin&ria publicado quarenta anos atr&s, aquele que eu roubara de min a m!e alguns meses antes. = a sopa ficou boa Y ine-plicavelmente boa. Comemos no sof&, com as
tigelas equilibradas nos #oel os, em um silncio quebrado ve( ou outra por risadin as enquanto assist4amos a uma lourin a atrevida eliminar vampiros na televis!o. )ali a pouco est&vamos sorvendo os restos de nossa terceira e Gltima por$!o. +;m dos motivos pelos quais nos damos t!o bem que comemos mais e em ritmo mais acelerado que qualquer outra pessoa que con ecemosM alm disso, ambos recon ecemos a genialidade de ,uff", a CaDa0 Bampiros.F .lgumas oras antes, ap3s min a consulta com o ginecologista, enquanto ol ava para as verduras e os legumes na mercearia coreana, eu me pegara pensandoH K=stou com D8 anos, nunca vou ter fil os ou um emprego decente, meu marido vai me abandonar e eu vou morrer so(in a, numa casa caindo aos peda$os e afastada da cidade com mais de vinte gatos, e vai levar duas semanas para as pessoas sentirem o c eiroK. Contudo, para meu al4vio, trs tigelas de sopa mais tarde eu n!o estava pensando em nada. =stava recostada no sof&, fa(endo min a digest!o, sossegada. . sopa de 5ulia C ild me dei-ara vulner&vel. =ric percebeu, e n!o perdeu a oportunidade. K=stava 3tima, amor.K Foltei um suspiro de concordQncia. K@oa mesmo. = ol a que nem tin a carne.K +=ric um rapa( do sculo [[R, sens4vel e muito consciente da necessidade de bons &bitos alimentares, mas ainda assim te-ano, e a idia de um #antar sem carne sempre o dei-a meio em pQnico., KVoc co(in a t!o bem, 5ulie. Por que n!o fa( um curso de culin&riaLK =u come$ara a co(in ar na faculdade, basicamente com o intuito de manter =ric sob meu dom4nio. "os anos que se seguiram, porm, a coisa assumira propor$Nes um tanto absurdas. "!o sei se =ric sentia orgul o por ter me feito descobrir essa pai-!o insaci&vel ou culpa pelo fato de meu dese#o de contentar seu gosto inocente por escargots e ruibarbos ter se transformado numa obsess!o doentia. %osse qual fosse a ra(!o, a tal ist3ria do curso de culin&ria tornara*se um dos costumeiros becos sem sa4da de nossas conversas. .p3s trs tigelas de sopa, eu sentia uma pregui$a deliciosa demais para ficar irritada, de modo que me limitei a bufar de forma pac orrenta. 2as mesmo essa simples indica$!o de que eu estava ouvindo mostrou*se um erro estratgico. Percebi isso de imediato. = tratei de fec ar os ol os, simulando sono ou surde( sGbitos. K%alando srio. Voc podia se matricular no CulinarJ RnstituteO . gente se mudaria para o Eudson ValleJ, e voc se dedicaria em tempo integral ao curso at se tornar uma chef> = ent!o, quando eu acabara de me prevenir contra isso, cometi o erro estratgico nGmero doisH K"!o me aceitar!o sem e-perincia profissional. =u teria que descascar batatas por D,<? a ora durante seis meses. Voc vai me sustentar com o seu supersal&rio enquanto issoLK Ceder 1 tentadora perspectiva de emascular meu marido. ;m erro, sempre um erro. KQuem sabe outra escola para come$ar, ent!o... .lgum lugar aqui em "ova /or0LK K"!o temos din eiro.K =ric n!o respondeu. Continuava sentado tranquilamente na beirada do sof&, com a m!o apoiada na min a canela. C eguei a pensar em me livrar daquela m!o com um pontap, mas a canela parecia ser um ponto neutro o suficiente. ;ma das gatas subiu em meu peito, fare#ou meu &lito e se afastou pisando duro, com a boca aberta de asco. KFe eu quisesse aprender a co(in ar, simplesmente faria todas as receitas de Mastering the Art rf French Cooking.> "!o era a afirma$!o mais adequada para um tom sarc&stico, mas funcionou. =ric continuou mudo. K"!o seria de grande a#uda, claro. "unca me arrumaria um emprego.K
KPelo menos comer4amos bem por uns tempos.K )essa ve( quem ficou em silncio fui eu, porque obviamente ele tin a ra(!o. K=u ficaria e-austa. =ngordaria. 'er4amos que comer miolos. = ovos. =u n!o como ovos, =ric. Voc sabe que n!o como ovos.K K"!o, n!o come.K KS uma idia idiota.K =ric ficou em silncio de novo. ,uff" c egara ao fim, dando lugar ao notici&rio. "uma rua alagada, em F eeps ead @aJ, o rep3rter di(ia algo sobre uma adutora rompida. Fentados na abarrotada sala de estar de nosso apartamento em @aJ Ridge, ol &vamos para a tela como se tivssemos algum interesse pela not4cia. T nossa volta, pil as e mais pil as de cai-as amea$avam desabar, aterrori(ando*nos com a lembran$a da mudan$a que ter4amos de fa(er em breve. .o recordar esse momento, como se eu pudesse ouvir o estalido tenso de um pescador dando s3 um tiquin o de lin a quando =ric disseH KVoc podia criar um blogK. Cravei nele meu ol ar irritado, como um enorme tubar!o branco balan$ando a cauda. U5ulie. Voc sa1e o que um blog, n!o sabeLK S claro que eu n!o sabia o que era um blog. =st&vamos em agosto de D??D. "ingum tin a ouvido falar em blogs, com e-ce$!o de caras como =ric, que passam o dia inteiro usando os computadores das empresas ondetrabal am para se manter em dia com o (eitgeist. "en uma quest!o de pol4tica interna ou e-terna era comple-a demais para ele, nen um rinc!o da cultura pop parecia*l e demasiado obscuroM da Xuerra contra o 'error ao realitJ s oP %ear %actor, para =ric tudo era uma grande e bela rgua de c&lculo. KS que nem um site, sabe. F3 que a coisa mais f&cil do mundo. "!o preciso saber nada de nada.K KParece ideal pra mim.K K=u s3 quis di(er que a pessoa n!o precisa entender de inform&tica.K KVoc vai ou n!o vai me preparar aquele drinqueLK KClaro, pra #&.K = ele foi. )ei-ou*me so(in a. 5& podia fa(*lo, porque sabia que eu tin a mordido a isca. .calentada pelo som apa(iguador do gelo c acoal ando na coqueteleira, comecei a refletirH aquela vida que est&vamos levando, =ric e eu, parecia o oposto de um Potage Parmentier. =ra f&cil continuar com nossos empregos abominavelmente ma$antesM pelo menos isso nos poupava de fa(er escol as. 2as por quanto tempo eu conseguiria suportar uma vida assim t!o f&cilL .reia movedi$a era f&cil. Caramba, morrer era f&cil. 'alve( tivesse sido esse o motivo de min as sinapses terem come$ado a estalar 1 vis!o das batatas e dos al os*por3s na mercearia coreana. 'alve( fosse isso que revirava em meu est6mago sempre que eu pensava no livro de 5ulia C ild. 'alve( eu precisasse fa(er como uma batata, separar o #oio do meu trigo, tornar*me parte de algo que n!o fosse f&cil, apenas simples. "esse instante, =ric retornou da co(in a, tra(endo duas vodcas*t6nicas. =stendeu um dos copos, tomando cuidado para que o mart4ni n!o transbordasse daquelas beiradas trai$oeiras, e eu tomei um golin o. "!o & vodca*t6nica que se compare 1s do =ric * gelad4ssimas, secas, com algumas gotas quase impercept4veis de licor, ocultas em suas profunde(as ligeiramente oleosas. K'& bomK, eu disse, tomando outro gole enquanto =ric se sentava ao meu lado. KComo mesmo essa ist3ria de blogLK = assim, naquela noite, algumas oras mais tarde, uma pequenina lin a foi atirada no mar infinito do ciberespa$o, a mais 4nfima das iscas na mais escura das &guas.
O Livro 2astering t e .rt of %renc Coo0ing, Ra. edi$!o, 7897. Louisette @ert olle. Fimone @ec0. =, claro, 5ulia C ild, a mul er que ensinou a .mrica a co(in ar e a comer. Eo#e temos a impress!o de que vivemos num mundo for#ado por .lice Iaters, mas foi sobre 5ulia que tudo se erigiu, e n!o & quem c egue aos ps dela. . )esafiante %uncion&ria pGblica indolente durante o dia, gourmande renegada 1 noite. Vel a demais para o teatro, nova demais para a maternidade e a(eda demais para qualquer outra coisa, 5ulie PoPell andava 1 procura de um desafio. =ncontrou*o no Pro#eto 5ulieZ5ulia. Colocando em risco seu casamento, seu emprego e o bem*estar de seus gatos, topou uma empreitada insana. :9< dias. <D> receitas. ;ma mo$a e uma porcaria de co(in a, a quil6metros de distQncia do centro da cidade. .onde isso vai dar, ningum sabe... "!o era grande coisa * quase nada. 2enos que uma receita de sopa de batatas. ;mas poucas palavras amarradas em meia dG(ia de frases, nada mais. 5untas, porm, elas davam a impress!o de bril ar por a4, ainda que debilmente. O suficiente, enfim.
. maionese, assim como o mol o olands, o resultado de um processo que consiste em obrigar algumas gemas de ovo a absorver uma substQncia gordurosa, neste caso 3leo, e mant*la numa suspens!o espessa e cremosa. 0 Mastering the Art of French Cooking, Vol. 7 S dificil fa(er maionese por tentativa e erro. 0 Gs Prazeres do !e;o
.ntes de come$ar Os prazeres de cozinhar 'odas as noites, ao c egar em casa do trabal o, a primeira coisa que meu pai fa(ia era tirar as moedas dos bolsos do terno e despe#&*las numa grande caneca de pl&stico a(ul com uma flec a branca, o logotipo do meu acampamento de ver!o. =ssa caneca ficava no arm&rio 1 direita da pia que cabia a ele no ban eiro do quarto de casal. 2in a m!e tin a um arm&rio idntico, do lado esquerdo da outra pia, onde guardava seu esto#o de maquiagem e suas #3ias, alm de alguns len$os antigos que n!o usava desde que terminara o colegial. "o arm&rio dele, papai guardava moedas, rel3gio, anti*sptico bucal, fi-ador de cabelos 2ennen, len$os... = o livro. )escobri*o numa ter$a*feira 1 tarde, enquanto procurava alguns trocados. =u tin a 77 anos, e 1s ter$as e quintas*feiras fa(ia um curso de interpreta$!o numa escola de teatro em "ort @urnet, atr&s do caf "ig t aP0. Fempre levava cinquenta centavos para usar na m&quina de Coca*Cola do "ig t aP0 antes de voltar para casa. =m geral, pegava o din eiro no pote que ficava numa prateleira acima da lavadora de roupa, porm nesse dia min a m!e levara o pote ao banco, o que me levou a assaltar o arm&rio do meu pai. =ra um livro de capa dura preta que ficava no fundo do arm&rio, virado para bai-o, para ocultar o t4tulo. . sobrecapa avia sido descartada. 5& o tin a visto antes, mas ac ava que devia aver um bom motivo para meu pai escond*lo tanto. )evia ser, di(ia a mim mesma, algo muito c ato. Provavelmente tin a a ver com contas telef6nicas ou coisa assim. 2as eu estava so(in a em casa naquela tarde e de sGbito me ocorreuH por que papai se daria o trabal o de esconder um livro chatoC '!o logo retirei o livro do lugar e vi o t4tulo gravado em letras douradas, percebi que devia recoloc&*lo l&. . essa altura, claro, era tarde demais. "as primeiras p&ginas avia uma srie de grandes ilustra$Nes coloridas, em papel grosso e cintilante, como num livro de arte. Com a diferen$a de que os desen os retratavam um omem e uma mul er, os dois nus e fa(endo se;o. = n!o era como as cenas de se-o dos filmes. =u #& assistira a muitas cenas er3ticas * t4n amos Cinema- em casa e em nossas Kfestas do pi#amaK, quando #& era bem tarde, 4amos escondidas at a sala de estar para assistir a epis3dios de Frida" Afier &ark. . mul er das ilustra$Nes, porm, tin a plos nas a-ilas e o omem, bom, o omem tin a plos no corpo inteiro e estava com o P?nis totalmente 1 mostra, penetrando0a. =ra pornografia hard0core, como as fitas de v4deo que o pai de Rsabel escondia atr&s dos filmes normais, das quais eu tratava de ficar bem longe, n!o tin a coragem nem de ver as capas. O omem e a mul er nem eram muito bonitos. =ram %elhos. Para ser sincera, pareciam um pouco meus pais. =sse pensamento me dei-ou com uma sensa$!o estran a, e tratei de tir&*la da cabe$a. Ts ilustra$Nes coloridas seguia*se um longo trec o escrito, com desen os em preto*e* branco e verbetes, como num dicion&rio. %oi quando compreendi o que o livro eraH um dicion:rio de se-o. 2uitos dos verbetes estavam em francs. Outros eram palavras simples, como KbotasK e KtrensK, mas eu n!o conseguia entender por que elas estavam num livro como aquele. = essa era a pior parteH ser& que KbotaK queria di(er algo completamente diferente do que eu pensava at ent!oL Fer& que toda ve( que eu implorava para min a m!e comprar um par de botin as ro-as de salto alto, para combinar com min a blusa da PiggJ, estava di(endo, sem querer, algo feio e indecorosoL O quarto dos meus pais ficava #unto 1 porta da frente da casa. Quando ouvi min a m!e introdu(ir a c ave na fec adura, mal tive tempo de me precipitar na dire$!o do arm&rio e guardar o livro antes que ela me visse. K=st& pronta, 5ulesL O que est& fa(endo a4LK
KF3 pegando umas moedas pra tomar min a Coca.K PenseiH Ela sa1eH, mas mam!e apenas disseH K@om, ent!o vamos... =stamos atrasadasK, e saiu de novo pela porta da frente. Passei a aula inteira aflita * ser& que eu tin a colocado o livro do #eito certoL Lembrei* me de que, em 78A>, o personagem principal dei-a um fio de cabelo em cima de seu di&rio para saber se algum me-eu nele. =u sabia que meu pai tin a lido 78A> * fora dele que eu gan ara meu e-emplar. . professora de teatro me mandou contracenar com Caleb, um rapa( que lembrava muito o #ason @ateman da srie de 'V *t's Aour Mo%e, mas eu n!o conseguia ol ar para ele sem pensar nas ilustra$Nes do livro. "!o conseguia lembrar min as falas, e eu nunca esquecia min as falas, era a que mel or decorava di&logos na turma. )epois da aula, fui tomar min a Coca enquanto esperava min a m!e, mas mal conseguia sentir o gosto do refrigerante * min a boca formigava como se eu tivesse mascado c iclete de canela. Quando ela c egou, porm, agiu normalmente. = em casa encontramos meu pai fa(endo as palavras cru(adas, como de costume. =ra uma besteira, uma grande besteira, ler aquele livro na min a idade. =u sabia. =stava traindo meus pais. =stava me comportando mal. 'oda ve( que eu me pegava entrando furtivamente no quarto deles, sussurrava para mim mesmaH KS a ultima ve(, a Gltima, #uroK. 2as eu sabia que era mentira. =u ca4ra num loda$al, me enlameara na deprava$!o, nunca mais voltaria a ser uma menina inocente. .lm do mais, tin a tanta informa$!o aliO O livro estava repleto de coisas que eu n!o aprenderia em nen um outro lugar * nem mesmo com Rsabel, que sabia mais sobre se-o que todas as meninas de 77 anos do planeta, embora tivesse apenas 7?. O estrago #& estava feito, portanto que n!o faria mal aprender um pouco com ele. Quando eu c egava da escola, min a m!e em geral estava em casa, porm 1s ve(es sa4a para levar meu irm!o Eeat cliff ao treino de beisebol ou 1 casa de um amigo, ou ent!o ia resolver alguma coisa na rua. "essas tardes eu pegava meu pacote de biscoitos Oreo * eu tin a uma regra firme +bastante firme, de nunca comer mais de de( biscoitos numa tarde *, um peda$o de papel*toal a e tornava a invadir o ban eiro dos meus pais. Eavia uma pequena pintura a 3leo pendurada na parede, retratando uma mul er de n-glig-. =u at gostava do quadro, embora ficasse feli( por meus pais o terem colocado no ban eiro. Porm, agora que con ecia o conteGdo do livro que papai guardava no arm&rio, aquela mul er parecia sugerir inclina$Nes que eu #amais suspeitara que ele e min a m!e tivessem. Quando eu tirava o livro do arm&rio, sentia um c eiro fumacento, adstringente, secreto. .c ava que ele c eirava assim porque meus pais o usavam quando fa(iam se-o * min a m!e talve( usasse roupas emborrac adas ou botas de salto alto ou qualquer coisa nesse estilo. +.nos mais tarde me dei conta de que aquilo nada mais era que o c eiro do Listerine, do fi-ador de cabelos e dos ent!o por mim ignorados cigarros que papai dei-ava no arm&rio para dar umas tragadas na varanda depois que eu ia para a cama., =u me sentava no &spero carpete branco, encostada na parede, debai-o da pintura a 3leo, e me dedicava 1 leitura, com o livro apoiado nos #oel os fle-ionados. )ei-ava o pacote de Oreo em cima do papel*toal a e me pun a a comer um biscoito ap3s o outro, separando suas duas metades, lambendo o rec eio branco, mantendo as rodelas na boca at que se transformassem numa pasta de c ocolate, enquanto lia sobre cassolette, postillionage, gamahuche. Certos verbetes eram uma no#eira s3 * na lin a sovacos n!o depilados e fedidos *, enquanto outros fa(iam meu pGbis late#ar. =nt!o eu ouvia o port!o da garagem se abrindo. Levantava de um salto, colocava o livro no lugar, fec ava a porta do arm&rio, recol ia os biscoitos que porventura ouvessem sobrado e corria para a co(in a. =ra ali que min a m!e me encontrava quando vin a me c amar para a#ud&*la a descarregar as compras.
Fe a primeira ve( que provei o gosto do pecado foi com Gs Prazeres do !e;o, a segunda foi com Mastering the Art if French Cooking. Para a ceia de "atal, mam!e geralmente fa(ia red 1eans and rice < com a carne temperada com c ili e o fei#!o 1 parte, porque eu n!o comia fei#!o de )eito nenhum. "aquele ano, porm, o presidente da empresa de meu pai viria #antar conosco e, ap3s certo pQnico, mam!e resolvera preparar algo especial. Quando entrei na co(in a naquela man !, encontrei*a #& ocupada, cortando legumes. =m cima da mesa via*se um vel o livro de receitas, aberto 1 p&gina :7<. ,oeuf ,ourguignon. =mbora ele estivesse ali desde que eu me entendia por gente, nunca tin a visto mam!e tirar da despensa aquele volume grosso cor de creme. "a realidade, avia outro que fa(ia par com eleM eram dois livrNes, ambos intitulados Mastering the Art of French Cooking, os dois com um padr!o de formas florais na capa. Quando perguntei a min a m!e, ela c amou o desen o de Kflerdili(K. .s Kflerdili(esK do volume que mam!e dei-ara em cima da mesa eram vermel asM as do que continuava na prateleira, a(uis. Os livros de culin&ria n!o figuravam entre meus favoritos e, mesmo em se tratando de livros de culin&ria, aqueles dois estavam longe de ser os mais interessantes da cole$!o que min a m!e tin a na despensa. =u gostava muito mais da srie une0$ife, dois livros para cada co(in a nacional do mundo * um com lombada em espiral, contendo as receitas propriamente ditas, e outro maior, com dados ist3ricos e fotos lindas. +O volume dedicado 1 co(in a vienense, com todos aqueles bolos brancos alt4ssimos, era o meu favorito. =u vivia apontando um ou outro bolo para min a m!e e pedindo que ela o fi(esse para mim, mas ent!o ela me mostrava que a receita inclu4a coco, no(es ou gelia, e eu n!o comia coco nem no(es nem gelia de )eito nenhum.F Contudo, embora n!o estivessem entre meus favoritos, eu gostava do aspecto daqueles dois livros robustos se equilibrando entre os volumes da 5unior LeagueL e o ,ett" Crocker caindo aos peda$os de min a m!e. Pareciam antiquados, imponentes, reais, como os livros raros vendidos em sebos por rios de din eiro. =u ainda estava de camisola. 'in a vestido por cima a blusa a(ul de gola rul de min a m!e, uma blusa bem folgada, com listras tortas. Quando c egava o "atal, eu gostava de fingir que avia alguma c ance de nevar. =m oras mais sossegadas, no ban o ou antes de sair da cama pela man !, imaginava que os flocos de neve ca4am l& fora enquanto eu me encol ia numa grande pil a de almofadas, diante de uma lareira crepitante, ao lado de 5ason @ateman, em cu#o rosto insinuavam*se sorrisos que pareciam sugerir algo na lin a de Gs Prazeres do !e;o, s3 que com mais delicade(a e menos plos nas a-ilas. . blusa de gola rul de min a m!e contribu4a muito para tais devaneios. Peguei um pouco de 2ars malloP %luff e me sentei diante do livro. 2in a m!e estava #unto 1 pia, descascando cenouras em cima do triturador. K"!o entendo por que voc insiste em usar essa blusa. =st& fa(endo um calor!o l& fora.K K=stou com frio.K KCuidado para n!o desmarcar min a receita.K KPode dei-ar.K 2arcando a p&gina com um dedo, fol eei o livro, tentando pronunciar em vo( bai-a todas aquelas palavras francesas. ;m c eiro envel ecido sa4a de suas p&ginas, mas n!o como o dos livros de biblioteca. Lembrava mais c eiro de cac orro ou de terra Gmida, uma coisa quente, viva. .s palavras e o c eiro me lembravam algo * mas no come$o eu n!o sabia o que era. "!o entendia quase nada do que estava lendo, mas dava para ver que nas receitas ia uma por$!o de coisas de que eu n!o gostavaH cogumelos, a(eitonas, espinafre. 'in a um neg3cio c amado sioeet1read, o que era aquiloC Feria uma espcie de bolo inglsL Porque eu detesta%a bolo ingls. 5& estava ficando um pouco entediada quando meus
ol os depararam com o desen o de um peda$o de animal * uma perna de cordeiro, di(ia a legenda. =stava de ponta*cabe$a, quase como uma pessoa deitada de bru$os. Virei algumas p&ginas para tr&s e ac ei outro desen o. =ste retratava um gracioso par de m!os, com un as bem redondin as, amassando um tro$o enodoado. 2assa. .s m!os ilustravam um movimento c amado fraisageI KCom a e-tremidade da palma da m!o pr3-ima ao pun o, n!o com a palma propriamente dita, que quente demais, amasse rapidamente duas col eradas de massa, de maneira a estic&*la sobre a t&bua, formando uma manc a firme, bem delineada, de cerca de quin(e cent4metrosK. Parecia esquisito. = tambm parecia, bom, meio su)o. )e repente me dei conta e;atamente do que o livro me lembrava. Corando, ol ei de relance para min a m!e, mas ela tin a terminado com as cenouras e agora estava 1s voltas com as cebolas. "!o fa(ia a menor ideia do que passava pela min a cabe$a. Claro que n!o. "!o sabia ler pensamentos. .ntes eu ac ava que sim, mas ao longo daquele Gltimo ano, tin a me dado conta de que, se ela de fato soubesse, #amais teria me dei-ado assistir *t's Aour Mo%e de novo. K=st& tomando cuidado para n!o desmarcar a receita, n!o LK U5& disse que estou.\ Por causa dos feriados, fa(ia algumas semanas que eu n!o tin a a oportunidade de dar uma espiada no livro que ficava no arm&rio do meu pai. =m primeiro lugar, meus pais estavam em casa, em segundo, andavam de ol o em mim para ter certe(a de que eu n!o come$ara a vascul ar a casa 1 procura de presentes. =u procurava evitar isso, na verdade, porque eram as surpresas que fa(iam o "atal ser o que era. .lm do mais, n!o queria encontrar nada que comprovasse de uma ve( por todas que Papai "oel n!o e-istia. =u meio que sabia que devia ser tudo mentira, mas n!o queria admitir, porque o que seria do "atal sem Papai "oelL Porm n!o resistia 1 tenta$!o de dar uma espiada no tal livro, de modo que era mel or evitar o quarto dos meus pais. Ou se#a, nada de Gs Prazeres do !e;o, pelo menos at a passagem do ano. 2as aquele livro que eu tin a nas m!os * ora, aquele livro era quase to 1om quanto o outro. Eavia uma por$!o de palavras em francs e muitas coisas incompreens4veis sobre as quais refletir. "!o avia ippies nus, mas isso n!o c egava a ser um problema. =les me perturbavam um pouco 1s ve(es. = se, em ve( de ficar sentada com uma blusa de frio diante de uma lareira com 5ason @ateman, eu cozinhasse para eleL. idia nunca tin a me passado pela cabe$a. ;ma coisa se-J. Como * ummm... que tal Pi?ce de ,oeuf = la Cuill?reC Parecia su#o. K@olo de carne rec eado com picadin o de carneK * parecia su#o at tradu(ido. KO que voc est& aprontando, JulieC> Quase dei um pulo da cadeira de cromo e vime da co(in a, como se tivesse sido surpreendida me masturbando 1 mesa da sala de #antar Y n!o que eu me mastur1asse, claro. .li&s, s3 sabia o significado da palavra porque Rsabel tin a me contado. =caO K'ire o p da cadeira * acabei de mandar reformar todas elas. Pode tra(er o livro pra mimL =stou com as m!os su#as de bacon.K 'ornei a abrir o livro na p&gina que eu estava marcando com o dedo e levei*o para mam!e, que me ol ou de um #eito esquisito quando o coloquei em cima da bancada amarela. K"!o entendo por que tanto interesse por esse livro. Voc n!o come essas coisas. "!o come nem cheese1urger.> KQuei#o combina com pi((a, n!o com ambGrguer.K 2am!e revirou os ol os e retornou 1 receita. %iquei algum tempo espiando por cima de seus ombros. =la cortara pedacin os de bacon e os estava fritando numa panela. Quando ficaram dourados, tirou*os do fogo e come$ou a fritar peda$os de carne. KO c eiro bom.K
KS, n!o LK =la estava tirando a carne dourada e colocando cenouras e cebolas. =u n!o comia cenoura de )eito nenhum. 2as o c eiro era delicioso. Rndaguei a mim mesma se 5ason @ateman n!o seria o tipo de omem que gosta de ,oeuf ,ourguignon. KQuem sabe o#e 1 noite voc n!o e-perimenta um poucoK, disse min a m!e. KS. Quem sabe.K Claro que n!o e-perimentei, n!o naquele "atal * n!o consegui superar o pavor que me inspiravam as cenouras, os cogumelos e as cebolas e, como as outras crian$as que estavam em casa naquela noite, acabei optando por pi((a de peperoni e mars malloP. "a verdade, seriam necess&rios mais de(oito anos para que eu e-perimentasse a receita de ,oeuf ,ourguignon de 5ulia C ild. ,oeuf ,ourguignon um prato ao mesmo tempo cl&ssico e seguro, requintado e simples, por isso perfeito para ocasiNes em que algum pNe sua reputa$!o 1 prova. %oi o prato que 5ulia C ild preparou no epis3dio inaugural de seu primeiro programa na televis!o. %oi o prato que min a m!e fe( para impressionar o c efe do meu pai. =, de(oito anos mais tarde, foi o prato que servi para uma pessoa muito importante, com a a#uda da qual eu esperava me livrar da porcaria do meu emprego de secret&ria e me lan$ar rumo ao sucesso e 1 fortuna. . bem da verdade, servi*o duas ve(es para essa pessoa muito importante, mas falarei detal adamente sobre isso mais tarde. Por ora, basta di(er que aprender a preparar um ,oeuf ,ourguignon, assim como uma maionese, e-ige certa quantidade de tentativas e erros +com efeito, ac o que aprender a fa(er maionese e-ige bem mais que isso,, mas, quando voc domina a coisa, um prato e-celente para ter no repert3rio. Fe, por e-emplo, 5ason @ateman c egasse de repente a "ova /or0 atr&s de um convite para #antar, eu poderia agora, gra$as a 5ulia, fa(er sem o menor drama um belo ensopadin o de carne * 1 francesa. Feria inclusive capa( de preparar*l e um ,oeuf ,ourguignon usando a blusa a(ul de min a m!e. 'en o*a at o#e, e nutro por ela um apego irracional, que sobreviveu tanto 1 percep$!o de que #amais serei uma dessas mul eres magrrimas que ficam bem com blusas folgadas de gola rul quanto 1 compreens!o de que, de qualquer forma, blusas folgadas de gola rul n!o s!o mais se-J desde pelo menos o final dos anos 78A?. 2as com 5ason @ateman, assim como com um ,oeuf ,ourguignon, 1s ve(es mel or fa(er as coisas 1 moda antiga.
Janeiro de 2344 Arlington, BirgJnia &epois de tanta incerteza, a coisa finalmente iria acontecer. !ua mala esta%a pronta, o carro esta%a a caminhoK ele esta%a de partida. Em 1re%e, teria um tra1alho de %erdade, com lorde Mount1atten, em #o%a &-lhi. udo esta%a se realizando, e;atamente como Jane ,artleman ha%ia dito. Com cautela, Paul tirou um de seus di:rios da cai;a em que esta%am acondicionados os pap-is que seu irmo Charlie le%aria para o Maine. Foi atsua pequena cama, a essa altura ): sem lenDLis, sentou0se e procurou as P:ginas em que ha%ia registrado as pre%isEes da astrLloga, em a1ril do ano anterior. >.: uma no%a misso = sua espera. Est: diante de %oc?, como uma fruta suspensa no galho de uma :r%ore.> Pode0se desdenhar da astrologia, mas com resultados no se discute. Paul continuou folheando as P:ginas preenchidas com sua letra mi6da e esmerada. >Portas se a1riro 0 portas de cu)a e;ist?ncia %oc? nem sequer suspeita. > /uando Paul se le%antou para guardar o di:rio de %olta na cai;a, uma pequena folha de papel escapou de dentro dele e pairou alguns instantes no ar antes d epousar no cho. Ao se inclinar para apanh:0la, Paul a reconheceu e foi surpreendido por um s61ito ardor no fundo dos olhos. Era uma antiga carta de Edith, ): um tanto amarelada, escrita no perJodo que os dois ha%iam passado em Cam1ridge. >Paul, querido, seus poemas sempre me emocionam, mas ainda assim no dei;o de me espantar...> Ela se fora ha%ia pouco mais de um ano, mas 1astou %er sua letra para que aqueles 6ltimos meses %oltassem = lem1ranDa de Paul com uma nitidez horrJ%elK demoradas e inconsol:%eis tardes o1ser%ando sua 1em0amada arque)ar inutilmente em 1usca de ar. Ao reler o poema, ele se deu conta de que, em algum lugar em seu Jntimo, sentia que dei;ar o paJs tam1-m era uma forma de dei;ar Edith. #a prima%era, ,artleman dissera a ele que outra mulher apareceria em seu caminho, algu-m capaz de romper aquela solido g-lida. Por mais que ansiasse a companhia de uma mulher inteligente, 1em0humorada, equili1rada e sensJ%el, Paul no acha%a possJ%el que a pre%iso se concretizasse. J: ti%era sua chance. $: fora, uma 1uzina de automL%el. Boc? precisa - se concentrar no tra1alho, disse para si mesmo. Fechou o zJper da sacola e pendurou0a no om1ro. Para o inferno com as mulheres e o casamento. #o se pode ter tudo na %ida.
)ia D:, Receita :> preciso quebrar alguns ovos ]s maiores bobagens que #& cometi na vida aconteceram quase sempre no outono. C amo isso de Ks4ndrome do primeiro dia de aulaK, um res4duo arraigado de uma poca em que o outono significava alguma coisa. Quando eu tin a 77 anos, essa s4ndrome se manifestou na tr&gica escol a de combinar um par de botin as ro-as de cano alto com uma blusa da PiggJ. "o outono do meu trigsimo anivers&rio, revelou*se na elabora$!o de um pro#eto culin&rio absurdoM que teria um ano de dura$!o e estava previsto para come$ar simultaneamente com a prova$!o b4blica que qualquer mudan$a de casa em "ova /or0. =u mencionei a mudan$a, n!o mencioneiL 'alve( o primeiro sinal de que eu estava 1 beira de um de meus ataques de demncia sa(onal ten a sido a rea$!o de min a m!e quando falei a ela sobre o Pro#eto. K. .K K= que tal este nomeH VO Pro#eto 5ulieZ5uliaVL .c o que d& a sensa$!o de ser uma coisa de cientista maluco, tipo doutor %ran0enstein. Recebeu o lin0 que eu mandei pra vocLK KFim...L Recebi...LK Fuas frases curtas transformavam*se em perguntas esitantes, estr4dulas. K"!o se preocupe. Fer& s3 por um ano. Co(in arei 1 noite e escreverei de man !, todos os dias. Vai ser como uma dieta.K KEum* umL = por que foi mesmo que voc resolveu fa(er issoLK KComo assimLK Que pergunta mais tola * muito embora, e isso eu s3 percebia vagamente, fosse uma pergunta que eu mesma n!o avia me feito. "otei que min a vo( estava um pouco alterada. K@om... quer di(er, talve( n!o se#a uma boa ora para come$ar um novo pro#eto, n!o L "o meio da mudan$a de vocs.K K. ... n!o. "!o, n!o, n!o, n!o. Vai ser legal. =u ten o que comer, n!o ten oL .lm do mais, #& est& no ar. On*line. Qualquer um pode ver. .gora preciso ir em frente. Vai ser legal. Vai ser o m:;imoH> "a min a idade, eu #& devia saber que, quando meu timbre de vo( atinge alturas t!o insuportavelmente #oviais, sinal de cat&strofe a camin o. =u devia saber, mas por algum motivo s3 me lembro quando tarde demais. 'in a come$ado muito bem. "a noite seguinte 1quela em que inaugurei o blog, fi( ,ifteck !aut- au ,eurre e Artichauts au #aturel 0 as primeiras receitas dos cap4tulos de MtAoFC dedicados, respectivamente, a carnes e legumes. O bife, eu apenas fritei numa frigideira com manteiga e 3leo * manteiga e 3leo porque eu n!o tin a 1eef suet, que era a outra op$!o, e tambm porque nem sequer sabia o que era 1eef suet. )epois preparei um mol o r&pido com o caldo que ficou na frigideira, acrescentando um pouco de vermute que t4n amos em casa fa(ia uma eternidade * =ric tin a descoberto que passava mal com vermute, mesmo no mart4ni * e mais um pouco de manteiga. =u simplesmente limpei as alcac ofras, arrancando os caules e cortando as e-tremidades pontiagudas das fol as com uma tesoura Y antes de co(in &*las numa panela com &gua e sal at ficarem macias. =las foram servidas com ,eurre au Citron, um mol o que preparei fervendo suco de lim!o com sal e pimenta e, em seguida, adicionando um tablete de manteiga. 'rs receitas no total, em pouco mais de uma ora. K=u seria capa( de fa(er isso com uma m!o nas costasOK, vangloriei*me, enquanto eu e =ric est&vamos 1 mesa de #antar, cercados pelas pil as de cai-as de papel!o, cada ve(
mais numerosas, raspando entre os dentes da frente as fol as de alcac ofra embebidas em manteiga com lim!o. K.inda bem que temos a mudan$a para fa(er, do contr&rio isso seria muito f&cil. 2ais f&cil que tirar doce de crian$aOK )epois de terminarmos nossos e-celentes e amanteigados bifes e darmos um fim 1 montan a de fol as de alcac ofra raspadas, sentei*me para escrever. %i( um ou dois coment&rios espirituosos sobre alcac ofras * Kfoi min a primeira e-perincia com alcac ofras e, gostando ou n!o delas, estou pasma com o coitado do pr* ist3rico que teve a idia de comer um tro$o dessesK * e em seguida postei meus poucos e breves par&grafos no blog. "o dia seguinte, tive :9 acessos. Fei que foram :9 acessos porque naquele dia, enquanto estava no trabal o, entrei do(e ve(es na internet para c ecar. Cada acesso representava uma pessoa lendo o que eu tin a escrito. Rncr4velO "o fim de cada post avia um espa$o reservado para coment&rios, e pessoas de quem eu nunca tin a ouvido falar di(iam que gostavam do meu #eito de escreverO =u ia me empanturrar de comida francesa, escrever sobre isso e ainda receber elogios de descon ecidos. =ric tin a ra(!o. Ra ser fant:sticoH O segundo dia foi /uiche $orraine e .aricots Berts = ia Anglaise. "o terceiro, tive de ir a "ova 5erseJ a fim de distribuir formul&rios de sugestNes e reclama$Nes e providenciar cadeiras dobr&veis para uma reuni!o de familiares de v4timas dos atentados ao Iorld 'rade Center. O encontro fora organi(ado pelo governador de "ova 5erseJ com o ob#etivo de dei-ar claro para todo mundo que, se avia algum insatisfeito com alguma coisa, a culpa era do 3rg!o pGblico para o qual eu trabal ava em LoPer 2an attan. O governador de "ova 5erseJ era um su#eito meio pentel o. "!o consegui co(in ar nada nesse dia. =m ve( disso, comi pi((a e escrevi de improviso este te-to bril anteH Os vitorianos mais abastados serviam morangos Romanoff em de(embroM o#e demonstramos nossa superioridade servindo amoras orgQnicas fresquin as no per4odo de duas semanas em que elas podem ser col idas na amoreira do s4tio de agricultura alternativa que frequentamos quando estamos em nossos bangal6s nos EamptonsL .s pessoas falam em revirar quitandas, feiras e mercados em busca do mais fresco isso, do mais fino aquilo, do mais verde ou mais consistente ou mais suave n!o sei o qu, como se o que estivessem fa(endo fosse sinal do mais absoluto (elo e bom gosto, e n!o do privilgio de quem n!o tem de trabal ar para gan ar a vida. 2as 5ulia C ild n!o nada disso. 5ulia C ild quer que voc Y isso mesmo, %oc?, que mora num dos mil ares de con#untos residenciais dos subGrbios da cidade, que tem um empreguin o sem futuro numa empresa qualquer e s3 dispNe de um supermercado Ftop and F op num raio de v&rios quil6metros * saiba como fa(er uma boa massa e tambm como fa(er para que aquelas vagens enlatadas fiquem saborosas. 5ulia quer que voc se lembre de que gente e, como tal, deve usufruir do mais b&sico dos direitos umanosH o direito de comer bem e go(ar a vida. = isso manda aqueles tomates de sementes selecionadas e aqueles a(eites e-tra*virgens da ^mbria para os quintos dos infernos. .o final da primeira semana, eu avia preparado Filets de Poisson ,erc" au; Champignons e Poulet 7Lti, Champignons = la 8recque e Carottes = la Concierge, e fi(era at um Creme ,rMl-e 0 bom, verdade que parecia mais uma sopa de Creme ,rMl-e. 'in a escrito sobre tudo isso, meus erros e meus pequenos triunfos. .lgumas pessoas * um ou outro amigo, um ou outro descon ecido, at min a tia Fu0ie, de Ia-a ac ie * aviam escrito no blog para me incentivar. = agora todo fim de tarde eu
sa4a do meu trabal o no centro da cidade com passos alegres, lista de compras na m!o, pensando n!o em como eu gostaria de arrancar o fio daquela droga de telefone da parede +ou talve( a traquia do pesco$o magrelo de algum burocrata,, mas sim no prato francs que prepararia em seguida, nos grace#os que enfeitariam meu pr3-imo post. . essa altura, eu e =ric av4amos definitivamente dado in4cio a nossa mudan$a. "o fim de semana, enc emos as cai-as empil adas na sala de estar e as levamos em nosso vel o #ipe @ronco cor de vin o para o apartamento novo, um loft, ou arremedo de loft, em Long Rsland CitJ, que n!o fica em Long Rsland, mas no Queens. +)istrito que, de fato, se situa na por$!o de terra cercada de &gua por todos os lados con ecida como Long Rsland, mas nunca diga a uma pessoa do Queens ou do @roo0lJn que ela mora em Long Rsland. %alando srio, voc pode se dar mal., =st&vamos nos mudando porque a empresa de =ric tin a se transferido para l&, e o deslocamento di&rio de @aJ Ridge a Long Rsland CitJ suscitava em n3s a lembran$a desconfort&vel de imigrantes latino* americanos sendo assassinados por fan&ticos num vag!o do metr6 1s duas da man !, a camin o de um de seus trs empregos. =nt!o decidimos ir morar num KRoftK. =ra um grande passo, uma e-perincia cora#osa, o son o urbano. = alm disso eu continuava co(in ando * alegre, bem* umorada, sem maiores dificuldades. .quele neg3cio de comida francesa era uma barbadaO =u me perguntava por que aviam feito daquilo um bic o*de*sete*cabe$as durante tanto tempo. =nt!o, na terceira semana, c egamos aos ovos. K5ulie, vamos, desista.K K"!o posso. "!o posso.K K2eu amor, isso s3 uma coisa que %oc? resolveu fa(er. "ada impede que pare. Voc pode muito bem desistir, basta querer.K K"!oO =st& dif4cil entenderL Rsso importante pra mim. 'em gente espal ada por esse pa4s afora que l? o que eu escre%o. "!o posso simplesmente P.R.R, porraOK =ssa uma conversa que ven o tendo com min a m!e desde que me entendo por gente. ;ma ve(, quando eu tin a 9 anos, queria muito ir com meu vestidin o favorito 1 festa do )ia dos "amorados na escola, mas ela disse que estava muito frio. Passei duas oras na varanda s3 com a calein a da min a fantasia de 2ul er 2aravil a, arrepiada dos ps 1 cabe$a, para provar que ela estava errada. = tambm ouve a ocasi!o em que me candidatei a uma vaga para dan$arina da fanfarra da escola s3 porque sabia que n!o tin a a menor c ance e ent!o, quando fui escol ida, n!o quis desistir e acabei passando oito meses no meio de um bando de patricin as, sofrendo de bulimia e apertando tanto aquele c apu de caub3i idiota na cabe$a que, ao fim das partidas, tin a de descolar a tira de couro do verg!o profundo que ela me dei-ava na garganta. = tambm ouve a ve( em que, faltando duas semanas para meu casamento, em meio a crises com o buf e desastres com os vestidos das damas de onra, resolvi que eu tinha de fa(er miniaturas de sen oras nuas com massa de modelar Fuper FculpeJ para os du(entos convidados. S a conversa K"!o Pule da 5anelaK. Ts ve(es funciona. Ts ve(es n!o. 2in a vo( tornou*se fria e distante. KPreciso desligar agora, m!e. ;m bei#o.K K5ulie, espere.K 2edo do outro lado da lin a. 2in a m!e sabia que estava me perdendo. KPor favor, meu an#o. Pare de cozinhar.> K'c au, m!e.K )esliguei o telefone. 2eu pesco$o do4aM virei a cabe$a e os tendNes estalaram. . #ornada de volta pela sala de estar abarrotada de bolin as de isopor foi como a 2arc a da 2orte de @ataan.K
KVamos com calmaK, dissera =ric. K)evagar e sempre mel orK, di(ia ele. .ssim, fa(ia duas semanas e meia que est&vamos nos mudando. %oi um parto. )urante uma semana e meia n!o fi(emos outra coisa sen!o transportar cai-as. =nt!o, num s&bado, conseguimos levar a cama e o colc !o. )ei-amos os gatos no apartamento antigo e passamos a noite no novo, onde fi(emos a lament&vel descoberta de que, 1s trs da man !, nosso loft parecia estar no meio de um rali de camin Nes. "o domingo, fomos buscar os gatos. "o camin o, uma das gatas vomitou na gaiola e a outra se cagou inteira. 5& o mac o simplesmente caiu no abismo ps4quico abitado pelos 3rf!os de guerra e eventuais sobreviventes de invasNes alien4genas e, assim que adentrou sua nova morada, encontrou o al$ap!o que dava acesso ao tel ado e de l& n!o saiu mais, embora o ouv4ssemos andando de c& para l& e 1s ve(es miando. )e ve( em quando, levant&vamos uma tel a para dei-ar uma tigela de ra$!o Fcience )iet para ele. =ric e eu t4n amos percorrido v&rios c4rculos infernais nas Gltimas semanas * eu os c amara de KRnferno do Conserto )omiciliar de ^ltima EoraK, KRnferno do =mprego 'orturante e Fem %uturoK, KRnferno do Presente que =squeci de Comprar para o .nivers&rio de D8 .nos do 2eu 2aridoK e KRnferno da =squi(ofrnica Varrida que a 2in a 2ul erK. '4n amos nos mac ucado, gritado, dei-ado cair tubrculos descascados no assoal o podre do nosso Kloft seminovoK e pegado esses tubrculos e feito uma sopa. =mbora fosse poss4vel di(er que agora est&vamos vivendo em Long Rsland CitJ, o verbo %i%er parecia na verdade um eufemismo cruel. =st&vamos mais para mortos vivos. . co(in a parecia a cena de um crime. "o c !o, cascas de ovos estalavam sob nossos ps. ;ma quantidade correspondente a trs dias de lou$a n!o lavada acumulava*se na pia, cai-as parcialmente desfeitas tin am sido empurradas para os cantos. Ocultos na garganta escura do li-o, mas percept4veis como cad&veres cobertos com pl&stico preto, #a(iam os restos mutilados de v&rios ovos. Fe os fragmentos de gema com manc as ro-as grudados em v&rios pontos das paredes fossem borrifos de sangue, os legistas teriam feito a festa. Porm =ric n!o estava #unto ao fog!o para determinar a posi$!o de onde o assassino disparara os tiros * n!o, ele estava fa(endo um ovo poch- em vin o tinto. Eavia dois outros ovos poch-s num prato ao lado do fog!o. =stes eu mesma preparara pouco antes de participar de uma reconstitui$!o improvisada daquela cena de Apertem os Cintos, o Piloto !umiuH em que todos os passageiros formam uma fila e se reve(am para esbofetear e c acoal ar a mul er istrica * com =ric no papel de todos os passageiros e eu no da istrica. )a cai-a com uma dG(ia de ovos aberta trs oras antes, restavam apenas trs Gnicos sobreviventes. )ei-ei escapar um incoerente gorgole#o de desespero ao ver aqueles pobres coitados, retorcidos e a(uis como os l&bios de um cad&ver. KPelo #eito o#e vamos passar fome, n!o LK K=st& tudo bem com sua m!eL =la levantou um pouco seu astralLK %rio e calculista, =ric tirou o Gltimo ovo do vin o e o colocou ao lado de seus tristes irm!o(in os a(uis. KFei l&. .c o que sim. Voc parece o C arles @ronson, sabiaLK KComo assimLK K. , sabe como , aquele tipo que d& uns tapas na mul er auto*destrutiva para fa(*la voltar a si e que n!o titubeia em fa(er #usti$a com as pr3prias m!os diante de ingredientes rebeldes na co(in a. Obrigada por preparar esse Gltimo ovo.K K"!o me sa4 l& muito bem.K K"!o tem problema. 5& um consolo o fato de n!o ter sido eu quem n!o se saiu bem. Pelo menos uma ve( na vida.K .nin ei*me em seus bra$os e logo estava c orando de novo, s3 que agora de forma mais comedida, apenas um resqu4cio do c oro anterior.
K.morK, sussurrou =ric, bei#ando meus cabelos Gmidos, Kpor voc eu fa$o qualquer coisa. Voc sabe disso.K KS. =u sei. Obrigada. =u te amo.K KVoc me amaL = quem te amaLK +Lembram*se daquela cena em !uperman, quando a 2argot _idder est& caindo do elic3ptero e o C ristop er Reeve a agarraL =le di(H K=st& tudo bem, te pegueiK, ao que ela retrucaH K2e pegouL = quem te pegouLK S da4 que vem essa costumeira rplica do =ric. =le di( isso o tempo todo. "!o consigo e-plicar como me sinto querida e protegida ao ouvir isso, como ten o a impress!o de ser abra$ada por dois b4ceps enormes, envoltos em LJcra a(ul * mas qualquer um que este#a & tanto tempo com algum como eu estou com =ric compreende o poder desse tipo de fraseologia sem ne-o., Fe estivssemos num filme, o volume da mGsica teria aumentadoM mas n!o avia tempo para romantismo. Porque fa(er Geufs = *a ,ourguignonne muito mais que desperdi$ar uma dG(ia de ovos tentando co(in &*los sem casca no vin o tinto, que era a Gnica bebida que t4n amos naquele apartamento medon o para o qual av4amos cometido a idiotice de nos mudar. .pan ei o saco de p!o de forma Ionder @read que estava em cima da geladeira e tirei trs fatias. =m cada uma delas, recortei um c4rculo branco bem capric ado, usando para isso um cortador de biscoitos que fa(ia parte de um con#unto enorme de cortadores que certa ve( a m!e de =ric me dera de "atal e que eu por pouco n!o #ogara fora durante a mudan$a. Liberei uma das trs bocas do fog!o que funcionavam +verificar as bocas do fog!o antes de assinar o contrato de loca$!o era uma dessas precau$Nes de Kinquilino nova*iorquino espertoK que eu nunca me lembrava de tomar,, pus uma frigideira em cima e comecei a derreter meio tablete de manteiga. K2as, falando srio, o que sua m!e queriaLK KFaber se eu tin a feito a reserva no Peter Luger.K Quase todos os anos, no outono, min a fam4lia vem a "ova /or0 para comemorarmos o anivers&rio de meu pai, ocasi!o em que ele gosta de assistir a um espet&culo na @roadPaJ antes de ir ao Peter Luger Ftea0 Eouse, em Iilliamsburg, no @roo0lJn, para comer um creme de espinafre, um @ife para Feis e tomar muitos drJ*mart4nis. O fato de que nesse ano papai tambm teria de a#udar a fil a istrica a acabar de tirar as coisas dela do apartamento de @aJ Ridge era apenas uma coincidncia infeli(. K=les v!o mesmo dormir aquiLK Ol ei para =ric de um #eito que ele con ecia bem. KV!o. Por quLK =ric deu de ombros e abanou a cabe$a. KPor nada.K 2as n!o ousou me ol ar nos ol os. 2in a m!e tem mania de limpe(a, meu pai um porcal !o semi*regenerado. 5untos, educaram duas crian$asH uma delas tornou*se uma pessoa que n!o d& a menor bola para os requisitos b&sicos de igiene, ainda que, de um #eito ou de outro, viva sempre, tanto em termos pessoais como domsticos, num asseio irrepreens4velM a outra, uma ve( adulta, passou a considerar uma afronta irrepar&vel qualquer insinua$!o de que a arruma$!o de sua casa e sua igiene pessoal s!o menos que impec&veis, ainda que, a despeito de uma isteria ra(oavelmente constante em rela$!o a isso, viva quase sempre na maior desordem. )ou uma c ance para adivin arem qual sou eu. 'ambm foram inGmeras as ve(es em que tentei matar min a m!e me mudando para lugares de m& reputa$!o e, com frequncia, insalubres. 2esmo ap3s muitos anos, ela continua a falar do meu primeiro apartamento em "ova /or0 como se fosse o KburacoK de uma pris!o do _ mer Vermel o. =, claro, n!o & como esquecer o dia em que ela viu a casa de pau*a*pique praticamente em ru4nas que eu e =ric alugamos num lugar con ecido como K2eio do "adaK, no "ovo 2-ico, para passar nossas primeiras frias de ver!o depois de casados. 2am!e parou na entrada do casebre, o fac o de sua lanterna perfurando as trevas, vascul ando o c !o 1 procura de coc6 de rato ou
cad&veres de criaturas maiores, talve( at umanas. L&grimas brotavam de seus ol os esbugal ados. =nquanto eu for viva, nunca me esquecerei do pavor que avia em sua vo( quando ela sussurrouH K5ulie, falando srio * %oc?s %o morrer aqui>. .inda debru$ada sobre a frigideira, eu cutucava a manteiga. >&errete, saco.K =u devia clarificar a manteiga * coisa que se fa( retirando a espuma branca que aparece quando ela come$a a derreter * e ent!o, aumentando o fogo a fim de dei-&*la bem quente, us&*la para dourar as rodelas de p!o. "aqueles dias, avia uma por$!o de coisas que eu devia fa(er e n!o fa(ia. .ssim, limitei*me a #ogar os p!es na frigideira t!o logo a manteiga se liquefe(. Claro, os canaps * era o que eu estava tentando fa(er com as rodelas de p!o * n!o ficaram dourados, s3 Gmidos, amarelados e amanteigados. K2erda. F!o on(e oras da noite e estou pouco me fodendo pra esses fil os*da*putaK, disse eu ao transferi*las da frigideira para dois pratos. K5ulie, srio, voc precisa falar assimLK .gora eu estava aquecendo o l4quido avin ado dos ovos poch-s para fa(er um mol o. KComo que L Porra, =ric, voc est& de brincadeira comigoLK =ric dei-ou escapar uma risada nervosa. K=stou. =ra s3 uma piada. .t que foi boa, einLK KRum, um.K =ngrossei o vin o com maisena e manteiga. =nt!o, sobre cada canap enc arcado, coloquei um ovo e algumas col eres de mol o. KOs ovos vestiam*se de a(ulM o mol o, de cin(aK, murmurei em min a mel or imita$!o de Eump reJ @ogart em Casa1lanca, que n!o era das mel ores * nunca fui muito boa em imita$Nes. = o mol o estava mais para ro-o. "!o foi uma boa piada e nen um de n3s riu. 5antamos em meio 1s cai-as da mudan$a, em silncio. O ovo tin a o mesmo gosto do vin o barato que est&vamos tomando, s3 que amanteigado. "!o estava de todo ruim. K%icou bom, queridaK, tentou =ric. Continuei em silncio. KPense bem, at uma semana atr&s voc n!o comia ovo de #eito nen um, e agora est& comendo isto. Quantas pessoas alguma %ez na %ida comeram ovos poch-s preparados em vin o tintoL =stamos fa(endo uma coisa que quase ningum fa(OK Fabia que ele estava dando tudo de si para me consolar, por isso esbocei um sorriso amarelo. 2as =ric n!o tin a como evitar a pergunta, aquela pergunta n!o verbali(ada que, #untamente com os sons suaves de mastiga$!o, pairava sobre nossa mesa acabrun ada. KPor qu, 5ulieL Por que 5uliaL Por que agoraC> Quando o casal C ild foi viver em Paris, em 78>A, 5ulia pretendia passar o tempo se divertindo * e comendo, claro. Tquela altura, apesar de n!o entender nada de culin&ria, ela vivia faminta * era o mel or garfo que Paul #amais con ecera, tirando ele pr3prio. Paul ficou deprimido ao ver como sua Paris, onde ele vivera tantos anos antes da guerra, perdera o bril o. Os prdios bombardeados e a forte presen$a militar o oprimiam. Porm 5ulia nunca avia estado na cidade, de modo que as coisas n!o l e pareciam t!o ruins assim. . bem da verdade, para ela, a vida nunca fora t!o boa. O apartamento em que eles moravam, na rue de lV;niversit, era frio, e s3 avia um aquecedor para esquent&*los durante o inverno gelado. . planta do apartamento, em L, era estran a. )ebru$ando*se no parapeito da #anela da sala de estar, Paul podia tirar uma foto de 5ulia debru$ada no parapeito da #anela do quarto, com os tel ados de Paris 1 sua volta. %oi nesse apartamento e-cntrico e bolorento que 5ulia aprendeu a co(in ar, e ela o adorava. Pois bem. Quando se mudaram para o apartamento de Paris, a m!e de 5ulia #& era falecida avia muito tempo. =la morrera antes de eles terem se casado, antes mesmo de
terem se con ecido. O que uma pena, claro. 2as ao menos livrara 5ulia do problema de ter de apresentar 1 m!e um apartamento sombrio e malc eiroso, com uma co(in a situada no alto de uma escada c eia de rangidos e com uma ban eira esquisita, meio sinistra. Para ser sincera, n!o sei nada sobre a ban eira delesM talve( at fosse uma boa ban eira. . nossa que era medon a. "ossa nova co(in a era bastante ampla, pelo menos para os padrNes de "ova /or0. =ra um c6modo 1 parte, com uma pequena bancada #unto 1 pia, instala$Nes de taman o normal e lQmpadas fluorescentes. . primeira coisa que fi(emos ao mudar para l& foi arrancar as trs camadas, quase centen&rias, de a(ule#os orrorosos que iam at as t&buas do assoal o. =ssas t&buas eram escuras, Gmidas e estavam come$ando a apodrecer Y ainda n!o sab4amos ao certo o que fa(er com elas. 2as eu gostava da co(in a * tin a sido por causa dela que decidira ficar com o apartamento, e por isso n!o notara as vene(ianas emperradas, a estran a ban eira preta e tudo o mais que avia de muit4ssimo errado naquele lugar. . ban eira era de porcelana preta e avia sido fi-ada sobre uma plataforma, de modo que era preciso subir dois degraus para entrar nela. 'alve( isso pare$a ser se-J, com uma certa aura de Las Vegas, mas n!o era bem assim. Para come$ar, estava manc ada de ferrugem, tin a sido mal vedada, estava rac ada e a borda era feita daquele pl&stico moldado que costumava ser usado em otei(in os de beira de estrada nos anos 78<?. . escadin a era de compensado revestido com uma espcie de borrac a antiderrapante pintada numa cor cin(a de navio de guerra. %icar dois degraus acima do piso apenas apro-imava a pessoa do forro carcomido e do buraco de onde pendia um lustre bambo que amea$ava despencar a qualquer momento. . lQmpada n!o acendia, e era imposs4vel n!o imaginar que insetos orr4veis cairiam daquele buraco negro durante o ban o. O apartamento era comprido e bai-o, com assoal os cobertos por um lin3leo pintado no mesmo cin(a de navio de guerra da escadin a da ban eira, o que dava ao lugar um aspecto de interior de submarino. "a frente, avia uma #anela panorQmica emoldurada de ambos os lados por vene(ianas de vidro, como as que podem ser vistas em muitas cidade(in as sulistas. Rsso tambm parece ser um detal e interessante, mas n!o , #& que Long Rsland CitJ n!o uma cidade(in a sulista. Quando viu a ban eira, min a m!e riu, mas n!o foi uma risada de alegria. Quando avistou as vene(ianas, tornou a arregalar os ol os. K5ulie, isso n!o est& nem fec ando direito. Vocs v!o morrer congelados.> ;ma #amanta passou por um buraco enorme que avia na rua, bem em frente ao prdio, provocando um estrondo de propor$Nes monumentais. KRsso se n!o ficarem surdos antes.K '4n amos reservado uma mesa num restaurante italiano no centro da cidade. 'ratei de p6r todo mundo para fora do apartamento o mais r&pido poss4vel. Fugeri uma parada num bar antes do #antar e tentei insuflar a atmosfera de comilan$a e bebedeira mais orgi&stica de que fui capa(. %ui t!o bem*sucedida nisso que encontrei certa dificuldade para me aguentar em p na ora de colocar min a fam4lia dentro de um t&-i na sa4da do restaurante. 2as n!o foi o suficiente. T meia*noite, est&vamos no KloftK, deitados e acomodados para passar aquela que seria a noite mais longa da min a vida. 'odo carro que passava pela rua tin a perdido o silenciador, todo trem da lin a B do metr6 que c egava 1 curva fec ada que avia atr&s do prdio a contornava a 7D? quil6metros por ora, soltando guinc os pavorosos, e cada suspiro ou ru4do irritado que vin a do colc !o de ar me fa(ia trincar os dentes e dei-ava meu cora$!o aos saltos. F3 me dei conta de que acabei pegando no sono porque acordei 1s cinco da man ! e encontrei min a m!e em p, de camisola, com a testa apoiada nas
vene(ianas, resmungando com fGria e brandindo o pun o contra o que parecia ser um guindaste de sessenta metros de altura, o qual passava bem devagar diante do apartamento, de marc a a r, fa(endo um sinal de advertncia com bipes estridentes, provavelmente para evitar que algum dos apressados pedestres que inundavam as cal$adas de Long Rsland CitJ 1quela ora da madrugada resolvesse atravessar a rua e acabasse atropelado por um guindaste lerdo de sessenta metros de altura. . primeira crise da man ! surgiu com a descoberta, que n!o surpreendeu a ningum, de que o pessoal da transportadora ;*Eaul n!o conseguia locali(ar a reserva que av4amos feito para a loca$!o de uma camin onete. KS o tipo de coisa que sempre acontece em "ova /or0K, observou Eeat cliff +S claro que meu irm!o n!o se c ama Eeat cliff. 'e-anos de ascendncia escocesa e irlandesa n!o d!o o nome de Eeat cliff a seus fil os ruivos. S que ac o engra$ado c am&*lo assim * porque o irrita profundamente e porque KEeat cliffK atesta bem seu lado sard6nico e rabugento., Eeat cliff o tipo de su#eito que qualquer um gostaria de ter como padrin o num duelo ou dando cobertura num tiroteioM tambm uma e-celente escol a para candidato a vice*presidente em sua c apa ou seu parceiro em realit" sho(s nos quais se#a preciso falar l4nguas estrangeiras, saltar de pen ascos e comer insetos. S imposs4vel imagin&*lo gritando no telefone com prestadores de servi$o ou tendo c iliques catastr3ficos em plataformas do metr6, duas coisas que costumo me dar o direito de fa(er. Por causa disso, e tambm porque =ric estava com uma ressaca pela qual eu me sentia respons&vel, levei Eeat cliff comigo para lidar com o problema da ;*Eaul * que acabou se resolvendo com e-traordin&ria facilidade. +Caso eu e =ric tivssemos nos encarregado da quest!o, acabar4amos o dia no interior de um estGdio de 'V, tendo de remontar um motor a diesel com um cron6metro gigante tiquetaqueando acima de nossas cabe$as, diante de uma platia de programa de audit3rio e de alguns mecQnicos indus que, ofendidos com min as roupas, ficariam deboc ando de n3s e nos atirando pedras. Ou qualquer coisa assim., .t onde eu podia ver, tudo corria 1s mil maravil as. . Gnica quest!o pendente atendia pelo nome de FallJ. .lguns meses antes, no ver!o daquele ano, min a amiga FallJ resolvera ir morar com seu mais recente namorado, um ingls que estava escrevendo uma tese de doutorado enquanto tentava arrumar um emprego na O";. .contece que, mais recentemente, o su#eito pegara um avi!o para o outro lado da KlagoaK * como ele se referia de forma irritante ao oceano .tlQntico * em circunstQncias suspeitas, e FallJ estava voltando para seu antigo lar, um apartamento que l e servia de morada intermitente fa(ia alguns anos. FallJ fora estudante de rabinismo, e uma das grandes vantagens que tais estudantes tm em "ova /or0 que, mesmo abandonando os estudos, podem continuar morando naqueles apartamentos antigos e maravil osos do ;pper Iest Fide, constru4dos antes da Fegunda Xuerra. L& sempre tem algum que resolve ir viver num 0ibut(, fa(er um curso superior em outra cidade ou qualquer coisa assim, de modo que & uma procura constante por pessoas dispostas a dividir um apartamento. FallJ #& avia morado nesse apartamento espec4fico em duas ou trs ocasiNes. .s Gnicas desvantagens da situa$!o eram a obriga$!o de morar no ;pper Iest Fide e o fato de, com tantas idas e vindas, os apartamentos n!o terem um ar l& muito caseiro * para ser mais precisa, faltavam*l es m3veis. Por isso, FallJ pretendia contratar um carreto que fosse naquela tarde at @aJ Ridge buscar nosso sof&*cama de casal * o Gltimo m3vel de grande porte que nos restara. 2as eu ligava para o celular da FallJ e ela n!o atendia. = ent!o, quando #& est&vamos de sa4da, ouvimos no r&dio a not4cia de que cinco pessoas aviam sido mortas por tiros disparados n!o se sabia de onde nem por quem num subGrbio de
2arJland * e, por coincidncia, e-atamente no subGrbio de 2arJland em que moravam os pais de FallJ. K.i, n!oOK, e-clamei. K"!o se preocupe, est& tudo bem com elesK, disse =ric. K=spero que sim. Fe os pais da FallJ estiverem entre as v4timas, n!o sei onde vamos enfiar a porra daquele sof&.K K5ulie, por que voc tem que ser assimLK, suspirou min a m!e quando pegamos a sa4da da @elt Par0PaJ que d& na 98t Ftreet e avan$amos por quarteirNes tranquilos de casas a#ardinadas e, em seguida, pelo lindo trec o de &rea verde do parque, de onde se tem aquela vista ma#estosa Y da ponte Verra(ano +em que o amigo de 5o n 'ravolta se suicida em Em1alos de !:1ado = #oiteF, do Porto de "ova /or0 e de Ftaten Rsland * erguendo*se no ori(onte. =ra a mesma pergunta que ela avia feito sobre o pro#eto de culin&ria e a resposta tambm era a mesma. . mesma e de novo ine-prim4vel. =u n!o sabia e-plicar a afli$!o, a angGstia que se apossara de mim naquela noite, na esta$!o do metr6, quando os trens da lin a R dei-aram de circular por quarenta minutos e a plataforma ficou t!o lotada que parecia a ora do rus . "!o sabia e-plicar como me sentia al eia, encerrada num tubo pneum&tico que todas as man !s me cuspia numa cal$ada cin(enta infestada de omens engravatados e depois me cuspia de novo 1 noite nos confins sossegados, ermos e desesperadamente caretas do @roo0lJn. "!o sabia e-plicar por que eu pensava que mais um ano como o Gltimo seria o meu fim, e talve( at o do meu casamento. "!o sabia e-plicar porque, ac o, n!o avia e-plica$!o. 2am!e estava bem a par do estado em que encontraria o apartamentoM principalmente em virtude de D8 anos e meio de ist3ria, mas tambm por causa de um incidente ocorrido duas semanas antes. O que aconteceu foi que a propriet&ria do apartamento em @aJ Ridge, um doce de mul er que falava com um sotaque carregado do @roo0lJn e cu#o obbJ era pegar fotos antigas e transform&*las em cartNes de felicita$Nes, acrescentando em seu interior piadas su#as sobre a vel ice e a vida se-ual das pessoas casadas, fora at l& e vira o im3vel. S claro que n!o t4n amos a menor inten$!o de que isso acontecesse * pelo menos n!o at eu ter arran#ado algum para limpar o fog!o, n!o at eu ter coberto com massa pl&stica todos os furos que av4amos feito nas paredes, n!o at eu ter colado o peda$o de cerQmica do toal eiro que eu avia quebrado. Porm nossa sen oria usou sua c ave reserva e entrou no apartamento antes que tudo isso tivesse sido providenciado e dei-ou uma mensagem em nossa secret&ria eletr6nica nova. =la estava orrori(ada. 'eria de mandar trocar o fog!o. +"!o avia nada de errado com o fog!o., "!o precisam limpar nada. F3 peguem suas coisas e dem o fora. 2ais ou menos isso. Feguiu*se o t4pico telefonema istrico, em que, durante quase uma ora, entre um solu$o e outro, nossa sen oria c orou suas pitangas para min a m!e. )e modo que mam!e tin a conscincia de que talve( fosse encontrar um problema. "!o estava to ruim assim. "!o avia mau c eiro, nem ratos, nem larvas de mosca +.s larvas vm depois, bem depois., Eumil ada, porm orgul osa, a despeito do relat3rio da sen oria, eu tin a contratado uma mul er para limpar o fog!o. +O que eu podia fa(erL %ui criada #unto a um fog!o com forno autolimpante e nunca consegui conciliar a idia de ser uma pessoa dotada de livre*arb4trio com o ato de ficar de #oel os e enfiar a cabe$a numa cai-a contendo res4duos de gases carcinognicos a fim de limpar toda aquela meleca preta., Contudo, se pretend4amos nos comportar como inquilinos respons&veis, e n!o como farofeiros, ainda avia muita coisa a fa(er. Passamos oras a fio esfregando, pintando, encai-otando e varrendo. 2in a m!e limpou at a bande#a que fica embai-o da geladeira para recol er a &gua do degelo. = eu nem sabia que aquela bande#a e-istia. Por fim, o apartamento ficou va(io, e-ceto pelo orr4vel sof&*cama.
=ram 7< :? e * a , esqueci de mencionar essa parte * t4n amos ingressos para ir ao teatro naquela noite. =die %alco e FtanleJ 'ucci em Frankie andJohnn" in the Clair de $une. Oitenta pratas por cabe$a. K@om... e o que fa(emos com esse tro$oLK KVoc ainda n!o conseguiu falar com a FallJLK, perguntou meu pai. K"!o.K =u estava fa(endo uma for$a danada para n!o me irritar com aquilo * se a m!e de FallJ tivesse levado um tiro na cabe$a ao entrar num posto 'e-aco, eu ia me sentir pssima por ter ficado puta por causa de uma porcaria de sof&. K@omK, disse min a m!e sem mais delongas. K.c o que #& esperamos bastante. Vamos do&*lo para uma institui$!o de caridade e resolver esse assunto.K 'ransferindo mais coisas do que seria ra(o&vel para o nosso surrado @ronco ano 87, meu irm!o, meu pai e =ric conseguiram arrumar espa$o para o sof& na carroceria da camin onete, em cu#a cabine os trs, em seguida, trataram de se espremer. O plano era que eles fossem atr&s de uma institui$!o de caridade e entregassem a camin onete enquanto eu e mam!e segu4amos para Long Rsland CitJ com o @ronco. )epois de descarregar o #ipe, ainda ter4amos tempo de tomar um ban o e descansar um pouco antes de ir para o teatro. .ssim, mam!e e eu entramos no @ronco, demos a partida e fomos embora. . vista da rampa de acesso 1 @roo0lJn*Queens =-pressPaJ, pouco antes da entrada do @atterJ 'unnel, linda, com o porto cintilando ao longe, a sil ueta dos prdios de LoPer 2an attan, os pitorescos Carroll Xardens se espraiando mais abai-o, mas n!o ser& disso que sempre me lembrarei quando pensar nesse lugar. "!o, vou me lembrar de que a qualquer ora do dia ou da noite, o tr&fego ali, onde a XoPanus =-pressPaJ entronca com a Prospect =-pressPaJ, pesado, de que a rampa alta e 4ngreme e de que s3 & uma pista sem acostamento. Vou me lembrar de l& como o e-emplo perfeito do lugar em que voc torce para que o carro n!o quebre. Pois . Para encurtar a ist3ria, que comprida e ma$ante, mam!e e eu demos adeus ao teatro. .ssim que fomos tiradas do anel vi&rio e rebocadas at um posto de gasolina na .tlantic .venue, operado por v&rios siques muito educados mas n!o muito prestativos, enfiei min a m!e toda su#a de gra-a num t&-i e esperei algumas oras at o guinc o aparecer para levar a mim e a meu incapacitado @ronco de volta ao Queens. Quando min a m!e c egou ao apartamento e abriu a porta, deu de cara com um sof&*cama em p, bloqueando a escada. .parentemente, a busca por uma institui$!o de caridade tin a sido infrut4fera. %oi a gota dV&gua para uma mul er que n!o era muito paciente, mas que, mesmo assim, aguentara sem quei-as aquele dia penoso. 2am!e sentia*se e-austa, seu quadril do4a e ela estava imunda. =ncostou*se no sof& e p6s*se a c orar. %eli(mente, =ric preferira ficar e esperar por n3s no apartamento, enquanto meu pai e Eeat cliff iam para a @roadPaJ a fim de aproveitar ao menos dois dos ingressos pelos quais t4n amos pagado uma fortuna. Quando ouviu o p do sof& ranger e bater na parede do vest4bulo, =ric foi investigar e deu de cara com min a m!e ali, solu$ando, o rosto afundado no estofamento cin(a antimanc as. =le empurrou o sof& para o lado e abriu uma pequena fresta para que ela pudesse passar e subir a escada. L& em cima, mam!e desabou na poltrona originalmente branca que ela avia comprado ao engravidar de mim, para servir*l e de poltrona de amamenta$!o, e que me dera de presente quando eu me mudara para "ova /or0. K. , meu )eusK, gemeu. K"unca mais me levanto daqui.K K=laineK, indagou =ric, Kvoc ac ou este lugar muito ruimLK K.c ei.K KFinto muito. . culpa min a. 2e desculpe por ter metido sua fil a nessa.K
=laine ol ou por entre os dedos das m!os espalmadas que cobriam seu rosto * ol ou a #anela panorQmica com as vene(ianas emperradas, as t&buas apodrecidas do assoal o da co(in a, o espa$o esquisito do outro lado daquele c6modo comprido e va(ado, que lembrava a cauda curta de um L. Ol ou em volta com ar pensativo e ent!o dirigiu a =ric um sorriso dbil, porm afetuoso. KVoc n!o enfiou min a fil a em lugar nen um, n!o fe( nada que ela n!o faria por conta pr3pria. .lm do mais, vamos dar um #eito nisto aqui. .gora o que eu quero saber H %oc?s t?m suco de laran)aC> =u e o @ronco c egamos a Long Rsland CitJ por volta das nove da noite. )epois de descarregar tudo e devolver a camin onete 1 ;*Eaul, entrei no apartamento e encontrei min a m!e de ban o tomado, com um enorme copo de gim com suco de laran#a na m!o, andando de um lado para outro, estudando o espa$o. K.quele quarto dos fundos apertado demais. Por que vocs n!o tra(em a cama para c& e transformam aquilo numa salin a de #antar aconc eganteL %icaria 3timo. Posso mandar uns tecidos para vocs pendurarem na paredeM dei-ar!o o ambiente mais leve. = v!o precisar de espel os. = um tapete felpudo talve( fique bem aqui.K Ts on(e nos encontramos no Peter Luger para comemorar o anivers&rio de meu pai. =le e Eeat cliff tin am se divertido 1 be$a com Frankie and Johnn". +Papai um grande f! de =die %alco., Eaviam inclusive locali(ado uma amiga de Eeat cliff * quer di(er, uma antiga namoradaM Eeat cliff o tipo do cara que sempre consegue desencavar antigas namoradas quando precisa delas * para usar um dos ingressos que estavam sobrando, e ela tambm foi #antar conosco. Comemos um @ife para Feis com creme de espinafre e conseguimos fa(er v&rios brindes com nossos mart4nis antes que o anivers&rio de meu pai c egasse oficialmente ao fim. 2am!e se p6s a desen ar num guardanapo de papel, mostrando como pretendia instalar cortinas especiais na #anela da frente para abafar o barul o da rua. = continuou falando sobre um formid&vel revestimento para assoal os, muito barato, que pod4amos usar para esconder as t&buas apodrecidas da co(in a. KLegal. .gora, formid&vel mesmo istoK, suspirei, segurando meu mart4ni contra a lu(, alegre, alta, fa(endo min a digest!o com pra(er. KSK, concordou =ric, empurrando a cadeira para tr&s. K2el or que isso s3 ovos poch-s no vin o tinto.K 2in a m!e tirou os ol os do guardanapo em que estava desen ando, fitou =ric com uma e-press!o fero( e cutucou*o com a caneta. K"em. 2e. %ale. "esse assunto.K = assim foi * deu meia*noite, meu pai era um sessent!o, e n3s, em ve( de andar por a4 feito mortos vivos, est&vamos vivendo em Long Rsland CitJ. 'alve( n!o fosse t!o ruim.
A1ril de 2344 +and", Ceilo NEnto, cerca de uma hora depois, nLs tJnhamos conseguido encher mais ou menos um frasco. Alice esta%a com os 1raDos co1ertos de escamas at- os coto%elos, eu tinha olhos de pei;e pelo corpo todo, at- no ca1elo, am1as esmagando as trutas, ou o que quer que fossem, uma em cada mo, e olhando com o ra1o do olho para o copo, tentando %er se tJnhamos conseguido uma quantidade suficiente da coisa. em uma cor rosada, meio fosca. O aroma -... .um... Potente.> A no%a escri% esta%a sentada com as costas apoiadas na parede, e espremia a taDa de coquetel com sua mo gigantesca, chacoalhando0a com propLsitos ilustrati%os, ou ento porque esta%a 1?1ada. !eu rosto grande e largo era %i%azK seus ca1elos, um halo hist-rico cor de ferrugem. A sua %olta, %iam0se homens e mulheres em estados %ariados de em1riaguez e alegria, alguns espremendo como ela a haste de suas taDas de martini contra1andeado, outros quase rolando no cho de tanto rir. Paul sa1ia que o melhor a fazer era entrar na folia. Mas a es1Lrnia ): esta%a passando da conta, por isso preferiu ir at- uma mesa de canto, dei;ar so1re ela seu intocado gim com laran)a e escutar a con%ersa. A casa de fazenda que ha%iam escolhido para ser%ir de sede pro%isLria do oss ali no Ceilo no possuJa um 1ar propriamente dito, mas algu-m muito gentilmente readequara =s pressas a sala de estar, pro%idenciando mesas e cadeiras para os 1e1errEes americanos. A sala era pequena e esta%a apinhada de gente. Era f:cil para Paul no ser notado = enganadora luz amarela das lanternas a g:s. >Ento', eu disse.> A escri% 1ateu com suas mos no tampo da mesa, inclinou0se para a frente, olhou de esguelha para a esquerda, as so1rancelhas su1indo e descendo. >'Ento', disse Alice.@ A escri% darde)ou os olhos para a direita, a princJpio arregalados, depois semicerrados, com uma e;presso c9mica de desconfianDa. Ao redor da mesa, soa%am risadinhas de antecipaDo enquanto ela prolonga%a o suspense deforma quase insuport:%el, a1ai;ando0se e lanDando olhares en%iesados de c: para l:. >&e quem ser: oprimeiro coquetelC> As gargalhadas ecoaram pela sala como fogo de artilharia, a da escri% mais estridente que todas as outras. Paul no sa1ia se ria ou a1ai;a%a a ca1eDa. >Pu;aH Estou %esga de fomeH>, tro%e)ou a escri%. A multido 1ramiu em concordOncia. Paul surpreendeu0se ao ou%ir um ronco em seu est9mago, o primeiro apLs %:rias semanas de diarr-ia. >J: seiH Bamos descer o morro at- a cidade. Gutro dia passei por um restaurante onde a comida tinha um cheiro deliciosoH> ,ateson le%antou o dedo com timidez. >Be)a l:, hein, Julie. !eu est9mago no aguenta...@ >&ei;e de 1o1agem, 8regor"H@ 1radou a escri% com alegria. >G que o meu est9mago no aguenta mais so 1atatas em conser%a. Bamos l: 0 que tal comer como os cingalesesC@ !oaram alguns %i%as, ou%iu0se um grande arrastar de cadeiras e o 1ando se le%antou. Foram todos engolidos pela escurido. Por acaso ele ficara intrigado com aquela mulher enorme, irritantemente irrequieta, singularmente en%ol%enteC Gu esta%a apenas com fomeC Paul no sa1ia, mas tam1-m no pensou muito no assunto 0 apenas saiu com eles.
)ia :9, Receita >A !"traindo o tutano da vida %ato curiosoH durante a Fegunda Xuerra 2undial, 5ulia C ild trabal ou num 3rg!o secreto c amado OFF * abrevia$!o de Office of Ftrategic Fervices. ;m nome t!o inocente, n!o L 2as ele designava nada mais, nada menos que um antro de espiNes. "essa poca, ela ainda era apenas 5ulia 2cIilliams, uma mul er de :D anos, solteira, que n!o sabia ao certo o que fa(er da vida. 5ulia pensou que talve( desse uma boa espi!, embora se#a dif4cil imaginar uma ruiva de 7,AA metro de altura passando despercebida num lugar como o Fri Lan0a, por e-emplo. S claro que 5ulia n!o participou de nen uma a$!o de espionagem * se bem que, se tivesse participado, n!o contaria, n!o mesmoL )e certa maneira, eu estava no mesmo barco. 'ambm trabal ava num 3rg!o pGblico * mas nada que envolvesse capa e 3culos escuros * num momento ist3rico. '4n amos algumas semanas agitadas pela frente, #& que muito do que fa(4amos tin a a ver com o destino do buraco criado pela queda das duas torres do Iorld 'rade Center. =ra uma atividade emocionante para uma reparti$!o pGblica * dava de de( a (ero em e-pedir alvar&s de constru$!o ou qualquer outra coisa do gnero * e foi provavelmente por isso que, em maio de D??D, acabei concordando em assinar um contrato de trabal o. 2as l& est&vamos n3s, quase um ano depois dos atentados ou da tragdia ou de como voc queira c amar o ocorrido * mesmo nessa agncia governamental, as pessoas ainda tin am dificuldades com a denomina$!oH a maior parte optava por K77 de FetembroK, que pelo menos neutro e bem mel or que K77Z8K, que parece nome de desodorante ou coisa que o val a * e era preciso organi(ar cerim6nias comemorativas, anunciar iniciativas novas e ousadas, coletar sugestNes da popula$!o e arrancar din eiro de governadores e prefeitos. '4n amos organi(ado um concurso interno a fim de encontrar um lema motivador para a agncia. O vencedor gan aria um almo$o +com O presidente da agncia * uma escol a esquisita, para di(er o m4nimo,. O lema estava em toda a nossa papelada, no nosso site, na porta de vidro da nossa sede. =ra um lema bacana, muito inspirador. 2as eu era uma secret&ria. = quando se secret&ria de um 3rg!o pGblico respons&vel por decidir o que fa(er com o buraco dei-ado pelas torres gmeas do Iorld 'rade Center, e mais, quando se est& nas semanas que antecedem o primeiro anivers&rio do 77de Fetembro, bom, nesse caso, n!o & lema que a#ude. O problema n!o era o inconveniente do e-cesso de emo$!o Y todos estavam ocupados demais para ficar c orando pelos cantos da reparti$!o. .lm disso, o lugar era infestado de republicanos, de modo que emo$Nes genu4nas n!o c egavam a ser uma mercadoria muito valori(ada. "!o bastasse isso, est&vamos instalados num prdio que dava de frente para o que o mundo inteiro c amava de Xround Wero, mas que para n3s era apenas Ko terrenoK * das #anelas da sala de reuniNes, via*se o buraco do outro lado da rua. )epois de passar alguns meses ol ando diariamente para l&, qualquer um se acostuma. . gente se acostuma com tudo, desde que n!o se importe em aterrar os po$os escuros que tem na cabe$a, dentro dos quais se escondem aquelas coisas em que n!o temos coragem de pensar. S f&cil * talve( n!o se#a simples, mas que f&cil, . "a primavera de D??D, quando me ofereceram um emprego fi-o, aquelas escavadeiras amarelas, dotadas de p&s dentadas gigantes, ainda reviravam com cuidado as valas em que os escombros aviam sido capric osamente dispostos, 1 procura de peda$os de seres umanos. Ve( por outra, no centro de 2an attan ou mesmo longe de l&, ainda era poss4vel ver pedacin os de papel esvoa$ando pelas sar#etas. %ragmentos de memorandos legais, ordens de servi$o, relat3rios de estoque * todos amassados de um #eito esquisito, como a cobertura de um bolo envolto em celofane, e cobertos por uma
poeira estran a, muito clara, como se tivessem sido polvil ados para recol er impressNes digitais. 'odo mundo sabia e-atamente de onde vin am esses papis. ;m dia o presidente da agncia me c amou 1 sua sala. ;m su#eito franco, sem papas na l4ngua, o sr. _lineM n!o muito #ovem, tampouco vel o, dotado de um pesco$o grosso e fei$Nes que n!o eram de todo feias, embora o rosto fosse pequeno e comprimido de um #eito estran o. Fe me parecia um pouco su4no, devia ser apenas porque eu sabia que ele era republicano. 2as sempre foi muito gentil, em especial quando me ofereceu um contrato permanente de trabal o. Por que aceitei, depois de anos e anos di(endo n!oL "!o sei. 'alve( por causa de "ate. "ate era uma espcie de lugar*tenente informal do sr. _line * rosto de menino, c armoso para quem gosta do tipo gnio do mal e, baseando*se em suas palavras, coisa que obviamente n!o se deve fa(er, dois anos mais novo que eu. Feus elogios espontQneos, os insultos ocasionais * cruis, mas suficientes apenas para dei-ar uma dor(in a agrad&vel*, os coment&rios ferinos, assim como as insinua$Nes se-uais que ele fa(ia em tom de brincadeira me sedu(iam, criando a ilus!o de que eu trabal ava numa vers!o 1s avessas de he Pest Ping, com um presidente @artlet republicano. =-emploH .o sair da sala do sr. _line, depois de receber a oferta de emprego e di(er que ia pensar no assunto, quase trombei com Fara , a vice*presidente de rela$Nes governamentais, que estava entrando 1s pressas. + Vice*presidentes eram um artigo que n!o faltava nessa reparti$!o pGblicaM quando menos se esperava, aparecia mais um., Fara era inacreditavelmente atrevida e arrogante, uma mul er sardenta, com ol os enormes e c4lios espessos como os das personagens de desen os animados #aponeses. + Conforme descobri quando passei um ms e meio substituindo sua secret&ria, era tambm uma louca varrida, em min a modesta opini!o de leiga., =la parou e me segurou pelos ombros, encarando*me como se pretendesse me ipnoti(ar. K5ulieK, perguntou, Kvoc republicanaLK .inda estava recol endo meus globos oculares e recolocando*os no lugar quando "ate * que estivera o tempo todo ali, inocente, como se aguardasse min a sa4da da sala do sr. _line com a oferta de emprego Y piscou para mim e estampou um sorriso maliciosoH K=st& brincandoL Republicanos n!o usam roupas retr6K. )etal e que, pensando bem, parece ser de fato muito revelador das inclina$Nes pol4tico* partid&rias de algum. =nt!o talve( ten a sido por causa do "ate. Ou pode ter sido a tenta$!o de ver pela #anela como a ist3ria se fa(ia. Ou apenas por estar com quase :? anos e morrendo de medo. Qualquer que ten a sido o motivo, dessa ve( eu tin a dito sim, e agora, quatro meses mais tarde, nos primeiros dias de setembro, estava em meu cub4culo * que #& era o quarto que eu ocupava desde que come$ara a trabal ar naquele lugar * virando para c& e para l& na cadeira girat3ria, escavando com as un as uma trinc eira na testa, enquanto murmurava mecanicamente no microfone do meu headsetI KFim, sen or, entendi muito bem que o sen or tem a impress!o de que nossa agncia est& cagando e andando para os policiais de "ova /or0. Xostaria de mandar seus coment&rios por escritoLK Com a pro-imidade do anivers&rio dos atentados, ondas cada ve( maiores de figurNes, familiares de v4timas e #ornalistas inundavam o escrit3rio. O sal!o no qual eram reali(adas as entrevistas coletivas ficava bem em frente 1 min a mesaM eu sabia que devia e-ibir um comportamento profissional. 2as, falando srio, n!o dava. =m parte porque n!o sou muito profissional, mas principalmente por causa do telefone. Quando foi trabal ar no Ceil!o, bem prov&vel que 5ulia nem tivesse um telefone em sua mesa. "aqueles tempos, a cidade de _andJ n!o devia ser muito pr3diga em lin as internacionais. 2eu telefone, ao contr&rio, est& sempre a mil. F!o oito lin as, com
lu(in as vermel as que n!o param de piscar. Ts ve(es acontece de eu estar com quatro ou cinco pessoas ao mesmo tempo na espera. %alo com gente que grita, gente que e-plica tudo com a maior pacincia do mundo e vel os solit&rios, que s!o os piores, porque nunca encontro uma maneira gentil de di(er 1 sen ora inv&lida de Ftaten Rsland, que est& convencida de que sua idia para o monumento foi roubada por algum arquiteto de renome internacional, #& que a foto que saiu no #ornal igual(in a 1 cole$!o de pesos de papel de cristal que ela tem guardada em sua cai-a de badulaquesH K.gradecemos a contribui$!o, sua doida * at nunca maisOK Rsso para n!o falar na correspondncia que ten o de abrirH desen os de campan&rios enormes na forma de duas m!os re(ando, maquetes constru4das com palitin os de sorvete, copin os de pl&stico e c uma$os de algod!o embebidos em aquarela. = claro que cada uma dessas sugestNes arquivada e catalogada, com o intuito, presumo, de num futuro distante serem e-ibidas numa e-posi$!o de arte estramb3tica. Ts ve(es, quando tudo fica realmente dif4cil, c ego a pensar em n!o me segurar mais e abrir o berreiro. .c o que esse seria o tipo de bobagem sentimental3ide que meus c efes esperam de uma democrata, e talve( eu ten a sorte e eles balancem a cabe$a e me mandem para casa com uma compressa de &gua fria. .contece que ten o uma reputa$!o a preservar. "!o sou c orona * quer di(er, pelo menos n!o no trabal o. . imagem que eu manten o lembra mais a daquelas duronas da poca da RepGblica de Ieimar, aquele tipo de mul er que s3 a(edume, isteria ir6nica e ol eiras profundas. Por isso, em ve( de c orar, suspiro quando me pedem para levar uma cai-in a de len$os de papel para viGvas desconsoladas ou bato a cabe$a na mesa com enfado enquanto falo ao telefone com uma mul er que n!o consegue mais andar e n!o sai de casa fa( uma semana, mas que foi uma grande bailarina e c egou a fa(er cinema, porm agora n!o tem din eiro para pagar os mdicos e ac a que o certo seria erguer no Xround Wero uma rplica da %eira 2undial de 78:8. =m ve( de c orar, fa$o coment&rios impiedosos sobre os vel in os que enviam poemas com t4tulos como KOs .n#os do 77Z8K. .#uda a passar o tempo. 2as o cinismo a(edo dei-a as pessoas rabugentas e, em e-cesso, pode causar danos irrepar&veis ao cora$!o. Quatro dias depois da c egada de meus pais, coloquei*os num avi!o de volta para .ustin, onde a vida uma mole(a. 'odos n3s, 1quela altura, est&vamos sofrendo de dores de cabe$a constantes e desconfortos estomacais, que s!o a consequncia inevit&vel das visitas de pais e m!es a "ova /or0. Percebemos que tem alguma coisa errada com nosso estilo de vida quando ficamos ansiosos para retomar a dieta purificadora de 5ulia C ild. "a noite seguinte 1 partida deles, comemos Poulet Po?l- = lQEstragon com salada mista pr*pronta, e eu me senti uma pessoa muito virtuosa por usar menos de um tablete de manteiga ao preparar um #antar para trs. Eeat cliff ia ficar mais algum tempo em "ova /or0 porque tin a arrumado um trabal o. "ingum sabia ao certo como isso avia acontecido. "os Gltimos dias, recebera inGmeras liga$Nes em seus celulares * ele tin a dois. =m momento nen um mencionava o assunto das conversas, mas, ap3s uma delas, me c amou de lado e perguntou se podia continuar dormindo no sof& da sala por mais alguns dias. 'in a sido contratado para cuidar de um quiosque numa feira de cosmticos no 5avits Center, coisa que n!o parecia ter nada a ver com o que Eeat cliff costuma fa(er, a n!o ser pelo fato de que se tratava de um quiosque de sabonetes e lo$Nes feitas com cabras de Ca-emira, o mesmo tipo de cabra que ele passara um ano pastoreando na 'oscana. Rsto, sim, Eeat cliff sem tirar nem p6r. 2udando de assunto, parece que andavam com saudades de mim no mundo virtual. .lgum c amado C ris dei-ara um coment&rio no post que eu avia escrito sobre o
Poulet Po?l- = l'Estragon, o primeiro que eu fa(ia em mais de uma semanaH U. , gra$as a )=;F voc voltouO .c ei que tivesse morridoOOO Fenti '."'O a sua faltaOK Passei a man ! inteira no trabal o pensando como era e-citante saber que eu tin a uma leitora regular c amada C ris * embora eu n!o con ecesse nen uma C ris *, at que me dei conta de que o coment&rio dela era um pouco sinistro. 2as era boa a sensa$!o de ser benquista e, ap3s o iato criado pela visita de meus pais e por aquela mudan$a infernal, voltei com tudo ao Pro#eto 5ulieZ5ulia. Comecei devagar Y ovos poch-s, sopas. 2as logo estava pronta para enfrentar desafios maiores. )esafios como, por e-emplo, bife com mol o de tutano de boi. "um duelo com um osso com tutano, o primeiro obst&culo encontrar o desafiado. =m 7897, quando 5C publicou MtAoFC, os ossos com tutano talve( dessem em &rvores, como enfeites gordurentos de "atal. Porm eu n!o estava em 7897 e tampouco estava na %ran$a, o que teria tornado as coisas mais f&ceis. "!o, eu estava em Long Rsland CitJ e em Long Rsland CitJ n!o avia ossos com tutano em lugar nen um. "!o me dei mel or em LoPer 2an attan. Eavia enotecas, balcNes de quei#os nas mercearias e bistr6s simp&ticos, mas como a maioria do pessoal que mora no centro da cidade prefere, 1 maneira dos vampiros, alimentos que possam ser capturados e deglutidos em meio ao corre*corre geral, n!o avia nem sombra de a$ougue. Por isso, envolvi =ric no caso. Primeiro ele foi at .storia ao sair do trabal o. Rmagin&vamos que naquela regi!o do Queens ele encontraria mercados cu#a clientela de imigrantes autnticos ainda dava valor a um bom peda$o de osso. 2as os imigrantes autnticos aparentemente tin am se mudado de l&M =ric n!o teve sorte. Eeat cliff teve de ficar no centro de conven$Nes at as sete nesse dia, e eu s3 c eguei em casa depois das nove. O #antar foi frango assado, 1 5ulia. =ra preciso picar a moela para fa(er o mol o, e foi assim que descobri que n!o sabia o que era uma moela. Fabia que era uma das coisas que vm no saquin o enfiado no traseiro da ave. Fabia tambm que n!o era o f4gado, mas qual, dentre os peda$os de v4sceras restantes, era a moelaL .4 que estava o problema. +)epois de ler meu post sobre isso, o pai de =ric me ligou e resolveu o problemaH a moela era aquela coisa que parecia dois cora$Nes grudadosM o cora$!o era aquela coisa que parecia metade de uma moela., "a noite seguinte, =ric e Eeat cliff tentaram um ataque em duas frentes. )epois do trabal o, meu marido pegou o metr6 para o ;pper =ast Fide e meu irm!o para o Iest Village. Contudo, quando meus dois fiis perdigueiros c egaram a seus destinos, tanto a casa de carnes LobelVs quanto a OttomanelliVs #& tin am fec ado. S que os a$ougueiros, imagino, dormem com as galin as. 2eu irm!o ainda conseguiu c egar a tempo na Petco para comprar alguns ratin os para o #antar da Wu(u, min a cobra de estima$!o. +Fempre que Eeat cliff est& na cidade aproveito para transferir a ele todas as obriga$Nes relacionadas 1 alimenta$!o da Wu(u. Como foi ele quem me deu uma p4ton de 7,< metro de comprimento quando eu estava na faculdade por ac ar que eu precisava de um bic in o de estima$!o, me parece bastante #usto que ele se responsabili(e ao menos por uma parte da d4vida c&rmica acumulada ao longo de de( anos de sacrif4cios de roedores., C eguei em casa pouco antes das de(, pedi uma pi((a e desabei no sof&. =ric passou um bom tempo tentando me acordar para que eu tirasse min as lentes de contato. 'entar me acordar quando pego no sono no sof& n!o nada divertido. =nt!o veio a quarta*feira, 77 de setembro de D??D. Levantei 1s cinco para estar no escrit3rio 1s sete. Passei a man ! inteira em p. Primeiro nos fundos de uma sala de entrevistas coletivas lotada, escutando discursos sopor4feros de t!o vibrantes, enquanto tentava saber se "ate estava ol ando para mim ou para a parede. )epois, fui para a pra$a de concreto que circunda nosso prdio. )o outro lado da rua, no buraco dei-ado
pela queda das torres, parentes de v4timas formavam um c4rculo em meio 1 poeira do canteiro de obras. Liam num microfone os nomes de todos os que aviam morrido. T tarde, fui tomar conta do Centro de %amiliares. O Centro de %amiliares era uma sala de reuniNes que tin a sido transformada numa espcie de vel3rio panorQmico para as esposas, irm!os e fil os daqueles cu#os corpos n!o tin am sido encontrados. Fituado no vigsimo andar, as #anelas davam para o Xround Wero. .s paredes estavam cobertas do c !o ao teto com fotos, poemas, flores, recorda$Nes. Eavia um livro de visitas, dois ou trs sof&s e alguns brinquedos e #ogos para as crian$as. O Centro era o Gnico lugar em que aquelas pessoas podiam estar pr3-imas de seus mortos sem serem incomodadas por ambulantes vendendo bons do Corpo de @ombeiros de "ova /or0 e rolos de papel iginico com estampas de Osama @in Laden ou por turistas posando para fotos em frente aos tapumes como se estivessem visitando a represa Eoover. .t muito recentemente corpos ainda eram encontrados, por isso imagino que tin a algum sentido que aquela gente dese#asse estar ali, embora eu nunca ten a sido do tipo que visita cemitrios e, quando ol ava l& para bai-o, tampouco pensava em )eus ou em an#os ou nos semblantes serenos dos mortos que tin am ido para um Outro Lado qualquer. "!o, eu s3 pensava em peda$os de corpos. = n!o entendia como algum que perdera um ente querido naquela ferida aberta tin a est6mago para aguentar aquilo. .p3s a cerim6nia reali(ada pela man !, foram todos para o Centro de %amiliares e ol aram mais um pouco para o buraco. 'in am mais fotos e poemas para pregar com tac in as nas paredes * as quais #& estavam t!o abarrotadas que algum que estivesse ali pela primeira ve( e quisesse pregar uma lembran$a precisaria de a#uda para ac ar um lugar. =u a#udava essas pessoas, deslocando cuidadosamente uma recorda$!o alguns cent4metros para a esquerda e outra para a direita, a fim de abrir uma brec a para a Gnica foto que a pequena equatoriana possu4a do fil o que lavava pratos no restaurante IindoPs on t e Iorld. =ra uma situa$!o dif4cil para os visitantes que apareciam ali pela primeira ve(, n!o apenas porque n!o encontravam lugar nas paredes para suas recorda$Nes nem porque ainda n!o tin am feito ami(ade com as fam4lias que frequentavam o lugar com mais regularidade, mas pelo fato de que, se estavam ali pela primeira ve(, um ano ap3s a tragdia ter acontecido, provavelmente vin am de outros pa4ses e talve( n!o falassem ingls ou, ainda, porque seu relacionamento com o falecido n!o era dos mel ores. )e modo que ofereci len$os de papel para irm!os alem!es gaJs, garrafin as de &gua para tias inglesas birutas e dei tapin as constrangidos nas costas de um e-*marido beli(en o que n!o parava de c orar. =ssas eram as tarefas reservadas aos funcion&rios de segundo escal!o no anivers&rio do 77de Fetembro * bem, n!o a todos. Ts secret&rias, sim, mas n!o aos estagi&rios de plane#amento urbanoM 1s meninas de rela$Nes pGblicas, sim, mas n!o aos meninos do departamento de desenvolvimento de programas. )e fato, s3 mul eres Y nen um omem * passaram o dia providenciando tac in as, canetas, len$os de papel e as c aves do ban eiro que ficava no sagu!o. S poss4vel que, por serem republicanos, nossos c efes fossem influenciados por aquele tipo de vis!o de mundo centrada em valores familiares que v as mul eres como seres dotados de delicade(a e sensibilidade inatas * a despeito das muitas evidncias em contr&rio e-istentes na pr3pria agncia. Ou talve( eles simplesmente soubessem que rapa(es recm*sa4dos das mel ores universidades do pa4s n!o participam numa boa de babaquices sentimental3ides. =nquanto isso, o osso com tutano continuava sendo um problema. =ric lembrou que FallJ seria a pessoa ideal para a#udar nessa busca, mas, como continu&vamos sem saber ao certo se os pais dela tin am ou n!o sido assassinados por um lun&tico com um rifle
de longo alcance na m!o, corr4amos o risco de ficar com cara de tac o ao tentar recrutar sua a#uda. K2eus pais o quL O quLO . , meu )eus, eu n!o liguei pra vocsLK FallJ parecia aflita. =ric #amais tin a ca4do na besteira de falar com uma pessoa sobre o assassinato ediondo de que os pais dela aviam sido v4timas recentemente, mas em seu 4ntimo sempre receara que um dia isso seria inevit&vel. K"!o, n!o, n!o. =st& tudo bem. S que o pessoal do carreto n!o apareceu, s3 isso. %icaram de vir de R ode Rsland, mas n!o deram as caras. .i, desculpa, pensei que tin a ligado pra vocsO F!o tc ecos, sabe, e ac o que fumam crac0. S, o pessoal do carreto, claro. Fe eu conseguir falar com eles de novo, ser& que ainda d& pra pegar o sof&LK "!o passou pela cabe$a de =ric perguntar por que ela tin a contratado um carreto de tc ecos viciados em metanfetamina, e que, ainda por cima, eram de R ode Rsland. =m ve( disso, ainda ofegante por ter escapado por t!o pouco de um inimagin&vel tormento telef6nico, ele disse que ela podia, sim, pegar o sof&, o qual continuava em p #unto 1 escada do nosso apartamento * desde que nos a#udasse a encontrar um osso com tutano. KClaro, legal. Que osso esseLK FallJ e eu somos amigas 4ntimas desde a poca em que moramos #untas, no primeiro ano da faculdade, muito embora eu se#a o tipo de pessoa que, quando est& aborrecida ou infeli(, bebe at esquecer ou se pNe a co(in ar coisas nada saud&veisM FallJ o tipo de pessoa que, quando est& aborrecida ou infeli(, sai para correr no parque, se pNe a limpar o ban eiro com uma escova de dentes ou se matricula num curso de rabinismo. FallJ ainda relutava em dar mais detal es sobre a partida de seu ingls bonit!o, mas o tom de vo( que usou, o fran(ir aud4vel de seu nari( ao mencionar a disserta$!o que o su#eito estava escrevendo sobre as origens pr* ist3ricas do feminismo, e a satisfa$!o com que concordou em tomar parte na ca$a ao tutano fi(eram =ric suspeitar que o rolo com o ingls estava definitivamente terminado. =ric saiu mais cedo do trabal o, Eeat cliff dei-ou algum tomando conta do quiosque de cosmticos e FallJ abandonou seu isolamento no ;pper Iest Fide. =ncontraram*se em frente ao OttomanelliVs quando faltavam cinco para as seis. O a$ougue ainda estava aberto * foi por um tri( *, mas os ossos com tutano tin am acabado. =nt!o deram in4cio a um priplo pelas mercearias do Iest Village, passando por Xourmet Xarages e Xarden of =dens. F3 depois de cinco paradas para flertes inquiridores em balcNes de carne +a encarregada disso era FallJ ou, caso topassem com uma a$ougueira boa(uda, Eeat cliff, mas nunca =ric, que uma nega$!o quando se trata de paquerar algum Y eu tive praticamente de arrast&*lo a uma festa e dop&*lo com XE@D para sedu(i*lo, conseguiram por fim uns quin(e cent4metros de fmur de boi. Fa4ram do 5efferson 2ar0et levando o osso na sacola -adre( a(ul como um trofu. =rguiam*no para o alto * vit3ria, enfimO =ric sentia que a sombra do desastre fora afastada. ;m ms antes ele nem desconfiava da importQncia que aquele peda$o de boi teria para seu casamento. Contudo, o entusiasmo esfriou um pouco quando FallJ disse que, ao contr&rio do combinado, n!o os acompan aria at o Queens para #antar o ,ifteck !aut- ,erc" que levaria o tutano de boi. K.c o que n!o uma boa ideiaK, disse ela. K. , dei-a de ondaK, interveio Eeat cliff * n!o porque sentisse uma pai-!o secreta por ela, por mais que eu dese#asse. %a(ia muito tempo que eu nutria uma esperan$a(in a de que os dois acabassem #untos um dia. Coisa que quem os con ece sabe que seria uma tragdia de propor$Nes picas. .c o que falta um parafuso na min a cabe$a. KS que estou com medo de pegar o metr6 na volta. Pe$am desculpas a 5ulie por mim.K FallJ n!o era a primeira convidada para #antar que perd4amos gra$as 1quele impulso sGbito que fa(ia as pessoas desistirem de se deslocar at um subGrbio distante para
comer comida francesa num KloftK orroroso. 2as, toda ve( que isso acontecia, fic&vamos n!o s3 decepcionados como, de forma meio obscura, tambm umil ados. =m se tratando de vida social, era como se mor&ssemos em 5erseJ. "esse 4nterim, com a sa4da do Gltimo dos visitantes, eu arrumara o Centro de %amiliares e fora para casa. =nquanto meus camaradas vascul avam as ruas do Iest Village 1 procura do meu osso, eu separava dois dentes de al o para preparar um Pur-e de Pommes de erre = l'Ail, isto , pur de batatas com al o. Que uma del4cia de acompan amento, embora apenas para alguns tipos de prato. +Voc #& viu alguma foto da co(in a de 5uliaL .s paredes s!o cobertas de t&buas com ganc os, dos quais pendem fileiras e mais fileiras de panelas, cu#o perfil est& desen ado com pincel m&gico sob seu respectivo ganc o, de modo que 5ulia sempre sabia onde ficava cada panela. Feu marido, Paul, fe( isso por ela, ou talve( ten a sido para preservar a pr3pria sanidade mental. =le sempre foi muito met3dico. Ts ve(es penso que um sistema como esse me seria bastante Gtil * como, por e-emplo, quando c ega a ora de acrescentar leite quente 1 mistura de farin a e manteiga que est& escurecendo muito r&pido na panela e me dou conta de que esqueci de colocar o leite no fogo. "essas ocasiNes, seria muito conveniente ter 1 disposi$!o uma panelin a bem pequena, em ve( de ficar tateando embai-o da pia com uma m!o enquanto me-o freneticamente a mistura com a outra. 2as nunca vou ter um sistema como esse, porque se tem uma coisa que me falta esp4rito met3dico., Preparar um Pur-e de Pommes de erre = l'Ail uma tarefa &rdua, que demanda bastante tempo, mas mesmo assim, e apesar de eu ter come$ado tarde, consegui terminar antes que a equipe de busca 3ssea, ou o que avia sobrado dela, voltasse para casa. =u estava come$ando a ficar nervosa. Para passar o tempo, entrei na internet e verifiquei meu e*mail. 2in a amiga Rsabel mora no interior montan oso do 'e-as com o marido, 2artin, e a m!e, que uma profissional da comunica$!o com animais. Rsabel ... )roga, n!o sei como descrev*la. Ve#am por conta pr3priaH . "ancJ acaba de me contar um son o %."']F'RCO. %oi uma coisa esotrica, vision&ria, uma mistura de 'ruman Capote com Iilliam @urroug s, em que eu dirigia a coreografia de um especial de P&scoa para a 'V com um elenco de esquilos malucos. Rsso me fe( lembrar de um son o que eu tive no final de semana passado, um son o que eu ten o quase certe(a de que foi premonit3rio. .ndo relendo meu &reaming into ruth, e esse tin a todos os sinais. @om, acontece que eu n!o con e$o nen uma "ancJ, n!o entendo +nem fa$o muita quest!o de entender, o que um son o sobre esquilos pode ter a ver com 'ruman Capote, Iilliam F. @urroug s e premoni$!o, e nunca ouvi falar de nen um livro c amado &reaming into ruth. .lm disso, preciso ter em mente que Rsabel mandou isso para todas as pessoas de sua lista de e*mails, o que muita gente. =la sempre foi assim. "uma era de concis!o, Rsabel continua impavidamente proli-a. O trec o acima fica ainda mais engra$ado para quem con ece a vo( dela, porque, quando fala, Rsabel parece um genio(in o da terceira srie que esqueceu de tomar sua Ritalina * alternando, de maneira imprevis4vel, imita$Nes guturais de pessoas das quais voc nunca ouviu falar e trinados agud4ssimos, por ve(es amea$ando furar os t4mpanos dos ouvintes. "unca tin a pensado nisso antes, mas acaba de me ocorrer que a vo( dela lembra bastante a de 5ulia. =stou andando sobre paralelep4pedos, 1 beira de um rio. Passo por um caf com mesas na cal$ada e, sentado numa delas, est& Ric ard Eell.
+. , L @om, eu tambm n!o fa$o a menor idia de quem se#a esse tal de Ric ard EelR. "unca vi mais gordo., =le est& tomando c & gelado, usando uma blusa vel a de losangos e cal$as de couro, e tem os ol os pintados com um l&pis ro-o, coisa que por algum motivo o dei-a com um ar muito se-J. =nt!o eu digoH KLembra de mimL Fou a Rsabel. F3 queria di(er que acabei de ler Find it #o( e ac ei maravil osoK. O t4tulo do livro dele Xo #o(, mas no son o eu o c amo de Find it #o(, n!o porque ten a me confundido, mas porque no son o =FF= o nome do livro. = Ric ard di(H K=-perimente o verdadeiro c & inglsK. 2as, quando estendo a m!o para pegar uma -4cara, percebo que estou segurando um pnis de borrac a cor*de*rosa. S pequeno, cabe na palma da min a m!o. Fei que ele s3 vai crescer na ban eira, como uma espon#a, s3 que mais firme. )epois me ve#o batendo 1 porta de um apartamento. S uma porta de uma cor carmim esquisita, desbotada, e o nGmero <D>. 2in a amiga 5ulie * sabem a 5ulieL, aquela do blog de culin&ria, eu mandei o lin0 para vocs * abre a porta. =la est& toda descabelada e o marido dela, o =ric, est& no fundo, atirando discos de pi((a para o alto e cantando de um #eito lindo. 5ulie me di( para entrar e #antar com eles, mas eu entrego o pnis de borrac a para ela e digoH KObrigada pelo presente, mas n!o posso us&*loK, 5ulie, muito c ocada, me pergunta por qu, e eu respondoH KS que n!o tomo mais ban o de ban eira, s3 de c uveiroK. .o que 5ulie retruca com um pedantismo que n!o tem nada a ver com elaH K@om, isso problema seu, n!o LK Ora, sei que constrangedor e min a tia Fu0ie vai querer morrer quando ler isto, mas Rsabel n!o inventou essa ist3ria de eu ter dado um pnis de borrac a para ela. .nd&vamos trocando e*mails * e*mails particulares, diga*se de passagem * sobre a vida se-ual de Rsabel, que n!o parecia l& muito satisfat3ria, quei-a que, conven amos, todo mundo tem, n!o mesmoL = n!o que eu se#a especialista em brinquedos er3ticos, mas #& passei algum tempo em Fan %rancisco. = queria dar a impress!o de estar na onda pr3* se-o, porque 1s ve(es, quando se amiga de Rsabel, bom saber mais do que ela sobre determinado assunto. =nt!o me pus a falar das del4cias proporcionadas pelos brinquedos er3ticos * del4cias que eu con ecia menos por e-perincia pr3pria do que por #& ter navegado muito na internet. .c o que enganei bem, porque ela ficou interessad4ssima no assunto. Fendo assim, quando c egou seu anivers&rio, eu n!o podia dei-ar de mandar um pnis de borrac a de presente. = mandei. . , meu )eus, espero que o marido de Rsabel n!o este#a na lista de e*mails dela. "!o sabia muito bem como responder 1quela mensagem, por isso sa4 da internet e voltei para a co(in a. Resolvida a tomar a demora de =ric, Eeat cliff e FallJ como um bom sinal, abri o Livro na p&gina que e-plicava como e-trair tutano de um osso. KColoque o osso em p e parta*o com uma faca de a$ougueiroK, escreve 5ulia naquele seu tom sempre seguro e despreocupado. "a mesma ora pensei em pelo menos um poss4vel problemaH eu n!o tin a faca de a$ougueiro. Logo a vel a cac ola estava sendo assolada por mais alguns maus pressentimentos. "esse instante a porta se abriu. =ric e Eeat cliff passaram por ela como e-ploradores recm*c egados do ]rtico. =ric segurava a sacola de pl&stico diante de si, como se fosse um nGcleo de gelo valios4ssimo. Fem dGvida, estava esperando no m4nimo um bei#o de agradecimento * ou bem mais que isso, talve(. K.gora me di( se eu n!o sou o caraLK, bradou ele. KQuer di(er que vocs conseguiramLK
KClaro que conseguimosOK, comemorou =ric, c egando at a ensaiar alguns passin os de dan$a. Eeat cliff sorriu com o canto da boca, mas teve a delicade(a de n!o revirar os ol os. K'iveram que dar a FallJ em trocaLK KComo LK Eeat cliff e-plicouH K=la preferiu ir para casa. "!o estava a fim de encarar o metr6 na voltaK. Fuspirei. =u n!o avia dado o bei#o de boas*vindas em =ric, e ele come$ava a temer que suas esperan$as de uma demonstra$!o de gratid!o tivessem sido v!s. K@om, talve( ten a sido mel or assim.K KPor quLK KS ora de e-trair o tutano do osso.K Ol ei com uma e-press!o ligeiramente aflita para os dois. K.c o que a FallJ n!o ia fa(er muita quest!o de ver isso.K )entre as min as facas, a maior era uma usada para cortar carne, que tin a a lQmina serril ada, com cerca de vinte cent4metros de comprimento e uns trs de largura. Fempre me parecera uma faca que impun a respeitoM mas bastou o primeiro golpe para ficar claro que ela n!o daria conta do servi$o. K5ulia deve ser mais forte que de( secret&rias #untasK, resmunguei. KPena que n!o ten a participado das Cru(adas * teria sido um terror passando a espada nos infiis. VParta*o com uma faca de a$ougueiroV, uma ovaOK =ric e Eeat cliff debru$aram*se em silncio sobre o osso. =ric, pensativo, segurava o quei-oM Eeat cliff co$ava a nuca. .lguns anos antes, meu irm!o passara uns tempos em "ova /or0. . idia era que ele ficasse algumas semanas acampado no nosso sof& enquanto procurava um apartamento * acabou ficando um ano. )ito assim, parece a pior tragdia que pode acontecer a um casalH ter o cun ado instalado por meses a fio na sala de estar. 2as n!o foi ruim, n!o. Pelo contr&rio, co(in amos muito * o macarr!o com espinafre e lingui$a do Eeat cliff fora de srie *, assistimos a uma por$!o de filmes e passamos 3timos momentos #untos. O lado negativo foi que naquele ano eu e =ric fi(emos se-o no m&-imo umas do(e ve(es. +Fe bem que n!o me pare$a #usto atribuir a Eeat cliff toda a culpa., O lado positivo foi que, em muitas ocasiNes, pude tirar o time de campo enquanto meu marido e meu irm!o solucionavam os mais variados problemas domsticos, coisa que era bastante divertida, alm de me livrar de muita c atea$!o. Quando vi os dois ruminando o problema do tutano, senti uma ponta de nostalgia. KVocs tm uma serra tico*ticoLK, indagou Eeat cliff. 2oure#aram por vinte minutos com a serra que =ric desencavou no arm&rio do all, at ficarem empapados de suor. Conseguiram fa(er um furo de uns dois cent4metros. =mbora fosse e-atamente o que eu queria, a gosma cor*de*rosa que grudara na lQmina da serra era pavorosa. Os rapa(es estavam meio verdes. K)roga, dei-em isso comigo.K .tirei o osso numa panela com &gua fervendo. "!o parecia um procedimento muito correto, 5ulia seria bem capa( de desaprov&*lo, mas eu n!o sabia mais o que fa(er. .p3s alguns minutos, tirei o osso da panela e tornei a investir contra ele, dessa ve( com a menor faca que eu tin a, uma faca de descascar frutas, com cerca de sete cent4metros de comprimento e fina o bastante para o tGnel cil4ndrico que se estendia de um lado a outro do osso. @em devagar, a muito custo, consegui penetr&*lo. Retirei cada gota daquela gosma cor*de*rosa, at afundar praticamente a faca inteira no fmur do boi. O atrito produ(ia um ru4do medon o * tin a a impress!o de sentir aquilo dentro dos meus ossos. Vale aqui uma met&fora para os e-ploradores das profunde(as selvagens da ]fricaH avia um qu de O CoraDo das re%as em tudo. .final de contas,
poss4vel ir mais fundo que o interior de um ossoL S o centro do centro das coisas. Fe o tutano fosse uma forma$!o geol3gica, seria o magma que se agita sob a crosta terrestre. Fe fosse uma planta, seria um musgo muito delicado que s3 cresce nos picos mais altos do monte =verest e durante a primavera nepalesa d& minGsculas flores brancas por trs dias apenas. Fe fosse uma recorda$!o, seria a mais primal, a mais dolorosa e reprimida, a que nos fe( ser quem somos. L& estava eu, cavoucando o centro do centro das coisas, pensando que aquilo n!o passava de uma porcaria no#enta. Cor*de*rosa, como ac o que #& disse. @astante Gmida. "!o l4quida, tampouco inteiramente s3lida Y co&gulos pega#osos que gote#avam com um som nauseabundo na t&bua de cortar. Os rapa(es assistiam, ipnoti(ados. K;m diaK, disse =ric, engolindo com dificuldade, Kainda vamos tirar a sorte grande. Vamos embora de "ova /or0 e teremos nossa casin a no campo, como sempre quisemos.K Pensei que ele estivesse apenas querendo me lembrar do lugar dos meus son osM mas n!o, era o in4cio de um racioc4nio, e assim que terminou de engolir sua bile, ele o completou. KQuando isso acontecer, vamos comprar um boi de um matadouro e cuidar muito 1em dele.K KS isso a4K, concordou Eeat cliff. K%alou.K S verdade. Fou louca por carne. 2as me ocorreu que tutano era algo que eu n!o tin a o direito de ver, n!o daquele #eito, cru e trmulo na min a t&bua de cortar. . palavra %iolar irrompeu espontaneamente na min a cabe$a. KS como estuprar um osso. . , meu )eus, eu disse isso em vo( altaLK Conseguimos e-trair cerca de uma col er e meia de tutano e decidimos que teria de ser o suficiente. =ric e Eeat cliff foram para a sala de estar, com a esperan$a de encontrar uma partida de futebol na 'V e esquecer aquela vis!o orrorosa. 2urmurandoH K)ei-e de frescura, 5ulieK, fui em frente e comecei a fritar os bifes. .contece que, quando voc enfia a cabe$a num lugar como aquele, 1s ve(es dif4cil sair de novo. Ler a fraseH Kno momento em que uma fina camada de sumo vermel o come$ar a se formar sobre a superf4cie do bifeK n!o a#udou em nada, embora ten a me au-iliado a preparar bifes deliciosos. . vis!o daquela gosma cor*de*rosa na min a t&bua de cortar continuava a me provocar n&useas, mas eu tin a a impress!o de que alm do asco avia outra sensa$!o, mais bem escondida. ;m frmito de deprava$!o. Quando os bifes ficaram prontos, coloquei*os numa travessa e misturei o tutano e um pouco de salsin a ao l4quido amanteigado que restara na frigideira. O res4duo de calor desse l4quido devia ser suficiente para co(in ar de leve o tutano. .lm do mais, conforme =ric me garantira, era imposs4vel algum ser infectado pela s4ndrome da vaca louca comendo tutano, e se fosse, n!o faria diferen$a co(in &*lo ou n!o * algo a ver com pr4ons ou coisa do gnero *, mas eu estava apavorada e, por via das dGvidas, dei-ei*o um pouco no fogo. )epois despe#ei uma col erada do mol o de tutano sobre cada bife, acrescentei um pouco de pur de batatas com al o e omates 8rill-es au Four 0 tomates inteiros besuntados com a(eite e levados ao forno por alguns minutos * e o #antar estava pronto. Fe por alguns instantes eu receara que o tutano de boi fosse um daqueles ingredientes que d!o muito trabal o por nada, logo percebi que a preocupa$!o era descabida. O sabor do tutano forte, carnoso, quase intenso demais. "o in4cio, em meu estado de deprava$!o crescente, eu s3 conseguia pensar que tin a gosto de uma Ltima trepada. 2as avia algo mais, por incr4vel que pare$a. += quem pediria maisL =u podia faturar meu primeiro mil !o vendendo aqueles bifes pornogr&ficos., O fato que aquilo tin a gosto de vida, e de vida bem vivida. S claro que o boi do qual eu e-tra4ra o tutano levara
uma vidin a de merda * confinado com de(enas de outros bois, tratado com e-cesso de medicamentos e alimentado com uma comida ins4pida que podia ou n!o conter peda$os de parentes seus. 2as dentro de seus ossos, bem l& dentro deles, #a(ia a predisposi$!o para a alegria animal. )ava para sentir o gosto disso. ;ma das teses sobre os canibais, como se sabe, a de que eles comem partes dos inimigos mortos a fim de se beneficiar de suas principais qualidades * sua for$a, sua coragem. = tem aquele neg3cio que aconteceu na .leman a. Voc ouviu falar a respeito, n!oL . ist3ria daquele su#eito que topou que o outro cortasse seu pnis fora, co(in asse e depois lhe desse para comer 0 o que foi aquiloL O que o cara ac ou que aprenderia sobre si pr3prio ao sentir o gosto da rola refogadaL Por acaso estava tentando e-trair a Gltima gota de pra(er do tro$oL +. , meu )eus, que met&fora desnecess&riaO, 2as por alguma ra(!o * eu estava di(endo isso durante o #antar * meu bife com mol o de tutano parecia conter um princ4pio semel ante. KS como se eu estivesse comendo a vida. S quase como se estivesse comendo minha prLpria vida, entendemLK K"!o. Pra falar a verdade, n!o. 2as est& uma del4cia, mana.K Fe eu tentasse di(er qualquer coisa desse gnero na agncia governamental em que trabal ava, obteria como resposta apenas ol ares va(ios e uma subsequente sindicQncia interna. Certas pessoas talve( receassem que uma discuss!o sobre canibalismo espiritual, ainda mais no primeiro anivers&rio da tragdia, fosse vista como algo de mau gosto. FallJ, a Gnica man4aca se-ual e-*estudante de rabinismo que con ecemos, talve( compreendesse * desde que suportasse o trauma de pegar o metr6 para ir a um subGrbio remoto. 5ulia talve( fosse outra pessoa capa( de compreender. "a man ! de 7D de setembro, enquanto eu permanecia na cama, angustiada com a pro-imidade do momento em que teria de dei-ar as cobertas e ir para o escrit3rio, pensei no trabal o de 5ulia em sua agncia governamental. O OFF funcionou num per4odo anterior 1 inven$!o dos cub4culos e de tudo o que eles implicam, de modo que 5ulia n!o tin a de trabal ar em um. "!o tin a de atender ao telefone, n!o tin a de consolar pessoas aos prantos e n!o tin a de voltar de metr6 para casa. Lidava com informa$Nes bem mais confidenciais do que as de que os burocratas s!o todos uns imbecis e que uma minoria n!o despre(4vel do povo americano burra ao e-tremo, obscenamente louca eZou tem um mau gosto orr4vel em se tratando de monumentos. Fob todos esses aspectos, 5ulia passara seus dias de secret&ria em situa$!o bem mel or do que a min a. Por outro lado, naquela altura ela ainda n!o tin a Paul em sua vida, pensei ao me enrodil ar nas costas de =ric para um Gltimo coc ilo. = lembrei +ao sentir o gosto de carne de um arroto(in o tardio, que ela tampouco avia e-perimentado tutano de boi. )e modo que, em outros aspectos, quem estava em vantagem era eu.
Junho de 2344 +and", Ceilo Rma lOmpada de D< (atts no seria suficiente para realizar aquele tra1alho minucioso nem ao meio0dia de um dia ensolaradoK no lusco0fusco de um dia chu%oso, ento, era praticamente impossJ%el. Paul apertou o nariz entre o dedo e o indicador, depois esfregou os olhos com a palma das mos. !eu intestino tinha se re1elado de no%o e ele de%ia estar na cama, mas aquele tra1alho no se realizaria sozinho 0 quando a pessoa - a &i%iso de ApresentaDo, no tem o dia de folga por estar com pro1lemas de sa6de. Paul olhou pela )anela, distraJdo. Atra%-s da cortina de chu%a c:lida, %iu os elefantinhos serem le%ados dos )ardins 1otOnicos para o local onde rece1eriam sua raDo noturna. Gs passos %agarosos e sua%es dos animais, suas pequenas caudas 1alanDantes e aqueles cJlios comicamente compridos, que lem1ra%am os de heda ,ara, sempre o alegra%am e, com chu%a ou sol, os )ardins eram lindos. Encarapitado na parede da choupana de cad)an onde ele esta%a tra1alhando, um lagarto %erde0 esmeralda fazia um ruJdo semelhante ao de uma esp:tula raspando o fundo de uma panela de ferro. Paul enfiou os dedos na meia para coDar inutilmente sua maldita frieira, depois tornou a se de1ruDar so1re a prancheta, decidido a preparar no mJnimo um 6ltimo desenho. Ento, assim que se a)eitou na cadeira e tornou a se concentrar no tra1alho, sua 6nica lOmpada apagou. Claro. >&roga.> Ele estendeu a mo e desatarra;ou a lOmpada com cuidado,chacoalhou0a ara %erificar se filamento ha%ia se partido, mas no ou%iu som nenhum. ornou a rosquear a lOmpada no soquete, le%antou0se e foi dar uma espiada pela porta. O lugar inteiro esta%a =s escuras. Como ele imaginara. Com a noite ): caindo, a eletricidade sL %oltaria no dia seguinte. E pensar que um dia ele imaginara que tra1alhar no G!! seria uma e;peri?ncia intensa e emocionante. ,om, tal%ez pudesse ao menos organizar alguns conceitos para os desenhos que teria de preparar assim que amanhecesse. ComeDou a fechar a porta. >PaulH /ue histLria - essa de ficar aJ sozinho no escuroC> Era Julia, o1%iamente 0 a %oz era inconfundJ%el, mas por um 1re%e instante ele ficou sem sa1er de onde ela %inha. Perscrutou a penum1ra ense1ada do corredor, mas no %iu ningu-m. >PaulH Atr:s de %oc?H> Julia e Jane comprimiam o rosto contra as fr:geis persianas da )anela e sorriam como duas adolescentes. Jane fez um gesto con%ocatLrio com o indicador e Julia e;clamouI >Benha %er os elefantes tomar 1anho. E no in%ente desculpas esfarrapadasH> >Mas - que no d: mesmo, infelizmente. enho que terminar esse tra1alho. J: estou atrasado, e eles precisam desses desenhos o mais tardar amanh.> >Pois ento mande essa gente = merdaH !e querem que %oc? faDa o tra1alho, de%iam no mJnimo arrumar um pouco de luz para %oc?.\ Jane encarou Paul com a so1rancelha erguidaK um gesto que teria sido mais sedutor se no dei;asse to L1%io que sua intenDo era e;atamente essa. >Biu a p-ssima influ?ncia que %oc? tem sido para a nossa pequena JuliaC Precisa %er como a lJngua dela anda su)a.@ Paul deu um suspiro. As moDas tinham razo. !eus superiores que fossem = merda. &ei;ou a caneta em cima da mesa. >Esperem, ): estou indo.>
)ia >?, Receita >8 para fazer um omelete KPor que n!o c ama algum pra levar essa porcariaLK =u estava sentada na sala de estar, com o torno(elo direito * que inc ara a ponto de formar uma bola duas ve(es maior que a de costume e e-ibia uma perturbadora colora$!o verde*amarelada * apoiado numa otomana. =ric tin a ido 1 co(in a buscar geloM Eeat cliff estava parado na min a frente, de bra$os cru(ados. K%alei pra FallJ que podia ficar com ele. =la est& numa fase dif4cil.K KFim, mas n!o d& nem pra entrar nesta casa sem correr o risco de quebrar a perna. Pra mim, isso que dif4cil.K )ei de ombros. K)e quem foi que ela se separou agoraL Outro )avidLK K`bvio.K .o longo dos de( anos que #& dura nossa ami(ade, FallJ namorou no m4nimo uma dG(ia de )avids. C ega a ser sinistro. =ric voltou da co(in a com um saquin o c eio de gelo. KO que quer que eu fa$a pro #antarLK K=u co(in o, pode dei-ar. 'en o as alcac ofras pra fa(er. .lm do mais, estou atrasada com meu cronograma.K KS mel or n!o apoiar esse p no c !o. Precisa continuar com o gelo.K 2as eu #& tin a me levantado e estava saltando num p s3, rumo 1 co(in a. K%i( apenas seis receitas na semana passada. = na semana anterior, com papai e mam!e por aqui, n!o fi( absolutamente nada. 2eus leitores precisam de mimH> 2in a inten$!o era que isso fosse interpretado como uma piada, ainda que na realidade n!o fosse. 2as =ric n!o estava para brincadeiras. KFeus leitoresC %ala srio, 5ulie.K KComo assimLK KVai me di(er que a meia dG(ia de gatos*pingados que acessa seu blog enquanto fa( uma pausa para o caf n!o pode passar mais um dia sem ler sobre como foi que voc fe( pra refogar legumes espin entos na manteigaLK K. , v& se foder.K =u e =ric ol amos feio um para o outro com um bom umor venenoso, cu#o prop3sito era sugerir que aquela discuss!o n!o passava de uma divertida encena$!o amorosa. Eeat cliff esbo$ou um sorriso afetadoM encarava um e outro, sem se dei-ar enganar. 2eu irm!o #& cuidou da casa de um gQngster em Creta. %oi assaltado por um policial na Eungria. 2ascou as fol as de coca que um gar$om l e ofereceu no Peru. %oi embora de uma il a na costa da Fic4lia porque era o Gnico su#eito ruivo que as pessoas tin am visto na vida e as vel as fa(iam o sinal*da*cru( sempre que o viam. .lm disso, a mul er com quem ele vive quando n!o est& sendo v4tima de um batedor de carteiras em @udapeste nem cuidando de cabras na Rt&lia nem vendendo sabonetes em "ova /or0 o tipo de pessoa capa( de, sem mais nem menos, num belo fim de tarde, inventar de fa(er uma torta de ma$!. 5untos, os dois preparam o sorvete para a tortaH colocam leite, nata, a$Gcar e baunil a num pote de caf, que acondicionado numa vel a lata de batatas fritas c eia de geloM ent!o, sentam*se no c !o da co(in a, na diagonal, e pNem*se a rolar a lata entre eles, para c& e para l&. Claro que, para ele, a felicidade domstica algo t!o natural quanto seu esp4rito aventureiro. Portanto, quando sou r4spida com =ric na frente de Eeat cliff, trata*se de um recon ecimento umil ante de um certo fracasso nessas duas lin as de frente. = n!o s3 isso. S tambm uma lembran$a dolorosa de que ine%ita%elmente me tornarei uma pessoa como min a m!e, fa(endo*me de m&rtir ou sendo ran(in(a, agindo como um ser irracional ou ent!o me quei-ando sem parar das dores nas #untas. Rr para a co(in a
pulando num p s3 por causa de um torno(elo inc ado enquanto c ateio meu marido, por e-emplo, o tipo de coisa que min a m!e faria. . irrita$!o que se apossou de mim quando me dei conta disso teria sido facilmente aplacada com uma saud&vel vodca* t6nica, se a garrafa de Ftolic naJa que =ric comprara ao sair do trabal o n!o tivesse se espatifado na plataforma do metr6. %icar furiosa com =ric por causa disso teria sido outra atitude t4pica de min a m!e, de modo que tratei de trincar os dentes e comecei a preparar o prato estran 4ssimo que plane#ara para aquela noiteH Gmelettes 8ratin-es = *a omate e /uartiers de Fonds d'Artichauts au ,eurre 0 omeletes com tomate, gratinados com quei#o e creme de leite, acompan ados de cora$Nes de alcac ofra na manteiga. C ris * a que escrevera aquele neg3cio meio ttrico sobre sentir muito min a falta e pensar que eu estava morta quando fiquei um tempo sem escrever no blog * ac ou inacredit&vel que antes de come$ar o Pro#eto 5ulieZ5ulia eu nunca tivesse comido um ovo. KComo voc conseguiu viver esse tempo todo sem comer um Gnico ovoLK, ela perguntou. KComo POFFaV=LLLLOOOOOK Claro que n!o era 1em verdade que eu nunca tin a comido um ovo. =u os comera me-idos uma ou duas ve(es, mas 1 moda te-ana, com )alapeSos e meio quilo de quei#o. Contudo, min a preocupa$!o quando se tratava de comer ovos sempre fora garantir que eles n!o tivessem aparncia, c eiro e muito menos gosto de ovo. Fendo assim, min a ist3ria nesse departamento era, supon o, um tanto quanto incomum. C ris n!o foi a Gnica a ficar c ocada. Xente de quem eu nunca tin a ouvido falar apareceu para e-plicitar seu assombro e consterna$!o. Para ser sincera, n!o entendia por que tanto escQndalo. "!o comer ovos uma esquisitice bem menos estapafGrdia do que, por e-emplo, odiar cro6tons, como acontece com certos maridos que eu con e$o. %eli(mente, os ovos feitos 1 moda de 5ulia C ild quase sempre tm gosto de mol o branco. Ve#am o caso de seus Geu)s en Cocotte, por e-emplo. F!o ovos ao forno com um pouco de manteiga e creme de leite, dispostos em pequenas formas numa panela rasa de &gua. ;ma del4cia. )e fato, mel or que Geufs en Cocotte s3 Geu)s en Cocotte com !auce au Cari quando a gente acorda com uma ressaca de matar, depois de uma daquelas noites em que algum finalmente resolve sair para comprar um ma$o de cigarros, e a mul erada come$a a fumar, beber e dan$ar no meio da sala at as trs da madrugada, ao som das mGsicas que um carin a fica bai-ando do i'unes em seu novo .pple X: PoPer@oo0 ridiculamente estiloso e moderno. =m man !s assim, Geufs en Cocotte com !auce au Cari, uma -4cara de caf e um copo bem grande de &gua s!o como a refei$!o que as fil as cobertas com vus de uma tribo de bedu4nos errantes d!o na sua boca depois de um deles ter encontrado voc 1 beira da morte, estirada na areia dos infind&veis desertos da .r&bia * sem e-agero. =nfim, ac o que foi a se$!o dos omeletes que de fato mudou min a rela$!o com os ovos. Os diagramas de MtAoFC s!o muito e-citantes. Pode*se fa(er de conta que se est& adentrando numa cincia verdadeiramente ermtica, como litografia, fus!o a frio ou qualquer coisa do gnero. = talve( encontremos ainda outra analogia em algum ponto do trec o abai-oH !egure o ca1o da frigideira com as duas mos, com os dedEes para cima, e de um s3 golpe pu;e imediatamente a frigideira na sua direDo, fazendo mo%imentos %igorosos e 1ruscos, mantendo a panela num Ongulo de %inte graus so1re o fogo e dando um pu;o por segundo.
T o pu;o 1rusco que lanDar: os o%os contra a 1orda da frigideira, para depois faz?0 *os %oltar ao meio dela. T preciso ter coragem e %igor ao fazer os mo%imentos, do contr:rio os o%os no se soltaro do fundo da frigideira. ApLs alguns pu;Ees, eles comeDaro a engrossar. "!o sou s3 eu, certoL Voc tambm logo pensou numa daquelas pr&ticas se-uais #aponesas tradicionais, provavelmente muito dolorosa, sobre a qual leu algo quando estava na faculdade. 'udo bem, ent!o talve( se#a s3 eu. =screve 5CH K;ma maneira boba mas perfeita para dominar o movimento praticar ao ar livre com meia -4cara de fei#!oK. Posso v*la rindo consigo mesma ao escrever isso, pensando nas donas de casa americanas do in4cio dos anos 789?, com seus con#untin os de l! e penteados 1 2arJ 'Jler 2oore, espal ando fei#Nes por todos os cantos de seus bem*cuidados #ardins. = como boba um dos nomes pelos quais eu atendo, segui o consel oM porm, em ve( de cair no #ardim, meus fei#Nes se espal aram pelas cal$adas imundas da 5ac0son .venue. Os camin oneiros bu(inavam, as prostitutas ol avam. ;ma minivan da Virg4nia encostou na min a frente. . motorista, vendo que avia encontrado algum de bom senso e boa educa$!o na pessoa de 5ulie com sua frigideira, perguntou como devia fa(er para c egar a "ova 5erseJ. K"ova 5erseJ fica longe pra dedu. . sen ora est& mais perdida que fil o de puta em dia dos pais.K 2eus modos nem sempre s!o muito civili(ados, admito, e esse #eito can estro de sacudir uma frigideira c eia de fei#Nes na frente de )eus e o mundo n!o contribui muito para mel or&*los. +Quando relato esse incidente no blog, EenrJ, um rapa( com o qual namorei no colegial e dispensei para ficar com o =ric e que levou uns de( anos para me perdoar por isso, escreveH KQuer di(er que agora voc a maluca dos fei#Nes do bairroL Que fant&stico...K = & tambm algum que eu nunca vi mais gordo que se d& o trabal o de lamentar o fato de eu empregar com tanta frequncia palavras de bai-o cal!o, como pUUU, pUUUU e mUUUU. Xente que critica o meu vocabul&rio sempre usa uma por$!o de asteriscos., )ominar essa tcnica com ovos propriamente ditos pode dei-ar a pessoa meio (on(a * como usar a l4ngua para dar n3 em cabin os de cere#a. . primeira ve( em que fui bem* sucedida * um sucesso relativo, vamos di(er * foi numa man ! de domingo, quando resolvi fa(er omeletes para =ric e sua colega de trabal o, 'ori. =u n!o con ecia 'ori muito bem Y sabia que ela era artista, que passava seus dias no escrit3rio com meu marido e que era bonita. .lgo me di(ia que, n!o bastasse isso, 'ori tambm era craque em usar a l4ngua para fa(er la$os em cabin os de cere#a e que ela virava omeletes com uma m!o nas costas. Portanto eu estava um pouco nervosa. )urante o preparo de omeletes 1 5ulia, tudo muito r&pido. S tolice tentar decifrar os diagramas e suas legendas * os quais, alm de serem de modo geral intimidadores, foram escritos para pessoas destras, e-igindo de min a parte alguma adapta$!o sin&ptica * enquanto se co(in a. O primeiro omelete eu n!o consegui virar de #eito nen umM ele se amontoou na borda da frigideira, rac ando nos pontos de maior tens!o. "o entanto, quando o virei sobre um prato, o rec eio acabou sendo parcialmente recoberto * cogumelos com creme de leite e vin o 2adeiraM coisa fina, fin4ssima * e a coisa ficou mais ou menos parecida com algo que se poderia c amar de omelete. Portanto, resolvi consider&*lo um sucesso parcial. 2as nem com muita condescendncia eu poderia di(er o mesmo do segundo. =ste come$ou grudando no fundo da frigideiraM quando tentei sacudi*lo com mais for$a, a c apa do fog!o ficou coberta de ovos. Outra sacudida lan$ou um grande naco daquele tro$o semicoagulado ao c !o. )esisti, virei a massa
informe num prato e resolvi que aquele seria o meu. "o terceiro, com movimentos cada ve( mais amedrontados, comecei a dominar o mtodo descrito por 5ulia. )ominar e-agero, mas pelo menos n!o derramei nada no fog!o, e o omelete permaneceu inteiro. "!o d& para pedir muito mais que isso. Comemos nossos Gmelettes 7oul-es com o prosecco que 'ori avia tra(ido. .doro ter uma boa desculpa para beber antes do meio* dia. @om, o fato que, ao entrar mancando na co(in a para preparar cora$Nes de alcac ofra e omeletes com tomate para mim, meu marido e meu irm!o, eu #& me sentia bastante 1 vontade com a opera$!o vira*ovos. Os omeletes sa4ram mais ou menos com cara de omelete, o fog!o permaneceu intacto e sem muita demora o #antar estava servido. 'udo 3timo, e-ceto pelo fato de que, a certa altura, com a falta de &lcool e o constrangedor bate*boca con#ugal, eu ficara meio irritada. 'in a come$ado com o sof& de FallJ. . discuss!o sobre o motivo de ele ainda estar em p no nosso all de entrada acabara levando, como seria de esperar, a uma conversa sobre a vida amorosa de min a amigaM um tema sempre muito interessante. K= n!o que ele se#a um omem maravil oso. S bonit!o, ac o Y pra quem gosta do tipo.K O tipo de FallJ musculoso, barul ento, bonito, engra$ado e arroganteM o meu magro, quieto, melanc3lico, engra$ado e t4mido. )esde que nos con ecemos, nunca aconteceu de ficarmos interessadas pelo mesmo omem. K2as um pal a$o. 'eve a cara*de*pau de di(er que ela precisava se candidatar e ir com ele para O-ford, porque assim n!o ficaria com %ergonha dela. Ele com vergon a dela. .quele idiota n!o presta nem pra lamber os 2anolo dela.K FallJ era a Gnica pessoa que eu con ecia que possu4a de fato um par de sapatos 2anolo @la ni0 * comprara* os pelo e@aJ, e eles fa(iam com que ela se sentisse deliciosamente se-J. =, quando FallJ se sentia deliciosamente se-J, todos os omens num raio de trs quarteirNes tambm a ac avam deliciosamente se-J Y parecia ferom6nio, uma coisa que ela n!o controlava. Eeat cliff cutucou suas alcac ofras com certa desconfian$a, como se ainda pudesse aver nelas alguma disposi$!o para briga. Contudo, embora se#a verdade que, quando atacadas, as alcac ofras saibam revidar, os benef4cios da evolu$!o n!o aviam salvado os espcimes que #a(iam em nossos pratos * com ou sem torno(elo torcido, eu fora um p&reo duro demais para elas. Quebrara seus talos e arrancara suas fol as, fatiara*as e as redu(ira a tenros discos amarelos com centros purpGreos e espin entos, que, como uma flor tropical, boiavam numa tigela com &gua e vinagre para preservar sua cor. )epois eu as co(in ara e retirara implacavelmente aquelas ptalas resistentes, coloridas, a Gltima defesa de uma alcac ofra, at transform&*las em nada mais que am&veis sistemas de capta$!o de manteiga. K2as, se ele t!o idiota assim, qual o problemaLK KO problema que a FallJ quer algum. Ou ac a que quer. O que eu posso fa(erL =la n!o me escuta quando digo que esses caras que ela arruma s!o todos uns babacas.K Quando con eci FallJ, eu e =ric #& namor&vamos, e ao longo de todos esses anos nunca a vi ficar com um rapa( por mais de seis meses. 'al estado de coisas uma faca de dois gumes. Ts ve(es, ela aparece com uma por$!o de omens de uma ve( s3H restaurante cubano com um na quarta, cinemin a com outro na se-ta e brunc com um terceiro no domingo, os dois recm*sa4dos do ban o e ainda vermel os da Gltima trepada matinal. FallJ c ega com um bril o alegre nos ol os, e quando o rapa( se levanta para ir ao ban eiro ela se debru$a na mesa com um sorriso e coc ic aH KQue talL ;m gato, nLK =ssas ondas primaveris de sua vida er3tica tm o poder de me dei-ar aturdida. ;ma coisa preciso di(er sobre se casar com o su#eito que seu namorado desde os 7< anos de idadeH a gente realmente lamenta ter perdido a oportunidade de levar um estilo de vida poliamoroso. S sempre um baque ver FallJ t!o confiante e orgul osa, com o pau daqueles caras numa m!o e o mundo inteiro na outra.
2as ent!o uma amiga de escola fica gr&vida ou a m!e de FallJ d& de presente a sua irm! menor * que c ega a ser insuport&vel de t!o certin a e est& prestes a se casar * um caderno de culin&ria com as receitas preferidas da fam4lia, mas se recusa a dar um igual a ela porqueH KS s3 para mul eres casadasK. .4 FallJ come$a a aparecer com um rapa( s3 * um dos trs anteriores ou outro, recm*c egado * e dessa ve( & em seu ol ar um certo apelo desesperado, e quando ela di(H K;m gato, nLK, sua inten$!o antes suplicar uma palavra de conforto do que reafirmar com orgul o o c arme do omem fisgado. = ent!o ela se pNe a fa(er mais perguntas capciosasH KFabeK, di(, com os ol os arregalados de afli$!o, Kele s3 quer saber de se-o trs ve(es por semana. S um mau sinal, n!o LK OuH KO que %oc? ac a que eu devia fa(erLK FallJ est& me pedindo o abitual consel o de Kamiga casadaKH K'oda rela$!o tem altos e bai-osK, Kn!o abandone o barcoK etc. 2as n!o quero falar desse #eito. =m geral, n!o gosto do cara e n!o me agrada a pessoa que FallJ se torna quando me pede isso. =u gosto da FallJ esfu(iante, alucinada por se-o, uma neur3tica convicta. . FallJ que, ao contr&rio da c ata da irm! dela, n!o est& nem a4 para casamento, que sabe que nen um dos su#eitos que ela tra( para a gente con ecer est& 1 altura dela * n!o esperto o bastante, n!o delicado o bastante, n!o tem nada que se compare a sua gargal ada borbul ante, 1quela vo( capa( de espal ar bolin as de c ampan e por uma sala c eia de descon ecidos. =ric passou seu derradeiro peda$o de alcac ofra por toda a superf4cie do prato que mantin a equilibrado em cima do meu p inc ado * o qual, por sua ve(, estava apoiado no colo dele * absorvendo as Gltimas por$Nes de manteiga derretida. KS, mas a FallJ tambm n!o nen uma santa.K .ssim que ele dei-ou cair aquele Gltimo e gote#ante triQngulo esverdeado na boca, dei* l e um tapa forte no ombroM uma proe(a e tanto, #& que precisei vencer toda a distQncia de min a perna estendida para fa(er isso. K"!o fale assim da min a amiga.K K"!o se#a boba. Voc sabe que eu adoro a FallJ. 2as ela uma pessoa... difJcil.\ S verdade, nen uma das min as amigas muito d3cil. XPen certa ve( saiu literalmente no tapa depois de mandar um bando de meninas esgani$adas calar a boca no metr6. +;ma das garotas arran ou o rosto dela com un as posti$as de cinco cent4metros de comprimento * levou semanas para sarar., Fabe*se que Rsabel, com sua vo( de beb rouco e senso de umor incorrigivelmente obscuro, #& dei-ou mais de um omem com urtic&ria. = FallJ a mais encrespada de todas. Fe ela fosse uma estrela de cinema, seria Rosalind Russell em Je)um de AmorK se fosse um legume, seria uma alcac ofra. Como n!o nem uma coisa nem outra, ela FallJ, uma garota durona e sensacional, para a qual 1s ve(es muito dif4cil arrumar um par. KOl aK, acrescentou Eeat cliff, Kvai ver que a FallJ do tipo que n!o foi feita pra casar. AiH O que foiLK Vai ver que os omens que convivem comigo gostam de apan ar. )o contr&rio, n!o fariam tantos coment&rios engra$adin os. Quando ramos crian$as, Eeat cliff tin a um brinquedo, um cilindro de vidro retorcido com duas ampolas de cada lado, ligadas por um tubin o sinuoso. Poderia ser confundido com um utens4lio de co(in a que 5ulia ouvesse comprado numa de suas viagens ao e-terior, n!o fosse o fato de conter um misterioso l4quido vermel o. .o segurar a ampola na palma da m!o, o calor da pessoa colocava o l4quido em ebuli$!o e o passava para a outra ampola. F3 que comigo n!o funcionava. Quando eu segurava a ampola va(ia, o l4quido vermel o parecia ser atra4do pela min a m!o, como se a lei de f4sica ou qu4mica que fa(ia o brinquedo funcionar, fosse ela qual fosse, n!o se aplicasse a mim. =sse era apenas um dos v&rios ind4cios agourentos que levavam ao enigma K2as
.final de Contas, Que =spcie de .berra$!o =u FouLK Outro era a tendncia que eu tin a de perder coisas * c aves, 3culos, aparel os ortod6nticos, notas de vinte d3lares Y numa velocidade que ia muito alm da mera leviandade, adentrando o reino da paranormalidade. 5& na adolescncia, ao voltar para casa so(in a ap3s uma daquelas noites de muito se-o, descobri que tambm tin a o poder de queimar as lQmpadas da ilumina$!o pGblica * elas iam se apagando 1 medida que eu passava com o carro, uma ap3s a outra. Quando comecei a co(in ar, ainda na faculdade, n!o demorei a me dar conta de min a estran a inaptid!o para preparar qualquer prato que envolva endurecer, fermentar, gelatini(ar ou crescer. Pode ser p!o, maionese, gelatina de vodca ou o que for, quando se trata de misturar um l4quido e um s3lido e transform&*los em outra coisa, algo rarefeito, estufado ou cremoso, sou uma imprest&vel. = s3 eu tocar uma planta que ela morre. =u n!o lia ist3rias em quadrin os quando crian$a, por isso s3 con eci os [*2en quando, #& adulta, =ric me falou deles. Fe os tivesse con ecido antes, teria percebido muito mais cedo que sou uma mutante * quem sabe, um cru(amento de 2agneto com Vampira e um pouco de Lucille @all. 'alve( isso tudo ten a algo a ver com meu problema ormonal * o indese#&vel dote gentico com que meu irm!o perfeito, por ser omem, nunca ter& de se preocupar. ;m dote que vale um din eir!o para o especialista em depila$!o por eletr3lise e um dia, supon o, tambm para o obstetra que me prescrever& os medicamentos que precisarei tomar para engravidar, se que poderei de fato engravidar. . onda de pQnico que me invade quando penso nisso prova que +a, realmente e-iste o tal rel3gio biol3gicoM +b, eu ten o umM e +c, seu tiquetaque n!o p&ra. )urante toda a vida, sempre tive a impress!o de ouvir pequenas e-plosNes ao meu redor, pequenas revolu$Nes, conspiradores detonando minas dentro de mim. .ssim, quando Eeat cliff pronunciou as palavras Kdo tipo que n!o foi feita pra casarK, recon eci o estrondo surdo da bomba que e-plodiu no fundo da garagem subterrQnea das min as tripas. K= por acaso isso significa alguma coisaL V)o tipo que n!o foi feita pra casarVLK Eeat cliff e =ric friccionavam os bra$os doloridos. KPor que a indigna$!oL Casamento n!o pra todo mundoOK Claro que n!o. O casamento n!o algo mais inevit&vel que a eterosse-ualidade ou a culin&ria francesa. 2as o espasmo en#oativo que senti quando Eeat cliff disse aquela frase era real, e n!o passava. K"ingum nasce assim ou assado.K K. , sei l&. 'alve( nas$a.K .ssim como nunca faltaram omens para FallJ, para Eeat cliff nunca faltaram mul eres, e no entanto ele nunca dei-ou de ser essencialmente um cara solteiro. =le vive numa boa, tem poucas posses, mantm certa distQncia de tudo e de todos * uma varia$!o ruiva de O Vltimo dos Moicanos. =m geral, isso n!o me incomoda. K= da4L Vai me di(er que voc se considera acima desse lance de casamentoLK KComo que LK Eeat cliff ergueu as sobrancel as, numa e-press!o sarcasticamente perple-a, como s3 ele consegue fa(er. K"!o me ol e assim.K K.ssim comoLK KComo se voc fosse mel or do que eu.K )e repente senti o sangue martelar meus ouvidos e percebi que estava me preparando para fa(er algo de que depois me arrependeria. =u ia contar. Quando eu estava na quarta srie e Eeat cliff na primeira, nossos pais se separaram. Papai foi morar num apartamento distante, na (ona sul de .ustin, e durante quase um
ano n3s o v4amos somente duas ve(es por semana * quando ele vin a nos pegar para uma sess!o de ambGrgueres e videogame e quando vin a apan ar mam!e para as sessNes de terapia de casal. Os dois acabaram se reconciliando. Papai voltou para casa e todos n3s tornamos a viver feli(es * a despeito de quei-as e ressentimentos ocasionais * para sempre. "ada disso era segredo, apenas uma vel a ist3ria familiar. 2as eu sabia de uma coisa que Eeat cliff n!o sabia. .conteceu no )atsun (- de meu pai. =le estava ao volante, min a m!e no banco do passageiro e eu no banco de tr&s. 2am!e c orava. KVoc est& bem, mam!eLK, perguntei. K"!o, querida, n!o estou bem, n!o.K KFua cabe$a est& doendoLK +2in a m!e sofria de sinusite * vivia com dor de cabe$a., K"!o. S o meu cora$!o que est& doendo.K Rsso era novidade. KPor que seu cora$!o est& doendoLK KPorque seu pai est& apai-onado por outra mul erOK 2in a m!e e eu sempre tivemos inclina$!o para frases melodram&ticas cortantesM mesmo naquele momento desagrad&vel, eu tin a certa conscincia de que acabara de dar um passe para ela marcar um gola$o. =, enquanto solu$ava no banco de tr&s, pensava em meu 4ntimo que devia decorar aquele di&logo * eu #& sabia o valor de uma ist3ria capa( de arrancar l&grimas da platia. %oi tudo t!o emocionante e dram&tico que somente alguns dias mais tarde a e-istncia dessa Outra come$ou a me atormentar. '!o logo come$ou, porm, n!o parou mais. =u ol ava para as mul eres no s opping e na rua, indagando a mim mesma se alguma delas seria =la. Comecei a ficar cansada 1 toa. %iquei com ol eiras t!o profundas que os professores me dispensavam mais cedo +para ser sincera, talve( eu estivesse me aproveitando um pouco de min a veia istri6nica eredit&ria,. =, quando min a m!e me pediu * por favor, por favor, por favor * para eu n!o contar nada a Eeat cliff, prometi que n!o contaria. Por que sair por a4 espal ando esse tipo de sofrimentoL @em, aparentemente a promessa vingou porque, quando enfim a quebrei naquela noite, depois das alcac ofras e dos omeletes com tomate * dei-ando escapar, como que por vingan$a, que quando Eeat cliff estava na primeira srie seu pai avia dormido com outra mul er e que mesmo assim ele e mam!e continuaram #untos, n!o porque fossem Kdo tipo feito pra casarK, mas porque aviam se empen ado muito e porque seu amor era maior que as m&goas que tin am infligido um ao outro *, comecei a tremer, e um caro$o de medo * pequeno, porm mais pesado que ferro * amea$ou fec ar por completo min a garganta, como se meu corpo ac asse que sufocar at a morte seria um destino mel or do que revelar um segredo. O que eu esperavaL Que no momento em que rompesse meu silncio Eeat cliff voltaria a ser o meninin o de 9 anos que eu tin a de proteger, encol ido em seu pi#ama #unto 1 mesin a de centro verde*garrafa dos meus pais, com os cabelos bril antes ainda Gmidos do ban o, o rosto se desfa(endo em l&grimasL @om, n!o foi o que aconteceu. Eeat cliff se limitou a colocar mais um peda$o de omelete no prato. K"!o sabia dissoK, disse ele. =spetou com o garfo o Gltimo pedacin o de ovo, esfregando*o no prato a fim de absorver o que restava de mol o. K2as fa( todo sentido, n!o L = terminou tudo bem, ent!o n!o deve ter tido importQncia.K = arrotou. KFempre ac ei uma idia esquisita #antar omelete, mas estava muito bom.K = pronto. =u quebrara uma promessa, n!o fora capa( de guardar aquele que talve( fosse o Gnico verdadeiro segredo que algum avia me confiado na vida. = o c !o n!o se abriu para me engolir. "o fim das contas, n!o ouve nada de mais. "!o sabia se devia sentir al4vio ou decep$!o.
=m MtAoFC, & um cap4tulo inteiro dedicado ao preparo de ovos. 2as, enquanto eu ia avan$ando pelas receitas ali contidas, comecei a arder de curiosidade em rela$!o a algo que o livro n!o mencionaH o primeiro ovo de 5ulia. Ora, claro que ela n!o nasceu sabendo sacudir alegremente uma frigideira para fa(er omeletes perfeitos, certoL S 3bvio que at a formid&vel 5C precisou de um pouco de treino. =nt!o como foi o primeiro ovo delaL 'er& sido um ovo me-ido * uma escol a tradicionalL Ou um ovo co(ido para segurar a fome at a ora do farto #antarL Ou ter& sido s3 mais tarde que ela, #& mo$a e com vergon a de revelar sua condi$!o de principiante, arriscou*se a fa(er uma dG(ia de ovos 1enedict, tendo de #ogar fora meia dG(ia deles quando as amigas que moravam com ela naquele que foi seu primeiro apartamento em "ova /or0 n!o estavam ol andoL Ou ser& que ela s3 dominou a tcnica dos ovos depois de casadaL 5ulia se casou tarde, aos :< anosM talve( ela pr3pria ten a c egado a se perguntar se era do tipo feito para casar. "aquela noite, enquanto =ric lavava a lou$a, Eeat cliff cavoucava com uma col er um pote de sorvete @en C 5errJ e eu me recuperava do c oque que fora descobrir que a revela$!o de um segredo guardado por tantos anos n!o significava nada, comecei a imaginar se isso seria poss4vel. Por alguma ra(!o, parecia*me reconfortante pensar que 5ulia fi(era seu primeiro ovo no apartamento(in o parisiense em que morou com Paul, enquanto girava dentro de seu casulo, prestes a metamorfosear*se na nova 5ulia, a 5ulia que ela estava destinada a ser.
)ia >D, Receita <: Z )ia AD, Receita 8< #esastre$%antar para convidados& 'antar para convidados$desastre( )m !studo sobre a #ualidade =m 7b de #aneiro de 799?, um #ovem funcion&rio pGblico londrino come$ou a escrever um di&rio. =screveu sobre sua ida 1 igre#a * onde o pastor falou qualquer coisa a respeito de circuncis!o * e sobre o almo$o ap3s o serm!o. 2encionou tambm que sua mul er avia queimado a m!o ao requentar algumas sobras de peru. .o longo dos nove anos seguintes, esse su#eito escreveu todo santo dia. 'estemun ou o Xrande Rncndio de Londres e algumas carnes assadas que passaram do ponto, para sua decep$!o. .ssistiu a centenas de pe$as teatrais, #urou que iria parar de beber e depois mudou de idia. Comeu muito * n!o obstante a situa$!o prec&ria em que o pa4s se encontrava, um barril de ostras era sempre apreciado *, trabal ou muito e bolinou todas as mo$as que l e deram liberdade para isso. = escreveu sobre todas essas coisas * com onestidade e autocomplacncia. )e ve( em quando divertido, com frequncia incrivelmente enfadon o, 1s ve(es c eio de vida Y ele era o Fid Vicious dos escritores de di&rio do sculo [VRR. =nt!o, em :7 de maio de 7998, simplesmente parou de escrever. E& blogueiros que se arriscariam a di(er que Famuel PepJs foi uma especie de protoblogueiro, mas, como n!o somos uma turma l& muito comedida, mel or n!o nos dar ouvidos. S verdade que PepJs registrou de modo obsessivo os altos e bai-os de seus esfor$os decorativos, assim como a ocasi!o em que se masturbou no barco*t&-i. S tambm verdade que ele escrevia de pi#ama. Porm, embora ten a preservado com cuidado seus di&rios * v&rios volumes deles *, nunca os mostrou a ningum. Eo#e, quando escrevemos blogs sobre nossas dificuldades para emagrecer, nossos trabal os de tric6 e nossas opiniNes sobre o Q5 do presidente, partimos do alegre pressuposto de que outras pessoas ac ar!o isso interessante * muito embora saibamos que & um su#eito em algum ponto de @agd& e uma secret&ria de um senador em Ias ington que paga para ir para a cama com assessores republicanos que tambm tm blogs e que, em compara$!o com os deles, os nossos devem parecer terrivelmente ma$antes. Eo#e em dia, com um laptop de segunda com acesso 1 internet, qualquer um pode proferir seu uivo primal sobre os tel ados do mundo. O surpreendente porm que, para cada indiv4duo que tem algo a di(er, parece aver ao menos um pun ado de pessoas interessadas em ouvir. = algumas delas nem s!o seus parentes. O que eu ac o que Fam PepJs registrou todos os detal es de sua vida ao longo de nove anos porque o pr3prio ato de registr&*los os tornava importantes ou, no m4nimo, singulares. Fupervisionar o trabal o dos pintores nos aposentos superiores de sua casa era bem entediante, mas escre%er sobre isso fa(ia com que supervisionar o trabal o dos pintores nos aposentos superiores de sua casa ao menos parecesse interessante. .mea$ar trucidar o cac orro da mul er por ele ter mi#ado no tapete novo talve( o ten a feito sentir*se meio tolo e ran eta, mas, quando se escreve sobre isso, a coisa gan a o aspecto de uma divertid4ssima anedota domstica para a posteridade. Rmaginem se PepJs ouvesse, por e-emplo, mandado imprimir um panfleto an6nimo, o qual, em seguida, fosse distribu4do pelas ruas de Londres. Fer& que ele n!o se divertiria ao escutar algum numa taberna, recontando, para riso geral, a ist3ria que ele pr3prio escrevera sobre a ocasi!o em que o spaniel do rei cagou na barca realL Fentimos uma palpita$!o perigosa, confessional, ao revelar ao mundo os detal es fascinantes de nossas vidas e mentes, e a internet torna isso muito mais r&pido,
assombroso e e-citante. 2as indago a mim mesmaH ser& que ainda ter4amos os relatos sobre as bron as de Fam, os registros de seus desentendimentos con#ugais, se ele tivesse um blog em ve( de um di&rioL ;ma coisa voc escrever sobre os desli(es se-uais e sociais que comete a fim de satisfa(er seus impulsos masoquistas mais rec6nditos, mas compartil &*los com o mundo inteiroL E& limite para tudo, n!o mesmoL =u queria preparar um creme b&varo de laran#a para Eeat cliff antes de ele ir embora. =le adora laran#a. 2as min a disfun$!o gelatinosa mutante me fa(ia esitar. .t ent!o, em meu avan$o pelo cap4tulo das sobremesas, eu transformara um Creme ,rMl-e em sopa e preparara Plom1i?res, que variavam de macias porm desagregadas a s3lidas porm granulosas. O creme b&varo, ao contr&rio das Plom1i?res, levava gelatina. "!o sabia se isso era um bom ou mau press&gio. . perspectiva de servir uma sobremesa gorada a meu irm!o * aquele su#eito que, sem o menor esfor$o, improvisava sorveteiras com latas vel as * me pun a num estado de nervos terr4vel. "a man ! do Gltimo s&bado que Eeat cliff passaria conosco, fui acordada pelos gemidos de =ric e adivin ei de imediato que ter4amos pela frente mais um de seus dias de @lanc e. 'odo mundo possui alguns genes abomin&veis * =ric tin a um que de tempos em tempos o fa(ia passar o dia inteiro vomitando e, entre um acesso de n&useas e outro, obrigava*o a permanecer na cama, com o bra$o sobre os ol os, padecendo de uma dor de cabe$a insuport&vel. Fei que n!o muito bonito di(er isso, mas eu n!o tin a a menor pacincia com os dias de @lanc e do meu marido, visto que ele se recusava a procurar um mdico, alegando que o problema era o Kest6mago dos PoPellK ou Ko e-cesso de vodcas*t6nicasK. =m seus dias de @lanc e, alm de gemer e vomitar muito, =ric tambm suava e c eirava mal * n!o era nada agrad&vel ficar perto dele. Fe um dia eu c egar 1 conclus!o de que n!o sou do tipo feito para casar, aposto que ser& num dos dias de @lanc e do meu marido. Levantei cedo, com a esperan$a de abafar o primeiro ru4do de v6mito com o notici&rio do r&dio e o borbul ar da cafeteira. FallJ ligou 1s oito em ponto. K. , meu )eus. 'irei voc da camaLK K"!o, eu #& tin a levantado.K KFrioL Pu-a, nem acredito que acordei t!o cedoO "!o ten o dormido direito ultimamente.K K'udo bem. =u estava lendo o #ornal. = a4LK K%alei com o @oris.K K@orisLK KSO O croata do carreto.K K2as o cara n!o tc ecoLK K"!o, eu me enganei, croata. =nfim, dei-a pra l&. O caso que ele e o irm!o vm pra "ova /or0 o#e. V!o sair de Providence 1s nove. .c o que l& pelo meio*dia e meia estar!o no Queens. Fer& que podemos passar a4 e pegar o sof&LK KRum, claro. Vou sair para fa(er umas compras, mas ac o que consigo voltar antes disso.K K'em certe(a de que n!o vai ser muita amola$!oLK K"!o. Quer di(er, ten o.K K=nt!o t& * ve#o voc ao meio*dia e meia.K Quando pus o fone no ganc o, os v6mitos aviam come$ado, bem na ora em que eu previra que come$ariam. %ui dar uma espiada no meio*ban eiroH =ric estava sentado no c !o, os #oel os fle-ionados entre os bra$os, a cabe$a e os ombros curvados. K. FallJ vem buscar o sof& o#e.K KFrioLK
KS. L& pelo meio*dia e meia.K K. , tudo bem.K Eavia um tom pouco resoluto em sua vo( * ao meio*dia e meia eu n!o o veria sentado no c !o do meio*ban eiro, vomitando aquela bile verde no#enta, ele #urava por )eus que n!o, de )eito nenhum. 5& tin a ouvido isso antes * =ric rivali(a com o mel or de Vivien Leig em seus dias de @lanc e. =ra puro #ogo de cena. KPreciso comprar umas coisas no Iestern @eef. 5& vou indo, assim volto a tempo.K KVai com o @roncoLK KS, n!o tem #eito.K K'ome cuidado.K +)epois do desastre do dia da mudan$a, o @ronco voltara 1 ativa com um alternador novo, mas, ao sair da oficina, pude ver pelo Gnico retrovisor que ainda restava no #ipe que o mecQnico ol ava para mim com uma e-press!o alarmadaM e o breque assustava de t!o macio., O mel or do Iestern @eef da FteinPaJ Ftreet seu nome, mas & outras coisas boas tambm. Por e-emplo, as m&quinas coletoras de li-o recicl&vel, que podem vir a cal ar caso um dia desses eu perca a cabe$a e fale umas poucas e boas para um burocrata republicano do mal, se#a demitida e ten a de come$ar a catar latas para sobreviver. .s verduras e os legumes s!o bastante ra(o&veis, e & uma bi(arra e fascinante se$!o de ervas cariben as * incluindo um tro$o rosado, sumarento, com cara de alga marin a, num saco de celofane com a etiqueta KVirilidadeK Y alm de v&rios corredores de congelados. "!o & capas de c uva legais como as que ouvi di(er que andam distribuindo no %airPaJ do ;pper Iest Fide, mas uma dG(ia e meia de ovos custa menos de dois d3lares, o creme de leite vendido em galNes de cinco litros e & prateleiras e mais prateleiras de todos os tipos de carne de segunda que se possa imaginar. += eu pretendia fa(er Pot0au0feu para o #antar, de modo que precisava de muita carne de segunda., O que n!o tin a no Iestern @eef eram os cubos de a$Gcar necess&rios para o creme b&varo. +.posto que era muito mais f&cil encontrar cubos de a$Gcar em 7897. .gora, obviamente, o a$Gcar vem em en%elopes, para n!o falar nos desagrad&veis pacotes de a$Gcar de confeiteiro, que sempre me fa(em lembrar daquela cena em Como Eliminar seu Chif- em que a LilJ 'omlin ac a que sem querer envenenou o )abneJ Coleman. .li&s, ta4 um filme capa( de dar algumas ideias para uma secret&ria de reparti$!o pGblica. 2as isso n!o vem ao caso agora. O fato que uma pena essa ist3ria dos cubos de a$Gcar. =les tm uma integridade branca t!o pura * nas vsperas de "atal, quando ramos crian$as, eu e Eeat cliff sempre dei-&vamos alguns para as renas, ao lado do prato de biscoitos do Papai "oel, empil ados na mesin a de centro da sala, feito um iglu(in o de cristal. = agoraL .s crian$as dei-am nove envelopes de ado$ante para as renasL, "o _eJ %ood da :9t Ftreet, em .storia, tambm n!o avia cubos de a$Gcar, embora eu ten a aproveitado para pegar as beterrabas e batatas da !alade = ia d'Argenson que eu me esquecera de comprar no Iestern @eef porque anotara esses itens no Gltimo minuto, no verso de min a lista de compras. =nt!o tentei o Pat mar0. "unca tin a ido at l&, e uma coisa eu digoH n!o volto mais. "!o & nada de que eu precise em taman a quantidade. .s portas de correr do Pat mar0 abrem*se para um &trio amplo, branco, va(io, sem nen um sinal de vida ou de gneros aliment4cios. 'ive a sensa$!o de que a qualquer momento surgiria um comandante ariano para me indicar o camin oH K a, ven a, pegue um carrin o e siga em frente. . sen ora encontrar& tudo de que precisa a4 dentroK. 2as o &trio n!o dava numa cQmara de g&s, e sim num supermercado todo branco e relu(ente, do taman o de um est&dio, onde, pelo pre$o do orror e-istencial de ver algumas fam4lias enc endo dois carrin os com RC Cola e salgadin os de quei#o
genricos ou um vel o solit&rio comprando trs dG(ias de macarr!o instantQneo e quatro litros de suco de laran#a, encontrei meus cubos de a$Gcar. .inda bem que o @ronco estava funcionando. )epois de todo aquele priplo, bastou eu ter de me espremer para contornar o sof& com as compras e lev&*las escada acima para que o mau umor e o sentimento de estar sendo e-plorada se instalassem * se eu tivesse sido obrigada a voltar a p para casa, carregando aquele monte de sacolas, provavelmente teria ido direto para o quarto dar com uma paleta de porco na cabe$a do =ric. =ric que, como eu#& imaginava, continuava largado na cama. KPrecisa de a#uda, amorLK, gemeu ele, enquanto eu me esbaforia subindo a escada com min as sacolas de carne. K. , cale a boca e durma.K K'& bom. Vou levantar logo, prometo.K KFei.K . camin o de casa, ao pensar na salada de beterraba com batata, eu sentira uma afli$!o sGbita, que por sua ve( causara uma leve transpira$!o em min as a-ilas e me dei-ara ainda mais irritadi$a do que de costume. )epois de guardar as carnes na geladeira, fui correndo consultar meu MtAoFC, e era como eu temiaH as batatas e as beterrabas precisavam descansar #untas por Kno m4nimo do(e oras, de preferncia D>K. O creme b&varo precisava ser reservado por um per4odo de Ktrs a quatro oras ou uma noiteK. = eu devia come$ar a preparar o Pot0au0feu Kcinco oras antes de servi*loK, =ram lO :? da man ! e eu #& estava atrasada. "!o que isso se#a um fen6meno raro, mas sempre que acontece me dei-a uma arara. Quando #ovem, Fam PepJs costumava oferecer #antares em sua casa Y ele gostava tanto de comer quanto de impressionar os outros, de modo que levava #eito para a coisa. 2as claro que n!o co(in ava * tin a uma mul er e uma criada para isso, ou podia simplesmente ir at a esquina buscar uma torta de carne, um barril de ostras ou qualquer coisa assim. .lm do mais, n!o avia por que fa(er muita onda com comida na Rnglaterra da Restaura$!o. . vida envolvia tantos riscos * a peste, a e-tra$!o de pedras na ves4cula sem anestesia, os eventuais regic4dios * que a culin&ria n!o ocupava lugar de muito destaque entre as preocupa$Nes das pessoas. Fam n!o precisava se afligir com dietas de carboidrato (ero nem com os problemas card4acos de seu pai nem com o fato de seu vi(in o ter se tornado um vegetariano radical. Os frangos n!o eram criados 1 base de antibi3ticos. "!o avia doen$a da vaca louca. =le tampouco se atormentava com a carga simb3lica dos pratos * KFer& que esses camarNes com quei#o aborrecer!o o ministro da 2arin aLK Ou ent!o, quando se torturava com essas coisas, n!o escrevia sobre elasM e Fam era um omem capa( de escrever at sobre o tes!o que sentia pelas a#udantes de co(in a. @om, se Fam escrevia sobre tes!o, ac o que relatar um ou dois #antares desastrosos o m4nimo que posso fa(er. O que aconteceu foi o seguinteH recebi uma liga$!o de um #ornalista do Christian !cience Monitor, imaginem s3, que avia tido a idia absolutamente insana de me fa(er preparar um ,oeuf ,ourguignon para a editora de MtAoFC. "!o vou mentir * claro que, ao criar o blog, eu tin a devaneios sobre alcan$ar fama e fortuna improv&veis. .final de contas, eu avia armado a min a barraquin a e estava l&, improvisando frases espirituosas sobre culin&ria na internet como se aquilo fosse a drugstore Fc Pab e eu, uma candidata a pinup. =ntretanto, como todos descobrimos por volta dos 77 anos de idade, para nosso desconsolo, essas coisas n!o acontecem Y n!o mesmo. = de qualquer forma teria sido quase uma eresia imaginar a verdadeira 5ulia
C ild e min a empreitada pessoal no mesmo campo de possibilidades. Os blogueiros crist!os talve( acreditem que 5esus Cristo leia seus di&rios on*line, mas eu n!o tin a o descaramento nem de cogitar a ip3tese de que 5ulia, ou uma representante sua, lesse o meu. 2as eu iria receber 5udit 5ones para #antar em casa. Fim, 5udit 5ones, a Rluminada, a mul er que recon ecera o valor ist3rico de um livro de culin&ria francesa quando ele era apenas um manuscrito, a pessoa que apresentara #c ao mundo. =u n!o possuo a nature(a confiante de Famuel PepJs e 5ulia C ildM para mim, um #antar com 5udit 5ones * KS como a Virgem 2aria, s3 que mais bem vestida e com um escrit3rio de esquina no centro de 2an attanOK, eu disse em tom esgani$ado para meu marido at6nito * era algo que causava muita isteria. .lm disso, avia a quest!o do blog. O vel o Fam podia escrever o que bem entendesse porque aquilo n!o seria lido por ningum. 2as eu tin a um pGblico, por mais incorp3reo e minGsculo que fosse. "!o receava escrever coisas que me fi(essem parecer pattica ou incompetente, tampouco temia escrever algo que resultasse em processos #udiciais. 2as n!o queria dar a impress!o de ser, sabem como , %aidosa. Porque o fato que, fora o pavor, eu estava orgul osa pra caramba. .final de contas, Judith Jones aceitara um convite para vir #antar em min a casa. 'udo bem, eu sei, o convite fora do #ornalista do Christian !cience Monitor 0 mas que diferen$a fa(iaL %osse como fosse, eu n!o queria dar a impress!o de estar me vangloriando ou coisa assim. Por outro lado, n!o podia simplesmente omitir o #antar. =u iria preparar nada mais, nada menos que um ,oeuf ,ourguignon * o prato cl&ssico da co(in a francesa, o primeiro prato que 5ulia C ild preparara em seu programa de 'V, he French Chef. .s pessoas perceberiam se eu dei-asse isso passar em brancas nuvens. = eu tambm n!o queria parecer pudica. O pior, porm, era que falar sobre o #antar podia dar a(ar. =u estava numa ciber corda bamba e tanto, se querem saber. %ui apan ada de surpresa por uma violenta onda de interesse quando dei-ei escapar que .lgum Rmportante viria #antar em casa. .s mais disparatadas ip3teses lotaram min a cai-a de coment&rios * as pessoas imaginavam que 'a0es i _aga, protagonista de lron Cluf, "igella LaPson, a deusa da co(in a britQnica, )avid o*ator*com*quem*eu*mais* gostariade*ir*para*a*cama Ftrat airn e inclusive a pr3pria 5ulia C ild estariam dispostos a se deslocar at Long Rsland CitJ numa quarta*feira 1 noite para #antar comigo. = avia os que fa(iam suas con#ecturas num estado semi*religioso de apreens!o e-t&tica. KQ;=2 SLLLLLLK, escreveu C ris, que, por alguma ra(!o, eu #& imaginava como uma cinquentona do 2innesota, cabelos 1 escovin a e uma ligeira disfun$!o na tire3ide. KRsso est& 2= 2.'.")OO =; PR=CRFO F.@=ROOO CO"'., V.RO"cO .X;="'O 2.RFOOOK =ram estran amente estimulantes as e-pectativas grandiosas que aquelas pessoas manifestavam em rela$!o a meu #antar. =las pareciam ac ar que, com seu pro#eto sem p nem cabe$a, 5ulie PoPell era fascinante o suficiente para atrair os maiores luminares do reino das celebridades culin&rias e talve( at alguns astros de cinema menores 1 porcaria de seu apartamento(in o suburbano. )iabos, talve( fosse verdade. Por que meu ,oeuf ,ourguignon, a nonagsima quinta das <D> receitas que eu avia me desafiado a preparar em um ano, n!o podia ser fascinanteL "!o s3 podia, como era. Porque, ainda que 5ulia C ild n!o viesse #antar conosco, sua editora viria. = isso era s3 o come$o. =u ia ficar famosa. !uper famosa, anotem a4O . sorte que sempre & um desastre para esva(iar o bal!o da auto*estima quando ele come$a a inc ar demais. Comecei a preparar meu primeiro ,oeuf ,ourguignon por volta das D7 :?, na vspera do #antar. . primeira coisa que fi( foi cortar em tiras um peda$o grosso de bacon. Quando min a m!e preparou esse prato a fim de servi*lo na ceia de "atal de 78A>, em
.ustin, no 'e-as, usou bacon em fatias, #& que n!o tin a outra alternativa.K 2as na "ova /or0 de D??> n!o & desculpas * ainda mais quando a mul er que descobriu 5ulia C ild vem para #antar. )epois de cort&*las, pus as tiras para ferver na &gua por de( minutos, para que n!o dei-assem Ka comida toda com gosto de baconK. Pessoalmente, n!o ve#o problema nisso, mas n!o sou nen uma 5ulia C ild e, numa situa$!o t!o delicada como aquela, era mel or confiar 1s cegas na opini!o dela. )ourei alternadamente o bacon, a carne e os legumes, depois os coloquei numa panela e acrescentei vin o tinto at cobri*los, alm de uma col er de e-trato de tomate, um pouco de al o triturado e uma fol a de louro. )ei-ei no fogo at ferver, depois levei ao forno, a uma temperatura de 79?dC. %oi a4 que a coisa come$ou a desandar. Porque o ,oeuf ,ourguignon precisa ficar no forno de trs a quatro oras, e #& passava das de( da noite. .ssim, tomei a resolu$!o fat4dica * talve( fosse mel or ir direto ao ponto e di(er Ktr&gicaK * de tomar uma vodca* t6nica enquanto esperava. .p3s duas e meia * vodcas*t6nicas, n!o oras * tomei a resolu$!o fat4dicaZtr&gica nb DH colocar o despertador para l :? da madrugada e ent!o levantar, tirar o ensopado do forno e dei-&*lo esfriando em cima do fog!o at a man ! seguinte. =stiquei*me por cima de =ric, #& estatelado na cama devido 1 sua parcela de vodcas*t6nicas e 1 pi((a de )alapeiios com bacon da )ominoVs que t4n amos comido no #antar, e apan ei o despertador. =ra uma dessas engen ocas pro#etadas pela ".F. que a gente gan a de parentes distantes que n!o fa(em a menor idia do que nos dar de "atal. Fentei na beirada da cama para acertar o alarme do dito cu#o, mas n!o conseguia me entender com ele. =nquanto me-ia no aparel o, notei que, se me deitasse de bru$os, descansando a boc ec a no bumbum pelado do meu marido, teria um bom ponto de apoio para focali(ar mel or aqueles botNe(in os minGsculos e as letrin as quase ileg4veis que descreviam um mtodo um tanto barroco de colocar o despertador para tocar na ora dese#ada. 2as os botNes eram t!o, mas t!o pequenosO = o mtodo, to confusoO = eu tentei, tentei e tentei. Quando voltei a mim, #& eram quatro da man !. 2eu pesco$o do4a por ter ficado tanto tempo apoiado na bunda de =ric, e min as lentes de contato tin am grudado nos globos oculares. = o ,oeuf ,ourguignon, nem preciso di(er, estava esturricado. O lado bom de acordar 1s quatro da man ! no dia do #antar mais importante da sua vida e dar de cara com um ensopado de carne francs todo destru4do no forno que, definitivamente, o trabal o vai ter que esperar. .ssim que a situa$!o ficou clara, tomei a liberdade de dormir mais algumas oras antes de ligar para o escrit3rio e avisar que estava doente e ir ao mercado me reabastecer dos ingredientes necess&rios para um segundo ,oeuf ,ourguignon. = vou logo avisando que o meu segundo ,oeuf ,ourguignon ficou perfeito. Ts ve(es s3 uma quest!o de tentativa e erro, nada mais. )e modo que escrevi meu post do dia e preparei meu segundo ,oeuf ,ourguignon enquanto me recuperava do que, segundo avia dito a min a c efe, era uma virose estomacal, mas que na realidade era algo um pouco menos inocente que isso, e, gra$as a um milagre n!o muito pequeno, por volta das 7B :? o #antar estava pronto. =u come$ava a pensar em tomar um ban o * coisa que l& em casa a e-press!o mais acabada de confian$a anfitri! * quando o telefone tocou. "!o foi nem 5udit quem ligou. "!o c eguei a falar com ela * e aparentemente #amais falarei. K"!o sei como me desculparK, gemeu o #ornalista. =le estava arrasado. KPosso imaginar como voc son ava com isso. 2as ela se recusa a ir at o Queens com um tempo desses.K
Claro, como se tratava de um #ornalista freelance e #ovem, eu n!o era a Gnica a ter perdido uma oportunidade de ascens!o profissional. Por causa dele, banquei a valente. K@om, compreens4vel. .final, ela tem 8? anos, e est& nevando. %ica para a pr3-ima. 2as voc tem de vir assim mesmo. S muita comida, eu e meu marido n!o vamos dar conta.K K. , srioL Pu-a, eu adoraria... Feria 3timoOK Fou uma mo$a sulista de t!o bom cora$!o que s3 c orei de desconsolo quando entrei no ban o. .s ervil as naquela noite estavam uma del4cia, e o papo foi bom e variado. O ,ourguignon estava um arraso, de modo que, no fundo, quem saiu perdendo foi 5udit , n!o foiL Famuel PepJs tambm escreveu sobre um #antar seu que malogrouH K... e I. @oPJer veio #antar conoscoM porm demonstrou uma estran a avers!o pelas cebolas do mol o do cordeiro, mal conseguia ol ar para elas e, assim, teve que se contentar com um ou dois ovosK. Parece que os convidados sempre decepcionam. 2as, quando um deles torcia o nari( diante do mol o de PepJs, porventura algum descon ecido benvolo o consolava, di(endoH K2ande esse I. @oPJer 1 merdaOKL "!o, claro que n!o. Rsso, como eu soube no dia seguinte, depois de contar a meus leitores sobre a urucubaca do #antar, era uma vantagem que eu levava sobre Famuel PepJs. Coisa que fe( eu me sentir um pouco mel or. F3 espero que 5udit 5ones n!o se#a uma leitora de blogs. E& #antares arruinados pelos convidados e & #antares arruinados pelos anfitriNes, mas & tambm #antares em que todo mundo contribui para o desastre. =u temia que o Pot0 au0feu e o creme b&varo acabassem caindo nessa Gltima categoria. FallJ ligou de novo ao meio*dia. KVoc vai me matar.K KO que foiLK KFabe os croatas do carretoL V!o sair de Providence 1s nove da noite.> KOs caras do seu carreto v!o sair de R ode Rsland num s&bado 1s nove da noiteLK K=u falei pra voc... =les fumam crac0.K K2as ent!o quer di(er que vir!o buscar o sof& 1 meia*noite e meiaLK KFer& que tudo bemL =stou to c ateada com essa ist3ria.K K"!o, n!o tem problema. )o #eito que as coisas v!o por aqui,quando eles c egarem ainda estarei na co(in a.K K. , e por falar nisso, como anda esse seu lance de culin&ria francesaL Voc doida, sabiaLK K)oida, euC> . gargal ada de FallJ ressoou no telefone. K'udo bem, n!o est& mais aqui quem falou.K K= por que voc n!o vem e #anta com a genteL .ssim fica con ecendo o apartamento. =stou fa(endo comida demais para n3s trs.K KFeria 3timo. . , eiO =u podia levar um cara que con eci outro dia. V!o gostar dele. 'em cabelos vermel os, uma moto e se c ama * adivin aO * )avid.K K"!o brincaLO FallJ, esse neg3cio est& ficando sinistro demais, voc e os seus )avids.K KS, eu sei. = sabe o que maisL O cara um manJaco se;ual. S por causa dele que n!o ten o dormido ultimamente. =nt!o, voc ac a que tudo bemLK KClaro. Quanto mais gente, mel or.K KCombinado. Ts oito est& bomL Levo um vin oLK K`timo. =, se vocs se perderem, s3 ligar.K . &gua estava fervendo.
)espe#ei as batatas, dei-ei que co(in assem at ficarem moles, fervi as beterrabas enquanto descascava e cortava as batatas, descasquei e cortei as beterrabas em cubos, misturei tudo com um pouco de c alota picada, a(eite, vinagre, um pouco de sal, pimenta e mostarda. Pronto. =ra quase uma da tarde. Pus*me a esmagar os cubos de a$Gcar com um garfo. Coisa que, na realidade, dif4cil pacas. Quando voc pressiona o cubo, ele escapa e sai voando, e o garfo arran a o fundo da tigela com um ru4do orr4vel que dei-a voc toda arrepiada. "esse 4nterim, o telefone tocou de novo. KOi.K KOi. Como v!o os sabonetesLK K. , vendendo bem.K Eeat cliff 1s ve(es fala igual(in o ao nosso pai no telefone. K=scuta, ser& que posso levar o @rian pra #antar conoscoLK @rian era um vel o amigo de Eeat cliff * um dos mais antigos, con eciam*se desde a primeira srie *, um supergnio rec onc udo e sorridente que usava uns 3culos enormes idiotas. Lembram*se do "ate, o gnio do mal do 3rg!o pGblico em que eu trabal avaL @om, o @rian um "ate das for$as do bem. Eeat cliff avia me dito que ele estava em "ova /or0, fa(endo algum tipo de p3s*gradua$!o em matem&tica na Columbia ;niversitJ, mas fa(ia uma eternidade que eu n!o o via. KClaro. . FallJ tambm vem * quer nos apresentar o namorado novo.K KOutroL Pu-a, ela n!o perde tempo.K KPois .K 'entei detectar algum sinal de frustra$!o na vo( dele, mas necas. KCombinado. =staremos a4 por volta das sete ou oito. Quer que a gente leve alguma bebidaLK KS bom.K K=nt!o falou. .t mais.K Com os cubos de a$Gcar #& esmagados, passei a descascar e espremer as laran#as, amolecer a gelatina, separar a gema dos ovos * fa(endo e-atamente como a 2erJl Ftreep fa( em As .oras, passando*as de uma m!o para a outra, para c& e para l&, dei-ando a clara escorrer entre os dedos e cair numa vasil a em cima da pia. .lgo me di(ia que 5ulia tambm devia fa(er assim * como uma co(in eira de forno e fog!o. =u, ali&s, estava me sentindo a pr3pria co(in eira de forno e fog!o, calma e sen ora de mim, at c egar 1 parte do Kformar a cascataK. Parece um antigo eufemismo asi&tico para brincadeiras aqu&ticas maliciosas, mas era apenas o que eu devia fa(er com as gemas e o a$Gcar. )i( 5uliaH Kbata as gemas at que adquiram uma cor amarelo*clara e fiquem firmes o bastante para que, ao levantar a p& da batedeira, o creme caia devagar na vasil a, em cascataK. 2as Kn!o bata alm desse ponto, do contr&rio as gemas cristali(amK. Cristali(amL /ue horror. @ati, bati, bati, tentando adivin ar meio 1s cegas a consistncia certa, depois acrescentei um pouco de leite fervido, bati mais um pouco e despe#ei a mistura numa panela. =u devia aquec*la a B<dC. = n!o podia passar de B<dC, do contr&rio os ovos KcoagulariamK. W&eus me li%re.F ;sar o ol 6metro e alguns dedos ariscos para determinar a temperatura e-ata do leite quente uma cincia imprecisa, para di(er o m4nimo, mas fi( o mel or que pude. =nt!o tirei a panela do fogo e acrescentei o suco de laran#a com a gelatina. @ati as claras em neve e as acrescentei 1 mistura de gemas, suco de laran#a e gelatina, adicionando tambm um pouco de quirc e e rum * devia ser licor de laran#a, mas eu n!o tin a licor de laran#a, ent!o lembrei que na ora do aperto birita sempre birita. Levei 1 geladeira. =stava desconfiada de que aquilo n!o ia dar certo. "!o entendo muito de gelatina, mas entendo um pouco de pessoas molengas. =, se um ,aoarois = l'Grange fosse uma pessoa molenga, eu poderia indicar um mtodo infal4vel
para endurec*lo. @astaria obrig&*lo a tomar um ban o em nosso apartamento num dia frio. Ou, para ser mais e-ata, num dia frio em que ele precisasse lavar os cabelos. K.aa O Puta que pariuOK K5ulieL O que foiLK, murmurou =ric, ainda deitado na cama. K"!o tem &gua quenteOK KO quLK K"!o tem. ;ma. Xota. )e &gua. Q;="'=OK 'erminei o ban o c oramingando, corri para o quarto, os cabelos ainda com um pouco de espuma, e me esfreguei na toal a com for$a para me aquecer. Vesti um roup!o de flanela -adre( medon o que eu comprara para o =ric quando est&vamos na faculdade * poca em que eu ainda ac ava que flanela era uma coisa e-cntrica e sofisticada * e ent!o, tiritando de frio, voltei correndo para a co(in a, bati um pouco de creme de leite fresco gelado at obter uma consistncia firme, adicionei*o 1 mistura de ovos, leite e a$Gcar que estava na geladeira, despe#ei a gororoba numa forma de bolo @undt * a Gnica com um furo no meio que eu tin a * e tornei a colocar o tro$o na geladeira. 5& n!o me sentia t!o calma e sen ora de mim * talve( por isso eu ten a acrescentado o creme de leite cedo demais, antes de o restante do doce assentar mel or. .quilo n!o ia dar certo de #eito nen um. @om, pacincia. ;ma sopa doce de ve( em quando n!o fa( mal a ningum. =stava me preparando para come$ar o Pot0au0feu quando o telefone tocou de novo. KOi, 5ulie. Fou eu, a XPen.K +XPen sempre se identificava no telefone, como se n!o estivesse bem certa de que eu me lembraria dela., KOi, querida.K KO que voc vai fa(er o#e 1 noiteLK KComer um Pot0ou0feu com o Eeat cliff e o @rian, um amigo dele. . FallJ vm tambm * com o namorado novo. 5& o =ric est& num daqueles dias. "!o sei se vai conseguir se levantar.K K. FallJ #& arrumou outro namoradoL Caramba, como essa garota r&pidaOK KPois .K K'en o que pegar umas dicas com ela.K KVoc e eu, n3s duas.K K=stou precisando de um omem, cara.K Ke, eu sei. Quer vir #antar com a genteLK KClaro. Levo uma bebidaLK KRsso. L& pelas oitoLK K%eito.K )epois que desliguei e antes de come$ar a lidar com a carne do Pot0aufeu, fui ver o =ric, que continuava de bru$os na cama. K=st& mel orLK KEum* um.K )isse isso sem tirar o antebra$o da frente dos ol os. K'emos convidados pro #antar.K KS mesmoLK =le tentou parecer alegre com a not4cia. K. XPen, um amigo do Eeat cliff, o @rian, e a FallJ com o namorado novo.K K. FallJ #& arrumou outro namoradoLK K2arquei l& pelas oito. = os croatas do carreto vm pegar o sof& 1 meia*noite.K K2eia*noiteOK KPois .K K2as eles n!o vin am ao meio*diaLK K%oi um mal*entendido.K
KPensei que fossem tc ecos.K K. FallJ se enganou.K K=ntendi. Que oras s!o agoraLK K)uas.K K'&.K Com 4mpeto renovado, mesmo que ainda permanecesse completamente im3vel, =ric p6s*se a despac ar sua dor de cabe$a enquanto eu retomava 1 co(in a para come$ar o Pot0au0feu. Primeiro, a carne. Passei quase meia ora pele#ando para arrancar a pele grossa e c eia de poros da enorme paleta de porco que eu avia comprado, mas, quando por fim consegui, fui recompensada com um acess3rio cinematogr&fico bastante macabro. K=ric, ol a s3OK Parei no v!o da porta da co(in a, de modo que ele pudesse me ver do quarto. Fegurando a pele esmolambada do porco contra o peito, citeiH >Passa a loDo ou le%a outro )ato d':gua>. KRumL O quLK =ric n!o tirou os bra$os de cima dos ol os. K=ricO Ol aO Passa a loDo...> KO que issoLK K. pele de uma paleta de porco.K K"!o, isso que voc estava di(endo, sobre a lo$!oLK Fabem aquele desQnimo que a gente sente quando se d& conta de que est& falando com algum que parece ser de 5GpiterL 'a4 uma coisa que eu odeio. K=ric, voc n!o viu O !il?ncio dos *nocentesC Como podeLOK K. gente devia botar isso na "etfli-OVK 'in a sido o m&-imo de entusiasmo de que ele fora capa( ao longo de todo o dia. "!o que isso significasse muito. Cortei a paleta despelada em duas, embrul ei o peda$o com o osso para guardar no free(er e reservei o que ia para a panela, amarrando*o com um barbante at que n!o se parecesse tanto com algo dilacerado por c!es raivosos. =m seguida, usei uma tesoura de co(in a para cortar o frango ao meio. Peguei uma das metades e tambm a amarrei com barbante. +=u estava fa(endo meia receita, o que implicava certas tarefas de carni$aria um tanto esdrG-ulas., %rangos amarrados sempre lembram v4timas de crimes se-uaisH s!o p&lidos, fl&cidos e tm os membros atados. )escobri que isso vale em dobro para metades de frangos amarradas. . vantagem de um Pot0au0feu que, apesar de levar sculos para co(in ar, n!o & muito o que fa(er. .#eitei a carne toda na maior panela que eu tin a, salpiquei um pouco de caldo de galin a por cima e dei-ei ferver. 5ulia sugere * uma sugest!o t!o pouco t4pica dela, t!o melindrosa e enervante que parece mais coisa de dondoca * que voc amarre um barbante comprido em cada peda$o de carne e prenda a outra ponta no cabo da panela, de modo que possa verificar com facilidade o est&gio de co(imento de cada item. %oi assim que eu fi(, mas n!o gostei. Resolvi fa(er uma pausa para c ecar meu e*mail. =nquanto aguardava o fim daquela c iadeira medon a da cone-!o discada e o bipe com o aviso KVoc 'em "ovas 2ensagensK, lembrei que min a vida seria muito mais suport&vel se eu tivesse din eiro para instalar uma banda larga em casa. .ssim que entrei na internet, o telefone tocou, cortando a cone-!o. =ra FallJ. K.cabo de lembrar que voc n!o mora mais em @aJ Ridge. Como a gente fa( pra c egar a4LK Quando consegui reconectar, o telefone tocou de novo. =ra XPen. KOi. Como fa$o pra c egar ao seu apartamento novoLK
Quando terminei de e-plicar o camin o a ela, era ora de voltar 1 co(in a e acrescentar os legumes ao Pot0au0feuI cenouras, nabos, cebolas e al os*por3s. +=stes Gltimos, 5ulia queria que eu #untasse em ma$os e enrolasse com ga(e, mas isso n!o. =ra pedir muito., 2as, a O O creme b&varoO 'in a me esquecido de que devia me-er aquela porcaria de tempos em temposO Corri para a geladeira, mas era tarde demais. O creme b&varo tin a se solidificado, estava duro feito pedra. @om, pelo menos n!o tin a virado sopa, embora estivesse com um aspecto engra$ado, meio enrugado. KFacoOK, resmunguei. KO que foi, amorLK K"ada, sacoOK Como costuma acontecer em dias assim, entre lidar com a carne, c ecar o e*mail e ficar aflita com a sobremesa, quando dei por mim #& eram sete oras. =ric se levantou da cama e se arrastou at o c uveiro, saindo de l& com a aparncia revigorada de um omem que tin a alguma c ance de n!o morrer dentro de cinco minutos. Quando eu estava colocando algumas rodelas de lingui$a polonesa na panela do Pot0au0feu, Eeat cliff c egou com duas garrafas de vin o italiano e seu amigo, @rian. K@rianL . , meu )eus, @rianOK )ei*l e um abra$o apertado, mais para provar a mim mesma sua materialidade que qualquer outra coisa. S que @rian avia se tornado um .d6nis. ;m .d6nis que, alm de possuir uma vo( grossa e um corpo sarad4ssimo, era fera em teoria das cordas, um su#eito bril ante, falador, fabuloso * e gaJ. =u n!o o teria recon ecidoM isto , a n!o ser que ele sorrisse para mim. Quando sorria, @rian voltava a ser um menino de cinco anos. Feu sorriso vencia qualquer animosidade, dando a impress!o de que ele #amais seria infeli( enquanto vivesse. 'udo o que a maturidade avia feito fora in#etar uma dose de carisma se-ual na traquinice. ;m sorriso lindo, lindo. Os outros n!o tardariam a c egar. 2as, min a nossaO, eu tin a esquecido de fa(er a maionese para a salada de beterraba com batataO . transfigura$!o do creme b&varo em algo diferente de sopa provavelmente me dei-ara meio convencida, porque resolvi bater a maionese 1 m!o. "unca tin a feito maionese antes, mas em MtAoFC & nove receitas diferentesM portanto, estava na ora de come$ar a me aver com elas. =, afinal de contas, preparar maionese n!o podia ser muito dif4cil, certoL Eeat cliff, @rian e =ric me observavam enquanto eu batia algumas gemas e depois, tremendo, acrescentava o a(eite, usando para isso uma #arra medidora com bico. =u batia, batia e batia, sempre acrescentando, como instru4a 5C, uma gota de a(eite por ve( * isto , quase sempre. =ra dif4cil evitar eventuais tremores nervosos, dado o meu ist3rico com a elabora$!o de coisas gelatinosas. .ssim que obtive certo espessamento, despe#ei um pouco de &gua quente, que deveria funcionar como Kagente anticoagulanteK, e a maionese se liquefe(. @om, pelo menos o gosto era bom Y gosto de a(eite, principalmente. 2isturei a maionese com a beterraba e a batata * que a essa altura estavam violentamente rosadas. = a maionese tambm ficou violentamente rosada. FallJ, seu )avid e XPen c egaram #untos. XPen logo se p6s a preparar vodcas*t6nicas para todos, coisa que ela fa( com maestria, enquanto eu ia de c& para l& com pratos e garfos e tirava o Pot0au0feu do fogo. 'entei ser capric osa ao transferir o conteGdo da panela para uma travessa, reunindo um pouco de cada legume em cada um dos quatro cantos e amontoando as carnes no meio. 2as & certos pratos que n!o se deve tentar embele(ar, e co(ido um deles. 2eus esfor$os resultaram num amontoado medieval de carnes * a cerimoniosa separa$!o dos legumes s3 fa(ia real$ar a nature(a essencialmente b&rbara da comida.
"!o, co(idos n!o s!o feitos para ser contemplados, e sim comidos. )epois de nos servirmos, tudo tin a o aspecto, o c eiro e o sabor que devia ter. 'odos estamp&vamos rastros de co(ido no quei-o, coisa que contribui para dei-ar as pessoas 1 vontade. . salada de batata com beterraba de fato assumira um tom assustadoramente rosado. K'alve( n!o ten amos sido feitos para ingerir alimentos cor*de*rosaM enquanto espcie biol3gica, digoK, ponderou @rian ao servir*se com cautela de uma pequena col erada. K=stou sentindo um medo bem primitivo.K K2as e algod!o*doceLK, replicou XPen, que amontoava a salada no prato com mais desenvoltura. K'udo bem * ent!o o problema talve( se#am os alimentos cor*de*rosa Gmidos.K K= sorvete de morangoLK, sugeriu bravamente )avid, embora o rosto do novo namorado de FallJ tambm estivesse um pouco verde. K'&, alimentos cor*de*rosa, Gmidos e salgados.K Porm, depois de provarmos a salada, c egamos 1 conclus!o unQnime de que medos primitivos devem ser superados. K.s beterrabas s!o mesmo um legume prodigioso. Vocs n!o ac am que elas deviam ser detestadas por unanimidadeLK, indagou =ric, que estava ele pr3prio com um aspecto bem mais rosado e come$ava a servir*se de um segundo prato de salada. K'em ra(!o, como as couves*de*bru-elas.K K. , eu adoro couve*de*bru-elasOK K=u tambmOK KCerto, certo * mas isso n!o muda o fato de que elas de%iam nos dar no#o.K K=u comia beterrabas em conserva quando era bebK, disse eu. %a(ia anos que n!o me lembrava disso. K2in a m!e ac ava que eu era doida. )epois parei de comer, claro. .final, quem come beterrabas, certoL 2as, no fundo, n!o tem coisa mais bonita que uma beterraba. )epois de co(idas, descascadas e fatiadas, as beterrabas s!o lindas por dentro, marm3reas, pGrpuras. Quando a gente v por fora, n!o fa( idia, n!o mesmoLK 2ais tarde, quando #& av4amos bebido bastante e est&vamos no segundo ou terceiro prato, senti uma pontada no cora$!o ao ver meus amigos comendo, sentados em otomanas e cai-as de papel!o ao redor de nossa mesa numa porcaria de um apartamento(in o mal*iluminado em Long Rsland CitJ. .li estava FallJ, com seu novo namorado, um rapa( engra$ado, de uma bele(a melanc3lica, que n!o conseguia tirar as m!os do corpo dela. .li estava @rian, de bele(a t!o imprevista, sorrindo de orel a a orel a, enquanto e-plicava o que eram supercordas para =ric, o qual, por sua ve(, parecia nunca ter tido um dia de mal*estar na vida. .li estava Eeat cliff, que estaria com sua namorada no .ri(ona no dia seguinte e sabe*se l& onde dali a dois dias, mas que naquele momento flertava amistosamente com XPen, como fa(em os amigos que nunca ser!o mais que simples amigos, e ali estava XPen, afastando o prato com uma risada rouca e acendendo seu primeiro cigarro. KOl aK, disse ela, apontando o teto. K"!o tem alguma coisa raste#ando l& em cimaLK K. , s3 um dos gatos.K KQualL O CooperLK K=.K KQue louco.K )e repente me senti como uma ero4na de 5ane .usten +com a 3bvia diferen$a de que as ero4nas de 5ane .usten nunca co(in am,, meio confusa ao observar todas as pessoas que ama, uma infinidade de acasalamentos e desacasalamentos imprevis4veis. 'odavia, aquele romance austeniano n!o terminaria com casamentos nem com finais feli(es e tampouco teria um final propriamente dito. Feriam somente brincadeiras, ami(ades, amores e deliciosas declara$Nes de independncia. = me dei conta de que, ao menos
naquela noite, eu n!o estava muito interessada em saber se as pessoas eram ou n!o feitas para casar. Quem poderia di(erL "en um de n3s sabia ao certo nem que tipo de pessoa eraM mas, contanto que f6ssemos do tipo capa( de sentar*se em volta de uma mesa, comer com os amigos e passar uma noite maravil osa com eles, tudo bem. O que serve para mostrar, creio, que um #antar com amigos como tudo o maisH menos fr&gil do que imaginamos. O ,a%arois = *JGrange ficou, digamos, esquisito. Quando o desenformei, notei que aviam se formado duas camadas * a de cima mais clara, com consistncia de musse, e a de bai-o com um tom laran#a mais escuro e aspecto de gelatina. "o entanto, uma ve( fatiado e servido nos pratos, ficou muito bonito, como se min a inten$!o tivesse sido mesmo aquela. =m ve( de uma uni!o entre creme aerado e gelatina, eu produ(ira duas camadas distintas * interpreta$Nes idiossincr&ticas, porm complementares, do sabor laran#a. "!o era como 5ulia queria que fosse. 2as mesmo assim estava divino.
Maio de 234X +unming, China >8raDas a &eus, aqui a comida - melhor, - sL o que posso dizer.@ >,om, nisso %oc? tem razo. Eu amei nosso almoDo no domingo, %oc? noC> NEsta%a Ltimo.> Paul se acha%a sentado em seu 1eliche, tentando terminar uma carta para Charlie = luz de %elas, porque a energia ha%ia aca1ado de no%o. #o Ceilo ou na China, certas coisas aparentemente no muda%am nunca. Julia esta%a empoleirada na cadeira )unto = pequena escri%aninha de Paul, com uma de suas pernas compridas fle;ionada e apoiada no assento, 1e1ericando um copo de gim chin?s enquanto lia o e;emplar de 'r3pico de CQncer que Paul lhe emprestara. Ela soltou um suspiro profundo e espreguiDou. Paul tinha a impresso de que ao longo do 6ltimo ano, desde que ha%iam se conhecido, Julia ficara menos tagarela, tornara0se uma pessoa mais pensati%a. Era um prazer ficar com ela nessas noites tranquilas. !e 1em que, o1%iamente, sua risada ainda fosse capaz de arre1entar as )anelas. > em uma floresta de pintos aqui, heinC>, comentou ela. >T, acho que sim.> O acanhamento de Julia em relaDo ao se;o o incomoda%a um pouco, mas Paul )amais confessaria isso. &e qualquer forma, no era culpa delaK Julia era apenas ine;periente e imatura para a idade que tinha. >,om, eu estou pasma. /ue 1om que %oc? me emprestou.@ >Claro>, murmurou ele, distraJdo. Esta%a se digladiando com um trecho da carta. Charlie escre%era so1re algumas das no%as pre%isEes que ,artleman fizera a respeito da %ida amorosa do irmo, o tal futuro magnJfico que a qualquer momento cairia em seu colo. A )unDo de uma esperanDa quase doentia com um cinismo crescente cria%a tamanho zum1ido em sua ca1eDa que ele no conseguia pensar direito. >Paulski, quando %amos e;perimentar aquele restaurante que a Janie recomendouC Ela disse que se chama .o0 eh0Foo. Ai, que %ontade de comer um pato pequin?s agoraH> N/uem sa1e um domingo desses consigo tirar a tarde de folga.@ N!eria fant:stico. am1-m podJamos %isitar algum monast-rio, no achaC em feito uns dias to 1onitos.> Com um suspiro de satisfaDo, Julia retomou a leitura, de1ruDando0se so1re o li%ro para en;ergar as pala%ras na penum1ra. Com uma letra apressada, Paul escre%eu so1re a falta que sentia de amor. Anos mais tarde, tornaria a ler a carta e acrescentaria anotaDEes furiosas nas margens, lamentando tamanha o1tusidade, os anos desperdiDados em %irtude de sua incapacidade de %er o que esta%a ali, 1em na frente dele, lendo 'r3pico de CQncer. Mas por ora ele se limitou a lam1er a fai;a adesi%a do en%elope antes de fech:0lo e sel:0lo.
)ia 7?A, Receita 7<> A lei dos retornos decrescentes f Oi. S vocL g =u mesma. f =stou com um problema. g Voc com um problemaL Pois eu estou com um dos grandes na lin aO 'udo indicava que ia ser um dia daqueles. =ntre os formul&rios de compra, os republicanos e as liga$Nes de gente doida, eu come$ava a ac ar que o cerco ia se fec ar de ve( em torno do meu cub4culo, quando ouvi aquele bipe lindo de morrer e vi a #anela de conversa$!o se abrindo no meio da tela do meu computador. =ra XPen, que avia me apresentado ao universo das mensagens instantQneas. )eus a aben$oe. f O que ela est& falandoL g S um omem. =le quer construir um est&dio de futebol no Xround Wero. Com camarote especial para as fam4lias das v4timas. C ique, nL f "ossa. "ingum fa( idia do al4vio que representa, para algum que precisa atender um pGblico aporrin ante, poder fa(er coment&rios &cidos sobre o referido pGblico via Rnstant 2essenger. g 2as e a4L O que ouveL f Lembra que eu te falei de um tal de 2itc , l& do escrit3rio de Los .ngelesL XPen trabal a numa produtora de videoclipes e comerciais em 'ribeca. . primeira vista parece um emprego fant&stico e, em certa medida, mesmo. =la est& sempre indo a filmagens, con ece todas as bandas da moda antes mesmo de eu ter ouvido falar delas e certa ve( precisou c amar o 5immJ %allon de Kdbil mentalK na cara dele, o que deve ter sido muito bom. Por outro lado, tambm passa o dia inteiro atendendo telefonemas e saindo na c uva para ir at o Xarden of =den quando algum na produtora fica louco da vida porque o Gnico mol o de so#a que tem na geladeira >+ikkomanH Pelo amor de )eus, vocs est!o de sacanagem comigoLK O c efe dela neur3tico, viciado em p3 e enrustido, mas um su#eito bacana, embora ten a o &bito de fa(er coisas como debru$ar*se sobre XPen quando ela est& na mesa dela, morder seu ombro e depois di(erH K[iO Fer& que vou ser processado por assdio se-ualLK 2as n!o isso que a perturba. O que a perturba um su#eito c amado 2itc . g Claro. O que tem eleL f . coisa est& pegando fogo. =le vem pra c&. "uma, por assim di(er. Kviagem de neg3ciosK. g ;auO Que m&-imoO f Pois ... s3 que... g . , meu )eusL F3 que o quL f @om. =le mais vel o. 'em :<. XPen n!o estava tentando fa(er com que eu me sentisse uma vel a coroca. Claro que n!o. =la s3 tem D> anos. Ts ve(es como falar com uma meninin a que quer saber se
pode ficar com o troco da meia*entrada de idosa a que voc tem direito no cinema. 'en o de fa(er for$a para lev&*la na esportiva. g "!o c ega a ser um vel o moribundo... f S, eu sei. 2as tem outra coisa. g O quL O quLLOOO f @om, acontece que ele casado. 2eu )eus. F3 issoL .c o que XPen ac ava que a informa$!o cairia como uma bomba. 2as uma coisa engra$ada das mensagens instantQneas que elas minimi(am o significado de tudo o que dito, de modo que as informa$Nes se tornam a um s3 tempo tranquili(adoramente distantes e irresistivelmente melodram&ticas. .lm do mais, o cara era de Los .ngeles. = em Los .ngeles todo mundo dorme com todo mundo, n!o L Fempre pensei que o barato fosse esse, fora as piscinas e as estrelas de cinema. )e todo modo, eu n!o queria dar uma de insens4vel. XPen gostava para valer do cara. =stava decepcionada. g Que desgra$ado. Quando voc descobriuL f . , eu sempre soube. Ora, bolas. S isso o que eu gan o por tentar n!o ferir os delicados sentimentos da min a amiga. f 2as, se ele vier mesmo, vou ter de ir para a cama com ele, 5ulie. Voc vai me odiar se eu for para a cama com eleL g PqpO Por que eu odiaria vocLO f Por ser uma piran a adGlteraL )esde quando eu virei garota*propaganda da santidade do matrim6nioL F3 porque me casei antes de XPen tirar o t4tulo de eleitora, todas as min as amigas solteiras parecem ac ar que sou algum tipo de autoridade moral. "!o ten o nada a ver com esse lance de santidade. XPen devia estar cansada de saber disso. g Pare de falar besteira e dei-e que o cara se preocupe com o casamento dele. Fe ele casado e quer mandar mensagens obscenas para outra mul er, isso problema dele. =u sei, eu sei. Fou uma pssima amiga e uma traidora da institui$!o matrimonial. "!o & no mundo ningum menos indicado para escrever colunas de aconsel amento. = n!o ten o nada para apresentar em min a defesa, salvo a auto*an&lise profunda que fi( por quase um minuto inteiro antes de oferecer um consel o t!o temer&rio como esse. Rndaguei a mim mesma como eu reagiria se =ric recebesse recomenda$!o semel ante de um de seus amigos. =ra um pouco dif4cil vislumbrar isso, #& que eu n!o conseguia imaginar =ric +a, tentado a ser infiel, +b, ousando contar a algum que estava tentado a ser infiel, +c, tendo um amigo capa( de dar consel os desse tipo. 2as fi( o que pude. "!o senti nem sombra de angGstia. F3 uma pontin a de inve#a. Por que ningum mandava mensagens instantQneas obscenamente sugestivas para mimC f @om, provavelmente n!o vai acontecer nada mesmo.
Pois . .gora XPen ia sair com aquele cara e fa(er as maiores loucuras com ele na cama porque eu tin a dito que podia * e depois n!o me contaria nada porque ac ava que isso me dei-aria mal, eu, a vel a casada com sua vidin a se-ual de mul er casada. `timo. %ant&stico. Outra coisa que Fam talve( servisse em seus #antares, alm de ostras e cordeiro com mol o de cebola, Getif! en 8el-e, que s!o ovos poch-s em aspic. 'ecnicamente, se posso confiar nas palavras de 5ulia * e, em se tratando de aspic, creio que devo fa(*la *, aspic geralmente se refere ao prato acabado, ao passo que gel-e di( respeito 1 gelatina em que os ovos, ou o que for, s!o submergidos. "o caso dos Geufs en 8el-e, meu primeir4ssimo aspic, a gelatina da gel-e feita com pata de vitela * que e-atamente como imagino que Fam a faria. Ou teria mandado que fi(essem, mel or di(endo. "!o consigo visuali(ar Fam fa(endo uma gel-e de pata de vitela com as pr3prias m!os. =m primeiro lugar, fa(er uma gel-e de pata de vitela dei-a sua co(in a com c eiro de curtume. =m segundo, a pr3pria gel-e, e aqui confesso min e-perincia limitada, fica com gosto de curtume. O neg3cio assimH voc pNe para ferver num caldo de carne +caseiro, claro, um pouco de couro de toucin o salgado e as patas de vitela * tendo*as antes dei-ado de mol o, esfregado bem e feito de tudo para tentar torn&*las um pouco menos t3-icas * e dei-a co(in ando um bom tempo, at que as propriedades gelatinosas das patas, das peles e de todo o resto dissolvam*se no caldo, o qual, uma ve( resfriado, deve ent!o transformar*se numa gelatina bastante s3lida, capa( de conter um ovo poch- +ou f4gados de galin a ou peda$os de carne refogada ou o que quer que se#a, em seu ventre borrac udo. .c o que posso di(er sem medo de errar que ningum * nem eu, nem os leitores do blog e muito menos =ric * pensou nos ovos em aspic ao tomar a decis!o de embarcar nessa aventura culin&ria. .inda bem, porque at os mais valentes tremem diante de um ovo em aspicI .s cru(es que as fol as de estrag!o formavam sobre o centro alv4ssimo dos ovos poch-s eram como imagens em negativo das marcas feitas a gi( nas portas de residncias em quarentena. 2esmo assim avan$amos, =ric, XPen e eu, e com um simples toque de nossos garfos, partimos os Oeufs en 8eY-e. .c o que o aspic n!o estava t!o s3lido quanto deveria, porque esparramou*se em nossos pratos com uma voluptuosidade quase indecente Y como lingerie de seda, se lingerie de seda fosse uma coisa repulsiva. Quando os ovos +frios, remelentos, poch-s foram partidos, suas entran as inundaram os restos mortais do aspic. . consequente cena de carnificina n!o era, digamos, muito digna de figurar numa capa da revista Xourmet. . , e tin a um leve sabor de casco de boi. C ris foi a primeira a quei-ar*se desse post referente ao meu primeir4ssimo e at ent!o Gnico aspic. KFer& que voc n!o pode P;L.R os aspicsCHHH "!o sei se terei est6mago para outro post assimOOOK C ris tornara*se con ecida no Pro#eto 5ulieZ5ulia por sua propens!o 1 isteria. 2as, no tocante ao aspic, n!o era uma vo( isolada. Rsabel sugeriu que, em ve( de comer o aspic, eu o desenformasse e preservasse em poliuretano. RainJ)aJD refrescou min a mem3riaH KQuando 5ulia escreveu o livro, aspic era tudo de bom. =m #antares emperequitados sempre tin a alguma coisa mergul ada em aspic +na poca, qualquer coisa francesa, V1 la mode de sei l& o quV e c!e(in os poodle tambm eram da ora...,. Por que voc n!o desencana desse neg3cioLK
Ftevoleno apoiou a mo$!o, e ent!o os leitores do blog * eu estava come$ando a pensar neles como meus 1leaders' 0 foram quase unQnimes ao martelarH Por %avor, Aspic "!o. "!o que eu tivesse come$ado esse pro#eto em busca do Geuf en 8el-e perfeito. Longe disso. Para ser sincera, #& nem me lembrava muito bem de por que tinha come$ado. Quando pensava na vida .ntes do Pro#eto, lembrava de mim c orando em esta$Nes do metr6, de cub4culos, de consultas com mdicos e de uma coisa que despontava no ori(onte, uma coisa com um (ero no final. Recordava a sensa$!o de percorrer um corredor sem fim, repleto de portas trancadas. =nt!o eu girava uma ma$aneta que se desmanc ava na min a m!o, tudo ficava escuro e, quando eu dava por mim, o lugar avia se transformado numa co(in a relu(ente. =ra meia*noite, e eu estava rindo comigo mesma diante do fog!o, a pele toda grudenta de manteiga e suor. "!o tin a me tornado outra pessoa, n!o, eu continuava a mesma, s3 que agora abitava um universo alternativo, 5ulia*cntrico. "!o me lembrava do momento de transi$!o * imagino que atravessar ioormholes provoque efeitos curiosos na mem3ria da gente *, mas tin a certe(a de que estava num lugar diferente. O universo em que eu e-istira at ent!o fora sub#ugado sob a tirania da entropia. L& eu era apenas uma confedera$!o de &tomos em forma de secret&ria, lutando contra a inevitabilidade da mediocridade e do envel ecimento. Porm no 5uliaverso as leis da termodinQmica estavam de pernas para o ar. .li a energia #amais se perdia, apenas se convertia de uma forma em outra. .li eu pegava um pouco de manteiga, creme de leite, carne e ovos e preparava uma refei$!o deliciosa. .li eu pegava a raiva, o desespero e a irrita$!o que me afligiam e, com min a alquimia, transformava*os em esperan$a e obsess!o e-t&tica. .li eu pegava um laptop de segunda e algumas palavras que me vin am 1 cabe$a 1s sete da man ! e as transformava em algo que as pessoas dese#avam, algo de que talve( at precisassem. =u n!o era capa( de identificar a origem das for$as que atuavam sobre mim. "!o podia ser aquele desafio arbitr&rio que eu mesma me colocaraM eu nunca estivera 1 altura de desafio nen um na vida. Com certe(a n!o podia ser 5ulia C ild. ;m ano antes, 5ulia significava menos para mim do que o pr3prio )an .J0roJd, e isso n!o di(er pouco. S bem verdade que agora ela parecia ser a =strela Polar da min a e-istncia, mas o fato que nem mesmo 5ulia podia atuar como for$a motri( de todo um universo. Por um tempo, at o formid&vel 2andato Aspic, eu me contentara em trabal ar para suprir as necessidades dos meus 1leaders. =ra o que me bastava para atravessar os dias sem questionar as novas e peculiares circunstQncias em que me encontrava. S estran o como nos abituamos facilmente 1s coisas. 2as ent!o o veredicto "ada de Aspic foi pronunciado. Parados comigo 1 beira do vasto e sombrio pQntano de Aspic 0 nove receitas no total *, os 1leaders aviam me dado passe livre. K"um vai no pQntano, n!!!!!!ooo.K Rsso eles di(iam com a mel or das inten$Nes. 2as ainda assim eu estava tremendamente confusa. 2eus 1leaders ficariam do meu lado se eu desistisse dos aspicsK de fato, sua lealdade estava sendo posta 1 prova com rigor pela perspectiva de uma profus!o de posts sobre patas de vitela co(idas e o acondicionamento de v&rios gneros aliment4cios em gelatina fria. 2as eu sabia que tin a de prosseguir. =stava sendo implacavelmente empurrada para a frente, n!o por vontade pr3pria +quem tem %ontade de fa(er um aspicCF nem pelas pessoas que precisavam de mim +porque eu come$ava a sentir que, em tal universo alternativo e por motivos que por ora permaneciam obscuros, aqueles 1leaders eram pessoas que precisavam de mim,, mas sim por um outro tipo de inelut&vel for$a gravitacional, atuando sobre o ori(onte ou a partir do centro da 'erra. =stava assustada, mas n!o podia resistir.
Os Geufs en 8el-e que provocaram esse princ4pio de revolta entre os 1leaders e o meu subsequente tumulto e-istencial foram servidos como pseudo*aperitivo num #antar de .$!o de Xra$as que, gra$as a )eus, ficou muito mel or depois. Prepar&*los foi tarefa de v&rios dias * n!o tanto porque o tempo de prepara$!o se#a t!o demorado assim, mas sobretudo porque antes de cada etapa eu tin a de reunir novamente todas as min as for$as. Para come$ar, fi( a gel-e inicial, cu#o supracitado odor me e-pulsou da co(in a e me impediu de co(in ar o que quer que fosse por pelo menos D> oras. )epois tive de dei-ar esfriar, retirar a gordura e clarificar, procedimento esse que simplesmente infernal. Primeiro deve*se acrescentar claras de ovos batidas ao caldo de carne e me-er devagar em fogo bai-o, at come$ar a ferver e as claras ficarem brancas. =nt!o inclina* se a panela sobre a boca do fog!o, de modo que somente um dos lados do caldo borbul e de cada ve(. )e cinco em cinco minutos, a panela deve ser virada >< graus, at completar uma volta. )epois passa*se o caldo por um coador de pano, para que, di( a teoria, as claras fiquem retidas e, com elas, todos os demais fragmentos turvos e impuros. )& a impress!o de ser um mtodo que nosso amigo Fam seria capa( de e-perimentar caso se defrontasse com um e-cesso de c umbo 1 m!o e os cofres ligeiramente depauperados, mas o fato que deu certo. "o entanto, em troca dessa trabal eira insana eu esperava pelo menos obter algo que n!o c eirasse a carne processada. %iquei t!o puta que precisei comprar algumas roupas retr6 no e@aJ para esquecer. =m seguida, era preciso fa(er os ovos poch-s. .inda estou longe de ser uma especialista em ovos poch-s, e esses ovos n!o iam dormitar em mol o de quei#o * ficariam na frente de )eus e o mundo, tra#ando apenas uma cristalina cobertura de gelatina de pata de vitela, e tin am de ficar bonitos. Rsso tambm me tomou algum tempo. )epois avia a composi$!o dos Geufs en 8el-e propriamente ditos. .qui a quest!o de estratifica$!o. Para come$ar, despe#a*se uma fina camada da gel-e, previamente aquecida at ficar l4quida, em cada um dos quatro ramequins. Quer di(er, essa a idia. =u, por min a ve(, usei umas tigelin as que gan ei uma ve( no "atal * tigelas mise en place, se quiserem ser pedantes. Poderia ter usado meus verdadeiros ramequins, mas um dos quatro que eu possu4a fora sequestrado por =ric, que o usava para fa(er sua espuma de barbear * ele se barbeia 1 moda antiga, com creme e pincel de barbear, porque a 8/H disse que era assim que ele devia fa(er e, quando o assunto barba, =ric um servo fiel da XQM Fe bem que, na realidade, ultimamente quem anda fa(endo espuma no ramequin para depilar as pernas sou eu, porque =ric ficou importante demais para o creme de barbear de um d3lar e cinquenta das drogarias )uane Reade e passou a usar aqueles produtos c iqurrimos da _ie l. =nfim, depois que despe#ei a primeira camada nas tigelas, levei*as 1 geladeira para endurecer. =m seguida, pus uma panelin a de &gua para ferver e coloquei dentro dela algumas fol as de estrag!o, s3 por alguns segundos, antes de escorr*las, sec&*las e lev&*las tambm 1 geladeira. Quando a gelatina estava quase dura e as fol as de estrag!o, frias, arran#ei estas Gltimas em [ sobre cada tigela de gelatina. 2anusear as fol as de estrag!o Gmidas me dei-ou em tal estado de irrita$!o que, t!o logo terminei, precisei enfiar os ramequinsYtigelas mise en place na geladeira de novo, e assistir n!o apenas ao epis3dio em que [ander possu4do por um dem6nio como tambm 1quele em que Xiles volta a ser um adolescente escandalosamente se-J e vai para a cama com a m!e de @uffJ, s3 para me acalmar. "o dia de .$!o de Xra$as, levantei 1s seis para dar um fim naqueles escrotin os. Reaqueci o aspic e coloquei um ovo poch- frio em cima do - de estrag!o de cada ramequin resfriado. O lado menos bonito do ovo deve ficar virado para bai-o. "o caso dos meus ovos, isso era uma quest!o meramente especulativa. =m seguida, despe#ei
mais um pouco de aspic l4quido e levei os ovos 1 geladeira para seu Gltimo resfriamento. . essa altura, eram oito da man ! e, embora eu ainda tivesse todo o #antar de .$!o de Xra$as para preparar * ganso assado, repol o, cebolas, vagens, sufl *, estava at (on(a de t!o aliviada. O resto do dia seria um piquenique com sombrin as e vestidos de crepe branco, partidas de (hist e criadas para carregar as cestas, sim, um piquenique vitoriano em compara$!o com aqueles ovos pentel os. = de fato foi um passeio. @om, pelo menos tudo correu t!o bem quanto seria de esperar. @om, talve( n!o t!o bem, mas, mesmo com toda a Pepsi One e o preparo do meu primeiro aspic, 1s seis da tarde, quando XPen c egou, eu estava nas nuvens. %aminta, mas nas nuvens. XPen mais bondosa que bem*educada. .ssim, se por um lado teve o bom senso de s3 comer um pedacin o simb3lico, dei-ando bem claro que Geufs en 8el-e eram uma coisa que ela #amais tornaria a e-perimentar na vida, por outro tambm teve a delicade(a de di(erH K5ulie, n!o culpa sua * s3 a receitaK. . bondade em pessoa, essa XPen. =u bem que quis acreditar nela, mas, ao fa(er que sim, ouvi uma vo(in a familiar dentro da min a cabe$a, di(endo sarcasticamente, meio que cantarolando, que um aspic podia ser um prato tremendamente elegante, e fiquei morrendo de vergon a. O bom de come$ar um #antar de .$!o de Xra$as com Geufs en 8el-e que tudo o que vem em seguida parece, em termos comparativos, delicioso. )e modo que, depois de passarmos pelo ganso fantasticamente tostado e Gmido, pelas amei-as rec eadas com musse de f4gado de pato, pelo repol o com castan as, pelas vagens e pelas cebolas com creme, o aspic tin a sido quase esquecido, e nem nos c ateamos demais com o fato de que eu come$ara os preparativos para o #antar com a idia absolutamente insana de fa(er a sobremesa, um sufl de c ocolate, ap3s a refei$!o. O que mostra a que ponto uma mente perturbada capa( de se iludir. =nt!o, depois de dar o aspic para os gatos, que n!o reclamaram nem um pouco, fomos os trs para o sof&, a fim de assistir a Amor = /ueima0roupa, como fa(4amos todos os anos * uma tradi$!o iniciada no ano em que meu irm!o morou conosco em @aJ Ridge, quando resolvemos fa(er uma brincadeira et4lica com o filme e tomar um trago cada ve( que um personagem pronunciasse a palavra porra. +Rsso n!o fa( mais parte da tradi$!oM quem viu o filme sabe por qu., Fob o efeito do e-cesso de calorias e vin o, =ric pegou no sono com vinte minutos de filme, em meio ao estardal a$o da morte de XarJ Oldman, porm eu e XPen continuamos firmes at a n!o menos impressionante morte de 5ames Xandolfini, e ficamos t!o bbadas que XPen teve de passar a noite no sof& e comer Geufs en Cocotte na man ! seguinte para cortar a ressaca. Fe & no mundo dois tipos de amigas, as que nos inspiram tudo o que & de bom e elevado e as que preferem se agac ar ao nosso lado e a#udar com as tortas de lama, XPen pertence definitivamente 1 segunda categoria. Costumo di(er que ela a diabin a que levo no ombro. FallJ me encora#a a buscar min a grande(a interior, a amar a mim mesma e a tratar meu corpo como se fosse um templo. Quer que eu pare de beber tanto e v& fa(er terapia. Provavelmente eu devia passar mais tempo com ela. Contudo, num per4odo dif4cil como aquele, de aspic e c uvas glaciais, eu ansiava menos por aperfei$oamento, esperan$a e uma compan eira de gin&stica do que por mais uma garrafa de bebida, um ma$o de 2arlboro e algum que topasse comer mol os 1 base de manteiga e assistir a reprises na 'V comigo. Para min a sorte, ainda que possivelmente para a(ar de XPen, sou apenas uma secret&ria suburbana solit&ria que gosta de vodca e cigarros, e n!o, sei l&, uma stripper com inclina$Nes bisse-uais, ligeiramente viciada em coca4na * com tal potencial nas m!os, ten o certe(a de que XPen revelaria toda a sua voca$!o para ser uma espcie de corruptora s a0espeariana da inocncia.
"!o quero transmitir uma falsa impress!o. XPen n!o nen uma libertina irreprim4vel, %alstaff na pessoa de uma lourin a tremendamente a(eda e fashion +e digo isso na condi$!o de algum que possui reservas quase t!o inesgot&veis de a(edume,. O que ela , no fundo, uma pessoa male:%el. Fe estou a fim de beber muito, comer muito, assistir a quatro epis3dios de ,uff" e fumar at me sentir como um cin(eiro c eio no dia seguinte, bom, ent!o ela tambm est&, ora se n!o. Fe XPen fosse amiga insepar&vel de FallJ, as duas provavelmente se matriculariam em alguma p3s*gradua$!o e fariam ioga @i0ram #untas. 2as de mim que ela amiga insepar&vel. Obviamente, uma ve( a par do consel o bastante question&vel que dei a XPen no tocante ao tal 2itc , algum poderia argumentar que n!o est& muito claro quem m& influncia para quem. "esse caso, porm, n!o dou o bra$o a torcer, podem tirar o cavalin o da c uva. )e(embro c egou. Certo dia, eu estava anotando um compromisso para a @onnie no Outloo0 dela quando me dei conta de que, oficialmente, o Pro#eto #& ultrapassara um quarto da dura$!o prevista. = percebi que nem sabia quantas receitas tin a feito. Voltei correndo para casa naquela noite, a fim de contar as marquin as pretas que eu fa(ia ao lado de cada receita conforme ia avan$ando, como um rastro de migal as de p!o. +5unto com o verdadeiro rastro de migal as de p!o e outros alimentos que come$ara a se formar perto da lombada, grudando uma p&gina na outra., =ra o que eu temia. K=ric, n!o vai dar.K K"!o vai dar o quLK KComo Vn!o vai dar o quVL 2eu cronogramaO Qual o problema com vocLK =u estava debru$ada sobre o livro aberto em cima da il a da co(in a, com uma caneta na m!o, fa(endo contas e mais contas na margem da se$!o de esportes do imes. Os fils de salm!o, pelos quais eu pagara uma fortuna na mercearia turca perto do escrit3rio,#a(iam na bancada da pia, esperando para ser assados e embebidos em !auce = la Moutarde, que uma espcie de falso +5ulia usa a palavra Kvaria$!oK, mas vamos c amar as coisas pelo nome, certoL, mol o olands com um pouco de mostarda para dar mais gosto. 5unto ao pei-e, via*se um saco de end4vias um tanto murc as, que eu pretendia apenas refogar na manteiga. ;m menu n!o e-atamente dif4cil. "!o e-atamente Foies de Bolaille en Aspic, s3 para dar um e-emplo de como eu poderia levar min a vida de forma mais agressiva e cora#osa e, em termos gerais, me tornar uma pessoa mel or. "a sala, a 'V transmitia o #e(s.our. . pia continuava c eia de pratos su#os, mas =ric, sentado num dos bancos da co(in a, #ogava %reeCell com o laptop no colo. = como #ogava mal. KVou virar uma baleia por nada. Vou perder um ano inteiro da min a vidaO Puta que pariu. Puta que pariuO P;'. Q;= P.RR;OK .o longo dos anos, =ric desenvolveu como t&tica de defesa a escuta seletiva. 5& vi esse tipo de evolu$!o antes * meu pai tem a mesma abilidade. Os benef4cios s!o 3bviosH muito menos tempo perdido dando aten$!o a todo e qualquer faniquito istrico que a esposa resolve ter. 2in a resposta a isso foi dominar a tcnica da amplifica$!o progressiva, a qual tem se mostrado muito efica( contra as defesas de =ric. '!o logo se v impelido a reagir, =ric est& em grande desvantagem, #& que escutou muito pouco do meu palavr3rio e n!o tem como decidir e-atamente a qual parte deve responder a fim de desarmar seu conteGdo e-plosivo. .lm do mais, como foi ele que n!o prestou aten$!o em mim, fico numa posi$!o privilegiada em termos morais. Rsso que darPinismo, meus amigos. K"!o, n!o vai perder. "!o vou dei-ar.K
K=nt!o voc ac a que eu engordei mesmo. =stou t!o mal assimLK +ViramL, KO quL "!oO Voc vai conseguir. Quantas receitas #& fe(LK KCento e trinta e seis. Cento e trinta e oito depois de o#e 1 noite.K KViu s3L 5& passou de um quarto. Voc campe!OK K"!o, n!o, n!o. 'en o os aspics pela frente. 'en o que desossar um pato inteiro. Voc fa( idia do que desossar um pato, =ricL Claro que n!o. Feu crebro est& ocupado demais com o #e(s.our e o %reeCell para perder tempo com outra coisa s3 porque se trata de algo de suma importQncia para a sua mulher.> "ossa gata 2a-ine se aproveitou de min a distra$!o e, furtiva, veio sentar*se em cima do MtAoFC, que de pronto se inclinou sobre a borda da bancada, fa(endo com que ambos, gata rubenesca e livro, despencassem no c !o. Eumil ada e desgostosa, 2adeu no p. O livro ficou sem lombada. Quando por fim o apan ei e locali(ei a p&gina do !auce = ia Moutarde, =ric tambm #& dera o fora, levando seu i@oo0 consigo e dei-ando um &lito de c3lera ferida. )e uma ora para a outra, min a posi$!o moralmente privilegiada simplesmente se evaporara. =u n!o queria continuar com aquilo. O !almon = ia Moutarde com end4vias refogadas foi um desastreH por algum motivo as end4vias acentuaram o gosto de pei-e do salm!o, e este acentuou o gosto amargo daquelas. %a(ia mais de ms que eu e =ric n!o trep&vamos, e evidentemente n!o dar4amos fim 1 seca naquela noite. 2as eu n!o podia parar. Viver num universo em que as leis da termodinQmica est!o de pernas para o ar pode ser fant&stico por algum tempo, mas tambm pode dei-ar a pessoa sem freio nem dire$!o. )urante quase um ano, as rela$Nes entre XPen e 2itc tin am sido estritamente profissionais, resumindo*se a di&logos telef6nicos. %oi somente depois que ele a con eceu em pessoa, quando veio a "ova /or0 para a filmagem de um comercial, que o Rolo come$ou. XPen atendeu o interfone e abriu a porta do escrit3rio para ele naquela man !. KVoc deve ser a famosa XPen, certoLK, disse 2itc , sorrindo ao apro-imar*se a passos largos da mesa dela, descal$ando as luvas com o descaso de um matador profissional. KRum, pois n!oLK K.t que enfim nos con ecemos. =u sou o 2itc , do escrit3rio de Los .ngeles.K =le estendeu a m!o. . bem da verdade, 2itc n!o era um omem grande nem maravil oso, embora tivesse os cabelos pretos penteados com gel de um #eito muito c armoso e estivesse usando um sobretudo t!o c ique e suntuoso que XPen sentiu vontade de toc&*lo. ;m casaco e tanto para algum que vivia em Los .ngeles e, portanto, s3 podia us&*lo nas duas ve(es por ano que vin a a "ova /or0 durante o inverno. Quando XPen disseH KPu-aO OiO 2uito pra(erOK, sua vo( saiu num tom mais alto * e mais estridente Y do que o dese#ado. KO P il me disse que voc parecia uma Rene WellPeger mais #ovem.K XPen * que nutre por Rene WellPeger uma avers!o arraigada que eu nunca entendi direito e que #& tin a ouvido isso muitas ve(es de P il, o mordedor* de*ombros * limitou*se a fa(er uma careta. 2itc prosseguiuH KO P il uma besta. Voc a cara da 2aggie XJllen aal, sem tirar nem p6rK. K. , p&ra com isso.K XPen estava come$ando a ficar vermel a. K=scuta, eu n!o saio por a4 di(endo 1s mul eres que elas se parecem com estrelas de cinema. =stou falando srio * #& trabal ei com a 2aggie. Voc podia ser irm! gmea dela.K 2itc debru$ou*se sobre a mesa da recep$!o para e-amin&*la mel or. KS a 2aggie escarrada, s3 que miudin a, uma fadin a.K
XPen sabia que estava sorrindo de orel a a orel a feito uma idiota, mas n!o sabia como parar. K@om, tambm n!o d& pra esperar que o P il entenda muito de mul er, n!o mesmoLK Feus grandes ol os pretos sorriam para XPen e, na sala acan ada, 2itc parecia ocupar mais espa$o do que #ustificavam suas dimensNes apequenadas. K=, por falar no cara, ele est& aquiLK Rnstantes depois, quando os dois sa4ram da sala de P il rumo ao set de filmagem, 2itc ainda acenou e piscou para XPen. %oi mais ou menos a isso que o delicioso flerte se resumiu. .pesar de ter sentido uma fuga( e irritante atra$!o do tipo @ridget KObsessivaK 5ones por 2itc , XPen n!o deu muita importQncia 1 coisa. .t que, trs dias depois, recebeu a primeira mensagem instantQnea. f @om, min a mini*2aggie, n!o pude levar voc a um bar para embriag&*la e con ec* la mel or. ;m erro que n!o pretendo repetir em min a pr3-ima visita a "ova /or0. XPen n!o tin a a menor c ance. rI .t onde sei, o se-o por telefone sempre foi uma atividade marginal, cultivada por uma parcela relativamente pequena e espec4fica da popula$!o, composta em geral de pessoas solit&rias e infeli(es. Contudo, o nascimento da internet outorgou os pra(eres do se-o sem contato f4sico a toda a patulia. .gora poss4vel encontrar, com apenas um dique, de(enas e de(enas de sites dedicados 1 no$!o de que #ovens bacanas, de qualquer se-o ou credo, optam pelo ciberse-o n!o por necessidade, mas por ser uma das v&rias formas de satisfa$!o que eles tm 1 disposi$!o nesse mundo cada ve( mais vasto. Ora, n!o sou soci3loga, portanto me perdoem se eu estiver di(endo besteira, mas meu palpite que, entre esses modern4ssimos consumidores do pra(er, o se-o por telefone continua n!o aparecendo com muita frequncia no menu de op$Nes. = ac o que & uma ra(!o muito simples para issoH a palavra escrita se-J. =u e =ric provavelmente estamos #untos at o#e por causa do erotismo da prosa. Quando mor&vamos em estados diferentes, na poca da faculdade, tambm troc&vamos nossos telefonemas sussurrados 1s duas da man !, claro. 2as eram as cartas que mantin am o fogo aceso. O processo todo era t!o torturante * apan ar o envelope na cai-a do correio, carreg&*lo o dia inteiro fec ado na moc ila at ficar so(in a 1 noite na cama e poder me debru$ar sobre a carta, decifrando a letra dif4cil e as furiosas rasuras para, em seguida, escrever apressadamente uma resposta e depois fcar roendo as un as de ansiedade enquanto a carta seguinte n!o c egava * que passei meu ano de caloura completamente atordoada. Por milagre n!o levei bomba no primeiro semestre. Portanto, sei muito bem pelo que XPen estava passando quando ela e 2itc deram in4cio a seu agoni(ante troca*troca via 2essenger. Quem #& vivenciou isso * e acredito que para que algum que se#a solteiro, trabal e num escrit3rio e ten a, digamos, menos de >? anos, quase imposs4vel evit&*lo * sabe que o que torna esse neg3cio quase irresist4vel a combina$!o de engen o e espontaneidade, somada ao pra(er instantQneo particularmente letal em que o sculo [[R t!o pr3digo. )iante da inesperada confiss!o de um dese#o lascivo feita pelo colega de trabal o, ela trata de elaborar uma resposta em que se equilibrem barrocamente ousadia e indiferen$a, escol endo cada pronome e abrevia$!o. Os deveres profissionais ficam completamente esquecidos ao mergul ar nesse quebra*cabe$a liter&rio e, por mais esmerado que se possa ser, t!o logo o bot!o =nviar clicado, ela sente um arrependimento por alguma brincadeira infantil ou pretensiosa demais, uma palavra e-cessivamente pudica ou vulgar. = n!o & quem volte a pensar no trabal o t!o cedo, porque ent!o come$a a imaginar o su#eito no escrit3rio dele, a < mil quil6metros de distQncia, sofrendo os mesmos espasmos criativos * a
menos que ele n!o os este#a sofrendo, a menos que +trs pancadin as na mesa, n!o pretenda responder. = esse supl4cio infernal s3 tem fim quando o 4cone dele torna a aparecer no meio da tela do computadorH f Fabe o que acontece com meninin as safadas como voc, 2aggieL Levam uns tapas no bumbum. =, quando ele dei-a escapar o pequeno detal e de que casado & oito anos, tarde demais para se importar com isso. Preparar Foies de Bolailles en Aspic menos e-cruciante que Geufs en 8el-e * bom, para mim pelo menos foi, #& que sentir uma Gnica ve( o gosto de gel-e de pata de vitela bastou para me convencer de que gelatina e caldo de carne prontos s!o a mel or solu$!o para encarar um aspic quando seu nome 5ulie, e n!o 5ulia. +"a realidade, meu nome tambm 5ulia, mas ningum nunca me c amou assim * ac o que me falta altive( para tanto. 5ulias s!o mul eres destemidas, ma#estosamente belas e um tanto intimidadorasM 5ulies s!o animadoras de torcida com tran$as no cabelo e s orts bem curtin os. "ingum se meteria a besta de tentar uma ciberpaquera com uma 5ulia. .o que tudo indicava, tampouco avia algum disposto a tentar uma comigo. 2as isso n!o tin a a ver com o meu nome, e sim com os meus quase :? anos e cinco quilos de manteiga de sobrepeso., Os itens a ser mergul ados em aspic em Foies de Bolailles en Aspic s!o f4gados de galin a, primeiramente salteados com c alotas na manteiga, em seguida co(idos em con aque at o vin o assumir consistncia de -arope e depois levados 1 geladeira. ;ma ve( resfriados, os f4gados s!o submersos na gel-e 0 cobertos com fatias de trufa se a pessoa tiver din eiro para comprar esse tipo de coisa e ainda pagar o aluguelM eu n!o ten o * e levados de novo 1 geladeira para endurecer. =ric, XPen e eu comemos isso no #antar uma noite, com Concom1res au ,eurre, tambm con ecidos como pepinos assados, 1 parte. >Concom1resC Quem precisa desses no#entin osLOK %oi isso o que =ric disse quando servi seu prato. XPen permanecia em silncio, com uma e-press!o apavorada no rosto. =la avia ligado naquele fim de tarde, ap3s um pssimo dia no trabal o, perguntando se podia vir #antar conosco e, embora naquela noite eu estivesse acalentando a idia de vestir uma lingerie e-travagante e sedu(ir meu marido, acabei di(endo sim, porque, desde que o Rolo 2itc come$ara, XPen vin a tendo depressNes * e eram depressNes violent4ssimas, devastadoras, que fa(iam com que eu parecesse a pessoa mais alegre do mundo. . coitada devia estar se perguntando por que avia recorrido a um casal de amigos que, como ela 1em sa1ia, tentaria levantar seu astral com aspic e pepinos assados. =ric atacou primeiro * optou pelo aspic. P6s um pedacin o na boca e encol eu os ombros. KS.K .ssim encora#adas, eu e XPen tambm nos arriscamos. O veredicto para os Foies de Bolailles en AspicC "!o estavam asquerosos, para nossa surpresa, mas por que comer f4gados de galin a frios com gelatina em cima quando se pode com*los quentes e sem gelatinaL Os Concom1res au ,eurre #a(iam em nossos pratos, fl&cidos, p&lidos, salpicados de salsin a, 1 nossa espera. KVamos l&, =ric, voc primeiroK, disse eu. =ric espetou uma rodela de pepino com o garfo e mordiscou um peda$o. Feus ol os se arregalaram, embora a e-press!o permanecesse imperturb&vel, mais ou menos como um personagem de !outh Park antes de contar o fim da piada * eu n!o sabia di(er o que ele estava pensando.
KO que foiLK, perguntamos em un4ssono eu e XPen. KEum.K )ei uma mordida tambm. KRumOK KO quVLK XPen e-perimentou o dela e disseH KRumOK VeredictoH pepinos assadosL ;ma agrad&vel surpresa. "!o se desmanc am e tm gosto de pepino. Com a diferen$a de que s!o muito mais saborosos, #& que eu n!o gosto de pepino. )epois do #antar, enquanto =ric lavava a lou$a, desci com XPen para abrir a porta da frente para ela. KObrigada pelos pepinos. =stavam 3timos.K K"!o tem de qu. =st& tudo bemL .c a que vai c egar direito em casaLK, indaguei enquanto mantin a a porta aberta. KClaro * ali&s, ol a a4 o meu 6nibus.K XPen saiu para a rua fria, acenando para o 6nibus que dobrava a esquina. O motorista parou e ela correu. Pouco antes de subir, porm, virou*se e gritouH K=le est& vindo. O 2itc . .man ! 1 noiteK. Lembro*me vagamente do sentimento estampado no ol ar que ela me lan$ou ao entrar no 6nibusH um misto de caga$o e alegria embasbacada. = senti uma fisgada de inve#a. .o voltar para o apartamento, tirei a cal$a de moletom, a camiseta e os tnis e despontei como uma vampe no v!o da porta da co(in a, e-ibindo um suti! e uma calcin a que at combinavam. K26rL Por que n!o dei-a a lou$a pra aman ! cedoLK K.c o que vou ter que dei-ar mesmo... acabou a &gua quente.K =ric en-ugou as m!os, virou*se para mim, ol ou*me de cima a bai-o e disseH KPreciso ver os meus e*mailsK. = correu para o laptop, onde passou os >< minutos seguintes navegando no site da C"". O que eu souL %4gados de galin a em aspicC Fou uma secret&ria de reparti$!o pGblica, de modo que posso falar com certa autoridade sobre coisas que s!o um p no saco. Como, por e-emplo, preenc er um formul&rio de compras. 2as querem saber o que realmente um p no sacoL Poulet en 8el-e = l'Estragon. Primeiro amarre e doure na manteiga um frango inteiroM tempere com sal e estrag!o e leve ao forno. Quando estiver pronto, dei-e esfriar 1 temperatura ambiente, depois coloque na geladeira. %i( isso no s&bado, depois de esfregar os ban eiros e limpar a co(in a o mel or que pude. . bem da verdade, assei dois frangos dessa maneira, para termos o que comer tambm no #antar. . situa$!o da co(in a estava ruim demais para que eu, com meus pobres poderes, pudesse fa(er muita coisa. Eavia plos de gato grudados no suporte de a$o ino-id&vel da #anela, onde eu pendurava min as panelas. "as paredes acima do fog!o, viam*se manc as amarelas gordurosas que n!o sa4am de #eito nen um, por mais que eu esfregasse. Procurei me distrair do tormento da indigncia domstica com o supl4cio de preparar uma gel-e, uma ve( que esta pelo menos n!o era culpa min a. =ssa gel-e em particular era feita com caldo de galin a em lata, infundida com estrag!o e aromati(ada com vin o do Porto * uma garrafa australiana que eu tin a comprado na enoteca da ;nion Fquare e que era surpreendentemente boa. @oa o bastante para eu tomar dois c&lices, porque =ric estava Ktrabal andoK no escrit3rio, embora o mais prov&vel que ele s3 n!o estivesse a fim de passar o s&bado num KloftK imundo, observando sua mul er ficar cada ve( mais mal* umorada enquanto fa(ia uma gel-e. "!o dava para censur&*lo * eu tambm n!o queria passar meu s&bado assim. Rmagino, porm, que deve aver coisas piores para se fa(er no s&bado, #& que =ric c egou em casa 1s sete com um mau umor terr4vel. Fobre o #antar, tudo o que ele disse
foi que n!o gostava de estrag!o, e terminamos nosso dia bebendo demais, assistindo a um filme alem!o qualquer que av4amos alugado na "etfli- e dormindo no sof&. =nt!o, para completar, no domingo ele acordou com uma de suas en-aquecas. Passou a man ! inteira na cama. KQueridoK, c amei*o 1s on(e e pouco, sem fa(er muita for$a para disfar$ar min a irrita$!o, Kquer um cafLK K.rg , n!o. 'omo um Xatorade na rua quando estiver indo pro escrit3rio.K K2as voc n!o pode ir trabal ar o#eO =st& quase morrendo.K K"!o, preciso ir. S s3 sair da cama que eu mel oro.K =nt!o, com um Gnico e resignado impulso, ele se p6s em p, recol eu as roupas amassadas que avia largado no c !o a camin o da cama 1s duas da man !, quando acordamos com as lentes de contato cauteri(adas em nossos globos oculares e torcicolos simtricos no pesco$o, e foi vomitar no ban eiro. %eito isso, passou algum tempo espiando o #ornal, co$ando a barba por fa(er nas faces cin(entas como se para se consolar, at que se levantou abruptamente e saiu capengando rumo 1 porta da frente. "unca entendi isso no =ric, esse #eito que ele tem de sair assim de repente, sem um instante de prepara$!o. =u n!o seria capa( disso nem que o prdio estivesse sendo evacuado por causa de uma amea$a de envenenamento radioativo. KPu-a, nem um tc au(in oLK K)esculpe, querida.K =le voltou at mim e tocou de leve meu rosto com os l&bios rac ados. K=stou com um bafo orr4vel. Volto l& pelas seis, ac o.K Para preparar um Poulet en 8el-e = l'Estragon, comece aquecendo a gelatina e despe#ando uma fina camada dela numa travessa oval. Como eu n!o tin a uma travessa oval, usei uma travessona Calvin _lein do tipo bacana**ser*careta que gan ei de casamento. +Fabiam que Calvin _lein tem uma lin a de porcelanasL Pois , tem., =nt!o a coisa toda deve ser resfriada at adquirir uma consistncia firme * o que obviamente implicou esva(iar uma prateleira inteira da min a geladeira, de modo que fiquei com potes de gelia, limas meio passadas, cremes a(edos avia muito esquecidos, ma$os murc os de salsin a e bolin as de manteiga com formas e c eiros esquisitos, tudo isso espal ado em cima da bancada n!o muito limpa da pia. Para gente como FallJ e min a m!e, era o que bastaria para darem in4cio imediato a uma fa-ina geral na geladeira, mas eu n!o sou esse tipo de gente. Quando a primeira camada de gel-e estiver firme, corte o frango que foi assado e resfriado e arran#e os peda$os na travessa. "!o sou muito boa para cortar frango. Os peda$os sa4ram meio estropiados, mas n!o dei a menor bola. Leve a travessa de volta 1 geladeira e despe#e uma -4cara de gelatina aquecida numa tigela colocada sobre uma tigela maior com gelo. 2e-a at a gelatina esfriar e come$ar a endurecer. =ntorne*a com uma col er sobre o frango na travessa. 5ulia adverte que essa primeira camada Kn!o adere muito bemK, e foi e-atamente o que aconteceu. XPen ligou. KOi.K KOi. Como foi o t!o aguardado fim de semanaLK KPosso dar um pulo a4LK KR . %oi t!o ruim assimL "!o, n!o diga nada... * ven a #& pra c&. O =ric s3 volta 1s seis. =stou fa(endo um aspic.> K. , que 3timo. O final perfeito para um final de semana perfeito.K Repita toda a opera$!o Kderramar a gelatina meio dura em cima dos peda$os de frangoK mais duas ve(es. =ssas duas camadas pegam mel or. O frango come$a a parecer envolto em poliuretano, e imagino que se#a essa a inten$!o. Leve novamente 1 geladeira para endurecer de ve(. =stava despe#ando num saco de li-o preto a porcariada que eu avia tirado da geladeira quando XPen tocou a campain a. "a certa tin a posto o fone no ganc o e vindo imediatamente. "!o era um bom sinal. )esci para abrir a porta.
K'rou-e uma vodca. Fer& que a gente pode come$ar a beberLK KO , XPen. O que aconteceuLK %omos para a co(in a e, enquanto eu alve#ava algumas fol as de estrag!o * colocando* as em &gua fervente e retirando*as em seguida, lavando*as com &gua fria e dei-ando*as sobre um peda$o de papel*toal a para secar *, XPen se aboletou numa banqueta e contou tudo, tintim por tintim. 'udo come$ara muito bem. @om, dei-ando de lado a loucura e a impossibilidade da coisa. Os dois tin am se encontrado na quinta 1 noite, num bar(in o apropriadamente sem*vergon a que 2itc con ecia nas pro-imidades da :?t Ftreet, no Iest Fide. =le assumiu o controle da situa$!o assim que XPen se sentou a seu lado no reservado, e #& tin a inclusive pedido um drinque para ela * u4sque com soda. XPen disse que preferia vodca*t6nica, mas ele disse apenasH K"!o, esta noite, n!oK. = estava dado o tom da rela$!o. O 2itc arrogante, dominador e se-ualmente irresist4vel das mensagens instantQneas se materiali(ara e gan ara corpo. ;m u4sque com soda mais tarde, XPen estava com a m!o na viril a dele, ali mesmo no barM mais dois u4sques depois e estavam os dois trancados no ban eiro das mul eres, enroscando*se um no outro. VVV=nroscada num omem no ban eiro das mul eresV, parece bom s3 de pensar, ou vai ver s!o os cinco anos de casada que est!o fa(endo efeito.K .bri a geladeira para tirar o frango e aproveitei para passar a forma de gelo para XPen +que c egara 1 conclus!o de que 7< :? n!o era nem um pouco cedo para come$ar a beber,. K=nt!o qual foi o problemaLK K@om, de l& fomos para o apartamento em que ele estava ospedado e... meu )eus, isso a4 o nosso #antarLK . terceira camada de gelatina estava quase dura e eu mergul ava, com um misto de diligncia e e-aspera$!o, cada fol in a de estrag!o em outra -4cara de gel-e semidura antes de assent&*las em estGpidos - sobre os peda$os de frango. "os Geufs en 8el-e, os - de estrag!o tin am um ar vagamente amea$adorM no Poulet en 8el-e = l'Estragon, pareciam apenas ensopados e tristes. KRnfeli(mente sim.K K"!o me leve a mal. Fei que vai ficar uma del4cia. 2as n!o d& pra esquentar um pouco antesLK ;ma Gltima -4cara de gelatina foi derramada sobre o frango, provocando grande estrago no arran#o de fol as de estrag!o. Ora, bolas. =nfiei de novo a travessa na geladeira, preparei uma vodca*t6nica para mim * por que n!oL * e me instalei na outra banqueta da co(in a. XPen pegou um cigarro e o acendeu para mim, depois pegou outro para ela. K=ra um desses lofts absurdos de t!o grandes, cabia uma pista de patina$!o l& dentro * de algum amigo do 2itc . "!o que ten a sobrado tempo para eu con ecer direito o lugar, longe disso. . , 5ulie, o se-o foi simplesmente * ah, meu &eus. Fabe como , quando voc est& com um cara que... voc sabe, quando o cara grande... geralmente ruim de cama, s3 quer que a gente fique adorando o membro maravil oso dele ou sei l& o qu. @om, o 2itc ... bom... voc sabe... s3 que com ele foi outra ist3ria. 5uro por )eus, go(ei umas de( ve(es, no m4nimo, sem brincadeira.K =stou com o mesmo omem desde que ten o 7A anos, mas min as amigas solteiras continuam a me contar essas coisas como se eu fi(esse alguma ideia do que elas est!o falando. "!o sei se ac am que na adolescncia eu era uma dessas putas de n4vel internacional ou se pensam que consigo me lembrar de vidas passadas ou o qu. .grade$o aos cus por !e; in the Cit"K nessas ocasiNes, trato de bancar a CJnt ia "i-on, a amiga compadecida e e-periente, e me pon o a balan$ar a cabe$a em sinal de compreens!o. KPu-a, deve ter sido orr4vel.K "!o pude evitar um tom meio a(edo. XPen passa o final de semana fa(endo as mais altas loucuras na camaM a4 aparece na min a casa deprimida e reclama de ter de comer aspic. 'a4 uma situa$!o com a qual 5ulia certamente lidaria
com aplom1. 2as 5ulia n!o detesta aspic como eu detesto. = provavelmente fa( se-o mais ve(es que eu. KCalma, #& c ego l&. )a4 ele pede para eu ir embora, precisa descansar um pouco, porque tem uma reuni!o com um cliente no dia seguinte Y o que pra mim est& bom, n!o tem problema, n!o preciso dormir aconc egada nos bra$os dele nem nada. =nt!o na se-ta eu vou pro escrit3rio. = ele c ega e mal ol a pra mim. "!o tem problema, ele n!o quer que as pessoas fiquem sabendo do nosso rolo, claro. 2as a4 passo o dia todo esperando que ele me d not4cias pelo 2essenger. O dia todo morrendo de vontade de cham:0lo pelo 2essenger, mas resistoM coisa que, voc & de convir, foi uma proe(a da min a parte, n!o foiLK K= como.K K= o 2essenger quieto. "en uma mensagem. %ico enrolando no escrit3rio at nove da noite * nada, nem sinal dele.K K. .K KPasso o s&bado inteiro em casa com meu laptop ligado e o celular no bolso. .t que * obviamente * n!o aguento mais e 1s 7B :? mando uma mensagem pra ele. )igo apenasH Gi, tem programa pra ho)e = noiteC "!o d& de( minutos, ele respondeH Benha at- o apartamento>. K;auO Posso roubar outro cigarro seuLK KClaro, pegue 1 vontade. @om, c ego l& em e-atos vinte minutos, l3gico, e a mesma coisa, tudo de novo, e t!o bom quanto da primeira ve(. .t mel or.K KEum* um. =stou esperando a parte ruim.K XPen ol ou para mim com uma e-press!o encabulada. K@om, pensando bem, ac o que n!o tem uma parte que se#a e-atamente ruim.K K=u sabia. Voc s3 veio aqui pra criticar o meu aspic e tirar um sarro de mim com essas suas fabulosas trepadas californianas.K K"!o, n!o, n!o. Frio * eu passei a noite toda com ele e no final me vesti e fui pra min a casa e ele pegou um avi!o e o#e de man ! voltou para a mul er dele * o que pra mim est& e-celente, n!o quero casar com o cara nem nada. 'udo de bom, certoL . gente fala a mesma l4ngua.K K= o motivo de t!o tr&gica melancoliaLK K@om, agora come$a tudo de novo, n!o L "a mel or das ip3teses, vai ser um tal de teclar, teclar e teclar, e eu endoidecida por mais seis meses ou o tempo que levar pra ele vir pra c& de novo, e por a4 vai, um ciclo sem fim. Com a diferen$a de que agora eu sei como o se-o. = n!o to bom assim. Quer di(er, mara%ilhoso, mas n!o d& pra comparar com o que escrev4amos um para o outro, certoL Com o que imagin&vamos que seria. "!o d&. "unca d&, n!o mesmoLK K"ossa, XPen. 2eu )eus. Que merda, que coisa deprimenteOK KPois . 2e arruma mais gelo e t6nicaL Preciso de mais uma dose.K Passei a bande#a de gelo para ela e fui at a geladeira buscar a &gua t6nica. O frango com estrag!o em aspic estava l&, bril ando com seu ar triston o. .c o que XPen me dei-ara com o astral bai-o, porque ao ver aquela travessa me deu vontade de sentar no c !o e nunca mais levantar. KO pior n!o isso. O pior que seria ainda pior se esse ciclo n!o tivesse continuidade. Fe par&ssemos com as mensagens, eu n!o teria nem esses retornos decrescentes sobre o meu investimento. %icaria na lona. =nt!o ten o que dar continuidade, sabeLK Fanto )eus. E& uma lei por a4, se n!o de termodinQmica, de algo t!o primordial e inescap&vel quanto ela, que e-plica por que tudo, se#am mensagens instantQneas, trepadas maravil osas ou pratos embebidos em aspic, absolutamente tudo no fim das contas pode ser definido
como uma demonstra$!o da futilidade da e-istncia. O que uma merda, uma verdadeira merda. Ts seis, quando =ric c egou, eu e XPen est&vamos um pouco bbadas e um tanto acabrun adas. =ric, que ainda n!o conseguira se livrar de sua en-aqueca blanc eana, pouco p6de fa(er para dei-ar o clima mais leve. O Poulet en 8el-e = l'Estragon p6de menos ainda. "3s bem que tentamos comer. = n!o que estivesse ruim, embora o rosto de =ric ten a ficado um ou dois mati(es mais cin(ento quando ele viu a travessa. O gosto era apenas de frango frio com gelatina em cima. 2astigamos sorumbaticamente por alguns instantes, mas n!o teve #eito. =ric foi o primeiro a se dar por vencido. KQue tal uma pi((a da )ominoVsLK XPen suspirou aliviada, empurrou o prato para longe e acendeu outro cigarro. K@acon com )alapeSosC> %rango em aspic e pi((a de bacon com )alapeSos. Rsso que s!o retornos decrescentes.
KO primeiro foda, srio. O segundo... o segundo tambm n!o mole, n!o. 2as mel or que o primeiro porque * voc sente a mesma coisa, sabe, s3 que mais dilu4do. S mel or... .gora s3 fa$o pra ver como fica a cara deles.K 0 Birgil WJames 8andolfiniF, .mor 1 Queima*roupa Fe voc tem alguma coisa contra colocar uma lagosta viva numa panela com &gua fervendo ou parti*la ao meio, pode mat&*la quase instantaneamente antes de lev&*la ao fogo, enfiando a ponta de uma faca na cabe$a dela, entre os ol os, ou quebrando sua espin a com uma pequena incis!o na casca, no ponto de #un$!o entre o peito e o rabo. 0 Mastering the Art of French Cooking, Vol. 7
)ia 7:?, Receita D?7 *as n+o se matam lagostas, 'ia Fu0ie me pega pelo bra$o e me sacode de leve. K. , Fara , Fara , Fara O O que vamos fa(er com vocLK +2in a tia Fu0ie n!o est& senilM claro que se lembra do meu nome. Fara um apelido. =m alus!o a Fara @ern ardt. "!o sei como come$ou. "em sei se o#e em dia algum sabe quem foi Fara @ern ardt. Eu s3 sei porque ten o esse apelido desde que me entendo por gente., KComo assimLK Receio que ela acabe quebrando meu bra$o. "!o a ve#o desde o Gltimo "atal no 'e-as, e de l& para c& meus bra$os ficaram um pouco mais roli$os. K=ntrei outro dia na internet e vi o que voc anda aprontandoOK =ncol o*me um pouco ao ouvir isso. 'ia Fu0ie professora em Ia-a ac ie, no 'e-as, e uma dessas pessoas inteligentes e sens4veis que, apesar disso, dei-am a gente de quei-o ca4do com sua insistncia em continuar votando nos republicanos. .lm do mais, ao contr&rio dos demais integrantes do meu nGcleo familiar, ela nunca usa palavras c ulas. Certa ve( tia Fu0ie distribuiu a seus alunos de ingls um trabal o escolar que eu avia feito sobre O 8rande 8ats1" 0 sabe l& )eus como aquilo foi parar em suas m!os. 2as algo me di( que ela n!o faria o mesmo com os te-tos que escrevo em meu blog. Porm tia Fu0ie n!o est& se referindo aos meus bra$os roli$os nem 1 min a boca su#a. =la c ega mais perto e sussurraH KFua m!e est& preocupada. Voc anda trabal ando demaisOK 2in a av3 passou a vida inteira di(endo a mesm4ssima coisa para min a m!e. KVoc est& se cansando demaisOK K"!o p&ra um segundoOK KVai acabar doenteOK Rsso fa(ia min a m!e subir pelas paredes. KMZEH "!o ven a me di(er se estou ou n!o cansadaO Pode dei-ar que eu mesma digo quando estiver, sacoH> +2in a m!e e min a av3 tin am divergncias sobre muitas questNes * lavanderia, sorvetes, negros, televis!o,. 2as essa, a que se referia ao e-cesso de coisas que min a m!e fa(ia, era uma de suas favoritas, provavelmente porque dava 1 min a av3 a ilus!o de que ela possu4a um profundo instinto maternal e 1 min a m!e, a de que n!o estava se matando de trabal ar. )esconfio que min a m!e, cu#o maior medo ficar igual a sua m!e, tem se esfor$ado para n!o pegar demais no meu p no que di( respeito a esse pro#eto de culin&ria maluco. Por isso recrutou a mul er do irm!o para fa(er isso por ela. Fe teve coragem de mostrar o blog a tia Fu0ie, sinal de que est& realmente preocupada. =la decerto sabia que min a tia n!o ficaria muito empolgada com aquelas compara$Nes entre, por e-emplo, aves amarradas e fetic istas se-uais. 2as por algum motivo isso n!o me irrita. . bem da verdade, fa( com que me sinta cuidada. S como se fosse uma prova de que o c4rculo gentico permanece intacto. .bra$o min a tia. K=u estou 1em. "!o precisa se preocupar.K S sempre bom voltar para a casa dos meus pais. "!o tem bolor na ban eira, e a gente pode ficar o tempo que quiser no ban o que a &gua quente n!o acaba. . cama queen0 sired, 1 noite n!o se ouve barul o de camin Nes passando na rua, a televis!o tem cem canais e o acesso 1 internet por banda larga. "a noite de "atal, colocamos o ar* condicionado no m&-imo para poder acender a lareira. E& &rvores por aqui, e n!o s3 as que ficam espremidas em cai-as de concreto na cal$ada, mas em toda parte. =u adoro este lugar. .ndo pensando em n!o voltar para "ova /or0.
Pois , aquela cidade uma fossa fedorenta e ca3tica que suga a energia da gente, enquanto .ustin um para4so verde#ante, pac4fico. 2as no fundo o problema n!o esse * bom, pelo menos n!o o Gnico. "!o, o fato que l& me sinto como uma foragida. Por um per4odo de duas semanas, no final de de(embro de D??D, e-ortada por 5ulia C ild, levei a cabo uma ca$ada assassina. Cometi atos orrendos, atro(es, e para min as v4timas em potencial n!o avia um s3 recanto de Queens ou C inatoPn que estivesse fora do alcance de min as garras diab3licas. Fe a carnificina n!o foi noticiada pela imprensa local, isso se deveu apenas ao fato de que as v4timas n!o eram alunas de escolas cat3licas nem enfermeiras filipinas, mas sim crust&ceos. =ssa diferen$a significa que eu n!o sou uma omicida no sentido legal da coisa. 2as ten o sangue nas m!os, ainda que se#a o sangue p&lido das lagostas. Eav4amos finalmente comprado uma dessas m&quinas de dormir para abafar o ru4do dos camin Nes que passavam em frente ao nosso prdio a noite inteira. O aparel o tin a um pequeno alto*falante que ficava debai-o do travesseiro, e na maioria das noites dava certo. Contudo, na noite do meu primeiro crime, o tranquili(ante som de ondas quebrando na praia da composi$!o KOceaniaK murmure#ava nos meus ouvidosH K.ssassina de lagostas, assassina de lagostas, assassina de lagostas...K .cordei com o dia nascendo, preocupada. =ra domingo em Long Rsland CitJ * mel or esquecer essa ist3ria de matar lagostasM por acaso sei como fa(er para arrumar umaL Quanto custaL Como vou tra(*la para casaL @ombardeei =ric com essas perguntas, na esperan$a de que ele respondesseH K. , voc tem toda ra(!o, n!o vai dar certo. @om, ac o que teremos de dei-ar a lagosta pra outro dia. Que tal uma pi((a da )ominoVsL @acon com )alapeSosC> 2as ele n!o disse isso. Fimplesmente pegou as P&ginas .marelas e o telefoneH a primeira pei-aria para a qual ligou estava aberta. @ronco na rua, o trQnsito para .storia estava livre. . pei-aria n!o tin a c eiro de pei-e, e as lagostas eram mantidas num tanque com &gua turva, de pssimo aspecto. Comprei duas. .s estrelas aviam entrado em con#un$!o, a sorte decretara que aquelas duas lagostas deviam morrer. =u imaginava que levaria as lagostas para casa num balde, mas o su#eito as enfiou numa sacola de papel. )isse para eu mant*las na geladeira. = avisou que duravam at quinta* feira. =ca. Voltei com elas para o carro e coloquei*as no banco de tr&s * o que eu ia fa(er, transportar aqueles bic os no coloL "o camin o de volta, min a nuca formigava e meus ouvidos permaneciam atentos a qualquer ru4do que sugerisse a movimenta$!o furtiva de uma garra de lagosta se aventurando para fora da sacola * mas elas n!o se me-iam. )eve ser o que acontece com criaturas asfi-iadas. 5ulia fa( uma descri$!o bastante lac6nica do .omard hermidor. =la parece o or&culo de )elfos quando mais preciso dela. Para come$o de conversa, n!o di( nada sobre a conserva$!o das lagostas. S bem verdade que, para ser #usta, devo di(er que no Jo" of Cooking tambm n!o & uma palavra sobre o assunto, mas pelo menos esse catatau me d& a dica de que as lagostas devem estar bem vivas e se debatendo quando saem do tanque. =i. .s min as n!o estavam se debatendo. Jo" di( que, se elas estiverem muito molengas, podem morrer antes de ir para a panela. = a impress!o que o livro passa a de que isso n!o uma boa coisa. .bri a geladeira para dar uma espiada na sacola e topei com quatro ol in os pretos na e-tremidade de seus pedGnculos, com antenas se me-endo a esmo. =u avia me informado sobre todos os mtodos e-istentes para quem dese#a e-ecutar suas lagostas de uma forma mais umana * dei-&*las no free(er, coloc&*las numa panela de &gua gelada que em seguida posta no fogo +com a inten$!o de engan&*las, para que n!o percebam que est!o sendo fervidas vivas,, quebrar sua espin a antes de enfi&*las na panela. "o entanto, todos esses procedimentos me pareciam paliativos inventados mais
para apa(iguar a angGstia emocional de quem comandava a fervura do que para aplacar o sofrimento f4sico de quem era fervido. Por fim, resolvi simplesmente pegar a sacola e despe#ar as lagostas numa panela com um pouco de &gua fervendo, vermute e legumes. = elas fi(eram um sururu danado. . panela n!o era grande o bastante. =mbora as lagostas n!o ten am gritado de terror no e-ato instante em que as #oguei l& dentro, sua quietude momentQnea s3 fe( prolongar aqueles instantes lancinantes. S como aquele momento em que o carro derrapa e sai do seu controle, e voc #& capa( de ver o ve4culo capotado e em c amas. . qualquer momento a dor faria as criaturas despertar do coma a que tin am sido indu(idas pela asfi-ia, eu sabia disso, e n!o conseguia colocar a maldita tampa no lugarO O er3iZ omicida do meu marido teve de assumir o comando da situa$!o. =u ac ava que, como eu, ele ia ter um tro$oM =ric n!o e-atamente o tipo que frequenta lo#as de ca$a C pesca, mas algum daqueles genes implac&veis, erdados de vel os -erifes te-anos, deve ter entrado em a$!o, porque ele dominou os bic os sem estardal a$o. )i(em que as lagostas fa(em um barul o orr4vel na panela, tentando a todo custo * e com toda a sensate( * sair da panela. "!o posso di(er que sim nem que n!o. Passei os vinte minutos seguintes assistindo a um #ogo de golfe na 'V no volume m&-imo. +.quelas propagandas de artigos de golfe 'itleist por pouco n!o arrebentaram min as #anelas., Quando voltei para a co(in a, as lagostas estavam bem vermel as, e n!o fa(iam barul o nen um. 5ulia di( que est!o prontas quando Kas antenas compridas que elas tm na cabe$a podem ser arrancadas com facilidadeK. =, de fato, bastou um pu-!o(in o. Pobre(in as. 'irei*as da panela e co(in ei o l4quido que aviam soltado com o caldo de alguns cogumelos que eu tin a refogado. Peneirei o que restou, ac o que para eliminar eventuais pedacin os de antenas ou sei l& do qu, e engrossei com um pouco de manteiga e farin a. Quando eu e =ric montarmos nossa organi(a$!o criminosa, ele cuidar& das mortes, eu, dos esquarte#amentos. O mesmo valent!o que bruscamente impedira dois crust&ceos de dar continuidade a suas contor$Nes agoni(antes teve de sair da co(in a quando li em vo( alta que em seguida eu devia Kpartir a lagosta ao meio, de comprido, tomando cuidado para n!o quebrar as duas metades da cascaK. Rsso foi f&cil, srio. Pela primeira ve( o laconismo #ovial de 5ulia n!o foi uma indica$!o de desastre iminente. . faca varou a lagosta de um lado a outro. S bem verdade que l& dentro as coisas n!o eram t!o n4tidas quanto seria de esperar. Quando 5ulia me instruiu a Kdescartar os sacos de areia da cabe$a e os tubos intestinaisK, deu para imaginar com boa dose de seguran$a ao que ela estava se referindo. Os sacos c eios de areia praticamente se entregavam. "o entanto, quando ela me orientou a Kpassar as ovas cor de laran#a e a substQncia verde por uma peneira finaK, fiquei meio perdida. Eavia todo tipo de substQncias verdes * mas o que era Ka substQncia verdeK, e por que 5ulia n!o me e-plicavaL *, porm a Gnica coisa cor de laran#a que encontrei parecia residir no lugar em princ4pio reservado aos coc6s da lagosta, de maneira que preferi n!o arriscar. %eito isso, e-tra4 o restante da carne, naco por naco, quebrando as garras, usando uma pin$a * da qual eu tirara cuidadosamente todos os vest4gios de sobrancel as, claro * para arrancar a carne das pernas. . KsubstQncia verdeK peneirada foi batida com algumas gemas, creme de leite, mostarda e pimenta*de*caienaM em seguida tudo isso foi despe#ado no caldo de lagosta engrossado com manteiga e farin a e levado ao fogo. Falteei a carne na manteiga, acrescentei um pouco de con aque e dei-ei ferver. )epois coloquei na mesma panela os cogumelos refogados e dois ter$os do mol o. =nc i as quatro meias*cascas de lagosta com a mistura, #oguei por cima o restante do mol o, polvil ei com parmes!o, espal ei um pouco de manteiga e levei ao forno para gratinar. ConfessoH ficaram uma del4cia.
;ma semana depois, persegui min a terceira v4tima em C inatoPn num fim de tarde c uvoso, indistinta entre os transeuntes animados com suas compras de "atal, carregando sacolas de produtos piratas, e os esgrimistas de guarda*c uvas. +=m C inatoPn, eles tm a vantagem decisiva da bai-a estatura. "um dia c uvoso * e em C inatoPn o dia sempre c uvoso * ou a pessoa &gil ou corre o risco de perder um ol o., . criatura parou de espernear t!o logo o su#eito da pei-aria a enfiou num saco pl&stico, #ogou*o dentro de uma sacola de papel e a passou para mim em troca de seis d3lares. . ideia de pegar o metr6 com aquela coisa me dei-ava nervosaM eu temia que ela come$asse a se debater e c amasse a aten$!o dos outros passageiros, mas ela permaneceu im3vel, como se tivesse sa4do da prateleira de uma mercearia. Quando c eguei em casa, dei uma espiada na sacola para ver se estava tudo bem l& dentro. O saco pl&stico avia grudado na lagosta e estava emba$ado. Parecia coisa de filme dos anos A? feito para 'V, com uma atri( envel ecida se enc endo de son4feros e depois tentando se matar com uma sacola da 2acJVs. Rasguei o saco para dei-ar entrar um pouco de ar Y com que intuito, para que a criatura submarina respirasse mel orL *, antes de coloc&*lo na geladeira. 2orrer sufocado pior que morrer congelado e mel or que ser co(ido vivoL . perspectiva da noite sanguinolenta talve( tivesse me dei-ado um tanto lesada, mas as comple-idades filos3ficas do omic4dio de lagostas pareciam intrincadas demais para que eu pudesse solucion&*las racionalmente. O segundo assassinato se deu em circunstQncias muito semel antes 1s do primeiro * fervura em &gua condimentada com vermute e um pouco de aipo, cenouras e cebolas. . lagosta r3sea avermel ada foi igualmente bissectada, sua carne foi removida e salteada e sua casca tambm rec eada com essa carne, a qual dessa ve( era acompan ada de um mol o feito com creme de leite e os l4quidos que ela soltara durante o co(imento. .c o que dei-ei passar um pouco do ponto. .o nos sentarmos diante do nosso .omard au; Aromates, confessei a =ric que estava come$ando a sentir certo pra(er macabro em partir lagostas ao meio. K.lguma coisa me di( que eu levo #eito pra essa merda.K =ric me encarou, e notei que ele estava se perguntando onde andaria a garota meiga e dengosa com a qual avia se casado. K)esse #eito, quando isso acabar, voc vai ac ar gra$a em fa(er picadin o de cac orro.K 'al perspectiva me enc eu de calafrios. Contive min a san a assassina por bastante tempo, at depois do "atal. )i(ia a mim mesma que era por causa da amea$a de greve nos transportes coletivosH n!o me entusiasmava muito a ideia de sair de uma pei-aria com uma lagosta na sacola e inesperadamente ter de atravessar a ponte Queensboro a p na compan ia de 7?? mil suburbanos que, com cara de poucos amigos, voltavam de suas compras ou de seus empreguin os ma$antes. 2as no fundo n!o era isso. O motivo era a receita seguinte, .omard = l'Am-ricaine. Porque, embora eu acredite ser perfeitamente defens&vel a tese de que as pessoas que comem carne devam assumir uma ve( na vida a responsabilidade pelo abate de um dos animais que v!o parar em seus pratos, n!o estou t!o certa de que esse animal precise ser cortado em pedacin os ainda vivo. = era ainda mais aterrador o pensamento que =ric plantara na min a cabe$aH e se eu gostasse da coisaL 2in a m!e s3 faltou p6r cadeados nas portas da co(in a para me impedir de co(in ar nos dias que passamos em .ustin. =mbora fosse plaus4vel a #ustificativa de que isso era para o bem da min a sanidade mental, acredito sinceramente que ela estava mais preocupada com a possibilidade de que eu a obrigasse a comer aspic ou que matasse algum bic o em sua co(in a. K5ulie, s3 uma semana. )& um tempo, caram1aH>, e-clamou ela, de bra$os cru(ados na frente do fog!o.
K2as assim eu n!o vou conseguir terminarO 5& estou atrasada. .lm do mais, meus 1leaders querem novos postsH> KFeus o quLK K2!e, srio, eu preciso.K K5ulie, o que voc precisa descansar. Quero que reflita seriamente sobre os motivos que a levaram a fa(er isso. 5ulia C ild pode muito bem esperar, porraOK +Fim, verdade * eu erdei a boca su#a da min a m!e., %iquei quase uma semana sem co(in ar nem ir ao mercado. =m ve( disso, todos os nossos v&rios familiares levaram a mim e ao =ric para comer comida me-icana, c urrasco, frituras. Comemos salgadin os de quei#o com Rice _rispies, pec!s com pimenta, fei#!o com arro(, quiabos e todas essas coisas para as quais os nova*iorquinos torcem o nari( * mas os nova*iorquinos n!o sabem de tudo, n!o mesmoL S para isso que servem o 'e-as e a fam4lia. =u e =ric dormimos no meu antigo quarto * que eu nunca percebera ser t!o aben$oadamente silencioso e fresco *, numa cama enorme e confort&vel, arrumada com len$3is de quatrocentos fios que #amais aviam tido contato com uma Gnica bolin a de coc6 de gato. )epois de cinco dias assim, eu me sentia tremendamente infeli(. Passava o caf*da* man ! lan$ando ol ares cobi$osos para as seis bocas do lindo fog!o de a$o ino-id&vel de min a m!e. )ei para ler MtAoFC de modo compulsivo e, com passos furtivos, ia at o escrit3rio dos meus pais a fim de verificar como andavam as coisas no blog. Cada coment&rio desamparado indagando onde eu andaria, se porventura avia desistido, produ(ia uma palpita$!o frentica na boca do meu est6mago, como a que eu sentia quando pensava no meu problema ormonal e no fato de que talve( n!o pudesse ter fil os. .lm disso, eu tin a a impress!o de que algum avia ligado uma espcie de aparel o transmissor em min a medula oblonga. "!o c egava a compreender as palavras que pareciam emanar dos escanin os mais rec6nditos do meu crebro, mas a vo( cantarolante era inconfundivelmente familiar. Comecei a duvidar de min a sanidade mental. Para sorte min a e do Pro#eto +embora, em Gltima an&lise, n!o tanto para a popula$!o de lagostas de "ova /or0,, Rsabel e seu marido 2artin, que moram no interior, vieram passar a vspera de "atal conosco. Rsabel estava usando um vestido de baile cor de malva dos anos 78<? +quando est&vamos no colgio, costum&vamos frequentar brec 3s #untas, e nen uma de n3s perdeu esse &bito,, arrumara os cabelos num penteado volumoso, t4pico daquela poca, e pintara os l&bios de vermel o vivo. 2artin carregava uma sacola de presentes e vestia sua costumeira roupa invis4vel. . primeira coisa que Rsabel disse ao entrar na casa dos meus pais foiH KVoc tem sido uma blogueira muito relapsa. Feus seguidores est!o desanimados. O que vamos comer o#e 1 noiteLK K"adaK, disse eu com um suspiro pesaroso. KPelo menos nada que eu ten a preparado. 2in a m!e n!o quer me dei-ar co(in ar.K KO quLOK K=la comprou uma cesta de "atal no 2ercado Central.K Rsabel me segurou pelos bra$os. K'udo bem, 5ulie. )ei-e comigo, vou dar um #eito nisso.K ;ma coisa que se pode di(er de Rsabel que ela realmente tem o dom do convencimento * seria capa( de vender gelo a esquim3s. .lm disso, perseverante. Passou a noite toda tentando persuadir min a m!e, cercando*a no bar, encurralando*a na co(in a. "!o avia como ignor&*la. K= ent!o, =laine, voc n!o sente orgulho do que 5ulie est& fa(endoL Pra mim, ela uma deusa.> KR!LK
K;ma %erdadeira deusa. Voc tem lido os coment&rios, certoL .s pessoas adoram a 5ulieO =la tem servido de inspira$!o pra todo tipo de genteOK KS... .c o que sim...K . verdade que min a m!e n!o tin a dado muita aten$!o ao fato de que avia pessoas lendo os meus relatos. =la sempre os lia, mas tendia a v*los como prontu&rios mdicos, e na maioria das ve(es os esquadrin ava apenas 1 procura de sinais de um colapso nervoso iminente. K@om, pra voc n!o deve ser surpresa, claro... as mul eres da fam4lia %oster sempre foram capa(es de coisas incr4veis.K +%oster meu nome de solteira. 2esmo entre a meia dG(ia de mul eres da min a idade e do meu n4vel socioecon6mico que c egaram a se casar, as que adotaram os sobrenomes dos maridos s!o consideradas aberra$Nes da nature(a., KS, ac o que sim. 2as sabe, Rsabel, eu fico preocupada. =la t!o teimosa quando coloca uma idia na cabe$a, e tem gastado tanta energia com isso...K >Ah, fala s-rio, =laineO . 5ulie n!o foi sempre bril ante nas coisas que fe(L Lembra quando ela resolveu entrar para a turma de dan$arinas da fanfarra da escolaLK KS claro que lembroO S e-atamente disso que estou falandoO =la perdeu quase de( quilos e c orava todas as noites antes de dormirOK >E;atamente. = passou um ano se alimentando s3 de #u#ubas e Coca*Cola, e todas n3s ac &vamos que ela estava se matando, mas no fim n!o aconteceu nada de mais, fora o fato de ter aprendido a levantar a perna bem alto. =la nem quis continuar no ano seguinteO . , e sabia que o EenrJ l o blogLK EenrJ era um rapa( com quem eu namorara no colegial, aquele que levara muito tempo para me perdoar por t*lo largado para ficar com o =ric. 2in a m!e gostava muito do EenrJ. KFrioLK KFim. = ele tambm est& muito orgul oso da 5ulie.K KO EenrJ um doce de menino.K KFua fil a est& fa(endo uma coisa sensacional. =st& co(in ando pelos nossos pecadosOK +=ssa se tornara a frase favorita de Rsabel, que andava pensando em estamp&*la em camisetas., Levou um camar!o grel ado 1 boca. KEum, est& 3timo. Para comida pronta, claro.K Eeat cliff, #usto quem, interveio no instante em que Rsabel estava prestes a p6r a perder todo o bom trabal o que avia feito. KQuerem saber de uma coisaL .c o que a 5ulie n!o est& t!o pirada assim. Quer di(er, para os padrNes dela. Quando eu estava em "ova /or0, ela desfol ou umas de( ou do(e alcac ofras e n!o gritou nem uma ve(. "a ora eu at estran ei.K K2as eu li sobre issoO =u sei o que ela anda fa(endoO =st& se sobrecarregando demaisOK Eeat cliff sempre soube como encerrar uma discuss!o, e um gnio com a sobrancel a levantada. K2am!e. Voc est& falando igualzinho 1 vov3. S de propLsito, n!o LK = pronto. "aquela mesma noite, suspirando e revirando os ol os, min a m!e capitulou. )isse que, se para mim aquilo era absolutamente necess:rio, talve( eu pudesse preparar alguma coisa para o rveillon. KObrigada, Rsabel.K K. , n!o tem de qu. ;m pequeno sacrif4cio pra manter o Pro#eto vivo, certoL 2as, escuta, preciso te contar uma coisa.K Rsabel me pegou pela m!o e me levou para a varanda dos fundos. =stava delicioso l& fora, ou pelo menos assim parecia 1 min a pele endurecida pelo clima nova*iorquino. Rsabel, por sua ve(, ao me arrastar para as espregui$adeiras, dando toda a impress!o do mundo de ser uma mul er que tin a um
segredo para contar, tiritava em seu vestido de tule. %e( com que eu me sentasse numa das cadeiras e inclinou*se na min a dire$!o para coc ic ar. KLembra o son o que eu contei naquele e*mailL Fobre o pnis de borrac aL Pois bem, eu tin a ra(!o, era totalmente premonit3rio.K KEum. E!LK K'em um carin a c amado 5ude. 'oca guitarra numa banda pun0 em @at * na Rnglaterra, sabe. . gente se con eceu no f!*site do Ric ard Eell. "unca escutei as mGsicas dele, mas con e$o as letras, e s!o fant:sticas. = depois sonhei com as mGsicas, como se eu as ouvisse perfeitamente. .posto que s!o como no son o.K K=LK K.4 ele me mandou uma foto. )epois mandou tambm uns poemas, e tem um que ele escreveu especialmente pra mim, e s!o 1rilhantes.> KFimLK K= ac o que eu vou ter de me encontrar com ele.K )e repente comecei a ac ar que estava mesmo muito frio ali fora e ol ei em volta, subitamente preocupada com a possibilidade de que 2artin estivesse nos espreitando com sua roupa invis4vel, fumando um cigarro em algum canto escuro da varanda. K2as... n!o v& me di(er que voc vaiLK K"!oO Rsso o que min a m!e ac a que eu devia fa(erH trepar com ele e tirar de uma ve( por todas esse neg3cio da cabe$a. 2as seria uma coisa muito errada, voc n!o ac aLK .o notar um certo bril o alucinado nos ol os de Rsabel, tive a inc6moda sensa$!o de que dificilmente ouviria uma ideia t!o ra(o&vel quanto a de sua m!e. K"!o, eu quero me encontrar com ele e, se ele for t!o maravil oso quanto eu ac o que , vou conversar com o 2artin e depois a gente v o que acontece.K KRsabel...K K=i, Rsabel, se n!o formos agora, n!o vai dar tempo de pegar o seu pai.K 2artin estava parado 1 porta, s3 com a cabe$a pro#etada para fora. )ava para ver a sil ueta espetada dos cabelos c eios de gel. KFim, sim, amor. =stou indo.K Rsabel apertou de leve min a m!o e se foi. =u n!o sabia o que pensar. .ssim, no rveillon, fi( Beau Prince Grloff para on(e primos, tias e tios, os quais devem ter pensado que a doida da sobrin a nova*iorqui(ada deles perdera o #u4(o de ve(. Beau Prince Grlcff uma receita absurda. =m resumo, o seguinteH .sse a vitela com alguns legumes e bacon. Reserve o caldo. %i(emos isso no dia :? 1 noite e dei-amos o assado descansando na bancada da pia at a man ! seguinte * tin a passado um pouco do ponto, ac o, como sempre acontece quando resolvo fa(er uma das carnes de 5ulia, coisa que particularmente vergon osa quando a carne em quest!o custa quase trinta d3lares o quilo. )epois, acorde algumas ve(es 1s primeiras oras da man ! suando frio, certa de que o golden retriever dos seus pais tra$ou o assado de vitela de oitenta d3lares. =sse estresse deve contrabalan$ar uma parte da catastr3fica quantidade de calorias que voc est& prestes a consumir. "o dia em que for servir a vitela, fa$a uma sou1ise, que um pouco de arro( rapidamente fervido e depois co(ido em fogo bai-o com um pouco de manteiga e muita cebola picada por cerca de >< minutos. . &gua que a cebola solta suficiente para co(in ar o arro(, o que c ega a ser meio m&gico, como uma e-perincia de qu4mica ou coisa assim. )epois, prepare uma du;elles, que s!o apenas cogumelos picados e refogados com c alotas e manteiga. Com o caldo da vitela e um pouco de leite, fa$a um mol o %elout-, que uma daquelas coisas engrossadas com manteiga e farin a. 5unte o %elout- com a sou1ise, passe a
sou1ise pela peneira ou Cuisinart, depois acrescente a du;elles e leve tudo ao fogo, diluindo com creme de leite. Por incr4vel que pare$a, isso leva a man ! inteira. = produ( pil as e pil as de lou$a su#a, que min a m!e, por ser min a m!e, lavou pacientemente. = assim que deve ser, porque o "atal foi feito para a gente se sentir culpada. Cortei a vitela nas fatias mais finas de que fui capa(, depois tornei a reuni*las em seu formato original, uma por ve(, besuntando cada uma delas com o rec eio de cogumelos 1 medida que avan$ava. 2isturei um pouco de quei#o no %elout- aquecido e em seguida derramei*o sobre a vitela. . essa altura, a carne parecia uma espcie de escabelo bege e Gmido. Por cima #oguei mais um pouco de quei#o e manteiga derretida. 2in a m!e te-ana e sabe como gordura importante para dar sabor 1 comida, mas at ela ficou orrori(ada quando viu a quantidade de tabletes de manteiga que eu usei. Levei a vitela ao forno apro-imadamente meia ora antes de servir, s3 para esquent&*la. )em essa vitela para um cavalo e ele cair& duro na mesma ora com uma convuls!o g&strica. S uma del4cia. Com tanta porcaria em cima, quem vai reparar que a carne passou um poucoL "!o combina muito com ensopado de ab3bora Fan .ntonio com quei#o Velveeta e c iles em lata, farofa de fub&, peru e torta de no(*pec!. 2as e da4L Pegamos o avi!o de volta para "ova /or0 no dia D de #aneiro. "aquela man !, antes de irmos para o aeroporto, eu estava sentada 1 mesa da co(in a, bebericando uma -4cara de caf e talve( c afurdando um pouco no vago descontentamento que o dia seguinte ao primeiro dia do ano sempre tra(, quando Eeat cliff apareceu esfregando os ol os, os cabelos ruivos ainda em p. 2eu irm!o n!o de levantar cedoM eu pensava que n!o o ver4amos de novo antes de ir embora. KOi.K KOi. Caiu da camaLK K2am!e disse para tomarmos o caf*da*man ! #untos antes de vocs irem para o aeroporto.K K. .K Eeat cliff se dei-ou cair numa cadeira, pegou o #ornal e passou os ol os sonolentos pela primeira p&gina. )evo ter soltado um suspiro, porque ele tornou a erguer os ol os e disse com um sorriso enviesadoH KQual o problema, manaLK KFei l&. 'er que voltar, ac o.K K.aa . Vai ser bom. Fuas panelas est!o 1 sua espera.K K.contece que preciso matar uma lagosta. 'en o que cort&*la em pedacin os ainda viva. "!o sei se vou conseguir.K K5ulie. 5& vi voc rac ar a cabe$a de um rato numa bancada de m&rmore antes de d&*lo a uma p4ton.K KRsso culpa sua.K K2atar uma lagostin a vai ser brincadeira de crian$a. Coragem, cara.K Pegar o avi!o de volta para "ova /or0 depois de passar alguns dias em .ustin como ser #ogada num tubo pneum&tico * uma passagem estreita e sem ar, ine-or&vel. Por mais que =ric dissesseH KVai ser bom rever os gatos, n!o LK, eu n!o conseguia me animar. Eavia um .omard = l'Am-ricaine 1 min a espera. =u n!o sabia por que estava fa(endo aquilo. "!o, n!o sabia mesmo. =u n!o queria matar lagostas. )iabos, n!o queria mais co(in ar porcaria nen uma. 2eus leitores ficariam decepcionados, claro, mas logo se esqueceriam. =u estava acostumada a decepcionar as pessoas. .lm do mais, como conseguira me tornar arrogante a ponto de ac ar que as coisas que escrevia sobre 5ulia C ild e culin&ria francesa num blog poderiam ter alguma importQncia para algumL
Ora, vamos, 5ulie. Voc n!o passa de uma secretaria(in a sem gra$a com fetic e por manteiga. 2as eu n!o podia parar. "!o podia parar porque, se n!o co(in asse, n!o seria mais a criadora do Pro#eto 5ulieZ5ulia. 'eria somente meu emprego, meu marido e meus gatos. Feria apenas a pessoa que eu era antes. Fem o Pro#eto, eu n!o era nada, s3 uma secret&ria a camin o do nada, vagando 1 toa enquanto n!o c egavam os cabelos grisal os e o v4cio em cigarros mentolados. = nunca estaria 1 altura do nome que recebi ao nascer, o nome que eu compartil ava com 5ulia. O engra$ado que, se eu n!o fosse secret&ria, talve( nunca tivesse vencido aquele desQnimo. Porque nunca teria tido a oportunidade de atender ao seguinte telefonemaH K.l6, eu ten o um estabelecimento em LoPer 2an attan e gostaria de saber se posso me candidatar ao programa de assistncia financeira a empresas.K K@om, vamos ver se consigo a#udar a sen ora. Qual o endere$o da sua empresaLK "a realidade, eu n!o tin a nada a ver com o programa de assistncia financeira a empresas, mas, quando a gente transferia liga$Nes para outros departamentos, costumavam dei-ar a pessoa esperando meia ora na lin a e em geral o que acontecia era que ela acabava ligando de novo, t!o mal informada quanto antes e fula da vida. )e modo que a pol4tica e-tra*oficial das secret&rias era responder a todas as perguntas que l es eram feitas, mesmo quando n!o entendiam patavina do assunto. K2eu estabelecimento fica no porto, e muitos dos meus clientes trabal avam no Iorld 'rade Center...K KO porto est& inclu4do na ]rea 7, o que d& direito a assistncia integral. O que a sen ora precisa fa(er ligar para...K KPosso ser franca com vocLK . mul er do outro lado da lin a tin a uma vo( rouca e graveM parecia ter acabado de rir de alguma coisa. %iquei intrigadaM posso ser .franca com %oc?C n!o uma pergunta muito frequente quando se trabal a num reparti$!o pGblica. KE!, claro.K KFou dona de um dungeon, uma masmorra para sadomasoquistas. S o Gnico dungeon no centro de 2an attan. 'emos o )iploma de @oas Pr&ticas de Eigiene da Pol4cia de "ova /or0.K K. pol4cia agora distribui diplomasLK KFabe como , o c efe de pol4cia disse aos omens deleH VFe um dia vocs quiserem ir a um estabelecimento de FC2, esse o lugar certoV...K =u continuava sentada na min a cadeira, boquiaberta, quando a mul er admitiu que a quest!o n!o era que ela estivesse precisando de a#udaM os neg3cios na realidade iam de vento em popa. O que ela queria era se e-pandir, e o contador avia l e dito para tentar falar conosco... KQue coisa mais incrJ%elH>, e-clamei, sem o tom de distanciamento frio e seco que normalmente eu teria dese#ado dar 1 min a vo(. KPois OK Rmagino que min a surpresa ten a sido uma rea$!o bem mais receptiva do que a mul er esperava receber ao telefonar para uma reparti$!o pGblica em busca de au-4lio financeiro. S bem prov&vel que tivesse precisado reunir boa dose de coragem para ligar. =, se tivesse sido atendida por "atalie, a doida da pulseira KO Que 5esus %ariaKL Fe bem que coragem mesmo ela devia ter precisado para abrir um dungeon de FC2 no centro de 2an attan. Passamos cinco minutos papeando sobre as esquisitices dos mais variados tipos, culminando com a ist3ria * provavelmente a que ela guardava para contar em ocasiNes mais formais * sobre o cliente que aparecia uma ve( por semana com trs pares de
tamancos e uma fita de Riverdance. K=le deita pelado no c !o e a gente fica sapateando. =u n!o sei sapatear, e sou uma negra gorda. 2e sinto ridJcula. 2as essa a min a vida, n!o posso me quei-ar.K Caiu na gargal ada. Fenti uma pontada de inve#a. "!o que eu ac e que sapatear nua para analistas financeiros se#a a min a praia. 2as n!o consigo me ver gostando do que fa$o. "unca consegui. "ate, como de &bito, surgiu de repente no meu cub4culo, no momento em que eu estava encerrando a liga$!o. KOl a s3 como ela est& vermel aO Quem eraL ;m admirador secretoLK KO quLK 'oquei meu rosto e senti o ardor de uma vermel id!o. K. , n!o * n!o era ningum. O que voc querLK KF3 vim dar os parabns pela reportagem.K KReportagemLK KVoc n!o viuL Faiu no Christian !cience Monitor. . _immJ topou com ela ao fa(er a busca no "e-us o#e de man !.K "ate me estendeu uma fol a de papel -erocada. Caramba. =u tin a me esquecido completamente daquele #ornalista depois que ele fora comer ,oeuf ,ourguignon conosco. KParece que esse seu lance de culin&ria est& come$ando a dar o que falar.K "ate sorria para mim. . imprensa era algo que sempre o dei-ava um pouco inebriado. KF3 tem uma coisa. "!o precisa mencionar o lugar onde voc trabal a, n!o mesmoL Quer di(er, n!o fa( parte da ist3ria, certoLK KRum. .c o que n!o. )esculpe.K K"!o tem problema. S s3 um lembrete para a pr3-ima ve(.K Piscou para mim e se virou para sair. K. , e ol a. )ei uma espiada no seu site. 2uito bom, rolei de rir.K KPu-a. Rum. Obrigada.K 'udo bem, admito. Rsso me dei-ou nervosa. 2in a Gltima v4tima tambm era abitante de C inatoPn. Parecia bem mais lpida que suas predecessoras e esperneou sem parar na sacola durante a viagem de metr6. S que picar uma lagosta morta em pedacin os n!o teria a menor gra$a. .o c egar em casa, coloquei*a um pouco no free(er, na esperan$a de dei-&*la mais sonolentaM quem sabe assim a coisa ficava mais f&cil. 2as desde quando e-iste vivissec$!o f&cilL 2eia ora depois, com =ric refugiado na sala e a 'V no Gltimo volume, tirei a lagosta do free(er e a estendi sobre a t&bua de cortar. =screve 5CH KParta as lagostas em duas, de comprido. Remova a bolsa do est6mago +na cabe$a, e os tubos intestinais. Reserve as ovas e a substQncia verde. Remova as garras e as #untas e quebre*as. Fepare a cauda do peitoK. K@om, pu-a,5ulia, dito assim parece to f:cil.> . coitada estava ali, balan$ando suavemente suas garras e antenas, enquanto eu me debru$ava sobre ela, com a maior faca que eu tin a bem na #un$!o do peito com o rabo. Respirei fundo, soltei o ar. T como dar um tiro na nuca de um cachorro mori1undo 0 %oc? tem que ser forte para o 1em do animal. VV. , sei, na sua poca voc matava cac orros a torto e a direito, n!o LK Bamos aca1ar logo com isso. K'& bom, t& bom. L& vai. ;m. )ois. r?s.> Pressionei a faca, fa(endo uma incis!o na casca onde 5ulia di(ia que eu romperia a espin a rapidamente. O bic o come$ou a se debater. KParece que ela n!o est& ac ando isso muito indolor, n!o, 5ulia.K Parta0a em dois. 7:pido. Comece pela ca1eDa.
Coloquei bem depressa a ponta da faca entre os ol os da lagosta e, murmurandoH K2e desculpe, me desculpe, me desculpeK, cortei. . , meu )eus. . , meu )eus. O sangue p&lido va(ava pelas bordas da t&bua de cortar e ca4a no c !o enquanto a lagosta continuava alucinada, esperneando, apesar de sua cabe$a estar agora dividida em duas partes iguais. Os mGsculos do seu peito agarravam*se 1 lQmina da faca, fa(endo o cabo tremer na min a m!o. Continuei serrando o bic o, conseguindo c egar apenas at o meio do camin o antes de me ver obrigada a sair da co(in a para clarear um pouco as ideias. .credito, porm, que talve( eu este#a me apro-imando de uma serenidade tipo (en no que di( respeito ao assassinato de crust&ceos porque, quando tornei a entrar na co(in a e vi a bic ona em cima da t&bua de cortar, com uma faca enorme espetada no peito e ainda se contorcendo, em ve( de ficar orrori(ada com o tratamento desumano que os omens dispensam 1s lagostas, limitei*me a dar uma risadin a. Pensando bem, a cena era engra$ad4ssima. Rir de no#o min a demonstra$!o de emo$!o favorita. )epois disso, as coisas ficaram mais f&ceis. =m pouco tempo o animal estava partido em quatro peda$os, sem contar as garras desmembradas. 'irei os intestinos e Ka substQncia verdeK, que lembrava mais um 3rg!o quando n!o estava co(ida. Os peda$os da lagosta n!o paravam de se contorcer, e continuaram se me-endo por algum tempo mesmo depois que os #oguei no 3leo fervendo. 2in a Gltima v4tima foi salteada de leve na manteiga com cenouras, cebolas, c alotas e al o, embebida em con aque, flambada, depois assada no forno com vermute, tomate, salsin a e estrag!o e servida com arro(. .rran#ei o arro( num anel, como 5ulia pedia. )epois de cometer um assassinato brutal a pedido da mul er, por que n!o fa(er um anel de arro(L Coloquei os peda$os de lagosta no meio e despe#ei o mol o em cima. KO #antar est& servidoOK =ric venceu o orror momentQneo que sentiu ao ver a lagosta mutilada e avan$ou. K"!o pode ser pior comer um animal que voc matou com as pr3prias m!os do que os que eles matam numa f&brica. Vai ver at mel or.K K'em ra(!o.K Coloquei um peda$o de lagosta com arro( na boca. =stava 3timo. K)iscutir a moralidade do abate de animais s3 serve para nos dei-ar com no#o de n3s mesmos.K K"!o para quem vegetariano.K KFim, mas, se a pessoa vegetariana, n!o conta. =i, sabe como eles fa(em para matar frangosL S assim, ol a, penduram os coitados de ponta*cabe$a numa esteira, com os pe(in os presos numas argolas e...K K5ulie, eu estou comendo.K K= os porcosL Ol a que porco um bic o danado de inteligente.K K2as...K =ric gesticulou retoricamente com o garfo no ar. K. inteligncia do animal tem alguma influncia em seu direito ou dese#o de viverLK =ric terminara o primeiro prato de .omard = l'Am-ricaine e partia para o segundo. KXeorge @us diria que n!o.K K=nt!o a quest!o H por acaso Xeorge @us vegetarianoLK K"!o, a quest!o ... espera, ser& que estou ficando igual ao Xeorge @us L . , meu )eusOK K.c o que estamos um pouco confusos. Vamos comer que mel or.K K. , pu-a, acabei de lembrar... voc n!o imagina o telefonema doido que eu recebi o#e no trabal o.K
Ts ve(es fico irritada com meu marido, e 1s ve(es frustrada. 2as n!o preciso fa(er for$a para me lembrar de dois momentos em que muito bom estar casada. O primeiro quando preciso de a#uda para matar lagostas. O segundo quando ten o uma ist3ria t!o inspiradora sobre uma mul er afro*americana de propor$Nes avanta#adas que dona de uma masmorra de FC2 em LoPer 2an attan. Contei isso para =ric enquanto mol &vamos peda$os de p!o francs no que restava do caldo amanteigado da lagosta. KQue m:;imo.> KS, eu sei, eu seiH> "ingum seria capa( de entender como =ric o pra(er que essa ist3ria me proporcionava. KS o tipo de coisa que dei-a a gente feli(, s3 de pensar nas possi1ilidades que e-istem por a4.K =ric n!o estava se referindo 1 possibilidade de um dia pagar mul eres nuas para sapatear para ele * ou pelo menos n!o era apenas a isso que estava se referindo. O que ele queria di(er era que 1s ve(es temos vislumbres de vidas nas quais nunca av4amos pensado antes. E& al$apNes espal ados por toda a parte e de repente a gente topa com um e quando se d& conta est& aplicando c icotadas em empres&rios agradecidos ou partindo lagostas ao meio, e o mundo ent!o se revela muito maior do que pens&vamos que era. .ssim, naquela noite fi( min a resolu$!o de .no "ovoM antes tarde que nuncaH Fuperar 2eu 2aldito =u. Fe a idia era seguir 5ulia e entrar naquela toca de coel o, eu tin a de dar um #eito de sentir pra(er Y com cansa$o, assassinatos de crust&ceos e o que mais viesse pela frente. Porque n!o todo mundo que encontra uma toca de coel o. "o frigir dos ovos, eu era uma grande sortuda.
Janeiro de 234[ ,ucks Couni", Pensil%Onia Ao chegar ao trecho da carta em que ela fala%a de ,artleman, Paul engasgou com o %inho de tanto rir, pensando, sem muito remorso, que no fim das contas tal%ez ele hou%esse realmente e;ercido uma influ?ncia corruptora so1re a )o%em Julia. 7eceara ter cometido uma indelicadeza ao mencionar0lhe as pre%isEes da astrLloga 0 sa1ia que ela esta%a apai;onada por ele, e ,artleman no parecia pensar que os dois tinham muito futuro. Pensou que tal%ez ela ficasse magoada. Mas ele de%ia ter imaginado. Julia )amais se dei;aria a1alar por uma dondoca com um mapa astral e meia d6zia de frases solenes. A mulher de Charlie o chamou. >PaulC O )antar est: na mesaH> >J: %ou descer 0 sL estou aca1ando de ler uma cartaH> As %ezes Paul se pergunta%a se no estaria iludindo a po1re garota 0 porque a seus olhos Julia continua%a a ser uma garota. Rma garota ing?nua, encantadora, emoti%a. Paul nunca se permitira ter um en%ol%imento com uma mulher to imatura, to pouco segura de si. #o entanto, o fato - que esta%a sentindo muito mais saudades dela do que imaginara que sentiria ao dei;ar a China. #a carta, Julia atre%idamente o con%ida%a a ir %isit:0la em Pasadena. E apLs o )antar daquela noite, um delicioso cordeiro assado, Paul sentou0se e escre%eu uma resposta, dizendo que iria. Ainda no sa1ia que tinha resol%ido casar0se com ela, mas era o que ha%ia feito.
)ia 78A, Receita D9A A prova est no encanamento E& muitas maneiras de se obter uma panela de arro( co(ido, e a maioria dos co(in eiros opta por aquela que mel or se adapta a seu temperamento. Consideramos a f3rmula apresentada a seguir infal4vel. 0 Mastering the Art of French Cooking, Vol. R Permitam*me come$ar di(endo que ten o plena conscincia do fato de que simplesmente admitir que possuo um meio*ban eiro pNe em risco min as c ances de vir a arreban ar a compai-!o dos nova*iorquinos que, como eu, n!o s!o escandalosamente ricos. +2in a m!e o c amaria de KlavaboK, mas usem esse termo diante de frustrados moradores de apartamentos e ve#am quem acaba linc ado., .lm do mais, para fa(er #usti$a 1 merda no#enta que come$ou a sair da pia do meu meio*ban eiro certa segunda*feira de fevereiro, a verdade que ela foi apenas o fec o de ouro de um dia #& por si s3 e-ecr&vel. 'udo come$ou com as sobras da Charlotte Malakoff au Chocolat que eu avia preparado no fim de semana. 'in a feito inclusive meus pr3prios palitos*franceses para colocar na c arlote, porque 5ulia di( que os vendidos em padarias Kconspurcar!o sobremesas not&veisK. Conspurcar. 2eu )eus, 5ulia, isso que coagir. )e modo que fi( os meus palitos, coisa que foi em si mesma uma prova$!o, depois os embebi em 8rand Marmer e tentei enfileir&*los ao redor da forma de c arlote. +Quem, um ano antes, poderia imaginar que eu viria a ser o tipo de pessoa que possui uma forma de c arloteL, 2as eles foram se inclinando para a frente at ficarem dobrados ao meio. @om, o produto final tin a a aparncia de um daqueles bolos defeituosos vendidos com desconto na @as0in*Robbins. = talve( ten a sido conspurcado pelos meus palitos*franceses de quinta categoria * mas isso eu n!o saberia afirmar com certe(a, #& que sou um tipo bastante conspurcado *, porm a c arlote tin a bastante c ocolate, era doce e estava cremosa e gelada. ;ma del4cia. @oa o bastante para eu n!o querer ficar com aquela tenta$!o dando sopa na geladeira. Por isso, na man ! daquele dia e-ecr&vel, envolvi os restos da Charlotte Malakoff em papel* manteiga, acondicionei*os numa travessa de cerQmica pr3pria para sufls e coloquei a travessa numa sacola bem grande da EC2. 2al terminara essa opera$!o, o r&dio deu a not4cia de que os trens de uma das duas lin as do metr6 que serviam min a esta$!o n!o seguiriam rumo a 2an attan devido a um problema nos tril os. =, no escrit3rio, reuni!o geral 1s nove, claro. 5& d& para ter uma idia de como isso acaba, certoL Quando eu * atrasada, suada, apressada * ia saindo da esta$!o da Cortlandt Ftreet, do outro lado da rua em frente ao escrit3rio, claro que o fundo da sacola rasgou de repente, e claro que a Charlotte Malakriff foi para o c !o, e claro que min a travessa de cerQmica pr3pria para sufls ficou em peda$os. "esse 4nterim, claro que uma c uva gelada * cu#as gotas convertiam*se em pequenas forma$Nes glaciais na l! mongol do colarin o do meu casaco * come$ou a cair forte, muito forte. Recol i min a Charlotte Malakoff embrul ada em papel*manteiga e os cacos da travessa e entrei correndo no prdio, com o rosto ardendo de umil a$!o. =, ap3s c egar ao escrit3rio e dei-ar os restos de c arlote em cima da pia da co(in a dos funcion&rios, com um bil ete que di(iaH K"!o fa$am cerim6nia, sirvam*se 1 vontadeOK, tive de procurar os seis democratas que trabal avam comigo para avisar*l es que talve( fosse prudente n!o comer o doce, #& que ele podia conter cacos de cerQmica. )epois, era ora de pegar no batente * e claro que isso #& era o suficiente para estragar meu dia. .o aceitar esse emprego, tive de assinar um termo de confidencialidade, de
modo que n!o posso entrar em detal es, mas ac o que a informa$!o de que os burocratas s!o umas bestas em grande medida de dom4nio pGblico, n!oL = aposto que tambm n!o c ega a ser confidencial o fato de que ir um sem*fim de ve(es at a impressora coletiva no fim do corredor com o intuito de imprimir cartNes de identifica$!o para os burocratas que na Gltima ora resolveram participar da reuni!o do comit do memorial * porque ficaram sabendo que os assessores do governador estariam presentes * para l& de irritante. 'ampouco segredo que fa(er isso ao mesmo tempo em que se tenta mostrar para o funcion&rio do buf Y um rapa( esfor$ado, mas que n!o fala uma palavra de ingls * onde colocar os sandu4c es, os petits0fours e as garrafas trmicas mais irritante ainda. )epois, n!o encontrei na mercearia turca perto do escrit3rio os me-il Nes de que eu precisava para preparar meu pr3-imo prato, Moules = la ProoenDale, e se o bom )eus que est& no cu quisesse que eu fosse bater perna em C inatoPn em pleno ms de fevereiro teria dei-ado min a s4ndrome ormonal ir em frente, cobrindo*me com uma camada uniforme de sebo e um couro bem grosso, 1 prova dV&gua, tal qual uma foca, em ve( de me dotar apenas de sobrancel as desgren adas, bigodes 1 %u 2anc u e asquerosas bolsas de gordura de manteiga. .lm do mais, quem ia querer saber de me-il Nes * de que eu inclusive n!o gosto * com o frio de trinta graus abai-o de (ero que estava fa(endo em nosso apartamentoL Quando c eguei em casa de m!os abanando, =ric estava assistindo ao #e(s.our em ve( de lavar os pratos que transbordavam da pia da co(in a e se esparramavam pelo c !o. K"!o culpa min aK, protestou ele, soturno, antes mesmo de eu come$ar a bufar e sair pisando duro pelo apartamento. K. pia est& entupida. Precisamos comprar um )rano.K )escalcei meus malditos sapatos a pontaps e fui me refugiar no meio*ban eiro, com o intuito, quem sabe, de empoar o nari(. O som que saiu da min a boca quando pus os ps l& dentro n!o tem como ser reprodu(ido com e-atid!o no papel, mas foi algo comoH K2aquicumequiL 2aquipooooorra; . ; . ; OOOK . merda no#enta n!o era merda propriamente dita. =ra algo de nature(a bem mais perturbadora. %ragmentos de arro( e salsin a boiavam nela, e avia tambm n3doas flutuantes de uma substQncia que eu n!o sabia o que era, embora lembrasse manteiga derretida. . meu ver, gim*t6nica o coquetel idealH requintadamente civili(ado sem parecer nem um pouco afeminado, mesmo quando servido em ta$as de mart4ni resfriadas, e bril a com um toque perolado de c artreuse. .final, o drinque preferido de P ilip 2arloPe.L Originalmente, a mistura de gim e suco de lima era feita na ra(!o de um para um. Rsso foi na poca do gim falso das destilarias clandestinas. Eo#e, a maioria dos bares usa uma mistura de quatro para um, o que na opini!o dos PoPell ainda lima em e-cesso. 2arin eiros de primeira viagem, ou$am meu consel oH n!o se aventurem nessas &guas. =-perimentem fa(er seu gim*t6nica em casa, com uma quantidade m4nima de suco de lima, bem gelado. =ric e eu usamos vodca em ve( de gim, coisa que para muitos uma eresia, mas n3s ac amos sensacional. O gim*t6nica +uma vodca*t6nica, para ser mais e-ata, que =ric preparou para mim depois que parei de urrar coisas sem sentido diante da pia do meio*ban eiro estava um verdadeiro espet&culo, t!o bom que serviria de compensa$!o para um monte de pratos n!o lavados e muitas oras de #e(s.our. Fe a risada de )aisJ @uc anan tem som de din eiro, um gim*t6nica, bem preparado, tem cor de din eiro. S a solu$!o ideal quando a gente est& se sentindo pobre * financeira ou espiritualmente. Como, por e-emplo, quando uma merda no#enta come$a a brotar na pia do seu meio* ban eiro.
"em eu nem =ric est&vamos preparados +e, em pouco tempo, tampouco s3brios o bastante, para lidar com canos entupidos naquela noiteM preferimos acordar cedo no dia seguinte. .p3s =ric ter ido, ainda de madrugada e em meio a um frio de rac ar, at o )un0inV )onuts da Queensboroug Pla(a a fim de comprar caf e provisNes, passamos a man ! abrindo espa$o entre os pratos para c egar ao ralo da pia e, com a a#uda de quatro garrafas de )rano, finalmente conseguimos convencer o encanamento a aceitar de volta aqueles eflGvios vindos sabe*se l& de onde. .bsorta nisso, s3 1 noite entrei na internet para escrever um post sobre min as dificuldades idr&ulicas e me desculpar por n!o ter co(in ado na noite anterior. Porm, em min a ausncia, Rsabel mantivera o circo animado, escrevendo na se$!o de coment&rios o par&grafo mais lindo que #& li sobre 5ulia C ildH )eus do cu, 5ulia C ild definitivamente a pessoa mais cool do planeta. .cabo de ver o programa dela na 'V * liguei bem na ora em que ela se inclinou destemidamente para a frente, apoiou os dedos na pia, como uma deusa primordial das co(in as e do bom umor, e disse 1 mul er com quem estava co(in ando, uma fulana que n!o consegui descobrir quem eraH K=u n!o comia isso desde o tempo do On$aOK .c o que era uma torta. =las tambm tin am feito um bolo de gengibre que estava com uma cara 3timaM ent!o talve( fosse esse bolo o que ela n!o comia avia tanto tempo. Vh5ulia se inclinou destemidamente para a frente, apoiou os dedos na pia, como uma deusa primordial das co(in as e do bom umor.K .c o que nem se eu vivesse at os 87 anos seria capa( de escrever uma frase mais verdadeira e deliciosa que essa. = Rsabel nem d& tanta bola assim para 5ulia C ild. =screveu isso porque sabe o quanto eu gosto dela. %ui invadida por uma inesperada onda de gratid!o lacrimosa. =u n!o conseguiria escrever para Rsabel algo delicioso e verdadeiro sobre, digamos, Ric ard Eell. Fabia que n!o. "aquela noite, ap3s #antarmos !upr?mes de Bolaille au; Champignons e Fonds d'Artichauts = la Creme 0 cremosos, como indicam seus nomes, mas n!o dif4ceisM a essa altura eu #& estava craque em mutilar alcac ofras *, terminei meu post e-tralongo sobre nossas e-perincias alimentares e nossos infortGnios idr&ulicos, depois abri o MtAoFC a fim de verificar qual seria o #antar do dia seguinte. %oi ent!o que descobri uma coisa maravil osa. K=ric, ven a verOK =ric estava com detergente pelos cotovelos, 1s voltas com a lou$a que n!o tin a podido lavar na noite anterior. P6s a cabe$a para fora da co(in a com um ol ar de interroga$!o. Xesticulei para que ele se apro-imasse. KVen a c&OK =le veio at min a mesa e ol ou por cima do meu ombro para o livro aberto em min as m!os. >Mouclades. S issoLK .vancei algumas p&ginas, depois voltei para tr&s. >Mouclades, cap4tulo seis, mouclades, cap4tulo... Pu-aO Voc terminou o cap4tulo cincoL .cabou o cap4tulo dos pei-esLK Forri para ele. >Mouclades o Gltimo prato.K Ri com alegria. Rsso significava quatro cap4tulos a menosH sopas, ovos, aves e agora pei-es. . certa altura, eu decidira pular as varia$Nes de receitas, e, como os temperos 1 base de pei-e ficavam em outra parte do livro, eu podia realmente di(er que tin a dado cabo dos pei-es. S bem verdade que esses eram os cap4tulos mais curtos e mais simples, mas ainda assim uma coisa era certaH eu estava progredindo, estava abrindo camin o entre as p&ginas de Mastering the
Art of French Cooking, estava )ominando a .rte da Culin&ria %rancesa. KVamos atr&s desses me-il NesOK "a noite seguinte, l& est&vamos eu e =ric, debru$ados sobre a pia da co(in a, arrancando os me-il Nes de suas conc as depois de eu t*los co(ido no vapor com currJ, tomil o, sementes de erva*doce e al o. O c eiro na co(in a era divino, os me-il Nes eram roli$os, rosados, pregueados, como pequenas vulvas, ainda que a compara$!o talve( fosse s3 um refle-o da min a alegria esfu(iante. "a man ! seguinte, eu informaria a meus leitores que mais um cap4tulo fora completado, que D9A receitas aviam sido preparadas, que 5ulie PoPell estava a camin o de concluir sua empreitada insana. K.gora ir em frente, agendar a cirurgia de ponte de safena e reservar o quarto no manic6mio. 2e aguardemO K, bradei para o omem a meu lado, o marido que naquele momento eu amava tanto que n!o conseguira arrancar direito os me-il Nes das conc as. 2ais tarde, quando sem motivo aparente o mol o 1 base de manteiga come$ou a se desintegrar e eu ol ava apreensivamente para a panela, acrescentando com o maior cuidado um pouquin o de &gua gelada, me-endo a manteiga que insistia em dar sinais de n!o querer ficar na compan ia dos demais ingredientes, =ric permaneceu a meu lado. =u era 'om Cruise com got4culas de suor despontando no rosto, era Earrison %ord com aquele vel o c apu de couro na cabe$a, erguendo um saco de areia * e =ric compreendia. =ra meu parceiro. =nquanto eu me-ia aquele mol o rebelde at ele se dar por vencido, ocorreu*me que meu marido n!o estava apenas aturando a aventura maluca em que eu avia me metido, n!o estava apenas me apoiando e torcendo por mim. Percebi que o Pro#eto era dele tambm. =ric n!o co(in ava e, tal qual Rsabel, s3 se importava com 5C porque ela era importante para mim. "o entanto, ele se tornara parte daquilo tudo. "!o avia Pro#eto sem ele e ele n!o seria o mesmo sem o Pro#eto. )e repente, n!o mais que de repente, eu me sentia t!o casada, t!o feli(. =stava t!o bem* umorada que nem um 7iz = l'*ndienne seria capa( de me irritar. Para fa(er um 7iz = l'*ndienne, despe#e uma -4cara e meia de arro( numa panela com oito litros de &gua fervendo * algo que, numa era de crise ambiental como a nossa, pode parecer quase imoral para quem se preocupa com esse tipo de coisa. "!o fa$o o gnero ecologista radical, mas confesso que empalideci ao enc er a panela. )ei-e ferver por de( minutos, ent!o Kmorda sucessivos gr!osK para verificar se o arro( est& pronto. 5ulia di( que Kquando um gr!o parece tenro a ponto de n!o apresentar nen uma rigide( interna, mas ainda n!o est& completamente co(ido, ora de p6r o arro( para escorrerK. "ormalmente seria divertido imaginar 5ulia C ild apan ando gr!os de arro( num panel!o com &gua fervendo, mordiscando*os um por um e perscrutando seu interior, mas eu estava ocupada demais fa(endo isso eu mesma para pensar em coisas engra$adas. .p3s escorrer o arro(, lave*o em &gua quenteM depois, envolva*o com um pano de prato e dei-e no vapor por meia ora. 7iz = l'lndienne deve ser a receita mais obtusa de todo MtAoFC. =nfrentar um recalcitrante mol o 1 base de manteiga pode ser penoso, sem dGvida, mas n!o dei-a ningum com a irritante sensa$!o de futilidade que advm da prepara$!o de um 7iz = l'lndienne. ;ma coisa eu garantoH n!o d& para fa(er esse arro( sem gritar ao menos uma ve( para o livro aberto, como se na cara de 5uliaH KQue diabo, mul er * s3 arro(, porraOK =ric, testemun ando tal e-plos!o, apelidou*o de K.rro( Pentel oK, em omenagem tanto 1 trabal eira que prepar&*lo quanto 1 3bvia crueldade no car&ter de algum que sugere que se fa$a algo assim. .pesar disso, acabamos #antando antes das nove naquela noite Y algo que n!o acontecia fa(ia sculos. =ric lavou toda a lou$aM eu preparei algumas vodcas*t6nicas. .inda sentia certo entusiasmo por ter conclu4do o cap4tulo dos pei-es, e os me-il Nes tin am sido um prato leveH pela primeira ve( em muito tempo, eu n!o ficara com a sensa$!o de ter
#antado um saco de cimento. @eberiquei meu drinque. =stava passando um realit" sho( na 'V. ;m silncio sugestivo caiu no apartamento enquanto tent&vamos nos lembrarH e ent!o, o que mesmo que as pessoas fa(em quando n!o est!o co(in andoL FGbito, =ric se levantou, dei-ando o drinque inacabado na mesin a de centro. K.c o que vou fa(er a barba.K =ric detesta fa(er a barba. .c a que n!o sabe se barbear direito e que de alguma forma isso tem um refle-o desfavor&vel em sua masculinidade. Quando eu ia visit&*lo na faculdade, terminava o fim de semana com o rosto vermel o e irritado por causa do atrito com sua barba cerrada. )epois que ele se formou, criou vergon a na cara e tratou de enfrentar o problema com seriedade. 2as continuou sendo um tormento para ele, e talve( por isso a e-press!o fazer a 1ar1a ten a entrado para o nosso repert3rio de c3digos*secretos*de*marido*e*mul er. Como emH KOl e, querida, fi( a barbaK, acompan ado de um insinuante meneio de sobrancel as. Porm ele n!o saiu do ban eiro acariciando o quei-o barbeado enquanto sorria com uma e-press!o safada para mim. "!o, em ve( disso, ouvi o improprioH K2as que merdaH> Eo#e em dia, sou especialista em decifrar as impreca$Nes de =ric. Quando ouvi essa, compreendi que devia me levantar do sof& e correr para o ban eiro. =ncontrei meu marido imerso numa po$a dV&gua de quase cinco cent4metros de profundidade, alimentada pelo #orro vigoroso que sa4a de um cano atr&s da privada. K2as que merda.K K%oi o que eu disse.K %ui 1 toda apan ar um balde no quartin o de limpe(a, mas n!o conseguimos enfi&*lo entre a privada e a parede, de modo que corri at a co(in a em busca da maior vasil a que eu tin a e coloquei*a embai-o daquele c afari( borbotoante. . essa altura, est&vamos ambos ensopados, e a &gua se espal ava rapidamente. Quando conseguimos en-ugar o piso, a vasil a atr&s da privada estava c eia, de modo que fui atr&s da segunda maior vasil a que eu tin a e troquei uma pela outra. KComo a gente fa( para essa &gua parar de correrLK, indagou =ric, esgoelando*se para vencer o rugido ensurdecedor daquela cac oeira. K= voc vem perguntar isso pra mimL Pensei que era pra esse tipo de coisa que voc serviaOK )epois de apalpar inutilmente nosso boiler 1 procura de um registro, fomos para o por!o, onde eu nunca avia estado antes. Para ser sincera, esito um pouco em c amar aquele lugar de por!o. Lembram*se da casa na Gltima cena de A ,ru;a de ,lairC Parece um pouco o nosso por!o, com a diferen$a de que, se voc se recorda, no filme trata*se de um lugar relativamente arrumado, e as crian$as n!o c egam a ver nen um osso de verdade relu(indo sob os fac os de suas lanternas. = foi sem ra(!o que acrescentei ao meu estoque de imagens aterrori(antes a e-perincia de ir at l& embai-o na maior escurid!o, porque continuamos sem saber onde ficava o maldito registro. Portanto n!o passamos a noite num -tase con#ugal de barba feita, e sim nos reve(ando no c !o do ban eiro, esva(iando vasil as de a$o ino-id&vel a cada sete minutos e meio * eu medi a velocidade de va(!o da &gua, porque esse o tipo da coisa que a gente fa( 1s quatro da man !, sentada no c !o do ban eiro, 1 espera da ora de trocar as tigelas que coletam a &gua de um va(amento catastr3fico no cano da privada. =ric fe( bem mais que a parte que l e cabia, permanecendo acordado at as : :?, quando me levantei e o obriguei a ir para a cama. .proveitei o tempo livre no meu turno de servi$o para preparar uma Mousseline au Chocolat, que, em termos tcnicos, pertencia 1 se$!o de gelatinosos, mas que milagrosamente deu certo. +Xra$as a )eus * ac o que eu n!o teria conseguido lidar com outro desastre., Levei o doce 1 geladeira e o servi na noite
seguinte nas -4caras de caf com an#in os rafaelitas que av4amos comprado numa lo#a de suvenires baratos da Capela Fistina em nossa lua*de*mel, depois de uma longa, longu4ssima camin ada, e depois usado numa pra$a arbori(ada para tomar vin o enquanto com4amos o quei#o que nos servia de almo$o, como fa(4amos todos os dias em nossa viagem de lua*de*mel. = comer aquele doce assim nos fe( lembrar da e-istncia de uma coisa c amada divers!o, e foi muito bom e oportuno lembrar disso. )e modo que no fim deu tudo certo, e n!o vou responsabili(ar um va(amento de propor$Nes b4blicas pelo frio que naquele inverno se instaurou em meu relacionamento com =ric. "!o, vou p6r isso na conta de canos congelados dos quais, por quatro dias seguidos, n!o saiu uma gota dV&gua. ... quero criar uma sofisticada lin a de m3veis er3ticos. Poltronas e sof&s com apoios ergon6micos e a#ustes para o coito, mas CO2 2;R'O =F'RLO. %i( alguns desen os e, assim que conseguir escane&*los, mando pra voc. 'alve( sua m!e possa me dar umas dicas sobre como fabric&*los ... 5& pensei at num nomeH Fc tuppen ausO 'er uma amiga mais doida que voc bom porque revigora a cren$a em sua pr3pria sanidade mental. Por que me afligir com a insensate( que era preparar todas as receitas de MtAoFC sem nen um motivo em particular quando Rsabel plane#ava fabricar m3veis cu#o design sofisticado tin a como Gnico ob#etivo proporcionar boas trepadas e ainda cogitava pedir consultoria a min a m!eL Con e$o Rsabel desde a primeira srie. Costum&vamos fa(er coreografias para as mGsicas de CindJ Lauper * foi ela quem me esclareceu o sentido da letra de KF e @opK. Quando contei a amigos e parentes que estava pensando em me dedicar a esse pro#eto de culin&ria, s3 duas pessoas n!o reagiram com alguma varia$!o deH KFanto )eus, de onde voc tirou essa ideia malucaLK * meu marido e Rsabel. =la uma boa amiga. =u, por outro lado, no sou uma boa amiga. Rsabel sempre se esfor$ou em manter contato, embora desde o fim do colegial nunca mais ten amos morado na mesma cidade. =la se lembra do meu anivers&rio, compra presentes no "atal para mim e se oferece para cortar meu cabelo. Fempre gostou dos meus namorados e ficava animada quando eu me pun a a tagarelar sobre eles. Por outro lado, #& passei por cidades em que ela estava morando e n!o a procurei. "!o sei di(er ao certo quando seu anivers&rio e no "atal costumo dar para ela alguma bobagem que encontro na fila do cai-a da @arnes C "oble no dia D>. "unca soube muito bem como eram os namorados dela, mas com frequncia tin a vontade de sacudi*la pelos ombros e gritarH K. , pelo amor de )eus, Rsabel, ser& que voc n!o consegue ficar um minuto de boca fec adaLOK Contudo, mesmo n!o sendo uma boa amiga, gosto muito de Rsabel. Por isso, fiquei muito feli( quando 2artin apareceu no peda$o. =le era taciturno e um pouco esquisito * Rsabel di(ia que era fot3grafo e pintor, embora eu nunca ten a visto seu trabal o. .ndava um pouco curvado, 1 maneira dos omens altos e magros, em especial dos omens altos, magros e t4midos. 2as seus raros sorrisos eram sinceros e ternos. = ele n!o precisava di(er nada para mostrar que saca%a Rsabel * uma pessoa que, para di(er o m4nimo, n!o f&cil desvendar *, percebia tudo o que avia por tr&s da estridncia e das obsessNes com as subculturas mais e-travagantes. F3 de ol ar para ela. Casaram*se no #ardim do tio rico de Rsabel. .s flores eram voluptuosas, e os bolos da noiva e do noivo que ela encomendou a sua amiga ^rsula estavam estonteantemente mol ados e deliciosos. O vestido de veludo cor de vin o real$ava seu colo not&vel e dava a sua pele um tom p&lido e suave. O penteado foi ela mesma quem fe(, como sempre, mas dessa ve( Rsabel optou por uma coisa simples e abriu m!o dos cac in os
apan ados no alto da cabe$a caindo em forma de cascata. 2artin estava com um palet3 esporte de veludo, um tro$o estran o que ele encontrara num brec 3, da mesma cor que o vestido de Rsabel * ele era s3 #oel os e cotovelos, um espantal o relu(ente. ;ma amiga de Rsabel c amada 2indJ leu um te-to que comparava o casamento a um acampamento de alpinistas e eu li um poema de P ilip Levine sobre cunil4ngua. 'udo muito Rsabel. @om, como #& dei-ei claro, n!o fa$o panfletagem em defesa da inviolabilidade dos #uramentos nupciais. Para mim, cada um na sua, sabem como L 2as 1s ve(es & e-ce$Nes. Porque 1s ve(es, quando uma pessoa muito querida se apai-ona * especialmente quando se trata de algum infeli( ou dif4cil ou que por uma ra(!o ou outra n!o encontrou um lugar no mundo *, quando isso acontece, voc fica com uma sensa$!o de al4vio, srio, como se tirasse um peso dos ombros, um peso que no fundo voc nunca se dera conta de estar carregando. %oi assim que me senti ao ver Rsabel casando*se com 2artin * K.4 est&, uma preocupa$!o a menosK. )uas pessoas que poderiam muito bem #amais ter se con ecido tin am se encontrado. Parecia uma coisa preciosa e fr&gil. =nt!o, trs anos depois, Rsabel #oga tudo para o alto. Ontem falei pela primeira ve( com o 5ude ao telefone. "!o me ligo muito no sotaque dos inglesesM pra falar a verdade, em geral ac o meio irritante aquele #eito que eles tm de falar, mas no caso do 5ude simplesmente perfeito. 5& viram uma amiga tomar a pior decis!o que poderia tomar na vidaL =la fica ol ando para a gente, feli( como nunca, convicta como nunca, e a gente v que ela est& prestes a dar um passo em falso, est& prestes a pisar no va(io, mas n!o & nada que possamos fa(er para afast&*la da beira do precip4cio. "!o d& para di(erH K2eu )eus, Rsabel, n!o me diga que voc vai arruinar seu casamento com o 2artin, esse cara que te ama tanto, por causa de um guitarrista pun0 ingls que voc con eceu na internetH> . , e obrigada pelo post sobre o .rro( Pentel o. Voc tin a que fa(er isso, por todas n3s que #amais o far!o. = espero que o seu encanamento #& este#a em ordem e que voc ten a falado com o propriet&rio. Voc sabe que sua m!e aproveita o blog pra ficar de ol o em voc, n!o sabeL Fe n!o falar com o propriet&rio, ela vai 'ORC=R o F=; P=FCOiO. Rsabel foi a Gnica que n!o me disse que eu era uma louca varrida quando contei que resolvera fa(er todas as receitas de MtAoFC e que era assim que pretendia salvar min a alma. =la acreditava em mim e agora precisava que eu acreditasse nela. O que eu ia di(erL Como det*la sem perder sua ami(adeL "as semanas seguintes, continuei a fa(er o .rro( Pentel o. "!o que tivesse de fa(*lo * eu #& preparara a receita, avia uma marquin a ao lado de 7iz = *'*ndienne no livro. )ali em diante, nada me impedia de #ogar um pouco de ;ncle @enVs numa panela com &gua fervendo e esquecer o assunto. 2as eu estava intrigada. O .rro( Pentel o era t!o desnecessariamente barroco, t!o estupidamente proli-o. 'oda ve( que eu consultava o cap4tulo de legumes e verduras * em MtAoFC, o arro( aparecia entre os legumes e verduras, coisa que, por alguma ra(!o, me divertia muito *, l& estava ele, ol ando para mim. KPor quLK, eu me perguntava toda ve( que topava com ele. KPor que, 5uliaL O que o .rro( Pentel o tem de t!o formid&velL K ;ma coisa eu digoH no 7iz = l'lndienne n!o & perigo de o arro( queimar. Por mais distra4da que a pessoa este#a em virtude de vodcas*t6nicas ou fiascos culin&rios, o 7iz =
l'lndienne nunca d& errado. S bem poss4vel que em seus primeiros anos de Paris, ao se ver so(in a e atarantada naquela &gua*furtada que l e servia de co(in a, com o marido a tirar fotos e a enfiar o dedo no mol o, 5ulia quisesse apenas eliminar um item de sua lista de preocupa$Nes. 2as valia a penaL .rro( queimado t!o ruim assimL O .rro( Pentel o suscitou uma discuss!o impressionante no blog e fe( vir 1 tona um tipo de gente que eu nem sabia que e-istia. Pare de perder tempo com essa idiotice. Voc precisa de uma panela de fa(er arro( * e #&O Livre*se do arro( queimado, das panelas grudadas e )O .RROW P="'=LEO. Fe essas panelas e-istissem na poca em que 5ulia C ild escreveu MtAoFC, ela teria dito maravil as a respeito delasO 5C nunca foi boba de despre(ar uma boa inova$!o tecnol3gica. @ei#o, C ris. %oi assim que C ris revelou*se uma apai-onada )efensora das Panelas de %a(er .rro(. = n!o estava so(in a. =ssas panelas, segundo essa parcela admiravelmente enga#ada da popula$!o, eram o supra0sumo. 'ransformavam vidas, a se acreditar no que di(iam seus adeptos. 'al efus!o suscitou, por sua ve(, uma resposta acalorada de outro contingente n!o menos enga#ado de pessoas, lamentando o v4cio em aparel os eletrodomsticos e a pregui$a incur&vel dos )efensores das Panelas de %a(er .rro(, citando*os como mais um triste e-emplo do materialismo insaci&vel do mundo atual. K@a , s3 mais um desses trambol os imprest&veisK, escreveu com irrita$!o algum c amado %!)o%og!o. K"!o se renda, 5ulieOK =u era assediada por ambos os lados, sendo instada ora a comprar uma panela de fa(er arro( 5], ora a n!o me dei-ar sedu(ir pela lu(in a vermel a das panelas de fa(er arro(. Os poucos dentre n3s que n!o tin am opini!o formada sobre o assunto e n!o compreendiam o motivo de tanta pai-!o estavam ficando aturdidos. Como escreveu Eeat cliffH VV5& fi( muito arro( na vida e nunca me passou pela cabe$a que a maneira de se fa(er uma panela de arro( pudesse gerar controvrsia. =ssa discuss!o est& me c eirando a coisa de nova*iorquino. .rro( arro(, pombasK. 'alve( eu se#a uma pessoa muito encanada, mas o fato que todo aquele !turm und &rang em torno da quest!o do arro( me afligiu. Por que as pessoas aviam se dei-ado inflamar tanto por algo como panelas de fa(er arro(L Por que, por mais que me esfor$asse, eu n!o conseguia dar a menor pelota para aquiloL Fer& que eu estava al eia a um tema central da min a gera$!oL 'alve( fosse uma quest!o semel ante 1 do Ktipo feito para casarK * a mim e a Eeat cliff faltava o gene associado 1 problem&tica do arro(. 'udo bem. 'alve( eu se#a mesmo muito encanada. Rsabel, como de costume, apresentou uma contribui$!o a um s3 tempo e-tremamente diplom&tica e absolutamente insana ao )ebate Fobre as Panelas de %a(er .rro(H .c o que talve( e-ista um universo paralelo um pouco diferente, atravs do qual todos n3s podemos ol ar, de c& para l& e de l& para c&, e no qual para alguns mais simples e f&cil co(in ar arro( em panelas normais, ao passo que para outros mais simples e f&cil fa(*lo em panelas eltricas. .travs do Vu de .rro(L "ingum fa(ia a menor idia do que ela estava falando, claro, mas com Rsabel os pormenores n!o tm muita importQncia. Fuas palavras foram apreciadas por unanimidade, pacificando os envolvidos na discuss!o, que a partir de ent!o concordaram em discordar.
Quando os canos de um apartamento come$am a vomitar uma merda no#enta, a solu$!o beber algumas doses de vodca*t6nicaM quando eles va(am, a mel or coisa a fa(er preparar uma musse de c ocolate. Porm, quando eles dei-am essas idiossincrasias de lado e congelam e permanecem dias a fio sem uma gota dV&gua, o remdio precisa ser mais potente. )i( a sabedoria popular que a solu$!o para canos congelados num apartamento de Long Rsland CitJ um pouco de ero4na na veia. Para min a infelicidade, eu #& estava viciada em ingredientes culin&rios e-cessivamente caros, o que e-clu4a gastos recreativos com drogas. Optei por co(in ar e comer quilos de carne at ficar entorpecida ou sem panelas limpas, o que viesse primeiro. 5ulia di( que o #a%arin Printanier, guisado de cordeiro com legumes t4picos da primavera, Kdei-ou de ser um prato sa(onal gra$as 1s modernas tcnicas de congelamentoK, coisa que ao acordarmos num apartamento glido e sem &gua talve( ten a soado mais = propos do que fora sua inten$!o. . vantagem do #aoann Printanier que ele su#a pouqu4ssima lou$a, algo fundamental quando seu apartamento est& sem &gua & :9 oras e voc fa( #us a uma vaga na equipe ol4mpica de corrida de obst&culos s3 por conseguir se locomover na co(in a. Para preparar um #a%arin Printanier, doure numa frigideira alguns peda$os de guisado de cordeiro previamente en-utos em papel*toal a * usei uma mistura de pedacin os vertebrais esquisitos e carne de quarto dianteiro desossada. %rite*os em ban a, que outro desses itens que sempre Gtil ter 1 m!o para a eventualidade de seu estoque de ero4na c egar ao fim. .ssim que os peda$os de carne estiverem bem dourados de todos os lados, tire*os da frigideira e coloque*os numa ca$arola, acrescente uma col er de sopa de a$Gcar e co(in e em fogo alto por um minuto. Rsso deve carameli(ar o a$Gcar, coisa que, por sua ve(, deve dei-ar o caldo com uma cor marrom e um aspecto muito apetitoso. 'empere com sal e pimenta, misture algumas col eres de sopa de farin a e leve a carne, dentro da ca$arola, ao forno pr*aquecido 1 temperatura de D:?dC por alguns minutos. 'ire do forno, me-a e torne a colocar no forno. O ob#etivo disso tudo dei-ar a carne com uma camada crocante e marrom. .bai-e o fogo para 7A?dC. 2uito bem, agora acrescente um pouco de caldo de carne * ou, em se tratando de uma supergourmande sobre* umana como eu, um pouco do caldo de cordeiro que voc providencialmente tem na geladeira * 1 frigideira em que foram dourados os peda$os de cordeiro e leve ao fogo. )espe#e o caldo resultante sobre a carne que est& na ca$arola. .dicione tomates descascados, sem sementes, sumarentos e em peda$os ou, se for uma pregui$osa imprest&vel e incorrig4vel como eu, algumas col eres de sopa de e-trato de tomate. )eve*se acrescentar tambm um pouco de al o triturado, alecrim, uma fol a de louro e, bem prov&vel, mais um pouco de caldo de cordeiro ou de carne, de modo que todos os peda$os de cordeiro da panela fiquem submersos. Leve ao fogo e dei-e ferver * e n!o se esque$a de que a ca$arola estava no forno e que a fil a*da*m!e continua quente pra danar. "unca me lembro disso e a consequncia que meus antebra$os +assim como min a barriga, #& que a esperta aqui resolveu co(in ar com uma camisetin a bem curta, est!o c eios de marcas de queimadura entrecru(adas que parecem o s4mbolo dos [* 2en. Quando come$ar a ferver, leve a ca$arola novamente ao forno por mais ou menos uma ora. =ric, que, n!o podendo lavar lou$a, n!o tem nada para fa(er alm de ficar fol eando as revistas que se amontoam em pil as obeliscais em todos os cantos da casa * as quais estariam muito mel or empregadas, em min a opini!o, se as us&ssemos para nos aquecer com uma fogueira ilegal *, notou que est& frio 1 be$a no apartamento. .li&s, aqui sempre est& frio 1 be$a. )evem ser as aragens &rticas que entram pelas vene(ianas defeituosas e sobrepu#am por completo a porcaria do sistema de calefa$!o pelo qual
pagamos du(entas pratas por ms. "essa tarde, porm, a #eto Aorker n!o basta para fa(er com que =ric se esque$a do frio. =le est& com uma ideia na cabe$a, mas voc ainda tem muito o que fa(er e, alm do mais, fa( trs dias que n!o toma ban o, de modo que o rec a$a, pedindo*l e que prepare uma vodca*t6nica. Pique as batatas, as cenouras e os nabos. Fe estiver com pacincia, pode esculpi*los em belas formas arredondadas. %a( alguma diferen$aL "!o sei, nunca ten o pacincia. )escasque tambm algumas cebolas*prolas. Quem n!o tem nen uma outra fonte de &gua alm da neve derretida, oleosa e cin(enta que recol eu na cal$ada e p6s num isopor +um isopor que agora dever& ser desinfetado com soda c&ustica, s3 para poder #ogar na privada ter& de descasc&*las pelo mtodo mais dif4cil, ou se#a, sem escald&*las primeiro. 'alve( isso e-i#a mais uma dose de vodca*t6nica. )epois de assar o cordeiro por uma ora, tire*o do forno e acrescente os legumes. 5ulia quer que voc Kpressione os legumes ao redor e entre os peda$os de cordeiroK. .contece que & legumes demais diante de voc para que isso possa ser feito com efic&cia * mas, ora bolas, quem quiser que tente. . essa altura o c eiro do cordeiro est& fabuloso, e isso bom, porque a#uda a esquecer a vontade de se matar. Outra coisa que a#uda muito nesse aspecto uma garrafa de vin o australiano daqueles bem baratos, desde que voc n!o se incomode em acordar 1s trs da man ! com a boca seca e descobrir que a Gltima garrafa de &gua mineral est& quase no fim e que n!o pode fa(er nada alm de prague#ar contra o nome FJra . "o entanto, nem um vin o FJra , nem um #a%arin Printanier a#udar!o a quebrar o gelo de um relacionamento. =ric pensou que talve( a#udassem. "aquela noite, ao nos deitarmos, ele se enrodil ou em mim, bei#ou*me nos ombros, dei-ando bastante claro dessa e de outras maneiras que em sua opini!o era c egada a ora do degelo. Rgnorei suas investidas o quanto pude, at que, por fim, soltei um suspiro irritado. KO que foi, 5ulieLK KO que e-atamente voc pretende fa(erLK KS que... =st& t!o frio aqui... Pensei que a gente podia...K KPodia o quL 'reparL =stou fedendo a cordeiro assado, =ric. = fa( trs dias que n!o tomo ban oO = n!o me depileiO = preciso levantar aman ! cedo e ir trabal ar e depois ten o que voltar para o @;R.CO )= 2=R).que este apartamento e ir de novo para a COWR"E.O "!o quero treparO S bem capa( que eu ";"C. 2.RF queira treparOK =ric me deu as costas e foi se encol er do outro lado da cama, o mais longe que conseguiu c egar de mim. K=ric, desculpe.K K'udo bem, esquece.K >&esculpe. S que eu estou t!o irritada, t!o cansada... > VV5& disse pra esquecer. Vamos dormir.K Pois . %oi mal. Pensando bem, um milagre que 5ulia ten a c egado a se casar. Voc fa( ideia de como deve ser ter de viver sob o mesmo teto com aquele tipo de energia * para sempreL Rsabel igual(in a * entusiasmada, feita de uma matria semel ante a argila, ansiosa para ser moldada por novas e-perincias, estarrecida com a possibilidade de arriscar a sorte num Gnico destino. S uma perspectiva inve#&vel, mas dei-a e-aurido qualquer um que ten a de acompan &*la o tempo todo. 5ude andava escrevendo mais poemas para Rsabel * e n!o e-atamente do tipo Kbatatin a quando nasceK. =ssas missivas ardentes, Rsabel prontamente compartil ava n!o apenas com toda sua lista de e*mails, mas tambm com 2artin. K@om, eu os ac o 1rilhantes. = vocLK 2artin, segundo o relato de Rsabel, n!o demonstrava nen uma rea$!o.
. cabe$a entra em parafuso. Feu e*mail seguinte sobre o assunto era aquele que avia algum tempo eu aguardava e temiaH =stou gostando muito, muito mesmo do 5ude, e n!o ve#o a ora de con ec*Ro pessoalmente, mas isso "cO tem a ver apenas com ele e tambm "cO tem a ver apenas com 'S)RO ou qualquer coisa do gnero. Rndependentemente do que aconte$a entre mim e o 5ude, estou quase decidida a pedir o div3rcio ao 2artin. Como eu receava, o grande abismo estava se abrindo sob os ps de Rsabel, e tudo o que eu conseguia l e di(er era uma srie infind&vel de um ums. Recebi um Gltimo e*mail na man ! em que ela tomou o avi!o para a Rnglaterra. 'in a contado a 2artin para onde estava indo e por qu. =le ficara inconsol&vel, claro. Perguntara se ela estaria disposta a fa(er uma terapia de casal com ele para tentar salvar o relacionamento, mas ela disse n!o. K"!o quero salvar nosso relacionamentoK, argumentou. K"!o quero continuar casada com voc.K 'en o certe(a de que ela disse isso de forma muito delicada. Rsabel uma pessoa e-tremamente delicada. 2as essa crueldade toda me dei-ou com falta de ar, e senti uma dor(in a gelada no peito, um medo que n!o di(ia respeito somente a ela. Rsabel argumentava que tin a de ser cruel para resgatar sua vida. =u compreendia a importQncia disso e os sacrif4cios que uma pessoa podia estar disposta a fa(er para alcan$ar esse ob#etivo. 2as pensei em mim e no =ric, afastados um do outro em nossa cama de casal, e-auridos, mortos de frio, c eirando a comida francesa, e me perguntei se valia a pena. Rndaguei a mim mesma se resgatar nossa vida era de fato o que est&vamos fa(endo. "osso amado e-*prefeito Rudolp Xiuliani afirmou certa feita que o progresso da civili(a$!o dependia basicamente de mantermos os muros limpos de e-cremento. S um ponto de vista interessante, mas, com todo o respeito, preciso discordar. "o que tange 1 civili(a$!o, o fundamental &gua corrente. Quando a nossa voltou, 1s A :? da man ! de quinta*feira, ap3s uma ausncia de A> oras, eu e =ric nos sentimos umanos de novo. = n!o foi apenas para tomar um ban o demorado, quente e descongelante que ligamos para nossos respectivos c efes e avisamos que n!o ir4amos trabal ar porque est&vamos doentes. Quanto ao .rro( Pentel o, terminei por abandon&*lo sem c egar a uma conclus!o definitiva sobre seus mritos. 'ampouco comprei uma panela de fa(er arro(. "!o que eu tivesse qualquer coisa contra aquela geringon$a. F3 n!o queria ir at C inatoPn. Fuas ruas me tra(iam m&s recorda$Nes. Por ora, sou como a Fu4$a do arro(H evito fa(er declara$Nes categ3ricas sobre o assunto e me contento em co(in ar um pouco de ;ncle @enVs numa panela normal. "o dia em que Rsabel tomou o avi!o para a Rnglaterra e foi curtir sua semana de se-o selvagem com um pun0 ingls que ela nunca tin a visto na vida, me peguei refletindo sobre sua estran a teoria do Vu de .rro(. = comecei a entender o que ela estava querendo di(er. "este mundo talve( e-istam lin as divis3rias que, uma ve( ultrapassadas, separam as pessoas umas das outras, e o fa(em de forma t!o cabal que como se elas estivessem em universos diferentes. )epois que come$a a usar uma panela de fa(er arro(, talve( a pessoa nunca mais consiga voltar. Contudo, tambm poss4vel que essa barreira que ela atravessou se#a transparenteM talve( ela possa ol ar com assombro e desdm para seus vel os compan eiros, que continuam no mundo penumbroso )aqueles que %a(em .rro( em Panelas "ormais. Por certo tempo, eu e Rsabel permanecemos #untas deste lado * n!o do Vu de .rro(, mas de outra cortina.
=nt!o, em sua tentativa de resgatar a si mesma, Rsabel inadvertida ou resolutamente passou para o lado de l&. Por alguns instantes * talve( enquanto eu gritava com =ric naquela noite ap3s tantos dias sem &gua, tanto frio, tanto tempo enfurnada na co(in a * ol ei para o outro lado e pensei em ir atr&s dela. 2as ent!o veio a man !, a &gua voltou, fi( amor com meu marido, que tambm meu parceiro, e a cortina se fec ou, dei-ando Rsabel para sempre do lado de l&. 'alve( se#a esse o significado daquela ist3ria de vu. Ou talve( eu se#a mesmo muito encanada.
Advert-ncia "!o tente fa(er um doce que requer uma forma circundada por palitos*franceses se voc n!o dispNe de palitos*franceses de primeir4ssima qualidade * secos e tenros, e n!o borrac entos e molengas. Palitos*franceses de m&*qualidade, infeli(mente os Gnicos normalmente dispon4veis nas padarias, conspurcar!o sobremesas not&veis. 0 Mastering the Art of French Cooking, Vol, 7 R"%=R"O = ).".icO, tudo o que posso di(er. O")= =F']V.2OF CO2 . C.@=i. Q;.")O R=FOLV=2OF %.W=R RFFOL 0 Carta de Julia Child para !imone ,eck, 24 de )ulho de 23X\
)ia DD7, Receita ::? O doce aroma do fracasso KO Pro#eto acabou. "!o d& mais.K Ol ei para as migal as semitrituradas de couve*flor e os fragmentos de agri!o que #a(iam pelo c !o. Ol ei para o moedor de alimentos, que se desmanc ava em min as m!os, redu(ido a peda$os bril antes e retorcidos que ca4am languidamente sobre min as pernas abertas. Levantei os ol os e mirei o rosto do meu marido, que tin a uma e-press!o sombria, severa. KVoc... ac aLK G Pro)eto aca1ou. .c o que nunca tin a ouvido palavras t!o bonitas em toda a min a vida. O dia tin a come$ado bem, se que se pode di(er isso de um domingo em que preciso ir para o escrit3rio a fim de digitar dados. Rmagine que dia de elei$!o. Porm, ao entrar na cabine, em ve( de uma cdula ou uma urna eletr6nica e uma srie de escol as simples Y Fim ou "!o 1 Proposta 7DM )emocrata, Libert&rio ou Xnio do 2al Y voc encontra uma broc ura simp&tica, relu(ente, com as palavras KQueremos Con ecer Fua Opini!oOK estampadas na capa. Rmagine abrir essa broc ura e deparar com uma srie de perguntas, destinadas a identificar o que voc pensa a respeito de uma srie de assuntosH a adequa$!o de pro#etos arquitet6nicos, as bases filos3ficas da concep$!o de monumentos, as implica$Nes sociais de diversas iniciativas econ6micas. Rmagine que ap3s cada uma dessas perguntas & algumas lin as nas quais se pode escrever o que quiser e que, ao entrar na cabine, voc gan a uma esferogr&fica a(ul muito simp&tica, com o logotipo do meu 3rg!o governamental * sua, pode levar para casa. Parece bacana, n!oL %a( voc se sentir parte do processo democr&tico, certoL )& a impress!o de que sua opini!o importante. Pois . .gora fa$a mais um pouquin o de for$a e tente imaginar o que acontece com essas suas palavras t!o cuidadosamente refletidas. Rmagine a tortura que decifr&*las * o povo tem uma letra que francamente ... * e digit&*las * n!o escane&*las, mas sim inseri* las manualmente, letra por letra, com todos os erros de ortografia intactos * num programa de computador gigantesco. = imagine que isso feito por #ovens funcion&rias mal remuneradas, #& que, alm de se recusar a distribuir len$os de papel e abra$ar descon ecidos, outra coisa que os rapa(es recm*formados das mel ores universidades do pa4s n!o admitem fa(er digitar dados. = estamos falando de :? mil dessas broc uras. Por fim, acrescente um servidor que n!o p&ra de dar problema e o fato de que nos finais de semana a calefa$!o do escrit3rio permanece desligada. Pronto, eis uma receita infal4vel para um incndio como o da 'riangle F irtPaist em pleno sculo [[R. . Gnica coisa que me consolava era n!o ter sido a respons&vel pela cria$!o de um programa capa( de incorporar coment&rios t!o proveitosos como KPor favor, construam cinco torres, cada uma de uma cor * branca, preta, marrom, amarela e vermel a * para representar as ra$as de todos os que morreramK e K=sta 2=R). #& est& E#C.E#&G O !ACGHHHH>, numa an&lise coesa o bastante para poder ser discutida em reuniNes da diretoria. =nfim, o fato que digitei a cota de question&rios que me cabia naquele dia e fui para casa, parando na mercearia para comprar os ingredientes do #antar daquela noite. =u pretendia fa(er um frango grel ado com !auce &ia1le e Chou0Fleur en Berdure +pur de couve*flor e agri!o com creme de leite,. O !auce &ia1le um enriquecimento do !auce 7ago6t, um mol o escuro cl&ssico, um mol o para fa(er qualquer um se sentir
virtuoso, seguro, francs. O pur de couve*flor e agri!o tambm tin a um qu de autenticidade, pensei. = assim, antevendo como seria preparar esses pratos, fiquei animada e feli(. Faltei do metr6 no Queens, numa esta$!o que geralmente n!o uso, uma esta$!o elevada, e enquanto me dei-ava ficar um momento ali na plataforma, curtindo o inusitado dia quente, o cu a(ul*claro, a sil ueta de 2an attan se descortinando 1 min a frente, penseiH KViu s3, "ova /or0 n!o t!o ruim assimK. Ea. O !auce 7ago6t precisa ficar no m4nimo duas oras no fogo, por isso comecei a prepar&*la assim que c eguei em casa. Como n!o tin a nen uma carca$a de frango 1 m!o, peguei algumas asas e moelas para enriquecer o mol o. Comecei dourando*as, com um pouco de cenoura e cebola picada, na manteiga e na ban a. .contece que coloquei muitos peda$os de frango ao mesmo tempo na panela, e eles n!o ficaram muito dourados. F3 o que consegui foi dei-&*los um pouco duros e amarelos antes de tir&*los do fogo e fa(er uma massa para engrossar o mol o com um pouco de farin a e a gordura que ficara na panela. =nt!o misturei algumas -4caras de caldo de carne fervendo, um pouco de vermute e um tiquin o de e-trato de tomate. 'ornei a colocar os peda$os de frango na panela, acrescentei tomil o, uma fol a de louro e um pouco de salsin a. .gora bastava dei-ar co(in ando um temp!o. O c eiro estava e-celente. 'udo tranquilo. . seguir, palitos*franceses para a Charlotte Malakoff au; Fraises. =u #& avia feito palitos*franceses antesM e Malakoff. tam1-m. "!o podia imaginar que aquilo fosse me dar trabal o. )espreocupada, pesei o a$Gcar de confeiteiro, o a$Gcar granulado, a farin a. Feparei trs ovos, untei as formas de biscoitos e salpiquei*as com farin a. KS fundamental obter uma massa firme, que n!o desmanc eK, di( 5C. KRsso implica m!os treinadas na ora de bater e misturar.K Quer di(er que avia um truqueM tudo bem, sou uma garota c eia de truques. = #& tin a feito isso antes, era mole(a. @ati o a$Gcar granulado com as gemas, depois acrescentei baunil a. @ati as claras em neve, com uma pitada de sal e um pouco mais de a$Gcar. =nt!o despe#ei um quarto das claras sobre as gemas e peneirei um quarto da farin a. ;sando um quarto dos ingredientes de cada ve(, misturei*os com muito cuidado para a massa n!o perder a consistnciaM depois, com uma col er, coloquei tudo no saco de confeiteiro. =spremendo o saco de confeiteiro, comecei a formar tiras de palitos*franceses na forma de biscoito. .contece que eu e os sacos de confeiteiro nunca nos demos muito bem, e aquela massa estava bastante pega#osa. "o in4cio, pensei que estava apenas e-perimentando os sacole#os inaugurais de uma curva de aprendi(agem ascendente, mas logo ficou claro que alguma coisa estava muito errada. .s tiras de massa simplesmente se desmilinguiam e empo$avam nas formas e, embora a receita devesse produ(ir D> palitos*franceses, obtive apenas uns quin(e, talve(. .o que tudo indicava, aviam me faltado as tais Km!os treinadas para bater e misturarK. =stava come$ando a ter pssimos pressentimentos, mas o que podia fa(er a n!o ser seguir em frenteL Falpiquei uma camada espessa de a$Gcar de confeiteiro. 5C me di(ia que eu podia remover o e-cesso de a$Gcar virando as formas de ponta*cabe$a e batendo de leve, porque os palitos*franceses continuariam no lugar. Con ecem aquela vel a piadaL KO su#eito entra no consult3rio mdico com um pato na cabe$a. O mdico perguntaH VO que posso fa(er por vocLV = o pato di(H V'ire esse su#eito do meu raboOVK Comigo foi parecido. @ata as formas de biscoito viradas para bai-o e metade dos palitos*franceses caem, mas, como que por encanto, o e-cesso de a$Gcar continua l&, firme e forte. =-atamente o oposto do que eu precisava, viu s3L Levei ao forno os tristes restos dos meus alquebrados palitos*franceses. )o(e minutos depois, quando fui ol ar, eles estavam, como era de se esperar, uma meleca s3. O a$Gcar
de confeiteiro avia carameli(ado e escurecido, dando origem a uma espcie de po$o de pic e no qual os palitos*franceses defin avam como mastodontes encal ados. =sse fiasco teria sido suficiente para eu suspender ali mesmo o Malakoff, se =ric * esse entusiasta duma figa * n!o ouvesse escol ido aquele momento para cultivar uma tica do trabal o em meu nome. K.posto que v!o dar certo mesmo assim. Claro que v!oO "!o desistaOK . , tudo 1em. ;sando uma faca como alavanca, desgrudei alguns biscoitos da forma, conseguindo inclusive n!o quebrar dois ou trs, e os dei-ei em cima de um apoio para esfriar. Limpei alguns morangos e preparei a mistura de licor de laran#a com &gua em que eu devia mergul ar os palitos*franceses antes de forrar a forma de sufl com eles. Rsso significava cortar os palitos*franceses em pedacin os que lembravam pe$as de quebra*cabe$a, a fim de encai-&*los no fundo e nas laterais da forma. =ra 3bvio que eu n!o tin a uma quantidade suficiente de palitos*franceses, mas tentei mesmo assim. Com cuidado, mergul ei os t!o maltratados biscoitos na mistura de licor de laran#a e em seguida pressionei contra as laterais da forma de sufl a argila a$ucarada em vias de desintegra$!o em que esse umedecimento os transformou. =stava ficando tardeM o !auce 7ago6t logo ficaria pronto e eu n!o tin a nem come$ado o pur de couve*flor com agri!o. Coloquei uma panela com &gua para ferver. Cortei a couve*flor e o agri!o. Voltei correndo para a receita do Malakoff. . c arlote levava D<? gramas de manteiga sem sal. =u n!o tin a D<? gramas de manteiga sem sal. "!o tin a D<? gramas de nen um tipo de manteiga. )ane*se. Os morangos limpos voltaram para a geladeiraM para l& tambm foi a forma de sufl com a papa de palitos*franceses. Coloquei a couve*flor na panela com &gua fervendo e, ap3s alguns minutos, fi( o mesmo com o agri!o. =scorri a &gua assim que a couve*flor amoleceu. "a pia, via*se uma pil a enorme de pratos su#os. ;m sem*fim de pratos. =m seis meses meu marido n!o fa(ia outra coisa alm de lavar pratos. .ssim como eu n!o fa(ia outra coisa alm de arruinar palitos*franceses. Como que de uma ora para a outra #& eram quase de( da noiteL =u estava t!o cansada. . digita$!o de dados do dia seguinte assombrava min a cabe$a cada ve( mais irritada. 'irei o moedor de alimentos de tr&s do amontoado de eletrodomsticos grudentos que amea$avam abrir 1 for$a a porta da despensa. 'in a sido um presente de "atal da min a sograM eu nunca o usara antes. Como se encai-avam aquelas pe$as todasL . , assim. Coloquei a couve*flor e o agri!o no moedor, sobre uma vasil a, e comecei a moer. "!o. "!o. 'in a alguma coisa errada. )espe#ei a couve*flor e o agri!o em outra vasil aM mais lou$a para lavar. 'entei encai-ar novamente as pe$as do moedor. "!o. "!o. "!o sei como se monta isso. "!o. Fei. Como. Fe. 2onta. Rsso. Podem inserir aquele colapso medon o aqui. 5& ouviram antes. @asta di(er que este foi pior. O vov6. O Cracatoa. O %im deste 2undo de 2erda. "o blogverso, um silncio ominoso. "em um pio. =nt!oH ... = a4, o que aconteceuLO . , meu )eus, esse suspense est& me matandoO Pouco a pouco, os fiis se reuniram em vig4lia.
5ulieL Voc est& a4L "!o vai desistir agora, vaiL )aqui pra frente as coisas s3 v!o mel orar. = pense no buraco negro que engoliria o nosso mundo se voc desistisse agora. Y C ris "en uma de n3s aqui #amais conseguir& fa(er 7ZA das receitas de um livro de culin&ria. .doramos o Pro#eto, mas, santo )eusO Que tal um prato s3 por diaL 'ipo, ervil as na ter$a, frango na quarta, palitos*franceses no s&badoL O que estou querendo di(er que n!o precisa ser oito ou oitenta. ) o mel or de si que #& est& bom demais. =stamos torcendo por voc * e por voc tambm, =ricO Y Pin0J 'ire duas semanas e fique longe da co(in a. Lave a lou$a pelo =ric. Pe$a comida por telefone. Rsso dei-ou de ser uma #ornada em busca de crescimento pessoal e virou a pr3pria marc a da morte. Y FemprePrestativaF ... Voc n!o pode dar a si mesma uma prorroga$!o de pra(oL ... ... Que tal tirar umas friasL ... ... Cuide*se... O blog ficaria bem mel or se voc n!o usasse tantos pjjjj e mjjjjj * esses palavrNes n!o acrescentam nada. Y Clarence S amor ou 2emore-L "!o sei * a Iorld Iide Ieb um animal trai$oeiro. O que sei que perfeitamente poss4vel dei-ar um !auce 7ago6t guardado por um dia. Por isso pude esperar at o dia seguinte para co&*lo e co(in &*lo com um pouco de vermute e uma boa quantidade de pimenta, transformando*o no suculento !auce &ia1le que depois eu despe#ei sobre o frango grel ado. . , e tambm sei que depois de uma boa noite de sono, ainda que um tanto lacrimosa, e com o incentivo das pessoas que a amam * ou a KamamK ou sei l& o qu *, mesmo que se#am pessoas que voc nunca viu na vida, 1s ve(es o fim do mundo #& n!o o fim do mundo. Por isso, na noite seguinte, pude triturar a couve*flor e o agri!o com o espremedor de batatas, em ve( do moedor de alimentos, preparar um mol o bec amel com todo o el! de algum que nasceu com essa coisa no sangue e em seguida levar tudo ao forno com um pouco de creme de leite e quei#o e obter assim um del4rio de pur branco*e*verde*e*dourado que ficou simplesmente sensacional com o meu frango com !auce &ia1le. %im deste 2undo de 2erdaL udo 1em. RFFO 2=F2OO =u n!o tin a a menor dGvida. Pra ser sincera, gostaria de di(er que fiquei com V=RXO"E. de todas aquelas pessoas ontem, di(endo pra voc dar um tempo. Qualquer insinua$!o de que talve( voc n!o se#a feita da mais resistente liga de a$o rid4culaO =u ia di(erH n!oO n!oO "!o d ouvidos a essa gente. Coragem, guerreira, sempre em frenteO Porque disto que voc feita, da mais pura fibra guerreira +daqui a pouco n!o aguento mais, estou quase caindo na gargal ada,. 2as, falando srio, as pessoas precisam entender que, dada a e-istncia de um nGmero redu(id4ssimo de indiv4duos que mal e mal teriam condi$Nes de '="'.R algo parecido com o que voc est& fa(endo, voc simplesmente '=2 de fa(*lo. O elemento romanesco da marc a da
morte devia ser algo 3bvio para seus leitores fiisM e a mel or parte que voc n!o vai morrer no final +trs batidin as na madeira...,. @ei#in os, Rsabel. O mesmo que ela... Y EenrJ O que aconteceu em seguida come$ou com um pouco de mol o de pimenta. O entregador as dei-ou na lanc onete. Papa 5o nnJ, o dono do lugar * todo mundo o c ama literalmente de Papa 5o nnJ, ador&vel*, acenou para mim quando eu vin a c egando do escrit3rio. KRecebi uma encomenda pra vocK, disse ele, fa(endo um gesto para eu entrar. .pontou duas cai-as em cima do balc!oH uma era pouco menor que uma cai-a de sapatoM a outra, maior que uma cai-a de c apu, e muito leve. KF!o pra voc.K Levei*as para cima e as abri imediatamente. "uma das cai-asH um pacote enorme de salgadin os tostitos no estilo genuinamente te-ano, protegido por generosas quantidades de pedacin os de isopor. "a outraH trs potes de Religious =-perience. 2dio, Picante e KRradoK. Querida 5ulie, =spero que n!o se importe de eu l e mandar esses presentes. Voc mencionou que Religious =-perience sua marca favorita de mol o de pimenta e pensei que podia ser Gtil ter alguns potes 1 m!o da pr3-ima ve( que o seu moedor de alimentos entrar em parafuso. Carin osamente, ;ma f! do 'e-as S bem verdade que eu podia ter perdido meu tempo me afligindo com a e-trema facilidade com que qualquer um descobria meu endere$o. Podia ter ficado amedrontada. 2as uma coisa eu l es digo, Religious =-perience o mol o de pimenta. Quando mencionei no blog esse inesperado man& ca4do dos cus, outras pessoas come$aram a ter idias. )o Oregon, veio um livro de fotos de pratos arran#ados na forma de animais fofin os e um romance de P ilip Pullman. )a Louisiana, recebi um pacote de sassafr&s em p3 e um Wiploc c eio de alecrim seco col ido do #ardim de uma f!. )e Los .ngeles, gan ei uma barra de c ocolate Fc arffen @erger, um pouco de mostarda de ancho e uma sacola de mensageiro especialmente feita para o elenco e a equipe de filmagem de $aurel Can"on 0 7ua das entaDEes, um filme que eu adoro porque * posso ser francaL * n!o & cena de mul er com mul er como a de %ran 2c)ormand com _ate @ec0insale. 2ais ou menos nessa poca eu avan$ava a passos largos pela se$!o dedicada 1s pernas de cordeiro. = pernas de cordeiro n!o s!o baratas, a menos que se este#a na "ova WelQndia, o que decididamente n!o era o nosso caso. 2in a conta banc&ria, assim como a de =ric, estava sentindo o baque. %oi quando Rsabel deu a idia do bot!o de doa$Nes. ;m bot!o de doa$Nes um lin0 num blog ou num site que leva a pessoa diretamente para o PaJpal ou outro site qualquer de transferncias financeiras on*line, no qual, com facilidade e seguran$a, poss4vel doar qualquer quantia que se queira ao respons&vel pelo site em que est& locali(ado o referido bot!o. O que Rsabel di(ia era que, se eu disponibili(asse essa op$!o, centenas de d3lares cairiam imediatamente na min a conta e min as agruras financeiras c egariam ao fim. .c ei que ela tin a pirado de ve(.
2as n!o tardei a perceber que avia muito mais gente disposta a me dar din eiro do que pessoas querendo me presentear com potes de Religious =-perience. Poucas oras depois de eu ter conseguido instalar o bot!o no blog, o din eiro come$ou a pingar. Cinco d3lares aqui, de( ali, um e cinquenta, vinte. .c ei isso um pouco amedrontador tambm. =ra dif4cil afastar o pensamento de que Osama @in Laden provavelmente ameal ara seu primeiro mil !o desse mesmo #eito. "!o gan ei um mil !o. 2as em pouco tempo dispun a de um belo p*de*meia para a aquisi$!o de pe$as de cordeiro. Xra$as a )eus, porque teria sido um pecado gastar o din eiro do aluguel num assado de cordeiro Marinade au $aurier. Feis -4caras de vin o tinto, uma -4cara e meia de vinagre de vin o tinto, meia -4cara de a(eite, :< fol as de louro, sal e pimenta em gr!os. 2ergul e o assado de cordeiro, cubra, n!o se esque$a de virar de ve( em quando * e dei-e marinar de quatro a cinco dias. T temperatura ambiente. Convidamos quatro mul eres para virem se regalar com nosso cordeiro putrefato. Que na Gltima ora todas elas ten am sido impedidas de vir por motivos perfeitamente leg4timos foi uma das mais convincentes provas que #& tive da e-istncia de um )eus #usto e protetor que ol a por n3s. @om, pelo menos por essas quatro ele ol a. "o decorrer dessa noite, o cordeiro, em seus v&rios est&gios de prepara$!o, foi comparado por meu marido e por mim a um alien4gena natimorto e a um peda$o de mortadela encontrado por uma turba enfurecida de revolucion&rios no por!o de um pal&cio da aristocracia francesa. =m certa medida, esse cordeiro marinado em vin o tinto e fol as de louro a quintessncia da culin&ria francesaH pegue um peda$o assustador de carne e apronte mil e uma com ele at dei-&*lo saboroso. Quer di(er, e-ceto pela parte do sabor. =ssa n!o deu muito certo. =ric sentiu um leve gosto de suco de uva, e eu, um c eiro de leite a(edoM ac o que devemos ficar gratos por n!o ter passado o resto da noite vomitando no ban eiro. O que equivale a di(erH ainda bem que e-istem 1leaders que n!o me dei-am pagar pelos cordeiros que eu destruo. Ol&, pessoal. F3 estou escrevendo para agradecer o apoio que vocs tm dado 1 5ulie nos Gltimos seis meses. =u n!o entendia o motivo de ela ter resolvido come$ar este neg3cio. 2in a fil a sempre foi meio maluca. 2as ela tem muita sorte de poder contar com amigas como vocs, e por causa de vocs que comecei a entender que ela est& fa(endo a coisa certa. Obrigada, . m!e de 5ulie PF * ClarenceH por acaso algum pediu a porra da sua opini!oL
!etem1ro de 234[ ,ucks Couni", Pensil%Onia >/uando recuperei os sentidos, esta%a co1erta de sangue. O coitado do Paulsk" esta%a 1ranco que nem ceraK achou que tinha perdido a mulher antes de ter se casado com ela.@ >Minha #ossa, mas isso foi ontemC Julia, %oc? 1em que podia ter adiado a cerim9nia por um ou dois dias, noC> Julia se limitou a 1alanDar a ca1eDa, sorrindo. >Ele queria enrolar um pano na minha ca1eDa, mas eu sL conseguia pensar nos meus sapatos. /uando fui lanDada para fora do carro, eles %oaram longe < e acreditem, quando se tem p-s do tamanho dos meus, perder um par de sapatos no - uma coisa = toa. ]#o se preocupe comigo, PaulQ gritei. 'Encontre meus sapatos de couro de )acar-HQ@ Paul a o1ser%a%a. Circundada por amigos de am1os, Julia %estia um tailleur de %ero com uma estampa ;adrez marrom que fazia suas pernas parecerem compridJssimas. Ainda e;i1ia um curati%o so1re o olho, mas conseguia )azer com que ele ti%esse um aspecto )o%ial. Ela esta%a radiante. >,om, mano, finalmente %oc? criou coragem. J: esta%a na hora.> Charlie deu um tapinha no om1ro de Paul. .a%ia lhe trazido mais uma taDa de champanhe, em1ora Paul no se lem1rasse de ter 1e1ido a primeira. >Ainda 1em que %oc? no conseguiu mat:0la antes.@ >Ainda 1em mesmo. Bou lhe dizer uma coisa, estou completamente tonto. !L no sei se - a champanhe, o casamento ou o susto que passamos.> >Rm pouco de cada coisa, tal%ez.> A 1engala que ha%iam lhe dado no hospital teima%a em se agarrar =s pedras do quintal da casa de seu irmo, mas no tinha importOncia, Paul sentia0se to 1em que era capaz de danDar uma giga. Julia esta%a fazendo Fann" gargalharK at- o ensimesmado do pai dela es1oDa%a um sorriso. >Glhe sL para ela, Charlie. E pensar que quase a dei;ei escapar.> >Aaah, no se preocupe com isso. Pense somente que, apesar de sua teimosia, %oc? aca1ou se rendendo.> Paul captou o olhar de Julia, e ela o presenteou com um sorriso franco, glorioso. >,rindemos a isso.>
)ia D:B, Receita :<B .repes em chamas/ Come$ou por volta do primeiro de abril * uma palpita$!o na cabe$a e no bai-o ventre, n!o t!o dolorida quanto implac&vel. = tambm familiar. Os problemas mais imediatos das compras e da co(in a, assim como os ob#etivos menos amb4guos do Pro#eto, aviam abafado por algum tempo esse tiquetaque mais antigo e intang4vel. 2as, com a apro-ima$!o daquele dia adornado com um (ero, meu rel3gio biol3gico n!o se dei-ava mais ignorar. K'alve( devssemos ter um fil o.K KComo L Voc quer um fil oL .goraLK =st&vamos comendo ambGrgueres Iolfman 5ac0, que era o que =ric sempre preparava nas Quintas .pimentadas do =ric. .s Quintas .pimentadas do =ric aviam sido institu4das com a finalidade de nos proporcionar um descanso dos rigores e cremosidades do MtAoFC. .final, eu e =ric somos te-anos, e nunca t4n amos passado tanto tempo com t!o poucos )alapeSos. Os ambGrgueres Iolfman 5ac0 foram inventados por uma fant&stica lanc onete de .ustin c amada EutVs. . vers!o de =ric vin a com c iles verdes, quei#o 2ontereJ 5ac0, creme a(edo, bacon e maionese. Certa ve(, muito antes do Pro#eto, =ric serviu um ambGrguer desses para um amigo da faculdade que n!o comia carne fa(ia trs anos. O su#eito passou dois dias vomitando, que o tipo de coisa que acontece quando algum fa( uma estupide( t!o sem taman o como parar de comer carne. =nfim, est&vamos nos refestelando com nossos ambGrgueres. K@om, um dia desses. Voc sabe o que os mdicos di(em. 'alve( n!o se#a f&cil pra mim.K KS, eu sei. 2as, agoraL "!o temos din eiro. Voc est& 1s voltas com o Pro#eto e...K KVoc tem plena conscincia de que eu completo :? anos daqui a duas semanas, certoL Fabia que depois dos :? mais dif4cil engravidarLK K"!o. 2ais dif4cil quantoLK K"!o sei. 2ais dif4cil. = eu ten o essa porcaria de sJndrome.> Peguei o prato que estava no meu colo e o levei para a co(in a. KOs ambGrgueres acabaramLK K'em mais no forno. @om, eu ac o que dev4amos esperar o Pro#eto terminar para ent!o falarmos sobre isso.K KCerto. Vamos continuar adiando, adiando e adiando. = enquanto isso eu vou ficando cada ve( mais gorda, peluda e no#enta por causa dessa min a sJndrome, at que um belo dia simplesmente 1ato as 1otas. Fer& que a gente n!o podia ao menos comprar um cac orroLK >CachorroC Como vamos cuidar de um cac orroL 2al conseguimos cuidar de n3s mesmosO 5ulie, n!o foi pra isso que institu4mos as Quintas .pimentadas. Voc devia estar rela-ando.K K2as como que eu posso rela-arL Fou literalmente capa( de ou%ir o tiquetaque.K KVoc precisa sossegar.K Fossegar. =nt!o t&. "a noite seguinte, quando contei a =ric que iria fa(er crepes pela primeira ve( na vida, a fim de servi*los sobre uma travessa de creme de espinafre, ele, prevendo um #antar 1 meia*noite, tratou de forrar o est6mago com um sandu4c e de quei#o e maionese. 2as, para meu espanto, foi mole(a. "a massa do crepe v!o apenas ovos, leite, &gua, sal, farin a e manteiga derretida, tudo batido no liquidificador. Fem usar o microondas para derreter a manteiga, o processo todo leva cerca de quatro minutos. =, se voc ignorar o
consel o de 5C * e 3bvio que eu ignorei * e n!o dei-ar a massa descansando por duas oras, o tempo de preparo n!o vai muito alm disso. @om, pelo menos n!o dessa primeira ve(. .queci bem a frigideira, lambu(ei*a com um peda$o de bacon, despe#ei um pouco de massa e, com movimentos circulares, fi( com que ela cobrisse todo o fundo da frigideira. Peguei uma esp&tula e passei*a pelas bordas do crepe para solt&*lo * e l& veio eleO 'entei vir&*lo com os dedos. =le quebrou, mas n!o desanimei * KO primeiro crepe s3 um ensaioK, di( 5ulia. 'ornei a lambu(ar a frigideira com bacon e novamente despe#ei um pouco de massa, numa quantidade um pouco maior. )e novo espal ei a massa com breves movimentos circulares, soltei o crepe com a esp&tula antes que ele ficasse dourado demais. Virei*o com os dedos. >Boil=H CrepeO =u sou demaisOK =stava t!o f&cil que dava medo de falar. .o c egar ao meu quarto crepe, eu os virava como se tivesse nascido para isso. = naquela noite nem me lembrei da min a s4ndrome ou da pro-imidade do meu anivers&rio de :? anos. 2as nada assim t!o f&cil. =u #& devia saber disso. . semana seguinte foi o inferno dos crepes. %i( crepes doces e crepes condimentados, crepes com claras em neve e crepes com fermento, crepes farcies, raul-es e flam1-es. =, um ap3s o outro, eles grudavam na frigideira. Queimavam, despeda$avam*se. Quando sobreviviam, sa4am no formato dos mais variados animais selvagens. =m uma das noites =ric via#ou para participar de uma conferncia, e eu convidei XPen e FallJ para fa(ermos a noite do crepe das garotas. )evia ter percebido que os astros estavam contra mim quando o liquidificador * o qual eu ten o de apoiar na tampa da lata de li-o por causa das tomadas que nesta porcaria de apartamento s!o estrategicamente posicionadas nos lugares mais inconvenientes e tambm porque o plugue do meu aparel o daqueles muito pr&ticos de trs pontas * sofreu uma emorragia de leite e &gua, fa(endo uma su#eira danada na co(in a, e isso depois de eu ter me esfor$ado muito para dei-ar o apartamento minimamente apresent&vel. O fato, porm, que nunca dei bola para sinais de mau agouro. Co(in ei um pouco de espinafre e preparei o mol o Morna" para o rec eio do 8:teau de Cr?pes 0 tudo parecia estar indo bem. FallJ c egou com um pote de sorvete 2il0J IaJ. =nquanto ela andava pelo apartamento, tentando n!o reparar nas pil as de roupas su#as, nas grossas camadas de su#eira e no c eiro de coc6 de gato embolorado, amassei uma -4cara de cream cheese numa tigela com sal, pimenta e um ovo. XPen c egou em seguida e, como de seu feitio, foi logo cuidar dos drinques, enquanto eu picava uma -4cara de cogumelos e os salteava na manteiga e no 3leo com algumas c alotas. )epois despe#ei os cogumelos na tigela com o cream cheese. 'udo isso aconteceu sem crise, o que n!o significa que ten a sido r:pido. =ram quase de( oras quando comecei a fa(er os crepes. .queci a frigideira, untei*a com um peda$o de bacon e despe#ei a massaM espal ei*a com movimentos circulares. O crepe grudou no fundo da frigideira como se fosse cola de secagem r&pida. udo 1em, tudo 1em. O primeiro crepe - sL um ensaio. Comece de no%o. Raspei a meleca da frigideira, lavei*a, tornei a aquec*la, untei*a com bacon e despe#ei a massa. Xrudou feito cola de novo. Fe o =ric estivesse ali, ten o certe(a de que eu teria tido um ataque psic3tico, daqueles bem furiosos, em que me pon o a vociferar obscenidades * deve ser uma coisa positiva eu poder ser t!o eu mesma quando ele est& por perto. 2as diante de min as amigas eu precisava fingir ser uma pessoa sensata, por isso limitei*me a trincar os dentes e
comecei de no%o. Pela terceira ve(, fi( e-atamente a mesma coisaH despe#ei a massa na frigideira pr*aquecida * e ve#am s3, como que por encanto, deu certoO =m menos de um minuto eu tin a um lindo crepe dourado. )epois disso, fico por algum tempo nas nuvens, no que sou a#udada por algumas doses de vodca*t6nica e alguns cigarros 2arlboro Lig t. Consigo fa(er uns quatro crepes sem incidentes, antes de a massa come$ar a grudar de novo. =nt!o ten o de repetir mais algumas ve(es todo o processo de raspagem e lavagem da frigideira, para finalmente engatar mais uma boa srie de crepes. FallJ capa( de passar a noite toda acordada se um e-emplar de sua variada cole$!o de )avids estiver presente, mas a perspectiva de fa(*lo apenas para comer um prato rec eado com trs tipos de quei#o a estava dei-ando um pouco p&lida. )ando mostras de sua bravura, ela fa(ia for$a para n!o entregar os pontos. . receita di(ia que eu devia fa(er D> crepes, porm 1s on(e da noite, quando c eguei ao dcimo se-to, resolvi me condoer de n3s trs e me virar com o que tin a 1 m!o. .inda assim, o 8Oteau de Crepes ficou uma bele(a. )ispus os crepes em camadas, alternando com o espinafre e a mistura de cogumelos e cream cheese, derramei o mol o Morna" por cima e levei ao forno para reaquecer um pouco. =mbora o mol o Morna" ten a um tom bege meio esquisito e britQnico, quando cortei o 8Oteau, o aspecto era maravil oso, com camadas em verde, dourado e branco. Pena que estivssemos as trs quase fec ando os ol os quando isso aconteceu. . quest!o, portanto, n!o era que os crepes n!o dessem certoM era apenas que fossem t!o impre%isJ%eis. Ts ve(es grudavam na frigideira, outras n!o. =u podia levar trs minutos para fa(er trs crepes e meia ora para fa(er o quarto. Comecei a ter son os ansiosos com eles. "um deles, todas as pessoas que trabal avam comigo apareciam #antando #untas, e tambm os membros da min a fam4lia, alm de @uffJ, a Ca$a*Vampiros. =nquanto eu conversava com o sr. _line, "ate e @uffJ estavam combatendo os lacaios que aguardavam no sagu!o do andar trreo, prontos para destruir o mundo, e min a m!e permanecia na co(in a dos funcion&rios, fa(endo um crepe atr&s do outro, centenas e mais centenas deles, at ficar soterrada entre pil as de panquecas leves e douradas. "o decorrer da semana, o tiquetaque do meu rel3gio biol3gico entrou em sincronia com a ansiedade que os crepes me suscitavam, e os dois come$aram a pulsar em ritmo de #a((. = se eu c egasse aos :? sem ter aprendido a fa(er crepesL Qual teria sido o sentido de todo esse e-erc4cioL "a Quinta .pimentada seguinte, =ric resolveu misturar um pouco as coisas. =u ia c egar bastante tarde em casa gra$as a uma entrevista coletiva a ser concedida em meu 3rg!o governamental, e =ric ac ou que, como eu andava muito ansiosa, talve( pudesse me a#udar a rela-ar, tirando do camin o uma das receitas de MtAoFC. Para sua primeira incurs!o culin&ria no Qmbito do Pro#eto, meu marido decidiu fa(er Foie de Beau !aut- aoec !auce Creme = la Moutarde e Tpinards 8ratin-s au Fromage 0 isto , f4gado de boi salteado com mol o de creme de leite e mostarda e espinafre gratinado com quei#o. =ric deu uma ol ada nas receitas e concluiu que n!o deviam ser muito dif4ceis * calculou que levaria cerca de quarenta minutos para preparar os dois pratos. .o sair do trabal o, foi at o a$ougue de um imigrante do Leste =uropeu, em .storia, e comprou o f4gado. .pesar do atraso provocado por oito bombeiros que aviam c egado antes dele e n!o paravam de ca$oar do a$ougueiro * KCad o seu diploma de a$ougueiroL .4, tome cuidado, n!o gostamos de dedos na nossa carne. "!o ligue pra ele, dedos tm prote4naOK Y =ric c egou em casa pouco depois das sete, a tempo de assistir ao @@C Iorld "ePs, com 2is al Eusain +segundo ele, a Qncora de tele#ornal mais se-J do mundo,. =ric n!o estava com pressa * eu s3 c egaria ap3s as D7 :?. Rmaginou que, se come$asse a co(in ar 1s D? :?, estaria com tudo pronto
quando eu pusesse os ps no apartamento. .ssim, ficou por ali, vagabundeando, lendo revistas, recol endo meias su#as e coisas do gnero at as D? >?. =nt!o limpou o espinafre e, 1s D7 7<, come$ou a refog&*la. 2as tin a a sensa$!o de que avia alguma coisa errada. )e repente, ele se deu conta de que come$ara a receita pelo meio * devia ter fervido e cortado o espinafre antes de refog&*lo. Com movimentos frenticos, tirou o espinafre da frigideira e colocou um pouco de &gua para ferver, acendendo a boca do fog!o no e-ato instante em que eu abri a porta e avancei apartamento adentro, n!o e-atamente surpresa com seus apuros. Por volta das DD :?, o espinafre tin a sido fervido, escorrido, cortado e refogado. =ric colocou um pouco de creme de leite e quei#o su4$o na mistura, despe#ou o espinafre numa assadeira e salpicou duas col eres de sopa de farin a de rosca e um pouco mais de quei#o. Rsso foi levado ao forno por meia ora. C egou ent!o a ve( do f4gado, cu#os peda$os ele temperou com sal e pimenta, passou na farin a e colocou numa panela quente, onde os salteou na manteiga e no 3leo. %icou pronto num instante, antes mesmo de =ric lembrar que ainda tin a de fa(er o mol o. Fua cabe$a estava come$ando a girar. =le acrescentou creme de leite 1 panela e dei-ou ferver por uns bons minutos, antes de reler a receita e verificar que primeiro deveria ter dilu4do ali uma -4cara de caldo de carne. %oi s3 ent!o que comecei a ouvir a impreca$Nes * K)rogaO )rogaOK * vindas da co(in a. K"!o se preocupeK, gritei do sof&, onde eu me ac ava deitada de bru$os, em estado semicomatoso. KVai dar tudo certo.K "!o tin a a menor idia do que ele avia feito de errado e n!o estava nem um pouco interessada em saber. F3 queria #antar e ir para a cama. Ts on(e, =ric decidiu que o mol o estava pronto. 'irou*o do fogo, acrescentou um pouco de manteiga e mostarda e c amou*o de mol o de f4gado. Comemos nosso f4gado com espinafre enquanto assist4amos, no canal C*FP.", aos ilustres membros do Parlamento @ritQnico discutindo aos berros a invas!o do Rraque. =stava uma del4cia. =m parte porque era f4gado e espinafre com quei#o, mas sobretudo porque eu n!o precisara co(in ar. Ts ve(es ten o vontade de dar com a cabe$a do =ric numa pedra bem dura, mas em certas ocasiNes ele sabe e-atamente como me fa(er esquecer que estou prestes a completar :? anosH quando me embala no sof& com tele#ornais britQnicos at eu entrar em coma e depois me medica com miGdos. ;ltimamente ando me sentindo um fracasso. "em tanto em virtude dos :? que vm c egando, mas dos >? que, mais dia menos dia, c egar!o tambmM ten o medo de passar mais uma dcada sem fa(er absolutamente nada que preste. .final, o que ten o pra mostrar da que est& prestes a acabarL ;m marido * um marido divino, diga*se de passagem, coisa que seria uma conquista e tanto, n!o fosse o fato de ele ter todos os motivos para querer se divorciar de mim * e o Pro#eto 5ulieZ5ulia. O bom de ter um blog que a gente recebe um c eque em branco para c orar as pitangas. Quando =ric n!o aguentava mais ouvir min as lamGrias, eu podia lev&*las para o ciberespa$o. L& sempre encontrava um ouvido amigo. Fe voc ac a que est& vel a aos :?, espere para ver quando c egar aos B? como eu Y CO2O %;R %RC.R 'cO V=LE. .FFR2L = no entanto adoro tudo isso, especialmente min as maravil osas amigas, algumas das quais con e$o desde os tempos do prim&rioOO 2eu marido tambm um tesouro * um omem perfeito em todos os sentidos *, de modo que voc e eu somos KmeninasK de sorte, 5ulie. = sei que voc vai ac ar que sou mesmo estran a, mas adorei fa(er >?, <?, 9? e B?, porque ao longo de
todos esses anos pude continuar aprendendo e fa(endo um monte de coisas interessantes. .lm disso, a cada ano que passa, mais esperta eu fico... Xostaria de viver o bastante para poder ler todos os livros que voc vai escrever. @ei#os, Vovo(in a_ittJ Viu s3L 'odo mundo aqui me amaO Querem apenas que eu se#a feli( e continue a blogar e blogar e blogar. =ntendem o meu mart4rioO 'oda ve( que entro em crise por causa da idade, um grande amigo meu me lembra que K=F'=F s!o os vel os e bons temposK. =le est& certo, daqui a de( anos provavelmente vou ol ar para tr&s e pensar que a vida que levo o#e que era boa. Para mim, os :? foram maravil ososM meu marido era um omem formid&vel +ele morreu fa( de( anos,, eu tin a op$Nes, oportunidades profissionais etc. .gora n!o ve#o a ora de fa(er <?, vai saber. =spero que voc consiga se livrar logo dessa afli$!o com a idade, 5ulie... Y CindJ Caramba. .t que CindJ tem ra(!o. .s coisas podiam ser piores... 5ulie, passei meu anivers&rio de :? anos num abrigo para moradores de rua. %i( uma pi((a caseira para os outros residentes. %oi assim que comemorei meus :?. 'udo o que eu podia mostrar que avia feito na vida era que n!o tin a tido fil os e n!o os arrastara para o inferno em que min a vida se transformara. )e( anos mais tarde, eu #& era uma #ornalistaZeditora e-periente, e min a fam4lia +da qual eu fugia como diabo da cru( de( anos antes, preparou uma festa surpresa para mim. Por pior que pare$a agora... vai mel orar. )e uma forma ou de outra, sempre mel ora. .guenta firme, garota. Y C ris `timo. Quer di(er que agora sou uma gorda fracassada de :? anos e uma idiota que s3 ol a para o pr3prio umbigo. =stou come$ando a ac ar que esse neg3cio de c oramingar on*line n!o t!o bacana assim. . outra coisa certa que =ric fe( foi torrar cem pratas em dois ingressos para uma leitura dram&tica de !alom-, a que fomos assistir na vspera do meu anivers&rio. Ora, claro que compreendo que a maioria das pessoas consideraria um ato de crueldade inaceit&vel um su#eito obrigar a mul er a sair numa noite fria e Gmida de abril para assistir 1 leitura daquele que talve( se#a o maior fracasso teatral da ist3ria. .contece que a maioria das pessoas n!o composta de e-*aspirantes a atri( para as quais n!o & nada mais pra(eroso na vida do que ver .R Pacino atravessando o palco com passos colricos, interpretando Eerodes, rei dos #udeus, como 5errJ Ftiller. = acontece tambm que a maioria das pessoas n!o con ece o deus que )avid Ftrat airn. O mel or emprego que #& tive na realidade foi um est&gio numa organi(a$!o teatral sem fins lucrativos pelo qual eu recebia cinquenta d3lares por semana. ;ma das coisas que fa(iam desse emprego algo t!o sensacional era que eu sempre gan ava ingressos, porque, afinal de contas, salvo um ou outro grande sucesso de pGblico, como a vers!o musical de M" (o &ads e coisas do gnero, O 'eatro =st& 2orto, de modo que os traseiros nos assentos s!o uma moeda de troca. "ove em cada de( pe$as eram uma porcaria, mas lembro*me delas com carin o e 1s ve(es at col o benef4cios por t*las assistido, como emH K. , meu )eusO Fabe o cara ruivo que ia trabal ar naquele seriado que era para ser uma espcie de faroeste espacial, com dire$!o do 5oss I edon, mas acabaram cancelandoL =nt!o, ele fa(ia aquela pe$a orrorosa com a _risten C enoPet que n3s fomos ver no @elasco e que n!o ficou nem duas semanas em carta(K. Oito anos se passaram. "!o & mais ingressos gr&tis e, alm de estar casada, ter :? anos, ser secret&ria de uma reparti$!o pGblica e aver concebido a idia maluca, qui$&
emocionalmente insalubre, de preparar todas as receitas de um livro de culin&ria publicado quarenta anos atr&s, tambm n!o vou ao teatro & sculos. Por falar nisso, a outra coisa formid&vel naquele est&gio era o fato de eu con ecer gente famosa * bom, famosa para quem fan&tico por teatro. Certa ve( me colocaram como assistente de palco de uma leitura dram&tica importante. O diretor conseguira recrutar a participa$!o de )avid Ftrat airn, um ator que eu tin a visto numa srie de filmes de arte, assim como em A Firma, no papel do irm!o de 'om Cruise, e em Eclipse otal, em que ele fa( o pai que obriga a fil a a masturb&*lo numa balsa. =u c egara a "ova /or0 fa(ia um ou dois meses e ainda n!o sabia nada sobre o mundo das celebridades. Fabia apenas que passaria dois dias no mesmo recinto com um ator sensacional, relativamente famoso, e que ap3s a leitura averia uma festa, para a qual os convidados eram solicitados a levar Kalguma coisin aK. %oi min a primeira * ainda que n!o a Gltima * tentativa genu4na de ir para a cama com uma celebridade, e eu estava em desvantagem. "!o tin a o cabelo descolorido, n!o parecia de cera, n!o sabia dar risadin as idiotas. 'ampouco era magra e bem proporcionada como aquelas assistentes da agncia de talentos Iilliam 2orris. Fabia que teria de trocar min as #ardineiras e min as mal as de l! equatorianas * toda aquela tral a universit&ria orr4vel que eu ainda n!o tivera o bom senso de #ogar fora * por uma roupa mais #usta e elegante, alguma coisa escura e respeit&vel mas ligeiramente colante, cu#a conota$!o se-ual s3 vem 1 tona quando voc #& conseguiu orientar os pensamentos do su#eito nessa dire$!o. O que eu n!o sabia era que esse tipo de roupa me dei-ava com cara de assistente da Iilliam 2orris * provavelmente o tipo de garota que )avid n!o aguentava mais ver pela frente, mas o que eu ia fa(erL Comportei*me com muita discri$!o e sobriedade. )istribu4 os roteiros, tomei notas, sentei*me 1 mesa com os atores, ouvi atentamente suas falas. Raras ve(es abria a boca, e s3 o fa(ia quando naquilo que eu tin a para di(er avia uma gra$a sutil e uma perspic&cia evidente, e ent!o falava com uma vo( bai-a porm firme, na qual talve( se notasse uma rouquid!o levemente sensual. . , e tambm encarava. "!o vou me desculpar por isso, n!o. Fe ele ac ava que eu ia desviar os ol os e rir bai-in o, estava muito enganado. %ui atrevida, fui pra cima, dei-ei que ele sentisse todo o poder da min a se-ualidade serena porm abrasadora, bem no meio dos ol os. =ncarava*o quando entregava as falas para ele e, principalmente, encarava*o sempre que tin a de passar por ele nos corredores convenientemente estreitos da vel a igre#a onde a organi(a$!o teatral estava instalada. Pois . )avid Ftrat airn um astro de cinema n!o muito famoso, mas muito talentoso e bonito, e talve( tope com esse tipo de coisa o tempo inteiro. E& inGmeras vadias com ol ares cativantes no mundo, e muitas delas s!o mais parecidas com XPJnet PaltroP do que eu. 2as eu tin a algo que essas outras n!o tin am. =u tin a a min a 'orta de "o(*Pec! com Cobertura de "o(*Pec!. Consegui min a receita de 'orta de "o(*Pec! com Cobertura de "o(*Pec! com ningum menos que o grande c ef Paul Prud omme, de modo que obviamente se trata de algo divino e afrodis4aco. Primeiro, voc m3i grosseiramente as pec!s para a massa da torta. +"a poca, eu n!o possu4a nen um instrumento que se assemel asse vagamente a um triturador de no(es, por isso conclu4 essa etapa com uma marreta de borrac a., Coloque*as numa assadeira e leve ao forno por de( minutos. Falpique uma mistura de manteiga derretida, a$Gcar mascavo, canela e no(*moscada. Leve de novo ao forno por de( minutos. .crescente baunil a, produ(indo um agrad&vel vapor adocicado. Pon a no forno por mais cinco minutos. 'riture as pec!s para a cobertura * dessa ve( precisam ficar bem mo4das. = por a4 vai.
+S, a pessoa precisa ter um saco de elefante. 2as & algo de intensamente er3tico em fa(er um prato quase imposs4vel de t!o elaborado para algum com quem voc gostaria de ir para a cama., +"a min a e-perincia., +'udo bem, vou ser franca * percebo que & mais que um leve toque de masoquismo nisso. "!o me sinto muito confort&vel com tal revela$!o a respeito de min a personalidade, mas agora #& foi., =ram mais de duas da man ! quando terminei a desgra$ada da torta. Ts duas e meia, estava deitada. .dormeci e-austa, coberta por meu suor adocicado, com o gosto de a$Gcar e no(*pec! ainda nos l&bios. O mesmo gosto que eu sentiria quando, ap3s a primeira mordida, )avid me pegasse nos bra$os e me bei#asse com a pai-!o avassaladora que uma 'orta de "o(*Pec! com Cobertura de "o(*Pec! capa( de despertar na alma de um omem. .o acordar, vesti um tailleur @anana Republic preto, com um corte masculino que ficaria muito mais sedutor no corpo de algum com as formas de uma XPJnet PaltroP. 2in as trs camadas esculturais de torta envergavam apenas uma pel4cula di&fana de filme de pvc. Passei o dia imersa numa nvoa de ansiedade * em min a mem3ria como se da esta$!o do metr6 eu fosse diretamente para a vel a biblioteca onde a festa p3s*leitura dram&tica corria solta. )avid estava bebendo um vin o barato num copin o de pl&stico e investigando a mesa do buf. %iquei sem respira$!o quando vi sua faca esitar alguns instantes entre as tortas de ma$! compradas na padaria e os broPnies feitos com mistura pr*pronta, antes de mergul ar na min a 'orta de "o(*Pec! com Cobertura de "o(*Pec!. Permaneci a uma distQncia discreta, na outra ponta da mesa, quase ofegando enquanto ele cortava uma fatia grossa, colocava*a num prato e, com um garfin o de pl&stico, penetrava a voluptuosa camada de cobertura para c egar 1 torta Gmida que ela escondia. Feus ol os se arregalaram t!o logo ele colocou o primeiro peda$o naboca, depois se apertaram de pra(er enquanto engolia. =scutei*o gemer bai-in o. >/ue delJcia... 5ulie, onde voc comprou issoLK =ra a primeira ve( que ele pronunciava o meu nome. K%ui eu mesma que fi(K, respondi. Ol amos um para o outro, ol os nos ol os. = ele viu que aquela 'orta de "o(*Pec! com Cobertura de "o(*Pec! era s3 uma amostra do -tasepor vir. "aquele instante, )avid Ftrat airn se apai-onou por mim Y um pouquin o. Ocorre, porm, que )avid Ftrat airn um omem digno, correto, um omem que ama sua mul er e que #amais se aproveitaria da garota #ovem e inocente que ele +num grande equ4voco, ac ava que eu era. =le n!o me tomou nos bra$os nem me cobriu de bei#in os. "!o me deitou na mesa repleta de 2erlots de quinta categoria e palitos de aipo e n!o desli(ou aqueles dedos compridos e fortes por bai-o do meu tailleur e da min a blusa @anana Republic at tocar a pele doce e macia na base da min a coluna. "!o, ele se limitou a sussurrar, com a vo( sufocada por tantos dese#os reprimidosH KRsto. =st&. &i%ino>. = comeu outro peda$o. "unca ocultei de =ric a cantada culin&ria que passei em )avid Ftrat airn, e ele, para seu mrito eterno, conseguiu * pelo menos em grande medida * n!o ficar magoado comigo por isso. %oi inclusive capa( de perceber que, quando eu estava quase no fim da lin a, com os canos do apartamento congelados, uma dG(ia de pernas de cordeiro pela frente, aquele emprego orroroso e, principalmente, a pro-imidade dos :? anos, tudo que eu precisava era de uma in#e$!o de Ftrat airn na veia. )e modo que ele foi e comprou os
ingressos +apesar de aquele fil o*da*puta arrogante do .l Pacino ter tido a cara*de*pau de cobrar cinquenta pratas por uma leitura, meu )eus, que ainda por cima provavelmente seria uma bosta, s3 porque )avid Ftrat airn estaria no palco e eu era apai-onada por ele. = por isso que =ric o marido mais generoso e altru4sta que uma mul er poderia ter. S bem verdade que a perspectiva de ver 2arisa 'omei na dan$a dos sete vus facilitava um pouco as coisas para ele. . culpa toda do =ric. Para come$o de conversa, foi por causa dele que comecei a co(in ar * eu era uma menina en#oada, mas ele era o garoto mais misterioso e bonito da escola, e eu seria capa( de co(in ar qualquer coisa, mesmo os pratos mais esquisitos, s3 para impression&*lo. "!o demorou muito para as coisas tomarem uma dire$!o singular. Codorna ao 2ol o de Ptalas de Rosa foi o primeiro sinal de que avia algo errado. %oi no Gltimo ver!o antes de eu ir para faculdade. '4n amos acabado de come$ar a namorar, e meu maior medo era que t!o logo eu partisse rumo a min a universidade, no "ordeste, ele fosse apan ado por alguma loira com corpo de modelo * a bem da verdade, eu tin a certe(a de que #& avia uma de ol o nele. "uma das ve(es que sa4mos #untos, fomos assistir a Como ^gua para Chocolate, um filme que, se a pessoa tem menos de D? anos e est& morrendo de tes!o, pode ser bastante persuasivo. =u #& tin a lido o livro e, ap3s termos sa4do do cinema e eu ter atacado =ric no estacionamento, depois de ele ter me levado para casa e eu praticamente ter engolido o pobre coitado antes de conseguir me controlar e di(er boa noite, fui para o quarto e, como n!o conseguia dormir de #eito nen um, tirei o romance de Laura =squivel da prateleira. Como ^gua para Chocolate entremeado com receitas, as quais, na poca, eu n!o tin a como saber que eram, em grande medida, liter&rias, isto , fict4cias. =nquanto fol eava o livro de forma indolente, veio*me a idiaH fa(er uma codorna ao mol o de ptalas de rosaO S isso a4. =le n!o vai conseguir tirar as m!os de mim e nunca mais vai pensar naquela loiraO Os orm6nios provavelmente tin am me dei-ado de miolo mole. ;sei umas rosas que comprei na B*=leven e papaia em ve( de pita"a. Quando provei o mol o, n!o me pareceu nem um pouco comest4vel, mas lembrei que eu era t!o en#oada que podia estar redondamente enganada, por isso c amei meu irm!o para ter uma segunda opini!o. . cara que Eeat cliff fe( foi suficiente para eu cair no c oro na ora. 2as =ric n!o conseguiu tirar as m!os de mim naquela noite, muito embora eu estivesse com gosto de pi((a, n!o de ave saborosaM e no fim das contas descobri que ele nunca tin a dado muita bola para aquela loira. "os anos seguintes, colecionei mais desastres, bem como, ao fim e ao cabo, alguns modestos sucessos. 2eu primeiro gum1o foi abortado depois que uma col er de pl&stico se perdeu na massa, e o c urrasco de pastrami n!o deu l& muito certo, mas ao concluir a faculdade meu fil de frango frito era de dar &gua na boca. =m algum peda$o do camin o, descobri que, no ato f4sico de co(in ar, sobretudo quando se trata de pratos comple-os ou tradicionalmente dif4ceis, residem insuspeitos reservat3rios de tes!o gastron6mico e se-ual. "!o d& para e-plicar para quem n!o como n3s, as culinariamente depravadas, a sedu$!o libidinosa que & em eviscerar um osso com tutano,esquarte#ar uma lagosta, preparar uma torta de no(*pec! em trs camadas, e fa(*lo para outra pessoa, a fim de oferecer*l e del4cias gustativas obtidas 1 custa de muito esfor$o, na esperan$a de conquistar pra(eres de outra nature(a. 'odo mundo sabe que certas comidas s!o se-J. O que as pessoas n!o percebem como 1s ve(es co(in ar pode ser se-J. =u, por e-emplo, a t4tulo de preliminares, n!o troco uma
refrega com uma massa de brioc e recalcitrante por um lindo morango sendo gentilmente levado 1 min a boca. +5ulia tambm aprendeu a co(in ar por causa de um omem Y quando con eceu Paul C ild, ele era um gourmand e tanto, ao passo que ela n!o entendia nada de comida. . guerra os manteve #untos por algum tempo, mas ent!o a guerra acabou. 'alve( 5ulia receasse perd*lo, por isso p6s*se a fa(er os pratos mais malucos. ;ma das coisas que mais me impressiona sua primeira tentativa com miolos de boi ao vin o tinto. 5ulia n!o tin a a menor idia do que estava fa(endo, claro, e ao que parece deu tudo erradoH fiapos no#entos de carne p&lida boiando num mol o pGrpura, encaro$ado. Paul casou*se com ela mesmo assim. )igo Kmesmo assimK, mas aposto que ele se casou com ela porque Julia era uma mul er que tentava sedu(i*lo com miolos, por pior que ficassemM aposto que ele se casou porque ela se arriscava a eno#&*lo para conquist&*lo. Que atitude mais il3gica da parte dela * e, no entanto, acertou na mosca., =m onra a seu desempen o como 5o!o @atista na leitura dram&tica da !alom- de Oscar Iilde a cinquenta pratas por cabe$a, fi( para )avid Ftrat airn uns biscoitos de no(*pec! com fub&, para os quais usei uma receita elaborad4ssima de 2art a FtePart. O c ato que as receitas de 2art a, apesar de n!o e-agerarem muito na comple-idade, dei-am um pouco a dese#ar para quem est& em busca de uma atividade culin&ria afrodis4aca, talve( porque tudo nas receitas de 2art a, da letra em que s!o impressas 1 sugest!o de usar a$Gcar colorido, com uma nota de rodap e-plicando onde encontrar a tal coisa, tudo se#a gritantemente 2art a. Por mais que, at onde sei, 2art a se#a uma pantera na cama, n!o ela que voc dese#a ter em mente quando est& tentando sedu(ir algum. Preferia ter feito alguma coisa do Livro, mas 5ulia n!o d& bola para pratos que servem de isca para pescar um omem * coisin as que voc pode dei-ar na soleira da porta ou mandar para os bastidores nas m!os de um lanternin a sem correr o risco de que se quebrem ou desmanc em. Para comidas 1 guisa de isca, 2art a a mul er certa. "!o consigo imaginar ningum * tirando algumas das mais repressivas sociedades islQmicas * que considere assar biscoitos um ato adGltero. Para =ric, porm, con ecendo como ele con ecia meu fraco por )avid Ftrat airn, ver*me fa(er finas camadas de massa de fub&, polvil &*las com pec!s picadas, canela e manteiga derretida, depois colocar mais uma camada de massa em cima e repetir esse procedimento ve(es e ve(es sem conta, com pacincia infinita, deve ter sido um pouco como notar que eu depilara meu pGbis e comprara um vestido vermel o #usto na vspera de ir para uma conven$!o de neg3cios em )allas. =le apenas revirava os ol os e resmungava com um bom umor cuidadoso, mas sabia o que eu estava fa(endo. =mbora tivssemos combinado de nos encontrar no teatro ap3s o trabal o, dei um #eito de sair do escrit3rio antes do fim do e-pediente e pus*me a correr debai-o de uma c uva glida * n!o porque estivesse fa(endo algo propriamente il4cito, mas porque n!o queria que =ric fosse obrigado a me ver entregando acan adamente o prato de biscoitos com o bil etin o insinuante 1 mo$a da bil eteria e perguntando se algum poderia lev&*lo para o sr. Ftrat airn nos bastidoresM eu era uma conhecida dele. "o fim das contas, foi uma trabal eira danada em troca de muito pouco. O problema do 5o!o @atista de !alom- que deve ser o papel menos se-J em toda a ist3ria do teatro. Feria de esperar que um personagem que alvo das car4cias de uma graciosa ninfomaniaca tivesse alta carga er3tica, mas )avid teve de contentar*se com frases solenes e abusar do gel no cabelo. %oi brutal. =st&vamos ali, sentados no escuro do teatro, vendo )avid salmodiar, .l Pacino lastimar e 2arisa graciosamente se contorcer, e toda aquela e-cessiva carga er3tica que eu acumulara ao fa(er os biscoitos girava dentro de mim sem ter para onde ir. 2eu
est6mago roncava, porque eu ainda n!o avia #antado, e quando dei por mim estava son ando acordada. Fendo mais espec4fica, son ando com f4gado. @om, sei que alguns v!o ac ar que agora estou passando da conta, mas para mim f4gado de boi a comida mais se-J que e-iste. 'rata*se de uma conclus!o relativamente recente, #& que, como quase todas as outras pessoas do planeta, passei a maior parte da vida detestando e despre(ando f4gado. O motivo pelo qual as pessoas odeiam f4gado que, para com*lo, preciso render*se a ele * da mesma maneira que preciso render*se a uma trepada realmente estratosfrica. Lembra*se de quando voc tin a 78 anos, quando ia para a cama como se fosse um evento esportivoL @em, f4gado o oposto disso. Com f4gado voc tem de se obrigar a ir mais devagar. Precisa se su#eitar a tudo o que & nele de ligeiramente repulsivo, amedrontador e e;cessi%o. .o compr&*lo no a$ougue, ao co(in &*lo na panela ou ao com*lo, bem devagar, n!o & como escapar de sua te-tura animalesca. O f4gado nos obriga a acessar papilas gustativas que n!o con ec4amos, e n!o f&cil abrir*se para ele. .o refletir sobre isso, senti pena pelo f4gado que =ric me serviu numa noite em que eu estava e-austa demais para com*lo como se deve * desperdi$amos seu potencial. Quando a leitura finalmente acabou, o pGblico, espregui$ando*se, meio aturdido, come$ou a dei-ar o teatro, mas eu continuei sentada. =ric levantou*se, nitidamente irritado com o embevecimento que sentia emanar de mim. KPelo visto, voc pretende esperar por ele.K "!o prestei aten$!o ao que ele disse. KFer& que tem algum mercado aqui por pertoLK KComo LK K=stava lembrando do f4gado que voc fe( pra mim na semana passada. =stava t!o bom.K K. , LK =ric n!o percebia a dire$!o que meus pensamentos estavam tomando, mas bastava*l e saber que eu avia gostado de sua comida. =ra um ponto sens4vel para ele. Forriu para mim. KFe formos r&pido, d& pra encontrar algum aberto. .inda cedo.K = assim sa4mos do teatro, encontrando na rua uma noite mais agrad&vel. . c uva glida tin a parado, e o ar tornara*se ameno de repente, como se apesar de tudo a primavera pudesse realmente um dia c egar. 'omamos o rumo do metr6, camin ando a passos largos. .o passarmos por um omem envergando um casaco Polartec verde*escuro, virei*me para ele, ansiosa demais por um peda$o de f4gado para ser t4mida. KPor favor... o sen or con ece...K =ra )avid Ftrat airn. 'in a um biscoito de no(*pec! na m!o enluvada. Viam*se migal as de biscoito em sua barba desgren ada. O ol ar era distra4do, distante. KPerd!oLK KO ... sen or Ftrat airn, pu-a, desculpe o mau #eito. .cabamos de ver seu espet&culo. %oi... formid&vel.K )avid fe( um gesto desden oso com o biscoito e mordeu*o. K. , obrigado.K Ol ou para mim, e uma e-press!o curiosa desabroc ou em seu rosto. KVoc ia me perguntar alguma coisaLK VV. , s3 queria saber se o sen or con ece algum mercado aqui por perto.K KRum, ve#amos...K Ol ou para a rua com a m!o que segurava o biscoito estendida para a frente, como se dese#asse apontar uma dire$!o. 2as parecia confuso e ol ava de relance para mim com uma e-press!o curiosa. K)ois quarteirNes em frente e um 1 direita, ac o.K K2uito obrigada. = parabns.K Peguei =ric pela m!o e partimos. KVoc devia ter dito quem era. =le recon eceu voc.K Fapequei*l e um bei#o. K"!o dava tempo. Preciso comprar um peda$o de f4gado pro meu anivers&rio.K
;ma receita muito boa e simples de f4gado de boi Foie de Beau = la Moutarde. Passe na farin a algumas fatias grossas de f4gado e frite*as de leve em manteiga e 3leo quentesM cerca de um minuto de cada lado o bastante. Reserve e bata trs col eres de sopa de mostarda, c alotas picadas, salsin a, al o, pimenta e um pouquin o da gordura que ficou na frigideira, coisa que produ(ir& uma espcie de pasta cremosa. Lambu(e as fatias de f4gado com essa pasta, depois cubra com farin a de rosca. Fe voc tiver um marido que louco por voc, talve( consiga indu(i*lo a fa(er uma boa farin a de rosca fresca com o Cuisinart. ;ma ve( que as fatias de f4gado este#am cobertas de farin a, coloque*as numa assadeira e leve ao grill, dei-ando cerca de um minuto de cada lado. = s3. . crosta amostardada que se forma em volta do f4gado real$a sua suculncia macia e untuosa. S como se fosse a alma sedosa de um bife. S preciso fec ar os ol os, dei-ar a carne se desfa(er na l4ngua, adentrar seus corpGsculos. %oi esse o f4gado que eu comi em min a Gltima noite na casa dos D? anos. ;ma boa maneira de encerrar a dcada. .lgum que n!o entende patavina da se-ualidade da culin&ria escreveu a seguinte frase sobre a co(in eira da 'V inglesa "igella LaPsonH KFe-o e domesticidade. =ssa a inspirada combina$!o que "igella concebeu, um mundo bem distante das advertncias esgani$adas e amedrontadoras de 5ulia C ildK. Li essa frase, que para mim ignorante e ofensiva em muitos sentidos, numa matria da Banit" Fair. Como a Banit" Fair publica fotos de seus colaboradores na parte da frente da revista, sei que a matria foi escrita por uma mul er de pesco$o pelancudo que #& fe( muito tratamento de bele(a na vida, e, com base t!o*somente nessa frase, aposto um bom din eiro que ela n!o recon eceria um ,oeuf ,ourguignon nem se algum desse com um em sua cabe$a. =ra a man ! do meu anivers&rio de :? anos. =u estava sentada na privada com uma moldeira enfiada na boca, babando o e-cesso de branqueador dental. +.t ent!o n!o estava sendo uma man ! das mel ores., Por isso, a princ4pio pensei que estava e-agerando ao me entregar a essas fantasias de dar com enormes nacos de carne na cabe$a de uma pobre #ornalista. 2as feli(mente Rsabel tambm l a Banit" Fair, e recebi este e*mail algumas oras mais tardeH Voc viu a bosta de matria que saiu na V% sobre a "igellaL Por acaso a #ornalista n!o d& a impress!o de +7, c amar discretamente "igella de gorda v&rias ve(es, +D, fa(er insinua$Nes no#entas ao mencionar coisas que na realidade "cO FcO )R'.F no livro e +:, trair um certo anti*semitismoL )], FR2. = a alfinetada em 5C tambm n!o passa despercebida. "em acreditei quando li aquela porcaria. Vou mandar uma carta. S claro que a #ornalista do pesco$o pelancudo XOF'.RR. de fa(er tanto se-o e ter tanta alegria de viver quanto "igella, em ve( de ficar s3 c upando o dedo. .mm, pensei eu. = pensei tambm que "igella e 5ulia, assim como eu e Rsabel, sabiam o que era se-o. "3s quatro sab4amos que se-o tem a ver com brincar com a comida e foder com o mol o de tempos em tempos. Fe-o tem a ver com 'orta de "o(*Pec! com Cobertura de "o(*Pec!. Fe-o tem a ver com aprender a desencanar e curtir o f4gado. ;ma das ist3rias de 5C de que mais gosto est& numa carta que Paul C ild escreveu para seu irm!o C arlie. =le conta que estava sentado na co(in a de seu apartamento em Paris enquanto 5ulia co(in ava canelones. . certa altura ela enfia a mo na :gua fer%endo 0 Paul menciona s3 de passagem esse feito assombroso, como se fosse a coisa mais natural do mundo * e, ao tirar um peda$o de massa da &gua, e-clamaH K"ossaO Rsso est& quente que nem um pau duroK.
=u, porm, n!o sou 5ulia C ild, e meus dedos n!o s!o feitos de amianto. %oi o que aprendi no meu anivers&rio de :? anos, ao tentar, sem muito otimismo, recuperar o t4tulo de Rain a do Crepe. Quando 5ulia fa( crepes em seu programa de televis!o, simplesmente os arremessa para o alto com uma sacudida brusca da frigideira, em um movimento n!o muito diferente da manobra que ela emprega para virar omeletes. =u me resignara a ac ar que se tratava de uma idia maluca. "o entanto, ap3s passar meia ora gritando e -ingando, raspando e #ogando no li-o os crepes que teimavam em grudar na frigideira, parei diante do fog!o e, enquanto lambia meus dedos c amuscados, penseiH ,om, por que noC Que mal poderia aver, certoL K=ricO . , meu )eus, =ricO Ven a r&pidoOK =ric adotara a estratgia de se esconder sempre que eu me pun a a fa(er crepes, e foi com relutQncia que adentrou a co(in a, certo de estar prestes a ser tragado por um acesso de c3lera. KQue foi, queridaLK KOl a s3OK = =ric ficou a meu lado enquanto eu, com um gesto firme, fi( meu crepe dourado, perfeitamente redondo, %irar no ar e cair de %olta na frigideira. KPuta que pariu, 5ulieOK KPois OK Coloquei o crepe numa travessa, despe#ei outra conc 1 de massa na frigideira. KQue incr4velOK Facudi o cabo da frigideira e o crepe tornou a virar no ar. K=u sou uma deusaH> KFe OK K=spere, voc ainda n!o viu nada.K 'irei o Gltimo crepe da frigideira e despe#ei um pouco de con aque e 8rand Marnier. )ei-ei no fogo um minuto, depois #oguei aquilo por cima dos meus lindos crepes e, com meu isqueiro @ic, ateei fogo, soltando um grito e-ultante e abanando a m!o para apagar um ou dois fios de cabelo c amuscados. 2eu marido arrul ava ao atacar seu delicioso prato de crepes fiambados. .t onde sei, n!o & no mundo som mais se-J do que os arrul os do omem que voc ama diante dos crepes que voc fe( para ele. = isso manda para o inferno o @oto- e os pesco$os pelancudos.
#o%em1ro de 234\ $e .a%re, FranDa Julia soltou uma pachorrenta 1aforada de cigarro, a qual foi se misturar com a 1ruma que paira%a so1re a :gua. >,om, na hora pareceu uma 1oa ideia.@ >Foi uma 1oa ideia. /uer dizer, ainda -.> Paul caminha%a ansiosamente pelo pJer sem desgrudar os olhos do casco do na%io, como se pudesse tirar o carro l: de dentro apenas com sua forDa de %ontade. >Mas ): faz quase duas horas. &epois de toda aquela 1urocracia infemal, era de esperar que...> >Paul, eu sL esta%a pro%ocando %oc?. Claro que foi uma 1oa ideia. #o podJamos dei;ar o Flash para tr:sH !ossegue. Be)a, ainda est: amanhecendo. emos tempo de so1ra. E este lugar - simplesmente lindo.> Paul olhou para a mulher de soslaio, com uma e;presso azeda. >Boc? de%e ser a primeira pessoa na histLria a dizer que $e .a%re - 1onito.> Julia sorriu. >E daJC T a primeira %ez que %enho = FranDa. Estou felizH E o seu mau humor no %ai mudar isso.> $e%antou0se e enlaDou a mo na dele. Paul ): esta%a acostumado com o fato de Julia ser maior que eleK a altura dela o fazia sentir0se poderoso, como se ele fosse metade de uma dupla realmente dinOmica. >Be)a 0 l: %em eleH> Paul apontou o ,uick quando este comeDou a ser iDado do poro do na%io por um guindaste enorme. O automL%el 1alanDa%a sua%emente num 1erDo de correntes e tiras de 1orracha, a luz da manh reluzia nas gotas de or%alho espalhadas por seu azul0co1alto. Aterrissou no pJer com um le%e 1aque, e os esti%adores correram para desem1araD:0lo. >Est: %endoC Bai me dizer que isso no - 1onitoC> >T lindo. Agora %amos em1ora. emos muito cho at- Paris.> >#Ls %amos parar para comer, no %amosC Estou com uma fome de leoH> /uando Paul a 1ei)ou, seus l:1ios deram um estalido engraDado e ele riu. Finalmente iria mostrar sua FranDa a Julia. >Meu amor, alguma %ez eu fiz %oc? passar fomeC em um restaurante mara%ilhoso em 7ouen. AlmoDaremos l:. Bamos comer uma sole meunire de %erdade, com o %erdadeiro linguado de &o%er, e garanto que %oc? ser: outra pessoa depoisH> Ele deu a %olta no carro e a1riu a porta para ela. >Ah, tudo 1em, pei;e - pei;e, no precisa me transformar em outra pessoa, 1asta que d? um fim nesse ronco no meu est9mago.> Julia entrou no carro, do1rando as pernas com a delicada graciosidade de algu-m acostumado a se acomodar em espaDos pequenos demais para seu tamanho. A1ai;ou o %idro e colocou o 1raDo para fora, aplicando na lataria do %elho ,uick um tapinha carinhoso, como o que se d: em seu ca%alo fa%orito. >.a, haH>, e;clamou ela quando Paul entrou e deu a partida. >$: %amos nLsH>
)ia :>?, Receita >9< 0ora de mudar para 1eeha23en .inda acabo provocando um ataque nuclear 1 'imes Fquare com esses malditos sapatos, srio. F!o os mesmos que eu estava cal$ando no 77 de Fetembro, quando tive de ficar quase uma ora na fila da PaJless da 9t .venue para comprar um par de _eds falsificado, a fim de n!o c egar ao @roo0lJn com os ps transformados em dois cotos ensanguentados. F!o os mesmos com que vandali(ei o consult3rio do ginecologista que teve a infelicidade de ser o terceiro mdico em um ms a me di(er que os :? estavam c egando e que eu sofria de uma s4ndrome e que se pretendia ter fil os era bom me apressar ou acabaria n!o conseguindo. = agora isto. ;ma das poucas coisas boas que posso di(er sobre meu cub4culo que ele fica perto de uma #anela bem grandeM e foi por causa dela que a princ4pio n!o notei. =u estava fa(endo uma imita$!o simplesmente perfeita +na min a modesta opini!o, de uma pessoa poderosa e despre(4vel * cu#o nome n!o posso revelar porque seria processada por min a reparti$!o *, para divers!o dos meus poucos colegas democratas, quando "ate nos c amou do corredor. K=iO Vocs tambm est!o sem eletricidadeLK Ol ei para a tela do meu computador, que estava preta, e para o telefone, que pela primeira ve( na vida n!o estava piscando. K=stamos. ;au.K 2ais que depressa, pegamos as lanternas que aviam sido distribu4das aos funcion&rios da agncia, reunimo*nos e seguimos por corredores completamente 1s escuras, rumo 1 escada de emergncia. ;ma coisa eu digoH n3s, nova*iorquinos, estamos nos tornando cale#ados em procedimentos de evacua$!o. R4amos, coc ic &vamos e especul&vamos sem preocupa$!o sobre a$Nes terroristas enquanto desc4amos a passos vagarosos uma escada meio irregular e espiralada. =nt!o, bom, talve( n!o este#amos t!o e-perientes assim, porque l& embai-o, nas cal$adas, reinava uma situa$!o um tanto quanto ca3tica. Fab4amos de cor e salteado aquela ist3ria de procurar a sa4da de emergncia mais pr3-ima, mas esquecemos da parte do ponto de encontro. Outros edif4cios tambm aviam sido evacuados * aparentemente v&rios quarteirNes das redonde(as tin am ficado sem eletricidade. "!o avia fuma$a, sirenes nem feridos. .s pessoas andavam de um lado para outro com fisionomias um pouco agitadas, mas n!o demasiadamente at6nitas, tentando ligar para amigos e familiares de seus celulares e @lac0@erries. =u e alguns colegas de trabal o * umas D< pessoas no total Y aguardamos cerca de vinte minutos do outro lado da rua, sob uma escultura no formato de um cubo vermel o gigante com um buraco no meio. @rad, um su#eito do departamento de desenvolvimento, come$ou a listar as pessoas cu#o paradeiro era con ecido, muito embora fosse um esfor$o meio v!o. 'alve( isso fosse responsabilidade n!o do @rad do desenvolvimento, mas do presidente de nosso 3rg!o governamental. O sr. _line, porm, n!o c egou a dar as caras no ponto de encontro. Preferiu tomar um t&-i especial, levando consigo seu gerente de programas favorito, um rapa( de D? anos que, para fins de imposto de renda, tem um sal&rio anual de um d3lar, porque seu pai fe( uma contribui$!o de n!o sei quantos milhEes de d3lares para o Partido Republicano de "ova /or0. Fegundo rumores que circularam mais tarde, esse gerente de programas levou nosso adorado presidente para a casa do pai, na Par0 .venue, para que o sr. _line pudesse passar a noite em seguran$a. %oi o que nosso presidente fe( enquanto seus colegas permaneciam abandonados sob uma escultura corporativa de mau gosto. Ferei processada por isto, mas querem saberL =les que v!o se foder se n!o conseguirem levar uma brincadeira na esportiva.
Para ser #usta, n!o avia l& muita coisa que nosso presidente poderia ter feito, e-ceto demonstrar um m4nimo de considera$!o por suas secret&rias suburbanas, que teriam de camin ar quil6metros e mais quil6metros com sapatos torturantes at c egar em casa. %i( um pouco de ora, recusando*me a aceitar a inevitabilidade de tal camin ada, enquanto min as colegas partiam em pares e trios nas mais variadas dire$Nes. S claro que todos os urbanistas recm*sa4dos de Earvard, aqueles rapa(in os atraentes e arrogantes, possu4am apartamento(in os c iques no =ast Village e podiam camin ar tranquilamente para casa. @rad e _immJ iam pegar a @roadPaJ at a ponte Queensboro e atravessar para o Queens. =u sabia que devia ir com eles, mas n!o tive for$as. Por isso fiquei ali, so(in a, na compan ia de alguns mil ares de descon ecidos, pensando nos meus ps. +.lm do mais * e n!o mencionei isto antes porque bastante constrangedor *, por bai-o do meu vestido para l& de #usto eu estava usando uma espcie de espartil o bem apertado. =u o comprara na faculdade por causa do * meu )eus, esta parte realmente constrangedora Y grupo de teatro de que eu participavaH est&vamos encenando * isto humilhante 0 $ike a Birgin. Portanto, trata*se de um espartil o como o da 2adonna em $ike a Birgin, com um suti! pontudo de renda preta. =u costumava vesti*lo porque, por mais que fosse uma tolice, ac ava*o se-J, e tambm porque, na condi$!o de viciada em teatro semi*regenerada, eu gostava do bo#o pontudo retr6 em que ele acondicionava meus seios. )esde o in4cio do Pro#eto, porm, eu o usava porque s3 assim conseguia entrar em muitas de min as roupas., 'en o a impress!o de que 1s ve(es o desconforto e o temor suscitados por certos artigos de vestu&rio s!o pais da inven$!o, porque enquanto eu permanecia ali, ol ando desconsoladamente para os lacin os dos meus torturantes escarpins d eJaille a(ul* marin o, min a cabe$a come$ou a funcionar, resgatando uma informa$!o avia muito esquecida. @... - @ alguma coisa... 1? 1? 1?.... 1aaa... ,A$!AHHH em uma ,A$!A em algum lugar por aqui, tenho CE7 E_AH = l& estavam elas * as balsas que partem do Fout Ftreet Feaport, em LoPer 2an attan, rumo ao EunterVs Point, em Long Rsland CitJ, que fica a uns de( quarteirNes do nosso apartamento. ;ma travessia de de( minutos, muito agrad&vel, especialmente num fim de tarde ameno como aquele, com "ova /or0 1s escuras, envolta num estran o silncio crepuscular. Frio, foi s3 a espera de trs oras, em meio a uma multid!o de queensianos irritados, que me fe( pensar nos cinco d3lares que me cobraram pela travessia. . placa anunciava uma tarifa de trs e cinquenta, mas n!o era isso que informava a mul er parada na rampa de acesso, acumulando cdulas numa sacola pl&stica com o slogan =u Cora$!o "/. .o que parecia, era um bom dia para os donos de balsas. Ou talve( apenas para uma mul er com uma sacola com o slogan =u Cora$!o "/, col Nes de a$o e um son o. Por outro lado, talve( aquele um d3lar e meio a mais fosse pela divers!o * uma espcie de dan$a das cadeiras 1 beira*rio. )urante trs oras, uma mul er(in a latina permaneceu em p num banco, como uma monitora c efe de acampamento, com as m!os em conc a em volta da boca, gritando coisas comoH KQueensOOO Queens, embarcadouro F=RFOK KQuem vai para o Queens, embarcadouro )ORF, embarcadouro )ORFOK K=mbarcadouro )OW=. Queens, embarcadouro )OW=OK = n3s obedec4amos, deslocando*nos de c& para l&, de um embarcadouro a outro, secret&rias de todas as cores e credos, ombro a ombro, sapatos nas m!os, ao menos uma de n3s arque#ando por causa de um espartil o idiota, e t!o logo adentr&vamos o embarcadouro que a mul er(in a latina acabara de indicar c egava uma balsa * com
destino a Iee aP0en. =nt!o, vindos sabe*se l& de onde, apareciam uns seguran$as grandal Nes, carecas, gritandoH KPra tr&sO Pra tr&sOK =, 1 maneira de um vociferante mar Vermel o, os queensianos abriam camin o para uma bem*comportada fila de analistas de Iall Ftreet e donas de casa de classe mdia. Por que aquela mul er fa(ia aquilo conoscoL Provavelmente porque era divertido ver mil ares de trabal adores e-auridos se arrastando de um lado para o outro feito gado desnorteado. . balsa de Iee aP0en c egava, sem brincadeira, a cada cinco minutos. 2arquei no rel3gio. S o tipo da coisa que voc fa( quando passa trs oras sendo tratada como gado por uma cobradora de balsa que de repente se tornou uma pessoa muito poderosa. . popula$!o do munic4pio deIee aP0en, segundo o censo de D???, de 7:.<?7 abitantes. Pelos meus c&lculos, isso significa que, naquele 7> de agosto, todos os omens, mul eres e crian$as que l& vivem estiveram em LoPer 2an attan * duas ve(es. @rincadeiras 1 parte, n!o ambiciono roubar o cargo do atual secret&rio de Feguran$a "acional, palavra de onra. 2as, sen or secret&rioL Quero crer que, ao longo dos Gltimos dois anos, em algum momento algum decerto se lembrou de que as balsas podem ser e-tremamente Gteis para uma evacua$!o de 2an attan na eventualidade de, sei l&, uma e;ploso nuclear ou coisa do gnero. Os megafones pesam tanto assim no or$amento de seguran$a nacionalL Por acaso conclu4ram que toda e qualquer pessoa que na ora E n!o ten a um t&-i especial 1 sua disposi$!o dispens&velL 2as at que aconteceu uma coisa divertida. =st&vamos sendo empurrados para tr&s, a fim de dar lugar a mais uma leva de cidad!os de Iee aP0en em fuga * se n!o me engano, foi no =mbarcadouro Cinco. "uma situa$!o como essa, claro que n!o faltam motivos para algum di(er Kperd!oK uma centena de ve(es, de modo que a princ4pio n!o me ocorreu que a mul er que estava alguns corpos 1 min a esquerda, repetindo isso sem parar, quisesse falar comigo. 2as ela continuou, com urgncia crescente, at eu ol ar em sua dire$!o. 'in a os ol os cravados em mim, embora eu n!o soubesse o que estaria atraindo sua aten$!o * ac &vamo*nos muito distantes uma da outra para que eu estivesse pisando em seu p. KE!L Pois n!oLK KVoc n!o a 5ulie PoPellL )o Pro#eto 5ulieZ5uliaL Vi sua foto na #e(sda".K +=u sei, eu sei, n!o contei que min a foto tin a sa4do na #e(sda". S que muito embara$oso abordar esse tipo de coisa. Como que algum fa( para dar a not4cia de que foi fotografada preparando o #antar na porcaria do seu apartamento(in o em Long Rsland CitJ sem parecer imbecil, vaidosa e metidaL )e qualquer forma, n!o foi nada de mais, srio. Fimples golpe de sorte., K. . Fim, sou eu. OiOK KF3 queria di(er que sou sua f!. = tambm moro em Long Rsland CitJOK =la era #ovem, bonita e provavelmente tin a um emprego muito mel or que o meu. Parecia ser uma pessoa bacana. K. , obrigadaO Obrigada.K 'odas as secret&rias 1 nossa volta estavam come$ando a reparar nesse di&logoM ol avam*me com curiosidade. 2eu )eus * eu era uma celebridadeO . sensa$!o era maravil osa. Rnfeli(mente, porm, n!o tin a mais nada para di(er. @alancei mais um pouco a cabe$a, sorri feito uma palerma e, quando tivemos de trocar de novo de embarcadouro, sa4 de finin o dali e me mudei para outra parte da multid!o. =u daria uma pessoa famosa terr4vel. 2as foi legal. =squisito, mas legal. = a travessia de balsa em si, quando enfim aconteceu, foi uma del4cia. %iquei sentada enquanto, 1 min a volta, as pessoas tiravam fotos com suas cQmeras digitais e apontavam ou apenas contemplavam a bele(a inusitadamente calma das duas margens do rio. .o descer no EunterVs Point, peguei
uma carona com um omem que estava se oferecendo para levar quem fosse na dire$!o de .storia, coisa que me pareceu t!o generosa e sol4cita que quase me fe( esquecer da mul er da sacola com o slogan =u Cora$!o "/ que se aproveitara da oportunidade de um estado de emergncia para arrancar din eiro de um bando de secret&rias. Fegui pela 5ac0son .venue com esse omem bondoso, sua namorada, uma mo$a bonita de cabelos escuros, cu#a m!e tin a ficado presa no metr6 * d& pra imaginar issoL * e uma sen ora de B? anos com os cabelos tingidos de ruivo e um sotaque carregado, t4pico do Queens * talve( uma das autoras dos pro#etos de monumento que eu vivia recebendo *, a qual ouvira di(er que toda a Costa Leste fora atingida pelo blecaute. =la ac ava que aquilo s3 podia ser obra de algum terrorista. O omem me dei-ou em frente de casa. =m geral desertas, as ruas de Long Rsland CitJ estavam fervil ando, um mundaru de gente arrastava os ps com o ar desanimado de quem ainda teria de percorrer muitos quil6metros antes de poder ir para a cama. )entro do apartamento reinava a vermel id!o do entardecer. O c efe de =ric estava sentado no sof&, fol eando uma revista. =le n!o conseguiria c egar a Iestc ester naquela noite. Lancei os sapatos a pontaps para dentro do arm&rio e * ap3s um ou dois instantes de afli$!o, quando pareceu que =ric n!o seria capa( de abrir o (4per * arranquei o vestido. Com muito custo, desabotoei a idiotice que era aquele meu espartil o com suti! pontudo e o atirei no li-o. %i( uma bola com as meias e enfiei*as na gaveta. .to cont4nuo, vesti um s ort e uma camiseta. =stava fedida, acalorada e faminta * e pensei que nunca tin a me sentido t!o confort&vel na vida. Fempre gostei de uma cat&strofe. Quando o furac!o .gnes passou pelo @roo0lJn, comprei enlatados e &gua mineral e fui para o cal$ad!o ver as ondas e-plodindo no quebra*mar, enquanto todo mundo gritava de e-cita$!o, menos a fam4lia de #udeus ortodo-os, debru$ada com devo$!o sobre seus livrin os de couro, balan$ando*se para a frente e para tr&s em suas ora$Nes. .pesar de odiar o inverno, adoro a primeira grande nevasca do ano Y gosto de andar apressada pelas ruas da cidade momentos antes de come$ar a nevar, abastecendo*me de comes e bebes, travando di&logos deliciosamente apreensivos com os merceeiros sobre as Gltimas not4cias do Ieat er C annel. Fe a nevasca cai no "atal, quando estou com min a fam4lia no 'e-as, sinto uma obscura pontada de triste(a por perder o espet&culo. C eguei a sentir um pouco dessa e-cita$!o nervosa, que )eus me perdoe, at no 77 de Fetembro, enquanto vagava com meus _eds falsificados pelo centro da cidade, 1 procura de um lugar para doar meu sangue tipo O negativo. Quando os lobos invadirem a cidade, pensei, dispostos a acabar com as mul eres que fa(em as un as com manicures coreanas e os e-ecutivos at6nitos que, de palet3 no ombro, tentam em v!o completar liga$Nes com seus celulares, n3s, os valentes, teremos de provar do que somos feitos. =u me sentia pronta para isso naquele dia. 'in a at pra(er com a ideia. "!o 1 toa que escol eram o nome de )epartamento de Feguran$a #acional 0 as cat&strofes fa(em vir 1 tona nossa afei$!o inata por todo esse besteirol t4pico dos er3is Pagnerianos. %ui para a co(in a escura a fim de alimentar meu marido e seu colega, muito consciente de meus deveres de boa esposa. +.s calamidades sempre fa(em com que eu me sinta um pouco antiquada e Kdo larK. Palavras como esposa me vm espontaneamente 1 cabe$a., 2in a tarefa era oferecer sustento para meu marido e um convidado inesperado sem o au-4lio de modernidades banais como lu( eltrica. . de =ric era tra(er o alimento para casa e, numa impressionante e-ibi$!o de clarividncia emergencial, fora #ustamente isso que ele avia feito. .pro-imando*se de mim com uma lanterna, ele sussurrou no meu ouvidoH KComprei um pouco de f4gado de galin a. = berin#elasK. KFer& que o seu c efe gosta de f4gado de galin aLK
KQuem sabeL "!o importa. O principal que ele n!o deve estar a fim de comer 1s on(e da noite.K K@om, ent!o mel or eu arrega$ar as mangas.K +"unca digo coisas como Karrega$ar as mangasK, e-ceto em estados de emergncia., =ric me bei#ou de um #eito t!o Keu e voc contra o resto do mundoK que me dei-ou toda arrepiada e me fe( pensar nos picos de natalidade tradicionalmente registrados nove meses depois de grandes blecautes. =nt!o ele saiu 1 ca$a de todas as velas e-istentes em casa. =u tin a acabado de encontrar um meio de equilibrar a lanterna no quei-o para co(in ar quando o c efe de =ric despontou na co(in a. K5ulieL 'em gente a4 fora querendo falar com voc.K C eguei 1 sala de estar e escutei. K5ulieO JulieH 5;LR=OK = quem eu ve#o ao ol ar pela #anelaL "ingum mais, ningum menos que @rad e _immJ, ol ando*nos da cal$ada com e-pressNes e-tenuadas. _immJ levava os torturantes sapatos de salto alto nas m!os * tin a os ps descal$os e as meias em frangal os. Vin am camin ando desde o escrit3rio e aviam acabado de atravessar a ponte Queensboro. @rad assumiu o posto de acendedor de velas, enquanto =ric sacava a enorme garrafa de vodca que ele, em sua infinita sabedoria, comprara a camin o de casa. "esse 4nterim eu tentava temerosamente acender o fogo com meu isqueiro @ic. Quando, em ve( de e-plodir na min a cara, a boca do fog!o produ(iu uma tranquili(adora c ama a(ul, percebi que as dificuldades tin am ficado para tr&s. S nessas oras que n3s, f!s do fog!o a g&s, temos certe(a de que estamos do lado de )eus. Pus a lanterna debai-o do quei-o, e =ric espal ou 1 min a volta uma por$!o de velas fi-adas em tigelas mise0en0place e pires de -4caras de c &, at eu ficar com a sensa$!o de estar embarcando num ritual -amanista de ospitalidade, que era, ac o, o que estava de fato fa(endo. Falteei um pouco de arro( na manteiga * eu teria colocado algumas cebolas, se pudesse retir&*las das profunde(as escuras da geladeira * e acrescentei um pouco de caldo de galin a para co(in &*lo. Quando o arro( ficou pronto, despe#ei*o numa forma sa%arin untada com manteiga * eu agora sou aquele tipo de pessoa que, num estado de emergncia, sempre consegue ac ar sua forma sa%arin. =ssa forma eu acondicionei na maior panela que tin a, a qual enc i com dois dedos de &gua. )ei-ei ferver por de( minutos para servir um 7iz en Couronne < um anel de arro(, uma das muitas idiotices que algum pode fa(er durante um blecaute. O arro( devia ir ao forno, mas, quando fui acend*lo, o fogo mostrou*se mais temperamental que o das bocas do fog!o. Falteei os f4gados de galin a na manteiga e improvisei um mol o com vermute e caldo de galin a. =ric a#udou fritando algumas berin#elas. =st&vamos come$ando a servir os pratos quando novamente ouvimos algum c amandoH K5ulieO 5u*lieeeeeeOK L& embai-o, na rua, estava XPen, um pouco bbada, um pouco faminta, e muito cansada, tendo atravessado a ponte Queensboro a p depois de comemorar o blecaute e o poss4vel fim do mundo num rega*bofe espontQneo que irrompeu espontaneamente em seu escrit3rio. O Qnimo em Long Rsland CitJ naquela noite era festivo. =m nosso apartamento, reali(amos um #antar 1 lu( de uma mir4ade de velas. 2in a m!e avia nos mandado alguns panos lilases iridescentes para pendurarmos nas paredes do recesso da sala em que ficava nossa mesa de #antar, e eles tremelu(iam 1 lu( bru-uleante das velas. Parec4amos todos muito bonitos, misteriosos e satisfeitos. =u e _immJ falamos mal at n!o mais poder de nossos empregos de secret&ria, para ilaridade geral, enquanto @rad e XPen pareciam surpreendentemente 4ntimos na outra ponta da mesa. . comida foi pouca para seis pessoas, mas isso s3 fe( aumentar o clima apocal4ptico de casa dos espel os da noite, sobretudo quando =ric se aventurou pelas ruas escuras e agitadas para comprar sorvetes. %oi uma noite e tanto para os sorveteiros * 1s on(e oras as ruas
continuavam repletas de pessoas camin ando, camin ando, e sabe*se l& quanto ainda l es faltava camin ar. 2as n3s est&vamos em casa. _immJ conseguiu ligar do celular para o namorado, e ele veio busc&*la e a levou para casa. O c efe de =ric foi se deitar no sof& e o restante de n3s permaneceu mais um pouco em volta da mesa de #antar. Quando est&vamos todos um pouco altos, consegui levar XPen para um canto e perguntei*l e sobre seu amigo casado, o tal de 2itc . +.lguma coisa me di(ia que era mel or n!o mencionar isso na frente de @rad * parecia aver possibilidades ali., K. . =le deu pra tr&s. )e repente ficou com medo de trair a mul er, o cag!o.K KQue pena.K KQuer saberL C eguei 1 conclus!o de que n!o mere$o trepadas maravil osas s3 de ve( em quando. 2ere$o*as regularmente. =le que se foda.K )epois de tirarmos os pratos, afastamos a mesa para que @rad e XPen pudessem dormir no tapete felpudo do nosso canto de #antar. =u e =ric fomos para a cama, sentindo*nos muito pr3-imos e comunit&rios, como um bando de neandertais que volta para sua caverna depois de comer um mastodonte no #antar. @rad e XPen dormiram t!o bem naquela noite que n!o acordaram nem quando, 1s > :? da man !, o r&dio*rel3gio voltou a funcionar e o lustre da sala come$ou a pro#etar um raio de lu( bem em cima de suas cabe$as. +XPen #ura por tudo que mais sagrado que n!o aconteceu nada, mas ainda ten o esperan$as. @rad seria 3timo para ela., Ts ve(es, n!o & nada mel or do que ser uma funcion&ria de servi$os n!o*essenciais. "a man ! seguinte, o prefeito @loomberg nos sugeriu pelo r&dio, para o bem da cidadeH K%iquem em casa, rela-em, poupem suas energiasK. . mul er do c efe de =ric veio de Iestc ester para apan &*lo, e eles levaram @rad e XPen para suas respectivas casas. =ric e eu lavamos a lou$a #untos. Por isso que eu digo, se#a qual for o dia da semana, ficar sem lu( muito mel or do que ficar sem &gua. Quando eu soube que as pessoas ficaram presas no metr6, o Gnico pensamento que me veio 1 mente foi Ktomara que a 5ulie ten a tido que trabal ar at mais tarde. 'or$o e re(o para que 5ulie ten a ficado no escrit3rio at mais tardeK. .c o que sou mel or do que eu pensava, porque preferi que 5ulie "cO tivesse ficado presa V]RR.F EOR.F embai-o da terra num trem sem ar*condicionado a ter o pra(er de ler um post que prometia ser R"'=R=FF."'aFFR2O. =u sei, eu sei. . primeira coisa que pensei, depois de saber que o blecaute n!o tin a sido um atentado terrorista, tambm foiH K. , meu )eus. . 5ulie est& metida nessa confus!oK. %oi quase como se eu pensasseH K. , meu )eus, min a irm! est& metida nessa confus!oK. F3 que min a irm! mora em Ias ington, n!o em "ova /or0. =, como praticamente desde o in4cio leio todos os dias as coisas que voc escreve, o fato que, o#e, na min a vida, voc tem mais espa$o que min a irm!, que n!o escreve nunca. Voc mel or do que eu, porque a primeira coisa que pensei foiH KComo a 5ulie vai fa(er pra co(in arLK Xra$as a )eus e-istem fogNes a g&s. =, quando vi na televis!o toda aquela gente voltando a p pra casa, fiquei preocupada de novo. =nt!o penso tambm que gra$as a )eus e-istem as bil eteiras gananciosas de balsas. @oa sorte, 5ulieO KCoitada da 5ulieOK, pensei. KComo ela vai fa(erLK Colocando uma lanterna debai-o do quei-o, claroOOO Voc uma Rndiana 5ones da co(in a, sua danada, com um c icote de mil e uma utilidades no cintoO
S reconfortante ter amigos, sobretudo amigos que voc talve( nunca con ecer& pessoalmente. Ve#am que coisaH enquanto eu esperava uma balsa em meio a mil ares de outras secret&rias em pandarecos, uma mul er de 2innesota c amada C ris n!o estava pensandoH VV. , coitado dos novaiorquinosOK, e simH K. , coitada da 5ulieOK =nquanto eu co(in ava f4gados de galin a com uma lanterna debai-o do quei-o, um su#eito l& em F reveport se esfor$ava para lembrar se o fog!o de 5ulie era eltrico ou a g&s. =spal adas pelo pa4s, pessoas que nunca tin am estado em "ova /or0, que nunca tin am me encontrado, que nunca tin am feito um prato de comida francesa na vida, ouviram falar do blecaute e pensaram em mim. S meio incr4vel, n!o L %ora ser uma massagem e tanto para o ego, claro. Porque pessoas que teriam visto o que aconteceu como uma calamidade que sobreviera a outros indiv4duos, subitamente viam a coisa como uma calamidade que sobreviera a um ente querido, a uma amiga. "!o digo isso com arrogQnciaM na realidade, n!o ac o que isso ten a muito a ver comigo. O que eu ac o que isso mostra que as pessoas se importam umas com as outras. 'endo a oportunidade, preocupam*se umas com as outras. "!o sei se acredito mesmo nisso, mas no dia seguinte ao blecaute com certe(a acreditava. =, se o fato de algum acreditar na bondade #& contribuir para gerar um pouco mais dessa qualidade, imagino que, sendo n3s tolos o bastante para acreditarmos, ainda que somente por um dia, em nossa nature(a bondosa, estamos contribuindo para aumentar a soma de generosidade no universo. Que ingenuidade a min a, n!oL )roga, detesto quando fa$o isso. "a noite seguinte, comemos macarr!o com mol o branco, ao qual acrescentei a receita de 5C para cebolas em conserva. K'odas as marcas de conservas de Vcebolas pequenas co(idasV que e-perimentamos tm, a nosso ver, um gosto desagradavelmente doce e &cidoK, escreve 5C. K"o entanto, s!o t!o Gteis numa emergncia que resolvemos indicar o seguinte procedimento para torn&*las mel ores.K Pensei que o dia subsequente a um blecaute de grandes propor$Nes fa(ia #us a cebolas em conserva emergenciais. Contudo, era um pouco dif4cil imaginar e-atamente a que tipo de emergncia 5C estava se referindo. Ve#amosH uma situa$!o em que, na falta de cebolas in natura, a pessoa dispNe de um amplo estoque de cebolas em conserva +dei-ando de lado, por ora, o fato de que, em D??:, encontrar cebolas em conserva em si mesmo um feito e tanto,. .s cebolas devem ser escorridas, fervidas, escorridas de novo e em seguida co(idas por mais quin(e minutos com caldo de carne e um buqu de ervas, de modo que n!o estamos falando de uma emergncia em que a rapide( no preparo das cebolas se#a uma coisa essencial, nem de uma emergncia em que a pessoa se encontre numa il a deserta sem nada para comer e;ceto cebolas em conserva +a n!o ser, talve(, que seu 0it de primeiros socorros inclua uma bande#a de temperos,. 'udo somado, n!o sei bem do que 5ulia est& falando, mas desconfio que se trate de uma emergncia durante a qual voc enfrenta problemas mais srios do que a possibilidade de que suas cebolas fiquem com um gosto muito K&cidoK. ;m 1leader dei-ou o seguinte coment&rio enigm&ticoH Pergunto*me se a Fegunda Xuerra 2undial n!o seria o tipo de emergncia que 5ulia tin a em menteH col eitas redu(idas, anos a fio de fornecimento alimentar espor&dico e todo mundo recorrendo aos enlatados nesse meio*tempo... Vivemos numa poca bem mais mimada. . escasse( de cebolas em conserva prova disso. S um e-celente argumento, muito embora eu continue sinceramente dese#ando que 5C #amais ten a vivenciado uma situa$!o que de fato a obrigasse a tanto. 5ulia e Paul moravam em Cambridge quando o vov6 dos blecautes atingiu "ova /or0, em 78BB,
portanto n!o teve de co(in ar naquela ocasi!o. "o entanto, mesmo em Cambridge devem acontecer blecautes. Pergunto*me se ela algum dia fe( um mol o branco com cebolas em conserva durante um blecaute. Por algum motivo, ac o que n!o. )eve ter coberto um bolo com Cr?me au ,eurre, M-nag?re, e em seguida pegado Paul pela m!o e passado o resto do dia na cama com ele. Rsso parece mais prov&vel. .final de contas, 5ulia sempre teve o dom de distinguir o que de fato essencial.
Maio de 2343 Paris, FranDa /uando ele entrou em casa ao meio0dia, ela deu um grito de alegria e se atirou em seus 1raDos. >Comprei uma linguiDa interessantJssima em $es .alles ho)e de manh. #unca tinha %isto nada parecido.> Pegou a mo dele e comeDou a arrast:0lo em direDo = acanhada sala de )antar. >Calma, calma 0 dei;e0me tirar o casacoH> Ela o rece1ia todos os dias desse )eito estridente, esfuriante. Era uma das alegrias de seu dia, %oltar para casa na hora do almoDo. Por-m =s %ezes ele sentia uma le%e e insistente pontada de culpa, como se esti%esse mantendo presa uma golden retrieoer alegre e 1uliDosa e que, a despeito disso, ao ser no%amente solta, sempre o rece1ia com seu amor e sua gratido simples. Em cima da mesa %iam0se dois pratos, algumas fotias de uma linguiDa escura, defumada, craoe)ada de rodelas de gordura, um po e alguns 1ons quei)os pastosos. Para algu-m que at- alguns anos antes no entendia nada de comida, Julia possuJa um gosto infalJ%el e destemido. Ele pu;ou uma cadeira, pegou o po, tirou um naco. Julia sentou0se diante dele e p9s0se a mordiscar um pedaDo de linguiDa. >,om, parece que foi alarme falso. !L uma fadiga estomacal, como %oc? disse. Entre o se;o e a comida, imagino que toda mulher que %em para Paris desconfie uma %ez ou outra que est: gr:%ida.@ Paul descansou a faca no prato e olhou a mulher nos olhos. .a%iam con%ersado so1re ter filhos, claro, ainda que de maneira descomprometida. A 1em da %erdade, a ideia no o entusiasma%a muito, mas quando Julia lhe falara so1re suas suspeitas na semana anterior ele resol%era que, em nome do amor que tinha por ela, rece1eria 1em a gra%idez. >E est: tudo 1em com %oc?C> Julia franriu o nariz e sorriu para ele. >Ah, claro. Al-m do mais, acho que no le%o muito )eito para cuidar de crianDa.@ Paul sentiu uma punhalada de culpa. >Julia, tam1-m no significa que nunca mais...> Julia fez um gesto )o%ial com a mo, to con%incente que ele quase chegou a acreditar que era genuJno. >Claro, claroH E eu estou apro%eitando tanto que seria uma pena ter de a1rir mo dessa %ida 1oa para cuidar de um fedelhozinho. T sL que...@ Por um 1re%e instante ela pareceu triste. >T sL que eu gostaria de ter alguma coisa a que pudesse me dedicar durante o dia. #o posso passar a %ida inteira andando a esmo pelos mercados, possoC> Paul cortou um naco de quei)o e o espalhou num pedaDo depo. >S )ustamente nisso que tenho pensado ultimamente. al%ez %oc? de%esse entrar para um grupo de mulheres ou fazer um curso. Rma coisa que ocupe sua ca1eDa. &e%e ser um t-dio ficar plantada o dia todo aqui, sozinha.> >Ah, isso no, estou sempre arrumando o que fazer. #isso eu sou 1oa.> Apoiou o quei;o na mo. >!e 1em que, por outro lado, tal%ez %oc? tenha razo. Preciso arrumar um 1om pro)eto para mim mesma. T disso que estou precisando.> /uando Paul terminou de almoDar, Julia o acompanhou at- a porta. Ele deu um 1ei)o de despedida na mulher e, ao fitar seu rosto largo, identificou em seus olhos um 1rilho conhecido. Era um 1rilho com o qual era preciso tomar certo cuidado, como ele 1em sa1ia, um 1rilho que podia ter desdo1ramentos inesperados. >!L no %: in%entar muita moda, heinC> >Ah, no. Muita, no.>
)ia :<D, Receita >88 45 mesmo na Amrica6 K.l6, 5ulie, quem est& falando _aren, da C@F. Xostar4amos de fa(er uma matria sobre o seu pro#eto.K KEummm... 'udo bem.K )e modo geral, n!o atendo ao telefone em casa, especialmente quando estou escrevendo meus te-tos para o blog. =m geral, n!o ningum com quem eu queira falar. 2as naquela man !, por algum motivo, atendi. Rntui$!o, talve(. K. ideia mandar antes um cinegrafista ao seu trabal o. =le a filmar& trabal ando, depois a acompan ar& quando voc for 1s compras e pegar o metr6 at sua casa. O restante da equipe estar& 1 sua espera no apartamento e voc co(in ar& como de costume enquanto filmamos. Que tal ter$aLK Pois . L& estou eu, escrevendo meu te-to, quando recebo um telefonema de uma das principais emissoras de 'V do pa4s, que se di( interessada em fa(er uma reportagem sobre mim e meu blog. 'elefonema esse que eu me pon o imediatamente a relatar no blog. %oi quando me ocorreu que as coisas estavam come$ando a ficar um pouco metalingu4sticas. "ate, o gnio do mal com rosto de menino, era o su#eito com o qual eu teria de falar antes de levar um cinegrafista para o escrit3rio, mesmo que n!o fosse para film&*lo +ou principalmente,. %ui at sua sala e bati na porta. =le estava com o celular colado 1 orel a, como de costume, mas fe( um gesto para que eu entrasse. KQuer di(er que o governador ficou para 7< 7<, certoL = o @loomberg, para 7< ><L . Fimone me disse que agora o Xiuliani tambm quer ir... S. Vou falar com eles. '& legal.K Foltou uma risada maliciosa. K%ec ado. 'e ve#o l&.K K= a4, quais s!o as novidadesLK %alou comigo, ac o. S sempre dif4cil saber com quem ele est& falando * "ate do tipo que seria capa( de implantar um telefone no pr3prio ouvido. KOi, ol a, eu queria di(er que na ter$a vem um cinegrafista da C@F pra...K K5ulie, voc sabe que todos os pedidos de entrevista com a @onnie tm que passar por mim... o Xabe vai ter um tro$o.K +=m todo o escrit3rio, s3 "ate c amava o sr. _line pelo primeiro nome., K"!o... n!o ... com... bom, comigo.K K'& brincando. Fobre aquele neg3cio de culin&riaLK KPois .K O rosto de "ate se abriu num sorriso meio predat3rio. KPu-a, que sensacionalO Quando mesmo que voc disse que ele quer virL )epois do e-pediente, certoLK KS. "a ter$a.K K=st& bem. F3 n!o o dei-e filmar nada que n!o deva ser filmado. Voc sabe, os pro#etos.K K'udo bem. Claro.K K"em documentos, nem as coisas que voc tem no computador.K KPode dei-ar.K K. recep$!o tambm n!o pode. = nen um logotipo nosso. = n!o diga para quem voc trabal a. = sabe aquela ist3ria de Vfuncion&ria pGblica indolenteVL "o seu site fica 3timo * engra$ad4ssimo, 5ulie, falando srio * mas na frente de uma cQmera talve( se#a mel or abrandar um pouco o tom. CombinadoLK KEum. Combinado. Obrigada.K %i( men$!o de sair.
K. , e 5ulieL 'ente impedir que o sen or _line ve#a o cinegrafista. Voc sabe como ele . Pode ficar curioso sobre esse lance de VblogV.K .s aspas foram do pr3prio "ate, que as fe( com os dedos quando pronunciou a palavra KblogK. @om, uma palavrin a meio boba mesmo, ac o. 'oda ve( que vou 1 )ean C )eLuca, tambm con ecida como 2ercearia do .nticristo, eu prometo a mim mesmaH >#unca maisH> Costumo di(er isso em vo( alta, quando ainda estou l& dentro, (igue(agueando entre idiotas endin eirados como se fossem pil as de cerve#a belga artesanal, enquanto eles esperam na fila do caviar a 7<? d3lares ou pegam bande#as pl&sticas de sus i ou gemem de pra(er diante de tantas variedades de c & verde ou compram seu caf e seus croissants, coisa que s3 mesmo um asno pode fa(er na )ean C )o)emo. )epois de ficar bem emputecida, 1s ve(es vou 1 .stor Iines and Fpirits, onde compro trs garrafas de vin o * #& que estou l& mesmo * e ent!o dou um pulo na )uane Reade para comprar -ampu, condicionador e pasta de dentes, antes de seguir para a Petco e comprar um pacote de nove quilos de ra$!o seca para gatos, duas dG(ias de latas de ra$!o mol ada para gatos, uma cai-a de sete quilos de areia iginica para gatos e quatro camundongos para dar de comer 1 Wu(u, min a cobra de estima$!o. =m seguida, a camin o de casa, empurrando meu desa#eitado carrin o de compras * um desses carrin os que as vel as nova*iorquinas loucas costumam empurrar pela cidade, um carrin o que eu comprei em meu primeiro ano de "ova /or0, antes de perceber que s3 vel as loucas usavam coisas assim, mas que #& n!o me importo de usar, agora que estou resignada a ser eu mesma uma vel a louca * passo pela feira da ;nion Fquare, onde dou uma espiada num vaso com ramos enormes de corniso. =, tendo em vista que meu bolo de casamento foi enfeitado com flores de corniso, concluo ser perfeitamente apropriado comprar alguns para mim. Fomente ao descer 1 esta$!o do metr6 com min as latas e pacotes de ra$!o e areia iginica para gatos, trs garrafas de vin o, seis escalopes de vitela, quatro camundongos, -ampu, condicionador, pasta de dentes e ramos de flores de corniso mais ou menos da min a altura, tudo isso espremido num carrin o de compras de vel a louca, somente ent!o que me dou conta de que talve( n!o ten a sido uma boa ideia. Com alguma sorte, as pessoas cu#os rostos eu esbofeteio com meus ramos de corniso s!o apenas turistas, intimidados demais pelo Fistema de 'rQnsito 2etropolitano para tentar me esmurrar. = )ustamente por isso, claro, que o cinegrafista da C@F quer me acompan ar em min a e-pedi$!o de compras. Quando ele me liga do sagu!o de entrada, 1s 7B :? de ter$a*feira, estou pronta para ir embora, e-ceto pelos contratos =-tremamente Rmportantes que o 5ur4dico mandou para @onnie assinar, os quais n!o tive tempo de encamin ar porque ela est& numa reuni!o =-tremamente Rmportante desde as 7< . O cinegrafista sobe e me filma recebendo telefonemas e anotando recados enquanto esperamos. Ts 7B >?, estou me preparando para desligar meu computador quando @onnie sai da sala de reuniNes. KOnde est!o os contratosLK K.quiK, digo eu, entregando*os com ar de profissionalismo, a pr3pria secret&ria em a$!o. O cinegrafista da C@F me filma fa(endo isso. @onnie ol a para ele ligeiramente surpresa * ela foi informada em lin as muito gerais sobre o que iria acontecer, mas n!o compreende direito do que se trata. K= a carta de apresenta$!oL O pessoal do 5ur4dico disse que tin a um rascun o.K S a primeira ve( que ou$o falar nessa carta. K2erda.K @onnie ol a para o cinegrafista. K'alve( se#a mel or desligar isso por alguns instantes.K
)e modo que o cinegrafista n!o me filma partindo em disparada pelo corredor, rumo 1 sala do 5ur4dico, cu#os funcion&rios agora se encontram em sua pr3pria reuni!o =-tremamente Rmportante, nem me pega sacudindo um estagi&rio pelos ombros para ver se o rapa( entende como importante para mim que ele v& buscar a tal carta imediatamente, e tampouco registra o momento em que descubro que s!o necess&rias trs c3pias dos contratos, n!o apenas duas, nem o instante em que me pon o a vociferar obscenidades diante da m&quina de -ero-, que resolveu ficar sem toner #usto naquela ora, assim como n!o me filma resmungando amea$as terriveis, que implicam atirar vice*presidentes pelas #anelas do vigsimo andar em buracos enormes, repletos de tratores e vergal Nes de a$o. = uma pena ele n!o ter filmado isso, porque foi o que de mais animado aconteceu naquela noite. F3 posso imaginar que fui aben$oada com a aten$!o da C@F porque sou uma istrica desbocada com tendncias misantr3picas, para a qual as coisas em geral d!o completamente errado. )e modo que foi mesmo uma pena que, findo o deus*nos*acuda dos contratos e religada a cQmera, nada mais sa4sse dos ei-os. "!o c ovia canivetes, n!o ca4a nen uma nevasca e nas cal$adas n!o avia gente carrancuda voltando para casa ap3s o e-pediente. . mercearia turca tin a tudo de que eu precisava, at a e-travagante manteiga dinamarquesa a de(esseis d3lares o quilo. +5C n!o , de modo geral, muito e-igente com ingredientes. %oi uma das primeiras coisas que me atra4ram nela. Por isso, quando ela di( manteiga Kde primeiraK, ac o que para levar a srio., . sacola de mantimentos com que saio da mercearia n!o est& pesada. . esta$!o do metr6 n!o est& lotada e o trem c ega logo. .s pessoas abrem camin o quando passo com o cinegrafista atr&s de mim, filmando por cima do meu ombro, ou correndo 1 min a frente para me pegar dobrando a esquina. ;m su#eito no trem tenta pu-ar conversa comigo, sem dGvida por ac ar que sou algum importante, com aquele cinegrafista a tiracolo e tudo o mais. =m casa, com microfones grudados em n3s e a cQmera rodando reverentemente, eu e =ric bebericamos vin o, picamos c alotas, me-emos coisas em cima do fog!o e fa(emos de conta que n!o & cQmera nen uma na nossa cara. )e repente me pego falando como uma pessoa civili(ada, e sem fa(er for$a nen uma para isso. =stou tranquila, serenaM co(in o com um m4nimo de estardal a$o. Preparo camarNes em ,eurre ,lanc, que s!o basicamente :<? gramas de manteiga dinamarquesa derretida, 1 qual se misturam alguns crust&ceos e aspargos, com !auce Moutarde, e fica uma del4cia. .t parece que sou uma chef de primeiraM ten o a sensa$!o de estar mentindo. %ico tentada a inventar um desastre, simular um fogaru na frigideira ou coisa assim. 2as todos parecem impressionadosZ orrori(ados o suficiente com a quantidade de manteigaM sendo assim, ac o que est& tudo bem. . equipe de reportagem * ou mel or, equipe de KreportagemKM afinal, a quem estamos enganandoL .quilo n!o era e-atamente o cerco a 2a(aral*F arif * era composta de quatro pessoasH um cinegrafista, um sonoplasta, um produtor e uma rep3rter c amada 2i0a. =les pretendiam vir ao apartamento trs noites seguidas para nos filmar. Rsso equivalia a umas quin(e oras, coisa que me pareceu e-travagante e um tanto quanto in#usta. L& estava a C@F, torrando uma fortuna para fa(er um filmin o de cinco minutos sobre uma secret&ria de :? anos que mora no Queens e passa as noites preparando comida francesa. =nquanto isso, n!o consigo fa(er a contabilidade aprovar de( d3lares para servir um prato de biscoitos vel os durante a reuni!o do comit cultural. =nfim. .s primeiras duas noites transcorreram sem problemas, embora ten am sido estran amente e-austivas, mas no terceiro dia ouve uma e-plos!o em /ale, e o cinegrafista teve de ir cobrir o incidente. F3 puderam voltar na semana seguinte. "a ter$a*feira seguinte, para ser mais e-ata. . ter$a*feira do * e aqui come$o a uivar de desespero * 6ltimo epis3dio de ,uff", a CaDa0 Bampiros, o R$ *MG.
Fendo que nesse 4nterim peguei um resfriado * ou talve( fosse gripe avi&ria. Ocorre*me agora que ainda n!o e-pliquei direito min a devo$!o a ,uff", a CaDa0 Bampiros. =m parte, isso se deve ao fato de eu esitar em colocar em palavras uma emo$!o t!o delicada e preciosa, e em parte a uma certa vergon a que sinto por ser obcecada por algo que conta com a participa$!o de Fara 2ic elle Xellar. ,uff", a CaDa0 Bampiros 0 caso algum ten a passado os Gltimos de( anos num desses rincNes em que as escolas pGblicas pro4bem os livros de EarrJ Potter por incentivar a feiti$aria Y um seriado de televis!o, con ecido por seus seguidores fiis apenas como ,uff". S sobre uma adolescente que a Ca$a*Vampiros, a Gnica menina em todo o mundo +bom, no come$o issoM depois as coisas se complicam um pouco, capa( de enfrentar as for$as das trevasH a =scol ida. @om, ac o que isso o que se poderia c amar de argumento. )entro desse esquema, o seriado fala das afli$Nes da c egada 1 vida adulta, da importQncia da ami(ade num mundo cruel, da responsabilidade individual, do amor, do se-o, da morte e, como n!o poderia dei-ar de ser, da luta para mandar o mal para os quintos dos infernos. .o fim e ao cabo, n!o muito diferente da @4blia, salvo pelos dubls e pelas piadas, que s!o bem mel ores. Quem se sentir ofendido com essa observa$!o pode buscar conforto no fato de que n!o sou, nem de longe, a primeira a fa(*la. 'ambm como na @4blia, ,uff" fica um pouco arrastado e apocal4ptico no final, e em virtude disso e do Pro#eto eu n!o vin a acompan ando o seriado com tanta assiduidade nos Gltimos meses. 2as agora era coisa sria. =ra o fim. "ingum p&ra de ler a @4blia quando c ega ao .pocalipse, por mais esquisito e mal escrito que ele se#a. Ou talve( pare. 2as ningum perde o Gltimo epis3dio de ,uff". F3 que eu perdi. =nquanto =ric ficava na sala com a equipe de KreportagemK assistindo a esse evento ist3rico +o produtor tambm era f! de ,uff"F, eu dava duro numa co(in a quente, sob o ol ar atento de uma cQmera em modo time0lapseI "!o estou me quei-ando, claro * nem eu iria t!o longe a ponto de ficar mal* umorada por n!o poder assistir a um programa de 'V, mesmo em se tratando talve( da mais importante mistura de com-dia aDucarada, kungfo e g?nero fant:stico da histLria da ind6stria de entretenimento, s3 porque estou ocupada demais sendo filmada para uma reportagem a ser e-ibida num dos mais importantes notici&rios televisivos do pa4s. "!o, aguentei firme e preparei min as Fricadelles de Beau = *a #iDoise enquanto e-pectorava nacos enormes da meleca no#enta que entupira meus pulmNes no fim de semana anterior * completamente so(in a. Quando dou por mim, estou sempre so(in a. 'oda gera$!o tem sua =scol ida. Fricadelles de Beau = *a #iDoise s!o peda$os de vitela mo4dos com tomates, cebolas, al o e, principalmente, carne de porco salgada. %a$a pequenas rodelas com a mistura desses ingredientes, passe*as na farin a e frite numa frigideira com manteiga e 3leo bem quentes. )epois, quando as rodelas estiverem prontas, acrescente um pouco de caldo de carne para diluir os res4duos que ficaram na frigideira, misture um pouco de manteiga e est& pronto. . ca$a*receitas aqui tambm preparou Tpinards Etu%-s au ,eurre, ou espinafre refogado na manteiga, e omates 8rill-es au Four, que s!o assados, n!o grel ados, e um pouco de tal arim. C eguei mesmo a fa(er uma decora$!o superfofa nas travessas, coisa que levou =ric a murmurar, fora do alcance da cQmera * mas n!o do microfone, porque n!o fic&vamos um instante fora do alcance dos microfones, ramos como esses participantes de realit" sho(s que passam o tempo inteiro grampeados, at quando v!o ao ban eiro ou fogem para o meio do mato para ter encontros libidinososH KS um Pro#eto 5ulieZ5ulia para ingls verK. Porque 5ulie n!o usa pratos c iques nem serve as coisas na mesa. =ra como se o fio do microfone que corria entre meus seios, sob a camisa, na realidade tivesse uma
liga$!o direta com uma elegante e glacial fonte de bons modos 1 2art a FtePart * aquilo estava me dei-ando assustada. Primeiro, a rep3rter me entrevistou. Fentamos 1 mesa da sala de #antar, uma travessa e o meu surrado MtAoFC cuidadosamente dispostos no meio de n3s duas e, entre um acesso de tosse e outro, tentei pronunciar duas ou trs palavras espirituosas. )epois, em nossa c armos4ssima porm minGscula sala de #antar, servi um prato para =ric e outro para mim, enquanto o cinegrafista, o sonoplasta e o produtor se amontoavam para pro#etar lu(es fortes sobre n3s e a rep3rter se sentava para comer conosco * ou fingir comer, porque era vegetariana, coisa que as rep3rteres costumam ser, ao que parece. Quando terminou a filmagem, consegui fa(er com que o restante da equipe de KreportagemK se sentasse e comesse. O cara do som, cu#a mul er era daquelas vegetarianas mais radicais, santo )eus, quase teve um tro$o. "!o parava de falar sobre o sabor delicioso que os tomates davam 1 vitela. "!o tive coragem de e-plicar*l e que, na realidade, o que ele estava sentindo era o sabor que a gordura de porco dava 1 vitela. O produtor me contou o que eu avia perdido no Gltimo epis3dio de ,uff" e o cinegrafista * que tin a se embren ado no Rraque com as tropas americanas antes de se embren ar em Long Rsland CitJ, e que portanto #& fi(era parte de equipes de reportagem de verdade, e n!o apenas de equipes de KreportagemK * narrou 3timas ist3rias de guerra. Fabe quando voc v uma estrela de cinema sendo entrevistada no canal =O e ela di( qualquer coisa sobre a fama ser algo KsurrealK e pensa com seus botNes, >Ah, faDa0me o fa%orH )& um tempoH>C @om, n!o sei como ter rep3rteres fu$ando seu li-o e designers implorando para voc usar os brincos deles, aqueles que custam mil Nes de d3lares, na cerim6nia do Oscar. 2as preparar um #antar numa porcaria de co(in a suburbana com uma equipe de filmagem no pesco$o e terminar a noite comendo vitela com carne de porco, falando sobre a guerra do Rraque e os ca$a*vampiros na compan ia da aludida equipe de filmagem * e depois, uma semana mais tarde, ver a e-perincia toda redu(ida a um segmento de quatro minutos, apresentado no C,! E%ening #etos por )an Rat er, que no final se despede, entoando, misteriosamenteH KF3 mesmo na .mricaK * , de fato, surreal. Pois bem, estamos em agosto. )epois de eu ter aparecido no notici&rio da C@F, fui entrevistada pela #etusmeek, pelo $os Angeles imes e por meia dG(ia de r&dios espal adas pelos =stados ;nidos e, por alguma ra(!o, pela .ustr&lia tambm. %altam tre(e dias e DD receitas para acabar. =stou meio em pQnicoM Os 1leaders andam dei-ando mensagens comoH KCOWR"E=, F;.V.X.@;")., COWR"E=OOO 'rate de co(in ar ou ent!o )=FRF'.O Quero vinte e cinco em do(eO COWR"E=, sua dondoca imprest&velO COWRRRRRR"E=OK =screviam isso com as mel ores das inten$Nes, claro. "!o ten o dormido bem e, quando durmo, ten o son os. "um deles, estou com um pombo imundo nas m!os, um pombo que peguei na rua e levei para o escrit3rio. Coloco*o numa cai-a de papel [ero-. 5ulia quer que eu o mate e depene e prepare para o #antar, mas estou sem coragem Y e tambm estou ac ando que uma coisa su#a demais para ser comida *, por isso solto furtivamente o pombo no corredor e fin#o n!o ter nada a ver com a ist3ria. = ent!o, na noite passada, =ric quase se separou de mim por causa de um !auce artare que deu errado. =ra para ser fac4limo. Fandu4c es de rosbife com salada pr*lavada e ,ouch-es Parmentier au Fromage, ou palitos de batata com quei#o. C eguei em casa pronta para preparar tudo rapidin o e passar para atividades mais importantes, como tomar um drinque, #ogar Cunliration e ir para a cama bem cedo.
. diferen$a entre o !auce artare e uma maionese normal que ele n!o feito 1 base de gemas cruas. .masse as gemas de trs ovos co(idos com mostarda e sal at obter uma pasta uniforme. .crescente uma -4cara de 3leo e bata at obter um caldo fino. 2uito bem. .gora di( 5uliaH K=sse mol o n!o pode ser preparado no liquidificadorM fica t!o duro que o aparel o emperraK. Fendo assim, peguei min a maior batedeira de ovos e uma -4cara com uma mistura de a(eite e 3leo de amendoim +porque usar apenas a(eite redunda numa maionese bastante a(eitonada, o que n!o ruim em si, mas 1s ve(es bom variar, e comecei a bater. )espe#ei bem devagar o conteGdo da -4cara, parando de ve( em quando, a fim de ter certe(a de que o 3leo tin a sido absorvido. =u estava fa(endo tudo certo. Porm, depois de ter despe#ado mais ou menos meia -4cara, o 3leo resolveu n!o cooperar mais. )i( 5uliaH Rma maionese fresca )amais lhe causar: pro1lemas se %oc? 1ater as gemas numa tigela aquecida antes de adicionar o Lleo, se adicionar o Lleo gota a gota at- o caldo come$ar a engrossar e se no ultrapassar o limite de k de ;Jcara de Lleo por gema de o%o... "!o, sen ora. Porque eu fi( tudo isso. 'en o certe(a de que fi(. Corri os ol os pelas instru$Nes de novo, em desespero. Fim. %i( tudo * tudo, menos... K. , n!o acreditoO F3 porque eu n!o aqueci a tigelaL =st& me di(endo que n!o deu certo porque eu n!o aqueci a maldita tigelaCH> KO que ouveL Com quem voc est& falandoLK =ric apareceu na co(in a com aquela e-press!o * #& bastante familiar * de solicitude vacilante, tal qual o c!o fiel porm aflito de um assassino em srie. K=stamos em agostoO .qui dentro est& fa(endo uns trinta e cinco grausO = voc ainda quer que eu aque$a a porra da tigelaLOK =ric, com os refle-os &geis de algum acostumado a correr em busca de abrigo, tratou de sair de finin o dali. @om, tentei consertar tudo seguindo as indica$Nes de 5ulia. .queci uma tigela sobre uma panela com &gua fervendo e bati um pouquin o de mostarda com um pouquin o do !auce artare malogrado. =u devia bater at a mostarda e o mol o Kformarem um creme uniforme e espessoK. KRsso sempre funcionaK, di( 5ulia. %unciona uma ova. Baca. %oi a4 que comecei a gritar um poucoM n!o palavras propriamente ditas, s3 ru4dos guturais. Fabia que estava e-agerando, mas gritei mesmo assim. =, enquanto berrava, despe#ei aquilo tudo no liquidificador, porque, ora, foda*se, certoL O que poderia acontecerL "ada de mais, foi o que descobri. )ei-ei o liquidificador bater, bater e bater, torcendo para que o aparel o emperrasse, mas o mol o continuou girando com aquele aspecto frou-o de maionese gorada e desandou assim que desliguei o liquidificador. %oi quando comecei a atirar coisas no c !o. @em, o que preciso levar em conta, o que fa( dessa cena deplor&vel algo a um s3 tempo t!o revelador e nefasto, que eu estava fa(endo tudo isso apesar de saber que poucas oras antes uma bomba avia e-plodido num condom4nio residencial americano em Riad. = =ric tem uma tia que mora na .r&bia Faudita. =le s3 n!o se lembrava em que cidade. =ssa tia trabal a como enfermeira num ospital e ensina enfermagem a mul eres sauditas. =ric n!o despregara os ol os da televis!o desde que c egara do
trabal o, mas as not4cias eram irritantemente vagas. =le dera uma srie de telefonemas * para a m!e, para o irm!o, para os primos * mas ningum atendia, o que era perturbador. =u sabia de tudo isso e ainda gritava, solu$ava e #ogava utens4lios no c !o como se meu !auce artare fosse a coisa mais importante do mundo, como se meu !auce artare fosse mais importante que a fam4lia, que a morte, que a guerra. =ric aguentou isso por um bom tempo. 2as ent!o n!o p6de mais. 2arc ou para a co(in a, agarrou*me pelos ombros, sacudiu*me e gritou, mais alto do que #amais eu o ouvira gritarH KS s3 ;2. 2.RO"=F=OOOOOOOK Para mim seria a morte admitir que ele tin a ra(!o. 5oguei fora a maionese gorada e, profundamente abatida, pus*me a preparar as ,ouch-es Parmentier au Fromage. %ervi trs batatas pequenas e passei*as pelo espremedor. O espremedor quebrou, mas n!o atirei os peda$os no c !o. Coloquei as batatas amassadas numa panela quente e me-i para que absorvessem a &gua. .crescentei uma -4cara de farin a, um tablete de manteiga amolecida, um ovo, uma -4cara de quei#o ralado, pimenta*do*reino, pimenta*de*caiena, no(*moscada e sal. )espe#ei tudo num saco de confeiteiro e comecei a fa(er os palitos numa assadeira. Quando o saco de confeiteiro rasgou ao meio, eu n!o gritei. "!o, limitei*me a passar o restante da massa de batata para a assadeira com uma col er, usando esta Gltima para moldar algo semel ante a palitos. Levei a assadeira com as ,ouch-es ao forno. C orei s3 um pouco, e bai-in o, para que =ric n!o ouvisse. %i( alguns sandu4c es com p!o italiano, rosbife, alface, tomates e um pouco da mostarda de c iles anchos e c iles )alapefios simplesmente, efetivamente, verdadeiramente deliciosa que uma 1leader me mandara cerca de um ms antes numa cai-a bem protegida contra impactos. Quando os palitos de batata ficaram prontos, ernpil ei*os ao lado dos sandu4c es, como se fossem batatas fritas. =ric recebeu seu prato sem di(er palavra. . m!e de =ric ligou na ora em que ele ia dar a primeira mordida no sandu4c e * ela tem um verdadeiro dom para isso. Foubemos ent!o que a tia de =ric n!o vive em Riad. =stava tudo bem com ela. =u era uma menina mimada demais para continuar viva. @om, pelo menos os palitos de batata com quei#o estavam uma del4cia. Vai ver o carma gosta de um bom palito de batata com quei#o. K5ulie PoPell, por favorLK KS ela.K =u disse isso em tom agressivo, imaginando tratar*se de alguma pessoa maluca, visto eu estar, afinal de contas, no trabal o. K.qui .manda Eesser, do #e( Aork imes.> =ra a segunda quinta*feira do ms, dia de reuni!o do consel o, por isso eu tin a c egado ao escrit3rio 1s B :?. 'ambm era um daqueles dias em que eu n!o parava de sentir tnues lufadas de um c eiro esquisito em mim, porm n!o conseguia identificar a origem * min as roupas n!o estavam su#as, min as a-ilas n!o fediam, meus cabelos estavam limpos, mas por algum motivo parecia que algum avia espal ado mol o especial do @urger _ing no meu suti! ou qualquer coisa do gnero. Portanto eu estava de pssimo umor quando o telefone tocou. Permitam*me di(er, porm, que receber um telefonema de .manda Eesser, que pretende escrever uma matria sobre voc no )i&rio Oficial da .mrica, tem o poder de mel orar qualquer estado de Qnimo. S bem verdade que alguns goles do tipo certo de vin o fa(em voc passar instantaneamente da rabugice 1 isteria, mas um pouco de isteria fa( bem. +Fou prova viva disso., . essa altura, eu #& n!o era uma completa amadora em miGdos, miolos e afins. 'in a preparado v&rias receitas com pQncreas de vitela e de cordeiro e descobrira que at
gostava deles, salvo quando c eiravam a formal ou ficavam passados demais e lembravam discos de 3quei desmilinguidos. .t miolos eu #& tin a feito. Por falar nisso, foi uma ist3ria engra$ada, porque dei uma entrevista para uma r&dio no dia em que resolvi co(in ar os miolos. O rep3rter veio at nosso apartamento e conversou meia ora comigo enquanto eu preparava o #antar. 'udo corria bem, at que a entrevista terminou e o su#eito perguntou se podia usar o ban eiro antes de pegar suas coisas e ir embora. F3 depois que ele entrou no meio*ban eiro e trancou a porta foi que eu me lembrei que tin a dei-ado v&rios miolos de boi de mol o na pia. Coitado. Pelo menos n!o tentei obrig&*lo a comer aquilo. O problema dos miolos n!o tanto o sabor, embora este n!o se#a dos mel ores. 'ambm n!o o fator eca 0 ao serem lavados, sempre ficam pedacin os de crebro espal ados pela pia e pela roupa da gente 1 moda de Quentin 'arantino, e tambm aquele tro$o branco pega#oso que mantm o crebro #unto e que lembra um pouco gordura, mas que tem um pouco o aspecto e a consistncia de algo que poderia muito bem ser c amado de Kmatria espon#3ideK. "!o, o -is da quest!o o mergul o filos3fico. O inconsol&vel mistrio da vida, a conscincia, a alma. Xostaria que o crebro fosse uma coisa compacta, com sulcos profundos, por onde passassem os sinuosos condu4tes da refle-!o, em que repousassem os profundos recept&culos da mem3ria, mas n!o. S s3 um org!o(in o fl&cido e p&lido, que se desfa( na m!o quando o #ato da torneira est& forte demais. Como pode ser issoL Como nLs podemos ser assimL '4n amos convidado FallJ para compartil ar dos nossos miolos naquela noite, preparados de duas maneiras * Cer%elles en Matelate e Cer%elles au ,eurre #oir 0, em virtude de ser ela a Gnica pessoa que eu con ecia que #& avia comido miolos antesH um currJ de miolos de cabra em Calcut&. FallJ ia tra(er o novo namorado, um )avid que apreciava vin os finos +o )avid anterior, o da motocicleta, que n!o conseguia tirar as m!os dela, fora descartado fa(ia muito tempo,, coisa que me pareceu ser um cora#oso gesto de f num relacionamento que ainda estava come$ando ou, quem sabe, uma tentativa de apertar o bot!o de e#e$!o do rapa(. Cer%elles en Matelote s!o miolos levemente co(idos em vin o tinto Y vin o esse que em seguida voltava para o fogo e era engrossado com ,eurre Mani-, uma massa de manteiga e farin a, a fim de se obter um mol o. "o caso das Cer%elles au ,eurre #ou, os miolos eram fatiados e dei-ados para marinar em suco de lim!o, a(eite e salsin a antes de serem dourados em manteiga e 3leo e misturados com ,eurre #ou, que apenas um tablete e meio de manteiga clarificado e aquecido * at assumir uma cor de no( * com salsin a e vinagre fervido. F3 que, como =ric tin a por engano comprado coentro, faltou a salsin a. =u era capa( de comer os miolos com mol o de vin o tinto, cebolas e cogumelos porque, grosso modo, o gosto era de cebolas, cogumelos e vin o tinto. Os miolos praticamente desapareciam. 2as os miolos fritos * a4 #& n!o sei. C egam a ser insuport&veis de t!o suculentos * e ol em que eu gosto de coisas suculentas *, com uma te-tura labiosa que s3 de lembrar me enc e de arrepios. )igamos apenas que a sobremesa de crepes rec eados com man#ar de amndoas e polvil ados com raspas de uma car4ssima barra de c ocolate Fc arffen @erger estava 1em mel or. Portanto, eu #& tin a alguma e-perincia com 3rg!os. = ainda que, no meu lugar, outras pessoas talve( pensassem que n!o deveriam preparar rins pela primeira ve( na vida ao oferecer um #antar para a clebre #ornalista que escreve a coluna de gastronomia do #eto ork imes, eu n!o estava muito preocupada. .ssim como 1s ve(es voc precisa tingir o cabelo de a(ulcobalto ou vestir um #eans e um par de botas de motoqueiro para fa(er seu trabal o de funcion&ria pGblica, outras ve(es preciso se arriscar a voar sem rede de seguran$a. =u #& tin a feito miolos. Fe tin a conseguido me virar com a cabe$a, pensei, n!o avia por que me preocupar com os rins.
2as avia o problema do vin o. Pensei em pedir para FallJ perguntar a seu novo namorado, mas, para ser sincera, eu tin a ac ado o su#eito meio intrag&vel, e n!o queria l e proporcionar o pra(er de me dar consel os. Ocorreu*me que era 1em prov&vel que "ate soubesse alguma coisa sobre vin os * ele um desses republicanos meio bomios que, 1 maneira de Rus Limbaug , fumam c arutos cubanos ilegais ou se d!o o direito de ter comportamentos ligeiramente desviantes. 2as n!o, eu n!o podia perguntar a ele. Feria insuport&vel. =le n!o pararia de me perturbar enquanto eu n!o l e contasse quem era meu convidado, e quando descobrisse que era o #e( Aork imes, acabaria dando um #eito de p6r alguma pedra no meu camin o. F3 que #& eram trs da tarde. .manda Eesser iria #antar em casa naquela noite. =u precisava pedir a#uda a algu-m. . , droga. Relutante, enfiei a cabe$a no v!o da porta da sala de "ate, que e-traordinariamente n!o se ac ava ao telefone. KVoc entende alguma coisa de vin oLK =le colocou os ps em cima da mesa. KComo L Posso saber por que a funcion&ria pGblica indolente est& interessada em vin osLK )irigi*l e um ol ar impaciente. KF3 preciso comprar um vin o bom. ;m vin o que combine com rins.K KVoc vai comer rinsC Fabia que voc era uma progressista(in a pervertida, PoPell, mas rinsC> K. , n!o amole. Pode me a#udar ou n!oLK KPu-a, parece que coisa sria, einL Vai receber um figur!o para #antarL EeinL Vamos, PoPell, abra o#ogo comigo.K K'udo bem, "ate, n!o nada de mais. .contece que vou oferecer um #antar pra uma pessoa intimidadora e preciso servir um vin o perfeito e estou me descabelando por causa disso, p9H> K;m vin o perfeito, einL Para uma pessoa intimidadora, L 'ipo quemL EeinL Vamos, PoPell, essa voc vai ter que me contar. QuemLK K"em vem que n!o tem, "ate. "!o vou contar. Fe quiser me a#udar, 3timo, se n!o quiser, n!o tem problema.K )ei meia*volta e fi( men$!o de sair da sala. K. , tudo bem, tudo bem, n!o se#a t!o melindrosa. . , esses democratas.> "ate fe( um pouco de ora, enrolou, me manteve em suspense. =le adora fa(er esse tipo de coisa. K@om, eu gosto bastante do C Qteau XreJsac Eaut 2edoc. O C Qteau Larose 'rintaudon C6tes du R one outra boa op$!o. .gora, se voc quiser botar pra quebrar, o @V Coastal Cabernet Fauvignon um tinto de primeira que est& com um pre$o e-celente.K Fe eu sou paran3ica s3 porque as pessoas vivem me sonegando socorro. .ssim, antes de ir para casa e preparar 7ognons de Beau en Casserole, rins co(idos na manteiga, com mol o de mostarda e salsin a e acompan amento de batatas saut- e cebolas refogadas, e Clafouti para a sobremesa, para .manda Eesser do #e( Aork imes, passei na .stor Iines e pedi ao vendedor trs garrafas de XreJsac. Para mim, nunca foi t!o f&cil comprar um vin o * nada de ficar andando sem destino pelo corredor dos borgon as, tentando me orientar pela pontua$!o de Robert Par0er. .o c egar em casa, dei-ei as garrafas em cima da mesa que fica #unto 1 porta da frente * e n!o que praticamente a primeira coisa que .manda disse ao entrar no apartamento foiH KO , XreJsacO Onde voc conseguiuLK =ssa eu fiquei devendo ao "ate. .manda Eesser, respons&vel pela coluna de gastronomia do #e( Aork imes, * e a observa$!o n!o tem absolutamente nada de original, mas n!o posso dei-&*la passar em brancas nuvens, #& que seria como se algum me visse e n!o pensasseH KPu-a, essa mo$a est& realmente precisando de uma eletr3liseOK * uma mul er muito, muito pequena. '!o pequena que parece inacredit&vel que ela coma alguma coisa * e que ainda por cima
gan e a vida com isso. '!o pequena que, para uma misantropa grandal ona que desde que se entende por gente nutre o dese#o secreto de ser considerada KgraciosaK, dif4cil n!o odi&*la. 2as .manda Eesser n!o graciosa. =m termos emp4ricos, ador&vel, mas uma secret&ria de :? anos que no fundo n!o sabe co(in ar n!o deve considerar KgraciosaK a mirrada e clebre cr4tica de culin&ria que se ac a sentada em sua co(in a, observando*a preparar 7ognons de Beau en Casserole. Klntimidadora Pra CarambaK uma defini$!o mais e-ata. )etestar .manda Eesser um esporte muito praticado em certos c4rculos recon ecidamente pequenos e talve( preocupados em demasia com o pr3prio umbigo, e seria bastante f&cil entrar nessa tambm. 2as, quando ela pretende escrever uma matria sobre voc no )i&rio Oficial da .mrica, n!o fa( o menor sentido come$ar a coisa com o p esquerdo. .lm do mais, eu ia servir rins para a coitada Y o m4nimo que podia fa(er era conceder*l e o benef4cio da dGvida. Fob o ol ar atento de .manda e de um fot3grafo, dourei um pouco os rins na manteiga. =m mar$o, eu avia preparado uma perna de cordeiro rec eada com rins de cordeiro e arro(. =sses rins, os de cordeiro, aviam me fascinadoH eram escuros, firmes e lisos e pesavam como um sei-o na m!o, como se fossem uma espcie de ideali(a$!o dos miGdos. )esde ent!o, eu supun a que todos os rins fossem assim. .queles rins, porm, os de vitela, eram grandes, viscosos e lobulados, e tin am estrias de gordura branca e filamentos. Foltavam muito l4quido enquanto co(in avam. Lancei um ol ar ansioso para o livro * Kos rins e-sudar!o um pouco de caldo, o qual em seguida se coagular&K, di(ia 5ulia. KVocs ac am que isso Vum pouco de caldoVL =u n!o estou ac ando que se#a Vum pouco de caldoV. =stou ac ando que um monte de caldo.K .manda deu de ombros, indecisa. K=u nunca co(in ei rins.K Pobre .manda. "!o devia estar se sentindo muito 1 vontade para emitir uma opini!o sobre aquiloM n!o devia estar acostumada a entrevistar algum que de forma t!o evidente e constrangedora sabia t!o menos que ela sobre aquelas coisas. 'ransferi os rins para uma travessa, aflit4ssima por n!o saber se estavam crus ou passados. T frigideira, acrescentei c alotas, vermute e suco de lim!o e dei-ei o l4quido ferver * bem prov&vel que ten a fervido um pouco demais. =u tambm avia posto para ferver na &gua algumas cebolas*prolas ainda menores que .manda Eesser, e estava salteando as batatas que =ric avia cortado em quatro para mim. .ndava de c& para l& na co(in a, indo da panela 1 frigideira e desta ao Livro e de volta 1quela, numa espcie de pQnico meio cr6nico, que eu tentava ocultar com uma tagarelice ininterrupta porm nem um pouco estimulante. "a co(in a fa(ia perto de >?dC. . testa da pobre .manda Eesser estava empapada de suor, mas ela n!o se quei-ava. Como tambm n!o se preocupava em n!o tocar em nada, muito embora eu pudesse ver 1 min a volta uma profus!o de ob#etos pega#osos, empoeirados, cobertos de plos de gato, evidenciando a nature(a pattica de meus cuidados domsticos. 2as, ao ver a sola preta dos meus ps descal$os, ela n!o resistiu e disseH KVoc precisa arrumar um par de tamancos de clef Vai fa(er bem 1s suas costasK. .s batatas queimaram um pouco. .manda Eesser disse que estavam Kcarameli(adasK. .s cebolas foram refogadas na manteiga, talve( um pouco mais que o devido, e ficaram meio desmilinguidas. .manda Eesser disse que estavam KvitrificadasK. Completei o mol o para o prato principal com um pouco de mostarda e manteiga, depois fatiei os rins, que por dentro e-ibiam uma colora$!o r3sea n!o t!o orr4vel assim, e coloquei*os no mol o, ao qual ainda acrescentei um pouco de salsin a. %oi t!o f&cil que n!o dava nem vontade de comentar. Fem perder tempo, bati a massa do Clofouti no liquidificadorH leite, a$Gcar, ovos, baunil a, uma pitada de sal, farin a. )espe#ei uma camada disso em min a forma para pudim e, seguindo as instru$Nes um tanto quanto
enigm&ticas de 5ulia, levei*a ao fogo por cerca de um minuto, a fim de formar uma pel4cula no fundo, antes de colocar as cere#as que =ric avia descaro$ado, acrescentar o restante da massa e levar ao forno aquecido a 7A?dC para assar enquanto #ant&vamos. Quando contei a min a m!e que .manda Eesser viria #antar em casa e que eu pretendia l e servir rins, mam!e disseH K2as rins tm gosto de mi#oK. F3 que os meus n!o tin am, n!o. .pesar de as batatas terem queimado, as cebolas estavam boas. O XreJsac era maravil oso. = na sala de #antar estava t!o mais fresco que de repente todos come$aram a se sentir alegres e feli(es. Contei a .manda Eesser a ist3ria do Poulet = la ,roche, quando eu avia improvisado um Kespeto acess3rio de fornoK, fosse l& que diabo isso fosse, passando um cabide de arame esticado por dentro de um frango e ent!o enrolando as pontas do cabide nas al$as do meu caldeir!o e em seguida levando o treco todo ao forno com o grill ligado e a porta entreaberta. =m pleno ms de agosto. Os ol os de .manda Eesser se arregalaram em seu rosto miGdo. KFrio que voc fe( issoLK Preciso confessar uma coisaH boa a sensa$!o de impressionar .manda Eesser do #e( Aork imes. 2esmo que se#a com a min a estupide(. O C*afouti tambm estava bom. Cresceu bastante e ficou com cor de caramelo, todo crave#ado de cere#as. . n!o*mais*t!o*intimidadora .manda Eesser comeu duas fatias. = eu me perguntoH onde ela enfia isso tudoL @om, e o que acontece quando sai uma matria sobre voc no #e( Aork imesC =u vou di(er o que acontece. Primeiro, seus ouvidos come$am a (unir quando voc v sua foto estampada no #ornal, uma foto em que parece gorda, mas, sinceramente, n!o mais gorda do que #& . "o metr6, v algum lendo a se$!o de gastronomia e pensa, numa e-pectativa istrica, orr4velH K. , meu )eusO . , meu )eusO V!o me recon ecerOK "!o a recon ecem, mas voc prende a respira$!o at c egar ao trabal o, ainda na e-pectativa de que algum a recon e$a. "o escrit3rio, passa o dia 1 espera de que seus colegas a parabeni(em pelo feito * ainda que, em virtude de muitos deles serem burocratas republicanos que n!o lem a se$!o de gastronomia, voc acabe n!o recebendo tanta aten$!o quanto imaginava que receberia. 'ambm perde um bom tempo verificando obsessivamente o nGmero de pessoas que visitaram seu blog desde que a matria foi publicada. F!o muitas, muitas pessoas. V&rias delas ac am que voc devia usar menos palavrNes como pjjjj e mjjjj, o que dei-a putas as pessoas que lem o blog & mais tempo. Os Qnimos ficam e-altados. )e volta ao mundo realH a certa altura, "ate, o gnio do mal com rosto de menino, vem 1 sua mesa. K@ela matria no imes, 5ulesK, di( ele, inclinando* se com intimidade. "!o & nada que "ate admire mais que uma cita$!o no imes, salvo uma cita$!o no #e( Aork Post ou no &aif" #etos. K=ra pra isso o vin oLK K=ra. Obrigada. Fua sugest!o fe( muito sucesso.K KReparei que voc fala sobre n3s. "!o fica muito bem para a nossa imagem quando voc di( que est& insatisfeita com seu emprego.K KPl, "ate, n!o torra. =u sou uma secret&ria. . insatisfa$!o inerente. Ou voc quer que eu minta quando me perguntamL S bem diferente de eu di(er que o sen or _line um idiota ou coisa assim. "ingum est& nem a4, porra.> =u teria falado assim com "ate em circunstQncias normaisL 'alve(. Ou talve( n!o. Quando voc c ega em casa, sua secret&ria eletr6nica tem <D mensagens. +Feu nGmero est& na lista telef6nicaM voc nunca teve motivo para pedir que o e-clu4ssem., "a cai-a postal da .OL, D:9 e*mails a aguardam. Voc pensaH pqp, finalmente c egou a min a ve(.
2as ser& que avia realmente c egadoL =ra dif4cil di(er. .s pessoas sempre tm de cuidar dos pr3prios afa(eres, em especial os burocratas da min a reparti$!o pGblica, que n!o d!o a m4nima para comida francesa, e num per4odo surpreendentemente curto de tempo as coisas voltaram ao normal. @om, mais ou menos. ;ma semana depois de a matria ter sido publicada, aproveitei min a ora de almo$o para ir ao meu a$ougue predileto, no Iest Village, e comprar mais alguns rins de vitela. )isse o su#eito atr&s do balc!oH K=i, n!o foi sobre voc que saiu uma matria no imes na semana passadaLK K. ... foi, sim. Por quLK KObrigado por falar de n3s. =stamos recebendo uma quantidade incr4vel de pedidos de miGdos esta semana * nunca vi nada igual.K Rsso foi engra$ado. 2as engra$ado mesmo foi quando voltei para o escrit3rio e @onnie me disse que o presidente queria falar comigo. =la parecia nervosa. K"!o se #ustifique, apenas pe$a desculpas. .c o que ele est& bastante irritado.K %ui at a sala do sr. _line, no fim do corredor, e ele me indicou a cadeira que ficava defronte de sua vasta escrivanin a. K5ulieK, disse ele, ol ando muito srio para mim, com as m!os #untas sobre a escrivanin a, Kvoc parece ter muita raiva no cora$!o, min a fil a.K .o que tudo indicava, algum finalmente alertara o sr. _line sobre o conteGdo ertico do meu blog. %ico me perguntando se foi aquela coisa sobre atirar vice*presidentes pela #anela que o dei-ou preocupado. KVoc infeli( aquiLK, indagou ele. K"!oO "!o, sen or. S s3 que... bom, sen or _line, eu sou uma secret&ria. Ts ve(es um pouco frustrante.K KVoc muito importante para n3s, 5ulie. F3 precisa encontrar um meio de canali(ar essa energia negativa.K KEum* um.K Canalizar essa energia negati%aCH )esde quando republicanos falam assimL = eu que ac ava que pelo menos nisso eles eram admir&veis. )e modo que me desculpei, fi( que sim com a cabe$a e me levantei, de cabe$a bai-a como uma crian$a que acaba de ser repreendida. =, no entanto, em meu 4ntimo eu estava e-ultante, sentia*me invadida por algo que se assemel ava a liberdade, a felicidade. = calando*se na min a cabe$a, repetindo*se sem parar, ecoava uma resposta deliciosa, rebelde, libertadoraH !eno o qu?C Bai me mandar em1oraC PqpO 'alve( min a ve( estivesse realmente c egando.
Quando voc tiver completado metade do processo, a carca$a, as pernas, as asas e a pele parecer!o uma massa ca3tica e irrecon ec4vel e talve( voc duvide que isso possa voltar a formar um todo intelig4vel. 2as continue a cortar contra o osso, sem rasgar a pele, e o resultado final ser& e-atamente o esperado. * KComo )esossar um Pato, Peru ou %rangoK, Mastering the Art qf French Cooking, Vol. 7
)ia :9<, Receita <D> Pura simplicidade Que espcie de passe de m&gica darPiniano esseL =stariam os alegres e despreocupados seres umanos se divertindo tanto assim, a ponto de n!o l es sobrar tempo para a procria$!oL S issoL Porventura a muta$!o da auto difama$!o est& ine-tricavelmente associada a um aumento da imunidade gentica ou coisa do gneroL Fe me permitem, farei uma r&pida retrospectivaH .man ecer da segunda ter$a*feira de #ul o de D??:. )entro de uma ora devo estar no trabal o para mais uma daquela srie intermin&vel de reuniNes madrugadoras, durante as quais e-ecuto tarefas vitais, como a confec$!o de cartNes de identifica$!o, a reprodu$!o de Gltima ora de te-tos e documentos, a travessia de corredores, reali(ada a passos t!o apressados e istricos quanto me permitem meus saltos altos, e a e-ibi$!o de uma e-press!o atenta e decidida enquanto permane$o 1 toa por ali. 'udo isso em si #& bastante ruim. O pior, porm, que estou & trs oras na cama, completamente acordada, estapeando*me por n!o ter conseguido fa(er um aspic de ma$!. Aqui estou eu, a menos de um m?s do fim, com <A receitas pela frente e, em %ez de fazer o aspic de maD como um mem1ro respons:%el da sociedade, perco uma noite inteira comendo pur? de 1atatas, 1rLcolis no %apor e carne grelhada. !im, eu fiz C ampignons Fauts, Fauce 2adere. Boc? sa1e o que so C ampignons Fauts, Fauce 2adreL Caldo de carne fer%ido com cenouras, aipo, %ermute, louro e tomilho, depois engrossado com maisenaK alguns cogumelos cortados em quatro e dourados na manteigaK e um pouco de %inho Madeira cozido na frigideira. Misture o molho marrom com os cogumelos e dei;e fer%er em fogo 1rando. Rm despropLsito, isso - que -. Agora sL me resta mandar marcar a ferro quente aquele % %ermelho no peito, porque eu sou o F7ACA!!G em pessoa. E ainda tem o =ric. > al%ez faDa parte do Pro)eto %oc? no terminar tudo.> Gnde ele este%e nos 6ltimos onze mesesC !er: que no entendeL !er: que no compreende que se eu no terminar o li%ro em um ano tudo isso ter: sido um desperdJcio, que sucum1irei = mediocridade e ao desespero e pro%a%elmente aca1arei nas ruas fazendo 1oquetes pra poder comprar crack ou coisa assimC Pudera, ele me detesta. Glha sL pra ele, todo encolhido do outro lado da cama, como se no suportasse sequer a ideia de tocar em mim. T porque estou e;alando fracasso. T o meu fim... . , sim. "ada como uma boa noite de sono. 'omo uma duc a para dissipar um pouco o c eiro de fracasso e tiro do arm&rio meu ailleur Para ReuniNes =-tremamente Rmportantes. %a( algum tempo que n!o o uso, de modo que n!o deveria ser nen uma surpresa eu estar muito peituda para poder vesti*lo. 2eus seios aumentaram como * bom, como de( quilos de manteiga. Pare$o a Lara Croft da comida, s3 que sem as roupas descoladas, os locais e-3ticos e o se; appeal. .pesar de estar atrasada, a ponto de fa(er saltar os botNes do meu tailleur e suando como "i-on antes das sete da man !, ligo meu laptop a fim de escrever um post para o blog e c ecar meus e*rnails, porque, conven amos, fiquei viciada. Recebo um coment&rio de um sen or, um militar que passou DD anos com o =-rcito na %ran$a. =le fa( quest!o de dei-ar claro, sem papas na l4ngua, que a essncia de meu pro#eto a celebra$!o antipatri3tica da decis!o tomada por C arles de Xaulle em 7899, de retirar a %ran$a da estrutura de comando militar unificado da O'." e, consequentemente, provocar a transferncia da base da O'." de Paris para @ru-elas. 5esus do cu. Como se eu #& n!o tivesse de aturar o besteirol Kdeite fora os seus bordeau- e c ame suas batatas fritas de batatas da liberdadeK desse tipo de vel o maluco no escrit3rio.
'alve( eu simplesmente n!o ten a sorte para esse lance de felicidade, #& que tal colapso matinal sobreveio a um dos meus mais impressionantes feitos. "o fim de semana anterior, av4amos tido um banquete de tortas, uma e-orbitQncia de tortas, um destempero de tortas * uma, ouso di(er at, 'orta*a*pa*(oo(e, se me perdoam um Gltimo emprego de tal constru$!o, antes de enterrarmos de ve( esse cavalo pop t!o cruelmente batido. arte au; P?ches, arte au; $imettes, arte au; Paires, arte au; Cerises. arte au; Fromage Frais, com e sem Pruneau;. arte au Citron et au; Amandes, arte au; Paires = la ,ourdaloue e arte au; Fraises, que n!o K'orta de %rescoK, como o nome arte au; Framage Frais +K'orta de Quei#o %rescoK, obviamente, talve( sugira, mas sim 'orta de 2orango, e isso foi uma boa aulin a de francs. +Por que os morangos levam a idia de frescor em seu nomeL Por que n!o as amorasL Ou, digamos, as trutas de &gua doceL .doro brincar de etimologista amadora * para n!o di(er ignorante..., Preparei dois tipos de massa numa co(in a t!o quente que, mesmo com o au-4lio de um processador de alimentos, a manteiga come$ou a derreter antes que eu a incorporasse 1 farin a. 'rabal o esse que resultou em oito bases para tortas, talve( n!o e-atamente perfeitas, mas suficientemente boas. .moleci a manteiga, quebrei os ovos e bati a massa at ela atingir o efeito KcascataK. Co(in ei pras, cere#as e amei-as em vin o tinto. .ssei, assei, assei e assei. Lavei todos os pratos e travessas e -4caras de caf em cu#os fundos avia se formado uma camada preta e pega#osa, semel ante ao cascal o de terrenos baldios industriais. .c o que at tomei um ban o, #& que t4n amos convidados naquela noite. = fi( tudo isso sem um Gnico ataque istrico, enquanto =ric perseguia aquelas malditas moscas que de repente estavam por toda parte, de(enas de mosquin as minGsculas. ;m ano atr&s, era um verdadeiro parto fa(er com que as pessoas aceitassem um convite para vir #antar em casa. .gora, quando convido, todos vm. "!o sei por qu. .grada*me pensar que querem participar de meu grande e-perimento social, mas detecto um qu de narcisismo a4. 'ivemos casa c eia naquela noite, e ningum deu muita bola para o calor nem para o e-cesso de caloriasM rimos bastante e elegemos as tortas favoritas de cada um. %i( com que todos se sentassem e assistissem a alguns )V)F dos programas de 5ulia C ild, pensando, creio eu, que talve( conseguisse converter um ou outro a sua sabedoria e integridade inef&veis. Pelas e-pressNes educadas, ligeiramente perple-as, que as pessoas estampavam no rosto e as ocasionais brincadeiras 1 )an .J0roJd que fa(iam, dedu(i que a estratgia n!o dera certo * proselitismo fervoroso raramente funciona *, de modo que logo troquei 5C pela um pouco mais acess4vel terceira temporada de ,uff". =ric saudou meu feito com um entusiasmadoH KQue louco, 5ulieO Voc o orgul o de Long Rsland CitJOK =, de fato, servimos uma esplendorosa mesa de tortas, mais tortas que um e-rcito de f!s de ,uff"seria efetivamente capa( de comer * embora um e-rcito de burocratas republicanos ten a feito um bom trabal o com as sobras, comendo at o que restara de min a arte au; Cerises, Flam1-e, que n!o flambou e, em virtude disso, ficou com um gosto muito forte de bebida. +Rmagino que esses republicanos ten am de se virar com a cac a$a que encontram pela frente * quem pode censur&*los L, =u avia preparado oito tortas francesas, ao passo que um ano antes teria me e-aurido fa(endo apenas uma delas. Recebera do(e pessoas em meu apartamento, para o qual um ano antes s3 com muita sorte teria conseguido atrair duas delas. 5ulia ficaria orgul osa de mim. 2as que diabo, 5ulia esta%a orgul osa de mim. =u tin a certe(a disso, porque ela morava na min a cabe$a avia quase on(e meses, abitando aqueles mesmos aposentos glidos, amplos e esperan$osos em que o fantasma do Papai "oel ainda vagava a esmo, em compan ia de min a sempre vigilante av3 morta, das reencarna$Nes, das magias e de todas as outras coisas que n!o tin am como sobreviver nas avenidas
mais bem iluminadas e &ridas do meu crebro metropolitano. 5ulia se anin ara ali, de modo que agora, mesmo n!o podendo ol ar diretamente para ela sem que sua figura se desmanc asse no ar, eu tendia a acreditar que ela estava comigo. 2as na man ! seguinte ao meu fracasso com o maldito aspic de ma$! nada disso parecia importar. KO %imK um su#eitin o trai$oeiro, mas talve( pudssemos di(er que o comeDo do fim o momento em que a protagonista precisa certificar*se de que suas a$Nes fa(em algum sentido, porque se n!o derem certo ela est& fodida e mal paga. . se crer nessa defini$!o, o fim ainda estava distante. 2as talve( ouvesse come$ado em #ul o, com uma noite insone e pensamentos punitivos sobre um aspic de ma$!. )e(enove de agosto de D??:. =u ainda tin a seis dias pela frente e estava fa(endo trs coberturas para um Gnico bolo, com o qual pretendia aparecer na C""fn. +"!o me perguntem por que a C""fn estava interessada em mim e nos meus bolos * eu mesma n!o entendo., Como me restavam e-atamente uma semana e do(e receitas para acabar, sendo que trs delas eram de cobertura de bolo, pensei em dar cabo de uma tacada s3 destas Gltimas e fa(er um bolo com trs coberturas diferentes, dividindo*o em trs partes iguais, como o emblema da 2ercedes. . coisa estava me dei-ando meio doida, ou talve( eu estivesse tresloucada porque acordara com uma con#untivite orr4vel na man ! em que iria aparecer ao vivo em rede nacional de 'V. =u tin a feito a primeira cobertura, Creme au ,eurre, M-nag?re, que foi uma mole(a, e a segunda, Creme au ,eurre, au !ucre Cuit, que teria sido uma mole(a se eu soubesse ler. "o entanto, em min a defesa, por favor, dem uma ol ada nestas duas instru$Nes iniciaisH 2. AmoleDa a manteiga at- que ela fique 1em macia. 7eser%e. `. Coloque as gemas na tigela e 1ata durante alguns segundos para que misturem 1em. 7eser%e. O que isso significaL Para mim, significa que o que eu fi(, duas ve(es, foiH bater a manteiga at amolecer, depois acrescentar as gemas e tornar a bater. 2as e o terceiro passoL a. Ponha o aD6car e a :gua para fer%er na panela, agitando0a com frequ?ncia, at- o aD6car chegar ao est:gio de 1olinhas moles... *mediatamente, despe)e o ;arope em e1uliDo so1re as gemas, numa torrente de gotJculas, e 1ata com seu 1atedor de o%os. Por duas ve(es me vi com uma mistura de gemas e manteiga mole erave#ada de * e um batedor de ovos adornado com * gl3bulos de cristal de a$Gcar endurecido do taman o de bolin as de gude. Rnicialmente, pus a culpa naquela parte sobre o a$Gcar atingir o Kest&gio de bolin as molesK, fen6meno de que avia muito eu ouvia falar, mas em que nunca acreditara para valer * como o coel in o da P&scoa ou, mais a prop3sito, o bic o* pap!o. Fomente na terceira ve( que li de cabo a rabo a receita foi que notei a pista inscrita no c3digo secreto do te-toH ... despe)e o ;arope em e1uliDo so1re as gemas... Fobre as gemas e a manteiga, n!o , 5uliaL Ve#a, voc mesma di( na instru$!o nb DDH >Coloque as gemas na tigela...> =st& vendoL ". tigela. Ou se#aH na tigela que ten o
diante de mim, com a manteiga batida, n!o mesmoL T qual devo acrescentar as gemas e em seguida bat*las. 2in a l3gica n!o impec&velL Fe bem que, para ser sincera, por algum motivo o verbo KcolocarK as gemas me pare$a equivocado... e ol em aqui, 1 esquerda, na lista dos utens4lios necess&rios... );.F tigelas grandes. "!o uma. ;ma para a manteiga. = uma para * s3 para ter certe(a de que estamos na mesma p&gina * as gemas. . . "a terceira tentativa, como que por encanto, o Creme au ,eurre, au !ucre Cuit deu certo. Pois bem, eram 8 ><. =u avia tirado a man ! de folga para aquilo, claro, porque, ora bolas, o que min a c efe podia fa(er, me mandar emboraL =u tin a de sair 1s on(e se pretendia c egar a tempo para a sess!o de maquiagem, marcada para ll :?M fi(era duas coberturas, faltava uma +alm de cobrir o bolo com elas, claro, e ainda precisava tomar um ban o, visto que n!o ficaria muito bem aparecer na 'V com bolin as de larvade* a$Gcar endurecida no cabelo, fedendo como um estivador. 'empo de sobra para dar uma ol ada nos meus e*mails. %oi quando fiquei sabendo da Gltima de Rsabel. =le me pediu em C.F.2="'O e, eu disse FR2O Os papis do div3rcio de Rsabel tin am acabado de sair, a tinta das assinaturas ainda estava fresca. ... =le pediu min a m!o numa ponte que d& para o dique Y voc precisa vir nos visitar, 5ulie, isto aqui simplesmente LR")O Y porque queria que tivssemos um lugar para onde voltar a fim de nos lembrarmos desse dia e que pudssemos mostrar aos "OFFOF %RLEOF, e ele me deu um anel que fe( especialmente pra mim, e n3s dois vamos ser "O5="'OF de t!o feli(esO =stou me sentindo num final de conto de fadas, 5ulie, eu, que nunca .CR=)R'=R nessas coisasOOO 2in a primeira rea$!o, totalmente racional, foiH K. , fa$a*me o favor, RsabelOK . segunda foi desligar o maldito computador. Ts ve(es, com os amigos, preciso dar um tempo e tirar as complica$Nes deles da cabe$a. Rsso se aplica especialmente a Rsabel. O que ela estava pensandoL )evia ser a primeira a saber que uma proposta de casamento maluca * feita por um guitarrista pun0 maluco, em @at +#usto ondeO, * n!o era o final de coisa nen uma, quanto mais de um conto de fadas. = como eu ia lidar com o fato de min a amiga estar arruinando a vida quando ainda tin a de terminar a cobertura de um bolo, tomar um ban o e aparecer na 'VL %oi somente a meio camin o de completar a segunda tentativa com a cobertura nb:, Creme au ,eurre, = lQAnglaise, que tive min a terceira rea$!o 1 not4cia. O Creme au ,eurre, = lQAnglaise uma deriva$!o do Creme Anglaise, que uma espcie de ponto de partida de todas as sobremesas francesas, ou pelo menos das sobremesas francesas sobre as quais 5ulia escreve. )e modo que eu #& a avia preparado algumas ve(es. 2esmo assim, estava aflita, #& que sua receita leva custard, um creme que pertence 1 fam4lia das substQncias gelatinosasZpastosas. S s3 misturar algumas gemas com a$Gcar, bater com leite quente e em seguida co(in ar em fogo bem bai-o at engrossar, mas sem dei-ar coal ar. )epois disso, o creme batido numa tigela colocada sobre outra tigela, esta Gltima c eia de gelo, at esfriar e ficar mais ou menos na temperatura ambiente, quando ent!o se acrescenta a ele uma grande quantidade de manteiga. Parece simples, e de fato , desde que se ten a bem claro a diferen$a entre
KengrossarK e Kcoal arK, coisa que, mesmo ap3s ter feito isso uma dG(ia de ve(es ao longo dos Gltimos meses, eu ainda n!o tin a. .ssim, da primeira ve( n!o dei-ei tempo suficiente no fogo e nada engrossou e foi aquela cat&strofe. =, depois de eu ter #ogado min a primeira tentativa no li-o e come$ado a co(in ar o custard pela segunda ve( Y me-endo e perscrutando a panela, pele#ando para determinar se o creme #& estava KgrossoK o suficiente *, peguei*me rindo bai-in o, pensando como era incr4vel que eu estivesse ali, preparando trs coberturas de bolo antes das on(e da man !, com as quais pretendia cobrir o bolo que levaria comigo para um programa de 'Va ser transmitido em rede nacional por um canal de not4cias financeiras. =u estava fa(endo isso tudo com uma con#untivite inc6moda e avia faltado ao trabal o para fa(*lo, coisa que tornava aquele o mel or dia que eu teria na semana, assim como fa(ia daquilo um final que ningum, um ano antes, teria sido capa( de inventar para meu blog ou para mim. ;m final perfeito. ;m final de conto de fadas, at. %oi somente ent!o que me veio a terceira rea$!o a Rsabel e seu e*rnail. Quem era euL . mul er do plane#amentoL O que eu dissera a meus amigos e familiares n!o fora e-atamenteH KOl em, vou preparar todas as receitas de um vel o livro de culin&ria francesa e, quando terminar, terei descoberto o que fa(er da vidaK, ao que todos reagiram com um suspiro de al4vioH Pu;a, a Julie sempre pensa em tudo. Como a)uizada essa menina. Quem era eu para #ulgar as viagens dos outrosL "!o estava querendo dar uma de consel eira e-istencial, estavaL .final de contas, quem eu pensava que eraL %ui entrevistada na C""fn por trs Qncoras mul eres, as trs ao mesmo tempo, todas elas devorando meu bolo enquanto me enc iam de perguntas, de modo que n!o pude provar nem um pedacin o. %oi desconcertante. =las estavam particularmente interessadas em saber quantos quilos eu engordara. Quest!o sobre a qual meio ultra#ante ser indagada em rede nacional de televis!o, embora a curiosidade se#a compreens4vel, ac o. 'rata*se do vel o KParado-o %rancsK, o famoso enigmaH como os franceses conseguem comer aquele monte de comida gordurosa e beber todo aquele vin o e ainda assim continuar esbeltos e sofisticados, para n!o di(er, como acusa nossa imprensa marrom, traidores e covardesL Rndiv4duos sensatos tm, como seria natural, a esperan$a de provar cientificamente a realidade de tal parado-o, para imenso benef4cio da umanidade, ao passo que fascistas encarquil ados e farisaicos esperam encontrar uma maneira de contest&*la, a fim de que possam continuar se sentindo superiores com seus Qnimos beligerantes e seus grosseiros &bitos alimentares. .s pessoas est!o sempre em busca de evidncias, e imagino que o Pro#eto se#a uma espcie de teste laboratorial espontQneo. Porm eu diria que os resultados a que c egamos s!o, na mel or das ip3teses, inconclusivos. =ric n!o engordou absolutamente nadaM continua o magricela de sempre, o desgra$ado. Quanto a mim, embora eu n!o este#a nen uma baleia, n!o posso di(er que ten a ficado nem esbelta nem sofisticada. .mbos sentimos uma dor(in a persistente na regi!o do tronco, como se estivssemos usando um espartil o. 'ambm temos observado outros efeitos colaterais imprevistos, mas n!o sei ao certo que conclus!o tirar a esse respeitoH n!o creio que os franceses se#am mundialmente con ecidos por dei-ar que camadas de um cent4metro de poeira se acumulem sobre todas as superf4cies de suas casasM e nunca ouvi di(er que eles cultivem esquadrNes de moscas em suas co(in as. Fem contar que #& ramos traidores e covardes antes de come$ar o Pro#eto, de modo que n!o somos os ob#etos de estudo ideais nesse quesito. .lm do mais, nossa tendncia a comer quatro por$Nes de cada coisa e beber, alm do vin o, uma quantidade e-cessiva
de gins*t6nicas talve( ten a falseado um pouco os resultados. 5ulia sempre recomendou modera$!o, mas se & uma coisa que ficou provada de uma ve( por todas neste ano que passou que eu n!o ten o nen um talento para essa virtude em particular. "esse aspecto, ten o mais afinidade com o antigo assistente de 5C, 5acques PepinH K2oderar em todas as coisas * inclusive na modera$!oK. =, para completar, as mul eres da C""fn n!o devolveram min a travessa. Coisa que me dei-ou meio puta. Comecei com Petits Chaussons au 7oquefort, pastei(in os de quei#o roquefort, a man ! do domingo em que eu iria servir a penGltima refei$!o do Pro#eto. %i( a massa da maneira tradicional, como avia feito mais de trinta ve(es no Gltimo ano. O tempo mudara para mel or, com uma leve in#e$!o de frescor no ar, uma pequena redu$!o de umidade, e isso contribuiu para que a massa ficasse, nessa penGltima ve(, perfeita. =nquanto a massa descansava, preparei o rec eio, amassando e misturando du(entos gramas de roquefort, um tablete de manteiga amolecida, duas gemas, pimenta, cebolin a e, coisa que me pareceu esquisita, quirc e. =m seguida, estiquei a massa. Por mais agrad&vel que o dia estivesse, preaquecer o forno dei-ou a co(in a um pouco quente e desconfort&vel, por isso tratei de trabal ar r&pido. Cortei a massa em quadrados de cinco cent4metros +apro-imadamente,, coloquei uma col er(in a de rec eio no meio, pincelei as bordas com um pouco de ovos batidos e as uni com os dedos. Eavia alguma coisa em toda aquela faina abitual * o amassar e esticar a massa para depois polvil &*la com farin a, o Livro a meu lado, 5ulia em min a cabe$a, rindo bai-in o consigo mesma, como uma pomba em seu poleiro *, alguma coisa em todas aquelas marcas que eu avia feito em todas aquelas receitas naquelas 9A> p&ginas amareladas * <78 marcas pretasM faltavam cinco *, alguma coisa que me dei-ou com um Qnimo filosofal. Ou vai ver que era apenas um pouco de fome. +=u n!o tin a comido nada alm do restin o de rec eio de roquefort que lambera dos dedos., %osse o que fosse, enquanto eu rec eava e fec ava os pastei(in os, peguei*me refletindo sobre os direitos essenciais dos rec eios de roquefort. =u avia dado vida 1quele rec eio e agora tentava encarcer&*lo numa pris!o de massa amanteigada, muito embora seu comportamento esquivo dei-asse 3bvio que n!o avia nada que um roquefort dese#asse mais do que permanecer em liberdade. "!o seria arrogQncia min aL "!o seria, em essncia, uma mentalidade escravocrata que me fa(ia abordar aquilo da perspectiva de como aprisionar mel or o rec eio de roquefort, sem levar em conta seu dese#o fundamental de liberdadeL =u estava ficando um pouco (on(a. =m retrospecto, claro, pode*se identificar a4 o primeiro sinal do surto psic3tico que estava por vir. 'ermino de fa(er os pastis, apesar de a massa estar ficando rapidamente grudenta. .lguns deles n!o tm um aspecto muito bonito. Levo*os ao forno assim mesmo. Finto a cabe$a girar, ve#o pontin os diante dos ol os * s3 que n!o s!o pontin os. F!o moscas. Centenas delas. =st!o por 'O). P.R'=. =nquanto os pastis assam, posiciono*me no meio da co(in a, como XarJ Cooper com um mata*moscas, a#ustando o corpo feito uma mola encol ida, pronta para dar o bote. 2as elas s!o r&pidas demais para mim, e muito numerosas. Para cada mosca que consigo derrubar, duas tomam seu lugar. )esanimada, volto*me para os pratos. =ssa tambm uma batal a perdida, porque, bom, & uma quantidade absurda de pratos su#os, o equivalente a v&rios dias de trabal o, e a pia est& c eia dV&gua, n!o quer esva(iar, provavelmente por causa do acGmulo de lodo no ralo.
'iro do forno os pastei(in os de roquefort. Parecem ra(o&veis. .bocan o um, sem perceber, at sentir uma palpita$!o fremente que come$a na boca e desce * sempre 1 frente do +quente pra c uc u, mas delicioso, Petit Chausson au 7oquefort 0 pela garganta e c ega 1 barriga, indicando que n!o estou com um pouco de fome, n!o * estou com uma fome de le!o. Rgnorando as bol as que come$am a se formar no cu da boca, devoro imediatamente outro pastel(in o. O m4nimo que posso fa(er enquanto espero que a &gua escoe da pia guardar os pratos secos que est!o no escorre dor. Come$o a empil ar pratos, utens4lios e col eres medidoras. .s moscas parecem formar uma nuvem especialmente densa em volta da pia. Finto tambm um c eiro de bolor, coisa que n!o c ega a me causar espanto. =-amino a &gua empo$ada na bande#a pl&stica sob o escorre dor de lou$a, na qual 1s ve(es se forma uma espuma no#enta. = isso. "!o consigo me lembrar de quando foi a Gltima ve( que a lavei. )obro o escorredor de metal e pego a bande#a, com o intuito de lav&*la na ban eira. .o me virar para ir ao ban eiro, noto, com o rabo do ol o, uma movimenta$!o discret4ssima. Ol o para a bancada da pia, onde at ent!o #a(ia a bande#a do escorredor. = a origem daquela no#enta legi!o de moscas fica clara. K.aaaai, creeeeeeeedooooooooooOOOOOOOOK KO que foi, meu )eus, o que foiLOK =ric, que passou a man ! inteira e boa parte da tarde limpando a casa, entra correndo na co(in a, onde me encontra, branca como um fantasma, com os ol os esbugal ados, a bande#a do escorredor numa m!o, afastada do meu corpo, o dedo trmulo apontando para a bancada da pia. KQual o problem... ...RXEOK @om, e o que a gente fa( quando encontra uma vice#ante col6nia de larvas debai-o do escorredor de lou$aL Rsto , alm de lan$ar uma breve e agradecida prece de agradecimento aos cus por permiti*la viver num lugar e num tempo de mentalidade avan$ada, em que seu marido n!o pode l e cortar fora os seios e o nari( para puni*la por um crime c amado "egligncia )omstica RndecenteL .t onde sei, 2art a FtePart n!o menciona tal dilema * o das larvas *, de modo que tivemos de nos orientar so(in os, 1 medida que prossegu4amos. Come$amos com frenticos pulin os de no#o. )epois tiramos os pratos que estavam dentro da pia e os colocamos no c !o, varremos com cuidado para dentro da cuba as coisas brancas que boiavam e se contorciam em cima da bancada, #ogamos a espon#a #unto e despe#amos um litro de Cloro- em cima daquela porcariada toda. =m seguida, levamos a bande#a do escorredor de lou$a para o ban eiro e a#ogamos dentro da ban eira, despe#ando bastante Cloro- em cima dela tambm. )epois disso, retomamos nossos afa(eres. Por mais orr4vel que ten a sido, n!o foi t!o traum&tico quanto talve( fosse para outras pessoas, porque depois de um ano como o que av4amos passado, uma parte da gente sa1e que deve aver larvas em algum lugar. O que n!o quer di(er que n!o f6ssemos ocasionalmente assaltados por arrepios espasm3dicos nem que 1s ve(es, em pQnico repentino, n!o atir&ssemos longe os utens4lios que t4n amos na m!o quando, sobretudo nas ad#acncias da co(in a, imagin&vamos sentir alguma coisa raste#ando, escavando. Pelo menos ainda avia em n3s esse resqu4cio de umanidade. =ram duas da tarde. 2esmo dei-ando um pouco de lado as larvas de inseto que a essa altura enfrentavam com gal ardia seu destino ediondo na lagoa de Cloro- da pia, a co(in a estava simplesmente no#enta Y n3doas de manteiga salpicavam a lateral da geladeira, borrifos de sangue das mais diversas carnes formavam arcos violentos nas paredes, camadas de uma su#eira composta pela mescla de farin a, manteiga, p3 e plos de gato cobriam todas as superf4cies. =u pretendia fa(er a massa para o Pat? de Canard en Cro6te no processador de alimentos, e se 5ulia n!o aprovasse isso, bom, ent!o ela
que fosse 1 merda. )ali a trinta oras aquilo estaria acabado, e ela e eu poder4amos tomar cada uma seu rumo. Coloquei no Cuisinart a farin a, o sal e o a$Gcar, alm de meia -4cara de gordura resfriada e um tablete de manteiga em peda$os, e liguei brevemente o aparel o para dissolver a gordura. =nt!o acrescentei dois ovos e um pouco de &gua fria e tornei a ligar o processador. . massa ficou seca demais. "!o estava dando liga. .dicionei mais um pouco de &gua. "ada. 'ransferi a ma$aroca para a min a t&bua de m&rmore, na qual n!o avia larvas, embora pudesse muito bem aver microelementos de v&rias outras substQncias repulsivasZt3-icas. Coloquei mais &gua, primeiro gotas, depois col eres, depois rios dV&gua. . massa passou diretamente de aglomerado farin ento para meleca amanteigada. Comecei a grun ir * a princ4pio movida por simples perple-idade, depois por desespero crescente e, enfim, por um incoerente acesso de c3lera e-istencial. =ric estava a meu lado, perscrutando a ma$aroca. K"!o est& quente demais aquiLK KQuente demaisL /uente demaisLO !eu idiotaH> "uma fGria cega, pus*me a atirar bolin as de massa ressecada para todos os lados. KQue se dane. %oda*seO 're(entos e sessenta e quatro dias e n!o consigo nem fa(er uma massa direito. =ssa merda toda n!o serviu pra ".). mesmoOK =ric permaneceu em silncio * afinal, o que poderia di(erL 'ornou a empun ar o aspirador de p3. =m meio aos solu$os secos e cavernosos que brotavam de um buraco desesperan$ado em meu peito, #oguei a massa no li-o e comecei de novo. )essa ve(, fi( a massa 1 m!o. = ficou terrivelmente ressecada de novo. 2as continuei amassando at obter algo um pouco mais uniforme, que em seguida envolvi com filme de PVC. =u estava solu$ando. 'ive de me deitar. .cordei uma ora depois. . co(in a * o apartamento inteiro * relu(ia. @om, n!o c egava a tanto. 2as a diferen$a era not&vel. =ric estava no sof&, lendo a Atlantic Monthl" e comendo um pastel(in o de roquefort. K2el orouLK, perguntou ao me ver adentrar a sala de estar, talve( dando a impress!o de estar meio bbada. KFiiiimmm.K )eus do cu. .t eu me odeio quando solto esse gemido pattico. KObrigada pela arruma$!o da casa. =u te amo.K K'ambm te amo.K O combate ao sentimento de culpa um neg3cio multibilion&rio, mas n!o creio que esse sentimento se#a t!o ruim assim, srio. "!o se voc fa( por merec*lo. Como acontece quando, no penGltimo dia do ano de torturas a que submeteu o omem da sua vida, voc come$a a gritar, a atirar coisas e a c am&*lo de idiota +algo que ele n!o mesmo, e, em ve( de bater a porta da frente na sua cara e ir procurar consolo nos bra$os de 2is al Eusain, ele arruma a casa toda enquanto voc tira uma soneca. =sse sentimento de culpa, combinado com uma gratid!o t!o profunda que c ega a doer e com o recon ecimento sGbito, inefavelmente terno, da e-traordin&ria sorte que voc tem, n!o somente l e fa( bem, como tambm um sentimento delicioso. 2ontei no colo de =ric, cobri*o de bei#os, fi( festa com o nari( em sua nuca, e acabei amassando a revista que ele estava lendo. K=u te amo demais.> KVoc me amaL = quem te amaLOK Permanecemos alguns instantes assim. =nt!o levantei a cabe$a que eu avia apoiado no ombro dele e soltei uma baforada ruidosa. K= agoraLK =ric me deu um tapin a ardido na bunda. KO que vamos fa(erLK . resposta c egava a ser intoler&vel de t!o assustadora, se bem que, pensando bem, n!o era, n!o, porque ve#a s3 no colo de quem eu estava. O cara que fa(ia com que nada
daquilo parecesse insuport&vel, #amais. )e modo que dei mais um saud&vel e reparador suspiro e fiquei em p. K.goraK, disse eu, Kvou desossar o pato>. K. , sei. =nt!o boa sorteK, retrucou =ric antes de tornar a abrir sua revista amarfan ada e esconder*se atr&s dela. Voltei para min a recm*desinseti(ada co(in a. =ric avia limpado a bancada da pia e colocado o Livro bem no centro dela. . pobre lombada avia se rasgado v&rias ve(es, e eu fi(era alguns remendos prec&rios com fita adesiva. "os meses que se seguiram, o Livro fora ficando cada ve( mais encardido, de maneira que, sob a fita transparente, viam*se ind4cios de uma fase anterior, mais relu(ente, de sua e-istncia. Virei rapidamente as p&ginas, passando por receitas ticadas, manc as, p&ginas enrugadas por causa de respingos de &gua e p&ginas grudadas gra$as a sabe*se l& que substQncia colante, at c egar ao POt- de Canard en CroMte 0 pato desossado rec eado, assado em massa de torta. .ntes de mais nada, dei-arei que voc analise a receita por um momento. Caso possua um e-emplar do MtAoFC, abra*no 1 p&gina <B7. Leia todas as cinco p&ginas pelas quais se estendem as instru$Nes de 5ulia. .s ilustra$Nes * oito no total * s!o particularmente esclarecedoras. Eorripilantes, mas esclarecedoras. Bamos l:, Julie, %oc? consegue. K%alou alguma coisa, queridaL =st& tudo bem a4LK Pobre =ric. Rmagine*se em seu lugar, 1 espera do primeiro e inevit&vel gemido de afli$!o, sabendo de antem!o o rumo que as coisas tomar!o dali por diante. KE!L "!o, n!o foi nada * tudo certo.K . gaveta das facas desli(ou suavemente nos tril os. Perscrutei seu conteGdo, como um dentista cruel e-aminando os instrumentos, antes de retirar a faca #aponesa pr3pria para desossamentos que eu comprara para aquela ocasi!o. "unca avia sido usada antesM sua lQmina bril ava na penumbra +#& que, no penGltimo dia do Pro#eto, a lQmpada fluorescente da co(in a, a , min a bem*amada, encasquetara em n!o acender, e produ(iu um dique seco quando a coloquei em cima da pia, ao lado da t&bua de cortar. =m seguida, tirei o pato da geladeira, desembrul ei*o e limpei*o em cima da pia * depois de certificar*me de que n!o avia mesmo ali mais nen um prato su#o, nem larvas, nem Cloro-, daro * dei-ando de lado o pesco$o, o e-cesso de gordura, o f4gado, a moela que parecia dois cora$Nes e o cora$!o que parecia metade de uma moela. Fequei o pato com papel*toal a e coloquei*o em cima da t&bua, com o peito para bai-o. =mpun ei a faca com a m!o esquerda antes de debru$ar*me sobre o Livro. &esossar uma a%e tal%ez lhe pareDa uma faDanha irrealiz:%el caso nunca tenha %isto outra pessoa fa(er isso ou no tenha pensado em faz?0lo %oc? mesma. Outro bom e purificador suspiro. Ainda que para uma iniciante temerosa o procedimento possa le%ar uns >< minutos, na segunda ou terceira tentati%a %oc? tal%ez consiga realiz:0lo em no muito mais que D? minutos. "ada tema, 5ulie. Coragem. O importante no se esquecer de manter o gume da faca sempre %oltado para o osso, nunca para a carne, de modo a e%itar a perfuraDo da pele da a%e.
Virando a cabe$a com um estalido, livrei*me de um ponto de tens!o no pesco$o. K.morL 'em certe(a de que est& tudo bem por a4LK . vo( preocupada de =ric c egou aos meus ouvidos como se vinda de muito longe. KE!L . * sim, sim.K . faca permanecia im3vel, a alguns cent4metros da pele p&lida e encaro$ada do pato. Para comeDar, faDa uma inciso profunda no dorso da a%e, do pescoDo ao ra1o. %i( o primeiro corte, um tal o fundo, at a espin a. )evagar, bem devagar, comecei a soltar a carne do osso, descendo por um dos lados. Quando c eguei 1 asa e 1 co-a, dividi o osso na #unta, dei-ando o osso da perna e as duas #untas e-ternas da asa ligados 1 pele, conforme a orienta$!o de 5ulia. )epois, voltando pelo esterno, continuei a soltar a carne. . faca #aponesa desli(ava com precis!o aterradora. T preciso tomar cuidado aqui, porque a pele fina e pode ser perfurada com facilidade. )esacelerei a respira$!o, como se estivesse tentando entrar em estado de iberna$!o. %orcei*me a agir com movimentos vagarosos. .o c egar 1 crista do esterno, parei e procedi 1 mesma opera$!o do lado esquerdo do pato. al%ez %oc? du%ide que isso possa %oltar a formar um todo inteligJ%el. K%alou alguma coisa, ben(in oLK >Como -C> Continuava a fa(er calor na co(in a. =n-uguei o suor da testa com as costas da m!o antes de tocar a ponta da faca naquela #un$!o fr&gil de cartilagem e pele #unto ao esterno. K"ada. )esculpe.K 2ais um corte cuidadoso e pronto. . . Que moleza. "o dia anterior, eu avia preparado o p:t- com que meu Ktra#e de patoK seria rec eadoH carne mo4da de vitela e de porco, misturada com peda$os de gordura de porco, cebolas que tin am sido picadas e salteadas na manteiga e vin o 2adeira que tin a sido redu(ido na mesma panela, alguns ovos, sal, pimenta, pimenta*da*#amaica, tomil o e um dente de al o triturado. =nfim, uma bobagem que, a essa altura do campeonato, nem vale muito a pena mencionar. =nfiei tudo no Ktra#e de patoK que #a(ia aberto na t&bua de cortar. )epois disso, era s3 uma quest!o de costura. Quando comprei min a relu(ente e letal faca #aponesa, aproveitei para levar tambm alguns Kcosturadores de avesK, que, pelo nome, pareciam ser a solu$!o definitiva para costurar aves, n!o ac amL Vin am at com lin a de costura. 2as eu estava um pouco ressabiada. =m ve( de terminar com orif4cios em suas e-tremidades cegas, esses costuradores de metal se curvavam e formavam uma argola um tanto grande, pouco maior que metade de uma moeda de de( centavos, cu#a ponta n!o estava unida 1 aste da agul a. +. bem da verdade, eram e-atamente como aqueles tro$os de metal espal ados por todos os cantos da co(in a fa(ia anos, a que c am&vamos de Kespetin osK e que viv4amos perdendo, porque eram muito pequenos e diversas ve(es escorregavam por entre as astes do escorre dor de lou$a e ca4am no lodo fedorento que estava sempre se formando na bande#a que ficava embai-o do escorre dor e ningum ia
querer us&*los depois disso., Como eu ia fa(er para costurar um pato com um neg3cio daquelesL "unca fi( croc , mas costumava observar min a av3 fa(endo, e creio que avia alguma similaridade com a manobra que eu estava tentando e-ecutar. =u passava diversas ve(es a lin a pelo KburacoK do espetin o, enfiava o espetin o ou costurador de aves ou o que quer que fosse aquilo em duas camadas de pele do pato e ent!o pu-ava at o fim, alargando um pouco a pele em volta da argola semi*aberta, tentando enquanto isso fa(er com que a lin a passasse pelos buracos em ambas as camadas de pele antes de sair pela e-tremidade aberta da argola. "!o deu muito certo. "a realidade, acarretou nova rodada de obscenidades, solu$os e murros desferidos em mesas. 2as nessa ora meu marido, que n!o nem um pouco idiota, teve uma sacada genial. Primeiro passou algum tempo verificando se n!o averia meios de resolver a quest!o com alfinetes de seguran$a * =ric um grande f! desses alfinetes, sempre tem um na carteiraM di( que s!o 3timos para conquistar garotas. =nt!o c egou 1 solu$!o mais simples e elegante de todasH uma agul a de costura. ;ma agul a grande, bem grande. =u n!o tin a idia de como ele avia feito para encontrar aquilo e nem sequer compreendia o motivo de termos uma agul a t!o grande em casa, mas a cavalo dado n!o se ol am os dentes. = funcionou que foi uma bele(a * acabou sendo t!o f&cil que n!o vou nem me dar o trabal o de contar. 2as foi 3timo, porque assim n!o precisei furar meus ol os com um espetin oZcosturador de aves. 'endo costurado o pato, enrolei*o v&rias ve(es com barbante, at ele ficar com a forma de uma bola de rGgbi, depois o dourei numa frigideira com 3leo. =nquanto o pato esfriava, tirei a massa * e, quem diriaLO, aquela ma$aroca quebradi$a avia milagrosamente se transformado numa massa de verdadeO Que podia ser esticadaO .quele dia s3 fa(ia mel orar. =, para variar um pouco, dessa ve( a mel ora era para valer. =m dois tempos encerrei o p&t*bola*de*rGgbi*tra#e*de*pato dourado dentro de duas fol as ovais de massa. %oi t!o f&cil que fiquei quase COllFtrangida. .t fi( bolin as com as sobras da massa, moldei*as em formato de leque com o cabo de uma faca e as usei para ocultar as bordas amassadas do empad!o. Outras bolin as deram origem a uma flor(in a no meio, em volta do orif4cio que eu avia aberto para dei-ar o vapor sair. %a$amos o seguinteH em ve( de eu ficar tentando e-plicar tudo isso, pegue seu e-emplar de MtAoFC e abra 1 p&gina <98. =st& vendo a ilustra$!oL %oi e-atamente assim que ficou o meu POt- de Canard en Cro6te. K=ric, =ric, =ricO Ven a verOK =le veio e ficou devidamente impressionado, porque, afinal, como poderia n!o ficarL =stava bonito pra c uc u. K= a sua imita$!o da 5ulia tambm mel orou muitoK, disse ele. KComo LK KFabe as coisas que voc di(ia enquanto desossava o patoL Voc estava falando igual(in o a ela. %oi impag&vel.K E!L "!o me lembrava de ter dito nada. O fim pode at tardar, mas sempre encontra uma forma sorrateira de se apro-imar da gente. XPen e FallJ vieram celebrar conosco nosso penGltimo dia de Pro#eto. Colocamos um )V) com os mel ores momentos do programa de 5ulia e assistimos sem prestar muita aten$!o, enquanto esper&vamos que o POt- de Canard en Cro6te terminasse de assar, comendo pastei(in os de roquefort e tomando c ampan e de 9< d3lares * que tin a
gosto de c ampan e normal, s3 que mais caro. =stava tudo muito festivo e agrad&vel e, se 1s ve(es parecia meio anticlim&tico, as ta$as de c ampan e estavam l& para nos curar disso. =u realmente quase nunca atendo ao telefone. )essa ve( ac ei que fosse min a m!e. K5ulieO 2eus parabnsOK "!o era. KRum, obrigada.K K'erminou o Pro#eto, n!o terminouLK KPara ser franca, n!o... S aman !...K KOpsO @om, ent!o aceite meus parabns por antecipa$!o.K KRum...LK VV. , me desculpeO 2eu nome "ic0. Fou rep3rter aqui em Fanta 2onica e acabo de fa(er uma entrevista com 5ulia C ild para o nosso #ornal.K =u ia mesmo ter de pedir para tirarem meu nGmero da lista telef6nica. KXostaria de ouvir o que voc tem a di(er sobre algumas coisas. Porque perguntei a ela sobre voc e, francamente, ela foi meio deselegante. Pode falar agoraL Ou prefere que eu ligue outro diaLK K. . "!o. 'udo bem.K Quando eu desliguei, cinco minutos depois, estava em estado de c oque. =ric e XPen observavam a demonstra$!o que 5ulia fa(ia de como c amuscar a pele de um tomate. Parei um momento diante da 'V, assistindo. =la parecia #ovem, mas na poca #& devia ter uns B? anos, no m4nimo. 5ulia pegou um ma$arico e o brandiu para a cQmera. XPen riu. )a co(in a, come$ava a c egar um c eiro de pato assado. KQuem era, amorLK K. 5ulia me odeia.K KComo LK Fentei*me no sof& ao lado de =ric. XPen e FallJ ol avam fi-amente para mim, ignorando a televis!o. K=ra um #ornalista l& da Calif3rnia. 'in a acabado de fa(er uma entrevista com a 5ulia. Perguntou a ela sobre mim. =la me odeia.K Ri bai-in o, como fa$o nessas ocasiNes, sem ar. K2e ac a atrevida ou leviana ou coisa assim.K FallJ produ(iu um ru4do de despeito com a garganta. KQue in#usti$aOK KVocs me ac am levianaL $e%ianaC> 'ornei a rir, mas dessa ve( senti uma coceirin a no nari( e um princ4pio de ardncia me obrigou a entrefec ar os ol os. K. , fa$a*me o favor.K XPen estendeu a garrafa de c ampan e em min a dire$!o, e eu parei de rolar a ta$a que tin a entre as m!os para que ela pudesse me servir. K"!o d ouvidos a essa mul er.K =ric colocou o bra$o sobre meu ombro. KQue idade ela tem, 8?LK K"oventa e umK, disse eu, fungando. KViu s3L =la n!o deve fa(er a menor idia do que se#a um blog.K K"!o entendo como ela pode odiar uma coisa assim.K FallJ parecia quase t!o magoada quanto eu. KFer& que ela tem algum pro1lemaC> KFei l&. 'alve( ac e que estou me aproveitando ou que... mas eu n!o estou...K %ui pega de surpresa por uma torrente de l&grimas. K=u pensei que... n!o queria que...K )e repente eu estava aos prantos. O espanto imobili(ou os trs por uma fra$!o de segundo, mas no instante seguinte =ric #& me estreitava contra seu peito, e XPen e FallJ tin am vindo sentar*se cada uma de um lado e me consolavam passando a m!o nas min as costas, 1 maneira das mel ores amigas. .o som de seus murmGrios condo4dos, eu c orava convulsivamente, como se meu cora$!o fosse partir ao meio, a cabe$a inclinada para tr&s, com as l&grimas escorrendo ouvidos adentro, e eu suspirava e
solu$ava e tomava f6lego para continuar, at que, passado algum tempo, a ra(!o daquela c oradeira toda #& n!o era apenas o que 5ulia pensava ou n!o pensava de mim, #& n!o era uma massa farin enta nem um aspic desmilinguido e muito menos um empreguin o ma$ante e, por fim, n!o era nem sequer triste(a. =u solu$ava, solu$ava e solu$ava, at tudo virar um @om C oro * o mel or c oro que #& avia tido na vida, apesar de aquele meu Gltimo ano ter sido bastante pr3digo em l&grimas. =spal ei ran o pela camisa de =ric, FallJ pegou min a ta$a de c ampan e para impedir que eu a quebrasse, e XPen segurou min a m!o, e a sensa$!o era t!o boa que comecei a rir tambm, solu$ava e ria, fa(endo muito barul o. O alarme soou na co(in a, indicando que era ora de tirar o POt- de Canard en Cro6te do forno. K=u cuido disso.K =ric me dei-ou com as meninas e levantou*se para ir 1 co(in a. K= o que voc falou pro #ornalistaLK, perguntou FallJ ao me devolver a ta$a, obviamente considerando que, pelas risadin as intercaladas com l&grimas, eu #& estava em condi$Nes de segur&*la. Levei*a aos l&bios. K=u disseH V=la que se fodaV.K Ca4 na gargal ada, rindo desbragadamente. FallJ se esquivou com agilidade not&vel da c uva de c ampan e, porm XPen foi alve#ada por um pouco de fogo amigo. K"!oO FrioLOK, e-clamou FallJ. K@rincadeira. 2as devia ter dito.K O alarme n!o estava soando mais. K=i, 5ulieLK KO quLK Revirei os ol os, limpando o nari( com as costas da m!o enquanto XPen tentava tirar o e-cesso de c ampan e da camisa mol ada. KO que foi agoraLK KVen a ver uma coisa.K XPen, FallJ e eu nos entreol &vamos. K. , meu &eus. O que foiLK "esse instante, =ric ressurgiu da co(in a. =stava usando luvas antitrmicas e tin a uma assadeira diante de si. =ra o meu POt- de Canard en Cro6te. = estava impec:%el. XPen deu um gritin o, FallJ bateu palmas. =ric sorria para mim. KFer& que ficou bomLK K5ulie, isto est& setenta e cinco por cento t!o bom quanto o mel or empad!o de pato que 5ulia seria capa( de fa(er. "o mJnimo.> )ei-ei escapar mais um solu$oZrisin o, mas logo me refi(. K2uito bem.K %i( sinal para =ric voltar para a co(in a. KVamos abrir esse fil o*da*m!e.K 5ulia di(ia que agora eu devia desenterrar o pato, desamarr&*lo, cort&*lo e coloc&*lo novamente dentro da massa. Rsso eu n!o ia fa(er, de #eito nen um. O que eu fi(, enquanto =ric, FallJ e XPen me observavam com o cora$!o na m!o, foi cortar uma espcie de tampa no empad!o, mov*la cautelosamente para um lado e, com todo o cuidado do mundo, introdu(ir uma tesoura para cortar os barbantes que conseguisse alcan$ar e pu-&*los para fora. )epois disso, recoloquei a tampa no lugar, peguei min a maior faca de cortar carne, aquela com a qual eu n!o conseguira perfurar um osso com tutano quase um ano antes, e cortei uma fatia. "!o que tivesse gosto de algo que eu nunca ouvesse comido, nem que fosse mais saboroso * tin a apenas um sabor mais intenso. =ra mais suculento, macio, crocante, amanteigado e KpatosoK. ;m verdadeiro plut6nio culin&rio, simplesmente sensacional. Permanecemos os quatro em volta da mesa, empanturrados, soltando arrotos sob o lustre lil&s felpudo que eu gan ara de =ric no )ia dos "amorados, um lustre que possu4a alguma semel an$a com aqueles bonecos do 2uppet F oP e que, gra$as 1 C@F, avia
tido seus quin(e minutos de fama. K@omK, disse XPen, Kse a vaca da 5ulia n!o aprova isso, sinal de que n!o & como content&*la.K =sque$am aquela ist3ria de 'orta*a*paloo(a... 2eu POt- de Canard en Cro6te que era o m&-imo e dei-ava Long Rsland CitJ orgul osa de mim. )epois que FallJ e XPen foram embora e o restante do POt- de Canard en CroMte, agora com um aspecto triste e dilacerado, foi embrul ado com filme de rvc e guardado na geladeira, eu e =ric fomos para a cama. .poiei a cabe$a no peito dele, trancei min a perna com suas co-as e n!o tardei a embarcar novamente naquele c oro rison o, s3 que agora de forma mais tranquila e com nfase no lado rison o da coisa. KQuase l&K, disse =ric. KQuase l&.K K= o que teremos para o #antar aman !LK KRins com tutano de boi.K KEummm, tutano de boi.K KPois .K K= depois...K * =ric bei#ou*me o alto da cabe$a enquanto eu me aconc egava mais em seus bra$os * Kser& que podemos arrumar um cac orroLK )ei outro c orin o rison o. KClaro.K K= comer muita, muita saladaLK ''Ahhh, sim. = um fil oL Voc sabe que preciso come$ar a pensar nisso, =ric, porque voc sabe que eu ten o uma...K K;ma sJndrome. =u sei. Rsso n!o me preocupa.K KPor que n!oL 'alve( devesse nos preocupar.K [email protected] =le mordiscou meu ombro. KQuem consegue fa(er o Pro#eto, consegue fa(er um fil o. Voc vai tirar de letra.K KRum. 'alve( voc ten a ra(!o.K = assim adormecemos * como dois bebs rec eados com um pato em forma de bola de rGgbi. "o Gltimo dia do Pro#eto, n!o fui trabal ar * porque, como eu disse, o que eles podiam fa(erL .c o que eu imaginava passar o dia preparando serenamente min a Gltima refei$!o, contemplando o significado do ano que findava e todas as generosas bn$!os que me aviam sido concedidas. 2as, sabem como , nunca fui boa em contempla$!o, e a arte da serenidade, como a da culin&ria francesa, leva mais de ano para ser dominada. )e modo que passei a man ! num acesso de Civili(obsess!o +KVou s3 terminar de conquistar Roma e a4 eu paro, prometo...>F e depois tive de correr feito uma louca para dar conta de tudo o que ainda faltava fa(er. "o Ottomanelli, onde fui buscar meus rins e meu osso com tutano, o cara atr&s do balc!o me disseH >E aJJJJ. Como v!o as coisasL Co(in ando com, quem mesmo, 5ulia C ildLK K'udo 3timo. "a realidade, #& acabei.K K2uito bem, meus parabns. Ol a, mo$a, uma coisa eu l e digo, nunca tin a aparecido tanta gente por aqui comprando miGdos.K =le tin a nas m!os o osso com tutano que eu avia encomendado. KVai usar esse osso pra fa(er um mol oL Fe quiser, posso cort&*lo na metade pra voc.K Agora ele me di( isso. =ric e eu comemos nossos 7ognons de Beau = *a ,ordelaise so(in os, com vagens e batatas saut- servidas numa travessa decorada com Ma"onnaise Coll-e * que uma maionese 1 qual se acrescenta gelatina, de modo que, caso a pessoa assim dese#ar, pode coloc&*la num saco de confeiteiro e us&*la para desen ar flor(in as e arabescos. =u calculara que devia guardar ao menos um fiasco catastr3fico para o final. =m cima da
pia, 1 espera de que termin&ssemos nosso #antar, estava a derradeira receita de MtAoFC 0 7eine de !a1a. Que tambm atende pelo nome de bolo de c ocolate. 2in a nova e letal faca #aponesa pr3pria para desossar facilitou bastante a tarefa de limpar os rins * deu cabo de todos aqueles pedacin os de gordura branca, assim como dos tubin os brancos incrustados no mGsculo. . prepara$!o da 7eine de !a1a tambm transcorreu sem transtornos. "o fundo, era quase uma torta, com amndoas mo4das no lugar de boa parte da farin a. O Gnico segredo era n!o dei-ar assar demais. 5C di(ia que Kse assar demais, o bolo perde sua qualidade especialmente cremosaK, e eu detestaria que nossa Gltima iguaria do ano fosse um bolo sem nen uma cremosidade especial, por isso estava bastante aflita, admito, mas no fim deu tudo certo. . Ma"onnaise Coll-e, bom * maionese. =, alm disso, com gelatina. O que se podia esperarL = eu tambm n!o facilitei as coisas para o meu lado. Porque, ap3s :9< dias,5ulie PoPell ainda confundia o f&cil com o simples. K@ater uma maionese 1 m!o uma coisa muito 2art a pra mim. Vou acabar metendo os ps pelas m!os, sei que vou. S mais f&cil usar o processador de alimentos.K )espre(ando um ano inteiro de evidncias a comprovar que eu sempre pun a a perder a maionese quando usava o processador de alimentos * n!o dera certo uma Gnica ve( * coloquei os ovos, a mostarda e o sal na cuba do Cuisinart e liguei o aparel o. )epois acrescentei o suco de lim!o, e-atamente como 5ulia mandava. Para adicionar o 3leo, usei o copin o que se encai-a na parte de cima do Cuisinart, o qual possui um furin o no fundo, cu#o diQmetro ideal para verter 3leo numa maionese Y conforme descobri ap3s um nGmero constrangedor de tentativas de fa(er uma. Fe tivesse guardado o manual da engen oca, coisa que obviamente n!o fi(, bem prov&vel que eu descobrisse que esse furin o na realidade se c ama Kfurin o para maioneseK. )espe#ei o 3leo no copin o e dei-ei que ele se responsabili(asse pelo consciencioso gote#amento. Rsso tin a dado certo no passado. "esse dia, vi*me com uma substQncia em estado l4quido. >Merda>, resmunguei. 2as pelo menos n!o griteiH KP;'. Q;= P.RR;, P;'. Q;= P.RR;, P;'. Q;= P.RR;OK a plenos pulmNes. =m ve( disso, comecei de novo. )essa ve( resolvi fa(er a maionese 1 m!o. "!o tin a muita esperan$a. @ati as gemas, a mostarda e o sal. )esencai-ei o copin o do Cuisinart e o entreguei a =ric. KFegure isso em cima da tigela e dei-e o 3leo escorrer, certoLK %oi o que ele fe(. O 3leo escorreu, e eu bati, bati e bati. = deu maravil osamente certo, ora se n!o deu. K=ricLK, disse eu, batendo mais um pouco a linda substQncia amarelo*clara com uma consistncia perfeita que se formara na tigela. KO que foi, 5ulieLK K"!o dei-e que eu me esque$a disso. Fe de tudo que fi( ao longo desse ano n!o ficar nen uma li$!o, pelo menos aprendi que sou capaz de fa(er uma maionese 1 m!o.K >#Ls somos capa(es de fa(er uma maionese 1 m!oK, corrigiu ele, recol endo e c acoal ando o pulso dolorido. KCerto. #Ls somos.K 2isturei na maionese um pouco de gelatina que eu avia amolecido em vin o branco, vinagre e caldo de carne e levei 1 geladeira. %a(er 7ognons de Beau = la ,ordelaise pura simplicidade. 'rata*se de um prato muito parecido, em essncia, com Poulet !aut- e, em especial, com ,ifteck !aut- ,erc". =, de fato, prepar&*lo naquela noite fe( com que eu tivesse a impress!o de entrar num tGnel do tempo * eu permanecia diante do fog!o, derretendo manteiga, dourando carne, sentindo os odores e-alados pelo vin o e pelas c alotas *, mas os pratos mudavam diante dos meus ol os e eu ouvia 5ulia trinandoH >,oeuf ,ourguignon como Coq au Bin. Voc pode usar cordeiro, pode usar %itela, pode usar carne de porco...>
Retirei as duas metades de osso com tutano da geladeira, onde eu as dei-ara descongelando por algumas oras. 'al como o a$ougueiro do Ottomanelli avia prometido, foi f&cil e-trair o fio de tutano inteiro de seu sulco no interior do osso. Cortei*o em cubin os e o dei-ei em &gua quente por alguns minutos, a fim de amolec* lo mais, depois o coloquei no mol o #untamente com os rins fatiados e tornei a levar a panela ao fogo at que tudo estivesse bem aquecido. 5ulia di( que a pessoa pode colocar a Ma"onnaise Coll-e Knum saco de confeiteiro para fa(er decora$Nes capric adasK. . frase me dei-ou mais pirada que qualquer outra coisa que eu avia lido naquele ano * mais que miolos, mais que partir lagostas ao meio, mais at que ovos em aspic. Rmaginei um bolo coberto com flor(in as de maionese, arabescos de maionese, KParabns, 5ulieOK escrito em grandes letras cursivas. O ano de 7897 era um outro pa4s, sem sombra de dGvida. ;sei a Ma"onnaise Coll-e para decorar a travessa em que eu serviria as batatas. Como voc deve se lembrar, meu saco de confeiteiro avia rasgado na noite em que =ric quase se separou de mim por causa do meu !auce artare, de modo que tive de improvisar um com um saquin o Wiploc. ;sei*o para fa(er arabescos de maionese, flor(in as de maionese e * como KParabns, 5ulieOK me pareceu auto*elogioso demais * um VV5ulieZ5uliaK em letras cursivas em volta da borda da travessa. O que eu descobri, porm, que a Ma"onnaise Coll-e d& muito mais certo com pratos frios. '!o logo coloquei as batatas quentes na travessa, min as decora$Nes capric adas derreteram, dando lugar a borrNes irrecon ec4veis, e as letras de VV5ulieZ5uliaK foram se tornando cada ve( mais gordas e indistintas, at ficarem completamente ileg4veis. .c o que eu devia ter previsto isso. 'udo bem. F3lida ou derretida, a Ma"onnaise Coll-e caiu muito bem com as batatas saut-. =, a despeito do que di( min a m!e, os 7ognons de Beau = *a ,ordelaise n!o ficaram com gosto de mi#o, porque foram limpados com min a letal faca pr3pria para desossar e tambm porque o tutano de boi e a salsin a que eu salpiquei por cima no final lan$aram um ataque combinado contra quaisquer tra$os de urina que porventura ainda sobrevivessem nos rins * sufocando*os com sua suculncia gordurosa, aveludada, seu verdor &cido e fresco. Para acompan ar, tomamos um vin o encorpado, escuro e cu#o gosto lembrava um pouco o de sangue. . mul er que me vendera o vin o dissera que ele era KselvagemK. Como eu. Para sobremesa, uma cremos4ssima 7eine de !a1a e o segundo epis3dio da primeira temporada de ,uff". = de repente, n!o mais que de repente, estava terminado. =u passara do(e meses fa(endo aquilo. Co(in ara para amigos, familiares e para as apresentadoras de um programa da C""fn, e no meio do camin o a coisa gan ara contornos meio surreais. Porm agora est&vamos ali, e-atamente como no princ4pio * apenas eu, =ric e trs gatos, um pouco mais cansados, aboletados num sof& num subGrbio afastado, comendo. ,uff" ca$ava vampiros na 'V e, em algum lugar, 5ulia ria com satisfa$!o * ainda que,na realidade, me odiasse. %im .contece que acordei no dia seguinte e, obviamente, precisava ir trabal ar. 'in a quase me esquecido desse detal e. =, apesar de os meus rins n!o terem ficado com gosto de mi#o, na man ! seguinte meu mi#o estava com um leve c eiro de rim. =nt!o fui para o escrit3rio e tudo continuava mais ou menos como antes. L& eu ainda era apenas uma secret&ria, embora agora fosse uma secret&ria mais gorda que avia aparecido na C@F e na C""fn.
KS t!o estran o, =ric.K Liguei para ele entre um telefonema e outro de gente maluca, enquanto @onnie estava numa reuni!o =-tremamente Rmportante. KS, eu sei.K K=stou aqui na min a mesa. 'en o a sensa$!o de que o Pro#eto ainda n!o acabou e, ao mesmo tempo, de que nunca aconteceu.K K=spere at voc co(in ar alguma coisa sem manteiga, a4 ver& que acabou.K 2as ent!o resolvi fa(er um stirJr" para o #antar. 'in a me esquecido da aporrin a$!o que preparar essa fritada c inesa de carnes e legumes com mol o de so#a. "!o avia manteiga nem 5ulia, mas mesmo assim fomos comer s3 1s DD :?, de modo que continuei com a sensa$!o de n!o ter acabado. %oi ent!o que c egamos 1 conclus!o de que, para acabar pra valer, t4n amos de fa(er uma coisa sria. Precis&vamos empreender uma peregrina$!o. Rr4amos visitar a e-posi$!o de 5ulia C ild no Fmit sonian Rnstitution. Ver4amos a co(in a que 5ulia doara para o museu ao se mudar para uma comunidade de aposentados na Calif3rnia * tin a sido transplantada por inteiro da casa em que ela vivera com Paul, em Cambridge, 2assac usetts, para Ias ington, )e. )ei-ar4amos um tablete de manteiga como sinal de agradecimento. Rmaginamos que, para dar aquilo como definitivamente encerrado, n!o podia aver coisa mel or. ;m problema que o =ric tem que ele detesta dirigir. 5& eu ten o um problema que esse estran o e funesto campo de for$a, semel ante ao do 'riQngulo das @ermudas, cu#o centro o meu umbigo. Pouco antes de efetuarmos nossa peregrina$!o, esse campo de for$a provocou o sumi$o de min a carteira de abilita$!o. Cidad!o correto que , =ric #amais permitiria que eu dirigisse sem ela, o que significava que quem teria de dirigir por todo o corredor "ova /or0*Ias ington, na ida e na volta, seria o Gnico de n3s dois que realmente detestava fa(*lo. )e modo que naquela bela man ! do in4cio de setembro, quando pegamos nosso carro alugado e partimos, dava para sentir desde o come$o a fermenta$!o desse pequeno frisson de ressentimento * e n!o se esque$am de que eu e =ric n!o formamos e-atamente uma dupla de via#antes digna de participar de um realit" sho( como Corrida Milion:ria. S maravil oso passar um dia lindo fora de "ova /or0. S delicioso sentir o vento nos cabelos. = 3timo n!o perder tempo com listas de compras. O que n!o muito bom c egar a Ias ington com um mapa ruim e uma navegadora ainda pior. 2in a ideia genial foi pegar a sa4da para a Xeorgia .venue e seguir toda vida por ela at c egar ao "ational 2a;. O que descobrimos, porm, que preciso mais ou menos quin(e anos para reali(ar esse tra#eto. Quando =ric come$ou a proferir grun idos aud4veis sobre cometer araquiri com a alavanca do cQmbio, tive min a segunda ideia genial, que foi virar aleatoriamente 1 direita numa rua qualquer. )ecis!o esta que nos fe( ficar dando voltas e mais voltas, como uma +e-tremamente lenta, bolin a de fliperama, contornando rotat3rias e berrando 1 maneira de, bom, dois nova*iorquinos revoltados com pedestres que atravessavam a rua t!o devagar que era como se toda a popula$!o de Ias ington fosse retardada ou estivesse sob o efeito de drogas. S bem poss4vel que continu&ssemos l& at o#e, completamente perdidos, se n!o tivssemos topado com a PennsJlvania .venue. "unca imaginei que diria isto durante o atual governo, mas sou obrigada a fa(*loH que )eus aben$oe a Casa @ranca. =ric tin a um amigo nascido e criado em Ias ington que avia dito que era f&cil estacionar nas pro-imidades do "ational 2a;. 'alve( fosse assim em outros dias, mas certamente n!o no dia em que se reali(avam a Conferncia da .ssocia$!o "acional de 2ul eres "egras e a Reuni!o das %am4lias "egras .mericanas. . essa altura, eram duas da tarde, e n3s n!o t4n amos comido nada desde que acord&ramos. "!o sab4amos a
que oras o Fmit sonian fec ava nem onde ele ficava e tampouco onde poder4amos comprar um tablete de manteiga, coisa que t4n amos de fa(er antes de ir para o museu, porque se n!o arrum&ssemos a manteiga tudo aquilo teria sido em v!o * e avia aquelas malditas &rvores por toda parte, sem contar o mundaru de gente andando pelo parque com o mesmo passo lerdo dos que atravessavam as ruas. Ra(!o pela qual est&vamos come$ando a entrar em pQnico. O espel o dV&gua do Lincoln 2emorial avia sido drenado durante a constru$!o do assombrosamente medon o monumento da Fegunda Xuerra 2undial, por isso pudemos atravess&*lo a p. .ndamos e andamos, acalorados e at6nitos, pedindo informa$Nes aos policiais que encontr&vamos pelo camin o, esquivando*nos de crian$as com pacotes de salgadin os, parando para que =ric comprasseH +a, uma lingui$a polonesa, +b, pil as para a m&quina fotogr&fica e +c, +quando ele se deu conta, ap3s ter #ogado fora as pil as vel as, as quais ele avia comprado cerca de uma semana antes, e colocado as novas e ter se indignado porque a lu(in a Ksem pil aK continuava piscando e termos ent!o percebido que na realidade era a lu(in a Ksem filmeK que estava piscando, de que as pil as vel as, a essa altura perdidas no interior de uma lata de li-o, cobertas de 0etc up e a$Gcar de confeiteiro, na realidade estavam boas, um rolo de filme. "ossas c ances em rela$!o 1 manteiga pareciam m4nimas. Quem nunca esteve l& talve( n!o saiba, mas os arredores do "ational 2all s!o um bom lugar para ver edificios governamentais grandes e cin(entos, est&tuas de presidentes e livrarias, mas n!o para encontrar uma mercearia. Perguntei ao gerente do restaurante EarrJVs se ele podia me vender um tablete de manteiga. O su#eito n!o era nova*iorquino * o que foi poss4vel constatar porque ele n!o reagiu como um imbecil *, porm n!o p6de me a#udar, #& que o EarrJVs no usa manteiga. O que me dei-ou pasmada e me fe( pensar que, embora aquele povo com passo de tartaruga fosse muito gentil e n!o obstante todas aquelas &rvores serem ador&veis, eu realmente n!o seria capa( de viver em Ias ington. O gerente do EarrJVs disse, todavia, que n3s provavelmente encontrar4amos manteiga na drugstore cvs, a trs quarteirNes dali. = de fato encontramos. 2uito bem. =st&vamos prontos. =ram 7< :?. =ric avia comido sua lingui$a e t4n amos em m!os tanto a manteiga como a m&quina fotogr&fica e o filme que nos permitiriam documentar a oferenda. C egamos ao Fmit sonian e entramos na fila para passar pelo escrut4nio da seguran$a do museu. .gora era s3 dar um #eito de esconder a manteiga. ;ma coisa sobre mim que talve( vocs n!o saibam, porque tambm n!o algo de que eu saia por a4 me vangloriando, que eu sou uma pessoa muito conscienciosa. "!o, isso n!o de todo verdade, n!o sou t!o onesta assim, nem t!o educada * que diabo, nem limpa eu sou. .c o que eu sou covarde. Quando crian$a, eu me via um pouco como Fcarlett OVEara * cora#osa, desembara$ada, impiedosa, irresist4vel. Eo#e em dia, porm, na maior parte do tempo me identifico apenas com o coment&rio que R ett fa( quando Fcarlett di( a ele que tem medo de ir para o infernoH KVoc como um ladr!o que n!o lamenta o roubo que cometeu, e sim ter sido apan ado em flagranteK. "ada me perturba mais do que a perspectiva de ser apan ada em flagrante. = sou capa( de coisas orr4veis para evitar que isso aconte$a. Por acaso sinto orgul o de ter me oferecido para segurar a moc ila de =ric enquanto ele amarrava o sapato e aproveitar para colocar sorrateiramente a embalagem de manteiga Land OVLa0es ali dentroL Porventura me orgul o de ter usado =ric como meu avi!o, a fim de que, na eventualidade de um daqueles guardas encontrar a muamba * aqueles guardas corpulentos que tin am cassetetes presos aos cintos e usavam pequenas lanternas para e-aminar o interior dos sacos ou das sacolas *, ele se ferrasse no meu lugarL Claro que n!o. =nvergon o*me do que fi(. = s3 o que posso di(er em min a defesa que os guardas n!o deram a m4nima
para a moc ila do =ric e sua manteiga. Passamos por eles sem o menor problema, depois avan$amos a passos largos por um sagu!o comprido e amplo e em dois tempos est&vamos l&H a e-posi$!o de 5ulia C ild. Rmagens de 5ulia e entrevistas sobre ela com outras pessoas repetiam*se na tela de uma grande televis!o instalada numa sala relativamente acan ada. 5unto 1s paredes, viam*se fileiras e mais fileiras de cai-as, nas quais se e-ibiam alguns dos estran os e assombrosos utens4lios de co(in a da enorme cole$!o de 5ulia * uma geringon$a c amada manch- gigot, que lembrava um crudel4ssimo prendedor de mamilos, o mesm4ssimo ma$arico que eu a vira usar para c amuscar um tomate. =-postas numa parede, estavam as de(essete p&ginas da receita de p!o francs que 5ulia inclu4ra no segundo volume de MtAoFC 0 se eu pensava que depois do POt- de Canard en CroMte nada mais me assustaria, eu estava redondamente enganada. = ent!o avia a co(in a, circundada por vidro. 2enor do que eu pensava, n!o t!o superior 1 nossa em magnitude quanto eu imaginava. .s t&buas dotadas de ganc os, marcadas com o perfil de suas inGmeras panelas. O enorme e belo forno Xarland. .s lustrosas bancadas de bordo, cinco cent4metros acima da altura padr!o. =ra a co(in a que 5ulia constru4ra sob medida para si depois de passar metade da vida espremendo o corpan(il nas co(in as de um mundo e-cessivamente pequeno. =ncostei*me ao vidro, espic ando o pesco$o para observar todos os cantos e recantos. )ese#ei poder entrar ali um minuto que fosse e sentir*me diminu4da dentro da co(in a de 5ulia C ild. Eavia trs criancin as sentadas no carpete em frente 1 'V. =nquanto aguard&vamos que o lugar ficasse va(io para que eu pudesse dei-ar a manteiga com tranquilidade, pus*me a observ&*las. =stavam sentadas com as pernas cru(adas, as cabecin as t!o inclinadas para tr&s que por pouco n!o tocavam as costas recurvadas, as bocas abertas para que pudessem respirar por elas. %icaram a maior parte do tempo em silncio, salvo por uma risadin a ou outra quando 5ulia atirava um rolo de macarr!o por cima do ombro ou coisa do gnero, quando uma delas sussurrou com assombroH K=ssa 5ulia C ild louca>. Passei algum tempo sem saber se era apenas a televis!o e-ercendo sua atra$!o ipn3tica sobre mentes #ovens. 2as ent!o 5ulia deu lugar a .lice Iaters e, mais r&pido do que voc seria capa( de di(er Kpra perfeitaK, as crian$as se levantaram e correram para a sala dos carros antigos. .inda esperamos um bom tempo para que o lugar ficasse va(io, mas as pessoas n!o arredavam p. Covarde ou n!o, eu tin a que acabar com aquilo. K=ric, me d a manteiga e pegue a m&quina.K K2as a manteiga n!o est& como vocLK KS... n!o.K .bri um sorriso acan ado e apontei. K=st& a4 dentro.K =ric tirou a embalagem de Land OVLa0es da moc ila, estupefato com a descoberta de min a trai$!o * mas aquela n!o era ora para discussNes. K.gora pegue a cQmera. Vamos dar um fim nisso.K "!o avia a menor dGvida quanto ao lugar onde dei-ar a oferendaH tin a de ser no meio da e-posi$!o, debai-o de uma grande foto em preto*e*branco de 5ulia envergando um avental de chef e uma camisa de polister t4pica dos anos 78B?, o quadril empinado, um sorriso largo estampado no rosto. Eavia at uma prateleira estreita sob a foto,como se aquilo de fato fosse um santu&rio e se esperasse que os peregrinos dei-assem oferendas ali. Fegurei a manteiga por um momento nas m!os e contemplei a foto. =ra uma boa foto, um e-celente retrato. 5ulia parecia af&vel, vigorosa e faminta, dona de ombros largos, rosto amplo e mente generosa, e-atamente como eu a vira todas a noites dos Gltimos do(e meses, quando ela se pun a a matraquear dentro da min a cabe$a. . 5ulia que vive numa comunidade de aposentados em Fanta @arbara talve( ac e que eu sou uma
arrivista(in a leviana de boca su#a. Fe eu encontrasse essa 5ulia, bem poss4vel que nem gostasse dela. 2as eu gostava muito da 5ulia que abitava min a cabe$a * que, afinal, era a Gnica que eu realmente con ecia. = maisH a 5ulia da min a cabe$a tambm gostava muito de mim. KPois bem, 1on app-tit, Julia. = obrigada. 2uito obrigada.K Coloquei a manteiga debai-o da foto * e sa4 correndo feito uma louca, morrendo de rir, com =ric no meu encal$o. = foi isso, srio. ;ma secret&ria, abitante de Queens, colocou em risco seu casamento, sua sanidade mental e o bem*estar de seus gatos para preparar todas as <D> receitas de Mastering the Art of French Cooking 0 um livro que mudou a vida de muitas donas de casa americanas * tudo isso em um Gnico ano. O mesmo ano em que ela completou :? anos de idade. %oi a coisa mais dif4cil e mais cora#osa de sua vida, a mel or coisa que uma covarde como ela #& avia feito, e n!o poderia t*la feito sem 5ulia. %im
Junho de 2343 Paris, FranDa >,om, Paulski, fui l: e fiz.> >Benha c:, de1ruce na )anela, assim consigo pegar os telhados atr:s de %oc?. Fez o qu?C' >Arrumei um pro)eto para mim.> Minette su1iu no peitoril da )anela em que ela ha%ia se de1ruDadoK Julia afogou as orelhas da gata e sorriu para a cOmera. Paul clicou uma %ez, a%anDou o filme, clicou de no%o. A luz P:lida que incidia no apartamento naquela tarde parecia ter o propLsito de em1elezar os planos sua%es e largos do rosto de sua mulher. Fotografar sempre o dei;a%a de 1om humor. >,om, e qual - o pro)etoC> >Bou lhe mostrar 0 no saia daJ, %olto num minuto.> Ela se afastou da )anela e, com passos pesados, seguida por Minette, atra%essou o corredor rumo ao quarto do casal. Paul ou%iu0a re%irando pap-is em meio = desordem de sua escri%aninha. Pouco depois, ela reapareceu. inha um formul:rio diante de si. >Bou estudar numa classe com onze %eteranos 0 o E;-rcito est: pagando tudo. !erei a 6nica mulher, por isso acho que - 1om %oc? ficar de olho em mimH> Paul tomou a folha mimeografada das mos de Julia para poder ler melhor. >Cordon ,leu, heinC A escola de culin:riaC Bai aprender a cozmharC> Julia riu com satisfaDo. >Ah, - 1em mais que isso. T um curso profissionalizante, para c efs. /,uando terminar, poderei ser uma restaurateur, se quiser. J: pensei at- num nome para o lugarI Chez Paulski. /ue talC> >Para mim est: 9timo.> Paul de%ol%eu oformul:rio de inscriDo para Julia e a a1raDou. /uando ela o a1raDou tam1-m, quase que1rou suas costelas. >Bou aprender a cozinhar para %oc?, querido. #o 0 %ou dominar a arte da culin:ria para %oc?. .a0.AH> Paul tirou outra foto da mulher, que pegara Minette e a suspendera acima da ca1eDa, para enorme consternaDo da gata. >/uer sa1erC Esse curso de culin:ria pode ser a soluDo ideal para %oc?, Julia.> Ela se %irou para ele com uma e;presso su1itamente refle;i%a. >!a1e de uma coisaC Acho que pode ser mesmo.> Ela riu, e ele riu com ela. > al%ez se)a um no%o comeDo para esta %elha garotaH>
7om& ainda n+o foi dessa vez ;ma coisa que estou aprendendo sobre o KfimK que ele n!o tarda nem se apro-ima de forma sorrateira de voc. Porque KterminarK algo que simplesmente n!o acontece. ;ma semana antes do fim do Pro#eto, comprei duas garrafas de c ampan e. .bri uma na penGltima noite, com FallJ e XPen, numa espcie de Comemora$!o do %im +Vers!o Com 'estemun as,. . segunda eu pretendia abrir durante a Comemora$!o do %im +Vers!o antima,. .contece que n!o a abri, porque a coisa n!o estaria realmente terminada enquanto o Gltimo prato n!o estivesse lavado, n!o mesmoL = n3s n!o t4n amos a menor inten$!o de lavar pratos naquela noite. = ent!o tivemos a idia de fa(er a Peregrina$!o a 5ulia, e esse foi de fato o %im. F3 que a4 eu estava para assinar o contrato para escrever este livro e, quando isso aconteceu, pensei que podia dar a(ar comemorar antes de eu ser paga ou de largar meu emprego de secret&ria ou de arrumar um cac orro ou de terminar o livro ou ou ou... S tudo mentira, 3bvio. S claro que bebemos a segunda c ampan e naquela noite * digam*meH & alguma passagem nestas tre(entas e poucas p&ginas que poderia levar algum a crer que eu seria capa( de dei-ar uma garrafa de c ampan e passar um ano inteiro na geladeiraL "!o, nen uma. Porm n!o dei-a de ser um bom argumento. Com um livro f&cil * distinguirM escrever +como voc pode ver, nem sempre *, mas o que pode ser classificado como %im quando se trata da vidaL Passei o Gltimo ano me preparando para esse momento, mas por alguma ra(!o a solu$!o, uma solu$!o 3bvia, claro, s3 me ocorreu quando era tarde demais. =u estava trabal ando no livro naquela man ! de se-ta*feira * a essa altura eu estava sempre trabal ando no livro, se bem que, para ser franca, Karrancando os cabelos por causa do livroK talve( fosse uma descri$!o mais apropriada * quando o telefone tocou. Como de costume, dei-ei que a secret&ria eletr6nica atendesse, e nem sequer me preocupei em desviar min a aten$!o para identificar a vo( do outro lado da lin a. VV5ulieL 5ulesL Voc est& a4L Fe estiver, atenda.K 'odo mundo tem pavor da vo( familiar que soa na secret&ria com a neutralidade do sofrimento disfar$ado. S a vo( que se ouve logo ap3s os acidentes de carro e os div3rcios, as doen$as e as mortes. %ui correndo atender ao telefone. K2!eL O que foiLK KVoc n!o soubeL . , meu an#o, coitada...K = min a m!e come$ou a c orar. 5ulia C ild avia morrido 1s vsperas de completar 8D anos. 'in a sido uma morte tranquila, durante o sono. 2in a m!e me ligou assim que ouviu a not4cia no r&dio, naquela man !, quando estava a camin o do trabal o. =la continuava no carro, parada em frente ao escrit3rio, solu$ando no celular. K2al posso imaginar o que isso deve representar pra vocK, disse ela. K)epois de tudo o que voc passou.K "!o con eci 5ulia C ild. "unca a vi pessoalmente. . uma carta que l e escrevi, ela respondeuH KObrigada por suas palavras afetuosasK. =stava impressa num papel timbrado personali(ado. K%ico feli( em saber que e-erci uma influncia t!o positiva sobre voc.K "!o sei se ela de fato escreveu isso ou n!o. . assinatura, pelo menos, parece que dela. 2esmo que a tivesse con ecido, n!o poderia encarar como tr&gica uma morte t!o pac4fica ap3s uma vida t!o longa, rica e generosa. S a morte com que todos n3s son amos * bom, tambm tem aquela em que voc descobre que est& com um cQncer terminal na cabe$a e vai e mata um desses plutocratas fil os*da*puta que est!o acabando com a democracia americana antes de ser letalmente alve#ada pela pol4cia em meio a uma c uva de gl3ria. O0, o0, talve( s3 eu son e com essa.
"!o era uma tragdia * era no m&-imo uma oportunidade para a celebra$!o de uma vida vivida com suprema gra$a, n!o obstante seu aspecto um tanto desengon$ado. Rsso eu intui imediatamente. =stava muito calma e n!o senti triste(a nen uma, pelo menos n!o no princ4pio. KObrigada por me avisar, m!e.K =la fungou. KVoc vai ficar bemL Precisa de alguma coisaL = o blogL Vai escrever um postL )evem estar todos t!o tristes.K Fua vo( tornou a fal ar. K=u estou bem. )aqui a pouco escrevo alguma coisin a. ) uma ol ada no blog mais tarde, t& bomLK =u sabia que precisava escrever alguma coisa, muito embora estivesse avia muitos meses sem postar nada. Fabia que as.pessoas acessariam o blog para ver se eu tin a algo a di(er. Queria escrever para 5ulia o mel or, o mais engra$ado, o mais formid&vel in memoriam que algum #& escreveu. Pus m!os 1 obra e, permitam*me di(*lo, logo estava a mil. 2in a cabe$a pululava com frases engra$adas, comoventes. =u conseguia di(er coisas inteligentes e sinceras e tristes e gratas e alegres. =stava com tudo e n!o estava prosa. =nt!o escrevi istoH K"!o ten o nen um direito sobre essa mul er, salvo o direito que tem aquele que estava quase se afogando sobre a pessoa que o tirou do marK. = comecei a c orar, e c orei tanto que tive de parar de escrever. )ois anos atr&s, eu era uma secret&ria de D8 anos. Eo#e sou uma escritora de :7. Recebo um bom din eiro para ficar em casa de pi#ama, teclando no meu ridiculamente estiloso i2ac, e-ceto quando opto por tirar uma soneca. Fintam*se 1 vontade para me odiar * eu decerto o faria. =ric e eu continuamos morando em nosso apartamento(in o de Long Rsland CitJ +mas, se o livro vender bem, daremos imediatamente o fora,. .gora =ric que tem um empreguin o ma$ante. S o mesmo emprego, com a diferen$a de que ele foi promovido * mas, como tudo relativo, agora o emprego dele que um saco. Porm agora temos um cac orro, e isso a#uda =ric a suportar a pentel a$!o que o seu emprego. O nome do nosso cac orro Robert, ele pesa >A quilos e adora se encostar nas pessoas. =st& viciado em osso de galin a, mas fora isso perfeito. =m breve come$aremos a tentar ter um fil oM se conseguirmos ter um beb umano t!o bom quanto o nosso cac orro beb, poderemos nos considerar feli(ardos. Rsabel foi em frente e se casou com seu namorado pun0. =st!o morando em @at , no ms passado abriram uma livraria e v!o come$ar a tentarengravidar. C egam a ser no#entos de t!o feli(es, e-atamente como Rsabel previu que seriam. Fintam*se 1 vontade para odi&*los tambm. 2as, se um dia forem a @at , passem na livraria para dar um al6. = comprem meu livro enquanto estiverem por l&. . XPen continua trabal ando com cinema. Vem sempre comer com a gente. "!o fumamos nem bebemos tanto quanto antes, mas ainda assim muito bom. "o fundo, at mel or. . FallJ est& 3tima, e o nome do cara com quem ela anda saindo Fimon, o que, preciso confessar, um al4vio. 2eu irm!o passou os meses que antecederam 1 elei$!o de D??> no "ovo 2-ico, tentando a#udar a eleger 5o n _errJ, o candidato democrata 1 presidncia. .gora que isso foi para o bre#o, ele n!o sabe o que vai fa(er, mas, se anda com idias lun&ticas de assassinar o presidente, n!o contou pra ningum. . agncia governamental onde eu trabal ava selecionou um pro#eto de monumento para as v4timas dos atentados de 77 de setembro de D??7. 'odo mundo abominou a escol a, mas tambm, o que vocs queriamL Pessoalmente, n!o ac ei ruim. "ate, o gnio do mal, acabou se casando e, por incr4vel que pare$a, sua mul er uma gra$a de pessoa.
)e modo geral, a vida est& bastante boa. Quer di(er, n!o o meu principado esclarecido, mas n!o ten o do que me quei-ar. = tudo por causa de 5ulia. "!o digo isso s3 porque escrever um blog sobre ela foi o que me proporcionou os quin(e minutos de fama que eu ent!o consegui transformar no que at agora tudo indica que +trs batidin as na madeira, ser& uma aposentadoria definitiva dos bicos com os quais eu gan ava a vida. +2ais trs batidin as para isso., O que n!o quer di(er que fa(er um blog sobre algum como )avid Ftrat airn ou 5ason @ateman pudesse atrair a mesma aten$!o que recebi por blogar sobre 5ulia C ild +meninos, n!o levem a mal, vocs sabem que adoro vocs. Liguem pra mimO,. "!o, o que estou querendo di(er o seguinteH 5ulia me mostrou o que preciso para uma pessoa encontrar seu camin o no mundo. "!o o que eu pensava que era. =u ac ava que isso tin a a ver com... sei l&, confian$a, persistncia, sorte. "!o que n!o se#a bom possuir essas coisas, claro que . 2as & outro elemento, e dele que elas vm. .legria. =u sei, eu sei * que palavrin a mais irritante, n!o L %ico arrepiada s3 de digit&*la. Penso logo em cartNes de "atal ou em sessentonas neP*age com uns c apus ro-os bem molengas na cabe$a. 2as a mel or palavra que ten o para descrever a satisfa$!o impetuosa, quase violenta, que o leitor encontra no te-to do primeiro livro de 5ulia. Lendo suas instru$Nes para preparar um mol o bec amel, o que fica vibrantemente claro para mim que ali est& uma mul er que encontrou seu camin o. 5ulia C ild come$ou a aprender a co(in ar porque queria poder comer bem com seu marido, porque se apai-onou tarde, mas perdidamente, pelos pra(eres da boa mesa, porque estava em Paris, porque n!o sabia que outra coisa fa(er de si mesma. 'in a :B anos. =la encontrara o amor, e o amor era maravil oso. .prendera a comer, e isso tambm era muito bom. 2as n!o bastava. = bem prov&vel que ela pensasse que, se at os :B anos n!o descobrisse o que era essa coisa que ainda l e faltava, n!o a descobriria nunca. 2as ent!o, numa escola parisiense de culin&ria, ela descobriu. Custei muito a entender isso, mas o que desde o princ4pio me atraiu em 2t.o%C foi o aroma de esperan$a e descoberta de reali(a$!o profundamente inscrito em suas p&ginas. =u ac ava que estava usando o Livro para aprender a co(in ar comida francesa, mas no fundo estava era aprendendo a fare#ar as portas secretas da possibilidade. Ts ve(es, para ser feli(, preciso fugir para @at e casar*se com um pun0. Ts ve(es, preciso tingir o cabelo de a(ul*cobalto ou vagar por il as remotas na Fic4lia ou preparar, ao longo de um ano, todas as receitas de 2astering t e .rt of %renc Coo0ing sem nen uma ra(!o em particular. %oi isso que 5ulia me ensinou. "as semanas que se seguiram 1 morte de 5ulia, muita gente aproveitou para dar seu pitaco sobre Como 5ulia 2udou o 2undo ou O Que 5ulia Fignificou para 2im ou, mais raramente, Por Que 5ulia "!o =ra 'udo Rsso. 'ais declara$Nes tendem para o egocentrismoH K=u vi 5ulia nesse e naquele restauranteK, ou KO meu sei* l&*que*prato*de*#ulia simplesmente sensacionalK, ou K"unca engoli a opini!o de 5ulia sobre isso*ou*aquilo...K )eus testemun a de que tambm sou culpada desse crime. Parece que & alguma coisa em 5ulia que fa( vir 1 tona o narcisismo das pessoas. =u, na realidade, sou a pior de todas, porque fico com os dois ps atr&s quando algum come$a a falar sobre ela. 'endo a ac ar que ningum entende o que5ulia tem de t!o especial, que n!o a saca como eu. .lgum pode ser mais narcisista que issoL Fobretudo levando
em conta que, at onde sei, 5ulia dei-ou este mundo ac ando que eu n!o passava de uma fulanin a arrogante, imprest&vel e vulgar. Para quem n!o acredita no cu, a morte o K%imK mais definitivo que pode aver. Por mais ador&vel que se#a a ideia, n!o acredito que 5ulia este#a no cu, comendo sole meunire com Paul. .credito que o corpo dela est& enterrado * sob uma l&pide lind4ssimaM dou uma c ance para vocs adivin arem qual o epit&fio * e o crebro, o cora$!o, o umor e a e-perincia que fa(iam daquele corpo 5ulia se e-tinguiram. 'udo o que restou deles o que ainda reside em nossa mem3ria. 2as isso tambm uma espcie de vida ap3s a morte, n!oL =, para uma mul er como 5ulia, ainda mel or que se#a assim. Quando eu estava no colgio, tive um professor de teatro particularmente nefasto. S uma ist3ria e tanto, daria outro livro * mas s3 enveredei por ela agora para di(er istoH ele morreu, mas continua vivo na min a mem3riaM s3 que a lembran$a que guardo dele a de um fil o*da*puta insens4vel, manipulador e infeli(. = isso n!o #eito de se passar a eternidade. Com 5ulia, porm, diferente. =m ve( de ficar (an(ando por um cu piegas e mal* a#ambrado, tentando descobrir como fa(er para arrumar um verdadeiro linguado de )over, ela perambula pelos aposentos da min a cabe$a, preparando assados num bom e parrudo fog!o Xarland, bebendo seu vin o e se divertindo como nos bons e vel os tempos. =la tem sua rotina e 1s ve(es bem teimosa, mas #& n!o clarifica manteiga, pois c egou 1 conclus!o de que o esfor$o n!o vale a pena, o que significa que continua disposta a aprender coisas novas. =, como eu l e dei um lugar para dormir, #& n!o ac a que sou uma fulanin a arrogante, imprest&vel e vulgar. .o contr&rio, agora ela me v como uma mul er formid&vel. Pelo menos o que pensa a 5ulia que vive na min a cabe$a. E& mil ares e mil ares delas em cabe$as espal adas pelo mundo inteiro, mas essa 5ulia min a. Praticamente todas as coisas escritas sobre 5ulia ap3s sua morte terminam da mesma maneira * inclusive a que escrevi no meu blog naquele dia. S a frase com a qual durante quarenta anos ela encerrou seu programa na 'V. =st& gravada na l&pide do tGmulo dela, meu )eus. 2as n!o farei isso. "!o, n!o farei. Porque, embora se#a algo afetuoso, em Gltima an&lise n!o fa( sentido. "!o transmite tudo o que 5ulia significou para mim * a 5ulia que est& ainda agora na min a cabe$a, di(endo essa frase, pronunciando*a com um guinc o esgani$ado, qual uma adolescente desmioladaH K@on .aa *K "!o. Vamos di(er apenas K%imK e dei-ar por isso mesmo. . , e obrigada. Obrigada por tudo.
.gradecimentos
Como todo e qualquer escritor sobre a face da 'erra * e, em especial, todo escritor ine-periente e perdido * ve#o que & uma quantidade infinita de pessoas a quem devo agradecer. S a primeira ve( que fa$o isso, e sei que vou acabar me esquecendo de algum. Portanto, pe$o desculpas antecipadas por suscetibilidades eventualmente feridasH Obrigada a * =ric, claroM min a m!e, meu pai e meu irm!o 5ordanM Eanna , Eelen e =mM as )uas 'e-anas e todas as suas pu-a*sacosM os seis democratas de min a e-*agncia governamental * especialmente .nita, 5o n, F aron e _atie, mas tambm @en, Peter, C ris, .mJ, )avid e... +Ops, #& passou de seis, n!oL,M =li(abet Xilbert, que, l& do .feganist!o, em vinte minutos me tirou de uma friaM Fara C alfant, que me tirou de v&rias outras friasM 2ollJ, que no Gltimo minuto me lembrou das virtudes da inconsistnciaM 5udJ Clain, por acreditar em mimM =ric Fteel, por acreditar em mim ainda maisM e todos os que em algum momento leram meu blog, mas especialmente aqueles que se tornaram como um membro da fam4lia para mim.