Tercia Ataide Franca Teles

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Linguagem e identidade social uma abordagem sociolingstica

Trcia Atade Frana Teles (Secretaria de Estado de Educao do Distrito Federal) [email protected] RESUMO: A lngua constitui-se em uma atividade essencialmente social.O fato de a lngua ser condicionada e modelada pela realidade social e cultural faz dela tambm um instrumento poltico que representa reflexos significativos no processo de aprendizagem de alunos provenientes de classes populares.No caso especfico da comunidade brasileira, h de se levar em conta o fato de a lngua-padro estar diretamente ligada classe dominante.Disso decorre que as variedades no-padro e seus falantes serem altamente estigmatizados dentro da nossa sociedade.O estigma associado aos traos do dialeto do aluno um dos fatores de discriminao e inferiorizao do sujeito e de toda uma classe social, incluindo sua histria e sua cultura.Considerando que somente um olhar global sobre o ser humano capaz de superar o desafio da complexidade de nosso mundo e de nossas relaes, o presente artigo prope uma anlise da relao do sujeito, oriundo de classes populares, com a aprendizagem da norma culta da lngua, numa perspectiva educacional intercultural e transcultural. Plavras-chave:Lngua, Desigualdade Social, Linguagem, Aprendizagem

1. Lngua e Linguagem A lngua um bem comum a todos, determinante territorial e cultural de um povo. No podemos pensar em lngua melhor ou pior, lngua superior ou inferior num pas onde a diversidade lingstica to marcante. Nenhuma outra caracterstica distingue to bem o homem dos outros animais como o domnio da linguagem. Ela tem sido o eixo central do desenvolvimento social e cultural da humanidade. A importncia dos processos comunicativos nas sociedades urbanas e industriais revela-se na habilidade do falante em usar a sua lngua para interagir com seus semelhantes comunicando seus pensamentos, sentimentos e aes por meio de um sistema de signos vocais a lngua. Como o ser humano dispe de inmeras possibilidades para comunicar-se, cada lngua corresponde expresso de uma escolha entre as vrias possibilidades lingsticas, apresentando variaes relevantes em funo de valores sociais, regionais, de faixa etria, de situao econmica, etc. A lngua como um sistema de possibilidades oferece um conjunto flexvel no que diz respeito s regras de seleo, combinao e substituio sem comprometer ou alterar a interao. o que entendemos por variao lingstica. No h hierarquia entre os usos variados da lngua assim como no h uso lingsticamente melhor que outro. Em uma mesmo comunidade lingstica, portanto, coexistem usos diferentes, no existindo um padro de linguagem que possa ser considerado superior. As pessoas no falam do mesmo modo e at uma mesma pessoa no fala sempre da mesma maneira. 2. Linguagem e Identidade Social Segundo Le Page (1980), todo ato de fala um ato de identidade. A linguagem o ndice por excelncia da identidade. As escolhas lingsticas so processos inconsciente que o falante realiza e est associado mltiplas dimenses constitutivas da identidade social e aos mltiplos papis sociais que o usurio assume na comunidade de fala. O que determina a escolha de uma ou outra variedade a situao concreta de comunicao. A histria da colonizao do Brasil mostra o processo de formao da nossa lngua luz dos aspectos mais marcantes para a diversidade lingstica presente em nosso territrio, um pas monolnge. Pr exemplo a lngua trazida para o Brasil pelos portugueses conservou-se, nos grandes centros de colonizao
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no litoral, onde havia constante intercmbio comercial e cultural com a metrpole, bem semelhante modalidade lusitana, distinguindo-se dela, porm, em alguns traos. Com relao aos vernculos rurais, observa-se um maior distanciamento da norma portuguesa, pois nessa modalidade, possivelmente, foi mais acentuada a influncia das lnguas indgenas e dos falares dos negros que vinham para o Brasil dominando ou no o dialeto crioulo que j se institura na frica, em colnias tambm portuguesas. A atribuio de prestgio a uma variedade lingstica decorre de fatores de ordem social, poltica e econmica. Ao longo de toda a histria brasileira, o portugus falado pelas classes mais favorecidas tem sido a variedade prestigiada em detrimento da todas as outras, a chamada norma-padro ou lngua-padro, a que foi eleita como representativa de um pas, ensinada e aprendida na escola. Quando uma variedade de lngua eleita variedade padro, ela ganha alta condio social (status) e passa a ser instrumento de dominao sobre as demais variedades que passam a ser consideradas inferiores, devido a uma viso preconceituosa, perpetuada de alguma maneira pr meio das regras impostas pela gramtica da lngua escrita, que legitima a linguagem padro como nica. No caso do Brasil, a norma-padro atual foi determinada pelas mudanas de plos econmicos, polticos e culturais do pas e reforada pelo preconceito que impe uma suposta superioridade do falar urbano (dos escolarizados, letrados) sobre o falar rural (dos analfabetos ou com pouco letramento). 3. Classe Social e Aprendizagem No Brasil, as diferenas lingsticas no so seriamente levadas em conta.A escola norteada para ensinar a lngua da cultura dominante e tudo o que se afaste desse cdigo defeituoso deve ser eliminado. O ensino sistemtico da lngua de fato uma atividade impositiva, a escola, porm no pode ignorar as diferenas sociolingsticas. sabido que o comportamento lingstico um indicador claro da estratificao social, os grupos sociais so diferenciados pelo uso da lngua e que o prestgio do portugus culto, padronizado pelas gramticas, dicionrios e cultivado na literatura e em diversos domnios institucionais da sociedade no se restringe apenas aos grupos de seus usurios, o cidado erudito que tem a lngua-padro como meio natural de comunicao, mas perpassa todos os segmentos sociais inclusive as classes mais populares, que demonstram uma valorizao em relao boa linguagem, fala daqueles que tm estudo. A importncia relevante para a populao de baixa renda ter acesso lngua-padro corresponde a um fator de mobilidade social do indivduo. Dominar a lngua falada pelas classes mais favorecidas pode favorecer o acesso a nveis superiores de ensino e a melhores condies de trabalho alm de poder exercer com plenitude seus direitos de cidado ao ter acesso aos textos impressos disponveis para a leitura; jornais, revistas, livros, peridicos etc. Porm o acesso lngua-padro no deve ser um processo de transio de uma cultura para outra, mas sim de ampliao do universo cultural do indivduo.Sem acesso leitura e a escrita, uma grande parte de brasileiros fica excluda de prticas sociais de letramento que lhes proporcionam melhor integrao e condio de exerccio de sua cidadania. possvel dizer que a educao lingstica de cada indivduo comea logo no incio de sua vida, quando em interao com a famlia, adquire a lngua materna.Neste processo, que prossegue ao longo de toda a infncia e mesmo alm, a pessoa vai aprendendo as normas de comportamento que regem a vida dos diversos grupos sociais, cada vez mais amplos e variados em que ela vai ser chamada a se inserir.Ningum negaria que h diferenas no comportamento e no uso da lngua entre os grupos sociais que se formam ao longo desse processo, a lngua em si mesma um importante meio de manuteno da identidade do grupo, como j foi dito.O que se deve questionar se tais diferenas causam problemas educacionais. Segundo Bortoni (2005), no desenvolvimento das aes da sociolingstica educacional, o primeiro princpio a considerar que a influncia da escola na aquisio da lngua no deve ser procurada no dialeto vernculo do falante em seu estilo mais coloquial -, mas sim em seus estilos formais, monitorados. no campo da linguagem monitorada que as aes de planejamento lingstico tm influncia.O vernculo o
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estilo mais espontneo infenso ao da escola, excetuando, naturalmente, as possibilidades de influncia de um dialeto em outro. Os estudos etnogrficos de Philips (1972), Piestrupp (1973) e Brice-Heath (1983), entre outros, demonstraram que as estratgias de recriao em sala de aula de padres prprios da cultura das crianas atingem bons resultados.A simples exposio a um outro dialeto no domnio da escola ou pela mdia no acarreta mudanas no repertrio bsico de um falante. Labov & Harris (1986). quase intil corrigir a fala da criana em sala de aula, os professores no conseguem mudar o modo de falar das crianas contra a presso da famlia e dos grupos a que pertencem em seu meio social. Aprender, em qualquer disciplina escolar tem a ver com compreenso e interpretao, com a relao entre conhecimento acadmico e conhecimento do mundo real.As crianas so naturalmente curiosas e capazes de descobrir por si mesmas, por isso muito mais interessante estimular nas aulas de lngua um conhecimento cada vez maior e melhor de todas as variedades scio lingsticas, para que o espao de sala de aula deixe de ser um local para o estudo exclusivo das variedades de maior prestgio social e se transforme num laboratrio vivo de pesquisa do idioma em sua multiplicidade de formas e usos. Os PCN contempla a necessidade de superao do isolamento das reas, pois se objetiva que a produo de conhecimento na escola contemple a multiplicidade, onde se considera a diversidade cultural presente no espao escolar. Ao extrapolar as atividades curriculares, o ensino da lngua visa construo de uma escola comprometida com a transformao social, permitindo o conhecimento crtico da realidade, onde a educao para a cidadania possibilitar que questes sociais sejam apresentadas para uma maior reflexo, procurando desenvolver no ser humano a conscincia que atravessa o ensino da lngua, impondo uma outra viso sobre ela mesma. 4. Concluso Com base em tudo que foi aqui apresentado, podemos concluir que no possvel aprendizagem sem cultivar o campo do sujeito e sem respeitar as suas razes, a cultura na qual ele est inscrito. Por isso devemos pensar a educao sempre em termos interculturais e transculturais numa perspectiva transdisciplinar, que leve em considerao todas as dimenses do ser humano.

Referncias Bibliogrficas BAGNO, M., STUBBS, M., e GAGN, G. Lngua Materna: letramento, variao & ensino. So Paulo: Parbola, 2002. BRICE-HEATH, S. Ways with Words. Cambridge: Cambridge University Press, 1983. BORTONI-RICARDO, S. M. Ns cheguemu na escola, e agora? Sociolingstica & educao. So Paulo: Parbola, 2005. LABOV, W. & HARRIS, W. A. De Facto Segregation of Black and White Vernaculars. In: SANKOFF, D. (org.). Diversity and Diachrony. Amsterdam: Jhon Benjamins B. V. 1986. LE PAGE, R. B. Projection, Focursing and Diffusio. York Papers in Linguistics. 1980. MEC (Ministrio da Educao) Parmetros Curriculares Nacionais. Lngua Portuguesa. Braslia, MEC.1998. PHILIPS, S. Participant Strutures and Communicative Ccompetence: Warm Springs Children in Community and Classroom. In: CAZDEN, C., JHON, V. & HYMES, D. (orgs.). Fundacions of Language in the classroom. New York: Teachers College Press. PIESTRUPP, A. Black Dialect Interference and Accommodation of Reading Instruction in First Grade. Monogrophy n 4. Berkeley: Language Behavior Research Laboratory.

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