Cesário Verde - Ficha Informativa

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Ficha Informativa sobre Cesário Verde

Características realistas:

• Supremacia do mundo externo, da materialidade dos objectos; impõe o real


concreto à sua poesia.

• Predomínio do cenário urbano (o favorito dos escritores realistas e naturalistas).

• Situa no espaço e no tempo as cenas apresentadas (ex: «Num Bairro Moderno» -


«dez horas da manhã»).

• Atenção ao pormenor, ao detalhe.

• A selecção temática: a dureza do trabalho («Cristalizações» e «Num Bairro


Moderno»); a doença e a injustiça social («Contrariedades»); a imoralidade das
«impuras», a desonestidade do «ratoneiro» e a «miséria do velho professor» em
«O Sentimento dum Ocidental».

• A presença do real histórico: a referência a Camões e o contexto socio-político


em «O Sentimento dum Ocidental».

• A linguagem burguesa, popular, coloquial, rica em termos concretos.

• Pelo facto da sua poesia ser estimulada pelo real, que inspira o poeta, que se
deixa absorver pelas formas materiais e concretas.

Características modernistas:

• «A poesia de Cesário Verde reflecte a crise do naturalismo e o desencanto pela


estética realista. O poeta empenha-se no real, é certo, porém a instância da visão
subjectiva é marcante ao ponto de fazer vacilar a concepção de Cesário Verde
como poeta realista.» (Elisa Lopes). Mesmos nos textos mais frequentemente
citados como realistas, encontramos já um olhar subjectivo (porque selectivo),
valorativo, que se manifesta num impressionismo pictórico, pois mais do que a
representação do real importa a impressão do real, que suplanta o real objectivo.
A realidade é mediatizada pelo olhar do poeta, que recria, a partir do concreto,
uma super-realidade através da imaginação transfiguradora, metamorfoseando o
real num processo de reinvenção ou recontextualização precursora da estética
surrealista.

• Abre à poesia as portas da vida e assim traz o inestético, o vulgar, o feio, a


realidade trivial e quotidiana. A. C. Monteiro chama-lhe «o pendor subversivo».

• Forte componente sinestésica (cruzamento de várias sensações na apreensão do


real), de pendor impressionista, que valoriza a sensação em detrimento do
objecto real.

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• Um certo interseccionismo entre planos diferentes, visualismo e memória, real e
imaginário, (concretizado muitas vezes em hipálages sugestivas).

Características estilísticas:

• A estrutura narrativa dos seus poemas, em que encontramos acções


protagonizadas por agentes/actores (ex: «Deslumbramentos», «Cristalizações» e
«Num Bairro Moderno»).

• A estrutura deambulatória que configura uma poesia itenerante: a exploração do


espaço é feita através de sucessivas deambulações, numa perspectiva de câmara
de filmar, em que se vão fixando vários planos (ex: «Cristalizações», em que se
configuram vários planos, e «O Sentimento dum Ocidental», em que há um
fechamento cada vez maior dos cenários apreendidos pelo olhar). É uma espécie
de olhar itinerante e fragmentário, que reflecte o passeio obsessivo pela cidade
(e também no campo em alguns poemas); uma poesia transeunte, errante.
Exemplos mais significativos são os poemas «Num Bairro Moderno», «O
Sentimento dum Ocidental», que definem a relação do poeta com a cidade.

• O olhar selectivo: a descrição/evocação do espaço é filtrada por um juízo de


valor transfigurador, profundamente sinestésico (ex: «Num Bairro Moderno»).

• O poeta é como um espelho em que vem repercutir-se a diversidade do mundo


citadino.

• O contraste luz/sombra: jogo lúdico de luz em que as imagens poéticas se


configuram em cintilações, descobrindo, presentificação e recriando a realidade
(ex: «O Sentimento dum Ocidental»). Tanto pode ser a luz do dia como a luz
artificial, como a luz metafórica que emana da visão da mulher. A incidência da
luz é uma forma de valorizar os objectos, entendendo-se a luz como princípio de
vida.

• Automatismo psíquico: associações desconexas de ideias, visível nas frases


curtas, na sequência de orações coordenadas assindéticas, que sugerem uma
acumulação, uma concatenação aleatória de ideias (ex: «Contrariedades», «O
Sentimento dum Ocidental).

• Adjectivação particularmente abundante e expressiva, com dupla e tripla


adjectivação, ao serviço de um impressionismo pictórico.

• Os substantivos presentificadores da realidade convocada, frequentemente em


enumeração, que sugere uma acumulação, um compósito de elementos,
característicos da construção pictórica.

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Características temáticas:

• Oposição cidade/campo, sendo a cidade um espaço de morte e o campo um espaço


de vida – valorização do natural em detrimento do artificial. O campo é visto como
um espaço de liberdade, do não isolamento; e a cidade como um espaço castrador,
opressor, símbolo da morte, da humilhação, da doença. A esta oposição associam-se
as oposições belo/feio, claro/escuro, força/fragilidade.

• Oposição passado/presente, em que o passado é visto como um tempo de harmonia


com a natureza, ao contrário de um presente contaminado pelos malefícios da cidade
(ex: «Nós»).

• A questão da inviabilidade do Amor na cidade.

• A humilhação (sentimental, estética, social).

• A preocupação com as injustiças sociais.

• O sentimento anti-burguês.

• O perpétuo fluir do tempo, que só trará esperança para as gerações futuras.

• Presença obsessiva da figura feminina, vista:

→ negativamente, porque contaminada pela civilização urbana


- mulher opressora – mulher nórdica, fria, símbolo da eclosão do
desenvolvimento da cidade como fenómeno urbano, sinédoque da classe
social opressora e, por isso, geradora de um erotismo da humilhação (ex:
«Frígida», «Deslumbramentos» e «Esplêndida»), em que se reconhece a
influência de Baudelaire;

→ positivamente, porque relacionada com o campo, com os seus valores salutares

- mulher anjo – visão angelical, reflexo de uma entidade divina, símbolo de


pureza campestre, com traços de uma beleza angelical, frequentemente com
os cabelos loiros, dotada de uma certa fragilidade («Em Petiz», «Nós», «De
Tarde» e «Setentrional») – também tem um efeito regenerador;

- mulher regeneradora – mulher frágil, pura, natural, simples, representa os


valores do campo na cidade, que regenera o sujeito poético e lhe estimula a
imaginação (ex: as figuras femininas de a «A Débil» e «Num Bairro
Moderno»);

- mulher oprimida – tísica, resignada, vítima da opressão social urbana,


humilhada, com a qual o sujeito poético se sente identificado ou por quem
nutre compaixão (ex: «Contrariedades»);
- mulher como sinédoque social – (ex: as «burguesinhas» e as varinas de «O
Sentimento dum Ocidental»

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→ como objecto do estímulo erótico

- mulher objecto – vista enquanto estímulo dos sentidos carnais, sensuais,


como impulso erótico (ex: actriz de «Cristalizações»).

Múltiplos olhares sobre a obra de Cesário Verde

Eduardo Lourenço

«O universo de Cesário não é um universo pensado, crítico, à maneira de Eça (...), é um


mundo sentido, palpado e ao mesmo tempo transcendido pelo sonho, que é desejo de
um lugar outro, de uma humanidade outra que inconscientemente o conforta na sua
admiração pela força, pela saúde e energia que a memória e o sangue lhe denegam.»

Jacinto do Prado Coelho

«Poeta do imediato, Cesário é também um poeta da memória...» (colectiva em «O


Sentimento dum Ocidental», pessoal em «Nós»)

Óscar Lopes

«É, porém, em «O Sentimento dum Ocidental» (...) que o poeta ultrapassa com maior
fôlego estrutural o seu naturalismo positivista, no mesmo momento em que parecia,
aliás, consumá-lo em poesia. (...) Cesário não se desprende da imanência aos dados da
percepção sensível, mas articula-o com um modo inteiramente novo, precursor do
Cubismo ou Interseccionismo.»
«Para Cesário, como depois para Pessoa, o eu, o tu, o nós, o tempo irreversível e as
dimensões reversíveis do espaço, as coisas mais simples constituem problemas e
despertam ânsias que a poesia apreende antes mesmo de se formularem em teoria.»

Luís Mourão

«... a sua poesia aparece, por isso, como um filtro por onde passa a cultura da «Geração
de 70» para o Modernismo. E que Cesário seja um personagem singular e sem escola,
só mostra essa verdade «natural» de que entre o nascer e o morrer o mais difícil talvez
seja o espaço que vai de um ponto ao outro...»

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