Dialogo Inter-Religioso No Brasil
Dialogo Inter-Religioso No Brasil
Dialogo Inter-Religioso No Brasil
Macedo
RESUMO
O Continente Latino-Americano possui um grande nmero de pessoas com culturas e religies diversas que convivem com uma proximidade, no imaginada antes. A confluncia do catolicismo trazido pelos portugueses e espanhis com as religies autctones e, principalmente no Brasil, com as religies africanas, e tambm a presena do protestantismo mais tarde, proporcionou ao Continente, ao longo dos sculos, uma religiosidade singular. Este artigo abordar, a partir da tica crist, a abertura dialogal inter-religiosa no Brasil, as dificuldades encontradas e as possibilidades para a sua realizao, tendo em vista a importncia do dilogo entre as diversas religies para a promoo da paz. Esse dilogo sempre um grande desafio para o cristianismo diante do pluralismo hodierno. PALAVRAS-CHAVE: cristianismo, dilogo inter-religioso, ecumenismo.
RESUM
Le Continent Latino-Amricain a un grand nombre des personnes de diffrentes cultures et religions qui vivent avec une proximit quon ne le pas imagin avant. Le rencontre du catholicisme apport par les portuguais et pour lespagnol avec les religions autochtones et, notamment au Brsil, avec les religions africaines, et aussi la prsence du protestantisme plus tard, fourni aux Continent au cours des sicles, une religiosit unique. Cet article porter dans une perspective chrtienne sur l'ouverture dialogal inter-religieux au Brsil, les difficults et les possibilits de leur ralisation, en vue de l'importance du dialogue entre les diffrentes religions afin de promouvoir la paix. Ce dialogue est toujours un grand dfi pour le christianisme dans le visage du pluralisme d'aujourd'hui. MOTS-CLES: le christianisme, le dialogue inter-religieux, l cumnisme.
INTRODUO
O tema proposto neste artigo se deve ao interesse pelo dilogo inter-religioso e em procurar conhecer as iniciativas que vm sendo realizadas por representantes e fiis das diferentes tradies religiosas para que ele possa se realizar, de maneira satisfatria, permitindo uma convivncia pacfica, principalmente na poca atual, especialmente marcada pela pluralidade religiosa e pelos conflitos, muitas vezes de grande violncia, que ainda persistem em vrios pases em nome das religies.
Graduada em Teologia pelo Instituto Teolgico Franciscano de Petrpolis, RJ (ITF); Especialista em Cincia da Religio pela Universidade Federal de Juiz de Fora, MG (UFJF). Mestranda em Cincia da Religio na mesma Universidade. E-mail: [email protected].
Toda a reflexo ser norteada por textos de estudiosos catlicos e protestantes sobre o assunto. Em um primeiro momento ser dada nfase questo mais ampla do processo de sistematizao do dilogo inter-religioso, para num segundo ponto ser feita uma abordagem em nvel de Brasil, percebendo as problemticas que possivelmente provocam impasses no dilogo inter-religioso e tambm tornar familiar as iniciativas que vm sendo realizadas para que o dilogo inter-religioso possa ter um resultado profcuo. A pesquisa para este artigo no tem, evidentemente, a pretenso de esgotar a temtica, tendo em vista a sua amplitude, mas apenas elaborar um painel do dilogo entre o cristianismo e as tradies religiosas no-crists no Brasil para que se possa ter uma viso panormica da situao.
Uma pergunta pode se colocar diante de todos logo no princpio: Afinal de contas, como surgiu essa interlocuo que comumente chamada de Dilogo Inter-Religioso? Nasce de uma doutrina? De uma experincia? Para alguns, como no caso do professor Eduardo Rosa Pedreira1, o dilogo interreligioso antes de ter sido sistematizado foi, primeiramente, experienciado, isto , nasce na experincia missionria, que ele chama de primeiro tero.
[...] o dilogo entre as religies uma das questes que compem o universo teolgico que mais depende da experincia. Por mais que cresa e se desenvolva teologicamente, esta uma questo que sempre estar ligada a seu primeiro tero: a experincia missionria.2
Essa experincia fundamental para definir o discurso e a percepo que se tem do dilogo inter-religioso, pois, h uma diferena entre aqueles que realizam uma discusso sem terem contato prtico com as religies e aqueles que se inserem no universo religioso nos quais se propem a dialogar. Dependendo do olhar com que se avista o dilogo inter-religioso podem resultar atitudes positivas, como as experincias de homens e mulheres que souberam dialogar com o outro diferente, ou negativas como o etnocentrismo e a intolerncia.
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Pastor Presbiteriano, Mestre e Doutor em Teologia pela PUC-Rio. Do confronto ao encontro: uma anlise do cristianismo em suas posies ante os desafios do dilogo interreligioso, p. 24.
O etnocentrismo rejeita as outras culturas com todos os seus valores, numa atitude de negao ou agresso, cuja primeira reao tentar destru-las pela raiz ou reduzi-las a um simples folclore, oprimindo-as de maneira mais civilizada.3 Quanto intolerncia, ela agressiva, onde o dio contra a diversidade atinge qualquer tipo de diferena, seja ela de sexo, de idade, de raa e no somente aos que tm uma viso de mundo divergente, aos que tm ideologias, religies e culturas dessemelhantes.4 As concepes positivas do dilogo inter-religioso5 resultam, em grande parte das experincias missionrias pioneiras vividas entre povos de tradies religiosas diferentes, mesmo que no se enquadrem na concepo hodierna do DIR. S para citar alguns tm-se: Matteo Ricci, missionrio jesuta, que parte da Itlia em 1577 e viaja pela ndia e depois China, onde vive at morrer. Ele se transforma em um sbio mandarim chins que rejeita a incompatibilidade entre o budismo e o cristianismo, [...] trabalha sobre a religiosidade csmica do confucionismo.6 Outro grande missionrio foi Maurice Leenhardt que viveu a sua experincia na Nova Calcednia no perodo de 1902 a 1927, enriquecendo muito o processo histrico-missionrio do DIR.7 No dilogo com o Isl tem-se o pioneirismo de Charles de Foucauld, o irmo universal, cuja obra continua com a vida missionria das Irmzinhas de Jesus. Vive entre os tuaregues, no Saara no perodo de 1901 a 1916, quando fora assassinado. Atravs da sua abertura ao outro, percebe a tradio religiosa daqueles aos quais servia e amava como um caminho de salvao ao lado da via salvfica anunciada por ele mesmo.8 Estes so alguns exemplos entre tantos outros que se poderia enumerar por longas pginas na histria e que demonstram o desafio do DIR como uma questo missionria antes de se tratar de uma matria teolgica, o que surge em outro momento com a sistematizao das experincias missionrias. Essa sistematizao ocorre de formas diferenciadas no contexto catlico e no contexto protestante. No catolicismo, o dilogo sempre permeou a sua histria, contudo, a preocupao primeira sempre foi a do anncio, da evangelizao para a converso do outro, por isso, o dilogo, em si mesmo, no era discutido, mas o que estava em jogo eram as questes
MENEZES, Paulo, Tolerncia e religies, in: TEIXEIRA, Faustino (Org.) O dilogo inter-religioso como afirmao da vida, p. 44. 4 Ibid., p. 46-47. 5 Deste ponto em diante ser adotada a sigla DIR para o Dilogo Inter -Religioso. 6 PEDREIRA, Eduardo Rosa. Do confronto ao encontro: uma anlise do cristianismo em suas posies ante os desafios do dilogo inter-religioso, p. 28. 7 Ibid., p. 29-30. 8 Ibid., p. 37, 39, 41.
salvficas relacionadas com a Igreja e os que viviam fora dela.9 No entanto, em sua caminhada, a Igreja Catlica se abrir aos desafios do dilogo com as outras tradies crists e no-crists a partir das reflexes do telogo Karl Rahner com uma posio mais aberta tendo um papel pioneiro na reflexo positiva das outras religies. Ele no nega que haja salvao para aqueles que no participam de um cristianismo eclesialmente estruturado, ou seja, que no tenham aderido explicitamente f crist pelos sacramentos. a tese dos cristos annimos defendida por Rahner. Toda sua reflexo positiva teve grande importncia para a elaborao de uma teologia crist das religies e influncia nos documentos do Conclio Vaticano II. Houve a retomada no Conclio de um otimismo salvfico que leva ao reconhecimento do valor positivo e salvfico das religies no -crists.10 Considera-se que esses dois eventos as reflexes de Rahner e o Conclio Vaticano II sejam, ao mesmo tempo, ponto de chegada e de partida para as mudanas que ocorreram significativamente na vida da Igreja de Roma, em que o apologtico substitudo pelo dialogal em suas reflexes teolgicas acerca das religies.11 Com relao ao protestantismo, devido sua variedade de segmentos, no h exatamente uma referncia sistematizadora como o foram Rahner e o Vaticano II para o catolicismo. Neste caso, podem ser trilhados perodos histricos da teologia protestante onde seja percebida a presena ou no do Dilogo Inter-Religioso. Ser seguida a abordagem proposta por Eduardo R. Pedreira12, comeando pela Teologia Ortodoxa, passando pela Teologia Liberal, at a reflexo teolgica da Neo-ortodoxia e da Mainline, evidentemente, sem aprofundar os assuntos como merecem. A Teologia Ortodoxa que abrange os sculos XVII a XVIII tem como caracterstica preservar os princpios basilares do bibliocentrismo e do cristocentrismo e comea essa transmisso histrica na Reforma.
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fora de Jesus Cristo. Ele o nico Salvador para toda a humanidade e esse cristocentrismo tem no bibliocentrismo a sua complementaridade visto que o cristianismo era o detentor da palavra revelada e inerrante de Deus e portador da nica via de salvao, afirmando assim,
PEDREIRA, Eduardo Rosa. Do confronto ao encontro: uma anlise do cristianismo em suas posies ante os desafios do dilogo inter-religioso, p. 49. 10 Ibid., p. 49 11 Ibid., p. 51. 12 Op. Cit., p. 76-98. 13 PEDREIRA, Eduardo Rosa. Do confronto ao encontro: uma anlise do cristianismo em suas posies ante os desafios do dilogo inter-religioso, p. 77.
sua supremacia sobre as demais religies.14 Percebe-se a inexistncia de um espao para o dilogo inter-religioso. Com a virada antropolgica trazida pelo Iluminismo, a Teologia Liberal que surge no sculo XIX passa a questionar as bases sobre as quais foram formuladas as reflexes teolgicas da Teologia Ortodoxa. Para isso, o novo pensamento teolgico se baseia em trs acontecimentos relevantes: primeiro a Teoria da Evoluo das Espcies, de Charles Darwin que implicou o colapso do criacionismo e da infalibilidade das narrativas bblicas15; segundo, o desenvolvimento do estudo das Religies Comparadas e o terceiro elemento que foi o estudo crtico das Sagradas Escrituras, atravs da crtica textual e a crtica da forma.16
Emerge novamente, como complemento a toda esta virada da teologia liberal, a questo do Jesus histrico [...] levantada por D. Strauss (1835) e retomada pelo mdico, missionrio e telogo Albert Schweitzer (1906). A questo do Jesus histrico refora o colapso do conceito de inerrncia bblica, ao mesmo tempo que mina um outro pilar da ortodoxia protestante: o cristocentrismo [...]. Fala-se ento do Jesus histrico, que poderia ser reconstitudo a partir dos fragmentos de histria encontrados nos Evangelhos, e do Cristo da f, insero confessional e mitolgica dos evangelistas.
Isto faz com que haja uma relativizao com relao unicidade e constitutividade salvfica de Jesus Cristo como sendo normativa para todas as religies. H uma desabsolutizao do cristianismo que permitiu que as grandes religies Islamismo, Budismo, Hindusmo pudessem ser estudadas sob uma nova mirada e abrindo a possibilidade de uma abertura ao dilogo com as religies no crists. Outro momento importante na reflexo teolgica protestante a Neo-ortodoxia e a Mainline. A primeira tem em Karl Barth seu fundador, juntamente com Emil Brunner, que depois de algum tempo funda a Mainline. A Neo-ortodoxia possui uma linha de pensamento mais fechada no que diz respeito s religies no-crists. Na teologia de Barth Jesus o nico caminho de acesso ao conhecimento de Deus [...]. fora de Jesus Cristo no h revelao nem salvao.17 J a Mainline, tambm conhecida como teologia de centro, busca distanciarse da estreiteza de viso exclusivista de Barth e a excessiva largueza da teologia liberal e, na
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Cf. PEDREIRA, Eduardo Rosa. Do confronto ao encontro: uma anlise do cristianismo em suas posies ante os desafios do dilogo inter-religioso, p. 77. 15 MENDONA, Antnio G.; FILHO, Prcoro Velasques, Introduo ao protestantismo no Brasil, p. 151. 16 Ibid., p. 152. 17 TEIXEIRA, Faustino, Teologia das religies: uma viso panormica, p. 42.
prtica, aproxima-se de correntes inclusivistas18 do pensamento teolgico catlico.19 No entanto, nem a Neo-ortodoxia nem a Mainline abrem espao para que as outras religies sejam consideradas, em si mesmas, autnticos caminhos de salvao.20 Mesmo sendo em mbito geral, essas reflexes influenciaram o cristianismo no Brasil, pois, a teologia aqui desenvolvida traz as bases dos grandes pensadores europeus e norteamericanos.
No Brasil, a maioria da populao professa a f crist. As religies de matrizes africanas equivalem a 0,35%, os budistas contam 0,126%. Os judeus correspondem a 0,051%, os muulmanos so cerca de 0,016%. Isso de acordo com o censo do IBGE de 2000. 21 Sem esquecer, claro, do Espiritismo e dos novos movimentos religiosos. Mesmo com toda essa diversidade, pode-se considerar que h no pas uma convivncia mais harmnica entre as diferentes religies do que em outras regies do planeta. Porm, esta harmonia , s vezes, quebrada quando ocorrem exploses de fanatismo at mesmo homicida, geradas por alguns fiis dentro das tradies religiosas. Os mais dramticos so, na opinio de Peter Berger (1997, p. 221), o fundamentalismo islmico e o fundamentalismo protestante22, de foras poderosas a nvel mesmo internacional. Berger em artigo de 2000 (p. 14), ao invs do termo fundamentalismo, passa a usar o termo exploso. Considera a exploso islmica no apenas do ponto de vista poltico, mas, principalmente como um impressionante renascimento de compromissos enfaticamente religiosos, que leva restaurao de crenas e estilos de vida particularmente islmicos de grande alcance geogrfico. Quanto exploso protestante, principalmente de cunho pentecostal, Berger assinala que a maior expanso ocorreu na Amrica Latina, cujas origens encontram-se nos Estados Unidos, provocando uma transformao cultural (2000, p. 15).
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O inclusivismo catlico a linha de reflexo teolgica cuja perspectiva atribui valor positivo s outras religies e as reconhece como mediaes de salvao para seus fiis, mas, enquanto caminham para a salvao em Jesus Cristo. 19 TEIXEIRA, Faustino, Teologia das religies: uma viso panormica, p. 44. 20 PEDREIRA, Eduardo Rosa. Do confronto ao encontro: uma anlise do cristianismo em suas posies ante os desafios do dilogo inter-religioso, p. 84. 21 FASSA, Daniel. Paz: uma meta para todos, in: Cidade Nova, dezembro de 2011, p. 21. 22 Por fundamentalismo entenda-se neste artigo a posio de fanatismo religioso que quer impor o seu pensamento e a sua doutrina moral a todos. Quando no consegue, rejeita, at mesmo de forma violenta, a outra religio. Exemplos recentes so as invases a Centros de Umbanda e Candombl, a destruio de smbolos do catolicismo, etc. No confundir, portanto, com o fundamentalismo de corrente teolgica que tem a sua origem no mundo protestante.
Alm das exploses de fanatismo, tambm h outras questes que dificultam o dilogo inter-religioso e at mesmo o dilogo ecumnico, como, na cristologia em que Jesus considerado o nico salvador para toda a humanidade; a questo soteriolgica onde o cristianismo considerado a nica religio com valor salvfico para toda a humanidade; a questo hermenutica onde o cristo considera a Bblia o nico texto salvfico e revelado por Deus; a questo eclesiolgica onde se define a misso das igrejas crists e o seu lugar no dilogo com as outras tradies religiosas. Esses exemplos do cristianismo tambm em muitos aspectos esto presentes nas religies no-crists. Mas, apesar das divergncias, h espaos de convivncia mais harmoniosa e fraterna para o dilogo inter-religioso, onde muitas iniciativas tm tido resultados positivos na superao de tabus e preconceitos. Dentre elas destacam-se: em 1975 na Catedral da S em So Paulo houve uma grande celebrao inter-religiosa lembrando o jornalista Vladimir Herzog, morto pela ditadura militar; em 2001 vrias lideranas religiosas reuniram-se no Ibirapuera, aps os atentados de 11 de setembro que aconteceram nos Estados Unidos, em protesto contra a guerra; em 2005, em comemorao aos quarenta anos da declarao Nostra Aetate, do Conclio Vaticano II, que reflete justamente sobre a relao da Igreja Catlica com as religies no-crists, houve um grande encontro ecumnico e inter-religioso; em agosto de 2011, um simpsio promovido pela Congregao Israelita Paulista pelos seus setenta e cinco anos, reuniu lderes de diversas religies. H, ainda, a Casa da Reconciliao em So Paulo, dirigida pelo Pe. Jos Bizon, que se empenha pela socializao inter-religiosa atuando na organizao de eventos, promoo de cursos e orientao de casamentos mistos e batizados ecumnicos.23 Haver tambm o encontros entre cristos e muulmanos em 2012 em Foz do Iguau para celebrar a figura de Maria.24 Quando se fala em dilogo, no se pode esquecer o Movimento Ecumnico, que antes mesmo do DIR j estava presente e atuante em nosso pas. Esse Movimento tem o seu nascimento nos anos de 1910, com a conferncia de Edimburgo, Esccia, com missionrios protestantes. Da em diante houve todo um desenvolvimento histrico do Ecumenismo que no nos cabe neste pequeno artigo examinar, apenas sublinhar o fato de que a Igreja Catlica no ano de 1949 passou a estimular os seus fiis a participarem, com grandes restries, dos encontros ecumnicos. Somente com o Conclio Ecumnico Vaticano II (1962-1965) e as iniciativas do papa Joo XXIII se d, de forma oficial, a abertura do catolicismo ao
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FASSA, Daniel. Paz: uma meta para todos, in: Cidade Nova, dezembro de 2011, p. 21. Ibid., p. 22.
ecumenismo. Continua, porm, uma pequena ala ultraconservadora na Igreja Catlica que mais tarde, torna-se cismtica dentro da mesma, no pontificado de Paulo VI, e cujo representante fora o bispo Lefebvre. Esse movimento conservador influenciou uma grande parte dos fiis catlicos no Brasil, principalmente na diocese de Campos, RJ. Ainda hoje, h um grupo de catlicos que no aceitam o aggiornamento trazido pelo Vaticano II. No Brasil o ecumenismo se fazia presente mais pelas bases, no cotidiano das pequenas comunidades e nas celebraes do que nas discusses teolgicas e doutrinais.25
A Igreja no Brasil entendeu que o ecumenismo mostrava uma nova face da Igreja universal. Essa nova face tem sua principal expresso na postura dialogal acerca do mundo, das outras Igrejas e das religies. Os bispos reconheceram ser a hora do ecumenismo, visto que o Conclio nos est alargando, sempre mais, o corao. E desde cedo manifestam a preocupao sobre como viver no contexto brasileiro as orientaes conciliares sobre o ecumenismo.26
Assim, com o apoio da maioria dos bispos, os catlicos puderam receber o Decreto conciliar sobre o Ecumenismo a nvel institucional e colocar-se em dilogo com os cristos protestantes das diversas denominaes que, h muito, j conseguem frutos em nvel prtico e espiritual. Ainda h muito que ser feito pela Igreja Catlica para que, realmente, coloque em seu planejamento regional, diocesano e paroquial, de forma estruturada, a dimenso ecumnica como fator importante em todas as suas aes.27 Alguns elementos podem fortalecer esse projeto ecumnico por parte do catolicismo, como:
1)intensificar a recepo dos resultados do dilogo entre as Igrejas e os organismos ecumnico, tanto no nvel da informao como no da circulao, como um processo de assimilao vital, urgente e necessria; 2) organizar a vida das comunidades em verdadeiros esprito e mtodo ecumnicos, na pastoral, na espiritualidade, na catequese, nas instituies e estruturas; 3) acreditar e investir no dilogo que acontece por meio de organismos e comisses, a partir do respeito pelas recprocas identidades e tradies; 4) buscar com sinceridade a reconciliao evanglica, demonstrando sincera abertura para compreender a teologia e a prtica das Igrejas irms; 5) investir em estruturas ecumnicas, como as comisses diocesanas, regionais e nacionais; 6) investir na formao ecumnica, tanto dos ministros ordenados como das comunidades de fiis; 7) ter claros os horizontes do dilogo, estabelecendo metas a ser atingidas, sobretudo nos horizontes doutrinal, pastoral e espiritual.28
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LIBNIO, J. B., Igreja contempornea: encontro com a modernidade, p. 131. BIZON, Jos; DRUBI, Rodrigo (Orgs.), A unidade na diversidade: coletnea de artigos em comemorao aos 40 anos do decreto Unitatis Redintegratio sobre o ecumenismo, p. 33 27 Ibid., p. 47. 28 Ibid., p. 52-53.
Apesar disso, podem ser percebidos avanos na participao catlica junto aos protestantes como na Semana de Orao pela Unidade dos Cristos que acontece todos os anos e nos diversos organismos, a citar: Conselho Nacional de Igrejas Crists do Brasil (CONIC), Servio Interconfessional de Aconselhamento (SICA), Centro Ecumnico de Capacitao e Assessoria (CECA), Centro Ecumnico de Servios Evangelizao e Educao Popular (CESEP); Centro de Estudos Bblicos (CEBI), e outros. Estas so apenas algumas iniciativas para que se possa perceber que existe uma movimentao em prol do dilogo, no s entre cristos, no caso do Ecumenismo, mas tambm entre os cristos e os fiis das mais variadas tradies religiosas, como no caso do Dilogo Inter-Religioso.
CONSIDERAES FINAIS
Uma interao entre as religies poderia ser capaz de formar no uma religio nova, mas, de acordo com o telogo Paul F. Knitter, uma comunidade dialgica de comunidades, onde cada membro vive e si mesmo mediante o dilogo com os demais tendo em vista que o mundo um vir-a-ser, em contnua transformao tudo e todos esto profunda e dinamicamente inter-relacionados, a ponto de o que uma coisa ou algum , o enquanto constitudo por seus relacionamentos.29 Na situao pluralista moderna, a necessidade de colaborao entre as religies aciona novos mecanismos de conversao 30 que possibilitam uma abertura ao dilogo ecumnico e inter-religioso. Como aponta Danile Hervieu-Lger31, o prprio indivduo quem coloca a religio em movimento, cabe a ele, portanto, desvencilhar-se das ocasies que criam impasses no dilogo inter-religioso, frente pluralidade de escolhas e sentidos que est diante de si no tempo atual. Ele deve ampliar seus pontos de vista, resistir intolerncia e no aceitar a discriminao. Desta forma, o dilogo entre os crentes das vrias religies pode se realizar de maneira profundamente respeitosa, sem trair os princpios da f de cada um e juntos, na diversidade buscar a fraternidade, a unio, buscar promover a sonhada paz entre todas as naes, pois, somente em dilogo esse desejo poder ser concretizado.
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Introduo s teologias das religies, p. 25-26, 28-29. TEIXEIRA, Faustino. Peter Berger e a religio, in: TEIXEIRA, Faustino (Org.) Sociologia da religio: enfoques tericos, p. 237. 31 Cf. O peregrino e o convertido: a religio em movimento.
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REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
BERGER, Peter L.. A dessecularizao do mundo: uma viso global. Religio e Sociedade. Rio de Janeiro, 21 (1): p. 9-24, 2000. BIZON, Jos; DRUBI, Rodrigo (Orgs.). A unidade na diversidade: coletnea de artigos em comemorao aos 40 anos do decreto Unitatis Redintegratio sobre o ecumenismo. So Paulo: Loyola, 2004. ______. Rumor de anjos: a sociedade moderna e a redescoberta do sobrenatural. Petrpolis: Vozes, 1997. 2. ed. rev. FASSA, Daniel. Paz: uma meta para todos. In: Cidade Nova. Exemplar 548, ano LIII, n. 12, dezembro de 2011, p. 18-22. Guarulhos: Parma. HERVIEU-LGER, Danile. O peregrino e o convertido: a religio em movimento. Petrpolis: Vozes, 2008. KNITTER, Paul F. Introduo s teologias das religies. So Paulo: Paulinas, 2008. LIBNIO, J. B., Igreja contempornea: encontro com a modernidade. So Paulo: Loyola, 2002. 2.ed. MENDONA, Antnio G.; FILHO, Prcoro Velasques. Introduo ao protestantismo no Brasil. So Paulo: Loyola, 2002. 2.ed. MENEZES, Paulo. Tolerncia e religies. In: TEIXEIRA, Faustino (Org.) O dilogo interreligioso como afirmao da vida. So Paulo: Paulinas, 1997, p. 39-54. PEDREIRA, Eduardo Rosa. Do confronto ao encontro: uma anlise do cristianismo em suas posies ante os desafios do dilogo inter-religioso. So Paulo: Paulinas, 1999. TEIXEIRA, Faustino. Peter Berger e a religio. In: TEIXEIRA, Faustino (Org.) Sociologia da religio: enfoques tericos. Petrpolis: Vozes, 2003, p. 218-248. ______. Teologia das religies: uma viso panormica. So Paulo: Paulinas, 1995.