13 Caiscais
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13 Caiscais
INTRODUÇÃO
“13 Cascaes” é livro organizado por Salim Miguel e Flávio José Cardozo.
A coletânea de contos em homenagem a Franklin Cascaes, com ilustrações de
Tércio da Gama, faz parte da programação do centenário de nascimento do
etnólogo e desenhista.
A hipótese de que alguma bruxaria teria impedido a publicação,
planejada desde 2003, é levantada com humor pelos organizadores devido às
inúmeras negativas de editoras e órgãos públicos. O encanto quebrou-se
quando a Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes (FCFFC)
assumiu o projeto de levar aos leitores as histórias de 13 Cascaes, narrativas
curtas escritas por 13 escritores catarinenses - além de Salim e Cardozo,
Adolfo Boos Jr., Amilcar Neves, Eglê Malheiros, Fábio Brüggemann, Jair
Francisco Hamms, Júlio de Queiroz, Maria de Lourdes Krieger, Olsen Jr.,
Péricles Prade, Raul Caldas Filho e Silveira de Souza.
Nos contos, Franklin Cascaes entra para a ficção como protagonista ou
figurante, numa concepção literária que revela uma espécie de extensão do
trabalho do folclorista, que morreu em 1983. Cascaes ilustrava em suas obras
a literatura oral relacionada a bruxas, feiticeiras, lobisomens e fenômenos
encantados que faziam parte do universo ilhéu. O seu legado deu a
Florianópolis o título de “Ilha da Magia”, influenciou outros artistas e mexeu
com o imaginário dos escritores, como se vê nesta caprichosa edição
coordenada por Dennis Radünz.
O que tens aqui, leitor, ao alcance das mãos não é apenas um livro.
Despede os teus olhos do papel impresso, desenho e palavra apenas, e segue
ao supraterreno da ficção. Atravessa o espaço semidescoberto. E lê. Praças.
Descampados. Praias. Ou ninhos de boitatás. São treze os “lugares de
linguagem” em que se pode descobrir essa realidade mitopoética nascida em
Franklin Joaquim Cascaes (1908 – 1983), o guardador maior da cultura popular
da Ilha de Santa Catarina e dos litorais de ascendência açoriana, o etnólogo e
o mitólogo, escultor, fabulista, desenhista.
São treze os escritores catarinenses aqui mudados em “cascaes”, no
possível plural poético do substantivo cascal, que é o amontoado de conchas,
casqueiro, o sambaqui ancestral. A mitologia local como antídoto a toda
mitomania “global”.
“O livro é uma extensão da memória e da imaginação”, disse Jorge Luis
Borges. Este livro, “13 Cascaes”, objeto de imaginação, objeto de memória, é
uma coleção de contos que se conjugam com as pesquisas públicas e as
procuras pessoais de Franklin. Mesmo a memória da coisa vivida (como a
ausência crônica da mulher, Elisabeth, no conto Dois Bandolins) alcança a
condição do que é vivo no terreno do imaginado. Ou, no caso contrário, a
imaginação tem memórias – em que tempo e lugar se passa o conto Mistério
no Miramar?
“13 Cascaes”, mais que um fascículo de ficções, é uma evocação. Mas
evocação com ironia fina, como quando uma ‘oitava filha’ interpela Franklin e
advoga sua condição de não-bruxa (Talvez a primeira e última carta) ou
quando bruxas desenham, em uma aparição feérica, o apavorado ‘perguntador’
da cidade (O Folheto). Ou as bruxas são erotizadas na maternidade de seres
imaginários (Uma noite de profunda insônia solitária) ou assumem a
condição de mulher autônoma no patriarcado das famílias: quem se rebela é
bruxa? (História praiana). E havia, em outra época, a mulher-bruxa que se
emancipasse, como no conto O diário da virgem desaparecida.
O conflito entre as tradições ilhoas e o seu apagamento sob a pletora
urbana está presente também no presépio de Cascaes estranhamente
dessacralizado (O presépio), na conjuração de bruxas que imprecam contra a
moderna medicina (O abençoado), ou no relacionamento animoso e amoroso
entre a antropóloga incrédula e o defensor do que é nativo (Noites de
encantamento). Pesca de arrastão como portrait antropológico (Ao
Entardecer) ou a antiga embarcação como pretexto para a realidade paralela (
O “Minha Querida”) são parte deste percurso. E a memória de uma infância,
na Ilha antiga, encontra áreas de profundidade humana (Branco assim da cor
da lua).
“13 Cascaes” está presente: treze são as suas carnações. E treze as
encruzilhadas que, leitor, deves cruzar... Leva contigo um ramo de ervas, os
olhos acesos, duas ou mais descobertas. Treze é o número do que é fadórico.
2.1 – AINDA SOBRE O LIVRO
São 13 (na melhor adequação buxólico-cabalística) os contistas que
integram e constroem esse autêntico relicário da mitologia ilhoa, dado à vida
pelo bruxólogo Franklin Cascaes, ou então recompõem, em corpo amplo, o
grande mito-mitólogo Franklin Cascaes, de incomensuráveis méritos para a
tradição açoriana. De leitura tão agradável quanto enriquecedora, os 13 contos,
desdobram facetas múltiplas do gênio bruxo e a herança que nos legou,
entrelaçando com habilidade ficção e realidade.
Os mestres do conto catarinense assumiram um desafio inusitado:
incorporar à ficção a conhecida personalidade real de Franklin Cascaes,
prestando-lhe digna homenagem. Se não é habitual nem conveniente submeter
o artista a assunto encomendado, saíram-se os escritores de maneira digna de
aplauso.
(texto adaptado de http://floripamanha.org, acessado em 20/01/2009)
4. OS CONTOS
Tema Central: Uma ‘oitava filha’ interpela Franklin e advoga sua condição de
não-bruxa.
O conto, em modelo de carta começa assim: “Desterro, 14 de março de
1983. Seu Franklin...” (p.79)
A moça chamada Benta diz-se indignada, pois após uma afirmação em
“Bruxas Gêmeas”, conto do livro “O Fantástico na Ilha de Santa Catarina”
datado de 1950 ela tem passado por bruxa, apesar de nunca ter feito nenhum
mal a ninguém e que seu único gostinho é ficar nua, assim como gostam as
bruxas quando é sábado.
Benta relata que é gêmea de Santa e que seus pais já tinham seis filhos
e que todos sabem que quando nasce o sétimo, se for menina, será bruxa.
Seu pai, quando soube que a parteira, Custódia do Chico Pelego,
esqueçera de marcar quem era a sétima, para chamar de Benta e livrá-la do
mal, decidiu recorrer a Candinha Miringa, benzedeira e curandeira, mas de
nada adiantou, pois seu Manoel Braseiro, não sabia responder quem era a filha
bruxa. A benzedeira, então, pediu ajuda de Lúcifer, seu chefe. O problema é
que Belzebu apontou Benta como bruxa e como ele sabia que ninguém
acreditava nele, acabaram por desfazer o mal em Santa, o que de nada
adiantou.
Ao final, Benta acha graça da armadilha do demo e pede que o Sr.
Cascaes mude o seu texto, caso contrário “Se até amanhã, dia 15, eu não for
atendida, mudando o que deve ser mudado, morrerá para jamais voltar a
cometer equívocos dessa natureza. E para aprender que não só as bruxas
fazem mal.” (p.81)
O criador (ou compilador) não fugia do poder das criaturas!
“Tudo aconteceu no final dos ano 50 ou início dos anos 60, não lembro
muito bem.” (p.97)
O narrador possui uma pequena gráfica e leciona matemática para
sobreviver.
O amigo Maurício apareceu com a idéia de fazer um folheto de 16 páginas
sobre as bruxas de Franklin, imprimiriam 200 exemplares e rachariam a venda.
O narrador lecionava no mesmo colégio do professor Franklin e em um
intervalo de aula apresentou seu projeto e emprestou algumas de suas
anotações e passou o endereço de um amigo, o Zeferino, de Pontas das
Canas.
“- Mas o senhor, professor Franklin, acredita em bruxas?
-Eu acredito na mente das pessoas, que cria tudo o que elas acreditam.
(...) meu trabalho é o de apenas anotar as histórias que esse povo conta.”
(p.99)
Maurício achou ótimas as histórias e a idéia de visitar no sábado à tarde
o Zeferino, mas o narrador foi sozinho, pois seu amigo foi para Curitiba.
Zeferino era um homem simples que recebeu muito bem o entrevistador,
o problema foi que começou a cair uma chuva forte. “ – O senhô vai ficá nesta
casa até a chuva passá, mesmo que dure três dia – falou Zeferino.” (p.101)
A conversa dentro da casa foi trivial até que Zeferino foi perguntado
sobre duas réstias de alho penduradas na parede da sala e sua esposa
informou que eram proteção contra as bruxas e que ele deveria ficar também
com um dente de alho.
Relataram ao narrador que o filho deles, o menino Pedro, já estivera
embruxado e que dona Luiz Benzedera conseguira salvá-lo com uma reza
assim:
Treze raio tem o sóli/treze raio tem a lua./Sarta diabo pro inferno/ qu’esta
alma não é tua./tosca marosca, rabo de rosca/ (...) (p.103
A conversa seguiu até a hora de dormirem e a noite foi de pernilongos e
já pelas cinco e meia da manhã o narrador estava de pé.
Ele se despediu e foi pelo lado da praia e pelo caminho encontrou uma
baleeira com um abrigo e ficou aterrorizado ao ver “...três velhotas dentro da
baleeira, muito altas, magras e feias, que fingiam remar remos invisíveis e
faziam uma tremenda algazarra. Um pouco adiante, a dois passos da baleeira,
numa árvore enorme e de tronco grosso, outra velhota do mesmo tipo ia e
vinha, sentada num balanço preso por cordas trançadas e amarradas a um dos
galhos.” (p.105)
As bruxas ameaçaram: “- Lá vai o istepô de bundinha branca! Tá
dizendo por aí que vai falá da gente! (...) – Vamo enfiá um remo no rabo desse
maroto!” (p.105)
O folheto nunca foi publicado, Maurício não voltou de Curitiba e só
agora, anos mais tarde, Silveira de Souza confessa ter coragem de contar o
ocorrido e reza para que ninguém acredite.