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Evandro Sathler

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TROPEIROS & OUTROS VIAJANTES

TROPEIROS & OUTROS VIAJANTES

Evandro Sathler

Srie Pesquisas

O PPGSD Programa de Ps-Graduao em Sociologia e Direito da U nive rs idad e Fed eral Flu mi nens e, ve m, atr avs do lana mento do l ivro Tropeiros & outros viajantes de Evandro Sathler, inaugurar sua Srie Pesquisas, cujo objetivo o de divulgar as pesquisas que vm sendo real izadas n o mbito do Mes trado em Cincias Jurdicas e Sociais. Tais p esq uisa s - re aliza das se ja po r pr ofess ore s, po r alun os d om e str ado, por e s t u da n te s da e s pe ci a li z a oe da g ra d ua ol ig a d o s sl i nh a sd e se n vo l v id as pelo Programa, ou mesmo, e em especial, aquelas realizadas por grupos d ep es q uis ad ore s - pr ocu ram co ns oli da r al gu ma se st ratg ia s co mu ns, ent re as quais as de contribuir para a elaborao de trajetrias conjuntas, fortalecendo a produo no campo da interdisciplinaridade, emprestar maior visibilidade aos produtos da Academia, notadamente aqueles que consorciam os atributos do ensino, da pesquisa e da extenso, como a in da d iv ul gar tr ab alh os in dit os e os r es ul ta do s, mes mo qu e pa rc ia is, de i n i c i a t i v a sr e l e v a n t e s . O PPGSD, atravs de seu mestrado interdisciplinar, possui a tua lme nte qua tr o li n has de pe squ isa :1 ) Tr aba lho e Exc lus o Soc i al, 2) Ju sti aA mbie ntal e Gesto Ambient al, 3) Acesso Justi a e Crtica das I ns t i t u i e sJ u r di c oP o l t i c a se 4 )J u s ti aS oc i a le D e mo c ra c i a . O livro Tropeiros & outros viajantes de Evandro Sathler rene aspectos de mais de uma das linhas acima, na medida em que o histrico do s trop ei ros confi gu rado e m um quadro mul ticult ural, ond e part ic ipam o s va lo re sc omu ni t r io s e a va lo r iz a od ot ur is mo su st en t vel ,r ef az en do a trajetria da expedio Spix & Martius, no trecho entre Ouro Preto e Diamantina. P ar av oc ,l ei t o r ,p or t an t o, n o s s o sv o t osd eu m ae x c e l e n tel e it u r a !

Os editores

TROPEIROS & OUTROS VIAJANTES


TROPEIROS & OUTROS VIAJANTES Copyright 2003 Evandro Bastos Sathler Leitura dos originais: Lerni Machado de Mendona; Ivens Sathler; Ney Kramer Amaral; Maria Collares Felipe da Conceio; Wilson Madeira Filho; Raphael Oliv; e Luiz Puc Produo Visual: Capa e Design Grfico: Lenca Marques - Reviso Ktia Rosane Guimares Foto da contra capa: Lucia Velasco Edies: 1a Edio : 100 cpias - 2003 / 2a Edio: 100 cpias - 2004 SATHLER, Evandro Bastos, 1961 S253t Tropeiros & outros viajantes/ Evandro Sathler. Niteri: PPGSD-UFF/ Edio do Autor, 2003. 370 p. (Srie Pesquisas n. 1) ISBN 85-89150-03-8 ISBN 85-903417-1-2 1. Tropeiros Brasil. 2. Expedies cientficas. 3. Viagens. 4. Turismo - Brasil. 5. Ecoturismo. 6. Geografia. 7. Meio ambiente - Brasil. I. Ttulo UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SOCIOLOGIA E DIREITO MESTRADO EM CINCIAS SOCIAIS E JURDICAS Coordenador: Prof. Dr. Wilson Madeira Filho, [email protected] Vice-Coordenador: Prof. Dr. Napoleo Miranda Endereo: Av. Marcos Waldemar de Freitas Reis (antiga Av. Litornea), Bloco O, sala 323, Campus do Gragoat,
Niteri (RJ), CEP 24210-340. Telefone (21) 2818-3384 - [email protected] - www.uff.br/direito

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS proibida a reproduo total ou parcial, de qualquer forma ou qualquer meio. A violao dos direitos do autor (Lei n 9.610/98) crime estabelecido pelo artigo 184 do Cdigo Penal. Pedidos para: Evandro Bastos Sathler Rua Otavio Carneiro, 134/1102 Icara Niteri RJ 24.230-191 www.ambiental.adv.br - email: [email protected] FUNIVALE Associao Pr-FUNDAO UNIVERSITRIA DO VALE DO JEQUITINHONHA Rua Campo da Flores, 96 So Gonalo do Rio das Pedras Serro MG 39.153-000 www.funivale.org.br

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Ao Beleco (Manoel Bastos), meu av materno, tropeiro entre Lajinha e Manhumirim MG

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Agradecimentos Expedio Spix & Martius e aos seus parceiros: Tropa Serrana, Editora Estrada Real; Lis Produo, Senac-MG e Fazenda Novo Horizonte. Ao empenho e dedicao de um grande nmero de pessoas conhecidas e annimas que garantiram o sucesso do empreendimento. memria de Johann Baptiste von Spix e Carl Friedrich Phillipp von Martius, nossos grandes homenageados, cujos conhecimentos levantados durante a expedio original em 1818 buscamos nos rastros da Expedio contempornea. A comunidade cientfica brasileira ser eternamente grata a estes dois sbios. Aos dirigentes da Funivale1 (gesto 1997-1999): Martin Kuhne, Josias Morais, Clia Maria Teixeira Kubereck, Vicente de Paula Fonseca Neto, Arnaldo Hermgenes da Silva, Devanil Ferreira da Cunha (Pescoo); Lcia Magalhes Miranda; Rita Alcntara, Aparecida dos Santos Higino; Jos Maria da Cunha, Vera Lcia Ribeiro, Josefina Santos, Rosa Martins Perdigo e Joaquim Marques Filho. Aos amigos e expedicionrios Lus Puc e Renata dos Santos, pelo incentivo e reviso deste trabalho. Ao jornalista norte-americano Peter Muello, colaborador da Funivale h tempos, pela traduo do projeto da Expedio para o ingls. Xerox do Brasil, pela reproduo de 100 cpias do Projeto da Expedio. Ao Tullio Marques (Tropa Serrana) e Raphael Oliv (Editora Estrada Real), primeiros a abraarem de forma concreta o Projeto da Expedio. A Suzana Latini, Pepe Quintero e Ricardo Gabiru que disponibilizaram o aparato funcional da Lis Produo e, mais tarde, produziram um documentrio sobre a Expedio. A Sonia Pessoa pela impecvel assessoria de imprensa; Aos expedicionrios: Andr F. Amaral foto-jornalista e pesquisador; Andra Labruna - psicloga e pesquisadora; Antnio C. Nogueira - cinegrafista; Beto Magalhes cinegrafista; Carlos Alberto de C. Pinto - veterinrio e
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pesquisador; Claudiomir S. Souza (Pepe Smith) - artista plstico e pesquisador; Douglas Sun - msico; Eustquio Jos Ribeiro - motorista e tropeiro; Elaine Riscado - apoio; Elisa Rezende - jornalista e caminhante; Evandro Sathler coordenador do projeto e pesquisador; Fabiano L. de Paula - pesquisador; Feliciano Coelho (Feli) - diretor e cineasta; Filipe Maia - mdico; Geraldo L. Felcio tropeiro; Hlio Rabelo - turismlogo e relaes pblicas; Humberto F. M. Marques - bilogo e pesquisador; Jos Alves - motorista; Lucia Velasco - operadora de turismo e pesquisadora; Luiz Puc - jornalista, poeta e caminhante; Renata Santos -jornalista e apoio; Marcellus Giovanni - cinegrafista; Marcelo Miranda cinegrafista; Marcio R. A. dos Santos - pesquisador e caminhante; Maurcio M. de Carvalho - tropeiro; Norma Vilhena - pesquisadora e caminhante; Paulo M. do B. Filho - mdico e pesquisador, Paulo Poloni - assistente de udio e cmera; Pepe Quintero - produtor cinematogrfico e caminhante; Raphael Oliv pesquisador e caminhante; Ricardo Gabiru - produtor cinematogrfico e caminhante; Romildo A. Machado (Ted) - turismlogo e pesquisador; Sonia Pessoa - assessora de imprensa; Suzana Latini - produtora cinematogrfica e amazona; Tullio Marques guia operacional da tropa e pesquisador; Vania Gomes - psicloga e pesquisadora; Wellington Brito - motorista. Nosso absoluto agradecimento ao SENAC-MG, na pessoa do Dr. Sebastio dos Reis e Silva, Diretor Regional da Instituio poca que, acreditando no projeto da Expedio, forneceu os subsdios materiais necessrios. Amo-Te, IEF-MG, IEPHA, IGA; EMATER, BELOTUR, Polcia Militar de Minas Gerais; Governo do Estado de Minas Gerais; Rede Globo de Televiso, Revista Terra, Rdio Itatiaia - MG, Restaurante Tripu, AMKETUR, AMPAQ, Fazenda Serra Que Chora, Sindicato dos Metalrgicos de Sabar, Hotel Del Rio - Sabar, Rede MC - Marketing e Comunicao, Dr. Jos Aparecido de Oliveira e Antnio Henrique Borges de Paula. Maria Velasco (Pizzaria Las Leas - Niteri - RJ), pelo Jeep JPX, utilizado no apoio da Expedio. Agradecimentos aos tropeiros entrevistados ao longo da Expedio e ao povo das seguintes localidades e municpios: Ouro Preto, Glaura, Acuru, Rio Acima, Raposos, Sabar, Faz. Vera Cruz (Caet), Baro de Cocais, Fazenda Joo Congo (Baro de Cocais), Bom Jesus do Amparo, Ipoema (Itabira), Senhora do Carmo (Itabira), Itamb do Mato Dentro, Morro do Pilar, Conceio do Mato Dentro, Crregos (C. do Mato Dentro), Itapanhoacanga (Alvorada de Minas), Serro, So Gonalo do Rio das Pedras (Serro), Fazenda Boa Vista (Diamantina) e Diamantina.
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Aos outros viajantes, Auguste de Saint-Hilaire, Charles James Fox Bunbury, George Gardner, John Mawe, Johann Emanuel Pohl, Johann Mortz Rugendas, Prncipe Maximiliano de Wied-Neuwied, Richard Francis Burton, entre outros, cujos relatos das viagens empreendidas moda tropeira, por diversas regies do Brasil, foram imprescindveis para este trabalho. Ao Dr. Ney Kramer do Amaral e Dr. Ivens Sathler (meu pai), mdicos veterinrios, pelas preciosas informaes tcnicas. Ivens Sathler Jnior e Claudia Pinho, pela transcrio das entrevistas com tropeiros, gravadas em fita K7. Desembargadora Maria Collares Felipe da Conceio (TJRJ); ao Dr. Wilson Madeira e ao Dr. Lerni Machado de Mendona, que colaboraram na reviso do presente trabalho. My special gratitude to Elizabeth Bush and Ken Niehaus, extended to all the staff of GeoCentral, in Napa Califrnia - USA, for all the trust, friendship and working opportunities throughout the past years, which allowed me the material resources and spare time needed to produce this work. minha companheira e igualmente expedicionria, Lucia Velasco, peregrina do Caminho de Santiago de Compostela, que pacientemente dedicou muitas horas do seu sossego me ouvindo falar sobre tropeiros, tropas, burros e mulas, desde a fase de elaborao do Projeto at a edio final deste trabalho. E, por fim, agradeo aos meus pais pelo incentivo das letras e aos meus filhos Raisa, Adrien e Santiago (que est chegando), por compreenderem que as tantas horas que lhes faltei com a merecida ateno, dedicadas leitura e escrita, materializaram-se neste trabalho, que acredito no ter sido em vo. ___________________________________
1 Associao pr-FUNDAO UNIVERSITRIA DO VALE DO JEQUITINHONHA. uma organizao no-governamental, fundada em 1989, com sede na regio do Alto Jequitinhonha, no distrito de So Gonalo do Rio das Pedras, em Serro MG. A entidade tem por objetivo uma universidade livre, experimental e comunitria para todo o vale do Jequitinhonha.

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Prefcio
Prefaciar uma obra de tal magnitude, como o relato notvel da grande aventura vivida pelos Expedicionrios modernos Evandro B. Sathler e sua companheira L.V. pelos caminhos do Brasil e do mundo, juntos ou separadamente, como o Caminho de Santiago, os Altiplanos Andinos, Exploraes no Pantanal Mato-grossense, na Selva Amaznica, no interior da Bahia e no Sul. Em face da longa distncia percorrida entre Homricas Aventuras , a elaborao primorosa da obra e a apreciao do improvisado Prefaciador, o resultado poderia ser um tmido Posfcio e, devido nulidade cultural e literria do mesmo, um Epitfio Epistolar, enviando a obra para o Limbo... O livro Expedio Spix & Martius-Estrada Real relata brilhantemente a quase bi-secular passagem dos dois cientistas europeus em suas andanas de estudos no Brasil-Colonial. O autor, como um Explorador e Desbravador do presente (1999) relembra os Exploradores e Desbravadores do passado (1818) com mincias e detalhes que serviro de lastro para os Exploradores-Desbravadores do futuro (prximo ou remoto) possveis e presumveis. Li de ponta-a-ponta Tropeiros & Outros Viajantes e considero um trabalho hercleo, de flego e capacidade de pesquisa. Rico em citaes histricas, informaes geogrficas e at antropolgicas. Referncias bibliogrficas dignas de nota e apreciao pelos amantes da histria do Brasil e de nosso povo. A ExpedioModerna que se inicia em Ouro Preto (que j foi uma Vila Rica) passa por vilas e cidades histricas ou annimas, do vasto Estado de Minas Gerais (As Gerais) e vai terminar em Diamantina (antigo Arraial do Tijuco) que, apesar de ser a ex-terra dos diamantes, atualmente uma Prola de cidade amada e freqentada por uma das jias de nossa inexpressiva poltica nacional, o falecido presidente J.K. Quanto ao aspecto humano, o autor destacou atos e fatos pitorescos no decorrer da viagem, ocorridos no convvio com os demais viajantesaventureiros, tropeiros, moradores do meio rural, usos e costumes e a simpatia-generosidade da populao. Finalizo, parabenizando e homenageando a bravura, desprendimento e sentimentos de patriotismo e nacionalismo do autor, sua companheira de aventuras, demais viajantes e tropeiros. LERNI MACHADO DE MENDONA Historiador-Amador e/ou Compilador da Histria.
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Prefcio da 2a Edio
Ao ler TROPEIROS & OUTROS VIAJANTES, de sua autoria, o fiz inspirado na lapidar sentena do filsofo ingls Francis Bacon: H livros que devem ser saboreados, outros devorados, e poucos mastigados e digeridos. A sua obra - a bem da verdade - transportou-me minha infncia, vivida na localidade de Indai, no municpio de Lajinha, onde nasci. Foi l que convivi, intensamente, com tropeiros, carreiros e candieiros, especialmente na propriedade rural dos meus avs maternos Augusto Vitorino Costa e Maria Nogueira Heringer, de saudosa memria. Em razo disso, me familiarizei, ainda criana, com o rico vocabulrio de que voc se valeu para identificar, com rara felicidade, uma tropa e seus respectivos apetrechos. E agora, por sua exclusiva culpa, no bom sentido, a cada pgina lida explodia em mim a saudade agradvel daqueles tempos. Permanece ainda viva na minha memria a lembrana da euforia de que foi tomada a pequena populao rural de Indai, quando o inesquecvel Dr. Adalmrio Jos dos Santos, Prefeito de Lajinha, em seu primeiro mandato, aps o trmino da 2a Guerra Mundial, em 1945, determinou a abertura atravs de pees, chefiados pelo Sr. Eugnio Rosa - de estradas que viabilizassem o transporte, por caminhes, da produo agrcola daquele municpio, em direo cidade de Manhumirim, ligada ao Rio de Janeiro pela antiga Estrada de Ferro Leopoldina. Foi a partir de ento - pode-se afirmar com absoluta segurana - que a atividade tropeira, antes exercida com exclusividade, naquela regio e possivelmente, na maior parte do Brasil, comeou a ceder espao para o transporte rodovirio, sem contudo perder a sua indispensvel utilidade nas regies montanhosas e desprovidas de boas rodovias. Definido como um trabalho hrculo de flego e capacidade de pesquisa no prefcio da 1a edio, por LERNI MACHADO DE MENDONA, TROPEIROS & OUTROS VIAJANTES enriquece, no gnero, em toda a sua plenitude, a diminuta bibliografia existente. A sua valiosa contribuio - tenho certeza - despertar ONGS e RGOS GOVERNAMENTAIS para a merecida publicao e divulgao. o que espero - por uma questo elementar de Justia. Parabns! Abraos, Washington Coelho. Maio / 2004
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Sumrio
A p r e s e n t a o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 7 1 d i a :S b a d o1 0d eJ u l h o-O u r oP r e t oaG l a u r a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 4 2 d i a :D o m i n g o1 1d eJ u l h o -G l a u r aaA c u r u . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 3 3 d i a :S e g u n d a f e i r a1 2d eJ u l h o -A c u r u aR i oA c i m a . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . 4 5 4 d i a :S e g u nd a f e i r a1 3d eJu l h o-R i oA c i m aaR a p o s o s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . 5 6 5 d i a :Q u a r t a f e i r a1 4d eJ u l h o -R a p o s o saS a b a r . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 4 6 d i a :Q u i n t a f e i r a1 5d eJ u l h o-S a b a r aC a e t . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 8 7 d i a :S e x t a f e i r a1 6d eJ u lh o-C a e t aB a r od eC o c a i s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . 1 0 1 8 di a: S ba do 1 7d e Ju l ho - B ar o d eC oc ai s aF az . Jo o Co ng o .. .. .. . .. .. .. .. ... .. 11 2 9 d i a:Do m in g o1 8d e Ju l ho - F a z. Jo oC o ng o=D es c ans o .. . .. . .. . . .. . .. . . .. . .. ... . . 12 4 1 0 d ia :S e g un d af e ir a 19 deJ ul h o - Fa z .J o oCo n g oaI p o em a .. . . .. . . .. . .. . . .. ... . . 13 2 1 1 d i a :T e r a f e i r a2 0d e Ju l h o- I p o e m aa S r a .d oC a r mo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . 1 4 3 12 dia: Qta-feira 21 de Julho -Sra do Carmo a Itamb do M.Dentro..............156 13 dia: Quinta-feira 22 de Julho - Itamb do M. Dentro a Faz. do Sobrado..168 14 dia: Sexta-Feira 23 de Julho - Fazenda do Sobrado a Morro do Pilar.......183 15 dia: Sbado 24 de Julho - Morro do Pilar a Conceio do Mato Dentro...190 16 dia: Domingo 25 de Julho - Conceio do Mato Dentro a Crregos.......197 17 dia: Segunda-feira 26 de Julho - Crregos a Itapanhoacanga . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 0 7 1 8 d i a :T e r a f e i r a2 7d eJ u l h o-I t a p a n h o a c a n g aaS e r r o. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . 2 1 7 19 dia : Qu art afei ra 2 8 de Ju lh o - Ser ro a S .G . do Ri o da sP ed ras .. ... .. .. ... .2 29 20 dia: Quinta-feira 29 de Julho - S.G. do Rio das Pedras = Descanso.........236 21 dia: Sexta-feira 30 de Julho - S.G. do Rio das Pedras a Faz. Boa Vista. . . . . . 2 4 4 22 d ia: S bad o3 1d eJ ulho - Fa zen da Boa V ist a a Di ama nti na (fi m). ... ... ... ... ..2 49 C o n c l u s o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 5 5 N o t a s. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 6 2 R E F E R N C I A SB I B L I O G R F I C A S . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 7 4

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Apresentao
Tropeiros & Outros Viajantes um relatrio de pesquisa independente sobre a cultura tropeira e o modus viajante ao longo de parte da histria brasileira. O trabalho de pesquisa teve incio com a elaborao e posterior execuo do Projeto Expedio Spix & Martius, idealizado em comemorao aos 10 anos de atividades da Funivale. Encetada em julho de 1999, a Expedio Spix & Martius percorreu os quatrocentos e tantos quilmetros pela Estrada Real que separam Ouro Preto e Diamantina, com tropa mista de muares e eqinos, acompanhada por uma turma de caminhantes. Ao longo deste percurso, foram entrevistados dezenas de (ex)tropeiros e gente ligada a esta lida. A Expedio foi inspirada na experincia de Ana e Martin Kuhne (ela sua e ele alemo), proprietrios da Pousada Refgio dos Cinco Amigos, em So Gonalo do Rio das Pedras. Pelos idos da dcada de setenta, Ana e Martin traziam do Rio de Janeiro garotos em frias, utilizando tropas no percurso pela Serra do Cip at So Gonalo. A garotada caminhava e os animais transportavam os equipamentos. Esta dinmica contribuiu para despertar a vocao e o potencial ecoturstico da regio do Alto Jequitinhonha, em especial So Gonalo e Milho Verde, que hoje possuem vrias pousadas e uma boa infra-estrutura ecoturstica, com autnticos botecos, artesanato, operadoras de viagem, etc. A regio est inserida na rea de Proteo Ambiental APA das guas Vertentes e prximo ao Pico do Itamb, hoje Parque Estadual. A regio, entretanto, sofre as conseqncias tanto da recesso econmica, causada pela diminuio da atividade garimpeira, desde 1989, quanto o desastre ambiental que o garimpo vinha causando. Associado a estes problemas, como a extrao ilegal de candeia nas cabeceiras dos crregos e rios, a questo scio-ambiental na regio do Alto Jequitinhonha carece de maiores cuidados.

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Este cenrio foi incorporado no projeto da Expedio que, alm de desenhada ao modus viajante dos tempos passados, ou seja, em tropa, no que esta pesquisa enfocou, a Expedio tambm buscou chamar ateno para as Unidades de Conservao ao longo do trecho: o Parque Estadual do Pico do Itacolomi; A RPPN do Caraa; o Parque Nacional da Serra do Cip; o Parque Estadual do Pico do Itamb e a APA das guas Vertentes. Buscou tambm homenagear os naturalistas Spix e Martius, que estiveram na regio no comeo do sculo XIX, refazendo o mesmo roteiro que eles utilizaram entre Ouro Preto e Diamantina; buscou lanar a idia de um plo ecoturstico na regio do Alto Jequitinhonha, como forma de minimizar alguns dos problemas ambientais e deslanchar a implantao do Parque Estadual do Pico do Itamb e da APA das guas Vertentes, ambas apenas no papel at o presente momento; e, por fim, lanar a pedra fundamental de um centro de pesquisas no Pico do Itamb (2002m), capaz de monitorar a qualidade ambiental da regio do Alto Jequitinhonha. Antes da Expedio, pouco sabia sobre tropas e tropeiros. Parte deste pouco vinha da experincia de Ana e Martin. O outro pouco, de minha modesta experincia, na dcada de 1980, quando vimos uma tropa de ciganos, com pelo menos uns vinte cargueiros, todos lindamente enfeitados, coloridos, circulando por uma estrada vicinal prxima a So Jos do Safira, em Minas Gerais. Noutra ocasio, vimos uma tropa - pelo menos uns oito cargueiros - carregada com sempre-viva e outros botes colhidos na regio do Alto Jequitinhonha. Era o que podamos dizer sobre tropa e tropeiro, e isto era muito pouco. A realizao da Expedio foi um desafio. No havia recursos e o tempo era escasso. Uma cpia do Projeto foi enviada ao Tullio Marques, da Tropa Serrana (BH-MG), operadora ecoturstica especializada em passeios a cavalo. O Tullio foi um dos fundadores da Associao Mineira de Turismo Ecolgico (Amo-Te) e abraou a idia da Expedio imediatamente, tornando-se um dos grandes entusiastas do evento. Com ele veio o Raphael Oliv, da Editora Estrada Real (BH-MG), pesquisador especializado em caminhos antigos e as Estradas Reais. E, tambm atravs do Tullio, veio a Lis Produo (BH-MG), produtora de documentrios em vdeo e a Fazenda Novo Horizonte, de Carmo do Rio Claro, especializada
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em turismo com tropas, que forneceu os muares e indumentria, dando apoio ao evento. Atravs de contato com o SENAC - MG, na pessoa do seu Diretor, Sebastio dos Reis e Silva, foi entabulada uma parceria, onde o SENAC custearia o evento em troca de um documentrio em vdeo. Enquanto o Projeto da Expedio saa do mundo das idias para a realidade, foi sancionada, em 20 de janeiro de 1999, a Lei MG 13.173, a qual considera Estrada Real os caminhos e suas variantes construdos nos sculos XVII, XVIII e XIX, no territrio do Estado de Minas Gerais e dispondo sobre o Programa de Incentivo ao Desenvolvimento do Potencial Turstico da Estrada Real. O caminho que a Expedio percorreria foi cuidadosamente pesquisado por Raphael. Quanto a este aspecto, necessrio esclarecer que o caminho entre Ouro Preto e Diamantina, tambm conhecido por Caminho do Ouro, ou Estrada Real, segue de Ouro Preto para Mariana, Catas Altas, Santa Brbara e Cocais, diferentemente do caminho utilizado por Spix & Martius. Eles, tendo visitado Mariana, Catas Altas, Santa Brbara e o Caraa durante a estadia em Ouro Preto, decidiram empreender outro caminho, que permitisse visitar Sabar. A localidade de Cocais era o ponto de convergncia entre o caminho original que vem de Ouro Preto e o trecho utilizado por Spix & Martius, vindo de Sabar e Caet. Assim, quando partiram para Diamantina, utilizaram esta variante para Sabar, fazendo uma volta pela outra vertente da Serra do Espinhao, ao longo do Rio das Velhas. Todos estes caminhos eram conhecidos por Estrada Real e o trecho utilizado por Spix & Martius foi seguido por ns o mais rigorosamente possvel. Durante a Expedio, como se ver, foram entrevistados diversos tropeiros (ou ex-tropeiros). Estas entrevistas, gravadas em fita K7, demonstraram ser um rico acervo, que merecia um aprofundamento, como se concluiu em relatrio preliminar, logo aps a Expedio. Assim, aps a Expedio, foram dedicadas inmeras horas de transcrio de K7s. Muitas das gravaes ficaram prejudicadas, pois alguns tropeiros entrevistados, com idade avanada, tinham dificuldades na fala. Seguiuse Expedio muita leitura e pesquisa em sebos e bibliotecas, buscando sobre tropeiros, tropas, muares e viajantes em geral.

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Na fase de elaborao do relatrio, por se tratar de uma pesquisa independente, ou seja, sem vnculo acadmico, no nos preocupamos em satisfazer a formatao desta ou daquela instituio, mas tratamos de manter um mnimo de rigor cientfico. Encontramos trs livros que tratavam especificamente da questo tropeira: O folclore das tropas, tropeiros e cargueiros no Vale do Paraba, de Tom Maia e Thereza Regina de Camargo; Tropas e tropeiros na formao do Brasil, de Jos Alpio Goulart e As tropas da moderao, de Alcir Lenharo. Estas trs obras foram o que de mais especfico encontramos. Destas, orientamos a pesquisa bibliogrfica, que nos levou em grande parte aos conhecidos cronistas estrangeiros do sculo XIX. Da leitura empreendida, juntamente com as entrevistas realizadas durante a Expedio, acreditamos contribuir para consolidar a importncia que teve o tropeiro na formao do Brasil e sua contribuio como primeiros empreendedores tursticos, como veremos. O tropeiro, personagem que discorreremos intensamente, circulou com suas tropas de muares, as ditas bestas-burros e mulas, pelas mais diversas trilhas, caminhos e estradas. Segundo os registros, os muares j apareciam no Brasil na segunda metade do sculo XVII e, ao que se pode concluir, tiveram participao nas bandeiras que adentraram o interior brasileiro. At porque a atividade tropeira, com outro nome, j existia na pennsula ibrica desde o sculo XV. Seria razovel acreditar que, dos tantos costumes portugueses trazidos para o Brasil, a forma de transporte em bestas, bem como a indumentria utilizada, fosse, no mnimo, similar. O tropeiro era tido como heri e muitas vezes criminoso, dependendo de quem os via. Na senda herica, o tropeiro levava o alimento que saciava a fome do mineiro, que, obcecado pelo metal dourado, no tinha tempo para lavrar a terra e produzir alimentos. Na criminosa (do ponto de vista da Coroa Portuguesa), era responsvel pelo descaminhodo ouro e diamantes. A chegada das tropas era motivo de festa entre os mineiros. Falar em tropa e tropeiros falar da histria de Minas Gerais e do Brasil que, em muitos momentos, uma s. A histria de Portugal, bem como da Inglaterra
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e pases como a Holanda, a Espanha e a Frana, tem um germe em Minas pois, de uma forma ou de outra, estes pases se beneficiaram do ouro e dos diamantes transportados pelas bestas. Muito do que sabemos sobre os tropeiros e do modo viajante da poca nos foi narrado pelos naturalistas europeus: os cronistas do sculo XIX. Antes desta poca, o ingresso no interior do Brasil, sobretudo Minas Gerais, era proibido aos estrangeiros. S a partir da chegada da Famlia Real em 1808 que esta proibio flexibilizou-se. Com o casamento de D. Pedro I com a arquiduquesa Maria Leopoldina Josefa Carolina de Habsburgo, da ustria, o Brasil foi redescoberto. Desta vez, pelo crivo das cincias naturais, que recuperou pelo menos 200 anos de atraso em relao Europa. Como parte do dote trazido pela arquiduquesa, futura Imperatriz Leopoldina, como ficou mais conhecida, viriam ao Brasil vrios naturalistas europeus, integrando esta comitiva, e muitos outros vieram pelos mais diversos motivos ao longo do sculo XIX. O ingls John Mawe, considerado oficialmente o primeiro estrangeiro a penetrar a provncia de Minas Gerais, esteve no Brasil entre 1807 e 1811, e seu objetivo principal era pedras preciosas. O Prncipe Maximiliano de Wied-Neuwied era alemo e tinha interesses diversos entre a botnica e ornitologia. Esteve no Brasil entre 1815 e 1817 percorrendo o litoral brasileiro, do Rio de Janeiro at a regio de Ilhus e de l pelo serto at Minas e, ainda, pelo serto at Salvador da Bahia. O francs Saint-Hilaire era botnico e esteve no Brasil entre 1816 e 1822. Sua viagem por diversas regies brasileiras foi magistralmente relatada em oito obras. Spix & Martius eram bvaros e chegaram ao Brasil em 1817. Viajaram com tropa e guiados por tropeiros pelo Rio de Janeiro, So Paulo, Minas Gerais, Gois, Bahia, Pernambuco, Piau e Maranho e pela Bacia Amaznica em barco a remo. Retornando para a Europa em 1820, foram agraciados com ttulos da nobreza. Os dois iniciaram imediatamente a trabalhar nas anotaes da viagem, publicando um volume em 1823. O segundo volume, em 1825, no contou com Spix, que havia falecido.
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Martius continua a obra, utilizando-se das anotaes de Spix e publica o terceiro volume em 1831. Da para frente, vrias obras foram escritas por Martius, que dedicou o restante de sua vida obra Flora Brasiliense, com 40 volumes e que levou 66 anos para ser concluda. Johann Emanuel Pohl, natural da Bohemia, era mdico, mineralogista e botnico. Esteve no Brasil integrando a mesma comitiva que Spix & Martius, entre 1817 e 1821. Percorreu o Rio de Janeiro, Minas Gerais e Gois, retornando ao Rio de Janeiro. O desenhista alemo Johann Moritz Rugendas veio ao Brasil integrando a Expedio do russo Langsdorff, entre 1824 e 1829. Logo chegando ao Rio de Janeiro, abandonou a Expedio e encetou viagem para Minas Gerais por conta prpria. O ingls Charles James Fox Bunbury era naturalista e esteve no Brasil entre 1833 e 1835, visitando o Rio de Janeiro e Minas Gerais. O ingls George Gardner era mdico e botnico e esteve no Brasil entre 1836 e 1841, percorrendo o Rio de Janeiro, Bahia, Alagoas, Pernambuco, Cear, Piau, adentrando para o hoje Estado do Tocantins, Gois, Minas Gerais e, finalmente, retornando ao Rio de Janeiro. O ingls Richard Francis Burton era cnsul, e esteve no Brasil por um bom perodo neste mister. Percorreu o Rio de Janeiro e Minas Gerais. Em Sabar construiu uma embarcao e desceu o Rio das Velhas at o Rio So Francisco e por este at a Cachoeira de Paulo Afonso, viagem iniciada em 1867. Os relatos deixados por estes naturalistas foram compilados em tudo que se referisse a muares, tropeiros, tropas e modo de viajar que tivessem alguma relevncia, bem como uma quantidade enorme de curiosidades que entendemos ilustrar a narrativa da aventura contempornea. Outras obras importantes de autores brasileiros foram igualmente consultadas. Na medida em que narramos as entrevistas com os (ex)tropeiros do trecho percorrido, vamos recheando com informaes obtidas na literatura. Neste mesmo sentido, vamos informando sobre os

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lugares que a Expedio percorreu, utilizando igualmente narrativas obtidas na literatura. Ouro Preto patrimnio da humanidade. Diamantina reivindicava h anos este ttulo, agraciada pela UNESCO em dezembro de 1999. Ligando estes dois patrimnios, a Estrada Real chega para firmar-se, no como OBJETO da ateno das autoridades, mas como MEIO para toda a sociedade elaborar e empreender projetos sustentveis para a populao envolvida, presente e futura. Pedimos desculpas pelas eventuais falhas aqui existentes. Esperamos que na leitura de Tropeiros e Outros Viajantes o leitor sinta um pouco da experincia e da emoo vivida com a Expedio Spix & Martius - 1999 e o que ela significou para os que dela participaram e para as comunidades com que travou conhecimento. Ainda, se forem encontradas falhas e omisses, devem-se estas apenas dificuldade em administrar o grande volume de informaes, em virtude das tarefas na organizao, apoio e contabilidade do evento. Alguns fatos importantes fugiram ao registro, involuntariamente, no que tenham sido menos importantes, mas estamos certos de que o leitor saber entender. Boa jornada.

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1 dia: Sbado 10 de Julho Ouro Preto a Glaura


Quem se decida a empreender viagem semelhante deve gozar de excelente sade, ser capaz de suportar fadigas de todo gnero, animado de ardente zelo pelos objetivos em mira, suportando tranqila e alegremente todo e qualquer desconforto, acomodando-se s privaes, e sabendo tomar no bom sentido todas as contrariedades que experimente. Prncipe Maximiliano de Wied-Neuwied2 Prlogo Uma brisa fina soprava do sudoeste naquele comeo de manh e uma nvoa tnue invadia a praa que leva o nome do mais conhecido dos conjurados: Tiradentes localizada no corao da cidade de Ouro Preto na histrica Minas Gerais. De repente, como por encanto, homens e mulheres comeam a chegar - muitos esto vindo de lugares distantes e ainda nem se conhecem. So os primeiros integrantes da equipe multidisciplinar da Expedio Spix e Martius que exibem suas mochilas e seus instrumentos de trabalho. So bilogos, historiadores, jornalistas, ornitlogos, turismlogos, artistas plsticos, tropeiros, advogados, mdicos, cineastas; unidos pela mesma idia de vivenciar os quase 500 quilmetros de Estrada Real que os levaro at a cidade de Diamantina. Desse percurso, nasceu TROPEIROS & OUTROS VIAJANTES, fruto de dezenas de entrevistas ao longo do caminho e muitas horas de pesquisa em bibliotecas particulares. O sentimento que nos acompanhou desde aquela manh foi animado pela certeza de que a profisso de condutor de tropa, apesar
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das estradas e meios de transportes modernos, est longe de findar. A causa, como o leitor atento ir observar, tem razes profundas no modo de vida do povo do interior do Brasil (em particular, o mineiro) e na aventura que proporciona a profisso de tropeiro - que produziu as estrias e casos aqui narrados. J estamos a caminho. Ouro Preto: Vila Rica, a rica vila! Ouro Preto, nosso ponto de partida, foi chamada um dia de Vila de Albuquerque. Mais tarde, Vila Rica, nome que conservou por muitos anos. Foi capital da mais importante e lucrativa capitania da colnia brasileira. Para Portugal, Ouro Preto era sinnimo de riqueza. Vila Rica a rica vila! ...lugar durante muitos anos considerado o mais rico do Brasil,.... segundo Mawe3 . Pohl4 informa que a situao da cidade no oferece vista atraente, antes apresenta um aspecto tristonho pela peculiaridade das formas em derredor. Saint-Hilaire5 complementa: o verde carregado das laranjeiras e cafeeiros muito multiplicados nos jardins, um cu quase sempre nevoento, a esterilidade dos morros no edificados, do, porm, ao panorama um aspecto sombrio e melanclico. E, comentando sobre o ouro, complementa: a grande quantidade de ouro que se encontrou em Vila Rica foi a nica causa de sua fundao. Como capital da Provncia de Minas Gerais, Vila Rica detinha ainda uma importncia poltica. No comrcio no era diferente. Spix & Martius6 registram que, entre todas as cidades no interior do Brasil, nenhuma tem comrcio to animado como Vila Rica. A populao no auge da minerao chegou a mais de vinte mil almas e j no comeo do sculo XIX estava reduzida a oito mil. Saint-Hilaire7 acrescenta que essa vila estaria mais deserta ainda se no fosse a capital da provncia, a sede da administrao e a residncia de um regimento. Lcio Jos dos Santos8 destaca que Vila Rica era um centro de cultura. Possua juristas de valor, poetas notveis, oradores eloqentes. Havia, na capital... sociedades literrias, famlias abastadas, festas suntuosas. No s de passado que vive a cidade. At hoje Ouro Preto
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destaca-se no cenrio cultural nacional. A primeira escola de Minas surgiu em Ouro Preto e segue at hoje formando a nata da engenharia de Minas. Ouro Preto hoje uma tpica cidade universitria, com dezenas de tradicionais repblicas, recebendo estudantes de todo o Brasil. O clima estudantil faz de Ouro Preto um lugar prazeroso. Quem no visitou Ouro Preto no conhece Minas, e quem no conhece Minas no conhece o Brasil. A sada de Ouro Preto foi apotetica. Animais muito inquietos e assustados. Expedicionrios (caminhantes e cavaleiros) em curso pela Trilha do Chafariz. Teimoso como um burro Segundo o mdico-veterinrio Ney Kramer do Amaral, o hbrido (produto da unio de duas espcies diferentes) do Equus caballus (cavalo) com o Equus asinus (jumento) denomina-se mulo ou burro. Mula o mesmo hbrido, com genitlia feminina. Besta apenas sinnimo genrico. Os testculos do burro so mal desenvolvidos. Normalmente o burro castrado, caso contrrio, fica de mau temperamento. Da a expresso: teimoso como um burro. A mula em geral mais vigorosa e dcil. Os hbridos dos eqdeos so habitualmente estreis, com rarssimas excees. O produto do acasalamento do jumento com a gua , em geral, de maior porte do que o do cavalo com a jumenta: conhecido como bardoto. Ivens Sathler, igualmente mdico-veterinrio das antigas, acrescenta que o cavalo geralmente no tem libido pela jumenta, ao contrrio do jumento pela gua. Por esta razo, o sistema usado na criao o da cobertura da gua pelo jumento. A monta feita trazendo o jumento para efetuar a cobertura da gua em cio. O Dr. Ney complementa que, na natureza, em liberdade, eles no se acasalam. Excepcionalmente, a mula (fmea hbrida) fecunda pelo cavalo, ou pelo jumento. No primeiro caso, forma-se um cavalo; e, no segundo, um hbrido ou burro. A explicao que se tem admitir que, eventualmente, a mula pode formar um vulo exclusivamente
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guarnecido com cromossomos de Equus caballus. E, ento, com um espermatozide de cavalo, dar um cavalo; com o de um jumento, dar novamente um hbrido. O cavalo tambm pode formar um hbrido com a zebra. Os hbridos de todas as espcies tm um vigor manifesto, superior ao dos pais. um fenmeno denominado em gentica de heterose. Os muares so extremamente rsticos, sbrios e resistentes, donde o seu uso como animais de carga em regies ridas e montanhosas. Em Minas tem o jumento Pega, raa local da regio perto de Lagoa Dourada, com origem tnica de sangue egpcio, ibrico e italiano. Alis, o bero de origem do jumento parece ser o norte da frica, donde a sua difuso por todos os pases do Mediterrneo. A origem do nosso jumento certamente ibrica, pois no havia eqdeos na Amrica antes da descoberta. A chegada dos primeiros jumentos teria ocorrido em 1540. O pesquisador, mdico e veterinrio, Eduardo Gastal, especialista em reproduo de eqinos, descobriu Rainha, uma mula frtil que j teve cinco crias. Rainha vive em Cumari (Gois) na Fazenda So Sebastio. Exames comprovaram ser Rainha genuinamente uma mula frtil. Com essa descoberta, Rainha passou a ser considerada a quarta mula frtil do mundo. Trilha do chafariz Glaura9 estava a 22km, de acordo com a navegao prevista. Caminhantes e tropa seguiram pela Trilha do Chafariz. A trilha estreita, tipicamente uma trilha para tropa, suficiente apenas para a passagem de um animal por vez. Se for cargueiro, como um dos nossos animais, que levava duas caixas nas laterais, vai batendo as cargas pelo barranco e pelas rvores do caminho. Este inconveniente contribui para afrouxar os arreamentos que prendem a cangalha e o couro que cobre a carga, forando peridicas paradas para acertar a indumentria. Coberta por vegetao em bom estado de conservao, a Trilha do Chafariz - autntico trecho da Estrada Real - leva este nome devido existncia de uma fonte mandada construir em 1782 pelo Excelentssimo Dom Rodrigo de Menezes, Governador e Capito Mor. No dito chafariz, por volta de uma e meia da tarde, tropa e caminhantes se
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encontram, bem como um grupo de ciclistas. Confraternizao entre os expedicionrios. 7Almocreves & camaradas Definir o tropeiro no tarefa pacfica. No decorrer da pesquisa de campo e na literatura observamos o tropeiro com vrios sinnimos: tocadores, arrieiros, comboieiros, muladeiros, muleteiros, entre outros, usualmente denominados camaradas. Nosso grande dicionarista, Aurlio Buarque de Holanda10, define o tropeiro como Condutor de tropa; arrieiro. Indivduo que compra e vende tropas de gado, de mulas ou de guas. A origem da palavra tropeiro deriva do vocbulo tropa, que tem a mesma grafia e significado em espanhol, mas originria do francs troupe. Contudo, o indivduo engajado na atividade de transporte de cargas, bagagens e mercadorias em bestas, representado no Brasil pelo vocbulo tropeiro, em Portugal representado pelos vocbulos almocreve e recoveiro, ambos de origem rabe. A primeira deriva de almukari ou almoqueire ou almokarive, de origem mal definida, mas que significa o que aluga, o que d em aluguel, segundo o Dicionrio Etimolgico da Lngua Portuguesa, de Jos Pedro Machado. A segunda, derivada de rcova ou rcua, do rabe rkuba, significa o que tem a ver com montaria e, ainda, significa cfila, caravana ou grupo de viajantes montados em bestas. De rcova vem a recovagem, que a atividade de transporte de mercadorias ou cargas em bestas, palavra que aparece na lngua portuguesa desde o sculo XV, segundo o Dicionrio citado acima e o Dicionrio Etimolgico Resumido, de Antenor Nascentes. Jos Alpio Goulart11, em sua grandiosa obra sobre tropeiros, enftico: Os vocbulos almocreve e recoveiro, que em Portugal servem para designar o alugador e o condutor de bestas no exprimem, na sua etimologia, o tropeiro e o camarada do nosso Brasil. E vai mais alm afirmando ser o tropeiro um termo do Brasil, condutor de tropas; homem que viaja com cavalgaduras de carga; negociante que compra e vende tropas de muares, preferindo entender o tropeiro com seu negcio de
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transporte organizado, ao invs daqueles tangedores de manadas que recebiam a mesma denominao. Assim, temos o tropeiro como dono da tropa, ou seja, dos animais e apetrechos. Mawe12 define de forma singela o tropeiro como sendo um proprietrio de burros, que os emprega no transporte de mercadorias, por conta de outrem ou por conta prpria. A tropa, como propriedade do tropeiro. Neste panorama, o tropeiro um alocador de servios ou vendedor da capacidade de carga de seus animais. Faz frete, transporta carga para outros, mas no viaja necessariamente com a tropa, encarregando este servio a um terceiro, como veremos. Temos ainda o tropeiro negociante. Ou seja, alm de dono da tropa e viajar com ela, comercializa mercadorias prprias e, muitas vezes, presta servio de transporte para mercadorias de terceiros. o tropeiro mais completo. Temos ainda o tropeiro como encarregado de conduzir a tropa, composta, sobretudo, de animais cargueiros. Aqui, o tropeiro como empregado do dono da tropa. Geralmente chamado de arrieiro ou tocador. Na falta do dono da tropa, considerado o patro. ele quem responde pela tropa e sua carga. Na categoria de tropeiro, ou camarada, integrante da tropa, temos tambm o madrinheiro, via de regra um garoto de oito a quinze anos, que seguia montado na madrinha, geralmente uma gua mansa. Muitos se iniciavam na atividade tropeira como madrinheiro ou guiador. O madrinheiro tambm assumia a funo de cozinheiro nos pousos e dava suporte atividade do tocador e do arreador. Era o faz tudo. E ligados atividade tropeira, provendo os tropeiros e suas tropas com apetrechos, acessrios e infra-estrutura de viagem, est o castrador (responsvel pela castrao dos animais); o domador (responsvel pela doma do animal para sela ou cangalha); o ferreiro (que preparava as ferraduras); o ferrador (que ferrava os animais); o tranador (que preparava os laos, cabeadas, rdeas, peitorais, chicotes e bruacas, utilizando-se de couro cru); o cangalheiro (que fazia e consertava cangalhas); o seleiro (que fazia e consertava selas e preparava as
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cangalhas); o jacazeiro, ou balaieiro, ou cesteiro (que fazia os jacs, balaios ou caus, usando a taquara); e o funileiro (que fazia os trens de cozinha, com chapas de metal). Spix & Martius13 discorrem: Cada tropa, constando de vinte at cinqenta mulas, conduzida por um arrieiro a cavalo. Este homem d a ordem de partida, de descansar ou de pernoitar da tropa, cuida de equilibrar a carga, do bom estado das cangalhas, melhor-las, quando elas ferem o animal, cura as mulas doentes e trata das ferraduras. Sob as suas ordens esto os tocadores, cada um dos quais toma conta de um lote de sete mulas. Eles caminham a p, carregam e descarregam, do de comer e de beber aos animais, levam-nos ao pasto e cozinham a comida. O arrieiro, em geral um mulato liberto, tambm se ocupa da venda e da compra das mercadorias na cidade e faz o papel de comissrio do dono da tropa. Os tocadores so na maioria negros, que logo se acostumam a esses misteres e preferem esse gnero de vida errante aos trabalhos das lavagens de ouro e das plantaes de roa. Rede Globo: tudo a ver! Ainda na Trilha do Chafariz, a Rede Globo de Televiso entrevistou vrios expedicionrios e a matria foi exibida no MG TV do dia 10 de julho e no telejornal Bom Dia Brasil do dia 14 de julho. Das tropas e suas acepes A palavra tropa, como j vimos, proveniente do francs troupe. Na lngua portuguesa, e em especial no Brasil, este vocbulo assume uma srie de acepes. O dicionrio Aurlio, edio Sculo XXI, define tropa como bando de pessoas ou de animais; ou o conjunto de muitas pessoas agrupadas; multido. Significa ainda o conjunto de soldados; os soldados de qualquer arma, o exrcito. No popular, cada uma das unidades locais de escoteiros, e caravana de animais eqdeos, especialmente os de carga. Possui ainda a acepo do conjunto dos trabalhadores braais em empresas de armazns de depsito. No Rio Grande do Sul, uma grande poro de gado vacum em marcha dum ponto para outro (normalmente para as charqueadas). Em Minas Gerais, agrupamento de escravos dirigidos por

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empregados livres, e que trabalhavam na extrao de diamantes em lugares que chamavam servios. Goulart14 indica que tropa era designao de bandos de negros escravos, adquiridos nos mercados prprios e levados para as propriedades de seus respectivos senhores. Segundo Saint-Hilaire15, outra acepo de tropa refere-se aos aventureiros paulistas: iam procura de ouro e se entranhavam pelas matas a fim de escravizar ndios, reuniam-se em grupos mais ou menos numerosos, comandados por um deles, que tomava o ttulo de capito. Essas tropas tinham em portugus o nome de Bandeira,... Como outra acepo, a literatura aponta sua utilizao para designar certos grupos de ndios, como se depreende do relato de Pohl16: Ento apareceram as tropas dos nossos ndios; corroborado pelo relato de Saint-Hilaire17, que menciona que Quando o comandante Julio veio fixar-se em S. Miguel, trouxe consigo uma tropa de ndios,.... O Prncipe Maximiliano18 informa que tropa o nome dado a um certo nmero de animais de carga que viajam em conjunto. E neste sentido que entenderemos tropa doravante. E ainda como sinnimo de tropa, como informa Goulart19, em sua acepo de grupo de muares, temos a mulada ou burrada ou burrama (grupo de mulas/burros); cavalhada, no caso de cavalos e guas. Mono era um termo designativo das expedies que adentravam o interior e, no Mato Grosso, conhecido como sinnimo de tropa cargueira. Comboio era o sinnimo de tropa mais usual no nordeste brasileiro. Caravana era um termo utilizado no nordeste e norte, como designativo de tropa de muares cargueiros. Conduo e comitiva eram tambm sinnimos de tropa de muares cargueiros. Doutor Passamos pelo povoado de nome Doutor. Ao que tudo indica, este povoado chamava-se Bandeirinha, citado por Spix & Martius20 como um ncleo de pobres palhoas. A comunidade no tem escola e seu nome se d em virtude de, no passado, um mdico atender a seus pacientes graciosamente. Em Doutor, a Expedio foi calorosamente recebida pela populao. Clima de festa. O Clube do Cavalo de Cachoeira do Campo e

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o Restaurante Tripu nos brindaram com um almoo tpico mineiro, servido no Bar do Z Lopes e de D. Neli. O cardpio foi frango com quiabo e angu. Samos de Doutor em direo a Glaura. No h qualquer sinalizao indicando rumos ou quilometragem, situao que vamos observar ao longo de toda a Expedio at a chegada a Diamantina. Glaura ou Casa Branca Entramos em Glaura21. Lugar simptico, com cerca de 200 habitantes no ncleo urbano. Foi chamada de Santo Antonio de Casa Branca, ou somente Casa Branca. Mesmo sendo oficialmente Glaura, o povo a trata como Casa Branca. Sobre Glaura, que j foi uma pequena aldeia, Lucio Jos dos Santos22 informa: Surgiram ento arraiais da zona do campo, que no deveram a sua origem minerao, mas lavoura, como Cachoeira do Campo, Casa Branca, So Bartolomeu, etc. Na expedio original, Spix & Martius23 tambm pernoitaram em Glaura e comentaram: Arraial de Santo Antonio de Casa Branca,... nos proporcionava bom pouso para a noite, uma venda, bem sortida, por estar perto da capital. Saint-Hilaire24, que tambm passou por Glaura, registrou: encontrei uma parquia, a de Casa Branca... no tem seno uma lgua quadrada de territrio, o que, no serto, no passa de uma pequenina fazenda. E acrescenta: Santo Antonio de Casa Branca... Essa aldeia... pareceu-me pouco considervel e no mesmo estado de runas e abandono de tantos outros lugares. Burton25 tambm esteve em Glaura e informa que o lugar floresceu antes de 1801, mas que a nica coisa que podia exibir como resultado do seu ouro era uma capela de pedra. Os Expedicionrios foram acomodados no Salo da Associao Comunitria de Glaura e alguns instalados na casa paroquial. O jantar foi preparado pelos integrantes da Associao Comunitria26. Aps o jantar, fomos agraciados com a msica do grupo Seresta de Glaura.
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2 dia: Domingo 11 de Julho Glaura a Acuru


O gosto pela Histria Natural faz nascer o de viajar Saint-Hilaire27 Alvorada em Glaura. Os Expedicionrios se apresentam para o caf-da-manh, proporcionado pela Associao Comunitria de Glaura, servido no mesmo local onde passamos a noite. Com o merecido descanso e um desjejum primoroso, era hora de fazer rastro. Primeiro saram os caminhantes que, aproveitando a fresca das primeiras horas da manh, e para evitar a poeira da estrada nestes tempos de seca, preferem estar sempre na vanguarda. A sada da tropa seguia uma dinmica diferente. Era necessrio reunir os animais, selalos, checar a indumentria, para s ento, com tudo em ordem, dar a partida. Esta rotina seguiu por todos os dias da expedio. Os equipamentos pessoais, de caminhantes e cavaleiros, eram transportados nos veculos de apoio: um Jeep Gurgel, da Tropa Serrana; um Jeep JPX, da FUNIVALE; e um caminho Volkswagen, da Fazenda Nova Horizonte. O diabo em quatro patas Os muares so muito inteligentes e extremamente sensveis, comportamento que pouco se explica. No incio das grandes jornadas, os muares reagem indceis e buscam se livrar das cangalhas e cargas. Dispersam-se. Do coices. Viram o diabo com quatro patas. Podem reagir desta forma quando a alimentao no boa ou insuficiente; quando falta gua ou chove muito; quando os caminhos so pssimos. Talvez nem precisem de motivos. Eles simplesmente reagem. Todos os viajantes pesquisados, de uma forma ou de outra, comentam o comportamento dos muares.
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Para ilustrar, destacamos alguns relatos, experincias vividas pelos viajantes cronistas do sculo XIX, sobre as mais diferentes reaes dos muares. Muitas vezes era o viajante tomado de surpresa por uma tempestade inesperada. O barulho dos troves podia deixar os animais aturdidos, como nos conta Pohl28: surpreendeu-nos terrvel tempestade... o raio atingiu... rvores cujos galhos quebrados claramente ouvamos estalando. O eco duplicava o terrvel barulho da tempestade de tal modo, que os nossos burros se assustaram. Caiu um deles que, atordoado por medonho estrondo, disparara a correr. (...) desde longo tempo no estavam acostumados a conduzir cargas, esgotava-se-lhes antes a pacincia do que as foras. No tardou que se deitassem no cho e se livrassem da carga. Isto se repetiu bem mais de quarenta vezes nesta curta jornada. Bom pasto e farta gua era uma preocupao constante nas longas jornadas. Era importante deixar os animais saciados. A falta de alimento e gua para os animais representava um grande tropeo. Os animais costumavam fugir em busca de pasto e gua, muitas vezes retornando a locais pelos quais a tropa j havia passado. A fuga dos animais, portanto, era sempre um inconveniente e no raro atrasava a viagem por horas e at dias, como comenta o Prncipe Maximiliano29 que fugido um dos burros, fui obrigado a permanecer dois dias nesse lugar arenoso e triste. E segue: Estando o calor extremamente forte nesse dia, os nossos animais de carga, esgotados, buscavam sofregamente gua, o que por pouco nos ocasionou uma perda; um dos nossos animais atirou-se de repente num charco, fazendo com que a gua entrasse nas caixas e estragasse quase completamente tudo o que nelas se guardava. O viajante est exposto em tais ermos a freqentes acidentes desse gnero, perdendo, muita vez, pela indocilidade dos animais de carga, pela negligncia dos tropeiros ou pelas chuvas, o fruto de assduas pesquisas e de longas e penosas jornadas. E vai mais alm: Os animais de carga no foram mais bem aquinhoados que os homens, pois no solo sombreado pela mata fechada no cresce muita relva, e ao longo da estrada s se viam arbustos duros e na maior parte espinhosos. No seria, pois, de surpreender que esses inteligentes animais procurassem a todo momento voltar para as pastagens cuja lembrana ficasse profundamente gravada na memria.
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...Tivemos, por conseguinte, de obrigar os burros a andar para a frente pela velha estrada da floresta e, sendo ela impraticvel pelos lados, juntas so a as rvores, bastou fechar o caminho por trs deles, com compridos paus e pequenas rvores atravessadas. Assim mesmo, fugiram, conforme o seu costume, logo que anoiteceu. (...) Comeamos, ento, a pensar que outro motivo se somava ao de procurar melhores pastagens para faz-los fugir... logo descobriram os rastos de duas grandes onas (jaguaret) que, durante a noite, haviam passado pelas nossas proximidades. Se tivessem podido, no teriam deixado de se apoderar de um par de burros nossos. Os burros podem se assustar com qualquer coisa. Uma ona, um barulho de vento, um galho que cai. O Prncipe Maximiliano acrescenta que, certa vez, ouviu a burrada toda em disparada, fugindo de onde estavam. A indocilidade desses animais no me deixou outra alternativa seno ceder-lhes lugar, o mais depressa que pude, para que passassem, sem me ferirem com as caixas que carregavam. Todos se puseram a correr e, como continuassem em disparada, pude descobrir a causa de sua fuga. Haviam esbarrado, borda do caminho, nas folhas dum arbusto em que havia um ninho de vespas (marimbondos). Enxames dessas vespas furiosas, (...) se haviam lanado contra os pobres animais; tamanho pavor tm eles dessas vespas que fogem imediatamente e se precipitam infrenes nas moitas mais cerradas e embaraadas de espinhos. Spix & Martius30 comentam sobre fuga dos animais: O porto da ponte no se fechava noite, e diversas de nossas mulas cargueiras, como costume dos animais de trao, tinham fugido pelo caminho percorrido antes. Nos pousos ao final de cada dia, ficavam os animais em pastos fechados com alguma sorte mas, via de regra, sem qualquer cerca. Dependendo dos lugares, era necessrio aplicar a peia, que consiste na priso de corda ou de ferro que segura os ps das bestas, ou seja, uma amarrao que no permite os animais caminharem com desenvoltura, como num trote ou numa corrida. Era necessrio evitar que os animais se deslocassem para muito longe do local do pouso. Sem local fechado ou peia, reunir os animais no dia seguinte poderia transformar-se num martrio, perdendo-se muito tempo e transformando o incio do dia num verdadeiro pesadelo.
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Burton31 enftico ao comentar sobre muares: Esses animais so o nosso martrio: param em frente do carro, viram-se de costas, escoiceiam furiosamente, aglomeram-se e precipitam-se no meio da estrada, como se estivessem decididos a impedir-nos a passagem. Apenas para esclarecer, o que Burton chama de carro uma espcie de diligncia puxada por uma junta de muares utilizada na segunda metade do sculo XIX para as viagens entre Petrpolis e Juiz de Fora. Eli: balaieiro Ainda na sada de Glaura tivemos a oportunidade de entrevistar o Eli, que toma conta de uma fazenda prxima. No curral desta fazenda, nossos animais pernoitaram. No momento de nossa sada, ele estava em plena atividade, tranando taquara com tamanha habilidade, dando forma aos balaios que vende para os tropeiros por trinta reais o par32. Ele nos conta que aprendeu a arte com seu sogro e j fez muitos balaios que foram para muito longe. Ele acrescenta que cada balaieiro tem seu modo de fazer o balaio, tambm conhecido por jac ou quiamba, e que pode reconhecer os balaios que fez no importa onde estejam ou quo surrados pela lida estiverem. Eli se emocionou durante a entrevista e as lgrimas que derramou simbolizaram para ns a emoo e a importncia do trabalho de pesquisa que se iniciava. Despedidas e p na estrada. Primeiros turistas Para fins de ilustrao neste trabalho, importante analisar o tropeiro sob uma tica mais abrangente: a de um viajante freqente dos caminhos, das Estradas Reais do Brasil. As mercadorias transportadas e sua propriedade tm relevncia, mas o mais importante era mesmo o meio de transporte e as rotas utilizadas para circulao. E neste sentido os tropeiros aparecem como condutores de viajantes. Fossem naturalistas estrangeiros com hbitos e costumes muito estranhos, levados a lugares pouco transitados pelo serto distante, ou nacionais, se deslocando de um ponto a outro por diversos motivos. O ingls John Mawe, tido como cronologicamente o nmero um dos viajantes-reprteres pelo interior, em especial Minas Gerais33,
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pode ser simbolicamente considerado o primeiro turista estrangeiro no Brasil. A tese considera os naturalistas cronistas do sculo XIX, como os primeiros turistas estrangeiros no interior do Brasil. Vejamos. Considerando-se que o termo turista, conforme nos reporta Hector Ceballos-Lascurin34, apareceu pela primeira vez em 1800 e foi publicado no Oxford English Dictionary em 1811. Significava desde ento o indivduo que viaja pelo prazer de viajar; por curiosidade. No quer dizer que na histria da humanidade, anterior a 1800, no se praticava o turismo na sua acepo mais aceita. Simplesmente, a partir de ento, esta atividade formalizou-se atravs de um vocbulo. E esta curiosidade, reforada por Saint-Hilaire como O gosto pela Histria Natural faz nascer o de viajar era um dos combustveis dos naturalistas; um dos pilares de qualquer cincia. Desta forma, se foram eles os primeiros turistas, foram os tropeiros os primeiros operadores tursticos, fornecendo com a tropa servios de transporte, guia, alojamento, alimentao e demais necessidades de viagem. Tudo no modo viajante dos tropeiros, que era, basicamente, o nico modo de se viajar longas distncias com cargas naquela poca. O carro de boi era outra alternativa, mas no servia para as grandes distncias em Minas, entre outros lugares com serra, dado condio das estradas. Por outra via, era o tropeiro apenas empregado, contratado para fornecer seus servios numa funo da tropa. Funcionava tambm como uma espcie de guia uma verso primitiva do guia turstico, profisso hoje das mais importantes no trade. Neste caso, era o viajante proprietrio da tropa e da indumentria, adquirida, em qualquer caso, sob a orientao dos tropeiros. Eram verdadeiras expedies cientficas, precursoras resguardada a proporo da atividade (eco)turstica de hoje. Portanto, sempre que fizermos meno ao tropeiro, nos referimos tambm a ele no sentido do viajante, condutor de tropa de muares (com ou sem carga); o tropeiro condutor de boiadas, neste caso o boiadeiro; e at o carreiro, transportador de cargas em carro de boi.

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Todos fazem parte da grande famlia de viajantes que circularam intensamente pelos caminhos antigos e abasteceram os recantos mais longnquos deste pas, desde o sculo XVII at pelo menos metade do sculo XX. Fazenda Ana de S A Expedio seguia seu curso neste segundo dia. A sada para Acuru no foi diferente. Sem qualquer sinalizao, a nica forma de descobrir o rumo a ser tomado era perguntando. Ao longo da estrada era possvel alcanar um caminhante aqui e ali. Os caminhantes saem juntos, mas chegam dispersos, pois cada um tem um ritmo e uma resistncia na caminhada. Em cmbio, a tropa sai junta e chega junta. No caminho para Acuru passamos pela antiga Fazenda Ana de S, e logo cruzamos o Rio das Velhas, bem prximo de sua nascente, numa ponte de pedra de cantaria. Cruzamos tambm uma estrada asfaltada que liga a mina de Capanema BR-040. A entrada em Acuru35 foi dispersa, nada que fosse digno de nota. Cada um chegou a seu tempo. Na espera pelos demais expedicionrios, os caminhantes que chegaram na frente descansavam debaixo de uma rvore frondosa. Rio das Pedras ou Acuru Spix & Martius 36 nos conta que de Casa Branca (Glaura) prosseguiu a viagem por montes e vales, alternadamente, at o sop de uma alta montanha, onde corre o pequeno Rio das Pedras e est a freguesia do mesmo nome, conhecido por algumas lavagens de ouro. Antigamente era comum dar nomes a crregos e rios, ou mesmo serra e outros acidentes geogrficos, por alguma caracterstica que os identificasse. Surgiram ento uma srie de rio fundo, rio claro, rio do peixe, etc. Por extenso, estes nomes, muitos em lngua nativa, passaram a nomear fazendas e aldeias localizadas nas cercanias. Sobre Acuru, Saint-Hilaire 37 registra: A igreja, que construda entre duas fileiras de palmeiras, avista-se de longe e empresta um belo efeito paisagem (...) no vira seno localidades em decadncia; mas no vira tambm nenhuma em to mau estado quanto Rio das Pedras.
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Burton38, por sua vez, comenta: A nica rua exibia, a leste, a Igreja do Rosrio, e mais a oeste a Capela de Nossa Senhora da Conceio, no terminada (...) porta da hospedaria an avistamos um cidado idoso, trajando casaca preta e soubemos que um bando de imigrantes americanos sulistas andava por ali procura de terras. Spix & Martius deixaram Vila Rica (Ouro Preto) para o primeiro pernoite em Casa Branca (Glaura) como fizemos, mas, diferentemente, eles saram de Glaura, passaram por Rio das Pedras (Acuru) e fizeram alto na Fazenda Cocho Dgua, local que passaremos no terceiro dia. Ou seja, no segundo dia de viagem, Spix & Martius avanaram pelo menos uns 10 quilmetros mais que a Expedio contempornea. Barbatimo: Otaviano Em Acuru travamos conhecimento com um tropeiro, Otaviano Pires Alves, de 75 anos. Ele nos conta que, at o incio da dcada de 70, levava em tropa para Itabirito muito milho, feijo, mandioca, farinha de mandioca, casca de barbatimo39 para curtume, ovos, banana e uma variedade de frutas produzidas no local. Otaviano Alves nos conta meio acanhado que tambm levava ouro para Itabirito e trocava por mercadorias que trazia para Acuru. Afeitos fadiga e sbrios O Prncipe Maximiliano 40 faz um breve relato de como preparar uma viagem pelo Brasil, no que concerne tropa. Se se pretende viajar pelo interior do Brasil, preciso, em primeiro lugar, arranjar bons animais de tropa, os quais custam barato em certas provncias como Minas Gerais, So Paulo e Rio Grande, enquanto noutras alcanam alto preo. No Rio de Janeiro pode-se comprar a um mineiro toda a tropa, razo de 33 a 25.000 ris cada burro (...) Na Bahia, pode-se compr-los na Vila de Cachoeira (...) Os estrangeiros nada entendem do modo de tratar esses animais; no sabem nem ferr-los, nem cur-los quando caem doentes. Eis porque de necessidade contratar um tropeiro. Habituados com tudo o que concerne s caminhadas no interior, esses homens conhecem perfeitamente as mnimas particularidades do seu ofcio; so afeitos fadiga e sbrios como todos os brasileiros, dormem no cho puro quando preciso, marcham a p, ao lado dos burros ou a cavalo, conforme o que se
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tenha combinado. Se se teve a felicidade de encontrar um bom tropeiro, est vencido o ponto principal da empresa; pode-se contar que a viagem ser bem sucedida. Burton41 tambm d sua contribuio sobre tropas: H tropas de burros, divididas geralmente em grupos de sete ou mais animais, cada lote com seu tocador ou condutor. Esses navios do deserto luxuriante da Amrica do Sul vm carregados de sal e quinquilharias, que constituem a principal importao e trazem do interior caf e algodo, bruto ou j beneficiado. Saint-Hilaire42 igualmente fez um valioso resumo da tropa: As tropas um pouco considerveis so divididas em lotes de sete animais, e cada um confiado guarda de um negro ou mulato que, caminhando na retaguarda dos cargueiros de que est encarregado, os incita e dirige por meio de gritos ou por um assobio bastante brando. Costuma-se carregar cada besta com oito arrobas (cerca de 120 quilos) e, para no feri-los, iguala-se carga com o maior cuidado. Cada caravana que chega a um rancho a toma o seu lugar; os animais so logo descarregados; arruma-se as mercadorias com ordem; cada animal recebe sua rao de milho; levamnos ao pasto; arranjam-se-lhes as albardas, e se desentortam os cravos destinados a ferr-los. Enquanto isso, o mais jovem da tropa vai buscar gua e lenha, acende o fogo, arma em redor trs bastes que se unem superiormente, amarra-os, e suspende um caldeiro na tripea, onde pe a cozinhar o feijo preto destinado ao jantar do dia e ao almoo do dia seguinte. Os tropeiros das diversas caravanas se aproximam um dos outros, pem-se a conversar, relatam suas viagens e aventuras amorosas, e, s vezes, um deles encanta o trabalho dos vizinhos tocando guitarra e cantando algumas dessas rias brasileiras que tem tanta graa e doura. Tudo se passa em ordem; raramente discutem, e falam entre si com uma delicadeza desconhecida na Europa entre homens de classe inferior. No dia seguinte, levantam-se bem cedo; do aos burros nova rao de milho. Deixando o rancho, sadam os tropeiros que ainda a ficam; fazem nova caminhada de trs a quatro lguas, e chegam outra estao pelas duas ou trs horas da tarde. Bunbury 43 montou uma tropa em Porto de Estrela para empreender sua viagem pelo interior. Ele destaca que os animais eram
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fortes, bons para o servio e muito bem amestrados; e, conseqentemente, livrei-me das inmeras contrariedades e incmodos provenientes de mulas mal ensinadas, dos quais a maioria dos viajantes brasileiros tm se queixado. Madrinheira As tropas possuam certa hierarquia que, na ingenuidade tropeira, era identificada por divisas de posto, como informa Goulart44, acrescentando que as tropas com mais de cinco lotes eram distinguidas pela cabeada ornada de prata e enfeitada de martinetas e campainhas, com uma boneca de pano ou uma pluma fixada entre as orelhas do animal; e tambm pelo peitoral cheio de guizos tilintantes. Essas insgnias eram invariavelmente portadas pela madrinha. O primeiro animal da tropa, no raro uma gua mansa, era chamada de madrinheira, ou dianteira, ou guia da tropa, e seus arreios, conforme Maia45, eram sempre mais bonitos e mais cuidados. (...) Tanto durante a viagem como solta com a tropa, no potreiro, levava ao pescoo, amarrado por uma correia fina, um pequeno cincerro ou caneco. A funo desse sino era manter a tropa sempre em volta da madrinheira. E havia grande competio no enfeitar, no adornar as madrinhas da tropa. A exuberncia dos adornos chegava a transformar alguns animais numa figura bizarra. Quanto mais enfeitada estava a madrinha, tanto mais alto na escala hierrquica encontrava-se o tropeiro (dono da tropa). E, quando em alta madrugada, ainda escura, era necessrio reunir os animais no campo, o som caracterstico do sino denunciava de imediato a localizao da madrinheira e, via de regra, os demais animais da tropa. Em marcha, quando o tocador parasse a madrinheira, os demais iam parando em fila. Era pea chave no trafegar e no brio do tropeiro. Saint-Hilaire46 faz o seguinte comentrio sobre a madrinha da tropa: No silncio dessas matas, ouvia continuamente o eco das vozes dos tropeiros e o rudo dos guizos da madrinha da tropa, mula predileta que guia fielmente a caravana, a cabea ornada de planejamentos coloridos, tendo ao alto uma pluma ou um pequeno boneco.

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Uma tropa podia ter um ou vrios lotes de animais. Diferente do burro trabalhando isoladamente, como fragmentao da tropa, j no declnio da atividade (sculo XX). A tropa, como reunio de lotes de muares cargueiros, o tipo genrico da circulao geral para carga; apresenta grande raio de ao e o mais encontradio, segundo Santos47, referindose poca em que as tropas eram a nica alternativa de transporte em determinadas regies. Cada lote possui de 8 a 10 animais, dependendo da regio. Pelo menos, trs camaradas para cada lote. Desejvel que as bestas sejam fortes, de tamanho mdio, mansas, novas e treinadas para obedecerem a uma voz de comando e seguir a madrinheira. Pereira 48 nos informa que so os muares ensinados a marcharem em fila indiana, em virtude da estreiteza dos caminhos. Rugendas49 nos conta que para o transporte de mercadorias so utilizadas cinqenta ou sessenta bestas, ao que chamam de tropa. Estas se dividem em lotes de sete bestas cada um, confiados a um negro da tropa particular, cabendo ao tropeiro ou ao prprio proprietrio a fiscalizao do conjunto. E segue informando que em pouco difere este meio de transporte e indumentria ao utilizado em Portugal e Espanha. Spix & Martius50 relatam que Jundia, em So Paulo, era considerado um porto seco. Desta pequena vila partiam as tropas para Minas, Gois e Mato Grosso. Era um verdadeiro entreposto de cangalhas, selas, ferraduras e tudo que necessrio para equipamento das tropas. Contudo, durante as longas jornadas, era necessrio manuteno na indumentria, muitas vezes necessitando reposio. Cangalhas eram recondicionadas; novo enchimento nos suadores; correias so repostas. O Prncipe Maximiliano51, estando em Ilhus, preparando-se para uma longa travessia pelas florestas virgens do sul baiano, relata que encontrou um mineiro que consertou as cangalhas de sua tropa, em mau estado pela longa viagem desde o Rio de Janeiro. Repar-las era tanto mais importante quanto esses animais iam empreender, muito mais carregados, uma travessia por matas inteiramente desabitadas. As caixas e os fardos batem freqentemente de encontro aos troncos, e esses choques os arrebentam e estragam, se a cangalha no for macia e reforada, e a carga bem equilibrada. A ferradura era o item que mais se repunha.
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Os viajantes relatam que nas paradas longas a indumentria era revista antes da nova partida. Fazia-se proviso de ferraduras, cravos e o que mais fosse necessrio repor em curso, de modo a no atrasar a viagem. Grosseiramente comparando, antes de uma viagem de automvel, checa-se pneus, leo, freios, luzes, etc. O que necessitar de reparo feito antes da partida, pois, uma vez iniciada a viagem, tal manuteno mais complicada e cara. Segundo o Prncipe Maximiano52, quando de sua travessia pelo serto baiano, relatou que Os couros de boi, to comuns no serto, pertencem aqui ao nmero dos objetos de primeira necessidade. So cortadas em tiras, com que se fazem cordas e correias, e servem tambm para cobrir a carga dos animais. Ainda no serto baiano, este viajante relata que O comrcio entre Minas e Bahia se faz aqui por diferentes caminhos. Grandes tropas de sessenta a oitenta burros, ou mais, vo e vm sem parar transportando mercadorias, principalmente o sal, que falta em Minas (...) espetculo interessante o de uma dessas tropas, alis caractersticas dos campos gerais (...) Sete burros formam um lote, devendo ser conduzidos, carregados e alimentados por um homem. O primeiro animal da tropa tem arreios pintados e guarnecidos de numerosos guizos. O encarregado da tropa vai a cavalo, na frente, com alguns de seus companheiros ou ajudantes; todos vo armados de compridas espadas e vestidos de botas de couro castanho, que sobem at muito em cima; cabea um chapu de feltro cinzento claro. Essas tropas interrompem s vezes a triste uniformidade desses campos. Sobre os jacs (ou cestos) e as bruacas, dois componentes utilizados para transporte de todo tipo de carga, Burton53 define aquele como sendo um cesto feio de casca de bambu cortado e comprimido. um paralelogramo achatado (...) adaptando-se cangalha. A bruaca couro de boi amaciado dentro da gua, ajustado e cozido dentro de uma caixa rude com tampa e deixa-o a secar. Torna-se dura como pau. A palavra escrita por antigos escritores boroacas. Os modernos escrevem vruaca ou broaca. O progresso na mo dos tropeiros: Jorge Ribeiro Conhecemos o Jorge Ribeiro, comerciante e filho de tropeiro. Ele nos conta que assumiu o estabelecimento comercial de seu pai, que
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tinha dois lotes de burros, ou seja, duas tropas. Tinha tambm muito gado na Fazenda do Buraco, de sua propriedade. Ribeiro conta que o comrcio local era abastecido por tropas, at mais ou menos 1965/70, quando comearam a melhorar as estradas, a a coisa foi acontecendo, devagar o progresso foi chegando e foi eliminando as tropas. As tropas costumavam arranchar numa coberta que seu pai disponibilizava para os tropeiros. Nesta poca, seu pai comprou um caminho. De l para c, o nmero de bestas utilizadas no transporte de carga diminuiu. Hoje todo mundo tem cavalo, mais para lazer do que para a lida. Ribeiro acrescenta que o trnsito de tropas era intenso antigamente. Vinham em tropa mercadorias como ferradura da Zona da Mata, ferramentas como torqus e martelo, panelas de pedra, toucinho, muito sal e fumo de rolo que vinha de Ub. Primeiro vinha o vendedor, conhecido por cometa54, um ms antes para tirar os pedidos. O cometa dormia na casa da gente; a gente dava hospedagem. Ficava batendo papo e fazia as vendas para o meu pai. Vendia fumo, sabo, panela de pedra. Depois vinham as tropas e entregavam. Alguns tropeiros j chegavam com suas bestas carregadas pois sabiam que ali venderiam as cargas. O progresso andava na mo deles. Era o meio de comunicao que ns tnhamos na poca. Hoje tem televiso, telefone. Antigamente eram os tropeiros que traziam as novidades (...) a gente ficava sabendo das coisas que aconteciam atravs deles. Vinham do Rio, a a gente ficava sabendo o que acontecia. Era na poca da guerra. A gente sabia notcia 30/60 dias depois. Ribeiro finaliza dizendo que uma tropa carregada, parando somente para pernoite, levava em torno de 40 dias at o Rio de Janeiro. Fazenda Santana Do ncleo urbano de Acuru seguimos para a parte rural do distrito, ao rumo da alta montanha mencionada por Spix & Martius, donde localizava-se a fazenda do Baslio, local do nosso pouso. Caminhantes, tropa e veculos de apoio chegaram. Todos se acomodam como possvel no interior da casa, ou em barracas no terreiro. Vem a confraternizao. A seleo de futebol do Brasil joga um amistoso. O cansao no diz muito. Jantar na cozinha ao redor do fogo. Vencemos o segundo dia.

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3 dia: Segunda-feira 12 de Julho Acuru a Rio Acima


A Histria, sendo uma viagem regressiva ao passado, h de ser vista como foi: e, j que no dado trazer os mortos luz do nosso dia, temos que nos transportar ns mesmos, sem iluses, ao dia em que eles viveram. Diogo de Vasconcelos55 Alvorada. Os participantes da Expedio pouco a pouco vo mostrando as caras. Saindo dos quartos da sede da fazenda; das barracas armadas no terreiro. Cada um vai se espreguiando, saudando um novo dia. O cheiro de caf coado na hora anuncia a primeira refeio. Os Expedicionrios vo tomando posto na cozinha melhor lugar de todo o conjunto rural e entre goles de caf com leite, e uma mordida c e outra acol num po com manteiga, o assunto um s: o roteiro do dia. A estrada era muito apoludida: Z Baslio Acampamento levantado. hora de partir. Aproveitamos os ltimos minutos entre as despedidas para entrevistar nosso anfitrio, Jos Baslio, 71 anos, tropeiro de longas datas. Ele nos contou que mexia com tropa h coisa de 30 anos atrs (pelas contas, no final da dcada de 60). Transportava principalmente carvo vegetal para a empresa Queiroz Jr., de Itabirito. Seu Baslio, como conhecido, conta que certa vez, ao montar uma mula nova pela primeira vez, a besta saltou tanto que cheguei a v at a comunheira do telhado da casa, mas foi um tombo duro. Revelou que gostava muito desta vida de tropear e que s parou por conta da Florestal (aqui se referindo s autoridades florestais) que passaram a impor severas restries ao corte de vegetao e posterior queima para carvo. S transportou carvo. Era sua nica demanda. O lugar mais longe que j conduziu tropa foi Itabirito, que levava um dia inteiro de viagem, como ele
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mesmo diz, de sol-a-sol. Baslio nasceu, foi criado e vive na Fazenda Santana, propriedade em que nos encontramos. Ele acrescenta que a propriedade dele passagem para Rio Acima e j viu, em seus 71 anos de vida, muitas tropas passarem para ambas as direes. Antigamente, h uns 25 anos atrs, a estrada era muito apoludida56 (sic) de mascate, daqui para Morro Velho, daqui para Nova Lima; mascateando verdura, banana, ovos; (...) daqui para Casa Branca. Perguntado se os tropeiros pousavam em seu stio ele informa que a Fazenda Coxo Dgua, localizada a uns 10/15km no sentido Rio Acima, era o lugar preferido para pernoite. Foi l, como informamos anteriormente, que Spix & Martius passaram a noite do segundo dia rumo ao Arraial do Tejuco (Diamantina). Finalizando, Baslio acredita no ecoturismo; v com simpatia o conceito de Pouso Rural e quer o engajamento de sua propriedade neste novo conceito de turismo. Acho uma grande vantagem, que pode trazer muito e bom resultado mais frente para a gente. Aqui um lugar meio sem recurso de vida. A gente vivia do carvo, agora no tem mais carvo; ento precisa de ter um turismo para ajudar. Fiquei muito satisfeito com isso; que daqui a 90/ 120 dias que volte de novo (...) muito importante para a gente, para a comunidade. Ajuda muito o lugar... Burro e mula tudo igual A palavra muar vem do latim mular (mulares no plural), da a palavra mula. Segundo Maia57, Burro e mula tudo igual. E, como j vimos, mula e besta so a mesma coisa. H quem afirme que a mula melhor. A mula considerada mais ligeira e, como guia, mais certa. As bestas so mais dceis, leais e menos coiceiras, menos baldosas. Ainda segundo Maia, Burrada considerada qualquer reunio de burros chucros ou no. Conhecido como cargueiro, temos o burro ou a besta de carga, em geral, no trabalho avulso, fora do lote. E este mesmo autor acrescenta que o cargueiro uma fragmentao da tropa, aps seu desuso, sobretudo no Vale do Paraba. Com relao ao visual dos muares, Spix & Martius 58 comentam: O corpo das mulas, neste pas, mais belo que o dos cavalos; em geral, igualam em tamanho aos nossos cavalos europeus; na cor so pretas, baias, ruas ou zebradas. Para as longas viagens so preferveis aos cavalos, pois resistem melhor fome e sede, e agentam cargas maiores com mais segurana, na mdia de oito arrobas. Tambm no se
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passa por fazenda alguma nestas regies, onde no se criem alguns jumentos ordinrios para procriao; esse ramo de pecuria , contudo, muito menos explorado do que na capitania do Rio Grande do Sul e em Buenos Aires, razo por que no tivemos oportunidade de observar de perto e temos que deixar a sua descrio aos viajantes daqueles pases. Maia59 informa: Embora semelhantes na aparncia e na cor, h burros que diferem muito em seu temperamento. Existem os mansos, dceis, fceis no trato; existem os rebeldes, indceis, velhacos, reboleiros, os que botam fora a carga, os baldosos. Uns mordem, do coices e no se deixam encangalhar facilmente, andando em roda. Se de sela, se afasta na hora de ser montado. Algumas vezes necessrio colocar um tapa cara para pr a cangalha ou a sela. Existem os burros que so burros, ou seja, no aprendem com facilidade. Contudo, so os burros em regra muito inteligentes e aprendem tudo num instante. E acrescenta: A besta dianteira era sempre especial. De porte altivo, mais esperta, nunca se deixava ultrapassar por outro animal. Dava coices, mordia, fechava a passagem com a carga. Era feitio do animal, j nascido lder. Quando o animal preparado para o trabalho recebe seu nome de batismo logo depois da castrao. Esse nome, ao qual o animal se habituar para sempre e a cujo chamado atender, vai da cabea do tropeiro, da idia do peo, geralmente de acordo com a ndole ou com a cor do animal. Pereira 60 acrescenta que so os muares treinados para obedecerem a uma voz de comando, (...) Ensinados no comportamento da marcha para andarem em fila indiana, em virtude da estreiteza dos caminhos. (...) existe algum mais inteligente e ativo. Na tropa, esse o que vai na frente, e chamado burro de guia; como o retardatrio, o que vem por ltimo (...) o chamado burro de coice. De acordo com Goulart61, quando a cangalha est mal disposta ou a carga mal distribuda ou desequilibrada, o animal reage imediatamente, no raro se livrando dela. Nos pousos so constantes as fugas e transvios, durante a noite, quando os animais buscam por melhor pastagem ou mesmo fogem da lida. Cavalgada ecolgica Uma vez em curso rumo a Rio Acima, passamos pelos Expedicionrios e em vrios momentos da estrada tivemos dvida do caminho. Perguntando aqui e ali conseguimos firmar o rumo, deixando,
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naturalmente, para os companheiros que vinham atrs, as devidas indicaes com pedaos de paus, pedras e adesivos da Expedio colados em galhos, cercas e porteiras. Encontramos um grupo de trabalhadores que trabalhavam na manuteno das estradas, e eles nos perguntaram se fazamos parte da cavalgada ecolgica, fazendo aluso Expedio. Quando dissemos que sim, eles perguntaram se o pessoal estava muito atrs, e que eles estavam esperando para ver. Segundo nos informaram, eles consideravam um fato histrico. Neste momento, percebemos que a matria veiculada no MG TV (segunda edio do dia 10.07) nos traria conseqncias positivas ao longo dos dias que viriam, as quais no fazamos nenhuma idia. Neste sentido, viva a Rede Globo! O caminho para Rio Acima um mar de morros: as conhecidas Gerais; em alguns momentos, os morros so bastante desmatados; em alguns lugares, o cerrado j bem caracterstico; em outras reas para grande alegria observamos grande quantidade de vegetao, bonita e exuberante. Passamos por uma grande ponte, nova, pelo menos uns 10 metros de vo, aparentemente construda com eucalipto, num belo design. Cocho Dgua Chegamos a Cocho Dgua, a fazenda de pernoite de Spix & Martius. Ainda nessa tarde, galgamos a encosta pedregosa, quase intransitvel, atravancada de fragmentos espalhados e alcanamos, finalmente, na outra vertente, ao cair da noite, a solitria Fazenda Cocho Dgua, onde o proprietrio, um negro, alferes do corpo de milcias de Sabar, nos acolheu e nos entreteve falando acerca das ricas minas de ouro do Padre Freitas, em Congonhas do Mato Dentro62. Atualmente, Cocho Dgua parece mais um povoado, com vrias casas construdas com tijolinho vista, alambiques e uma escola estadual (Maria Cndida Jardim), com mais ou menos umas quatro salasde-aula e uma crianada na varanda. Ficamos atentos para localizar a sede da fazenda ou sua runa, mas da estrada no foi possvel avist-la. Mais adiante, paramos para beber uma gua e mais um dedo de prosa. Hoje em dia parou tudo: Joo

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Entrevistamos Joo Moreira dos Santos, 73 anos, comerciante e morador de Cocho Dgua toda sua vida. Perguntado sobre a sede da Fazenda Cocho Dgua, ele informa que a sede chamava-se sobrado, ali em cima, fazendo um trejeito com a cabea, indicando o local, seguindo essa estrada aqui, quando vai para a cachoeira, l no alto, tem at uns ps de manga, tem uma pedreira velha (runas). Sobre tropeiros informou que passava muito tropeiro aqui, tropa de carvo, lenha; hoje em dia parou tudo. Segundo ele, o carvo e a lenha eram utilizados numa fundio localizada em Rio Acima, atualmente desativada. Por algum tempo, seu comrcio foi abastecido por tropas, l pelos idos de 1947, quando chegava mercadoria at certo ponto da estrada, e de l se encarregava a burrada. Perguntado sobre outras mercadorias transportadas por tropeiros, alm do carvo, ele informa que mascates e cometas vinham de Casa Branca para Nova Lima, passava muito mascate aqui de primeira. Santos relatou uma estria, contada pelos mais antigos, que estrada abaixo, rumo a Rio Acima, existia uma casa e nela habitava uma senhora, de nome Ana Maria, cujo filho estava preso em Sabar, acusado de homicdio. Numa ocasio, quando o Imperador D. Pedro II passava por Cocho Dgua rumo a Sabar, Ana Maria saiu de sua casa e se atirou ao cho em frente liteira que transportava o Imperador. De joelhos, ela teria pedido clemncia ao Imperador para o filho, rogando que o soltasse, pois era inocente. Contam que, chegando a Sabar, o Imperador ordenou que soltassem o preso. Pedimos para ele que nos contasse outra estria interessante sobre tropeiro. Ele no se fez de rogado: Meu av mexia com tropa, viajando o Estado de Minas inteiro. Teve um lugar, numa cidade que eles chegaram e disseram: tem que levar uma caixa, uma caixa enorme, levar na tropa e tal, um caixote comprido; pegou e custou a ajeitar aquilo no burro, n, chegou na cidade que tava j sino batendo, esperando; era um caixo com uma pessoa morta; um defunto que veio na tropa e ele no sabia o que era. (sic) A ona e o burro ruo Observamos, durante a nossa pesquisa, que a vida dos tropeiros e suas tropas tm importncia capital na histria do Brasil. Inmeras passagens justificam tal importncia, que iniciou-se com o processo de ocupao do interior, ainda no sculo XVII. Com o ciclo da minerao se consolidando, em pleno sculo XVIII, e ainda a expanso

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das fronteiras brasileiras rumo ao oeste desconhecido e habitado por selvagens, a presena dos tropeiros e suas tropas redobraram. No sculo XIX, com o declnio da minerao e expanso da atividade agrcola, l estava o tropeiro e suas tropas, a despeito do surgimento das primeiras ferrovias. Eles movimentaram toneladas de caf, algodo, acar e outros gneros de exportao, transportados do interior para o litoral. Mas no foi s no transporte de mercadorias que as tropas tiveram importncia. Em pleno sculo XX, elas foram utilizadas na abertura de estradas de rodagem, atuando como transportador de materiais, ferramentas e gneros para os trabalhadores. Mais ainda, como veremos agora, as tropas tiveram papel muito importante na marcha para o oeste, como na epopica Expedio Roncador-Xingu, quando os irmos Villas Boas se descobriram como sertanistas. Corria o ano de 1945 e a grande Expedio dava os primeiros passos. Na primeira etapa, entre a margem esquerda do Araguaia at a beira do Xingu, a despeito dos avies que j existiam, a maior parte dos vveres, ferramentas e demais equipamentos viajaram em lombo de burro. A difcil tarefa de adquirir os animais e indumentria ficou a cargo de um experiente tropeiro que, correndo pelo interior de Gois, brevemente trazia para as margens do Araguaia uma tropa completa, com direito besta madrinha e toda indumentria tradicional. A marcha iniciou-se e foi dura devido falta de pontes, atoleiros abundantes e travessia de rios caudalosos. Cada avano da vanguarda implicava em baixar acampamento e transportar todo o equipamento at o prximo ponto, onde, invariavelmente, era construdo um rancho e, em alguns casos, um campo de pouso para pequenos avies. Quanto mais distante encontrava-se a vanguarda, to mais isolados ficavam os desbravadores do oeste. Eram, contudo, abastecidos pelas tropas que, no vai-e-vem entre a vanguarda e retaguarda, abasteciam de vveres os famintos sertanejos. A chegada da tropa sempre uma satisfao. H sempre novidades que vo sendo contadas devagarinho, entremeadas com os recados trazidos em resposta queles que os tropeiros levavam na ida. No embornal, quase sempre, um punhado de bilhetinhos. Ler um ler todos, como bem nos informa os irmos Villas Boas63. E nessa faanha as tropas enfrentaram as dificuldades proporcionadas pelos nativos (ndios), como nos contam: Quando j vnhamos voltando da segunda viagem,
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com o resto da tralha, demos com o fogo nos dois lados da picada. O calor e a fumaa nos envolviam e sufocavam. No podamos parar, e foi um trabalho enorme conter os cargueiros, os burros, que, a todo momento, ameaavam disparar. Era coisa dos ndios. E as dificuldades vo alm, como seguem narrando: Os obstculos que a tropa tem a vencer so inmeros, sem contar os ndios que esto sempre na espreita. Os crregos inundam as margens, carregando as pontes rsticas e provisrias que o pessoal da vanguarda foi construindo. Diversos ribeires, agora cheios, com aspecto de rio, tm de ser atravessados a nado, e as cargas na pelota, isto , volumes envoltos em lonas e bem amarrados com cordas finas. Bem presas por uma corda longa, as pelotas so jogadas ngua e puxadas para a outra margem. Alm do homem que puxa a corda, um outro vai nadando ao lado da pelota, sustentando-a flor dgua. O servio estafante, mas no desanima o tropeiro, para quem cada pelota que vai um motivo de riso. Numa tropa, so de 20 a 25 pelotas a serem feitas, somente com a carga. Depois, h ainda a travessia dos arreios, cangalhas, buchos (sacos das roupas) e, por fim, os animais. Destes, sempre h os que desgarram rio abaixo, dando trabalho dobrado. So diversas as guas que assim tm de ser atravessadas. Nunca so muitos os tropeiros. Organiza-se a tropa na proporo de dois a trs burros por tropeiro. Uma vez no acampamento, enquanto os muares descansavam da travessia, faziam trabalhos leves, como carregar as leves folhas de buriti, utilizadas na cobertura dos ranchos, quando o pouso era demorado. Depois a tropa retornava para a retaguarda para buscar mais carga de vveres. Mais adiante, no avano do que hoje a estrada Cuiab Santarm, muitos jegues e muares foram utilizados nos servios. Muitos morreram por fome, pois na selva amaznica no h capim: falta a luz do sol. O cansao era igualmente um vilo ao lado das onas que impiedosamente atacavam aqueles estranhos quadrpedes que invadiam seus domnios. Contam os Vilas Boas que o esturro da ona atraa os animais cargueiros para o encontro dela. O som peculiar confundia o burro (jegue) com um parente. A ona no tinha dificuldade para traar uma carne diferente. No demorou para que os tropeiros abandonassem a lida, no pela falta de servios, mas pela falta do muar, que, um a um, morreram todos: de fome ou matando a fome da ona. A tropa com burros d certo em regies descampadas, ou numa travessia, mesmo longa, desde que haja um ponto de partida e outro de chegada fora da mata. No,
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porm, num picado onde se eterniza um vaivm cansativo, sem pasto, sem sol e sem trguas. Embora se diminua o peso da carga, o animal fraqueja de tanto pisar o cho incerto, coberto de um folhio espesso, falso e enraizado. E, depois, no s h sempre por perto uma ona matreira que no perdoa um descuido. Numa rvore grossa, perto de uma das barracas de pernoite ao longo do picado, um sertanejo escreveu: Aqui nesti pauzo uma ona veia e disgraada cumeu um burro ruo, como narraram os Villas-Boas. Santo Antonio do Rio Acima Entramos em Rio Acima 64, que j foi chamada de Santo Antonio do Rio Acima. Burton65 tambm a chamou de Santo Antonio do Rio das Velhas, e comenta: Em 1801 tinha cem casas; em 1820 a populao foi avaliada em 1200 almas; Encontramo-la uma vila de mortos, adormecida... A vila tem lojas e oficinas, alimenta e cultiva alguma coisa, mas o preo do transporte impede a exportao. Spix & Martius mencionam apenas que a cidade est localizada em ambas as margens do Rio das Velhas. Saint-Hilaire66 relata que atravessa-se a Aldeia de Santa Rita, que domina o Rio das Velhas, e uma sucursal da Parquia de Santo Antonio do Rio Acima,... O lugar grande. Observa-se calamento irregular, de paraleleppedo; um pouco desordenado. Algumas casas bem construdas. Outras precrias. Era a primeira vez que seguamos por asfalto desde a sada de Ouro Preto, com exceo do cruzamento da estrada que liga a BR-040 Mina de Capanema, no caminho de Acuru. Alis, Rio Acima foi, tecnicamente, a primeira sede de municpio que adentramos desde a sada. Passamos pela estao ferroviria, informando a altitude de 739,3m. Carrear riquezas importante registrar que, no incio da colonizao do interior brasileiro, certas atividades econmicas eram inviabilizadas. Diferentemente do litoral, qualquer coisa para ser transportada para o interior era um projeto. A dificuldade de transporte de maquinrio pesado em lombo de mula, como o caso dos engenhos de acar, um dos motivos pelos quais, em Minas, no chegaram a ter a importncia que tiveram ao longo de todo o litoral. A regionalizao da produo exigia, por conta do intercmbio de mercadorias, um vai-e-vem das tropas entre a costa e o
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interior. Este sistema de transporte era um verdadeiro intercmbio scioeconmico. Segundo Goulart67, as tropas, Nas suas constantes viagens, traavam um emaranhado de comunicaes entre cidades, vilas, povoados, vilarejos, ao mesmo tempo que estabeleciam o contato dessas comunidades com os portos martimos, mais precisamente o de Nossa Senhora da Estrela, situado no fundo da Baa de Guanabara, ou com o de Santos, no litoral paulista. As tropas de muares tiveram grande importncia na circulao de cargas. Ainda segundo este autor, A finalidade das tropas era carrear riquezas para a orla martima a princpio produtos minerais e depois produtos agrcolas e refluir transportando o que fosse necessrio quelas pequenas cidades interiorizadas. Segundo Ribeiro68, O tropeiro ou o boiadeiro, de rstico gibo e largo chapu de couro, margeando o So Francisco e penetrando no interior recndito, unia norte a sul, o litoral zona de minerao. Ao lado do tropeiro, ou em sua pisada, iam os mascates, conduzindo em lombo de burros suas mercadorias. Desta forma, dilatavam os prprios limites do mercado interno, transformando-o, de puramente local, em regional. Tropas de muleiros, lutando contra as cerradas florestas, terreno acidentado, atoleiros, alagados, rios selvagens eram algumas das dificuldades enfrentadas no transporte de mercadorias. O tropeiro bravamente as enfrentava. Segundo Pereira69, de Itambacuri, Minas Gerais, a tropa era o meio de transporte mais importante: No havia comerciante ou produtor de caf ou cereais em alta escala que no a possusse. Acrescenta que a tropa era uma forma de avaliar o suporte financeiro do produtor. Havia os que possuam at cinco lotes, e estes eram os verdadeiros marajs. O mais caluniado dos animais Em Os Sertes, de Euclides da Cunha70, emocionante relato sobre a campanha de Canudos, h destaque para a presena e a importncia das tropas cargueiras: A tropa cinco mil soldados, mais de novecentos feridos e mortos, mil e tantos animais de montada e trao, centenares de cargueiros (...) retirando os muares, cujas patas entaloadas eram ameaa permanente aos feridos que lhes rastejavam aos ps. Adiante destaca: Os cargueiros, animais imprestveis, velhos e cansados muares refugados das carroas da Bahia e tropeiros improvisados rengueavam,
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tropeando pelos caminhos, imobilizando os batalhes e remorando a avanada. Num outro momento eram heris (...) queria tropeiros e azmolas. (...) Era forada a intruso pouco lisonjeira de tais colaboradores em nossos destinos. O mais caluniado dos animais ia assentar, dominadoramente, as patas entaloadas em cima de uma crise, e esmagla (...) e em certo dia de agosto, 20 muares da artilharia foram capturados, apesar de estarem sob a guarda de um batalho aguerrido. Tiradentes Santiago 71 comenta que, quando era caixeiro viajante, Joaquim Jos da Silva Xavier, o Tiradentes, vendia produtos farmacuticos para o Padre Francisco Ferreira da Cunha, no como funcionrio do padre, mas como dono da tropa que transportava as mercadorias, arcava com os custos (...) e industrioso como ele s, era mdico e dentista prtico, arrancava dentes, da o apelido, e recebia comisso sobre os remdios vendidos. Rio Acima: ver a tropa passar A tropa estava prxima de Rio Acima e alguns caminhantes j haviam chegado. A entrada foi triunfante: as pessoas se debruavam na janela para ver a tropa passar, saudando-nos com palmas. Uma senhora, annima, alegre testemunha do momento, e memria viva dos tempos, foi flagrada com lgrimas no rosto, ao que tudo indicava, refletindo as recordaes de um tempo quando as tropas eram os nicos veculos que circulavam pelo lugar. Chegamos do outro lado da ponte, em frente Prefeitura. Foi quando o tropeiro Maurcio, da Fazenda Novo Horizonte, solou com seu berrante o Hino Nacional: bandeira nacional a prumo. Foi de grande emoo para todos. Doravante, nossa chegada seria assim anunciada. O tempo era nosso carrasco Os caminhantes j estavam todos, como previsto, na casa de Dona Raimunda Terezinha Clemente da Silva, ou, simplesmente, Dona Raimunda do Cartrio, como conhecida. Foi ela que gentilmente cedeu uma casa para alojar os expedicionrios. Na entrada da casa, faixas saudavam nossa chegada com boas vindas e dizeres alusivos Expedio e ao meio ambiente. Pelo que se nota, o municpio tem um potencial
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ecoturstico imenso, com muitas cachoeiras, caracterizando-se um importante centro no alto Rio das Velhas. Por falta de tempo, no era possvel verificar com mais cuidado os atributos ecotursticos do lugar. Neste sentido, Andr Fossati, o foto-jornalista oficial da Expedio, foi bastante claro: O tempo era nosso carrasco. O relgio, um algoz. Os animais e a indumentria ficaram no campo de futebol de um clube prximo. O jantar foi oferecido pelo restaurante da Ded e teve o apoio do Sacolo da Praa e da Dona Dinha. O Secretrio de Meio Ambiente de Rio Acima, Carlos Antonio Pereira, juntou-se a ns para confabular acerca do projeto ecoturstico da Estrada Real e a Expedio Spix & Martius. Aps o jantar, nos recolhemos para o sagrado descanso de mais um dia de aventura.

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4 dia: Segunda-feira 13 de Julho Rio Acima a Raposos


Este complicado relevo orogrfico, as estradas serpenteando entre as montanhas, varando riachos, cortando a terra em fundas azinhagas, estradas que durante vrios meses do ano se transformaram em rios de lama, fizeram do mineiro um prisioneiro da montanha, um homem separado do mundo por obstculos quase intransponveis. Joo Camilo de Oliveira Torres72 Alvorada. O caf-da-manh estava previsto para o clube, onde ficaram os animais. Coisa de duas quadras do nosso pouso. Para l seguiram os expedicionrios pouco a pouco. A refeio matinal foi bastante farta e preparada com muito carinho por um grupo de senhoras lderes comunitrias. Todos os Expedicionrios fizeram elogios sobre a hospitalidade de Rio Acima. Equipamentos arrumados e embarcados nos veculos de apoio. Animais reunidos e preparados, caminhantes a postos. Hora da partida, rumo a Raposos, distante 24km. Como de costume, os caminhantes saram na frente, seguindo pela linha do trem. A tropa levava um pouco mais de tempo para se preparar, motivo pelo qual os cavaleiros eram sempre os ltimos a deixar o local de pouso. O pessoal de apoio, por sua vez, saa depois da tropa, para resolver quaisquer pendncias deixadas para trs e, pela dinmica do transporte e do apoio, chegava sempre frente para acertar os detalhes do prximo pouso e refeies. Essa rotina foi obedecida, com xito, durante todo o percurso da Expedio.
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Encangalhar o burro Os muares, como j vimos, serviam para carga ou sela. No caso desta, a indumentria praticamente a mesma utilizada nos cavalos de montaria. Basicamente cabresto, freio, rdea e sela. No caso daquela, a indumentria um pouco mais complexa. Encangalhar um burro uma verdadeira arte, como salienta Maia73. Com base nas informaes deste autor, cada burro tem sua cangalha e seu ajuste no animal garante sua sade, segurana da carga e uma jornada com menos contratempos. O arreamento, ou seja, o conjunto de peas necessrias para cada animal cargueiro, possui uma nomenclatura variada de regio para regio. O bsico, contudo, invarivel. Consiste do cabresto, cangalha, suadores, retranca, capa (+ cilha) e peitoral. O cabresto, tambm conhecido por bual, um tipo de cabeada especfica para conduzir ou amarrar o burro. A cangalha, produzida pelo cangalheiro, uma armao de madeira (ou de ferro) chamada aro. So dois os ares, semelhantes a duas grandes forquilhas invertidas, unidas uma outra por tabuletas laterais. A ponta de cada uma das forquilhas voltadas para cima chamada cabeote, e nela so presas as cargas lateralmente, com peso equilibrado para cada lado do animal. Pohl 74 comenta a passagem por um lugar de nome Cangalheiro, pois neste lugar se vendiam cangalhas: Foi s nessa estrada que vimos esse artigo de comrcio, que prima pela ausncia no interior remoto do pas, especialmente na Capitania de Gois, e que um utenslio to essencial para os viajantes. No vo formado pelas forquilhas, na parte interior da cangalha, vo os suadores, constitudos por duas almofadas recheadas por capim, paina, macela, entre outras fibras naturais, variando em cada regio. Pohl75 expressa a felicidade em encontrar capim apropriado para os suadores, imprescindvel necessidade para forro da albarda dos animais de carga, impedindo que os animais sejam feridos; sem esse revestimento quase impossvel evit-lo e freqentemente as feridas inflamam no interior, o que no raro torna o animal imprestvel por longo tempo. A albarda funciona como uma verdadeira almofada em contato
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com o lombo do animal e, entre esta e a cangalha propriamente dita, vai uma capa de couro conhecida por talabardo. A retranca uma correia, feita de sola, que vai presa na base do aro posterior e contorna o traseiro do animal. Para manter a retranca na posio desejada, paralela ao solo, para que no caia pelas pernas traseiras do animal, utiliza-se a aranha, que uma pea com trs tiras de couro, em cada lado do animal, ligadas palmatria. Esta, por sua vez, descansa sobre o fio da anca do burro. A funo da retranca evitar que cangalha e carga se desloquem para frente quando o burro estiver descendo. A capa reveste a cangalha. uma pea de couro-cru com os pelos voltados para fora. Possui dois furos na dobra superior, por onde saem os cabeotes. A capa fixada pela cilha, uma correia que passa sobre a capa da cangalha e d uma volta pelo ventre do animal. O peitoral composto de duas correias que saem da base do aro dianteiro e passam pelo peito do animal. Sua funo evitar que cangalha e carga se desloquem para trs quando o animal estiver subindo, funo inversa da retranca. Com estes componentes, o animal estava preparado para transportar praticamente qualquer tipo de carga, acondicionadas em bruacas e jacs. Por cima de tudo colocava-se ainda um couro de boi, fixado de forma semelhante da capa, para proteger a carga. E tinha outros usos: proteo do tropeiro contra a chuva ou como cama nos ranchos. E at mesmo como estiva. Estendidos sobre os atoleiros, os couros serviam como um tapete protetor, evitando que as patas dos muares atolassem em contato com o barro, via de regra, um dos maiores tormentos do tropeiro. Manifestao cvica Em frente ao Cartrio de Dona Raimunda, localizado na sada da ponte, na margem esquerda do Rio das Velhas, cavaleiros com bandeiras empunhadas e o tropeiro Maurcio, com o seu berrante, executou o Hino Nacional mais uma vez, acompanhado por todos os presentes, em cerimnia emocionante. Nesta espontnea manifestao cvica, gravamos nossa passagem por Rio Acima e, de forma singela,
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retribumos a hospitalidade encontrada neste histrico municpio, deixando nosso at logo a todos que ali estavam. Deixamos a cidade escoltados pela Polcia Militar, por uma estrada vicinal que passa por Honrio Bicalho rumo a Raposos, acompanhando o Rio das Velhas. Ao longo da estrada encontram-se stios com porteiras enfeitadas e pastos bem cuidados. Fizemos uma parada prximo ao cruzamento da ferrovia. Ali, caminhantes e tropa se encontraram em rara sincronia de tempo. A Polcia Militar se despediu e retornou para Rio Acima. Neste exato ponto, uma ponte construda com pedra de cantaria, por onde passava a estrada de ferro, indicava que a Estrada Real estava prxima, possivelmente, na prpria linha do trem. O leito dos antigos caminhos foi freqentemente utilizado na construo de estradas de ferro e, mais tarde, de rodagem, segundo informao verbal de Raphael Oliv. Dureza nas viagens Ao longo da histria brasileira, os escravos constituam a classe menos privilegiada, no h sombra de dvida. Mas, entre os escravos, destacaram-se alguns que, por fora da tarefa de acompanhar seu senhor e suas tropas entre o interior e a costa (e vice-versa) tornaramse, de certa forma, livres no cativeiro. Nestas viagens aprendiam novidades. E em qualquer rancho ou senzala eram sempre destacados pelos conhecimentos e experincias. E mais que isso: a escravido na estrada representava um tipo de liberdade que, para o cativo, era melhor que nada. Na lida do caminho, como nos informa Rugendas76, ele escravo e seu senhor, lado-a-lado, de forma igual, suportavam juntos as dificuldades e inconvenientes das viagens. Poucos so os relatos que indicam a presena de mulheres nas tropas em viagens longas, o que no significa que as mulheres no viajavam em tropas. Como principal forma de viajar, elas, com toda certeza, se faziam presentes na Estrada Real e em diferentes momentos da histria, desde o comeo da ocupao do interior brasileiro no sculo XVII. As viagens eram duras para os homens e, certamente, no era diferente para as mulheres. Os inconvenientes, como a falta de conforto
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e privacidade nos pousos, as chuvas torrenciais ou o sol escaldante eram uma leve demonstrao dessa atividade. Mas l estavam elas, como informa Lenharo77, que cita em sua obra uma breve passagem, na qual um tropeiro, de nome Martinho Pereira de Carvalho, viajava acompanhado de sua mulher e de oito camaradas, alm de um escravo, todos fazendo parte da tropa. Padres tambm faziam uso de tropas em viagem. No raro possuam sua prpria besta de carga, carregando um pequeno altar, circulando pelos caminhos de antanho. Por uma pequena remunerao, visitavam as roas dizendo a missa. Eram os padres ambulantes, conforme nos informa Rugendas78. E acrescenta que existia um outro tipo de padre ambulante, os eremitas, que constroem sua cabana num lugar selvagem, (...) a fim de expor venerao dos crentes uma relquia que tenha (...) Se os romeiros no acorrem, eles percorrem a regio e, em que pesem as esmolas considerveis que recebem para seu santo, no parecem confiar inteiramente na proteo do mesmo e se munem, o mais das vezes, de meios de defesa muito materiais. Quando um desses dignos irmos aparece montado num bom cavalo ou numa boa besta, com seu cofre de relquias embaixo do brao, armado de fuzil, pistolas e respeitvel faco de caa, seu aspecto exterior no provoca precisamente devoo (...) o medo e a desconfiana parecem mais naturais. O tropeiro era geralmente homem livre (no escravo). Independente, autnomo, negociava o transporte e tambm comerciava com cargas de sua propriedade, por sua prpria conta e risco. Por algum tempo, entre os mineiros, o tropeiro era recebido com certa antipatia. Eram considerados exploradores, devido aos custos exorbitantes a que os mineiros tinham que se submeter pelos gneros que os tropeiros transportavam do litoral e que eram to necessrios aos trabalhadores das lavras aurferas. O custo do frete era um dos mais altos componentes do preo das mercadorias. Com o passar do tempo, tal situao foi se modificando, devido ao boom da minerao e o crescimento da populao mineira, com a conseqente demanda por alimentos e outros gneros de primeira necessidade, que no eram produzidos em Minas Gerais. Poucos
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plantavam e faltavam alimentos e outros insumos. Portanto, tendo-se em vista o papel assumido pelo tropeiro como principal abastecedor das Gerais, no demorou para que passasse a ser recebido com festa nos arraiais a que chegava, invertendo-se a posio de explorador para o de salvador. Assim, nas patas dos muares e no aboio dos tropeiros chegava a salvao dos mineiros. Enquanto a febre do ouro ardia no mineiro, o tropeiro conduzia os muares cargueiros, que suavam no lombo por baixo da cangalha, o peso daquilo que o ouro podia e precisava comprar. Era um verdadeiro trao de unio entre centros urbanos afastados, no dizer de Zamella79. Goulart80 acrescenta que o tropeiro era um indivduo bastante considerado nos lugares onde negociava, era sempre bem recebido nas casas senhoriais, depositrio que era da confiana de pequenos e grandes. No que toca ao interior de Minas, Latif81 acrescenta que nas casas grandes, nas longas mesas, ladeadas por compridos bancos, em cuja cabeceira senta-se o senhor da lavra, vindo em seguida os parentes, depois os empregados, para, na outra extremidade, abancar-se tambm o modesto tropeiro que pediu pouso, a clula de trabalho consolida-se. Chamberlain82 ensina que Os tropeiros representam uma fina classe de homens e so considerados quase sempre de confiana fora do comum. Mensageiro da civilizao Mas no foi s no transporte de mercadorias que a figura do tropeiro adquiriu o respeito da populao interiorana. Ele funcionava como um emissrio oficial, levava correio e transmitia notcias de um lugar a outro. Intermediava negcios, portava valores e medicamentos. DVilanova83 acrescenta que, j nos meados do sculo XX, em alguns lugares como no serto da Bahia, os tropeiros transportavam dinheiro vivo e outros valores, obrigando-os a viajar sempre em grupo, temendo assalto, principalmente, porque no havia servio bancrio para enviar o dinheiro. Teve o tropeiro um valor social to expressivo quanto o valor econmico que sua atividade alavancava. As cargas confiadas ao tropeiro
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eram muito bem cuidadas e as misses a ele confiadas eram executadas com responsabilidade. O pblico feminino, geralmente confinado e alheio vida social, dedicava ao tropeiro grande estima, pois era ele quem trazia as encomendas de tecidos, rendas e, no dizer de Goulart84, entre as dobras de algum embrulho assinalado, um outro bilhetinho de amores distantes. E segue dizendo que o tropeiro enfrentava as peripcias de uma vida rigorosa, prenhe de riscos, os perigos cercando-o por todos os lados nas constantes aventuras das viagens de meses por caminhos e regies inspitas, rasgando matas, varando caatingas e cerrados, (...) o tropeiro se apresentava como um remanescente daquela pliade de bravos que compunham as bandeiras de penetrao e explorao do ignoto. Encontramos na literatura meno a tropeiros reinis (portugueses), escravos, mamelucos, franceses, ciganos e brasileiros que, no princpio, no se prestavam a este tipo de atividade mercantil. O tropeiro geralmente o patro. O dono da tropa. Como diz Zamella85, o agente por excelncia do comrcio com as Gerais, era uma figura mvel que aos poucos foi adquirindo traos ntidos e caractersticos (...) personalidade tpica de nossa sociedade colonial, figurando em contos regionais, em nosso anedotrio, em peas teatrais, etc. De acordo com o Professor Deffontains86, o tropeiro foi o trao de unio entre o norte e o sul do Brasil; o sul, plano, campestre e criador, forneceu o elemento necessrio para penetrar o norte, acidentado e florestal. Goulart87 apresenta as palavras de Jlio Prestes88 que, ao discursar no Rancho Paranapiacaba, proferiu o seguinte: O tropeiro foi um dos mais fortes elementos da vida e do progresso de todos quantos trabalharam para a grandeza e unidade do Brasil. Antonio de Paula Freitas89 expressa que os tropeiros Eram homens reforados e corajosos, prontos a debelar todos os acidentes da viagem, como prticos e honrados nos negcios.

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Afonso Arinos90 expressa que o tropeiro Era um mensageiro da civilizao. Era homem que tinha ido Corte ou, pelo menos, a lugares nos quais se tinha notcia do que passava na Corte, esse tempo, em que raros jornais circulavam, sem assinaturas no interior, linhas postais seriam escassas, quando no inexistentes, a tradio oral no interior valia como meio quase nico de contato com os acontecimentos do litoral e do estrangeiro. Coisa muito semelhante do papel que na meia idade desempenhavam mercadores ambulantes ou troveiros. Segundo Goulart91, o tropeiro era homem rude e ignorante na sua grande maioria, palmilhador constante dos caminhos abertos na solido dos sertes, guiado apenas pelo prprio instinto. Isto, contudo, no fazia dele pessoa menos digna. O tropeiro teve sua importncia enaltecida tambm em tempos de guerra. Um bom exemplo dessa afirmativa so os acontecimentos envolvendo Canudos de Antonio Conselheiro. O abastecimento das tropas (soldados) no front que combatiam os jagunos era feito por tropeiros arregimentados de ltima hora, na medida em que a guerra se estendia no tempo sem perspectiva de vitria. Tropas e mais tropas de muares eram requisitadas para levar os necessrios vveres soldadesca faminta nas trincheiras. Euclides da Cunha92, em seu pico Os Sertes, registra que A dezesseis lguas do centro desta (Canudos), dirigia-se de fato, sem alardo, sem balancear alvitres estratgicos, atravessando os dias na convivncia rude dos tropeiros em Monte Santo, entre os quais no raro surgia impaciente, de relgio em punho, e dava a voz de partida (...) cada comboio que seguia valia batalhes. Os paulistas tinham fama em vrios aspectos. Eram tidos como bons tropeiros, como relata Spix & Martius93 que, durante sua estada em So Paulo, necessitou de um profissional de tropa e foi prontamente atendido por um patrcio, que arranjou-nos um tropeiro paulista, com fama de bom guia de tropa. Os mineiros tambm gozavam de boa fama como tropeiros. Paulistas e mineiros eram mais confiveis, como atestam boa parte dos viajantes. Burton94, em sua passagem pelo baixo Rio So Francisco, contratou os servios de tropeiros pernambucanos, aos quais faz o seguinte
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comentrio: A decepo foi tanto maior quanto ouvira h muito tempo os altos louvores aos tropeiros de Pernambuco. Se aqueles exemplares os representavam mesmo, dois deles no valem um paulista ou um mineiro. Mais adiante, ainda se referindo aos tropeiros pernambucanos, atenua, dizendo que reuniam quase todos os defeitos de um tropeiro, exceto a bebida. O Prncipe Maximiliano95, tambm fregus de um tropeiro mineiro, comenta: O mineiro Jos Caetano (...) ofereceu-se para ficar a meu servio e guiar a tropa atravs das matas. Ele sabia tocar os animais, arre-los, e tratar deles; conhecia a estrada, por t-la percorrido uma vez, trazendo uma boiada do serto. E acrescenta: nossos dois tropeiros, Mariano e Filipe, ambos moradores de So Paulo, (...) local onde h muito capricho na criao de muares. Honrio Bicalho Na chegada a Honrio Bicalho nota-se que o Rio das Velhas aumenta na largura e aparenta-se mais caudaloso. Observamos umas canoas com seus respectivos remadores rio acima. Na entrada da vila, alguns motoristas de caminho se irritaram em ter que compartilhar a via com uma tropa. Fizemos uma parada para refrescos e descanso. Os animais, sem cerimnia, entraram na praa da localidade e ali descansaram sombra das rvores. A populao curiosa se juntou a ns, buscando confirmar que aquele tanto de gente tinha relao com uma tal cavalgada ecolgica que eles viram pela TV. De Honrio Bicalho seguimos para um lugar conhecido por Maia. Os veculos de apoio tomaram o asfalto e chegariam a Raposos com boa antecedncia. O meio mais comum de transporte Os muares tiveram importncia histrica na formao do Brasil. Se, num momento, o territrio brasileiro, ento colnia portuguesa, era limitado a oeste pelo Tratado de Tordesilhas, mais tarde, com a expanso deste territrio pelos portugueses, a regio hoje compreendida pelo Rio Grande do Sul foi incorporada. Com elas estavam extensas
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pastagens, de grande importncia econmica. Foi necessrio defender estas terras militarmente. Lindalvo Bezerra Santos 96 apresenta uma importncia histrica do muar ao afirmar que, na poca colonial, o muar prestou sempre relevantes servios. Nas audaciosas arremetidas dos bandeirantes pelo serto, acompanhava-os o cargueiro. Neste servio, o cavalo foi elemento escasso. (...) Na histria do transporte do Brasil, ressalta logo, pela sua simplicidade e valor, a besta de carga. Ainda hoje, onde no se conhece ou no se acomoda o automvel, a trao animal ou a carga em lombo de muar o meio mais comum de transporte, apesar mesmo da profunda penetrao atual do caminho automvel. Quanto espcie do animal empregado, varia com os recursos de cada regio. Entretanto, o burro o elemento preferido, por suportar melhor a crueza do caminho e o peso da carga. Ainda nesta linha, Dean97 nos explica: Para evitar o abandono dos assentamentos militarizados, recm-instalados no Rio Grande do Sul para fortalecer os interesses portugueses, a Coroa reservou quela regio o monoplio de reproduo de mulas. A procura por mulas e cavalos tornou-se, assim, o principal elo comercial das capitanias do sul com So Paulo e Minas Gerais. E complementa: A Coroa decretou que as mulas no poderiam ser reproduzidas ao norte do Rio Iguau, de forma a reservar uma funo econmica s capitanias fronteirias de Santa Catarina e Rio Grande do Sul que, caso contrrio, ficariam desconectadas. Ainda para fortalecer a importncia histrica do muar na colonizao do Brasil, em especial no que se refere ao problema do abastecimento das minas, Goulart98 expressa que o surgimento do muar que vai proporcionar o meio de enfrentar o problema. Assim, ainda segundo este autor, nada mais lucrativo para quem andava cata de mercadorias vendvel do que arrebanhar cavalos e guas, burros e bestas, bois e vacas para vend-los, a bom preo, nas regies carentes desses animais. Segundo Paula Freitas99, Os estancieiros, os fazendeiros e viajantes do interior tinham ordinariamente tropas suas; mas havia tambm tropeiros independentes que contratavam o transporte dos produtos indgenas para o litoral, e dali a remessa de mercadorias para o interior.
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Lenharo 100 informa que a atividade de abastecimento do interior e vice-versa constitua-se num setor em franco desenvolvimento; sua organizao distributiva era vinculada em grande parte s propriedades interioranas ou a firmas de tropas independentes das grandes casas de comrcio da praa carioca. (...) O movimento do porto se completava com a redistribuio para outros centros de consumo de uma parte de suas importaes, efetivada atravs da cabotagem e do comrcio interior, estruturado sobre a organizao mercantil das tropas de mulas. Segundo Luccock, citado por Lenharo, o comrcio exportador de So Joo Del-Rei era organizado atravs do transporte empresarial de tropas. Quatro dessas firmas, de cerca de cinqenta mulas cada, percorriam a rota entre So Joo Del-Rei e o Rio de Janeiro oito vezes ao ano. Ainda segundo Lenharo, as casas comerciais mantinham um caixeiro especial para coadjuvar os fregueses nas compras de suas encomendas e agenciar cargas para as tropas que conduzem os gneros (...) Mais provavelmente, as tropas seriam alugadas pela prpria firma e os clientes no pagariam nada alm do convencional. Este comrcio do transporte era operacionalizado no mbito familiar, diminuindo custos com mo-de-obra. A Companhia de Minerao Morro Velho um exemplo desta estrutura de operao casada entre uma atividade econmica e seu transporte. A minerao possua a Fazenda Bela Fama, prximo povoao de Congonhas, que, segundo Burton101, mantinha sua grande tropa de burros, usados no transporte de mercadorias e provises. Bunbury102, em certo momento de sua viagem de retorno ao Rio de Janeiro, proveniente de Minas, relata que despachou na frente boa parte de sua coleo por uma das tropas ou caravanas de mulas, que constantemente fazem a viagem entre a regio das minas e a capital. Aproveitando a disponibilidade de transporte, que entre a zona de minerao e o Rio de Janeiro era freqente, despachou sua bagagem e, desta forma, viajaria mais sossegado o restante do percurso. Sem tomar susto A caminhada segue. O sol forte, mas a vegetao da beira do caminho nos conforta. Caminhar mais interessante do que cavalgar,
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principalmente em lombo de burro. Alm do mais, os caminhantes so mais unidos. Quem anda junto, anda junto mesmo. Os cavaleiros no andam, quem anda o animal. Os caminhantes tm uma energia mais tranqila. Os cavaleiros so mais agressivos. Eles tm responsabilidade com os animais (...) o caminhante no depende de nada, a no ser das pernas (...) observando as coisas com calma (...) sem tomar susto (...) voc conhece realmente seu limite; de corpo, de cabea, de esprito, segundo depoimento de Raphael Oliv. Maia Todo o trajeto da expedio foi demarcado pelo Ted, com coordenadas obtidas pelo GPS. O local que nos encontrvamos a caminho de Maia era o ponto 54 desde o incio da Expedio, na Praa Tiradentes, em Ouro Preto. No final, o aparelho prepara um relatrio indicando todos os pontos, distncia entre eles, com as respectivas coordenadas, altitudes, etc. Com estas informaes, o Ted pretende elaborar um mapa que servir de registro da Expedio e a base de dados para um planejamento mais elaborado deste trecho da Estrada Real. Chegamos na localidade de Maia onde um caxinguel103 chama nossa ateno pulando de uma rvore para outra. Maia pertence ao municpio de Raposos e deste ponto em diante j no passa mais carros. Trata-se de uma poro de casas, que no chega a caracterizar um povoado. Neste lugar conhecemos uma senhora muito esperta, alegre e sorridente. Aos 75 anos, Dona Maria Jos de Matias pura simpatia. Perguntada se j viu tropa passar por aquele caminho, ela responde: J passou muito j. Eles (tropeiros) passavam a (...) lote mesmo, um atrs do outro. Juntou-se ao grupo o guia Vivinho104, filho de Dona Maria, que nos levaria pela serra at Raposos. Retornamos jornada. Ao que tudo indica, a Estrada Real passava por aqui originalmente. Deste ponto em diante, a trilha serve apenas para caminhantes e animais. Caminhamos pela mata, serpenteamos morro acima e morro abaixo, vadeamos crregos; a paisagem bela. Chegamos numa estrada de onde se descortina uma paisagem exuberante. Montanhas circundantes, mares de morros das
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Gerais. Neste lugar, conhecido por casa de pedra, encontra-se um conjunto de runas, no meio do mato. Segundo o nosso guia Vivinho, Era uma igreja aqui, e morava um padre, h mais de cem anos atrs (...) o padre tinha muita criao e transportava o pessoal de Nova Lima, Raposos (...) os escravos moravam aqui tambm. Das runas, seguimos por algum tempo numa paisagem mista de cerrado. Depois, adentramos a mata novamente. Ouve-se o barulho de um crrego ao longe. Esperamos ser uma cachoeira. Quem sabe um mergulho. Segundo nosso navegador, o mapa indicava ser o Crrego das Cabeas. Chegamos ao crrego. As guas so cristalinas. Mas nada de mergulho. A burrada mata a sede. Aproveitamos para catar carrapatos que hoje nos atacaram em demasia. E, falando sobre este infeliz parasita, que tanto causa incmodos aos viajantes e ao homem do campo, aproveitamos para aprofundar sobre o assunto, com informaes oferecidas pelo mdico veterinrio Ivens Sathler. Amblyomas e Boophilus: vulgo carrapatos Inicialmente, segundo o veterinrio Ivens Sathler, oportuno colocar que existem centenas de espcies de carrapatos (caros) espalhados por todo mundo e que variam desde os gigantes Amblyomas e Boophilus (os primeiros parasitas dos eqdeos e os segundos, dos bovinos), at os microscpicos caros da poeira de casa, passando pelo Dmod foliculorum, responsveis pelos incmodos cravinhos do nosso rosto. Algumas espcies de carrapatos, porm, j adaptados a determinadas espcies animais, atacam tambm o homem, ainda que de maneira acidental atravs das larvas e ninfas, conhecidas popularmente como micuins, fases iniciais do ciclo de reproduo. Lamentavelmente, esta agresso dos carrapatos ao homem, ao lado dos inconvenientes representados pela grande irritabilidade, alergias e pequenas inflamaes locais, podem transmitir doenas graves e at resultar em bito. No vamos entrar em detalhes quanto s doenas que os carrapatos podem transmitir aos animais porque este no o objetivo. Vamos nos deter especificamente nos males que os carrapatos trazem ao ser humano. Um dos mais
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graves, a nosso ver, a Febre das Montanhas Rochosas, ou simplesmente Febre Q. O agente causal uma Ricketsia, a Coxiella burnetti, de distribuio mundial, transmitida por um carrapato do gnero Ixodes. No municpio de Josenpolis, Minas Gerais, a Febre Q h algum tempo matou nove pessoas. Em que pese no ser ainda uma doena muito comum no nosso meio, geralmente ela aparece em locais com pouca estrutura de saneamento bsico. Outra doena que tem aumentado sua incidncia entre ns a Doena de Lyme (Lyme Desease), transmitida igualmente por carrapatos do gnero Ixodes. Ela ocorreu recentemente no municpio de Guarulhos, zona norte da grande So Paulo, e foi acompanhada e relatada pela Dra. Carla Carvalho em brilhante artigo. Nos Estados Unidos so registrados 2.000 casos por ano e, desde 1975, mais de 13.000 casos j foram registrados. A doena se confunde inicialmente com gripe, manifestandose atravs de dor de cabea, irritao na garganta, perda de apetite, fadiga, dores nas juntas (artrite) e manchas avermelhadas e circulares pelo corpo. E, para terminar esta relao, no podemos deixar de citar a Febre Maculosa, transmitida pelo carrapato do cavalo, o Amblyoma cajenense. Em Caratinga MG, h alguns anos atrs, a Febre Maculosa vitimou nove pessoas e, mais recentemente, outras trs pessoas morreram em Caet, regio metropolitana de Belo Horizonte, vtima desta Febre, levando o Prefeito a decretar estado de emergncia no municpio. Sathler adianta que no queremos alarmar nem trazer preocupaes exageradas, mas simplesmente deixar um alerta. Em todos os casos, fica sempre a pergunta: o que fazer para evitar que estes carrapatos prprios dos animais nos ataquem? A resposta no simples. Entretanto, algumas medidas podem ser tomadas. Vamos considerar algumas delas: PRIMEIRO No caso dos caros da poeira de casa, que causam asma e alergias, especialmente em crianas, o problema pode ser contornado com o uso dos conhecidos esterilizadores de ar. SEGUNDO No caso do carrapato responsvel pela Doena de Lyme e da Febre Q, situao pouca conhecida no nosso meio, h que acionar a Sade Pblica, a qual dever tomar, de maneira enrgica, as devidas providncias. TERCEIRO Quanto ao problema da Febre Maculosa, atribuda ao carrapato do cavalo (Amblyoma cajenense), cabem aqui algumas consideraes. Ele, diferentemente do carrapato do boi (Boophilus microplus), tem seu ciclo reprodutivo dividido em trs etapas distintas, ou seja, exige trs diferentes hospedeiros, o que complica seu controle. Outra caracterstica prpria do Amblyoma cajenense que ele tem pouca
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especificidade parasitria, vale dizer, as larvas e ninfas atacam indistintamente qualquer espcie de animal, inclusive o homem. Quando, na fase adulta, os carrapatos desta espcie so conhecidos tambm como carrapato estrela ou rodoleiro, e ocorrem desde o sul dos Estados Unidos at o norte da Argentina e, logicamente, a infestao muito abundante nos locais onde se criam eqdeos, acentuando-se o problema, sobretudo, nas estaes mais secas do ano. No municpio de Pedro Leopoldo, Minas Gerais, o Amblyoma est to difundido que j est superando a infestao do Boophilus, j parasitando em grande escala os bovinos, alm, naturalmente, dos eqdeos. Outra caracterstica que o difere do carrapato do boi que em cada fase de reproduo (larva, ninfa, metaninfa/adulto) ele volta ao meio ambiente, permanece algum tempo no cho e torna a procurar avidamente um novo hospedeiro. Se encontrar o homem no seu caminho, no faz cerimnia... O controle bsico do carrapato do cavalo est em combat-lo no prprio corpo do animal com carrapaticidas base de piretrides ou, mais modernamente, base de Fipronil. A aplicao de carrapaticidas para controle do Amblyoma tem de ser mais freqente quando comparado com o combate ao carrapato do boi, especialmente nas estaes mais secas (maio a setembro no Brasil central). A pulverizao deve ser no corpo inteiro a cada 10/15 dias. A alternativa pode ser o carrapaticida pour on de frmula gordurosa, que se difunde por toda a pele do animal. Muitos nos perguntam se pulverizar a prpria pastagem no resolveria. Diria que no, devido ao impacto e desequilbrio ecolgico que o veneno lanado no meio ambiente causaria, podendo, ainda, intoxicar os prprios eqdeos, alm de prejudicar a fauna silvestre, aniquilando um sem nmeros de insetos. Alm do que, o custo desta operao seria muito alto. Outros, ainda, perguntam: E as queimadas, no resolveriam? Se elas forem realizadas com toda tcnica, conforme recomendao das autoridades de meio ambiente, como acero, dia mido, etc., resolveria em parte. Digamos em parte porque naqueles locais, onde h muita pedra e pau podre, muitos exemplares de carrapatos sobreviveriam, recomeando seu ciclo parasitrio e reprodutivo. Mas temos que admitir que tal prtica traz certo alvio temporrio. O ideal o controle do carrapato no animal, de maneira como j foi mencionada, consorciandose com rotaes, ou seja, deixando as pastagens contaminadas em repouso por alguns meses sem a presena de eqdeos.

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Finalizando, Sathler informa que quando a presena do homem no meio rural for espordica, ou no se conhecendo o territrio que se adentra, recomendvel muita ateno. Andar sempre em trilhas evitando o contato com arbustos e gramneas mais altas. O uso de repelentes contra insetos surtem algum efeito. Observada a presena exagerada de Amblyomas, geralmente nas pernas e braos, convm remov-los antes que se instalem na pele. Uma vez instalados, recomenda-se passar ter antes da retirada e, sendo possvel, aplicar um antiinflamatrio. Em qualquer caso, busque orientao mdica. Parecia o caminho certo Por algum tempo, tropa e caminhantes se separaram. A tropa estava frente, com o guia montado num belo cavalo. Chegamos a uma encruzilhada. Havia pegadas recentes de animais para ambos os lados. Qual seguir? Todos os caminhantes reunidos. Especulaes. Qualquer dos dois caminhos parecia fazer sentido. Adiantamos um pouco por um e por outro caminho para ver se os animais deixaram outras marcas. Nada. O Rafael teve dvidas. Consultou o mapa, a bssola, o astrolbio, o sextante, at que, por consenso, o caminho a seguir era o da esquerda. Melhor assim. Parecia o caminho certo. Passado o dilema da encruzilhada, aps seguir o caminho da esquerda por alguns minutos, encontramos fezes recentes de animais. Ficamos mais tranqilos. Mais adiante, encontramos a tropa prximo a uma mina dgua. Refrescamo-nos. Passamos por uma rea, onde tudo indica, havia pesquisa de lavra. Talvez uma minerao que no deu certo e foi abandonada. Curiosamente, havia uns ces numa tenda, mas nenhuma presena humana. Mata da Banqueta Segundo o Vivinho, j estvamos bastante prximos de Raposos. Entramos novamente numa mata. Deste ponto em diante, eu endorfinei 105 e acelerei o passo. Estava sozinho, frente de todos os caminhantes e da tropa. Durante o percurso fui surpreendido por um som muito forte. Logo descobri um pica-pau em plena atividade. Era de

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colorao branco-avermelhado e com a cabea preta. Bela ave. Jamais esquecerei o seu som peculiar. Nesta mata ainda corria uma gua por um canal feito por obra humana. Segundo informaes levantadas, tratava-se de uma antiga adutora de gua para Raposos. O povo chama este canal de banqueta e batizou a mata com esse mesmo nome. A trilha terminou. Neste ponto, descortinava a vista sobre a cidade de Raposos. Localizada num vale entrecortado por morros, v-se alguns bairros isolados, matas de eucaliptos circundando a cidade. No demorou e estvamos em zona urbana. Nossa Senhora da Conceio de Raposos de Sabar ou Raposos: a primeira igreja matriz Chegamos a uma rua, pelo alto. Fomos imediatamente interpelados por moradores que tambm aguardavam a chegada de uma tal tropa ecolgica. No tardou e os demais companheiros chegaram pela retaguarda. Faltava apenas descer a ladeira, rumo ao centro de Raposos e, de l, cerca de uns 500 metros, chegar ao Clube do Cavalo, beira do Rio das Velhas, lugar previsto para o nosso merecido pouso. Spix & Martius, na expedio original, pernoitaram na Fazenda Cocho Dgua (cerca de Rio Acima) e, na manh seguinte, ao que tudo indica, seguiram at prximo de Sabar, onde fizeram outro pernoite. Neste caso, passaram ao largo por Raposos, que j foi chamada de Nossa Senhora da Conceio de Raposos de Sabar. Nada mencionam sobre Raposos. Reservamos a Burton106 o seguinte registro: A parquia foi criada em 1724 e continha duas mil almas enquanto durou a lavagem de ouro (...) Consiste principalmente de um pssimo calamento e uma igreja matriz. Essa igreja gaba-se da honra de ser a primeira construda na provncia de Minas. No tardou e encontramos os veculos de apoio. Apareceu tambm o Nofito Rosa da Silva, um tropeiro das antigas, carregando um cincerro107. Ele veio nos acompanhar na chegada. Quando a tropa chegou, ele colocou o cincerro em nossa gua madrinheira e montou um dos

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animais sem maiores cerimnias. Com todos os expedicionrios reunidos, seguimos rumo ao centro de Raposos. O Expedicionrio Mrcio Santos descreve assim nossa entrada em Raposos: Como num desfile, a Expedio entrou em Raposos tendo frente o Gurgel de apoio, seguido por trs caminhantes, um com a bandeira do Brasil, tendo atrs quatro cavaleiros emparelhados, o Jeep de apoio, a tropa de burros e mulas e o restante da turma. Fomos recepcionados pelo Prefeito Clber Solano de Castro que, em breve discurso, relatou a importncia deste evento para o fomento do turismo na regio metropolitana de Belo Horizonte e demais municpios. Maurcio tocou o Hino Nacional ao berrante e seguimos para o Clube do Cavalo, onde uma faixa saudava a chegada da Expedio Spix & Martius. Os animais foram muito bem acomodados e ns ganhamos o salo do clube para nos instalarmos. Os banheiros tinham gua quente e eram bastante asseados. Ofereceram-nos um jantar de confraternizao, ao som de msica tpica, com a presena de vrios lderes comunitrios. No tardou para que a celebrao fosse encerrada, quando pudemos descansar de mais este grande dia.

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5 dia: Quarta-feira 14 de Julho Raposos a Sabar


No nos parece necessrio observar que numa viagem ao Brasil, como de resto a qualquer outra regio, preciso que o estrangeiro se adapte aos costumes do pas e no se oponha sem necessidade s opinies, pretenses ou preconceitos dos habitantes. Essa precauo que a s razo e a educao igualmente recomendam, ainda mais necessria num pas onde em geral no se apreciam os estrangeiros, os europeus menos do que os outros, e onde, por muitos motivos, se desconfia deles. Rugendas108 Alvorada beira do Rio das Velhas. o comeo de mais um dia. Relativamente curto, pois Sabar dista pouco mais de onze quilmetros. O caf-da-manh foi servido no Clube do Cavalo que, juntamente com o jantar da noite anterior, foi oferecido pela Prefeitura Municipal de Raposos. Eu e o Tullio Marques nos dirigimos para uma entrevista na Rdio de Raposos. De repente, seu telefone tocou: era um amigo anunciando uma reportagem sobre a Expedio Spix & Martius no telejornal Bom Dia Brasil (Rede Globo). Esta notcia foi o comentrio do resto do dia. Aproveitando o ensejo, liguei para minha famlia em Niteri. Eles confirmaram que a matria havia sido muito boa. Estavam orgulhosos.

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Ao tempo de nossa chegada a Raposos na tarde de ontem, o Rio das Velhas encontrava-se com suas guas lmpidas. Hoje pela manh estavam barrentas. O comentrio era que uma das mineradoras da regio, cujos efluentes eram encaminhados ao rio noite, havia transfigurado o visual das guas, o que deixou algumas pessoas irritadas. Volantes: Lincoln Tive a oportunidade de entrevistar o Lincoln Alves de Oliveira, na ocasio Secretrio de Obras de Raposos, que no foi tropeiro, mas tem boas recordaes deste tempo. Ele responde a algumas perguntas sobre a atividade tropeira na cidade: uma atividade h muito desativada na regio (...) uns quarenta anos atrs era exercida (...) a atividade era intensa (...) os tropeiros traziam (...) rapadura, queijo, galinha, panela de pedra (...) outros tipos de utenslios; tudo carregado em tropa (...) e mesmo com todas as facilidades que j tinha na poca em meios de transporte, mas eles ainda perduraram at o final da dcada de cinqenta ainda passava os tropeiros por aqui. Perguntado sobre tropeiros de longo curso e o que transportavam, ele responde: Trazendo panela de pedra (...) dessa regio de Ouro Preto e cercanias (...) do norte, j na minha poca j no existia mais as tropas vindas do norte. Antigamente eram chamados volantes109. Eu conheci um senhor aqui que ele foi volante e negociava no Rio de Janeiro (...) ele era da famlia Torres; Sr. Mizael(?) Torres; e o pai dele, Alexandre Ferreira Torres. Eles negociavam e eram tropeiros e negociantes. Faziam esse trajeto de Raposos pela estrada de tropa que ia at o Porto de Estrela110, no Rio de Janeiro. Era tudo feito no lombo de burro: Nofito Rosa da Silva Ele que nos acompanhou ontem na chegada cidade, nos forneceu o seguinte depoimento: Sou tropeiro de longas datas. Comecei com a idade de oito anos (...) nasci em 1936. Trabalhei com tropa at a idade de 40/50 anos. Perguntado sobre os motivos que o levaram a deixar a atividade e que tipo de mercadoria transportava, responde: a tropa foi acabando e foi ficando difcil arrumar servio, eu precisava trabalhar fichado (...) quando eu comecei a trabalhar com tropa ns puxava (sic) farinha, banana, puxava carvo, tinha tropa de carvo e trazia a carga para Nova Lima tambm (...) trazia carne de Itabira (...) gastava quinze dias de viagem com tropa carregada (...) de Senhora do Carmo111 a Nova Lima. Perguntado sobre o local mais longe que j conduziu tropa, Nofito responde: Da minha
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terra (Sra. do Carmo) ns levava (sic) tropa de farinha para Taquarau de Minas e puxava tropa de caf tambm (...) trabalhei puxando carvo (...) banana. Foi da minha terra para aqui e Nova Lima. quinze dias de viagem. Na zona da mata a gente gastava um ms e tal (...) buscando toucinho e feijo. E l o seguinte, gastava quase um ms para ir e voltar porque era muito longe e ns chegava (sic) l para comprar toucinho (...) antigamente o transporte de mantimento era tudo feito no lombo de burro. No existia caminho, no existia estrada de carro, s na cidade grande (...) o carreto era tudo (sic) feito em lombo de burro. Perguntado sobre a composio das tropas, ele responde: O lote era o seguinte: eu trabalhei com tropa de 10, 12 bestas e o que eu tinha mais estimao por ele era um patro que tinha uma tropa muito arrumada. Era quatorze bestas (...) Arrieiro era o dono da tropa. O tocador que tocava os burros (...) O madrinheiro era eu; eu trabalhava de cozinheiro; eu tocava uma puxada na frente de quatro burros. O cavaleiro de madrinho (sic) e mais quatro burros de carga. Trs burros de carga e o burro de cozinha; com par de canastra112. Ali que era para carregar os mantimentos, carregava panelas e todo dia que chegava no rancho de tropa tinha que varrer o cho todinho, fincava a trempe113 e era aquelas trempes de gacho, n (sic). A gente fazia comida, coava caf. Tudo naqueles caldeiro (sic) tudo balanando no ar. Finalizando, Nofito fala emocionado: (...) e a tropa era toda ensinada. Era s estalar o chicote, a tropa formava tudo (sic), na beira do muro, na beira da parede e ns viajava (sic) muitos anos com tropa. Mercadorias As tropas eram o principal meio de transporte e, em algumas regies, o nico. Transportavam as mais variadas cargas. Gneros de toda espcie. Segundo Zamela114, os itens transportados da costa para Minas Gerais eram divididos em cinco grupos: no primeiro grupo estavam os gneros de subsistncia, tais como o sal, carne, acar, toicinho, cereais; no segundo grupo estavam os utenslios indispensveis ao trabalho nas minas, como o ferro, ao, plvora, armas, escravos (aqui considerado como mercadoria e transportado em tropa como tal); no terceiro grupo estavam os artigos de vestimenta, calados, moblia e indumentria de cavalgadura; no quarto grupo estavam os artigos de luxo, as coisas suprfluas e caras; no quinto grupo o tabaco e a cachaa, dois artigos que se podia considerar suprfluos, mas no de luxo.

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Nos anos 1700 os alimentos eram basicamente produzidos na costa e afluam para a regio da minerao, bem como produtos europeus, a custos elevadssimos, devido aos altos custos com o transporte. Para minimizar os custos dos alimentos, houve um estmulo gradual para que se produzissem alimentos mais prximos das lavras. Certas regies transformaram-se em verdadeiros celeiros e praas comerciais, como o caso de So Joo Del Rei, na Serra da Mantiqueira. Na virada dos anos 1800 deu-se incio ao declnio do ciclo do ouro. E, com a chegada da Famlia Real ao Brasil, em 1808, houve uma verdadeira inverso do fluxo de mercadorias entre a costa e o interior. Agora, os alimentos que j eram produzidos em Minas Gerais passaram a encontrar melhores mercados no Rio de Janeiro, cuja populao crescia vertiginosamente, enquanto a populao de mineiros decrescia. Para os tropeiros que viviam da atividade do transporte, a inverso do direcionamento das cargas pouco significou, conquanto ainda podiam carregar as mulas e viver da atividade do comrcio e transporte de gneros. Por certo, os alimentos tornaram-se itens valorizadssimos. Afinal, eram desejados por bocas requintadas da Corte e, por isso, com melhores condies de venda. Reforando a importncia do intercmbio de mercadorias entre a costa e o interior, Saint-Hilaire115 comenta sobre So Joo Del Rei: Os comerciantes, muitos dos quais bem ricos, compram no Rio de Janeiro todos os objetos que podem ser consumidos no interior; os vendeiros das pequenas vilas da comarca de Rio das Mortes e das comarcas mais distantes tm certeza de encontrar numa mesma casa em S. Joo, quase todos os artigos de que necessitam; enquanto se fossem ao Rio de Janeiro perderiam muito mais tempo (...) E acrescenta: As mercadorias que a Vila de S. Joo (...) envia capital em troca das da Europa, so o ouro, couros, toucinho, algodo e alguns outros artigos. Cabea de negro Na importante lio de Goulart116 vale esclarecer que nem tudo era transportado em tropa. Convm assinalar, porm, que mesmo depois de intensificado o trfego de muares, a escravaria continuou a fazer transporte, pois havia artigos, como cadinhos de barro, louas, vidros,

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espelhos, etc., cuja fragilidade exigia cabea de negro, ou de ndio, para no se fragmentar. Pohl117 comenta ter encontrado um certo capito, vindo de Cuiab, o qual dirigia o transporte de algumas centenas de cavalos de Mato Grosso para o Rio de Janeiro. Esses cavalos eram destinados Sua Majestade, o Rei de Portugal. Infelizmente, durante o transporte, pereceu mais da metade desses belos animais. Sal, ferro e outras mercadorias Vila Rica, como capital da Provncia, tinha importncia poltica. Mas tambm teve sua importncia comercial, como salienta Mawe118 sobre esta vila: no tardou em estabelecer grande comrcio com o Rio de Janeiro, de onde recebia negros, ferro, tecidos de l, sal, mantimentos de diferentes espcies, e vinho, artigos que davam ento imenso lucro. (...) o tropeiro tem, por seu trabalho, a metade, algumas vezes, os dois teros do que transporta, e compromete-se a trazer, em troca, sal, ferro e outras mercadorias. Gardner119, em viagem pelo Cear, informa que muitos viajantes passavam pelo nosso acampamento. Carros cheios de algodo e couros desciam, enquanto outros, bem como tropas de cavalos, subiam carregados de mercadorias europias e de sal, que raro e caro no interior. O sal era produto necessrio e um dos principais itens transportados na direo do interior. No s para consumo humano, mas principalmente para os rebanhos de gado vacum. Segundo Goulart120, As tropas de muares que garantiram o suprimento salino e permitiram a evoluo do criatrio naquelas provncias. O sal foi um dos artigos mais valorizados no serto. Qualquer tropa que viesse ao Rio de Janeiro carregada tinha garantida carga de sal no retorno, praticamente para qualquer destino no interior, como informa Pohl121: O sal de gro grado, sujo; vende-se em sacos de couro verde (surres), de duas a trs arrobas, e transportado em lombo de animais para o interior do pas. Ainda sobre o transporte de sal, Mawe122 observa que as inmeras tropas de mulas, que viajam continuamente para este distrito (Rio de Janeiro) e dele partem; cada uma carregada, por distncias quase
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inacreditveis, de 1500 a 2000 milhas. O frete de retorno consiste, principalmente, de sal para o consumo do gado e ferro para o trabalho das minas. Ainda segundo Mawe, o sal, o ferro e o chumbo, at os limites do Rio Paraba (na divisa com Minas Gerais), tinham circulao livre. Da em diante, pagavam 100% de tributo na entrada da Provncia de Minas. Burton123 relata que em 1864 mais de 60.000 sacos (com duas arrobas) de sal (...) passaram por Barbacena e em 1867 (...) s passaram 50.000. E acrescenta a informao obtida durante sua passagem pela regio de Januria que, em 1852, um carregamento de oito arrobas, transportado em lombo de burro, vindo do Rio de Janeiro (200 lguas), via Diamantina, custava 45$000 e em 1867 de 15 a 16$000 ris por arroba. O sal tambm chegava a Minas, proveniente da costa, por outras vias e meios de transporte, como era o caso dos canoeiros que transportavam pelo Rio So Francisco o sal produzido perto de Juazeiro, e pelo Jequitinhonha que, neste caso, vinha da costa (hoje sul da Bahia). De certo ponto o sal era desembarcado e os tropeiros se encarregavam de lev-lo aos distintos pontos e entrepostos, como atesta Pohl124 que, em viagem pelo Jequitinhonha, encontra uma tropa de 20 burros, que vinha do salto do Jequitinhonha e conduzia sal para Fanado125. A situao do transporte do sal s se modificou em parte com a chegada do trem, a partir da segunda metade do sculo XIX, encurtando alguma distncia, mas no excluindo o sal da pauta de produtos transportados em tropas, que ia onde o trem no chegava. Galinhas & porcos Galinhas tambm eram transportadas em tropas. Havia, inclusive, um cesto apropriado para o transporte de galinceos. Spix & Martius126, ao passar pelo baixo Vale do Tacasava, avistaram Muitas tropas que levavam galinhas para o Rio. A marmelada, produzida em vrias regies, era item da pauta de exportao para o Rio de Janeiro. Da regio entre Paracatu e a divisa com Gois, descia para o Rio de Janeiro, em lombo de mula, uma marmelada especial, constituindo num dos principais itens comercializados nesta regio. Burton 127 informa que o ouro da Cia. Morro Velho, administrada por ingleses, era transportado para o Rio de Janeiro de dois
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em dois meses. O metal era acondicionado em belas caixas de madeira amarela. Pronta a carga, esta era entregue tropa do ouro, comandada por um experiente viajante, escoltado por tropeiros-guarda, que vo armados. Segundo Afonso Arinos128, entre 1710 e 1770, o Brasil produziu uma quantidade superior a de todo o ouro ento existente no mundo. Somente entre 1735 e 1754 foram 14,5 toneladas. Este ouro permitiu aos ingleses, senhores do seu comrcio, financiar sua Revoluo Industrial. Todo este ouro desceu das minas para os portos da costa em lombo de mula. Porcadas eram grandes quantidades de porcos, conduzidos pelas estradas, em especial, no sentido Rio de Janeiro, proveniente de Minas, regio da Mantiqueira e So Paulo, como atesta Pohl129, ao ver que grandes manadas de porcos e centenas de muares de cargas, (...) se dirigiam para a capital (...). Embora os porcos no fossem conduzidos em tropa, eram os camaradas tropeiros e seu modus viajante, em sua maioria, que se ocupavam desta atividade. Segundo dados fornecidos por registros mineiros no ano de 1829, informado por Lenharo130, de 107 empregados trabalhando nas porcadas, 95 eram camaradas livres. Estas porcadas, conduzidas pelos camaradas, quando arranchavam junto com outras tropas, podiam transformar o descanso dos tropeiros num martrio, como atesta Pohl131: Para cmulo da desgraa, havia em volta imensos grupos de porcos que eram conduzidos para a cidade e que roam as nossas albardas e, com seus grunhidos, aumentavam a excntrica barulhada. Saint-Hilaire132 informa que No caminho do Rio Preto encontrei poucas tropas de burros, mas em compensao vi um grande nmero de porcos e de bois. por esse caminho que transportado quase todo o gado destinado ao Rio de Janeiro e oriundo da parte ocidental da Provncia de Minas, onde a pecuria bastante desenvolvida. E acrescenta, referindo-se produo agropecuria da Regio da Mantiqueira, que O toucinho constitui, como os queijos, um ramo de comrcio muito importante para a Comarca de So Joo Del Rei. igualmente em cestos de taquara, chamados jacs, que transportado para o Rio de Janeiro. Dois cestos de toucinho completam a carga de um burro, contando cada cesto trs arrobas de toucinho quando o burro no est acostumado carga, e quatro quando j se habituou a transport-la. J com relao produo de porcos na regio de Formiga, no Alto So Francisco, Saint-Hilaire informa que Os

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sunos so levados em varas capital do Brasil, percorrendo trs lguas por dia numa viagem de 80 lguas. Carne humana As tropas tambm conduziam escravos e os tropeiros, neste caso, eram conhecidos como comboieiros, segundo Felcio dos Santos133. Conduziam escravos (carne humana) desde os portos de mar ao interior de Minas. A dvida do camboieiro era o eterno pesadelo do mineiro. O comboieiro era o judeu usurrio, inexorvel, desumano, que lhe arrancava o ltimo real, e lanava-o na misria. E acrescenta que Os comboieiros, a pretexto de venderem escravos, facilmente obtinham licena para entrarem nas terras da demarcao (Diamantina). No se refletia que a homens to habituados ao abominvel comrcio de carne humana no repugnaria qualquer outra especulao ilcita e proibida. Foram eles os maiores contrabandistas dos anos 1743 e 1744. Vendiam na demarcao os escravos que traziam e o produto levavam empregado em diamantes que compravam, e to certos estavam deste negcio que de antemo participavam sua vinda, para que seus fregueses se preparassem. Esta fraude foi descoberta com a priso de um deles, no ano de 1745. A partir de tal evento, os comboieiros eram permitidos somente at a Vila do Prncipe. Pohl134, encontrando-se prximo a Barbacena, relata ter cruzado com uma caravana de negros escravos comprados no Rio de Janeiro, que estavam sendo conduzidos para o interior do Pas. Eram uns trinta jovens, entre 10 e 13 anos. O cortejo tinha um aspecto verdadeiramente lamentvel. Pandi Calgeras135 chama de tanganhes os mercadores e condutores de escravos. Saint-Hilaire136 comenta que principalmente da Bahia que vm os escravos que se vendem em Tijuco e seus arredores. Pode-se compr-los por menor preo no Rio de Janeiro, e a distncia no to grande, mas observou-se que h menor nmero de mortes no caminho da Bahia, que atravessa vastas plancies muito quentes, que no do Rio de Janeiro, que, sendo montanhoso, sombrio, fresco e mido, deve ser mais nocivo sade dos negros recm-chegados da costa da frica. Gardner137, j na poca em que o trfico de escravos estava proscrito, informa: Repetidas vezes, quando viajava pelo interior, vi bandos de escravos cujo nmero variava de vinte a cem indivduos, todos incapazes de dizer uma palavra em portugus, tangidos para o serto para serem vendidos. Goulart 138 apresenta um recibo datado de 1826, onde um tropeiro, de nome Francisco Esteves Pereira, se compromete a levar do Rio de Janeiro
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seis moleques com a marca margem para conduzir, (...) para Mato Dentro e entregar no arraial do Brumado. Lenharo139 informa sobre tropeiros transportando escravos em sua pesquisa. Num destes relatos, um certo tropeiro passou pelo registro do Paraibuna com um camarada e seis escravos, sendo que trs pagaram os reais tributos, pois se destinavam venda em Minas. Noutro caso, um tropeiro, tambm no Registro de Paraibuna, passou com uma tropa com 3 animais e 34 escravos. Tesouros escondidos Para a Coroa Portuguesa, os tropeiros foram os principais responsveis pelo contrabando do ouro e diamantes de Minas Gerais. Tidos, portanto, como contrabandistas (crime punido com o degredo para a frica), seguiram os tropeiros circulando com suas tropas no vai-e-vem dos caminhos, entre a Costa e o Interior de Minas, Bahia, Gois, Mato Grosso e tantos outros lugares. No era fato que todos os tropeiros eram dados a tal prtica. Mas bastava que um o fizesse para que logo todos os tropeiros merecessem a fama. A passagem pelos Registros era sempre um grande transtorno. Os tropeiros e outros viajantes no tinham alternativas. Era necessrio passar pelas rigorosas e demoradas revistas, como relata Burton140 na entrada do Distrito Diamantino: Os viajantes eram inspecionados e os muleteiros eram obrigados a desmanchar em pedaos as cargas em que os tesouros poderiam ser escondidos. Estas inspees minuciosas podiam levar horas e at dias, dependendo do tamanho da tropa e, sobretudo, na entrada e sada do Distrito Diamantino. John Mawe141 relata que um tropeiro que ia para o Rio de Janeiro, com vrios animais carregados, fora abordado prximo a Conceio do Mato Dentro por dois soldados mandados em sua perseguio. Pediram-lhe a espingarda e furaram a coronha com um prego. Vendo que estava oca, tiraram a guarnio de ferro que lhe recobria a base e descobriram uma cavidade que continha trezentos quilates de diamante, de que se apoderaram logo. O tropeiro protestou pela inocncia, alegando que havia comprado a espingarda de um amigo. Levaram-no e meteram-no na priso do Tijuco, onde depois o vi. Mawe acrescenta que era comum o transporte de diamantes pelos tropeiros, nas formas mais variadas. Numa tropa com 100 bestas, com toda indumentria e mais a carga, seria impossvel encontrar diamantes escamoteados. A no ser por denncia, como foi o caso do tropeiro acima. Na questo do contrabando de ouro, SaintHilaire142, em uma de suas passagens pelo Registro do Paraibuna,
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comenta que At mesmo os tropeiros no temiam oferecer-me ouro em p na prpria ocasio em que me examinaram as bagagens, e ningum ignora que todos os anos os contrabandistas levam ao Rio de Janeiro ouro e diamantes em quantidade considervel. Como de costume, os caminhantes saram na vanguarda, deixando para trs a simptica Raposos, enquanto os tropeiros preparavam a tropa para a sada. Nossa entrevista na Rdio Raposos FM foi um sucesso de audincia na regio. Do Clube do Cavalo, aps as j tradicionais despedidas, nos deslocamos mais uma vez em direo ao centro, mais precisamente para a frente da Matriz de Nossa Senhora da Conceio. Reeditamos a nossa j tradicional despedida. O trnsito da pacata Raposos ficou ligeiramente tumultuado em virtude daquela quantidade de gente e animais nas ruas do centro, mas era tudo motivo de festa. A populao aplaudiu calorosamente e, finalmente, samos em direo a Sabar. O tropeiro Nofito nos guiou para uma sada alternativa da cidade, enquanto os veculos de apoio seguiram pela rodovia. Bom de boca No dia da sada da Expedio de Ouro Preto, indaguei ao Maurcio (tropeiro mor) sobre a alimentao das mulas. Ele respondeu que praticamente qualquer coisa. Que ns deveramos observar que pelo caminho, vire-e-mexe, a mula arranca um pedao de mato e degusta como um manjar. Durante a noite, em bom pasto, elas comem o principal e descansam. De vez em quando, recebem uma rao de milho. Parece ser tudo do que elas precisam. Saint-Hilaire143 comenta em vrias passagens de suas obras que seus muares sofriam terrivelmente pela baixa qualidade ou falta de alimentao. Faltavam bons pastos e as provises de milho to necessrias para as mulas muitas vezes no eram renovadas pela simples falta deste cereal. A falta de chuvas era geralmente responsvel por tal problema. Na caatinga, prximo ao Rio So Francisco, o milho produzido apresentava gros menores e uma produtividade inferior s das regies cobertas por florestas, mas a populao local atribua a este milho uma capacidade nutricional maior, e o que certo que meus animais
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pareciam mais dispostos. Ainda com relao falta ou pssima qualidade de alimentos para os animais, Saint-Hilaire comenta que os animais morriam de fome em pastagens inteiramente queimadas. Burton144, subindo o Espinhao de Parana para Diamantina, referindo-se planta canelade-ema, comenta: Enquanto marchvamos por esses campos as mulas comiam-nas com prazer. Durante as longas viagens, nem sempre era possvel suprir os animais com alimentao apropriada ou com raes dirias de milho. gua tambm era problema, dependendo da regio percorrida. Spix & Martius145 relatam que Os animais espalhavam-se to longe durante a noite, apesar de terem peias nas patas dianteiras, que perdamos a metade do dia a reuni-los. Adoeceram algumas mulas que haviam comido folhas de ic. E acrescentam que, certa noite, a maioria das mulas haviam comido erva venenosa. Ainda por culpa de um mau arrieiro, algumas mulas possuam muitas pisaduras e recusavam as cangalhas. Seguindo viagem, comparam a tropa a um avariado navio do deserto. Rugendas146 informa: Antes de escurecer renem-se os animais, d-se-lhes milho e em seguida soltam-se de novo nas cercanias, para que possam procurar sozinhos a pastagem que preferem, ou so conduzidos para mais longe em lugares de melhor capim. As mulas preferem o mato das capoeiras, nos stios em que a floresta primitiva foi pouco antes incendiada. (...) preciso que o viajante faa proviso de milho, para os animais. (...) O viajante encontra ento, quase sempre, a mais cordial acolhida, bem como alimentao abundante, e raramente se lhe exige qualquer pagamento, a no ser para a forragem de cavalos e bestas. J era quase meio dia quando vadeamos o crrego Brumado. Na travessia do crrego no faz falta uma ponte. A gua cristalina, a despeito do trnsito. Seguimos viagem com o alegre Nofito frente, guiando a tropa, como nos velhos tempos. A estrada comea a subir logo aps a travessia do crrego. No lado direito observa-se partes do que se pode chamar de um calamento antigo, acompanhado de um muro de cantaria, de aspecto antigo. Bem possvel ter sido construdo por mo-de-obra escrava. Cristais Chegamos a uma propriedade, cercada de muros antigos, formando um imenso terreiro, onde galinhas, patos e outras aves
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dominavam. Tratava-se de uma fazenda antiga, de nome Cristais. Todo o terreiro da fazenda era cercado com muro de pedra. Fomos recebidos por uma moa que nos deu gua. Ela contou que a fazenda era pouso de tropeiros, h muito tempo atrs. A despeito do bom estado de conservao da fazenda, ela parecia abandonada, sem qualquer atividade que caracterizasse produo rural. A casa, um sobrado em estilo colonial, possua um telhado velho, piso e estrutura de madeira, teto de esteira de palha, quarto grande conjugado, fogo lenha, poro, alpendre grande, tero esquerda da porta da entrada (...)147. O sol a pino. Uma bica de gua, no meio do terreiro, foi suficiente para o refresco. Seguimos viagem rumo a Sabar. Vila Real de Nossa Senhora da Conceio de Sabar Avistamos Sabar logo aps a passagem por um telefrico transportador de minrio. A paisagem se transforma com a presena deste equipamento. No momento de nossa passagem no estava em funcionamento. No lado direito da estrada que d acesso cidade notase uma construo muito estranha, parecendo uma pirmide, construda em material brilhante. De acordo com Spix & Martius148, Sabar, que j foi chamada de Vila Real de Nossa Senhora da Conceio de Sabar, era uma cidade importante, agradavelmente situada entre plantaes de bananeira (...) consta de filas espalhadas de moradias bonitas e asseadas, cujas vendas, bem fornecidas de mercadorias, e ruas em parte bem caladas, atestam a riqueza dos habitantes. Monta a 800 o nmero de casas e a 5.000 o de habitantes. E prossegue informando que margem norte do Rio das Velhas tambm existe um belo mrmore compacto, cor vermelho-carne e branco. Gardner149 acrescenta: As ruas so em geral amplas e bem caladas e a cidade parece ser bem provida de gua a julgar pelas numerosas fontes pblicas (...) Embora se aproxime de Diamantina em tamanho, apresenta grande contraste com ela no silncio das ruas. Burton150 vai mais alm: A pitoresca cidade a povoao mineira do costume, comprida e estreita. Passou do barro e do sap para a pedra e cal. Agora ser de mrmore. Tem cerca de uma milha da leste a oeste, com vrias ramificaes e derivaes. toda calada e a pavimentao no pior do que costuma ser. A Cidade Velha, a leste, chamada Igreja Grande e o outro lado conhecido como Barra. As duas reunidas contm seis praas, vinte e duas
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ruas e nove travessas ou ruas transversais. H um teatro tolervel, onde amadores divertem o povo. Alm de vrias fontes particulares, h quatro pblicas, que fornecem a gua mais pura aqui uma necessidade. A posio da cidade torna-lhe o clima excepcionalmente quente. Na verdade, Sabar e Morro Velho tm as temperaturas mais tropicais de Minas. Como se observa, Spix & Martius e Burton chamam ateno para a existncia de mrmore na regio, independente do lapso de tempo entre a visita deles. E Saint-Hilaire151 registra: A cidade de Sabar, a maior que vi na Provncia de Minas depois que deixei Vila Rica. Quanto aos habitantes, comenta: achei-os de uma polidez perfeita, (...) menos afetuosos que os de Tijuco. Hotel Del Rio A entrada em Sabar foi majestosa. Chegamos pelo Arraial Velho, onde est localizada a Capela de Santana, ao que tudo indica construda no meado do sculo XVIII. Atravessamos um bom trecho de zona urbana at a chegada no centro da cidade, onde faramos nossa tradicional homenagem ao povo do lugar. Recebemos a notcia de que os expedicionrios Helio Rabello e Lucia Velasco, nossa principal equipe de apoio, conseguiram graciosamente nossa hospedagem no Hotel Del Rio (o melhor da cidade). Os responsveis pelo hotel, Vanessa Passos e Ftima Abreu, foram muito sensveis com os objetivos da Expedio, abrindo as portas deste magnfico hotel para nos abrigar. A hospitalidade e generosidade do povo de Sabar foram sem precedentes. Tudo indicava que nossa noite seria cinco estrelas. E foi. Eram duas da tarde quando chegamos ao centro de Sabar. O trnsito estava intenso. Atravessamos uma ponte de ferro. Ao longe se nota a imponente matriz da cidade. As ruas so estreitas e as caladas de paraleleppedos. O trnsito mais intenso j conflita com a passagem de burros e mulas no meio dos carros, nibus e caminhes. A tropa ficaria guardada na sada para Caets. Aps o tradicional desarreio, banho e guarda dos equipamentos, fomos guiados para o hotel, onde um belo banho nos aguardava, com toalhas limpas, em apartamentos de luxo. Aps o devido descanso, recebemos as visitas de Sebastio dos Reis e Silva, Diretor Regional do SENAC MG (nosso patrocinador) e
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de Antonio Henrique Borges de Paula, Sub-Secretrio de Planejamento do Estado de Minas nos trazendo palavras de incentivo. Tivemos um jantar muito agradvel, ao nvel do hotel. Neste dia veio de BH a Suzana Latini, trazendo uma fita de vdeo com a reportagem sobre a Expedio veiculada no Bom Dia Brasil. Estvamos todos em xtase dado ao sucesso que a Expedio vinha apresentando at este momento.

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6 dia: Quinta-feira 15 de Julho Sabar a Caet

Ningum duvida do valor do burro. Ele mais forte, mais resistente a doenas e fornece mais servios com a mesma quantidade de alimento que ambos os seus pais: o jumento e a gua. Agroceres152 Alvorada. Era uma bela manh em Sabar. O caf-da-manh veio acompanhado com as cinco estrelas do Hotel. Maravilhoso. Cada xcara de caf era degustada com calma. Foi difcil deixar o hotel e mais difcil expressar nossa gratido aos anfitries. Iremos conhecer a Fazenda Vera Cruz (Hipismo Rural), no municpio de Caet, local previsto para o pernoite. Boa parte do percurso de hoje por asfalto, sem que nos restasse alternativa. A estrada muito estreita, cheia de curvas, num sobe e desce sem parar. Cruzaramos novamente o divisor de guas da Serra do Espinhao, saindo da bacia do Rio das Velhas (Rio So Francisco) para a do Rio Doce, de onde comeamos. Por uma questo de segurana, embarcamos todos os animais em dois caminhes para a travessia at a entrada de Caet. Caminhantes e cavaleiros se apertaram nos veculos de apoio. Deixamos Sabar, desta vez sem a costumeira despedida ao som do berrante. No caminho fizemos breve parada na Fazenda JP para conhecer sua famosa cachaa. O tour pelas instalaes foi uma aula sobre a elaborao artesanal do produto. A propriedade possui ainda uma horta encantadora, irrigada de forma natural com a gua que desce

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das montanhas atrs da propriedade. A fazenda possui ainda restaurante e recebe visitantes para tour de degustao. 1.000 cargas de mula No comeo dos anos 1800, a praa do Rio de Janeiro j possua um intenso comrcio. No s no que tange aos produtos trazidos da Europa e destinados aos mais diversos rinces do Brasil, mas, sobretudo, ao que o Brasil exportava para a Europa. Um destes itens era o algodo, produzido em algumas regies do Brasil, como no Vale do Jequitinhonha, na Chapada Diamantina e em Gois, e transportados para o Rio de Janeiro em tropas e, finalmente, despachado por mar para Liverpool, na Inglaterra. Em relao ao algodo, Spix & Martius153 comentam que grande parte vem tambm de Minas, particularmente do termo de Minas Novas, carregado por tropas de mulas. Em geral carrega cada animal seis at oito arrobas, metidas em dois sacos de pele de boi bruta (...) empacotase o algodo em sacos de couro de boi, por meio de uma prensa muito simples. (...) As remessas para ambos os portos (Rio de Janeiro e Bahia) so feitas por doze tropas, cada uma com 10 a 40 mulas, que esto quase o ano inteiro em caminho. E na Bahia, na regio da Chapada Diamantina, Spix & Martius atestam que era o algodo um produto de grande produo e remetiam para o porto, anualmente 1.000 cargas de mula. Segundo Saint-Hilaire154, a regio de Paracatu, em Minas Gerais, era grande produtora de algodo, que era remetido para o Rio de Janeiro. De l at Barbacena era levado em carro de boi, com uma carga de 80 arrobas, e de Barbacena para o Rio, ...a carga passada para o lombo dos burros. Adiante, Saint-Hilaire informa que encontrou uma numerosa tropa de burros que retornava de Gois para o Rio de Janeiro. Pertencia a um homem que fazia essa viagem uma vez por ano e levava cinco meses para ir, e outro tanto para voltar. Trazia do Rio de Janeiro as mercadorias destinadas aos comerciantes de Gois, cobrando 32.000 ris pela carga de um burro. No retorno para o Rio, para no viajar sem carga, transportava tecidos de algodo, num empreendimento prprio. Na segunda metade do sculo XIX, passando por Sabar, Burton155 j observava a produo de carvo, provavelmente transportada em tropa. Mais frente, ele narra que Tomando um atalho esquerda da
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estrada encontramos os fabricantes de carvo que trabalham para Morro Velho. De acordo com Goulart156, em Caratinga, Minas Gerais, por volta de de 1938, ainda se encontravam 3.000 lotes de burros, ou seja, 21.000 muares, em servio, notadamente no transporte do carvo vegetal, destinados aos fornos siderrgicos da regio. Acar e aguardente-de-mel Na regio aucareira de Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, Saint-Hilaire157 relata ter encontrado negociantes vindos da cidade de Campos e que se dirigiam a S. Joo da Barra com uma tropa carregada de acar. Na mesma linha da produo aucareira est a cachaa. Bebida espirituosa extremamente apreciada entre a populao brasileira, desde que aqui se iniciou a produo de cana-de-acar. Embora esta bebida tenha origem moura, aqui ela ganhou a identidade brasileira. Era produzida em alambiques nos mesmos engenhos de acar: um dos primeiros itens produzidos e exportados do Brasil para a Europa. Inicialmente, estes engenhos se concentravam na costa, mas no tardou para que alguns alambiques se espalhassem pelo interior. Antes, porm, era transportado serra acima em tropa, utilizando-se pequenos barris de madeira. O Prncipe Maximiliano158 faz o seguinte comentrio sobre a aguardente: A de pior qualidade e em todas as partes do Brasil a mais comum a chamada aguardente-de-cana; a que um pouco mais bem destilada se chama aguardente-de-mel, e a melhor de todas, vinda da Bahia, cachaa. Gardner 159, em passagem por Diamantina, reporta que grande quantidade dessa bebida (cachaa) entra diariamente no mercado (...) dizem que, para cada tropa que entra na cidade carregada de provises alimentcias, chega outra com cachaa das plantaes de acar nas zonas baixas. Ferro: empecilhos a uma minerao nascente No auge da minerao em Minas Gerais, O ferro era ento caro e difcil de obter-se, segundo Felcio dos Santos160. A fabricao do
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ferro era proibida no Brasil. Havia que ser importado da Europa, em especial da Inglaterra e seu preo chegava em Minas a 300% do que valia no Rio de Janeiro. O ferro, artigo imprescindvel na minerao, era um artigo de luxo: os tributos pagos nos registros e o custo do transporte em tropa eram os viles. O preo da arroba deste produto chegava a mil e oitocentos ris em Vila Rica, segundo Spix & Martius161. Felcio dos Santos acrescenta: O ferro depois de aportar com duas escalas no Rio de Janeiro, e por isso j mais carregado no preo, conduzido para Minas nas costas de bestas, a cinqenta, cem, duzentas e mais lguas, segundo as distncias para onde levado. Ainda mais: - ao entrar na capitania paga um direito de portagem, chamado quinto, de 1$125rs. por arroba, valor muito superior ao custo de seu principal nos portos de mar. Que empecilhos a uma minerao nascente! H de pagar o ferro de imposio na sua entrada em Minas o quinto, a fim de com ele extrair-se da terra o ouro, que deve tambm pagar o quinto! Goulart162 acrescenta sobre o ferro e o chumbo que as barras no s eram reduzidas a peso apropriado como tambm eram dobradas para tomarem forma conveniente, com cerca de dois ps de comprimento; e os lingotes de chumbo, que pesavam em mdia meia tonelada, se constituam num verdadeiro estorvo, pois era difcil dividi-los em pedaos. O ferro eventualmente passou a ser produzido no Brasil, precisamente no comeo do sculo XIX, como no caso de Morro do Gaspar (hoje municpio de Morro do Pilar) e na Fazenda Ipanema (Araoiaba da Serra), prximo a Sorocaba em So Paulo. Saint-Hilaire163 relata que Morro do Gaspar enviava boa parte do ferro para Diamantina. E para esta misso entravam em ao os tropeiros, pois s se empregavam bestas de carga neste transporte. Boa parte dos viajantes comenta sobre a fbrica de ferraduras e outros implementos de ferro do Padre Correia, beira da Estrada Real. A antiga Fazenda do Padre hoje conhecida apenas por Correias, distrito prximo ao municpio de Petrpolis no Estado do Rio de Janeiro. Os tropeiros costumavam fazer ali seus estoques de ferraduras no retorno para Minas.
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Rubicea O declnio da minerao e o incio do ciclo cafeeiro se conectam. No incio do sculo XIX, o caf garantiu ao Brasil um suporte econmico em substituio minerao. A produo de caf foi gigantesca, exigindo das tropas um vai-e-vem sem parar entre as zonas produtoras e os portos de exportao. Calgeras164 informa que em dez anos (entre 1818 e 1828) foram transportados em tropa para o porto do Rio de Janeiro, 5.427.896 arrobas de caf. Se todo este caf fosse transportado de uma s vez, razo de 8 arrobas por mula, seriam necessrias 678.487 mulas cargueiras que, dispostas numa fila indiana, atingiriam uma extenso de 1.696 quilmetros, suficientes para cobrir a distncia entre o Rio de Janeiro e Salvador. A utilizao de tropas no transporte do caf diminuiu com a chegada das ferrovias, na segunda metade do sculo XIX e, j no sculo XX, com o aparecimento das estradas de rodagens e o caminho. Mas em nenhum momento extinguiu a atividade tropeira. Se as tropas j no atuavam nas longas distncias, tratavam de transportar o caf e outros produtos das fazendas produtoras at as cidades e estaes de embarque. Comentando sobre o caf, Gardner 165 , viajando por Cantagalo, no Estado do Rio de Janeiro, informa que este levado por mulas ao fundo da baa e da embarcado para o Rio. Cartas, notcias, encomendas e recados de toda espcie Mawe166, chegando a Vila Rica (Ouro Preto) informa que seu companheiro trouxera cartas para alguns dos principais negociantes, que tratamos de entregar na primeira oportunidade. Ainda neste sentido, este viajante registra que encontramos dois lavradores de Minas Novas, que iam ao Rio de Janeiro com quarenta e seis burros carregados de algodo, enfardados em couro cru, trazendo cada animal dois fardos. Estes lavradores estavam em viagem h perto de trs meses. Ofereceram-se-nos gentilmente para levar nossas cartas a alguns amigos na capital e aproveitamos a sua boa vontade. Gardner167 comenta que Os brasileiros so particularmente atenciosos com qualquer estrangeiro que lhes recomendado; e, durante todas as minhas peregrinaes, poucas vezes fui de um lugar para outro

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sem cartas, nem me lembra uma s vez que no fosse recebido cortesmente por aqueles a quem assim me apresentei. No mister de conduzir tropas, segundo Goulart168, o tropeiro era o nico agente de comunicaes, conduzindo cartas, notcias, encomendas e recados de toda espcie (...) ao social desenvolvida pelos tropeiros. O tropeiro era o telgrafo, era o jornal, era o rdio, porque era ele, ao regressar da Corte, quem levava as notcias mais frescas, eram os primeiros a dar as ltimas... Ainda segundo Goulart169, Trazendo para os portos de embarque e para os mercados de consumo os produtos daquelas comunidades; refluindo com as notcias mais frescas, as utilidades e futilidades que a costa oferecia, as tropas desenvolveram uma atividade superior; transportando civilizao e riquezas (...) A tropa de muares representou papel destacadssimo na dinmica social e econmica dos centros populacionais a que serviu, ainda mais que era, na verdade, o nico meio disponvel e regular para o intercmbio de produtos e de idias com as regies mais desenvolvidas. Calgeras, citado por Lenharo170, salienta a importncia do tropeiro e suas tropas no intercmbio de conhecimentos, e recupera o sentido social do tropeiro, enquanto elo que facilitava a aproximao dos dois mundos: o rural e o urbano. Numa poca de extrema carncia de informaes, a palavra recente do tropeiro significava a veiculao mais atualizada das novidades que procediam do mundo da corte. As cartas de recomendao eram um expediente muito comum entre os viajantes. Sempre que alguma pessoa se dirigia a determinada regio, no faltava quem l conhecia algum, e se prontificava a redigir uma carta, com notcias diversas, e ao mesmo tempo apresentando e recomendando os portadores. Os velhos caminhos mineiros, enobrecidos pela abundncia de alvenaria de pedra, destinamse apenas aos cargueiros e s liteiras. Em longas filas ondeantes, as tropas por eles descem com ouro (...) Com as mercadorias que sobem, chegam tambm notcias, segundo Latif171. Spix & Martius172 comentam que a falta de notcias do mundo no incomodava de tudo o habitante do interior, que satisfaz-se com a

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notcia dos principais sucessos que lhe trazem uma vez por ano os guias das tropas. Vrios outros itens eram transportados em lombo de mula. Segundo Latif173, em Minas Gerais, surgiu uma verdadeira atividade, embora pobre, tem sabor mais tpico: forrar o teto com taquara. Junto aos taquarais, famlias inteiras especializam-se neste gnero de trabalho e, em lombo de burro, seguem para forrar construes distantes, volumosos rolos de esteira que parecem esmagar os animais. Ainda segundo este autor, a cultura em Minas vai aos poucos se desenvolvendo no que toca msica. Sobe pelos caminhos speros um ou outro cravo e, mais tarde, no comeo do sculo XIX, esfalfando boa quantidade de pretos e de mulas, chegam os primeiros pianos (...) O vidro, transportado em costa de burro serra cima, constitui um requinte pago a bom peso de ouro. Os tropeiros tambm tiveram sua importncia no campo cultural. Segundo Goulart174, A cultura europia invade as Alterosas. A msica civiliza-se com os primeiros cravos e no comeo do sculo XIX sobem para Minas os primeiros pianos, nos lombos de burros. De acordo com Bunburry175, Uma das principais razes pelas quais os artigos de luxo to raramente so encontrados no interior , sem dvida, a falta de boas estradas e o conseqente risco, bem como a despesa do transporte. Vidros para janelas, sal, vinho, ch e muitas outras coisas so levadas do Rio de Janeiro para o interior em mulas e, naturalmente, o seu preo fica muito mais elevado at chegarem s minas (...) Considerando a distncia de que trazido e o perigo de quebrar na viagem, no de admirar que em to poucas casas no interior se vejam vidraas; o que, afinal de contas, completamente intil durante metade do ano. A tropa, como j vimos, era praticamente o nico meio de transporte que ia a qualquer lugar. O carro de boi, com capacidade de carga bem maior, e com mais segurana, dependia de estrada, coisa rara no interior do Brasil. Para as bestas, era indiferente. Trafegavam quer por estrada larga e de leito firme ou por estreitas trilhas no meio da mata ou a cu aberto. Assim, quando era necessrio transportar algo, eram com as bestas que se contava, como relata Pohl176, em suas andanas por
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Gois, informando que um portugus (...) levou em burros vrias cargas de estalactites para Vila Boa (...) no propsito de retirar sal destas formaes minerais. Burton177, s margens do Rio das Velhas, comenta ter visto um acampamento de tropeiros, cujas mulas, que no eram muitas, levavam como carga pedras de forno (...) lousas de itacolomito branco, com 2 ps de dimetro com uma polegada de grossura; elas so preferidas aos tabuleiros de metal para a secagem de mandioca. Mais adiante, informa que encontraram filas de cavalos ou burros indisciplinados carregados com caixas quadradas, em geral com o letreiro Loua, equivalente ao nosso vidro - cuidado. Como que alguma cousa chega a Diamantina sem quebrar-se est alm de minha compreenso. O Prncipe Maximiliano178 comenta que o transporte de vidros muito arriscado; o burro, quando se zanga, joga no cho a carga. Saint-Hilaire179 comenta que o Abade Correia, possuidor de bela fazenda s margens da Estrada Real, em local hoje conhecido por Correias, prximo a Petrpolis, despachava toda semana para Porto de Estrela uma tropa de burros carregados de pssegos. Ainda segundo SaintHilaire180, viajando pela hoje Regio dos Lagos, no Estado do Rio de Janeiro, informa que alugavam-se burros para transportar peixe seco de Saquarema para a Praia de S. Domingos, em Niteri. Aps a visita Fazenda JP, tomamos rumo de Caet novamente. Do lado direito da estrada se nota grande poro de mata atlntica em excelente estado de conservao. A Serra da Piedade pode ser vista ao longe, no rumo noroeste. O lado esquerdo da estrada no era to belo, observando-se queimadas e muitas reas degradadas pelas mineradoras. o que mais promete para o futuro: Raul Messias Fizemos alto cerca de um ou dois quilmetros antes da entrada de Caet. Fomos recepcionados pelo Prefeito Raul Messias, acompanhado da primeira dama. Ambos estavam montados em imponentes cavalos. Enquanto os animais eram desembarcados dos caminhes, o Prefeito nos relata: Caet era passagem de tropas que vinham dos sertes de Minas com destino a Sabar e Ouro Preto, trazendo farinha,
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carne para abastecer a mineradora. Por aqui tambm saa contrabando. Ns tivemos aqui tambm uma srie de quilombos. Caet significa mata fechada; como era uma regio montanhosa entre o Vale do So Francisco e Ouro Preto, os escravos das vilas fugiam e aqui encontravam ouro. Isso muito narrado num livro do escritor Agripa de Vasconcelos, Gongo Soco, que a histria do Baro de Catas Altas, que tambm viveu nessa regio e foi um personagem muito importante na histria de Minas. Depois disso tivemos Joo Pinheiro; foi um dos maiores polticos do planeta. (...) desde aquela poca (...) j em 1904, Joo Pinheiro trouxe por essa estrada que vocs passaram um caminho que ele importou da Alemanha, trouxe desmontado, em lombo de burro. Existe uma carta dele escrita para Pandi Calgeras, Ministro da Guerra na Primeira Repblica. (...) ele narrando que construiu uma cermica e fazia porcelanas maravilhosas e mandava essas porcelanas para Sabar no lombo de burro, nas cangalhas. Metade quebrava at chegar a Sabar. A outra metade conseguia chegar em Paris, Milo (...) Participou de vrias exposies (...) e a sua porcelana tava (sic) sendo elogiada. Ento ele importou um caminho, trouxe no lombo de burro e montou o caminho em Caet e ele mesmo narrando nessa carta; que uma carta deliciosa da gente ler. Ele fala: Pois , meu caro Pandi. O melhor de tudo que o caminho funcionou. Ento a idia dele era abrir a estrada e levar a porcelana no caminhozinho. Nisso ele foi eleito Governador do Estado; fez um governo de dois anos que transformou o Brasil. Ele ia ser praticamente aclamado Presidente da Repblica. Mas, infelizmente, com 48 anos de idade, teve uma doena fulminante. Morreu. So pedaos da histria de Caet e que hoje a gente v essa questo da volta da indstria pro nosso municpio uma coisa (...) impossvel. No acontece mais. O que a gente sonha ter aqui essa indstria limpa, essa indstria do turismo, do ecoturismo, das cavalgadas, dos chals, das pousadas. Tenho certeza que vai ser muito bom para Belo Horizonte, pro Brasil, porque o pessoal vai poder passear aqui e para ns (...) e pro mundo que ns vamos dar uma lio de viver, de existncia pacfica. Esse potencial o que mais promete para o futuro. Depois do apaixonante relato sobre caminho desmontado trazido da Alemanha de navio, depois de trem at Sabar e, finalmente, at Caet em lombo de burro, o Raul Messias segue narrando sobre a Guerra dos Emboabas. Mas era hora de partir.

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Vila Nova da Rainha ou Caet verdade, Caet quer dizer mata espessa, virgem, fechada. Segundo Spix & Martius181, Caet, antigamente tambm chamada de Vila Nova da Rainha, pequena localidade, irregularmente espalhada num belo vale frtil, ao sop da Serra da Piedade. Uma cidade de importncia singular, pois um dos primeiros movimentos nacionalistas ocorreu aqui, com a Guerra dos Emboabas, no comeo do sculo XVII. Sobre Caet, Saint-Hilaire182 complementa: mais comprida do que larga; suas ruas so amplas e caladas (...) Esta cidade devia ser muito agradvel no tempo em que era prspera; (...) V-se a um grande nmero de casas belas atualmente desertas e caindo em runas. Sua populao atual no vai alm de 300 ou 400 almas. Gardner183 tem opinio semelhante quando relata: passamos pela vila de Caet, de tamanho regular e msera aparncia (...) como muitas outras do distrito de minerao, tem toda a aparncia de ter visto melhores dias, pois contm as runas de muitas belas casas. Os cascos dos animais se faziam ouvir pelas ruas da pacata Caet. Foi impossvel evitar que as pessoas parassem o que faziam e viessem porta, janela ou varanda para ver a tropa passar. Em frente Igreja do Rosrio fizemos nossa j tradicional homenagem ao povo de Caet, com o hino nacional ao berrante do Maurcio. Posamos para fotos. Em menos de meia hora j estvamos em retirada rumo Fazenda Vera Cruz, local previsto para o nosso pernoite. Vrios cavaleiros do Clube do Cavalo de Caet nos acompanharam, formando um sqito de quase quarenta animais. O caminho era plano. Numa breve parada para descanso tivemos a oportunidade de conhecer um ex-tropeiro, o Peixoto de Melo, que deixa registrado conosco um pouquinho de sua vida de tropeiro. Como ele conta, costumava levar bois, burros cargueiros e burros brabos para o Esprito Santo e tambm para So Paulo. Tinha a comitiva e tinha o resto de burro brabo tocado (...) tropeiro tropeiro (...) tinha o cozinheiro, n (sic). Seu Peixoto j deixou a arte h mais de 30 anos, e revela que tem muita saudade daquele tempo. Hoje eu no agento. Queria voltar atrs.
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Burros atrevidos e rabugentos As palavras de Melo nos fizeram refletir sobre a rusticidade destes incrveis animais. Sobre a performance das mulas cargueiras, Gardner184 comenta: mas de ver a maneira segura, embora lenta, com que as mulas transpem os piores trechos, especialmente quando deixadas inteiramente a si mesmas. Pohl185 informa: O calor era muito opressivo e exercia a sua influncia especialmente sobre os nossos burros, que trotavam desanimadamente. Por mais resistentes que fossem os muares, certas jornadas ou subida de serra eram muitas vezes fatais, conforme atesta Pohl: O caminho que, em voltas serpentinas, leva serra acima, ruim, cavado, sulcado pelos aguaceiros e no lhes faltam lugares perigosos, onde podem perecer homens e animais. Tive prova disso em vrios muares mortos, em diferentes graus de decomposio. Mawe 186 comenta a performance dos muares comparada aos cavalos: Enquanto caminhvamos, observamos que as mulas eram to ligeiras na ascenso quanto em terreno plano; excediam, em muito, aos cavalos, em estradas ngremes, e mais ainda nas ms estradas. Segundo DVilanova187, diziam os tropeiros que, quando um animal estava muito cansado, era bastante tirar-lhe a carga, deix-lo espojar-se e ele se reanimava para mais uma caminhada. Por mais resistentes e fortes que fossem os muares, como conta o Prncipe Maximiliano188, a subida dos morros era sempre penosa para os nossos burros sobrecarregados, que tinham muitas vezes de parar para fazer um bom descanso, para depois continuarem a marcha. E segue informando que a travessia de rios revelava os muares bons nadadores. Contudo, vez ou outra, o perigo de afogar um burro ou uma mula era um perigo real, como conta: a corrente era muito profunda, larga e rpida, e um dos burros de montaria por pouco no se afogou, o que teria sido uma perda irreparvel nessas paragens. Burton189 comenta: Todos os viajantes se queixam dos burros atrevidos e rabugentos, mas todos viajam em burros. um mal necessrio, visto como os cavalos no agentam as longas caminhadas desta regio do Brasil. (...) Vamos agora passar a outros lugares tenebrosos, para os
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quais os burros so o nico transporte. Os muares cargueiros, bem ferrados e alimentados apropriadamente e observados alguns cuidados com as cangalhas e o equilbrio das cargas, possibilitavam marchas dirias de trs ou quatro lguas (uma lgua tem aproximadamente 6,6km). Importante a resistncia ao peso, em geral de oito a dez arrobas (arroba com 14,7kg), conforme nos informa Calgeras190. De acordo com Goulart191, o muar possui qualidades inatas que o recomendaram como melhor cargueiro do que o cavalo (...) a conformao do seu dorso do-lhe uma capacidade de carregar pesos maiores do que a de qualquer outro animal, o que faz dele o melhor dos cargueiros. E acrescenta um comentrio de Eschwege: A fora de seus pulmes deve ser to extraordinria quanto a dos seus nervos e msculos, porque subiram a alta montanha (...) que avaliei ter no mnimo 3 mil ps de altura, em hora e meia e isto continuamente, em passo acelerado. Maia192 informa que um burro pode viver quarenta anos ou mais, sempre no trabalho e com a mesma disposio. Sobre a capacidade de carga dos muares, Spix & Martius193 informam que no Chile e em Buenos Aires, uma boa mula carrega quatro quintais, de modo que a fora muscular desse animal to til e espalhado pela Amrica do Sul, parece diminuir muito das latitudes altas para o Equador. O quintal uma antiga medida de peso, equivalente a quatro arrobas ou 58,758 quilos. Ainda sobre a capacidade de carregar peso, Goulart194 acrescenta que o muar um animal muito sensvel. A prtica e a experincia comea na aquisio dos muares. No qualquer animal que agenta mais de uma centena de quilos sobre o lombo e uma marcha de dia inteiro. O animal tem que ser novo, sadio e forte (...) A questo do peso da carga a ser transportada s costas de cada animal era de grande importncia, pois repercutia no rendimento da viagem e nas condies fsicas dos cargueiros. Bestas turbinadas Noah Gordon195, em seu memorvel livro O Fsico, cita que um viajante, em determinada localidade a caminho da Prsia, no sculo
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XI, teria observado uma tropa de centenas de burros carregados, com as ventas cirurgicamente cortadas para que aspirassem mais ar compensando o esforo. No sabemos precisar se o fato verdico ou fico, e quais as fontes de pesquisa. Entretanto, consultando tcnicos da rea, possvel afirmar que tal procedimento faz sentido do ponto de vista anatmico. Se isto for verdade, teramos no sculo XI a primeira verso de bestas turbinadas. Fazenda Vera Cruz O caminho para a Fazenda Vera Cruz, do Flvio Filizola, vai intercalado por reas de mata atlntica e plantaes de eucalipto. Todos olham com curiosidade a passagem da tropa. A receptividade na fazenda foi excepcional. O lugar amplo, possui vrios currais, baias e rea para competies hpicas. Conta com excelente infra-estrutura para receber visitantes, sobretudo competidores de rodeio e afins. Ficamos alojados no restaurante com lareira que nos aqueceu nessa noite. O jantar foi digno da cozinha mineira. Maravilhoso! Nossos tropeiros informaram que as mulas e os burros precisam ser ferrados, caso contrrio, o andamento da Expedio ficaria comprometido. Por sorte, apareceu o Neto, alis, Neto Sucupira, um baiano de Teixeira de Freitas, que se comprometeu a ferrar os animais no dia seguinte. Para tal, era necessrio sair bem cedo para Caet para comprar ferraduras e buscar o ferramental. Era hora do merecido recolhimento.

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7 dia: Sexta-feira 16 de Julho Caet a Baro de Cocais


Na solido da viagem, entregando-me a estas consideraes, despertou o voto para que j, sem demora, se iniciem estas investigaes na terra fecunda, antes que a mo destruidora e transformadora do homem tenha obstrudo ou desviado o curso da natureza. S por poucos sculos ainda dispor a cincia de completa liberdade de ao para este fim, e os subseqentes investigadores no mais obtero os fatos na sua pureza das mos da natureza, que j hoje, pela atividade civilizadora deste pas em vigoroso progresso, est sendo transformada em muitos respeitos. Spix & Martius196 Amansao de burro: Neto Sucupira Alvorada diferenciada. Sa bem cedo junto com Neto na empreita de buscar as tais ferraduras e os outros apetrechos para ferrar a tropa. Caminhantes saram no ritmo costumeiro, enquanto os tropeiros tiveram que aguardar. Encontrar as ferraduras na cidade no foi tarefa fcil. Existe uma numerao diferenciada para cada tamanho de ferradura, como ocorre com os calados. S o ferrador tem esta noo, dando uma boa olhada nas patas dos animais. Alm do mais, ferrar burro e mula diferente de ferrar cavalos. Neto suou vrias camisas. Com habilidade espantosa, fora e comando dos animais, ele d a seguinte entrevista enquanto raspa os cascos e prega ferraduras
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com cravos especiais: Sou baiano de Teixeira de Freitas. Mexo com ferrao h doze anos. uma profisso perigosa, mas eu gosto (...) alis no s ferrar (...) quando eu era menino, l na Bahia, eu montava (...) com meu pai; eu mexia com amansao de burro; (...) era quebrar o burro, (...) para mexer com cacau; voc quebrava depois ia para a cangalha e levava para Itabuna, (...) conduzia tropa com a idade de 10 anos; levava boi de Itabira para Itabuna (...) levava de quinze a vinte dias, de acordo com o nmero de animais tocados: (...) seiscentas cabeas, variava; de sete a oito pessoas precisavam para tocar esses animais (...) O baiano gosta de farinha; era rapadura, carne de sol. Eu lembro que naqueles alto l, ventando muito, voc tirava a mo (...) jogava uma mo de farinha na boca, o vento tirava ela fora e ficava s com vontade. (...) no tinha costume com tropa de cargueiro. Hoje por exemplo eu no mexo mais com boi (...) hoje eu mexo com cavalo de prova, mangalarga marchador. Sade, fortaleza e resistncia Sobre ferraduras, Pohl197 informa: Mas os nossos pobres animais muito sofreram no caminho; aqui e ali iam perdendo as ferraduras; e o cuidado de conserv-los em boa ordem nos causou indescritvel fadiga e aborrecimentos. (...) Precisei de mandar ferrar de novo os nossos burros, dar-lhe forragens e coloc-los em ordem (...) Os nossos burros pareciam estar ferrados convenientemente para uma longa viagem em regies onde nem por muito dinheiro se poderia conseguir um prego. (...) Escasseavam de tal modo os cravos, que o meu cavalo teve de seguir sem ferraduras. Segundo Calgeras198, amansavam-se os animais para sela e para cangalha. Para os primeiros, o animal tinha que ser belo de formas, sem defeitos, andar garboso e doma apurada; aos segundos, mais numerosos, no havia tanta exigncia. Sade, fortaleza e resistncia era o que se exigia dos animais. Creio-em-deus-padre Maia199 informa que nas fazendas, pastos ou potreiros dos muladeiros, a preparao de uma besta consistia em quebrar de cabresto ou quebrar de bual ou, ainda, em passear o animal. Manso de cabresto era quando o animal podia ser puxado pelo cabresto mesmo sem estar domado. Geralmente era vendido assim pelo muladeiro, para depois ser domado para cangalha ou sela. Ainda segundo Maia, amansao para
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sela segue o mesmo ritual do animal cavalar. Quando o burro no fica bem domado conhecido por redomo. Para a doma, muitas vezes o peo invoca algumas rezas fortes. Alguns tm suas oraes, que guardam consigo, ou que segredam besta, antes de montar. H os que rezam, enquanto o animal pula, a orao de So Jorge, padroeiro dos tropeiros, tambm conhecido como o Justo Juiz (...) para agentar corcovo de burro tem que rezar o creio-em-deus-padre. Antes da lua cheia Maia200 segue informando que para trabalhar em tropa todo muar macho tem que ser castrado. H que se castrar antes que o animal atinja um ano e meio, ou depois de dois anos e meio com qualquer idade. Neste intervalo de um ano, o animal esconde os baguinhos. difcil de castrar e mais certo o burro ficar roncolho (...) necessitando de nova castrao (...) Se o burro macho, castrado aps os dois anos e meio, com qualquer idade, mas sempre nos dois dias antes da lua cheia. Se for manso no precisa Para que o Neto pudesse ferrar os burros foi necessrio amarrar a cabea do animal bem prximo a um tronco e dar-lhes chutes no traseiro para preparar o animal. O n-de-sal aplicado na pata que se ia ferrar garantia a imobilidade do membro. Ainda era necessrio aplicar um aparato que mais parecia um objeto de tortura medieval de nome azial ou aziel, que l velo Vale do Paraba os tropeiros chamam de pito. Trata-se de um aparelho de metal, que se assemelha a um alfinete de fralda, de tamanho grande, que se aplica no beio superior do animal que se pretende ferrar. Este objeto possui uma regulagem, como se fosse um alicate, que se aperta pelas hastes e, depois de bem apertado o beio, h uma trava que segura na presso. Segundo o Neto, confirmado pelo tropeiro Geraldo, o animal sente tamanha dor que no presta ateno no que est acontecendo. O Geraldo complementa: S se utiliza se o cavalo for enjoado, se for manso no precisa. No caso dos nossos burros, todos foram submetidos s dores do azial (ou aziel). O processo de ferrar no representa qualquer dor para o animal, mas trabalhar perto das patas um perigo constante. Nesse dia, um dos animais aplicou um coice que o Geraldo no teve tempo de se proteger. O coice de banda - que pegou na boca do estmago - jogou o
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Geraldo a uns dois metros de distncia. Um cravo de ferradura que no estava torcido atingiu a mo do Geraldo, abrindo-lhe um talho. Depois de estancar o sangue, sugerimos que ele levasse alguns pontos na mo, o que prontamente recusou. Passava do meio dia quando a faina de ferrar os animais acabou. Os caminhantes j deviam estar longe nessa altura dos acontecimentos. Talvez chegando a Baro de Cocais, nosso destino de hoje. Almoamos. O Neto no parou um instante. Aps as tradicionais despedidas, tomamos rumo de Baro de Cocais. Um lindo quadro A rotina da viagem pode diferir um pouco dependendo do terreno que se percorre. Mas geralmente consiste, conforme nos relata Rugendas201, em proceder todas as manhs ao carregamento das mulas (...) em prepar-las para a caminhada e, a seguir, mant-las durante a marcha tanto quanto possvel em linha com o resto da tropa; finalmente zelar para que nem animais, nem mercadorias, sofram quaisquer prejuzos. Ao atingir-se o termo da jornada, so elas descarregadas com rapidez e precauo; solta-se um pouco a sela, retirada minutos depois; em seguida, o suor e poeira so limpos com um faco que os tropeiros carregam sempre cinta; entretanto, permite-se-lhes primeiramente rolarem e se espojarem vontade, o que parece ser-lhes um grande gozo; depois d-se-lhes um pouco de sal e so elas soltas a fim de poder pastar nas vizinhanas do local onde se passa a noite. Ainda segundo este viajante, Muitas vezes tem-se grande dificuldade, no dia seguinte de manh, para ajuntar os animais e, faltando algum, acontece ficarem os viajantes parados durante dias seguidos pois, como fcil de imaginar, a perda de uma besta bastante desagradvel em regies onde no se pode substitu-la, como, por exemplo, nas florestas primitivas. O Prncipe Maximiliano 202 empreendeu sua viagem pelo Brasil em grande parte ao longo do litoral entre o Rio de Janeiro e a Bahia. Ele destaca que O caminho pela areia bom e suave para o cavaleiro, mas os burros e os cavalos, desacostumados vista e ao rumor das ondas escachoantes, detestam muitas vezes esta via cmoda. A passagem de

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uma tropa pela areia branca e lisa, beira do oceano azul, um lindo quadro. Burton203, na sua viagem pelo Rio So Francisco, na Bahia, registra este comentrio sobre tropeiros e tropas: Os tropeiros em sua maioria andavam a cavalo. Mas estvamos entrando na regio do boi de carga. Aqueles homens afirmavam que viajavam o dia inteiro e no s at o meio dia como os tropeiros das provncias do sul e que assim percorriam nmero bem maior de lguas. Quase todos eles, porm, iam montados em selas suportadas por duas bruacas, que levam sal e cereais. Spix & Martius 204, chegando a Caxias, Maranho, fim da viagem por terra, pois dali para diante seguiriam embarcados at o final da viagem pelo Brasil, tiveram que se desfazer da tropa. As nossas mulas cargueiras foram vendidas aos comboieiros, que, de quando em quando, empreendem com numerosas tropas a longa viagem de 300 lguas por terra. Johm Mawe205, impressionado com a quantidade de animais cargueiros que transitavam nas imediaes da cidade do Rio de Janeiro, registrou o seguinte: comum verem-se oitocentas ou mil mulas, passando e repassando num s dia. Com a tropa em curso, no raro as condies do terreno obrigavam o cavaleiro a apear, fosse do cavalo ou da mula, e puxar o animal pela rdea. Assim, acreditava-se ser mais fcil atravessar certos trechos da estrada. Mawe206 contesta e diz que os burros, puxados pela rdea, andam com menos segurana que quando montados. Ordens do governo No tempo do Brasil colnia, o viajante em misso oficial, ou as tropas reais, gozavam do privilgio de requisitar animais de quem os tivesse. Bastava chegar numa fazenda, exibir suas credenciais, s vezes o prprio uniforme bastava, e requisitar tantos animais quantos necessrios ou disponveis. O proprietrio, por mais que reprovasse tal procedimento, no tinha como impedir. Mawe 207, neste sentido, faz as seguintes observaes: A propsito, observo aqui que a melhor maneira de viajar no interior do Brasil, principalmente em excurses de natureza da qual eu ia
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empreender, obter ordens do governo e uma escolta de soldados que, de acordo com as mesmas, tm o direito de exigir mudas de burros de todas as pessoas que habitam beira da estrada ou nas suas vizinhanas. E completa que esta maneira de requisitar animais pode ser onerosa para os proprietrios, mas eles se indenizam aumentando as contas de outros viajantes e por imposies na maneira de servir. Saint-Hilaire208 tambm faz um comentrio a este respeito: Os proprietrios das margens do caminho de Vila Rica ao Rio de Janeiro tm ainda uma obrigao a cumprir, a de manter um cavalo sempre pronto para os militares portadores de ordens do governo. O Prncipe Maximiliano comenta que os viajantes europeus, sobretudo os loiros, so geralmente tidos como ingleses, e no muito bem vistos. Na chegada s vilas do interior so imediatamente confundidos por mdicos, e muitos vm fazer consultas. Ainda, no conveniente ao viajante estrangeiro viajar em dia santo, posto que os brasileiros no tm este costume e vem mal aqueles que o fazem. Carregador O Prncipe Maximiliano209 descreve a maneira engenhosa e simples de carregar os burros. Um bom animal carrega 8 arrobas (...) e s vezes (...) 12 arrobas. Pe-se primeiro nas costas do burro uma albarda (chamada cangalha); esta de madeira, e tem uma forte salincia vertical nas duas extremidades da parte superior; penduram-se nelas, de cada lado, as caixas. A fim de diminuir a presso dessa cangalha, forram-na internamente com capim seco, cujas folhas longas e estreitas so estendidas por igual; pe-se por cima desse acolchoado de capim um coxim feito de junco, chamado esteira, e cobre-se esta com um pano de algodo. A albarda assim acolchoada ainda forrada com um couro de boi, de forma retangular, o qual tem na parte superior dois orifcios para deixar passar as pontas da cangalha, em que se suspendem as caixas. Amarra-se na frente dessa cangalha uma correia peitoral larga e, atrs, uma outra, ambas indispensveis na subida ou na descida das montanhas. Uma tira de couro cru, fortemente amarrada, serve de cilha, prendendo solidamente a cangalha. Como rdea, o burro de carga no leva mais do que um cabresto de couro cru, ou de crina de cavalo tranada, que passa por trs das orelhas e deixa a boca do animal livre para pastar e beber. A
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correia que se prende ao cabresto, e com a qual se amarra o burro, quando este est arreado, presa cangalha. (...) A carga bem colocada e firme, cobrem-na com um pedao de couro curtido, com o pelo para fora, que se prende por meio de uma longa correia de couro (...) O animal assim convenientemente carregado, deixam-no caminhar livremente e pastar at que, toda a tropa pronta, passa a pr-se em marcha. Guaran: o remdio usual dos viajantes Spix & Martius 210 relatam que, na deserta regio do Rio Grande, as tropas que levavam toicinho de Minas para o Rio de Janeiro eram responsveis pelo movimento nos caminhos. Alguns tropeiros ali arranchados encontravam-se com diarria crnica de fundo reumtico, cujo tratamento era feito com guaran. (...) o remdio usual dos viajantes que esto em comunicao com Gois e Mato Grosso, contra semelhantes desarranjos, disenterias, etc. Pr e tirar cargas Entre tantos trechos de jornada encetada por Pohl211 , cada qual havia uma dificuldade ou curiosidade marcante. Num trecho entre Itapanhoacanga e Conceio do Mato Dentro, ele comenta que os caminhos eram intensamente freqentados por tropas, provenientes do Rio de Janeiro. Em nossa viagem, cruzamos com vrias dessas tropas, que se compunham de vinte e at quarenta animais. um perigo quando, nos barrancos, se encontram duas dessas grandes tropas, inconveniente que nos embaraou algumas vezes em nossa viagem. Pohl212 relata que se deve calcular um dia de viagem com bestas de carga em apenas 3 lguas pois no raro apresentam-se os contratempos. Ainda segundo Pohl, no incio das jornadas, quando os animais no esto acostumados com a carga, necessrio muita pacincia com a tradicional teimosia dos burros, que se manifesta principalmente no incio das viagens. Assustaram-se, derrubaram as cargas repetidas vezes (no que foram esmagados vrios animais vivos embalados) e ficaram desenfreados. Ainda, de nimo alegre via os meus animais aparelhados, quando estes, por no estarem habituados ou porque a carga no estivesse dividida igualmente de ambos os lados, por duas vezes a lanaram por terra em um quarto de hora; com isso quebraram todas as garrafas com vinho e outros lquidos e eu tive que esperar at o meio-dia
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para que fossem recuperados os animais fugidos e tudo fosse posto em ordem outra vez. Mais adiante na jornada, ressalta que os cuidados com a caravana exigiam toda a minha ateno e at minha cooperao ativa. Os pobres burros, feridos pelo atrito das correias de couro cru que os encilhavam, cada vez mais cansados, caam freqentemente sob as cargas. Um deles estava to exausto que mal podia se levantar. Durante duas lguas o nosso trabalho era s pr e tirar cargas. Ainda, a fuga de animais durante a noite sempre motivo de atraso pela manh. Tais acidentes so to comuns em viagem no Brasil, que nunca se pode marcar com antecedncia um encontro em determinado lugar. notvel, entretanto, quanto os olhos do negro e do tropeiro so peritos em descobrir as pegadas dos animais fugidos e, pela forma do rastro, a direo que tomaram e at adivinhar aproximadamente a distncia a que se acham. Saint-Hilaire 213 comenta que percorreu num dia cinco lguas, o que representa uma boa caminhada para viajantes que esto fazendo uma longa viagem e levam burros carregados de bagagens. Restabelecer a ordem e continuar o caminho Spix & Martius214 tm experincia semelhante. Eles contam que, na partida do Rio de Janeiro, uma parte de nossos cargueiros se deitou no cho, outra se espalhou por entre casas e chcaras, e algumas das mulas se libertaram das caixas que levavam, e procuraram ganhar o campo. E exclama: Este espetculo de selvajaria desenfreada costuma dar-se na sada de todas as tropas, at que os animais se acostumem ao peso da carga e se habituem a marchar em fila. E acrescentam que em certa manh, j em rota, ao carregar as mulas, tivemos que passar por nova e triste experincia com relao s dificuldades do transporte neste pas. Um animal cargueiro, sobre o qual se havia amarrado a lata cilndrica com os tubos de barmetro, assustou-se de repente, disparou para o mato perto, e s pode ser apanhado depois de ter alijado toda a carga e arruinado os instrumentos. O Prncipe Maximiliano 215 conta que mal iniciramos a marcha, quando para nosso srio aborrecimento, e no pequena diverso dos espectadores, quase todos os burros, no mais ridculo dos espetculos, comearam a sacudir fora as bagagens. Vrios os conseguiram, enquanto outros escaparam por entre as macegas, de modo que levamos algumas
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horas, antes que os nossos tropeiros pudessem restabelecer a ordem e continuar o caminho. Mais adiante complementa que Os muares estavam agora to mansos que pude fazer fogo sem apear. De acordo com Calgeras216, A tropa, aparelhada para viagem, no primeiro dia pouco marchava, apenas o suficiente para acertar as cargas e se colocar nas condies normais de seu trabalho. Do segundo dia em diante, comeava o ritmo constante que reinaria durante toda a expedio. E segue informando que de madrugada, ia o camarada com o bornal de milho ou a cuia de sal buscar os animais no pasto, ou no encosto onde haviam sido soltos. Sedentos cargueiros A falta de gua era uma determinante no ritmo da jornada das tropas. Calgeras217 informa que na falta de gua no percurso, os tropeiros traziam-na em odres de couro, as borrachas, e a distribuam parcimoniosamente aos sedentos cargueiros, quando no preferiam viajar de gua a gua, isto , cruzando sem pausa o trecho rido. E no raro era necessrio acrescentar uma bebia alcolica gua colhida nos crregos ou outras fontes, no propsito de purific-las, como informa Pohl218. Gardner 219 comenta que quando chegou ao Brasil foi igualmente recomendado a misturar vinho ou aguardante gua de beber. Tal expediente ajudaria a esterelizar a gua. Em breve tempo, ele, que era mdico, constatou que isso no fazia sentido, e mais, causava dano aos viajantes. Quem bebe estimulantes alcolicos e viaja ao sol dia aps dia certamente sofrer dores de cabea e, em regies miasmticas, ser mais sujeito ao ataque das doenas endmicas. Decidia em seu nome As despesas de viagem com tropa consistiam basicamente nos pousos, pastagens e registros, que exigiam o pagamento em moeda corrente, segundo Lenharo220. Na falta do tropeiro-patro, dono da tropa, era o arrieiro quem respondia por ela. Era ele a pessoa de confiana do dono da tropa. Representava-o, decidia em seu nome. Devia saber ler e escrever um bilhete, contar e conduzir dinheiro, como informa Pereira221.

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Tradicional na vida tropeira A viagem rumo a Baro de Cocais entrecortava bosques de eucalipto e mata nativa. A geografia apresentava uma paisagem tpica da Serra do Espinhao, embora geograficamente estvamos nos afastando dela. No tardou e comeamos a penetrar na mata fechada. Foi ficando cada vez mais escuro. Ouvia-se de longe um curso dgua. Talvez uma pequena cachoeira. No foi possvel avist-la. J era praticamente noite. Passamos por uma fonte, onde nos refrescamos. O Maurcio saca um objeto, que ele utiliza para tomar gua. Trata-se de um guampo222. Tal objeto, artesanal, vai pendurado no arreio. leve e no quebra. Tradicional na vida tropeira. Era possvel observar algumas marcas deixadas pelos caminhantes. A mais comum era uma seta com as letras S & M (Spix & Martius). Isso demonstrava no s que estvamos no caminho correto, como a navegao na vanguarda respaldava a retaguarda. Eustquio Ribeiro: motorista-tropeiro Chegamos ao ponto onde j possvel observar, bem ao fundo, a Serra do Caraa. Quase seis da tarde e recebo a notcia que mais dois veculos foram emprestados para servir no apoio Expedio: um Gurgel da Tropa Serrana e um Gol da Emater. Este ltimo com o Eustquio Ribeiro ao volante que logo largaria pela atividade na tropa. O veculo passou a ser utilizado pelas nossas pesquisadoras Andra Labruna e Vnia Gomes, carinhosamente apelidadas de senaquetes. O apelido se deu em virtude delas terem sido contratadas pelo SENAC-MG, durante o percurso da Expedio, para atuarem como pesquisadoras de campo. Tem esta regio aspecto tristonho, solitrio Passamos pela ponte da Rede Ferroviria. J estava bastante escuro, mal se pde enxergar as horas no relgio. Por sorte, os burros e mulas enxergam muito bem noite e, por isso, no iro errar o caminho. Aps atravessarmos um mata-burro j era possvel ver as luzes de Baro de Cocais. Fomos surpreendidos por centenas de vaga-lumes que nos recepcionavam com seus lampejos intermitentes, permitindo-nos enxergar a estrada.
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Finalmente chegamos a Baro de Cocais, que um dia chamou-se So Joo do Morro Grande e, at 1938, Morro Grande quando, finalmente, em 1943, recebeu o nome que conserva at hoje. Spix & Martius223 registram: de Caet para frente, em continuao da viagem, tivemos que passar por grandes matas (...) Tem esta regio aspecto tristonho, solitrio (...) Quando samos da mata da primeira montanha que galgamos, vislumbramos a aldeia de So Joo do Morro Grande, com as suas torres gmeas, num vale melanclico. Burton224 complementa: uma localidade relativamente antiga, pois, de povoao, foi elevada categoria de freguesia por Carta Rgia de 28 de janeiro de 1725. O local previsto para os animais passarem a noite no era dos melhores. Faltava gua e a cerca no era confivel. Decidimos buscar outra alternativa. Recomendaram um terreno da Prefeitura prximo rodoviria. Era cercado mas no tinha porteira. Improvisamos uma com cordas. Arrumamos gua para banhar os animais, demos trato e partimos para o Hotur Hotel, onde passaramos a noite.

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8 dia: Sbado 17 de Julho Baro de Cocais a Fazenda Joo Congo


Ouso dizer que muitos dos que ainda esto vivos percorrero esta terra numa vertiginosa velocidade de sessenta milhas por hora, quando ns, em nossos primitivos meios de transporte, vencemos esta distncia em quase uma semana. Talvez possam voar. Quem sabe?. Burton225 O lugar barulhento, enfumaado Fizemos o check out do hotel. A manh estava ligeiramente nublada. O pouso desta noite estava previsto para a Fazenda Joo Congo, prximo BR-262/381. L descansaramos tambm o domingo, seguindo somente na segunda-feira. O trecho tinha duas escalas: uma no stio arqueolgico da Pedra Pintada; e outro no povoado de Cocais. Baro de Cocais no reagiu como outras cidades com a nossa chegada. Aqui as coisas no fluram como nas anteriores. No houve hino nacional com o berrante, no houve recepo pelas autoridades, nada que fosse digno de nota. A cidade praticamente encravada no meio de uma indstria. O lugar barulhento, enfumaado. Terras do municpio de Itabira A sada de Baro de Cocais rumo a Cocais se deu por uma ladeira calada com paraleleppedos. Subimos muito, passando sob um grande viaduto por onde passa a ferrovia. L do alto a paisagem exuberante.

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O Beto, recm-integrado na Expedio, que veterinrio especialista em avifauna, comenta: A fauna aqui est muito arrasada, (...) vimos umas quatro ou cinco espcies diferentes de aves (...) tal fato se atribui substituio da mata nativa por espcie aliengena, que o eucalipto. Renata Santos, que integrou a Expedio desde Sabar, tambm nos d suas impresses: Eu acho que est sendo uma experincia boa pra todo mundo, no s em termos de conhecimento, mas no trato pessoal, convivncia. Transpusemos a montanha em frente a Baro de Cocais, perdendo definitivamente a vista da cidade. Agora, nossa frente estava uma imensido de terra. Ao longe se viam as terras do municpio de Itabira, e esquerda era possvel vislumbrar a Serra do Espinhao correndo de sul para norte. J no se v tanto eucalipto, mas algumas pores de mata nativa. Viagens e contra-tempos Na poca em que viajou pelo Brasil, o Prncipe Maximiliano226 enumera, entre as principais: falta de vveres para si e o pessoal que a acompanha, e pastagens para os animais de carga; dificuldades para transportar os objetos de histria natural; chuvas de longa durao, umidade e uma infinidade de outros contra-tempos. Saint-Hilaire227 comenta um aspecto interessante sobre a infra-estrutura oferecida aos viajantes e tropas: Por um motivo que no saberei explicar, o viajante encontra geralmente maiores dificuldades e menos comodidades s portas das cidades do Brasil que nos lugares mais despovoados (...), no que concorda Gardner 228 quando acrescenta que quanto mais perto de uma cidade ou aldeia chega o viajante, menos possibilidade encontra de renovar seu estoque de provises. E Saint-Hilaire vai mais alm: natural que se encontre mais hospitalidade nos lugares afastados que nas margens das estradas muito freqentadas pelas caravanas; (...) Na provncia de Minas Gerais, os principais habitantes das cidades vo visitar o estrangeiro to logo que este chega.
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Distrbios do corpo e da alma Durante as longas jornadas, alm de um leque extenso de parasitas, bichos peonhentos e insetos que atacavam indiferentemente animais e viajantes, como os carrapatos, percevejos, barbeiros, formigas, ratos, piolhos, bichos-de-p, pulgas, marimbondos, abelhas, mosquitos de variadas espcies, moscas, aranhas, cobras, lacraias, mutucas, morcegos, entre outros, existiam ainda outras dificuldades complementares: calor, falta dgua e alimentos, frio, chuva em demasia, desconforto nos pousos, etc. A isto se agregava muitas vezes a solido do ermo, a monotonia da trrida paisagem e a saudade da ptria. No era raro viajar lguas e mais lguas sem avistar uma alma, uma habitao por mais humilde que fosse ou ver qualquer obra do engenho humano. Tudo isto era fator de fadiga e muitas vezes derrubava o viajante, sob o ataque de febre, reumatismo, gota, resfriado, clica, diarria, disenteria, priso de ventre, hemorridas, entre outros distrbios do corpo e da alma, percalos que custavam tempo gasto na recuperao e longo atraso na j sempre atrasada jornada. No era uma corrida contra o tempo, mas contra o clima, pois era no regime de chuvas que os viajantes planejavam as longas travessias. Saint-Hilaire 229, refletindo sobre este aspecto, deixa seu testemunho: Mas qual o tdio que experimenta aquele que, como eu, percorre o serto durante o tempo da seca, quando as campinas perderam o frescor, e a maior parte das rvores est despojada de folhas? Ento um calor irritante abate o viajante; uma poeira incmoda ergue-se debaixo de seus passos, e algumas vezes mesmo, nem sequer encontra gua para aplacar a sede. Ilustrando sobre a falta dgua, Spix & Martius230 narram que, numa travessia na Bahia, a falta deste item vital foi to extrema que foram forados a colet-la nas bromlias. Era bastante fresca, mas ora poluda pelos pssaros, ora continha rs. Costumvamos filtr-la, coandoa diversas vezes por um pano de seda. Era demasiado o desconforto. As privaes no tinham precedentes, refletindo imediatamente no humor e na sade do viajante. Pohl 231 comenta que em certo dia sentamos, s vezes, incmodos diversos como, por exemplo, dor de cabea, congesto,
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hemorragia nasal, nusea, vmito. E acrescenta: Os animais, por causa do cansao e da fome, no podiam prosseguir. O meu co de caa estava quase morto. Os campos inteiramente queimados tiravam-nos o nimo de continuar a viagem, pois no sabamos como conseguir forragem para os nossos animais. E segue: Os trabalhos e fadigas (...) foram muito duros para minha pobre gente, sendo agravados pela inclemncia do tempo. Os homens, como figuras cadavricas, plidos, atordoados, depauperados, cambaleavam de um lado para outro. Gardner232 comenta que estava tostado pela exposio ao sol e s fadigas das contnuas e longas viagens, a dieta pouco nutritiva e ultimamente at escassa, juntamente com a ansiedade de esprito provocada pelo mal que em vo aqui procurava remediar; davam-me, por certo, o aspecto bem pouco atraente. Mesmo aos naturais do pas Alm das dificuldades encontradas nas viagens, no raro os viajantes se perdiam, dando grandes voltas, atrasando mais ainda as j atrasadas viagens. Neste sentido, condescendente com sua prpria pessoa, Pohl233 comenta que No nos devamos envergonhar de termos ficado perdidos, pois, nestas regies ermas, isso acontece mesmo aos naturais do pas. Saint-Hilaire234, ao desviar-se de sua comitiva para herborizar, informa que como no notava nenhum trao da passagem de minhas bestas, acabei por convencer-me de que me havia desviado e entrevi com aflio a probabilidade de passar a noite ao relento sem nada para comer. O Prncipe Maximiliano235 tambm relata experincia neste sentido: Minha tropa perdeu o caminho nesse trecho, e passamos no meio de buracos, atoleiros e brejos em que a nossa bagagem esteve em perigo de afundar. Saint-Hilaire 236 registra que, em Gois, a dificuldade de transporte fazia da vida por l um tormento. No se encontra em toda ela um nico cravo, uma nica ferradura que no tenha vindo em lombo de burro do Rio de Janeiro, atravs do serto e aps vrios meses de viagem. Contam ainda, no rol das dificuldades, a de encontrar outras tropas em caminhos muito estreitos. Gardner237 comenta que, prximo a Conceio do Mato Dentro, encontramos uma grande tropa de mais de
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cem mulas, parte destinada ao distrito do diamante, parte a Minas Novas. Aqui o caminho era to estreito que nossa pequena tropa foi obrigada a fazer alto enquanto a outra passava. Vigorosos tropeiros Spix & Martius238 relatam que no trecho entre o Rio So Francisco e Cachoeira, na Bahia, passaram por maus momentos, com falta de gua e alimentos. Nessa extrema aflio, tomamos a resoluo de arriscar as nossas colees, para somente cuidar de salvar as nossas vidas. Levamos as caixas para uma garganta cerrada de mato, em lugar bem assinalado; abandonamos as mulas, doentes e exaustas, entregues sua sorte, e tocamos o resto da tropa para diante, o mais depressa possvel (...) De repente ouvimos o chocalhar da madrinha e logo apareceu uma tropa, bem organizada, constando de uns quarenta e tantos cargueiros fortes, a qual seguia o mesmo caminho, sob a direo de vigorosos tropeiros. Compadecidos com o estado da tropa destes viajantes, os tropeiros ofereceram generosamente algumas de suas mulas para levarem nossa carga j to leve, cedeu-nos uma parte da sua proviso de milho e, em suma, encarregou-se dos cuidados da nossa viagem at o litoral, onde nos deixou sos e salvos. O Prncipe Maximiliano239 narra um episdio semelhante, com relao falta dgua. Depois de andarem longo tempo procura, acharam enfim uma poa dgua bastante clara, em cima dum rochedo, na escurido da mata; juntaram tambm nas vasilhas a gua que se tinha conservado entre rijas folhas de bromlias. Foi com tal recurso que pudemos desalterar a sede dos homens, dos ces e dos papagaios. Quanto aos nossos pobres animais de carga, que no puderam subir no rochedo em que se achava a gua, viram-se obrigados a passar sem beber at o dia seguinte. Spix & Martius 240 relatam ainda que numa ocasio, ao pernoitar, fugiram os animais durante a noite, ainda que amarrados uns aos outros. A tarefa de reunir os desviados foi ainda mais penosa quando descobriu-se que o arrieiro havia igualmente fugido no meio da noite. Nessa penosa situao, no nos restava outro alvitre seno fazermos ns mesmos os indispensveis trabalhos do tropeiro.

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importante ressaltar que no havia pressa gratuita em chegar nesse ou naquele lugar. O regime de chuvas era a determinante para as viagens. Onde faltava gua, o perodo de chuva era o preferido para as viagens. Noutras regies, a poca das chuvas tornava as viagens impossveis. Pohl241 registra que constatou definitivamente as dificuldades de uma viagem na poca das chuvas, e aconselho a todos os que me forem suceder que nunca escolham tal poca para viagens. E acrescenta que O tempo, para ns, era medido, se quisssemos terminar a viagem antes da entrada da estao chuvosa. Tromba pontuda Mawe242, referindo-se a parasitas, indica o bicho-de-p, tambm conhecido por ningu, ou chinguas, como um animalzinho aborrecido, introduz-se sob as unhas dos dedos dos ps e, s vezes, das mos. Ainda Mawe, sobre outras dificuldades nas viagens, informa que A citica, que ataca os viajantes depois de uma longa viagem em burro, atribuda pelos habitantes ao calor natural destes animais e que, efetivamente, muito maior do que o dos cavalos, se comunica aos rins e ocasiona dores cruis, quase contnuas, que com freqncia se tornam crnicas e incurveis. E segue narrando sobre parasitas, indicando o morcego como inimigo formidvel dos cavalos e mulas. Ainda escrevendo sobre parasitas, faz ele meno aos carrapatos, informando que O melhor meio de se desembaraar desse animal embeb-lo em ludano ou leo; cai, ento, por si mesmo. Burton 243, sobre os bichos-de-p, comenta: os velhos viajantes queixam-se amargamente dele e enchiam de cnfora as botas, precavendo-se em no andar descalos. No que tange aos parasitas, Gardner 244 informa que num certo pouso Mal adormecera, fui despertado por uma legio de percevejos, que se despejaram das fendas das paredes de barro. Referindo-se a parasitas, Bunbury245 destaca que Os mais desagradveis so os carrapatos, uns insetos pequenos, de cor atrigueirada, feios, sem asas, de forma chata e consistncia dura, que vivem s mirades entre o capim seco e nos arbustos e especialmente nas capoeiras, no tanto nas velhas florestas. Era o carrapato um inseto
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asqueroso, achatado, pardacento, com tromba pontuda (...) considerados uma das mais terrveis pragas, no dizer de Spix & Martius246. Pohl247, comentando sobre os carrapatos, ressalta sua inconvenincia: os arbustos prximos estavam cobertos de milhares de carrapatos. Estes bichinhos, apenas do tamanho de um gro de poeira, quase invisveis a olho nu, cobrem logo a roupa da gente, ao mais ligeiro contato, ali ficando agarrados (...) as suas picadas tornaram-se to violentas que tivemos de tirar a roupa apressadamente e dependur-la sobre o fogo. Spix & Martius248 do a receita para se livrar desta praga: o mais seguro meio para a pessoa livrar-se, logo a princpio, desse incmodo hspede, desprend-lo do corpo, ou, quando eles ainda no esto metidos muito fundo, mat-los, esfregando a pele com cachaa, ou com infuso de fumo em gua, ou com fumigaes de fumo em cima do fogo. Saint-Hilaire249, no menos incomodado com os carrapatos, aconselha os viajantes terem sempre na mo uma varinha guarnecida de folhas; espanava com elas minha roupa sempre que via carrapatos, e esses logo desapareciam. Quando esses insetos conseguem atingir a pele, pode-se, para retir-los, empregar com xito uma bolinha de cera qual eles se agarram. Quanto a esta terrvel praga, Gardner 250 comenta que criadores de gado do interior chegam a perder todo o seu gado em uma s estao. Spix & Martius251 emitiram um prognstico: Com o progresso do povoamento e da instruo no pas eles iro desaparecendo. No difcil afirmar que tal prognstico no se cumpre, pois, so os carrapatos um grande mal, introduzidos no Brasil pelos portugueses, cujo controle e extermnio levaria muitos anos, caso principalmente os criadores de gado vacum e eqino tomassem as medidas preventivas necessrias. H que se considerar a infestao na fauna nativa, que igualmente sofre deste mal. Arrasta para o fundo Sobre cobras na estrada, Pohl252 diz mais: em estradas movimentadas no raro encontr-la em estado de indolncia, enrodilhada, sendo ento fcil mat-la ou apanh-la viva (...) o que os
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negros fazem com especial percia. Vi certas vezes toda a minha tropa de burros marchar por cima de uma cascavel, sem que ela se mexesse, mas ai daquele que a tocasse. O rptil anuncia a sua presena com o rumor do apndice caudal, perfeitamente audvel a uma distncia de oitenta passos. Ainda no tocante a cobras, Pohl comenta sobre a sucuri, no que ouviu contar os nativos, e que esta cobra enlaa os muares que atravessam um rio e os arrasta para o fundo. H falta de tbuas Pohl253 observa, categrico, que, com a morte de um dos burros da tropa, buscou adquirir um substituto, e aqui a nenhum preo nos foi possvel substitu-lo por outro. Contentou-se em alugar caro um cavalo para substituir o burro morto. Noutra ocasio, salienta este viajante a dificuldade em obter proviso de ferraduras, visto que os animais as perdiam constantemente. Comenta ainda a dificuldade em reunir os animais numa certa manh, devido grande neblina. Entre outros contratempos, em que atrasava a viagem, Pohl ressalta a dificuldade em adquirir caixas, nas quais levava sua carga e plantas coletadas, pois, no interior, por todo o lado, h falta de tbuas. E acrescenta: Viajando, sempre se constrangido a permanecer nas cidades mais tempo do que o determinado no plano da viagem. E resume, informando que, com a perda de trs animais e um mal estar que o levou cama, sua viagem sofreu grande contratempo, pois era necessrio adquirir animais, vveres, ferraduras e demais apetrechos, que, nas condies em que se encontrava toda a tropa, no foi tarefa fcil. Desgarrado no mato Bunbury254, referindo-se dificuldade com a tropa, menciona que ficou detido em Cocais, por um dia inteiro, em conseqncia das mulas terem se desgarrado no mato. E acrescenta que este um contratempo nada fora do comum em viagens no Brasil. No era possvel um dia de jornada completa. Era necessrio - vrias vezes em um s dia - carregar e descarregar os animais, fosse nos registros ou nas travessias de rios. A indocilidade dos animais, pelos mais variados motivos, levavaos a desequilibrar a carga, quando no as atirasse ao cho, danificandoas por completo, ou obrigando a demorados reparos na indumentria. Eram de todo tipo os contratempos experimentados pelos tropeiros na lida.
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Triunfo da superstio Quando os ranchos e outros locais de pouso no contavam com pasto fechado para os animais passarem a noite, era comum dedicar tempo extra para recolh-los no dia seguinte. Atrs de boa pastagem eles podiam ir longe. Pohl255 ilustra que, em determinada ocasio, o sumio de alguns animais coincidiu com a passagem, pelo pouso, no meio da noite, de dois cavaleiros, estranhos, suspeitos. No dia seguinte, diante da possibilidade de terem sido furtados, um dos camaradas, negro, teve uma atitude diferente, fazendo umas mandingas, e com toda paixo de sua raa, os olhos cintilantes de furor, murmurando uma frmula de encantamento, ele deu ns numa corda e dependurou-a sobre o fogo. Depois partiu em busca dos animais e teve a sorte de descobri-los e trazlos, com triunfo da superstio, compreende-se, pois estava convencido da infalibilidade de sua magia. Stio Arqueolgico da Pedra Pintada Passamos por uma localidade, aparentando ser uma fazenda. H luz eltrica, antena de telefone celular, casas em construo de alvenaria e telhas de amianto um estilo mais ou menos colonial. Chegamos ao Stio Arqueolgico da Pedra Pintada. O lugar excepcional. As pinturas esto datadas em oito mil anos, segundo pesquisadores da UFMG. A visita s permitida acompanhada por um dos donos da propriedade. Cobra-se uma pequena taxa de R$2,00 por pessoa para a visitao. A diversidade de pinturas espetacular. Tambm a vista do vale intrigante. Seu Jos Srgio dos Reis um dos proprietrios. Com 82 anos, ele nos conta que o stio foi descoberto por seu bisav, de nome Joaquim de S. Perguntado se j trabalhou com tropa, informou que j. Puxava carvo, mas no se entusiasma ao falar no assunto. Seu Jos conta que vem o povo do Patrimnio Histrico pesquisar as pinturas, e que disso que ele gosta, pois ajuda a conservar o lugar, que hoje est em melhores condies do que no tempo em que no se cobrava taxa de visitao. Hoje est tudo limpinho e conservado. Ele complementa sua renda fornecendo aos visitantes uma cervejinha, caf e bolinhos.

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Andarilhos da Luz Expedies Ecolgicas No momento de nossa passagem pelo Stio encontrava-se por l o Marcos Parani, da operadora Andarilhos da Luz, renomada empresa ecoturstica de Belo Horizonte. Perguntado como ficou conhecendo Pedra Pintada, ele respondeu: Indicao de amigos que j estiveram por aqui. Primeira vez que eu estou vindo aqui (...) conheci isso agora e fiquei impressionado com as pinturas; com os tamanhos das pinturas. A gente roda bastante e no v pintura grande; h organizao aqui no stio (...) muito limpinho (...) pessoal muito receptivo; Sr. Jos, a esposa dele; (...) essa foi uma viagem exploratria mesmo. Deixamos o Stio da Pedra Pintada rumo a Cocais. possvel que encontremos os caminhantes por l. Chegamos a Cocais em poucos minutos (de carro). J se nota uma palmeira, muito freqente na paisagem. possvel, inclusive, que o nome Cocais tenha alguma relao com esta palmeira. Uma bela aldeia Cocais um pequeno distrito do municpio de Baro de Cocais. Referente a esta pequena vila, Burton256 relata: Nossa Senhora do Rosrio de Cocais (...) um local frio, mido, mas saudvel. Outros cronistas do sculo XIX no pouparam adjetivos. Vejamos o que Spix & Martius257 relataram: o povoado de Cocais, cuja capela, circundada de palmeiras, destaca-se graciosa num outeiro. Este lugar afamado, sobretudo, pela quantidade e pureza do ouro aqui lavado. Bunburry258 destaca: abaixo de mim estava o Arraial de Cocais, com suas casas brancas espalhadas entre bosques e plantaes. Esta foi uma das mais belas aldeias que vi em Minas. Gardner259 foi bastante enftico ao destacar que acomodamonos no rancho pblico, pois no havia coisa melhor na aldeia (...) O Arraial de Cocais no somente o mais belo que vi em Minas, mas ainda o mais magnificamente situado. Saint-Hilaire260 acrescenta: Havia muito tempo no gozava de vista to agradvel quanto a que me ofereceu a aldeia de Cocais (...) as
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casas (...) no esto em estado de decadncia, como a de tantas outras das regies aurferas. De pai para filho: Lauro Conversamos com Lauro Fonseca, 62 anos, dono de um armazm. Nasci aqui mexendo com tropa. Meu pai era tropeiro antigamente, nos tempos idos. Ele transportava carga daqui para Senhora do Porto261 levando caf. Trazia toucinho de Peanha pra essa regio, foi assim at casar. Depois terminou o transporte de tropa, passou pra caminho, mas ele ainda continuou transportando carvo em lombo de burro daqui para Baro de Cocais. Meu pai tinha dois lotes mansos no transporte de carvo, um amansando e um de apartao, que o burro novo (...) apartao da me, para criar. (...) s viajava nesta regio. Daqui para Santa Brbara buscando gneros alimentcios, indo e voltando daqui para Baro de Cocais, levando carvo (...) a viagem at Santa Brbara levava a cavalo trs horas para ir e quatro para voltar; porque a gente ia vazio e voltava carregado. O povoado de Cocais, durante nossa passagem, se mostrou bastante descaracterizado arquitetonicamente, com algumas poucas construes em estilo colonial barroco, to enfatizado pelos cronistas do sculo XIX. O povoado, ao que nos informaram, teve grande dependncia econmica dos ingleses, que aqui mineravam ouro. Deixamos Cocais. No sem concordar com Spix & Martius262 que registram que, deste ponto em diante, o caminho se foi tornando sempre mais solitrio e despovoado. Nosso caminho por asfalto at a Fazenda Joo Congo. Os caminhantes e cavaleiros seguiram por outra trilha, onde no era possvel passar com carro. Fazenda Joo Congo Chegamos Fazenda Joo Congo pela BR-262/381, entre os trevos rodovirios de Baro de Cocais e Itabira. Encontramos na literatura pesquisada apenas um breve comentrio sobre esta fazenda. Pohl263 relata: Em seguida passamos pela Fazenda Joo Congo, onde se encontra uma linda cachoeira de seis metros e meio de altura.

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Tratamos de nos instalar. Pelo que tudo indicava, caminhantes e cavaleiros tardariam ainda a chegar. A turma de apoio que j estava na Joo Congo deu de imediato incio ao preparo de uma refeio farta para todos os que estavam por chegar. Assim foi feito. Samos para fazer compras enquanto a Lucia, Elaine e Renata partiram para o fogo. As compras vieram caprichadas, pois ficaramos na regio at a prxima segunda-feira pela manh. Chegaram pouco a pouco os caminhantes. Estourados. No tardou os cavaleiros foram chegando. Banho, lavagem de roupa, comida e cama. Esta foi a rotina deste final de sbado. O dia foi duro mas a perspectiva de descanso relaxou a todos.

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9 dia: Domingo 18 de Julho Fazenda Joo Congo = Descanso


Nossos olhos estavam permanentemente voltados para a terra, que em breve devamos pisar e onde nos aguardavam sedutores prazeres cientficos; onde, diante de ns, a Natureza ostentaria toda a pompa de seus encantos tropicais; onde, pessoalmente, amos admirar todas as formas raras de vegetao que em desenhos j haviam encantado os nossos olhos e, talvez, descobrir formas novas; onde nosso empenho encontraria to rico campo aberto ao enriquecimento e ampliao das cincias naturais. Pohl264 Visitantes ilustres Alvorada livre. O dia foi dedicado ao descanso e organizar as coisas: lavar roupas, andar despreocupado, curtir o sol. Os animais foram bem acomodados no curral da fazenda, em bom estado de conservao, que alugada como stio para fins de semana e feriados. A fazenda antiga. Possui mesmo uma cachoeira prximo casa, conforme foi citado por Pohl. Dispe de gua corrente e eletricidade. Recebemos diversas visitas neste dia: o Paulo Julio, da EMATER MG; e o Prof. Davi Mrcio, do IGA MG. Fizeram breve palestra sobre a importncia do evento que realizvamos e das conseqncias para o turismo no Estado de Minas. Sampaio: grandes surpresas Recebemos tambm a visita da Maria Luiza Sampaio, a Malu, da Secretaria de Turismo de Itabira, informando que teramos

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grandes surpresas em nossa passagem por aquelas terras. Ela estava absolutamente correta, como se verificou no dia seguinte. Quaru O muar foi bastante difundido por todas as regies do Brasil. Do sul regio amaznica; do cerrado caatinga. Pohl265, em sua passagem pela regio habitada pela nao Xavante, registrou um vocbulo deste povo para designar o burro ou a mula: Quaru. Segundo Calgeras266, a necessidade de ferraduras para o grande rebanho de muares cargueiros e cavalos utilizados em Minas Gerais estimulou a implantao da siderurgia. A necessidade de ferro para as ferramentas de trabalho nas lavras aurferas e diamantferas foi igualmente fator preponderante para o desenvolvimento desta indstria. Segundo Mawe267, Os quadrpedes do Serro do Frio so os mesmos que os das outras partes do Brasil. Os burros, os principais animais de carga, custam a muito mais caro que nos distritos mais meridionais; os cavalos so menos numerosos, mas mais baratos, porque s so empregados em viagens de recreio. 2.500km2 de mata atlntica A utilizao de muares como meio de transporte teria sido responsvel pela destruio de grandes pores de mata atlntica. Segundo Dean268, por volta de 1860, a exportao de caf de todos os portos implicou em 1,5 milho de viagens de mula. A expectativa de vida das mulas nas regies montanhosas era provavelmente curta, exigindo muita reposio por parte das reas de criatrio no Sul. Supondo-se que cada mula era capaz de fazer trs viagens at o litoral durante a estao da colheita, a cultura cafeeira deve ter exigido um rebanho de 500 mil animais. A alimentao desses animais implicava vasta rea dedicada forragem. Dean complementa que foram necessrios meio hectare de rea de forragem por mula/ano. Equivale dizer que 2.500km2 de mata atlntica no sudeste brasileiro teriam sido suprimidos para garantir alimento (pastagens) ao rebanho muar nesta poca. Gardner269 informa que no nordeste do Brasil eram os cavalos utilizados para transporte de carga, mesma maneira que as
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mulas no sul do Brasil. Nestas cousas os cavalos so mais intratveis que as mulas. Mas, nas provncias setentrionais do Brasil, estes animais so raramente vistos, no obstante haverem sido freqentemente trazidos do sul em grandes tropas para experincia. Os burros parecem gostar O Prncipe Maximiliano 270 observou que o caracar apreciava os muares, pousando em seu lombo para catar insetos. Os burros parecem gostar da visita desse curioso rapineiro, pois ficam quietos quando ela pousa e lhes anda pelo lombo. Saint-Hilaire271 comenta que um proprietrio dos arredores de Caet possua uma tropa de mulas que empregava no transporte, aos sbados, de vveres vila. Cada dia esses animais, deixados, segundo o costume, no pasto, vinham pela manh e tarde procurar em casa de seu dono sua costumeira rao de milho. Mas aos sbados, nico dia de trabalho, no somente eles no se apresentavam para a rao, mas ainda, escondiam-se no campo. Spix & Martius272 comentam que somente a viagem noturna no conveniente para as mulas cargueiras, porque elas tm o costume de dormir de preferncia de meia-noite at a manh. Obra do saci Segundo Maia273, algumas supersties rondam o mundo dos muares. Contam que, pelas manhs, os burros amanheciam com a crina cheia de ns. Obra do saci. A mulher que no quer ter mais filhos deve tomar ch de casco de mula, torrado e modo. pecado tomar, mas faz efeito. Recomenda-se que o burro, dois dias antes de ser castrado, no fique perto de gua. Depois da castrao, no montar e no pr peso nem bater. No soltar com tropa. No deixar comer abbora nem farelo de arroz. Depois de quinze dias j pode carga leve. Ainda segundo este autor, Caveira de burro d azar. E acrescenta outros aspectos curiosos deste incrvel animal: burro de canela fina bom de sela. J o de corpo cheio e de canela grossa melhor para carga. Uma vez utilizada uma cangalha num animal pela primeira vez, esta se amolda ao corpo deste, e doravante deve tal cangalha ser exclusiva do animal, pois conforme o burro a cangalha. o tocador quem conhece a cangalha de cada burro.
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Dos animais de sela e carga, o burro considerado o mais inteligente. Anda noite por caminhos difceis e evita os perigos melhor do que os cavalos. Quando se vir um burro, se ele mexe muito com a orelha, chove. Se ele no mexe, pode estar o tempo que estiver, no chove. Segundo Goulart274, tanto as mulas como os cavalos tm uma grande averso pelos cadveres dos companheiros, e nada os faria passar junto de um lugar desses, onde estivesse a carcaa de um muar morto. Na hora do almoo tivemos churrasco e feijo tropeiro. Cada um se arrumou como pode, bem como os visitantes que por l compareceram. O povo estava alegre. Uma pinguinha JP (Caet) complementou a festa. Foi um dia tranqilo e merecido. Rsticas palhoas Na medida em que crescia o trnsito de tropas, num vai-evem intenso entre a costa e a hinterlndia, foi surgindo, pouco a pouco, a infra-estrutura necessria nesta dura vida dos tropeiros e suas tropas. Segundo Goulart275, com o tempo foram surgindo aqui e acol rsticas palhoas, simples coberturas de palha sobre paus-a-pique, sem paredes, para abrigo das cargas e dos homens ao fim das jornadas dirias. Era o pouso. Grande galpo destinado a receber os viajantes No relato de Saint-Hilaire276, As palavras rancho e arranchar (parar sob um rancho) apenas usadas no Brasil, aplicam-se por extenso a todos os lugares onde se pousa; (...) um rancho propriamente dito um grande galpo destinado a receber os viajantes. Rude e desconfortvel para quaisquer padres, o rancho era o que existia. Era o lugar de pouso e onde o tropeiro descansava o corpo da fadiga da longa jornada. O rancho, alm de servir para o descanso, era tambm o foro para discusses acaloradas, como a poltica, tributos, condies das estradas, registros, preos e qualidade dos produtos, fretes, fornecedores etc. O intercmbio de experincias e informaes, com camaradas de outras tropas, era fabuloso. Troca de
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objetos, o jogo de truco. Uma pinguinha de leve, pra relaxar; acalmar a alma da saudade da amada distante. Tudo isso discretamente, sem algazarra e muito respeito, para no incomodar os demais viajantes que j dormiam. Este era o clima mais comum experimentado nos ranchos. O pouso tinha que ter boa infra-estrutura e tranqilidade para os trabalhos de recomposio da tralha. Cangalhas necessitando de ajustes; selas, arreios, cabeadas, rdeas, entre outras peas da indumentria da tropa, necessitavam reparos. Os animais eram vistoriados, ferrados, quando necessrio. Tratamento de alguma ferida ou pisadura. Gardner277 comenta que no caminho, ora muito freqentado, do Rio de Janeiro at a zona de minerao, sempre se encontram casas que fazem s vezes de estalagem e em que se espera pagamento do viajante; mas, se ele se hospeda em qualquer das grandes fazendas, deixam-no comer gratuitamente mesa, s pagando as raes necessrias aos animais. Nas partes mais distantes do pas sempre encontrei a mais ilimitada hospitalidade mesmo das classes menos favorecidas e, muitas vezes, a tnue recompensa que essa pobre gente aceitava era um pouco de plvora ou sal, artigos que muitas vezes no se obtm por preo algum. Pouso, rancho, venda, estalagem (ou hospedaria) e o hotel. Com relao s formas de pernoite disponveis aos viajantes pelo Brasil, at pelo menos incio do sculo XX, Burton278 montou um histrico em cinco fases: pouso, rancho, venda, estalagem (ou hospedaria) e o hotel. v POUSO - Com relao primeira fase, o pouso, ele reporta ser apenas um mero terreno para acampar. Local onde o proprietrio permite que os tropeiros dem gua aos burros e ali permaneam at o dia seguinte. o germe de acomodaes, que se tornaram hoje as aldeias e vilas populosas. Pouso, em geral, o vocbulo que designa o local de pernoite, seja em acampamento, rancho ou hospedaria. v RANCHO - O rancho a evoluo do pouso: guarnecido de um telheiro, que varia de lugar para lugar, podendo ter paredes laterais, ou totalmente aberto. A cobertura podia ser de palha ou

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telha. No rancho, os tropeiros e suas cargas podiam abrigar-se do tempo. v VENDA - A venda a fase mais sofisticada do rancho, pois est agregado de infra-estrutura, onde o tropeiro e outros viajantes encontram disponveis para compra alimentos para consumo imediato, vveres de reposio, milho para os animais e, sobretudo, cachaa. As vendas existiam principalmente beira das principais estradas reais. ESTALAGEM - Na fase da estalagem, a venda oferecia ainda alguns quartos onde o viajante tinha um pouco mais de conforto e privacidade em relao ao rancho, disponvel em alguns poucos e seletos lugares, principalmente no sculo XIX. A estalagem podia tanto estar agregada a uma venda beira da estrada, ou nos ncleos urbanos. HOTEL - Na quinta fase, a do hotel, era uma estalagem mais pretensiosa, restrita s vilas mais populosas, como So Joo Del Rei, Barbacena, Vila Rica, Tijuco, entre outras. Isto, igualmente, numa fase mais adiantada do sculo XIX.

Garantido contra os insetos e outros animais A rotina no pouso caracteriza-se por examinar os animais, avaliando as feridas causadas pela cangalha ou por qualquer outro modo. Acertam-se, quando necessrio, as ferraduras e consertam-se as selas. Juntam-se gravetos e lenha para o jantar. Os tropeiros com isso se ocupam at a noite e o viajante no raro obrigado a ajud-los. Antes do escurecer renem-se os animais, d-se-lhes milho e em seguida soltam-se de novo nas cercanias, para que possam procurar sozinhos a pastagem que preferem, ou so conduzidos para mais longe em lugares de melhor capim, no dizer de Rugendas279. E complementa que nos pousos a utilizao de rede , de todos os pontos de vista, prefervel a outros tipos de leito, no somente porque mais leve, mais fcil de transportar e de armar, mas ainda porque nessas redes, erguidas quase sempre vrios ps acima do solo, o viajante se encontra melhor garantido contra os insetos e outros animais capazes de perturbar-lhe o repouso noturno.

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Saint-Hilaire280 conta que foi obrigado a permanecer dois dias numa cidade do Vale do Jequitinhonha por conta do sumio de seus animais cargueiros. Ele explica: Em alguns lugares h pastos fechados; mas, em muitos outros, no os h, e se obrigado a deixar os animais pastando em liberdade. Ordinariamente pouco se afastam do lugar para onde os conduzem, e s vezes, os tenho visto voltar por si mesmos para receber sua rao costumeira de milho; mas, quando h na tropa um animal ainda no acostumado companhia dos outros, muito comum que se afaste, e quase sempre seguido por alguns dos novos companheiros. de casa! Nem todo pouso se dava num rancho nas Minas Gerais, conforme nos ensina Latif281. Quando um viajante, procurando pouso, grita de casa! a hospitalidade mineira logo o acolhe, sem nenhuma reserva. Recebe-o at com satisfao, procura de notcias, de novidades, que, numa conversazinha, quebrem o alheamento em que se vive. Instala-se o forasteiro, cumulado de atenes, no quarto de hspede junto sala na frente da casa. Pohl 282 comenta que um dos pousos em que ficou era extremamente precrio, faltando alimentao. Tivemos de mandar vir de meia lgua de distncia alimento para ns e nossos animais. Noutro pouso Um mendigo, com um grande porrete na mo e outro debaixo do brao, invadiu meu quarto e pediu com estupidez uma esmola, ameaando matar meu macaco em caso de recusa. Noutra ocasio ainda, este viajante comenta que tinha que defender o espao entrincheirado de minhas caixas e bas contra os viajantes que chegavam, de suportar suas pilhrias sobre os fins de minha viagem e, alm disso (...) manter afastados de minha bagagem os ces, porcos, patos e galinhas que buscavam alimentos ou abrigo sob aquele teto. E noutro rancho, extremamente sujo e cheio de insetos, tivemos de afastar, primeiro, um burro morto que h dois dias ali cara e ficara. Mas nem tudo era negativo nos pousos e acampamentos. Havia tambm a solidariedade entre os camaradas. Pohl neste sentido comenta que Um tropeiro que regressava de Paracatu e acampou ao nosso lado, mais tarde, trazia um pouco de feijo cozido e muito amavelmente o dividiu conosco. O pouso tinha parasitas, como j mencionamos. So inmeras histrias sobre o terror causado ao viajante os ataques de bichos130

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de-p, pulgas, percevejos, aranhas e cobras. Spix & Martius283 contam que um dos homens de sua tropa fora mordido por uma aranha caranguejeira. Sem maiores conseqncias, j que esta aranha no possui veneno mortal. A mordedura, segundo estes viajantes, foi queimada com brasa. O Prncipe Maximiliano 284 conta que sem alternativa de rancho, tentou ocupar uma choa abandonada, mas uma quantidade prodigiosa de pulgas e bichos-de-p cobriu, num piscar de olhos, toda a nossa roupa, de sorte que nos pareceu mais prudente fazer um bivaque ao ar livre. Osis central no deserto Com o tempo, o local do pouso ganha moradores fixos. Desenvolve-se. O pouso ganha uma venda ao lado, deixando de ser uma simples palhoa para transformar-se num rancho, com paredes e telhas de barro. Documentos citados por Goulart demonstram que as autoridades daquele tempo (sculos XVIII e XIX) determinavam a construo de ranchos em determinadas estradas, a fim de que encontrassem os tropeiros abrigo quando necessitassem. Em volta dos ranchos, verdadeiros arraiais iam se firmando. Era a ocupao do interior, na esteira da infra-estrutura tropeira. Burton285 ressalta que a cidade de Barbacena, que foi um dia o Arraial da Igreja Nova da Borda do Campo, era lugar de parada para as tropas de burros entre Ouro Preto (22 lguas) e Petrpolis (40 lguas). Como tantas outras cidades, Barbacena foi uma que se desenvolveu tipicamente em funo do vai-e-vem das tropas, e Burton acrescenta: Era, pois, uma espcie de osis central no deserto formado pela floresta do sul, ou Zona da Mata (...) e pelos campos ao norte (...) Os viajantes, na ida ou na volta de Minas, gostavam de parar aqui. Burton ficou entusiasmado com o Hotel Barbacenense. Nossa intuio dizia que, aps a travessia da BR-262/381 (Belo Horizonte Vitria), o andamento da Expedio seria outro. Amanh saberamos. Recolheram-se os expedicionrios, cada um em seu tempo. Foi um dia deveras calmo.

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10 dia: Segunda feira 19 de Julho Fazenda Joo Congo a Ipoema


No h bom pasto nem mau caminho durante a seca; no h mau pasto nem bom caminho durante as chuvas. Burton286 Rumo norte s terras dos diamantes Alvorada. Um a um saindo da cama, do saco de dormir, da barraca. Fila indiana na porta do banheiro. Caf coando. Po com manteiga. Leite. Queijo. Ovos frescos. Era tomar caf e o povo estava pronto para seguir caminho rumo norte s terras dos diamantes. Deixamos a Fazenda Joo Congo. Os caminhantes j estavam na trilha desde muito cedo. O dia estava ligeiramente nublado. Uma pequena garoa anunciava a possibilidade de chuva que, por sorte, no se confirmou. Os animais preparados. Aps os ltimos acertos, limpeza e vistoria derradeira para verificar se algum havia esquecido alguma coisa, fato, alis, muito comum em todos os nossos pernoites. J possuamos, inclusive, uma caixa de achados e perdidos. Nosso destino de hoje Ipoema, distrito de Itabira, atravessando a BR-262/381. Polcia Rodoviria Federal: travessia da tropa pela BR-262/381 Buscamos auxlio da Polcia Rodoviria Federal para cruzar a tropa pela BR-262/381, distante apenas 2km da Fazenda Joo Congo. Entretanto, no tivemos sucesso. No final, sem obter confirmao de apoio da PRF, fomos obrigados a fazer a travessia por nossa conta e risco, obviamente observando o mximo de segurana possvel. A travessia se deu sem maiores problemas. O ponto exato deu-se entre os trevos rodovirios de Baro de Cocais e o de Itabira, em frente ao Posto Campo
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Alegre. Fomos com o Jeep da FUNIVALE para uma curva no sentido BH; Seu Z, com o caminho da Fazenda Novo Horizonte, foi para a outra extremidade da reta - sentido Vitria; e o Gurgel da Tropa Serrana ficou no meio sob o comando do Hlio Rabello. O trnsito estava um tanto movimentado. Com bandeiras vermelhas de sinalizao fechamos a estrada por um ou dois minutos at que todos os animais a atravessassem com segurana. Deste ponto seguimos em direo localidade de Ponte dos Machados, na beira da estrada que vai da BR-262/381 para Itabira. Ponte dos Machados Sobre a Ponte dos Machados encontramos as seguintes referncias com Pohl287 e Gardner288. Este relata: Paramos em Ponte do Machado, onde havia um excelente rancho; a noite estava clara e fria (...) Foi a primeira vez que vi gelo no Brasil e a primeira vez que o viram na vida os meus empregados. Aquele acrescenta: Em pouco, achamo-nos num lago muito piscoso, chamado Tanque da Ponte dos Machados, sobre o qual h uma ponte. Truque Durante as jornadas era comum o pouso em casas de fazenda. O mais certo, porm, era o pouso nos ranchos de beira de estrada. Segundo Maia289, um grande rancho aberto, coberto de sap ou telhas comuns. Ao lado havia o potreiro, geralmente servido por um crrego ou um ribeiro, num grande cercado, onde os animais eram soltos para passar a noite. Ainda no rancho havia uma srie de estacas fora da coberta, onde os burros eram amarrados dois a dois, para serem descarregados e desencangalhados. Na tropa no havia mulheres e mulheres tambm no iam ao rancho. As romarias eram a exceo, quando havia mulheres em um rancho. Mas era tudo com muito respeito. As mulheres e crianas reunidas num canto. Os homens ficavam com os tropeiros, no meio das cargas e dos arreios. O truque (truquinho) era a principal diverso dos tropeiros nos ranchos e goitavam (trucavam), ou seja, pelejavam uns com os outros como forma de brincadeira. Munido de provises Ainda sobre os ranchos, Rugendas290 nos conta que Os edifcios construdos beira das estradas mais freqentadas, para receber os viajantes, so de diversos tipos. Existem, em verdade, nas aldeias e
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vilas mais importantes, casas onde h lugar e forragem para os animais e s vezes um leito e grosseiros alimentos para o viajante; mas essas casas so raras: o mais das vezes encontra-se um simples abrigo para homens e animais, porm, sem alimento nem forragem. Em geral, o termo da jornada o que se chama um rancho, espcie de hangar onde homens e bagagens esto ao abrigo da chuva e s vezes do vento. Quase sempre esses ranchos se encontram nas vizinhanas das fazendas onde possvel obter forragem e alimento fresco; mas no se deve confiar nessa possibilidade. s vezes existe, ao lado do rancho, o que se chama de uma venda, onde se pode adquirir milho, farinha de mandioca, feijo, toucinho, carne-seca e aguardente inferior. De qualquer maneira, preciso que o viajante esteja sempre munido de provises para alguns dias. Saint-Hilaire 291 define assim um rancho destinado a alojar viajantes e tropeiros: Trata-se de uma construo bastante comprida, dividida por tabiques em vrios cmodos, ao feitio de celas. Seu teto se prolonga na frente, formando uma ampla varanda cujos pilares so de tijolo (1819). Cada viajante com sua comitiva instala-se num dos compartimentos, guarda a a sua bagagem e a prepara suas refeies. No h o menor conforto, nem mesmo um banco ou mesa, e poca em que por l passei podia-se ver o dia l fora atravs das frestas do tabique. Em outra oportunidade, conta que preferiu passar a noite deitado sobre suas malas perto duma dessas cabanas abandonadas (...) No me meti em nenhuma delas porque os bichos-de-p so, em geral, muito numerosos nas casas desabitadas. Ainda, forado a pernoitar acampado, comenta: Meus ajudantes improvisaram um abrigo fincando paus no cho e estendendo por cima deles os couros que cobriam a carga dos burros. Foi nessa espcie de barraca que colocaram minhas malas e armaram minha cama, enquanto eles prprios se deitavam em couros estendidos ao redor de uma fogueira. Coco de leo Nosso destino parcial era o trevo, na entrada da cidade de Bom Jesus do Amparo. Quando l chegamos, para nossa grata surpresa, estavam mais de 30 cavaleiros, prontos para nos escoltar at Ipoema. Inclusive com a presena de autoridades municipais: o Prefeito de Itabira e vereadores. Aguardamos o resto dos expedicionrios e cavaleiros.

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A geografia mudou radicalmente. Pastos e bolses de mata nativa dividem a paisagem. Uma palmeira, que o povo da regio trata por coco-de-leo 292, domina a regio, imprimindo no campo sua marca registrada. Havia uma grande quantidade de pessoas aglomeradas no trevo. Muitos animais. Sozinho com Deus: Anbal Enquanto aguardvamos a chegada do Prefeito, tivemos a oportunidade de entrevistar o Anbal Pedro de Figueiredo, 74 anos, tropeiro l pelos idos dos anos 40/50 do vigsimo sculo. Ele nos conta o seguinte: Eu tinha lote de burro; trabalhava puxando carvo da Fazenda Limoeiro para Fazenda da Dona, l em Ipoema (...) esse carvo vinha para a usina em Baro de Cocais, mas era transportado em caminho e de l para c em lombo de burro (...) era uns sete quilmetros (...) cada burro transportava setenta centmetros cbicos (...) quase um metro (...) meu pai nessa poca era vivo, a ele tocava carvoeira para a companhia e eu trabalhava na fazenda com ele. Tinha uns cinco lotes de burro (...) antes do carvo a gente no mexia com tropa (...) a gente ia a Santa Brbara com tropa buscar mantimento (...) eram quatro dias de viagem at Santa Brbara (...) ida e volta eram 7 dias (...) carregado (...) ia vazio e voltava carregado. Sobre viagem longa, Anbal conta o seguinte: a viagem mais longa que eu fazia (...) essa tropa de cangalha, era por aqui. Agora depois (...) eu vendi burro at em Gois (...) transportado em caminho (...) e tambm tirava tropa de Ipoema, Santa Maria (Santa Maria de Itabira) ia para So Paulo transportado direto por terra. Sobre alguma histria inesquecvel, ele nos conta: Eu tava (sic) com minha tropa carregada, chegando l em Ipoema. O burro ao chegar na frente da igreja espantou e caiu os dois balaios de carvo no cho e eu tava (sic) sozinho com Deus. Eu acabei pegando esses balaios e carregando o burro. Isso coisa que marca na gente. Portal da cultura tropeira Estvamos cercados por tropeiros. Alis, foi no municpio de Itabira que nossa pesquisa tomou corpo. Podemos afirmar que Itabira era um portal da cultura tropeira.

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Z do Cachimbo Fomos apresentados ao Z do Cachimbo, 45 anos, que, alm de vereador por Itabira, tambm fazendeiro e foi tropeiro na infncia. Ele concedeu a seguinte entrevista: (...) transportava pinga e caf. Mais pinga (sic) (...) de Ipoema para Caet. Para Antonio dos Santos, para Baro de Cocais, Sabar, Raposos, Nova Lima (...) era parte de encomenda e outra fazia a venda. A pinga era da fbrica do meu pai mesmo. Ainda que hoje ainda existe a fbrica (sic) (...) transportava em barril de madeira (...) cada burro carregava cem litros (...) um de cada lado (...) j tem uns vinte anos que fiz a ltima viagem (...) final dos anos setenta. Perguntado sobre uma histria inesquecvel, ele nos conta: (...) essa histria muito interessante; eu era muito novo e tinha muita vergonha de moa. Ento na hora que ns chegava (sic) montava a cozinha e dormia no couro, montava a trempe. E viajava eu e um rapaz criado na fazenda e as moas chegaram, (...) rapaz e eu correndo das moas, (...) o cachorro comeu o queijo todo e ns ficamos sem queijo. E no outro dia ns passamos na fazenda prxima daqui, a fazenda do Sr. Z Manezinho, (...) a gente levantava quatro horas da manh e um frio, na hora que eu levantei da manh eu vi uma bola preta no meio da terra (...) eu corri (...) meti o p na bola e a bola era de ferro. A bola no saiu do lugar (...) o p di at hoje. (...) eu tinha 13 ou 14 anos (...). Fora a pinga a gente transportava carvo (...) era distncia pequena (...) para pr no caminho onde tinha estrada (...) era doze a quinze burros (...) tambm j toquei boi. Meus pais compravam boi na mata (zona da mata) e eu ajudava a buscar. Onde chegava o trem: Custdio Guerra Rapidamente, Custdio Guerra, 52 anos, tropeiro de Santa Maria de Itabira, se apresenta para esclarecer que o grande fluxo de tropas se dava entre Itabira e adjacncias at Santa Brbara - o lugar mais prximo onde chegava trem. Entramos em Bom Jesus do Amparo, para nossa tradicional homenagem. Nota-se que o povo desta regio cultua o cavalo. So animais de raa, outros, pangars. Mas todos tm o mesmo sorriso e orgulho ao se referir aos animais. Ao menor sinal de uma cmera fotogrfica eles
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ensaiam poses e manobras com os animais. Depois de umas pingas e uma farofa que tiram de uma lata de sorvete, o pessoal fica mais animado. O sangue tropeiro est nas veias. Nossa entrada em Bom Jesus do Amparo foi mais uma vez em grande estilo. Algo de diferente estava no ar. Deste ponto em diante a Expedio tomou outros ares. A partir desta regio, a cultura tropeira ficou mais evidente. Como j havamos desconfiado, aps a travessia da BR262/381, a Expedio tomou outro impulso. As recepes foram mais calorosas. Estvamos nos afastando da regio metropolitana de Belo Horizonte e essa cordialidade caracterstica do interior de Minas. Mianga: Joo Coelho Na presena do Joo Coelho Vieira de Oliveira, 73 anos, tropeiro de longas datas, recebemos as seguintes informaes: eu trabalhei com tropa (...) meu paizinho era pobre, mais um irmo que morreu em 51. Ns chegamos a produzir uns vinte e tantos burros, quase trinta (...) ento eu era servidor293 de Nova Lima, levando mianga294, banana, para vender na vspera do pagamento (...) galinha tudo quanto h. Depois abri um comrcio em Santa Luzia, eu virei bananeiro, mas no deixei de servir o mercado de Nova Lima, entendeu? (...) com galinha, frango, (...) deixei de mexer com tropa em 52 e fui mexer com carvoeira. Nossa posio era prximo da entrada de Ipoema, distrito de Itabira. No encontramos em nossa pesquisa qualquer informao sobre este lugar. Joaquim Ribeiro da Costa295, em sua obra Toponmia de Minas Gerais, destaca apenas que o nome pode ser uma corruptela do tupi ypu-ema, que significa sada dgua. Ipoema j poema A tropa vai surgindo de longe, engrossada com inmeros cavaleiros, muitos mais do que no incio desta manh. A escolta inclui cavaleiros de Bom Jesus, Ipoema e de outras localidades. Algumas autoridades acompanham a tropa que, s aqui em Ipoema, j ganhou dois ttulos: tropa da esperana e tropa ecolgica. H notcias de que mais oito cavaleiros se dirigem ao nosso encontro pela estrada no sentido Bom Jesus. Nesta altura, a Expedio j contava com quase 50 cavaleiros.
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Carvo enjeitado: Jos do Carmo Enquanto espervamos a chegada da tropa, ouvimos o Jos do Carmo dos Santos, 68 anos, tropeiro de Dionsio, Zona da Mata. Ele nos disse que transportava carvo l para Pingo DOuro depsito (...) outras coisas eu no transportei no (...) j puxei cana, rapadura, acar (...) deixei de mexer com tropa em 52 (...) trabalhava com tropa, mas empregado (...) a eu fui chamado para puxar carvo. Carvo enjeitado. O pessoal falava: tropeiro aqui no puxa este carvo; porque aqui precisa ser homem forte. A eu era magrelinho e eles desconfiaram de mim. Conheo em Ipoema o Z Liberato que faz jac (...) balaieiro (...) tem tambm a marcenaria, que faz mveis e que faz as cangalhas (...) tem o Alico (?). Com meu pai: Paulo Rocha Em seguida apresentou-se Paulo Rocha, 79 anos, balaieiro e nos concedeu a seguinte entrevista: Aprendi a fazer balaios com meu pai (...) no tenho nem conta de quantos j fiz mas conheo cada um dos balaios que fiz (...) meu servio eu conheo (...) pode ter cinqenta anos que eu conheo o balaio que fiz (...) meus balaios serviam para puxar carvo, carregar toucinho, galinha; balaio de carregao. Para carregar milho, feijo, esses trens (...). Se for preciso eu ainda fao balaio (...) a idade j bastante, n?. Viu na televiso: Raimundo E no parava de aparecer tropeiro. Logo em seguida veio o Raimundo, 80 anos, de Ipoema. Nos relatou o seguinte: Parei de mexer com tropa tem uns trinta anos (...) ah, eu me aposentei, n? (...) depois eu passei pra outra coisa. Outro movimento (...) passei a trabalhar na roa (...) algum tempo eu carreei, amansei boi (...) de primeira no tinha estrada de carro. Eu saa daqui, ia buscar mantimento em Bom Jesus para trazer para aqui no carro de boi (...) levava carpinteiro pra Bom Jesus (...) tudo em carro de boi (...) j transportei carvo (...) com trs lotes de burros e seis homens que trabalhavam comigo (...) puxava carvo por metro aqui da Fazenda de S. Domingos (...) daqui para Baro de Cocais (...) trabalhei como tropeiro desde a idade de quinze anos (...) levantava pelo menos trs horas da madrugada (...) ia no pasto juntava trs lotes de burro. So trinta bestas. A pegava o carvo de madrugada, quando o dia tava (sic)
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comeando a clarear, (...) A descarregava (...) mais tarde levava e batia na carvoaria, noutro dia a mesma rotina (...) trabalhei uns vinte anos fazendo cachaa, fazendo rapadura (...) tenho uma saudade; se eu pudesse voltar quele tempo. Perguntado da sensao que teve ao ver a tropa e a escolta entrando em Ipoema, ele responde: Alegria demais. Eu fiquei satisfeito no dia que eu soube que vinham (...) vi na televiso. Cangalha boa: Alberto Chegou, para um dedo de prosa, o Alberto Vieira, 65 anos, de Ipoema, que nos relatou o seguinte: Fui tropeiro uns vinte anos. Eu era peo, amansava burro (...) tem uns vinte anos que parei de mexer com tropa (...) mudei de ramo (...) passei a fazer sela, tranado, virei seleiro (...) agora parei um pouco (...) o mercado ficou ruim (...) qualquer tipo de sela eu fao. Trana, lao (...) fao cangalha muito bem feita (...) Eu fiz cangalha para uma companhia por oito anos (...) Companhia de Baro de Cocais (...) transportava carvo. Perguntado se tem saudades da vida de tropeiro, ele foi enftico: No. (...) eu mudei de profisso. Vida dura tambm. Eu prendi muitas vezes 15 burros no curral e passei os arreios. Nunca vi o cabresto, n? Arriava tudo e metia a espora naquele trem tudo. Tinha uns quarenta burros e vivia tudo frouxo. E eu tenho prova. No estou falando mentira no. Dicomo Nossa chegada final a Ipoema foi triunfal. A recepo foi algo inacreditvel. Bem que fomos avisados. De forma espontnea, em frente igreja de Ipoema, fomos ungidos pelo Padre Dicomo, bem como toda a tropa. As autoridades discursaram. Em seguida, j por volta das 6 da tarde, fomos encaminhados ao grupo escolar onde a comunidade nos havia preparado um lanche com comidas tpicas. E o cobu296, para muitos, uma iguaria desconhecida. Foi preparada uma mostra de objetos utilizados por tropeiros. Cada criana da escola foi convidada a pesquisar em casa sobre tropeiros. As descobertas foram muitas, o que motivou a mostra. Havia uma gama imensa de objetos. Como foi possvel constatar pela quantidade de entrevistas, existia muita informao sobre a cultura tropeira na regio de Ipoema. Com o que ainda estvamos por descobrir, j era possvel afirmar

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que em Ipoema iniciava-se um corredor da cultura tropeira rumo a Diamantina. Pousada Termas do Rei Fomos convidados para o pernoite na Pousada Termas do Rei, do Reinaldo e da Gina: hospitalidade a toda prova. Depois de um banho caprichado, retornamos para a vila para jantar no Restaurante do Rancho. Em cima do couro: Drio Conhecemos Drio Martins da Costa, 65 anos, residente na localidade de Turvo. Ele, espontaneamente, nos procurou para relatar algumas histrias envolvendo tropeiros: Meu av foi tropeiro h muito tempo (...) ele me contava que saa com a tropa da Fazenda de Santa Rosa indo em direo a Santa Brbara, levando toucinho, milho, feijo, arroz, para ser distribudo para outras cidades (...) s vezes quando ele saa da Fazenda Santa Rosa, que prxima a Ipoema, que hoje j nem existe (...) a saa sempre 10 tropas, correspondia a 100 burros, n? (sic) (...) Ento essa tropa saa (...) e pegava no barreiro297 (...) no tinha ponte, no tinha nada. Tinha que pegar os couros, abrir os couros; s vezes 10 couros e ia passando a tropa (...) em cima do couro (...) para no encontrar com o barro, n? (sic). A acontecia o segundo, o terceiro e at passar cem burros (...) chegava noutra barreira (...) ento ia acontecendo a mesma coisa. Aquele primeiro ia compartilhando com os outros. Sempre um dando a mo ao outro. Essa histria muito antiga. Pra gente andar bem um tem que dar a mo ao outro. (...) meu av morreu com 93 anos, reclamando que estava morrendo novo. (...) meu av tinha um lote de burros. Normalmente um lote, mas viajava muitos lotes juntos, n? (sic). Muitos tropeiros (...) Santa Brbara tinha estrada de ferro, ento distribua mercadoria (...) Eu viajava com boi (...) tocando boi (...) de Curvelo at Pirapora (...) j trouxemos gua at aqui (Ipoema) (...) carvo s transportei em caminho. (...) nossa regio era muito tropeiro puxando carvo. (...) Tropa era mais seguida h uns quarenta anos (...) as coisas foram facilitando, o mundo foi melhorando. Hoje todo mundo mexe com caminho. Hoje nem caminho mais, carreta, n? (sic) As estradas tambm melhoraram. (...) foi vindo os caminhes, puxando seis mil quilos. Hoje um caminho de seis mil quilos no pode nem rodar, n? (sic) Hoje j sessenta mil quilos (...) antes disso era tudo em lombo de burro e carro de boi.
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Viagem sofrida: Hlio Em seguida apareceu o Hlio de Assis Vieira, 53 anos, mais conhecido por Hlio Quadrado, que espontaneamente relata: Eu j fui boiadeiro. Trazia boiada de Santa Maria da gua Boa298; Crregos aonde vocs vo passar, depois de Conceio do Mato Dentro e levava para Belo Horizonte. (...) com cargueiro s mexi uma vez. Eu fui levar em Furnas299 uma tropa (...) pegamos em Taquarau de Minas, passamos por Belo Horizonte e samos em Furnas (...) naquela poca era dezesseis dias para ir e oito para voltar (...) levamos s burro e mula (...) tinha cargueiro para a comitiva da gente. A gente levava o cozinheiro, n? (sic) e levava no outro cargueiro os colches pra gente dormir. Tropa de cargueiro foi antes de mim (...) meu av era transportador de carga. Ele pegava sal em Santa Brbara que vinha de trem e levava para Guanhes, Sabinpolis. Buscando toucinho (...) e entregava o toucinho em Santa Brbara e transportava o sal de volta (...) carvo j da minha poca. As tropas pegavam o carvo de determinado lugar para colocar na estrada principal; a o caminho pegava e levava para a Ferro Brasileiro, em Caet, e na Belgo Mineira em Baro de Cocais. (...) Santa Brbara tinha linha de trem, ento ela era assim um polo comercial. Tinha a famosa Casa Juventino; eu j ouvia meus avs falando nisso; meus pais tambm; chegava mercadoria dos grandes centros pra espalhar para os grotes (...) quem se encarregava disso eram os tropeiros (...) quando eu era criana aqui em Ipoema, tinha uns dois ranchos de tropas. Aonde era o Rancho Fundo, o restaurante300 (...) e tinha pra c dele o rancho do Geraldo Laje (...) bastava o tropeiro chegar noite (...) ele entrava, tinha que pagar (...) o rancho era alugado para o pernoite dos tropeiros (...) ele ali colocavam os colches no cho, eles dormiam dentro do rancho. (...) o preo (do pernoite) era coisa barata (...) tinha outras pessoas que alugavam os pastos. J tinha aquele pouso dos tropeiros, por exemplo, a Fazenda Cabo dAgosta301 tambm foi um rancho de tropa. L tinha o rancho e tambm tinha o pasto. (...) Eu lembro mais do movimento de boiada, vindas do setor de Guanhes, Sabinpolis, Conceio, Serro, (...) subia direto para BH para ir para a Frimisa302. Perguntado sobre alguma histria inesquecvel, ele relata: As travessias de boiadas nos rios cheios (...) sempre era um negcio que deu muito problema. Ns tinha (sic) um rio aqui, que se chama Rio Santo Antnio, parecia at uma coincidncia, sempre que a gente chegava com as boiadas o rio enchia. A gente ficava esperando esvaziar, a depois resolvia jogar a boiada ngua e a era um
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problema serssimo, porque boi rolava por rio abaixo e a gente tinha (...) certa aventura. Tinha que nadar, juntar 2 ou 3 (...) para tirar um boi ou uma vaca agarrada na rvore e era sempre uma confuso tremenda. Era um negcio que eu fazia por necessidade, no que fosse muita coragem fazer. A gente tinha um certo receio, mas tinha que fazer e acabava fazendo. (...) animal de montaria levava dois, um dia montava um, noutro dia montava o outro. Levava dois burros de carga. Tambm num dia levava num, noutro levava noutro (a carga) (...) levava em torno de 250 a 300 cabeas (...) dificilmente perdia alguma cabea (...) podia at comer erva e adoecer no caminho; a gente negociava quando tinha certeza que era erva. Normalmente no perdia. No primeiro e no segundo dia cria um probleminha para se adaptar ao trecho, mas depois um acompanha o outro, e a gente no precisa nem tocar, s acompanhar. Perguntado se queria deixar uma mensagem: Quero dizer para vocs o seguinte: tudo que eu fiz e os tropeiros fizeram, eles fizeram com uma necessidade muito grande da poca e que hoje a evoluo fez com que os tropeiros desaparecessem e por mais que era viagem sofrida, (...) eles eram felizes. Pelo menos a gente no convivia naquela poca com a agressividade que tem hoje, com o pnico nas grandes cidades (...) hoje o cidado est preso dentro de casa e os bandidos soltos nas ruas, ento naquela poca o povo era feliz, o povo (...) a gente parava sempre nos lugares que tinham festa e a gente danava e todo mundo convivia assim harmoniosamente. Parecia que o povo vivia at mais. Eu vejo a vida no com nmeros de anos que se vive, a qualidade que se tem pela etapa que se passa por aqui. Francamente, Ipoema nos marcou. At aqui nossa pesquisa estava s aquecendo. A mostra de objetos utilizados por tropeiros que foi preparada no grupo escolar, onde fizemos um lanche, demonstrou que a memria tropeira aqui est viva. A mostra foi to gratificante para o pessoal da escola, e para a Secretaria de Turismo de Itabira, que estavam avaliando a idia de criar um museu em Ipoema, um memorial da cultura tropeira, por iniciativa da Maria Luiza Sampaio. Tal fato nos deixou sensibilizados e, s por este motivo, todos os esforos da Expedio j valeram a pena. Foi difcil dormir esta noite, a despeito de todo o conforto que nos foi oferecido na Pousada Termas do Rei. Nesta noite, refletindo antes do sono chegar, s era possvel agradecer ao Todo Poderoso pelo sucesso deste grande e histrico empreendimento.

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11 dia: Tera-feira 20 de Julho Ipoema a Senhora do Carmo


A hospitalidade o que mais retarda uma viagem pelo Brasil. Burton303 Nosso pernoite na Pousada Termas do Rei foi coisa de cinema. O silncio, um espetculo para os ouvidos atribulados pela agitao da noite anterior. O caf da manh foi magnfico, servido com todo o requinte. No tardou para que os caminhantes estivessem em curso. A tropa, como de costume, consumiu seu tempo. Comandos comerciais: Jos Maurcio Enquanto aguardvamos a sada definitiva, foi possvel coletar alguns depoimentos importantes. O primeiro deles foi o Jos Maurcio Silva, Vice-Prefeito de Itabira, cujo pai fora tropeiro e se recorda de alguns fatos: Eu me lembro do meu pai indo levar gado, levar tropa (...) no serto; vendia s vezes animais e trazia gado da regio do serto, Curvelo, aquelas regies l (...) s vezes ficava um ms, dois meses fora e voltava. (...) Eu me lembro de uma histria que eles chegaram num povoado, (...) com poucos mantimentos, com pouco feijo, (...) eram poucos tropeiros e quando tava (sic) fazendo o feijo caiu uma bruxa304 l dentro e eles tentaram tirar e quando, assustou, amassou a bruxa toda (...) o cozinheiro ficou calado e eles no comeram nada e s contou (sic) o trem depois que passou toda a viagem. Perguntado sobre a importncia da Expedio no fomento da atividade turstica no municpio, ele disse: Eu vejo com muita simpatia, ao mesmo tempo a gente sente que na verdade essa cavalgada acaba revivendo o antigo esprito dos primeiros homens mais primitivos de Minas Gerais que praticamente ganhavam a vida no intercmbio de mercadorias e o transporte comum na poca e que ainda atual, principalmente para as regies de topografias mais irregulares que era
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(sic) os animais; principalmente os burros e as mulas que faziam essas longas viagens. Isso, naturalmente, possibilitou a integrao de todo o Estado de Minas Gerais, (...) que vivia permanentemente sendo visitado por esses comandos comerciais que eram as tropas de burros na poca. Gina Em seguida, entrevistamos nossa anfitri, Gina. Ela nos contou de sua proposta com o turismo: A idia da pousada foi do Reinaldo. Ele queria aos poucos se desligar do trabalho em Belo Horizonte e se dedicar mais fazenda, e fez uma opo de deixar a produo de gado para transformar a fazenda num lugar de pequenas pousadas, essa coisa de trilhas. A gente construiu uma represa l em cima, tm umas piscinas com gua natural. Ento a idia essa. Receber pessoas de uma forma mais simples, mas acolhedora; gostosa, confortvel, mas com essa cara de roa bem local. Perguntada se seu empreendimento se adaptava ao conceito proposto pela Expedio, ela nos respondeu: Quando me falaram dessa Expedio eu achei a idia legal, mas eu no imaginei direito o que era. Eu no sabia que tinha os andarilhos (...) eu acho que o espao da gente est super adequado. Essa coisa de vocs curtirem o lugar durante o dia e noite ter um espao que gostoso, confortvel para descansar e obviamente com a gente por perto para dar uma assessoria (...) Eu acho muito legal. Idia boa: Jackson Alberto Antes da partida, o Prefeito de Itabira e mdico, Jackson Alberto, do Partido dos Trabalhadores - PT, nos deu o seguinte depoimento: Eu j fui boiadeiro. Meu pai foi fazendeiro, mas j foi boiadeiro tambm. Era o tipo de pessoa que comprava boi, juntava e depois vendia a boiada. Ele tocava a boiada com tropa. Eu participei de algumas comitivas dessas e tambm durante a minha infncia um perodo do ano que tocava essa boiada de uma fazenda para outra. Ento a gente tocava a boiada. (...) a gente fazia esta jornada em dois dias. Tocava a boiada, dormia na fazenda de um tio e no dia seguinte continuava tocando. Eram duas marchas. Informamos ao Prefeito que Ipoema estava sendo identificada como o portal da memria tropeira neste roteiro de Ouro Preto para Diamantina, e perguntamos quais eram suas consideraes: Associado a esta questo tem tambm a questo dos recursos naturais de nossa regio tanto em Ipoema como N. Sra. do Carmo. Ns fazemos a encosta leste da Serra do
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Espinhao; a Serra do Cip, que conhecida muito de todos de Minas Gerais. Deste lado se chama de Serra da Bandeirinha, que um lugar muito rico, temos cachoeiras, piscinas naturais, muitas belezas, orqudeas, inclusive ns temos o Orquidrio Itabirano. Uma espcie que foi descrita e s existe aqui em Itabira em estado selvagem. Ento, associado a isto (as belezas naturais), ns temos essa tradio cultural tropeira. O tropeiro teve um papel destacado na histria da nossa cidade. Ele levava para outras regies a produo de Itabira e trazia de outras regies os produtos manufaturados que Itabira consumia, como utenslios, sal, esse tipo de coisa. Ento, estas duas coisas juntas, belezas naturais e de outro lado a cultura tropeira, ns acreditamos que um filo importante para ser explorado. Enquanto atividade turstica, ns estamos acreditando nisso. Estamos investindo nisso. (...) acreditamos que eletrificando o campo ns vamos estar abrindo os horizontes para a produo de um lado e pro turismo, o ecoturismo, do outro lado. E conforto pro povo do campo, n? (...) dar ao homem do campo as condies que o homem da cidade j tem. Evitar que ele queira sair do campo e ir para a cidade. Ns estamos a 104km de Belo Horizonte. (...) tem muita gente saindo de Belo Horizonte nos finais de semana para vir a lugares como essa pousada aqui, vo para a Cachoeira do Macuco, vo para as serras. (...) tudo muito prximo de Belo Horizonte e ns queremos fazer isso aprofundar, fomentar no sentido de trazer pessoas para ver as nossas belezas. Perguntado sobre a idia da criao de um memorial ou um museu da cultura tropeira no municpio, como sugerido pela Malu, ele respondeu: Eu acho que a idia muito boa (...) de criar aqui um memorial (...) Um marco tropeiro, um marco histrico que vai ligar ao produto ecoturstico (...) as pessoas aqui desde larga data tinham o hbito de ver passar tropas e tinha tambm o hbito de ver as tropas dos prprios lugares que escoavam a produo rural para Santa Brbara e para o Rio de Janeiro. Direito hospedagem Os ranchos de beira de estrada, ou rancho de tropeiros, eram geralmente cobertos com folha de palmeira os mais simples; e com telhas de barro, os mais sofisticados. Saint-Hilaire305 destaca que, num certo rancho, observou que sua cobertura era muito diferente em relao aos que j havia observado, o que valeu o seguinte relato, a ttulo de curiosidade: Seu telhado coberto de troncos de palmeira, bem como
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o da casa. Os troncos so cortados ao meio no sentido longitudinal e a polpa retirada, formando-se assim uma espcie de calha. Em seguida, so colocados sobre o teto, exatamente como se fossem telhas, isto , uma fileira cncava ao lado de uma convexa e assim por diante. Complementando o assunto ranchos, Pohl306 comenta que quem quer que chegue tem igual direito hospedagem. Cada qual procura acomodar-se como pode, sem levar em considerao o vizinho. Sobre as vendas, a que este viajante chamou de botequins, comenta que seus companheiros queixavam-se constantemente de sede, e de bom grado parariam em cada botequim, onde a cachaa, uma aguardente ordinria de cana-de-acar, e um vinho de m qualidade so vendidos. Noutro pouso, comenta que uns vinte animais, entre ces, vacas e porcos do proprietrio, durante toda noite disputaram conosco lugar no rancho. Mais alm, Pohl comenta que ficou numa hospedaria no longe da entrada da cidade. Deram-me um quarto limpo, pintado, com cama, mesa e cadeiras, como h muito tempo eu no encontrava no Brasil. No encontramos qualquer citao que relatasse sobre a higiene dos viajantes nos pousos. No h informao sobre o local onde os viajantes faziam as necessidades fisiolgicas. Entretanto, no nos difcil imaginar que o entorno dos ranchos era o nico lugar disponvel para tais necessidades. A ausncia de condies sanitrias era uma constante, haja vista que, ao lado dos excrementos humanos, havia tambm o dos animais. O mau cheiro do entorno de um rancho bastante freqentado devia ser digno de nota, entretanto, nenhum viajante pesquisado se dignou a comentar. Se nos ranchos faltava tudo, e no havia o menor conforto, acreditar na instalao de uma casinha seria um luxo demasiadamente fora dos padres da estrada. Quanto aos banhos, no faltava local durante a jornada. Ainda assim, s encontramos referncia a banhos para refrescar, nunca com a conotao higinica. Salvas de pistola Mas no era s o desconforto e a precariedade dos pousos dignos de nota. Havia tambm muita solidariedade, troca de informaes, lazer e manifestaes artsticas, levadas ao som de uma viola ou outro instrumento musical, objetos verdadeiramente exticos no interior mineiro. Pohl307 comenta que no Rancho Mantiqueira, certa tarde, quando ali estavam arranchados, chegou um grupo de equilibristas que exibiam a
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sua arte saudando constantemente os presentes em cuja honra davam salvas de pistola e de espingarda. O espetculo durou at o anoitecer. J noutro rancho, este prximo do Rio Paraba, este viajante comenta que no pode dormir. O motivo foi uma grande festa, pois, ao anoitecer, reuniram-se em nosso rancho uns vinte jovens, pretos, brancos e mulatos, que tinham escolhido este lugar como local de dana e ao batuque do tambor negro, noma e sob alto berreiro danaram o conhecido bodurzi. Vendo, porm, que esse barulho () era muito extravagante () foram embora para a beira de uma fogueira. A festinha estendeu-se at as quatro da manh. Spix & Martius 308 relatam uma passagem semelhante, durante um pouso numa fazenda: Os numerosos escravos da fazenda fizeram festas com danas, cantigas e msica barulhenta, que duraram desde o pr-do-sol pela noite adentro. O tuntun do atabaque (...) o rudo do canz, (...) perturbaram-nos tanto como o aguaceiro que, (...) invadiu por todos os lados o nosso rancho. Telheiro sobre 4 colunas Mawe309 relata que vimos grande estalagem ou hospedaria, onde so descarregadas as mulas e onde os viajantes, comumente, passam a noite. Consiste num grande telheiro, sustentado por colunas de madeira, com divises especiais, para receber as cargas ou fardos, das mulas, ocupando o viajante tanto quanto o exigirem a carga; existe um terreno, com cerca de cem jardas de circunferncia, onde esto fincadas pequenas estacas, distantes uma das outras dez a vinte passos, que servem para amarrar as rdeas das mulas, enquanto so alimentadas, encilhadas e carregadas. Essas estalagens so muito comuns em todos os pontos do Brasil. Em outra passagem este viajante comenta sobre os lugares de pouso no nordeste do pas, esclarecendo que Os hotis e casas que hospedam os estrangeiros so to maus, seno piores que as de qualquer outra regio do Brasil. Os proprietrios no se preocupam com o conforto dos hspedes e, na verdade, no tm motivos para proceder de modo diferente, pois os portugueses pagam muito pouco e, geralmente, procuram sempre o mais barato. Burmeister, citado por Lenharo310, comentando sobre o pouso nos ranchos, enfatiza que Esses lugares de pernoite costumam-se
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encontrar nas proximidades de uma aldeia ou junto de uma venda onde se possam adquirir alimento. Num grande telheiro sobre 4 colunas, e que se denomina rancho, serve para abrigar as mercadorias e os tropeiros tambm, quando no h acomodaes na casa do vendeiro. Paga-se por animal, ou antes, por carregamento, uma taxa fixa. Saint-Hilaire311 acrescenta que Uma venda e a tenda de um ferrador acompanham quase todos os ranchos. Quando acontecia chegarem ao rancho vrias tropas, um ritual seguia-se em cadncia. Quem chegava primeiro pegava o fundo do rancho e os demais sucessivamente em direo das beiradas, at esgotar o espao fsico. Quem chegasse por ltimo poderia buscar outro rancho ou se arrumar do lado de fora, como conta Pohl312, que mal havia se instalado num rancho, chegaram mais trs viajantes, que obviamente no encontraram mais espao e foram obrigados a acampar ao ar livre, em tendas de couro de boi que eles mesmos armaram. No meio da noite desceu um aguaceiro que inundou o rancho. Os viajantes nas tendas de couro ficaram em condies melhores que as nossas naquele abrigo esburacado. Todo o trabalho de descarregar e arrumar as cargas dentro do rancho, descangalhar e ajustar a indumentria, tratar os animais e despach-los para o pasto era realizado em silncio. Concentrados. Tudo tinha que estar em perfeita ordem para o dia seguinte, para no atrasar a sada. Segundo Goulart313, As cargas eram levadas para dentro do pouso e arrumadas em linha perpendicular cumeeira, ficando entre as de uma e de outra tropa, um corredor, espao reservado para abrigo de qualquer viandante (...) As cangalhas, punham-nas ao sol, para secar os suadouros, sendo depois raspadas e afofadas para no magoarem os animais (...) As cargas e arreios de cada burro e de cada lote, embora juntas, eram separadas de modo que no momento de arriar e carregar no houvesse confuso. Os animais, aps o necessrio trato, eram dessedentados e conduzidos ao pasto. No dia seguinte, bem cedo, o ritual era inverso. Os animais eram reunidos, trazidos ao rancho, encangalhados e carregados cada qual com sua carga. O tropeiro fazia sua primeira refeio, geralmente o feijo tropeiro, preparado na vspera. Um caf fresco. Com a tralha recolhida, a tropa dava partida.
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Saint-Hilaire314, em determinado rancho, observou estarem ali cerca de 130 muares cargueiros, o que equivale a 13 ou 14 lotes. Sendo dois camaradas para cada lote, estavam no rancho pelo menos 26 a 30 tropeiros. Neste sentido, ele faz o seguinte comentrio: Diga-se de passagem que o rancho no dos maiores da regio. Por a se pode fazer uma idia da prodigiosa quantidade de burros de carga que devia estar em marcha em toda a extenso da estrada. A ttulo de ilustrao, e complementando este relato, imagina-se que 130 animais e cerca de 30 homens estariam conduzindo em torno de 17 toneladas (130kg por animal), carga esta suficiente para um caminho de porte mdio, tocado por um motorista e um ajudante. Caravanars Um pouso chamou a ateno de Spix & Martius315, como relatam: Numa destas fazendas, a da Vitria, onde pernoitamos, h um grande rancho construdo de pedra. A construo desses abrigos coletivos assemelha-se s dos caravanars da Prsia ou s dos Khans, da ndia. Qualquer viajante tem direito a eles, e no contrai por isso compromisso algum com o fazendeiro, a no ser o pagamento que lhe faz, em geral, (...) pelo pasto, durante a noite. Ainda sobre ranchos, Saint-Hilaire316 d o seguinte relato: Pela primeira vez, desde o comeo de minha estada no Brasil, dormi em um rancho. D-se este nome a alpendres mais ou menos vastos destinados a abrigar os viajantes e suas bagagens. Encontramo-lo, geralmente, no interior do Brasil, margem das estradas chamadas Reais, e so numerosos na que eu ento percorria. So os habitantes, cujas terras esto prximas estrada, que os fazem construir. No se paga hospedagem, mas, ao p do rancho, h uma venda em que o proprietrio vende o milho que serve de alimento aos animais dos itinerantes; indeniza-se, assim, amplamente, da despesa que fez para levantar o rancho, e citaram-me o nome de proprietrios que possuem at cinco ranchos beira da estrada (...) As vendas no so, como as nossas tabernas, consagradas unicamente ao comrcio de bebidas alcolicas; encontram-se nelas, alm dessas, toda a espcie de comestveis (...) l que os escravos passam uma parte dos momentos de liberdade que se lhes concedem e dos que podem furtar a seus senhores: para l que levam o produto de seus roubos, dos quais
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os proprietrios das vendas no foram talvez os menores cmplices (...) como dono de vendas que muitos portugueses europeus de classe baixa comearam sua fortuna (...) Achamos o Rancho do Marmelo bastante grande e bem conservado enquanto a venda vizinha era muito pequena e muito mal provida. Esse contraste, que muito comum, origina-se de que os tropeiros que costumam transportar consigo as provises, e so de uma sobriedade extrema, ligam muito menos venda que ao rancho. O proprietrio que, por seu lado, quer vender seu milho, procura atrair fregueses tratando bem do rancho, e o abastecimento da venda, de que pouco h a esperar, fica, geralmente, por conta do homem pobre encarregado de vender o milho. Saint-Hilaire 317 comenta que nas ocasies em que estacionava nos ranchos, tinha meu tempo livre, e podia consagr-lo inteiramente ao trabalho; enquanto que, recebido em casa de particulares que me tratavam da melhor maneira possvel, me via forado a sacrificarlhes muitos instantes. Grande fluxo de tropas: Gerardo Deixamos a Termas do Rei em direo a Ipoema para as ltimas despedidas. Nesta oportunidade, batemos um papo com Gerardo Laje, 90 anos, dono do principal rancho de tropas na vila. Devido idade avanada, o senhor Laje no conseguiu se expressar muito bem. Nossa gravao ficou muito prejudicada, infelizmente. Ele nos contou sobre o grande fluxo de tropas, certamente no segundo quartel do sculo XX. Como proprietrio do principal rancho da localidade, relacionava-se com todos os tropeiros que nele arranchavam. Todos pagavam uma pequena taxa pelo pernoite e o pasto. Viajando em comitiva: Jos Incio Enquanto tentvamos ir embora de Ipoema, entrevistamos Jos Incio Vieira, que j foi boiadeiro. Conheo essa trilha daqui a Santa Maria do Suassu, tudo em lombo de burro, buscando boiada com meu pai. Daqui a Belo Horizonte e de l at Jaboticatubas; viajei muito. Meu av era tropeiro. O centro era Santa Brbara e eles viajavam (...) no tempo da chuva eles tinham que usar os couros que cobriam as cargas como piso sobre o barro para os burros poderem passar. (...) A gente viajava em comitiva, e naquele tempo a gente levava o dinheiro dentro das caixas.
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Uma vez passando por um crrego o burro escorregou e caiu na gua. Conseguimos tirar o animal e a carga o dinheiro estava todo molhado. Tivemos que pendurar o dinheiro na cerca para secar. Eu fico pensando que hoje impossvel sair com cem reais no bolso. Todo mundo te assalta. A gente levava era bolada de dinheiro (...) A gente levava um radinho de pilha. Todo mundo achava que a gente estava sofrendo, debaixo daquela capa debaixo daquela chuva; chegava naquelas cobertas com as trempes para fazer o feijo, feliz da vida, porque a gente era rapaz novo, em cada fazenda a gente enxergava um rosto, uma moa bonita e ficava com aquela lembrana at a outra fazenda. De l seguia com outra na cabea e assim at chegar em casa. As viagens com boiada levavam um ms. Indagado sobre a ltima viagem que fez como boiadeiro, ele respondeu: Sempre eu estou fazendo, que at hoje eu mexo com isso. Hoje na base do caminho, mas a gente continua na mesma lida, todo dia montando a cavalo, juntando boi, tirando leite. Um grande referencial na exposio: Eleni Em seguida entrevistamos Eleni Cssia Vieira, que proprietria do jornal Gazeta de Itabira, que circula na regio h treze anos. Ela emprestou um objeto que pertenceu a seu av, Carlos Dias Filho, para a exposio: passando pela casa da minha tia eu vi essa caixa l e logo vi que ela tinha que ser um grande referencial na exposio. Samos finalmente para Senhora do Carmo. Foi difcil deixar Ipoema. O astral ali superou todas as expectativas. Rio da Ona Nos relatos de Spix & Martius, Ipoema seria um pouco depois da Fazenda Cabo DAgosta, local existente at hoje. Um pouco mais adiante, o local indicado por Spix & Martius como sendo o Rio da Ona deu origem ao distrito de Sra. do Carmo (Itabira), para onde seguamos. Na estrada entre Ipoema e Senhora do Carmo existe uma escola rural que se chama Ipocarmo. O nome foi tirado da juno dos nomes dos dois distritos e localizada justamente entre um e outro, diminuindo o cime regional entre as localidades. Esta escola aparenta ser de grande importncia social na regio.

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Na estrada encontramos o cavaleiro Edvaldo Martins Laje, residente na localidade de Turvo. Ele fazia parte de uma comitiva que aguardava nossa tropa, para escolt-la at Senhora do Carmo. Seu Edvaldo no foi tropeiro, mas seu pai e seu av, sim. Levava 33 marchas: Vicente Nesta mesma parada, prximo fazenda da Tininha, entrevistamos Vicente de Oliveira, 70 anos. Ele nos conta que j foi quatro vezes a cavalo tocando tropa at So Paulo. Perguntado quanto tempo levava a viagem, ele conta a histria: Levava de trs a quatro meses. Para passar a divisa do Estado de Minas com So Paulo levava 33 marchas. Levava tropa de burro e mula, tudo solto, sem carga. Cheguei a levar 250, 280 animais. Chegava l, vendia, trocava por outro animal, trocava por caminho. J tem uns 50 anos que parei com estas coisas. Eu era muito jovem. Vieram as mquinas (...) no precisava dos burros mais. Ns vendia (sic) os burros pros japoneses; eles mexiam com roa de caf, milho, arroz. A entrou mquina e no precisou de panhar (sic) mais burro. Perguntado como reunia os burros, ele conta: Ns metia (sic) na mata, fazia compra e comprava tropa e saa vendendo. Dava pra ganhar. Eu era empregado, mas os patres ganhavam muito dinheiro. A gente se distraa muito. Um dia tava num lugar, outro dia em outro lugar. (...) Eu tava com umas 180 mulas. Quando estourava a burrada, a gente tinha que ficar para trs na ribada (sic), e sair acompanhando atrs, no podia falhar. ramos de 4 a 5 pessoas para tocar 200 burros. Tinha pasto aberto para guardar os animais, e alguns fechados, lugar para a gente ficar. Mas teve uma noite que (...) perto de uma linha de trem de ferro, a mquina pegou 3 burros nossos. Perguntado sobre que outros animais ele j tocou, ele responde: Eu j fui a Taquaruu da Barra tocando 43 porcos no p, adulto, porco grande. Ia um na frente chamando com uma cumbuquinha de milho e chegava l direitinho. J toquei boiada para Belo Horizonte, pro matadouro. Era 500 a 600 bois. Levava sanfona e tocava no caminho. Foi na poca de Juscelino Kubitschek que eu parei de tocar tropa. As estradas foi (sic) melhorando e eu ficando velho. Seu Vicente complementa sua entrevista contando uma histria pouco comum: H uns quatro ou cinco anos passou por esta estrada um homem arrastando uma cruz com uma mala de roupa na carcunda (sic) e tocando uma jumenta. Uma cruz grande mesmo. Tivemos conversando com ele, que vinha de muito longe e andava sem destino. No sei se ele estava pagando promessa. A coisa impossvel ele andar
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com a cruz tocando uma jumenta. Ele ganhou uma jumenta aqui em Ipoema e a foi tocando a jumenta, arrastando a cruz e a mala de roupa na carcunda. J cortei muita lenha: Geraldo De volta estrada, encontramos Geraldo Tom dos Santos, 54 anos, puxando uma mula, com dois balaios carregados com banana. Ele nos conta um pouco de sua histria: Puxo banana da roa para casa j faz uns 30 anos. J fui tropeiro, tocando tropa de Senhora do Carmo para Itabira. Levava banana, laranja. Carvo nunca puxei, mas j cortei muita lenha para fazer carvo. O lugar mais longe que eu j fui com tropa foi Caet, levando banana, galinha, essas coisas assim. Vargem dos Coutos Cruzamos com uns caminhantes. Estavam descansando num local chamado Vargem dos Coutos, que ganhou imediatamente a alcunha de Virgem dos Coitos. Este lugar citado por Saint-Hilaire318: a nica fazenda um pouco importante que vi nesse trecho foi a do Couto. Pohl319, por sua vez, registra: Vimos a pequena distncia de nosso caminho o engenho do Couto,... Duas Pontes ou Senhora do Carmo Ainda no caminho para Senhora do Carmo, Spix & Martius320 registram: Papagaios e macacos, sobretudo o sagi-chico (...) e onas enchiam essas selvas com o seu vozerio. Conhecida tambm por Nossa Senhora do Carmo de Itabira, ou somente Carmo de Itabira, este lugar j foi chamado um dia Duas Pontes. Pohl321 destaca sobre o lugar: Uma ponte de madeira passou-nos sobre o Rio das Onas (...) em cujas margens tinham sido edificadas vrias casinhas, um grande rancho e uma venda para comodidade dos viajantes. Chegamos na entrada de Senhora do Carmo. A vista fenomenal. Um grande chapado se estende frente, rumo norte. a vertente oriental da Serra do Espinhao descortinando todo seu encanto. impressionante a quantidade de fuscas (VW) aqui nesta regio.

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Tropa e alambique: Geraldo Vimos uns burros e mulas carregados com cana num terreno: apenas um dos muitos alambiques de fundo de quintal. Conhecemos Geraldo Gonalves, 48 anos, que j foi tropeiro e puxava lenha para carvoaria. Hoje faz cachaa. Ele nos d seu depoimento: Tem uns dois anos que deixei de mexer com tropa para tocar este alambique. Eu j puxei lenha para carvoaria. O carvo depois era levado para Belo Horizonte de caminho. J tenho este alambique h uns cinco; mexo com este alambique, j antigo, que comprei de outras pessoas. Estes animais trazem a cana das roas aqui da regio. O alambique do Gonalves rstico e bastante original. O vinhoto lanado diretamente num crrego, nos fundos do terreno. Existe uma quantidade enorme de bagao de cana amontoado pelo terreno. Entrando em Senhora do Carmo j se nota a grande mobilizao da comunidade, aguardando a chegada da Tropa da Esperana. Faixas sadam os expedicionrios. Vrios cavaleiros aguardam para se juntar tropa. A sexta gerao: Carlos Humberto Conhecemos o agrnomo Carlos Humberto de Oliveira Cruz, 35 anos. Ele tem uma importante histria para contar: No tenho nada para falar; mas para passar ao responsvel pela Expedio Spix & Martius uma cpia do dirio de um dos primeiros tropeiros da regio. Chamava-se Joo Jos Martins da Costa Cruz. Era natural de Brumado, prximo a Santa Brbara. Ele veio para Itabira como tropeiro. Fazia a rota de Santa Brbara at a Vila do Prncipe (hoje Serro). Nessa rota ele trazia os mantimentos, com destaque para o sal. Trazia chumbo para o armamento. Existia muita caada naquela poca. (...) Eu sou descendente deste tropeiro, sou a sexta gerao. Este tropeiro ganhou a vida e conseguiu comprar terras aqui (mais de 2000 alqueires na regio) e foi uma passagem de quase cinqenta anos. Este dirio registra sua rota, o nome de seus fregueses, compradores, principalmente das fazendas. um dirio manuscrito, que data de 1820 at 1860/70. Eu tenho a cpia de parte deste dirio, e quero passar uma cpia para a expedio. Este documento pode ajudar a traar o roteiro, com o nome das propriedades, nome das fazendas,
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com assinatura dos tropeiros, o que vendiam, o que se comprava naquela poca, desde o vinho francs, aguardente, sal, fumo, at mesmo escravos que trazia por encomenda dos fazendeiros. Tem tudo isso registrado. Os valores da poca em mil ris. Tem todo esse registro e assinado, todas as cidades da passagem deles, desde Santa Brbara, Itabira, Itamb, Conceio do Mato Dentro e Serro. Fenomenal o documento, com certeza ter espao reservado no Memorial do Tropeiro, em Ipoema. A cpia deste dirio que nos foi entregue ficou com a expedicionria Norma Vilhena322. Os expedicionrios finalmente chegaram. Foi uma calorosa recepo junto matriz de Senhora do Carmo. Houve queima de fogos acompanhada por msica clssica, tocada em alto e bom som nos altofalantes da igreja. Fomos acomodados na penso local e na casa do vereador Roberto Chaves. Sua famlia nos deu uma bela acolhida. Houve festa na quadra e queijos e vinhos na casa do vereador. Dormimos como anjos.

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12 dia: Quarta-feira 21 de Julho Senhora do Carmo a Itamb do Mato Dentro


Todos os meios de ir para diante so bons, desde que bem sucedidos. Burton323 A residncia do vereador Roberto Chaves proporcionou-nos bom repouso. A alvorada se deu calmamente, sem atropelo. A casa ficava localizada no topo de uma colina, com uma bela vista. Um deleite para os olhos sob os primeiros raios de sol. Uma leve nvoa encobria o vale abaixo. A casa estava cheia de gente. O po foi servido num balaio, em meio a uma mesa repleta de frutas e outras iguarias. Que bela refeio! Nossa passagem pelo territrio de Itabira ficar marcada pela excepcional hospitalidade de sua gente e pela demarcao da zona tropeira do nosso trecho. Nosso prximo destino era Itamb do Mato Dentro. Os caminhantes foravam uma sada mais rpida, enquanto cavaleiros e equipe de apoio tinham seu prprio ritmo. Fomos ento transportados para a vila de Senhora do Carmo, onde encontramos os demais expedicionrios. Caminhantes em rota e cavaleiros aguardando a sempre demorada sada. Serra dos Alves Antes de partir, contudo, nos convidaram a visitar a localidade de Serra dos Alves, no contra-forte da Serra do Cip. No houve como negar. Para l nos dirigimos, num deslocamento de uns 20km por uma estrada de cho, num sobe-e-desce incrvel em meio a uma paisagem sem precedentes. O lugarejo eletrificado, possui uma igreja muito simptica, com uma extica cruz adornando o terreiro em frente.

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O progresso ajuda: Raul Em Serra dos Alves tivemos a oportunidade de entrevistar Raul Jos Soares, 67 anos, que trabalhou com tropa h muitos anos atrs. Ele nos conta um pouco desta experincia: J trabalhei um pouco com tropa, com coisa de roa, no dizer que seguindo viagem no. Transportava cana pro alambique. Distncia perto. S por perto mesmo, de canavial para fazenda. J tem muito tempo que eu nem monto animal nem pego animal para pr cangalha e nada (...) desanimei de mexer com esse tipo de trabalho. Antes eu mexia. Fazia carreto, puxava milho, feijo; todas essas coisas eu fazia tudo. Fazia a cangalha, fazia o balaio. Mexia com puxao de banana tambm, mais de dez anos que eu deixei de mexer com esse trabalho. Eu sou de Serra Linhares, uns quatro quilmetros daqui. Aqui j teve tropa em grande quantidade. As tropas no incio transitavam por aqui, era puxando caf, isso j t pra mais de 50 anos que essas tropas vinham de Jaboticatubas, de Campo da Bandeirinha, da Serra do Cip e Taquarau da Barra. Transitava desses lugares. Vinha aqui, comprava caf, levava pra Serra de Linhares, l pelava, tornava a voltar pra c de novo. Comprava em nossas mos, comprava em mos de muitos que colhia caf e vendia pra eles e eles faziam assim carreto. Tambm lembro dessas pocas que vinham os muladeiros comprando burro aqui, dois ali e trs acol e juntava mais de cinqenta e tocava para So Paulo. Era 30 dias ou mais de viagem de ida, depois quando voltava que eles vendiam a tropa, voltava em conduo j no voltava mais por terra. Tambm tinha o transporte de carvo. Eu mesmo cheguei ao ponto de fazer tiquinho (sic) de carvo h uns trinta e tantos anos. Eu fazia tiquinho (sic) de carvo e eles vinham a e com caminho, pegava o carvo em sacos, enfia aquela sacaria, colocava primeiro na carroceria, depois acabava de terminar com as sacarias de carvo. Depois apareceu as gaiolas; a de um certo tempo para c ficou encerrado esse trabalho que a Florestal no d permisso de cortar matos. De vez em quando o pessoal da Florestal passa por aqui. Quando h uma denncia eles vm pra atender. Perguntado se tinha saudades do tempo de tropeiro ele diz: Eu achava aquele tempo bom, mas eu acostumo com tudo. O negcio esse; na mesma hora que eu t acostumado com uma coisa e desacostumo daquilo, porque o progresso ajuda muito a melhorar a condio, n?

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Gigante da minerao Retornamos para Senhora do Carmo, onde nos encontramos mais uma vez com o Alberto (Prefeito de Itabira). Ele fez questo de nos oferecer mais um almoo e estava decidido a nos acompanhar at Itamb do Mato Dentro. A ateno dispensada pelo Prefeito, vereadores e outras autoridades de Itabira foi excepcional. Nenhum outro municpio ofereceu tanto para a Expedio. um municpio grande e bastante rico, sede da Companhia Vale do Rio Doce: uma gigante da minerao neste mundo globalizado. Condutor de burros H quem diga que o tropeiro era abastado, pois ganhava muito dinheiro pelos fretes que cobrava e gordas percentagens nas mercadorias que comercializava. Podia ser verdade e o prestgio econmico no demorou em abrir-lhe as portas da poltica. Muitos tropeiros enriqueceram na atividade do transporte e mercancia. Burton324 relata que um lisboeta, Joo Ribeiro de Carvalho Amarante, radicado em Diamantina, confessou francamente ter comeado a vida como condutor de burros. agora o mais rico comerciante onde todos so comerciantes. Goulart325 apresenta em sua obra um recibo datado de 1833 e assinado por um tropeiro de nome Jos Calixto Pedrosa. Este atestou cobrar entre o Rio de Janeiro e o Arraial do Tijuco a quantia de quatorze mil ris por carga com quatro arrobas e seis mil ris por carga de duas arrobas. Bunbury326 - que iniciou sua viagem para Minas Gerais neste mesmo ano de 1833 montou uma tropa para empreender sua viagem por Minas, informando ter pago o preo de duzentos mil ris por uma mula de montaria e cento e setenta mil ris por uma besta de carga. Outras informaes de Goulart demonstram que as bestas poderiam ser adquiridas por at um tero deste valor na mesma poca, o que nos faz concluir que Bunbury pagou alto preo por suas bestas; talvez porque era estrangeiro ou as bestas de carga estavam completas, ou seja, com toda a indumentria necessria para carga e montaria, como cangalhas, arreios, bruacas, caixas, selas, etc. Prontas para correr trecho e fazer
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rastro. Assim, se cada mula carregasse oito arrobas (duas cargas de quatro arrobas), o que era perfeitamente praticado, cada mula renderia vinte e oito mil ris pela viagem, ou seja, cada seis mulas carregadas permitiriam uma receita equivalente ao valor de uma mula de carga. Se o tropeiro fosse o dono da carga, ainda segundo informao de Bunbury, o valor de algumas mercadorias, como o sal, trazido do Rio de Janeiro, poderia ser vendido em Minas Gerais por at sete vezes o valor do custo na fonte (Porto de Estrela). Havia tambm o tropeiro estabelecido, possuidor de fazendas e engenhos. Produzia, transportava e comercializava sua carga. Fechava ao mximo a atividade econmica. Nesta propriedade podia, inclusive, facilitar a vida de outros tropeiros e viajantes, como relata Pohl327 em sua passagem por um engenho pertencente a um tropeiro, quando tive ocasio de trocar o meu burro xucro por um cavalo dcil. Neste cavalo fiz o resto de minha viagem pelo Brasil. No que toca importncia do tropeiro como comerciante, Lenharo informa que este aparece como um prolongamento da categoria social matriz proprietrio de terras j que, freqentemente, alm de dar conta da produo, o proprietrio ele mesmo o comercializador dos seus produtos. Com isso, fica escamoteada a figura do tropeiro, num nvel social inferior, pela do proprietrio rural, socialmente melhor visto. Ainda nesta tica, a importncia do tropeiro como transportador de gneros alimentcios para os grandes centros, em especial o Rio de Janeiro, aps a chegada da Coroa Portuguesa em 1808, forou decises que chegaram a isentar o tropeiro do recrutamento.
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Alm destes aspectos, a atividade tropeira era muitas vezes exercida em famlia. Enquanto o patriarca organizava com seus filhos os meios de produo, um deles, juntamente com alguns escravos, se encarregavam do transporte em tropas. No raro, pai e filhos tropeiros eram encontrados pelos caminhos, sendo estes, desde tenra idade. A maioria dos tocadores de bois e de porcos que vo de So Joo Del Rei ao Rio de Janeiro composta de homens brancos. Os filhos dos fazendeiros se dedicam todos ao trabalho. Um conduz as tropas de burros, outro cuida dos animais e um terceiro das plantaes, segundo nos informa SaintHilaire329.
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Ritual de aprovao A iniciao na atividade tropeira se dava desde tenra idade, geralmente como madrinheiro, a pelos oito anos de idade. Lenharo330 destaca que no deve surpreender a revelao de que um tropeiro de quatorze anos chefiasse uma equipe composta por cinco escravos (...) o tropear era tido como uma atividade rstica e desgastante e constitua-se num ritual de aprovao que possibilitava ao jovem tropeiro acumular experincias e poder, gradativamente, disputar outras funes a que ainda no tivera acesso. Era comum tambm escravos aparecerem testa de tropas, na funo de tropeiros. A explicao, segundo Lenharo, est no fato de que estas tropas transportavam gneros de exportao tabaco, no caso e, conseqentemente, era carga provinda de propriedades onde o trabalho era composto basicamente de mo-de-obra escrava, utilizada no perodo ps-imediato safra e processamento do produto. Rumo Itamb do Mato Dentro Todos os animais j estavam prontos para a partida. Outro fato curioso e digno de nota a boa sinalizao nas estradas que cortam os mais diferentes grotes, situao que no observamos nos demais municpios do trecho, tanto antes como depois de Itabira. A estrada para Itamb do Mato Dentro oferece uma paisagem magnfica. Muitos ips adornam suas margens, nos pastos, na serra. Que rvore bela! Alguns bolses de mata preservada animam os ambientalistas. Finalmente chegamos. Os caminhantes j haviam chegado e estavam concentrados no Hotel Bar e Restaurante Itamb. Muito mais do que no interior Quanto a alimentao dos tropeiros e outros viajantes, os relatos so diversos. Destacamos o de Rugendas331, que no que diz respeito alimentao do viajante e aos cuidados que precisa ter para consigo
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mesmo , de regra, e mais garantido, levar tudo de que precise ou pense precisar; depende por conseguinte do prprio viajante, isto , de seus preconceitos ou de sua atividade, aumentar at certo ponto, e em obedincia a seu gosto, as comodidades e os prazeres. Mas tudo que ultrapassa o estrito necessrio redunda em despesas pesadas e o viajante comum deve restringir-se (...) Quanto aos alimentos preciso que o viajante faa proviso de milho, para os animais e para si prprio, de feijo preto, farinha de milho ou de mandioca, carne seca e toicinho. possvel que durante semanas inteiras ele no tenha outra coisa para comer, a menos que se trata de alguma fazenda; mas nas estradas freqentadas esses gneros so carssimos e os colonos no consentem seno dificilmente em ceder parte de suas provises (...) E ocorre, assim, mais de uma vez, passar o viajante por privaes nas estradas mais freqentadas muito mais do que no interior. A alimentao do tropeiro simples, pouco variada, farta e de fcil transporte e conservao. Era composta pelo feijo, misturado com toicinho e farinha de mandioca: o famoso feijo-tropeiro. Geralmente comido no incio e final de cada jornada. Complementava este cardpio frutas, carne fresca, entre outras iguarias, tudo obtido durante os trechos. Depois de uma chuvarada Tambm compunha sua dieta a carne seca, angu de milho e caf com acar. Em certos pousos, como nos informa Goulart332, onde vivificasse em derredor algum pequeno aglomerado humano, j se podia fazer alguma variao alimentar, de vez que a venda logo surgida dificilmente deixaria de exibir o seu bacalhau, a sua carne-de-sol, a sua lingia, alm de outros comestveis pouco comuns matalotagem dos tropeiros. Ainda segundo este autor, a cachaa, que era artigo obrigatrio nas vendas, s era admitida em ocasies especiais: depois de uma chuvarada, de uma travessia de rio (...) O caf era na verdade a bebida mais ingerida. Onde estacionasse a burrama, logo o bule fumegava no braseiro, com a rubicea espargindo seu delicioso aroma. Com relao ao pouso, Em jornais do sculo XIX, editados em cidades do interior de So Paulo e de Minas Gerais, tem-se anncios de hotis salientando possurem boas estribarias para os animais e acomodaes especiais para camaradas. Assalariados dos tropeiros, esses homens ocupavam

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situao econmico-social inferior a de seus patres, muito embora essa diferenciao pouco se notasse quando, no trabalho, se confundiam. Aos burros gua; aos tropeiros aguardente Quanto alimentao, o Prncipe Maximiliano333 adverte que antes de uma longa travessia, era preciso levar uma proviso de farinha de mandioca, carne seca e aguardente. Um dos burros foi carregado, portanto, com um barril desse lquido aqui to indispensvel; dois outros levaram vveres, guardados em sacos de couro (bruacas). No mais, uma caa, coleta de frutas silvestres, mel, ovos de pssaros, entre uma gama de outros alimentos garimpados na viagem. O viajante se serve do que encontra e no do que deseja. O mesmo serve para os animais. Um tropeiro annimo teria dito: aos burros gua; aos tropeiros aguardente. Gardner334 observou num rancho que um tropeiro trouxe um punhado de ramos cobertos de folhas e, esquentando-as ao fogo, para torn-las quebradias, fez delas um ch para si e seus companheiros. Jacuba Saint-Hilaire 335 registra que o acar mascavo era muito apreciado pelas crianas, escravos e tropeiros: adoram essa espcie de acar e consomem-na em quantidade prodigiosa. Freqentemente, quando os tropeiros chegam ao rancho e no tm a pacincia de esperar que o feijo fique cozido, apaziguam a fome comendo uma jacuba, mistura que se faz a frio com gua, farinha de milho e rapadura. Provises com a espingarda Ainda no que tange alimentao do viajante de antanho, era recomendvel sempre levar consigo alguma proviso, pois no havia garantias dependendo da regio de encontrar alimentos de qualidade e em farta quantidade. Neste sentido, Mawe336 salienta que neste pas, o viajante no deve desprezar jamais a ocasio de obter provises com a espingarda, porque nunca est seguro de encontrar alguma coisa a seu gosto nos lugares onde para. O Senhor nos livre Prximo a Itamb do Mato Dentro, Spix & Martius 337 registraram: Surpreendeu-nos, particularmente, o grande
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nmero de nascentes de gua lmpida e muito fria (...) apresentou-se-nos a Serra do Itamb e nela, margem do rio, o arraial do mesmo nome, situado a 1.990 ps acima do nvel do mar. Tambm sobre Itamb, Mawe 338 relata: Pobre aldeia construda perto do lindo regato do mesmo nome. Este lugar foi outrora da alguma importncia, mas se tornou miservel por ter faltado o ouro em sua vizinhana (...) Das misrias do Itamb o Senhor nos livre. Pohl339, assim como Mawe, no poupa adjetivos ao referirse ao Arraial de Itamb do Mato Dentro: atravessado por uma pssima ponte de madeira (...) pequeno e acha-se em mau estado. edificado desordenadamente (...) Saint-Hilaire340 vai pela mesma linha: O povoado est numa situao de decadncia de que nenhuma outra apresenta igual imagem e no se compe seno de uma igreja e cerca de cem casas que, todas, caem em runas. Somente Gardner341 tem melhor impresso, ao registrar que O Arraial de Itamb est situado num belo vale, s margens de pequeno rio do mesmo nome. J tinha estrada por l: Jos Inesperadamente nos indicaram uma casa prxima onde vive um ex-tropeiro, digno de uma entrevista. Para l nos dirigimos. Conhecemos ento Jos de Oliveira Santos, 78 anos, que nos conta um pouco de sua histria: J fui tropeiro. Naquele tempo os empregados eram fortes mesmo. Fazia gosto de v (sic), homem untado de gordura, porque ia buscar gordura l em Peanha e Governador Valadares para levar para Santa Brbara, e de Santa Brbara tinha retorno. E tinha o povo que vinha comprar burro e mula para levar para So Paulo e Esprito Santo, para trabalhar na lavoura. Isto j acabou h uns quarenta anos. Sobre a viagem mais longa que j fez com tropa, ele responde: Em 1959 eu parti daqui para esta zona de Betim, Mateus Leme. A eu fui na especialidade de comprar gado. Tocava boiada tambm. Da eu trouxe cento e tantos bezerros. J transportei carvo tambm, daqui da mata nativa. Sobre os tropeiros que passavam pela regio, ele responde: Passava descendo por aqui para Santa Brbara e Zona da Mata, Guanhes, Governador Valadares; e subindo para Diamantina, Conceio do Mato Dentro, Serro. Conceio j no era tanto do meu tempo, pois j tinha estrada por l. Tempo de guerra: Gabriel
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Gabriel de Oliveira Dias, 46 anos, no foi tropeiro, mas seu pai foi. Ele nos conta que nossa tropa foi a primeira que viu passar em Itamb. Recordando as histrias do pai, ele nos d um breve relato: Meu pai tocava muita tropa para So Paulo, na poca da guerra. Meu pai era pobre, tinha dinheiro para comprar no. Ele era ajudante, tocava tropa e fazia de tudo. Clebres feiras anuais de Sorocaba Alfredo Ellis Junior342 expressa que o ciclo do muar nasceu com a abertura da estrada do Rio Grande do Sul a So Paulo em 1724 e terminou em 1875, mais ou menos com o advento da ferrovia. Spix & Martius343 comentam que a estrada era na verdade larga e bastante aberta pela passagem de muitas manadas amide de milhares de cabeas de mulas que vindas do Rio Grande, por aqui transitam. Goulart344 informa que a partir de 1730 ou mesmo antes disso teve incio a exportao de animais do extremo sul para as regies centrais (...) Desde ento manadas numerosas, arrebanhadas nas Campinas do Prata vm ter a terras de So Paulo e logo se escoam para outras direes depois de negociadas nas clebres feiras anuais de Sorocaba. Depois que chegavam a Sorocaba vindos do sul, os animais passavam um bom tempo descansando da longa jornada. Aps o perodo de descanso, iniciava-se a fase de engorda e domesticao, j em preparo para a feira. Os sorocabanos eram especialistas nesta arte. Sorocaba obtm, portanto, grande destaque no ciclo do muar. Era nela que se realizavam as maiores e mais importantes feiras anuais de muares de que se tem notcia no Brasil. E este autor acrescenta que o apogeu destas feiras foi entre 1850/ 1860. Igualmente em Salta e Jujuy, na Argentina, o comrcio de muares era intenso. Goulart ainda comenta que homens rudes, vivendo primitivamente pelos caminhos, nas longas viagens de meses tangendo burros chucros desde o Rio Grande do Sul, ou outros, que vinham dos confins do Mato Grosso, de Gois, de Minas, da Bahia, de So Paulo para adquirir cargueiros. Esses homens no regateavam e nem desprezavam os momentos de prazer em que o jogo, as libaes, a libertinagem, substituam, por alguns poucos dias, as adversidades e asperezas das
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caminhadas. Sorocaba era mais do que uma praa comercial de muares. A indstria mais florescente era a dos objetos necessrios aos condutores de muares, como afirma o autor. Sorocaba era, portanto, um grande ponto de encontro de toda a atividade tropeira do Brasil. Ainda segundo Goulart, pela feira de Sorocaba teriam passado 2.000 muares/ano entre 1731 e 1750; 5.000 muares/ano entre 1750 e 1780; 20.000 muares/ano entre 1780 e 1826; 30.000 muares/ano entre 1826 e 1845; 50.000 muares/ano entre 1845 e 1855; 100.000 muares/ ano entre 1855 e 1860; e, j na fase de declnio, entre 1875 e 1900, 12.000 muares/ano. Taunay345 informa sobre Sorocaba: Como era de esperar, criou-se em Sorocaba prestigiosa escola de pees cujos ensinamentos se compendiam no hoje muito raro mtodo de domar mulas para a sela e carro. Em passagem por Sorocaba, Spix & Martius346 informam: tratamos imediatamente da compra das mulas que nos faltavam. Em Sorocaba que se acham mulas melhores e mais baratas para comprar, por ser a mais ativa praa desse negcio, reunindo-se aqui os animais destinados ao Norte. Segundo nos informaram, so trazidos do Rio Grande do Sul a Sorocaba mais de trinta mil mulas por ano, (...) para onde so levadas as manadas de quando em quando, pelo interior de Minas, sobretudo ao longo do Rio So Francisco. As mulas da Amrica espanhola, que so muito mais belas, maiores e mais fortes, no se vem seno raro no Brasil, por constiturem contrabando. Ainda sobre os muares de Sorocaba, Burton347 faz o seguinte comentrio quando se encontrava na beira do Rio So Francisco, prximo a Januria: Havia bons burros pastando pelas proximidades. Os nativos custam 30$000 e os que vm da provncia do Rio Grande do Sul, passando por Sorocaba e So Paulo viagem que dura dois anos valem 50$000 a 60$000. Como vimos, era enorme o fluxo de muares para Sorocaba, provenientes do sul do pas. A cidade vivia por conta deste comrcio.

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Como ensina Goulart348, os tropeiros destas regies nem sempre podiam se deslocar s feiras de Sorocaba. Havia, pois, aqueles que para l se dirigiam no exclusivo propsito de comprar muares. Depois de reunida a tropa, tang-los para suas regies e l revend-los por bom lucro. Eram os muladeiros. Era o homem que vivia do comrcio de muares. As tropas chucras eram trazidas do sul do pas, geralmente nos meses de chuva, para a feira de burros, em Sorocaba, como confirma Maia349. Quando de sua passagem por Minas Gerais, Pohl350 fez o seguinte comentrio sobre um muladeiro: Chegou e acampou junto a ns um capito de Cuiab com uma grande tropa de burros. Conduzia os animais para a Bahia, a fim de vend-los, pois l alcanavam preos bem altos. Mas no era s em Sorocaba que o comrcio de muares era intenso. Geralmente nos locais de intenso comrcio, como o Porto da Estrela, no Rio de Janeiro, no Porto de Santos, em So Paulo, o Porto de Cachoeira, na Bahia, e em Cachoeira do Campo, em Minas Gerais, eram locais de compra e venda de muares. Muitas vezes os animais chegavam das longas jornadas em pssimas condies, necessitando serem substitudos. Mais tarde, depois que os animais se recuperavam, eram mais uma vez negociados. Lenharo351 informa que no perodo de 1818/ 1819 Minas Gerais exportou, provavelmente para a Bahia, 3.629 muares e, no ano de 1842/3, 45.425 muares. uma indicao que, sendo este comrcio to importante e lucrativo, outros estados partiram para a sua prtica. 3.215.000 cabeas O Brasil j teve posio de destaque na criao de muares no mundo. Segundo Potsch352, em 1952, o nmero de muares no planeta chegou a 16.400.000 cabeas. Os principais criadores eram: Brasil, com 3.215.000 cabeas, seguido dos Estados Unidos, com 1.913.000 e China com 1.905.000. Somente os Estados de So Paulo, Minas Gerais e Bahia possuam mais da metade deste rebanho. Segundo o IBGE, em 1989, o rebanho muar no Brasil contava com 2.009.343 cabeas. Segundo Torres353, citando o Almanaque Mundial de 1973, o Brasil mantinha o ttulo de maior rebanho de muares do mundo, com
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4.700.000 cabeas, seguido do Mxico, com 2.707.000 e China com 1.570.000. Inverso do fluxo O destaque brasileiro no rebanho muar no se d apenas pelo fato das tropas utilizarem este animal no transporte de mercadorias. Os muares puxaram carruagens pela Estrada Unio-Indstria, projetada e construda com engenharia na segunda metade do sculo XIX, ligando Petrpolis a Juiz de Fora. As carruagens partiam de Petrpolis e trocavamse as juntas de burros em vrios pontos, o que permitia uma rpida viagem. Os muares tambm puxavam bondes em cidades como Rio de Janeiro e So Paulo. Eram tambm utilizados como fora mecnica na agricultura e tocavam engenhos da nascente indstria paulista. As entrevistas com tropeiros, ao longo da Expedio, em especial a partir da BR-262/381, constataram a atividade dos muladeiros. Esta atividade consistia em adquirir bestas na roas da regio, atingindo um nmero de 200 a 300 animais. A tropa ento era tangida para So Paulo, em jornadas de vrias semanas. Em So Paulo os animais eram vendidos para tocar os engenhos das diferentes indstrias em instalao no Estado. Isto caracterizou uma inverso do fluxo de muares, de Minas em direo a So Paulo, no primeiro quartel do sculo XX, quando comparado segunda metade do sculo XIX. Avaliando a Expedio Jantamos no mesmo lugar do pouso. A comida estava boa e o pessoal bastante animado. Fizemos uma reunio com todos os expedicionrios. Colocamos uns pingos nos is. No que muitos is estivessem sem pingos, mas foi importante fazer um update no andamento da Expedio, trocar experincias, ver em que pontos avanvamos, etc. Depois da Fazenda Joo Congo, este era o primeiro pouso em que estvamos todos reunidos sob o mesmo teto. Nos recolhemos por volta das 10 da noite.

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13 dia: Quinta-feira 22 de Julho Itamb do Mato Dentro a Fazenda do Sobrado


Seguindo o conselho popular, (...) deve-se sair tanto mais depressa de um lugar, quanto menos bem nos sentimos nele. Spix & Martius354

Alvorada e caf da manh no prprio hotel. Caminhantes em curso, na vanguarda. Como de costume, os cavaleiros fechavam a retaguarda. Fomos informados da existncia de um ermito, Seu Domingos, que vivia numa loca de pedra prxima da estrada que segue para Morro do Pilar. As histrias que contam dele parecem interessantes. Iremos conhec-lo. O pernoite de hoje estava previsto para a Fazenda do Sobrado, cerca de 16km de Itamb. Pelas bandas do telhado Como vimos, a venda acompanha o rancho quando este se localiza beira de uma estrada real (importante), ou num melhor grau de desenvolvimento. Segundo Saint-Hilaire355, De cada venda depende um pasto fechado, e o viajante pode a deixar seus cavalos e bestas de carga. Por uma pequena taxa pela utilizao do pasto cercado, o viajante amplamente compensado, pela vantagem de se poder partir hora em que se entender, porquanto no se fica na dependncia dos animais e de seus condutores. Bunbury356, em sua viagem para Minas, relata que, aps dois teros da subida da Serra da Estrela, teria se hospedado na venda de
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Jos Dias (...) onde passei bem, tendo conseguido um frango com arroz para o jantar. E comenta: estes eram os alimentos mais fceis de obter. Noutro momento, comentando sobre ranchos, relata que Junto maioria das casas ficam ranchos ou grandes telheiros, sob os quais os muleteiros e freqentemente outros viajantes se alojam noite. Sobre as vendas ou tavernas, ele destaca: as vigas toscas e as telhas do telhado estavam vista, as paredes e o cho eram de barro descoberto e no havia outro mvel seno um banco de madeira, onde estava feita minha cama. E acrescenta: s vezes nem mesmo janela tem, a nica luz que nele penetra pela porta e pelas bandas do telhado. Ainda assim, ele enfatiza que viajava luxuosamente, pois uma das mulas trazia roupa de cama e a outra uma bem abastecida cantina de provises. Botequineiros Sobre um determinado local de pouso, Saint357 Hilaire informa: Essas habitaes, que no constam seno do rs-docho, so ocupadas por botequineiros, por negociantes de lojas bem sortidas, e que vendem ao mesmo tempo gneros alimentcios e tecidos, e por ferradores, enfim, cujo ofcio a mais necessrio que qualquer outro, por causa da passagem contnua dos tropeiros de Minas Gerais que descem a serra (...) Esta encantadora paisagem animada pelos animais de carga que pastam por aqui e ali, e por grupos de tropeiros, dos quais uns descarregam as mercadorias, e outros repousam j das fadigas da jornada estendidos indolentemente sobre a relva. Pees, tropeiros e camaradas Goulart358 apresenta uma curiosa verso sobre a evoluo da atividade do mascate, com ou sem tropa. Um viajante comercial, que seleciona pontos nas vastides sertanejas e nele instala venda. Num entroncamento de estradas, numa beira de caminho, lugar prximo a um pouso de tropas e de boiadas, (...) constri alguns rsticos dormitrios, adquire bons pastos nas imediaes, levanta telheiro para cargas e arreios: a venda evolui para armazm-estalagem. chamariz para viandantes escoteiros, para carreiros e tangerinos, pees, tropeiros e camaradas (...) ponto de contato vicinal. banco. bolsa de valores para produtos da regio.

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Havia tambm pousos administrados por estrangeiros, como conta Bunbury359, que hospedou-se numa miservel venda pertencente a um suo, velhaco extortor, que me cobrou quase o dobro do que eu tinha pago em Capo por acomodaes e comida melhores. Segundo Saint-Hilaire360, Nas vendas no havia nenhuma cerimnia, nenhuma toilete a fazer; pagava hospedagem e no temia desagradar ou incomodar ningum. gua e pasto Como j vimos, uma estalagem ou um rancho em condies razoveis de conforto no era uma constante para o viajante ou o tropeiro. Viajando por regies desconhecidas e sem guias, nunca se sabia as condies do prximo pernoite e no raro os viajantes tinham que improvisar um acampamento. Neste sentido, Gardner 361 comenta que Quando nos erguamos pela manh, no sabamos onde seria o prximo pouso, mas a escolha dependia quase sempre de ns, (...) regulada por necessidades indispensveis, como gua e pasto para os animais, rvores para armar as redes e lenha para o fogo de cada noite. Ao abrigo das intempries Ao final de um dia de jornada, nem sempre se chegava a um rancho. Neste caso era necessrio improvisar um acampamento. O Prncipe Maximiliano362 comenta que num destes pernoites de improviso, os couros de cobrir a carga serviram de uma espcie de cabana e que no abrigavam suficientemente bem contra as chuvas torrenciais. Noutra passagem, abrigaram-se igualmente de improviso num alpendre coberto de cascas de rvores que, embora em mau estado, foi suficiente para o abrigo. Mas, em certas regies do serto, como deixou registrado este viajante, o mais comum de se encontrar disponvel para pouso era uma espcie de alpendre, aberto dos lados, mas coberto por um teto debaixo do qual os viajantes costumavam se meter, para passar a noite ao abrigo das intempries. Bater estaca Quando a tropa no alcanava, ou no trecho da jornada no tinha um rancho, era o tropeiro obrigado a bater estaca que, segundo Goulart363, sinnimo de acampar. O acampamento era o encosto, via
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de regra beira de um crrego, do outro lado no sentido da jornada, pois, se chovesse durante a noite, e a gua do crrego subisse, a tropa j estaria do outro lado no dia seguinte e a sada no seria prejudicada pelo contratempo causado na travessia do curso dgua cheio. Gardner 364 comenta que Em todas as minhas viagens, sempre evitei, se possvel, dormir ao ar livre onde quer que se vissem duas ou trs casas juntas; quando no, era certo desaparecerem uma ou outra coisa. Saint-Hilaire365 salienta: os viajantes que levam consigo animais carregados so obrigados a dormir ao ar livre. H alguns lugares que so utilizados de preferncia. So os que se avizinham no s do rio, como ainda dos alagadios, e onde, por conseguinte, se encontra, ao mesmo tempo, a gua de que necessita, e uma erva mais ou menos sempre fresca. Espaos calcados pelos ps dos homens, fogos apagados, ramagens arranjadas para servir de abrigo, panelas e cabaas esquecidas, do a conhecer os lugares em que ordinariamente acampam os viajantes. Por mais que a necessidade obrigasse a acampar ao ar livre, nos chamados bivaques, uma tropa no ficava cerca dos lugares onde estava fincada uma cruz, como adverte o Prncipe Maximiliano366, que o comum dos brasileiros no passa de bom grado a noite no lugar em que algum foi enterrado. Os viajantes naturalistas, em geral, coletavam plantas e animais. Estes materiais eram guardados em caixas, que eram transportadas pela tropa. O Prncipe Maximiliano367 comenta que estas caixas so tambm incmodos, pois a sua largura, tanto quanto o seu peso, os torna estorvantes nas trilhas estreitas das florestas. Nos bivaques forados por falta de rancho, as caixas serviam para improvisar abrigos especiais. Empilhadas uma acima das outras, construa-se como uma pequena muralha na altura de duas ou trs caixas, em forma de meia-lua ou U. Por cima, apoiadas por algumas varas, dispunham-se os couros de boi, os mesmos que serviam para abrigar a carga sobre a cangalha. Embaixo, verdadeiras tendas, onde era possvel abrigar vrios camaradas, alm das prprias caixas que ficavam ali embaixo protegidas. Uma fogueira na face aberta da meia lua (ou do U) garantia algum calor e proteo contra intrusos noturnos.

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Num acampamento, Spix & Martius368 relatam: As mulas e cavalos foram soltos noite, no campo, com as patas amarradas e, assim, como ns, protegidos contra o ataque das feras por grande nmero de fogueiras, com que cercamos o nosso bivaque. Depois disso acabou tudo: Lage Conhecemos Edson Duarte Lage, 76 anos, ex-tropeiro, nascido e criado em Itamb. Ele compartilhou conosco um pouco de suas memrias: Fui tropeiro. Transportava para Itabira basicamente caf, rapadura, farinha e mandioca (...) produzido aqui na regio (...) Meu pai, Jos Duarte, falecido com 73 anos (...) foi tropeiro; puxava fardo, cerveja e outras mercadorias da estao de Sabar para Serro. Ele fazia esse percurso a. Esta ponte velha que est cada aqui em Itamb foi feita naqueles tempos; alis, foi feita bem depois. Foi uma das primeiras pontes de cimento de Minas Gerais. Porque um filho de Itamb, Dr. Clodomiro de Oliveira, era Secretrio do Sr. Artur Bernardes e ele trouxe essa ponte; ponte velha, antiga. E esse cimento meu pai dizia que vinha de Sabar em carro de boi, em barrica de 1000kg de cimento e vinha ferragem, tudo, tudo. Deixei a atividade de tropear por volta de 1965. Em 52, 53 entrou essa estrada. Antes era s trilha. O que determinou foi a estrada de rodagem. Justo aqui de Itamb a gente tinha ponte para Itabira. Os animais eram os nicos que atravessavam dentro dgua. J h muito tempo no passa tropa por aqui. Antigamente vinha tropa de 10 burros. Eles compravam cachaa. Entrou o progresso, atrapalhou a atividade. Carvo aqui teve; muita carvoeira. Tropa trazia carvo at a estrada de carro. Essa estrada que vinha para Itamb foi a Companhia de Baro de Cocais que abriu pra tirar carvo. A os tropeiros foram perdendo (...) Tinha tambm os muladeiros. Eu fui um mesmo que levou muita tropa para So Paulo, depois da guerra. Levava s vezes 150, 200 burros. Meu primo Gensio Alves levava marcha daqui int (sic) l. Noventa dias para ir l e vender. E a voltava com dinheiro e em carro. Boiada tambm era tocada. Daqui para Belo Horizonte. Eu no, eu s mexia com cargueiro. Mas passava boiada enorme fazendo marcha para Belo Horizonte. Porcos tambm eram tocados da Zona da Mata. Eu nunca toquei, mas j cruzei com muito porco tocado, era 100, 200 porcos. Eles amarravam na frente uma cestinha com milho. Perguntado sobre alguma histria inesquecvel, ele conta: Muito sofrido, mas tenho saudade. O negcio era bom. Eu viajava em sociedade com meu irmo, Geraldo Lopes, e ns tinha (sic) tropa; e trabalhava direto no
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comrcio: buscava e levava pra Itabira; levava carne, trazia sal, trazia tudo de l para c, ento isso l por 1952 at 1960. Depois disso acabou tudo. O nosso entrevistado fala tambm da regio com muito orgulho. Fala das pinturas rupestres, feitas pelos ndios, na Serra dos Milagres e na Serra da Cabea de Boi. Disse que tem um veado e uma cobra desenhada pelos ndios numa lapa de pedra. So duas horas de caminhada, e carro no vai nem perto. Lamentavelmente nosso carrasco (o tempo) no permitiria visitar esses lugares e tivemos que nos contentar em ouvir histrias. Quem sabe numa prxima oportunidade. Frio demais: Deolindo Deolindo de Melo Lage, 75 anos, ex-Prefeito de Itamb do Mato Dentro, no foi tropeiro, mas seu pai foi. Ele nos conta: Meu pai faleceu com 90 anos, h uns 10 anos atrs. Ele nasceu em 1890. Ele conheceu bem a atividade tropeira. Movimento de tropa vindo de Peanha. Tocava porco para Santa Brbara, que era ponto de estrada de ferro. Todo mundo que vinha da mata passava por aqui, porque no tinha estrada de rodagem. Da regio da mata para Belo Horizonte passava por Conceio. Seu Alfredo Duarte tinha rancho de tropa, logo ali embaixo, na rua. Lembro de ver 10, at 20 lotes de burro, todo dia, sempre, constantemente. Todo dia tinha tropa passando. Puxavam principalmente caf pra Belo Horizonte e Santa Brbara. (...) Naquela poca carvo no transportava no; isso foi mais tarde, com caminho. Os tropeiros foram desaparecendo. Era um tempo normal, agradvel, coisa da poca. Tinha comprador de mula para levar para So Paulo, pra trabalhar nas lavouras. Eu mesmo j fui acompanhando uma tropa, 22 dias at So Paulo. Tocando mula; era umas cento e tantas bestas. Tinha 14 anos. Eu fiz 14 anos em So Paulo. Vendemos tudo. Voltamos de estrada de ferro. Eu fiz uma viagem s. Sobre a rotina da viagem, ele conta: Devagarinho pela estrada fora. Tinha o ponteiro, ele ia na frente da tropa para conduzir. E geralmente a gente arranchava, tinha as trempes; fazia comida ali. Feijo tropeiro. Eu sei que no sul de Minas ns arranchamos e foi um frio daqueles; todo mundo correu pro fogo; jogaram as cobertas em cima de mim e eu fiquei montado naquele peso de cobertas. Frio demais. O Lage nos fala de sua vida poltica: Essa ponte foi construda no governo de Artur Bernardes. Quem mandava no governo, a segunda pessoa do Governador era o Secretrio da Agricultura, Clodomiro de Oliveira, que filho de Itamb. meu parente e
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mora em Ouro Preto. (...) Ento construiu isso aqui pra nossa terra. a segunda ponte do Estado de Minas construda com cimento. A primeira foi em Juiz de Fora. O cimento veio de Santa Brbara, veio de estrada de ferro. Esse cimento foi importado da Inglaterra. No existia cimento em 1924, quando foi construda a ponte. Tem 75 anos. (...) O que nos resta, o que que ? gua, n (sic)? gua e as florestas que seguram a gua. Ele tambm um empreendedor no ramo de polpa de fruta. Processa e embala a Fina Fruta, sua marca. A polpa enviada para a Prefeitura de Santa Brbara que distribui na merenda escolar. Pra So Paulo: Expedito Estamos agora diante de Expedito Ferreira de Deus, 71 anos. Ele nos conta: J mexi com tudo que carreto. Carregava pra todo lado. S coisa da roa mesmo. Os tropeiros levavam caf para vender em Santa Brbara e de l eles traziam pra c os mantimentos. Naquele tempo no tinha carro. tudo no lombo de burro. J levei burro pra vender em So Paulo. Perguntado se gostava da vida de tropeiro, ele responde: Deus me livre, no era boa no! Sofria demais muito dura, chovia demais andando na estrada, (...) Dos tropeiros que passavam aqui na rua a gente no esquece; aqui no era nem rua; era um bequinho. Quem abriu a estrada aqui foi a Vale do Rio Doce. Abriu para puxar carvo, mas depois que o primeiro caminho apareceu por aqui, acabou, os tropeiros comearam a vender suas tropas e comearam a transportar seus trens no caminho. Mas tinha muito tropeiro aqui; tinha o Idiomar, Arthur, o Duarte, tinha o Gerson, tinha tambm o Geraldo Duarte Gensio. Reao dos paulistas Nos primrdios da colonizao brasileira, quando a maior parte da populao se concentrava no litoral, a necessidade por transportes era suprida em grande parte pela via fluvial (em embarcaes) ou por terra, utilizando carregadores nativos (ndios). Neste sentido, Monteiro369 informa que o Governador Francisco de Souza visualizava a introduo de duzentos carneiros de carga daqueles que costumam trazer a prata de Potosi, alm de fazer castas deles e nunca faltassem. E no ltimo quartel do sculo, quando o fluxo de ndios do serto comeou a diminuir sensivelmente, alguns produtores procuravam criar animais de carga, aparecendo estes com crescente freqncia em inventrios a partir de 1670.
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Goulart370 menciona que foi por iniciativa do clrigo Joo Faria Filho, acompanhado de Antonio Dias de Oliveira e os Irmos Camargo que, em 1698, iniciou a primeira criao de hbridos em Vila Rica (Ouro Preto), Minas, por conta da necessidade de tornar mais eficiente os transportes. O comrcio de bestas do sul era grande pagador de impostos. Com a ampliao dos rebanhos em Minas, os comerciantes de bestas de Sorocaba tiveram suas atividades prejudicadas, o que rendeu uma reao dos paulistas. Havia criadores de muares nas cidades de Barbacena, Lagoa Dourada e Entre-Rios de Minas, como informa Maia371. O animal vive solto no pasto do nascimento at os dois anos e meio, quando j se deu a primeira e a segunda muda; o animal perde quatro dentes em cada muda. Entre os dois anos e meio e os trs anos, o animal comea a ser preparado para o trabalho. Vem a doma. Capricho na criao de muares A criao de muares ao longo das principais estradas mostrava-se uma atividade com grande potencial econmico, haja vista que no raro as tropas necessitavam substituir animais extraviados ou mortos pelos mais diversos motivos. Gardner 372 nos d um breve relato sobre esta assertiva, comentando que um certo ingls, Sr. March, beira da Estrada Real, prximo ao porto de Estrela, mantinha uma estncia para criao de cavalos e mulas. O Prncipe Maximiliano373 enftico, referindo-se Capitania de So Paulo, onde h muito capricho na criao de muares. Comenta ainda que na regio do baixo Rio Paraba do Sul criam-se a alguns muares; no so, porm, fortes e bonitos como os de Minas Gerais e Rio Grande. Nesse tempo chovia muito: Ramirez Fomos convidados para ir na casa de Ramirez Vieira de Oliveira, 92 anos. Ele mal enxergava, mas insistiu em nos dar seu relato da sua vida: Os tropeiros carregavam toucinho, caf; pegavam caf nos lugares que tinha, naquele tempo, tinha muito caf para vender, tinha muitas
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lavouras, muito milho tambm; muito porco gordo. E tinha um lugar aqui para baixo nesse tempo o sal era muito custoso, tinha que buscar ele no Porto da Estrela, mas hoje em dia esse negcio de Porto da Estrela deve ter mudado. Esse porto deve ser no Rio de Janeiro, o meu clculo esse, deve ser no Rio de Janeiro. Os tropeiros comearam a desaparecer tem uns vinte anos. Foi acabando devagar por causa das estradas. O pessoal tambm tocava porco. Chamava os porqueiros. Nessa mata tinha os porcos, mas no tinha sal. Trabalhava l trinta dias pro porco engordar. E os tropeiros tambm compravam o toucinho; o sal vinha de Santa Brbara. Vendia rapadura tambm. Tinha o boiadeiro tambm, passava aqui na rua. E os muladeiros que tocavam burrada para So Paulo. Vendia pros homens que tocavam servio. Depois voltava e comprava mais burro. O pessoal transportava as mercadorias em bruacas. Nesse tempo chovia muito; arranjava o couro para no molhar. Tinha caf, toucinho; apertava ali para no molhar. Tinha a boneca na frente da mula. Porto de Estrela Depois do depoimento de Ramirez resolvemos aprofundar um pouco mais na questo do Porto de Estrela, Porto da Estrela ou Nossa Senhora da Estrela dos Mares como encontramos referncias. Segundo Marcio Santos374, em sua recente e brilhante obra, intitulada Estradas Reais, Minas Gerais era ligada ao resto da colnia por dois caminhos bsicos: o Caminho da Bahia e o Caminho Velho. Aquele ligava Minas Gerais a Salvador da Bahia, pela beira do Rio So Francisco, com uma alternativa que cruzava o Vale do Jequitinhonha, passando por Minas Novas (antiga Vila do Fanado). Este caminho, por sua vez, oriundo das primeiras Bandeiras, empreendidas pelos paulistas em busca de ndios e ouro, partia do Vale do Paraba, subindo a Mantiqueira e atingindo Minas. Com a descoberta do ouro e seu conseqente escoamento para o litoral, e da para Portugal, consolidou-se o Caminho Velho, que vinha de Minas Gerais rumo sul, cruzando o Vale do Paraba na altura da hoje cidade de Guaratinguet, e chegando costa na cidade de Paraty, na Baa da Ilha Grande. Em pleno ciclo do ouro (XVIII), sentiu-se a necessidade de encurtar a distncia proporcionada pelo Caminho Velho. A alternativa seria um caminho novo que ligasse Minas ao Rio de Janeiro. Para esta misso foi contratado Garcia Rodrigues, no ano de 1698, cujo plano para a empreitada previa a sada de Borda do Campo375 (prximo confluncia do Caminho Velho na altura de Barbacena), passando pelo Rio Paraba (Paraba do
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Sul RJ) e de l ao Rio de Janeiro, via Alferes (Paty do Alferes RJ) e Nossa Senhora do Pilar (Campos Elseos Duque de Caxias RJ), chegando finalmente ao Rio de Janeiro. Este caminho foi chamado de Caminho Novo e, comparado ao Caminho Velho, encurtou a distncia para o Rio de Janeiro em vrios dias, considerando-se ainda a eliminao do trecho martimo entre Paraty e o Rio, na poca infestado de piratas e corsrios. Desde ento, Minas Gerais ligou-se ao Rio de Janeiro por este Caminho Novo, caindo em desuso o Caminho Velho, o que provocou grande ira entre os paulistas. Mais tarde, por volta de 1722 a 1725, uma variante do Caminho Novo foi aberta, conhecida por Caminho do Proena, partindo do Rio Paraba via Cebolas (Inconfidncia municpio de Paraba do Sul RJ), Fagundes (municpio de Petrpolis), da subindo pela beira do Rio Piabanha at a Fazenda Crrego Seco (hoje cidade de Petrpolis), e de l descendo a Serra da Estrela at a beira do Rio Inhomirim, e por este pelo fundo da Baa da Guanabara at a praia dos mineiros376, na cidade do Rio de Janeiro. Na beira do Rio Inhomirim estabeleceu-se o Porto da Estrela, que por mais de um sculo foi o principal entreposto de quem partia para ou chegava de Minas Gerais. Spix & Martius377 relatam que o Porto da Estrela era visitado por todos os viajantes que seguem para Minas, (...) o porto geral entre o Rio de Janeiro e a provncia de Minas Gerais. Vem-se compridas filas de mulas, carregadas com caixas e bagagens, chegando do interior, ou indo para l. Sobre o Porto da Estrela, Mawe378 comenta: Depois de ter subido pelo rio (Inhomirim) duas lguas, chegamos a uma aldeia sua margem, denominada Porto da Estrela, muito animada pelas numerosas tropas carregadas de produtos do interior, que a ela chegam a todo momento. Pohl379 relata: A localidade conta umas sessenta casas de madeira, mal construdas, que ameaam ruir, e uma capela sobre um outeiro de granito, qual se chega por um caminho de pedra. Cada casa tem uma venda, sendo o lugar uma espcie de emprio de mercadorias de Minas Gerais e de regies do Reino e que aqui so embarcadas para o Rio de Janeiro.

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Bunbury380 tambm deixa seu testemunho: uma pequena aldeia (...) onde as tropas ou caravanas de mulas so organizadas para viagens s Minas. E sobre o Porto de Estrela, Saint-Hilaire381 comenta: Desde que comecei a viajar pelo Brasil nenhum outro lugar me pareceu to cheio de vida e de movimento quanto esse porto. O viajante v-se tonto no meio dos burros de carga que chegam e partem, dos fardos dos tropeiros, de mercadorias de toda espcie que atravancam o povoado. Lojas bem providas fornecem aos numerosos viajantes quase tudo o de que necessitam. J no Brasil Imprio, abriu-se uma estrada carrovel subindo a Serra da Estrela e mais tarde a primeira ferrovia at Petrpolis. Com isto, o Porto da Estrela perdeu seu sentido, e hoje restam apenas runas, testemunha de uma poca de intenso movimento. O Guia Estrada Real382, para caminhantes, de autoria de Raphael Oliv, lanado no ano de 2000, relata o seguinte sobre o Porto da Estrela: Lamentavelmente, s restam alguns degraus de pedra encobertos pela vegetao e que confirmam que aqui era o outrora prspero porto fluvial da ento Vila da Estrela. Uma olhadela para cima, desembarcados, com os ps em terra firme, observamos as runas da Capela de N. S. da Estrela. No morro, ao lado das runas, ficava o antigo cemitrio, hoje sem lpides ou cruzes, entregue ao mato. A capela foi edificada em 1650 e foi dedicada Nossa Senhora da Estrela dos Mares. O povoamento que existiu comeou a tomar forma entre 1666 e 1771 e na primeira metade do sculo XIX era uma vila prspera e movimentada. A utilizao desse porto, a partir de 1724, conseguiu encurtar em quatro dias a viagem do Rio de Janeiro s Minas. Entancado Almoamos com o pessoal que retornou do Entancado. Depois fomos para um lugar conhecido por Prainha, um verdadeiro balnerio em Itamb na beira do Rio do Peixe. O lugar muito lindo. Muita gua. Segundo nosso anfitrio, nos fins de semana e feriados a rea invadida por banhistas. Eles trazem muito lixo mas o municpio se encarrega da coleta.
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Mascates O mascate enquanto viajante - constitui uma figura singular. Encontramos vrios sinnimos: artista de mercancia; bufarinheiro; comerciante andarilho; caminheiro solitrio; comerciante nmade; caixeiro viajante; homem errante; judeu da prestao; mercador andejo; mercador errante; mercador ambulante; mercador vendilho; mensageiro da alegria; negociante ambulante; pombeiro; regato; turco da prestao; tendeiro volante; vendedor errante; vendedor nmade; vanguardeiro da civilizao, viajor errante, entre outros. No comeo, o mascate, via de regra estrangeiro, chegava ao Brasil j com mercadorias, geralmente europias. A mascateao comeava com a mercadoria carregada nas costas e a conhecida matraca anunciando sua chegada nas roas isoladas. Com o sucesso do empreendimento da mascateao, logo uma besta fazia o trabalho de carregar as bugingangas. Embora no pudesse ser considerado um tropeiro, interagia na atividade como se o fosse. E de certa forma era. Mas tinha identidade diferente, pois, como estrangeiro e com sotaque, oferecia novidade e adicionava um charme maior aos produtos. Em todo o caso, o comrcio era sua atividade principal. Sua figura era a do prprio comerciante, e no o comrcio do transporte. O mascate utilizava bestas para transportar suas prprias mercadorias, e no de terceiros. Ou seja, no se dedicava atividade comercial de transportes. Assim, nem todo mascate era tropeiro, mas praticamente todo tropeiro, de uma forma ou outra, mascateava. Vejamos o que nos conta Goulart383 sobre o mascate: Com os primeiros lucros, isto , com os ganhos das primeiras viagens, que no eram nfimos, o mascate procurava meio de aliviar as fadigas: adquiria uma besta de carga, metia-lhe cangalha ao lombo, alava a esta duas canastras recheadas; e, de animal pelo cabresto ou nele escanchado, fazia-se pelos ermos caminhos em alongados e demorados giros (...) Tornava-se um negociante prspero, e em pouco tempo (...) um cargueiro s no chegava para as exigncias do negcio (...) Adquiria outra mula, mais outra, outra mais, e estava o mascate dono de tropa, ou de comitiva, patro de camaradas, escravos ou assalariados, responsveis pelos animais e pelas cargas.
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A tropa do mascate era sempre bem vinda em qualquer parte. Como comenta Goulart384 , Fazenda nenhuma lhe cobra pouso; e merece comer na cozinha, com a dona da casa e as moas solteiras. Tudo era danado de bom: Pedro Antes de nossa sada definitiva de Itamb, entrevistamos Pedro Silvestre Simes, 57 anos. Ele nos d o seguinte relato: J fui tropeiro. Transportava bagagem. Rapadura, carne de churrasco. Ia de Santa Maria de Itabira para Morro do Pilar, Santa Brbara. O mais longe que a gente ia era Santa Maria de Itabira. J fui muladeiro. Comprava tropa pra levar pra So Paulo. Eu tinha 15 anos quando fui a So Paulo. Era bom negcio. Agora t ruim. Agora todo mundo tem carro. Tudo era danado de bom. Tocava porco tambm: Jos Finalizando nossa passagem por Itamb, entrevistamos o Vice-Prefeito, Jos Morais Filho, 52 anos. Este o crrego do Funil. Aqui tinha uma travessia de tropa. Era ali embaixo. Antes da ponte. Era difcil pros tropeiros atravessarem quando chovia. O crrego enchia. Tinha que esperar vrios dias. Meu pai j foi tropeiro. Eu no. Meu pai ficava s vezes uma semana fora, em viagem para Santa Brbara e Itabira. Ele levava rapadura, ovos, galinha; tocava porco tambm. J na estrada, observamos que paisagem cada vez mais tpica da Serra do Espinhao. Observamos bons pedaos de vegetao nativa conservada. Seu Domingos o ermito Chegamos lapa do Domingos, o ermito. Segundo informaes coletadas, mas no confirmada por ele, j so trinta anos nesta vida solitria, vivendo ora numa gruta, ora noutra. Seu Domingos , definitivamente, uma figura extica. Nada que se v no dia-a-dia. Em sua lapa, que chama de casa, tem todo tipo de coisa pendurada nas fendas do teto. Desde pedaos de ferradura quebrada, caixas com mantimento, lata dgua, sacos, lenha, balaio, etc. Segundo nos informaram, embora levasse uma vida rude, Domingos recebe penso do INSS atravs de um procurador. Com o dinheiro ele compra verduras e outros alimentos, que
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so entregues por uma Kombi em sua porta, digo, entrada da loca. Ele no foi tropeiro, e sua nica histria sobre So Paulo. Entre frases entrecortadas, vira-e-mexe ele solta uma falando sobre os traumas que tem sobre uma temporada vivida na paulicia. Ele diz que se Deus tivesse dado coragem ao homem de se suicidar, So Paulo no existia. Deixamos a loca do Domingos. No tardou e chegamos Fazenda do Sobrado. Todo o povo j se encontrava reunido. Todos prontos para o merecido descanso. O jantar foi tpico de uma fazenda.

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14 dia: Sexta-Feira 23 de Julho Fazenda do Sobrado a Morro do Pilar


Devagar na subida do morro, para bem do animal; galope no plano, para bem da viagem; e devagar na descida, para seu prprio bem. Burton385 Alvorada. O dia amanheceu magnfico. O lugar era uma autntica fazenda. O curral bem prximo da casa assobradada garantia a autenticidade rural. Contava muita piada do rancho de pousada: Joo Jorge O caf da manh estava a pleno vapor. Enquanto degustvamos uns goles de caf e po com manteiga, conversamos com o proprietrio da Fazenda do Sobrado, nosso anfitrio, Joo Jorge Gomes, 59 anos, fazendeiro, que foi logo dizendo: No, eu no fui tropeiro, mas meu pai foi. Ele levava caf para Santa Brbara e toucinho de Peanha para Santa Brbara. Voltava com sal e cargas para as lojas de Itabira. Ele era natural da zona rural de Itabira. Quando eu nasci ele no era mais tropeiro. Parou na dcada de 40. Perguntado se chegou a transportar carvo, ele responde: No, no chegou a transportar carvo. O trecho dele era Santa Brbara e Peanha. O lote de burros era do sogro. Ele era tocador. Perguntado sobre alguma histria que seu pai lhe havia contado, ele revela: Me lembro que ele chegava naqueles boqueires de terra de atoleiro e que se tirava o couro da tropa, cobria o cho pra tropa passar e ter que carregar tudo de novo. Na estiva; essa era a histria que eles contavam pra gente. Contava muita piada do rancho de pousada. Sobre sua atividade como fazendeiro, ele responde: Eu mexo com pecuria de leite e tenho uma cultura de feijo, milho e arroz. uma coisa que implantei nessa regio, porque ningum sabia plantar arroz de campo.
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Comprei esta fazenda h dezoito anos. Acho importante a idia do pouso rural. uma possibilidade. uma regio muito boa e est no caminho. O Rio do Peixe atravessa muitas fazendas. Eu acho que um lugar muito bom, tem praias muito limpinhas. um local histrico. Depois dessa entrevista e de nosso frugal desjejum, fizemos uma rpida incurso na propriedade do Gomes. O lugar reserva recantos de rara beleza. Crregos de guas lmpidas murmurejam entre campos. O lugar um espetculo e de grande potencial ecoturstico. Casa de escoteiro Saint-Hilaire 386 relata que, alm dos ranchos, alguns proprietrios tm ainda, para os viajantes de categoria superior aos tropeiros, quartos que chamam de casa de escoteiro; mas, quase sempre, o rancho ainda prefervel. Ainda segundo este viajante, ao pousar numa fazenda, foi recepcionado com extrema hospitalidade, que incluiu uma cama e alimentos, alm de no ter sido cobrado por tal mordomia. Ele registrou o seguinte comentrio: Esses homens, disse minha hospedeira a meu arrieiro Manoel Silva, j so bastante infelizes de estar to longe do seu pas; devemos tratar de tornar-lhes o nosso mais suportvel. Com relao aos pousos em fazendas particulares, Spix & Martius relatam um dado curioso: Na parte dos fundos esto os quartos da mulher e do resto da famlia, que aqui, segundo o costume portugus, logo deve retirar-se para esses cmodos, quando chegam pessoas estranhas. Mais adiante, com relao ao pouso, acrescentam que Em vez de leitos, servem-se os brasileiros, quase por toda parte, de redes torcidas ou entrelaadas (maqueira). E sobre a disponibilidade de gua, relatam que Tampouco encontra o viajante em parte alguma poos, e tem que servir-se para todos os fins de guas pluviais, ou gua de fonte ou de rio.
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No Arraial do Tijuco, Saint-Hilaire 388 comenta que Incessantemente vem-se chegar ao Tijuco caravanas de burros carregados de mercadorias e vveres. H na localidade trs hospedarias onde param os tropeiros; mas os gros, a farinha de milho e a mandioca no podem ser vendidos seno em uma delas, situada na Praa da Intendncia. frente dessa hospedaria forma uma galeria onde so depositadas as mercadorias
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de que se trata, e que pode ser considerada como uma espcie de mercado. Em certa ocasio, pedindo pouso numa fazenda, este viajante recebeu a hospitalidade esperada, com o oferecimento de um quarto. Sobre este ele conta: Em geral numa pea separada do resto da casa que se agasalha o estrangeiro; desse modo evita-se-lhe o trnsito pelo interior da casa e ele no pode ver as mulheres. Ainda com relao a pedir hospedagem durante as viagens, Saint-Hilaire complementa: No se vai pedir hospedagem aos proprietrios das habitaes, como acontece nas regies pouco freqentadas por viajantes; mas, de distncia em distncia, encontram-se ranchos e vendas, sendo a que se para. Esses ranchos, desprovidos de todas as comodidades, so quase sempre mantidos por homens de uma classe inferior, que suas relaes com os tropeiros tornam pouco honestos. Dificuldade de obter acomodaes Mawe 389 comenta que no Tijuco (hoje Diamantina) era comum oferecer um banho quente aos viajantes recm-chegados, como meio de aliviar as dores causadas pelas fadigas do dia. Gardner 390 comenta que uma das grandes desvantagens de quem viaja no Brasil a dificuldade de obter acomodaes. Em nenhuma cidade ou vila deste Imprio, exceto no Rio, Bahia e em um ou outro distrito de minerao, se encontra uma estalagem de qualquer espcie, e as poucas que h pertencem a estrangeiros. E segue comentando que muito tempo ainda havia de passar para que a comodidade de um bom pouso entrasse nos costumes do pas. E justifica: porque os brasileiros, quando viajam, levam consigo criados, provises, apetrechos de cozinha e camas; e raro que no se encontrem uma ou outra casa vaga em alguma aldeia durante a viagem. E este viajante comenta ainda, em viagem pela zona de minerao, que Todas as casas (...) que no esto dentro da cidade tm na frente um alpendre sob o qual os viajantes geralmente pedem licena para fazer o pouso da noite, pendurando suas redes nos ganchos que para isso esto ali. Mais alm, Gardner comenta que algumas casas so edificadas com uma das extremidades voltadas para o caminho e nesta extremidade h um grande cmodo com uma mesa e um banco, visivelmente destinado acomodao de viajantes, e que este cmodo no tem qualquer comunicao com o restante da casa. Desta forma, o viajante no tinha contato com os moradores, sobretudo as mulheres, como vimos em
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comentrio de Spix & Martius. Evitar contato era uma preocupao constante dos hospedeiros. Segundo Burton 391, Considera-se um aodamento deselegante desmontar sem ser convidado, especialmente numa casa particular. Todas as etiquetas e cerimnias das casas particulares aplicamse aqui s pblicas. Os estalajadeiros so to exigentes quanto os moradores. Deixamos finalmente a Fazenda do Sobrado. Os caminhantes j estavam em curso a longo tempo, rumo a Morro do Pilar. Paulo Magno do Bem Filho / Filipe Maia Hoje incorporou Expedio o mdico Filipe Maia. No percebemos de onde e como ele chegou Fazenda do Sobrado. Veio substituir o Paulo Magno do Bem Filho que nos havia deixado desde Sabar. Bem vindo, companheiro. Fizemos a travessia do Rio do Peixe a vau. O Joo Gomes tinha razo, a gua de uma limpeza extraordinria. O drama da candeia Passamos por uma rea coberta por candeia392. Nos dois lados da estrada vrias peas haviam sido cortadas e empilhadas, aguardando transporte. As autoridades ambientais no conseguem ou no querem reprimir o problema, que a mdio e longo prazo vem condenando ao desmatamento sumrio vrias regies do alto Jequitinhonha. A FUNIVALE, em 1996, lanou uma campanha intitulada SOS JEQUITINHONHA, depois de constatar a ferocidade do desmatamento da candeia nas cabeceiras do Rio Jequitinhonha. Chegamos a Morro do Pilar no meio da tarde. O clima na cidade era de alvoroo espera da Expedio. Pessoas se reuniam na entrada da cidade. Muitos cavaleiros, caminhes e muita gente concentrada. Parecia festa. Neste momento flagramos a chegada de dois caminhes Mercedes carregados com candeia. Informaram que prximo dali havia uma fbrica, uma usina de leo. No dia seguinte nossa primeira providncia seria investigar esta usina.
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Nossa Senhora da Conceio do Morro do Gaspar Soares ou Morro do Pilar Morro do Pilar j foi chamada um dia de Nossa Senhora da Conceio do Morro do Gaspar Soares. Spix & Martius393 relatam o seguinte sobre esta cidade: alcanamos (...) ao entardecer, o morro do Gaspar Soares (...) H quarenta anos passados, toda a regio montanhosa de Gaspar Soares at Vila do Prncipe era revestida de densa mata virgem sem interrupo, continuando as matas do Rio Doce; atualmente, j grandes trechos dela foram abatidos. Mawe394, um dos primeiros estrangeiros a passar por esta regio, faz um breve e singelo relato sobre Gaspar Soares: povoao abandonada. Gardner 395 chama ateno para um detalhe interessante: passamos pelo pequeno Arraial do Morro do Gaspar Soares, o qual, ao contrrio do costume geral do Brasil, est situado no cimo de alta montanha. Saint-Hilaire396 enftico: A povoao de Gaspar Soares se compe de pequeno nmero de casas como as de tantos outros povoados, s anunciam decadncia. Quase nenhuma tem caiao. Morro do Pilar j foi o cenrio de uma revoluo silenciosa. Aqui, o Intendente Cmara, no comeo do sculo XIX, deu incio ao projeto de uma fundio de ferro. O projeto era imenso, tendo consumido grande energia e uma engenharia sem precedentes em Minas poca. O Intendente conseguiu a proeza e chegou a abastecer de ferro o Distrito Diamantino por algum tempo, a despeito de toda a resistncia daqueles que ganhavam com os impostos sobre o ferro importado da Inglaterra. Os tropeiros tambm perderam uma fatia considervel da pauta de produtos transportados. Ganhou a regio. Ganhou o Brasil. Capadaria: Ismael Conhecemos Ismael Soares Chaves, 54 anos. Ele nos d o seguinte depoimento: No, eu no fui tropeiro, mas meu pai e meu av e meu sogro j foi (sic). Meu pai se chamava Damio Afonso Chaves e meu av Francisco Afonso Chaves. Quando eu nasci meu pai estava largando a profisso; ele e meu sogro. Em 1946 ele j tinha vendido a tropa, deixando
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s uma parte para os trabalhos na fazenda. Ele transportava caf; o forte daqui era arroz e cana. Levava para Vespasiano; o caf levava para Santa Brbara e trazia de l o que precisava aqui: sal, arame, macarro que no tinha aqui. Ele passava 15 dias pra l e 15 dias pra c, na estrada. Meu pai j foi criador de mula tambm; ento vinha os muladeiros de So Paulo, do sul de Minas, comprar aqui na regio muita tropa. Iam embora tocando 50 mulas. Meu sogro j tocou porco pela estrada. Veio de Peanha trazendo uma capadaria397, veio com a tropa acompanhando. Ento os porcos afrouxavam que no agentavam e sangravam; embalaiava. Chamava toucinho embalaiado. Aqui em Morro do Pilar j no vejo tropa h muito tempo. Eu puxo cana. Direto, e milho da roa. Tenho 8 animais de carga. Transporto com balaio, com gancho e com bruaca. O pessoal na serra colhe flor, sempre viva, e tira com mula. Eles tira (sic) aqui na Serra do Cip. (...) Lembro de uma histria que meu pai sempre contava, que o seguinte: Tem o tropeiro e tem o dono da tropa. O tropeiro o tocador mesmo e o dono da tropa, ele um comissrio, ele sai na frente, que organiza as cargas; mas o tropeiro aquele que pega no pesado. O tropeiro (tocador) ia a p, com uma sandalhinha. O arrieiro ia a p tambm. O madrinheiro ia montado, sempre na frente. A tropa era 3 a 4 pessoas no mximo. E sempre tinha um garoto. Imprevidente, inconstante, perdulrio e vaidoso Vrios viajantes tiveram problemas com a mo-de-obra tropeira. Eram ameaados de abandono pelos tropeiros no meio da viagem. Numa determinada passagem, Saint-Hilaire398 relata que meu tropeiro declarou-me que havia resolvido voltar para casa, e s a duras penas consegui dele que no me abandonasse num lugar onde eu no conhecia ningum. Um pouco mais adiante na viagem, este viajante conseguiu um tropeiro substituto, fazendo uma longa descrio do tipo e seu comportamento, que entendemos valer a pena a transcrio: Apareceu um homem com boas recomendaes e contratei-o razo de 7.200 ris por ms. Jos Mariano era o seu nome. Tinha a pele bastante escura, mas como seus cabelos, embora duros e negros, fossem inteiramente lisos e o seu nariz aquilino, bem provvel que corresse em suas veias uma mistura de sangue caucsico, negro e americano. Esse homem possua no mais alto grau todas as boas e ms qualidades que caracterizavam os mestios. Tinha uma inteligncia muito viva e uma sagacidade fora do comum, mas era ao mesmo tempo imprevidente, inconstante, perdulrio e vaidoso. Ora
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mostrava-se alegre e jovial, ora assumia atitudes infantis para irritar os seus superiores. Gostava de conversar, e contava as aventuras de todos os tropeiros do Brasil como se tivesse acontecido com ele prprio. Ainda com dificuldades na viagem, em especial com relao mo-de-obra tropeira e os animais, Saint-Hilaire relata que ao deixar Arax, me foi possvel comprar ali um burro e algumas malas, como tambm, ao partir, levei comigo um tocador. Era um rapaz da raa branca, a quem contratei por 3.000 ris ao ms. Ao deixar o Rio de Janeiro, Saint-Hilaire399 conta que um patrcio seu, estabelecido nesta cidade, pediu que levasse consigo um negro, escravo, de nome Zamore, para habitu-lo nas viagens e na lida com a tropa. Um aprendiz de tropeiro. E comenta que Os negros condutores de animais no possuem nenhuma idia sobre o modo de trat-los, e, freqentemente, vem-se estes pobres animais galopar com seus sacos batendo-lhes nos flancos. Tempos depois, viajando pelos arredores de Niteri, em direo a Saquarema, Saint-Hilaire narra um fato curioso, envolvendo o tropeiro Jos Mariano e o negro Zamore: o tropeiro Jos veio anunciar-me (...) que me ia deixar. Reclamou do negro Zamore. Alegou, ainda, que, mesmo no sabendo o francs, havia entendido que ele (SaintHilaire) e Prgent (um de seus criados trazidos da Frana) falavam mal dele. Tentou conciliar e no exigiu mais dinheiro por seus servios. Pediu apenas autorizao para bater o quanto quisesse no negro Zamore, como condio para continuar na tropa. O bom Zamore, naturalmente muito preguioso, (...) e era confesso, menos capaz de ajudar a um tropeiro que esses meninos de 10 a 12 anos que, em Minas, acompanham as caravanas. Saint-Hilaire recusou a proposta e perdeu o tropeiro. Tentou de todas as formas recrutar um tropeiro nesta regio, mas no teve sucesso. Apareceu, contudo, um paulista que se dizia tropeiro, mas o referido, conforme narra, era desses que no sabem carregar e ferrar os animais, no passando de um desses homens chamados peo, cuja habilidade consiste em lanar o lao e domesticar cavalos e bestas de carga. (...) no conseguiria nenhum tropeiro nos arredores (...) porquanto no se faz na regio viagem mais longa que a da Capital. Saint-Hilaire deixou a tropa estacionada e retornou ao Rio de Janeiro com o negro Zamore, para devolv-lo ao seu conterrneo e na esperana de encontrar um tropeiro para seguir viagem. Como no se encontram bons tropeiros seno entre o povo de Minas, dirigi-me aos mineiros do meu conhecimento que se achavam no Rio de Janeiro; mas
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eles no puderam descobrir nenhum. Finalmente arranjou um tropeiro e achava-me muito satisfeito; demonstrava bom humor e inteligncia, amava o trabalho e freqentemente ajudava aos outros domsticos. Gardner 400 tambm teve dificuldades com a mo-de-obra tropeira, como se depreende da seguinte narrativa: ficamos dois dias esforando-nos por contratar outro homem que ajudasse no trato da tropa; mas tive grande dificuldade. A incrvel histria do Intendente Cmara A chegada da tropa e dos caminhantes a Morro do Pilar foi se dando aos poucos. O foguetrio foi marcante. Bastante gente nas ruas. A tropa chegou, acompanhada de uma poro de outros cavaleiros. Fomos todos l para as runas da antiga fundio de ferro. Morro do Pilar um lugar singular. Aqui teria sido fundido ferro pela primeira vez no Brasil. Existe uma controvrsia histrica, onde a primeira fundio teria ocorrido na Fazenda Ipanema, hoje Araoiaba da Serra, no Estado de So Paulo. Tenha sido Morro do Pilar o primeiro ou o segundo lugar, neste caso no importa. O que vale a incrvel histria do Intendente Cmara e sua obstinao neste empreendimento. Aps os discursos tpicos de chegada na comunidade, donde se manifestou o Prefeito entre outros polticos, fomos finalmente alojados num stio cerca de dois quilmetros da cidade. Lis Produo Chegou o pessoal da Lis Produo (Beto Magalhes, Marcellus Giovanni, Marcelo Miranda, Paulo Poloni e o Wellington Brito) e com eles nossa assessora de imprensa, Sonia Pessoa. Nesta noite ocorria, coincidentemente, a festa do Peo Boiadeiro. A cidade estava em festa literalmente. Para nosso divertimento, fomos no rodeio dar uma espiadinha. Os nossos tropeiros se sentiram em casa. Haja disposio. Fomos nos recolher. Amanh seria um dia longo.

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15 dia: Sbado 24 de Julho Morro do Pilar a Conceio do Mato Dentro


o caminho a moderna diligncia sertaneja; vai onde nem sonha ir o trem, onde automvel jamais passou, (...) vai em lugar onde at avio no se atreve... Destronou o comboio de burros, e hoje no tem comboieiro que pense no futuro e no ande atrs de uma vaguinha de ajudante de caminho, para aprender a guiar. Rachel de Queiroz401 O local do nosso pernoite foi bastante agradvel. Os animais ficaram bem instalados no curral ao lado da casa. Trouxeram po, caf, queijos. No houve melhor refeio. Fabiano Neste dia, alis, desde a noite anterior, juntou-se Expedio o historiador Fabiano Lopes de Paula, do Instituto Estadual do Patrimnio Histrico e Artstico de Minas Gerais IEPHA. Seja bem vindo, companheiro. Incorporou-se tambm Expedio a comitiva Intendente Cmara. Trata-se de um grupo de cavaleiros da cidade de Diamantina, que estariam cavalgando conosco at o destino final. leo de candeia Partiramos hoje em direo a Conceio do Mato Dentro. Contudo, no podamos deixar Morro do Pilar sem antes visitar a tal usina de leo de candeia. Para l partimos. Conseguimos localizar a usina sem dificuldades; e, para conseguir entrar nas instalaes, tivemos que usar de um pouco da artimanha jornalstica. Simplesmente dissemos na entrada
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que estvamos ali por solicitao do Prefeito, que, segundo informaes, era o dono da fbrica. Delmiro Mendona, um paulista, encarregado da usina, nos deu o seguinte depoimento: Tocar tropa no, mas j mexi muito com burro, criao. J mexi muito com gado. Tocava gado. Hoje meu negcio tirar leo de candeia. Eu trabalhava com extrao de leo de eucalipto, l em So Paulo, e depois inventamos isso aqui. Foi h 13 anos. A eu fui embora e depois voltei. Fizemos excelentes imagens e registramos em udio os diferentes processos de extrao da candeia. Na sada da usina perguntamos se era possvel examinar a licena dos rgos ambientais, o que o Delmiro prontamente disse que no sabia. De acordo com a legislao ambiental, a candeia como qualquer madeira nativa s poderia ser abatida em qualquer propriedade mediante um plano de manejo, aprovado pelo rgo competente. O controle e fiscalizao desta atividade requer mais ateno do Instituto Estadual de Florestas, pois, segundo informaes colhidas, uma nica guia de transporte de madeira patrocina vrias viagens. Ou seja, no se sabe ao certo quanta madeira se extrai e tampouco reposta. Palmito: Romero Romero Ferreira de Oliveira nos contou: No, eu no fui tropeiro, mas meu pai foi. O nome dele era Ferreira de Aguiar. H quatro anos ele morreu, com a idade de 95. Ele parou de mexer com tropa tem uns quinze anos. Parou por causa da idade. Aqui pra cidade ele trazia lenha, polvilho, farinha. Ele tinha cinco animais. No chegava a ser um lote. Lote so dez. Ele ia tambm para Conceio do Mato Dentro, levando polvilho e rapadura e trazia feijo. Eu acompanhava ele nas viagens aqui para a cidade. Eu hoje trago palmito em dois animais. O Romero outro indivduo cuja atividade, tida como tradicional, ilegal e predatria, pois o palmito que ele extrai nativo e contraria a legislao ambiental. Deixamos finalmente Morro do Pilar. A cidade nos marcou. Seu potencial turstico enorme, devido s runas da fundio. Ao mesmo tempo, do ponto de vista ambiental, a atividade em volta da extrao da candeia e da prpria usina de leo deixou claro um hiato que h muito se
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buscava descobrir: o que acontecia com toda a candeia extrada no Alto Jequitinhonha? Certamente o destino era Morro do Pilar. Sonia Pessoa A estrada em direo a Conceio do Mato Dentro um sobe e desce. Em certo ponto da estrada existe boa quantidade de mata conservada. No apoio da Expedio, Sonia Pessoa, assessora de imprensa do Projeto Expedio Spix & Martius, cuja competncia e empenho profissional vinha garantindo boa parte do sucesso desse empreendimento. O pessoal da Lis j partiu, levando embora o Carlos Alberto, veterinrio de Niteri - RJ. Na estrada encontramos aqui e ali os caminhantes. Cavaleiros esto atrs. Fomos at Conceio do Mato Dentro e fizemos os primeiros contatos com o pessoal da Prefeitura. Tivemos a grata surpresa de saber que nossa recepo seria de primeira, bem como nosso local de pouso. Os animais, contudo, no tiveram a mesma sorte. Embora as instalaes previstas no parque de exposio fossem boas, a mesma se localizava na entrada da cidade, para quem chega de BH, ou seja, teriam que se deslocar dois quilmetros at o centro de Conceio, para nossa entrada oficial, depois retornar os dois quilmetros para, enfim, instalar os animais. Such is life. Ganhava dinheiro: Wilson Encontramos o Wilson Afonso de Souza, 66 anos, de Conceio do Mato Dentro. J fui tropeiro. Carregava esse mantimento que produzia aqui mesmo. J fui at Diamantina transportando feijo, arroz, cachaa e caf. Quando vinha de l trazia tambm feijo, caf, toucinho. Parei tem uns 40 anos, mas me lembro bem daqueles tempos. No tenho saudade. A gente sofria muito. O lugar que a gente arranchava era muito ruim, lugar difcil, meio esquisito. Eu tinha 12 animais, tudo cargueiro. Trs pessoas tocavam essa tropa. Tinha funo de pegar peso, lotar burro e descarregar. Era o arrieiro, tocador e tropeiro. O cozinheiro era um dos trs. Eu acompanhava eles, para resolver os problemas por l, de compra e venda. Ganhava dinheiro.

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Travessias de rios A travessia dos rios era a tarefa mais exaustiva na lida tropeira e dos viajantes em geral. Alm do tempo que se perdia, a energia fsica despendida era enorme. Descarregar, atravessar as cargas e animais e recarregar tudo de volta na outra margem era uma canseira constante. No dizer de Paula Freitas402, as travessias de rios eram um verdadeiro atraso nas jornadas. Durante as cheias, as tropas de animais ficavam paradas dias e semanas diante dos rios, esperando que as guas escoassem para poderem atravess-los. Quando os animais j esto acostumados a esta dinmica, o trabalho facilitado. Em todo caso, o desgaste fsico imposto aos camaradas e o perigo com as guas - quase sempre desconhecidas - era irremediavelmente igual. Mesmo quando um rio permitia a travessia a vau, no se podia descuidar, como conta Pohl403, que perdeu afogados todos os pssaros que estavam nas caixas em que o burro que as trazia, ao passar um riacho, escorregara e cara num pntano. Vrios outros viajantes naturalistas descreveram a perda de colees inteiras, papis e outras cargas, devido ao descuido nas travessias de rios. Saint-Hilaire404 comenta a dificuldade que teve na travessia da Baa de Guanabara, entre a cidade do Rio de Janeiro e a Praia Grande (hoje Niteri). Foi, contudo, opo melhor enfrentar tais dificuldades do que dar a volta por terra pelo fundo da baa. Tinha previamente obtido vrios barcos para transportar meus animais de carga. Essa operao, que teria sido extremamente fcil se existisse uma ponte apropriada, essa operao, repito, foi muito demorada. Era preciso forar os animais a entrar na gua; inclinar, com grande esforo, as pequenas embarcaes e a colocar as patas dianteiras das pobres bestas com risco de quebrar-lhes as pernas e, enfim, dar-lhes muitas chicotadas para faz-las saltar nos barcos. O Prncipe Maximiliano405 teve experincia semelhante nesta travessia, conforme narra: acomodamos os burros num grande barco. Deunos trabalho insano convencer esses animais, proverbialmente obstinados, a saltar para a embarcao, o que em parte se explica pela falta, no pas, de instalaes apropriadas ao embarque de animais de carga.

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Sobre a travessia do Rio Paraba, Saint-Hilaire406 informa que Atravessa-se o rio sobre uma balsa que muito bem construda, e pode receber de cada vez uma dzia de burros; esse modo de travessia apresenta, porm, graves inconvenientes. -se freqentemente obrigado a descarregar os animais antes de faz-los entrar na prancha; esses animais s vezes se espantam, o que no isento de perigos. S saiu com risco de vida Spix & Martius407 mencionam que na travessia do Rio Pira, como j era de costume, tiveram que descarregar os animais e atravesslos a nado. As cargas atravessaram nas costas dos camaradas. Em determinado ponto havia uma pinguela que teria sido arrastada pela correnteza. Um dos integrantes da comitiva, atravessando a cavalo num local mais raso, afundou de repente, com susto nosso, num perau, de onde s saiu com risco de vida. Numa travessia de rio, Pohl408 informa que foi detido por uma ponte apodrecida. Avaliando como atravessar o rio, se pela ponte ou de outra forma, concluiu mais fcil reforar sua estrutura com alguns troncos de rvores do que aventurar-se pela gua. Feito o reforo, sobre ela levamos os animais descarregados; os arrieiros levaram as cargas nos ombros e l tornaram a p-las nos burros. Ainda, segundo a aventura de atravessar rios com tropa, este viajante informa que muitas vezes, ao chegar margem de um rio, era necessrio aguardar longas horas pela chegada de uma canoa. Assim, a carga atravessava embarcada e os animais a nado, presos por um cabresto. Este viajante informa ainda que Regatos e rios, que na poca da seca tinham apenas trinta centmetros de profundidade, transformavam-se em caudalosas torrentes e impediam os caminhos. Desta forma, aps fortes chuvas, era necessrio esperar s margens dos rios at que as guas baixassem e fosse possvel atravessar o regato com segurana, com gua pela canela. A tentativa de travessia com a gua revolta podia no ser a melhor deciso, como conta este viajante em outra passagem: Eu e meus acompanhantes atravessamos com felicidade, mas alguns burros foram arrastados pela impetuosidade da correnteza e s com muito esforo foram salvos, juntamente com a bagagem.

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Corgo ou crrego Ainda segundo Pohl409, Os portugueses distinguem um rio navegvel e um que s se navega durante a poca das chuvas com nomes diferentes. O primeiro chama-se rio e o ltimo ribeiro. Chamam a um riacho corgo ou crrego e a uma fonte olho. Mawe410, referindo-se travessia de um rio na regio do Paraba, informa que A maneira de atravessar um rio, com cavalos ou mulas, nestas paragens, amarrar um dos animais canoa, e pux-lo; o resto o acompanha. Este procedimento acompanhado o tempo todo por alto vozerio, como acrescenta Spix & Martius 411. Mais adiante acrescenta Mawe que a travessia do Paraibuna se dava de maneira diversa. Entramos na balsa com os animais e fizeram-na avanar por meio de remos e ganchos, sobre os quais os passageiros se apoiavam. Gardner 412, pelas bandas de Gois, comentando sobre travessia de rio, informa sobre a presena de enguias eltricas, e que Cavalos e homens ao entrarem em contacto com elas na gua so freqentemente derrubados pela descarga eltrica que delas recebem. A travessia de rios sempre foi uma tarefa dura e arriscada. A possibilidade de perda de algum animal era uma constante. Entre os problemas, Pohl413 narra que os nativos sempre temiam a sucuri, pois, segundo diziam, enlaa os muares que atravessam um rio e os arrasta para o fundo. tudo subida A MG-010 a estrada que vem de Belo Horizonte at a cidade do Serro. Cerca de dois quilmetros de Conceio est o trevo que sai para Morro do Pilar. Um pouco antes de chegar ao trevo que intercepta a MG-010 existe uma serra bastante ngreme. Encontramos Andr Fossati (Galo), fotgrafo da Expedio, no sop da serra. Ele estava sedento, botando baba pelas esporas. Lembro que sua nica pergunta foi: Falta muito? A resposta imediata foi: Falta muito pouco, mas tem um detalhe: tudo subida. O Galo desesperou, mas no esmoreceu. E seguiu. Esta serra mencionada por Spix & Martius como sendo o lugar onde uma de suas mulas descadeirou. Pohl414 tambm menciona
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esta serra registrando: Piorou a nossa situao, quando tivemos de descer a ladeira, que se estende por trs quartos de lgua. Apenas para esclarecer, Pohl viajava no sentido Ouro Preto. Arraial de Nossa Senhora da Conceio do Mato Dentro O Arraial de Nossa Senhora da Conceio do Mato Dentro, segundo Lus Santiago 415, serviu de ponte de apoio para a efetiva colonizao do Serro e Diamantina; e, segundo Pohl416: Est entre as maiores povoaes da capitania. Gardner 417 registra: Contam cerca de duzentas casas distribudas em duas longas ruas paralelas e um dos lugares de mais miserando aspecto que j vi. Saint-Hilaire418, concordando, comenta: Conceio pode ter cerca de duzentas casas que se alinham em duas ruas paralelas (...) no entanto, o tipo das casas prova que seus primeiros ocupantes gozavam de abastana. Chegamos todos a Conceio. Vrias faixas saudavam a chegada da Expedio. Fomos recepcionados com banda mirim e marujada. Um grande espetculo, capaz de arrancar lgrimas dos mais emotivos. Ficamos instalados em duas excelentes casas cedidas pela Prefeitura: uma delas, a Casa da Cultura. A Prefeitura tambm patrocinou o jantar para todos os expedicionrios num bom restaurante localizado no centro da cidade. Cada um se recolheu na medida do cansao. O dia foi emocionante.

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16 dia: Domingo 25 de Julho Conceio do Mato Dentro a Crregos


Duas longas orelhas ficariam melhor, como smbolo da nossa nacionalidade, do que o lema ordem e progresso, inscrito em nossa bandeira. Afonso Arinos419 Rumo a Crregos A sada nesta manh foi um pouco atribulada. Havia uma agenda a cumprir. Entrevista na rdio local, contatos com as autoridades locais, etc. Caminhantes, alheios a isso tudo, dependendo apenas das taxas de endorfina e evitando o sol a pino, partiram to logo possvel, rumo ao distrito de Crregos, pertencente ao municpio de Conceio do Mato Dentro, distante pouco mais de vinte quilmetros. Para os cavaleiros uma rotina diferente: teriam que ser transportados at o Parque de Exposies, preparar os animais, descer at a cidade e, finalmente, dar a partida. Comandante Tllio Fomos com o Tllio Marques, coordenador da tropa, para uma entrevista na FM de Conceio, o que foi bastante prazeroso. O pessoal de Conceio nota dez. Das nossas inmeras passagens por esta cidade nunca tivemos o prazer de nela ficar mais que umas poucas horas, sentir sua energia, perceber no sorriso de seu povo que Conceio bem mais do que uma cidade de passagem: uma cidade de paragem. Bom negcio: Levindo Conhecemos Levindo Ferreira de Amorim, 90 anos. Muito lcido, ele nos d a seguinte entrevista: J fui tropeiro (...) Eu transportava basicamente daqui para o Rio das Velhas, Santa Luzia, caf e toucinho e trazia mercadoria macarro e sal. Para o norte eu ia vendendo burro. Eu
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vendi l do Jequitinhonha at Santa Rita Duro, Nova Era. Essa parte toda aqui de Montes Claros pra c eu vendi burro. Eu comprava aqui na regio de Conceio, de Sra. do Porto, D. Joaquim e Morro do Pilar. Aqui eu comprava e viajava a serra pra vender. Perguntado sobre os muladeiros que vinham do sul ele responde: Lembro de mais da conta. Era bom negcio demais. Eu vendia para eles demais. Era coisa da ocasio, n? (sic) A gente formava uma tropa e quando eles chegavam, vinha os muladeiros de fora, chegava aqui, tinha fregus, porque naquele tempo tinha criao. E tinha fazendeiro aqui que criava420 e recriava. Os que no recriavam vendiam; os que recriavam na poca de maio e junho, ocasio da tropa fazer muda421, ocasio de vender. (...) Sou nascido e criado em Conceio, em 11.06.1919. Perguntado sobre o movimento de tropas por Conceio, ele responde: Chegou arranchar no rancho, que hoje a Praa do Guardinha, aquilo ali era do meu av; chegava ocasio que tinha 15 lotes de burro, mais ou menos 150 a 200 animais. (...) Pra tocar um lote era um s homem; era dois pra carregar e descarregar. Era o patro e o tocador; e tinha o cozinheiro que era um menino. Perguntado se tinha saudade daquela poca, ele responde: Ah, tenho. Era muito alegre. Hoje voc tava aqui; ento quando a gente viajava com bagagem, como eu viajava. Eu tinha uma mula de carga e levava o trem todo daqui. Daqui eu levava mais era carne e caf torrado. O resto comprava l pra estrada. Chegava num lugar, numa fazenda e tal. Muitas vezes o sujeito nunca viu voc, mas pelo modo da gente conversar; a gente tava novo e tinha uma figura regular e uma prosa satisfatria, n? pras moa e tal. Eu tenho um filho que viajou muito comigo. Eu levei uma tropa para So Paulo. Vendi 15 burros para um sujeito; a ele tinha um compadre, um tabelio muito amigo, que gostava da gente e a um dia ele veio aqui e disse que eu havia feito uma bobagem, vendendo 15 burros pra esses homens que esto formando tropa a sem capital. O paulista no conhece de forma que voc podia fazer o favor. Eles no tm condutor de tropa e essa tropa pra levar pra So Paulo. Voc combina com eles. Eles te do nota promissria de 60 dias, nesse caso, o dia que voc chegar l eles te pagam. Combinamos tudo e eu arrumei os empregados e levei essa tropa pra So Paulo em 1961. (...) At 1970 eu ainda trabalhei como tropeiro l. No tinha pasto pra tropa e a eu tive que encostar ele l na beira do Sapuca uns 5 dias. (...) No Rio de Janeiro eu j trabalhei. Trabalhei no Estado do Rio em 1944; trabalhei ali em Caxias; eu tinha uma tropa muito boa, mas a chegou as mquinas em novembro de 1944. (...) Eu comecei a trabalhar com tropa na poca de Washington Luiz;
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depois eu tava (sic) l na Rio-So Paulo. Construindo a estrada. Eu trabalhava sozinho, depois que eu arrumei um capital e comprei duas carroas. (...) At 1970 eu trabalhei como tropeiro. A foi perdendo o valor. Agora caminho. (...) Eu j viajei demais montado em burro. Em janeiro de 1926 eu fiz uma viagem a p. Tinha o tocador que ia a p. (...) Carvo eu nunca transportei. Serto ou deserto O serto era o ignoto. Spix & Martius422 entenderam o serto como os mineiros o definiam, a vastido deserta, na sua linguagem usual, e, segundo Burton423, chama-se sertes nesta capitania (Minas) as terras do interior, distantes das vilas mineiras e onde no h minerao. SaintHilaire424 complementa que serto ou deserto no designa uma diviso poltica de territrio; no indica uma espcie de diviso vaga e convencional determinada pela natureza particular do territrio e, principalmente, pela escassez de populao. E vai mais alm: Os mineiros aplicam a palavra serto s regies descobertas situadas alm da cadeia ocidental, porque no conhecem regio menos povoada; aqui (referindo-se regio de Campos dos Goitacazes), ao contrrio, chamam serto s florestas ainda pouco habitadas situadas a oeste do litoral. Os sertes em cada provncia so as partes mais desertas de cada uma, independente do tipo de vegetao. Bandidos, malfeitores ou salteadores Independente da melhor definio era o serto por onde viajavam os tropeiros e outros viajantes, o lugar onde os cuidados eram reforados. Existia sempre a possibilidade de encontrar bandidos, malfeitores ou salteadores. Gardner425 comenta que era comum pela regio do serto o sumio dos animais da tropa, principalmente cavalos. Eram furtados efetivamente: crime muito freqente no Brasil. Muitas vezes, porm, os animais apenas desapareciam por alguns dias, para, quando achados, renderem uma gratificao. Burton426, referindo-se a bandidos, informa que Os antigos viajantes esto cheios de lendas sobre os seus bandidos. Os tropeiros

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ainda tremem ao ouvir as narraes a seu respeito em torno do fogo do acampamento. Pohl427 informa que encontramos oito homens bem armados com facas e espadas e, visto nos ter sido descrita como perigosa para os viajantes toda aquela regio, s poderamos consider-los como fazendo parte dos bandidos, que viviam em grande nmero nas matas. Ele segue informando que os vagabundos costumavam se aglomerar nas margens dos rios, geralmente na busca por ouro, ou para furt-lo de quem o encontrava. Curiosamente, seria nas margens dos rios o lugar ideal para assaltar tropas, uma vez que, dado dificuldade nas travessias dos rios, e donde todos os camaradas esto envolvidos e atentos com tal faina, qualquer descuido com a carga facilitaria a atuao dos ladres. Com relao a bandidos, assaltos e problemas nas estradas, o Prncipe Maximiliano428 narra uma passagem bastante curiosa. Conta ele que, indo para Salvador da Bahia, teve, em certo momento da trilha, a passagem interrompida por cerca de setenta homens munidos uns de armas de toda espcie, e outros simplesmente de paus; precipitaram-se sobre ns de todos os lados, de sorte que foi impossvel nos opor aos movimentos desse bando de homens brancos, mulatos e negros, que mais pareciam uns bandidos. Gritaram que ele estava preso e que no escaparia sorte que tanto tinha feito para merecer. Tratavam-me de ingls e alguns pareciam nutrir tantos receios a meu respeito, que conservavam os seus fuzis a tiracolo apontados para mim. Apreenderam imediatamente as nossas armas de caa, foices e pistolas; arrancaram at das mos de Queck, o meu pequeno botocudo, o arco e as flechas. Alguns dos meus homens, porque se recusaram a entregar as suas armas, foram quase maltratados; (...) perguntei a esse bando de loucos se tinham um chefe, como se chamava e onde estava. Responderam-me laconicamente que o Capito Bartolomeu era o comandante, no tardaria a chegar, e me faria a devida justia. (...) O aparecimento do chefe ps fim, felizmente, s disputas que se haviam levantado sobre a posse de nossas pessoas (...) aos gritos e vociferaes dessa barulhenta multido, sucedeu de sbito um silncio que me foi muito agradvel aos ouvidos. (...) Fui, em seguida, com minha gente, levado para uma casa aberta, situada margem da estrada; um grupo de homens armados foi colocado dentro do prprio cmodo e outro na porta (...) Deixaram entrar indistintamente marinheiros embriagados, negros escravos, mulatos, brancos e todos os ociosos que nos quisessem
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ver (...) fizeram em altas vozes comentrios polticos a nosso respeito, e no nos deram um s momento de descanso. Soube ento que me tomavam por ingls ou americano, e que tinha sido preso por uma srie de medidas de segurana tornadas necessrias por causa da revoluo que rebentara em Pernambuco. O Prncipe Maximiliano segue a narrativa exibindo sua Portaria Real, na qual expressamente indicava sua nacionalidade alem. Os animais da tropa haviam sido abandonados prpria sorte, sem o que comer ou beber. A histria segue quando de amanh muito cedo, chamaram-nos para nos pr em marcha. Foram ento levados para Nazareth das Farinhas (Bahia), escoltados por um sqito de guardas fortemente armados. Levados presena do capito-mor, depois de ter por muito tempo examinado a minha portaria, declarou-me que esse documento, se bem que concebido em termos muito favorveis minha pessoa, no era bastante, e que ia escrever o seu relatrio incontinenti ao Governador da Bahia, devendo eu, enquanto no chegasse a resposta, continuar preso (...). Passei assim trs dias, ao cabo dos quais o Governador da Bahia mandou ordem para me pr em liberdade. Burton429 afirma que Quaisquer que sejam os aborrecimentos das viagens brasileiras por esses caminhos, o viajante est, em regra, perfeitamente a salvo. Contudo, na regio de Diamantina, ele comenta que em nenhum lugar, tanto quanto conheo o Brasil, os negros so to inquietos como os da regio em torno de Diamantina. Muitos deles fogem para o mato e tornam-se quilombeiros, bandidos negros, dispostos para qualquer atrocidade (...) Aqui ningum viaja, mesmo de dia, sem ter as armas prontas para o uso e sem observar os cantos. Aps uma longa jornada em canoa no Rio Jequitinhonha, j noite adentro, Pohl430 relata ter observado uma fogueira frente numa das margens. Supusemos que houvessem botucudos nas proximidades e ficamos muito preocupados. No dia seguinte, descobriram que tratava-se de um tropeiro que levava um carregamento de sal para a Vila do Fanado (Minas Novas) e que havia acampado na margem do Crrego Jacinto. Estava to amedrontado com a suposta presena de botucudos quanto ns e julgou prudente apagar subitamente a fogueira para ocultar-se.

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Segundo Vasconcelos431, conjeturas e boatos multiplicavamse a respeito de numerosos viajantes que haviam passado em povoados e desaparecido. Nesses dias de terror os passageiros no desceram nem subiram a serra, seno em grupos reunidos e bem municiados, temendo perigos todavia j passados, visto como os bandidos, estando descobertos, o mais que podiam fazer era fugirem para longe e se ocultarem da justia. Conta Rugendas432 que, no fim do sculo XVIII, a regio de Barbacena era atacada por um bando de ladres que infestavam a estrada do Rio de Janeiro. Perto da Fazenda Mantiqueira h uma cruz que indica o lugar onde esses malfeitores costumavam atacar os viajantes; levavamnos para a floresta e os matavam, bem como a todos os seres vivos que estivessem com eles, deixando-lhes, entretanto, a escolha do gnero de morte: uma punhalada no corao ou o corte de veias. Isso ocorreu durante muitos anos e muitas vezes pessoas distintas desapareciam. Afinal, ao morrer, um desses miserveis confessou seus crimes e denunciou seus cmplices, chegando a fazer-se transportar ao lugar onde eram cometidos. A se encontrou grande nmero de cadveres e de esqueletos de homens e de animais. Muitos bandidos foram presos e condenados morte, outros deportados para Angola. Desde essa poca a estrada do Rio de Janeiro Vila Rica bastante segura e extremamente raro ouvir dizer-se que algum viajante tenha sido espoliado ou assassinado. Sobre estes bandidos, Saint-Hilaire433 informa que A parada da Mantiqueira, em que passamos a noite, est atualmente quase abandonada; mas ficou clebre na regio, porque seus arredores foram antigamente o teatro das faanhas de uma quadrilha de bandidos que pilhavam e massacravam os viajantes. Este viajante comenta ainda que Entre Capo e Vila Rica os caminhos so terrveis e afirmam que em certos lugares em que a estrada passa comprimida entre morros, corre-se o risco de ser atacado, s vezes, por negros fugitivos. Produto Estrada Real Finalmente a tropa deixou Conceio em direo ao distrito de Crregos. O cenrio da estrada bastante bonito. Muita candeia se v na beira da estrada. H tambm na regio criao de bfalos.

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J h algum tempo vimos pensando na idia da utilizao do circuito da Estrada Real, o trecho que agora percorremos, como um curso de extenso e com validade acadmica. Um aluno de turismo ou de histria, por exemplo, poderia concluir uma cadeira do curso, percorrendo este trecho da Estrada Real. O orientador exigiria um relatrio, dando nfase em determinados aspectos, como conjunto arquitetnico, ou recursos ambientais, s para citar um exemplo, material este fartamente encontrado at o momento. Cursos como Servio Social, Biologia, Cincias Sociais, Geologia, entre tantos outros, poderiam utilizar-se da Estrada Real como laboratrio de atividades prticas, engajadas neste percurso. A passagem constante de pessoas (turistas/estudantes) pelo percurso da Estrada Real contribuiria na visibilidade do produto Estrada Real, que no teria s uma utilidade no segmento turstico, mas na formao acadmica. Chegamos a Crregos. Que lugar mgico. Parece um prespio. A receptividade foi excepcional. Todos fomos acomodados em casas de particulares, que nos puxavam da rua porta dentro. Todos queriam nos ter como hspedes. D. Marilac foi a primeira que, gentilmente, abriu suas portas para os Expedicionrios. Uma outra parte ficou na casa da parquia. Embora a Estrada Real entre Ouro Preto e Diamantina tenha sido intensamente percorrida por vrios viajantes, a nica referncia que encontramos sobre Crregos de Mawe434, que reporta: cheguei a Crregos, aldeia onde h lavagens de ouro. Trinta anos de silncio: Epaminondas Enquanto nos aclimatvamos em Crregos e espervamos pelos cavaleiros, conversamos com o Epaminondas de Souza Pimenta, 64 anos, que nos d a seguinte entrevista: Eu no fui tropeiro; nem meu pai. Ele mexia com boi. Comprava e vendia. Ele tocava os bois; l pro Serro. J comprou tropa de burro pra vender. (...) Lembro demais da conta do tempo que passava tropa por aqui. O rancho deles era ali embaixo. Vinha tropeiro do Serro, Conceio, Congonhas, Curvelo, (...). Deve ter uns trinta anos que esse movimento parou. Comeou o transporte de carro, n?

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Muito animal pra compra e venda: Salomo A tropa no chegava. Conclumos que definitivamente viriam por outro caminho. Talvez um atalho indicado por moradores. Com certeza, no vieram pela estrada de rodagem. Resolvemos adentrar por uma estradinha, at chegarmos ao stio de nome Jardim. L encontramos Salomo Toms Madureira, 57 anos que, alm de nos informar sobre uma estrada alternativa que vai a Conceio, nos deu a seguinte entrevista: J trabalhei com tropa. Trabalho at hoje. Lote no tenho no. (...) O transporte que tinha aqui era boi de carro e tropa mesmo. O percurso era pra Conceio, levando toucinho, queijo. Essa regio daqui mesmo. Trazia de Conceio o sal e mantimento. A viagem mais longa que ns fizemos foi com tropa comercial l pra l de Congonhas, Cemitrio do Peixe. Perguntado se por ali passava muita tropa, ele responde: Muita, aqui mesmo. Descia tropa de S. Joaquim, vinha de Joaquim pra Congonhas. Aqui nesse comrcio tinha trs tropas. J tem uns trinta anos que pararam de passar por aqui. A gente sempre teve muito animal pra compra e venda; pra tropa mesmo. Passava muladeiro. Boiadeiro. O gado ia pra Belo Horizonte por aqui. Ganhei experincia: Elvcio J anoitecia quando conhecemos Elvcio Tadeu da Cruz, 58 anos. Fui tropeiro, amansador de burro. Sou vaqueiro. Muladeiro. Conheo este serto inteiro. J toquei mula daqui pra Tapera, daqui pra Diamantina. Esse serto mineiro aqui todo. (...) Com carga nunca toquei tropa. (...) Boiada j, para esta imediao de Diamantina, Rio Jequitinhonha. J samos daqui pra Diamantina, Baro do Guaicui, Conselheiro Mata, Rodeador, Santo Hiplito, Corinto, Joaquim Felcio, Augusto dos Santos, Vargem da Palma, Pirapora e depois voltamos. (...) Parei porque a tropa acabou e a ns voltamos. Tem uns trinta anos. (...) Gostava muito deste tempo. Eu era rapaz e topava tudo que eu era peo de burros l. Tenho saudade at hoje. (...) No ganhei dinheiro no, mas ganhei experincia. Cachaa, mulheres e pagode Os tropeiros possuam hbitos tpicos. Alm da cachaa e das mulheres, faziam parte o tabaco, como relata Burton435, que Os tropeiros aprenderam seu uso com os ndios que o usavam para fumar, e, na medicina, para curar tumores nos ps dos cavalos. Ao final de cada dia de viagem a tropa chegava a um local de pouso para o merecido descanso.
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Dependendo da regio, o pouso poderia ser acampado ao relento ou nos conhecidos ranchos de tropeiros (ranchos pblicos), geralmente beira da estrada, ou numa fazenda. O pouso poderia se dar num arraial ou at numa cidade, com sua intensa vida noturna. Neste caso, cada camarada buscava diverso como podia. A cachaa, um pagode e mulheres eram celebrados. Pohl436 relata que num certo pouso Os rapazes se arranjaram como puderam e desta vez sem resmungar, pois tiveram conhecimento com mulheres e eu tive de ficar atento para no ser furtado por elas. Aps uma noitada, muitas vezes a tropa no saa to cedo como de costume, situao que s vezes deveria ser considerada na hora de escolher um pouso, como foi na passagem deste viajante pela Vila do Prncipe (Serro), que oferecia aos meus arrieiros atrativos suficientes para que no a quisessem to cedo abandonar, resolvi no me demorar nela e partir imediatamente. Muitas vezes, durante o dia de jornada, numa parada em alguma fazenda, era difcil recusar a hospitalidade. Todos apeavam e, se fosse demorada, eram os animais igualmente livrados das cargas para um breve descanso. A hospitalidade era, na maioria das vezes, notvel, e, no raro, era oferecida aos camaradas uma aguardente, entre outros refrigrios e iguarias de boca, alm de uma quantidade de provises para serem levadas na viagem, a ttulo de cortesia. Os tropeiros, como era comum, abusavam da bebida, o que podia retardar consideravelmente a sada, como relata Pohl437 numa destas paradas: A embalagem desses objetos nos levou at perto de meio dia; demorou mais porque os meus criados haviam tomado aguardente um tanto em excesso. O Prncipe Maximiliano 438 tambm comenta sobre botequins, narrando que Ficamos contentes em deixar Barretos porque dois botequins, ou vendas, meteram a nossa gente em srias brigas. Na seqncia, ele relata que os brasileiros que eu havia contratado para me acompanharem na travessia das florestas eram todos grandes bebedores de aguardente, e deram ocasio a vrias cenas desagradveis. No raro, a passagem de uma tropa por algum arraial ou vila remota era sempre uma novidade. As pessoas paravam suas atividades,
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as crianas vinham observar curiosas, mas as mulheres e moas fugiam e se escondiam, observando a passagem dos estranhos pela greta de uma janela ou porta. As trocas de olhares eram inevitveis. Em alguns casos, quando um grupo de mulheres, por exemplo, lavando roupas beira de um crrego, eram flagradas sem aviso pela passagem da tropa. Os tropeiros no perdiam a oportunidade e lanavam palavras nem sempre respeitosas para o costume da poca. Burton439 testemunha fato semelhante quando Encontramos pelo caminho vrios grupos de mulheres de volta de alguma festa, poucas brancas, cobertas de chapus de palha e enfeites de vrias cores, com pretos que carregavam as crianas. No fugiram, como fazem muitos em outros lugares e os tropeiros foram excepcionalmente bem educados. Erraram o caminho Como a tropa no chegava, um grupo de caminhantes se disps a subir no alto de um morro prximo a Crregos e de l soltar uns foguetes de sinalizao para a tropa, caso estivessem perdidos na noite. A tropa chegou finalmente. A comunidade recepcionouos ao som de msica tpica o que deixou todos bastante emocionados. Os alto-falantes da igreja tambm davam as boas vindas. Aps a chegada da tropa, soubemos que os foguetes foram vistos e que eles embora noite sabiam que estavam no caminho certo. No se perderam propriamente, s erramos o caminho, nas palavras do Tullio Marques. Tudo em Crregos estava fantstico. Dona Mariinha, viva h trs meses, mostrou-nos uma coleo de chaves e latas expostas nas paredes da cozinha e da sala de sua casa. Ela invariavelmente ariava as latas uma vez por ms. Possui tambm uma grande coleo de orqudeas. O restante da noite foi animada. Fomos para um boteco. L o pessoal jantou, bebeu e interagiu com a populao. Os animais ficaram instalados num curral na vila. Fomos nos recolher j tarde da noite.

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17 dia: Segunda-feira 26 de Julho Crregos a Itapanhoacanga


Existem bestas que nasceram para a carga, outras apenas para a sela, mas quase todas trabalham tanto com carga como com sela. Depende mais da natureza do animal do que da vontade do homem. Tom e Thereza Maia440 Alvorada especial na mgica Crregos. O caf-da-manh se deu informalmente. Como todos ficamos hospedados aqui e ali, a refeio matinal foi gentilmente oferecida por cada hospedeiro. Projeto Vinocor Os caminhantes, obviamente, j estavam em curso. Um grupo foi visitar o Projeto Vinocor (Vida Nova para Crregos). Trata-se de uma grande rea plantada com frutferas (maracuj, abacaxi e acerola). A produo destina-se ao processamento e congelamento da polpa e seu objetivo maior criar oportunidades de trabalho para os jovens da regio, evitando sua evaso para os grandes centros. O abacaxi vendido in natura e somente o excedente transformado em polpa. O projeto de iniciativa do Bispo Don Jos Maria, natural de Crregos, e tem apoio de ONGs da Holanda. Est de parabns a comunidade. Fica nosso desejo de sucesso para o Projeto e que o mesmo sirva de modelo para outras comunidades. Na tropa, o patro: Joaquim Tivemos a oportunidade de entrevistar Joaquim Germano Rocha, 76 anos, tropeiro. Ele nos conta: J fui tropeiro. Transportava farinha daqui pra Conceio do Mato Dentro e voltava com mantimentos pra c (Crregos). A farinha vinha de Mato Grosso441 pra Crregos e distribuda para os fazendeiros pra engordar porco. Meu roteiro era este mesmo, daqui pra Conceio. Ia num dia, dormia no mercado, descarregava e no
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outro dia vinha embora. (...) Nunca mexi com compra e venda de animal no. Parei de mexer com tropa na poca dos militares. Tenho saudade da vida de tropeiro. Eu acostumei com a tropa, desde os cinco anos. Eu vinha de l com 10 burros carregados de farinha. Trazia sozinho. Quase no parava em casa. (...) Dinheiro no dava pra ganhar. Tambm a tropa era do patro. (...) Lembro da poca em que passava aqui em Crregos muita tropa. O rancho era l embaixo. Ficava uma poro de animais no pasto e aquela quantidade de tropeiro no rancho. Passava muito toucinho aqui indo para Congonhas (Congonhas do Norte). Perguntado se j foi motorista de caminho, ele responde: Fui durante dois anos. Depois minha vista atrapalhou. Fui motorista e depois que eu casei que fui mexer com tropa. Hinterlandia Segundo Santos442, fazendo um paralelo com o sistema de transporte em caminhes e as tropas, informa que A primeira concorrncia sofrida por esse sistema de transporte na grande circulao foi, de certo, o caminho de ferro, e mais tarde a rodovia. Mas, quer os trilhos quer as faixas lisas das rodovias, no extinguiram a tropa, que continua a exercer funo importante na hinterlndia. Modernamente, a tropa atua entre pequenas cidades, vilas e povoados, convergindo para as feiras. No sem efeito, a caracterstica de enfeitar a madrinha da tropa, como demonstrao do status do tropeiro, encontrada analogamente nas embarcaes que navegavam o So Francisco e, mais tarde, nos caminhes que vieram de certa forma a substituir a atividade de transporte de mercadorias em lombo de mula. Caminhes enfeitados circulam pelas estradas, com iluminao multicolorida e frases humorsticas, geralmente tratando de amor, mulheres e estrada. O caminhoneiro seria a evoluo natural do tropeiro no transporte de mercadorias e os poderosos cavalos dos motores a diesel substituram os muares. Caixas, bruacas e balaios substitudos pelos diversos tipos de carrocerias. Pohl 443 registra um detalhe interessante quando do preparativo de sua viagem. Entre os preparativos da minha viagem figurava a aquisio, a conselho de meu digno hospedeiro, de uma balana de pesar ouro, pois eu teria de percorrer regies onde no se usam moedas, que so substitudas pelo ouro em p, incmodo, que diminui muito com a
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circulao, que se dissipa ao pesar-se, e que, freqentemente, falsificado pela adio de minrios de ferro (esmeril) em p, que, alis, d ao ouro uma cor amarelo-acinzentada. Joo do Campo Segundo Spix & Martius 444, a viagem noturna no conveniente para as mulas cargueiras, porque elas tm o costume de dormir de preferncia de meia-noite at a manh. E acrescenta que a conduo da tropa, noite, exige dupla ateno do tocador, a fim de que nenhum dos cargueiros se esconda e fique atrs da mataria. A possibilidade de encontrar uma cobra venenosa era destacada pelos tropeiros, que delas se livravam com uma orao diria a So Tom que afastava todos os bichos malignos. Na superstio do tropeiro, quando o burro zurrasse no comeo de uma longa subida ou suasse atrs da orelha, era sinal de aborrecimento frente. Burton445 informa que O que peca com uma comadre depois de morto vira um demnio de natureza especial, cujo nico objetivo no mundo parece consistir em amedrontar os tropeiros. Saint-Hilaire446 menciona que os brasileiros so, em geral, supersticiosos. Em determinada passagem, cruzando a Mantiqueira em direo ao serto, ele relata que os habitantes da regio que descrevo agora acreditam em feiticeiros e lobisomens, e muitos chegam ao cmulo de considerar herticos os que se recusam a acreditar nisso. Num determinado local de pouso, o Prncipe Maximiliano 447 observou ao entardecer um bando de morcegos que voavam sobre os animais. Mencionando Koster, escreveu: costuma-se suspender por cima do animal uma pele de coruja para preserv-lo daqueles perigosos inimigos. Saint-Hilaire 448 relata que, antes de penetrar nas matas fechadas com a tropa, seu tropeiro despediu-se humoristicamente do Joo do Campo e dirigiu preces Virgem e a Santo Antonio para obter a graa de atravessar sem dificuldades as florestas. Joo do Campo um ser imaginrio representativo das regies descobertas. Quando se entra nos

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campos em casa de Joo do Campo que se entra e, quando o viajante dorme ao relento, Joo do Campo que o hospeda. Um saco cheio de diamantes Gardner 449 comenta que prximo a Conceio do Mato Dentro encontrou um ferreiro alemo que, com sua pequena forja, fornecia ferraduras para mulas, de rpida venda aos tropeiros que passam diariamente. Segundo Jos Luiz da Nbrega, nascido no final dos anos 1800 e criado em So Jos do Barreiro (Vale do Paraba), citado por Maia, informa que o comrcio cerrava as portas e os alunos do grupo escolar eram levados s janelas para assistirem passagem da tropa. Gardner450 comenta que, no Cear, viu algo que no havia observado em nenhuma outra parte do Brasil. Na tarde desse mesmo dia vi pela primeira vez uma tropa formada de bois, em fardos ao lombo, cerca de uma dzia, todos grandes e bem nutridos, a caminho de Aracati, para onde conduziam couros curtidos. Este espetculo tornou-se depois comum. Pohl451 comenta que Uma das peculiaridades deste pas que os habitantes parecem prontos a travar imediatamente relaes de amizade com o estrangeiro; o que apenas um pretexto para atrair a pessoa e depois fazer-se pagar cinicamente pelo menor favor. As trapaas so freqentes e no se pode dar um vintm adiantado sem ser logrado. De todos os viajantes (naturalistas) pelo interior do Brasil, Pohl452 e sua comitiva no receberam permisso para entrar no Distrito Diamantino. Segundo ele, o Capito de Minas Gerais teve expressa proibio de nos deixar entrar no Distrito Diamantino. Esta clusula teve por motivo a declarao de uma pessoa pertencente a uma legio estrangeira que, desejando visitar Minas Gerais, dissera em algumas reunies, por brincadeira, que no retornaria sem um saco cheio de diamantes. Costumes do pas Chamou a ateno de Pohl 453 o fato de que, em certas regies do interior da colnia brasileira, de aparncia pobre, a utilizao
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de talheres de prata nas refeies era uma ambigidade. Certo, porm, como comenta este viajante, que Pode-se melhor constatar tal coisa aos domingos e dias santificados, quando todos exibem o que de mais poderoso tm. Nesses dias vem-se freios de cavalo e estribos de prata, sendo o animal coberto com uma manta de pele de ona. E segue: todos os viajantes trazem uma faca de ponta enfiada na bota. E sobre os abastados e a prata, informa ainda que desse metal so os seus estribos, esporas e o cabo do rebenque454; e no raro que alguns levem, quando viajam, copos de prata pendurados de uma correia no ombro dos seus escravos, exibindo-os desse modo. Bunbury455 conta que, ao passar por uma aldeia, viu umas senhoras viajando numa liteira coberta, pendurada entre duas mulas. Segundo Latif456, a presena da araucria em Minas Gerais se deu pela mo dos bandeirantes paulistas que, para marcar sua morada, plantava alguns pinhes que trazia e que gostava de usar como alimento. Ainda segundo este autor, os pioneiros do sculo XVIII que buscavam ouro levavam seus capeles. No lombo de uma besta, seguia um altar desmontvel e no se esquecem de rezar a missa ao tomar posse de um novo descoberto. Lgua pequena e lgua grande Gardner 457 situa que, para o viajante europeu em clima tropical no h melhor refrigrio comparvel ao banho freqente em gua fria. E que teve por norma, durante as viagens, adaptar-me aos costumes do pas. Ele acrescenta ainda que coisa entendida entre os viajantes (...) que, se um grupo se atrasa e no encontra o rasto dos companheiros, deve ficar nas imediaes dos lugares onde os perdeu de vista, a fim de ser facilmente achado pelos que voltarem a procur-lo. Mais adiante comenta que, na travessia do serto, comum o viajante ser saudado, do amanhecer noite, pelos altos gritos de um grande galinceo, chamado siriema458 pelos habitantes. Ainda a ttulo de curiosidade, este viajante comenta que Na provncia do Piau encontramos lguas muito mais cumpridas que as do Cear, mas as de Gois, excederam mesmo a estas. to patente a diferena, que so designadas por lgua pequena e lgua grande. A lgua curta, achei-a sempre suficientemente longa e, quando tinha que percorrer uma das grandes, calculava usualmente o tempo
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necessrio para transpor duas das curtas e raro me aconteceu gastar menos. Padre-Nossos e Ave-Marias O Prncipe Maximiliano459 observa que no Brasil, diante de tantas doenas e ataques de cobras, aranhas e outros parasitas, so os brasileiros exmios mdicos cada qual conhece um remdio que muito melhor do que o dos outros. Depois, recomenda-se um certo nmero de Padre-Nossos e Ave-Marias. Ele chama ateno tambm para o fato de que no Brasil nunca se pensou em oferecer melhores acomodaes aos viajantes. Os tropeiros tinham sua f. Eram religiosos. Pohl460 conta que num domingo, quando sua caravana deixava o local do pouso numa vila, Uma negra de uns dezoito anos me ofereceu, embrulhada num pano, uma imagem talhada em madeira, de So Benedito, padroeiro dos negros, a quem j me referi anteriormente, para eu beij-la mediante paga. Os meus tropeiros foram solicitados a fazer o mesmo. Imediatamente cada um de ns pagou um vintm, como oferenda. Ainda no sentido religioso, Saint-Hilaire461 relata que a poca do Natal a ocasio em que se renem as famlias, sendo poucos os tropeiros que se dispem a viajar. Goulart462 ensina que existia a preferncia pelo muar, no s como cargueiro mas tambm como montaria, especialmente para as longas viagens em caminhos acidentados no restando dvidas de que esta preferncia estava ligada sua resistncia. O cavalo sempre foi preferido para montaria, pelo conforto e pela rapidez. Obrigado a recorrer aos burros Contudo, na ausncia deste, era o muar que assumia a difcil tarefa de substituir o cavalo, como nos ensina Saint-Hilaire463. Ele comenta que uma linha de correio montada entre a regio de Januria (Vale do So Francisco) e Vila Rica (Ouro Preto), j no contando com cavalos que se encontravam todos arruinados, foi obrigado a recorrer aos burros.

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Spix & Martius 464 fazem ainda uma pequena observao quanto destreza dos cavaleiros montados em mulas: Todos os que passaram por ns, montados em mulas, mostravam-se excelentes cavaleiros. Os tropeiros firmaram caminhos e fundaram povoados pelos recantos por onde circularam. Saint-Hilaire465, ao escolher passar por um determinado caminho na Serra da Mantiqueira, teve conhecimento da seguinte histria: Fazia trs anos que tinha sido aberto ao pblico e, segundo me disseram, era a Antonio Francisco de Azevedo, um rico vendedor de burros, que devia ser dado o crdito da empreitada. O intendente da Polcia, informaram-me ainda, tinha prometido a esse homem que se ele tornasse o caminho transitvel para carros de bois, todos os animais que ele enviasse ao Rio de Janeiro, pelo resto de seus dias, ficariam isentos de impostos. Em outro momento relata que alguns destes povoados sobrevivem justo pela passagem das tropas, que garante trabalho para algumas pessoas dispostas a tal, conforme relata que a passagem regular das tropas de burros impede que morram de fome. Alm deles h as mulatas, que vivem de vender seus encantos. A histria a mesma na maioria dos arraiais da Provncia de Minas Gerais. O caf caiu de preo: Geraldo Travamos conhecimento com Geraldo Tadeu da Luz, 91 anos, tropeiro. Ele nos conta algo de sua experincia com esta atividade: Mexi com tropa. Transportava caf pra Sete Lagoas e Curvelo e trazia de l o que aqui no tinha, como sal e outras peas que precisava. Eu era o dono da tropa e deixei de mexer com isto quando o caf caiu de preo, l por 1960, mais ou menos na poca do Juscelino. Depois de mexer com tropa eu fui mexer com servio de roa enquanto eu agentei. Depois fui pra Belo Horizonte e l trabalhei 24 anos como zelador de prdio. Saudade Deixamos Crregos em direo a Itapanhoacanga. No foi fcil. Esta bela vila nos marcou sobremaneira. Foi difcil ir embora e mais difcil foi agradecer a hospitalidade de Dona Marilac e do seu marido Roberto. Desde a recepo, at nossa sada, o calor humano demonstrado pelo pessoal de Crregos foi excepcional. Jamais esqueceremos.

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Na estrada, logo na sada, j se depara com boas pores de mata em bom estado de conservao, de ambos os lados da estrada. Isso anima a paisagem, embora seca. Canyons, paredes e cachoeiras passam a ser mais freqentes. Tapera Passamos por Tapera, localizada entre Crregos e Itapanhoacanga. uma pequena aldeia a que Spix & Martius e SaintHilaire466 se referem como Taparoca. Este comenta: A igreja o primeiro edifcio que se v ao p da montanha; as casas, entremeiadas de bananeiras, agrupam-se imediatamente abaixo da igreja, em uma eclipse alongada; (...) As casas que a compem so em nmero de setenta; quase todas cobertas de telhas e muito bonitas. Pohl se refere a este lugar como Tacaroca. Pode ser que Taparoca ou Tacaroca tenha sido outro lugar diferente de Tapera, mas, pela posio nos relatos, ser um lugar muito prximo daqui e certamente beira da Estrada Real. Entretanto, no acreditamos nisso, atribuindo a diferena nas grafias a qualquer outro motivo. No h sinalizao nem ao menos uma placa indicando o nome do lugar. Uma lstima. A sada de Tapera ainda mais complicada. Somente indagando com os moradores foi possvel descobrir a sada, que engrena numa subida ngreme por vrios quilmetros. Tapera parece ter ficado perdida no tempo. Nota-se uma diferena no astral; parece mais pobre e desanimada, embora circundada por uma paisagem excepcional. Se a passagem por Tapera no foi digna de tanta nota, a sada foi espetacular. mata pura. Fechada, muito bonita, com rvores de grande porte, indicando seu bom estado de conservao. Encontramos alguns caminhantes na subida. Todos bufando. No topo da subida uma vista deslumbrante: uma extensa rea coberta de samambaias. Seguimos em direo a Itapanhoacanga. No caminho encontramos uma poro de cavaleiros (montados em burro e mula), que j vinham ao encontro da tropa, no intuito de escolt-la.

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Rita apanhou a canga Chegamos ao lugarejo que pertence ao municpio de Alvorada de Minas. Fomos imediatamente instalados na Escola Estadual Jos Daniel Utsch. Vrias faixas saudando a Expedio foram colocadas na entrada da vila. Esse seria nosso local de pernoite. Todas as pessoas em Itapanhoacanga, que j foi chamada de So Jos do Itapanhoacanga, a quem perguntamos sobre a origem do nome da vila, responderam com duas ou trs teorias. Uma delas, digna de nota, diz que o nome se deve a uma corruptela, relacionado a uma tal de Rita que apanhou a canga e se foi. Burton467 menciona que tapanhuacanga significaria cabea-de-negro. Ele registra, bem como outros viajantes, sobre uma formao rochosa, tpica em Minas Gerais, que seria utilizada como calamento de ruas. Concordando, Pohl 468 escreveu sobre Itapanhoacanga: arraial com cerca de sessenta casas pequenas, construdas de madeira e barro, algumas assobradadas (...) A rocha aqui dominante (...) que os modernos geognostas designam (... ) tapanhoacanga. Pode ser que Itapanhoacanga tenha seu nome devido a estas pedras que antigamente calavam suas ruas. Spix & Martius, referindo-se a Itapanhoacanga, que chamavase Tapanhuacanga, registra apenas o fato da povoao ter em torno de 1.000 habitantes. Gardner469 comenta: Partindo da cidade do Serro (...) com quatro lguas de jornada chegamos ao Arraial de Tapanhuacanga (...) existem atualmente cerca de vinte ou trinta casas, na maioria caindo em runas. Como nossa situao em Itapanhoacanga estava sobre controle, o apoio da Expedio foi at o municpio de Serro para checar os preparativos de nossa chegada e hospedagem por l no dia seguinte, alm de adquirir medicamentos para os animais e material didtico para a escola, como forma de retribuir tanta hospitalidade. Leonardo No Serro no obtivemos informaes concretas sobre nossa chegada e hospedagem e pareceu-nos, at aquele momento, que no havia nada preparado. Na Prefeitura as informaes eram desconexas.
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Contudo, Leonardo Clementino Nunes, do Hotel Itacolomi, confirmou nossa hospedagem e local para refeies. Elisa + Srgio + Victor Uma vez de volta a Itapanhoacanga com os medicamentos e materiais para a escola, observamos que todos (caminhantes e cavaleiros) j haviam chegado. Serviram-nos um delicioso jantar na prpria escola, preparado por um grupo de voluntrios da comunidade. Nessa noite chegaram Srgio Tlio, editor da Revista Terra e o fotgrafo Victor Andrade. Chegou tambm Elisa Rezende, cineasta e mulher de Pepe Quintero. Eles acompanhariam os dias finais da Expedio. Uma animada festa aconteceu em frente escola. Embora alguns tivessem aderido aos embalos do forr, um outro tanto j buscava o repouso. O barulho da festa no impediu que dormssemos. O cansao j comeava a demonstrar sua face.

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18 dia: Tera-feira 27 de Julho Itapanhoacanga a Serro


Se existe um pas que possa um dia passar sem o resto do mundo certamente a provncia de Minas. Saint-Hilaire470 A alvorada se deu tarde. Parecia que nosso ritmo ia aos poucos diminuindo. O cansao era visvel. O caf da manh foi servido na prpria escola. Logo aps o desjejum, nos informaram sobre alguns tropeiros na vila que, avisados sobre a pesquisa em andamento, queriam colaborar com seus relatos. Paz o povo gosta: Antonino Firmino Fomos logo em busca da casa de Antonino Firmino da Silva, 93 anos, tropeiro, que gentilmente nos d as seguintes informaes: Fui tropeiro desde a idade de vinte e poucos anos, e principalmente tocava tropa para Conceio, levando farinha. Eu amansava mula e burro tambm. Buscava sal no Serro. A comida a gente fazia na estrada mesmo. Tem uns quarenta anos que larguei de mexer com tropa. At mais ou menos 70 anos eu trabalhava. Mas sofri dois derrames. Levava galinha pra Conceio e, quando o pessoal do mercado ficava sabendo, j tava tudo vendido. Ganhava um bom dinheiro. Tenho saudade daquele tempo, mas no adianta. Consegui educar uma filha, que hoje vereadora. Ela estudou em Conselheiro Mata (municpio de Diamantina). Finalizando, Antonino desejou: Que sejam felizes na viagem de vocs. Paz, o povo gosta muito. O pessoal t mais civilizado. Logo depois da entrevista com Antonino, fomos passear pela vila, visitando as igrejas, que so um verdadeiro patrimnio, mas seu estado
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de conservao digno de pena. Se no forem tomadas providncias urgentes pelas autoridades, todo este patrimnio no resistir muito tempo. uma lstima. Abrigo Spix & Martius Retornamos pela estrada em direo a Tapera, cerca de uns 5 quilmetros, para registrar a descoberta de um stio arqueolgico, identificado pelo historiador Fabiano Lopes de Paula. Tratava-se de uma lapa, com inscries rupestres, cujos desenhos no so muito visveis para o leigo, mas, para um especialista como o Fabiano, foi possvel identificar as pinturas com uma simples olhadela. O Fabiano nos d o seguinte depoimento: Ontem, por volta das 19h, quando estava de passagem por aqui, vim averiguar se tinha alguma ocorrncia arqueolgica, uma vez que o municpio rico; essa regio oferece vrios abrigos. So quase todos ocupados com vestgios pr-histricos. (...) Em homenagem ao esprito da Expedio, de reconhecer, conhecer e resgatar valores histricos, pr-histricos, ns vamos batiz-lo de Abrigo Spix & Martius; a gente t revivendo uma histria. Trazendo isso luz do nosso conhecimento e ao conhecimento da comunidade. Depois de nossa breve passagem pelo Abrigo Spix & Martius, seguimos para a localidade de Crregos com Lucia, Sergio Tlio, Victor e Fabiano. A equipe da revista Terra fez questo de conhecer. Grandes distncias A tropa, como vimos, dividida em lotes, que podem variar de uma regio para outra, mas geralmente tm de 7 a 10 bestas. Cada lote deve contar com o trabalho de pelo menos trs camaradas, sob o comando do patro: todos genericamente tropeiros. Os tropeiros empreendiam viagens de longo curso, como eram as que ligavam o serto do Mato Grosso ao Rio de Janeiro, por exemplo. Spix & Martius471 relatam: No raro ver chegar Capital (Rio de Janeiro) gente dos sertes de Cuiab e Mato Grosso, que empreendia uma viagem de trezentas lguas e mais para conduzir, na volta, tropas de mulas carregadas com as necessidades do serto. O brasileiro no se deixa deter pelos perigos e canseiras de uma viagem que, s vezes, o separa oito, at dez meses, da famlia: empreende-a de
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tempos a tempos para tratar ele prprio dos seus negcios; pois quanto mais ermo o lugar de sua origem, tanto mais cedo ele se acostuma a dar pouca importncia s grandes distncias. Alm de empreendedores do transporte, como j dissemos, alguns tropeiros empreendiam no comrcio, quer por conta prpria, quer por conta de outrem. Saint-Hilaire472 conta que Os tropeiros (de Gois) enviados pelos negociantes no Rio de Janeiro, para buscarem mercadorias, foram os nicos que, no princpio, para no viajarem sem carga na ida, comearam a levar por sua prpria conta tecidos de algodo em rama. Contando suas aventuras Sobre o esprito dos tropeiros (de Minas Gerais) e sua natural disposio pelas viagens e interao com outros tropeiros nos ranchos, Saint-Hilaire473 narra: vi-me num rancho imundo, misturado com tropeiros de todas as cores. Havia sacos de algodo amontoados em todos os cantos e cangalhas empilhadas umas sobre as outras. Dois ou trs foges rsticos cozinhavam a comida dos tropeiros. (...) Os mineiros tm uma acentuada averso por viagens martimas, mas em compensao gostam de viajar por terra. A liberdade desfrutada nos ranchos agrada especialmente aos jovens. Depois de uma jornada fatigante eles saboreiam o repouso estendidos displicentemente sobre couros e se divertem tocando violo ou contando suas aventuras. Nos pousos, o tropeiro no raro atuava como animador, contando estrias ao som de uma viola ou no carteado. Spix & Martius474 relatam que Possui o brasileiro particular talento para contar e, sobretudo, gosta de descrever cenas erticas, cada qual, mesmo o mais simples, sabe falar, ora com nfase, ora com delicada elegncia, com incrvel graduao no tom de voz e escolha de palavras, e acompanhado de gesticulao eloqente. No raro tivemos ocasio de observar esse talento, mesmo nos nossos tocadores da tropa, quando algum contava anedotas com inimitvel seriedade cmica, e os mais escutavam com satisfao ou adubavam estorietas com observaes e piadas sutis. Perseguidos pelos ndios bravios Mas nem tudo era coragem, eficincia e confiana com os tropeiros. Os viajantes em tropa se queixavam dos camaradas ou mesmo
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do tropeiro chefe. As dificuldades da viagem, como febre e outras doenas; selvagens (botocudos); escassez de alimentos e gua, entre outras, faziam com que eles se rebelassem, exigindo mais dinheiro do que o combinado pelos servios e ameaando abandonar a tropa, como relata Spix & Martius475, que a tranqilidade das viagens eram perturbadas, s vezes, pelas preocupaes relativas ao prosseguimento da viagem, pois os nossos tropeiros declararam que no iriam adiante conosco. O medo das febres perigosas nestas regies apavorava a todos, e, depois que o capataz (...) havia escapulido, durante a noite (...) no havia meio de reter os outros. E a possibilidade de doenas era uma constante, tanto que Spix & Martius muitas vezes adoeceram e relataram que encontraram um dos nossos mais fis tropeiros em to grave estado, que depois nos felicitamos por tlo levado at ao Rio So Francisco, onde ficou entregue a cuidados mdicos, ao passar para a Capitania da Bahia. Em sua doena havia grande parte de nostalgia, a que so sujeitos os mineiros mais do que outros brasileiros, assim como na Europa os habitantes das montanhas. E prosseguem relatando que os tropeiros contraem freqentemente febres, ou so perseguidos pelos ndios bravios. Spix & Martius informam ainda que um dos arrieiros ficou doente, num trecho da viagem pela Bahia, e que foi deixado para ser tratado numa aldeia. Mais tarde, receberam a notcia de que o pobre arrieiro tinha sucumbido ainda naquele mesmo dia. D. Zumbi Fizemos mais uma visita casa de Dona Mariinha para mostrar equipe da revista Terra a coleo de chaves e latas na parede. Na prosa ela nos contou que de Crregos j saram 25 padres. Um deles se tornou bispo. Segundo ela, ele negro e conhecido como Dom Pel; e, mais recentemente, Dom Zumbi. Deixamos Crregos mais uma vez e fomos expresso pela MG-010 para Serro. Encontramos com a tropa na localidade de Bandeirinha. A poeira era infernal. Serro estava bastante prximo. Navios do deserto Saint-Hilaire476, comentando sobre Barbacena, diz que clebre, entre os tropeiros, pela grande quantidade de mulatas prostitudas que a habitam, e entre cujas mos esses homens deixam o fruto do trabalho. Sobre Formigas (hoje Montes Claros), este viajante conta que foi
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aconselhado a no descuidar dos animais cargueiros para no correr o risco de serem roubados. Entrando na povoao, seu arrieiro foi anunciando em alto e bom tom que viajavam com passaporte do Rei e que, se algum animal fosse roubado, no haveria perdo para os ladres. Ningum tocou nos burros; vrios pequenos objetos, porm, nos foram subtrados. Saint-Hilaire477 comenta que so os burros o nico meio de transporte para escoar a produo, chamando-os de navios do deserto. E acrescenta que esta metfora oriental no totalmente estranha aos mineiros, pois muitas vezes eles usam o termo navegar referindo-se s suas viagens. Terra da Promisso Burton478, comentando sobre os campos da Mantiqueira, diz que no pode haver nada de mais puro que o ar perfumado desses campos; a alegria deles afronta mesmo a monotonia da viagem em lombo de burro e o viajante europeu nos trpicos recupera neles todas as suas energias fsicas e mentais. Saint-Hilaire 479 complementa que Uma das grandes vantagens da regio, tambm encontrada em outras partes da Provncia de Minas, so as suas guas, que tm uma frescura e uma pureza jamais encontradas na gua que se bebe na Europa. Cada vale serve de leito a um riacho, onde o viajante pode matar a sede com um prazer s possvel de ser usufrudo nos pases tropicais. Mais adiante, Burton aconselha enfaticamente os viajantes que desejarem comodidade. Subordine todos os seus pensamentos sua pessoa. No se deixe enfraquecer por nenhuma considerao para com o sexo, idade, deixando de tomar, ou, ao menos, tentar tomar o animal mais forte, o melhor quarto, o ltimo copo de xerez. Quando a cavalo, tome a dianteira, monopolize o caminho e agrida a todos que se aproximarem provavelmente eles se conduziro mais francamente da por diante. Se um companheiro escolher um cavalo, um selim, ou um freio, procure subtra-lo: houve, com certeza, algum motivo para a escolha. De manh, tome cuidado consigo mesmo. Cubra a cabea, embrulhe a garganta, encha as botas de algodo. medida que o sol se levanta, descubra-se gradualmente, abra o guardasol e chupe laranjas, no omitindo todas as pequenas combinaes de refeio que sua espontaneidade sugira. Nunca v para um hotel se houver uma casa particular dentro de uma lgua e, acima de tudo, guarde as
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notas. Enfim, se convidar algum para jantar, tome nota da sua bebida na parede, olhando-o em face, de modo a poder det-lo de beber outra garrafa. Parece-nos que estes comentrios de Burton tenham seus motivos, entre os quais a fadiga, pela esgotante viagem, pois um pouco mais adiante em sua narrativa, ele contemporiza: nada haver de mais belo na atualidade do que viajar por essas terras virgens do Novo Mundo. Elas representam a Terra da Promisso, nova expresso do Infinito. O passado ser aqui sepultado diante da grandeza com que se nos apresenta o Futuro. Spix & Martius480 afirmam ser aconselhvel aos forasteiros observar dieta igual a dos brasileiros, no praticar atividades fora de casa nas horas mais quentes do dia, quando todas as ruas esto vazias de gente, para evitar a mortal insolao, nem noite se deve expor ao sereno, fugindo s perigosas conseqncias dos resfriados, e, ainda menos, entregar-se ao amor fsico. um pouco complicado entender o verdadeiro significado desta afirmao. Mas deixemos para cada leitor sua prpria concluso. Spix & Martius 481 empreenderam uma longa viagem pelo interior do Brasil, tendo como principal motivao o interesse pelas cincias, em especial, a zoologia e a botnica. Colhiam, portanto, plantas e animais, entre rpteis, pequenos mamferos, insetos e, principalmente, aves. Contam eles que uma pequena coleo de aves barulhentas acorrentadas no toldo das cargas de algumas mulas mostrou-se de particular utilidade, pelo fato de nos indicarem, pelo seu persistente estridor, que ressoa longe, o lugar da tropa, da qual, s vezes, nos afastvamos bastante nas excurses de investigao do terreno. Portaria Real Os viajantes em misso especial, como os naturalistas SaintHilaire, Pohl, Spix & Martius, entre outros, recebiam uma Portaria Real, que tinha por objetivo facilitar-lhes as andanas pelo Brasil. Segundo Spix & Martius482, este era o texto da portaria que traziam para circular na Provncia do Rio de Janeiro: Manda El-Rei Nosso Senhor a todas as autoridades militares ou civis a quem esta for apresentada, e o seu conhecimento pertencer, que se no ponha embarao algum livre jornada de Mrs. Spix & Martius, membros da Academia Real das Cincias de Munique, aos quais Sua Majestade tem concedido a permisso necessria
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para viajar e demorar-se o tempo que lhes for conveniente em qualquer parte dentro dos limites desta Capitania do Rio de Janeiro. E determina Sua Majestade que se lhes preste nesta sua digresso toda a assistncia e auxlio de que precisarem, logo que o pedirem. Palcio do Rio de Janeiro, em 12 de setembro de 1817. Pohl483 comenta que nas estradas Habitualmente vem-se duas mulheres montadas num cavalo s; mais freqentemente ainda, traz o homem a sua mulher garupa, na sela, e pitoresco ver quantos pares, assim enlaados, apeiam ao mesmo tempo. Ainda segundo este viajante, no Rancho Mantiqueira, local onde acampou, encontrou uma tropa de burros, cujo dono vinha acompanhado por uma mulata que montava garbosamente moda masculina e sabia fazer uso das esporas de suas grandes botas. Um grande manto azul cobria suas roupas femininas. Pendiam-lhe do pescoo grandes rosrios de ouro. Spix & Martius484 relatam que o modo de viajar, tanto para mulheres quanto para homens, a cavalo ou em mula, e que, freqentemente, o homem leva a mulher montada na garupa. No Brasil, notadamente nas povoaes mais considerveis, uma espcie de ponto de honra e cerimonial, que um branco recmchegado seja alojado em casa de outro branco, conforme narra Pohl485. Primeiro viajante estrangeiro Mawe486, como ele mesmo escreveu, era o primeiro ingls, e talvez o primeiro estrangeiro, a penetrar to longe pelo interior. Alerta que alguns viajantes desavisados, ao atravessarem as florestas, se assustam com o alvoroo dos macacos com longas barbas. O autor salienta ainda que durante a viagem, que, quando nosso bando avistava ao longe algum viajante ou negro, era logo despachado um soldado para traz-lo presena do oficial, que o submetia a interrogatrio. Confirmando a informao de Mawe, Afonso Arinos487 relata que a Coroa Portuguesa no permitia a presena de observadores estrangeiros na regio das minas. Eis porque todos os viajantes falam das minas, nos meados do sculo XVIII, poca do seu apogeu, falam por ouvir dizer, pelas informaes obtidas nos portos do litoral. Certamente, eram as informaes difundidas pelos tropeiros e camaradas, principais viajantes entre o litoral e as Minas. E
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acrescenta que O primeiro viajante estrangeiro que teve permisso para visitar as minas foi o ingls John Mawe ainda que sua viagem pelos idos de 1809 tenha ocorrido j no perodo de declnio da minerao. Ces dos tropeiros Pouco mencionado, era o co o melhor amigo do homem - parte da tropa. Destarte, tambm um grande amigo do tropeiro. s vezes mais de um co acompanhava uma tropa, possuindo, cada um, suas tarefas definidas. Como nos ensina Goulart488 que, Nos transvios dos cargueiros e na vigilncia noturna este animal prestava relevantes servios no tropear. Quando escasseavam os vveres, eram os viajantes obrigados ao expediente da caa. Neste mister, os ces contribuam sobremaneira, como informa Pohl489, que apanhou um tamandu que os nossos ces j tinham mordido vrias vezes. Ainda nos conta este viajante que, aps uma longa travessia para a Vila do Fanado (Minas Novas), por terreno coberto de pontiagudos calhaus, ficaram os criados, que andavam descalos, com os ps dilacerados. O meu prprio co no podia susterse em suas patas feridas. Gardner 490 comenta que Ao amanhecer fomos todos despertados pelos latidos de nosso grande mastim e os gritos de algum por ele atacado. O acampamento era ao p da estrada pblica e o co pulava sobre um pobre preto vindo do distrito do diamante e a caminho de Formigas, que partira assim cedo para escapar ao calor do dia. Bunbury491, ao pernoitar num rancho prximo ao Registro de Matias Barbosa, comenta que um grupo de muleteiros haviam acampado ali prximo e que foi constantemente perturbado pelo latido de seus ces e isso, juntamente com o frio, impediu-me de dormir bem. Saint-Hilaire492 d sua contribuio confirmando a presena de ces nas tropas, quando relata que um certo fazendeiro, criador de ovelhas, tinha muitos problemas com a criao destes animais devido ao ataque dos ces domsticos e selvagens, bem como pelos ces dos tropeiros.

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O Prncipe Maximiliano 493 tambm nos empresta o testemunho da presena de ces nas tropas, informando que o barulho que fazia os nossos cargueiros, ecoando ao longe nestas florestas solitrias, junto aos gritos dos tropeiros (...) Nossos ces latiam com fora quando descobriam um animal. Posseiro A figura dos posseiros citada por Lenharo494 como aquele indivduo que no contra-ponto da minerao foi aos poucos buscando outras atividades. No vemos aqui o posseiro na figura jurdica de quem tem a posse de uma coisa, mas aquela figura que se apossava de uma coisa no sentido pioneiro, no sentido de abrir caminho, independente da propriedade da coisa. Os posseiros, assim, ocupavam reas virgens com suas pequenas roas de produto de primeira necessidade, voltados para o comrcio mido beira das estradas, que povoaram rapidamente a regio. Outros se prestavam a abrir trechos de estradas, ou se prestavam a fornecer alimentos para tropas e tropeiros, pastagens para os animais ou abriam pousos e vendas necessrios organizao do trfico comercial. Nossa Senhora da Conceio do Serro Frio, Vila do Prncipe ou Serro Serro, Vila do Prncipe, Nossa Senhora da Conceio do Serro Frio, Ivituruy, so alguns dos nomes que esta cidade j teve e foi conhecida. Era uma cidade movimentada no tempo da minerao. Spix & Martius495 relataram ser a Vila do Prncipe a principal cidade da comarca do Serro Frio (...) situada a 3.200 ps de altitude. As ruas so ladeiras tortuosas e mal caladas; as casas, pequenas e pobres. (...) O nmero de habitantes vinha se reduzindo nestes ltimos decnios, em conseqncia do rendimento cada vez menor das minas de ouro, de sorte que, atualmente, no conta mais de 2.000 almas, e nesta zona de antiga opulncia s se encontram vestgios de misria. Com relao atividade mineira de extrao do ouro, eles acrescentam que o ouro encontrado no distrito diamantino tem de ser fundido aqui (Vila do Prncipe). (...) acharam-se outrora alguns grandes blocos de ouro macio, at o peso de vrias libras. Descrevendo sobre a cidade, Gardner496 registra: Serro construda na encosta de uma montanha (...) consiste de uma rua longa

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(...) quase todas bem caladas (...) quase toda casa tem um pequeno quintal, o que d cidade, vista de longe, agradabilssimo aspecto. Mawe 497, referindo-se Vila do Prncipe e ao Distrito Diamantino, destaca: Estando situada a cidade perto dos confins do distrito diamantino e no seu caminho (...) As leis so to severas que, quem quer que seja encontrado fora da grande estrada estar sujeito a ser detido como suspeito e submetido a exames e interrogatrios, que acarretam muitas vezes embaraos e demoras. A Vila do Prncipe era mesmo um entreposto. Pohl498 tambm registra que a Vila do Prncipe oferecia aos meus arrieiros atrativos suficientes para que no a quisessem to cedo abandonar. Distrito Diamantino Joaquim Felcio dos Santos, em sua obra Memrias do Distrito Diamantino, informa que, aps a descoberta de diamantes no Arraial do Tijuco, boa parte da populao da Vila do Prncipe mudou-se para l, na esperana de encontrar as cobiadas pedras e fazer fortuna. Era a demarcao diamantina: 1. marco na barra do Rio Inha; o 2. marco subindo o Rio Jequitinhonha, no Crrego das Lajes; o 3. marco, assentado num penhasco na Serra do O; o 4. marco, junto ao Morro das Bandeirinhas; o 5. marco foi assentado numa penha alta, chamada Tromba DAnta, fronteira ao Crrego Bandeirinha; e o 6. marco na cabeceira do Rio Pardo; com uma forma elptica, o maior dimetro no sentido S N era de doze lguas e no sentido E W era de sete lguas; mais ou menos 75 lguas quadradas. Chegamos a Serro e, como j combinado, fomos nos instalar no Hotel Itacolomi. Aguardamos a chegada dos caminhantes e cavaleiros. Foram pouco a pouco chegando e, quando menos se esperava a festa, estava montada na Praa Joo Pinheiro, em frente Prefeitura local. Discursos, homenagens, hino nacional ao berrante; a festa foi de grande brilho, de uma espontaneidade inacreditvel. Foi complementada com marujada, o que deixou todos de boca aberta. A receptividade em Serro foi alm do que se imaginou.

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Companheiro fiel de tantas miradas Ainda nesta noite, nosso amigo e expedicionrio-caminhante Luis Puc deu por falta de seus culos. Segundo ele, ao descansar na beira da estrada, numa curva qualquer, quase chegando, teria posto os culos sobre o barranco, enquanto enxugava o rosto. Numa tentativa alucinada, samos no meio da noite no Jeep da FUNIVALE na esperana de localizar a tal curva. A lua estava cada vez mais cheia e a sorte estava do seu lado. L na tal curva, repousando num canto do barranco, estava os culos, aguardando por seus olhos, companheiro fiel de tantas miradas. Numa situao semelhante vivida pelo Puc, o viajante SaintHilaire499 comenta que, ao tentar abrir suas malas, percebeu que havia perdido as chaves. Como no havia meios imediatos de solucionar o problema, seu criado tomou a iniciativa de retornar pelo mesmo caminho que haviam percorrido. Para surpresa deste viajante, no dia seguinte, viu seu criado retornar com a cambada de chaves encontrada por ele na areia da praia. A noite no hotel foi excelente. Cada um se recolheu na medida do cansao. Do lado de fora um destes carros com porta-malas aberto, equipado com potente aparato de som, mais parecendo um altofalante-mvel, despejava o som extremamente alto para o meio, capaz de irritar qualquer amante da msica. Tal fenmeno vem se multiplicando e, em muitos lugares, estes alto-falantes-mveis causam grande poluio sonora. O desservio maior que o prazer da msica.

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19 dia: Quarta-feira 28 de Julho Serro a So Gonalo do Rio das Pedras


O engenheiro de manuteno das estradas brasileiras o sol. Luccock500 Alvorada sem qualquer alvoroo. Os caminhantes foram os primeiros a se apresentarem para o caf-da-manh. O dia seria longo, com mais ou menos 30 quilmetros at So Gonalo do Rio das Pedras, distrito pertencente ao municpio de Serro e sede da FUNIVALE, local onde ficaramos descansando o vigsimo dia. Os animais ficaram acomodados no Parque de Exposio, justamente na sada para Milho Verde/So Gonalo. De l, os cavaleiros j teriam alguns quilmetros percorridos. Queimando fogo: Mario Conhecemos Mario Andrade dos Santos, 84 anos, tropeiro. Ele nos conta um pouco de sua vida nas estradas: Fui tropeiro. Acho que uns cinqenta anos eu viajei. Parei depois que fui operado, j tem uns seis anos; mas com tropa mesmo eu parei em 1974, quando casei; parei porque foi acabando a tropa e no dava pra viajar mais. Perguntado sobre os motivos que levaram ao fim das tropas, ele responde com firmeza: Acabou as tropas por causa das estradas de carro. Eu viajava para So Joo Evangelista, Peanha, Jacuri (?), ali pro lado dos Pinto, Rio Vermelho, Sabinpolis, Governador Valadares, Santa Maria, Diamantina, Conceio do Mato Dentro. Eu transportava panela de pedra, polvilho e farinha de mandioca. Naquele tempo fazia chapu de palha eu levava; levava pente, cachimbo. Eu tinha um lote com 10 animais. Era eu, meu irmo e mais um outro. Eu era o chefe. Eu andava a cavalo e os demais a p. O lugar mais longe que eu fui foi Santa Maria de Itabira. So Paulo, Belo Horizonte e Rio
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de Janeiro eu nunca fui. Tenho saudades do tempo das tropas. Perguntado se ganhava dinheiro, respondeu: Ganhava pouco, mas vivia satisfeito. Perguntado sobre os muladeiros, respondeu: De vez em quando passavam por aqui. Eu e meu irmo levamos umas 25 mulas l na mata para vender. Samos em direo a So Joo, Peanha, Rio Doce, Governador Valadares; fomos l em Mantena, l longe. Cada lugar que a gente ia vendia um animal, mas tava s descendo. Pra vender tem que ser andando. Gastamos uns 40 dias ida e volta, vendemos tudo l, a pegamos o trem de ferro e voltamos pra casa. Quando a gente ia para Diamantina saa daqui, passava em Trs Barras e arranchava em So Gonalo. Encontrava uma poro de outros tropeiros, contava prosa, queimando fogo; tinha gente que tinha instrumento pra tocar. Tinha pinga tambm. Era comum chegar num rancho e no ter ningum; da a pouco comeava a chegar tropa; a gente olhava, tinha 8, 10 lotes. Descarregava pra botar cangalha em cima. Tinha movimento mesmo. Hoje no tem mais. Armados de compridas espadas A indumentria do tropeiro era aquela caracterstica da atividade laboral que ele exercia. Influenciado pelos caminhos estreitos, frio, calor, chuva e outras intempries, o tropeiro necessitava de uma vestimenta apropriada. Em geral, levavam cabea um chapelo de feltro, cor cinza, com abas viradas, onde traziam agulhas e linhas para o conserto das arreatas; camisas e calas de pano forte e na cor marron; botas de couro flexvel, compridas at a metade da coxa, amarradas por uma fivela; um poncho sobre os ombros; e uma capanga, bolsa de tela grossa em que o tropeiro guarda o fumo, segundo Burton501. Na cintura, faca, faco e, dependendo da poca, uma garrucha de dois canos ou um revlver trinta e oito. Ainda sobre a indumentria dos tropeiros, Rugendas502 comenta: O que torna mais grotesco o conjunto a maneira estranha de armar-se; espadas compridas, enormes fuzis e apetrechos de sela que lembram a cavalaria; e ainda pesados estribos e fitas de diversas cores, amarradas crina do cavalo. O Prncipe Maximiliano503 tambm descreve a indumentria de um tropeiro: todos vo armados de compridas espadas e vestidos de botas de couro castanho que sobem at muito em cima; cabea um chapu de feltro cinzento claro. Com relao vestimenta dos tropeiros,
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Saint-Hilaire504 faz seu comentrio: usavam calas de algodo e uma camisa com as fraldas para fora, maneira dos tocadores de burros e da gente humilde. (...) E se os tocadores de burros fazem longas caminhadas sem outra proteo a no ser o seu chapu, que foram acostumados com isso desde a mais tenra infncia. Acrescentando ao comentrio acima, os condutores de burros, sub-tipo do tropeiro, resultante da fragmentao da atividade de conduo de tropas, apresenta nos dias de hoje (meados do sculo XX) um indivduo modesto, humilde, dado vestimenta, como descreve Santos505: descalo ou de alpercatas; chapu de couro ou palha; camisa e cala freqentemente remendada com chitas diversas; na mo, o relho de cabo flexvel e corda de couro tranado. Plantas medicinais Conhecedor das manhas e experiente no trato com os animais, o tropeiro era tambm um difusor de conhecimentos, empiricamente obtidos, sempre intercambiando com seus pares as novas descobertas. Cada regio percorrida apresentava suas caractersticas, como, por exemplo, a ocorrncia de ervas venenosas, to nocivas aos animais. Os tropeiros informavam-se sobre a ocorrncia destas plantas e os meios para minimizar o sofrimento dos animais ervados, com tratamentos de toda sorte, como testemunhou Burton506 no seguinte relato: todos os tropeiros me afirmaram que quando falta forragem, muitos dos animais so mortos por essa erva, contra a qual empregam vrias plantas medicinais. Os tropeiros conheciam a lida, o tempo e os caminhos, bem como os costumes locais. Pohl507 relata que, aps uma jornada de quatro lguas, Meu tropeiro muito me surpreendeu com o aviso de que tnhamos de ficar aqui e dormir ao ar livre. Isso me era extremamente desagradvel, mas essa gente conhece to bem o terreno e o tempo que, na maior parte das vezes, vale a pena segui-los. Saint-Hilaire 508 complementa a informao indicando que os costumes locais tm o seu porqu, ainda que paream estranhos ao forasteiro, quando narra que Depois de dez ou doze, ou mesmo quinze dias atravs de matas, os tropeiros compram sempre alguma coisa na primeira cidade que encontram, e os que vm de diversas partes da Provncia das Minas para se dirigirem ao Rio de Janeiro, procuram prover-se (...) dos artigos que lhe faltam, porque sabem que mais longe no acharo o menor recurso.
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Na marcha certa: Guido Na casa do Mario, apareceu o Guido Julio Pinto, 67 anos, que no foi tropeiro, mas todos de sua famlia exerceram esta profisso. Ele nos conta uma peculiaridade das tropas: O burro de dia sabia que o tropeiro estalava o chicote; ele sabia que tava andando devagar e que tava atrasando a tropa. Ento quando estalava o chicote ao invs dele andar depressa, ele dava um trote, a batia no sino e bateu sino todos sabiam que tava andando devagar, a andava na marcha certa. Animado, certificando-se de que a mulher do Mrio no estava no recinto, ele conta uma anedota: Chegou no local uma tropa; precisava arrumar o pasto, a perguntou pra dona, que era viva: - A Senhora tem um quarto (pasto cercado) pra arrumar para a tropa? Ela respondeu: - Meu redondo (pasto) est pelado. - A o tropeiro falou assim: - Mas ser que a Senhora no pode arrumar pra mim, nem que seja de hoje pra amanh? A viva responde: - Pois , meu redondo est pelado, mas por uma noite passa. Pode colocar seu comprido (os animais) que amanh voc poder tirar at s oito da manha. (Risos). Juscelino Kubitschek: Joo Emlio & Gasparino Aps a conversa animada com os dois, nos dirigimos para a casa de Joo Emlio Pereira (Nono), 85 anos, que, em companhia do Gasparino Fabiano, 72 anos, nos contaram suas experincias. Joo Emlio: Fui tropeiro durante muito tempo. Comecei com meu pai. Eu puxava tropa como funcionrio antigo dos fazendeiros produtores de cachaa e caf. Eu parei de puxar tropa tem uns 35, 40 anos. Logo que me casei. Gasparino: Fui tropeiro por uns 30 anos. Parei em 1958. Trabalhava com tropa a fui vendendo os animais e comprando propriedade e fomos mexer com roa. O tropeiro vendia a tropa e comprava imveis. Comprava terra como aconteceu com meu pai; trabalhou muito com tropa para Itabira, puxando
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cachaa e caf. Trazia tecido, ferragem e outras coisas. Comprava e vendia pros comerciantes da zona da mata, Sabinpolis, Guanhes, antigo S. Miguel. E assim por diante. Perguntado se o Joo e o Gasparino tocavam tropa juntos, este responde: No, ele tinha a tropa dele e eu a minha. Eu transportava caf, feijo, rapadura, toucinho. Levava pra So Joo da Chapada e de l trazia sal que chegava de trem em Diamantina. Sobre muladeiros, o Gasparino responde: J, tocava tropa com 60 bestas para Curvelo. L eles colocavam os animais para trabalhar na lavra. Trabalhei muito puxando cascalho com tropa. O lugar mais longe que fui foi Curvelo. (...) Governador Valadares eu j mexi com comrcio de boi. J toquei mula pra vender em So Gonalo do Rio das Pedras. L a gente viajava com mercadoria e tambm conduzia tropa. Tinha negcio de vender burro. Esse norte eu rodei bastante. Ainda tenho inteno de arrumar uma tropa. Perguntado ao Joo Emlio se gostaria de acompanhar a Expedio Spix & Martius at Diamantina, respondeu: possvel. Diamantina eu conheo a fundo. Conheo todos os comerciantes que compravam o caf, o queijo, a rapadura. Corria dinheiro. Tanto o comrcio do boi quanto o ouro e o diamante. J levei caf l pro lado de Conselheiro Mata, que era levado pela Central (ferrovia). Perguntado sobre o transporte de carvo em tropa, ele respondeu: J fabriquei carvo aqui na nossa propriedade e vendia pros caminhes. Isto deve ter uns 10 anos. Se me der uma tropa eu toco. Tenho vontade de arrumar uma tropa. Perguntamos ao Gasparino se tambm tinha disposio para ainda tocar uma tropa, ele respondeu: Eu no agento mais, mas ainda tenho vontade. Tinha prazer em viajar, no tinha problema. Era muito alegre e muito crdito. Tenho saudade desta poca. Serro tinha muita tropa arranchada onde hoje a rodoviria, e tinha tambm o mercado. Em Diamantina me lembro bem do mercado. O Juscelino (Kubitschek) tava sempre l. Ele apoiava os tropeiros. Nesse ponto da entrevista Seu Nono chegou s lgrimas e nossa entrevista ao fim. Alterao nos planos O cronograma original da Expedio inclua um pernoite em Trs Barras. Aps consenso, optamos por esticar at So Gonalo e descansar um dia nesta vila. Isto implicaria em praticamente dobrar a caminhada do dia. O Raphael Oliv ponderou dizendo que seria muito puxado, mas concordou que um dia de descanso seria interessante. Esta antecipao, por sua vez, alterou os planos da comunidade, que havia
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planejado uma recepo em grande estilo, tanto em Trs Barras quanto em So Gonalo. Comunicamos por telefone a alterao e partimos para l, a fim de providenciar o alojamento na Escola Estadual Mestre Virgnia Reis, alimentao, etc. Em curso para So Gonalo encontramos com os caminhantes e com os cavaleiros. Em So Gonalo planejamos o que era necessrio para esticar em um dia nossa estada. O Bar do Pescoo encarregou-se da alimentao. Isto facilitou nossa vida pelos prximos dois dias. Retornamos ento em direo a Serro para encontrar os expedicionrios e suprir-lhes de gua, biscoitos, etc., como de costume. Em Trs Barras encontramos o Rafael, a Norma e a Eliza. Eles comunicaram que ficariam por l, pois a caminhada estava puxada. Arrumaram hospedagem na comunidade. Os demais caminhantes seguiram para So Gonalo. Mulas cobertas por garanhes Na beira do Rio So Francisco, prximo a Januria, Burton509 faz o seguinte comentrio com relao aos burros: Havia bons burros pastando pelas proximidades (...) Um jumento provou-me que o cruzamento praticado aqui. Mais abaixo os asnos tornaram-se comuns. E segue informando que afirmaram ter visto filhotes de trs mulas cobertas por garanhes, acrescentando que eram todos animais disformes. Cores dos muares No alto Vale do Paraba, segundo Maia510, as cores dos muares so assim conhecidas: Azulego: branco com pintinhas pretas, tordilho-escuro; baio: caf com leite, s vezes claro e escuro; bragado: castanho com a cabea e as pernas brancas, cor rara; branco: pelagem branca; castanho: marrom claro; dourado: castanho-amarelado; lobuno: castanho-acinzentado; pampa: malhado de preto e branco ou castanho e branco; pedrs: branco com pintinhas vermelhas; pelo-de-rato: turvoescuro; picao: castanho-avermelhado com pernas e cabea manchadas de branco, cor rara; pinho: castanho escuro-avermelhado; preto: pelagem muito escura; rosilho (rosio): castanho entremeado com pelos brancos; ruo: vermelho pinho ou palha de arroz; ruo: branco com pelagem suja; tordilho: branco pintadinho de preto.
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Rancho Trs Barras Seguiam Spix & Martius 511 da Vila do Prncipe em direo ao afamado Arraial do Tijuco. Em Trs Barras fizeram alto, na espera da autorizao escrita para adentrarem no Distrito Diamantino, registrando: morros cobertos de mata e fizemos pouso no Rancho Trs Barras, onde alguns dias antes uma ona tinha espalhado terror geral. Tambm na chegada a Trs Barras, Gardner512 aponta que aps uma jornada de trs lguas e meia por uma regio desinteressante de montanhas pedregosas, chegando a um lugar chamado Trs Barras. No caminho de Trs Barras para Milho Verde, o Pico do Itamb torna-se cada vez mais imponente na paisagem. Joaquim Felcio513, escrevendo sobre o Pico do Itamb, registra: era o farol grantico dos viajantes, era o centro de um crculo de sessenta lguas de dimetro, que podiam resolver sem receio de extraviarem-se. Milho Verde Sobre a passagem por Milho Verde, Spix & Martius salientam apenas que nesta vila ficava o registro de entrada no Distrito Diamantino. Mawe514 ressalta: Passei depois por Milho Verde, corpo de guarda ou registro (...) As tropas de soldados (...) vai ao encontro dos viajantes, segueos, examina-os. A regio de extrema aspereza, despida de vegetao, coberta, por todos os lados, de massas de rochedo de grs. Saint-Hilaire515, em breve descrio sobre Milho Verde, registra a vila como compondo-se de uma dzia de casas e de uma igreja. Burton516 nos traz uma informao interessante acerca da atividade diamantfera: O Diamante Bragana, originrio do Crrego Caet Mirim, encontrado perto de Milho Verde (...) peso bruto de 1.680 quilates. Spix & Martius517, referindo-se aos diamantes e natureza da regio, registram: Quase parece que a natureza escolheu para a regio originria dessas pedras preciosas os mais esplndidos campos e os guarneceu com as mais lindas flores (...) Sente-se o viajante, nesses deliciosos jardins, atrado de todos os lados por novos encantos e segue

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extasiado pelos volteios do caminho sempre nas alturas que o leva de uma a outra das belezas naturais. Josias Morais Ainda em Milho Verde fomos para a Pousada Morais, onde o Josias (Vice-Presidente da FUNIVALE) aguardava a passagem da Expedio. Chegaram os cavaleiros e todos foram convidados para tomar um caf com bolo delicioso na Pousada. Faltavam apenas cinco quilmetros entre Milho Verde e So Gonalo do Rio das Pedras. O dia seguinte estava reservado para no se fazer nada. Apenas descansar. So Gonalo do Rio das Pedras Sobre So Gonalo do Rio das Pedras, Burton518 destaca: a vila chamada de Casamenteira das Velhas. O local notvel pela ordem e pela indstria. Disseram-me que ali no se encontra nenhuma jovem perdida e os habitantes exercem pequenas indstrias. Nos concentramos prximo da matriz, aguardando a chegada dos cavaleiros. Alguns caminhantes j haviam chegado e, pouco a pouco, iam se instalando na Escola. O foguetrio anunciava a chegada da tropa. Aguardamos na praa a presena do presidente da FUNIVALE, o Martin Kuhne, para dar as boas vindas aos expedicionrios. Ele no apareceu. O Tllio Marques fez um breve discurso e demos por encerrada nossa chegada a So Gonalo. Os sinais de cansao eram visveis. O povo se recolheu cedo.

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20 dia: Quinta-feira 29 de Julho So Gonalo do Rio das Pedras = Descanso


O brasileiro no se deixa deter pelos perigos e canseiras de uma viagem que, s vezes, o separa oito, at dez meses, da famlia: (...) pois quanto mais ermo o lugar de sua origem, tanto mais cedo ele se acostuma a dar pouca importncia s grandes dificuldades. Spix & Martius519 Dormimos todos na Escola Mestre Virgnia Reis. Por sorte eram frias escolares e nossa chegada no interferiu em nada. Assim como em Itapanhoacanga, as salas-de-aula foram transformadas em alojamento. Forneceram-nos colchonetes e tudo mais necessrio para o nosso descanso. Sem alvorada programada. Os animais ficaram alojados numa rea nos fundos da Casa Guimares Rosa, sede da FUNIVALE e local do futuro campus. Terra Me Todos saram para as mais diversas atividades. Lucia Velasco foi com o Puc a Diamantina buscar a Renata (mulher) e Isabela (filha). Um grupo foi, com o Tullio e o pessoal da Lis Produo, para a Gruta do Salitre filmar uma atividade de rapel . Fomos com Toni, Ana Kuhne (Pousada Refgio dos Cinco Amigos) e o Fabiano para uma caminhada at uma gruta com pinturas rupestres, na direo da Serra do Raio. Segundo o Fabiano, aquele stio arqueolgico no estava cadastrado e foi devidamente marcado pelo GPS e batizado de Stio Arqueolgico da Vargem. Prximo a esta rea, um outro abrigo foi descoberto por ele com inscries no to claras quanto o da Vargem e que recebeu o nome de

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Stio Arqueolgico Terra Me, em homenagem ao Projeto Terra Me, que se v ao fundo na paisagem. Do stio demos uma volta e fomos nos refrescar no Poo da Ana, um lugar extremamente agradvel, localizado na beira do Rio das Pedras. O recanto primoroso e vale a pena ser conhecido. De l seguimos para o Projeto Terra Me, em vias de transformar-se numa escola agrcola especializada em agricultura orgnica. Fizemos algumas excelentes imagens. Arranchar no mercado: Zeca Em seguida tratamos de entrevistar Seu Zeca, ou melhor, Jos Maria Otoni, 63 anos, tropeiro. Ele nos conta que trabalhou muitos anos com tropa para Diamantina, pelos idos de 59, quando tinha vinte e poucos anos e era solteiro. Ele conta que plantava lavoura e tambm comprava na mo do povo feijo, farinha, toucinho, caf em coco e levava tudo para Diamantina. Como todos sabiam que ele levava mercadoria para vender em Diamantina, o povo ento oferecia outros produtos para que ele intermediasse a venda. Seu Zeca aprendeu com o pai a arte de mexer com tropa, quando ainda tinha 10 anos. Das lembranas que tm, uma em especial, a de que viajava na garupa do pai que tropeirava e carriava520. Comprava e vendia besta tambm. Gostava desta verba tambm, acrescenta. O pai de Seu Zeca morreu com 51 anos, fazendo arreio, arte que passou para o filho Ado, que a mantm at os dias de hoje, alm de fazer selas e cangalhas. Seu Zeca conta que o lugar mais longe que j esteve com tropa foi Serro e Itamb (Santo Antonio do Itamb). Em Trs Barras comprava muita farinha. De Diamantina trazia sal, que chegava em trem (Maria Fumaa), para vender em Serro, e de l trazia farinha, caf em coco. Ele conta que chegou a viajar na Maria Fumaa que vinha de Belo Horizonte para Diamantina. Segundo Seu Zeca, a viagem era pssima, pois viajavam em carro de classe inferior. Seu Zeca conta que o transporte de mercadoria em tropa era lucrativo. O sal tinha grande rentabilidade. Era bom negcio. Ele conta ainda que no tinha estrada de rodagem e, por conta disso, eram as tropas que dominavam os caminhos. Alguns lugares passavam carro de boi. Segundo o Seu Zeca, na regio, uma tropa composta de um lote, com 12 animais, sendo 10 bestas de carga, e 2 de sela, sendo 1 cavalo. Sem esquecer que um destes animais era a madrinheira. Nas viagens para Diamantina, assim que chegava na
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cidade, descarregava os animais no mercado dos tropeiros, l na praa. Dava trato nos animais, passando a raspadeira no pelo e dando milho, depois levava para o pasto e em seguida ia bater uma trempezinha, fazer um cafezinho, alguma coisinha para comer, depois ia sair para vender as coisas que a gente levava. Seu Zeca conta que batia na porta dos principais comerciantes oferecendo a mercadoria. Se fechasse negcio, imediatamente carregava os animais necessrios e fazia a entrega. Feita a entrega, ele tratava de fazer umas compras (geralmente mantimentos) que eram encomenda dos negociantes de So Gonalo. Neste caso, o dinheiro era suprido pelos negociantes e Seu Zeca fazia apenas o trabalho de administrar a compra e o carreto. Dormiam no mercado, para cedo na manh do dia seguinte partir de volta. Seu Zeca conta que a ltima vez que fez viagem para Diamantina com tropa foi em 1982. A partir desta poca, passou a viajar com um nmero reduzido de animais. Nesta poca levava doce de laranja, marmelada para vender, no s em Diamantina, mas Serro, Gouveia, Pedro Lessa e Itamb. Nesta poca j tinha mais carros passando e no dava para competir no frete. Seu Zeca no era o nico em So Gonalo na atividade tropeira. Existiam muitos outros. Ele estima em 10 lotes o contingente de carga de So Gonalo naquela poca. A estrada era movimentada. Com relao a pasto para essa burrada toda, em So Gonalo no era problema, mas em Diamantina era necessrio alugar pasto que, s vezes, no ficava perto do mercado. Seu Zeca conta que nos tempos de tropeiro andava armado. Nessa poca o tropeiro tinha direito de andar armado, com um faco, uma garrucha, um revlver. Os tropeiros chegavam na cidade com arma na cintura. Era um direito do tropeiro, insiste Seu Zeca. Mas, ao chegar no mercado, tinha que guardar os ferros. ramos muito respeitados e, nessa poca, tnhamos grande direito no mercado que um patrimnio, depois passou a ser banca e j foram encurtando os tropeiros, agora que est voltando ao normal, se o sujeito quiser pode chegar com sua tropinha e vender no mercado521 (...) voltou a poder, l tem um cantinho que tem estacas para os burros e bancas no sbado. Seu Zeca conta que na poca em que transportava mercadorias para Diamantina existia uma balana no mercado, da qual os tropeiros se serviam, pagando uma pequena taxa. No gostavam que a gente vendesse pinga (aguardente). Este produto era proibido vender no mercado. Seu Zeca informou que j transportou lenha, na poca em que no havia tanta fiscalizao como existe hoje. Essa lenha era transportada j por encomenda, acrescenta. Alm de lenha,
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transportou tambm galinha. Porco nunca transportou, mas j viu uma vara com duzentos animais pela estrada. Em Diamantina, Seu Zeca conta que j chegou a arranchar com mais de 50 tropeiros e muitas vezes no cabia mais gente dentro do mercado, tinha que ficar do lado de fora (...) Tinha banheiro dentro do mercado e dormamos em cima de couros, embolava uns panos, fazia um travesseiro e dormia todos ali dentro (...) o pessoal bebia, brincava, ficava contando caso, uns dormiam mais cedo, outros mais tarde. Alm das mercadorias da roa, eram relgios, armas, anis e quinquilharias negociadas pelos tropeiros. As mulheres dos tropeiros no eram esquecidas na hora de negociar uma jia ou algo do agrado feminino. Nos ranchos ficavam todos embolados, sem distino. Seu Zeca negociava queijo e carne. Os queijos eram transportados em balaios pequenos e, s vezes, se deformavam e eram vendidos baratinho, tambm pano de toucinho, muito barato. Seu Zeca conta que nos ranchos os animais recebiam cuidados. Quando adoeciam, necessitando de cuidados especiais, os tropeiros se juntavam num esforo coletivo para minimizar o sofrimento das bestas. Sim, todos ajudavam, inclusive na estrada. Seu Zeca tropeirava tanto na poca das guas quanto na seca. Nas guas chegava no mercado s vezes todo molhado com os couros molhados fedendo e a gente deitava assim mesmo, no tinha plstico de proteo. Nas travessias de rios, quando estava tudo muito cheio, era necessrio descarregar os animais e esperar a gua abaixar. s vezes podia atravessar a carga na mo e depois os animais. Uma vez do outro lado, tinha que carregar os animais novamente para seguir viagem. Com relao a bandidos na estrada, Seu Zeca nos conta que nunca teve problemas, mas um colega teve uma despesinha surrupiada. O colega ficou bebendo at tarde, quando retornou no encontrou mais a mercadoria que estava no burro. Mas na estrada nunca teve problemas. Perguntado se tinha saudade da lida, ele diz que tem muita saudade, era divertido. Naquela poca sempre tnhamos um dinheirinho. Seu Zeca j chegou a tocar tropa com dois lotes, com a ajuda de dois companheiros. Os animais s vezes se espantam com coisas que no percebemos e comeam a saltar como loucos. J vi vrias vezes, uma certa poca eu estava com minha tropa, 4 animais, 3 na cangalha e 1 na sela, deveria ser mais ou menos trs horas da madruga com a lua clara, subindo uma serra, escutei tipo uma pessoa vir correndo, batendo os calados pela serra abaixo, eu olhei assim no vi nada, os burros pararam, olharam para trs e no viram nada e saram em disparada com medo, e eu sa atrs dos burros, mas
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ningum viu nada e escutamos essa zoeira toda. s vezes era burro novo sendo amansado. O burro quando chega num atoleiro, ele cheira e percebe se d para passar ou no, e passa maneiro, ele sabido tambm. Se percebe que tem dificuldade ele no passa. Ona eu j vi vrias vezes, atravessava na nossa frente, os burros assustavam, ns amarrvamos os animais no pau e esperava um pouco, at ela ir embora e os animais no estarem mais assustados, ns tnhamos um bom revlver, mas nunca precisamos atirar. Seu Zeca se lembra da poca em que ia de So Gonalo para Diamantina, e que o caminho em boa parte - era coberto por mata. Muita mata, muita serra, porque no passvamos por estrada de rodagem, era outro caminho. Com relao alimentao no rancho, Seu Zeca fala em bater trempe. A trempe era feita de ferro, duas pernas com travesso e tinha uns ganchos, ali fincava ela no meio da calada entre uma pedra e outra, botava lenha que trazamos da estrada, e fazia caf, feijo inteiro, arroz e carne, toucinho, comia queijo, uns faziam um anguzinho. E tinha tambm a matula, que era preparada para o caminho, uma farofa de frango, pra comer no caminho, porque era muito longe, suado com queijo, doce, colocava numa vasilha, pois naquela poca no tinha garrafa trmica, ento era numa garrafa de vidro e depois eles esquentavam. No rancho tinha festa. Festa mesmo era tocar violo e beber vinho, jogar baralho (trunco), mas sem aposta, somente brincadeira, a turma era bastante divertida. Mas no era s mercadoria que os tropeiros transportavam. Tinha tambm os recados, os escritos, inclusive dinheiro, tudo isso fazamos no favor, principalmente para os comerciantes. Seu Zeca se despede da entrevista enfatizando que os tropeiros tinham mais direito. Naquela poca o tropeiro tinha direito de arranchar no mercado, no era proibido, no tinha nenhum banqueiro dentro do mercado, o direito todo era dos tropeiros, porque o mercado um patrimnio dos tropeiros. Simpatias e benzimentos Segundo Maia522, o trabalho intenso, as longas jornadas, peso excessivo e alimentao debilitada adoeciam os animais da tropa. As doenas citadas por este autor, conforme suas entrevistas com tropeiros no Alto Vale do Paraba so, na maior parte, tratadas com rezas, simpatias, remdios com ervas e procedimentos rudimentares. Simpatias e benzimentos so comuns. No passado no havia remdios industrializados, salvo uma medicina emprica, que funcionava, como asseguraram alguns tropeiros. Eram e certamente ainda so as doenas mais comuns:
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aguamento (aguao ou pestiamento) = doena de animais de carga ou de trao, resultante de excesso de trabalho, ou de resfriamento; bicheira = ferida nos animais, cheia de bichos, de vermes; broca = molstia que afeta o casco dos eqinos e asininos, por extenso, dos muares; picada de cobra; dor de barriga; garrotilho = doena de eqinos, causada pelo Streptococcus equi; pisadura = ferida no lombo dos animais de carga ou sela, matadura; rendidura (rompimento) = hrnia; tosse. A fadiga de uma longa jornada por regio privada de gua e boa alimentao era fatal aos animais, como conta Pohl523 neste relato: Pode-se imaginar o que sofreram nossos animais. (...) Tinham morrido dois (...) os poucos animais restantes no podiam conduzir a carga toda (...) mais um burro morto (...) quase todos os meus animais pareciam doentes; tinham a lngua carregada e todos os sinais me faziam temer uma epizootia. Aconselharam-me a dar-lhes sal imediatamente e sangr-los. O sangue era muito grosso e escuro. Nossos animais estavam fatigados e doentes. No era raro um animal morrer durante a jornada. Motivos no faltavam: doenas, fadiga, picada de cobra, entre outros. Comum, no entanto, era a quebradura de perna, devido rudeza dos caminhos e estradas. Sempre que havia baixa de animais, era necessrio redividir a carga entre os restantes, ou at deix-la para trs, retornando mais tarde para recuper-la. A reposio dos animais era uma constante e muitas vezes tarefa difcil. Pohl relata que caiu um de nossos burros de carga e foi mortalmente ferido por um galho de rvore que lhe penetrou no peito (...) Em Tijuco tivemos de abandonar um animal, que quebrara a perna numa queda (...) no caminho perdera seis burros, alguns dos quais por mordida de cobra, (...) um dos nossos burros, ao atravessar uma depresso, deu com o peito numa raiz de rvore, morrendo. Na poca das guas, o excesso de chuvas podia ser prejudicial aos muares, como conta o Prncipe Maximiliano524: caem logo doentes, no suportando estes a umidade (...) O meu melhor animal de carga adoeceu (...) e foi ficando para trs (...) Apesar de todos os socorros que foram ministrados, o animal morreu; sentimos muito a sua perda. E segue comentando que os cactos so sobretudo perigosos para os burros
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e cavalos em viagem; com efeito, se um espinho se crava no casco ou numa junta, o animal pode ficar estropiado (...) numerosos cactos penta e hexagonais, ameaavam as pernas dos burros com agudos espinhos. Vampiro Saint-Hilaire525 comenta que piolhos infestavam os cavalos e acreditamos, por extenso, os muares, e que os remdios utilizados eram tabaco em p misturado com aguardente e leo de rcino. Com relao a morcegos, Mawe526 afirma: Os morcegos, que os viajantes descreviam tantas vezes, inimigo formidvel dos cavalos e mulas. Neste sentido, Burton527 relata: Ao acordarmos, antes de nascer do sol no dia seguinte, vimos pelos sinais de sangue em nossos animais que eles haviam sofrido muito com um vampiro. Ainda com relao a morcegos, Bunbury528 narra: Quando, na manh seguinte, j estava de partida (...) percebi que uma das minhas mulas havia sido mordida na pata por algum bicho e que tinha perdido muito sangue: disse-me o guia, e no duvido que seja verdade, que o animal tinha sido mordido por um dos grandes morcegos comuns neste pas. Dizem que esses animais causam muitos estragos, chupando o sangue dos cavalos, das mulas e do gado. No presente caso, entretanto, no houve grande prejuzo. Resina balsnica do lantim Uma das mulas de Spix & Martius529 descadeirou na subida de um morro e foram obrigados a trat-los com clisteres, cataplasmas grandes e aplicao de um emplastro misturado com resina balsnica do lantim. E acrescentam que uma de nossas mulas, como costumam fazer ao aproximarem-se de gua, havia-se apressado a matar a sede; chegando ao crrego, um grande jacar logo a pegou no focinho e, provavelmente, seria vencida na luta desigual, se a tempo no lhe acudissem os tropeiros. Conselhos e prticas Na longa e penosa travessia entre Cachoeira e Juazeiro, na Bahia, os animais sobreviventes no raro vrios ficavam mortos na estrada necessitavam de longo descanso e tratamento, forando os viajantes a demorarem-se algumas semanas antes de prosseguir viagem. Durante a jornada os animais cargueiros ficavam machucados pelas albardas (pisadura). O problema , s vezes, to grave que chega a gangrenar, podendo acarretar a morte do animal. Era, portanto, necessrio tratar os
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animais sempre com o mximo de cuidado. Alguns tropeiros atribuam este mal ao nevoeiro intenso durante a noite e ao forte orvalho da manh e, sobretudo, ao efeito agravante do luar sobre as feridas. Spix & Martius narram que no quisemos confiar a cura, como ele aconselhava, aos raios do sol, e assim se passou o dia nas desagradveis operaes de veterinria, aplicando fogo, sarjando, lavando as feridas com um cozimento de fumo ou com urina, e sangrando, trabalho no qual arrieiros bondosos, aqui tambm pousados, nos auxiliaram com conselhos e prticas. leo e plvora Goulart530 informa que animal morre pelo caminho por conta de envenenamento por erva; picada de cobra, varada por toco, cado na pirambeira, afogado em rio, comido por piranha, vencido na fadiga; entre epizootias freqentes, como mal de cadeiras (derreio da anca); descadeiramento = muito comum em animais cargueiros. Quebradura de perna, causada por pisar em falso numa pedra, num atoleiro, num buraco. Quando os animais tombavam sem condies de serem reerguidos, eram abandonados. O Prncipe Maximiliano531 acrescenta ainda que, nas cercanias de Minas Novas (MG), foi informado por tropeiros sobre uma mistura de leo e plvora que se d aos burros, como excelente remdio contra os efeitos das ms pastagens. O restante da tarde foi dedicado a no fazer nada, literalmente. A no ser uma passada pelo Projeto Terra Me da FUNIVALE. Na noite, foi inaugurado o Bar Spix & Martius. O jantar servido no Bar do Pescoo foi acompanhado de festa, com msica ao vivo. Um espetculo.

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21 dia: Sexta-feira 30 de Julho So Gonalo do Rio das Pedras a Fazenda Boa Vista
Quando a minha previso sobre o futuro ter sido justificada, o viajante poder cotejar o seu Presente com o meu Passado e da encontrar um outro padro para medir a marcha do progresso que h de continuar a passos gigantes na terra do Cruzeiro do Sul. Burton532 Alvorada na Escola Estadual Mestre Virgnia Reis. hora de levantar o esqueleto e preparar para a sada. Parte mais difcil Os caminhantes saram na frente, como de costume. A tropa no tardou. O dia de jornada seria curto. Pouco mais de 14 quilmetros era a distncia prevista at nosso ponto de pouso, na Fazenda Boa Vista. Nosso ltimo pernoite. Eram aparentes os sinais de cansao. Como havia previsto o Raphael Oliv, a sndrome do final da jornada ia tomando conta dos expedicionrios. Amanh, dia 31, tudo se acabaria, como havia comeado. Segundo Oliv, a parte mais difcil. Mais difcil do que percorrer os quatrocentos e tantos quilmetros deixados para trs. Em torno de 5 quilmetros de So Gonalo rumo a Diamantina est a ponte do Rio Jequitinhonha. Gardner533 comenta sobre uma ponte, certamente no a mesma, pois a atual de concreto, mas pode ser que o lugar seja o mesmo: em um lugar chamado Vau, atravessamos pequeno rio por uma velha ponte de madeira meio podre. L foram feitas umas demonstraes de rapel e uma filmagem bastante elegante da travessia da tropa pela ponte.

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O dia estava lindo. A luminosidade, caracterstica desta poca na Serra do Espinhao, multiplicava a beleza da paisagem, garantindo belas fotos e registros em vdeo. Quase chegando Fazenda Boa Vista, encontramos com Dona Enaura Velasco, Maria Velasco (dona do Jeep que a FUNIVALE vinha utilizando) e seu filho Rafael, alm da Eny Hertz (fotgrafa) e Marta Chagas Marques, melhor conhecida por Martinica, todos de Niteri, que vieram prestigiar o ltimo dia da Expedio. No tardou e chegamos Fazenda. Neste dia seguimos para Diamantina para comprar vveres e garantir um caf da manh decente para os expedicionrios. Isto feito, retornamos fazenda, j tardinha. Os Expedicionrios tambm j haviam chegado. O acampamento estava montado. Barracas para todos os lados. Falta de boas estradas Todos os viajantes e cronistas do sculo XIX reclamaram das estradas. Tinham seus motivos. Entre os problemas mais srios estavam a estreiteza do caminho, a escurido e umidade nos trechos de floresta, os atoleiros na poca das guas, a falta de segurana nas beiras dos precipcios e a falta de infra-estrutura de viagem beira dos caminhos, verificadas em determinadas regies mais isoladas do pas. De resto, as estradas serviam para caminhantes e tropas, sendo que, no raro, certos trechos comportavam apenas os animais em fila indiana. Uma tropa tinha que parar para esperar a outra passar. Bunbury534, neste sentido, comenta: Uma das principais razes pelas quais os artigos de luxo to raramente so encontrados no interior , sem dvida, a falta de boas estradas e o conseqente risco, bem como a despesa do transporte. Caminho velho Segundo Capistrano de Abreu535, foram trs os primitivos caminhos que ligavam a cidade do Rio de Janeiro a Minas Gerais: O primeiro, vulgarmente chamado Caminho Velho, aberto por Garcia Rodrigues Pais, partia do norte do Pilar; transpunha a serra, passava as roas Marcos da Costa nas cabeceiras do Rio Santana, Pati, etc. O segundo, depois de passado o Paraba do Sul, desenvolvia-se pelas margens do Piabanha e Inhomirim: do Inhomirim vinha-se embarcado para o Rio; a Praia do Mineiros era o ponto de desembarque. O terceiro,

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vulgarmente chamado caminho novo, passava por Meriti, Maxambomba e Sacra Famlia. ngremes e tortuosos Bunbury536 j informava o bvio: Nenhum melhoramento, quase, to necessrio ao Brasil como a construo de boas estradas (...) As melhores estradas so ruins; na estao chuvosa so quase intransitveis, e comum os viajantes ficarem parados por muitos dias por causa do transbordamento dos rios. E este viajante, em trnsito pelo caminho entre o Rio de Janeiro e Vila Rica (Ouro Preto), comenta: A estrada em alguns lugares boa, em outros muito ngreme e irregular e, s vezes, to estreita que duas mulas carregadas passam com dificuldade. muito freqentada: todos os dias encontrvamos grandes tropas de mulas vindas do interior, geralmente carregadas de fardos de um tecido grosso de algodo, s vezes queijos de Minas ou couro. surpreendente, quando se leva em considerao a falta de policiamento e a ineficincia das leis, que os roubos no sejam mais freqentes nessa estrada, que a grande linha de comunicao entre o Rio e as provncias do interior e pela qual trazido todo o ouro das minas. Segundo Santos537, O relevo acidentado do nosso territrio contribuiu para que os caminhos fossem com freqncia ngremes e tortuosos; as florestas eram tambm srio obstculo a vencer e as estradas que as atravessavam eram em geral estreitas, com solo escorregadio e pouco consistente, dado a umidade reinante; a pavimentao, quando havia, era feita de maneira rudimentar, com pedras irregulares. Assim, entre o carro de boi e o burro, triunfou o ltimo, por melhor se adaptar a tal estrada. O transporte em lombo de muar , assim, funo da precariedade das vias de comunicao e do acidentado do relevo. Segundo Dean538, citando Luccock, era um ditado popular que o engenheiro de manuteno das estradas brasileiras o sol. Ainda segundo este autor, O plantio comercial do acar tornou-se lucrativo tambm, marginalmente, no planalto paulista, aps o calamento, em 1792, da trilha de mulas que descia a escarpa costeira at Santos. Primeira grande via carrovel Segundo Latif539, Atalhos improvisados e mal fiscalizados permitem que escape ouro ao imposto, entrem mercadorias sem pagar
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direitos e afluam clandestinamente aventureiros que aumentam a confuso existente nas minas. Isto provocou reaes por parte da Coroa, que baixou uma srie de medidas restritivas. Entre elas, como verificado em 1710, pela estrada da Bahia s podiam vir boiadas para Minas. Neste sentido, Diogo de Vasconcelos540 adverte que A proibio de caminhos era coisa v, (...) e era tarefa incua tentar coibir o contrabando em um pas imenso, onde nem todo o exrcito conseguiria obrigar que se entrasse ou sasse por um s caminho. E ressalta que os fiscais eram via de regra mais amigos do ouro levado pelos contrabandistas do que do Rei. Ainda segundo este autor, O Caminho Novo, em sua variante pela Serra da Estrela, remodelado, no comeo do sculo XIX, para transformar-se, em meados desse sculo, na Estrada Unio Indstria, a primeira grande via carrovel construda no Brasil. Segundo o livro da Agroceres541, O caf tornou-se a atividade econmica mais dinmica do pas e rasgou caminhos para a abertura de estradas, ferrovias e portos, sem falar em vilas, cidades e palcios para os seus bares. Os velhos caminhos mineiros De acordo com Felcio dos Santos 542, O ouro, que se extrasse na Comarca do Serro Frio e Vila do Pitangui, que tinham ficado fora da demarcao, devia ser levado diretamente pelas estradas pblicas s casas de fundio. Neste sentido, reputava-se desencaminhador o que fosse encontrado conduzindo ouro por picadas, veredas, caminhos ocultos, ou pouco freqentados, que no iam em direitura casa da fundio; (...) a lei de 27 de outubro de 1733 tinha proibido abrirem-se novos caminhos ou picadas para as minas, devendo a entrada e sada ser feita pelos antigos e pblicos. Ainda segundo este autor, tratando sobre as estradas que iam e vinham do Distrito Diamantino, informa: Nossas estradas eram seguras, e talvez mais seguras do que hoje, e o viajante que por elas transitava no temia o encontro do inofensivo garimpeiro. De acordo com Latif543, com os novos descobertos de ouro em Minas, e avesso a uma migrao macia do litoral para o interior, O governo rgio tem forosamente de encarar a possibilidade de estradas de penetrao. Embora no se decida ele prprio a constru-las, dispese, entretanto, a incentivar a iniciativa particular, doando sesmarias ao longo dos novos caminhos abertos. (...) O regime de abertura de estradas por particulares, em troca de sesmarias, no pode vigorar em regies de
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terras minerais, onde a legislao em vigor reserva ao rei a propriedade do solo. A os delegados rgios, embora a contragosto, tm eles prprios de construir estradas. Com a explorao do diamante, a partir de 1729, abre-se para o norte a Estrada Real, em demanda de Diamantina. Esse caminho parte de Mariana, segue pelos descobertos ao longo das faldas do Caraa, depois entre esta serra e a da Piedade, na regio chamada Mato Dentro, passa por Catas Altas, Santa Brbara e Itabira, para finalmente ganhar a chapada diamantfera. Ainda segundo este autor, As grandes pedras chatas, que se deixam empilhar, servem para os muros divisrios que, ziguezagueando morro acima, delimitam os terrenos das lavras. Com elas erguem-se tambm paredes de arrimo para os caminhos vencerem os flancos ngremes dos morros, parapeitos junto aos despenhadeiros, preges para o estrado das pontes (...) Os trechos de maior declive e os atoleiros so calados. (...) Os velhos caminhos mineiros, enobrecidos pela abundncia de alvenaria de pedra, destinam-se apenas aos cargueiros e s liteiras. Fazenda Boa Vista Na Fazenda Boa Vista no parava de chegar gente. Parecia o palco de uma grande festa, sem que se soubesse quem convidou ou qual o motivo da comemorao. Para os Expedicionrios, essa era a ltima noite. nica diferena era a quantidade de gente. Curiosos, autoridades, imprensa. Todos vidos por compartilhar um pouco da energia daquela noite. A Expedio chegava ao fim, e nada melhor do que comemorar com festa. E foi exatamente isso o que aconteceu na ltima noite, ainda com uma lua semi-cheia brilhando no cu do Espinhao. Itabira em peso O churrasco foi garantido pelo pessoal do municpio de Itabira, liderado por Z do Cachimbo. Vieram de longe, trouxeram cavalos e estavam prontos para apoiar a Expedio mais uma vez no seu derradeiro dia. Vrias pessoas de Diamantina tambm se dirigiram para l. A Rede Globo registrou vrias imagens, inclusive algumas entrevistas com os expedicionrios. A msica garantiu a animao. Cerveja havia vontade. No sabemos quem proporcionou, mas podemos assegurar que foi bem vinda. A festana ocorreu at altas horas, embora muitos dos expedicionrios, j acostumados a uma certa rotina, buscaram o descanso to logo possvel.
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22 dia: Sbado 31 de Julho Fazenda Boa Vista a Diamantina (fim)

Sempre por caminhos pouco descobertos, por serras mui formosas que no tm conta e tantos rios, que em partes, no espao de quatro ou cinco lguas, passamos cinqenta vezes contadas por gua e muitas vezes, se me no socorressem, me haveria afogado. Francisco B. de Espinoza544 ltima alvorada da Expedio. Era nosso ltimo dia. No havia como esconder certa melancolia no ar. Parecia que no era para acabar. Por outro lado, os passos eram cada vez mais difceis. Uma verdadeira confuso de sentimentos. Tnhamos que partir. A cidade estava toda preparada para nossa chegada. A concentrao na Praa do Mercado dos Tropeiros reunia centenas de pessoas. Era o grande acontecimento. Animais extraviados Partimos bem cedo. Mais cedo do que o normal. Tivemos notcia de que naquela noite os animais haviam sido deixados num pasto cercado. Na manh, para triste descoberta, o pasto no era exatamente o que se poderia dizer cercado. Isto custou aos nossos j cansados tropeiros (mas sempre dispostos) um tempo extra para reunir os animais fugidos. As informaes dos tropeiros de antanho nos do conta de que tal fato era uma constante na lida tropeira. Para ns, tal surpresa foi reservada apenas para o ltimo dia, como se os muares que nos acompanharam quisessem de certa forma nos deixar uma mensagem.

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Limpeza a ser feita Reunidos e preparados todos os animais, deu-se a partida. Para o pessoal do apoio restou uma faxina no terreiro da fazenda. A quantidade de lixo, copos descartveis, guardanapos, latas de cerveja e tudo mais que se puder imaginar foi largado no cho. Os responsveis pela fazenda, indignados, queriam apenas que tudo ficasse limpo como estava, antes da chegada da Expedio, o que era justo. Em nenhum pouso que ficamos deixamos sujeira. At porque o pessoal do apoio s deixava o local de pouso depois de certificada a limpeza ou esquecimento de algum objeto. Neste caso da Fazenda Boa Vista, os participantes da festa foram embora e nos deixaram a limpeza a ser feita. Juntamos esforos e no tardou para que uma montanha de lixo estivesse reunida. Seguimos para a estrada, encontrando aqui e ali os caminhantes que agora eram muitos. Parentes dos expedicionrios iam se juntando. ramos muitos. Bem mais que no dia da partida. Cavaleiros, perdemos a conta. Aos poucos fomos nos reunindo na entrada sul de Diamantina, pelo bairro conhecido por Buraco da Palha. Concentramos num boteco, para aguardar a tropa que no tardou. Havia muita gente: centenas de pessoas espalhadas pelas caladas aguardando a Expedio passar. Registros Durante o processo de ocupao do interior da colnia brasileira, a Coroa Portuguesa, atravs de um mecanismo de concesses (contrataes) aos vassalos, foi instalando os chamados Registros, localizados em pontos estratgicos, geralmente nas travessias de rios, e neles procedia-se a cobrana de tributos e direitos de passagem. Estes Registros funcionavam tambm como uma espcie de alfndega, e procediam-se a verdadeiras revistas, buscando-se contrabando de ouro e diamantes nas bagagens de quem quer que por eles passassem. Estes lugares eram o terror dos tropeiros, pois perdia-se um grande tempo com as minuciosos revistas. Uma tropa com 5 lotes podia levar uma semana para atravessar um registro. Segundo Latif545, Vive-se separado do resto da colnia pela barreira natural das montanhas, reforada por registros vigilantes que fiscalizam a passagem nos caminhos. E acrescenta: Os contratadores
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cobram direitos de trnsito, com postos de registro e de guarda, geralmente situados passagem dos rios e nas gargantas da serra, pontos forados que nenhuma tropa pode evitar. De acordo com Felcio dos Santos546, Com a notcia das riquezas de Minas, onde todos os dias se faziam novos descobertos de lavras aurferas, a sua populao foi crescendo, e em proporo tornavamse mais rendosos os direitos de entradas com o aumento dos consumidores. Ainda segundo este autor, Estabeleceram-se casas de registro nos caminhos do Rio de Janeiro, So Paulo, Bahia e Pernambuco, e proibiuse que alguma pessoa sasse de Minas com ouro, sem levar guia que mostrasse haver pago o quinto. E os comboieiros, quando entrassem em Minas, deviam declarar a importncia de suas carregaes e comboios, e quando sassem, deviam mostrar em barras (de ouro) o produto das vendas que faziam. Nesta linha, A Capitania de Minas era sem contestao a que mais rendia para a Coroa; alm do imposto da capitao ou do quinto, pagvamos ainda dzimos, direitos de entradas, de passagens de rios, donativos e direitos de ofcios, subsdios voluntrios e literrios, extrao de diamantes e outros muitos, no falando dos impostos indiretos cobrados nas alfndegas. No convinha, pois, Corte perder to abundante manancial de riquezas. Os viajantes eram submetidos a rigorosas buscas nos Registros. Depois de severamente revistado o viajante e todas as pessoas de sua companhia, examinavam suas caixas, malas, carteiras, desmanchavam-se cangalhas, selins, tudo em que se pudessem ocultar diamantes. Muitas vezes o viajante suspendia sua viagem um e mais dias, at pr em ordem o seu trem. No obstante todas essas pesquisas, passava nos registros muito diamante de contrabando. Arraial do Tejuco ou Diamantina A chegada a Diamantina sempre majestosa, no importando por qual caminho se venha. Vejamos alguns comentrios sobre o antigo Arraial do Tijuco, comeando com Gardner547: estvamos vista da famosa cidade de Diamantina; (...) conhecido como Arraial do Tijuco, foi em 1839 elevado dignidade de cidade, sob o nome de Diamantina, por ser capital do distrito do diamante (...) capital de uma rica provncia, ocupa toda a encosta de uma serra (...) A cidade surge to subitamente vista do viajante, que parece chamada existncia por um poder mgico (...) com efeito um osis no deserto. Com relao ao comrcio e ao trajar do povo,
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ele destaca: lojas so bem iguais no aspecto s do Rio de Janeiro e sortidas mais ou menos dos mesmos artigos (...) diferena no modo de trajarem as senhoras aqui, em relao ao que eu observara em outras partes do interior (...) As mulheres so as mais belas que eu vi no Brasil e tambm os homens so de raa mais fina que os das regies baixas muitos parecendo mais europeus que habitantes de um clima tropical. Sobre o frio, ele acrescenta: Como s se podia fazer fogo na cozinha, todos costumvamos ficar perto dele o mais possvel, principalmente pela manh; mas era de noite que mais soframos. Observando a cidade, Gardner informa: vem-se nos pomares algumas frutas europias, tais como a ma, a pra, o pssego, o figo e o marmelo (...) provida de gua excelente vinda das fontes. Nascentes de gua Dizer que Diamantina um lugar importante no exagero. Do ponto de vista histrico, uma cidade nica; nenhuma outra no Brasil colnia ou imprio teve caractersticas ou foi tratada como Diamantina, segregada do restante do pas. Saint-Hilaire548 destaca que Diamantina, ou distrito dos diamantes, fechado no somente aos estrangeiros, mas ainda aos nacionais (...) ficou como que isolado do resto do Universo. E complementa: Os arredores de Tijuco apresentam um solo rido e no produzem nem mesmo os gneros necessrios subsistncia dos habitantes (...) a raridade de madeira nesta regio no permite desperdcios. Os tropeiros, antes de adentrar o Arraial do Tijuco, tinham o cuidado de reunir lenha artigo raro e caro no Arraial trazendo algumas mulas carregadas, bastante para suas necessidades durante a estadia e o excedente tinha venda garantida. E este viajante acrescenta: Por todos os lados surgem nascentes de gua e freqentemente se ouve o rudo das guas correndo atravs dos rochedos. Sobre Diamantina, Spix & Martius549 registraram: As regies onde at ento eram achados os diamantes, fra, de certo modo, elevadas a um Estado isolado dentro do Estado, e com fronteiras exatamente definidas, (...) um dos arraiais mais florescentes do Brasil (...) Contam-se mais de 6.000 habitantes. Felcio dos Santos550 informa: Diamantina o centro mais importante da provncia, graas ao desenvolvimento da produo e comrcio do diamante, a florescente indstria da ourivesaria, (...) pelo nmero de
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seus habitantes, riqueza, comrcio e ilustrao, era, sem dvida, a povoao mais importante da capitania. A quantidade de diamantes enviados para a Europa nos primeiros anos de explorao excedeu mil onas, o que equivale a quase trinta quilos. O povo do Arraial do Tijuco sempre foi culto e cultivador das letras, mas as restries de entrada e sada tornavam mais difceis o acesso cultura. Vejamos o que Santiago551 nos informa: no Tijuco, s havia livros em portugus e latim. Devido por certo rigorosa fiscalizao; com todas as cargas que entravam no distrito revisadas, qualquer livro em lngua estrangeira era estrangeiro e podia e at devia ser apreendido. Felcio dos Santos552 enfatiza que o povo do Tijuco louco por dana e pela msica. O lugar mais cheio de simpatia no Brasil Burton553 tem outras notcias: Entramos agora nas terras diamantinas, que os antigos escritores chamam o Serro, distinguindo Diamantina de Minas das terras diamantferas da Bahia e de Diamantina em Mato Grosso. O panorama surpreende imediatamente (...) Tudo reflete a aridez e a subverso (...) uma runa da natureza, uma terra com serras agudas, riscada at a medula, denteada, eriadas, de picos e de fragmentos de rocha separados por profundas gargantas e fendas (...) Meus trs dias passados em Diamantina deixaram-me a melhor impresso acerca de sua sociedade. Os homens so os mais francos, as mulheres as mais bonitas e as mais amveis que at agora tive fortuna de encontrar no Brasil (...) De Diamantina meu crebro conserva a lembrana dos sinos das igrejas (...) Falando socialmente, o lugar mais cheio de simpatia no Brasil conforme minha experincia. Dezenas de cavaleiros Quando a tropa finalmente chegou estvamos reunidos na entrada sul da cidade. Partimos todos rumo ao Mercado dos Tropeiros. ramos escoltados pela Polcia Militar que, ao longo de toda a Expedio, sempre esteve presente nas entradas e sadas das cidades mais populosas. Os caminhantes, verdadeiros heris, seguiam na frente, com o Jeep da FUNIVALE abrindo alas. Atrs vinha a tropa, agora multiplicada por dezenas de cavaleiros.

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O caminho escolhido para chegar praa do Mercado dos Tropeiros foi o mais direto, passando em frente Pousada do Garimpo, e dali no plano at a praa. No caminho, os caminhantes gritavam palavras de ordem, com o refro: a maior riqueza de Minas o seu povo. Isto nos lembra a frase de Gorceix554: Minas um corao de ouro num peito de ferro. A chegada foi apotetica. Populares lotavam a praa, aguardando a chegada da Expedio. Banda e marujada A banda da Polcia Militar e a Banda Mirim encantaram a todos. Destaque para o hino nacional. Expedicionrios ensaiavam lgrimas no canto dos olhos. O momento era de emoo. Vrios familiares dos expedicionrios tinham vindo a Diamantina para o gran finale. O momento era de festa. Era bonito ver naquela bela manh de sbado tanta gente reunida, uma quantidade enorme de muares e cavalos, gente sentada pelo cho da rua. Todo aquele colorido ficar guardado na memria de muitos. A emoo explodia nas cores da marujada, no som da banda e no olhar de cada caminhante, todos verdadeiros heris. No mercado foi montado um palanque. As autoridades do municpio l perfilavam. O Prefeito de Diamantina, Joo Antunes, saudou a chegada dos expedicionrios. Discursos. Nossa passagem pela terra no foi intil Aos poucos o povo foi se dispersando. A Expedio, da mesma forma que comeou, acabou, com o objetivo alcanado. Quase 500 quilmetros caminhados, cavalgados, trilhados palmo a palmo nestes ltimos 22 dias. Foram sublimes, para alguns, certamente, uma grande experincia de vida. O povo dos lugares por onde passamos vai se recordar por bom tempo. Parafraseando Saint-Hilaire, nossa passagem pela terra no foi intil.

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Concluso
Insistimos que nossa proposta um experimento. Uma proposta para experimentar, explorar, estudar, aprender e contribuir para a soluo dos problemas de nossa regio, de nossa gente, para um futuro mais justo, mais humano, mais feliz. FUNIVALE555 A Expedio partiu da Praa Tiradentes, em Ouro Preto, s 10h do dia 10 de julho de 1999, percorrendo a p e cavalgando os mais de 450km que a separa de Diamantina, onde chegou no dia 31 de julho, por volta das 11h da manh. A Rede Globo de Televiso fez a cobertura da sada e da chegada, veiculando excelente matria no MG TV do dia 10 de julho e no Bom Dia Brasil do dia 14, bem como no MG TV de 31 de julho. Com esta exposio na mdia, a populao dos povoados, vilas e cidades do trajeto tiveram conhecimento antecipado da passagem da Expedio. Tal fato colaborou sobremaneira para o sucesso da empreitada, pois, mobilizadas as comunidades, no faltou local para pernoite, alimento e suporte estratgico, oferecido gentilmente pelas prefeituras, empresariado, clubes de cavalo, associaes e lideranas comunitrias. O trajeto percorrido foi o mais fiel possvel ao utilizado por Spix & Martius na viagem original. Reiteramos que o trajeto utilizado, via Sabar e Caet, no o caminho direto entre Ouro Preto e Diamantina, que segue via Mariana e Catas Altas. Vrios locais foram identificados de acordo com as citaes originais de Spix & Martius, como pontes antigas, fazendas (hoje povoados) e povoados (hoje verdadeiras cidades). Dos objetivos do Projeto, o nico no concretizado foi o lanamento da Pedra Fundamental da Estao de Pesquisa Spix & Martius, no alto do Pico do Itamb. As razes foram de ordem operacional. O Pico do Itamb tem 2002m de altitude e est localizado no Alto Jequitinhonha,
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prximo a Serro e Diamantina. Entretanto, uma srie de outros aspectos no previstos como objetivos foram contemplados, com destaque para a espontnea mobilizao comunitria. Os festejos promovidos nos povoados, vilas e cidades durante a passagem da Expedio foram muitas vezes organizados espontaneamente pelas comunidades. Em outro momento, pelo Poder Pblico. Em qualquer caso foi o povo presente s ruas, aplaudindo, vibrando com nossa passagem, motivo de grande emoo para todos. Tal fato demonstrou a importncia da Expedio e dos naturalistas Spix & Mrtius que um dia passaram por aquela comunidade. A Estrada Real, acreditamos, ir contribuir para o despertar de um sentimento de valorizao das comunidades do trajeto. Foram tambm identificados pelo pesquisador Fabiano Lopes de Paula (IEPHA-MG) stios arqueolgicos ao longo do trajeto. A comunidade de Ipoema, no municpio de Itabira, preparou de improviso uma mostra de objetos utilizados pelos tropeiros. O acervo foi de tal forma surpreendente, at para a prpria comunidade, que acabou motivando a Prefeitura Municipal de Itabira a criar o Museu do Tropeiro, inaugurado em maro de 2003. O fotgrafo oficial da Expedio, Andr Fossati, produziu mais de 1.000 imagens em slide e papel. Todos os expedicionrios, de uma forma ou outra, produziram imagens, o que facilmente dobra este nmero. O cmera man Toni Nogueira produziu cerca de 50 horas de imagens em vdeo, que, somadas s tantas outras horas produzidas pela equipe da LIS PRODUO, constituem um grande acervo de imagens em vdeo. Os pesquisadores e expedicionrios Luis Puc, Lucia Velasco, Andr Fossati, Andra Labruna, Vnia Gomes, Tllio Marques, Elisa Rezende, Fabiano Lopes de Paula, Humberto Marques, Mrcio Santos, Carlos Alberto Pinto e Paulo do Bem Filho produziram e submeteram relatrios para a FUNIVALE, com propostas e abordagens livres. Os relatrios foram disponibilizados no site da instituio, especificamente na pgina referente ao trecho Ouro Preto Diamantina do Projeto Expedio Spix & Martius: www.funivale.org.br/esmopdia.

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O expedicionrio Marcio Santos criou um site para a Expedio e, durante seu andamento, atualizava constantemente as informaes, ento disponveis em: http://expedicao.scriptmania.com. A exposio na mdia impressa, rdio e TV antes, durante e depois de realizada a Expedio foi algo excepcional, graas ao brilhante trabalho de Sonia Pessoa, Assessora de Imprensa do Projeto. O evento denominado Multiminas, realizado em Belo Horizonte em setembro de 1999, contemplou em sua programao um seminrio com exposio de fotos e obras de arte produzidas durante a Expedio. Neste mesmo evento foi exibida uma edio de imagens em vdeo. Tal ensaio mais tarde originou o documentrio produzido pela LIS PRODUO, entregue ao SENAC-MG em dezembro de 1999, encerrando assim as formalidades do Contrato de Parceria firmado com a FUNIVALE. Vale ressaltar que, aps a realizao da Expedio, a BELOTUR alocou cinco mil reais para o Projeto, recurso este repassado LIS PRODUO para subsidiar o documentrio. No ms de maro, o Projeto Expedio Spix & Martius estabeleceu uma parceria informal com a Terra Brasilis, operadora de turismo sediada em Salvador, BA, que se entusiasmou pela continuao do Projeto. Ainda em maro de 2000, durante a BNTM 2000 (Brazil National Trade Mart) em So Lus, Maranho, foi lanada a Expedio Spix & Martius Abril 2001 Estrada Real do Gado, Salvador-Juazeiro. Como tema, o vaqueiro, em continuao ao projeto de percorrer todo o percurso de Spix & Martius. Em 5 de abril de 2000, o Projeto (trecho Ouro Preto Diamantina) foi apresentado no painel do II International Congress & Exhibition on Ecotourism Salvador, BA, e publicado nos anais do Congresso. Muitos contatos foram realizados. Em Salvador, este autor, coordenador do Projeto, empreendeu pesquisa e aquisio de mapas sobre a Estrada Real do Gado. A despeito de todos os esforos empreendidos, e do trajeto ter sido pesquisado e mapeado, estando, portanto, pronto para a execuo,
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a realizao deste trecho no tem previso para execuo por absoluta falta de recursos e de sensibilidade das autoridades da Bahia. Durante o evento Multiminas, realizado em Belo Horizonte entre 5 e 10 de setembro de 2000, foi lanado, pelo SENAC-MG, o Guia Estrada Real, de autoria do turismlogo, pesquisador e expedicionrio Ronildo Arajo Machado (Ted), com as informaes coletadas durante a Expedio Spix & Martius 1999, no trecho Ouro Preto Diamantina. O Projeto (trecho Ouro Preto Diamantina) foi inscrito e selecionado para um painel e publicao nos anais do II Congresso Brasileiro de Turismo Rural, Piracicaba, SP, 9 a 12 de outubro de 2000. O Projeto, ainda em 2000, foi inscrito para o Prmio Von Martius, promovido pela Cmara de Comrcio Brasil Alemanha e o Prmio Henry Ford, promovido pela Fundao Henry Ford. O Projeto no foi contemplado em ambas as inscries. Quanto Estrada Real, o Guia Estrada Real para caminhantes, de Raphael Oliv, trecho Rio de Janeiro Juiz de Fora, foi lanado em janeiro de 2000. Em abril, foi realizada a Expedio Minas 500 Anos e, em abril de 2001, foi lanado o livro Estradas Reais, de Mrcio Santos. As informaes sobre tropeiros, compiladas dos viajantes e cronistas do sculo XIX, entre outras fontes, e que no se esgotam com este trabalho, nos do uma noo ainda que indireta e superficial de como funcionava a atividade tropeira desde que foi iniciada no Brasil at meados do sculo XX. As mercadorias transportadas variavam de acordo com a rota, especialmente entre Minas Gerais e a costa, e o sistema produtivo do pas, com destaque para o ciclo do ouro e o caf. O modo viajante pouco diferia e era muito mais influenciado pelo clima e pela geografia do que pela dinmica tropeira. Os termos tropeiros e a indumentria variavam muito pouco de regio para regio, e mesmo com o tempo. Alimentao e vestimenta dos tropeiros alteraram-se com o tempo, bem como seu status scio-poltico, influenciado, sobretudo, pelo ciclo do caf. Outros componentes da atividade tropeira, como os caminhos
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que as tropas utilizavam, influenciaram as principais transformaes e declnio desta atividade. Primeiramente, com a chegada da estrada de ferro, a partir da segunda metade do sculo XIX. Este advento foi retirando da atividade tropeira a necessidade das longas jornadas. Uma composio, puxada por uma locomotiva a vapor, tinha uma capacidade de carga infinitamente maior do que uma, duas, vinte tropas. Mas o trem no chegava a toda parte. Por este motivo, a atividade tropeira foi sobrevivendo nos lugares ainda no alcanados pelo trem. Segundo, com o advento dos veculos automotores, principalmente o caminho, transportador de cargas, e a expanso da malha rodoviria, sobretudo na segunda metade do sculo XX, a tropa fragmentou-se com espao para a utilizao de uns poucos animais cargueiros entre as roas e as vilas ou cidades. As longas viagens das tropas, transportando mercadorias, atravessando estados, j no se justificavam. No era possvel competir com a indstria automobilstica. Este momento virtualmente marcado pela dcada de 70 do sculo XX. De l para c, a tropa cargueira, utilizando muares, povoa apenas o imaginrio dos mais antigos, gente com setenta, oitenta e noventa anos, especialmente aqueles que vivem no interior do pas. Apresentamos ao longo do trabalho a teoria de que os tropeiros teriam sido os primeiros empreendedores tursticos no Brasil, resguardando-se proporcionalmente o entendido pelo termo turismo poca (incio do sculo XIX). Na medida em que conduziam visitantes em viagens pelo interior do Brasil, os tropeiros facilitavam sua vida como viajante, intermediando ou fornecendo a infra-estrutura de transporte, alimentao e alojamento nos pousos, da mesma forma como todos poca viajavam. Funcionava ainda como guia ou uma espcie de tour conductor da poca. As viagens narradas pelos cronistas (primeiros turistas) no nos fazem crer que seus objetivos fossem tursticos, na concepo da palavra, que, poca, como vimos, significava viajar pelo prazer de viajar; por curiosidade. Na verdade, a espinha dorsal, a mola propulsora das viagens empreendidas no Brasil pelos naturalistas do sculo XIX era a cincia, em especial, a botnica. Vrios deles se dedicaram - durante as viagens
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- a descrever plantas, at ento desconhecidas. Sendo a curiosidade um pr-requisito para a investigao cientfica, nos possvel deduzir e, por conseguinte, ligar esta curiosidade ao prazer de viajar: O gosto pela Histria Natural faz nascer o de viajar, como reforou Saint-Hilaire. Do ponto de vista do fomento da atividade turstica entre Ouro Preto e Diamantina, dois patrimnios da humanidade, acreditamos que a Expedio Spix & Martius 1999 Estrada Real Ouro Preto Diamantina tenha contribudo no despertar de alternativas econmicas para as comunidades do trecho. A Estrada Real, enquanto MEIO, e no OBJETO, comporta vrias modalidades de atividades tursticas, como abordado em trabalho apresentado e disponvel no site da Expedio. Para que mais acessrios sejam agregados ao produto Estrada Real, urge a capacitao de mo de obra e investimentos horizontalizados. Neste sentido, o SENAC-MG deu o ponta-p inicial, bem como a Editora Estrada Real. Ainda neste sentido, temos notcia da criao de uma Associao de Amigos da Estrada Real; a criao do Instituto Estrada Real; e a Sociedade Estrada Real. O Governo Federal, atravs do Ministrio do Esporte e Turismo, teria alocado uma grande soma de recursos para o Instituto Estrada Real implementar uma agenda de investimentos neste produto. importante, em se tratando de recursos pblicos, que a sociedade civil organizada, in casu, as entidades acima mencionadas, bem como a AMO-TE e outros atores, como a Secretaria de Turismo do Estado de Minas Gerais, acompanhem o destino destes recursos, e que eles tragam o desejado fortalecimento do produto Estrada Real e o bem estar das populaes envolvidas, presentes e futuras. A FUNIVALE segue com as mesmas dificuldades operacionais, caracterizadas pela falta de recursos: com eles seria possvel multiplicar os resultados. Especialmente recursos para custear o gerenciamento da prpria entidade, ou criar um departamento de fund raising. O trabalho voluntrio vem sendo incentivado pelo Estado. E muitas ONGs existem e desempenham trabalhos de relevncia pblica, graas ao trabalho de voluntrios. A estes podemos somente agradecer mas
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nada exigir. A FUNIVALE h doze anos conta com a atuao de voluntrios no seu gerenciamento. Tudo que j foi feito, em grande parte, o foi pela mo voluntria. Alguns destes sacrificam sua atividade profissional ou tomam tempo da famlia na lida voluntria. Alm de todo o tempo e energia, ainda bancam do prprio bolso os recursos necessrios para custear viagens e tantas outras despesas da atividade voluntria. Mas uma ONG, para expandir sua capacidade de atuao, necessita profissionalizar-se. Para tal so necessrios recursos. necessrio gastar para obter dinheiro. Enquanto a FUNIVALE no consegue acender uma tocha, segue adiante, com uma pequenina, mas importante velinha, acesa, bem acesa, iluminando as idias e os caminhos do Vale do Jequitinhonha de Minas Gerais, rumo a uma universidade livre, experimental e comunitria, e agora, mais que nunca, tambm itinerante.

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NOTAS
Associao pr-FUNDAO UNIVERSITRIA DO VALE DO JEQUITINHONHA. uma organizao no-governamental, fundada em 1989, com sede na regio do Alto Jequitinhonha, no distrito de So Gonalo do Rio das Pedras, em Serro MG. A entidade tem por objetivo uma universidade livre, experimental e comunitria para todo o vale do Jequitinhonha. 2 Wied-Neuwied, Maximiliano. Viagem ao Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia, 1989, p.370. 3 Mawe, John. Viagem ao interior do Brasil. So Paulo, Itatiaia, 1978, p.121. 4 Pohl, Johann Emanuel. Viagem ao interior do Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia, 1976, p.395. 5 Saint-Hilaire, Auguste de. Viagem pelas provncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte, Itatiaia, 1975, p.70/69. 6 Spix & Martius. Viagem pelo Brasil. So Paulo, Itatiaia, 1981, Volume I, p.205. 7 op. cit. Viagem pelas provncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, p.70. 8 Santos, Lcio Jos dos. Histria de Minas Gerais. s/1, s/e, 1972, p.85. 9 O povoado pertence ao Distrito de Glaura, municpio de Ouro Preto e dista 9km de Cachoeira do Campo e 8km para Glaura. O povoado abriga em torno de 350 habitantes, segundo o Sr. Jos Lopes. 10 Novo Aurlio. Edio Sculo XXI. 11 Goulart, Jos Alpio. Tropas e tropeiros na formao do Brasil. Rio de Janeiro, Conquista, 1961, p.16/63/64/108. 12 op. cit. p.148. 13 op .cit. Vol. I, p.91. 14 op. cit. Tropas e tropeiros na formao do Brasil, p.103. 15 op. cit. Viagem pelas provncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, p.224. 16 op. cit. p.255. 17 op. cit. Viagem pelas provncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, p.254. 18 op. cit. p.35. 19 op. cit. Tropas e tropeiros na formao do Brasil, p.103/104. 20 op. cit. V. II, p.17. 21 O povoado de Glaura tem este nome em homenagem personagem cantada em poema por Alvarenga Peixoto. O nome anterior era Santo Antnio da Casa Branca. O nome foi trocado em 1943, segundo Joaquim Ribeiro da Costa. Toponmia de Minas Gerais, Belo Horizonte, Imprensa Oficial do Estado, 1970, p.241. 22 op. cit. p.51. 23 op. cit. V. II, p.17. 24 Saint-Hilaire, Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia, 1974, p.79/80. 25 Burton, Richard Francis. Viagem aos planaltos do Brasil. So Paulo, Brasiliana, 1983, Volume II, p.146. 26 Maria de Lurdes Figueiredo, Flavinho, Aparecida Guimares, Antnio Mrcio e Alza Silva. 27 Viagem pelas provncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Op. cit., p.17. 28 op. cit ., p.38/147. 29 op. cit ., p.93/214/352/374/376/442. 30 op. cit., volume I, p.187. 31 op. cit., volume I, p.102. 32 valores de julho de 1999. 33 Quem se dispusesse a viajar para o interior, numa direo ou outra, passaria eventualmente por Minas Gerais nos cruzamentos das Estradas Reais, a exemplo das principais ferrovias e rodovias da atualidade. 34 CEBALLOS-LASCURIN, Hector. Tourism, ecotourism and protected areas. IUCN, 1996, p. I traduo livre do autor para individuals who travels for the pleasure of travelling, out of curiosity.
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35 Acuru, distrito do municpio de Itabirito, significa rio de seixos ou rio de pedras em tupiguarani. Rio das Pedras era o nome do distrito at 1943, quando teve seu nome substitudo pelo nome atual pelo Decreto 1.058, o mesmo que mudou o nome de Santo Antonio da Casa Branca para Glaura, segundo Joaquim Ribeiro Costa, op. cit. 36 op. cit., Vol. II, p.17. 37 Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil. op. cit., p.79. 38 op. cit., Vol. II, p.147. 39 Arbusto da famlia das leguminosas-mimosideas (Stryphinodendron barbatiman), cuja madeira prpria para obras expostas, marcenaria e torno, de cuja casca, com propriedades adstringentes, se extrai matria tintorial vermelha, tida por medicinal Aurlio Sculo XXI, Editora Nova Fronteira. 40 op. cit., p.490. 41 op. cit., Volume I, p.102. 42 Viagem pelas provncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, op. cit., p.41. 43 BUNBURY, Charles Fox. Viagem de um naturalista ingls ao Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte, Itatiaia, 1981, p.51. 44 Tropas e tropeiros na formao do Brasil, op. cit., p.69. 45 MAIA, Tom & Therea Regina de Camargo. O folclore das tropas, tropeiros e cargueiros no Vale do Paraba. Ministrio da Educao e Cultura, 1980, p.18. 46 Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil. op. cit., p.119. 47 SANTOS, Lindalvo Bezerra. Burros de Carga. Apud Tipos e aspectos do Brasil. Rio de Janeiro, IBGE, 1975, p.286. 48 PEREIRA, Sebastio ngelo da Silva. Itambacuri e sua histria. Volume II, s/1, s/e, s/d, p.24. 49 RUGENDAS, Joo Maurcio. Viagem pitoresca atravs do Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia, 1979, p.52. 50 op. cit., Volume I, p.176. 51 op. cit., p.347/348. 52 idem, p.393/407. 53 op. cit., Volume I, p.181. 54 Caixeiro-viajante. Novo Aurlio, Sculo XXI.55 Diogo de Vasconcelos. Histria mdia das Minas Gerais. Belo Horizonte, Itatiaia, 1999, p.192. 56 Este vocbulo no foi encontrado em qualquer dicionrio. Cremos que o Sr. Baslio quis dizer que a estrada era muito movimentada. 57 op. cit . p.17/21/23... 58 op. cit. volume I, p.171. 59 op. cit. p.20/32/34. 60 op. cit. p.24. 61 op. cit. p.45/76. 62 op. cit. volume II, p.18. 63 VILLAS BOAS, Orlando & Cludio. A marcha para o oeste. So Paulo. Globo, 1994, p.63/69/ 122. 64 Rio Acima Parquia de Santo Antonio do Rio Acima, municpio de Sabar, de existncia anterior a 1745. Restabelecido pela Lei n.138 de 3.IV.1839 e Lei n.209 de 7.IV.1841, a mesma que suprimiu o Distrito de Santa Rita e o incorporou ao de Santo Antonio do Rio Acima. Incorporado ao municpio de Nova Lima pelo Decreto n.364 de 5.XII.1891. Municpio e cidade pela Lei n.336 de 27.XII.1948, segundo Joaquim Ribeiro Costa, op. cit., p.346. 65 op. cit. volume I, p.278/279. 66 Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil, op. cit., p.79. 67 op. cit., p.64/48. 68 RIBEIRO, Wagner. Noes de cultura mineira. So Paulo, F.T.D. S/A., 1966, p.188/189. 69 op. cit. p.24. 70 CUNHA, Euclides da. Os sertes. Belo Horizonte, Itatiaia, 1998, p.293/245/342/348. 71 SANTIAGO, Lus. O vale dos boqueires. Almenara. Boca das Caatingas, 1999, p.246. 72 apud GOULART, Jos Alpio. O mascate no Brasil. Rio de Janeiro, Conquista, 1967, p.150.

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TROPEIROS & OUTROS VIAJANTES op. cit., p.24/25/30. op. cit., p.413. 75 idem p.410. 76 op. cit., p.267. 77 LENHARO, Alcir. As tropas da moderao. Rio de Janeiro, Biblioteca Carioca, 1992, p.79. 78 op. cit., p. 220. 79 ZAMELLA, Mafalda P. apud Tropas e tropeiros na formao do Brasil, op. cit., p.107. 80 op. cit., p.108. 81 LATIF, Miran M. de Barros. As Minas Gerais. Rio de Janeiro, Editora S.A., A Noite, s/d., p.163. 82 apud As tropas da moderao, op. cit., p.96. 83 DVILANOVA, Marielza Carneiro. Contos e histrias de Conceio do Coit. Conceio do Coit, s/e., 1985, p.14. 84 op. cit., p.108. 85 ZAMELLA, Mafalda P. , apud Tropas e tropeiros na formao do Brasil, op. cit., p.107. 86 apud Tropas e tropeiros na formao do Brasil. op. cit., p.288. 87 op. cit., p.108. 88 Governador de So Paulo em 1927. 89 apud Tropas e tropeiros na formao do Brasil. op. cit., p.109. 90 apud Tropas e tropeiros na formao do Brasil. op. cit., p.115/116. 91 op. cit., p.67. 92 op. cit., p.360. 93 op. cit., Vol. I, p.155. 94 op. cit., Vol. III, p.252/253. 95 op. cit ., p.361/35/36. 96 op. cit., p.268/8. 97 DEAN, Warren. A ferro e fogo. So Paulo, Cia. Das Letras, 1996, p.128/222. 98 Tropas e tropeiros na formao do Brasil. op. cit., p.31/35. 99 FREITAS, Paula, apud QUEIROZ, Dinah Silveira de. Livro dos transportes. Rio de Janeiro, Ministrio dos Transportes Servio de Documentao, 1969, p.85. 100 op. cit ., p.21/33/34/76/78/85. 101 op. cit., Voluma I, p.280. 102 op. cit., p.91. 103 Caxinguel. Tambm conhecido por Serelepe. Designao comum a mamferos roedores ciurdeos, gneros Sciurus, Microsciurus e Sciurillus. So arborcolas, exclusivamente das matas, no vivendo nos cerrados ou caatingas; tm a cauda provida de longos pelos. [Sin., em diversos estados do Brasil: acutipuru, caitit, caticoco, caxinganga, caxinguel, caxixe, caxinxa, caxinxe, coxicoco, cutia-de-pau, esquilo, papa-coco, quatiaip, quatimirim e quatipuru. Cf. quatipuruau e quatipuruzinho.] Novo Aurlio, Edio Sculo XXI. 104 Jos Lopes Matias, o Vivinho, foi nosso guia de Maia at Raposos. 105 Endorfinar. Expresso corrente entre os caminhantes que significa estar sobre o efeito da endorfina, produzida naturalmente pelo organismo, e que d a sensao de ausncia de cansao e dor, fazendo com que a pessoa sob este efeito se supere e, em vez de buscar descanso, fica mais disposto. Endorfina: qualquer de certos peptdeos que ocorrem no crebro, na hipfise e outros tecidos de vertebrados, capazes de produzir ao antlgica prolongada, e cujos efeitos se assemelham aos da morfina. Novo Aurlio, Edio Sculo XXI. 106 op. cit., Volume I, p.375. 107 Sino de bronze, metal ou cobre que se pendurava por uma correia de couro ao pescoo da gua madrinheira para manter a tropa reunida no pasto. Cada um dos canecos em bronze, metal ou cobre, da besta dianteira. O mesmo que caneco, sino ou sineta. MAIA, Tom e CAMARGO, Thereza Regina. O folclore das tropas, tropeiras e cargueiros no Vale do Paraba. Ministrio da Educao e Cultura, 1980; Campainha grande pendente do pescoo da besta que serve de guia s outras. Novo Aurlio, Edio Sculo XXI.
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Evandro Sathler op. cit., p.56. Tropa ligeira, sem bagagem nem artilharia. Novo Aurlio, Edio Sculo XXI. 110 Porto de Estrela localizado beira do Rio Inhomirim (fundo da Baa de Guanabara) foi um importante entreposto entre Minas Gerais e o Rio de Janeiro, nos sculos XVII e XIX. Ser melhor abordado adiante. 111 Municpio de Itabira. 112 Cesta larga e pouco alta, tecida de fasquias de madeira flexvel, ou de verga. 113 Trempe arco de ferro com trs ps sobre o qual se pem panelas que vo ao fogo. [Sin., brs.: trip.] Novo Aurlio, Edio Sculo XXI; armao feita sobre o fogo com trs varas, de ferro ou de madeira verde colhida na hora, para servir de fogareiro. As varas, aproximadamente de um metro, eram fincadas no cho em tringulo, distantes uma da outra aproximadamente meio metro, sendo unidas em cima por uma correia de couro, da qual pendia uma corrente de ferro de 25cm, com um gancho, onde se pendurava o caldeiro. Maia, Tom & Thereza Regina de Camargo, op. cit ., p.102. 114 ZAMELA, Mafalda. Apud Tropas e tropeiros na formao do Brasil. op.cit., p.172. 115 Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil. op. cit., p.111. 116 Tropas e tropeiros na formao do Brasil. op. cit., p.111. 117 op. cit., p.289. 118 op. cit ., p.127/145. 119 GARDNER, George. Viagem ao interior do Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia, 1975, p.84. 120 Tropas e tropeiros na formao do Brasil. op. cit., p.175. 121 op. cit., p.74. 122 op. cit., p.82/110/112. 123 op. cit., Volume III, p.69. 124 op. cit., p.338. 125 Hoje Minas Novas. 126 op. cit., Volume I, p.120. 127 op. cit., Volume I, p.350. 128 Afonso Arinos apud Agroceres. Travessia do serto ao agrobusiness. So Paulo, S/e. s/d. p.290/300. 129 op. cit., p.59. 130 op. cit., p.80/81. 131 op. cit., p.78. 132 SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem s nascentes do rio So Francisco. Belo Horizonte, Itatiaia, 1975, p.32/53/74. 133 SANTOS, Joaquim Felcio dos. Memrias do Distrito Diamantino. Petrpolis, Vozes, 1978, p.112/282. 134 op. cit., p.413. 135 CALGERAS, Joo Pandi. Formao histrica do Brasil. So Paulo, Brasiliana, 1980, p.156. 136 Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil. op. cit., p.34. 137 op. cit., p.24. 138 Tropas e tropeiros na formao do Brasil. op. cit., p.114. 139 op. cit. p.94. 140 op. cit., Volume II, p.265. 141 op. cit., p.148. 142 Viagem pelas provncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. op. cit., p.49. 143 Idem, p.243/351. 144 op. cit., Volume II, p.261. 145 op. cit., Volume II, p.123/124/130/131. 146 op. cit., p.54/56. 147 Descrio do expedicionrio Mrcio Santos. 148 op. cit., p.19.
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TROPEIROS & OUTROS VIAJANTES op. cit., p.224. op. cit., Volume II, p.157. 151 Viagem pelo Distrito dos Diamantes e litoral do Brasil. op. cit., p.74 e 76. 152 op. cit. p.58. 153 op. cit., Volume I, p. 72 / Volume II, p.60/122. 154 Viagem s nascentes do rio So Francisco. op. cit. p.136. 155 op. cit., Vol. II, p.155. 156 Tropas e tropeiros na formao do Brasil. op. cit., p.49. 157 Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil. op. cit., p.188. 158 op. cit., p.340. 159 op. cit., p.210. 160 op. cit., p.224. 161 op. cit., Volume I, p.247. 162 Tropas e tropeiros na formao do Brasil, op.cit., p.98. 163 Viagem pelas provncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, op.cit., p.133. 164 Calgeras apud Tropas e tropeiros na formao do Brasil. op. cit., p.170. 165 op. cit., p.243. 166 op. cit., p.113, 123. 167 op. cit., p.65. 168 Tropas e tropeiros na formao do Brasil. op. cit., p.180. 169 idem, p.165. 170 op. cit ., p.9 1. 171 op. cit., p.63. 172 op. cit., Volume I, p.55. 173 op. cit., p.124, 122, 104. 174 O mascate no Brasil, op. cit., p.145. 175 op. cit., p.106. 176 op. cit., p.202. 177 op. cit., Vol. II, p.265/299. 196 op.cit., Volume II, p.103. 197 op. cit . p.198/205/299. 198 Calgeras apud Livro dos transportes, op. cit., p.68. 199 op. cit. p.17/24. 200 Idem p.23/35 201 op. cit., p.52/54. 202 op. cit., p.124. 203 op. cit., Vol. III, p.147. 204 op. cit., Vol. II, p.261. 205 op. cit. p.79. 206 idem, p.119. 207 idem ibidem p.107/114. 208 Viagem pelas provncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. op. cit, p.42. 209 op. cit., p.491. 210 op. cit., Vol. I, p.191. 211 op. cit., p.371. 212 idem p.90/76/78/287. 213 Viagem s nascentes do rio So Francisco. op. cit., p.111. 214 op. cit., Vol. I, p.109/113. 215 op.cit ., p.36/45. 216 apud Livro dos transportes. op. cit. p.70. 217 idem p.70. 218 op. cit., p.188. 219 op. cit., p.184.
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Evandro Sathler op. cit., p.85. op. cit., p.28. 222 Copo ou vasilha para lquidos, feita de chifre. 223 op. cit., Vol. II, p.22. 224 op. cit., Vol. II, p.10. 225 op. cit., Vol. I, p.83. 226 op. cit., p.8. 227 Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil. op. cit., p.83/117/169. 228 op. cit., p.187. 229 Viagem pelas provncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. op. cit., p.308. 230 op. cit., Vol. II, p.133. 231 op. cit ., p.165/178/274. 232 op. cit., p.219. 233 op. cit., p.224. 234 Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil. op. cit. p.187. 235 op. cit. p.232. 236 Viagem s nascentes do rio So Francisco. Belo Horizonte, Itatiaia, 1975, p.184. 237 op. cit., p.216. 238 op. cit., Vol. II, p.131. 239 op. cit., p.454/5. 240 op. cit., Vol. I, p.176/115. 241 op. cit ., p.371/215. 242 op. cit ., p.68/71/158/242. 243 op. cit., Vol. II, p.380. 244 op. cit., p.61. 245 op. cit., p.88. 246 op. cit., Vol. I, p.103/182. 247 op. cit., p.207. 248 op. cit., Vol. I, p.104. 249 Viagem pelas provncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. op. cit., p.139. 250 GARDNER, George. Viagem ao interior do Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia, 1975, p.65. 251 op. cit., Volume I, p.104. 252 op. cit., p.51/52. 253 idem, p.90/91/193. 254 op. cit., p.71. 255 op. cit., p.90/91. 256 op. cit., Vol. II, p.170. 257 op. cit., Vol. II, p.22. 258 op. cit., p.70. 259 op. cit ., p.218/220. 260 Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil. op. cit., p.56/57. 261 Nossa Senhora do Porto, hoje Guanhes. 262 op. cit., Vol. II, p.23. 263 op.cit ., p.377.64 op. cit., p.30. 265 idem, p.182. 266 op. cit., p.47. 267 op. cit., p.176. 268 op. cit., p.224/5. 269 op. cit., p.89. 270 op. cit., p.222. 271 Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil. op. cit., p.69. 272 Spix & Martius. Viagem pelo Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia, 1981, Volume I, p.122. 273 op. cit ., p.23/32/36/40/42/84. 274 Tropas e tropeiros na formao do Brasil. op. cit., p.85.
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TROPEIROS & OUTROS VIAJANTES idem, p.129/130. Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil. op. cit., p.118. 277 op. cit., p.137. 278 op. cit., Vol. I, p.177/8. 279 op. cit., p.54. 280 Viagem pelas provncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. op. cit., p.291. 281 op. cit., p.175. 282 op. cit ., p.90/59/150. 283 op. cit., Vol. I, p.116. 284 op. cit., p.443. 285 op. cit., Vol. I p.154/5. 286 op. cit., Vol. II, p.314. 287 op. cit., p.377. 288 op. cit., p.218. 289 op. cit ., p.21/68/70/72/73/77. 290 op. cit., p.54. 291 Viagem s nascentes do rio So Francisco, op. cit., p.22/156/345. 292 Planta da famlia das palmceas (Cocos coronata), de drupas comestveis, cuja medula fornece fcula e cuja semente fornece leo alimentar. Var.: alicuri, aricu, iricuri, uricuri, ouricuri, licuri, nicuri; sin.: urucuriiba, coco-cabeudo, coqueiro-cabeudo, buti, butiazeiro, licurizeiro. Novo Aurlio Edio Sculo XXI. 293 Conforme se verifica na entrevista, o Sr. Joo se diz servidor porque servia no mercado, ou seja, era algum que regularmente trazia mercadorias para a venda, como um abastecedor. Nada a ver com servidor pblico. 294 Miudeza, bugiganga. Novo Aurlio Edio Sculo XXI. 295 COSTA, Joaquim Ribeiro. Toponmia de Minas Gerais. Belo Horizonte, Imprensa Oficial. 1970, p.255. 296 Cobu biscoito de fub, assado sobre folhas de bananeira; Joo-deitado. Novo Aurlio Edio Sculo XXI. 297 O Sr. Drio se refere a ficar atolado, preso, agarrado no barro. 298 No foi possvel identificar de que lugar se tratava. 299 Sul de Minas. 300 Local onde jantamos na noite de 19 de julho. 301 A Fazenda Cabo DAgosta foi o local de pernoite de Spix & Martius op. cit. Volume II, p.23. 302 Frigorfico Frimisa, Frimusa (?); segundo o Dr. Ivens Sathler, mdico veterinrio, este frigorfico estatal foi construdo na dcada de 50, gesto do Governador Juscelino Kubitschek. Alguns anos depois, foi consumido por um incndio.03 op. cit., Vol. II, p.209. 304 Mariposa. 305 Viagem s nascentes do rio So Francisco. op. cit., p.43. 306 op. cit ., p.54/119/100/87. 307 idem, p.413/415. 308 op. cit., Vol. I, p.116. 309 op. cit ., p.62/190. 310 op. cit., p.63. 311 Viagem pelas provncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. op. cit., p.43. 312 op. cit., p.94. 313 GOULART, Jos Alpio. Tropas e tropeiros na formao do Brasil. Rio de Janeiro, Conquista, 1961, p.133. 314 Viagem s nascentes do rio So Francisco. op. cit., p.23. 315 op. cit., Vol. I, p.193. 316 Viagem pelas provncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, op. cit., p.40/52. 317 Viagem pelas provncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. op. cit., p.225. 318 Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil. op. cit., p.55.
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Evandro Sathler
319 320 321 322

op. cit., p.377. op. cit., Vol. II, p.23. op. cit., p.377. Norma Vilhena trabalha com documentos antigos e mulher de Raphael Oliv. Esteve na

partida, em Ouro Preto, e passou a integrar a Expedio desde a Fazenda Joo Congo. 323 op. cit., Vol. II, p.148. 324 op. cit., Vol. II, p.282. 325 Tropas e tropeiros na formao do Brasil. op. cit., p.114. 326 op. cit. , p.51/106. 327 op. cit., p.63. 328 op. cit ., p.26/39/81. 329 Viagem s nascentes do rio So Francisco, op. cit., p.55. 330 op. cit., p.80. 331 op. cit., p.54/56. 332 Tropas e tropeiros na formao do Brasil. op. cit., p.121/122/126. 333 op. cit., p.348. 334 op. cit., p.216. 335 op. cit., p.65. 336 op. cit., p.113. 337 op. cit., Vol. II, p.23. 338 op. cit ., p.145/146. 339 op. cit., p.376. 340 Viagem pelas provncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. op. cit., p.130. 341 op. cit., p.217. 342 Alfredo Ellis Junior apud. Tropas e tropeiros na formao do Brasil. op. cit., p.36/151/154/ 156/157. 343 op. cit., Vol. I, p.156. 344 Tropas e tropeiros na formao do Brasil. op. cit., p.36/153/159/160. 345 Taunay apud Tropas e tropeiros na formao do Brasil. op. cit., p.155. 346 op. cit., Vol. I, p.175. 347 op. cit., Vol. III, p.73. 348 Tropas e tropeiros na formao do Brasil. op. cit., p.153. 349 op. cit., p.17. 350 op. cit., p.158. 351 op. cit., p.64/117. 352 POTSCH, Waldemiro. O Brasil e suas riquezas. So Paulo, Livraria Francisco Alves, 1955, p.82. 353 TORRES, A. P.; JARDIM, W. R. Criao do cavalo e de outros eqinos. So Paulo, Nobel, 1992, p.33. 354 op. cit., Vol. II, p.241. 355 Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil, op. cit., p.134. 356 op. cit., p.52/53. 357 Viagem pelas provncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. op. cit., p.19/20. 358 O mascate no Brasil, op. cit., p.74. 359 op. cit., p.93. 360 Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil. op. cit., p.149. 361 op. cit., p.183. 362 op. cit., p.379, 456. 363 Tropas e tropeiros na formao do Brasil. op. cit., p.147. 364 op. cit., p.177. 365 Viagem pelas provncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. op. cit., p.244. 366 op. cit., p.372.
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TROPEIROS & OUTROS VIAJANTES idem, p.496. op. cit., Vol. II, p.113. 369 John Manuel Monteiro, apud Histria pr-colonial do Brasil. Rio de Janeiro, Europa Empresa Grfica e Editora s/a, p.190. 370 Tropas e tropeiros na formao do Brasil. op. cit., p.53/54. 371 op. cit., p.17/23. 372 op. cit., p.33. 373 op. cit., p.36/99. 374 SANTOS, Marcio. Estradas reais. Belo Horizonte, Editora Estrada Real, 2001. 375 Hoje Fazenda Borda do Campo municpio de Antonio Carlos, prximo a Barbacena, Minas Gerais. 376 A praia dos mineiros localizava-se poca entre a estao das barcas na praa XV e o I Distrito Naval. 377 op. cit., Vol. I, p.88/91. 378 op. cit., p.109. 379 op. cit., p.74. 380 op. cit., p.51. 381 Viagem s nascentes do rio So Francisco. op. cit., p.22. 382 OLIV, Raphael. Guia Estrada Real. Belo Horizonte. Editora Estrada Real, 2000, p.34. 383 O mascate no Brasil. op. cit., p.73.
367 368 384 385 386 387 388 389 390 391 392 393 394 395 396 397 398 399 400

idem, p.72. op. cit., Vol. I, p.176. Viagem pelas provncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. op. cit., p.66/207. op. cit., Vol. I, p. 127 Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil. op. cit., p.30/53/101. op. cit., p.176. op. cit ., p.65/83/136. op. cit., Vol. I, p.181. Gochnatia Polymorpha Less. Cabr. famlia das Compositae. op. cit. Vol. II, p.24. op. cit., p.146. op. cit., p.217. Viagem pelas provncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. op. cit., p. 131. Conjunto de capados (porco castrado que se destina engorda). Viagem s nascentes do rio So Francisco, op. cit., p.27/28/132. Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil. op. cit., p.128/133/135/136/137/161.

op. cit., p.175 apud Livro dos Transportes, op. cit., p.401. 402 apud Livro dos Transportes, op. cit., p.91. 403 op. cit., p.370. 404 Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil. , op. cit., p.128. 405 op. cit., p. 35. 406 Viagem pelas provncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte, Itatiaia, 1975, p.39. 407 op. cit., Vol. I, p.115. 408 op. cit., p. 7/98/121/171. 409 idem, ibidem, p.62. 410 op. cit, p.100/111. 411 op. cit, Vol. I, p.180. 412 op. cit, p.164. 413 op. cit, p.52. 414 idem, p.372. 415 op. cit, p.229.
401

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416 417 418

op. cit, p.372. op. cit, p.216.

Viagem pelas provncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. op. cit, p.135. apud Tropas e tropeiros na formao do Brasil, op. cit., p.13. 420 Criar aqui tem o sentido de cruzamento, procriao. Geralmente vai at o desmame. Aps esta fase, chama-se recriar. 421 poca em que os animais mudam os dentes, que varia de dois a dois anos e meio nos muares. 422 op. cit., Vol. II, p.75. 423 op. cit., Vol. II, p.276. 424 Viagem pelas provncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. op. cit., p.307 e Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil. op. cit., p.209. 425 op. cit., p.88. 426 op. cit., Vol. I, p.131. 427 op. cit., p.368/390. 428 op. cit ., p.459/460/461/462.
419

op. cit., Vol. II, p.282/283. op. cit., p.347. 431 op. cit., p.220. 432 op. cit., p.64. 433 Viagem pelas provncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, op. cit., p.56/68. 434 op. cit., p.149. 435 op. cit., Vol. II, p.250. 436 op. cit ., p.95/370. 437 idem, ibidem, p.222. 438 op. cit ., p.85/347. 439 op. cit., Vol. II, p.268. 440 op. cit., p.24. 441 No se trata do Estado da Federao, mas uma localidade prxima. 442 apud Tipos e aspectos do Brasil, op. cit., p.288. 443 op. cit., p.114. 444 op. cit., Vol. I, p.122. 445 op. cit., Vol. I, p.161. 446 Viagem s nascentes do Rio So Francisco, op. cit., p.76. 447 op. cit., p.126. 448 Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil, op. cit., p.119. 449 op. cit., p.216. 450 idem, p.86. 451 op. cit., p.142. 452 idem, p. 73. 453 idem, ibidem, p.78/145. 454 Pequeno chicote. 455 op. cit., p.71. 456 op. cit ., p.103/49. 457 op. cit ., p.143/142/193/144/152. 458 Seriema a grafia moderna. Trata-se da Cariama cristata. 459 op. cit., p.454. 460 op. cit., p.99. 461 Viagem s nascentes do Rio So Francisco. op. cit., p.23. 462 Tropas e tropeiros na formao do Brasil, op. cit., p.51. 463 Viagem pelas provncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, op. cit., p.348. 464 op. cit., Vol. I, p.125. 465 Viagem s nascentes do Rio So Francisco. op. cit., p.44/81.
429 430

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466 467 468 469 470

Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil. op. cit., p.45/46. op. cit., Vol. I, p.304. op. cit., p.371.

op. cit., p.215. apud Burton, op. cit., Vol. I, p.175. 471 op. cit., Vol. I, p.71. 472 Viagem s nascentes do Rio So Francisco, op. cit., p.182. 473 Idem p.85. 474 op. cit., Vol. II, p.36. 475 idem Vol. II, p.94/112/184/234. 476 Viagem pelas provncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, op. cit., p.64/327. 477 Viagem s nascentes do Rio So Francisco, op. cit., p.50. 478 op. cit., Vol. II, p.232. 479 Viagem s nascentes do Rio So Francisco, op. cit., p.44/45. 480 op. cit., Vol. I, p.61. 481 idem Vol. II, p.103. 482 idem, ibidem, Vol. I, p.76. 483 op. cit ., p.82/413. 484 op. cit., Volume I, p.124. 485 op. cit., p.270. 486 op. cit ., p.145/104/158. 487 FRANCO, Afonso Arinos de Mello. Sntese de histria econmica do Brasil. Salvador. Progresso, 1958, p. 59. 488 Tropas e tropeiros na formao do Brasil, op. cit., p.63. 489 op. cit ., p.283/330.
490 491 492 493 494 495 496 497 498 499 500 501 502 503 504 505 506 507 508 509 510 511 512 513 514 515 516

op. cit., p.196. idem, p.56. Viagem s nascentes do Rio So Francisco, op. cit., p.53. op. cit., p.374. op. cit., p.61/62. op. cit., Vol. II, p.25/26. op. cit ., p.214/215. op. cit., p.151. op. cit., p.370. Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil, op. cit., p.181. apud A ferro e fogo, op. cit., p.224. op. cit., Vol. I, p.169. op. cit., p.156. op. cit., p.407. Viagem s nascentes do Rio So Francisco, op. cit., p.59. apud Tipos e aspectos do Brasil, op. cit., p.288. op. cit., Vol. II, p.154. op. cit., p.100. Viagem pelas provncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, op. cit., p.62. op. cit., Vol. III, p.73/115. op. cit., p.34. op. cit., Vol. II, p.26. op. cit., p.214. op. cit., p.60. op. cit., p.152. Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil, op. cit., p.44. op. cit., Volume II, p.345.
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517 518

op. cit., Volume II, p.27.

op. cit., Volume II, p.300. op. cit., Vol. I, p.71. 520 Tocava carro de boi. 521 Seu Zeca faz referncia a uma poca em que os tropeiros foram, de certa forma, expulsos do mercado, dando lugar a uma outra atividade no seu interior. A atividade do mercado teria sido transferida para o Largo D. Joo. 522 op. cit ., p.36/37/38/39/40. 523 op. cit ., p.82/89/100/165/282/296. 524 op. cit ., p.89/219/371/372. 525 Viagem pelas provncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, op. cit., p.317. 526 op. cit., p.71. 527 op. cit., Vol. I, p.183. 528 op. cit., p.70. 529 op. cit., Vol. II, p.25/105/120/221. 530 Tropas e tropeiros na formao do Brasil, op. cit., p.82/84. 531 op. cit., p.261. 532 op. cit., Vol. II, p.381. 533 op. cit., p.214. 534 op. cit., p.106. 535 ABREU, Joo Capristano de. Caminhos antigos e povoamento do Brasil. s/l. Livraria Briguiet, 1960, p.81. 536 op. cit ., p.40/41/54. 537 apud Tipos e aspectos do Brasil, op. cit., p.286. 538 op. cit. p.188/224. 539 op. cit. p.65/61. 540 op. cit. p.139. 541 op. cit. p.35. 542 op. cit . p.91/92/109. 543 op. cit. p.58/63. 544 apud Capistrano de Abreu, op. cit., p.175/176. 545 op. cit. p.176/58. 546 op. cit . p.67/65/90/137/138/217/218. 547 op. cit., p.207. 548 Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil. op.cit. p.13/14/30/37/43. 549 op. cit., p.29/30. 550 op. cit ., p.25/332. 551 op. cit., p.246. 552 op. cit., p.267. 553 op. cit., Vol. II, p.263/264/283/288/320. 554 GORCEIX, Henri, apud SANTOS, Lcio Jos dos. Histrias de Minas Gerais. s/i, s/e,
519

1972, p.176.
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FUNIVALE Fundamentos de uma Proposta - 1989.

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