Sobrados e Mocambos
Sobrados e Mocambos
Sobrados e Mocambos
PREFCIO
GILBERTO FREYRE
Com meu nome associado ao de Hermilo Borba Filho, na teatralizao de Sobrados e Mocambos, vejo-me na situao no direi de co-autor, mas, de alguma maneira, de inspirador de uma parte nada insignificante do que considero uma das obras-primas desse teatr logo brasileiro! "ssociao que muito me agrada! #as que e$ige umas tantas defini%es de minha parte! Co-autor no poderia eu ser, de obra-prima to singular! &o so e$atamente afins nossas interpreta%es da fase do passado mais 'ntimo da gente brasileira agora dramatizada pelo teatr logo! (enhor de sua arte, ele ) tamb)m intelectual definido nas suas id)ias e nas suas atitudes! * v+rias dessas id)ias e dessas atitudes so diferentes das minhas e at) antag,nicas -s minhas! .alvez se possa dizer, para fi$ar nossas diverg/ncias, que ele ) de todo, ou quase de todo, da fam'lia dos (0ift 1 com quem no repudio parentesco 1 enquanto, tornando por pontos de refer/ncia, escritores ingleses, eu talvez seja, principalmente, no que toca - fico, da fam'lia dos 2efoe! 2a', nas suas interpreta%es do nosso passado social, Hermilo Borba Filho dar uma /nfase a aspectos negativos que eu, nas minhas tentativas de interpretar o Brasil, reconhecendo-os, no dei$o que abafem os positivos! " formao social brasileira, considero-a rica de aspectos positivos! 3 humor s0iftiano no me
domina ao ponto de, em face dessa formao, me fazer subordinar o positivo ao negativo! 5refiro a subordinao do negativo ao positivo! 3 certo, por)m, ) que admiro em Hermilo Borba Filho o vigor sarc+stico, ir,nico 1 cruelmente ir,nico, at) brilhantemente, caricaturesco, por vezes, com que ele trata psicol gica e sociologicamente o seu e, at) certo ponto, meu material, dando-lhe, acima de tudo, um e$traordin+rio brilho de e$presso sat'rica, c,mica, humor'stica! *$presso sat'rica em termos revolucionariamente teatrais! Como seria poss'vel sermos co-autores havendo, entre n s, diverg/ncias to profundas no s de id)ias como de atitudes6 &o somos semelhantes mas, ao contr+rio, dessemelhantes 1 outra diverg/ncia essencial 1 em nossas atitudes para com o se$o! H+ em mim um irredut'vel lirismo la0renciano em torno de quase todos os assuntos se$uais que me v/m seduzindo! 2ificilmente resvalo, em face deles, no burlesco! .emo v/los acanalhados! 2e modo que certas caricaturas, mesmo artisticamente v+lidas, de atos e de situa%es se$uais em que Hermilo Borba Filho se e$trema com uma libertinagem por vezes antil'rica, no correspondem ao meu modo de tratar o se$o em suas varias e$press%es7 quer as ortodo$as, quer as her)ticas! (endo assim profundas algumas das diverg/ncias de id)ias e de atitudes que nos separam, no se compreenderia 1 repito 1 nosso aparecimento como co-autores de uma pea de teatro na qual quem comanda, dirige, domina ), necessariamente, o teatr logo! 5or mais que as sugest%es e a pr pria mat)riaprima de car+ter hist rico-social, por ele utilizada com admir+vel arte, procedam de trabalho meu, a criao ou a estilizao teatral ) sua! *$tra'da de trabalho hist rico-social de escritor de feitio diferente do seu, ) sua a nova configurao dessa mat)ria!
9tiliza%es dessa esp)cie t/m ocorrido, quer entre n s, quer no estrangeiro! 9tiliza%es que importam em colabora%es! 5or elas se v/ quanto as chamadas :duas culturas;, de que fala o ingl/s C! 5! (no0 1 ele pr prio, f'sico e escritor liter+rio 1podem fundir-se e resultar em e$press%es de uma :terceira cultura; em que o beletrismo, seja novel'stico, poem+tico ou teatral, pode nutrirse de sugest%es vindas de fontes em que ci/ncia ou filosofia ou hist ria se juntam a criatividade liter+ria ou art'stica! <iter+ria, embora no beletr'stica, essa criatividade pode constituir a base sobre a qual tendem a desenvolver-se novas e$press%es de :terceira cultura; e at) de :quarta;! =nclusive atrav)s do teatro, do cinema, da televiso7 to capazes, com suas t)cnicas cada dia mais pl+sticas, de desenvolver sugest%es vindas de pensadores, de cientistas, de escritores! (ugest%es que contenham, em potencial, aquele fermento po)tico que tanto pode estar na obra de um >arl #ar$ como na de um ?ung! =mposs'vel, por)m, a um antimar$ista ou a um antijungista, dar e$presso teatral ou pl+stica ao pensar de um #ar$ ou - ci/ncia de um ?ung! 5ara tais fus%es ) preciso haver uma essencial solidariedade entre criao e qualquer nova forma de e$presso dessa mesma criao! &o sendo este o caso, Hermilo Borba Filho s poderia ser um autor singular em sua teatralizao de Sobrados e Mocambos. .eatralizao por ele realizada, como teatr logo magistral que ), com uma arte, uma t)cnica, uma e$presso musical, uma movimentao coreogr+fica admir+veis! @ecife, ABCA
PERSONAGENS
NARRADOR SENHORZINHO SENHORA CAPANGA INGLS LUZA A BOCETEIRA PADRE LOPES GAMA MDICO CIGANO O BOBO O CABOCLO O NDIO PRIA DE MOCAMBO JANOTA JOSEFINA MINHA-F
SO JORGE PEDROSO O ADVOGADO DOS CULOS A MULA O BOI O CAVALO DE SELA O CAVALO DE GARGA O IMPERADOR MAXIMILIANO IDDER! O VIAJANTE INGLS O PALAN"UIM A CARRUAGEM EUROPIA O VISITADOR O NOTRIO SIMO BASTIO O MANCEBO HEITOR FURTADO DE MENDON#A O PAPAGAIO ARRUDA C$MARA
ANT%NIO CARLOS MELO MORAIS JOS DA NATIVIDADE SALDANHA NEGROS! MESTI#OS! SINHAZINHAS! SOLDADOS! LAIAS HOMENS BRANCOS! ESTRANGEIROS! MILITARES! PADRES! CARRUAGENS ANIMAIS! AUTOMVEL! IN"UISIDORES! BACHARIS! CARPIDEIRAS! MOLE"UES&
Gue ningu)m se espante com o nHmero de personagens! "queles que esto acostumados a encenar certos autores estrangeiros no estranharo isto! "os outros recomendamos o uso de m+scaras e lembramo-lhes que os personagens podem ser facilmente dobrados, pois todos so os mesmos que aparecem tanto na distribuio individual como na coletiva! Com poucos atores 1 relativamente, claro 1 se pode fazer este espet+culo, cuja virtude principal ) ser essencialmente brasileiro! 3 autor concorda com qualquer encenador inteligente que queira introduzir modifica%es, contanto que, por medida de precauo, seja consultado antecipadamente!
NARRADOR - "qui procuramos mostrar, minhas senhoras e meus senhores, processos v+rios do nosso Brasil das matas e dos engenhos7 subordinao, acomodao, em termos de raa, em termos de classe, de v+rias religi%es, de cultura e tradi%es! Iero com os olhos da cara a estranha formao do rural patriarcado, tamb)m o seu decl'nio, e o seu prolongamento nos velhos sobrados urbanos, semi-urbanos das cidades! Houve um procurador, o #anuel Juedes "ranha, que no s)culo KI==, se mostrava arianista, dizendo assim, mais ou menos7 em tal pa's de hereges devem ser muito estimados todos os que so brancos, j+ que foram pois criados com o leite da =greja e da nossa f) crist! * mais adiante ainda7 ) muito mais que sabido7 diferentes homens so pr prios pela condio para diferentes coisas! " nossa misso de brancos deve ser introduzir entre eles 1 'ndios, pretos 1a nossa religioL a eles 1 os pretos, 'ndios 1devem tomarse adequados somente pra nos servir, para n s caar, pescar, enfim, trabalhar pra n s! "ssim falou um dos grandes, mas outros tamb)m falaram em sentido bem contr+rio7 acomodao das raas! 9m e$emplo, querem ver6 3 5adre "nt,nio Iieira que era neto de preta! &esta pea, ento, aqui, tentaremos lhes mostrar flagrantes de nossas gentes das eras coloniais at) quase as atuais! *strangeiros, brasileiros, brancos com pretas, mulatas, incestos, mortes, com)dias, a zona canavieira! " urbana, com sobrados, suburbana com mocambos! Iiva a miscigenao, viva n s, viva voc/s, que a vida 1 todos sabem 1no grande palco do mundo ) s representao!
(ENTRA UM NEGRINHO VESTIDO DE PAJEM E COLOCA A UM CANTO DA CENA UM CARTAZ, COM PEDESTAL, NELE ESTANDO ESCRITO: PAI E FILHO. DAQUI EM DIANTE, O MESMO PAJEM NO PRINCPIO DE CADA CENA OU INTERLDIO, TROCA OS CARTAZES. OS ATORES COMPEM A CENA: MVEIS E PERTENCES QUE POSSIBILITEM A CRIA !O DA ATMOSFERA QUE SE DESEJA: A DE UM SOBRADO RECIFENSE NO S"CULO #I#. TODAS AS CENAS S!O MUDADAS PELOS PRPRIOS ATORES NO DESENROLAR DA PE A. ESCURID!O. SUCEDEM$SE V%RIOS SLIDES: FACHADA DE UM SOBRADO& UM QUARTO& UM GALO ACASALADO COM UMA GALINHA&UM P%SSARO, EM V'O, PERSEGUINDO OUTRO&UMA CIDADE BRASILEIRA DO S"CULO #I#.(
SINHAZINHA '2urante os slides e ainda na escurido! (omente a voz!( - 5rimo, o que me fazeis6 Guero crer que no podeis SENHORZINHO '"s vozes vo ficando cada vez mais e$citadas( - "qui, nesta camarinha, quero seu corpo gozar! Iamos logo, minha flor, vamos, vamos amar! SINHAZINHA '=dem!( - * por a' ) natural6 SENHORZINHO - N mais do que natural pra virgindade guardar!
SINHAZINHA - #as assim j+ ) demais '9ma pausa!( "i que dor, ai que amor, "i que ardor, que frescorO SENHORZINHO - #ais um pouco, por favor!!!
(OUVEM$SE GEMIDOS DE AMOR. DE REPENTE, UM GRITO, DE OU$ TRA VOZ, VOZ DE MULHER.(
SENHORA - #eninos, que estais fazendo6 *u nunca vi coisa igualO '" luz e$plode! " #ulher "parece *m Cena * Fala 5ara 3 5Hblico!P &aquela 5osioO 9ma &eta de 5residente da 5rov'nciaO SENHOR '"parecendo!( - #inha irm, quanto barulhoO Gue ) que se passa aqui6 SENHORA - (eu filho com minha filha como se fossem animais! SENHOR 'Bonacheiro!( - Gue meninos apressadosO "penas uns poucos meses para eles se casarem, mas o sangue ferve, mana, nada, pois, mais natural! SENHORA '*scandalizada!( - * chamais de natural! aquela coisa que vi6 5ois no foi como o poeta
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falando a respeito disto chamou a coisa indecente animal de duas costas! &o foi, digo a vosmic/, com a maior vergonha nRalma, o caso que sucedeu, pois ela estava de costas, ele de frente nas costas que quadro vil, infernal! SENHOR '(obressalta-se um pouco, ri disfaradamente, assume uma atitude de severidade!( - 5odeis ficar descansada! Castigai a sinhazinha trancando-a na camarinha, enquanto pego o meu filho para um castigo e$emplar! SENHORA - Iou faz/-lo sem demora! '(ai!(
ARGOLINHAS DE AMOR - .omam-se F gemas de ovos bem batidas com 8 $'caras de aHcar, uma quarta de manteiga, uma quarta de am/ndoas raladas! 2epois junta-se polvilho de mandioca ou araruta, e tamb)m um pouco de farinha de trigo at) ficar consistente! Fazem-se ento as argolinhas rolando um pouco de massa em farinha de trigo! "chata-se a massa nas mos e recortam-se as rodinhas! SENHOR 'Continua na penumbra! 3utro slide: um jazigo! 9m foco de luz ilumina o &arrador!( NARRADOR - "ntes que prossiga, senhores, nossa est ria, nossa ao, os s'mbolos
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em vez de atos, quero dizer, claramente, que todas estas pessoas esto mortas h+ que tempoO 5or)m negar no se pode a influ/ncia dos mortos sobre n s que estamos vivos ainda dentro dos ares da fam'lia tutelar! 3 homem morto ainda ), claro que de um certo modo, pois sim, homem social! Iejam pois este jazigo, muito mais7 um monumento! Com ele o morto se torna ostentao de poder, de prest'gio, de riqueza, para n s, seus descendentes! ?azigo patriarcal, tamb)m chamado perp)tuo, ) um esforo pungente do indiv'duo vencer a pr pria dissoluo se integrando com a fam'lia! 3cupa, pois, um espao, onde a sua arquitetura, onde a sua escultura, e onde a simbologia continua, aperfeioa, aquela das casas-grandes, dos sobrados que esto mortos!
(O NARRADOR SAI E A LUZ VOLTA, O SENHOR CONTINUA SE EMBALANDO NA CADEIRA DE BALAN O.(
CANTIGA DO PATRIARCA SENHOR - *u posso ser um mestio mas tenho o sangue fidalgo e sou aristocratizado pela instruo recebida, tamb)m pelo casamento! #inha mulher j+ morreu, repousa em nosso jazigo aonde breve l+ vou eu! 5or enquanto, estando vivo, defendo a ordem burguesa, meu mundo patriarca! &as arruaas de rua j+ enfrentei capoeiras, o dio do preto escravo, 1 do mulato que ) livre 1 aos brancos ricos que somos! 2efendo a gente da terra contra os que v/m da *uropa e aqui do meu sobrado resistirei com afinco - invaso dos mocambos! *ste aqui ) o meu mundo! *u dei$ei a casa-grande na zona canavieira, mas no meu sobrado urbano, tornado comerciante, conservo meus bons costumes7 mesa farta, bons licores, as negras l+ na cozinha, de vez em quando uma delas eu pego
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pra meu prazerL meu filho vai ser doutor, pra bacharel estudar, j+ goza com sua prima, antes mesmo de casar! .enho prata, tenho ouro, tenho cavalos, tenho escravos, tenho m veis, vivo bem - tripa forra! &o meu s'tio tenho as frutas mulheres para emprenhar, vou povoando o Brasil7 os nascidos do casal tero altas posi%es enquanto que os do amor trabalharo com afinco pra aumentar meu capital!
SENHOR - Gue querem no meu sobrado6 .enho prest'gio com o rei que me doou carta branca para com todas as armas defender, da minha sala, os interesses urbanos! MESTI#O - (ou contra o patriarcal quando ele se apresenta com esta ortodo$ia, criminosa e$plorao dos homens por um s homem! NEGRO - 5osso levar vida mansa no engenho ou no sobrado, mas como fui majestade nas minhas terras de l+, anseio, luto, batalho pela minha liberdade! SENHOR - Gue querem, ento6 #e matar6
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MESTI#O - 2e que vale um homem s 6 *u, por mim, s quero mesmo chegar meta final7 desmontar pea por pea a ordem estabelecida que s faz injustiar 1 a =greja fechando os olhos 1 aqueles que, sem sobrado, sem os partidos de cana, no t/m sequer um lugar! SENHOR - Guer, ento, modificar6 MESTI#O - Guero somente ajustar o que estiver desigual! SENHOR 'Jargalhada!( - 3lhe aqui, pra seu governo, os devedores rurais, os fabricantes de aHcar tamb)m intrigam, esbravejam contra n s, os seus credores, mas nada conseguiro! NEGRO - *mbora capitalista na cabea deve ter quando nada algumas letras! Ieja da', vosmic/7 os engenhos vo perdendo, ) verdade clara e pura, a arrogSncia, o poder, ) coisa que est+ passando, com isto n s concordamos! #as olhe por outro lado e veja que cresce a massa dos que so atormentados! Gue nos resta, pois, fazer6 MESTI#O - Com gestos, armas, palavras, descobrir a salvaoO
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SENHOR 'Jargalhada mais forte!( - Falam de revoluoO MESTI#O - =nsisto, senhor ricao, os olhos so para ver7 o prest'gio das cidades, a luta que j+ se trava de casa-grande e sobrado, tudo isto favorece a nossa classe mestia que se vai enriquecendo com o prest'gio brilhante de bachar)is e de m)dicos, daqui a pouco pol'ticos, muitos deles no se esquecem que so filhos de oper+rios e at) mesmo de mascates com negras ou com mulatas! SENHOR - &ada h+ de derrubar os ricos de casas nobresO MESTI#O - Iiva a minha educaoO NEGRO - Iiva o po, a liberdade, viva a minha abolioO SENHOR - Iosmic/s esto dum lado, do outro lado eu estou, olhem bem, vejam quem sou7 sou um senhor de sobradoO
(A MSICA ACELERA AINDA MAIS. O SENHOR SACA DE UM PU$ NHAL E INVESTE, O MESTI O DEFENDE$SE COMO CAPOEIRA E O DUELO ENTRE OS DOIS SE PROLONGA, ENQUANTO O NEGRO BATE DESESPERADAMENTE NO ATABAQUE. ESCURID!O. QUANDO A LUZ
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VOLTA O SENHOR EST% NOVAMENTE SENTADO, BALAN ANDO$SE, ENQUANTO SE SUCEDEM OS SLIDES: NEGRO ENFORCADO& MOCAMBO&UM TORTURADO PELA INQUISI !O&UMA MULHER TOMANDO BANHO DE ASSEIO&UMA MULETA.(
NARRADOR 'Comentando os slides.( - *st+ claro que o autor poderia fazer com que o senhor do sobrado falasse para voc/s e$ternando tudo o que lhe vai na cabea, mas estamos na )poca do processo audiovisual, e embora eu tenha minhas dHvidas sobre a efic+cia de tal m)todo, no custa e$periment+-lo! 3 senhor do sobrado pensa, na sua raiva, em todos os negros enforcados, dos quais aquele ali ) um s'mbolo! *stamos sempre lidando com s'mbolos! =sto no quer dizer que ele seja um mau homem, mas quem quer que estivesse no seu lugar e tivesse a sua mentalidade no conseguiria evitar pensamentos maldosos! Jarantam-me, o senhor ou a senhora, qualquer que seja o seu pensamento pol'tico e religioso, que sempre pensaram em coisas c,r-de-rosa! *sto vendo6 &ada me podem garantir! 5or associao de id)ias 'e$presso simp+tica, no acham6(, e tamb)m por contraste, o nosso amigo se lembra de um mocambo e sorri com um certo desprezo dentro das suas paredes e em cima dos seus tapetes! Considera imposs'vel que o derrubem! (er+ imortal! N humano que assim pense e jamais poderia imaginar que o seu sobrado, hoje, estivesse transformado numa ag/ncia banc+ria munida de computadores eletr,nicos manobrados por lindas adolescentes de pernas esguias! Iolta o senhor do sobrado a pensar maldosamente! @eparem que, ao mesmo tempo, ele se compraz e sofre com a imagem! .alvez j+ tenha, na sua mocidade, denunciado algu)m - =nquisio! Curioso7 esta ) uma das qualidades dos torturados permanecerem para sempre no crSnio do delator e no crSnio do carrasco! #as agora, no, agora o nosso amigo desvia seus pensamentos para
AF
uma imagem er tica, ao mesmo tempo cotidiana! Ioc/s esto sorrindo, voc/s com seus bid)s esverdeados, alaranjados, azulados, +gua quente e +gua fria6 " este banho de asseio das casas-grandes na zona da mata e nos sobrados do @ecife, ao qual se entregavam as iai+s e sinhazinhas, chamava-se banho de lecoleco! Compreenderam, no )6 " e$presso ) onomatopaica! 3 nosso caro capitalista est+ e$citado pela imagem e pela lembrana do som da +gua! Cada boca tem a sua sede! Iejam, vejam agora, como ele, imediatamente, transfere a imagem para a mulata que ), no momento, a sua favorita! &o sobrado e$istem v+rias negras e mulatas dos treze aos sessenta e tantos, sei l+, mas ) aquela ali que ele quer! "inda no a possuiu porque, - maneira da engorda dos porcos, ele a est+ cevando!
(O NARRADOR ACABA DE FALAR E COLOCA$SE A UM CANTO. O SENHOR FECHA OS OLHOS E EMBALA$SE. A MULATA, A MESMA DO SLIDE, ENTRA COM UM COPO NUMA BANDEJA DE PRATA. VAI ) CADEIRA DO SENHOR E, COM A M!O LIVRE, COME A A DAR$LHE CAFUN"S. ELE SE ESPICHA TODO, ENTREGANDO$SE AO ATO, E#CITADO. DE REPENTE, N!O MAIS SE CONT"M E VOLTA$SE, AINDA NA CADEIRA, TENTANDO AGARR%$LA. ERRA O BOTE E A MULATA, NUM SUSTO, DERRAMA O REFRESCO EM CIMA DELE.(
SENHOR '=nfantilmente passa o dedo na roupa molhada e leva-o - boca!( - #eu refresco preferido, ponche de maracuj+!
(A MULATA, AINDA ASSUSTADA, DEPE A BANDEJA EM CIMA DE UM MVEL, E TENTA EN#UGAR A ROUPA DO SENHOR COM O SEU VESTIDO QUE TEM DE ERGUER A PONTO DE MOSTRAR AS PERNAS.
AC
O SENHOR FICA UM MOMENTO PARADO, MAS LOGO SE REANIMA, ABAI#A$SE, CORRE AS M!OS PELAS PERNAS E CO#AS DA MULATA, QUE SE CONTORCE, RI, NEGACEIA, ELE SE LEVANTA, AMASSA$LHE OS PEITOS, ELA SE RO A NELE. NESTE JOGO, V!O AT" O MAR$ QUES!O, ONDE ELE A DERRUBA, DE COSTAS, COBRINDO$A, ENQUANTO FALA.(
SENHOR 'Ciciando!( - #inha mulata dengosa, linda, faceira, mimosa!! MULATA - "i, meu 2eus ai, meu senhor!!! SENHOR - Gue tem aHcar no corpo qual muitas brancas no tem!
(AS VOZES V!O SE TORNANDO BAI#AS, A PONTO DE N!O SEREM MAIS OUVIDAS. A LUZ VAI CAINDO E COINCIDE, JUSTAMENTE ANTES QUE SE FA A A ESCURID!O, COM OS LTIMOS MOVIMENTOS DO SENHOR E DA MULATA PREPARANDO$SE PARA A CPULA. NA ESCURID!O, MSICA, O FINAL DA MSICA COINCIDE COM A LUZ QUE VAI VOLTANDO AOS POUCOS E TAMB"M COM OS ARRANJOS FINAIS DO CASAL QUE ACABOU DE AMAR. J% AGORA, COM A LUZ, V*$SE QUE N!O " O SENHOR MAS, O SENHORZINHO. TANTO ELE QUANTO A MULHER TERMINAM DE AJEITAR$SE, J% DE P", EM SIL*NCIO. NA PORTA, EST% POSTADO O CAPANGA. QUANDO A MULATA O V* N!O PODE CONTER UM GRITO E FOGE.
AM
SENHORZINHO ENCARA$O, S"RIO, DEPOIS ABRE$SE NUM SORRISO, CAMINHA AT" ELE, D%$LHE UMA PALMADINHA NO OMBRO E, ANTES DE SAIR, DIZ$LHE:(
SENHORZINHO - (ou louco pelas mulheres da sua raa, mulato! CAPANGA - Bom proveito, meu senhor! SENHORZINHO - Foi bom, muito bom, bem feito, cada vez mais bom ser+ '(ai!(
(O CAPANGA SE POSTA ATR%S DA CADEIRA DE BALAN O. QUANDO O NARRADOR COME A A FALAR, O SENHOR APARECE E VAI COLOCAR$SE NO SEU LUGAR COSTUMEIRO. O CAPANGA BALAN$ ANDO$O ENQUANTO DURAR A FALA !O.( NARRADOR - *ntre o menino e o homem, neste sistema ancestral, se sabe foi bem imensa a distSncia social! .o grande mesmo, to grande, quanto aquela que medeia na questo se$ual7 o forte do fraco, o nobre do beloL igual, igual, podem crer - separao de classes7 de um lado a dominadora, do outro a dita servil! #as nessa sociedade a meninice ) bem curta, os anjos vendo, bem cedo, as suas asas quebradas! "umenta o antagonismo entre o menino e o homem, entre tal pai e tal filho, entre o moo e o homem velho! * a dominao do pai, desenvolvendo o sadismo que comeara nas surras, nos castigos sem igual, ia ao limite maior7
AB
ao direito de matar!
(O NARRADOR AFASTA$SE. O SENHOR AINDA " EMBALADO UM POUCO PELO CAPANGA QUE, FINALMENTE, SE DECIDE A FALAR.(
CAPANGA - "qui dentro do sobrado se passam casos estranhos!!! SENHOR '#ovimentando-se!( - Gue queres dizer com isto6 CAPANGA - " mulata, meu senhor!!! SENHOR - Gue mulata, 2amio6 CAPANGA - " (empreviva assanhada, bem ali no marqueso!!! SENHOR - Como ousas, sacripanta, censurar meu proceder6 CAPANGA - Censurar Iossa #erc/6 <onge de mim tal pecado!
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SENHOR - Fechei a sala todinha pra ningu)m me interromper, mas tu, que )s atrevido, anteontem, quando eu trepava com (empreviva pelo buraco da chave no sei como se meteu! CAPANGA - Foi outro jogo que vi hoje mesmo nesta sala! SENHOR - #as outro jogo de quem6 CAPANGA - ?+ disse a Iossa #erc/7 da mulata (empreviva! SENHOR - (empreviva nesta sala6 CAPANGA - Bem ali, no marqueso! SENHOR '"vanando e abecando o capanga&( - &o estava s , ento6 CAPANGA - 5or 2eus, senhor, eu sufoco, no estava sozinha, no!
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SENHOR - Fala logo, miser+velO CAPANGA - ( posso falar folgado! SENHOR '<argando-o!( - Com quem (empreviva estava6 CAPANGA - Com vosso filho, senhor! SENHOR - Com meu filho, dizes tu6 * que estavam fazendo6 CAPANGA - "quilo que vosmic/, com perdo da ousadia, fez com a finada iai+, para ele vir ao mundo! SENHOR 'Jritando!( - *stavam trepando ento6 CAPANGA - ?+ disse7 no marqueso! SENHOR - Caia o c)u, caia o inferno no maldito garanhoO Crime maior no se
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viu7 uma irm com o irmoO CAPANGA 'Fingindo-se de inocente!( - &o sabia disso, no! SENHOR - 2ireitos eu tenho, posso, sobre o corpo, sobre a alma, daqueles que me pertencem, quer sejam por mim comprados, quer sejam por mim gerados! *u nem por sombra permito que se invada o que ) meu! *sta filha de uma negra minha filha no ) nada por ela s tem o sangue, mas no tem por ela a lei7 5ra falar toda a verdade, ) minha propriedade! CAPANGA '"rriscando-se!( - * vosso filho, senhor6 SENHOR - Filho da puta ) o que )O
(UM TEMPO. O CAPANGA ESPERA ENQUANTO O SENHOR VAI DOMINANDO SUA RAIVA, CONCENTRANDO$SE NO DIO. FINALMENTE, AGARRA O MULATO PELO BRA O E SUAS PALAVRAS ADQUIREM UM TOM FRIO, QUASE NATURAL.(
SENHOR - *scute aqui, 2amio, nesta hora o senhorzinho deve estar fazendo a sesta, portas, janelas abertas, no quarto do outro andar! "ja com p)s de algodo, bem de manso, de mansinho, cravando-lhe o seu punhal na raiz do corao!
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CAPANGA - #eu senhor, ) vosso filho!!! SENHOR - ?+ foi, mas no ) mais no! *le vai para as profundas e (empreviva, a cadela, servir+ somente a mim! CAPANGA - * a minha situao6 SENHOR - 9ma mo lava outra mo7 dou-lhe um s'tio no engenho enquanto vida tiver! &ingu)m vai saber, mulato as causas deste contrato! CAPANGA - * a justia, meu senhor6 SENHOR - ?+ lhe disse, no repito! Guem vai acusar voc/ sem saber que foi voc/6 &o sobrado mando eu e como capitalista taparei, com meu dinheiro, de qualquer juiz a vista!
(O CAPANGA SACA DE UM PUNHAL E SE DIRIGE PARA A PORTA. O SENHOR VAI PARA A CADEIRA DE BALAN O. SLIDE:(
BEIJOS DE CABOCLA - @alam-se 4 cocos, espreme-se o leite sem +gua, fazem-se em ponto de
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fio DQQ gramas de aHcar, juntam-se, depois de fria a calda, AQQ gramas de manteiga e FQ gramas de farinha de trigo, F ovos, sendo 8 sem as claras, batidos levemente! ?unte-se ento o leite de coco, misture-se bem e ponha-se a assar em forminhas untadas com manteiga! 2epois de frio, bota-se no prato, tendo-se o cuidado de no ficar um beijo sobre o outro, devido - sua e$trema delicadeza!
SENHOR - #ais dois minutos ou tr/s e acabou-se a traio! &o sou e$emplo isolado no sistema que governa as leis de nossa nao! =ndepend/ncia dos moos6 Iejam s 7 que preciso6 *sto todos na revolta esses bachar)is de merda contra n s, os patriarcas, querem ser nossos rivais! N o Filho contra o 5ai, ) o moo contra o velho ) o doutor emproado contra n s, os potentados!
(UM GRITO DE MULHER INTERROMPE A FALA !O DO SENHOR. UM TEMPO. A TIA INVADE A CENA E SE DIRIGE AO PBLICO.(
TIA - (enhores, assassinado com um punhal traioeiro, aqui em nosso sobrado, aquele que em vida foi moo ilustre, destacado, descendente, como neto do luminar 5residente da 5rov'ncia 1 5ernambuco 1que depois ser+ *stado!
(O SENHOR EST% SE BALAN ANDO. A TIA SENTA$SE NO MAR$ QUES!O. O NARRADOR VAI AT" O PROSC*NIO E INFORMA AO
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PBLICO:(
NARRADOR - #uito bem, muito obrigado! 5almas aos nossos atores que merecem, nesta cena, ser muito ovacionados por mostrarem, com talento, o principio desta pea, tratando dos tempos idos 1 reparem7 dos tempos idos 1 dos mocambos e sobrados! '3s atores do-se as mos e agradecem ao pHblico! *scurecimento!(
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INTERL)DIO JOCO-SRIO
NARRADOR - 5ara ilustrar nossa est ria, dar-lhe mesmo colorido, em moldura coloc+-la, teremos, daqui a pouco, cenas curtas mas vivazes! 9ma7 estrangeiros espertosL 3utra7 a revolta dura do mestio nativistaL e ainda, em sua graa, boceteiras nos sobrados terminando o festival! Fiquem certos, voc/s todos, de que a minha inteno ) dar nesse espao curto a maior ilustrao ao meu ilustre audit rio! * voc/s, inteligentes, bem cedo percebero aonde vamos chegar! "bram os ouvidos, os olhos, que a funo vai comear!
(O
NARRADOR
AFASTA$SE.
MSICA.
SLIDES EM E
R%PIDOS: ATITUDE
UM DE
BRIGANDO&UMA
NEGRA
BRIGANDO&SINHAZINHAS
IAI%S&GALOS
(UM INGL*S, PROPOSITADAMENTE DO TIPO JOHN BULL, ENTRA DAN ANDO, SEGUIDO DE NEGROS QUE CARREGAM SACOS DE A CAR.(
INGLS 'Cantando com sotaque!( - 5ara a frente, para a frente, marchem em direo ao mar! NEGROS 'Coro!( - Tes, sir! Ues, sir!
4C
INGLS - "Hcar, ao @eino 9nidoO .ost%es se mudando em librasO NEGROS - Tes, sir! Tes, sir! INGLS - & s em tudo aqui mandamos com nossa moeda forte, a nossa armada invenc'vel, nosso poder sem igual! NEGROS - Ues, sirL Tes, sir! INGLS - Gueremos o po da terra, da terra queremos sal! NEGROS - Ues, sirL Tes, sir! INGLS - 3uro, prata, diamantes, caf), aHcar, algodo, a doce =nglaterra compra, Brasil recebe um tosto! NEGROS - Ues, sirL Tes, sir!
4M
INGLS - &este pa's, sub-sub, fazemos o grande jogo das trocas comerciais7 controle da e$portao de tudo que interessa, bem maior importao de produtos sem igual! &ossa ajuda est+ ao par7 acreditem na promessa! NEGROS Ues, sirL Tes, sir! INGLS '#ais inflamado!( - 3 pa's estando assim ) mesmo que nos conv)m7 politiquice, arruaas, sobrados contra mocambos, as classes se combatendo, :os cavalinhos correndo e n s, caval%es, comendo;! NEGROS - Ues, sirL Tes, sir!
(DAN AM EM SOLTA DO INGL*S E SAEM. UMA BREVE PARADA NA MUSICA E O INGL*S FALA AO PBLICO.(
4B
SENHOR - .emos contas, contas temos, tudo acertar vamos j+! INGLS - 9m tosto eu no lhe devo! SENHOR - *u falo de e$plorao! INGLS - Guem fala de e$ploraoO 2o armaz)m bem montado o sangue chupa sem pena dos senhores de engenhos da zona da mata norte e da zona da mata sul! Ieja bem7 no o censuro, mas chamo sua ateno, defendendo minha parte, que no mundo do com)rcio vale qualquer transao! SENHOR - 5ara o estrangeiro, noO &o suporto esse desdouro d/ voc/s se intrometerem em tudo quanto ) neg cio! INGLS - 9m conflito de interesses6 SENHOR - 2isse bem, seu vermelho! o com)rcio brasileiro vai marchando pro abismo e temos de combater voc/s que v/m do al)m-mar com este imperialismo! H+ muito estou revoltado contra essas intrus%es nas nossas atividades que elas so consideradas de benef'cio - nao!
8Q
INGLS - "h, my God, essa noO "h, my Jod, que alardeO SENHOR - <anarei mo do :resgaste; como meio de defesa para conter de voc/s o seu imperialismo! "o com)rcio, liberdadeO OS DOIS - "nda um ditado no mundo7 quem engana outro ) judeu! SENHOR - #eu senhor, este brado ) meuO INGLS - #eu senhor, este brado ) meuO
(DAN AM E SAEM. IMEDIATAMENTE, OUTRA MSICA. LUZA, A MESMA NEGRA DO SLIDE, " ARRASTADA POR DOIS SOLDADOS.(
SOLDADOS 'Cantando!( "nda, negra dos diabos, que o navio vai sairO LUZA - 3 meu filhoO Guero eleO SOLDADOS - 9m filho de negra ) bicho, vai se criar por a'!
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LUZA &o quero voltar pra Vfrica, omeu lugar ) aqui! SOLDADOS - *nto por que foi fazer levantes na sua raa6 LUZA - &o basta o que j+ passei6 "s torturas que sofri6 SOLDADOS - Gue mentira, vejam s O &unca vimos torturar!
LUZA - Foi depois da (abinada que da Bahia fugi num saveiro todo branco para escapar das torturas do Joverno =mperial! *u amava aquele moo da boa sociedade, minhas noites foram festas, nossas corpos eram arcos e sua flecha rosada me trespassava a gozar! Ii estrelas encarnadas, o mar era um flamboyant e o c)u avermelhado, j+ quebrando as madrugadas, nos embalava no amar! Foi ento que ele nasceu7 meu mulato, meu mestio, olhos claros da manh na pele de encantamento! #e prenderam, me surraram, a chama de um candeeiro queimou meus peitos tostados como se eles quisessem sufocar no pobre corpo o brado da liberdade!
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SOLDADOS - "gora que tenho as armas e no tenho corao vou desquartar a mulher depois de morta no cho! LUZA - Iou-me embora, vou-me embora, adeus, mana! Guem me do para levar6 </-</-,, adeus, mana, adeus, mana! @aO @aiO "deus, mana! SOLDADOS - =sto ) um tiro horrendo que eu pretendo lhe dar! LUZA - 3i, minha patativa, ,, meu curi , oi, quem de mim tem pena6 "i, ai, ai, quem de mim tem d 6 SOLDADOS - (ai da rua, negra, (ai da rua, negra, (ai da rua, negra, quem manda sou eu! (ai da rua, negra, em nome de 2eus! LUZA - 3i, ?oo, atira no gavio, meu n/go! &o me mate, soldado, no, soldado, noO Iou-me embora, vou-me embora, ningu)m mandou me chamar! 3i, ?oo, atira no gavio, meu n/go! &o me mate, soldado, no soldado, no soldado, noO
(OS SOLDADOS INVESTEM E AGARRAM LUZA QUE VAI SAINDO ARRASTADA, REPETINDO O REFR!O DA MSICA:(
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(SEU CANTO VAI SE PERDENDO AO LONGE. CONTINUA O MOTIVO MUSICAL. NOVAMENTE, A SALA DO SOBRADO. DAQUI EM DIANTE, ) PROPOR !O QUE OS QUADROS SE SUCEDEM, A SALA VAI FICANDO CADA VEZ MAIS DESPOJADA E AS PESSOAS MAIS VELHAS. A SALA " INVADIDA POR IAI%S E SINHAZINHAS, ALVORO ADAS. RISADINHAS, O DI%LOGO " R%PIDO, ENTREMEADO TODAS DE DENGUES, CARREIRINHAS, NUMA
*+ IAI - Gue havemos de fazer, n s, mulheres, de sobrado6 ,+ IAI - Ws vezes somos mais n s, -s vezes mais isoladas, que as iai+s dos engenhos! -+ IAI - Guase que s nos permitem a inveno de comidas! .+ SINHAZINHA * j+ inventamos muitas7 doces, conservas, com os frutos e as ra'zes da terra!
8D
,+ SINHAZINHA - Como eu gozo pela bocaO "h, filh s de mandioca!!! .+ IAI - Fao coisas com caju7 fao doce, fao vinho, fao licor ou rem)dio! ,+ IAI - <avo a boca com caju quando acordo de manh! -+ IAI - 5ara qu/6 .em preciso6 ,+ IAI - #eu bafo fica e$celente! -+ SINHAZINHA - 9m cuscuz de mandioca!!! *+ SINHAZINHA - * a banana comprida!!! -+ IAI - Car+ cozido com carne, bolos de milho com ovos, milho quebrado e pisado, bem pisado no pilo! 9m gordo caldo de carne ou de pei$e ou de galinha!
8E
,+ IAI - "i, meu 2eus, que bom piroO .+ IAI - Gue me importa de engordar6 Guando emagreo, "lbuquerque o que faz ) ficar triste! -+ IAI - 3 mesmo se d+, querida, com Carvalho, meu marido! .+ SINHAZINHA - Caju, banana e car+, jenipapo e ara+, mamo, goiaba, marmelo, frutapo, maracuj+, misturados com aHcar, canela, mel de engenho, castanha e cravo da 'ndia, dei$am todo o corpo doce e alma sem agonia!
(CANTO
AO
LONGE.
AS
MULHERES
FICAM
TOTALMENTE
ASSANHADAS.(
.+ IAI - Gueridas, a boceteira! Jraas a 2eus l+ vem elaO BOCETEIRA 'Iem cantando, ainda de longe!( - .rago os ru'dos da rua, as novidades da praa, trago para as sinhazinhas recados de namorados! &um sobrado conto tudo que ouvi noutro sobrado, minha vida ) me$erico, fao tudo circular, a intriga e o boato dentro do modo de amar! &o meu baH tenho tudo7 fitas, rendas, pentes-finos, recados, informa%es, saudades, gestos de amor, pomadas, :cheiros;, cantigas, estrelas da madrugada,
8F
cavalos, cabriol)s, beijos furtados, suspiros, e encontros nos quintais! Xi, minha iai+ cativa, oi, meu curi , ai, quem dela tem pena6 "i, ai, ai, quem dela tem d 6
(A BOCETEIRA J% EST% DIANTE DAS MULHERES QUE E#PLODEM EM GRITOS DE ALEGRIA, CERCANDO$A. NA MSICA, O BAILADO: DO BA SAEM FITAS COLORIDAS, RENDAS, PE AS NTIMAS, VIDROS DE PERFUME. DAN AM E FALAM:(
.+ IAI - Conte a mim as novidades! ,+ IAI - 3 caso de 2ona Bela! Gue fim levou o galante6 BOCETEIRA - 2izem que logo depois de goz+-la com fartura pro oco do mundo foi! .+ SINHAZINHA - 5agou bem o que devia! <ambisg ia, desfrut+velO -+ IAI - * a viHva @ezende persiste no seu jejum6 BOCETEIRA - =ai+, j+ ouvi dizer 1 no vi com meus olhos, no 1que quando a rua se acalma ali pelas nove horas, um galante encapuzado saindo da escurido penetra no seu sobrado!
8C
,+ SINHAZINHA - *st+, pois, bem regalada a nossa viHva alegre! -+ SINHAZINHA - &o que faz bem, cara prima! .udo est+ na preciso! 3 melhor rem)dio ) homem pra matar a solido! *+ IAI - #enina, mais compostura, mais respeito nessa l'ngua! -+ SINHAZINHA - " senhora fala assim por ter a barriga cheia! BOCETEIRA '5u$ando a 4Y (inhazinha para um lado!( - @ecado pra vosmic/! ,+ SINHAZINHA - 2e quem6 2e quem o recado6 3lhem o cochicho ali!
(AS MULHERES CERCAM A BOCETEIRA E A +, SINHAZINHA E GRASNAM ) MANEIRA DE AVES BRIGANDO POR COMIDA, N!O SE ENTENDENDO O QUE DIZEM.(
8M
(AS MULHERES SE DISPERSAM E ASSUMEM ATITUDES C'MICAS. A BOCETEIRA, AO CONTR%RIO, ASSUME UMA POSTURA QUASE HIE$ R%TICA E FALA, COM UMA RENDA NA M!O.(
BOCETEIRA - *sta renda veio do @eino! "travessou o mar, alva como a espuma, bem reparando tem uma cor de luar, adornar+ muito bem roupas 'ntimas e ao tocar na pele haver+ de produzir uma sensao que bem pode ser comparada - de pena de galinha passando muito ao de leve cm quadris, seios, ventre, no rec,ncavo das co$as!
BOCETEIRA - &unca se sabe a hora em que se ter+ de tirar o vestido para maior facilidade do amor! *sta renda agradar+ a vista do amado, alvura sobre alvura, aos poucos levanta, revelando o que estava oculto, quase oculto7 o negro sobre o alvo, o louro sobre o alvo, o amor sobre o alvo!
BOCETEIRA - 9ma linha de horizonte sobre os seios, um candeeiro de porcelana em volta rias mangas, pregas, mais pregas, at) a barra da saiaL levanta a saia, iai+L levante a saia, sinh+O
8B
(AS
MULHERES,
VOLUPTOSAS,
COME AM
DESPIR$SE,
DAN ANDO. A BOCETEIRA DISTRIBUI ADORNOS. DO GRUPO, QUE CONTINUA NUMA DAN A LENTA, COM RENDAS E MAIS RENDAS, FITAS E MAIS FITAS, DESTACAM$SE A -, E A +, SINHAZINHAS. QUASE DESPIDAS, A -, SENTA$SE, A +, COME A A DAR$LHE CAFUN"S. SOMENTE ELAS EST!O ILUMINADAS. ELAS E A BOCETEIRA QUE MAIS PARECE UM ENTE SOBRENATURAL. OS DEDOS DA +, PASSAM, DA CABE A DA -,, PARA OS SEUS BRA OS, O COLO, OS SEIOS, ESMAGANDO$OS. CURVA$SE E BEIJA$A NA BOCA, UMA M!O SAI DO SEIO E SE DIRIGE PARA O CENTRO DO CORPO DA COMPANHEIRA. O GRUPO, NA PENUMBRA, SE ASSEMELHA A BACANTES, ACASALADAS, QUASE EST%TICAS. COM O FINAL DA MSICA TUDO ENTRA NA ESCURID!O E TERMINA O INTERLDIO.( A MULHER E O HOMEM SLIDES: UM RAPAZ&UMA MO A&O CASAL&UMA MATRONA&RETRATO DE FAMLIA.(
NARRADOR - 3 homem faz da mulher com seu patriarcalismo, criatura diferente o mais poss'vel da dele7 se intitula de mais forte, nobreza quem tem ) ele! H+ um tipo de beleza que se requer da mulher, com toques de morbidez7 menina tipo franzino, menina quase doenteL ou ento senhora gorda, mole, fofa, maternal, por cima ainda caseira, co$as grossas, bunda larga! "o homem todos os gozos, se recatando a mulher para a cama do marido, aberta pra dar o seu, abafando at) gemido! (ua funo ) parir e depois criar menino! *sta ) a regra geral, mas nesta sufocao da mente e do corao, do corpo e de seus humores, a mulher tem v+rias fugas, seus recalques descarrega nos meninos, nas mucamas, ou bebe ou fuma charuto, traz um chicote na mo, -s vezes at) se arrisca - boa prevaricao!
DQ
&as ceninhas que se seguem uma s encarna tudo! =sto ) bom para os senhores, atia a imaginao, e quanto a n s c+ de dentro, que lhes damos esta pea, com alguma sabedoria, colocamos nossa arte nos padr%es da economia! HINO DA MULHER-MACHO '*ntra a #ulher! fumando charuto, de chicote na mo!( A MULHER 'Figura enorme, de coturnos!( - 3 meu reino neste mundo ) feito segundo quero! 3rdeno, mando, desfao, dou cartas, jogo de mo, meu marido no armaz)m, eu aqui neste sobrado, na sua administrao7 quero ver quem parte lenha, quem faz fogo na cozinha, quem mata galinha gorda, as mucamas que costuram, que remendam, que alinhavam no fabrico do sabo, de vela, vinho, licor! 3 meu olho tudo v/, meu chicote ) quem comanda, com as minhas baforadas vou do menino ao senhor, da menina ao servidor, vou do escravo ao feitor! SLIDE7 Fugio desde o dia 13 de agosto do corrente ano a escrava Luza, com os sinais seguintes: alta e bem feita de cor o, tem dentes limados e erfeitos! "uando falia com medo # bastante gaga. A MULHER - .ragam esta negra praRqui!
(ENTRA A NEGRA COM UMA M%SCARA DE FLANDRES.( (ESTALA O CHICOTE, D% UMA BAFORADA. TIRAM A ROUPA DA NEGRA: ELA FICA NUA. A MULHER SURRA$A COM VOLPIA. A NEGRA TATUADA: ARABESCOS, FLORES, SMBOLOS, MONOGRAMAS,
DA
FIGURAS E SINAIS S!O AZULADOS E VERMELHOS, NOS PEITOS, NOS BRA OS, NO PBIS, NAS N%DEGAS, NAS CO#AS. HOMENS NUS DE MISTURA COM CRUZES, CRISTOS, S!O JORGES, SIGNOS SALOM!O.(
A MULHER '(urrando a negra!( - (urro tudo o que puder7 surro Cristo, surro a Iirgem, essas figuras lascivas nesse corpo de pecado!
(A MULHER, DEPOIS DISTO, " OUTRA, RECATADA, DE MANTILHA PRETA. ANDA PELA RUA A PASSO MIDO, A CAMINHO DO CON$ FESSION%RIO. O PADRE LOPES GAMA SURGE, ZANGADO, ESBRAVEJANDO.(
PADRE LOPES GAMA - (enhoras afrancesadas lendo romances de amor, o castigo vem dos c)us para tamanho pecado! (ede servis, no mundanas, o teatro ) negro horror, os bailes so armadilhas, debruar-se na janela ) chamar l+ da esquina o dem,nio tentador! Guantas horas gastam elas no maldito toucador, outras tantas no piano! 5ara que saber franc/s, para que saber danar6 Foi-se a f) religiosa, vem o baile mascarado, perdio anda no ar!
D4
BALADA DA SERVIDO
MULHER - (enhor 2eus do meu senhor, dizei-me se so pecados querer o que o corpo quer, pensar em vida mais livre, poder brincar e danar, e no ficar enfurnada na escura camarinha, de trancoso ouvir est rias, mais irm velha que me dos meninos que o senhor gerou com seu gozo s no meu ventre obediente! PADRE LOPES GAMA '.err'vel!( - " primeira penit/ncia7 no dormir pra no sonharO MULHER - Guero limpar os meus nervos, no somente a minha alma que anseia pelo c)u onde esperam meus filhinhos, anjos gritando :#ame;! PADRE LOPES GAMA - " segunda penit/ncia7 no comer pra se finarO MULHER - 2eformada no meu corpo eu sou a serva do homem, uma boneca de carne, no quero morrer de parto! PADRE LOPES GAMA - " terceira penit/ncia7 o seu corpo flagelarO
D8
MULHER - *u quero ser e$altada, no quero me flagelar no meu corpo sem igual7 os meus mimosos pezinhos, as minhas mos delicadas, a minha cintura estreita, os meus seios to redondos, o meu vale to profundo! 5osso ser amolegada, mas saiba, meu confessor, tamb)m quero amolegar! PADRE LOPES GAMA '"inda mais furioso, num Hltimo arranco!( - Guem me v/ aqui, danando, no pense que fiquei <ouco! &o sou padre, no sou nada, virei secular h+ pouco! NARRADOR '*nquanto fala, os atores mimam!( 3 culto pela mulher deu uma arte er tica 1 uma mHsica aucarada, uma pintura romSntica, c,r-de-rosa, uma escultura sem outra coragem que a do gracioso, a no ser a do nu! *sse culto pela mulher, bem apurado, ) talvez, um culto narcisista do homem patriarcal, do se$o dominante, que se serve do oprimido 1dos p)s, das mos, das tranas, do pescoo, das co$as, dos seios, das ancas da mulher, como de alguma coisa de quente e doce que lhe amacie, lhe e$cite e lhe aumente a voluptuosidade e o gozo! 3 homem patriarcal se roa pela mulher macia, fr+gil, fingindo ador+-la, mas na verdade para sentir-se mais se$o forte, mais se$o nobre, mais se$o dominador!
(SLIDES: QUAL " A SENHORA QUE COM EFEITO UM POUCO INVEJOSA DE MANTER A SUA CINTURA EM ELEGANTES PROPOR ES N!O SE DEI#AR% SEDUZIR POR ESTES DELICADOS COLETES CINTURA REGENTE E ESTAS ELEGANTES F'RMAS DE CASA ESCOFFON, RUA DA AJUDA N. / QUE OS TEM APERFEI OADO AT" AL"M DO IMPOSSVEL0( (AS MULHERES FICAM EM TRAJES
DD
*+ MULHER - 3s senhores nos neg cios e n s aqui descansando! ,+ MULHER - #inha barriga anda mal7 tr/s dias que no arreio! ($udos.( -+ MULHER - #eu 2eus, que felicidade, 'Baforada!( baforar e defecar! '"spira o ar!( /+ MULHER - 3 carnaval vem a' para nos desrecalcar! 0+ MULHER - Bem comportadas ficamos o ano todo aqui dentro, mas a dana sensual no baile dos mascarados vai tudo recompensar!
(A +, MULHER CANTA, A BOCA FECHADA, ENQUANTO AS OUTRAS SE EMBALAM. BAFORAM, CONTORCEM$SE, OUVEM$SE RUDOS.(
-+ MULHER - Gue mundo to limitado os homens nos do aqui! #odelam at) nosso
DE
corpo, nos pensares nem se fala! /+ MULHER - 5rimeiro, a virgem franzina!!! *+ MULHER '2eclamando!( - :!!! p+lida virgem dos meus sonhos;!!! /+ MULHER - pra ser, depois de casada, a mulher gorda e bonita! ,+ MULHER - Caseira, procriadora! 0+ MULHER - 5+lida virgem j+ fui! " receita voc/s sabem7 caldinhos de pintainho, confeitos, +gua de arroz, os banhos somente os mornos! .+ MULHER - *sposa gorda e bonita num regime de engorda7 muito doce de goiaba, bastante mel de engenho, muito pastel, chocolate, gel)ia de ara+! ,+ MULHER - .udo isto para qu/6 Frustrao se$ual! -+ MULHER - Iinte e cinco anos tenho e j+ me sinto uma velha! Jerador, passivo ventre para o rgo to viril!
DF
/+ MULHER - "qui neste livro, ouvi, h+ o rem)dio pra o mal7 a unio dos se$os seja to-somente promovida pelo que se chama amorL seja to santa e to pura como a que ) consagrada por nossa religio, por nossa sociedade!
(SLIDES: RAMEL, FLORISTA MEMBRO DA SOCIEDADE REAL DE AGRICULTURA DE FRAN A, TEM A HONRA DE AVISAR AOS SRS. AMADORES QUE ELE ACABA DE CHEGAR A ESTA CAPITAL COM UM SORTIMENTO DE TODA A QUAL IDADE DE %RVORES, ARBUSTOS UNS QUE S D!O FLORES OUTROS FRUTOS, COMO ROSAS DO JAP!O, AS CAM"LIAS, MAGNLIAS, DE TARAS, CLEOTORAS, DEPREAS, RHODENDRUNI 1ALMIAS, JASMINS, PEONIAS, ARBREA METROSDEROS, ENDROMEDAS, ARABAS, E ROSEIRAS DE MAIS DE +22 VARIEDADES, CEBOLAS E FLORES COMO JACINTOS, TULIPAS, JUNQUILHOS, NARCISOS, LRIOS, ARNARILIS, D% LIAS RAIAUNCULOS E ANIMONAS.( (AS MUTILARES VOLTAM$SE PARA O SLIDE E O L*EM EM VOZ ALTA, DEPOIS DO QUE SE ENTREOLHAM, ACOMODAM$SE, BAFORAM OS CHARUTOS, INDIFERENTES. A MULHER EST% ATR%S DA JANELA: OLHA, SUSPIRA, QUASE DES$ MAIA. ASPIRA O PERFUME DE UMA FLOR, TOMANDO$SE DE UMA TRISTEZA MORTAL.(
TOADA DA SOLTEIRONA MULHER - Iitimada sou, no me casei! 3s peitos murcham no sol ardente, os peitos murcham na noite fria! *u, to sozinha, procuro par, mas quem me quer
DC
sem ter adornos6 Guase bigode, l+bio sem beijo, vulva intocada, mos to vazias! Fantasmas, s , so o que tenho! SENHOR - Corre, corre, latomia vai receber o recado que me chega do engenho! SENHORA - #as que mulher abusada na sala e na camarinha! ( governanta e assim mesmo olhem l+! SENHOR - "nde nas salas, nos quartos, ande daqui para l+, mas no saia do sobrado! SENHORA - .ome conta dos meninos, ateno para as escravas, costure meu cabeo, v+ cerzir meu p)-de-meia! SENHOR - "o teatro vamos hoje, cuidado com meu sobrado! SENHORA - Iou j+, j+, para a igreja, cuidado com meu bordado! SENHOR - (eu lugar ) na cozinha dividido pela copa! serve pra
DM
SENHORA - 5ara a festa de amanh v+ logo enfeitando os pratos, preparando, doces, bolos, dando banho nos meninos! SENHOR - Ieja os embrulhos! SENHORA - 3 sal, a farinha! SENHOR - @eceba os recados! SENHORA - Iarra a camarinha! SENHOR - &o fique - janela! SENHORA - #elhor colher frutas! SENHOR - "note os vint)ns! SENHORA - Cuide das panelas!
DB
MULHER - Gue mais a fazer6 *u cuido dos santos7 com j ias, tet)ias, o #enino 2eus enfeito pra mim! 3, meu (anto "nt,nio, mas que provao, meu &osso (enhor, mas que aflio! #eu corpo vazio no se enche, no! VOZ - "faste o pecado! MULHER - (eja abenoado! VOZ - Bem cuide da alma! MULHER - Guem ) que me salva6 VOZ - 5uro o corao! MULHER - "hO um garanhoO
EQ
(A MULHER " OUTRA: VIVA, ALEGRE, SALTITANTE. ENTRA O DIGO, ELA SE FAZ DE DOENTE.(
MDICO - Iim correndo num s p) para lhe trazer al'vio! MULHER - "h, doutor, que dor atroz na base do meu pulmo! MDICO - 5ode ser tuberculose! MULHER - .uberculose, doutor6 MDICO - (em boa alimentao! MULHER - #ais do que como, imposs'vel! MDICO - 3 mal vem de muito longe, do tempo de sinhazinha! ( assada que desse sustana ao sangue! comia
gulodices, doces, frutas e past)is! &unca um suculento bife, uma carne mal
EA
MULHER - .udo isto j+ passou! MDICO - #as as mazelas ficaram e outras se acrescentaram7 colo nu pelos teatros, no baile dos mascarados! .antos recortes, babados, tantos guisos, fitas, cores, o corpo se deformando, o espartilho arrochando! "ssim cresceu vosmic/ 1 tem a gordura balofa 1os seus trajes comprimindo todas as partes reais, a matriz prejudicada! MULHER - (ou um poo de doenaO Gue devo fazer, doutor6 MDICO - ?ogue fora esse vestido feito de espessa l, d/ passeios pelo s'tio, nada mais de banho morno, coma bifes bem sangrentos ou de tarde ou de manh! MULHER - * quanto - cama, doutor6 MDICO - Faa tudo o que puder para o embalo do amor! MULHER '"legre!( - Iiva a robustez do macho e das negras da senzala, mas viva tamb)m, meu povo, oprazer de minha vala!
E4
(A CAMARINHA. " NOITE. MULHER EST% NA CAMA. UM TEMPO, LEVANTA$SE, APAGA A LAMPARINA, ABRE A PORTA, RECEBE O SENHOR, CONDUZINDO$O PELA M!O AT" A CAMA. OUVE$SE UM RELGIO BATER MEIA$NOITE. SENHOR DEITA$SE E D% AS COSTAS PARA A MULHER.(
MULHER - 3 que tendes, 2om Bernaldo6 3 que tendes, que imaginas6 (e temes de meus irmos, eles esto longe de tiL se temes de minha me, ela no faz mal a tiL se temes de meu marido, est+ na Juerra Civil! SENHOR '*rguendo-se!( - &o temo de teus irmos quR/les meus cunhados soL no temo de tua me, quRela minha sogra )L no temo do teu marido quR/le est+ a par contigo! MULHER - #atai-me, marido, matai-me quReu a morte mereciL se tu eras meu marido no me davas a conhecer! SENHOR - "manh de pra manh eu te darei que vestirL te darei saia de ganga, sapato de berbotim, trago-te punhal de ouro para te tirar a vida!
E8
NARRADOR - 3 tHmulo que a levava era de ouro e marfimL as tochas que acompanhavam eram cento e onze mil, no falando de outras tantas que ficam atr+s para vir!
MULATA - "onde vais, cavaleiro, to apressado no andar6 NARRADOR - *u vou ver a minha dama que j+ h+ dias no a vejo! MULATA - Iolta, volta, cavaleiro, que a tua dama j+ ) morta, ) bem morta que eu bem vi, se no queres acreditar vai na capela de (o Jil! NARRADOR - "bre-te, terra sagrada, quero me lanar em ti! MULHER '(omente a voz!( - 5+ra, p+ra, 2om Bernaldo, por tua causa j+ morri! NARRADOR - #as eu quero ser frade da capela de (o JilL as missas que eu disser todas sero para ti!
ED
MULHER - &o quero missas! Bernaldo, que so fogo para mimL nas filhas que v s tiverdes botai nome como a mimL nos filhos que v s tiverdes botar nome como a ti!
EE
INTERL)DIO DA NEGRITUDE
NARRADOR - *is a indHstria assassina7 a conta da gente viva no se conta por pessoas! 5or medida linear, o volume em toneladas, ) qualquer fazenda inerte! 3s negros eram medidos pela soma das alturas, pois assim qualquer idade ia pra a avaliao evitando o preju'zo tanto para o comprador como para o vendedor! ( quem pode vende carne, ( quem pode vende gente, s quem pode no permite o pensamento voar!
(MERCADO DE ESCRAVOS. NEGROS E NEGRAS EST!O SENTADOS OU DEITADOS. O CIGANO PASSEIA, DE CHICOTE EM PUNHO, DE VEZ EM QUANDO DANDO ESTALOS NO AR. COM GESTOS PRECISOS OS NEGROS ACENDEM CIGARROS, BAFORAM, FORMAM RODINHAS COM A FUMA A, PARECEM ADQUIRIR UMA TELA, MARCAS DE ESCRAVOS.( NOVA VIDA. NA
OS NEGROS '3 canto comea bai$inho e se eleva at) tornar-se insuport+vel!( - 3s deuses nos deram a fuga na planta, o corpo est+ preso mas o sonho ) nosso! @evigora as partes que so do amor da f/mea, do macho com o maior ardor! 3 gosto assassino que ela nos deu j+ se transformou aqui nesta terra de nome Brasil! .udo ) meio-termo7 plantas venenosas, doenas do mal, qualquer teoria, id)ia qualquer, pecado, virtude, prazer de matar! &a planta do sonho, que j+ pouco assanha, um anjo falou com toda a verdade7 pra quem vivo ) morto e
EF
(O CIGANO ESTALA O CHICOTE. OS NEGROS APAGAM OS CIGARROS E VOLTAM ) ATITUDE PASSIVA. ENTRAM SENHOR, IAI% E BOBO. O SENHOR SE VESTE COM UM CERTO E#AGERO, DESTACANDO$SE A CORRENTE DO RELGIO, AN"IS EM TODOS OS DEDOS, EM$PUNHA UM GUARDA$SOL COLORIDO, NUMA 3MISTURA DE AGRESSIVIDADE MACHONA ." DE MALCIA EFEMINADA4. A IAI% " TODA COLORIDA: BABADOS, RENDAS, PLUMAS, FITAS, AN"IS, BRINCOS, PULSEIRAS. O BOBO PARECE SADO DE UM ROMANCE DE MICHEL ZEVACO.(
(O CIGANO VAI DE NEGRO EM NEGRO, DE NEGRA EM NEGRA, ACOMPANHADO PELO SENHOR E PELA IAI%, E#IBINDO A MER$ CADORIA: ESCANCARA OS DENTES DE UM, MANDA QUE OUTRO ARREGALE OS OLHOS, QUE BOTEM A LNGUA DE FORA, TUSSINI, RIAM, DANCEM, MOSTREM AS TATUAGENS.(
CIGANO - Iejam o estado dos dentes, a bela cor dessa l'ngua, os seus olhos como brilham, peguem na musculatura! '.empo para improvisar, O Bobo fala com os espectadores!(
EC
SENHOR - 3uo um ronco nesse peito! IAI - Iejo a cicatriz da tribo! SENHOR - &o est+ em bom estado! IAI - N negra degenerada!
(TEMPO PARA IMPROVISAR. O BOBO FALA, N!O COM OS PERSONAGENS, MAS COM OS ATORES.(
CIGANO - 3 produto vale tudo! Iejam esse membro viril, vejam os quadris dessa preta!
(TEMPO PARA IMPROVISAR. O BOBO FALA COM OS NEGROS EM SUA QUALIDADE DE PERSONAGENS.(
EM
TANGA, OS NEGROS CANTAM DE BOCA FECHADA, ELA SE CONTORCE, ASSUME ATITUDES LASCIVAS.(
SENHOR - *u compro essa negra a prazo! CIGANO - &ada aqui de prestao! SENHOR - 5or dois mil eu levo ela hipotecando um moleque! CIGANO - 2inheiro batido e pronto! IAI - *sse negro me interessa mas eu no quero a moleca!
(DISCUTEM OS TR*S. AS PALAVRAS FORMAM UM RITMO MAS N!O S!O ENTENDIDAS.( (TEMPO DE IMPROVISAR, O BOBO FALA COM OS ESPECTADORES, ENQUANTO A DISCUSS!O CONTINUA.(
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SLIDES1 A 1 9m branco 4 1 9m preto 8 1 9ma branca D 1 9ma preta E 1 9m estrangeiro F 1 9m mulato NARRADOR - * nesta organizao de predom'nio feudal, um tanto capitalista, as raas se amalgamaram, as culturas se juntaram em n democratizante, at) mesmo anarquizante! Comeou, pois, o decl'nio da era patriarcaZ, nada mais de vassalagem a *l-rei &osso (enhor! SLIDES % &or"ue o $ey 'e ay de vassallos! a arentes ( n)o arentes! a amigos2 n)o amigos o ay a todos coantos fil'os t* acode co igoaldade. +ue na casa do $ey tem vassalos fora de fil'os. NARRADOR - &a imitao do branco os outros se esbaldaram mas tamb)m os seus valores entraram pra os sobrados!
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NARRADOR 'Cantando!( - Caboclo a cavalo, que vem c+ buscar6 CABOCLO - Bela menina para vadiar! N na areia, ) na areia, ) na areia do mar! NARRADOR - Cavalga, caboclo, pro lado de l+! CABOCLO - N, tumba, ei, tumba, ei, tumba! ei, tumba, beira-mar! NARRADOR - Boa-noite, cavaleiro! CABOCLO - Boa-noite, &arrador! NARRADOR - *ntrou sem a minha ordem6 CABOCLO - *u me tornei cavaleiro, como igual muitos no h+ na arte de cavalgar! *sporas de prata trago nos meus p)s sem se calar!
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NARRADOR - "ssim mant)m sua vida6 CABOCLO - (e quer ver, mande tocar! 'Canta!( Caboclo a cavalo, que venho buscar6 Bela menina para vadiar! * na areia, ) na areia, ) na areia do mar! &o pulo, no pulo pro lado de l+! *i, tumba, ei, tumba, ei, tumba! ei, tumba, beiramar! CABOCLA '*ntrando na dana e cantando!( - 5ois aqui estou chegando e veja que me penteio como dama portuguesa, no preciso de turbante pra disfarar o pi$ete! CABOCLO - 5osso as ancas cavalgar6 CABOCLA - 5ode tudo o que quiser, e fazer o que quer! CABOCLO - "legria sem igual7 de dia no meu cavalo, de noite no seu varal! CABOCLA - &o vou mais cantar tristonha, &o vou mais dormir to-s ! CABOCLO - .odos me chamam caboclo, eu no sou caboclo no, por apelido me
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chamam Caboclo #anuel ?oo! CABOCLA - Caboclinho da minha pai$o, ai, ai, caboclinho do meu corao! ti tumba, ei tumba, ei tumba, ei tumba, ei tumba, ei beira-mar! CABOCLO - #aria Capitulina, vamos ao campo girar, vamos ao campo girar, ver a pancada do mar! Capitulina da minha pai$o, ai, ai, Capitulina do meu corao! OS DOIS - ti tumba, ei tumba, ei tumba, ei tumba, ei tumba, ei beira-mar!
(O CABOCLO APEIA, PU#A O CAVALO PELA R"DEA, CAVALGA A CABOCLA E SAEM DAN ANDO. AO MESMO TEMPO, SURGE O NDIO. VEM FUMANDO, A MSICA " LENTA.(
PERGUNTAS E RESPOSTAS
OS ATORES - #eu pobre 'ndio, que vem fazer aqui6 NDIO - Buscar meia-pataca pra tomar de parati!
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OS ATORES - </-l/-l/-,! NDIO - *m fumo e cachaa eu sou professor! ATORES - #eu pobre 'ndio, voc/ pode chegar! NDIO - *nto abram a roda que eu quero danar! ATORES - </-l/-l/-,! NDIO - *m fumo e cachaa *u sou professor! ATORES - #eu pobre 'ndio, voc/ como se chama6 NDIO - #e chamo 5edro 5aulo ?oaquim (antana! ATORES - </-l/-l/-,!
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NDIO - *m fumo e cachaa *u sou professor! ATORES - #eu pobre 'ndio, voc/ onde mora6 NDIO - #oro na Boa Iista perto da @ua da "urora! ATORES - </-l/-l/-,! NDIO - *m fumo e cachaa eu sou professor! ATORES - #eu pobre 'ndio cad/ sua mulher6 NDIO - *la est+ na cozinha tomando caf) ATORES - </-l/-=/-,! NDIO - *m fumo e cachaa eu sou professor!
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ATORES - #eu pobre 'ndio, como se chama ela6 NDIO - (e chama dona #aria de ?oo Carapeba! ATORES - </-l/-l/-,! NDIO - *m fumo e cachaa eu sou professor! ATORES - #eu pobre 'ndio, cad/ seu chap)u6 NDIO - .+ de boca pra cima espiando pro c)u! ATORES - <)-l/-l/-,! NDIO - *m fumo e cachaa eu sou professor! ATORES - #eu pobre 'ndio, cad/ seu palet 6
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NDIO - (a' na carreira, dei$ei na casa da coi ! ATORES - </-l/-l/-,! NDIO - *m fumo e cachaa eu sou professor! ATORES - #eu pobre 'ndio, cad/ sua cala6 NDIO - (ai na carreira, dei$ei na casa de maa! ATORES - </-l/-l/-,! NDIO - *m fumo e cachaa eu sou professor! ATORES - #eu pobre 'ndio, cad/ sua botina6 NDIO - (a' na carreira, dei$ei na casa da menina!
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ATORES - </-l/-l/-,! NDIO - *m fumo e cachaa eu sou professor! ATORES - #eu pobre 'ndio, cad/ seu paj)6 NDIO - 5erdeu o seu nome, hoje ) s #ane! ATORES - </-l/-l/-,! NDIO - *m fumo e cachaa eu sou professor! ATORES - #eu pobre 'ndio, onde est+ o 5apa6 NDIO - *u nunca vi ele, s vejo quem capa! ATORES - </-l/-l/-,!
FM
NDIO *m fumo e cachaa eu sou professor! ATORES - #eu pobre 'ndio, cad/ sua f)6 NDIO - ( creio na fome, no suor, no p) que anda ferido em terra batida abrindo ferida, no mais l,, mas l) ATORES - <)-l)-l)NDIO - 3 fumo, a cachaa, de mim tenham d !
(SAEM. SURGEM DOIS GRUPOS: UM ) DIREITA E OUTRO ) ESQUERDA DO PALCO. O DA DIREITA VESTE OPAS, AS M%SCARAS S!O ABSOLUTAMENTE IGUAIS. O DA ESQUERDA SE APRESENTA COM TRAJES MODESTOS E CADA UM DOS SEUS COMPONENTES USA UMA M%SCARA DIFERENTE.(
CORDO ENCARNADO - Fomos os mecSnicos que da *uropa vindo aqui nos juntamos aos v+rios
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mestios7 h+beis em of'cios, peritos em escritas, em variadas artes! ?udeus degredados ou s estrangeiros metemos as mos no mole da terra, embora afastados dos tais homens-bons pois saem destas mos as j ias que usam, as mos que lhes servem o po e o vinho! CORDO AZUL - 2eles n s nos distinguimos muito mais por nossa classe do que mesmo pela cor! CORDO ENCARNADO - Gueremos subir de posto, queremos ser homens-bons! CORDO AZUL - #uito f+cil7 as distin%es bem podem ser comprovadas pelos santos estatutos que regem as irmandades! CORDO ENCARNADO - 5ara os ourives de prata6 CORDO AZUL - 5odem ser juiz de of'cio diante das leis vigentes, como terem irmandade, a de (anto *l i, o Bispo! CORDO ENCARNADO - * os que so sapateiros6 CORDO AZUL - 3utras irmandades t/m sob a proteo dos santos7 Crispim e
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Crispiniano! CORDO ENCARNADO - Gue dizem dos marceneiros6 CORDO AZUL - *stes esto irmanados sob a f) de (o ?os)! Hoje ) dia de eleio na corporao de 3f'cio! CORDO ENCARNADO - Gue sejam submetidos a e$ame de profisso negros e pardos cativos que j+ conosco aprenderam nossas artes manuais! &o queremos pratic+-las com estas mos brancas, livres, j+ agora enriquecidas! (a'mos do mecanismo pra boa classe burguesa! CORDO AZUL - 5ara tudo h+ um limiteO &o queremos preto aqui! Guando muito, pardos claros, ou mulatos semibrancos! ?+ a onda se espraiou para os que so cristos novos, mos ainda calejadas por tantos of'cios vis e ainda bem marcados por ritos inferiores! CORDO ENCARNADO - ?+ tudo se modifica, vai tudo se misturando! &o falemos do passado que ) coisa j+ passada! "cordem, voc/s de l+, saiam da "ntig[idade, vejam a nossa formao, as etapas percorridas! O BRANCO - *u que sou nobre, sou branco, falo bem alto, a bom som7 que tem que o
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'ndio adote velhos nomes portugueses6 O CABOCLO - " mesma coisa pra mim! O BRANCO - " mesma coisa pra ti! OUTRO BRANCO - *u sou senhor de engenho! OUTRO BRANCO - * eu senhor de sobrado! ESTRANGEIRO - Iim com meu sangue ajudar! TODOS - @aa, classe, regio, vai tudo ficando claro na raiz desta nao, entramos uns pelos outros 1cruza aqui, cruza acol+, passa de rico pra pobre, passa de pobre pra rico, mora no norte, no sul 1esta ) nossa condio, dela no fugimos, noO ORADOR - 3s seus tempos so passados, preclaro senhor de engenho! SENHOR 3 que sou ) bacharel, fique sabendo, rapaz! Ieja o meu fraque correto,
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minha gravata de seda, a botina de verniz, a cartola, o guarda-chuva, o meu anel com rubi! PRIA DE MOCAMBO - #eu 2eus, que distSncia imensa, entre o que sou e o que vi! #ocambo contra sobrado7 5restai ateno, ouvi! TODOS - "s classes so desunidas, o comando ) do dinheiro, bem se distingue um janota daquele que ) jornaleiro! JANOTA - (ou pessoa delicada, sou de condio fidalga, tomo *li$ir de Juilhie, rem)dio de <e @oT! PRIA DE MOCAMBO - #ocambo contra sobradoO 5restai ateno, ouvi! SINHAZINHA - ( como alimentos nobres7 a passa, o etit% ois... PRIA DE MOCAMBO - Carne-seca, bacalhau, bagre 1 :mulato velho; 1so comidas para mim! * nem mesmo hoje tenho o leite de cabra-bicho! JANOTA - <eite de cabra-mulherO
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SINHAZINHA - <eite de vaca, maninho! PRIA DE MOCAMBO - #ocambo contra sobradoO 5restai ateno, ouvi!
(OS GRUPOS SE RENEM, FORMANDO UM BLOCO QUE SE TENTA FUNDIR. A MSICA " DAS MAIS ALEGRES. SINHAZINHA SE DESTACA E DAN A SOZINHA, AT" APARECER O MILITAR QUE A PERSEGUE. ELA NEGACEIA, MAS " F%CIL DE SE VER QUE FAZ ISTO POR COQUETERIA. FICAM NESTE JOGO AT" QUE ELE A ALCAN A E POUCO A POUCO V!O ENTRANDO NUMA ATMOSFERA ERTICA. COPULAM. SONS DE CLARIM. TODOS DESFILAM COMO NUMA PARADA MILITAR, O DESFILE TERMINANDO COM CRIAN AS VESTIDAS MILITARMENTE. SINHAZINHA E MILITAR, DE M!OS DADAS. ACENAM PARA TODOS. NOVAMENTE OS GRUPOS SE UNEM. OUTRA SINHAZINHA SE DESTACA. DAN A. SORGO O PADRE: DAN AM. ACASALAM$SE. TODOS FORMAM, DEPOIS, UMA PROCISS!O, ENTOANDO UM CANTO SACRO, FECHADA POR CRIAN AS QUE AGITAM TURBULOS, O PERFUME SE ESPALHANDO NO AR. O PADRE ABEN OA A TODOS. OUTRA VEZ, OS GRUPOS SE UNEM. OUTRA SINHAZINHA NA DAN A, DESTA VEZ COM UM ESTRANGEIRO ALOURADO. REPETEM O ATO. MSICA PATRITICA
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DA NA !O A QUE PERTENCE O HOMEM. DESFILAM. AS CRIAN AS AGITAM BANDEIRINHAS. AS CENAS SE REPETEM: NDIO E CABOCLA5 PORTUGU*S E MULATA5 NDIO E NEGRA5 NEGRO E MULATA SARAR%5 BRANCOS COM NEGRAS5 TODOS COPULAM5 " UMA BACANAL FELIZ, OTIMISTA, ONDE TODOS CANTAM. DESTA CONFUS!O ARDENTE DESTACA$SE UM CASAL: SINHAZINHA E MULATO. FICAM DE M!OS DADAS. O PALCO SE VAI ESVAZIANDO. OS DOIS FICAM SS.(
MULATO - (em botinas e sem meias sem vestido, sem babados, sem an+guas, cabeo, sem corpinho carcereiro, sem espartilho apertado 1 lamparina, camarinha 1numa festa de noivado! SINHAZINHA - (ou tuaO MULATO - &o temo dos teus irmos, temor do teu pai no tenho nesta festa de noivado! SINHAZINHA - (ou tuaO MULATO - &o perteno - tua classe, no sou desta regio, no sei de que ventre vim, pela cor sou reprovado!
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SINHAZINHA - &ossa festa de noivadoO MULATO - &oivado s para n s! SINHAZINHA - 5ara mim ) quanto basta! *sta noite s pra n s! MULATO - Iirgem intocada amanh quando o dia clarear! .eu pai, teus irmos, na mesa j+ prontos pra nos matar! SINHAZINHA - #orte viva, viva morte no amanh do meu penar! MULATO - 5ele escura, pele clara quando o dia despontar!
(ABRA AM$SE E ENTRAM NO QUARTO. AO MESMO TEMPO, OS ATORES PREPARAM A CENA, ENQUANTO O NARRADOR FALA.(
NARRADOR - *$emplo de comunho esta cena pode ser quando as cores comearam a se misturar no quadro da nossa saciedade7 o branco pegou a negra, o negro pegou a 'ndia, o mulato a sinhazinha pela beleza f'sica, por atrao se$ual! (ocialmente elevou-se por prest'gio da beleza acrescido, bem verdade, pelos
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reais atrativos de alguns dons intelectuais por eles ganhos na *uropa ou at) mesmo em 3linda, em (o 5aulo, na Bahia, ou no @io de ?aneiro! 3 mulato desta cena desperta na moa branca o amor, em seu sobrado!
(OS ATORES TERMINARAM DE PREPARAR A CENA: O SENHOR SEN$ TA$SE ) CABECEIRA DA MESA PARA O CAF" DA MANH!, A FAMLIA SE ACOMODA, AS NEGRAS SERVEM. UM TEMPO. O MULATO E A SINHAZINHA APARECEM DE M!OS DADAS, EM TRAJES NTIMOS. H% UMA PARADA: O CHOQUE " MUITO GRANDE. DE SBITO, NUM MPETO. OS FILHOS SE LEVANTAM EMPUNHANDO PUNHAIS.(
MULATO 'Ioz branca!( - *is sua filha, senhor, est+ como 2eus a fez! FILHOS '*m coro!( - (angue, punhal, coraoO MULATO (,dem.( - Foram somente palavras com que passamos a noite! FILHOS (,dem, avanando!( - 5unhal, sangue, coraoO MULATO - 2ela vos peo, senhor, seu corpo e seu corao!
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FILHOS '"vanam mais, vo apunhalar o casal!( - *is aqui o coraoO SENHOR '*rguendo-se!( - &esse homem ningu)m toca! Iai ficar pra tirar raa!
(OS PLENOS RECUAM, O CASAL SE ABRA A. H% UM GRITO DE LOUVOR. SOBRE O GRITO A MSICA, SOBRE A MSICA A DAN A QUE SE PRETENDE SEJA, A PRINCPIO, DE RECUOS E AVAN OS, COMO SE A VONTADE ESTIVESSE SENDO DOBRADA, AOS POUCOS PROGREDINDO AT" A COMUNH!O.(
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SLIDES7 "ssombrao7 <obisomem Batalha dos Juararapes &egros e capoeiras em fHria (o ?orge matando o 2rago 9m mulato com navalha aberta NARRADOR - 3 pai do meu pai contava est rias de assombra%es, do meu av, o pai contava as batalhas dos guerreiros! #eu tio-av, entoava7 'Canta!( #orena, neste carnaval n s vamos danar no @io de ?aneiro! #e diga guerreiro qual ) tua sina! #orrer na campina, no meio do terreiro! 'Fim do canto!( 5or toda a zona da mata, nos sobrados recifenses, nas fazendas sertanejas e nas fazendas do agreste as assombra%es passavam para o bem e para o mal! Bem podiam ter vivido no fogo das nossas guerras contra invasor estrangeiro, morrer de morte matada, morrer de morte cansada, morrer sem na mo a vela, morrer bem calmo, bem posto, de doena natural, ou morrer de mal de amores entre suspiros e flores! 3s vivos bem que podiam dei$ar de mo as contendas e passarem a conviver na paz dos mortos, dos vivos, que aqui na regio a mistura ) sem igual!
(BAL" NADA ACAD*MICO DO CASO QUE ACONTECEU ENTRE JOSEFINA MINHA$F" 6 TAMB"M CONHECIDA COMO JOSEFINA MEU$AMOR, ALI%S JOSEFINA MEUS$PECADOS 6 O LOBISOMEM DOUTOR E O ESPLENDOROSO S!O JORGE$A$CAVALO, MAIS CONHECIDO ENTRE NEGROS E NEGRAS, MULATOS E MULATAS, E
CB
AT" MESMO POR CERTOS BRANCOS DE SOBRADOS OU CASAS$ GRANDES, NUM ANO DA GRA A QUE L% SE VAI, COM O DESTEMIDO GUERREIRO OGUM, TERMINANDO COM NOJO DAS BEATAS. JOSEFINA MEUS$PECADOS, V*NUS MULATAMENTE CULATRONA, DE PEITOS SLIDOS, NO VER!O DA VIDA E NO ESPLENDOR DO SE#O, VOZ MEIO ROUCA DE MULHER UM TANTO HOMEM NA FALA E EM CERTOS MODOS MAS N!O NAS FORMAS E NOS DENGOS, DAN A EM BUSCA DO QUE DESEJA.(
(JOSEFINA MEU$AMOR CONTINUA A DAN AR: ORA PARECE QUE ANDA ) PROCURA DE QUALQUER COISA TRIVIAL, ORA QUE O SE#O E#PLODE E TODA ELA " DESEJO, ORA TRANSMITE MISTICISMO. DE REPENTE, UMA PARADA: JUNTO DELA APARECE UM N!O$SEI$QUE DE ALVACENTO OU AMARELENTO, LEVANTANDO AREIA E ESPADANANDO TERRA5 UM N!O$SEI$QUE DE HORRVEL5 ALGUMA COISA QUE, A PRINCPIO, N!O SE PODE VER A FORMA, MAS QUE, AOS POUCOS, TOMA A FORMA DE UM C!O DANADO COM ALGUMA COISA DE PORCO.(
SLIDES7 -oite de se.ta%feira. / marc'a amarelenta come0a a se agarrar como um grude ao cor o de 1osefina Meu%/mor. Larga%a, es o2a%se na areia, na lama, no monturo. 3orre como um deses erado. /taca a mul'er com o furor dos danados, estra0al'a%l'e o vestido, vestido azul. 1osefina Min'a%F# grita com deses ero:
MQ
(O LOBISOMEM VAI ENFRAQUECENDO. A MULATA EST% QUASE NUA E CONTINUA A GRITAR PELO VENCEDOR DO DRAG!O. A COISA, COM AS SUAS GARRAS, AINDA APERTA OS SEUS PEITOS, MAS, AOS POUCOS, VAI ENFRAQUECENDO. NUM LTIMO ARRANCO TENTA POSSUI$LA. EM TODO O SEU ESPLENDOR, NUM CAVALO BRANCO, ESPADA BRILHANTE, SURGE S!O JORGE, E TRAVA UMA BATALHA COM O LOBISOMEM QUE RETOMOU AS FOR AS. O COMBATE SE PROLONGA AT" A VITRIA DE OGUM, QUANDO AS LUZES E#PLODEM E A MSICA ATINGE O AUGE. O SANTO CAVALGA PELO PALCO, JOSEFINA MINHA$F" EST% NUA, DEITADA5 A APARI !O SE TRANSFORMA NUM BACHAREL DE CARTOLA E CROIS", BRANCO, P%LIDO, HOMEM QUASE SEM COR, DE UM AMARELO DE CAD%VER VELHO. AL"M DO CROIS", CARTOLA, PINCE$NEZ E RUBI NO DEDO MAGRO. DESAPARECE, ARRASTANDO AINDA UM PEDA O DO VESTIDO AZUL DA MULATA, ESVOA ANTE. OGUM EST% SE PAVONEANDO NO SEU CAVALO, JOSEFINA MINHA6FE CONTINUA DEITADA, NUA, NA LUZ FRIA DA MADRUGADA. APARECEM VELAS ENORMES, ACESAS, S!O JORGE$ A$CAVALO CRESCE DESMEDIDAMENTE. SOMBRAS SE PROJETAM POR TODOS OS LADOS. UMAS S!O MVEIS. OUTRAS IMVEIS. SE PRESTARMOS BEM ATEN !O HAVEREMOS DE VERIFICAR QUE AS PRIMEIRAS SE AGITAM SEM CESSAR: S!O AS BEATAS. A ESSA HORA DA MADRUGADA, N!O SOMENTE POR H%BITO, MAS POR PRESSENTIREM QUE ALGUMA COISA DE ANORMAL SE
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DESENROLOU DURANTE A NOITE, CORRERAM PARA ALI. AGITAM$ SE, MAS N!O SAEM DE UM CRCULO, COCHICHANDO SEM QUE SE OU AM AS VOZES, ROSTOS EM E#PECTATIVA, AS M!OS CONTANDO ESTRIAS, ASSIM COMO MOSCAS EM CIMA DE UM TORR!O DE A CAR. A PRINCIPIO O DESENHO DA DAN A, COM AS BEATAS, OGUM A SE PAVOLLEAR, JOSEFINA MINHA$F" AINDA INERTE, " UM PRESS%GIO, OS PRESSENTIMENTOS SE DELINEAM SOMENTE. COMO OS SEUS MOVIMENTOS, OS SONS S!O APENAS PERCEPTVEIS, QUASE S!O ADIVINHADOS EM VEZ DE OUVIDOS. COM O TOQUE DOS SINOS AS ATITUDES TORNAM$SE MAIS MARCADAS, OS MOVIMENTOS MAIS ACENTUADOS. AS BEATAS SE AGITAM DE UM LADO PARA OUTRO, TOMAM CONTA DA CENA, CORREM PARA TODOS OS LADOS. AS REVELAM SUAS INTRIGAS, SEM RECALQUES, CIMES, ME#ERICOS. BOCAS,
EMITIREM SOM, V!O DO AO I. ORA FORMAM GRUPOS, ORA DUAS SEGREDAM SEPARADAS DAS OUTRAS. MAS ESPERAM. DE VEZ EM QUANDO SAEM DAS SUAS PREOCUPA ES MESQUINHAS E ESCUTAM. OS OUVIDOS S!O COMO ANTENAS DE R%DIO E OS BRA OS PARECEM QUERER PU#AR FIOS INVISVEIS. DEPOIS DE CADA ESCUTA TORNAM$SE MAIS IMPACIENTES E MAIS MALDOSAS TAMB"M. A VIDA DE UM SUBRBIO DO RECIFE TEM NELAS AS SUAS MARCAS. MARCAS DE CAF" PEDIDO POR EMPR"STIMO ) VIZINHA, POR CIMA DOS MUROS, DE REM"DIOS EMPRESTADOS CONTRA DORES DE BARRIGA, DO CONHECIMENTO NTIMO DA MAIORIA DOS PAROQUIANOS: DAS SUAS NOITES MAL DORMIDAS, DOS SEUS PASSOS EM FALSO, DOS SEUS ARROTOS, DOS ESC7NDALOS DE QUARTOS ALHEIOS. TALVEZ SEJA POR ISSO QUE PROCUREM O PALME. QUE N!O SAIAM DA SUA CASA. QUE V!O
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ESPER%$LO ANTES DA MISSA E O ACOMPANHEM EM PROCISS!O. QUE N!O DEI#EM O POBRE COM UM MINUTO DE SOSS*GO. POR ISSO TAMB"M FAREJAM UM DESLIZE NA VIDA DO PASTOR. COM O SEU FARO J% ACOSTUMADO, ELAS T*M A CERTEZA DE QUE, DESSA VEZ, ACONTECEU ALGUMA COISA. N!O DORMIRAM DURANTE TODA A NOITE. DE OLHOS PREGADOS NAS TELHAS ESPERARAM O PRIMEIRO SINAL DE CLARIDADE E LOGO QUE O VIRAM, SEM COMBINA !O PR"VIA, SE ENCONTRARAM NO LARGO DA IGREJA E, SEM UMA PALAVRA, INVADIRAM A CASA DO VIG%RIO.. NESSA ATMOSFERA, J% SABEM QUE ALGUMA COISA, REALMENTE, ACONTECEU. ESPERAM. TODOS OS SEUS MO$ VIMENTOS DIZEM ISSO, APENAS N!O REFLETEM O QUE SER%. MAS " UMA NOVIDADE. UMA COISA NUNCA VISTA. AINDA N!O ACONTECIDA NO SUBRBIO. SEM QUE CESSE A MSICA, APARECE O RUDO DA CARREIRA DE UMA MULA. AINDA DE MUITO LONGE, MAS DISTINTO. " UM CHOQUE. AS BEATAS VOLTAM$SE, EM PRIMEIRO LUGAR, PARA O LADO ONDE SE PRESUME ESTEJA O QUARTO DO PADRE. FAZEM GESTOS UMAS PARA AS OUTRAS, COMO INDICANDO QUE J% SABEM DO ACONTECIDO, RIEM DESCARADAMENTE E TORCEM$SE DE CIMES. DEPOIS, COMO OS NDIOS, BATEM NA BOCA, LEVANTAM OS BRA OS E DAN AM EM CRCULO. O GALOPE " CADA VEZ MAIS PERCEPTVEL. MAS AS BEATAS J% N!O PRESTAM ATEN !O A ELE. CADA UMA DAN A PARA SI MESMA, ALHEADAS DO MUNDO E#TERIOR, DANDO VAZ!O A PENSAMENTOS OCULTOS. O RUDO QUE SE OUVE AGORA, ATRAV"S DA MSICA, " O DE UMA PARADA BRUSCA DE CASCOS EM DISPARADA. JOSEFINA$MEU$AMOR ERGUE$SE NUM MPETO. AS BEATAS RECUAM, COM AS M!OS AFASTANDO A FIGURA, ORA
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RIEM, ORA DEI#AM O MEDO OU O HORROR OU O CIME APARECER NA FISIONOMIA. JOSEFINA$MEU$AMOR ESTA IRRECONHECVEL: OS CABELOS DESGRENHADOS, A M%SCARA EQ8INA, OS OMBROS NUS MOSTRAM SANGUE AINDA VIVO. NOS SEUS OLHOS J% SE ADIVINHA A MORTE. CAMBALEIA E, DESAMPA$ RADAMENTE, DAN A COMO QUEM SE DESPEDE DE TUDO. COM MOVIMENTOS LENTOS E DESORDENADOS. N!O H% UM RITMO CERTO, DIR$SE$IA QUE A TERRA CHAMA. DE VEZ EM QUANDO UM SOPRO DE VIDA PARECE ANIMAR O SEU CORPO, POR"M A M!O DA MORTE D%$LHE TAPAS NA CABE A E ELA QUER SUCUMBIR DE VEZ, ACABAR COM TUDO, ESQUECER. MAS VEM UM SOPRO DE VITALIDADE E MESMO CONTRA A SUA VONTADE OS MOVIMENTOS SE REINICIAM. IGNORA A PRESEN A DAS BEATAS, NOVAMENTE NOS COCHICHOS, A UM CANTO. NUM DADO MOMENTO, JOSEFINA$ MEU$AMOR ERGUE A CABE A RESOLUTAMENTE, COMO QUEM SE LEMBRA DA SALVA !O E OLHA PARA O QUARTO DO PADRE. EN$ T!O, O SEU CORPO SE PERFILA E PREPARA$SE PARA O ASSALTO. DUAS VEZES TENTA A INVESTIDA E DUAS VEZES FRACASSA. NUM LTIMO ESFOR O CORRE PARA A FRENTE. N!O " UMA CORRIDA ESPONT7NEA, MAS UMA COISA SEMELHANTE A UM PESADELO. AS BEATAS ADIVINHAM A SUA INTEN !O PORQUE BARRAM A ENTRADA DO QUARTO, E#PULSANDO$A, E ELA VOLTA DESORIENTADA, CADA VEZ MAIS DESAMPARADA, MAIS PERTO DA MORTE. NO PRINCPIO DA QUEDA AVISTA O SANTU%RIO E SE ARRASTANDO DIRIGE$SE PARA L%. NOVAMENTE, AS BEATAS PROBEM A SUA CHEGADA. ENT!O " O FIM. AINDA QUER APRUMAR$SE, LEVANTAR A CABE A, MAS A MORTE PESA COMO CHUMBO E ARRASTA$A PARA O CH!O. CAI. COMO POSSESSAS, AS
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BEATAS D!O UM GRITO DE ALEGRIA, DE AMOR EM VITRIA. DE DIO TAMB"M E LAN AM$SE CONTRA O CORPO COMO CADELAS ESFOMEADAS. N!O TOCAM NELE, MAS AS SUAS EVOLU ES EM VOLTA DA MORTA INDICAM QUE EST!O NO DOMNIO COMPLETO DAS SUAS FOR AS. ENQUANTO BAILAM, O GALOPE COME A FORTE E VAI SE AFASTANDO CADA VEZ MAIS, AT" DESAPARECER. " A MORTE COMPLETA DO ENCANTAMENTO. ACABOU$SE O MIST"RIO. MSICA ALUCINANTE E MOVIMENTOS CADA VEZ MAIS R%PIDOS E VIOLENTOS DAS BEATAS, O DIA J% NASCEU DE TODO, OS SINOS TOCAM, O PADRE APARECE PARA REZAR SOBRE O CORPO, TODOS CANTAM...(
PADRE - 2ancem, cantem, rezem todos, faam tudo por igual, eu tenho ordem do Bispo para tudo perdoar! TODOS - <+ morreu, e l+ morreu, l+ morreu ?osefina! PADRE - #al-assombrados lhe prenderam, bateram em seu corao, que v+ para o c)u voando, muito longe do drago!
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TODOS - <+ morreu, e l+ morreu, l+ morreu, ?osefina! PADRE - 3uo tropel de cavalo, ouo a espora tinir no sei se ser+ (o ?orge que hoje ficou de vir! TODOS - <+ morreu, e l+ morreu, l+ morreu ?osefina! PADRE - *la passou pela porta, trinta anjos lhe chamaram, corpo preto e alma branca dez serafins lhe levaram! TODOS - <+ morreu, e l+ morreu, l+ morreu ?osefina! PADRE - "deus, cidade de 3linda, do .ransporte ao Iarador! "deus, "mparo, por onde ela passou! TODOS - <+ morreu, e l+ morreu, l+ morreu ?osefina! PADRE - <evanta-te, Fina, que j+ ) hora, j+ deu meia-noite, j+ rompeu a aurora! '?osefina-#e-5erdoe levanta-se!( "gradece ao povo, agradece ao povo! '*la terra do
MF
agradece!( (ai daqui, mulata, acabou a ao! Iolta, mulata, com teu corao! @etira-te, mulata, que j+ ) hora, j+ deu meia-noite, j+ rompeu a aurora!
(VOLTA S!O JORGE, ESQUIPANDO NO SEU CAVALO BRANCO, NU$ MA M!O A ESPADA, NA OUTRA UM ESTANDARTE COM AS CORES DA RESTAURA !O. ACOMPANHAM$NO UM BRANCO, UM NEGRO E UM NDIO, TAMB"M A CAVALO. DAN AM. SURGEM OS HO$ LANDESES, EM SEUS CAVALOS, COM SUAS CORES. A BATALHA SE DESENVOLVE, R%PIDA, VIOLENTA, OS INIMIGOS V!O SENDO EN$ CURRALADOS, A CENA VAI SE DISSOLVENDO. DEPOIS, TUDO CAI NA ESCURID!O, A MSICA TRANSFORMANDO$SE AOS POUCOS, E QUANDO A LUZ SE FAZ, ACONTECE O BAL" DE OGUM A CAVALO. NOVAMENTE S!O JORGE, EM SEU CAVALO, ACOMPANHADO POR UMA PEQUENA MULTID!O COLORIDA DE NEGROS E MULATOS, QUAIS SALTIMBANCOS, NO FRENESI DA CAPOEIRA. LOGO AS FILHAS DO SANTO INVADEM O LOCAL E DAN AM, ALGUMAS SE DEI#ANDO POSSUIR POR OGUM. A ATMOSFERA " DENSA: MISTURA DE MISTICISMO E SENSUALISMO. DE REPENTE, UMA MSICA MARCIAL ESTRANHA, AS FILHAS DO SANTO CORREM ESPAVORIDAS, A CENA " INVADIDA POR HOMENS LOUROS QUE S!O CONTIDOS POR ESSES CAPOEIRAS, CONTIDOS E AT" REPRIMIDOS NAS SUAS E#PANSES DE VIGOR VIRIL E DE
MC
COMBATIVIDADE DE MO OS E DE ADOLESCENTES COMO SE TODOS OS SEUS E#ERCCIOS FSICOS, TODOS OS SEUS PASSOS DE DAN A, TODOS OS SEUS CANTOS EM LOUVOR DE OGUM, TODOS OS SEUS ASSOBIOS, FOSSEM CRIME OU VERGONHA. CONT*M A TUR$ BUL*NCIA E REPRIMEM A REVOLTA QUANDO OS REVOLTOSOS ESTRANGEIROS SAQUEAR TENTAM E ATEAR FOGO AOS QUART"IS, PACIFICA E PRECIPITANDO$SE COMO UNS DEM'NIOS RUIVOS, PRETENDENDO TAVERNAS MALTRATAR GENTE DESARMADA. ENFIM, OS ESTRANGEIROS N!O RESISTEM AOS CAPOEIRAS, S!O VENCIDOS, CAEM. A MSICA SE TORNA MAIS SERENA, TODOS SE RECOMPEM, NOVAMENTE LOUVAM A OGUM.(
LOUVA#O A OGUM
- "bal, 3gum e a coroa inh, e a manqu/ e a manquera "bal, 3gum e a coroa inh, e a manqu/ e a manquera "bal, 3gum e a coroa inh,
(H% UMA CORRERIA DESORDENADA. OGUM EMPINA O CAVALO. UM DOS CAPOEIRAS SACA DE UMA NAVALHA QUE BRILHA E TODOS FICAM EST%TICOS. POUCO A POUCO, COM MOVIMENTOS
MM
LENTOS E MEDIDOS, O QUADRO VAI SE DESFAZENDO, OGUM APEIA E SE TRANSFORMA EM PEDROSO, UM MESTI O.( (AQUI SE CONTA A HISTRIA DE PEDROSO, EM PALAVRAS, ATOS E FATOS, COM MSICA PRPRIA E DAN A DE CIRCUNST7NCIA.(
PEDROSO 'Cantando!( - #arinheiros e caiados todos devem se acabar porque s pretos e pardos o pais ho de habitar!
(ENQUANTO O NARRADOR DECLAMAR, COM VOZ BRANDA, MUITO SEMELHANTE ) FRIA VOZ DOS QUE DITAM SENTEN AS, DOS PADRES QUE ENCOMENDAM UM CORPO, DOS PASTORES PROTESTANTES QUE DISCORREM SOBRE OS MILAGRES DE CRISTO, DOS T"CNICOS DE UMA TORRE DE AEROPORTO, AS CENAS V!O SENDO MIMADAS OU DAN ADAS.(
NARRADOR - 5ardo por natureza, o 5edroso que pela sua condio prestigiosa de comandante das armas, desejoso de napole,nicamente empolgar todo o poder 1 e no apenas o militar 1 tornou-se l'der da insurreio de pardos e pretos na cidade do @ecife! (ua situao de pardo claro, com prest'gio militar, permitialhe pender para qualquer dos e$tremos7 para a classe branca e dominadora e para a classe parda e preta, que, dominava, estava ento s,frega para se impor pelo nHmero como o verdadeiro Brasil independente! *ssa insurreio, conhecida por motins de fevereiro, indica quanto era forte nos insurretos o Snimo de raa oprimida, nem sempre f+cil de separar-se do de classe ou regio e$plorada! Com
MB
efeito, chegaram os insurretos a faltar com o respeito a mulheres brancas, como consta da p+gina 44 do translado da devassa! " prender numerosos europeus! " gritar que toda esta terra pertencia mais a eles pretos e pardos do que aos brancos! Claras manifesta%es de sentimento no s de raa como de classe e de regio revoltadas! 5ois o que est+ implicado em tais atitudes e declara%es ) que a pretos e pardos devia pertencer a terra brasileiraL e no a brancos, muito menos a europeus, isto ), brancos de outra regio! UM NEGRO - Freq[entemente negro nem mulato no ) cidado que o h+ de serO CORO - 5edroso, 5ai da 5+tria, pai de uma p+tria de negros, de mulatos cidadosO PEDROSO 'Cantando!( - #arinheiros e caiados todos devem se acabar porque s pretos e pardos o pais ho de habitar! NARRADOR 'Como juiz!( - * com o 5ai da 5+tria se condena, igualmente, a ?acinto (urianno #oreira da Cunha, mais conhecido como o "dvogado dos Xculos! 2ito e passado nesta cidade do @ecife, aos vinte e oito!!! '(ua voz 567 se perdendo!(
(O ADVOGADO DOS CULOS, PARDO, MAGRO, CARICATURA DE UM BACHAREL BRANCO, AVAN A E CANTA.(
BQ
O ADVOGADO DOS CULOS - #inha vida est+ mesmo por um fio, quando o juiz fala, , 5edroso, sinto muito frio! Iinde, vinde, mano, eu venho de 3linda, retirai-vos, mana, , maninha, outra voz vos chama! Iinde, vinde, mana, dei$ai esta missa, retiraivos, mana, pra ?uiz de Fora! 3 ?uiz de Fora mandou me chamar, arrastou cadeira, mandou-me sentar! Iinde, vinde, mana, vinde de carola, eu vou com meu fraque ao som de virola! Iem c+, 5edroso, chega para a frente, levanta teu brado, pra essa toda gente! "fasta pra tr+s, d+ no promotor, 5romotor, olha ele, olha que ele te d+! 3ra d+-lhe, 5edroso, quero ver derrubar! *i l+, 5edroso, afasta pra tr+s, d+ em seu ?uiz! (eu ?uiz, olha ele, olha que ele te d+! 3ra d+-lhe, 5edroso, quero ver derrubar! '5edroso investe contra o ?uiz que corre!( 3l+, 5edroso, afasta pra tr+s, d+ no 5romotor, d+ devagarzinho que ele ) pequenininho! '#esmo jogo!( 3l+, 5edroso, afasta pra tr+s, d+ no 3ficial! 3ficial, olha ele, olha que ele te d+, ora d+-lhe, 5edroso, quero ver derrubar! '#esmo jogo!( 3l+, 5edroso, afasta pra tr+s, chegou o Joverno com todas as tropas, pra te encarcerar! 5edroso, sustenta a briga, 3lha que ele te d+! '3 Joverno comea a lutar com 5edroso!( Gue o Joverno d+, que o Joverno deu, o Joverno d+! 3 Joverno no ) daqui, ) de al)m-mar, deu, no deu, deu, no d+! '3 canto e a dana continuam! *scurecimento!( *scravo, "nimal e #+quina SLIDES7 Homem conduzido numa rede por negros! #ulher conduzida num palanquim por negros! "nHncio7 4ende%se uma carro0a com a sua besta e um reto muito '5bil ara andar com a mesma. (enhor e (inh+ num cabriol) 9ma locomotiva com a legenda7 3 3avalo de Ferro.
BA
CAN#O DA M"UINA
CORO '.endo - frente o &arrador!( - #+quinas e mais m+quinas, so elas de toda esp)cie, vejam como so comple$as, at) mesmo requintadas, reHnem os tr/s elementos para prestarem servio aos senhores dos sobrados7 escravo, animal e m+quina! Homens fazendo as vezes de cavalos e de bois, pois se contavam por muitos aqueles que tinham posses para comprar ingresias, mas batiam com os p)s juntos, firmes nas caranguejolas obsoletas, passadas, contando que no faltassem para eles, negros, bois, o cavalo-ostentao, decorao social! #as o tempo foi passando e a nova sociedade teria de basear-se na mecSnica, no carvo, e no cavalo a vapor! "cabou uma escravido, veio outra escravido! '@itmo batido!( 3s dentes da serra mordendo, mordendoL a m do moinho moendo, moendoL a m+quina a vapor suando, suandoL toda a turbina s vai esmagandoL os carros so mil, rolando, rolandoL o cavalo de fora est+ relinchandoL o cavalo de ferro j+ est+ galopandoL a rubra fornalha queimando, queimandoL o corpo dos negros tio vai ficandoL a libra subindo, o mil-r)is minguadoL meu 2eus, at) quando6 #eu 2eus, at) quando6
MULHER - Iamos parar por aqui porque eu no ag[ento mais! HOMEM - 2escansa, comadre cabra!
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MULHER - Falou comigo, marido6 HOMEM - Falei foi com esta aqui! MULHER - Ioc/, -s vezes, confunde! HOMEM - 2epende da serventia! MULHER - Gue serventia maior pode ser a desse bicho sobre a minha, de mulher6 HOMEM - ( no faz ) ter menino! MULHER - .amb)m no arruma casa! HOMEM - #as faz um mundo de coisas a cabra-bicho prest+vel7 na falta de leite claro dos peitos da cabra-mulher ela amamenta os meninos como se fossem cabritosL come tudo o que lhe derL d+ queijo de coalho forte pras nossas partes viris!
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MULHER - *la ) uma cabra-bicho, eu sou uma cabra-mulher, dou leite dos seios gordos ela obrigada a isso ), n s ambas somos cativas de um homem-bicho qualquer! SLIDES 'C pulas(7 #enino com cabra #enino com ovelha #enino com galinha #enino com burra #enino com negra! MULHER - Jrande vantagem, pois no, para essa servido! #uitos bichos tamb)m servem de mulher para os meninos! HOMEM - Comadre cabra, quietinha, ela no sabe o que diz! MULHER - Iamos andando, marido, que a distSncia ) tirana! HOMEM - 2epois do sobrado grande j+ se avista o mocambo! MULHER - #as a comida ) preciso arranjar pra de noite!
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HOMEM - &a falta do caranguejo, na enchente da mar), a cabra vai dar seu leite pra gente viver de p)! MULHER - 3 leite dessa cabrinha ela s d+ quando quer! HOMEM - Ws crianas tanto aleita como aos doentes tamb)m, essa cabra benfazeja! 2+ de tudo o que ela tem7 espumoso leite fresco, coalhada bamboleante, queijo claro como a fonte, como a fonte de Bel)m! MULHER - Iamos embora, que os cabras, homens-bichos j+ l+ v/m! HOMEM - Cabra gente brasileira do gentio da Juin) que dei$ou as cinco chagas pelos ramos do caf)! MULHER - 5egue a cabra, vamoRembora, Iamos daqui dar no p)!
(A CABRA D% UM B" DE ALEGRIA, SENTA$SE NOS QUARTOS, BA$ LAN A A CABE A, DEPOIS PULA, " QUASE UMA DAN A ACOM$ PANHADA PELO HOMEM E PELA MULHER. UM GRANDE JATO DE LEITE BRANCO COMO A NEVE SAI DA CABRA E OS TR*S DESAPARECEM DAN ANDO. 6 AO MESMO TEMPO, QUASE,
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TRIO SOFREDOR
MULA 'Cantando!( - @espeito o cavalo nobre cavalgado por fidalgos! (ou relegada a trabalhos cansativos, de matar7 o de pu$ar carruagens, ag[entando este calor! .ransporto cargas pesadas na cidade e mais al)m, minhas feridas so tantas que at) os ossos me roem! &as ruas esburacadas pu$o caleas ruins e outros carros arcaicos com seus ocupantes chatos7 pesados, gordos vig+riosL as baronesas imensasL fidalgos arredondados por in)rcia e por piroL capites e coron)isL grandes pianos de caudaL sof+s de jacarand+L e at) barris de bosta 1 o e$cremento dos brancos 1dos senhores dos sobrados! BOI - Fao isto e ainda mais7 pu$o cargas nas carroas a pesos descomunais! 5ara mim, que tenho toitio, no h+ um caminho mau! 5au linheiro, pedras grandes, cana de aHcar, algodo, barro, frutas, cacarecos, e at) derrubar casas pode ser minha funo! 2esatolo o que se atola, me afundando ainda mais! NEGRO - (ou carregador de fardos, incluindo os tais barris! * nisto somos irmos! Conduzo para os sobrados a +gua de cozinhar, de beber e de banharL alivio todo o li$o at) a beira do mar! .amb)m sou negro de ganho, a rodilha na cabea, a tanga para ocultar minhas partes vergonhosas a vergonha sobe,
BF
aumenta, com o peso que eu carregar! .rabalho mais duramente que voc/s, bestas de carga, porque l+ pro fim da tarde tenho que ir ao patro levar o ganho do dia para no ser castigado!
(JUNTA$SE A UM BANDO DE NEGROS, ) FRENTE O PRINCIPAL, FA$ ZENDO SOAR UM MARAC% COLORIDO, TROTAM, DAN AM, PARECEM CARREGAR PESOS ABSURDOS. CANTAM:(
OS NEGROS - Canta, minha bela, canta, meu senhorL geme, geme, negro, que o navio j+ chegou!
NEGRO - 2uzentas libras de pesoL *u soube, pelas conversas, que um carregador de fardos no ag[enta sete anos! Iejam aqui minha coroa! Coroa de santo, no! N do peso na cabea! #inha marca, meu sinal, a marca de um animal, bicho de carga tamb)m! &o foi marcado no lombo mas no centro da cabea por esse trabalho cru! " mula e o boi Coroa de santo, no6
BC
A MULA E O BOI - 9m anjo do lado esquerdo, outro do lado direito, perguntando a ?esus Cristo se o povo est+ satisfeito!
(A MULA E O BOI SAEM ARRASTANDO O NEGRO.( NARRADOR - &a )poca em que na *uropa 3cidental e nos *stados 9nidos j+ comeava o decl'nio do cavalo, do burro e do boi como animais de trao e sua substituio pela trao a vapor, no Brasil a trao humana no s no f,ra ainda superada pelo animal como continuava quase a Hnica! &o se en$ergavam cavalos nem burros! &em carruagens nem carroas! ( palanquins! &enhuma pessoa ou coisa sobre rodas pu$adas por animal ou mesmo por homem! #ercadorias carregadas aos ombros de escravos! Homens carregados por homens! (enhores carregados por servos! Como o negro continuava a ser mais f+cil que o cavalo ou mesmo a mula, as senhoras abastadas sa'am de palanquim, enquanto as carruagens repousavam nas cocheiras dos sobrados patriarcais! SENHOR - 5or que a m+quina cara, dif'cil, complicada, de moer isso, de fazer aquilo, quando havia o negro f+cil, simples, barato para moer isso e fazer aquilo6 5or que o uso do cavalo, mais dif'cil de nutrir, de cuidar e de conservar do que o negro ou o boi, o escravo ou a mula, quando o cavalo devia ser animal s de ao guerreira e de transporte ou de recreio s de senhor, de fidalgo, de militar, havendo para o servio das demais classes de homens a mula, o burro, o boi, o jumento, o negro6
BM
NARRADOR - 3s animais como os homens tinham diviso de classes! Havia os que eram pobres contra a raa de plebeus! (e misturavam com gente, com coisas se misturavam! ?+ viram que a cabra-bicho +s vezes era mulherL que o cavalo de mesmo deu seu nome, pela fora, a diversas ingresias sob a forma de H5! Burrabicho e burra-cofre tinham fun%es diferentes7 a primeira no pesado, a segunda pra guardar a dinheirama dos ricos que dela bem se serviam desde 5lauto a #oli/re! Havia o macaco-bicho e o macaco maquinado, ambos sabidos, ligeiros, dando conta do recado! 2e todos, o mais feliz7 o cavalo afortunado!
CAVALO DE SELA '9m pouco maneiroso!( - (ou um cavalo de sela, tenho v+rias qualidades7 sem contar a militar e sem contar a pol'tica, fao transporte ligeiro de toda correspond/ncia da classe que ) dominanteL me presto - recreao, tenho muito ligeireza, sou elegante de forma, tenho porte, tenho marcha quando vou no trote ingl/s! CAVALO DE GARGA '&o tem que ver um campon/s!( - (ou um cavalo de carga, ) triste sina esta minha, tiram o boi e entro eu! .ransporto grandes volumes e as cargas mais pesadas! I+ l+ que os homens faam diviso de classes, raas, mas que tenho eu com isto6 5rotesto com meus relinchos e com meus coices protesto!
BB
CAVALO DE SELA - &o me suje o palco, no, no veio aqui para isto, mas para representar seu papel nesta funo! CAVALO DE GARGA - Farei a revoluoO CAVALO DE SELA '@elincha com deboche!( - #eu amigo, que bobagem! 3 pa's que nos governa tem a mesma diviso, mesma diferenciao! * no vai dei$ar, portanto, que nesta col,nia rica se faa revoluo! 2esde que o mundo ) mundo os cavalos se dividem7 de um lado o cavalo nobre que tem seis quartas e meia, ) mais f+cil de montar e tamb)m de desmontar, tem o seu p/lo murzelo ou at) castanho-escuro, ligeiro mais que o ar! CAVALO DE GARGA - ?+ sei que sou um quartau! CAVALO DE SELA - 2otado de pouco siso! CAVALO DE GARGA - Branco ruo, alazo claro!
AQQ
CAVALO DE SELA - =sto de longe se v/! "pesar do seu tamanho no tem muita intelig/ncia, embora tenha mais fora! 5ois com estas qualidades s pode ser mesmo, ruo, uma alim+ria servil! * como tal, meu coitado, para substituir o tal do escravo humano na labuta dura, vil! CAVALO DE GARGA @esta um consolo pra mim7 a mula, mais do que eu, ) o bicho mais servil!
MULA - Concordo, meu cidado! (ou animal de transporte, do homem o melhor escravo, sou duramente e$plorado! NARRADOR - " seu favor, nunca se levantaram as mesmas vozes eloq[entes que a favor do cavalo :nobre animal; considerado por alguns to impr prio por natureza para a condio servil como o :nobre selvagem; ou o :altivo 'ndio;! Iozes como a do redator do $etros ecto Semanal do 6i5rio de &ernambuco que em E de fevereiro de mil e oitocentos e tantos, a prop sito de cavalos e$tenuados por viagens de carro ou de ,nibus dos centros das capitais aos subHrbios, escreveu que era \conveniente regulamentar as cocheiras de aluguel, marcandose por e$emplo, o nHmero de viagens que um carro poderia fazer, no espao de um dia, daqui ao 5oo ou ao #onteiro;! * mais7 :2a' tamb)m a necessidade de se prescreverem regras ao tratamento dos cavalos! " nossa raa cavalar )
AQA
robusta e s e talvez a pr+tica de aliment+-la antes com garapa do que com s lidos, como milho, jerimum, maniva, etc!, contribua para enfraquec/-la e torn+-la impr pria para pu$ar grandes pesos;! '=nsuflando!( (em inquietao moral ou trepidao sentimental, s por efeito de aperfeioamentos materiais ou t)cnicos, no se realizam progressos dos chamados morais! &o se realizaram nos *stados 9nidosL e, no Brasil, o palanquim asi+tico carregado por mos de escravos africanos, ou descendentes de africanos, resistiu longamente carruagem europ)ia7 ao carro ingl/s ou franc/s pu$ado a cavalo ou a mula! *nquanto no se generalizou contra seu uso 1 e contra o da rede ou do burgu/s de transporte de pessoas ou de coisas, no interior 1 a indignao moral, por algum tempo limitado aos brasileiros de maior sensibilidade cristL enquanto a esse uso no se associou a vergonha ou o pudor de constituir arca'smo oriental no meio de uma civilizao com pretens%es a europ)ia, o palanquiin resistiu, nas cidades, ao carro de cavalo como, no interior, a rede ou o bangu/ de transporte, ao carro de boiL e o engenho movido a besta ou a boi, ao engenho a vapor! '2ana das carruagens, das bestas e dos negros, durante a fala! ( 5or in)rcia, em grande parte, ) certoL por dificuldade de ordem f'sica como as oferecidas trao animal pelas ladeiras em (alvador, em 3linda, no @io de ?aneiro, to desfavor+veis aos cavalos e -s carruagensL por falta de estradas no interior! #as, tamb)m, por aus/ncia, ou quase aus/ncia, de sentimentos de piedade pelos abusos do homem senhoril na e$plorao do homem servil e do animal manso! 3 senhor patriarca limitava-se a dispensar bons sentimentos -queles escravos ou servos que considerava uma esp)cie de pessoas de casa7 mes-pretas, mucamas, malungos! * aos animais que personalizava em parentes7 as comadres-cabras, por e$emplo! 5elos outros, sua indiferena era tal que confundia-se -s vezes com crueldade!
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O IMPERADOR MAXIMILLANO - "us/ncia completa da id)ia ou do sentimento de consci/ncia! =nconstSncia de tudo no Brasil! IDDER! O VIAJANTE INGLS - &o se en$erga um Hnico carro, uma Hnica sege, uma ]nica carroa para o transporte de cargas, pessoas ou mercadoria! &o omnibus or cab, or even sege. .udo se transporta -s cabeas ou aos ombros dos escravos!
(O IMPERADOR MONTA NO CAVALO DE SELA, 1IDDER CONTENTA$ SE COM O CAVALO DE GARGA, O NEGRO SERVE DE MACAQUINHO PARA O NARRADOR.(
IDDER! O VIAJANTE INGLS % 7'e ainiost entire obsence of horses mules in t'e streets, clid no cease to a to su eor singular. /n unusual number o gosts at%ul igs 8as 'ardly sufficient ly t'e lac9 afore%mentionel animals.
(MUITAS CABRAS INVADEM A CENA. A MULA, PACIENTEMENTE, ARRASTA OS ATORES QUE CANTAM, A PLENOS PULMES, UMA CAN !O PATRITICA.(
NARRADOR BALADA COMERCIAL - *$portao sem igual7 de 5ernambuco a cachaa de #inas o algodo, o
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arroz sai l+ de (antos e o aHcar de CamposL a terra toda partindo7 caf), couro, cabo, chifres, tabaco, jacarand+, tapioca, ipecacuanha! =mportao sem igual7 ao, ferro, cobre, chumbo, arame e arreios de carro, carruagens, cirurgia e chumbo de munioL caldeiras, fornos, arame, os rel gios e os fog%es! "rtigos duros, cinzentos para a substituio nesse comeo de troca do escravo pelo animal, e logo mais 1 to ligeiro 1dos dois pelo estrangeiro, bela m+quina a vapor, dos palanquins e bang[/s pelos carros mais velozes! (e no havia trabalho e nem mesmo produo, os novos-ricos montados se entregavam, dengosos, + boa recreao!
(DE UM LADO ENTRA UM PALANQUIM PU#ADO POR UM NEGRO E DO OUTRO UMA CARRUAGEM EUROP"IA PU#ADA POR UM LU$ ZIDIO CAVALO.(
PALAN"UIM - Iejam s que coisa feia7 cores todas de mau gosto, arrebiques,
torneados, para que tantos metais, tanto couro e tanta emp+fia6 CARRUAGEM EUROPIA '"o pHblico!( - =t is verT common to see blac^ drivers of hac^neT carriages '!!!(, in the intervals of emploTment, amusing themselves bT plaTing on some musical instrument, most commonlT a guitar!
AQD
PALAN"UIM - 5ara que negar6 (uporto o duro de certas bundas7 padrecos brancos, coroinhas, beatas e velhos guenzosL mas tamb)m gozar eu posso a maciez to redonda de iai+s e sinhazinhas, de calor to e$citante que minha madeira fica mais rija do que o ferro!
CARRUAGEM EUROPIA 'Guando a mHsica da dana j+ est+ muito bai$a pode-se ouvir sua fala, como se fosse a continuao de algo que comeara a dizer antes!( -!!!avanclous spirit that 0or^s a man until he is uni it for = arther service, 0ithout anT regard to the 0ell-heing of the creature, 0hich is thus trested as mere machine, as if it 0as formed of 0ood or iron !!!
CARRUAGEM EUROPIA '"o pHblico, como sempre!( % Ladies and gentleman, 7:; *&2O
(OS ATORES ENTRAM E LEVAM O PALANQUIM E O NEGRO. A CARRUAGEM EUROP"IA, ORGULHOSAMENTE, PU#ADA PELO MAIS AINDA ORGULHOSO CAVALO, SAI TROTANDO.(
AQE
NARRADOR - &o tardaria a chegar, inteiro, em esqueleto, o veloz barco a vapor! .rilhos de vias f)rreas locomotivas, vag%es! Vgua encanada das fontes jorrando dentro das casas, e das casas para o mar, para o mar ou para os rios os fortes canos de esgoto! 3ra que revoluoO 3 pa's criando fama! #as restava 1 ainda resta6 1outra bem mais importante, para al)m da classe fria, que mantivesse o respeito por toda a pessoa humana! " classe fria, burguesa, se voltava pra o estrangeiro nas maneiras, nos costumes, imitando moda inglesa e os sal%es de 5aris, a comida das estranjas, at) o modo de andar, o sentido musical, a maneira de falar, o modo de copular, de comer, de escarrar, arte nova de cagar, nascendo assim a id)ia, a id)ia genial, de tudo, de tudo mesmo, copiar e copiar!
NARRADOR - Iejam7 um anacronismo! #as quanto cinismoO SLIDE7 <m corte do ma a%mundi ocidental, estando vazio o es a0o do =rasil.
NO JULGUEIS PARA "UE NO SEJAIS JULGADOS (SENHOR EST% SENTADO NA VARANDA DA CASA$GRANDE, COM CERTEZA DE F"RIAS DO SOBRADO. UMA NEGRINHA APLICA$LHE CAFUN"S, OUTRA CO A$LHE A PLANTA DOS P"S. PODE HAVER UMA CIGARRA CANTANDO SEM TOMAR CONHECIMENTO DA
AQF
E#IST*NCIA DA LA FONTAINE. TUDO " QUIETUDE. DE REPENTE, GRITOS. SENHOR LEVANTA$SE, AS NEGRINHAS CORREM. O CAPANGA SURGE, TERRVEL, PUNHAL NA M!O.(
CAPANGA - (enhor 2eus dos desgraadosO SENHOR - Gue foi, homem dos diabos6 CAPANGA - 9ma desgraa maior do que esta no se viu! SENHOR - #as fale para eu saber! CAPANGA - Bebo sangue, capo ele, corto os seios, corto tudo! SENHOR - #as de quem, homem de 2eus6 CAPANGA - 2e quem, senhor, , de quem6 SENHOR - (enta a', respira fundo!
AQC
CAPANGA - Iou j+ sair a correr! SENHOR - #as correr atr+s de quem6 CAPANGA - 3 senhor inda pergunta6 SENHOR - *u pergunto pra saber CAPANGA - *u bebo o sangue dos dois numa cuja de coit)! SENHOR - #as, porra, que dois so esses6 CAPANGA - 3 boleeiro safado e a mulher que puta )! SENHOR - " sua pr pria mulher6 CAPANGA - *la mesma, meu senhor! Fugiram no sei pra onde, mas vou no rastro dos dois e quando peg+-los, ahO coisa igual jamais se viu!
AQM
SENHOR - .ire isso da cabea! (enta a', toma um caf)! CAPANGA - #as senhor!!! e minha honra6 SENHOR - 5ior ) se desgraar! CAPANGA - 2esgraado j+ estou! SENHOR - #ulher, meu capanga amigo, e$iste muita no mundo! CAPANGA - *u bebo o sangue dos dois! Corto a veia jugular! SENHOR - &ada disto vais fazer! CAPANGA - (e trata da minha honra!!! SENHOR - 2isse e torno a repetir7 mulher tem muita no mundo!
AQB
CAPANGA - &o me sai do pensamento a maneira de mat+-los! SENHOR - Iai pra casa, fica calmo, com o tempo tudo passa! CAPANGA - Guero sangue, quero bofes, e carne dos dois eu quero! SENHOR - =sto agora ) uma ordem7 tira isso da cabea, guarda o punhal, fica calmo, esquece aquela maldita, mulher tem muita no mundo!
(O CAPANGA VAI RESMUNGANDO, AINDA DE PUNHAL NA M!O. SENHOR VOLTA ) CADEIRA. ESCURECIMENTO. QUANDO A LUZ VOLTA ELE CONTINUA NA MESMA POSI !O, MAS AO SEU LADO, OUTRO HOMEM 6 UM ASSALARIADO, V*$SE LOGO 6 SENTADO NO CH!O, EST% CONCLUINDO UMA CONVERSA.(
HOMEM - 5or tudo que eu j+ disse, considero a venda boa! '<evanta-se para ir embora quando se lembra de alguma coisa!( HOMEM - "h, vosmic/ j+ sabe6
AAQ
SENHOR - Iou saber quando disser! HOMEM " mulher do seu capanga, que fugiu no outro dia com o sabido boleeiro, voltou, t+ morando l+! SENHOR '<evantando-se!( - #orando onde6 2iz logo! HOMEM - #as onde haver+ de ser6 #orando com seu marido! SENHOR - Com o capanga ) o que dizes6 HOMEM - Com ele mesmo, meu senhor! SENHOR - #aldito, filho da puta, escanzinado, cabroO Iai cham+-lo, quero v/-lo, dar-lhe um castigo e$emplar! CAPANGA '"parecendo!( - *stou chegando, senhor!
AAA
SENHOR - &o tens vergonha na cara, seu filho de corno, corno6 *ra assim que tu querias beber o sangue dos dois6 Com tamanho par de chifres aceitas aquela puta como se as suas pernas no fossem abertas pra outro6 CAPANGA - Gue posso fazer, senhor6 SENHOR - "inda vem com cinismo como se nada houvesse! Gue poderias fazer6 "quilo que eu te disse7 tanta mulher pelo mundo para te servir na cama, na mesa, no teu trabalho, mas justo com quem no presta ) que gastas tua vela! CAPANGA - N verdade, meu senhor7 h+ muita mulher no mundo, #as moenda s aquela! CAN#O DA MOENDA - #oenda de ferro tritura, sem suco a cana rolia, a cana caiana, a cana fita, a cana ro$a, tritura, tem (uco e todos v/em, e todos apreciam o produto diferente, que da m+quina sai! #oenda de carne tritura outra cana, a cana rolia, a cana branca, a cana ro$a, a cana preta, e todos v/em, e todos apreciam o produto diferente, que do animal sai! #as mais importante do que o produto7 a fabricao! " moenda engole, a moenda e$pele, a moenda d+ voltas no que entra nela! * tanto a moenda e tanto o que entra dana, que danaO que dana essa danaO '" dana descritiva, entenda-se, e continua at) a luz desaparecer!(
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NOTRIO - "no do nascimento de &osso (enhor ?esus Cristo de AEBD, aos F dias do m/s de dezembro, entrou o (enhor Iisitador do (anto 3ficio destas partes do Brasil, Heitor Furtado de #endona, com seus oficiais, nesta Iila da Conceio, =lha e Capitania de .amarac+, tendo mandado primeiro a carta de (ua #ajestade + CSmara dela, que para ela trazia, donde o capito com os da justia e da governana e principais sa'ram fora a receb/-lo e nela foi bem recebido de todos! * no domingo atr+s era publicado na =greja #atriz dela um dia! * depois de o (enhor Iisitador ser bem aposentado, mandou ajuntar perante si, no dia seguinte, ao vig+rio da dita #atriz e ao capito, juizes e vereadores e mais oficiais da CSmara e lhes mostrou a comisso de (ua "lteza para ele (enhor visitar pelo (anto 3ficio este Brasil, a qual leu em alta voz o escrivo da dita CSmara! &o edito da f), d+ o (enhor Iisitador doze dias de termo para de toda a dita capitania de .amarac+ virem perante ele denunciar o que por qualquer modo souberem que qualquer pessoa tenha dito, feito ou cometido contra nossa santa f) Cat lica e o que tem a (anta #adre =greja! * no edito da graa concede o dito (enhor doze dias de graa e perdo para os que neles vierem de toda a dita capitania de .amarac+ perante ele confessar suas culpas e fazer delas inteira e verdadeira confisso sejam recebidos com muita benignidade e no se lhes d/ pena corporal, nem penit/ncia pHblica, nem se lhes seq[estrem nem confisquem seus bens, etc!, como melhor e mais largamente se cont)m e declara nos ditos
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editos! * depois dele, publiquei eu, not+rio, no mesmo pHlpito o moto pr prio do (anto 5adre 5apa 5io I, de gloriosa mem ria, em favor da (anta =nquisio, contra os que ofendem a seus ministros! VISITADOR - 3 primeiro volunt+rio! NOTRIO - N (imo 5ires .avares! SIMO - Confesso7 sou cristo velho! Guando tinha quinze anos jurei, jurei muitas vezes pelos tutanos e tripas de &osso (enhor, o Cristo! * quando fui pra escola aqui mesmo nesta vila ,disse merda pra ?esus! VISITADOR - *u j+ estou satisfeito! Cortem essa l'ngua maldita! SIMO - N s isto, meu senhor6 #uito obrigado, senhor! Gue 2eus o abenoe, senhor! VISITADOR - Ienha outro volunt+rio! NOTRIO - N Bastio de #orais!
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BASTIO - Cristo velho, sim senhor! 5ouco haver+ sete anos, foi em casa do meu tio, com o crioulo 2omingos, escravo desse meu tio! fie dormia no quarto numa cama junto - minha! 9ma noite, no me lembro, passou-se pra minha cama, e fez com que me virasse de barriga para bai$o! 2e bruos nas minhas costas com o seu membro viril o seu membro desonesto, foi no meu vaso traseiro que se deu a poluo! " outra noite foi minha, quando entrei-lhe pelas carnes, lhe fazendo por detr+s o que nas nossas mulheres a gente faz pela frente! VISITADOR - * quantas noites foi isso6 BASTIO - Foram tantas, meu senhorO NOTRIO - " sentena, meu senhor6 VISITADOR - #andem esse homem casar BASTIO - ?+ sou casado, senhor! VISITADOR - * a mulher, onde est+6
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NOTRIO - Gue entre logo a mulher de Bastio de #orais! MULHER '.em um traseiro enorme!( - "os vossos p)s, meu senhor! VISITADOR '5ara outro inquisidor!( - Gue pea descomunalO NOTRIO - "lguma coisa a depor6 MULHER - (obre o que, (enhor &ot+rio6 NOTRIO - 3 vicio de Bastio! MULHER - *u no sei se v'cio )! VISITADOR - * como ) que ele faz6 MULHER - Haver+ quatorze anos que vem nisso todo dia, quero dizer toda a noite! *u me deito de ilharga e o seu membro viril trabalha muito ligeiro indo e vindo
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sem parar! VISITADOR - Como se sente a senhora6 MULHER '#ostrando a bunda!( - &o est+ vendo, meu senhor6 NOTRIO (enhor, depressa, a sentena! VISITADOR - #etam esses dois numa cela com uma sentinela - vista7 que eles sejam obrigados, at) pegarem o costume, de copular no legal! &ada de parte traseira s vai pela dianteira! 5ode a sentena lavrar! BASTIO - Gue sentena mais cruelO MULHER - * ser+ que pela frente a gente sente prazer6 NOTRIO - Io saindo logo, logo, que no h+ tempo a perder! VISITADOR - "inda mais depoentes pra essa sesso de hoje6
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NOTRIO - *les no faltam, senhor! N toda a populao com seus crimes e castigos uns pra mais, outros pra menos! VISITADOR - Gue canseira sem igual! ( a (anta #adre =greja merece este sacrif'cio! #ande entrar o infiel! NOTRIO - " infiel Branca @amires! VISITADOR 'Bai$o, ao &ot+rio!( - .amb)m toma na traseira6 NOTRIO - *sta ) judia, senhor! VISITADOR - .em pecado ento maior! Iamos ver7 severidade! NOTRIO - @epita aqui, ande, vamos o que foi sua maldade! MULHER - * no sabia, senhor, que cometia maldade! Conto como aconteceu7 j+ depois de estar casada, completando sete anos, no corredor l+ de casa morreu um escravo nosso cagando todo o seu sangue! "ntes que fosse enterrado mandei
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jogar fora a +gua dos potes da cantareira, a +gua que se bebia! #as foi somente por nojo e no com teno judaica que tal coisa eu no sabia! ( estou sabendo agora com essa visitao do (agrado (anto 3f'cio! NOTRIO - #ulherzinha descaradaO VISITADOR - Finalmente um crime grave eu encontro nesta sala! 3lhem aqui minha sentena7 que ela beba sozinha toda a +gua que couber no pote maior que tenha! MULHER - Iou estourar, meu senhor! VISITADOR - #as ter+ a alma salva nos braos do (alvador! NOTRIO - Ienha o #ancebo (olteiro! VISITADOR - N judeu, esse matreiro6 NOTRIO - N do grupo do traseiro! Conte aqui ao Iisitante a postura que tomou!
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MANCEBO - "conteceu no engenho com o escravo 2iogo, que ) homem j+ barbado e de corpo bem delgado! Comeou a provocar-me me apalpando com as mos! 2epois se lanou de costas com as pernas levantadas e de bruos sobre ele por minha vez me lancei, metendo meu membro duro no seu vaso inferior e dentro dele atingi a doura sem igual! VISITADOR - * quantas vazes depois6 MANCEBO - *u acho que mais de mil! VISITADOR '*rguendo-se, irado!( - 5ara uma s judia, no sei quantos enrabados! Gue vo todos pro infernoO &o quero ouvir ningu)m, j+ estou com os papos cheios!
- 3 menos que d i, (enhor Iisitante do (anto 3ficio que nos foi mandado pela (anta (), ) ser enrabado no lugar adequado! 5ois fique sabendo, o Iisitador, que h+, sem igual, uma dor maior de enrabao! #elhor ser na bunda que em nossa f)L melhor no furico que morrer de fome nas mos de um ricoL ) melhor no boga do que depender de um homem de togaL me deito na terra e dou de oferta o meu figueiredo mas o que no quero ) ir para a guerraL melhor tomar dentro que ser escorchado no dinheiro mandado para o al)m-mar, servir ao
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governo que mata de fome a quem fome tem morrer na cadeia sem caridade porque deu um brado pela liberdade! 9ma forma s 6 &o corpo da gente j+ de seu manchado6 3, no, Iisitante, h+ muitas maneiras de ser enrabado!
(ACUSADORES E ACUSADOS SE TRANSFORMAM VESTINDO OPAS DE DIVERSAS CONFRARIAS OU IRMANDADES. ENTOAM UM C7NTICO FNEBRE AO MESMO TEMPO EM QUE O VISITADOR DIRIGE$SE AO CATAFALCO QUE LHE FOI DESTINADO E NELE SE DEITA, MORTO.(
NOTRIO - H+ pouco mais de um m/s, e quase a estas mesmas horas, uma grande alma debatia-se na agonia da vida, quebrava os liames da e$ist/ncia humana, despia-se da cris+lida terrena, ascendia -s regi%es et)reas, voava pelos espaos incomensur+veis da eternidade, e ia repousar no seio misericordioso de 2eus! &essa hora solene, o clero brasileiro acabava de perder um dos seus primeiros ornamentos, a diocese de 5ernambuco uma das suas primeiras ilustra%es, a religio um dedicado defensor, a igreja um ilustrado e honrado servidor, o Brasil um consp'cuo cidado! Ws dez horas da noite do dia 4F de junho Hltimo, o Iisitador Heitor Furtado de #endona, que podia dizer-se o modelo dos filhos, o e$emplar dos irmos, o arqu)tipo dos sacerdotes, e o ideal do cidado modesto c benem)rito, tornou-se mais um santo para o c)u, e uma e$ist/ncia preciosa de
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menos neste mundo! " sua provecta idade de oitenta anos fazia esperar uma semelhante cat+strofeL mas h+ e$ist/ncias, por tal forma magn'ficas e queridas, que desej+vamos v/-las sempre em perp)tua primavera de vida, e de cuja morte no nos queremos consolar, como @aquel no queria ser consolada pela morte do filho estremecido! * ) este o condo das grandes almas! .odos as contemplam com orgulho, como se foram de parentes pr $imos e queridosL todos deploram igualmente a sua morteL porque todo o benem)rito da civilizao tem em si um no sei que de paternidade moral, que parece filiar todos os cora%es sens'veis e torn+-los como rfos das gl rias, que passam! &uma )poca em que o abastardamento dos costumes tem degenerado a pureza do sacerd cio, ) grato recordar, contemplar e preconizar um tipo imaculado, como este que acabamos de perderL porque na realidade o Iisitador Heitor Furtado de #endona, atravessando to longos anos das mais graves revoltas sociais, pol'ticas e eclesi+sticas, e colocado em posi%es to consp'cuas e dif'ceis, por tal forma palitou suas a%es, por tal forma conservou a integridade de seu car+ter esparciata, e finalmente foi por tal forma sobranceiro e honrado no cumprimento de seus deveres, que p,de grangear, fortificar, firmar e tornar inabal+vel o unSnime conceito de padre ilustrado, de homem pHblico virtuoso, de militar honrado! CORO - Basta, que basta, j+ estamos todos chorando tudo que dentro temos! NARRADOR '"nunciando!( - " primeira vida do Iisitador Heitor Furtado de #endonaO
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TICA,
INICIANDO
PROSSEGUINDO
PANTOMIMA
DA
INQUISI !O. COM E#CE ES A CRIT"RIO DO ENCENADOR REPETEM$SE AS CENAS A QUE J% ASSISTIMOS, APENAS COM GESTOS. " CLARO.(
CORO '2epois das cenas!( - " gl ria de 2eus pai, e da (anta =greja, foram e$aladas, senhores! com mortes, degola%es, pelo e$celso Iisitante Heitor *fe de #endona! NARRADOR 'Como antes!( - " segunda vida de Heitor Furtado de #endonaO 'Heitor substitui a m+scara7 agora ) a de uma ave de rapina, quer dizer, a de um governante dos tempos coloniais,(
PANTOMINA DO MANDO
(OS ATORES S!O OS MESMOS, SEM NENHUMA DIFEREN A. AS SITUA ES S!O OUTRAS. DURANTE TODO O TEMPO, HEITOR ESBRAVEJA SEM QUE SE OU AM AS PALAVRAS.( (SURGE HUMILDEMENTE DIANTE DO E#CELSO MANDAT%RIO QUE, AO LER SUA PETI !O, RASGA$A EM MIL PEDA OS. O HOMENZINHO, ENT!O, INSTIGADO PELO CORO, APRESENTA$LHE UM SACO CONTENDO DINHEIRO. O E#CELSO GOVERNANTE MUDA DE ATITUDE. RECOLHE OS PEDA OS DE PETI !O E NUM DELES, O MENOR TALVEZ, DESPACHA FAVORAVELMENTE, RECEBENDO O SACO DE DINHEIRO, ENTREGANDO AO PEDINTE O PEDACINHO DE
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PAPEL.(
CORO - Conselho dado de graa7 nunca v+ a um mandat+rio sem ter os bolsos fornidos de moeda, prata, ouro! ,8 PETICIONRIO - " mulher gr+vida7 nada mais nada menos que <amia, das atelanas, tirando do seu ventre, uma ap s outra, crianas que no foram por elas geradas! 3 governante, - proporo que a mulher vai tirando os filhos, agarra-os e jogaos num grande dep sito de li$o! CORO - #inha querida senhora, vai perder todos os filhos se no tiver pra tirarRdesse lugar malcheiroso notas de mil para cima!
(A MULHER, DESCONSOLADA, E#TRAI O LTIMO FILHO QUE O GOVERNANTE, SEGURANDO DELICADAMENTE PELA ORELHA, APESAR DO CHORO DESENFREADO DO REC"M$NASCIDO, JOGA NO LI#O.(
CORO - Foi resolvida, afinal, com muita sabedoria, saindo do bucho-li$o para a vasilha do li$o, a nossa demografia! -8 PETICIONRIO
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- *scoltado por dois soldados, um sujeito de p)s descalas, agrilhoado! 3 governante esbraveja, senta, levanta, volta a sentar, despacha furiosamente uma sentena que se presume seja de morte, no m'nimo de degr/do, que um dos soldados l/ sem que se oua a voz! 3 sujeito de p)s descalos ajoelha-se diante do governante que se limita a tirar c/ra dos ouvidos! 2epois, condescendente, pergunta se ele tem dinheiro, com o sinal caracter'stico7 esfregando o polegar no indicador! 3 sujeito de p)s descalos fica est+tico! CORO - &o quer entender6 &o sabe o que )6 &unca ouviu falar6 &o sabe o sinal para te salvar6
(O PETICION%RIO VOLTA$SE PARA O CORO E, INGENUAMENTE, LHE DIZ POR GESTOS QUE N!O TEM DINHEIRO. CONFORMADO COMO NINGU"M NO MUNDO, DIRIGE$SE AO CEPO, INDICADO PELO MANDANTE5 UM SOLDADO ERGUE O MACHADO E SUA CABE A ROLA.(
CORO - #uita caridade teve (eu Heitor7 quem no tem dinheiro s pode ser mesmo santo de andor! NARRADOR - " terceira vida de Heitor Furtado de #endonaO CORO - *ssa ) tirana
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*ssa ) bacana dela se ufana de tudo tem gana o cabra sacanaL o cabra sacanaL o cabra sacana!
(HEITOR MUDA A M%SCARA. AGORA, " A DE UM PAPAGAIO, MAS A DE UM PAPAGAIO AGRESSIVO. TODOS OS SONS QUE EMITE N!O S!O ENTENDIDOS, MAS QUE IMPORTA0 O VERDE " SUA COR DOMINANTE. PASSEIA, COM CAD*NCIA MILITAR, DE UM LADO PARA O OUTRO, V%RIAS VEZES, ACOMPANHADO PELO CORO. HEITOR GRASNA, O CORO ENTENDE. FAZEM E#ERCCIOS AO SOM DO GRASNAR DE HEITOR. DEPOIS, PERFILAM$SE. HEITOR PASSA EM REVISTA A TROPA5 HEITOR SENTA$SE E ENTREGA UM PAPEL AO SEU AJUDANTE DE ORDENS, QUE SAI, OUVINDO$SE, LOGO DEPOIS, UMA SARAIVADA DE TIROS DE FUZIL5 HEITOR FINGE APARECER NA SACADA DE UM PAL%CIO, ERGUE A M!O NA SAU$ DA !O FASCISTA, A MULTID!O ULULA5 HEITOR FAZ UM GESTO, PEDINDO SIL*NCIO E, PELA PRIMEIRA VEZ, OUVE$SE O QUE ELE DIZ.(
(UM TIRO. HEITOR, FERIDO DE MORTE, CAMBALEIA, DIRIGE$SE AO CATAFALCO 6 ANTES TIRA A M%SCARA 6 E DEITA$SE.(
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CORO -,*ram muito menos padres que bachar)is de batina os estudantes de 3linda7 semin+rio liberal de "zevedo Coutinho @esultado disto tudo7 revoluo preparada para tomar o Brasil um pa's independente do mando de al)m-mar! NARRADOR 'Jritando!( - @evoluo fracassadaO
(O CORO SE TRANSFORMA EM SOLDADOS. HEITOR FURTADO DE MENDON A SAI DO SEU CATAFALCO, ESPADA EM PUNHO, GARBOSO NO SEU UNIFORME MILITAR. TRAVAM COMBATE COM OS PADRES QUE NADA PODEM FAZER: FOGEM OU CAEM MORTOS. ESCAPA APENAS UM QUE VAI RECUANDO PARA O FUNDO DO PALCO ENQUANTO TODOS RECUAM PARA O PROSC*NIO, ABRINDO$SE EM LEQUE. O PADRE EST% COLADO ) PAREDE DO FUNDO, OS BRA OS AO LONGO DO CORPO. HEITOR ERGUE MAIS ALTO A ESPADA.(
(OS FUZIS S!O DISPARADOS. O PADRE N!O CAI LOGO. CONSEGUE AINDA ESTENDER UM BRA O E NELE VEM POUSAR UMA POMBA BRANCA. ESCURECIMENTO.(
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O FIM
(NOS JORNAIS, NOTCIAS E AVISOS SOBRE 3BACHAR"IS FOR$ MADOS4, 3DOUTORES4 E AT" 3SENHORES ESTUDANTES4, PRINCIPIARAM DESDE OS PRIMEIROS ANOS DO S"CULO #I# A ANUNCIAR O NOVO PODER ARISTOCR%TICO QUE SE LEVANTAVA, ENVOLVIDO NAS SUAS SOBRECASACAS OU NAS SUAS BECAS DE SEDA PRETA, QUE NOS BACHAR"IS$MINISTROS TORNAVAM$SE OU NOS DOUTORES$DESEMBARGADORES, BECAS
3RICAMENTE BORDADAS4 E IMPORTADAS DO ORIENTE. VESTES QUASE DE MANDARINS. TRAJOS QUASE DE CASTA. E ESSES TRAJOS CAPAZES DE ARISTOCRATIZAREM HOMENS DE COR, MULATOS, 3MORENOS QUEM ESCAPA DE NEGRO, BRANCO ". O MULATO BRASILEIRO (...( ERA MAIS UM PRODUTO DAS CIDADES E DAS FAZENDAS DO LITORAL QUE DO INTERIOR MAIS AFASTADO OU DO SERT!O. E SUAS FUN ES, AQUELAS QUE O NDIO N!O DESEMPENHAVA, POR SER MUITO INDOLENTE, O NEGRO POR N!O TER A PRECISA INTELIG*NCIA, O BRANCO PARA N!O DESCER DA SUA DIGNIDADE. 6 ASSIM DIZIA D9ASSIER, EM -:;/.
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NARRADOR - 3s bachar)is e doutores iam chegando de Coimbra, de 5aris, da "lemanha, #ontpellier, *dimburgo, depois saindo de 3linda, de (o 5aulo, da Bahia, todos uns sofisticados, trazendo com seu verdor as id)ias dos ingleses, e as modas dos franceses, aqui vindo acentuar nos seus pais, nos seus av s dos sobrados, dos engenhos, no somente o desprest'gio da idade patriarcal como a inferioridade de matut%es atrasados! "o segundo imperador 1 primeiros anos de mando 1meninote meio pedante presidindo gabinetes de velhos acaboclados, at) mesmo amulatados, at) matutos sensatos, mas sem cultura francesa, talvez apenas latina aprendida a palmat ria, ao segundo imperador devia atrair, eu digo, nos bachar)is e doutores, no somente a simpatia dessa mesma juventude mas tamb)m sua cultura de proced/ncia europ)ia! &ingu)m foi mais bacharel e ningu)m foi mais doutor em nosso pa's amado do que (ua #ajestade o 2outor 5edro (egundo! Com seu reinado de an)is7 reinado dos Bachar)is! O PAPAGAIO '2o seu poleiro!( - Guousque tandem, abutere, Catilina, patientia nostra6 'Jargalhada!( "llons, enfants, de la patrieO <a lune est tr/s jolie! <e lion est le roi des animau$, etc! '"brindo a!!!( CAN#O 2OS BACHARIS - Iemos nos homens pardos, pretos, tintos e tostados nos negros, 'ndios, mestios 1 fortes braos no trabalho 1os que constr em o Brasil7 mudam as correntes dos rios e l+ vo rasgando as serras, sempre armados de pesada alavanca e duro malho! &ossa voz ) a primeira que e$alta esse trabalho e essa
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ao criadora do prolet+rio mestio na formao nacional! UM BACHAREL - =nconfid/ncia #ineiraO CORO - @evoluo de bachar)isO OUTRO BACHAREL - .odas as revolu%es de bachar)is foram elas! CORO - Bachar)is com an)isL bachar)is com as modasL bachar)is de id)iasL bachar)is da *uropaL bachar)is do BrasilL bachar)is mais de milL bachar)is pra lutarL bachar)is 1 reformarL 1bachar)is de ao, cidados, formando revolu%esL %es, %es, %es, %es! '2anam!( NARRADOR - #as em qualquer uma dessas revolu%es, se porventura tivesse triunfado o ideal revolucion+rio, teria talvez se verificado, dentro da vit ria, o choque entre os partid+rios da independ/ncia que visaram interesses de produtores de aHcar ou de mineradores e os partid+rios da independ/ncia por motivos menos econ,micos e mais ideol gicos, ou, pelo menos, de natureza mais psicol gica ou mais sociol gica do que econ,mica! *ntre estes estariam os bachar)is7 grande nHmero deles! 5rincipalmente os bachar)is mulatos ou :morenos;! * estariam tamb)m os que, sem serem bachar)is nem doutores, como .iradentes, tinham como ele, alguma coisa de doutor, sendo :dentistas; e
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curandeiros, e no apenas mascates, bacharelescamente ret ricos! Jente de meia-raa a fazer as vezes de classe m)dia! OS BACHARIS - @evolu%es, %es, %es, %es, %es, ARRUDA C$MARA - 3 meu afrancesamento no deu pra que eu perdesse o sentido social
daqui do nosso Brasil que j+ de muito mulato passou at) para pardo! " nossa revoluo que haver+ de separar o Brasil de al)m-mar ser+ a reconstruo de toda a sociedade! * nessa reconstruo o melhor ajustamento entre donos e oprimidos7 homens brancos e de cor! ANT%NIO CARLOS - *u tamb)m sou partid+rio da total =ndepend/ncia, mas tenho at) horror f'sico a uma revoluo de ide logos radicais, como a tal de dezessete, capaz de vir derrubar minha ordem de nobreza, ficando em p) de igualdade, ficando a par da canalha, ral) de todas as cores! CORO - Carta-testamento de "rruda CSmara, dei$ada para o 5adre ?oo @ibeiro, seu disc'pulo, datada de =tamarac+, em 4 de outubro de AMAQ! NARRADOR - 3 pobre padre cuja cabea de sonhador sete anos depois ia apodrecer espetada num pau, para servir de e$emplo aos revolucion+rios!
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CORO - Carta-testamento! .recho da carta-testamento7 :"cabem com o atraso da gente de corL isto deve cessar para que logo seja necess+rio se chamar aos lugares pHblicos, haver homens para isto, porque jamais pode progredir o Brasil sem eles intervirem coletivamente em seus neg ciosL no se importem essa canalhada e absurda aristocracia :cabund+; que h+ de sempre apresentar fHteis obst+culos! Com monarquia ou sem ela deve a gente de cor ter ingresso na prosperidade do Brasil;! MELO MORAIS - *u recordo com saudade meus velhos tempos de moo, o prest'gio que se tinha, o bom senso na ger/ncia do nosso Brasil col,nia! "gora, esses novos tempos, X que horror dos horrores, so tempos dos bachar)is e todos afrancesados, somente puros letrados! CORO - @evolu%es, %es, %es, %es, %es! NARRADOR - ?+ em pleno funcionamento as Faculdades de 2ireito do @ecife e de (o 5aulo, - frente da administrao das prov'ncias e nas maiores responsabilidades pol'ticas e de governo comearam a s aparecer homens formados! 3s edif'cios onde foram se instalando as sedes de governo e as reparti%es pHblicas mais importantes 1 uns novos, em estilo franc/s ou italiano, 3utros, antigos casar%es de convento ou de patriarca rico adaptados burocracia do =mp)rio 1 principiaram a avultar na paisagem brasileira! "o mesmo tempo, comearam a ir diminuindo de tamanho as casas-grandes dos
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particulares7 dos capites, dos brigadeiros, dos senhores de escravos! JOS DA NATIVIDADE SALDANHA - (ou tipo do insubmisso! (ou dos bachar)is mulatos que em vez dos meios macios preferem a insubmisso! Fui filho de padre, estudei pra padre mas me rebelei contra o (emin+rio! *u fui para Coimbra e l+ estudei e l+ me formei, sempre insubmisso! * quando se publicou minha sentena de morte, por ter sido revoltoso l+ no cho de 5ernambuco, eu comentei, aqui de Caracas, pra onde fugi, a sentena de #aTer 1 ser+ alemo6 s sei que ) branco 1na qual me chamava tamb)m de mulato7 :'!!!( esse tal mulato (aldanha era o mesmo que adquirira pr/mios quando ele #aTer tinha aprovao por empenho e quando o tal mulato recusava o lugar de auditor de guerra em 5ernambuco ele o alcanava por bajulao!; CORO '(aindo!( - @evoluo, o, o, o, o, NARRADOR - #iscigenaoO o, o, o, o, '"nunciando7(
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A branco com uma negra produz mulato7 metade branco, metade preto! A branco com uma mulata produz quarto7 tr/s quartos branco, e um quarto negro! A branco com uma quarto produz outo7 C_M branco e A_M negro! A branco com uma outona produz branco7 inteiramente branco!
TABUADA DAS MISTURAS PARA FICAR NEGRO A branco com uma negra produz mulato7 metade negro e metade branco! A negro com uma quarto produz outo7 C_M negro e A_M branco! A negro com uma outona produz negro7 inteiramente negro!
(DURANTE A FALA QUE SE SEGUE V%RIOS ATORES MIMAM A CENA. O NARRADOR ASSUME UMA ATITUDE PROFESSORALMENTE PRETENSIOSA.(
NARRADOR - Hrdli)^a, em estudo de antropologia comparada, atribui ao negro, em geral, superioridade no tamanho dos rgos se$uais! 5rumer BeT 2uc^0orth e
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>opernic^i talvez sejam os autores que mais contribu'ram para a verso >d?une grandeur e.traordinaire, desmesur#s, du enis chez le n/gre;! 5ales encontrou realmente negros de > enis volumineu., 'ors des ce ra ro ortions 'abtuelles@, acrescentando, no entanto, que >iia des blancs "ui nRont rien A leur envier sous ort@. 9m m)dico do tempo do =mp)rio voltado para estudos desse g/nero chegou, talvez precipitadamente, - concluso de ser o p/nis do africano '!!!( geralmente volumoso, pesado, quando em placidezL ganhando pouco em dimens%es quando em orgasmo;, sem atingir a :completa rigidez;! 2a' :a fecundao quase improv+vel do negro coabitando com a mulher de raa branca
(D% UMA GRANDE GARGALHADA E DA EM DIANTE TOMA$SE CHOCARREIRO. OS ATORES CONTINUAM A MIMAR A CENA.(
NARRADOR - 5ara Ber^eleT Hill parece evidente que tanto o homem como a mulher, mas especialmente a mulher, a branca e fina, a f/mea que ele chama :tipo racialmente superior suscet'vel de tornar-se presa da mais forte atrao se$ual por indiv'duo de tipo racialmente mais primitivo;! 2a', furioso ciHme ou inveja se$ual do macho de raa adiantada com relao ao de raa primitiva, que e$plicaria, junto com motivos de ordem econ,mica, certos dios de raa! 5rincipalmente da parte do macho branco com relao ao macho de cor!
BAL DOS MOCAMBOS - 3s mulatos vo saindo em grande nHmero dos mocambos, misturados a
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imigrantes portugueses e italianos de braos dados com pretas e pardas! "s pretas lavam roupas, f azem bolos, doces, quitutes, fabricam bonecas de pano! *nquanto isso, os portugueses e italianos vo bolinando-as! 3s mulatos tocam violo, brigam com brancos, apresentam-se como capangas de chefes pol'ticos, como malandros, jogam dados! "s mulatas so, visivelmente, prostitutas! *stes so os mulatos e as mulatas dos mocambos, desfavorecidos! socialmente, sobre eles agindo poderosamente o desfavor das circunstSncias sociais, predispondoos ao estado de flutuao e de inadaptao aos quadros normais de vida e de profisso, ao de inconstSncia no trabalho, ao de rebeldia a esmo! (urgem tamb)m os moleques, travessos, roubando frutas, doces e bolos dos tabuleiros das :baianas;, das quitandas dos portugueses, voltando-se depois para a fachada do sobrado e nele jogando pedras! 2epois, no muro do sobrado, a carvo, comeam a fazer caricaturas dos senhores, das iai+s, das sinhazinhas, a desenhar grotescamente p/nis e vaginas, um negro copulando uma branca, palavr%es! *m dado momento, todos eles se voltam para o sobrado, desabotoam a braguilha e mijam abundantemente no muro e nas grades! "bre-se o sobrado para a CELEBRA#O FINAL - " sala do sobrado, totalmente despojada! (omente nas paredes os retratos da fam'lia e no centro a grande cama de jacarand+ onde o (enhor est+ morrendo! " cena ) t'pica7 pessoas da fam'lia, um padre, servidores! *le geme um pouco alto, at) que seus gemidos so abafados pelas vozes das carpideiras cantando uma e$cel/ncia! CARPIDEIRAS - #aria, valei-nos! esse moribundo vinde socorrer! Iosso amor se empenha , Iirgem da 5enha, 5enha que manda na fonte vital!
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SENHOR '&um berro, que faz as carpideiras se calarem!( - " mulatinha .onhetaO 'Consegue elevar ainda mais a voz!( .ragam-me a mulatinha .onhetaO
(MOVIMENTO. TONHETA ENTRA. H% UM SIL*NCIO MUITO GRAN$ DE. ELA SE APRO#IMA DA CAMA. O SENHOR AINDA TEM OLHOS PARA V*$LA. SORRI. ESTENDE$LHE A M!O. ELA SE APRO#IMA AINDA MAIS. ELE FAZ COM QUE ELA SE SENTE NA CAMA. VAGAROSAMENTE, SUA M!O VAI ERGUENDO A SAIA DA MULATA. AS CARPIDEIRAS RECOME AM O CANTO ) BOCA FECHADA. O SENHOR DESCOBRIU O SE#O DA TONHETA. PARA TODOS, " COMO SE NADA ESTIVESSE ACONTECENDO. O SENHOR, COM TODA A DELICADEZA DE SUA M!O TR*MULA, COME A A ACARICIAR O SE#O DA MULATA. UM LONGO MOMENTO ASSIM: DE CARCIA E CANTO ) BOCA FECHADA. REPENTINAMENTE, O SENHOR SE ERGUE UM POUCO, SUA M!O SE IMOBILIZA NO SE#O DE TONHETA E ELE SE DESPEDE NUM LAMENTO:(
CARPIDEIRAS - (alve, , me de 2eus, @ainha (uprema sobre os anjos sois, sois #e de conc rdia, de miseric rdia, sois vida, doura, esperana sois!
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(NINGU"M SE ME#E. DE MUITO LONGE, IRROMPE, RUM RITMO ALUCINANTE DE GUITARRAS EL"TRICAS, UMA MSICA TROPICAL DO S"CULO ##.(
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