Dossiê Psicologia e Dor
Dossiê Psicologia e Dor
Dossiê Psicologia e Dor
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ISSN 1413-389X
Sociedade Brasileira de Psicologia
ISSN 1413-389X
Temas em Psicologia So Paulo N
o
2 pp. 265-522 2010
ISSN 1413-389X
Temas em Psicologia
Sociedade Brasileira de Psicologia
Temas em Psicologia
Volume 18 Nmero 2 2010
Editor Responsvel
Gerson Yukio Tomanari (USP)
Editor Convidado
Antonio Bento Alves de Moraes (UNICAMP)
Conselho Editorial
derson Luiz Costa Junior (UnB)
Ana Maria Almeida Carvalho (UCSAL BA)
Csar Alexi Galera (USP-RP)
Emmanuel Zagury Tourinho (UFPA)
Isolda Arajo Gnther (UnB)
Jeferson Machado Pinto (UFMG)
Joo Edenio Reis Valle (PUC-SP)
Luis Alberto Hanns (USP)
Magda Diniz Bezerra Dimenstein (UFRN)
Mrcia Regina Pedromnico (UFSP)
Marcus Vinicius da Cunha (USP-RP)
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Maria do Carmo Guedes (PUC-SP)
Maria Lcia Castilho Romera (UFU)
Marisa Japur (USP-RP)
Ricardo Gorayeb (USP-RP)
Slvia Helena Koller (UFRGS)
A revista Temas em Psicologia uma publicao
da Sociedade Brasileira de Psicologia. Divulga
trabalhos originais na rea de Psicologia, tais
como relatos de pesquisa, estudos histricos /
tericos / conceituais, anlises de experincia
profissional, revises crticas da literatura, notas
tcnicas.
A Sociedade Brasileira de Psicologia associada
Associao Brasileira de Editores Cientficos
(ABEC) e Associao Brasileira de Editores
Cientficos de Psicologia (ABECiP).
Indexadores:
Index Psi Peridicos (BVS-Psi)
Latindex
Peridicos Eletrnicos em Psicologia (Pepsic)
Sociedade Brasileira de Psicologia
Rua Florncio de Abreu, 681 / 1105 Centro
CEP: 14015-060 Ribeiro Preto SP Brasil
Fone/Fax: (16) 3625-9366
Revista Temas em Psicologia
www.sbponline.org.br
E-mail: [email protected]
Comisso Editorial
Gerson Yukio Tomanari (USP)
Maria Amalia Andery (PUC-SP)
Srgio Vasconcelos de Luna (PUC-SP)
William Gomes (UFRGS)
Assistncia Comisso Editorial
Alessandra Villas-Bas
Cnthia Freire Stecchini
Revisoras Tcnicas de Redao
Amanda Afonso de Matos
Grace Alves da Paixo
Diretoria da Sociedade Brasileira de Psicologia
Gesto 2010 2011
Presidente
Paula Inez Cunha Gomide (Fepar)
Vice-Presidente
Lucia C. de A. Williams (UfsCar)
Secretrio Geral
Pedro Humberto F. Campos (PUC-Gois)
Primeira Secretria
Maria Beatriz M. Linhares (USP-RP)
Segundo Secretrio
Marcelo F. Benvenuti (UnB)
Primeira Tesoureira
Maria Cristina Antunes (UTP)
Segunda Tesoureira
Ruth Estevo (USP-RP)
Temas em Psicologia /Sociedade Brasileira de Psicologia
V.1 n.1 (1993 - ) - Ribeiro Preto [SP, Brasil]: Sociedade
Brasileira de Psicologia, 1993 -
Semestral
ISSN 1413-389X
Trimestral: 1993-2002; Semestral: 2003-
1.Psicologia - peridicos. 1 Sociedade Brasileira de Psicologia
CDD 150.5
Temas em Psicologia, J ul/Dez 2010, 18(2), pp. 265-522
Publicado em dezembro de 2010 janeiro de 2011
ISSN 1413-389X
Temas em Psicologia
Volume 18 Nmero 2 2010
Sumrio
271 Editorial
277 Sociedade Brasileira de Psicologia, 40 anos: da semente aos frutos
Vera Regina Lignelli Otero
Dossi "Psicologia e Dor"
283 Sensibilidade, felicidade e cultura
Jos Antnio Damsio Abib
295 A dor peditrica associada a procedimentos mdicos: contributos da psicologia
peditrica
Lusa Barros
307 Dor em neonatos e crianas: avaliao e intervenes no farmacolgicas
Maria Beatriz Martins Linhares e Fernanda Nascimento Pereira Doca
327 Comportamento de dor: anlise funcional e alguns dados experimentais
Maria Helena Leite Hunziker
335 Tratamento psicolgico em grupo para dor crnica
Daiane Soares Silva, Eliana Porto Rocha e Luc Vandenberghe
345 Dor em oncologia: intervenes complementares e alternativas ao tratamento
medicamentoso
Karen Mendes Graner, Aderson Luiz Costa Junior e Gustavo Sattolo Rolim
357 Anlise funcional da dor na sndrome do intestino irritvel
Lincoln da Silva Gimenes e Carlos Henrique Bohm
367 Experincia de Dor e Variveis Psicossociais: o Estado da Arte no Brasil
Fabrcio Fernandes Almeida, derson Luiz Costa Junior, Fernanda do
Nascimento Pereira Doca e Virgnia Turra
377 Mensurao da dor rememorada em crianas de escola: diferenas segundo a
idade e o gnero
Claudia L. E. Charry e Jos Aparecido Da Silva
385 Reflexes sobre o sofrimento humano e a anlise clnica comportamental
Ftima Cristina de Souza Conte
399 Fibromialgia e Estresse: explorando relaes
Maria de Jesus Dutra dos Reis e Laura Zamot Rabelo
415 Sndrome da fadiga crnica: a perspectiva analtico-comportamental de um
caso clnico
Regina Christina Wielenska e Roberto Alves Banaco
425 Pain and behavior after 25 years
Howard Rachlin
429 Dor e comportamento
Howard Rachlin
Artigos
449 Cncer de mama: consequncias da mastectomia na produtividade
Rita de Cssia Gandini
457 A experincia da Vinculao e o Acolhimento Familiar: reflexes, mitos e
desafios
Paulo Delgado
469 Credulidade e Efeito Barnum ou Forer
Guenia Bunchaft e Helmuth Krger
481 Influncia social na soluo de problemas: uma reviso a partir da psicologia
comparada
Briseida Dogo Resende
491 Algumas consideraes sobre o pequeno Albert
Paola Bisaccioni e Marcus Bentes de Carvalho Neto
499 Avaliao da parentalidade no quadro da proteo infncia
Dora Pereira e Madalena Alarco
ISSN 1413-389X
Temas em Psicologia
Volume 18 Nmero 2 2010
Contents
271 Editorial
277 Brazilian Psychological Society, 40 years: From the seeds to the
fruits
Vera Regina Lignelli Otero
Dossier: "Psychology and Pain"
283 Sensibility, happiness and culture
Jos Antnio Damsio Abib
295 Procedural Pediatric Pain: Contributions from Pediatric Psychology
Lusa Barros
307 Pain in neonates and children: Assessment and non-pharmacological
interventions
Maria Beatriz Martins Linhares and Fernanda Nascimento Pereira Doca
327 Pain behavior: Functional analysis and some experimental data
Maria Helena Leite Hunziker
335 Psychological treatment for chronic pain
Daiane Soares Silva, Eliana Porto Rocha and Luc Vandenberghe
345 Oncology pain: Complementary and alternatives interventions to drug
treatment
Karen Mendes Graner, Aderson Luiz Costa Junior and Gustavo Sattolo Rolim
357 Functional analysis of pain in irritable bowl syndrome
Lincoln da Silva Gimenes and Carlos Henrique Bohm
367 Pain Experience and Psychosocial Variables: The state of the art in Brazil
Fabrcio Fernandes Almeida, derson Luiz Costa Junior, Fernanda do
Nascimento Pereira Doca and Virgnia Turra
377 Measurement of remembered pain in school-age children: Gender and age
differences
Claudia L. E. Charry and Jos Aparecido Da Silva
385 Reflections about Human Suffering and Clinical Behavior Analysis
Ftima Cristina de Souza Conte
399 Fibromyalgia and Stress: Exploring relations
Maria de Jesus Dutra dos Reis and Laura Zamot Rabelo
415 Chronic fatigue syndrome: A behavior analytical perspective of a clinical report
Regina Christina Wielenska and Roberto Alves Banaco
425 Pain and behavior after 25 years
Howard Rachlin
429 Pain and behavior
Howard Rachlin
Articles
449 Breast cancer: Commitment to work mastectomys consequences
Rita de Cssia Gandini
457 Attachment experience and Foster Care: Reflections, Myths and challenges
Paulo Delgado
469 Credulity and Barnum or Forer Effect
Guenia Bunchaft and Helmuth Krger
481 Social influence in problem solving: A review from comparative psychology
Briseida Dogo Resende
491 Some considerations about little Albert
Paola Bisaccioni and Marcus Bentes de Carvalho Neto
499 Parenting assessment in child protection
Dora Pereira and Madalena Alarco
Editorial
com um prazer sem tamanho que hoje publicamos o segundo
nmero do dcimo oitavo volume de Temas em Psicologia, ano 2010. Aps
anos acumulando dificuldades que fizeram com que a periodicidade da
revista ficasse prejudicada, lanamos neste ms de dezembro de 2010 o
fascculo que inaugura a nova fase da revista, a fase das publicaes em dia.
Conscientes do papel de Temas para a Psicologia brasileira, esse um fato
marcante e merecedor de comemorao.
Um outro fato a ser amplamente comemorado a publicao digital
de todos os artigos de Temas, desde seu primeiro nmero. Na base de dados
Pepsic, os artigos completos podem ser recuperados livremente. Com essa
iniciativa da Diretoria da SBP, financiadora desse trabalho caro e laborioso,
colocamos disposio de toda comunidade, de forma gratuita e imediata,
artigos com grandes contribuies cientficas, cujo acesso restringia-se aos
volumes impressos nas estantes das bibliotecas.
Essas excelentes notcias chegaram em um bom momento. Neste ano
de 2010, a SBP comemora seus 40 anos de existncia. Para contar com
muita emoo um pouco dessa histria, Vera Otero, scia fundadora da SBP,
nos presenteia com um texto repleto de emoo, carinho e esperana a
respeito do futuro da nossa Sociedade.
Por fim, Temas em Psicologia traz tambm uma srie de artigos que
compem um nmero especial sobre Psicologia e Dor, organizado pelo
professor Antnio Bento Alves de Moraes, um amigo e membro engajado na
construo da SBP desde as suas origens.
Com os votos de uma proveitosa leitura,
Gerson Yukio Tomanari
Editor Responsvel
Dezembro de 2010
Apresentao do Dossi: Psicologia e Dor
A idia da preparao de um nmero especial para o peridico Temas
em Psicologia abordando Dor e Psicologia surgiu no mbito do Conselho
da SBP dado o reconhecimento das atuais contribuies cientficas de
pesquisadores nacionais e internacionais sobre esta temtica. notria a
necessidade de agregar e valorizar pesquisas e intervenes que lidam com a
dor. Este nmero especial orgulha-se por apresentar trabalhos tericos,
empricos, clnicos e, porque no, histricos; como tambm, por ter
conseguido compor uma diversidade de estudos realizados com as mais
diversas faixas etrias e com diferentes doenas.
A Psicologia e Dor representam uma interface que tem interessado
clnicos e pesquisadores de muitas reas das cincias humanas e biolgicas.
A dor um fenmeno complexo multideterminado por variveis biolgicas,
psicolgicas e sociais sendo entendida em diversos nveis da interao do
sujeito com o seu ambiente. Este fenmeno normalmente ocorre diante de
uma leso tecidual, porm esta mesma pode no ocasionar necessariamente
a dor, como por exemplo, quando tcnicas anestsicas ou comportamentais
so utilizadas. Os estudos apontam que a dor no simplesmente uma
funo da quantidade de dano corporal, mas uma experincia
desagradvel que afeta o indivduo como um todo desde um mero
desconforto at uma limitao total de suas atividades ( Melzack,1961).
O presente nmero agrega 14 textos sendo uma traduo de um texto
histrico sobre o tema e um comentrio deste, trs textos tericos, quatro
textos sobre aspectos gerais sobre as intervenes e cinco textos sobre
intervenes especficas. Destes, dois trabalhos representam contribuio de
autores estrangeiros. O prof. Howard Rachlin da State University of New
York e a prof Maria Luiza Torres Queiroz de Barros da Universidade de
Lisboa apresentam aspectos fundamentais da dor que permitem ao leitor
compreender a extenso e a importncia dos estudos deste fenmeno para a
Psicologia.
Rachlin comenta em seu artigo Pain and behavior after 25 years o
seu texto original Pain and Behavior, publicado em 1985 em Behavioral
and Brain Sciences, que representou uma viso comportamental inovadora
para a poca sobre o assunto, e, tem importncia ainda atual para a
compreenso da dor segundo uma perspectiva analtico comportamental.
Luiza Barros em seu texto A dor peditrica associada a
procedimentos mdicos: contributos da psicologia peditrica sustenta que a
dor associada a procedimentos uma experincia de sofrimento freqente
1
na infncia, que tem sido tradicionalmente sub-avaliada e sub-tratada. A
no utilizao de estratgias cognitivo-comportamentais eficazes para
controle da dor durante os procedimentos invasivos expe a criana a
sofrimentos desnecessrios e riscos para seu desenvolvimento.
Jos Antnio Damsio Abib, em seu artigo Sensibilidade, Felicidade
e Cultura, reflete a questo da sensibilidade como: Suscetibilidade,
Sentimento e Projeto de desenvolvimento humano. Para o autor as relaes
entre a sensibilidade e o comportamento produzem conseqncias no
mundo, que, por sua vez, as fortalecem, as enfraquecem ou as modificam.
Um projeto de educao da sensibilidade pressupe uma nova sensibilidade
educada para conseqncias distantes no tempo, para a qual o processo
psicolgico bsico a imaginao. Assim parece crucial imaginar situaes
que nos levem a querer acariciar as pessoas e dizer-lhes coisas boas ao invs
de querer mat-las? Com tambm aprender a suportar dores inevitveis e
rejeitar prazeres imediatos artificialmente criados por uma sociedade de
consumo.
Ftima Cristina de Souza Conte em seu artigo Reflexes sobre o
Sofrimento Humano e a Anlise Clnica Comportamental baseia-se nas
contribuies da Anlise do Comportamento sobre a relevncia do
comportamento verbal e da linguagem, que permitem aos clnicos
procederem a anlises das especificidades do sofrimento. Assumindo a
premissa de que o sofrimento humano um fenmeno complexo,
essencialmente verbal e, portanto, especfico para a espcie humana, o
artigo apresenta um aporte terico original que tem sido referido como a
terceira onda em Analise Clnica do Comportamento.
Maria Helena Leite Hunziker em Comportamento de dor: anlise
funcional e alguns dados experimentais desenvolve seu texto a partir de
uma perspectiva comportamental, que compreende dor/sofrimento como
diferentes classes de respostas. A autora assume como ponto de partida a
concepo de que a dor comportamento e que este no sempre
diretamente acessvel a outros indivduos (o que isto dificulta, mas no
impede seu estudo). Coerente a uma postura skinneriana reafirma que os
comportamentos encobertos obedecem s mesmas leis que regem os
comportamentos pblicos. Assim, a dor pode ser analisada como parte de
diferentes processos comportamentais que interagem continuamente. Nesta
anlise a dor parte de uma cadeia comportamental onde cada elo pode ter
funes mltiplas. Assim, a dor pode ser uma resposta que controlada pelo
antecedente e pelo conseqente e pode tambm exercer funes de estmulo
antecedente e conseqente para outras respostas, bem como ser uma
operao estabelecedora para reforamento.
2
Maria Beatriz Linhares e Fernanda Doca no artigo Dor em neonatos
e crianas: avaliao e intervenes no-farmacolgicas elaboraram um
texto extensivo no qual mostram a dor como uma experincia subjetiva, que
pode ser mensurada por meio de auto relato , observao e sinais objetivos
de alterao fisiolgica e comportamental. Diversas intervenes no-
farmacolgicas tem se mostrado eficazes para o alvio da dor, como por
exemplo: solues adocicadas (sacarose e glicose) e contato pele-a-pele, para
neonatos, e intervenes cognitivas e comportamentais (distrao e
relaxamento), para crianas. Entretanto, os autores salientam que o
conhecimento emprico produzido ainda no se dissemina de modo
generalizado a avaliao e manejo de dor em situaes clnicas.
Fabrcio Fernandes Almeida, derson Luiz Costa Jnior, Fernanda
do Nascimento Pereira Doca e Virgnia Turra em Experincia de Dor e
Variveis Psicossociais buscam mapear os estudos psicolgicos brasileiros
sobre dor, atravs de metodologia padronizada, realizando a anlise de 14
artigos, provenientes de 32 peridicos QUALIS A, conforme classificao da
CAPES, bem como artigos publicados na Revista Dor. Os autores indicam
que a Psicologia brasileira no tem ocupado seu espao nesse campo e que,
em discordncia com a necessidade apontada pela literatura da rea, os
artigos identificados analisam um pequeno nmero de variveis
psicossociais relevantes para o estudo da dor.
Karen Mendes Graner, Aderson Costa Jr e Gustavo Sattolo Rolim em
Terapias complementares e alternativas da dor em Oncologia discutem a
dor associada a neoplasias. Em oncologia a dor constitui uma das queixas
mais freqentes dos pacientes e uma varivel peculiar que requer
tratamento adequado. Os autores apresentam algumas tcnicas
complementares e alternativas que podem ser utilizadas por profissionais
de sade como relaxamento, visualizao, distrao dirigida, biofeedback,
respirao profunda, grupos educativos, modelao, sistemas de
recompensas (reforo positivo) e ensaio de comportamentos
Daiane Soares Silva, Eliana Porto Rocha e Luc Vandenberghe em
Tratamento psicolgico em grupo para dor crnica descrevem em um
trabalho com grupos algumas dimenses de contedo verbal que so
importantes numa terapia para dor crnica. A analise dos dados indica
quatro categorias: convivncia com a dor; problemas do cotidiano; interao
com terapeutas e processos de interao ao vivo entre participantes. Parece
que a terapia em grupo no s ensina o individuo a lidar com a dor, mas
aborda uma variedade de aspectos pessoais e sociais que influenciam a dor
crnica.
3
Lincoln da Silva Gimenes e Carlos Henrique Bohm em Anlise
funcional da dor na sndrome do intestino irritvel exploram a dor ou
desconforto abdominal como sintomas recorrentes na Sndrome do Intestino
Irritvel. O texto descreve a sndrome destacando aspectos relacionados com
o sintoma da dor e apresenta algumas formas de interveno utilizadas para
o seu controle. A dor, apesar de ser utilizada topograficamente como critrio
sintomtico, requer uma anlise funcional cuidadosa para sua compreenso
e, conseqentemente, no deve ser tratada com intervenes tpicas, mas
com intervenes sistmicas.
Maria de Jesus Dutra dos Reis e Laura Zamot Rabelo em
Fibromialgia e Estresse: Explorando relaes investigam possveis
correlaes entre estresse, transtornos fsicos e/ou mentais e diferentes
formas de vitimizao em pacientes com fibromialgia. Categorias de
vitimizao na infncia foram positivamente relacionadas ansiedade e/ou
depresso. A vitimizao na infncia e o trabalho infantil foram
correlacionados a um maior nmero de doenas na vida adulta, enquanto o
abuso fsico foi positivamente associado doenas msculo-esquelticas.
Regina Christina Wielenska e Roberto Alves Banaco em Sndrome
da fadiga crnica: a perspectiva analtico-comportamental de um caso
clnico indicam que a literatura acerca do tratamento da sndrome da
fadiga crnica recomenda uma abordagem psico- educacional de pacientes e
suas famlias como poderoso recurso para combater a discriminao dos
clientes e a piora dos sintomas como dor e fadiga. Terapias nas abordagens
cognitiva e comportamental visam promover a atividade fsica regular e
moderada, identificar e intervir sobre estressores psicolgicos e a aceitao
da SFC como uma condio mdica que pode propiciar oportunidades para
uma vida significativa e satisfatria.
Claudia L. E. Charry e Jos A. Silva em Mensurao da Dor
Rememorada em Crianas de Escola: Diferenas Segundo a Idade e o
Gnero examinam as diferenas na mensurao da dor rememorada em
crianas em idade escolar, considerando como variveis o gnero e a idade.
As anlises realizadas mostraram pequenas diferenas entre meninas e
meninos. As comparaes entre o grupo de crianas de 6 a 7 anos e o grupo
de 8 a 10 anos no revelaram diferenas significativas.
Parece evidente a partir dos textos aqui apresentados que a dor um
desafio para o pesquisador, para o profissional da sade e para o individuo
que a sofre. Ao mesmo tempo uma experincia to comum que o senso
comum raramente se preocupa em defini-la. No entanto, para os
pesquisadores a definio da dor uma tarefa que gera grandes
4
5
controvrsias. J se chegou a dizer que dor aquilo que o individuo sente e
relata que sente. Mas o que sentir dor e qual a relao entre sentir e as
variveis fisiolgicas, psicolgicas e culturais? Mais do que isso sentir e
relatar so eventos da mesma natureza? Os trabalhos apresentados neste
volume percorrem algumas destas indagaes.
Antonio Bento Alves Moraes
Editor Convidado
Dezembro de 2010
ISSN 1413-389X Temas em Psicologia - 2010, Vol. 18, no 2, 277 282
_____________________________________
Endereo para correspondncia: Maria Helena Leite Hunziker - Universidade de So Paulo, Departamento de
Psicologia Experimental, Av. Prof. Mello Moares, 1721. CEP.: 05508-030. So Paulo, SP. E-mail:
Comportamento de dor: anlise funcional e alguns dados
experimentais
Maria Helena Leite Hunziker
Universidade de So Paulo
Resumo
A dor pode ser analisada sob diferentes perspectivas, a depender dos referenciais tericos que
embasam o seu estudo. O presente texto utiliza a perspectiva analtico-comportamental considerando
a dor como um comportamento encoberto. So relatados alguns experimentos com animais que
exemplificam como a dor pode ser funo de aprendizagens operantes ou respondentes, alm de
determinantes filogenticos. Conclui-se pela necessidade de maior interao entre as diferentes
cincias que estudam a dor, dentre elas a Fisiologia, a Farmacologia e a Anlise do Comportamento.
Palavras-chave: Dor, Comportamento, Anlise funcional.
Pain behavior: Functional analysis and some experimental data
Abstract
The pain analysis can be done from different perspectives, depending on the theorical basis for this
study. The present paper is based on the behavioral analytic perspective, understanding pains as a
covert behavior. We analyze some animal studies demonstrating that pain can be a function
ontogenetic processes (operant or respondent learning) moreover the phylogenetics ones. We
conclude that it is necessary more interaction among the different sciences interested on the pain
study, like the Physiology, Pharmacology or Behavior Analysis.
Keywords: Pain, Behavior, Functional analysis.
Cada um sabe a dor e a delcia de ser o
que .
(Caetano Veloso)
O estudo da dor pode ser feito sob
diferentes perspectivas. A comear pela
delimitao do fenmeno em estudo, que pode
ser restrito dor decorrente da injria fsica ou
ampliado at chegar dor existencial e outras
no diretamente relacionadas a um evento
fsico desencadeador. Em qualquer dos casos,
dor e sofrimento so dois termos que se
misturam, sendo ora analisados como
fenmenos distintos, ora como sinnimos.
A distino mais comum entre dor e
sofrimento geralmente decorre da dicotomia
fsico/psicolgico (tambm dita corpo/mente ou
corpo/alma). Dicotomicamente, a dor seria
prpria da natureza fsica e o sofrimento
prprio da natureza psicolgica. Geralmente, a
dor tida como uma sensao desagradvel
produzida por injria fsica ou molstia. Por
exemplo, fala-se em dor decorrente de uma
leso ou doena, em dor de cabea ou dor de
estmago. O sofrimento seria a dor mais
generalizada: ele sentido pelo indivduo como
um todo, e no pela sua cabea ou estmago,
nem pela parte do seu corpo que recebeu uma
leso. Por isso, sugere-se que ele ocorre em
uma esfera diferente da meramente fsica,
naquela denominada como psicolgica.
Nessa concepo, apenas potica ou
metaforicamente fala-se em dores da alma:
Amor fogo que arde sem se ver/ ferida que
di, e no se sente, / um contentamento
descontente, / dor que desatina sem doer
(Lus de Cames).
Contudo, na perspectiva analtico-
comportamental, essa dicotomia mente/corpo
no adotada, pois pressuposto filosfico do
behaviorismo radical que os seres, tanto
[email protected].
Apoio financeiro: CNPq, bolsa PQ (processo 306007/2006-1).
328 Hunziker, M. H. L.
humanos como infra-humanos, tm uma nica
natureza, que a corprea (Skinner,
1989/1991). Nessa concepo monista, dor ou
sofrimento so igualmente membros de uma
grande classe de comportamentos denominados
sentimentos, que tm como caracterstica
comum o fato de serem privados, ou seja,
acessveis apenas ao indivduo que os sentem.
Nessa concepo, o que sentimos so condies
corporais que aprendemos a
discriminar/nomear atravs do reforamento da
comunidade verbal (Skinner, 1989/1991).
Porm, se a comunidade verbal que nos
ensina a discriminar (sentir) nossos diferentes
estados fisiolgicos (sentimentos), como
esperar que isso se estabelea com preciso se
esses estados so inacessveis aos membros
dessa comunidade? De fato, as identificaes e
denominaes dos sentimentos tm imprecises
prprias de todo comportamento privado: como
saber se a dor que eu sinto igual sua?
Embora dificultada por essa caracterstica de
inacessibilidade direta, inerente ao fenmeno
em si, o sentir parte relevante dos seres e,
como tal, deve ser abarcado pelo estudo do
comportamento: Como as pessoas se sentem
frequentemente to importante quanto o que
elas fazem (Skinner, 1989/1991, p. 13).
O desenvolvimento desse texto ser
embasado nessa perspectiva monista, sendo a
distino dor/sofrimento considerada no
relevante na anlise que segue. O essencial,
aqui, ser a considerao de que dor
comportamento, e que esse comportamento no
diretamente acessvel a outros indivduos, o
que dificulta, mas no impede, seu estudo.
Conforme defendido por Skinner (1974), no
h porque supor que os comportamentos
encobertos obedeam a leis diferentes daquelas
que regem os comportamentos pblicos. Assim,
a dor pode ser analisada como parte de
diferentes processos comportamentais, dentre
eles os operantes e os respondentes (Rachlin,
1985), que interagem entre si continuamente
(Donahoe & Palmer, 1994).
Essa anlise leva em conta que a dor
parte de uma cadeia comportamental onde cada
elo pode ter funes mltiplas. Assim, uma
resposta que controlada pelo antecedente e
pelo consequente pode tambm exercer funes
de estmulo antecedente e consequente para
outras respostas, bem como ser uma operao
estabelecedora para reforamento (Catania,
1998/1999; Michael, 2000). Por exemplo,
enquanto parte de processos respondentes, a
dor pode ser analisada como uma resposta
eliciada por estmulos especficos,
incondicionados ou condicionados. Nesses
casos, a sua previso e controle dependem da
identificao e possibilidade de manipulao
desses estmulos eliciadores. Em paralelo, ela
pode tambm ter a funo de estmulo eliciador
para outras respostas. Como parte de processos
operantes, a dor pode ser uma resposta cuja
ocorrncia modifica alguns aspectos do
ambiente, e por eles modificada, bem como
pode ter funes de estmulo discriminativo,
punitivo ou reforador negativo.
Nesse contexto, o estudo da dor ganha
complexidade ao focar cadeias
comportamentais e buscar identificar as suas
mltiplas funes. Por exemplo, quando toco
um objeto cortante, possvel a qualquer
observador externo prever com alta
probabilidade de acerto que retirarei
rapidamente minha mo, interrompendo a
continuidade da leso sobre a minha pele.
Nessa cadeia comportamental relativamente
simples, temos diversos processos em curso: o
corte na pele um estmulo eliciador para a
resposta de dor (que pode envolver contrao
muscular, liberao de agentes qumicos
endgenos, etc), que, por sua vez, uma
condio que estabelece que a resposta de
afastar a mo do objeto seja negativamente
reforada. Um indivduo com analgesia de
qualquer origem (congnita, produzida por
leses ou frmacos) no ter a resposta de dor
eliciada, o que mudar a previso de ocorrncia
da etapa posterior da cadeia comportamental:
ele possivelmente continuar tocando o objeto
cortante e, consequentemente, ter leso mais
profunda na sua pele. Portanto, modificando-se
a primeira resposta da cadeia, o comportamento
que segue pode diferir totalmente dadas as
mesmas condies de estmulo. Notar, contudo,
que essa anlise da dor como parte de uma
cadeia no lhe confere o status de causa do
comportamento: ela uma resposta encoberta
que interage com aspectos do ambiente (o
objeto cortante, o corte na pele), da mesma
forma que a resposta de largar o objeto, que
pblica, ocorre dentro dessa interao. Para
compreender a dor e os demais
comportamentos da cadeia da qual essa
resposta faz parte, temos que compreender
essas relaes entre cada resposta com e
antecedentes /consequentes.
Comportamento de dor 329
A inacessibilidade direta a caracterstica
que cria as maiores dificuldades para o estudo
da dor, bem como para o estudo de todos os
sentimentos: independente da perspectiva
terica na qual o estudioso se baseia, estudar
um fenmeno ao qual no se tem acesso direto
estar, sempre, correndo o risco de impreciso.
No caso de sujeitos humanos, h os relatos
verbais sobre dor (orais, gestuais, fisionmicos,
etc.). Porm, por dependerem de aprendizagem
verbal, sero sempre permeados pela cultura.
Por isso, a relato da dor no pode ser
considerado como o equivalente direto do
comportamento privado, mas apenas uma
suposta descrio dele. Em alguns contextos
(por exemplo, teraputicos), o relato a nica
resposta acessvel e por isso ela a avaliada.
Apesar de potencialmente til, no se pode
deixar de considerar que a verbalizao sobre a
dor pode estar sob controle de diferentes
variveis, e com isso a fidedignidade dessa
avaliao ser sempre relativa.
Mesmo com essa limitao, a cincia vem
buscando formas de compreender a dor,
trazendo grandes contribuies para o bem-
estar de pessoas e animais. Por exemplo, a
identificao de frmacos que diminuem a
magnitude da dor (analgsicos e anestsicos)
reduziu em grande parte o sofrimento de
indivduos submetidos a dores crnicas ou a
cirurgias. Em paralelo identificao dos
processos neurofisiolgicos, pesquisados pela
fisiologia e farmacologia, os analistas do
comportamento vm demonstrando que a dor
pode tambm ser fruto de aprendizagem, ou
seja, de mudanas contnuas e cumulativas que
se processam ao longo das interaes entre o
organismo e o seu ambiente.
Como ponto de partida, considera-se que a
dor est sujeita aos trs nveis de determinao
que afetam todo e qualquer comportamento:
filogentico, ontogentico e cultural (Skinner,
1966, 1974). Portanto, a dor ter sempre algum
componente histrico. Os processos histricos
da espcie (filogenticos) respondem pelas
caractersticas do organismo que foram
selecionadas ao longo da evoluo, permitindo
aos indivduos sentirem dor ao terem contato
com determinados condies do ambiente
(eliciao por estmulos incondicionados). Ao
longo da evoluo, tambm foram selecionadas
outras caractersticas do organismo que
permitem ao indivduo aprender com suas
experincias particulares (histria
ontogenticas): dentre elas destacam-se a
sensibilidade aos pareamentos temporais entre
estmulos e a consequncia das suas respostas
no ambiente. Com isso, estmulos que
originalmente no produziam a dor podem
passar a elici-la, tornando-se estmulos
condicionados em funo do seu pareamento
com outros que j exerciam essa funo
(incondicionados). Da mesma forma, a
depender das suas consequncias, a dor pode
passar a ser mais ou menos frequente no futuro.
Para exemplificarmos esses processos,
podemos analisar o que ocorre quando algum
sente dor: num primeiro momento, o indivduo
tenta eliminar, e futuramente buscar evitar, a
fonte geradora da dor. Essa aprendizagem de
fuga ou esquiva essencial para que os seres se
adaptem ao mundo que os rodeia, aumentando
suas chances de sobrevivncia. Sem sentir dor,
praticamente impossvel a qualquer indivduo
sobreviver: ele no aprender a evitar ou fugir
dos aspectos daninhos do seu ambiente, sendo
grandes as chances de se envolver em situaes
fatais. Assim, as diferentes formas de dor (que
incluem medo, tristeza, entre outros
sentimentos dolorosos) podem ser benficas,
e sua falta pode dificultar o bem-estar ou
mesmo a sobrevivncia do indivduo. Porm, o
contrrio tambm verdadeiro: h dores que
podem colocar em risco a sobrevivncia de
quem a sente. Por exemplo, um tumor pode
acarretar dores em magnitudes intensas que
impossibilitam ao indivduo emitir
comportamentos tais como trabalhar ou se
alimentar. Da mesma forma, a tristeza intensa
(depresso) pode levar a pessoa ao suicdio.
Portanto, a dor no boa nem m em si: a
depender da sua magnitude, cronicidade e das
relaes que ela propicia ao indivduo, ela pode
ser benfica ou muito prejudicial.
Um exemplo que ilustra as interaes dos
vrios processos relacionados dor pode ser
retirado de relatos de guerra que descrevem que
alguns soldados se ferem voluntariamente,
produzindo grandes leses no seu organismo.
Embora a magnitude da dor autoimposta seja
grande, esse ferimento ter como conseqncia
produzir sua remoo da situao de combate.
Assim, sua resposta de dor tem um componente
respondente (eliciada pela leso), mas tambm
um forte componente operante que eliminar a
situao imediata da guerra (fuga) e evitar a
probabilidade relativamente alta de morte em
combate (esquiva). Na interao entre ambos,
330 Hunziker, M. H. L.
predomina, nesse caso, a funo reforadora
negativa da dor.
Experimentalmente, a dor pode ser
analisada no laboratrio animal onde possvel
isolarmos diversas variveis que na vida
cotidiana perturbam a identificao dos
processos subjacentes a ela. Perone (2003) cita
um experimento, realizado em 1895 por
Scripture que, apesar da tecnologia rudimentar,
mostra claramente a relevncia da dor para a
sobrevivncia dos organismos. Numa primeira
etapa, sapos foram colocados em vasilhas
contendo gua com diferentes temperaturas:
quando tpida (temperatura ambiente), os sapos
permaneciam na gua; quando aquecidas, os
sapos saltavam imediatamente para fora da
vasilha. Esse comportamento de fuga tinha alto
valor de sobrevivncia uma vez que, dada a sua
fisiologia, permanecer imerso em gua com
altas temperaturas produziria a morte do sapo.
Numa segunda etapa do estudo, um sapo foi
colocado em uma vasilha com gua na
temperatura ambiente, mas que tinha uma
pequena chama que a aquecia lentamente. O
aumento lento e gradual da temperatura da gua
permitiu ao sapo ir se habituando s condies
do banho, de forma que permaneceu na vasilha
mesmo quando a temperatura da gua foi
elevada a ponto de ser fatal. Nesse caso, o
processo comportamental de habituao aboliu
a funo aversiva da alta temperatura da gua,
de forma que a resposta de fuga, normalmente
previsvel, no ocorreu. Isso equivale a dizer
que esse indivduo morreu por no ter
apresentado a resposta de dor. Destaque-se que
o importante desse estudo a demonstrao de
que a ausncia dessa resposta no se deu em
funo de manipulaes farmacolgicas ou
neurolgicas, mas sim de manipulaes no
ambiente, ou seja, pela gradao suave da
mudana do estmulo trmico.
Portanto, se, do ponto de vista fisiolgico,
diferentes estruturas neurais e agentes qumicos
devem ser considerados no estudo da dor, para
o analista do comportamento o que mais
interessa desvendar os motivos pelos quais
indivduos com estruturas neurofisiolgicas
aparentemente semelhantes podem reagir de
forma to diferenciada frente aos eventos que
causam dor. O estudo anteriormente citado
sugere que no basta, para se compreender a
dor, que sejam identificados o estmulo
doloroso, a sua magnitude e as caractersticas
do organismo que interage com ele: para se
compreender a dor preciso compreender como
essa interao entre o organismo e o ambiente
se d, ou seja, qual a contingncia em vigor.
De uma maneira geral, o estudo da dor
est inserido no estudo do controle aversivo do
comportamento: so analisadas as relaes
onde a ao do indivduo produz a insero de
estmulos geradores de desconforto/sofrimento
(punio positiva), outras onde sua ao pode
evitar ou eliminar algo desagradvel (esquiva e
fuga, respectivamente) ou, ao contrrio, gerar a
perda de algo desejvel (punio negativa). So
tambm condies geradoras de sofrimento
aquelas nas quais o indivduo no atinge os
critrios para reforamento, outras onde ocorre
a interrupo de ganhos ou de situaes
prazerosas que vinham sendo usufrudas
(extino), e aquelas onde o estmulo aversivo
independe de qualquer ao do indivduo
(incontrolabilidade). Por fim, crtico que
aspectos do ambiente pareados a essas
condies podem se tornar igualmente
desagradveis ou fontes de sofrimento, ou seja,
podem se tornar novos aversivos para o
indivduo. Se todas essas condies podem ser
fontes potenciais de dor, e se no h
contingncia que no envolva ao menos algum
desses componentes aversivos (Perone, 2003),
isso equivale a dizer que dor, nas suas
diferentes nuances, um sentimento inerente
vida: pode ser minimizada, mas no excluda;
pode ser benfica, necessria sobrevivncia,
mas pode tambm se tornar um problema. O
enfrentamento dessas contingncias, que pode
depender de haver ou no outras alternativas
vigentes, vai determinar a qualidade de vida
dos indivduos a elas submetidos.
Alguns estudos experimentais com
animais mostram como a histria individual e
as contingncias atuais podem mudar a
ocorrncia da dor. Por exemplo, uma forma de
se estudar dor em animais utilizando o teste
da placa quente. Nele, avalia-se a latncia da
resposta de lamber a pata traseira, por ratos,
quando so colocados sobre uma placa de metal
aquecida a 50 C. A lgica desse teste baseia-se
no fato de que essa temperatura de 50 C no ,
num primeiro momento, aversiva para ratos:
logo no incio do contato com a placa quente,
os animais farejam e exploram o ambiente onde
foram colocados, um comportamento tpico da
espcie em situaes no aversivas. Contudo,
na medida em que suas patas ficam em contato
com essa superfcie aquecida, os animais
Comportamento de dor 331
mudam seu comportamento: depois de alguns
segundos explorando normalmente o ambiente,
eles subitamente emitem a resposta de lamber
uma das patas traseiras. Se retirados da placa
imediatamente aps essa resposta, no sofrem
qualquer ferimento ou dano, e a resposta de
lamber a pata deixa de ocorrer. Se
permanecerem na placa, passam a apresentar,
na seqncia temporal, a resposta de lamber a
pata com frequncia crescente, seguida de
saltos, vocalizaes e tentativas de fuga desse
ambiente (comportamentos tpicos de
condies aversivas crescentes). Mantidos
nessa condio por mais de 90 segundos
(tempo limite que se permite a permanncia do
rato na placa quente), eles sofreriam
queimaduras nas patas. Manipulaes
farmacolgicas permitem identificar que esse
procedimento permite um acesso indireto dor:
animais que receberam injeo de morfina
(substncia analgsica) permanecem por longos
perodos sobre a placa, explorando
normalmente o ambiente, antes de lamber a
pata. Esse aumento da latncia da resposta
dose-dependente, ou seja, a latncia tanto
maior quanto maior for a dose de morfina: os
animais que recebem doses elevadas de morfina
permanecem, se deixados muito tempo sobre a
placa quente, sem lamber a pata ou emitir
qualquer das demais respostas tpicas desse
teste. O que se diz que, sob o efeito da
morfina, os ratos no sentem dor. Na
verdade, dizer isso no explica o
comportamento, mas apenas descreve o fato de
que, sob efeito da morfina, a alta temperatura
no elicia a resposta de dor que seria o primeiro
elo da cadeia comportamental de fuga nessa
condio.
Na prtica, esse teste da placa quente
indica que: (1) a temperatura alta sobre a pele
um estmulo aversivo para ratos; (2) a
aversividade desse estmulo cumulativa,
dependente do tempo de contato com a pele do
sujeito; (3) diferentes respostas de fuga so
emitidas em uma sequncia temporal, em
correlao direta com a magnitude desse
estmulo; (4) lamber a pata traseira a resposta
de fuga acessvel ao observador externo que
est diretamente relacionada ao menor grau de
aversividade desse estmulo. Portanto, medir o
tempo que o rato demora para lamber a pata
uma das formas que a cincia experimental
encontrou para avaliar, em um contexto no
verbal, a ocorrncia do comportamento privado
de dor, possibilitando seu estudo com animais.
Em outras palavras, a latncia dessa resposta
nos d uma medida indireta do que chamamos
de limiar de dor.
Utilizando esse teste, Hunziker (1992)
demonstrou que o limiar dor pode ser alterado
por uma histria de impossibilidade de controle
sobre aspectos aversivos do ambiente. Em uma
primeira fase, quatro grupos de ratos (n=8)
foram manipulados: os sujeitos de dois grupos
foram expostos a choques eltricos de 1 mA, 10
segundos de durao fixa, ministrados a
intervalos mdios de 1 minuto; os demais
sujeitos foram colocados na caixa experimental
pelo tempo da sesso, porm sem receber
choques. O relevante nesse estudo que os
choques (filogeneticamente aversivos para ratos
na intensidade utilizada) eram liberados
independentemente do comportamento dos
animais. Dessa forma, nada do que os sujeitos
fizessem poderia mudar a apresentao ou a
remoo dos choques, que por isso eram
denominados incontrolveis. Terminada a
sesso, os animais foram reconduzidos s suas
gaiolas viveiro e, 24 horas aps, metade foi
submetida ao teste de fuga e outra metade ao
teste da placa quente. Na contingncia de fuga,
30 choques foram liberados em uma caixa de
dois compartimentos onde os animais podiam
saltar para o compartimento oposto, desligando
o choque (fuga). A cada choque era registrado
o tempo que os animais demoravam para saltar
(latncia). A aprendizagem era avaliada pela
reduo sistemtica dessas latncias na medida
em que os animais se expunham contingncia
de reforamento negativo. A outra metade dos
sujeitos foi submetida ao teste da placa quente,
sendo medida uma nica latncia da resposta de
lamber a pata traseira. Os resultados mostraram
que os animais submetidos aos choques
incontrolveis apresentaram latncias
estatisticamente mais elevadas, tanto na fuga
aos choques como na placa quente. Portanto, a
histria de incontrolabilidade no apenas
dificultou a aprendizagem de fuga como
tambm aumentou o limiar dor.
Na continuidade desse estudo, Hunziker
(1992) tambm demonstrou que essa
modificao do comportamento de dor estava
relacionada a modificaes no sistema de
endorfinas (opiceos endgenos) desses
sujeitos, e que tais modificaes neuroqumicas
eram funo da histria de impossibilidade de
controle sobre aspectos aversivos do ambiente.
332 Hunziker, M. H. L.
Os dados mostraram que os animais injetados
com salina ou naloxona (um bloqueador de
receptor opiceo) 1 hora antes do teste na placa
quente, mostraram latncias diferenciadas:
dentre os animais expostos aos choques
incontrolveis, os injetados com salina
apresentaram o dobro de latncia (cerca de 30
segundos) do que os do mesmo grupo tratados
com naloxona, que mostram latncias
semelhantes aos dos animais no expostos
previamente a choques (15 segundos, em
mdia). Esses dados sugerem que uma histria
de incontrolabilidade sobre choques eltricos
produz, no nvel diretamente observvel, tanto
analgesia, como dficit de aprendizagem de
fuga e, no nvel encoberto, alteraes no
sistema opioide. Portanto, tais resultados
fortalecem a proposta de que a dor se equipara
a outros comportamentos diretamente
observveis no que diz respeito sua
dependncia da ontogenia, em adio aos
determinantes filogenticos.
Esse estudo soma-se a outros que
demonstraram que a incontrolabilidade de
estmulos aversivos produz muitas alteraes
nos organismos, sendo o dficit de
aprendizagem operante, denominado
desamparo aprendido, o efeito mais difundido
(Hunziker, 2005; Maier & Seligman, 1976). Se
consideramos que o desamparo aprendido um
modelo animal de depresso (Seligman, 1975;
Willner, 1984), teremos como possibilidade de
anlise o fato de que as dores
convencionalmente separadas como do corpo
ou da alma tal como a dor eliciada pelo
choque eltrico ou a decorrente da falta de
reforo (depresso, segundo Ferster, 1973) -
podem ser frutos de processos comparveis
entre si: , a dor da alma to qumica quanto
a produzida por um estmulo trmico,
confirmando o pressuposto filosfico monista,
prprio do behaviorismo radical (Skinner,
1974).
Estudos com animais possibilitam tambm
investigar a interao entre determinantes filo e
ontogenticos da dor. Por exemplo, Capelari,
Franceschini e Hunziker (2006) manipularam
choques eltricos e a temperatura na placa
quente, analisando a aprendizagem de fuga e a
analgesia como funo de variveis
ontogenticas (histria de incontrolabilidade) e
filogenticas. Essas ltimas envolveram ratos
de diferentes linhagens (Wistar ou Sprague-
Dawley) ou cepas (Wistar provenientes de
diferentes biotrios, aqui denominados como A,
B, C e D). Como nos trabalhos citados
anteriormente, frente ao choque foi avaliada a
aprendizagem de fuga, e no teste da placa
quente, a latncia da resposta de lamber a pata
traseira. Os resultados mostraram diferenas
significantes em funo da linhagem, cepa e
histria de controle sobre os choques. Nos
testes de fuga, todos os animais Wistar
apresentaram o efeito tpico de desamparo
aprendido (dficit de aprendizagem de fuga se
previamente expostos a choques
incontrolveis), mas apenas os ratos do biotrio
C no aprenderam fuga sem terem histria
prvia de incontrolabilidade; diferentemente,
todos os ratos Sprague-Dawley aprenderam
fuga, mesmo aqueles previamente expostos a
choques incontrolveis. No teste da placa
quente, ratos de diferentes linhagens e cepas
mostraram limiares diferenciados ao estmulo
doloroso: mesmo sem exposio prvia a
choques, os animais Spprague-Dawley tiveram
latncia mdia de 15 segundos para lamber a
pata, os Wistar B demoraram 90 segundos, e
os demais mostraram latncias intermedirias.
Apesar de no ser obtida nenhuma correlao
entre aprendizagem de fuga e analgesia, esses
dados confirmaram que a dor determinada
tanto por fatores filogenticos, como
ontogenticos. Essa concluso vale tanto para a
dor convencionalmente considerada fsica,
proveniente de um estmulo especfico que
causa injria ao organismo, como para a dor
tida como psicolgica, tal como a
proveniente da impossibilidade do indivduo
controlar aspectos aversivos do seu ambiente,
condio apontada como crtica para alguns
casos de depresso humana (Seligman, 1975).
Resumindo, a dor um fenmeno
complexo, multideterminado, sendo necessria
a juno de diferentes cincias para a sua
compreenso mais ampla. Nesse intercmbio
cientfico, a Anlise do Comportamento
colabora destacando as diferentes relaes que
podem se estabelecer entre o organismo e o seu
ambiente, o que pode gerar processos de
aprendizagem que se relacionam diretamente
com a resposta de dor. O estudo da dor como
comportamento soma, portanto, variveis de
contingncias ambientais, presentes ou
histricas, s variveis neufisiolgicas que
tradicionalmente so pesquisadas nesses
estudos. Sugere-se que o intercmbio entre
profissionais de diferentes reas da cincia,
Comportamento de dor 333
interessados no tema, seja a estratgia
necessria para novos avanos nessa rea de
conhecimento.
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Psychopharmacology, 83, 1-16.
Enviado em Junho de 2010
Aceite em Outubro de 2010
Publicado em Dezembro de 2010
1
As vinhetas aqui apresentadas so baseados em
atendimentos clnicos realizados, sendo que as
informaes que poderiam identificar seus
protagonistas foram alteradas, de maneira a garantir
a sua privacidade e anonimato.
fenmeno altamente complexo e verbal, sendo,
dessa forma, nico para a espcie humana e,
idiossincrtico.
O sofrimento humano: da queixa do
cliente compreenso de seus
possveis determinantes
Ao falarem de seu sofrimento, os clientes
podem incluir sensaes corporais,
sentimentos, emoes, pensamentos, tendncias
comportamentais, respostas pblicas aos
eventos privados, atribuies causais, entre
tantas outras respostas humanas possveis. E, ao
mesmo tempo em que relatam, respondem ao
seu prprio relato, podendo apresentar ou no
reaes semelhantes s ocorridas nas situaes
que o originaram. Os clientes tambm reagem
s consequncias que seu relato produz no
ouvinte, o que pode afetar o prprio relato e
suas respostas ao que foi vivido.
Nesse momento, o terapeuta recebe as
informaes que so importantes, segundo a
tica do cliente. A seleo e a forma como o
faz d amostras das contingncias s quais foi
ou est sendo exposto, da estimulao qual
responde e do repertrio comportamental que
apresenta. Por exemplo, Alfredo, um rapaz de
17 anos, extremamente bem sucedido nos
estudos, queixa-se de sua depresso e tristeza,
desencanto com o mundo e perda da
autoconfiana por no ter passado no
vestibular. Para ele, a vida no faz mais
sentido, j que quem faz o certo no consegue o
que deseja. Sente que a vida foge ao seu
controle, o que lhe traz ansiedade e medo. J
Paula, sem entender o porqu, queixa-se de
ansiedade, tenso e insnia. Acha que no tem
motivo para tais reaes, uma vez que tem um
bom trabalho, amigos e tudo o mais. Aos
poucos, e sem perceber, vai descrevendo sua
submisso aos comportamentos agressivos e
moralmente abusivos de seu chefe, um ex-
colega de faculdade que a ajudou, chamando-
a para trabalhar com ele! Pode-se considerar
que, provavelmente Alfredo aprendeu a reagir
de forma mais intensa e generalizada
estimulao aversiva, enquanto que Paula pode
ter sido pouco estimulada a discriminar tal
estimulao e relacion-la s suas respostas
emocionais.
Os clientes querem parar de sofrer e
querem compreender por que sofrem ou
sofreram e, para a maioria, compreender j os
Sofrimento e Anlise do Comportamento 387
leva a sofrer menos, ter esperanas e colaborar
no processo de mudana.
Hayes, Jacobson, Follette e Dougher
(1994), estudiosos que tm focado diretamente
a questo do sofrimento humano na ltima
dcada, afirmam, metaforicamente, que eventos
privados so ecos, reflexos de nossa histria de
vida. Assim como eles, os analistas do
comportamento que os precederam e seus
contemporneos entendem que todos os
comportamentos mencionados no relato, bem
como o prprio comportamento de selecion-
los e relatar, so resultados de contingncias
filogenticas, ontogenticas e culturais s quais
o indivduo esteve e est exposto. Todo o
sofrimento, portanto, compe-se de respostas e
comportamentos que se modificam
continuamente.
As contingncias filogenticas
selecionaram respostas, geralmente reflexos
incondicionados, que foram teis para a
sobrevivncia da espcie. Exemplos disto
podem ser encontrados nos bebs, como o
chorar em situaes de dor fsica ou
desconforto, o sobressalto frente a sons altos, a
suco frente estimulao oral, dentre outras
respostas incondicionadas, que aumentam a
chance do organismo de ser cuidado por
adultos. Elas funcionam como condio prvia
para o desenvolvimento de comportamentos
operantes e respondentes condicionados,
juntamente com a sensibilidade do organismo
dado o emparelhamento de estmulos e s
consequncias de suas aes, conforme
afirmado por Bijou e Baer (1961). Ou seja,
consequncias que fortalecem os
comportamentos esto relacionadas,
inicialmente, sobrevivncia.
A dor a primeira estimulao que se
relaciona ao sofrimento. Segundo Lent (2001),
a resposta de dor, filogeneticamente
selecionada, indica que alguma estimulao
nociva ao organismo est ocorrendo, seja ela
proveniente do ambiente externo ou do prprio
organismo. Conforme afirma Angelotti (2001),
a funo da dor proteger a integridade fsica.
Skinner (1974/1993) menciona que no
difcil provar que um organismo reforado pela
remoo de certas condies, dentre elas a dor,
teria uma vantagem na seleo natural (p. 190)
e que tambm obteria vantagens em fugir de
estmulos aversivos condicionados que
chamamos de ameaa de ferimento, ou seja,
agindo pela esquiva (p. 194). Mas, alm da
dor, o indivduo tambm responde a
desconforto, restrio e a outros estmulos que
podem ser ou no nocivos ou que tm
implicaes na determinao do sofrimento
humano, como ilustrado em seguida para a
raiva.
Millenson (1967/1976) relata observaes
de Watson nas quais crianas muito pequenas
apresentavam respostas de chorar, gritar,
enrijecer o corpo, golpear, bater as mos e os
braos, levantar e abaixar as pernas e prender a
respirao quando eram impedidas de
movimentarem sua cabea ou quando seus
braos eram presos junto ao corpo. Observou
tambm que animais tendiam a apresentar
intensificao e variao de respostas e, dentre
elas, muita agitao e ataque aos outros animais
presentes, em consequncia da retirada de
reforadores positivos. Vrios estmulos,
portanto, parecem provocar,
incondicionalmente, a luta e a fuga, o que levou
tal autor a considerar, com base no paradigma
respondente, que tais reaes poderiam ser
descritas como raiva, eliciada pela restrio
corporal. Com essas e outra observaes,
concluiu que, tanto a impossibilidade, retirada
ou impedimento de obteno de reforadores
positivos, como a introduo de estimulao
aversiva ou impossibilidade de sua retirada,
tendiam a provocar respostas tpicas de raiva e
luta.
Atravs de processos de aprendizagem,
outros estmulos podem ser condicionados,
gerando e mantendo respostas de raiva. As
observaes de Skinner (1974/1993) de que
mesmo uma emoo aparentemente bem
marcada, como a raiva, pode no ser redutvel a
uma nica classe de respostas ou atribuvel a
um nico conjunto de operaes (p. 180-181)
e que a raiva produzida por certa circunstncia
poderia no ser a mesma produzida por outra
(p. 180-181), tambm indicam a probabilidade
de ampla variabilidade no conjunto de
determinantes dos estados emocionais e da
singularidade do sofrimento de cada indivduo.
Para Skinner, a aversividade de um estmulo
no seria definida por suas caractersticas
fsicas, simplesmente, e nem toda a estimulao
que gerasse dano seria, necessariamente,
dolorosa ou sentida como aversiva. Segundo
ele, uma dada estimulao s poderia ser
considerada aversiva se a sua remoo fosse
reforadora, isto , aumentasse a fora da
resposta que a retira. Banaco (1999), ao estudar
as emoes, prope que, a depender da histria
de vida de cada um, a mesma estimulao
388 Conte, F. C. S.
poderia provocar tanto a raiva, como a tristeza
e relato diferenciado.
Nesse mesmo caminho, encontramos
Hunziker (1997), que estuda o desamparo em
animais, sendo este definido como a classe
comportamental que se refere dificuldade de
aprendizagem em situao de reforamento
negativo aps exposio prvia a estimulao
aversiva incontrolvel. A autora observou que
sua ocorrncia era menos provvel em
indivduos que tiveram, antes dessa experincia
de incontrolabilidade, outras similares de
controlabilidade. Essa constatao fortalece,
mais uma vez, a observao de que o efeito de
contingncias atuais sobre um comportamento
se d de forma combinada com o que foi
produzido pelas contingncias passadas. O
conhecimento da histria de cada organismo
pode ajudar a levantar suposies sobre a
possibilidade de uma tendncia
comportamental.
No entanto, alm de todos esses processos,
os humanos so capazes de realizar outros que
determinam, de maneira especial, a
particularidade de seu sofrimento. Esses esto
relacionados ao comportamento verbal e
linguagem. O comportamento verbal operante e
a linguagem permitem a cada indivduo tanto
acelerar o seu desenvolvimento
comportamental adequado, quanto favorecer o
desenvolvimento do sofrimento. Como se diz
popularmente no Brasil, palavras so como
abelhas, tem mel e tem ferro.
O sofrer humano: as armadilhas do
comportamento verbal e da
linguagem
O sofrimento psicolgico, o sofrimento
humano, verbal. Comea pela fuga e esquiva
da dor fsica ou de outra estimulao aversiva
incondicionada, amplia-se atravs do
condicionamento operante e respondente e,
como demonstram os estudos, torna-se mais
complexo e ampliado de forma especial em
decorrncia de processos verbais. Atravs
desses processos, podemos atribuir funes,
estabelecer relaes arbitrrias entre estmulos
dissimilares, estabelecer relaes entre relaes
e responder funcionalmente a eles e s mesmas,
de forma similar, sem treino prvio direto.
Comecemos a anlise exploratria com um
exemplo simples. Uma me deu a cada um dos
filhos, Felipe, de 7 anos e Paulo, de 3 anos e
meio, um filhote de hamster. Aps um dia de
cuidados e passeios com os mascotes pela
vizinhana, um dos meninos deixou que o seu
animal casse, por acidente, no fosso do
elevador. Aparentemente Paulo sofreu com a
perda do seu bichinho, tendo chorado muito.
Passado o enterro e o choro, e com Paulo
mostrando-se j mais conformado com a
possibilidade de gostar de outro bichinho que a
me poderia lhe trazer, Felipe diz ao seu
prprio ratinho, na presena de Paulo, que seu
irmo havia morrido! Paulo caiu novamente em
prantos e disse: agora ele vai ficar mais
traumatizado, ele j perdeu o irmo dele e
agora o Felipe ainda fica falando isso pra
ele!.
Este sofrimento, que verbal, s
possvel ao homem e no ao rato, mas a criana
provavelmente ainda no sabia disso. Reagiu s
palavras do irmo como se houvesse agora
outro fato que geraria sofrimento a todos. De
fato, havia e era socioverbal, mas capaz
somente de causar sofrimento aos humanos.
Nesse episdio, pode-se levantar a
suposio de que a criana sofreu muito mais
por ser verbal, como se descreve a seguir: pela
perda do ratinho em si (retirada de estmulo
reforador positivo ldico); pela retirada de seu
objeto de apego afetivo (j aprendido para
humanos e rapidamente generalizado ao
animal); por ter j aprendido que humanos
sofrem ao perder um irmo (nesse caso,
indiretamente, uma vez que no tinha sido
submetido a experincias de morte de pessoas
relevantes de seu entorno); ao generalizar o que
sentia para o que o rato poderia sentir
(comportamento emptico aprendido); e, entre
outros, por reagir da mesma maneira aos fatos
acima mencionados e s palavras que os
descreviam, imaginando que o ratinho pudesse
reagir a eles de forma similar, como ele j
conseguia.
O comportamento de responder a
estmulos arbitrariamente relacionados como
classe funcional decorre de vrios treinos
prvios de aprendizagem operante. Por esse
processo, segundo Sidman (1994), as palavras
escritas, sons, desenhos e seus referentes,
dentre outros, podem ter suas funes
transferidas de outros estmulos,
arbitrariamente, e passam a exercer controle
similar sobre comportamentos ou respostas da
mesma classe e, mais, podem transferir sua
funo a outros estmulos continuamente. Esses
so os processos de formao de classes de
Sofrimento e Anlise do Comportamento 389
equivalncia propostos por Sidman (1971) e
Sidman e Tailby (1982).
Realizando estudos a partir das
descobertas sobre equivalncia, Hayes, Barnes-
Holmes e Roche (2001) e Hayes (2004)
propuseram a Teoria dos Quadros Relacionais e
o responder relacional arbitrrio. Segundo tais
autores, alm da transferncia de funes, como
j descrito, sob controle de contextos
socioverbais arbitrrios, pode ocorrer tambm a
transformao de funes dos estmulos. Os
processos de equivalncia e de quadros
relacionais estariam imbrincados no
desenvolvimento do comportamento
simblico e do sofrimento humano, verbal.
Em decorrncia desses processos, estmulos
verbais podem desenvolver funes aversivas,
eliciar respondentes e evocar comportamentos
de fuga e esquiva, que, por reforo negativo,
fortalecem encadeamentos e/ou amplas redes
comportamentais de sofrimento. O caso de uma
cliente adulta pode ajudar a ilustrar esse
processo. Em sua infncia, por muito tempo,
Marina fora abusada sexualmente por um
vizinho. Esse o fazia de forma que o episdio
fosse muito agradvel criana, reforando
assim seu comportamento de colaborar com a
sua ocorrncia. Com o passar do tempo,
Marina, aprendeu, verbal e indiretamente, que a
situao qual se submetia era muito errada
e ruim, mas, segundo informao da cliente,
inicialmente tal concepo verbal no foi forte
o suficiente para fazer cessar seu
comportamento de colaborar.
Contudo, medida que continuou a
submeter-se a tais prticas abusivas, passou a
apresentar, na sequncia, vmitos e outros
respondentes desagradveis, evitando,
posteriormente, oportunidades de abuso. Nesse
caso, pode-se propor a interpretao de que,
aqui, poderia ter havido uma transformao do
valor reforador positivo inicial da interao,
(no caso, abusiva, mas agradvel criana), a
partir da presena de estmulos verbais de
avaliao negativa que, por sua vez,
favoreceram a ocorrncia de respondentes e
respostas fisiolgicas aversivas. Em conjunto,
essa estimulao fez com que respostas de fuga
e esquiva da interao e das reaes
desagradveis ocorressem.
E o processo no terminou a. Marina
relatou que, posteriormente, as lembranas
sobre o ocorrido passaram a promover reaes
de culpa, nojo e vmito e esse ltimo trazia
alvio e cessava as lembranas. Mencionou que
passou um bom tempo sem lembrar-se dos
episdios de abuso, mas aprendeu a induzir
vmito em outras situaes nas quais sentia
desconforto e tambm quando fazia coisas
erradas. Assim, desconforto e coisas
erradas configuravam-se tambm como
ocasio para nojo, vmito, culpa e esquivas e
mais esquivas. Desenvolveu comportamento de
auto-observao frequente de seus erros,
vmito e autoconceito ruim. Teve diagnstico
de bulimia na adolescncia, foi tratada e
melhorou, mas em vrios momentos
estressantes da sua vida, os episdios de vmito
voltavam, at a idade adulta.
Marina, j adulta, procurou terapia porque
recentemente machucava-se em vrias
situaes e estava procurando judiar-se, sem
motivo, durante o relacionamento sexual com
seu noivo, uma pessoa de quem gostava muito.
Na ocasio da busca de terapia, no se
lembrava dos episdios de abuso sofridos na
infncia e tinha desenvolvido um padro
comportamental generalizado de fuga e esquiva
de sofrimento psicolgico atravs da
provocao de sofrimento fsico, e, dentre eles,
de alvio de culpa sentida por sentir prazer
sexual e felicidade no relacionamento com o
noivo. Provavelmente, no decorrer da vida
dessa cliente, uma srie de estmulos verbais e
no verbais se sobrepuseram e se combinaram,
formando redes comportamentais complexas e
extensas de muito sofrimento. Se a suposio
hipottica aqui explorada tiver validade
preditiva, pode-se imaginar que tais redes
tenderiam a ampliar-se e tornar-se cada vez
mais complexas e, caso contingncias
acidentais no promovessem uma mudana de
direo, a qualidade de vida dessa cliente
estaria muito comprometida.
Como dito por Hayes et al. (2001), as
palavras estabelecem uma autonomia e criam
um mundo simblico parte, descolado e que
compete com as contingncias. Nesse exerccio
de interpretao, pode-se intuir a ocorrncia de
processos de generalizao e de equivalncia,
junto com o desenvolvimento de respostas
relacionais arbitrrias, na formao das redes
comportamentais de sofrimento. Esse ltimo, o
responder relacional, segundo os autores, pode
ser definido como uma resposta de abstrao,
na qual a propriedade do estmulo que passar a
controlar determinada resposta abstrada a
partir de dicas contextuais sociais arbitrrias,
alterando a funo dos elementos que compem
uma contingncia operante e tambm o
390 Conte, F. C. S.
processo de aprendizagem operante
propriamente dito.
No entanto, as armadilhas que cercam os
seres verbais e os levam ao sofrimento
psicolgico vo alm. O cliente vem clnica e
d ao seu terapeuta as informaes sobre o que
ele conhece sobre si mesmo e considera
relevante. E esse eu a que o terapeuta tem
acesso muitas vezes vem rotulado ou
classificado de uma dada forma e pode tambm
estar sob a influncia de tal classificao, e,
ainda, pode significar ou indicar ao cliente a
essncia do seu ser, o seu verdadeiro eu
e/ou a causa dos seus comportamentos ou
problemas. O contexto socioverbal e at mesmo
os modismos sociais agregam a determinadas
classificaes ou rtulos um valor e um
julgamento que, em si mesmos, podem gerar
ainda mais sofrimento ao cliente e afetar um
importante repertrio altamente privado que se
denomina Self.
Self, segundo Kohlenberg e Tsai (2001),
um repertrio que inclui e implica na
experienciao e na presena de sentimentos e
sensaes, de ver-se em continuidade,
organizao, unicidade e igualdade, a despeito
da variao comportamental que possa ser
apresentada pelo indivduo. Quando ele no
est adequadamente fortalecido, podemos no
saber quem somos e nos confundir ou fundir a
cada comportamento emitido.
Por exemplo, Luiza, uma jovem
adolescente, muito tmida e com poucos
amigos, crescera com pais divorciados e em
conflito. Nesse contexto, provavelmente no
aprendera a responder apropriadamente ao seu
mundo privado. Sentia-se muito confusa e
sofria sem saber quem era verdadeiramente,
pois, para agradar a seu pai, vestia-se e
comportava-se como uma menininha. Para
deixar a me feliz, vestia-se e mostrava-se
uma pequena executiva e agora, tendo seu
primeiro namorado, agia como sendo meio
punk, pois este era o desejo daquele.
Aparentemente, seu comportamento era
fortemente controlado pela estimulao
externa, gerada essencialmente pela presena e
comportamento das pessoas relevantes com as
quais estava em interao. Segundo seu relato,
o namorado havia observado esse seu modus
operandis e passara a puni-lo, acusando-a de
no ter personalidade. Estava concordando
com isso e, ento, passou a ser opositora ao
controle dos pais, sendo, agora, o que o
namorado queria. S no percebia que a classe
comportamental maior (relativa ao responder
fortemente estimulao externa de forma
generalizada, sem discriminar a estimulao
privada, ou seja, o seu mundo privado, seu
repertrio de ter personalidade), que agora
lhe era aversiva, estaria sendo mantida.
Aparentemente, poderia se pensar que a
diferena da situao atual para a anterior era a
de que havia agora apenas uma fonte de
estimulao externa (namorado), a qual
respondia prioritariamente.
Kohlenberg e Tsai (2001) propem que o
Self emerge como uma unidade funcional a
partir de unidades verbais maiores, com a
aquisio da linguagem pela criana e, em
paralelo a essa, quando ocorre um processo de
desenvolvimento normal e no patolgico.
Nesse caso, a criana seria reforada a
responder diferencialmente a estmulos do
mundo fsico, s aes das pessoas, s suas
prprias aes, abertas e encobertas e qualquer
outra estimulao encoberta. Por esse processo,
desenvolveria a habilidade de ver seu prprio
comportamento em perspectiva, tendo-se como
marco de referncia funcional. Poderia, a partir
de ento, enxergar-se como dis-fundida,
diferente do comportamento que realiza e ver-
se agindo de maneiras diferentes em contextos
semelhantes ou diversos, sem perder sua
perspectiva e senso de unidade. Um
componente geral e importante do Self seria o
comportamento de ver-se e avaliar-se como
independente do comportamento que est sendo
emitido e visto.
O Self emerge atravs do fortalecimento e
nesse processo, a validao social do relato da
criana sobre seu ver e ver-se vendo
fundamental. Inicialmente, refora-se a
correspondncia entre o relato e estmulos
publicamente observveis e, depois, j se tendo
aprendido o relatar confivel, passa-se a
validar o relato do que ocorre privadamente.
Quando a comunidade verbal pune, ignora,
impede ou ridiculariza a fala ou outras
respostas da criana que ocorrem sob controle
de estmulos privados, o desenvolvimento do
Self pode ser prejudicado, afirmam Kohlenberg
e Tsai (2001).
Quanto mais precoces, repetidas e
aversivas as experincias de invalidao, mais
deletrias ao desenvolvimento do Self. Em
experincias de invalidao do sofrimento,
como em vrios casos de abuso criana, fugir
ou esquivar-se fisicamente do abusador
impossvel. Nesses episdios ou frente a
Sofrimento e Anlise do Comportamento 391
lembranas, provvel que outros
comportamentos de fuga e esquiva aconteam,
como, por exemplo, fantasiar ser outra pessoa
ou estar ausente, afetando o senso de Self
mais ainda.
Skinner (1974/1993) afirma que
diferentes contingncias constroem diferentes
pessoas, possivelmente dentro da mesma pele
(p. 44), e que tais repertrios ou pessoas
convivem, mesmo parecendo ser incoerentes
ou incompatveis. Tais repertrios, de fato,
nada mais so do que classes comportamentais
com funo adaptativa em diferentes contextos
e contingncias.
O Self poderia ser compreendido como um
repertrio que une tais pessoas. Para
propiciar tal auto-observao em perspectiva,
provavelmente estmulos verbais se combinam
com emoes e sensaes de integrao e
identidade e com respostas relacionadas aos
processos perceptivos (Kohlenberg & Tsai,
2001).
Sofrendo por aceitar as mximas
culturais sobre encobertos
As armadilhas verbais do sofrimento
humano vo ainda mais longe. Juntamente com
os processos mencionados anteriormente, dos
quais o que se descrever em seguida
inseparvel, uma srie de eventos contextuais
socioverbais, tais como regras e conceitos
arbitrrios, colaboram para a peculiaridade do
sofrimento humano e para os processos de fuga
e esquiva.
Hayes (1987) observou que seus clientes
acreditavam que seus problemas psicolgicos
eram causados por suas cognies, sensaes e
emoes desagradveis. Ainda, postulavam que
os problemas encobertos eram passveis de
controle direto e que, quando falhavam em
conseguir tal feito, consideravam-se
pessoalmente incompetentes. Pela lgica acima
descrita associada outra regra generalizada
socialmente de que se resolvem os problemas
afetando suas causas, deveriam remover o
sofrimento encoberto, direta e
prioritariamente, uma vez que erroneamente
acreditavam que este era a causa de seus
problemas. Assim, somente aps a remoo
desses encobertos, poderiam voltar s situaes
que os geravam e, sem que ocorressem, viver
ento de maneira feliz. Hayes observou que
faziam aqui um paralelo com a forma como se
resolvem problemas e o sofrimento decorrente
de estimulao fsica. Por exemplo, se uma
pedra no sapato fere o p, o que h a se fazer,
retir-la. Contudo, os analistas do
comportamento sabem que, para afetar
encobertos, (o equivalente pedra no sapato)
preciso que haja exposio s contingncias
ambientais apropriadas.
Alm disso, muitas emoes
desagradveis so consideradas ruins em si
mesmas ou julgadas moralmente ruins em
nossa cultura. Somando-se esse aspecto ao que
foi acima exposto, agregam-se mais fontes de
sofrimento para o qual s h uma sada: a
esquiva e fuga dos encobertos, conforme afirma
Hayes (1987), ou seja, esquiva experiencial.
Esta definida como tentativa de evitar, alterar,
fugir ou mudar diretamente eventos privados,
como por exemplo, as sensaes corporais,
emoes, pensamentos e lembranas
desagradveis. Exemplos de esquivas
experienciais incluem tentativas de supresso
de pensamentos, intruses, entorpecimento
emocional, esquiva de emocionar-se, fugas,
esquiva de ambientes, etc. Tais respostas de
fuga e esquiva tendem, em longo prazo, a
fortalecer o sofrimento, tanto pelo reforamento
negativo que as mantm, como por impedirem
que o indivduo se exponha s contingncias
que poderiam ajudar na extino de seus
respondentes condicionados, na ampliao de
seu repertrio global, da presena de
reforadores positivos em sua vida e o aumento
do seu bem-estar.
A lgica verbal do senso comum
relacionada soluo de problemas emocionais
e ao consequente padro de esquiva emocional
que se estabelece faz com que as pessoas se
sintam impedidas de viver. Ficam
metaforicamente presas em gaiolas cujas barras
so formadas por estmulos socioverbais
arbitrrios, para as quais tm as chaves!
E, como se isso no bastasse, aprende-se,
com o comportamento verbal, a descrever e
analisar a experincia vivida. De acordo com
Wilson e Soriano (2002), essa a condio que
permite a antecipao de sofrimentos futuros e
sofrer, no presente, por essa possibilidade de
ocorrncia. Vendo-se presos, dada a miopia, em
gaiolas abertas, os humanos sofrem tambm
por verem o que perderam e que podero perder
presos ao sofrimento verbal arbitrariamente
construdo.
392 Conte, F. C. S.
Repercusses para a Anlise Clnica
Comportamental e consideraes
finais
No decorrer deste estudo, uma srie de
exemplos de casos clnicos foi apresentada, na
tentativa de ilustrar uma das possveis
compreenses que um clnico pode ter sobre o
sofrimento de seus clientes com a ajuda de
conhecimentos atuais sobre o comportamento
verbal e a linguagem. O relato do caso que se
segue tenta exemplificar a integrao dos vrios
aspectos mencionados e contextualizar os
processos de interveno clnica analtico-
comportamental que tm sido propostos em
funo dessas perspectivas. Evidentemente, no
se promoveu aqui uma explorao detalhada de
todos os processos comportamentais
mencionados, o que fugiria ao propsito deste
pequeno estudo.
O cliente que ser chamado de Patrick era
um rapaz culto, inteligente, agradvel e bem
apresentvel. Segundo seu relato, fora
preparado nas melhores universidades do pas
para assumir os negcios da famlia. Relatou
que, durante a infncia e adolescncia, vivera
entre pais em conflito permanente e que lhe
davam todas as oportunidades e uma vida
confortvel, de poucas restries financeiras.
Praticava esportes e era bom aluno. Durante
toda a sua vida percebera sua me como vtima
de um marido agressivo. Jovem, foi cursar
faculdade em outra cidade, onde continuou com
sua prtica de esportes, uma atividade que lhe
era prazerosa e que tambm promovia sua fuga
e esquiva do contexto familiar. Estava na ps-
graduao quando seu pai morreu e ele foi
chamado a assumir com a me, os negcios da
famlia. No era o que pretendia to
rapidamente. Pensava em trabalhar com outras
empresas e criar seus negcios de forma
independente.
Comeou a trabalhar e a sentir muito
desnimo, ansiedade e apresentar muitas
respostas de fuga e esquiva do ambiente e das
tarefas relacionadas ao trabalho, deixando
tambm de praticar os esportes. Relatou que
gostava de administrao e que se
envergonhava de seus ciclos de animao e
desnimo, julgando-se e sendo julgado pela
me como preguioso e incapaz. Procurou
psiquiatra e foi identificado como tendo
Transtorno Bi-Polar, medicado e encaminhado
para terapia, o que fez, por algum tempo, com
outro profissional, sem muita melhora, segundo
o seu relato.
Manteve-se em medicao e
posteriormente procurou outra proposta
psicoterpica porque achava que estava
piorando e agora tinha medos que nunca tivera
e dentre eles, medo de voar. Sua fala era algo
como sinto-me mal por isso, como se no
fosse ningum e incapaz de controlar minha
ansiedade e meu desnimo, to fortes... de
controlar minha ao no trabalho... no me
sinto capaz de olhar pra mim como os outros
me vem... no sou competente.
As informaes colhidas podiam levar a
terapeuta interpretao de que Patrick, sem
perceber, estaria generalizando a aversividade
do contexto familiar, vivida na infncia e na
adolescncia, para o ambiente de trabalho e
estar julgando-se por ter reaes que aprendera
a condenar, sem identificar as contingncias
que a geravam.
No decorrer do processo, aos poucos, foi
mencionando o quanto se sentiu dividido pelos
pais durante toda a sua vida e o quanto estes
competiam entre si pelo controle do filho.
Destacou que eles no o ouviam e o criticavam
todo o tempo, inclusive igualando seus
comportamentos aos que detestavam no outro
cnjuge. Relatou muitas falas desqualificadoras
e a ironia com que lidavam com seus
encobertos, jamais admitindo que estivesse
certo em seus sentimentos e opinies, a
despeito das consequncias (mesmo que
positivas) desses comportamentos no ambiente.
De acordo com Patrick, eles venciam um ao
outro sobre mim... eu me abstraia, fazia
esportes... ali conseguia no me sentir assim
ansioso, invadido e dividido, pois, para os
pais, a prtica de esportes no era relevante.
Suas boas notas e bom comportamento na
escola faziam com que eles tambm se
mantivessem afastados, de certa forma, desse
ambiente e de falar sobre isso. Relata que se
sentia muito estraalhado ao pensar nesse
processo.
Ao discorrer sobre tais aspectos, j
percebidos na terapia anterior, usava muitas
metforas, o que chamou a ateno da
terapeuta. Questionado por ela sobre isso,
relatou que havia desenvolvido, desde muito
cedo, uma forma de analisar e avaliar o impacto
do comportamento dos pais e das demais
pessoas sobre ele, o que o ajudara a ter
parmetros do quanto estaria certo ou errado
no que pensava ou sentia. Assim, imaginava
Sofrimento e Anlise do Comportamento 393
cenas de sofrimento fsico que lhe pareciam
relacionadas ou equivalentes ao que sentia
psicologicamente.
Por exemplo, quando sentia mal por sua
me usar alguma informao pessoal que ele
lhe havia dado, em um contexto em que ela o
agredia e desqualificava, havia um embate
entre eles. E, quando ela no mais prevalecia
sobre ele apresentando respostas agressivas,
chorava e se descrevia como vtima, o que lhe
gerava muita culpa e o fazia cessar. Depois do
episdio, ele carregava muito sofrimento. Para
entender se tinha ou no culpa e o que fazer,
elaborava uma metfora do tipo,
como se eu tivesse dado a ela um
presente (confiana) e ela se mostrasse
feliz com isso e depois jogasse o presente
/ objeto contra mim e me machucasse, o
usasse como uma arma contra mim,
quando fosse bom para ela e at
injustamente. Para me defender, eu
coloco a mo na frente e o objeto volta
para ela e a fere. Bem, ento ela no
pode me culpar porque se machucou.
Com este comportamento, de elaborar
metforas, fora aprendendo a analisar
interaes e a responder a elas. E tinha muita
habilidade em fazer isso, usando-a tambm na
terapia em seu benefcio.
Interessantemente, observou mais frente
que a conscincia total do quanto fora
invalidado e dividido por seus pais havia se
dado mais recentemente, facilitada pelo
processo psicoterpico ao qual havia se exposto
anteriormente. Temporalmente, isto acontecera
na mesma poca em que ocorreram sucessivos
acidentes de avio no pas. Patrick lembrava-se
de sentir muita atrao por ver as fotos e muita
dor e empatia pelas pessoas que haviam sido
destroadas. Relata que era muito forte seu
sentimento de ter sido dividido, como as
vtimas dos acidentes. Emocionalmente, sentia-
se quebrado ao meio ou em partes, de uma
forma especial. Na situao, contudo, sentia-se
relacionado, mas no relacionava seu
sofrimento psicolgico ao sofrimento fsico que
elas tiveram, claramente. Relata, ento, que, a
partir da, passou a ter comportamentos de fuga
e esquiva de viajar de avio, (que anteriormente
amava, achava seguro e at pensava em
aprender a pilotar avies!) ver fotos de
acidentes, ver avies ou ir ao aeroporto, j que
estes pensamentos e imagens o remetiam aos
acidentes.
Essa compreenso ocorreu quando, num
processo de exposio gradual, aceitou ver,
com a terapeuta, fotos de acidentes de avio
sem pessoas destroadas. Parece, portanto, que
um processo verbal estava altamente
relacionado determinao do seu medo de
voar! Havia desenvolvido uma habilidade
especial, durante sua vida, de elaborar
metforas, e elas o ajudavam a desenvolver
autoconhecimento, autorregras e outros
comportamentos, at ento. E, agora, estando
exposto a episdios concretos, que corriam no
mundo fsico e na vida de outras pessoas,
(pessoas sendo destroadas em acidentes de
avio) e que estavam relacionados s
metforas que o ajudaram na descoberta de
determinantes de seu sofrimento, (fui
estraalhado, separado, dividido em partes...
sofri muito... ainda sofro psicologicamente ...)
e com ambos ocorrendo no mesmo espao de
tempo, portanto, estando temporalmente
associados, mas sem nenhuma relao causal
direta, obviamente, o cliente estava sob
controle de relaes complexas de estmulos
que o incluam, de alguma forma, o que fez
com que estmulos, anteriormente reforadores
positivos (tais como o viajar de avio e outros
relacionados) se transformassem em
estimulao aversiva, da qual passara a
esquivar-se, ampliando e aumentando, assim, o
seu sofrimento. Como se sabe, no preciso
que haja relato (mesmo que para si mesmo) das
contingncias as quais se est exposto para que
elas operem!
O sofrimento deste cliente pde ser melhor
compreendido com ajuda dos estudos sobre
comportamento verbal e o funcionamento da
linguagem. Benito Prez Galdoz (1843-1920),
escritor espanhol, diz que palavra e pedra solta
no tm volta, o que metaforicamente mostra
o efeito negativo que elas podem ter para um
indivduo ou uma cultura. Contudo, os analistas
do comportamento podem dizer hoje, com mais
propriedade, que seu curso, sua funo nas
cadeias comportamentais e sua autonomia
podem ser afetadas e propem, para isso,
processos psicoterpicos, analtico-
comportamentais bastante organizados.
Iniciativas mais recentes nessa direo
esto organizadas em um conjunto denominado
Terapias da Terceira Onda. Segundo Prez-
lvarez (2006), tais propostas tm em comum
o fortalecimento do enfoque behaviorista
radical na psicoterapia, com nfase na mudana
de contingncias, mais do que na conduta
394 Conte, F. C. S.
governada por regras. Mais uma vez refuta-se o
uso do modelo mdico na psicoterapia,
fortalece-se o carter idiossincrtico das
anlises e novas categorias diagnosticas que so
funcionais so propostas, como no caso da j
mencionada esquiva experiencial. Ainda, estes
processos se propem a afetar classes
comportamentais mais amplas, ao invs de
afetar queixas menores, como por exemplo, a
forma com a qual os indivduos lidam com seu
sofrimento, humano, verbal, de maneira geral e
com os seus reforadores e valores.
A novidade, aqui, no seria a incluso
dessa perspectiva na psicoterapia, que pode ser
observada em vrias outras formas de
psicoterapia mais tradicionais, e sim o estudo
cientfico de tais aspectos. Assim,
contrariamente ao que prope o contexto
socioverbal vigente que considera que o
normal ter uma vida sem sofrimento e que
aqueles que no o conseguem esto fracassando
na arte de bem conduzir a vida, os analistas
do comportamento compreendem que
sofrimento e prazer so os dois pontos finais
em um contnuo que, de acordo com Luciano,
Valdivia, Gutirrez e Pez-Blarrina (2006), se
ampliam e se transformam quando se trata de
seres verbais. Em consonncia, refuta com mais
fora a noo de que o sofrimento humano seria
um estado atpico ou anormal, em paralelo ao
que se conhece sobre as doenas fsicas e os
mitos das causas internas. As causas esto
nas contingncias ambientais.
Mais especificamente, as Terapias da
Terceira Onda demonstram que o sofrimento
humano ou psicolgico essencialmente verbal
e como o comportamento verbal e a linguagem
o produzem. A linguagem humana, enquanto
conjunto de prticas verbais que so
compatilhadas por uma comunidade,
considerada mais que uma mera vocalizao ou
forma de comunicao. Para Hayes, Strosahl e
Wilson (1999), ela vista como uma atividade
simblica em qualquer que seja o domnio em
que ocorra (gestos, desenhos, formas escritas,
sons e etc.) (p. 10-11).
Os seres humanos passam por um treino
extenso da habilidade de derivar relaes entre
eventos e smbolos, dentro de uma cultura.
Com isso, tornam-se tambm hbeis para
avaliar o impacto de suas aes, anteverem um
futuro, aprender com o passado, manter,
construir e passar conhecimentos e tambm
regular seu prprio comportamento e dos
demais. Em consequncia, adquirem um
instrumento importante para evitar o sofrimento
desnecessrio e discriminar mais facilmente
fontes de estimulao reforadora. Porm, a
linguagem no sempre boa ou boa em si
mesma, como demonstrado anteriormente.
necessrio que se aprenda a us-la sem se
deixar consumir ou ser manejado por ela,
inapropriadamente. O mesmo instrumento
que pode diminuir o sofrimento humano pode
ger-lo (Hayes et al., 1999).
As propostas atuais de interveno clnica
analtico-comportamentais incluem em seus
processos propostas e estratgias que visam
demonstrar, tambm aos clientes, as funes
que a linguagem exerce no controle do
comportamento e do sofrimento humano e
ajud-los a colocar seu comportamento mais
sob controle de contingncias positivas,
discriminativamente, do que sob controle de
contingncias verbais arbitrrias e reforamento
negativo.
As Terapias Comportamentais de Terceira
Onda fortalecem a natureza contextual e
socioverbal dos problemas e a anlise funcional
dos eventos privados e teorizam sobre novas
classes comportamentais enquanto categorias
diagnsticas funcionais. Ainda, mais do que
incentivar a luta contra os encobertos, propem
que o cliente abandone a luta contra eles, (o que
chama de sintomas), os aceite e busque uma
orientao para a sua vida e os seus valores. Em
outras palavras, o cliente deve, durante o
processo, escolher entre viver respondendo de
maneira a fugir e esquivar-se de eventos
privados aversivos, tendo alvio temporrio e
aumentar a fora de tal cadeia comportamental
em longo prazo, gerando para si mesmo mais
sofrimento em ciclo inescapvel, ou agir de
forma a fortalecer a probabilidade de
ocorrncia de reforamento positivo, a
despeito da presena de encobertos aversivos.
Para isso, deve ter clareza de quais so os seus
reforadores, desde aqueles mais prximos e
concretos, at os mais distantes ou abstratos,
chamados de valores. Valores so os
reforadores estabelecidos atravs do
comportamento verbal e suas funes e
caractersticas
vo alm das que podem ser
estabelecidas por processos diretos de
condicionamento... quando o ser humano
aprende a comportar-se de forma
relacional ou simblica, dispe de um
novo meio para a formao e a alterao
Sofrimento e Anlise do Comportamento 395
de funes. O processo de formao de
valores nos permite explicar por que
encaminhamos nossas aes para algo
que pode estar somente calcado no que
mais bsico, (prazer e eliminao da dor
imediata) ou para algo mais relevante
que impregna simbolicamente cada ato
que levamos a cabo. Por exemplo, aes
realizadas por honestidade, respeito aos
outros, fidelidade, conhecimento e por
certa transcendncia (Luciano et al.,
2006, p. 179).
Tais terapias exigem dos terapeutas
clareza e coerncia sobre os princpios
filosficos conceituais e suas prticas e,
portanto, um treinamento especial, segundo
afirma Kohlenberg et al. (2009). Rapidamente,
como ilustrao, delinearemos duas propostas
teraputicas representativas destas terapias
comportamentais: a Psicoterapia Analtica
Funcional (FAP), de Kohlenberg e Tsai (1987),
e Terapia da Aceitao e Compromisso (ACT),
de Hayes et al. (1999).
A ACT tem como objetivo o manejo de
encobertos. Contudo, ao invs de afetar seu
contedo, pretende alterar a funo arbitrria
automtica, rgida ou generalizada que os
eventos privados assumem na determinao dos
comportamentos e na organizao das cadeias
comportamentais e colocar o responder do
cliente sob controle de contingncias
ambientais externas relacionadas aos seus
valores (Hayes et al., 1999). Tal processo se
daria com a quebra da rigidez comportamental
(entendida aqui, livremente pela autora, como o
responder de forma generalizada sob controle
de estimulao verbal arbitrria regras
disfuncionais, por exemplo sem observar ou
regular-se pelas consequncias finais que disso
decorrem). Tal classe de resposta, para os
autores da ACT, seria fruto da fuso cognitiva
(termo por eles cunhado aqui interpretado como
habilidade de responder de forma
funcionalmente equivalente aos eventos e seus
smbolos ou a outros estmulos arbitrrios que a
eles se relacionem, a partir de qualquer chave
ou quadro relacional, como o temporal, no caso
de Patrick e seu medo de voar, por exemplo) e
da esquiva experiencial, como j definida
anteriormente, que gera alvio encoberto e
fortalece toda a rede comportamental. Em
contrapartida, prope que o cliente desenvolva
mais aceitao (j que sentir uma
possibilidade humana e que o que se sente
depende das contingncias), tolerncia
emocional (ou seja, permanea em contato com
o sofrimento encoberto inescapvel, que
provavelmente ocorre com a exposio
estimulao aversiva condicionada, sem fugir
ou evit-la), e flexibilidade comportamental (ou
seja, maior variabilidade comportamental sob
controle das contingncias reforadoras
positivas, mais do que de encobertos
arbitrariamente mantidos, sejam eles verbais ou
no), e desta forma, fortalea seu responder
sob controle de reforadores relevantes e
positivos. Um procedimento interessante
utilizado na ACT para modelar a tolerncia e a
aceitao emocional chamado de
mindfulness ou ateno plena e se baseia nas
prticas de meditao orientais. Trata-se aqui
de colocar o cliente em contato com os
sentimentos e outros encobertos, indesejados
ou no, sem comportamentos de julgamento
ou fuga-esquiva. Implica em responder a eles
apenas como observador, quando de sua
ocorrncia. O cliente deve vivenciar, descrever
suas reaes encobertas sem avaliao e com
aceitao, impedindo que a estimulao verbal
transforme o que v e o que sente em outra
estimulao e d a ela funes inadequadas nas
cadeias comportamentais. Neste processo, ao
que parece, a proposta que se favorea ao
cliente o desenvolvimento da habilidade de
quebrar relaes resposta-resposta, como por
exemplo, entre a resposta de emocionar-se
raivosamente e, em decorrncia,
automaticamente, responder com julgamento
dessa emoo e de si mesmo como bom ou
ruim e, ainda, dar a estas respostas a funo de
estmulos discriminativos para respostas de
fuga e esquiva desses encobertos, ignorando
contingncias ambientais externas relevantes.
Deve perceber que as respostas e o seu
encadeamento, assim como o comportamento
de atribuir funes causais a esses eventos,
foram aprendidos e se mantm de forma
arbitrria, inclusive sob controle de regras e
conceitos verbais inadequados, que alm do
mais, podem estar afetando tambm a sua
sensibilidade s contingncias.
Alm de fazer parte da ACT, a prtica da
ateno plena tem sido considerada tambm um
processo teraputico em si mesmo (Pareja,
2006). Estas e outras estratgias mais
experienciais, a ACT tambm se utiliza de
maneira intensa de metforas como estratgias
para demonstrar e afetar a arbitrariedade da
construo da linguagem e a funo que ela e o
396 Conte, F. C. S.
comportamento verbal podem exercer na
determinao das redes comportamentais.
Quando um cliente como Patrick, por
exemplo, diz terapeuta que no vive mais em
luta com seus encobertos e que os tolera,
enquanto tenta viver os fatos presentes,
responder as contingncias atuais, agindo na
direo de seus objetivos (como voar ou ter
sucesso em seu trabalho), escolhendo sofrer
com seus enfrentamentos, demonstra que est
conseguindo modificar a funo que seus
encobertos exercem em suas cadeias
comportamentais e minimizar o seu efeito
negativo em sua vida. Evidentemente, as
exposies, com mximo de ateno plena,
agora para a estimulao relevante e no para
os encobertos disfuncionais, a no mais
ocorrncia de reforamento das esquivas
experienciais, os encobertos tendem a se
extinguir, as respostas do cliente tm mais
chance de serem controladas pelas
contingncias ambientais positivas, imediatas
ou atrasadas, aumentando a fora daquelas que
esto em direo aos valores pelos quais a
vida vale a pena ser vivida.
Em resumo, mais do que lidar com um
sofrimento especfico, a ACT pretende dar ao
cliente um instrumental que o ajude a lidar, de
forma mais eficaz e continuamente, com o
sofrimento que fortemente determinado e
mantido por contingncias verbais e
reforamento negativo. O repertrio novo a ser
aprendido deve favorecer o estabelecimento de
uma vida onde reforamento positivo seja mais
frequente.
J a FAP, decorre de estudos de
Kohlenberg e Tsai nos anos de 1980 e 1990
sobre os processos comportamentais que
ocorrem nas interaes terapeuta-cliente, numa
perspectiva behaviorista radical. Interessa aos
autores, principalmente, aquelas interaes em
que existem vnculos intensos e que se mostram
potencialmente mais curativas, ou seja, esto
relacionadas aos melhores resultados. Na FAP,
o principal instrumento de mudana a anlise
funcional da relao teraputica. O seu objetivo
afetar problemas ou o sofrimento humano que
de natureza interpessoal. Considera-se que a
relao terapeuta-cliente um contexto no qual
os comportamentos relevantes do cliente
podem se apresentar e onde o terapeuta pode
agir propiciando mudanas, em tempo real e
atravs de contingncias de reforamento
funcionalmente similares s que ocorrem no
contexto e no ambiente que o cliente vive de
fato (Kohlenberg et al., 2005).
A ocorrncia de equivalncia funcional
entre a situao teraputica e da vida cotidiana
favoreceriam tanto a apresentao de respostas
de classes funcionais relacionadas aos
problemas do cliente, como tambm seriam
uma oportunidade para produo de mudanas
comportamentais que poderiam ser
generalizadas para fora da clnica. Nesse
processo, importante que sejam definidas as
classes de comportamentos clinicamente
relevantes tanto do repertrio do cliente, como
do terapeuta. Os comportamentos do cliente
so categorizados como CRBs-1, membros de
uma classe funcional relacionada a ocorrncia
de problemas; os CRBs-2, que so os
relacionados melhora e geralmente
incompatveis com os primeiros, e os CRBs-3,
que so comportamentos da anlise do prprio
comportamento (Kohlenberg & Tsai, 1987), e
os comportamentos do terapeuta so rotulados
como Ts-1, comportamentos que tenderiam a
fortalecer os comportamentos-problema do
cliente e os Ts-2, comportamentos do terapeuta
que poderiam favorecer a ocorrncia das
melhoras pretendidas (Kanter et al., 2009).
Assim, os comportamentos do terapeuta em
sesso, podem vir a ter funo discriminativa,
eliciadora ou reforadora para os
comportamentos do cliente, tanto
problemticos, como de melhora, e nessa
combinao de comportamentos do cliente e do
terapeuta que aparece a oportunidade de
mudana.
Especialmente interessante na FAP a
discusso que seus autores realizaram sobre os
processos cognitivos, mostrando passo a passo
como, dependendo dos processos de
aprendizagem que ocorreram na histria
individual, as cognies podem ter diferentes
funes e fora de controle nas relaes
resposta-resposta e como o conhecimento sobre
tais aspectos e o sobre o padro
comportamental do cliente pode influenciar o
terapeuta na escolha de procedimentos
teraputicos mais promissores para cada caso
(Kohlenberg, Tsai, Bolling, Parker, & Kanter,
1999; Kohlenberg et al., 2005). Na interao
com o terapeuta, o cliente pode fortalecer seu
repertrio de discriminar os estmulos que esto
controlando o seu responder, sejam eles abertos
ou encobertos e aumentar a ocorrncia e a sua
sensibilidade aos que lhe so mais relevantes.
Alm dessas questes, os autores tambm
descreveram como se d a formao do Self,
Sofrimento e Anlise do Comportamento 397
como j dito anteriormente, e apresentaram
propostas de como enfocar, na relao
terapeuta-cliente, os problemas a ele
relacionados. Enfim, a evoluo dos
conhecimentos sobre os processos
comportamentais, principalmente verbais, vem
sendo incorporada analise clnica
comportamental e dando aos terapeutas mais
recursos para lidar com o sofrimento dos seus
clientes e ajud-los a construir uma vida mais
valorosa. Estes recursos somam-se s tcnicas,
procedimentos e estratgias comportamentais
que os precederam, complementando-os com
compatibilidade. No apenas se agregam a eles,
mas afetam e transformam qualitativamente os
processos comportamentais psicoterpicos.
O que se descreveu aqui no uma reviso
de estudos e nem sequer mencionam-se todas
as propostas teraputicas da Terceira Onda.
Mesmo que isso tivesse sido feito, o que se tem
hoje representa apenas o comeo das
extrapolaes e aplicaes possveis do que tem
sido produzido conceitual e filosoficamente,
para a prtica clnica. O que se conhece hoje
promete um espectro extenso de possibilidades!
E, como responder pergunta inicial? Que
as pessoas sofrem e so felizes e tm, para isso,
muitos recursos verbais. Podem ter, ao mesmo
tempo, medo e coragem; podem sentir-se
amarradas enquanto andam, rapidamente, em
direo a seus valores. O que aparentemente
paradoxal ou contraditrio nada mais do que a
riqueza das possibilidades humanas, cuja
compreenso ajuda terapeutas a aumentarem a
flexibilidade e amplitude comportamental de
cada cliente e, consequentemente, a produzir
mais bem estar individual e social.
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Enviado em Junho de 2010
Aceite em Outubro de 2010
Publicado em Janeiro de 2011
ISSN 1413-389X Temas em Psicologia - 2010, Vol. 18, no 2, 399 414
Fibromialgia e Estresse: explorando relaes
Maria de Jesus Dutra dos Reis
Universidade Federal de So Carlos SP Brasil
Laura Zamot Rabelo
Universidade Federal de So Carlos SP Brasil
Resumo
O presente estudo teve como objetivo descrever possveis correlaes entre estresse, transtornos
fsicos e/ou mentais e diferentes formas de vitimizao em pacientes com fibromialgia (FM). Foram
examinados 16 pronturios de pacientes que recebiam tratamento por fisioterapeuta e psiclogo. Os
pronturios incluam os resultados de avaliaes em Psicologia e Fisioterapia, indicadores de sade
geral, de nvel socioeconmico e registros, em udio e vdeo, de sesses em psicoterapia.
Adicionalmente, foram analisados os escores em inventrios de estresse, ansiedade e depresso,
obtidos no incio do tratamento. As sesses de psicoterapia foram examinadas e os relatos de eventos
vitimizadores ao longo da vida foram organizados em cinco categorias: negligncia e abuso
emocional, abuso fsico, assdio e abuso sexual. As pacientes eram 16 mulheres, com idade variando
entre 22 e 73 anos. Todas apresentaram indicadores de estresse. Correlaes significativas foram
estabelecidas entre tender points, estresse e ansiedade. No relato dos pacientes, Negligncia e abuso
emocional foram as categorias predominantes, tanto na infncia, quanto na vida adulta. Categorias de
vitimizao na infncia foram positivamente relacionadas ansiedade, depresso e tender points.
Vitimizao na infncia e trabalho infantil foram correlacionados a um maior nmero de doenas na
vida adulta, enquanto abuso fsico foi positivamente associado a doenas musculoesquelticas. Uma
proposta tenta integrar as diversas correlaes observadas de uma perspectiva analtico-
comportamental.
Palavras-chave: Fibromialgia, Estresse, Ansiedade, Depresso, Vitimizao.
Fibromyalgia and Stress: Exploring relations
Abstract
The present study aimed to investigate possible correlations between stress, mental and physical
disorders, and different forms of victimization in fibromyalgia patients (FM). The medical records of
16 patients who received treatment from both a physiotherapist and a psychologist were examined.
The medical records included the results from psychological and physiotherapeutic assessments,
general health information, economic indicators, as well as both transcripts and copies of videotaped
and audiotaped therapy sessions. Additionally, the patients records included stress, anxiety and
depressions scores obtained at the beginning of treatment that were taken into consideration. The
therapy sessions were analyzed and lifelong victimization events were classified in the following five
categories: emotional neglect and abuse, physical abuse, sexual harassment and abuse. The patients
were women between 22 and 73 years of age. All of them presented stress indicators. The analysis
revealed significant correlations between tender points, stress, and anxiety. Emotional neglect and
abuse during childhood and adulthood were the predominant categories in patients reports.
Victimization categories in childhood were positively related to anxiety, depression and tender points.
Early victimization and child labor were correlated with different medical conditions in adult life,
while physical abuse was associated with pathologies of the muscular-skeletal system. A tentative
proposal to integrate the observed correlations from the perspective of Behavior Analysis is presented.
Keywords: Fibromyalgia, Stress, Anxiety, Depression, Victimization.
_____________________________________
Endereo para correspondncia: Profa. Dra. Maria de Jesus Dutra dos Reis - Universidade Federal de So Carlos
(Psicologia), Via Washington Luis, Km 235, Cx Postal 676, Monjolinho, So Carlos, SP. CEP.: 13565-905. E-
mail: [email protected].
400 Reis, M. J. D., & Rabelo, L. Z.
A Fibromialgia (FM) tem sido definida
como uma sndrome dolorosa crnica,
caracterizada por dor musculoesqueltica
difusa, ocorrendo ao longo do esqueleto axial.
Nos critrios clnicos de diagnstico,
estabelecidos pelo American College of
Rheumatology (ACR) em 1990, no exame por
apalpao devem ser identificados pelo menos
11 pontos dolorosos dos 18 tender points
estabelecidos. Distrbios do sono, fadiga,
depresso e ansiedade so alguns dos sintomas
frequentemente associados sndrome
(Cavalcante et al., 2006; Goldenberg, 2005;
Wolfe et al., 1990).
Estudos de prevalncia da FM, em
populao adulta, tm mostrado uma variao
entre 0,66% e 3,2%, com maior incidncia no
sexo feminino (aproximadamente 6:1), na faixa
etria entre 35 e 60 anos. A prevalncia pode
aumentar para 24,7% quando o estudo restringe
a populao a filhos e familiares de mulheres
com FM (Cavalcante et al., 2006). Em estudo
com populao brasileira, a FM foi a segunda
mais frequente patologia reumatolgica em
atendimento ambulatorial, com prevalncia de
2,5% (Senna et al., 2004).
A FM somente foi reconhecida como
doena em 1990 e, at os dias de hoje, inexiste
consenso com relao sua etiologia e
manuteno. Embora os sintomas possam
persistir ao longo dos anos, no existem
anormalidades bioqumicas, imunolgicas ou
anatmicas que se mantenham constantes ao
longo do tempo, permitindo um diagnstico
mais preciso. Contudo, a comorbidade
recorrentemente documentada entre esta
patologia e transtornos psicolgicos tem levado
alguns autores a postular que uma explicao
plausvel para esta sndrome possivelmente
dever ser construda considerando as
interconexes entre processos biolgicos,
psicossociais e psicopatolgicos da dor
(Thieme, Turk, & Flor, 2004; Van
Houndenhove & Luyten, 2005).
A comorbidade entre FM e Depresso
Maior pode variar de 22% a 90%, levando
autores a hipotetizar que FM poderia ser uma
desordem subjacente a processos relativos
depresso (Ahles, Yunus, & Mais, 1987;
Meyer-Lindenberg & Gallhofer, 1998; Pae et
al., 2009). Da mesma forma, estudos
identificam uma relao entre transtornos de
ansiedade e FM. Arnold et al. (2006) relatam
que pacientes com FM, comparados com
portadores de outros quadros em reumatologia,
apresentam seis vezes mais possibilidade de
comorbidade com diferentes transtornos de
ansiedade (ex.: Estresse Ps-Traumtico,
Sndrome do Pnico, entre outros). Em estudo
com populao brasileira, foram avaliadas 74
mulheres casadas com idade entre 21 e 65 anos;
47 alcanaram os critrios da ACR e 27 no
apresentavam dor crnica (grupo controle).
Utilizando Testes de Hamilton para avaliao
da Depresso e da Ansiedade, observou-se que
80% das pacientes com FM obtiveram escore
de depresso contra 12% do grupo controle;
63,3% apresentaram ansiedade, contra 16% do
controle. Estas diferenas entre os grupos
foram estatisticamente significativas (Martinez,
Ferraz, Fontana, & Atra, 1995).
Investigaes tm examinado ainda a
relao das dores crnicas e um processo
psicobiolgico relativamente importante: o
estresse (Cleare, 2004; Van Houndenhove &
Egle, 2004). Sempre que um organismo
identifica alteraes no ambiente,
potencialmente positivas ou danosas, que
exigiriam mudanas significativas no
responder, entra em curso um conjunto de
alteraes adaptativas com componentes
hormonais, fsicos, comportamentais e
cognitivos. De uma perspectiva biolgica,
define-se resposta de estresse como um
processo filogeneticamente selecionado
envolvendo a ativao de dois eixos
neurobiolgicos distintos e interrelacionados:
(1) o Eixo Hipotalmico-Pituitrio-Adrenal
(HPA) e (2) o Eixo Simptico Adrenomedular
(SAM). O Eixo HPA tem seu funcionamento
acionado por um evento estressor, levando o
hipotlamo a liberar o hormnio corticotropina
(CRH); este agir sobre a glndula pituitria,
liberando adrenocorticotropina (ACTH) na
corrente sangunea. Ao mesmo tempo, o ACTH
ir estimular o funcionamento das glndulas
adrenais, liberando trs hormnios que
aumentam a prontido do organismo para
responder ao perigo: epinefrina (conhecida
como adrenalina), noraepinefrina e
glicocorticoides. O Eixo SAM, componente do
Sistema Nervoso Autnomo, estimulado pela
descarga de CRH e dos hormnios liberados
pelo Eixo HPA, controla respostas autnomas
que regulam a presso sangunea, o batimento
cardaco e a digesto; tambm responsvel
por orquestrar dimenses do funcionamento do
sistema lmbico, amgdala e hipocampo,
responsveis por regular respostas emocionais e
de luta/fuga, processamento da memria e
Fibromialgia e Estresse 401
motivao. A liberao continuada de
glicocorticoides, particularmente cortisol,
inibir a produo de CRH pelo hipotlamo,
fechando o ciclo da resposta de estresse
(Almeida, 2003; Gunnar & Quevedo, 2007).
O funcionamento destes dois sistemas
converge para um conjunto de mudanas que
maximiza as chances de sobrevivncia,
protegendo o indivduo em um ambiente hostil.
Mudanas na presso sangunea e sistema
respiratrio aumentam a eficincia de respostas
musculares de defesa; o sangue se afasta das
extremidades, concentrando-se nas coxas e
bceps, evitando sangramento excessivo no
caso de ferimento. Processos perceptivos e
atencionais colocam o indivduo em
permanente vigilncia, devotando sua ateno
localizao e identificao de fontes de danos.
O aumento de corticoides facilita a
cicatrizao, amplia o efeito anti-inflamatrio e
inibe o funcionamento do sistema imunolgico,
diminuindo o risco imediato de infeces.
cidos estomacais agilizam o processo
digestivo, permitindo o aproveitamento de
fontes de energia (glicose e gorduras).
Comportamentos reflexos e operantes,
previamente selecionados, tero sua
probabilidade de ocorrncia aumentada. Esta
cascata de eventos, denominada fase de alerta,
deve ser inibida to logo as condies do
ambiente se mostrem favorveis.
Em condies continuamente estressoras,
o organismo progride na direo de ativao
mxima do sistema, alcanando um patamar em
curva assinttica de funcionamento;
denominou-se persistncia neste contexto de
funcionamento de fase de resistncia. Nesta
fase observa-se o aumento de sintomas, tais
como: insnia; alteraes de funes
psicolgicas como percepo, memria e
concentrao; irritabilidade; fadiga; hipertenso
arterial; diabetes; doenas no sistema digestrio
(ex. gastrite, lceras, entre outras); perda de
eficincia do sistema imunolgico, favorecendo
o aumento de infeces (ex., rinites, sinusites,
gripes, pneumonias, etc); entre outros. Autores
propem que, quando do aparecimento de
doenas crnicas e sistmicas, uma nova fase
deveria ser considerada, denominada de quase-
exausto (Lipp, 2003).
Em ltima instncia, a permanncia em
ambiente estressor, com persistncia da fase de
resistncia (ou de quase-exausto) por ativao
ininterrupta da resposta de estresse, pode
conduzir o sistema a um colapso, levando o
organismo fase de exausto. Nesta ltima
fase, o indivduo apresentar disfunes
mltiplas que, eventualmente, podero levar a
bito (Lipp, 1984; Lipp, 2003; Moreno Jr.,
Melo, & Rocha, 2003; Selye, 1965; Wyler,
Masuda, & Holmes, 1968).
Estudos tm apontado que uma populao
significativa de pacientes com dores crnicas,
em particular FM, parecem apresentar
alteraes no funcionamento do Eixo HPA
(Okifuji & Turk, 2002). Foram relatados
hipersensibilidade, resposta excessiva a
estressores fsicos e/ou psicolgicos, disfunes
relativas ao cortisol, entre outros (Crofford et
al., 1994; Crofford et al., 2004; Okifuji & Turk,
2002). Alm disto, investigaes parecem
indicar que estratgias teraputicas voltadas
para um melhor funcionamento do Eixo HPA
tm demonstrado um razovel grau de eficcia
no tratamento da patologia (Bonifazi et al.,
2006; Holtorf, 2008).
Pesquisas tm estabelecido uma relao
significativa entre exposio a situaes
estressoras sociais na fase inicial do
desenvolvimento e disfunes dos eixos do
estresse, similares quelas observadas nos
pacientes com FM. Revises bibliogrficas,
sumarizando resultados de pesquisa com
diferentes modelos animais (ex. roedores e
primatas no humanos) e com humanos,
parecem indicar que a privao social,
particularmente do cuidado materno, pode
produzir mudanas anatmicas e funcionais no
sistema do estresse, comprometendo a
eficincia e eficcia do seu funcionamento
(Sanchez, Ladd, & Plotsky, 2001; Gunnar &
Quevedo, 2007; Uchida et al., 2009).
De fato, resultados parecem corroborar a
teoria de que alguns padres estressores de
relaes familiares, particularmente negligncia
e abusos na infncia, podem contribuir para a
predisposio, etiologia e manuteno das
dores crnicas em geral e, em particular, da FM
(Davis, Luecken, & Zautra, 2005; Murray Jr.,
Murray, & Daniels, 2007; Otis, Keane, &
Kerns, 2003; Raphael, Spatz, & Lange, 2001).
Foi observado que mulheres com FM relatam
mais abusos fsicos e sexuais, ao longo da vida,
do que aquelas em tratamento por outras
doenas reumatolgicas (Boisset-Pioro,
Esdaile, & Fitzcharles, 1995; Ciccone, Elliott,
Chandler, Nayak, & Raphael, 2005). Vivncias
traumticas, relaes coercitivas, conflitos e
sobrecarga familiar tambm foram descritos em
402 Reis, M. J. D., & Rabelo, L. Z.
relatos de casos clnicos com populao
brasileira (Queiroz, 2009).
Van Houndenhove et al. (2001)
investigaram o papel de eventos estressores por
vitimizao e sua relao com a dor crnica.
Participaram 242 mulheres, distribudas em trs
diferentes grupos. No Grupo 1 estavam
arroladas 41 mulheres com FM e 54 com
Sndrome de Fadiga Crnica (SFC); no Grupo
2 participaram 52 mulheres com outras
patologias reumatolgicas sem cronicidade e,
no Grupo 3, 95 sem problemas de sade. Os
tipos de vitimizao analisadas foram
negligncia emocional, abuso emocional,
abuso fsico, assdio sexual (sem contato
fsico) e abuso sexual. Um questionrio era
apresentado aos participantes solicitando: a
descrio de ocorrncia de eventos sociais
adversos, uma estimativa de como teriam
afetado sua vida e o tipo de relao com o
vitimizador. Foram considerados eventos da
infncia aqueles que ocorreram quando o
indivduo tinha menos de 14 anos; eventos que
ocorreram depois desta idade foram arrolados
como sendo da vida adulta. A prevalncia geral
de vitimizao foi maior para o grupo de
pacientes com dor crnica; este grupo
descreveu mais negligncia emocional, abuso
emocional e abuso fsico quando comparado
com os demais grupos. Alm disto, pacientes
com dores crnicas foram vitimizados mais
frequentemente por familiares prximos ou
parceiros.
Recentemente pesquisadores (Smith et al.,
2010) investigaram a relao entre eventos
traumticos, estresse e indicadores de sade
fsica e mental. Os autores compararam o
desempenho de 41 mulheres com FM (Grupo
FM) e 44 mulheres saudveis (Grupo
Controle). Foram avaliados eventos
traumticos, estresse percebido, indicadores de
sade mental e de sade fsica. Os eventos
traumticos foram divididos nas categorias (1)
abusos na infncia (idade inferior a 16 anos),
(2) abusos na fase adulta e (3) outros eventos
traumticos (ex. cirurgias, acidentes de carros,
etc.). Os resultados mostraram que eventos
sociais traumticos na infncia foram
significativamente relacionados a maior
comprometimento da sade fsica e mental, no
grupo com FM.
O presente trabalho teve como objetivo
descrever relaes entre estresse, vitimizao
ao longo da vida e indicadores de sade fsica e
mental, por meio do exame de pronturios e
instrumentos de avaliao de pacientes com
diagnstico de FM, em tratamento com
profissionais de Fisioterapia e Psicologia.
Mtodo
Amostragem
Inicialmente foram examinados todos os
pronturios de pacientes, com diagnstico
fechado de FM, que tivessem recebido (ou
estivessem recebendo) durante os quatro anos
de funcionamento da unidade de sade,
atendimento psicolgico, individual e/ou em
grupo, sob superviso ou atendimento direto de
um dos autores; foram arrolados neste primeiro
exame vinte (20) pronturios. Desta amostra,
foram selecionados os pronturios que
atendessem aos seguintes critrios: (1)
contivessem a assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
autorizando o uso de dados para pesquisa; (2)
registrassem a participao do paciente em pelo
menos oito sesses de psicoterapia, e (3)
contivessem um instrumento de avaliao de
FM, implementado por Fisioterapeuta da
unidade. Dezesseis (16) dos pronturios
atenderam a todos estes requisitos; estes
pronturios apresentavam o histrico de
avaliao e atendimento de dezesseis mulheres
adultas, com idade variando entre 22 a 73 anos.
Local/Materiais/Instrumentos
Todos os pacientes estiveram (ou estavam)
sob atendimento em uma unidade sade-escola,
ligada a instituio de ensino, localizada no
interior da Regio Sudeste. Esta unidade de
atendimento de sade encontra-se ligada ao
Sistema nico de Sade (SUS), funcionando
como uma Unidade de Mdia Complexidade.
Os pronturios institucionais so unificados,
constando dos mesmos a avaliao,
procedimentos e evoluo realizada por todos
os profissionais envolvidos no tratamento.
Uma Avaliao Inicial Geral da
Instituio, rotineiramente implementada no
incio do atendimento para todos os servios de
interveno da unidade, levanta os seguintes
aspectos: 1) identificao; 2) sinais vitais e
antropomtricos; 4) genograma; 3) histrico de
sade e clnico; 5) avaliao de aspectos
relativos ao sono, nutrio, sexualidade e
dependncias qumicas; 6) indicadores de
transtornos psicopatolgicos; 7) indicadores
socioeconmicos, incluindo: escolaridade,
Fibromialgia e Estresse 403
dados ocupacionais, condies de moradia,
saneamento bsico e informaes para o
clculo do Critrio Econmico Brasil do IBEP.
O histrico de sade e clnico contm trs
questes, entre outras, que envolvem o registro
de diferentes informaes: (1) resultados de
exames laboratoriais realizados nos dois anos
anteriores ao incio do atendimento na Unidade
(ex. exames de sangue, urina, radiografias, etc);
(2) registro da medicao e posologia
consumida pelo paciente no incio do
atendimento, por prescrio ou automedicao,
atravs do exame de receiturio, da bula
medicamentosa e do relato verbal; (3) Uma
lista fechada de 26 patologias e um espao para
o registro de outras no listadas. Nesta parte do
questionrio era solicitado que o paciente
declarasse se estaria fazendo, ou se j teria
feito, tratamento (medicamentoso ou cirrgico)
para cada uma das patologias; solicitava-se,
ainda, se esta haveria sido diagnosticada e
tratada em outros membros da famlia (filhos,
parceiros e Pais). Esta lista de patologias a
serem investigadas foi gerada, no momento da
elaborao do Instrumento, pela compilao de
indicaes feitas por diferentes profissionais de
sade da unidade (ex. Psiquiatra, Neurologista,
Fisioterapeutas, Enfermeiros, Psiclogos,
Terapeutas Ocupacionais, Farmacuticos, entre
outros).
No atendimento em Psicologia, todas as
sesses foram gravadas em mdia de udio e,
eventualmente, algumas foram registradas por
filmadora digital (seis sesses); as quatro
primeiras sesses realizadas por estagirios,
alm disto, apresentavam registro adicional na
forma de transcries. Durante as sesses
iniciais, em quaisquer condies de
atendimento, trs inventrios psicodiagnsticos
eram aplicados: o Inventrio de Sintomas de
Stress para Adultos de LIPP (ISSL), o
Inventrio Beck de Depresso (BDI) e o
Inventrio Beck de Ansiedade (BAI).
O Inventrio de Sintomas de Stress solicita
a autoidentificao da ocorrncia de sintomas
(1) no dia anterior avaliao, (2) na semana
anterior e (3) no ltimo ms. Quatro fases de
estresse, segundo o modelo proposto por Lipp
(2003), so identificveis, da mais leve de
maior cuidado: Alerta, Resistncia, Quase-
exausto e Exausto.
O Inventrio de Depresso (BDI)
composto por 21 grupos de afirmativas que
devem ser identificadas pelo paciente como
autodescritivas de aspectos do seu
comportamento, sentimentos ou emoes, na
ltima semana. Seu cmputo leva
identificao de quatro nveis de depresso:
Mnimo, Leve, Moderado e Grave. O
Inventrio de Ansiedade (BAI) apresenta uma
lista de 21 sintomas, a serem autoavaliados, que
teriam ocorrido na ltima semana. Os
resultados podem indicar quatro nveis de
ansiedade: Mnima, Leve, Moderada e Grave.
Nestes inventrios so usualmente considerados
de maior cuidado em sade os nveis Moderado
e Grave.
O Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, apresentado no incio das
intervenes, composto de duas partes. A
primeira parte descreve as condies gerais de
atendimento e normas da unidade, devendo
obrigatoriamente ser assinado pelo paciente,
comprovando cincia das mesmas. A segunda
parte do TCLE autoriza o uso de dados do
pronturio, registro e instrumentos
psicodiagnsticos para pesquisa, desde que
mantido o sigilo; o paciente livre para assinar
ou no esta parte do documento, sem
comprometimento no seu atendimento.
Procedimento
A pesquisa consistiu numa anlise
documental, realizada em duas diferentes fases:
1) uma anlise quantitativa de instrumentos de
avaliao e 2) uma anlise qualitativa de relatos
sobre eventos vitimizadores ao longo da vida.
A anlise quantitativa de instrumentos de
avaliao teve dois objetivos gerais: 1)
identificar caractersticas dos pacientes e 2)
identificar variveis relativas sade em geral,
e de sade mental e estresse, em particular.
Trs conjuntos de instrumentos foram
examinados: a) a avaliao inicial geral da
instituio, b) a primeira avaliao de
diagnstico de FM por fisioterapeuta da
unidade e c) escores nos inventrios
psicodiagnsticos aplicados. Do exame da
avaliao inicial geral foram selecionados
elementos referentes sade, retirados
especialmente das questes que avaliavam o
histrico de sade e clnico (particularmente
identificando patologias diagnosticadas e
tratadas em momento anterior entrada na
Unidade), avaliao do sono e indicador
econmico do IBEP; do instrumento de
avaliao da FM registrou-se o nmero de
tender points.
404 Reis, M. J. D., & Rabelo, L. Z.
Para a anlise qualitativa de informaes
foram examinados integralmente os registros
em udio ou vdeo referentes a, no mnimo, oito
(8) sesses de psicoterapia; quando era o caso,
escrutaram-se adicionalmente as transcries de
sesses realizadas pelos estagirios.
Inspecionou-se, ainda, o genograma da
avaliao geral da instituio para
identificao de bitos e divrcios na rede
familiar. Os registros audiovisuais foram
analisados buscando identificar e registrar a
ocorrncia de relatos verbais referentes a
eventos que pudessem ser includos nas
categorias propostas por Van Houndenhove et
al. (2001). Aos moldes do que foi feito por
Smith et al. (2010), os eventos vitimizadores
que tiveram lugar antes dos 16 anos foram
identificados como relativos infncia; queles
que ocorreram aos 16 anos ou mais foram
computados como sendo da fase adulta.
Os eventos vitimizadores estressores
foram organizados em cinco categorias: 1)
Negligncia emocional: Relatos que indicassem
ausncia de redes sociais de cuidado e apoio
por familiares ou pares, descrio de
sentimentos de abandono ou solido. No estudo
de Van Houndenhove et al. (2001) foi, tambm,
tratado nesta categoria a descrio de exercer,
na infncia, sem superviso de adulto (Pais ou
cuidadores), atividades de cuidado da casa, de
adultos doentes, idosos e/ ou de irmos; 2)
Abuso emocional: inclua relatos que
envolvessem ser constantemente diminudo,
perseguido, humilhado, intimidado ou vitimado
por castigos verbais. 3) Abuso fsico: relatos de
maus tratos fsicos, como ser espancado e/ ou
torturado. 4) Assdio sexual: relatos de
investidas sexuais desagradveis, sem contato
fsico (ex., falas eroticamente abusivas,
comentrios e convites inapropriados, vtimas
de exibicionismo, etc). 5) Abuso sexual: relatos
de atos sexuais indesejveis envolvendo
contato fsico, com ou sem intercurso sexual
(ex. toques invasivos, estupro, etc.). Como nos
estudos parcialmente replicados procurou-se
identificar o grau de proximidade
familiar/afetiva com o agente vitimizador.
O Quadro 1 apresenta exemplos de relatos
que caracterizam as diferentes categorias e
algumas queixas de estressores sociais na fase
adulta. Um observador ingnuo examinou o
registro de caso e uma lista de eventos da vida
de seis participantes (37,5% da amostra),
distribuindo os mesmos entre as cinco
categorias, em ambas as fases de
desenvolvimento. O ndice de acordo entre
codificadores, para avaliao da fidedignidade
variou de 94,3% a 100%.
Resultados
Os resultados foram organizados
utilizando-se para anlise estatstica o
Programa SPSS 11.5; as correlaes entre as
variveis foram computadas por teste no
paramtrico de Spearman, two-tailed, com
significncia de p<0,05.
A Tabela 1 apresenta caractersticas gerais
das participantes. Foram computados idade,
estado civil, escolaridade, classe econmica,
tender points detectados e histrico de
patologias diagnosticadas antes do
atendimento na unidade; para cada uma destas
variveis analisadas, podemos ver a
distribuio no TOTAL da amostra e nos
diversos nveis de Estresse. A rea sombreada
reala, para cada varivel, onde se concentram
a distribuio de valores iguais ou maiores de
60% da amostra, no TOTAL dos pronturios e
nos nveis de cuidado do estresse (Resistncia,
Quase-exausto e Exausto). Por exemplo, a
varivel idade foi computada considerando
quatro diferentes intervalos. Observa-se que a
maior distribuio no TOTAL da amostra
(43,7%) estava concentrada no intervalo de 51
a 60 anos; a segunda maior (25%) entre 41 e 50
anos. Estas duas distribuies somadas
correspondem a 68,7% do total da amostragem
(12 diferentes pronturios). Examinando, ainda,
a varivel idade, considerando os nveis de
cuidado do estresse, observamos que o maior
valor de distribuio seria 18,7 %, nos nveis de
estresse de resistncia e quase exausto, depois
vemos 12,5% em quase exausto e 6,2%
distribudo em diferentes nveis de estresse.
Valores iguais de distribuio foram
sombreados obedecendo ao critrio de ordem
decrescente nos nveis de cuidado do estresse,
at que a somatria de todos os valores
sombreados fosse igual ou superior a 60%.
Estes critrios para sombreamento foram
utilizados para todas as variveis.
Adicionalmente, foram computadas as
correlaes entre as diferentes variveis: idade,
estado civil, classe social, tender points,
patologias diagnosticadas, patologias do
sistema musculoesqueltico e estresse.
Todas as participantes apresentaram
indicadores de estresse; onze (69%)
distribudas entre as fases de resistncia e quase
Fibromialgia e Estresse 405
Quadro 1: Exemplos de relatos selecionados nas diferentes categorias, ao longo da vida. Na
parte inferior, vemos os eventos estressores mais frequentemente relatados, nas relaes sociais
da vida adulta.
Exemplos
Infncia (Idade <16 anos) Adulto (Idade =ou >16 anos)
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c
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)
Subia na rvore para minha me sentir
falta... ela nunca me procurava.
Cuidava dos meus cinco irmos desde os
8 anos, para mame trabalhar.
Trabalhava numa casa de famlia desde os
8 anos, mas o dinheiro ficava comminha me.
No posso contar commeu marido, nem
commeus filhos.
No posso contar coma famlia.
O que mata a solido.
Meus Pais no ligammuito para mim.
A
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A
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)
Minha me queimava nossas bonecas de
milho preferidas no fogo de lenha e ria
quando a gente chorava
Se o arroz estivesse grudento meu pai
levantava e jogava no lixo.
Meu pai era rgido e brigava muito, a casa
tinha que estar limpa
Marido diz: no sabia que tinha casado
comuma farmcia.
Meu pai chamava todas as filhas de
puta, piranha, etc
Minha me vivia me dizendo que eu era
muito burra, desajeitada.
A
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A
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)
Quando, comraiva, meu pai batia em
todos os filhos e na minha me.
Minha me quando tava comraiva, Deus
me livre... batia comcorda!
Meu pai era umhomembom, mas quando
bebia... era umtal de bater na me, na gente,
quebrar mveis.
Fui internada porque ele (marido) ficou
batendo minha cabea na parede.
Meu namorado ficou me chutando at a
polcia intervir.
Quando era jovemmeu marido me batia
todo final de semana, sofri muito comele.
A
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)
Precisou fugir de homemque a seguia e
falava obscenidades.
Perseguidor que aparecia
inesperadamente mostrando, distancia, a
genitlia, masturbando-se.
A
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x
)
Estupro por amigo do irmo (aos 14 anos)
Casou para sair de casa e no sabia como
seria a lua de mel...no queria fazer aquilo...foi
muito ruim(aos 15 anos).
Perseguida por homemdesconhecido
que algumas vezes a agarrava e passava
esperma no cabelo e rosto.
Mdico acariciou eroticamente num
exame pericial de empresa; desafiou a
cliente a denunciar, se quisesse manter o
afastamento.
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)
Marido
No ajuda emcrises e problemas comfilho, famlia e/ou financeiros;
Comportamento verbal e fsico violento, compaciente, filhos e bens;
Relaes extraconjugais, separaes e voltas ao relacionamento;
Alcoolismo e adio ao jogo (comperda de bens).
Morte dos Parceiros (4 ficaramvivas; 2 casaramnovamente)
Pais
Ter sido cuidador dos Pais emdoenas terminais e crnicas;
Morte dos Pais;
Agressividade verbal e dificuldades no relacionamento;
Filhos
Falta de dilogo e afeto, no mostrando interesse pela paciente;
Brigas por no colaborar no servio da casa;
Doenas crnicas (ex. Deficincia mental, problemas de sade, etc);
Droga-adio.
406 Reis, M. J. D., & Rabelo, L. Z.
exausto e duas mulheres (12%) em exausto.
A maioria das participantes (68,7%) tinha idade
variando entre 41 e 60 anos, eram casadas
(62,5%), com formao igual ou superior ao
nvel mdio (62,5%). O nvel socioeconmico
estava concentrado entre as classes C1 e E
(62%), indicando renda igual ou inferior a trs
salrios mnimos. A participante mais jovem da
amostra (22 anos) filha de outra paciente,
tambm presente nesta anlise, ambas atendidas
por diferentes profissionais, em momentos
distintos.
Embora todas as pacientes tenham sido
referenciadas para a unidade com diagnstico
fechado de FM, o exame refeito por
profissionais do setor indicam que 25% no
alcanaram o critrio mnimo dos 11 pontos.
Participantes com mais de 11 tender points
apresentam escores mais elevados de estresse
(68,7%), sendo esta relao estatisticamente
significativa (tender points X estresse, r=0,60;
p<0,02).
Tabela 1: Frequncia e Porcentagem da idade, estado civil, escolaridade, classe econmico e
patologias previamente diagnosticadas. Vemos, ainda, a distribuio das variveis considerando
o total da amostra e os nveis de cuidado do estresse (Resistncia, Quase Exausto e Exausto); a
rea sombreada reala onde se concentram valores iguais ou maiores que 60% da amostra nesta
distribuio.
Estresse (LIPP)
Alerta Resistncia Q-Exaus Exausto
Estresse (n=16) Total 3 (19%) 5 (31%) 6 (38%) 2 (12%)
Varivel Nveis N % Porcentagem%(Frequncia)
Idade
22-40 3 19,0 0,0 (0) 0,0 (0) 12,5 (2) 6,2 (1)
41-50 4 25,0 0,0 (0) 18,7 (3) 6,2 (1) 0,0 (0)
51-60 7 43,7 12,5 (2) 6,2 (1) 18,7 (3) 6,2 (1)
Acima 60 2 12,5 6,2 (1) 6,2 (1) 0,0 (0) 0,0 (0)
Estado Civil
Solteira 2 12,5 0,0 (0) 0,0 (0) 12,5 (2) 0,0 (0)
Casada 10 62,5 18,7 (3) 18,7 (3) 12,5 (2) 12,5 (2)
Divorciada 2 12,5 0,0 (0) 0,0 (0) 12,5 (2) 0,0 (0)
Viva 2 12,5 0,0 (0) 12,5 (2) 0,0 (0) 0,0 (0)
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*
)
Sem Esc. 1 6,2 0,0 (0) 6,2 (1) 0,0 (0) 0,0 (0)
FIn 4 25,0 12,5 (2) 6,2 (1) 6,2 (1) 0,0 (0)
FC 1 6,2 0,0 (0) 0,0 (0) 0,0 (0) 6,2 (1)
MC 4 25,0 6,2 (1) 6,2 (1) 6,2 (1) 6,2 (1)
SIn 2 12,5 0,0 (0) 6,2 (1) 6,2 (1) 0,0 (0)
SC 4 25,0 0,0 (0) 6,2 (1) 18,7 (3) 0,0 (0)
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A2 2 12,5 0,0 (0) 0,0 (0) 12,5 (2) 0,0 (0)
B1 1 6.2 0,0 (0) 6,2 (1) 0,0 (0) 0,0 (0)
B2 2 12,5 6,2 (1) 0,0 (0) 0,0 (0) 6,2 (1)
C1 4 25,0 0,0 (0) 12,5 (2) 12,5 (2) 0,0 (0)
C2 3 18,7 6,2 (1) 6,2 (1) 6,2 (1) 0,0 (0)
D 3 18,7 6,2 (1) 0,0 (0) 6,2 (1) 6,2 (1)
E 1 6,2 0,0 (0) 6,2 (1) 0,0 (0) 0,0 (0)
Tender
points
8-10 4 25,0 12,5 (2) 12,5 (2) 0,0 (0) 0,0 (0)
11-18 12 75,0 12,5 (2) 18,7 (3) 37,5 (6) 12,5 (2)
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Dist. Sono 14 87,5 14,3 (2) 28,6 (4) 42,8 (6) 14,3 (2)
T. Humor 12 75,0 16,7 (2) 16,7 (2) 50,0 (6) 16,7 (2)
Gast/lcera 11 68,8 18,2 (2) 45,4 (5) 18,2 (2) 18,2 (2)
Musc-esquel 10 62,5 30,0 (3) 20,0 (2) 50,0 (5) 0,0 (0)
T. Ansiedade 8 50,0 12,5 (1) 25,0 (2) 50,0 (4) 12,5 (1)
Alergias 8 50,0 12,5 (1) 25,0 (2) 50,0 (4) 25,0 (2)
Hipertenso 5 37,5 20,0 (1) 20,0 (1) 60,0 (3) (0)
Colesterol 5 31,3 0,0 (0) 20,0 (1) 60,0 (3) 20,0 (1)
Enxaqueca 3 19,0 0,0 (0) 33,3 (1) 33,3 (1) 33,3 (1)
(*Legenda: Sem Esc= sem escolaridade; FIn= Fundamental incompleto; FC= Fundamental completo; MC= Mdio
Completo; SIn= Superior Incompleto; SC= Superior completo)
Fibromialgia e Estresse 407
Na Tabela 1, vemos, ainda, que os maiores
nveis de estresse parecem estar
significativamente relacionados a um nmero
maior de patologias previamente
diagnosticadas (r=0,75, p<0,001). Distrbios
do sono foram reportados por 87,5% das
pacientes, enquanto 75% (12) tinham
diagnstico de transtorno do humor. Doenas
do sistema gastrointestinal e transtorno de
ansiedade so registrados em 68,8% e 50% da
populao, respectivamente. Chama a ateno
que trs (3) das pacientes (19%) convivam com
uma segunda dor crnica: a enxaqueca; duas
destas tm idade inferior a 40 anos,
apresentando nveis de estresse de quase
exausto e exausto. Notamos que 10 das
participantes (62,5%) apresentaram algum tipo
de patologia do sistema musculoesqueltico
(ex., artropatias, osteosporose, LER/DORT,
Sndrome do Tnel do Carpo), algumas tendo
recebido tratamento medicamentoso e/ou
cirrgico para pelo menos duas destas.
A Tabela 2 apresenta frequncia e
porcentagem da amostra nos diferentes nveis
de depresso e de ansiedade. Nela, podemos
examinar, ainda, os resultados referentes s
categorias de eventos vitimizadores, na infncia
e na fase adulta. Uma distribuio das variveis
considerando nmero de tender points e nveis
de Estresse foi disponibilizada; o sombreado,
assim como descrito na Tabela 1, reala onde
60% ou mais da amostra encontra-se distribuda
nos diferentes nveis das variveis
apresentadas, tanto para os critrios de tender
points, quanto para os nveis do estresse. Uma
anlise estatstica correlacional foi realizada
cruzando todas as variveis descritas na Tabela
1 e aquelas apresentadas aqui: depresso,
ansiedade, as cinco categorias da infncia, as
cinco categorias na fase adulta. Foi inclusa na
anlise uma varivel que representava a
somatria da ocorrncia de categorias na
infncia (vitimizao geral na infncia) e outra
que seria a somatria de categorias na vida
adulta (vitimizao geral no adulto).
Tabela 2: Frequncia e Porcentagem nos diversos nveis de Depresso, Ansiedade e Categorias
de vitimizao, na infncia e vida adulta. As variveis foram distribudas considerando a
Frequencia total, os Tender Points e os nveis do Inventrio de Estresse; a rea sombreada
reala onde se concentram valores iguais ou maiores que 60% da amostra nesta distribuio.
Medidas/
Categorias
Nveis Freq. %
Porcentagem%(frequncia)
Tender Points Estresse
8-10 11-18 Alerta Resistncia Q-Exaus Exausto
Depresso
Mnima 3 18,7 12,5 (2) 6,2 (1) 6,2 (1) 12,5 (2) (0) (0)
Leve 4 25,0 6,2 (1) 18,7 (3) 6,2 (1) 12,5 (2) 6,2 (1) (0)
Moderada 6 37,5 6,2 (1) 31,2 (5) 6,2 (1) 6,2 (1) 25,0 (4) (0)
Grave 3 18,7 (0) 18,7 (3) (0) (0) 6,2 (1) 12,5 (2)
Ansiedade
Mnima 1 6,2 (0) 6,2 (1) 6,2 (1) (0) (0) (0)
Leve 3 18,7 12,5 (2) 6,2 (1) 6,2 (1) 12,5 (2) (0) (0)
Moderada 5 31,2 12,5 (2) 18,7 (3) 6,2 (1) 12,5 (2) 12,5 (2) (0)
Grave 7 43,7 (0) 43,7 (7) (0) 6,2 (1) 25,0 (4) 12,5 (2)
Infncia (*)
NEm 12 75,0 16,7 (2) 83,3 (10) 25,0 (3) 8,3 (1) 50,0 (6) 16,7 (2)
AEm 15 93,7 20,0 (3) 80,0 (12) 20,0 (3) 28,6 (4) 42,8 (6) 14,3 (2)
AbFi 7 43,7 28,6 (2) 71,4 (5) 28,6 (2) 16,7 (1) 50,0 (3) 16,7 (1)
AsSx 0 0,0 (0) (0) (0) (0) (0) (0)
AbSx 2 12,5 (0) 100,0 (2) (0) 50,0 (1) (0) 50,0 (1)
Trabalho
Infantil
No Trab 6 37,5 50,0 (3) 50,0 (3) 16,7 (1) 66,7 (4) 16,7 (1) (0)
Trabalha 10 62,5 20,0 (2) 80,0 (8) 20,0 (2) 10,0 (1) 50,0 (5) 20,0 (2)
Tipo de
Trabalho
Cuidados Lar 3 30,0 66,7 (2) 33,1 (1) 66,7 (2) 33,3 (1) (0) (0)
Remunerado 7 70,0 (0) 100,0 (7) 14,3 (1) 14,3 (1) 57,1 (4) 14,3 (1)
Adulta
(*)
NEm 15 93,7 26,7 (4) 73,3 (11) 20,0 (3) 33,3 (5) 40,0 (6) 6,7 (1)
AEm 15 93,7 26,7 (4) 73,3 (11) 20,0 (3) 26,7 (4) 40,0 (6) 13,3 (2)
AbFi 7 43,7 14,3 (1) 85,7 (6) 14,3 (1) 14,3 (1) 57,1 (4) 14,3 (1)
AsSx 3 18,7 (0) 100,0 (3) (0) (0) 66.7 (2) 33,3 (1)
AbSx 3 18,7 (0) 100,0 (4) (0) 33,3 (1) 33,3 (1) 33,3 (1)
Legenda: (*) Nem=Negligncia Emocional; AEm= Abuso emocional; AbFi=Abuso fsico; AsSx= Assdio sexual;
AbSx=Abuso Sexual)
408 Reis, M. J. D., & Rabelo, L. Z.
Um nmero visvel de participantes
apresentou escores de cuidado (moderado e
grave) em depresso (56,2%) e de ansiedade
(74,9%). Aparentemente, os maiores escores
nestas variveis encontram-se distribudos entre
pacientes com 11 pontos ou mais. Contudo,
Tender Points mostrou uma correlao
significativa com ansiedade (r=0,49; p<0,05),
mas no com depresso (r=0,31, p<0,24).
Ambas mostraram, contudo, uma relao
positiva com os indicadores de estresse
(estresse x depresso, r=0,63, p<0,01; estresse
x ansiedade, r=0,74, p<0,001). Correlaes
foram observadas tambm entre ansiedade e
depresso (r=0,53, p<0,04), ansiedade e
patologias diagnosticadas (r=0,55, p<0,03) e
depresso e patologias diagnosticadas (r=0,54,
p<0,04).
Na parte inferior da Tabela 2, podemos
examinar a porcentagem de ocorrncia das
categorias de vitimizao na infncia e na vida
adulta. Todas as variveis foram distribudas
considerando tender points e nveis de estresse.
Ao sistematizar os resultados referentes
Categoria de Negligncia Emocional, foram
implementadas duas anlises distintas. Na
primeira delas foram computados e
apresentados todos os relatos que
correspondiam definio da categoria como
no estudo originalmente replicado. Entretanto,
uma anlise dos relatos sobre o exerccio de
atividades no cuidado da casa e de menores,
no supervisionado por Pais ou cuidadores,
levou os autores a organizarem alguns dados
numa nova categoria denominada trabalho
infantil. Nesta categoria, foram includos os
relatos dos pacientes que descreviam duas
instncias: (1) assumir os cuidados DO LAR e
dos irmos, durante cinco a seis dias da
semana, sem superviso direta de adulto
responsvel, realizando tarefas domsticas em
geral (ex. limpeza da casa, cozinhar, cuidar de
irmos, lavar e passar roupa, carregar gua de
rios para abastecimento da casa, entre outros)
e (2) assumir, total ou parcialmente, as
responsabilidade de Pais ou cuidadores na
proviso de dinheiro e bens, trabalhando para
terceiros e sendo a REMUNERAO deste
trabalho incorporada na manuteno geral da
famlia. Os resultados da categoria trabalho
infantil foram disponibilizados tambm na
Tabela 2, sendo includa, ainda, como uma das
variveis nas anlises estatsticas de correlao.
Todas as participantes apresentaram
ocorrncia em pelo menos uma das categorias
da infncia e uma da vida adulta, mostrando
situaes adversas ao longo da vida.
Examinando as categorias na fase da infncia
(menos de 16 anos), 12 (75%) das participantes
descrevem Negligncia Emocional, enquanto
15 (93,7%) relatam algum tipo de abuso
emocional. Em todos os casos nos quais foram
descritos Abuso Fsico (43,7%), observou-se
ocorrncia de Negligncia e Abuso Emocional.
Negligncia emocional apresentou uma
significativa relao com depresso (r=0,53,
p<0,03) e patologias diagnosticadas (r=0,54,
p<0,04), enquanto Abuso fsico foi
correlacionado depresso (r=67, p<0,004).
Nenhuma categoria desta fase apresentou
correlao significativa com estresse.
Considerando o somatrio total de categorias
na infncia (Vitimizao geral na infncia),
encontramos uma correlao significativa com
ansiedade (r=0,74, p<0,001), depresso
(r=0,63, p<0,01), tender points (r=53, p<0,03) e
patologias diagnosticadas (r=0,75, p<0,001).
Vemos, ainda na Tabela 2, que dez das
pacientes (62,5%) relatam Trabalho infantil.
Trs (18,7%) assumiram os cuidados do lar,
com idade entre 6 e 8 anos, para que os Pais ou
cuidadores pudessem trabalhar; estas pacientes
assumiram esta funo por um perodo mnimo
de quatro anos, sendo as filhas mais velhas do
gnero feminino, cuidando cada uma de um
conjunto de irmos com trs, quatro e oito
crianas, com idades e gneros diversos. Sete
das pacientes iniciaram trabalho remunerado
por terceiros com idade entre 7 e 9 anos,
desenvolvendo tarefas como colheita do
campo, domstica em casa de famlia,
produo de artesanatos ou salgados para
revenda (junto com um dos progenitores), entre
outros. Uma correlao positiva foi observada
entre trabalho na infncia e patologias
diagnosticadas (r=0,52, p<0,05).
Na vida adulta, tambm predominam as
categorias de Negligncia (93,7%) e de Abuso
emocional (93,7%); em todos os casos onde se
observou relatos de Abuso fsico (43,7%),
foram registradas ocorrncias de Negligncia e
de Abuso emocional. Correlaes significativas
foram observadas entre depresso e as
categorias de Abuso fsico (r=0,53, p<0,03) e
Abuso sexual (r=0,56, p<0,02) em adultos;
Abuso fsico, nesta fase, tambm foi
positivamente relacionado a ocorrncias de
patologias musculoesquelticas (r=0,53,
p<0,03). O somatrio geral de categorias na
fase adulta (vitimizao geral no adulto) foi
Fibromialgia e Estresse 409
positivamente relacionado de vitimizao
geral na infncia (r=0,61, p<0,01). As
categorias da fase adulta, computadas
individualmente ou em conjunto, no
mostraram correlao com estresse. Na infncia
os Pais foram descritos como os principais
responsveis por negligncia, abuso emocional
e/ou abuso fsico. Na fase adulta, o marido ou
parceiro passa a ser apontado como o principal
vitimizador.
Discusso
Como uma patologia recentemente
identificada, o estudo sistemtico da FM coloca
para os profissionais de sade e pesquisadores
desafios constantes. Medidas do fenmeno so
operacionalmente inexistentes, exceto pelo
exame clnico de apalpao; a investigao
sobre etiologia, manuteno e fatores de
resilincia ainda so incipientes.
Estudos correlacionais, contudo, tm
procurado identificar variveis crticas
potencialmente importantes para investigaes
experimentais futuras e para a construo do
corpo terico. Nesta direo, resultados
promissores e consistentes parecem ser aqueles
descrevendo uma relao estreita entre estresse
e FM (Davis et al., 2005; Okifuji & Turk, 2002;
Raphael et al., 2001; Van Houndenhove &
Egle, 2004). O presente trabalho tentou
organizar informaes nesta direo terica.
Uma contribuio importante deste estudo
est relacionada prpria origem dos dados.
Demonstra que, mesmo quando estamos
trabalhando numa condio de atendimento
pblico e gratuito do Sistema nico de Sade
(SUS), cuidados na sistematizao e registro de
caso podem possibilitar a quantificao e
anlise posterior na forma de relato de
pesquisa. Para tanto, garantir algumas
condies mnimas parece ser crucial, tais
como: providenciar um Termo Geral de
Consentimento padro, autorizando o uso de
dados para pesquisa; incorporar uma entrevista
estruturada, padronizada na aplicao e comum
a todos os usurios, incluindo indicadores
econmicos e sociais relevantes; registrar de
forma sistemtica e organizada as rotinas de
avaliao e atendimento, entre outros. Dadas
estas condies, os autores entrando em contato
com a literatura que explorava as relaes entre
estresse e FM, mesmo sem projeto prvio de
pesquisa, conseguiram organizar informaes
quantitativas e qualitativas, pelo exame de
pronturios e registros de sesses.
A amostra apresenta caractersticas
comumente encontradas em estudos
envolvendo indivduos com diagnstico de FM.
Um nmero representativo de pacientes
preenchem todos os critrios exigidos para
diagnstico da patologia (Goldenberg, 2005;
Wolfe, et al., 1990). Todas as pacientes
apresentavam indicadores de estresse,
observando-se que, quanto maior o nmero de
tender points, significativamente maiores
pareciam ser os escores de estresse. Vimos,
ainda, que patologias usualmente
correlacionadas ao estresse foram identificadas
na populao: por exemplo, doenas
gastrointestinais, hipertenso, distrbios do
sono, entre outros (Lipp, 1984; Moreno Jr. et
al., 2003). Usualmente, isto pode indicar que
um nvel significativo de estresse esteve
presente no dia a dia, por um perodo
representativo de tempo.
Como previamente descrito na literatura
(Martinez et al.,1995), indicadores de depresso
(Ahles et al., 1987; Meyer-Lindenberg &
Gallhofer, 1998; Pae et al., 2009) e de
ansiedade (Arnold et al., 2006; Thieme et al.,
2004) ocorreram com alta prevalncia,
considerando-se pelo menos duas medidas: os
escores obtidos nos Inventrios (BAI e BDI) e
o diagnstico prvio de transtornos de
depresso e ansiedade.
Como na populao com FM dos estudos
replicados (Smith et al., 2010; Van
Houndenhove et al., 2001), as pacientes relatam
vitimizao ao longo da vida, com exposio a
eventos sociais estressores e coercitivos,
similares queles encontrados no estudo de
Queiroz (2009). Vitimizao geral na infncia
mostrou-se positivamente correlacionada a
maiores indicadores de depresso, ansiedade,
tender points, patologias previamente
diagnosticadas e Vitimizao geral no adulto.
Possivelmente, como observado por diferentes
autores, para alguns indivduos, a vitimizao
na infncia pode iniciar uma cascata de eventos
que exacerbaria a sensibilidade ao estresse a
longo prazo e teriam efeitos persistentes e
negativos sobre a sade fsica e mental. (Davis
et al, 2005; Murray Jr. et al., 2007; Otis et al.,
2003; Raphael et al., 2001; Smith et al., 2010).
A anlise em separado das patologias
musculoesquelticas mostrou uma correlao
positiva com o abuso fsico no adulto;
entretanto, todas as pacientes que relatavam
abuso fsico, tambm descrevem exemplos de
410 Reis, M. J. D., & Rabelo, L. Z.
negligncia e de abuso emocional. Estes
resultados do suporte a estudos que postulam,
na etiologia da FM, a interao entre eventos
vitimizadores ao longo da vida, suscetibilidade
ao estresse e vulnerabilidade biolgica,
referindo-se particularmente ao sistema
modulador da dor (Cleare, 2004; Davis et al.,
2005; Smith et al., 2010). Contudo, os
resultados podem indicar uma segunda
vulnerabilidade a ser examinada mais
cuidadosamente: a do sistema
musculoesqueltico. Como exemplos que
fortalecem as hipteses nesta direo, podemos
observar que, mesmo em uma amostra to
pequena, 19% das participantes tiveram o
diagnstico e recebem tratamento de outra dor
crnica: a enxaqueca; alm disto, 62,5%
apresentaram (ou apresentam) pelo menos duas
ou trs outras patologias do sistema
musculoesqueltico.
O trabalho infantil tambm foi
positivamente correlacionado com patologias
diagnosticadas, no sendo, contudo, uma
categoria examinada nos estudos replicados;
provavelmente por no ser uma prtica
significativa das culturas onde foram
implementados. Pesquisas futuras podero
enderear mais diretamente os efeitos do
estresse produzido pelo trabalho infantil e seu
impacto sobre a sade em geral, em particular,
nas alteraes dos sistemas de modulao da
dor e do musculoesqueltico.
Alguns autores tm enfatizado o papel do
assdio e abuso sexual na FM (Boisset-Pioro et
al., 1995; Ciccone et al., 2005); contudo, na
presente populao, ficou difcil analisar o
papel isolado destas categorias. Uma das
pacientes relatou abuso sexual exclusivamente
na infncia, duas na fase adulta e uma na
infncia e na fase adulta. A paciente vitimizada
em ambas fases apresentou exausto em
estresse.
Embora a populao com FM deste estudo
apresente resultados similares daqueles
participantes com FM descritos nos trabalhos
parcialmente replicados (Smith, et al., 2010;
Van Houndenhove et al., 2001), a presente
investigao carece de dados com portadores de
outras patologias reumatolgicas ou, ainda,
indivduos sem histrico de dor,
impossibilitando uma comparao
representativa entre os estudos. Contudo,
importante enfatizar que os estudos originais
utilizaram para coleta de dados questionrios
estruturados, aplicados atravs de entrevistas
com um nico contato, por telefone ou
presencial. No presente trabalho, entretanto,
questes similares dos instrumentos foram
examinadas, considerando informaes obtidas
em um tempo mnimo de dois meses de
psicoterapia. Desta forma, especula-se que os
pacientes podem ter voluntariado informaes
que no teriam sido endereadas numa nica
entrevista de coleta.
Vale salientar tambm que estresse,
ansiedade e depresso apresentaram correlaes
estatisticamente significativas. Contudo,
somente estresse e ansiedade apresentaram
correlaes significativas com o nmero de
tender points. Embora no possamos
sistematicamente atribuir uma relao de
causalidade entre as diversas variveis
examinadas, um modelo explicativo hipottico
pode ser sugerido, considerando o arcabouo
conceitual da Anlise do Comportamento, para
auxiliar na organizao de futuras
investigaes.
Podemos pressupor, de forma geral, que
comportamentos descritos como pertencentes
s categorias de negligncia e abuso (fsico ou
emocional), dizem respeito a contingncias
selecionadas e mantidas por controle aversivo.
Consideremos, por exemplo, que abuso em
geral parece estar relacionado a consequncias
aversivas apresentadas por agncias sociais,
contingentes ou contguas diferentes classes
de respostas. Quando um organismo fica
exposto a estmulos aversivos, contingentes ou
no contingentes, um nmero representativo de
estmulos neutros do ambiente parecem
adquirir valor aversivo, sendo esta a base do
paradigma da ansiedade (Estes & Skinner,
1941). Neste processo seria construda uma
rede ampla de estmulos potencialmente
ansiognicos (considerando processos de
controle de estmulos, como discriminao,
generalizao ou formao de classes) e estes
estmulos acionariam, como biologicamente
esperado, o gatilho da resposta de estresse
(Dougher, Augustson, Marrham, Greenway, &
Wulfert, 1994; Hayes & Wilson, 1998).
Ainda supostamente, quando um indivduo
cresce num contexto familiar ou social
negligente, comportamentos relevantes,
particularmente para o convvio nas relaes
sociais, podem no ser reforados na frequncia
e topografia apropriadas; alm disto, pode
carecer de modelos de comportamentos sociais
positivos e reforadores. Concomitantemente,
nas condies abusivas, estmulos aversivos
Fibromialgia e Estresse 411
podem punir respostas operantes,
particularmente, estratgias de enfrentamento e
habilidades sociais apropriadas, alm de
favorecer o aumento de respostas mantidas sob
reforo negativo. As pacientes poderiam
apresentar, entre outros fatores, dficits no
repertrio social que dificultariam ou
impossibilitariam relaes sociais na
maturidade. A ausncia de repertrio
apropriado e variado, somado presena de
condies aversivas, podem levar a um
repertrio usualmente relacionado depresso
(Dougher & Hackbert, 1994).
Especulativamente, ainda, podemos
imaginar que progenitores potencialmente
negligentes e/ou punitivos podem no prover
um ambiente de estimulao, na fase inicial de
vida, que favoreceria o desenvolvimento
estrutural e fisiolgico adequado do sistema de
estresse (particularmente, o eixo HPA),
podendo contribuir para alteraes no
funcionamento do mesmo (Gunnar & Quevedo,
2007); estas condies, somadas a eventuais
vulnerabilidades biolgicas (por exemplo, do
sistema modulador da dor e /ou do sistema
musculoesqueltico), poderiam favorecer o
desenvolvimento da dor crnica e, em
particular, da FM (Okifuji & Turk, 2002; Van
Houndenhove & Egle, 2004). A negligncia
tambm poderia exercer um papel negativo em
processos importantes para o desenvolvimento,
tais como o Apego; para alguns autores,
inclusive, este seria um dos aspectos essenciais
para entendermos porque sistemas neurolgicos
complexos entrelaariam, no processo
evolutivo, dores fsicas e dores emocionais
(Eisenberger & Lieberman, 2004).
Desta forma, uma histria de
contingncias aversivas estabelecida pelas
redes sociais, poderia explicar, em parte, por
exemplo, as correlaes significativas entre
FM, ansiedade e estresse; a relao entre
negligncia e depresso, entre outras. Esta
construo interligando contingncias
filogenticas, ontogenticas e culturais, poderia
eventualmente iniciar uma interlocuo entre os
estudos que descrevem a FM como uma
sndrome relacionada depresso (Ahles, et al.,
1987; Meyer-Lindenberg & Gallhofer, 1998),
ansiedade (Arnold et al., 2006) ou ao estresse
(Van Houdenhove & Egle, 2004). A
interrelao entre FM e estresse seria um
produto construdo pela somatria de condies
sociais vitimizadoras (contingncias mantidas
por reforo negativo, punio e/ou extino por
agncia social) e ambiente biolgico
vulnervel.
Este cenrio hipottico poderia levar,
minimamente, a duas direes de investigao.
A primeira delas envolveria uma sistematizao
utilizando modelo animal. Desenvolver
modelos animais experimentais sobre o
fenmeno tem como dificuldade essencial
encontrar um correlato da medida do exame por
apalpao. Contudo, se estudos posteriores
corroborarem as interrelaes entre FM e
patologias musculoesquelticas, modelos
animais desenvolvidos para a anlise da relao
da negligencia no incio do desenvolvimento e
do estresse (Gunnar & Quevedo, 2007; Sanchez
et al., 2001; Uchida et al., 2009) podem ser
ampliados, incluindo medidas do impacto em
outras estruturas anatmicas do sistema
muscular e esqueltico, passveis de exames
mais diretos e precisos. Esta medida traria
informaes importantes sobre o papel do
estresse neste sistema como um todo, e de
forma indireta, na FM. Alm disto, filhotes
experimentalmente expostos, ou no, a
situaes de negligncia e privao do cuidado
materno poderiam ser submetidos, na vida
adulta, a condies experimentais usualmente
identificadas como modelos animais para a
investigao da depresso e da ansiedade (ex.
desamparo aprendido, labirinto em T elevado,
entre outros), examinando as possveis relaes
entre os fenmenos.
Uma segunda direo levaria a
investigaes relativas a tcnicas de
interveno em psicoterapia do paciente com
diagnstico de FM. Estes estudos poderiam
examinar, para esta populao, a efetividade do
uso de tcnicas do controle, tratamento e
inoculao do estresse, incluindo a avaliao e
treino em estratgias de enfrentamento
(Queiroz, 2009). No mesmo contexto, o exame
de Habilidades Sociais e o eventual treino
deveriam ser examinados com um conjunto de
procedimentos potencialmente eficientes para o
tratamento da patologia.
Contudo, voltamos a enfatizar que esta foi
uma investigao exploratria, considerando a
descrio de uma amostra relativamente
pequena da populao. Estudos posteriores
tentaro avanar numa possvel proposta de
modelo explicativo da FM relativa ao estresse,
dimensionando suas especificidades na nossa
realidade.
412 Reis, M. J. D., & Rabelo, L. Z.
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Enviado em Junho de 2010
Aceite em Outubro de 2010
Publicado em Dezembro de 2010
ISSN 1413-389X Temas em Psicologia - 2010, Vol. 18, no 2, 415 424
Sndrome da fadiga crnica: a perspectiva analtico-
comportamental de um caso clnico
Regina Christina Wielenska
Hospital Universitrio USP SP Brasil
Roberto Alves Banaco
PUC-SP e Ncleo Paradigma de Anlise do Comportamento SP Brasil
Resumo
A literatura acerca do tratamento da sndrome da fadiga crnica (SFC) recomenda a psicoeducao de
pacientes e suas famlias como poderoso recurso para combater a discriminao de portadores e a
piora dos sintomas como dor e fadiga. Terapias nas abordagens cognitiva e comportamental visam
promover a atividade fsica regular de moderada intensidade, identificar e intervir sobre estressores
psicolgicos e aceitao da SFC como uma condio mdica que propicia oportunidades para uma
vida significativa e satisfatria. Ser relatado e discutido o breve tratamento analtico-comportamental
de uma mulher de trinta anos acometida por SFC. A discusso enfatizar o efeito diferencial de dois
contextos de vida da paciente sobre a ocorrncia de comportamentos respondentes e operantes
relacionados dor, recolhimento social e incapacitao ocupacional ou ativao comportamental,
interao social e bem-estar.
Palavras-chave: Sndrome da fadiga crnica, Terapia cognitivo-comportamental, Terapia
analtico-comportamental, Psicoeducao.
Chronic fatigue syndrome: A behavior analytical perspective of a
clinical report
Abstract
The literature about treatment of chronic fatigue syndrome (CFS) recommends psychoeducation of
patients and their families as a powerful resource against discrimination of probands and worsening of
symptoms as pain and fatigue. Cognitive and behavior therapies should be offered in order to help
promoting regular physical activity of moderate intensity, identify and intervene upon psychological
stressors and acceptance of CFS as a medical condition that allows opportunities for a significant and
satisfactory life. It will be reported and discussed a brief behavior-analytic treatment of a 30-year-old
woman living with CFS for five years. The discussion will emphasize the differential effect exerted
upon respondent and operant behaviors related to pain, social withdrawal and occupational
impairment or related to behavioral activation, social interaction and well-being.
Keywords: Chronic fatigue syndrome, Cognitive-behavior therapy, Behavior-analytic therapy,
Psychoeducation.
Sndrome uma palavra de origem grega e
pode ser entendida como um conjunto de
sintomas e sinais, cuja ocorrncia simultnea
indica ou caracteriza uma doena, transtorno
mental ou outra condio de funcionamento
anormal do organismo. A sndrome da Fadiga
Crnica (SFC), h cerca de duas dcadas, vem
atraindo a ateno de mdicos e psiclogos.
Fukuda et al. (1994) definem a SFC como a
presena de fadiga intensa, pelo perodo de pelo
menos seis meses, com prejuzo no
funcionamento escolar, ocupacional, social e
pessoal, sem causa mdica conhecida, e que
apresente, simultaneamente, ao menos quatro
dentre os sintomas abaixo citados:
Prejuzo na memria de curto prazo e
na concentrao, a ponto de afetar aspectos do
funcionamento global
_____________________________________
Endereo para correspondncia: Regina Christina Wielenska E-mail: [email protected]. Roberto Alves
Banaco E-mail: [email protected].
416 Wielenska, R. C., & Banaco, R. A.
Dor de garganta
Sensibilidade aumentada nos
linfonodos cervicais ou na axila
Dor muscular
Dor em vrias articulaes, sem
inchao ou vermelhido
Um novo tipo, padro ou intensidade
de cefaleia
Sono no reparador
Mal-estar intenso e prolongado aps
exerccio fsico.
Para o paciente, a ausncia de testes
clnicos que, de modo inequvoco,
diagnostiquem a sndrome (os exames
disponveis visam excluir outros diagnsticos)
acarreta problemas de relacionamento pelo fato
de ser desacreditado por aqueles com quem
convive. J ason e Richman (2008) descreveram
o estigma social que cerca os indivduos
diagnosticados com SFC. Para esses autores, a
adoo de critrios diagnsticos estritos e
claros, alm da nomeao da SFC como
encefalomielite ou encefalopatia milgica
seriam medidas que provavelmente ajudariam a
reduzir o preconceito e evitariam diagnsticos
falso-positivos. Buscar poderosos marcadores
biolgicos (favorecedores de diagnsticos mais
precisos), alterar o nome da sndrome e
redefinir seus critrios diagnsticos (de
incluso e excluso) seriam, segundo os
pesquisadores, medidas que reduziriam as
distores e comportamentos discriminatrios
que prevalecem at hoje. Alm da
farmacoterapia, a terapia comportamental tem
sido recomendada para tratamento da SFC e de
outras dores crnicas.
Vandenberghe (2005) identificou quatro
modalidades de terapia comportamental para
tratamento de dores crnicas: a Terapia
Comportamental Clssica, a Terapia Cognitiva
Comportamental, a Anlise Aplicada do
Comportamento e a Anlise Clnica do
Comportamento. Segundo o autor, a Terapia
Comportamental Clssica prope estratgias de
enfrentamento/exposio, e entende a dor
crnica como:
uma reao do organismo quando
atingido. Tem tudo a ver com a maneira
com que o organismo d forma sua
relao com seu ambiente. No tratamento
precisa-se lidar com a dor crnica como
um ambiente que o paciente criou para si
mesmo, numa tentativa de sarar, mas que
acabou fechando num conjunto de
crculos viciosos em que a dor mantida.
(Vandenberghe, 2005, p. 49).
Na Terapia Cognitiva Comportamental, a
segunda abordagem citada por Vandenberghe
(2005), "atravs de exerccios, o paciente pode
aprender a identificar emoes negativas
relacionadas dor e com os eventos
estressantes e reconhecer seus pensamentos
disfuncionais e vieses cognitivos que ocorrem
nessas situaes. Desse modo, o cliente sentir-
se-ia melhor ao desafiar seus pensamentos e
modificar o que sente. Por sua vez, a terceira
abordagem, a Anlise Aplicada do
Comportamento, prope que o controle
operante do comportamento de dor seria
exercido pelas consequncias que seguem a
emisso de uma resposta (sejam consequncias
naturalmente reforadoras ou sociais; por
exemplo, tomar medicao, franzir o rosto,
falar sobre a dor, etc.). O tratamento consistiria:
na modificao de contingncias
relevantes com o objetivo de aumentar a
frequncia de comportamentos
alternativos adaptativos. Novas
contingncias so construdas. O
comportamento de dor no mais
reforado e comportamentos adaptativos
o so (Vandenbergh, 2005, p. 50-51).
A quarta abordagem comportamental seria
a Anlise Clnica do Comportamento, outro
modelo operante. Nela, o terapeuta atua, no
consultrio, sobre os comportamentos emitidos
na relao que se estabelece entre ele e o
paciente, com nfase nos comportamentos
encobertos e no controle verbal. Busca-se
transformar de modo extenso os contextos
verbais que mantm o comportamento-
problema. Vandenberghe (2005) resume assim
essa quarta modalidade de interveno
comportamental para tratamento da dor
crnica:
A contribuio da Anlise Clnica do
Comportamento para a clnica da dor
crnica est na valorizao da
subjetividade numa luz operante: no
como algo que acontece com o
indivduo, mas algo que ele faz.
Sentimentos so efeitos colaterais de
contingncias e no podem ser
combatidos. A dor no algo que tem
que ser controlada para poder viver, mas
um motivo para mudar algumas opes
fundamentais na vida, de superar certas
Sndrome da fadiga crnica 417
limitaes e de enfrentar de maneira
criativa os desafios da interao com o
seu universo. (Vandenberghe, 2005, p.
53)
As quatro abordagens destacadas por
Vandenberghe (2005) representam um conjunto
singular de pressupostos, cujas propostas de
tratamento caracterizam pontos diferentes do
contnuo entre o tratamento focado em metas
de eliminao/controle da dor por meio da
mudana de estados privados como o sentir e
pensar, e o tratamento que enfatiza a exposio
s contingncias (aversivas ou no) e
aprendizagem de novos repertrios,
constituindo o plo da aceitao/enfrentamento.
No presente trabalho, pretende-se enfatizar uma
anlise operante influenciada pelos princpios
norteadores das anlises clnica e aplicada do
comportamento. Assim, como se ver mais
adiante, ser discutido o efeito de diferentes
contextos sociais sobre o comportamento de
dor de uma paciente com SFC.
A literatura nem sempre estabelece
distines conceituais claras entre modalidades
de terapias, e geralmente faz-se meno apenas
ao que convencionou denominar como terapia
comportamental-cognitiva (TCC). O Center for
Disease Control (CDC, 2006) recomenda a
TCC como um dos componentes da teraputica
da SFC. Segundo a instituio, o propsito da
terapia comportamental-cognitiva seria o de
ensinar aos pacientes estratgias para
gerenciamento de suas atividades, estressores e
sintomas. O objetivo maior seria a promover
uma vida com qualidade, ainda que permeada
por alguns sintomas. Segundo o CDC (2006), a
terapia comportamental-cognitiva parece
reduzir os sintomas e melhorar o
funcionamento geral do indivduo, embora as
pesquisas avaliadas pela instituiao apontem
efeito limitado sobre dor e fadiga. A terapia
auxiliaria uma reao mais positiva SFC,
permitindo lidar melhor com as eventuais
limitaes e descobrir as solues possveis
para cada caso. Pelo fato de a exposio a
estressores exacerbar sintomas, o CDC (2006)
sugere o ensino de tcnicas de manejo do
estresse. Como intervenes mais frequentes,
so mencionados o relaxamento respiratrio e
muscular, treino de autofalas (com funo
instrucional e de reasseguramento) e o treino de
resoluo de problemas. Nessa proposta, a
terapia deveria focar tambm (se preciso com
auxlio de um fisioterapeuta ou outro
profissional especializado em reabilitao) no
fortalecimento do comportamento de exercitar-
se regularmente, porm sem que essa prtica
extenuasse o indivduo e esgotasse sua
capacidade de funcionamento nos dias
subsequentes.
Como exerccio de transposio da
proposta do CDC, de cunho cognitivo-
comportamental, para a abordagem analtico-
comportamental, talvez possamos afirmar que a
tarefa de pacientes e profissionais seria a de
identificar relaes funcionais entre tipo,
durao e intensidade da atividade fsica e suas
consequncias de curto, mdio e longo prazo.
Assim, tornar-se-ia possvel especificar o
padro mais benfico de atividade fsica, com a
menor probabilidade de efeitos adversos. Como
j se afirmou, o aumento excessivo na atividade
fsica pode agravar os sintomas da SFC e a
inatividade, por sua vez, seria ainda mais
nociva, por gerar um precrio condicionamento
fsico. Qualquer indivduo em m forma fsica,
ao se exercitar, entra em contato com
consequncias como dor, fraqueza e fadiga,
fenmenos que podem ser confundidos com os
sintomas da SFC. O desafio encontrar um
ponto de equilbrio e colocar o indivduo sob
controle dos reforadores advindos da prtica
regular de atividade moderada. Deve-se, ao
longo do processo, evidenciar ao portador os
benefcios que efetivamente resultarem da
ativao fsica, por exemplo, ganhos em fora e
condicionamento cardiovascular, integrao
social, sensao de bem-estar e autonomia. Para
analisar as variveis de controle do
comportamento de esquiva dos pacientes, deve-
se considerar que a retomada da atividade fsica
intensa aps longo perodo de inatividade
geralmente resulta em um intenso mal-estar.
Esta consequncia terminaria por punir a
resposta de exercitar-se (ou seja, ocorreria
significativa reduo de sua probabilidade
futura) e fortaleceria esquivas. Ou seja,
aumentaria a probabilidade de comportamentos
de se isolar casa, sem praticar atividade fsica
(sob controle dos sintomas da SFC e dos
estmulos pr-aversivos a eles relacionados).
Alguns portadores, com base nessa instvel e
aversiva histria de vida, descrevem sua
condio do seguinte modo: o jeito ficar
quieto, qualquer esforo ainda pior. A
inatividade, enquanto esquiva, resulta num
estado precrio de condicionamento fsico, com
incapacitao fsica, ocupacional e social e
dores crescentes. Esse quadro configura um
418 Wielenska, R. C., & Banaco, R. A.
conjunto de estmulos pr-aversivos,
interpretados pelo paciente como sinais do risco
aumentado de agravamento do quadro clnico,
o que termina por justificar a inatividade como
medida preventiva. A psicoeducao, a
exposio gradual atividade fsica branda e o
reforamento social seriam provavelmente
estratgias do terapeuta para promover a
dessensibilizao aos estados corporais
alterados, inerentes retomada da prtica do
exerccio fsico (provavelmente haver
acelerao do ritmo cardaco, sudorese, fadiga e
alguma dor ps-exerccio).
Bazelmans (2004) delineou uma anlise
anloga a essa, mas fundamentando seu
trabalho na perspectiva cognitivo-
comportamental. Ao contrrio da presente
anlise funcional, para Bazelmans,
primeiramente seria necessrio levar o cliente a
modificar a cognio de que exercitar-se
perigoso e deva ser evitado, enquanto que na
perspectiva analtico-comportamental o foco
incide na ativao comportamental e no contato
com reforadores antes inacessveis. Segundo a
autora, a terapia da SFC requer dos
profissionais o reconhecimento de que esta
uma condio biologicamente determinada
(como sugerem as evidncias atuais), e tambm
o estabelecimento de uma relao teraputica
fundamentada na validao total da experincia
subjetiva do portador. Prins (2003)
anteriormente afirmara um ponto de vista
bastante similar acerca do mesmo aspecto: para
o tratamento psicolgico ser bem sucedido,
necessrio que todas as queixas do cliente
relacionadas SFC ou a outros aspectos de sua
vida sejam consideradas informaes relevantes
para se delinear e por em prtica um plano de
tratamento individualizado.
A dor e a incapacitao que decorrem da
SFC so encontradas em quadros
sintomatologicamente anlogos como, por
exemplo, a fibromialgia. A investigao de
indivduos afetados por dor crnica, mesmo
que no contexto de condies clnicas distintas
da SFC, pode trazer alguma compreenso sobre
o tratamento dos pacientes. Nesta direo, so
sugestivos os dados obtidos por LaChapelle,
Lavoie e Boudreau (2008), que investigaram o
relato de 45 mulheres diagnosticadas com
artrite ou fibromialgia. Como tratamento, foi
oferecida s pacientes uma modalidade de
interveno psicolgica analtico-
comportamental em grupo, baseada no modelo
da Terapia de Aceitao e Compromisso com a
Mudana (ACT), proposta por Hayes e
colaboradores (a esse respeito, recomenda-se a
leitura de Hayes et al.,1999; Dahl, Wilson,
Luciano, & Hayes, 2005). O estudo identificou
fatores favorecedores e impeditivos tanto da
aceitao da dor e do sofrimento, como do
engajamento em uma vida satisfatria. A
maioria das participantes dos 11 grupos de
ACT rejeitou a adoo do termo aceitao,
embora concordassem que, para elas, a melhor
soluo foi reconhecerem que a dor que
sentiam no era normal, que exigia diagnstico
e tratamento especializado. Para elas, foi
tambm relevante assumirem a impossibilidade
de cura e definirem um novo estado de
normalidade para conduo de seu cotidiano.
Segundo o relato das participantes, essa
modalidade de aceitao foi facilitada por meio
do apoio social, psicoeducao (com
participao de familiares e pessoas prximas
significativas), e promoo do autocuidado.
Identificou-se como fator impeditivo da
aceitao a insistncia em preservao da
identidade nos moldes anteriores ao advento da
dor crnica, alm do impacto que o sofrimento
fsico imps sobre os relacionamentos e o fato
de algumas pessoas no validarem a vivncia
subjetiva da dor, sugerindo haver simulao de
sintomas (no intuito de produzirem vantagens
que talvez no fossem obtidas por outras vias).
Ainda no que se refere ao tratamento de
indivduos com manifestaes de dor crnica
anlogas da SFC, Vandenberghe e Ferro
(2005) relataram uma modalidade de terapia de
grupo baseada na FAP (Psicoterapia Analtica
Funcional) para atendimento de pacientes com
disfuno da articulao temporomandibular
(ATM) e dor intensa. Identificou-se a pobreza
de repertrios para lidar com situaes de dor e
pouca compreenso de eventos internos, alm
dos prejuzos derivados dos padres de esquiva
e fuga passiva frente a contextos aversivos. Nas
palavras dos autores (Vandenberghe & Ferro,
2005), as relaes interpessoais eram
dominadas por frequentes relatos de dor e por
atitudes que levaram necessariamente prpria
derrota, mas eram justificadas pela dor (p.
143). Atravs da terapia, os participantes
aprenderam a identificar e a relatar eventos
privados diferentes da dor, detectar situaes
interpessoais que antecediam intensificao da
dor, criar estratgias para manejo dos eventos
interpessoais e com acontecimentos privados
relevantes.
Sndrome da fadiga crnica 419
Convm salientar que, na literatura sobre
interveno psicolgica para distintas formas
de dor crnica, h notveis semelhanas entre
os problemas apresentados pelos pacientes
(presena de conflitos interpessoais, dficits de
repertrios para enfrentamento de contextos
aversivos e resoluo de problemas) e os
objetivos das intervenes (modelar repertrios
incompatveis com esquiva e fuga). Por
exemplo, para a dor orofacial crnica, segundo
Vandenbergh, Cruz e Ferro (2003), o
tratamento psicolgico visaria:
prevenir tentativas de controlar a dor,
que afastam o cliente do que realmente
importante na vida dele. A escolha dos
temas interpessoais de cada participante
buscaria romper com padres de
interao mais amplos que mantm o
cliente preso na sua luta contra a dor. Ao
invs de ensinar o paciente a controlar a
sua dor com mais eficcia, o contexto
comportamental da dor transformado.
(p. 39)
A semelhana persiste no caso da
fibromialgia. Por exemplo, Martins e
Vandenbergh (2007) descrevem o atendimento
de 18 pacientes cujas principais queixas
relacionavam-se a conflitos familiares e
interpessoais, problemas ocupacionais, de
sade na famlia, insatisfao com os
profissionais da rea da sade, alm de crenas
e dvidas em relao doena. Como resultado
da interveno, obtiveram menor frequncia do
comportamento de dor, modificao de crenas
e medos relacionados doena, equipe mdica
e vida, e os indivduos aprenderam novas
estratgias para resoluo de problemas.
Anlise de um episdio de dor e
suas consequncias: ferramentas
para o terapeuta
Pelo que se viu at agora, a dor pode ser
vista como um evento complexo, um tipo de
interao entre organismo e ambiente: sinaliza
a ao de um estmulo sobre algum rgo
dotado de receptores sensveis a algum
estmulo aversivo. Dependendo da intensidade
desse estmulo, respostas de afastamento da
fonte estimuladora seriam reflexamente
eliciadas, com a subsequente diminuio da
estimulao aversiva. Desse ponto de vista, dor
pode ser considerada como uma manifestao
reflexa. A ao do estmulo doloroso pode ser
mecnica, qumica, eltrica ou trmica. Frente a
todo o tipo de estimulao danosa para a
sobrevivncia, nossa espcie foi preparada para
agir, eliminando-a, e nesse sentido, emitimos os
comportamentos de dor. Como dissemos, h
reflexos que tm a funo, ento, de eliminar
ou atenuar o estmulo nocivo que provoca e
dor.
Aprendemos, ainda, por meio da histria
individual de contato com estmulos aversivos,
a emitir operantes, um segundo tipo de
respostas, igualmente capazes de atenuar, adiar
ou remover a dor e/ou os estmulos pr-
aversivos condicionados. So respostas
mantidas pelas consequncias que produzem.
Quando afetado pela dor, o indivduo
acaba tambm sinalizando para sua
comunidade este aspecto da sua experincia
privada. Esta caracterstica permitiu que a partir
da expresso de dor (contraes faciais,
direcionamento de mos para o local da dor,
movimentos bruscos de tentativas de
afastamento da fonte de estimulao dolorosa,
gemidos, etc.) o organismo pudesse ser acudido
quando entra em contato com estmulos
danosos.
Por esta razo, parte do aprendizado social
se ocupa em identificar os estmulos pr-
aversivos condicionados e as respostas que eles
provocam, para que se tenha maior controle
sobre o aparecimento e a atenuao ou
eliminao da dor. Primeiramente, por
observaes pblicas de eventos que produzem
dores e nossas reaes reflexas a eles, a
comunidade verbal ensina o indivduo a
verbalizar sobre o fenmeno doloroso:
responder perante os estmulos, identificar sua
intensidade e mesmo a evitar que novos
eventos possam causar a dor. Ocorre um
aprendizado do que e do que provoca a dor, e
ainda, de como evitar, ou diminuir e at mesmo
manter seus nveis. Este aprendizado social nos
ensina a ficarmos sob controle desses
estmulos. Mais do que isso, a comunidade
verbal ensina a verbalizar que se est sentindo
dor. Isso especialmente importante para que a
pessoa seja acudida mesmo quando os
estmulos dolorosos no so evidentes aos que
a cercam, o caso daqueles estmulos gerados
internamente, quando se passa por algum
processo infeccioso, inflamatrio ou mesmo
alteraes como clicas intestinais, menstruais
ou renais, por exemplo.
Em consequncia desses dois fenmenos,
o indivduo aprende, ento, a sinalizar para os
420 Wielenska, R. C., & Banaco, R. A.
outros que sente dor, em geral por meio do
comportamento verbal. Mdicos buscam pistas
sobre a localizao da dor no corpo. Eles
perguntam, recorrendo a metforas, acerca do
tipo de dor ( cortante, pulsante, fina, aguda, ou
o que?), e ainda pedem informao sobre sua
intensidade e durao. Desta feita, adquire-se a
conscincia da dor, interpretada como uma
descrio verbal detalhada sobre vrias
dimenses do fenmeno. Esta descrio
detalhada ajudar aos profissionais a
identificarem o que no possvel identificar
sem o relato verbal.
Por fim, o falar sobre a dor passa a ser um
novo tipo de comportamento verbal adquirido,
que pode ter (e em geral tem) um efeito
dramtico sobre nossa comunidade verbal: por
conta de demonstraes de sensao de dor
obtemos cuidados, ateno, agrados, somos
isentos de tarefas que propiciariam mais dores
e, em casos extremos, obtemos inclusive a
absolvio por atos que possam ser justificados
pela dor (ele foi rude porque estava com muita
dor). Outra caracterstica importante, ento,
que falar sobre dor passa a ter uma funo que
no a de apenas sinalizar para a comunidade
verbal sobre estmulos nocivos que colocam
nossa sade e sobrevivncia em risco. Falar
sobre a dor passa a ser um importante meio de
obteno de ateno ou de atenuao de
situaes aversivas, mesmo se a dor no estiver
na origem do relato.
Resumindo, quando um psiclogo se
depara com o fenmeno dor, ele tem que, no
mnimo, abarcar os aspectos elencados at este
momento. A dor pode ser uma relao reflexa,
pode ter que ser observada e descrita de
maneira precisa para que os profissionais da
sade possam dar assistncia ao cliente, e/ou
ser uma solicitao de ateno ou de liberao
de tarefas e condies aversivas.
Observaes regulares do comportamento
do cliente na sesso, associadas anlise de
seus relatos, ajudam o profissional da
psicologia a identificar as possveis razes
pelas quais a dor aparece no caso atendido.
necessrio dispor de informaes
complementares sobre o que o cliente faz
quando sente dor, quais so as condies em
que a dor fica mais intensa ou constante, ou
mesmo as consequncias que o cliente obtm
ao queixar-se da dor. Tais dados fornecem
pistas importantes para que sejam reveladas as
contingncias ambientais parcialmente
determinantes do fenmeno e sejam planejadas
e implantadas novas formas de conduo do
comportamento do cliente.
Com essa anlise pretende-se resumir os
princpios que nortearam a conduo do caso
clnico que ser apresentado a seguir. Sero
discutidas as seis sesses da terapia de uma
cliente com SFC, a qual buscou ajuda por estar
em dvida quanto a viajar de frias ou
permanecer em casa. Adicionalmente, sero
discutidas as razes da interrupo precoce do
tratamento, o que impediu a interveno clnica
sobre reas de funcionamento da cliente que, na
perspectiva da terapeuta, seriam to ou mais
clinicamente relevantes que a queixa inicial. A
hiptese de que problemas preexistentes de
relacionamento familiar e social favoreceriam a
manuteno dos comportamentos de dor da
cliente relacionados SFC. Como se ver a
seguir, no convvio com a famlia, a emisso de
operantes de fuga e esquiva da dor fsica e
emocional tornava incompatvel emitir outras
respostas, mantidas por reforadores como
divertimento, validao e apoio social.
Consequncias positivamente reforadoras, no
disponveis no convvio com a famlia, seriam
provveis eliciadoras de humor eutmico, o que
afastaria a cliente de sua condio de intenso
sofrimento.
Relato de caso
Para preservar o sigilo teraputico, alguns
dados foram omitidos ou ligeiramente
modificados, incluindo o nome da cliente.
Maria, 30 anos, sexo feminino, solteira e sem
filhos, portadora de SFC h cinco anos, foi
encaminhada pelo psiquiatra primeira autora,
para dar incio terapia analtico-
comportamental. No histrico de Maria
constavam algumas internaes hospitalares e
outros perodos de permanncia ao leito, em
casa, todos resultantes de complicaes clnicas
prprias da SFC. Estava tambm em terapia de
orientao psicanaltica h alguns anos e
escolheu manter em paralelo as duas
intervenes psicolgicas, deciso respeitada
pelos profissionais envolvidos. Segundo ela, os
principais prejuzos decorrentes da SFC se
referiam reduo do rendimento cognitivo, o
que afetava seus estudos e trabalho, e
dificuldade para manter relacionamentos
sociais, por sentir-se fisicamente debilitada,
sem condio de passear, fazer visitas,
frequentar locais como bares, festas, etc..
Formada em administrao e ps-graduada em
Sndrome da fadiga crnica 421
economia, queria prestar concurso para
ingresso na carreira pblica, afirmava que
sempre sustentou esse ideal. Considerava que
assim poderia contribuir para a sociedade de
uma maneira que lhe trouxesse mais satisfao.
No entanto, estava h algum tempo com
dificuldades de memria e concentrao, o que
prejudicava seus estudos e o desempenho nos
concursos de ingresso carreira pblica.
Trancou matrcula no curso preparatrio. Nas
sesses, descrevia com amargor seu limitado
desempenho intelectual presente, e o
comparava com a facilidade com que, no
passado, se concentrava nos estudos e
memorizava o contedo das disciplinas. Havia,
ento, desistido de inscrever em novos
concursos. Morava sozinha e mantinha-se com
auxlio financeiro da famlia, acrescido por
economias do tempo em que trabalhava
regularmente e com recursos advindos de seus
esparsos trabalhos recentes como consultora
autnoma.
Quanto vida social, vinha se isolando
progressivamente mais do convvio com
amigos. Frequentemente cancelava na ltima
hora os compromissos que assumira com
antecedncia. A cliente referia que s vezes se
sentia indisposta na hora de sair para o
programa combinado, temia que no transcorrer
da atividade viesse a passar mal, o que
dificultaria tanto seu retorno imediato ao lar,
quanto o recebimento de ajuda. No queria
chamar demais a ateno dos outros para sua
sade comprometida e para a necessidade de
repouso. Relatava que os amigos a
discriminavam, no entendiam seus motivos, e
que as pessoas progressivamente deixaram de
convid-la para passeios e eventos. Perguntada
a respeito, disse que seus amigos se mostravam
cticos acerca da incapacitao por SFC e se
mostravam pouco empticos a seus relatos de
sofrimento fsico. Passou, ento, a no assumir
compromissos sociais e as recusas habituais
acabaram por ampliar o isolamento. Respostas
de fuga (ir embora mais cedo, parar o estudo no
meio da leitura) tornaram-se esquivas (no
marca compromissos, tranca matrcula no
preparatrio), resultando em maior isolamento
e rejeio.
O relacionamento com os pais e irmo
(mais novo do que ela) sempre foi tenso e
pouco afetivo, problema grave e anterior ao
advento da SFC. Sua nica irm era casada,
com filhos, e se relacionava com todos de
modo distante, embora sem conflitos aparentes.
O padro de comunicao familiar era
fortemente pautado em crticas,
desqualificaes e cobranas, em especial da
parte do pai, e dirigidas cliente. Quaisquer
expresses de individualidade e discordncia
com a opinio paterna geralmente eram punidas
verbalmente, com gritos e palavras
desqualificadoras. Sentia-se no validada em
seus atos e opinies. Em sua famlia, havia
distino no modo como homens e mulheres
eram ouvidos e respeitados. O irmo era
valorizado por todos e assegurava para si mais
direitos do que ela. A me era passiva,
submissa e subserviente ao marido, mostrava-se
frgil e pouco inclinada a proteger a filha das
desqualificaes e exploses paternas.
A famlia tinha passaporte da comunidade
europeia e anualmente Maria tinha por hbito
passar por volta de um ms e meio na Europa,
quando alugava um flat numa estao de esqui
prxima cidade onde moravam alguns
parentes. Nesse perodo, dedicava-se prtica
de esportes de inverno (sob orientao de um
instrutor, com o qual mantinha relao de
recproca estima), mantinha relaes sazonais
de amizade com os moradores e esportistas
(frequentadores regulares do local). Este era um
contexto no qual se sentia integrada e aceita
pelo grupo, um quadro totalmente distinto do
que vivia com a famlia e os amigos. Quando
chegou para terapia, j em novembro, queria
ajuda para decidir se iria para a Europa naquele
ano. Temia no conseguir sequer sair do quarto
em funo da fadiga e dores. Estava
desesperanada, sentia-se sem condio de
praticar qualquer esporte, no via sentido na
viagem, no queria ser rejeitada ou
discriminada tambm por aquele grupo de
pessoas.
Havia reservado um bilhete areo para
voar dali a poucas semanas. Precisava decidir
se emitia o bilhete, mesmo sem ter ainda
certeza se iria viajar. O fato da reserva vencer
em breve restringiu a possibilidade de coleta de
dados e intervenes mais extensas. Cliente e
terapeuta valeram-se, ento, do princpio de que
compensava comprar o bilhete areo para
assegurar a oportunidade de viajar, mesmo sob
risco de ser cobrada taxa adicional para
mudana de voo. Discutindo esse dilema, ficou
evidente para cliente e terapeuta que desistir da
viagem e perder algum dinheiro seria menos
aversivo do que perder a chance de estar na
Europa por falta de assento no voo. Esta
deciso sinalizou para a terapeuta, que
422 Wielenska, R. C., & Banaco, R. A.
provavelmente a cliente, embora temerosa,
estaria ainda inclinada a viajar, precisando
provavelmente de algum incentivo e
orientaes, de forma a evitar que os excessos
esportivos produzissem dor intensa e a
afastassem dos esportes e do convvio com a
turma de amigos na estao de esportes de
inverno.
Nessas sesses iniciais, procedeu-se a uma
anlise de prs e contras da viagem. Para cada
problema que a cliente ou terapeuta
imaginassem que poderia ocorrer durante a
estada na estao de esqui, terapeuta e cliente
passaram a identificar possveis solues. Em
paralelo, a terapeuta buscava identificar
possveis benefcios da viagem, como o
afastamento temporrio de um contexto de
isolamento social e conflitos frequentes e o
contato com um contexto que, no passado, se
mostrou fortemente reforador para respostas
de ativao fsica e interao social. O objetivo
da terapeuta era aumentar a chance da cliente
experimentar a viagem como a oportunidade de
ser aceita pelos seus pares e de praticar
regularmente um nvel leve ou moderado de
atividade fsica, mesmo se precisasse lidar com
alguns sintomas. Planejou-se como manter um
nvel seguro de atividade fsica, sem excessos,
atrelado ao convvio dirio com os
frequentadores regulares do local (encontros
nos restaurantes e bares locais), com os quais
parecia ter mais afinidade e nenhuma histria
de punio. Com esse grupo de pessoas, a SFC
seria, ento, uma parte real de sua condio
presente, mas no a caracterstica definidora de
sua identidade.
Embora o relato da cliente ateste ter sido
alcanado sucesso no delineamento do plano de
ao para a estada na Europa, a cliente rejeitou
qualquer tentativa da terapeuta de abordar os
problemas de comunicao com a famlia e os
amigos no Brasil. No foi possvel bloquear as
esquivas emitidas na sesso e ajud-la a entrar
em contato com as emoes eliciadas por esse
assunto, em funo da aproximao da data de
partida.
A cliente acabou viajando, e, seis meses
depois, marcou consulta de retorno. Nesta
ocasio relatou o sucesso da experincia de
vida na Europa. Praticou esporte, teve sintomas
que foram contornados com algum descanso e
medicao, esteve regularmente com os amigos
locais e se divertiu. Avaliou sua experincia
como muito positiva e relatou surpresa com os
resultados. Ao retornar, no entanto, sentia-se
mal novamente. Aqui, ativao fsica no
resultava em bem-estar, prazer, aceitao e
validao interpessoal. Por outro lado, ficar sob
controle dos sintomas abriu espao para maior
isolamento e fuga da dor fsica e psquica e
justificava o comportamento de isolamento
social e desistncia do estudo e de concursos
em funo dos prejuzos de memria e
concentrao (prestar a prova e ser reprovada
talvez lhe fosse mais aversivo do que no
tentar). Uma hiptese que a terapeuta elaborou,
sem chance de discutir sistematicamente esta
linha de raciocnio com a cliente, era que no
contexto familiar os sintomas da SFC
tornavam-se mais intensos e incapacitantes, o
que provavelmente ocorreu sob controle de
seus efeitos adicionais da intensa e frequente
aversividade gerada pelo contato com famlia e
amigos. J unto a eles, seu desempenho era
apreciado ou desprezado conforme
demonstrasse competncia para ser aprovada
em concursos, obedecesse aos pais e
concordasse com eles, participasse ativamente
de todos os eventos com os amigos, etc.. Na
Europa, em contexto de frias, as cobranas
eram pequenas, para ser aceita e bem tratada
bastava estar presente na hora e lugar certos (no
pub ou na pista, por exemplo), se desempenhar
dentro dos limites que lhe parecessem
razoveis, e ser cordial e aberta com as pessoas.
Em suma, foram identificadas duas condies
distintas de estimulao operando sobre Maria
e elas produziram resultados em direes
opostas. No contexto famlia, eram
negativamente reforados comportamentos
verbais e no verbais mantenedores dos
sintomas da SFC, enquanto que no contexto
estao de esqui havia o fortalecimento de
aes favorveis ao viver saudavelmente, sob o
ponto de vista biolgico e sociocultural. Na
estao de esqui havia reforamento social
generalizado para respostas de baixo custo,
relacionadas ao esporte e convvio social, sem
competio e crticas. Na famlia, praticamente
no se valorizava qualquer atributo ou
habilidade da cliente, as relaes eram
coercitivas. Com os amigos e colegas, no
havia reconhecimento das possveis limitaes
decorrentes da dor, fadiga e outros sintomas.
Estudar para concurso exige concentrao e a
concorrncia enorme; a recompensa esperada,
a contratao no servio pblico, reservada a
poucos. Os colegas de faculdade seguiram
carreiras corporativas ou atuavam como
autnomos, a maioria encontrou o sucesso,
Sndrome da fadiga crnica 423
ainda inacessvel a Maria. Esse foi o contexto
cotidiano gerador de esquivas do sofrimento
emocional eliciado pelos problemas
interpessoais, fortalecendo comportamentos
relacionados SFC.
A terapeuta demonstrou claramente sua
alegria com o relato dos resultados alcanados
por Maria durante a viagem e se preocupou em
saber como estava sua condio presente. Ao
saber da recidiva dos sintomas fsicos e
comportamentais, explicou cliente que seria
importante identificar os provveis estressores,
e procurar desenvolver um plano de ao para
cada um deles. A ideia seria construir com a
cliente uma anlise dos efeitos distintos dos
dois contextos sobre seus comportamentos
pblicos e privados. Talvez, sob o prisma da
cliente, a extenso, complexidade ou suposta
inviabilidade dessa tarefa tenha se mostrado
intoleravelmente aversiva. A cliente emitiu a
resposta mais prevalente em seu repertrio,
afastando-se da terapia, a despeito da expresso
de genuna apreciao da terapeuta frente aos
resultados alcanados na Europa e da
sinalizao de novas perspectivas. Sugere-se
que fracionar para a cliente a apresentao das
etapas subsequentes da terapia tivesse sido uma
estratgia clnica mais adequada, face sua
aversividade potencialmente menor.
Adicionalmente, seria interessante avaliar se a
sugesto de novas metas para a terapia
(trabalhar as dificuldades de relacionamento
com famlia, os problemas de rendimento
acadmico, etc.), sugeridas pela terapeuta
cliente, no teria sido um estmulo aversivo
pertencente mesma classe de estmulos que
poderamos nomear como tudo que as pessoas
esperam que eu seja capaz de fazer, a despeito
da minha vontade ou condio. Neste caso,
uma ao teraputica menos incisiva e no
diretiva teria maior chance de manter a cliente
em tratamento.
Estas hipteses acerca das variveis de
controle do comportamento da cliente por
diferentes contextos sugerem caminhos para
investigaes futuras acerca dos determinantes
de problemas interpessoais em pacientes de
SFC e das possibilidades de intervenes
comportamentais para tratamento das esquivas
e outros problemas decorrentes da sndrome. A
meta final ser sempre a busca de maior
qualidade de vida, a despeito da eventual
vigncia de sintomas da SFC.
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Enviado em Junho de 2010
Aceite em Outubro de 2010
Publicado em Dezembro de 2010
ISSN 1413-389X Temas em Psicologia - 2010, Vol. 18, no 2, 425 427
Pain and behavior after 25 years
Howard Rachlin
State University of New York
Although I have not followed pain
research since the article was published, my
general approach to the study of pain, based on
teleological behaviorism, would be the same
now as it was then. What is that approach as I
now see it? First, I would distinguish between
everyday use of the word, pain and scientific
use of that word. In everyday life, the notion
that pain is private serves a useful purpose it
mobilizes others to aid the person in pain, to
deal with an emergency without first enquiring
about cause or consequence. If I say I am in
pain, I am indeed in pain and you must help
me. However, for scientific purposes, including
treatment development, I consider pain to be
overt behavior. For example, I believe that,
over the long run, the degree of a persons pain
may be better judged by a close observer than
by the person himself. A man goes to a
physician and, without deliberately lying,
claims that his pain is mild. His wife may
contradict him. What are you talking about? It
kept you up all night last night, she may say.
Who is right in such a case? The teleological
behaviorist says, she is more likely to be right.
1
Following Skinners classic dichotomy,
like all overt behavior, pain has respondent and
operant components. That is, pain may be
correlated with antecedent or consequent
events. Where pain is correlated with
antecedent events, where an external stimulus
or a bodily cause (such as a burst appendix) can
be found, the pain is defined as respondent.
You would treat that pain by removing its
stimulus or medically treating its cause. You
might administer pain-relieving drugs. But,
where a normal cause of pain is removed and
pain persists over long periods, and the pain is
found to be correlated with some antecedent
event such as social attention, relief from work,
or access to pain medications, then that pain
may be said to have operant components. J ust
as the respondent components of pain are
1
Except, a teleological behaviorist would say that
her language is (quite naturally) imprecise. Being up
all night is not the cause of pain but a part of the
pain itself.
appropriately treated by manipulating its
correlated antecedents, so operant pain should
be treated by manipulating its correlated
consequences. But, as I said above, I have not
been following pain research since the
publication of Pain And Behavior. And, I feel,
that inattention on my part needs some
explanation and excuse. Let me therefore
discuss how I came to write the article in the
first place.
In the mid-eighties there were people
associated with the Stony Brook Psychology
Department who were interested in the study of
pain and pain behavior, but I was not one of
them. At that time I was trying to develop a
consistent behavioral theory of mind which I
later called, Teleological Behaviorism. I had
found, in the past, that writing an article in
Behavioral And Brain Sciences (BBS) was a
good way to test a theoretical conception; the
commentary published with the article would
draw criticism from a wide variety of
viewpoints. It was also fun to have the last
word in the authors response to the comments.
So I prepared and submitted an article titled:
Molar Behaviorism And Mental Terms. In
the article I argued that all mental events,
including sensations, perceptions, cognitions,
hopes, fears, emotions, and even imaginations,
were best understood as interactions of the
whole organism with the environment that is,
overt behavior.
The philosophical move that I introduced
in the article was to take the common idea of
the depth of a mental event and translate it
into an abstract interaction between a whole
person and the world. The deeper a thought
was in the ordinary conception, the more
abstract (more extended, more molar) the
interaction between the person and the world in
the teleological-behavioral conception. I had
been reading the philosopher, J .R. Kantor, and
found his ideas congenial to my way of
thinking (I eventually dedicated the article,
Pain And Behavior, to his memory.)
The manuscript of Molar Behaviorism
And Mental Terms was sent off to reviewers
426 Rachlin, H.
and eventually rejected by BBS (but with
encouragement to revise). The rejection letter
said that I did not deal with the most
fundamental objection to a behavioral view of
the mind the fact that pain was obviously
an internal event. You might yell and scream,
the reviews said, but that was just pain
behavior. Pain itself was self-evidently internal.
The reviewers were perfectly correct as regards
my failure to adequately discuss pain. I had not
dealt with pain as such. I had assumed that pain
was a sensation like any other and that, like
other sensations, was basically a discrimination
extended over time. The difference between
two people, one deaf and one normal, both of
whom are sitting still in a room in which a
Mozart quartet is playing on the phonograph, is
that, for the normal person, there exists a non-
zero correlation between behavior and sounds
while for the deaf person no such correlation
exists. This was essentially the standard
behavioral view of sensation except, I argued,
the context of a given act of discrimination (the
correlation over time between behavior and
stimulus) and not just a specific act was
essential for sensation. I had assumed that pains
could be behaviorally defined in the same way
as other sensations. I intended to revise Molar
Behaviorism And Mental Terms by adding a
section on pain. In order to do so, I began
reading the literature on the physiology and
psychology of pain.
I soon discovered that, in a way, pain was
more complicated than other sensations.
Whereas other sensations (colors, sounds) serve
mostly as signals for biologically important
events, pain stimuli are both signals (of bodily
damage) and biologically important events at
the same time. Moreover, the aversiveness of
pain is highly malleable and could vary from no
response in the presence of highly intense pain
stimuli to strong, even violent, response in the
absence of any pain stimulus at all. As I kept
reading and writing, the pain section began to
grow and to dominate the rest of the
manuscript. It eventually became evident that I
would have to postpone Molar Behavior And
Mental Terms and develop a behavioral theory
of pain.
Philip Teitelbaum (1977) had published an
article in Staddon and Honigs Handbook of
Operant Behavior in which he argued that
instrumental (operant) responding evolves over
an organisms lifetime from a few basic
reflexes. His prime example was eating
behavior in mammals. At birth, when the brain
is undeveloped, eating is reflexive (sucking
when stimulated by contact with a mothers
breast). As the brain develops, eating becomes
less rigid and more malleable. When the brain
is injured, behavior often regresses to its initial
state and, as the brain recovers the more
complex operant behavior recovers with it. It
seemed to me (and still seems) that pain was
another example of this progression from a
primitive reflex (a newborn infants cry when
slapped on the bottom) to a full-fledged
instrumental response controlled by its
consequences. But, unlike eating, as the brain
develops, the reflex remains alongside the more
complex instrumental response. But, I
maintained, whether reflex or operant response,
the pain itself was in the behavior (over time)
and not inside the behaving organism. Inside
the organism were pain mechanisms, and study
of pain mechanisms was interesting and
important, I claimed but, in order to understand
the mechanisms underlying pain, you first have
to understand pain itself as overt operant and
respondent (reflexive) behavior over time.
I then put aside my original article (later
weaving it into a book: Behavior And Mind:
The Roots of Modern Psychology, Harvard
University Press, 1994) and submitted the pain
article to BBS. The reviews were positive,
although skeptical, and the article was
published along with commentary by
psychologists, philosophers, physiologists, and
my response to the comments. Several
commentators saw value in my approach or
found it interesting but none of them wholly
agreed with me. Many disagreed, some quite
violently. This is a very common response to
behavioristic ideas, as any behaviorist will
understand.
In the years since the publication of Pain
And Behavior, even as applied behavioral
analysis has flourished, behaviorism as a
philosophical approach to the mind has
languished. Psychology in American
universities has become more and more neuro-
cognitive. The invention and development of
MRI technology has accelerated this process. In
the area of pain management, behavioral
techniques, so promising in the mid-eighties,
have come into disfavor. Instead, vast resources
have been expended on pain medications. A
quick search on Google turns up the following
consequence of this development (from
Prevention Alert, v. 6, no. 4, March 7
th
, 2003):
Pain and behavior after 25 years 427
Over the past decade-and-a-half, the number
of teen and young adult (ages 12 to 25) new
abusers of prescription painkillers such as
oxycodone (Oxycontin) or hydrocodone
(Vicodin) has grown fivefold (from 400,000 in
the mid-eighties to 2 million in 2000). I do not
imagine that in the years since 2003 this
increase has decelerated.
Looking at this development, a behaviorist
might ask: What are these drugs actually
doing? A natural extension of Teitelbaums
theory would say that they create temporary
lesions in areas of the higher brain, reversing
evolved operant pain responding but leaving
pain reflexes alone. People taking these drugs
often say that they still feel the pain but it
doesnt bother them. There is nothing wrong
with this except that the effect habituates
creating a negative addiction. Although I have
not followed pain research since the publication
of Pain And Behavior, I have followed
addiction research. I know that the best current
treatment of addiction is behavioral treatment.
Not cognitive-behavioral, not neuro-behavioral,
not spiritual-behavioral but behavioral
treatment as such. So we are led back once
again to a behavioral approach to pain.
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Enviado em Junho de 2010
Aceito em Outubro de 2010
Publicado em Janeiro de 2011