O Estado na promoo do bem estar social: uma reflexo a partir dos liberais igualitrios e liberais conservadores

Luciana Pazini Papi1 Introduo O Estado de Bem Estar social foi um modelo poltico- econmico de orientao do Estado emergido nos fins do sculo XIX e aprofundado aps a quebra da bolsa de Nova York em 1929, que tem suas razes profundamente integradas estrutura social e poltica das sociedades industriais contemporneas (King, 1987). Se no mbito da produo o fordismo foi a forma de organizao do trabalho que garantiu a produo massiva de bens de consumo na poca, o keynesianismo foi o padro de organizao do trabalho que se estendeu para a esfera do Estado permitindo a incluso de grande massa populacional no padro de consumo de bens da poca, alavancando a economia. Ou seja, atravs de mecanismos de integrao entre produo, Estado e mercado se implementam as bases do Estado de Bem Estar Social que permanece como padro de organizao estatal hegemnica at a dcada de 1970, quando a crise fiscal dos Estados acirra as atenes para a necessidade de reformas. Com efeito, tal modelo de organizao estatal imprimiu uma substancial interveno na economia e nas estruturas sociais, provocando mudanas no padro de emprego que migra do mercado para o setor pblico; na fonte de renda que, de acordo com King (1988), passa a ser provida principalmente pelo Estado2, e no padro de proteo social que centrou-se na extenso de direitos ligados ao trabalho, na Previdncia Social e educao pblica. Assim, a maturao do Estado de bem estar social teve implicaes sobre sua posio na cultura poltica das democracias industriais na medida em que contribui para transform-las. Este fato histrico colocou no centro do debate qual lugar que cabe ao Estado na promoo do bem estar, uma vez que h a incorporao de outros critrios que no

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Mestranda em Cincia Poltica na UFRGS. Bacharel em Cincias Sociais (UFRGS). De acordo com Desmond King (1988, p. 54), em alguns pases o emprego pblico e por conseguinte as fontes ou salrio social, constituem mais de 50% do emprego e renda.

apenas os de mercado nas decises relativas utilidade social de certos bens e na alocao de recursos. Essas questes, contudo, no so recentes. Economistas polticos clssicos de convices liberais, conservadora e marxista, preocuparam-se com a relao entre mercado e Estado; capitalismo e bem estar social liberdade e igualdade. Se do lado liberal (inspirado em Locke, Mill e proposto sobretudo por Smith) encontrava-se a defesa de que o mercado era o meio superior para a abolio de classes, da desigualdade e dos privilgios, na medida em que o Estado era tido como asfixiador do processo igualizador do comrcio competitivo, promotor de monoplios, protecionismo e ineficincia; Do lado marxista, havia a abominao dos efeitos atomizantes do mercado, com a crtica de que os mercados garantem a igualdade. Segundo Dobb (1946 apud Andersen, 1990, p. 88) A acumulao de capital despoja o povo da propriedade, e o resultado final ser a diviso de classes cada vez mais profundas. Isto por sua vez, promove conflitos intensos forando o Estado liberal a renunciar seus ideais de liberdade e neutralidade e chegar a defesa das classes proprietrias. Tal discusso emanada inicialmente no bojo da economia poltica clssica revitalizada nos anos 1970 e 1980 pelas teses liberais contemporneas, quando as bases do Estado de Bem Estar Social comeam a dar sinais de crise e esgotamento e as propostas de enxugamento do Estado com restries de gastos e minimizao do compromisso com a promoo do bem-estar, so propostas em larga escala a partir dos discursos de Reagan e Tatcher. Neste sentido a teoria liberal contempornea com sua discusso normativa, mas no desvinculada da prxis histrica, retoma as bases do debate sobre qual espao cabe aos governos na promoo do bem estar aos indivduos, sobretudo, aps a Uma Teoria da Justia de Jonh Rawls (1971), retomando o problema clssico da cincia poltica, qual seja, como conciliar liberdade com igualdade. De forma genrica, so duas as linhas gerais desta discusso: De um lado encontram-se os alinhados a uma concepo liberal conservadora/ libertria3, como se convencionou chamar no mbito da teoria liberal contempornea, onde situam-se os

Este termo aqui no empregado no sentido de uma ideologia de esquerda atrelados, ora concepo marxista e ora ao anarquismo. Tal termo diz respeito s concepes liberais que defendem o Estado mnimo em oposio ao Estado de Bem estar social.

opositores do Estado de Bem Estar social. Para estes o Estado deve se limitar a garantir direitos individuais bsicos, como o direito propriedade privada e integridade fsica. E de outro encontram-se queles alinhados concepo liberal-igualitria onde so discutidos os limites da proposta liberal conservadora e os problemas das desigualdades que marcam as sociedades contemporneas. Influenciados pelo conceito de igualdade do sculo XIX e incio do XX tais autores preocupam-se com a promoo da igualdade com liberdade e a promoo da justia e do Bem estar. Destaca-se como marco de tal discusso a teoria da Justia de Jonh Rawls que advoga por uma sociedade justa com efetiva interveno estatal e instituies que sejam capazes de igualar as pessoas em suas circunstncias bsicas. Por seu turno, a discusso elevada por Ralws suscita reaes e crticas tanto pelo lado dos liberais conservadores, pois considerada uma teoria insuficientemente liberal, quanto pelo lado dos igualitaristas e comunitaristas que questionam a capacidade da teoria de Rawls ser realmente igualitria. Com efeito, a contenda principal entre os autores foi a tentativa de explicao e justificao sobre qual espao cabe ao Estado na limitao e restrio liberdade individual de forma que a mesma possa ser exercitada sem riscos. Neste sentido, a discusso sobre quais seus limites na promoo do bem estar e da igualdade nas democracias contemporneas, torna-se um tema central da discusso. Tal centralidade, contudo, no se restringe ao contexto histrico em que os autores desferem tal debate. Nota-se a atualidade do tema quando se observa que as polticas pblicas de diferentes reas so orientadas por projetos polticos com cargas prescritivas que se nutrem do debate travado no mbito da teoria poltica contempornea: Qual seja, qual espao cabe ao Estado na redistribuio dos bens socialmente produzidos para promoo da justia social; criao de bem estar e promoo do Bem comum. No mbito desta discusso, este ensaio tem por objetivo abordar como autores liberais conservadores e liberais-igualitrios, interpretaram e justificaram a interveno ou no do Estado na promoo do bem estar social. A despeito da centralidade que Jonh Rawls tomou na discusso contempornea sobre a promoo de justia social, este ensaio no se debruar especificamente sobre tal autor. Tendo em vista que a noo de Bem estar e igualdade foi trabalhada especificamente por Michael Walzer e Ronald Dworkin, sero estes os autores tangenciados para abordar tal questo pelo lado dos igualitrios; Da mesma forma que do lado dos libertrios, ser abordada a concepo de Nozick no que diz respeito s suas noes de liberdade e igualdade.

Para dar conta deste objetivo o artigo foi dividido em trs partes: Inicialmente ser abordado os argumentos de Walzer e Dworkin no que diz respeito ao espao conferido ao Estado na promoo de bem estar e igualdade; Na segunda parte, ser abordada o posicionamento de Nozick sobre tais questes. Na concluso, parte-se para a comparao dos autores no que diz respeito ao modelo de Estado e polticas pblicas advogados para a promoo uma sociedade justa.

1 Igualdade e bem estar nas concepes de Walzer e Dworkin, qual o espao do Estado? Em meio crise econmica dos anos setenta e oitenta, a queda do bloco socialista e as propostas de reforma estatal (que produziram enxugamento do Estado na promoo de polticas de bem estar), o desemprego e a precarizao das condies de vida ganhou dimenses alarmantes em escala mundial, chamando ateno para um problema preterido no mbito da discusso acadmica no perodo de crescimento econmico do ps-guerra, qual seja, a desigualdade social. Tal fenmeno suscitou entre diversos autores sejam eles igualitrios, comunitaristas ou liberais, atenes sobre a necessidade de minimizao das desigualdades para a promoo de justia social, assim como, para entender o significado da palavra igualdade na sociedade contempornea. Ou seja, tratou-se de buscar respostas para que tipo de igualdade o Estado deve assegurar para os indivduos? em que medida se pode pensar em um modelo de igualdade que no tenha o significado de planificao e homogeneizao das diferenas? De uma forma geral poder se notar no exame dos autores que sero cotejados neste trabalho, que a defesa da igualdade contempornea muitas vezes se confunde com a defesa de bem estar. Ou seja, toma um sentido distinto da igualdade defendida no sculo XIX, que no sentido marxista passava pela abolio da dominao de classe. No debate contemporneo, o tema Bem Estar Social passa tambm pela questo da eliminao da dominao, no entanto, no se trata de uma dominao de classes, mas de quem possui bens sociais e quem no possui, tornando-se a distribuio de recursos de diferentes naturezas, uma questo central. Neste ponto especfico Michael Walzer e Dworkin oferecem importante contribuio analtica apresentando as noes de promoo da igualdade complexa e igualdade de recursos. Tendo em vista que o conceito de igualdade tem sido confundido com a noo de bem estar nas formulaes contemporneas, e normalmente a primeira implica pensar em um sistema de distribuio que trata as pessoas como iguais quando distribui recursos, torna-se necessrio para introduzir o tema do debate introduzir o que pode ser pensado como bem estar. Como discorrer sobre igualdade de bem estar, se os dois conceitos so abertos e se confundem.

Uma primeira questo a se destacar que a resposta est longe de possuir consenso. H diversos conceitos concorrentes de bem estar, sendo que inicialmente foi tratado pela economia tomando uma conotao de bem estar econmico. Por este vis polticas redistributivas so suficientes para ofertar bem estar (Kaplow e Shavel, 2002). Outro campo que endossou foi a psicologia, sendo o bem estar comparado tudo que promove satisfao ao indivduo. Aqui se incluem, sentimentos e sensaes que trazem prazer pessoal tendo uma conotao de subjetividade o bem estar est na mente do indivduo (Kaplow e Shavel, 2002). Posteriormente tal debate foi trazido para a teoria poltica contempornea e suscitou debates no que concerne a questo: o bem estar igual para todos indivduos? Polticas redistributivas como meio de promover igualdade so capazes de promover bem estar social? Essas questes esto longe de no possuir relevncia concreta uma vez que na formulao e execuo de Polticas Pblicas, estes problemas sempre permeiam a deciso dos governantes. No exame do argumento de Walzer podemos notar a problematizao e o tratamento analtico de tais indagaes. Para tanto, o autor parte do questionamento sobre que igualdade desejamos para a sociedade, pois em que aspectos somos iguais aos outros? Partindo da noo de que os valores das sociedades so diversos e singulares, Walzer prope a noo de igualdade complexa e um sistema de justia em que as polticas distributivas de bens sociais devem ser distribudos de acordo com normas distintas.
Os princpios de justia so em si mesmos plurais em sua forma; bens sociais distintos deveriam ser distribudos por razes distintas, por procedimentos diferentes, e agentes distintos; e todas estas diferenas derivam da compreenso dos Bens sociais, os quais so inevitveis do particularismo histrico e cultural. (Walzer, 1983,p.19)

Para o autor o carter local e particular dos direitos devem nortear as polticas pblicas, a despeito das polticas Universais. Isto porque, para o mesmo, um Bem social s pode ser produzido em uma comunidade especfica, pois decorre de valores internos compartilhados pelos membros de um determinado grupo. Neste sentido, tomando como princpio de justia o suposto da diferenciao, defende tambm que os

diversos bens sociais devem ser compartilhados e livre de dominao. Isto quer dizer no sua argumentao que para se promover a igualdade no deveria haver bem social acumulado por um grupo que servisse de meio de subordinao de outro. Neste sentido, a distribuio de bens que tome critrios universais s faria a profundar esta desigualdade inicial. Por esta razo o autor defende a tese da diferenciao da distribuio de bens por motivos locais e particulares. Nesta mo o autor define suas proposies acerca da Teoria dos Bens para fundamentar sua tese sobre polticas distributivas. So elas: 1) todos os bens que a justia distributiva considera so sociais. Vale dizer so construdos por processos sociais distintos possuindo diferentes significados; 2) homens e mulheres concebem e empregam os bens sociais; 3) no existe um conjunto de bens fundamentais concebvel para todos os mundos morais e materiais; 4) o significado atribudo aos bens que define a sua movimentao, seus critrios de distribuio esto intrnsecos ao bem social; 5) o critrio de distribuio, justo ou injusto histrico, ou seja, varia com o tempo mudando seu significado social; 6) se os significados so diferentes, a distribuio deve ser autnoma. Outro ponto da contribuio de Walzer para a necessidade de se adotar polticas plurais ao invs de Universais para a minimizao das injustias sociais, diz respeito sua noo de monoplio e predomnio. Para o autor o monoplio de um bem em si, no significa necessariamente um cenrio de injustia e dominao. A injustia se d na medida em que esse bem predomina sobre os outros. Isto quer dizer, se um bem possui distoro de valores em relao ao outro e passa a subordinar todos os demais. Normalmente essa predominncia uma criao social elaborada por um (ou mais) grupo(s). Em diferentes contextos histricos a fora fsica, o nome de famlia, o cargo ocupado, o capital, o saber tecnolgico j foram bens predominantes promovendo subjugao de grupos. Desta maneira, para Walzer a contnua interveno estatal torna-se algo central na restrio dos eventuais predomnios e na promoo de justia. Por esta razo o autor conclui com uma crtica ao Estado mnimo, pois ao contrrio da tese defendida pelos liberais conservadores, defende que as pessoas sempre precisaro de um padro de proviso adequado s suas necessidades, e o articularo de formas diversas se o Estado no o fizer, podendo produzir predomnios e desigualdades. Por esta razo

historicamente, as demandas populares exigiriam sempre a melhoria de desempenho do Estado, no sua extino. Por um prisma peculiar que ora se aproxima ora distancia de Walzer, Ronald Dworkin tambm se debruou sobre o problema da igualdade na sociedade contempornea. Para tanto partiu da questo sobre o que importa mais no sistema de promoo de justia: igualdade de bem estar ou igualdade de recursos? Encontra-se no autor um argumento que aponta para a segunda questo. Se em Walzer o bem estar e a promoo de justia no esto relacionados diretamente questo do recurso mas ao fim do predomnio de um bem especfico em uma determinada coletividade, em Dworkin, h uma defesa de que os governos devem garantir condies para que as pessoas possam fazer suas escolhas e arcar com as consequncias, por meio de um sistema objetivo de distribuio promovendo a igualdade de recursos. Entretanto, note-se que a igualdade de Dworkin no possui a mesma conotao que a do velho igualitarismo na medida em que no prope um sistema planificado de diviso de recursos como veremos. Endossando premissas do novo liberalismo defende que os recursos devem ser divididos de modo que permita a todos as condies de fazer suas escolhas. No entanto, no deixa de chamar a ateno para a responsabilidade de cada um ao arcar com as mesmas. Desta forma, sua tentativa reside em conciliar liberdade de escolha e responsabilidade, na medida em que os indivduos devem ser livres para fazer suas escolhas (e esta liberdade depende das condies que possuem podem ser garantidas pelos governos) mas responder pelas consequncias. A construo de seu argumento, parte portanto do problema da igualdade distributiva. Para o autor h diferena entre pensar em tratar as pessoas como iguais ou trat-las igualmente. Tratar as pessoas igualmente no suficiente para produzir igualdade de considerao4, para isso necessrio trat-las como iguais. Quando se trata as pessoas igualmente faz-se isso com base em algum padro de distribuio destinado equaliz-las tornando-as, assim, iguais face apenas a um padro distributivo. J tratar as pessoas como iguais, uma atitude que prescinde de padres distributivos, trata-se de consider-las como iguais devido ao valor intrnseco que a vida
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Igualdade de considerao em Dworkin, aparece como uma pr-condio de legitimao poltica de um governo diante de seus cidados. Segundo o autor: Nenhum governo legtimo que no demonstre igualdade de considerao pelo destino de todos os cidados sobre os quais pleiteia domnio e dos quais demanda fidelidade. A igualdade de considerao a virtude soberana das comunidades polticas, sem ela o governo no passa de tirania. (Dworkin, 2000)

humana possui. Assim, torna-se necessrio notar como Dworkin resolve o problema: que tipo de igualdade torna as pessoas iguais em considerao? Que forma de distribuio trata as pessoas como iguais? A partir destas questes Dworkin desenvolve o argumento sobre igualdade de Bem Estar e Igualdade de Recursos. No primeiro ponto, tendo em vista a abrangncia do conceito e sua difcil mensurao, o autor sintetiza sua posio analtica por meio de duas teorias: o bem estar como xito e como satisfao. No primeiro caso destaca que o bem estar de uma pessoa est relacionado com o xito em realizar seus objetivos, preferncias e desejos. Para tanto a transferncia de recursos deve ir at o ponto em que nenhuma distribuio possa diminuir a extenso na qual as pessoas diferem em tal sucesso. J o bem estar como satisfao se trata de um estado subjetivo, condio pessoal medido pelo prazer, ausncia de dor, entre outros. Neste caso, sendo um conceito subjetivo, e particular como o Estado promoveria a igualdade de bem estar? Em sociedades plurais como destaca Walzer possvel falar em igualdade de bem estar? E sendo um conceito que d margem interpretaes subjetivas e portanto dinmicas (preferncias mudam com o tempo) como trat-lo? Dworkin prefere no entrar na seara do conceito ideal de bem estar definindo-o como conceito moral e poltico. Segundo o autor,

Poderamos ento, supor, (para uma ou outra finalidade) que o bem estar das pessoas, definido como seu bem estar essencial, um importante conceito moral e poltico, e ento nos indagamos sobre quais das teorias tradicionais (ou das novas teorias que elaboramos) a melhor teoria de qual bem estar assim concebido. (Dworkin, 2000, p. 15).

Por esta razo, destaca que a igualdade a ser buscada pelos governos a igualdade de recursos - uma modalidade de igualdade material que o imperativo da igualdade de considerao exige que os governos busquem. Com efeito, o autor destaca a necessidade de considerar a questo da liberdade individual ao destacar que os indivduos so singulares e portanto possuem escolhas distintas. Neste sentido no faria sentido propor a diviso idntica da riqueza produzida como uma distribuio justa. Para ilustrar seu argumento o autor utiliza o exemplo do leilo em uma ilha deserta. Pessoas diferentes entre si, chegam numa ilha aps um naufrgio tendo que dividir os recursos da ilha de forma que ningum se sinta lesado. A nica forma de satisfazer tal equao, segundo Dworkin, distribuir entre os indivduos

quinhes iguais de um recurso de igual valor de modo que cada um possa fixar preo sobre seus recursos podendo troc-lo o mercado. Neste sentido, o mercado toma um sentido central no argumento de Dworkin. Ora atravs dele, forma-se um mecanismo de ajustar os preos dos recursos e bens (com seu valor peculiar) e promover um sistema de medida dos valores. Com este exemplo, o autor em tela, est apontando para a necessidade do mercado como equalizador de justia nas sociedades humanas j que o mesmo possui capacidade de ser um mecanismo justo de distribuio de recursos. Neste sentido as instituies e o governo devem considerar e assegurar o bom funcionamento do mercado como uma estratgia para se chegar a este patamar de justia. Nota-se que a teoria de Dworkin, ao contrrio dos igualitrios clssicos, concilia a questo de igualdade e liberdade, mercado e Estado por meio de sua teoria da igualdade de recursos. Na medida em que impe um substrato comum a todos disponibilidade de recursos que deve ser garantido pelo Estado, por outro lado destaca a responsabilidade individual na administrao de suas vidas e do seu bem estar apontando para a importncia dos mecanismos de mercado na regulao/valorao dos recursos. 2 O liberalismo conservador de Nozick e a justificao do Estado mnimo Se na primeira parte do trabalho buscou-se tangenciar as posies dos liberais igualitrios no que diz respeito ao espao que cabe ao Estado na promoo de bem estar e justia social, nesta segunda parte ser cotejado como os liberais conservadores tratam tal problemtica, por meio do exame de um autor especfico Robert Nozick. Autor americano (1938 2002), professor de filosofia da Universidade de Harvard, vinculado ao que poderamos chamar de liberalismo conservador ou libertarismo, cujo ponto argumentativo tecer uma crtica teoria da justia de Rawls com uma proposta que muito se distancia do igualitarismo. Com efeito, Nozick em sua obra Anarchy, State and Utopia (1974), promove uma crtica acerba ao Estado de Bem Estar Social, e a qualquer arranjo institucional que promova a redistribuio de bens e servios, ou em outras palavras, que no se limite garantir os direitos individuais bsicos, qual seja: a propriedade privada e a integridade fsica. Para tanto, o autor advoga por um Estado muito menos ambicioso em suas tarefas. Um Estado justo deve ser mnimo com as foras do mercado imperantes

na relao de aquisio de bens. O teor de sua argumentao pode ser sentida a partir deste trecho,
Nossa concluso principal acerca do Estado que um Estado mnimo, limitado s funes especficas de proteo contra a fora, roubo, fraude, respeito a contratos, e assim por diante, justo. Qualquer adio a esse Estado mnimo violar os direitos das pessoas de no serem foradas a fazer certas coisas, e, portanto, no pode ser justificada. (Nozick, 1974, p. 11)

O Estado em Nozick para ser justo portanto, deve se afastar da noo de Rawls, sobretudo, do princpio da diferena que estabelecido pelo autor, quando afirma que Estado os arranjos institucionais devem beneficiar queles em pior situao social por meio da redistribuio de riquezas, ou seja, realocar dos mais ricos para o Estado e do Estado para os mais pobres. A idia de existir alguns indivduos beneficiados em sacrifcio de outros, ou de um bem maior refutado pelo autor. Assim se nos igualitaristas a noo de bem estar intimamente vinculada conjugao da igualdade com liberdade, em Nozick a liberdade um valor acima dos demais. Tal noo aparecia j em Hayek, uma vez que afirma que liberdade e igualdade so incompatveis. Para o mesmo, a interferncia estatal na promoo da igualdade por meio de um arranjo redistributivo particular, seja ele igualitrio ou de outro tipo, viola a liberdade dos indivduos sendo portanto injusta. O tamanho do Estado deve ser mnimo, pois qualquer outro arranjo viola os direitos individuais. A tese desenvolvida por Nozick com a premente defesa de um Estado mnimo, deriva de sua concepo de direito. Para o autor os direitos naturais fundamentam-se na proposio de cada ser legtimo proprietrio de seu corpo, por isso deve moldar sua vida a sua maneira. Para tanto, advoga por um direito negativo, cujas instituies atuem como restrio s aes dos outros. Para um indivduo ser livre deve existir um direito de no interferncia de forma que os direitos de uns no prejudiquem os de outros. Os nicos direitos positivos admitidos pelo autor so aqueles que derivam das transaes voluntrias entre as pessoas (semelhante a um contrato que fao para receber um determinado servio). Dessa forma, ao contrrio dos liberais igualitrios que defendem um direito positivo ancorado na noo de que todos merecem ter condies de ter uma vida digna,

e uma vez no existindo estas condies o Estado deve participar da equalizao das diferenas, em Nozick aparece a crtica de que sempre que exigimos certos direitos positivos, colocamos em risco o princpio de que cada ser responsvel pelo seu destino. Esta esfera do direito deve ser inviolvel, mesmo ante s pretenses de se produzir Bem comum ou bem estar geral. Nesta mo o autor salienta os encargos que poderiam ser impostos por um Estado de Bem Estar Social, ou seja, destaca que sempre haver neste tipo de arranjo, a exigncia de sacrifcios adicionais de uns em prol do Bem comum. Sem entrar no debate do que significa o Bem comum, fica claro que a tarefa do Estado em Nozick , em semelhana a Berlin, garantir a liberdade negativa. A liberdade liberal que defende que o Estado deve vigiar para que ningum interfira nos direitos bsicos (vida, propriedade) de cada um. Neste sentido um Estado atuante defensor de uma liberdade positiva - caracterstico do liberalismo igualitrio - altamente questionado na medida em que viola os princpios de que cada ser molda a sua vida sua maneira e tambm o princpio de distribuio onde alguns indivduos so

sacrificados em benefcio de outros. Para o autor, o Estado no deve se preocupar com a liberdade positiva, isto no tem a obrigao de fornecer nada aos indivduos para que possam levar adiante seus planos de vida. Conforme o prprio autor, o fato de voc ser forado a contribuir para o bem estar de outro viola seus direitos, enquanto o fato de o outro fornecer a voc coisas de que voc necessita intensamente, incluindo coisas que so essenciais para a proteo de seus direitos, no constitui, em si mesmo, uma violao de seus direitos (Nozick, 1974, p.30). Nesta seara entra sua defesa do Estado mnimo. Para se distanciar dos anarquistas que propalam o fim do Estado e de qualquer tipo de organizao de poder, Nozick justifica sua tese defendendo uma forma de Estado que no viole nenhum direito e ao mesmo tempo institua ordem contra o estado de natureza5. Entretanto, a simples presena deste Estado que retira liberdade dos indivduos em nome da instalao da ordem parece violar os preceitos de autodefesa Nozick. Outra questo que recai o autor, se ao Estado cabe garantir a defesa dos cidados, nele
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Os jusnaturalistas se debruaram sobre a questo da necessidade do Estado ante a um caos instalado em uma sociedade hipottica, por conta de cada indivduo defender seus interesses e entrar em guerra. Hobbes, Rousseau, Locke cada um com sua peculiaridade defendem a necessidade da concentrao do uso legtimo da fora no Estado para driblar tal estado de natureza.

entrariam protegidos ricos e pobres? Quem pagaria por tal defesa e quem pode ser considerado cidado? No que diz respeito justia de transferncias, a proposta de Nozick aponta para que o Estado no deve se propor a promover igualdade, pois as pessoas so naturalmente diferentes. Desta forma qualquer modo de tentar instituir tal empreendimento ser frustrada. Destaca o autor, se for permitido que aflorem as diferenas que distinguem as pessoas nenhuma norma ser capaz de se manter. Este desbaratamento das normas ser inevitvel, a menos que se suprima a liberdade em questo, ou se recorra, a uma permanente e intrusiva interveno do Estado (Nozick, 1974). Neste sentido, a nica igualdade promovida pelo Estado mnimo deve ser o direito natural vida, liberdade, propriedade e obviamente ao direito de ter estes direitos respeitados, e no ao direito propalado pelos igualitaristas, qual seja, ao de redistribuio para os mais vulnerveis. Para concluir, cabe destacar que alm de sua proposta de Estado mnimo a outra questo abordada por Nozick diz respeito justificao do capitalismo a partir de sua tese sobre as aquisies justas. O que o autor pretende demonstrar como se pode passar de uma tese sobre autopropriedade para uma tese sobre a propriedade de recursos externos. Para tanto parte criticando a diviso de recursos como se fosse semelhante a uma partilha de bolo. Para o autor est incorreta esta frmula pois ignora o fato de que os recursos e riquezas j vem ao mundo como propriedade de algum. Neste sentido, argumenta que a questo da justia no pode se referir diretamente necessidade ou merecimento de um bem mas se eu o adquiri de maneira justa. Adquirir algo de maneira justa passar pelos procedimentos de transmisso e transao corretos na sociedade em que vige a propriedade privada. Entretanto, o problema relacionado a esta argumentao que nem sempre houve propriedade privada, e os primeiros que se apossaram de tais bens naturais passaram pelo teste de apropriao justa? Tal questo foi recorrente na histria do pensamento poltico um ponto que o autor toma de Locke. Para tal autor, encontra-se a justificao de que se uma propriedade foi trabalhada por algum com as prprias mos, e parte do que foi adquirido foi deixada para outras pessoas, ela possui reconhecimento moral sobre tal propriedade.

Neste sentido se o princpio da apropriao de bens possui legitimidade em Nozick, todo sistema de redistribuio torna-se algo injusto, com ressalva apenas para os crimes praticados no passado. Em outras palavras, a nica interferncia do Estado com a proposta de redistribuio, aceita em Nozick, aquela praticada para retificar os crimes praticados contra a propriedade. Assim, impostos e taxao, para alm do limite da garantia de proteo, s so justificados se as injustias do passado ainda no foram retificadas, Aps tal retificao a sociedade passa a viver sobre o regime do Esatdo mnimo e do mercado. Concluso Nota-se na discusso do bem estar no mbito do liberalismo poltico contemporneo (a despeito das divergncias importantes entre os autores no que diz respeito ao espao que cabe ao Estado na interferncia esfera privada) uma explcita afirmao de valores dentre os quais reina a liberdade para a promoo de uma sociedade justa. H uma inconteste preocupao entre os autores de demarcar os limites e controles do poder poltico tanto sobre as liberdades individuais como na promoo da justia. At mesmo nas propostas de Walzer e de Dworkin que prope um sistema de distribuio igualitria de recursos, h a preocupao de resguardar o espao para as liberdades individuais numa tentativa de tangenciar o problema clssico da cincia poltica: como conciliar igualdade com liberdade. Da mesma forma, nota-se a justificao do mercado como um meio com capacidades de promover a distribuio de bens de forma justa. Neste ponto, destaca-se especificamente a proposta de Nozick como um idelogo do mercado e das liberdades individuais onde o Estado toma uma conotao de mal necessrio, inevitvel diante de nossos vcios e perversidades. Deste modo, pode-se afirmar que diferente das propostas de bem estar de fins do sculo XIX e incio do XX que colocavam o protagonismo do Estado como pressuposto para o crescimento econmico e regulao da ordem social como forma de se produzir bem estar, os autores da teoria poltica contempornea, sobretudo os liberais igualitrios, elegem a liberdade e a justia no centro de qualquer proposta estatal e de polticas pblicas. Desta maneira, no defendem nem um Estado mnimo, nem mximo,

mas um modelo normativo que alimente as decises sobre polticas pblicas capazes de equalizar as desigualdades e problemas sociais surgidos no mbito do capitalismo. Com exceo de Nozick, que advoga por um Estado residual que apenas garante os direitos individuais, no se pode concluir no exame dos autores que os mesmos defendam um tipo especfico de Estado de Bem Estar social, como fizeram autores da economia poltica clssica. Antes de apregoarem o tipo de Estado necessrio para satisfazer os requisitos de justia social, demonstram por meio de suas teorias que polticas pblicas podem ter contedos que prevejam a garantia de direitos e sejam extensivos a diferentes grupos populacionais sem, contudo advogar por um tipo ou outro de organizao Estatal.

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