UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS MESTRADO EM HISTRIA

CCERO DANTAS MARTINS - DE BARO A CORONEL: TRAJETRIA POLTICA DE UM LDER CONSERVADOR NA BAHIA. 1838-1903.

Dissertao apresentada ao curso de Mestrado em Histria da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial obteno do grau de Mestre em Histria.

LVARO PINTO DANTAS DE CARVALHO JNIOR ORIENTADOR: PRFUBIRATAN CASTRO DE ARAJO

SALVADOR 2000
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS MESTRADO EM HISTRIA

CCERO DANTAS MARTINS - DE BARO A CORONEL: TRAJETRIA POLTICA DE UM LDER CONSERVADOR NA BAHIA. 1838-1903.

(VOLUME 1)

LVARO PINTO DANTAS DE CARVALHO JNIOR

SALVADOR 2000

Solar do Engenho Santo Antnio do Camuciat. Itapicur - Ba. Construdo em 1894, foi a residncia principal do Baro de Jeremoabo e o smbolo do seu poderio social, poltico e econmico. Foto Ailton Sampaio.

A Deus, o maior dos mestres e fonte de inspirao de toda criao humana. Para meus pais, lvaro e Marlene, primeiros mestres de minha vida, que ao longo dos anos tm me legado o gosto pelo saber e o exemplo de como viver. Para meus avs, Jesuna, Anibal e Carmelita, que apesar dos longos anos vividos, continuam fazendo-se presentes em minha caminhada. Para Andr, Mariana e Marianinha, com amor.

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AGRADECIMENTOS

O produto final deste trabalho foi possvel graas a preciosa colaborao de vrios profissionais e amigos que, direta ou indiretamente, contriburam para a sua realizao. Em primeiro lugar, dirigimos o nosso agradecimento ao professor Ubiratan Castro de Arajo, que desde os tempos de minha graduao em Histria acompanhou e incentivou o amadurecimento da idia da realizao deste trabalho e que, no decorrer do curso do Mestrado e na fase da preparao dessa dissertao, mostrou-se paciente e amigo no exerccio de sua eficiente orientao. Agradeo aos professores e colegas da Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas que muito contriburam para o xito deste trabalho, atravs das aulas que ministraram, das dvidas que esclareceram e do incentivo que me prestaram. Tambm ao Mestrado em Histria da Universidade Federal da Bahia, pelo apoio incondicional, ao CNPq pelo suporte financeiro. A Alice Maria Ribeiro dos Santos, um agradecimento especial por tanto carinho e ateno que tm me dispensado, tanto na minha vida pessoal como na profissional. A Jos Gabriel Calmon da Costa Pinto, pelo incentivo permanentemente exercido e, sobretudo, a orientao segura, minuciosa e eficiente, cuja vontade de servir e ajudar um exemplo para todos, os meus sinceros agradecimentos. Ao dr. Afonso Maciel Neto, diretor da Fundao Pedro Calmon, que tem me dado muitos incentivos e oportunidades na rea da cultura. A Joo da Costa Pinto Victria e a Everaldo Pereira da Rocha, que colocaram a minha inteira disposio suas preciosas bibliotecas e deram-me a pista para encontrar muitos livros de que necessitei para elaborar este trabalho. Aos Colegas da Fundao Pedro Calmon, especialmente aos muselogos Guilherme Augusto Figueiredo Castro e Ana Cristina Arajo Oliveira, pelas dicas que me deram na editorao grfica deste trabalho. A Marina, bibliotecria do Mestrado de Histria, pela presteza com que desempenhou suas funes e a Carlos Alberto Bahia Rodrigues, pela digitao e orientao na impresso final. Finalmente a meu pai, lvaro Pinto Dantas de Carvalho, e meu av Anibal da Costa Pinto Dantas, de ambos herdei o gosto pelas coisas do passado. Com eles muito conversei e apreendi nas longas prosas que tnhamos em Salvador, ou nas fazendas Camuciat e Pau-

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Ferro, onde as horas agradveis no passavam, transformando-se, as vezes, em "longos seres do campo". A Jesuna da Costa Pinto Dantas de Carvalho (vov Jes) e a Ana Adelaide da Costa Pinto Dantas Guimares (vov Adelaide), pelo testemunho que deram do que viveram e ouviram das tradies de famlia de seu av baro.

"No bebo, no jogo, no gasto com mulheres, mas tenho direito a ter dois vcios: um a poltica, outro esta obra. Quando os ingleses tomarem conta do Brasil vero que aqui morou um homem de gosto."
(Resposta do baro de Jeremoabo quando seus amigos lhe censuraram despender tanto dinheiro numa casa de fazenda , em paragens to longnquas, e, ento de difcil comunicao).

"A vida de um grande homem, particularmente quando ele pertence a uma poca remota, jamais pode ser o mero registro de fatos indiscutveis. Mesmo quando tais fatos so abundantes, a verdadeira tarefa do biografo consiste em interpret-los; deve penetrar alm dos simples eventos, no propsito e no carter que eles revelam , o que s se consegue fazer atravs de um esforo de imaginao construtiva."
(SOUZA PIRES, 1987)

" Os Dantas baianos nascem polticos como os pssaros voam e os peixes nadam [...] No serto da Bahia eram senhores. At Inhambupe estendia-se seu prestgio, de fio a fio, de parente a parente, como uma imensa teia que se articulava aos seus dedos e cobria lguas e lguas , numa sucesso de engenhos, fazendas , stios, povoados de eleitores vibrantes e fiis..."
(CASCUDO, Lus Cmara . A TARDE, 01.08.1939)

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SUMRIO

Introduo Parte I - Um baro no Imprio. Captulo 1 - Famlia terra e poder: uma herana construda. 1.1 Infncia e juventude. 1.2 Formao acadmica: projeto poltico de uma gerao. 1.3 Vida pblica no Imprio : O comeo de uma vocao.

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Captulo 2 - Em sintonia com o poder. 2.1. Conservadores e Liberais: diferentes abordagens. 2.2. Ao, reao e transao

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2.3. Notcias do cotidiano poltico de um deputado geral baiano

2.4. A supremacia dos Saquaremas como modelo explicativo da atuao de um poltico conservador.

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Parte II - De baro a coronel. Captulo 3 - Coronelismo, ordem pblica e privada. 3.1. Uma nova ordem que surge. 3.2. Razes do coronelismo e a dualidade da ordem pblica e privada. 3.3 A historiografia e o coronelismo: duas abordagens. 3.4. Pequena cronologia poltica.

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Captulo 4 - Um coronel situacionista.

4.1. O baro de Jeremoabo aliado ao Governo (alianas entre o pblico e o privado).

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Captulo 5 - Um coronel oposicionista. 5.1. Um coronel no serto. 5.2. O Canto do cisne e o legado poltico.

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Concluso Fontes Bibliografia Anexo

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NDICE DE ILUSTRAES

Solar do engenho Santo Antnio do Camuciat Dependncias internas e senzalas do solar do engenho Camuciat Capela interna do engenho Camuciat Pai, tio, sogro e cunhado do baro de Jeremoabo Casa-grande da fazenda Carit

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O baro de Jeremoabo com seus irmos

Escritrio do baro de Jeremoabo no engenho Camuciat

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Faculdade de Direito do Recife

Casa-grande do engenho Pau Ferro. A cidade de Jeremoabo no sculo XIX. Casa-grande do engenho Regalo Comendador Joo Dantas dos Reis Carta de alforria Procisso em Bom Conselho (Ccero Dantas)

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Caricatura do baro de Jeremoabo

Diferentes ambientes internos do solar do Camuciat

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Mapa da zona de influncia poltica do baro de Jeremoabo

Sede do Engenho Central do Bom Jardim Casa-grande do engenho Bom Sucesso com o Engenho Central Bom Jardim Descendente de escravos - Maria Felismina Borges (Bia) Aspectos do engenho Camuciat Joo da Costa Pinto Dantas, a cavalo, no engenho Camuciat Membros da Assemblia Constituinte baiana de 1891

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134 136 139 150 155 162

Cmara dos deputados gerais no Rio de Janeiro e Senado do Estado da Bahia

Jos Gonalves da Silva, baro de Jeremoabo, baro de Camaari e Jos Marcelino de Souza Joaquim Manuel Rodrigues Lima, Lus Viana, Severino Vieira e Jos Marceino de Souza Famlia do baro de Jeremoabo reunida nas escadarias do solar do engenho Camuciat

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Lateral do solar do engenho Camuciat

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Notas referentes a moagem do engenho 213 Famlia do baro de Jeremoabo: Joo da Costa Pinto Dantas e Ana Adelaide Ribeiro dos Santos Dantas com seus filhos Ccero, Joo, Jos, Mariana, Jesuna, Adelaide, Artur,
Antnio e Anibal 215

Famlia do baro de Jeremoabo, amigos e agregados, reunidos no salo de festas do solar do engenho do Camuciat 216

Objetos pessoais do baro de Jeremoabo

Carta de instrues do baro de Jeremoabo aos vaqueiros Carro de boi da baronesa de Jeremoabo Aspecto cotidiano da vida da famlia de um senhor de engenho nos arredores da casa-grande Sala de jantar e sala da cachaa do solar do engenho Camuciat Festa de casamento do neto mais velho e homnimo do baro de Jeremoabo no engenho Camuciat Garagem do carro de boi, capela e sala de jantar principal do solar do engenho Camuciat Descendentes do baro de Jeremoabo: Joo e Ana Adelaide Dantas e seus filhos Ccero, Joo, Jos, Mariana, Jesuna, Artur e Adelaide Igreja de Bom Conselho (Ccero Dantas) Chegada, a cavalo, da comitiva que acompanhava o filho mais velho do baro, Joo da Costa Pinto Dantas, a Bom Conselho, atual Ccero Dantas, para a festa da padroeira Mapa da mesorregio do nordeste da Bahia, onde situavam-se as fazendas do Baro de Jeremoabo no nordeste baiano. Nele podemos localizar o engenho Camuciat, em Itapicur e a fazenda Carit, em Jeremoabo

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Carta escrita pelo baro de Jeremoabo a Jos Gonalves da Silva

O baro de Jeremoabo com seus filhos, Joo e Antnio da Costa Pinto Dantas, sua esposa Mariana da Costa Pinto Dantas, sua nora Ana Adelaide Ribeiro dos Santos Dantas e seus netos Ccero Dantas Martins e Joo da Costa Pinto Dantas Jnior Antnio Martins Fontes, baro de Jeremoabo, Ana Adelaide Ribeiro dos Santos Dantas e Joo da Costa Pinto Dantas Municpio de Itapicur no princpio do sculo XX. Observa-se na fotografia a igreja, o prdio da intendncia e a casa do baro de Jeremoabo

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destacando-se das demais , em estilo Chalet . Na outra foto, uma fileira de casas circundando a praa principal, ainda com capim e areia . Esta s foi calada na gesto de Anibal Dantas, neto caula do baro de Jeremoabo, como prefeito, no perodo de 19511955. Casa-grande da fazenda Lagoa da Vaca, situada no municpio de Curaa no alto serto da Bahia. Esta era uma das 61 fazendas que baro possua espalhadas por 15 municpios da Bahia. 378 373

RESUMO

Este um estudo sobre Ccero Dantas Martins - baro de Jeremoabo que procura perceber sua atuao poltica em duas diferentes conjunturas histricas: o Imprio e a Repblica. No primeiro perodo tomamos como referncia a noo do conservadorismo que permeou durante muitos anos todas as relaes sociais e instituies que sustentavam o regime monrquico. No segundo perodo no desprezamos as permanncias e prticas conservadoras que continuaram a existir com o novo regime, mas acrescentamos um componente novo a anlise - o coronelismo. Procuramos ressaltar que as prticas coronelsticas tinham suas origens no Imprio, mas s na Repblica que foram aperfeioadas e serviram como modelo explicativo de uma poca. O ponto de partida inicial para as duas fases a discusso de obras clssicas sobre o temas onde se procura inserir o estudo de caso. Fazemos uma biografia analtica antes de entrarmos na anlise das questes principais. Associa-se a trajetria poltica do baro de Jeremoabo a modelos interpretativos usados pela historiografia poltica procurando atravs deles perceber o perfil poltico de Jeremoaobo e seu comportamento nesses diferentes contextos. O trabalho pretende demostrar que o baro de Jeremoabo esteve em sintonia com o conservadorismo do Imprio, readaptou-o na fase de transio do regime e aprimorou-o atravs do aperfeioamento de prticas, que apesar de no serem totalmente novas, lhes deram uma feio mais definida - a de um "Coronel".

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ABREVIATURAS

APEB - Arquivo Pblico do Estado da Bahia. IGHB - Instituto Geogrfico e Histrico da Bahia BPEB - Biblioteca Pblica do Estado da Bahia BN - Biblioteca Nacional AIHGB - Arquivo do Instituto Histrico Geogrfico Brasileiro AIHGB (AAP) - Arquivo Arajo Pinho AIHGB (ABC) - Arquivo do baro de Cotegipe ABJ - Arquivo do baro de Jeremoabo

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INTRODUO

No presente trabalho nosso objetivo estudar a trajetria poltica de Ccero Dantas Martins - baro de Jeremoabo em duas fases distintas de sua vida. Essa meta nos foi facilitada graas as circunstncias histricas do momento em que viveu . A sua carreira poltica desenvolveu-se em dois perodos de nossa histria , o regime monrquico e republicano, tendo atingido o auge entre a ltima dcada do primeiro e os dois anos iniciais do seguinte, exatamente em um perodo de transio . Procuramos fazer uma associao entre as transformaes sociais, polticas e econmicas do referido perodo s mudanas ocorridas no comportamento poltico do baro de Jeremoabo e vice-versa. O estabelecimento de uma ordem cronolgica fez-se necessrio , porque atravs dela podemos elaborar melhor nossa anlise. Vale ressaltar porm que com isso no tivemos a inteno de adotar uma perspectiva evolucionista em nossa abordagem. Os diversos cortes temporais freqentemente usados no decorrer deste trabalho tiveram o intuito de melhor situar nosso objeto de estudo nas diferentes conjunturas scio-poltica e econmicas em que esteve envolvido. O ttulo deste trabalho : "Ccero Dantas Martins - De baro a coronel: Trajetria poltica de um lder conservador na Bahia . ( 1838-1903 )", nos revela os diferentes contextos em que inserimos a nossa anlise . Em linhas gerais , para o Imprio tomamos como referncia alguns temas clssicos explorados pela historiografia, portanto , questes como centralizao , liberalismo e conservadorismo, Estado patrimonial e burocrtico, entre outros vo servir de pano de fundo para o desenvolvimento de nossa proposta. O mesmo procedimento adotei para a Repblica, para a qual , temas como federalismo, autonomia dos Estados , coronelismo, so freqentes. S aps a conscientizao da relevncia desses temas para um trabalho desenvolvido nesse perodo que me propus a tentar perceber como se comportou o baro de Jeremoabo diante de tais realidades histricas. Tomando como parmetro duas clssicas definies, que revelam a mentalidade e o comportamento de uma poca : o `conservadorismo' e o `coronelismo ', procurei rastrear os passos dados por um deputado provincial e geral baiano, tambm titular do imprio e depois intendente municipal e senador estadual na Repblica, na tentativa de entender sua lgica de ao , dentro dos modelos explicativos acima citados.
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Vale ressaltar que esses modelos no so os nicos a explicar o nosso perodo de estudo, mas so reveladores da mentalidade de uma poca, que no nosso caso especfico, na figura do baro de Jeremoabo, caram como uma luva , pois esse poltico , atravs de seu pensamento e ao , assumiu plenamente o conservadorismo de uma poca procurando expandi-lo nos momentos de estabilidade e transformando - o e adaptando nas fases de transio , mas nunca desfazendo- se de sua essncia . seguindo essa linha de pensamento que desenvolvo esse trabalho. A historiografia brasileira e de modo especial a baiana, nas ltimas duas dcadas, pouco tem se dedicado a estudos que tenham como temtica central a abordagem poltica. No caso da Bahia , que aqui nos toca mais particularmente , a escassez sentida at nos trabalhos acadmicos. Para o perodo monrquico e princpio da Repblica temos o livro de Braz do Amaral, Do Imprio a Repblica , que apesar de ser um bom manancial em termos de informaes , peca pela falta de anlise . Para a Repblica temos o trabalho de Antnio Moniz Ferro de Arago, A Bahia e os seus Governadores na Repblica , que segue a mesma linha metodolgica de Amaral. Alm destes, dentro do nosso espao temporal e procurando abordar o campo da poltica , dos poderes e da relao desses com a sociedade, existe a obra do brazialianista Eul-Soo Pang no seu livro , Coronelismo e Oligarquias. 1889-1943 , que nos traz importantes contribuies em torno dos nossos coronis do interior e mandes estaduais, e o trabalho da historiadora Consuelo Novais Sampaio em seu livro Os partidos polticos da Bahia na primeira Repblica. Uma poltica de acomodao. Sampaio nesse estudo faz uma anlise da primeira Repblica na Bahia sob a tica dos partidos polticos e eleies . Segundo ela , todos os interesses dos lderes polticos estao voltados para as eleies e so elas que motivam o surgimento dos partidos e justificam sua existncia . Conclui que todo jogo poltico, com seus acordos e arranjos, suas rearticulaes, so incentivadas pelo desejo maior das lideranas polticas de fazerem parte da mquina administrativa do Estado. Tanto o trabalho de Pang como o de Consuelo nos trazem valiosas contribuies para a compreenso do processo de desenvolvimento poltico do Estado da Bahia nos primeiros anos da Repblica . O primeiro destaca o sistema oligrquico como o fator principal da base poltica do poder na Bahia . A segunda enfatiza a importncia do estudo da formao de partidos polticos para melhor compreendermos as engrenagens do poder na primeira Repblica. Ambos os trabalhos foram muito utilizados nessa dissertao com o objetivo de melhor con14

textualizar nosso personagem , que fez parte e muito esteve envolvido com os objetos de estudo desenvolvidos por eles : os grupos oligrquicos e os partidos polticos. Para o regime monrquico , como j foi dito , por no encontrar nenhuma obra especfica de carter mais analtico que desse conta do `conservadorismo ' na Bahia, utilizei livros de carter mais geral, que nos deram inclusive diferentes vises de como esse `conservadorismo' visto por nossa historiografia e que incluem a provncia da Bahia entre as demais, em suas generalizaes . Entre os principais aqui usados podemos citar Jos Murilo de Carvalho, em A construo da ordem. A elite poltica imperial; limar Rohloff de Mattos, em O tempo saquarema . A formao do Estado imperial e Fernando Uricoechea, no seu O minotauro imperial. A burocratizao do Estado patrimonial brasileiro no sculo XIX. Em relao a estudos que pautem suas abordagens a partir da anlise do modo de pensar e agir de indivduos a escassez maior ainda . No mercado editorial geral ainda encontramos biografias que de um modo ou de outro preenchem um pouco a lacuna. Misturam o factual e o analtico e muitos do conta do recado . Um dos que utilizei e muito contribuiu como modelo na construo da biografia que fiz sobre o baro de Jeremoabo, no primeiro captulo e no decorrer de todo o trabalho, foi o de Amrico Jacobina Lacombe, em O mordomo do imperador. Tambm me serviu de referncia o de Wanderley Pinho, mais antigo , mas no menos valioso, intitulado Cotegipe e seu tempo. Primeira fase. 1815-1867 Quanto aos trabalhos acadmicos as obras com esse cunho so quase que inexistentes. De um levantamento que fiz a respeito das dissertaes j concludas em dois programas de ps-graduao em histria , em duas universidades do pas, a Universidade Federal da Bahia e a Universidade Federal do Rio de Janeiro , a proporo de trabalhos que utilizem a trajetria de um indivduo como uma das possibilidades de entendimento de um tempo histrico, encontradas em relao a outras formas de anlise praticamente reduzida a zero. Na primeira universidade encontramos, em um total de 63 dissertaes defendidas at o ano de 1992, apenas trs trabalhos que utilizam o indivduo como fonte para o estudo de um determinada conjuntura ou perodo histrico . So eles : Memrias de um revolucionrio: uma fonte para o estudo do perodo, 1922-1930, de Eugnia Lcia Viana Nery, que para alcanar seu objetivo estuda a vida e obra de Joo Alberto Lins de Barros ; o segundo centrado na figura de Teodoro Sampaio, cujo ttulo leva o prprio nome do objeto de estudo, Teodoro Sampaio: Sua

Vida e Obra e o terceiro o trabalho de Zlia Jesus de Lima , que escreveu Lucas Evangelista: O Lucas da Feira: estudo sobre a rebeldia escrava em Feira de Santana.
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Na Universidade do Rio de Janeiro encontramos um nmero mais elevado , mas no significativo em relao a outras formas de abordagem. Em um total de 156 dissertaes e teses , computamos 24 trabalhos ' que privilegiam como fonte de estudo a vida ou obra de um determinado indivduo. A escolha de um tema que tem como objeto central a atuao de um chefe poltico nos levou a preocupao de no cair na tentao do culto ao personagem . No decorrer desse trabalho sempre procurei contextualizar as suas aes , de acordo com as conjunturas sociais, polticas e econmicas em que estavam envolvidas, esforando -me sempre para no apresenta-las isoladamente do tempo e espao em que foram produzidas , mesmo porque como diz o provrbio rabe , " Os homens parecem-se mais com seu tempo, que com seus pais". Em certos momentos do texto falamos em elites e oligarquias, das quais o baro de Jeremoabo era um dos membros . Mas quando nos referimos a elas no associamo - las exclusivamente a ` grandes homens ' e s correntes historiograficas que procuram explicar os acontecimentos em funo de sua atuao . Falamos sim de grupos especiais de elites oligrquicas, que como qualquer outro grupo social so marcados por caractersticas prprias que os distinguem tanto das massas como de outros grupos da mesma elite. Alm do mais quando atribuo influncia a atuao do baro de Jeremoabo entre os conservadores do imprio e os coronis da Repblica tenho a inteno apenas de amenizar o rgido determinismo de fatores no polticos, particularmente econmicos, nas decises polticas. H sempre maior ou menor grau de liberdade nas decises e o exerccio desta pode ser mais ou menos eficaz dependendo dos atores. Nesta dissertao sobre a trajetria poltica do baro de Jeremoabo segui um pouco os ensinamentos de Jorge Plekanov que diz que o indivduo faz histria quando descobre a lgica das relaes sociais e passa a "influir sobre a psicologia social ". 2Portanto procurei inserir Jeremoabo na realidade histrica que o gerou , procurando sempre no passar a falsa idia de que pela posio de destaque que ocupou na sociedade tenha por isso sobreposto o ser coletivo.

Embora tenha evitado a corrente tradicional da histria , que procura cultuar o indivduo como se fosse um heri , no procurei tender a radicalizao que esconde a figura do personagem . Preocupei-me em perceber se o baro de Jeremoabo nas alianas polticas que fazia tinha descoberto a lgica das relaes sociais , ou se tinha fracassado no papel que a histria lhe teria confiado . Surgiu , assim a necessidade de elaborar este estudo , ainda que no com16

pleto, de seu comportamento e objetivos que influenciaram fundamentalmente sua trajetria poltica de lder conservador no Imprio e coronel na Repblica. Tratando este trabalho de um tema que pela sua prpria natureza associa duas possibilidades de abordagem histrica: o poltico e o indivduo, que, como j foi dito, no tem tido o destaque do seu exato valor, pela historiografia moderna e reportando-me, aqui, a Ren Remond que nos prope um estudo poltico sem fronteira, desvinculado da anlise clssica que o associa exclusivamente ao Estado como instituio e conclui que " o campo da histria poltica irradia em todas as direes"3 ; ressaltamos, porm, que no pretendemos preencher lacunas, sendo este trabalho, apenas, uma contribuio no processo de revalorizao, que anda a caminho, de temticas histrico-polticas, no com o objetivo de supervaloriza-la , mas abrindo espao junto as abordagens econmicas, sociais e culturais que no fundo formam todas um s conjunto. Certamente viro outros trabalhos que seguiro essa mesma perspectiva complementando ou dando novos enfoques, em abordagens mais criticas e aprofundadas, que no me foi possvel alcanar. O interesse pelo tema desse estudo surgiu do questionamento ainda na graduao em histria, do pouco nmero de trabalhos mais analticos em relao ao assunto. J que as criticas a histria poltica eram direcionadas as suas extremas abordagens factuais, porque no valoriza-la utilizando os mesmos novos pressupostos tericos - metodolgicos que a Nova Histria trazia consigo e aplicava ao econmico, ao social, ao cotidiano, ao cultural? E indo mais alm porque no burilar o factual e aproveitar dele aquilo que ele traz de mais importante para a construo historiogrfica, que so as informaes minuciosas e seguras, que quando desprezadas, provocam grandes estragos na consistncia histrica de um trabalho? Afinal de que valem grandes generalizaes sem um firme respaldo no tempo e espao em que foram pensadas? Instigado por essas indagaes me debrucei sobre um tema que me colocava diante de muitos fatos, datas e nomes, e desta maneira poderia me influenciar a enveredar por uma abordagem por demais tradicional, mas no me intimidei. Diante dessa constatao outra motivao me veio, porque no tirar vantagens do grande nmero de fontes que possuo, usando-as e aproveitando-as para melhor embasar minhas interpretaes e concluses? o que me propus a fazer nesse trabalho.

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Ccero Dantas Martins: de baro a coronel... est recheado de fatos, chegando at em certos momentos a exausto, mas no se perde. Ganha-se em informao e melhor respalda-se as generalizaes. A proposta pensada foi um pouco essa. 1838 a 1903. Essa periodizao foi escolhida em sintonia com o prprio tema do estudo. Apesar do baro de Jeremoabo s ter iniciado sua militncia poltica em 1859, quando foi eleito suplente de deputado provincial, achamos conveniente retroceder 21 anos, chegando at o ano de seu nascimento para no deixarmos de fora o perodo inicial de sua formao familiar, social, cultural e educacional que certamente incorporou-os por toda sua trajetria de vida. O ano de 1903 o marco final porque simplesmente encerra a existncia de nosso personagem. necessrio agora falar um pouco sobre nossas fontes . Essa dissertao est montada encima de uma arquivo particular que comeou a ser organizado ainda pelo seu titular no decorrer de sua vida . Ccero Dantas Martins baro de Jeremoabo , tinha o hbito de corresponder-se regularmente com seus amigos . Segundo o seu neto , Joo da Costa Pinto Dantas Jnior, " ... de algumas cartas tirava Jeremoabo ele prprio , cpias , em todas anotava no cabealho: nome de quem as escrevera e datas dos recebimentos e da resposta . Se a respondia pessoalmente , consignava esta circunstncia. Possua cadernos em que , por ordem cronolgica, registrava a remessa da correspondncia : nome do destinatrio , lugar do destino , via de comunicao - postal , telegrfica, particular ou por positivo."4 De um exame feito, nos cadernos em que registrava a remessa das correspondncias pode - se fornecer os seguintes dados : correspondncia expedida de 1873 a 1903 ( outubro) 44.411, em uma mdia de 1.432 cartas anualmente . O ano de ndice maior foi o de 1885, com 1.956, e o de ndice menor o de 1879 , com 910. Quando enviava cartas para fazendas , onde o correio no chegava, utilizava - se do servio de dois agregados que ficavam responsveis pela entrega de suas correspondncias. Esses eram chamados de `positivos '. Se encontravam no meio do caminho , um entregava as cartas enviadas para serem distribudas e o outro recebia as missivas que lhes eram endereadas e voltava para fazer a entrega . Esses ` positivos ' faziam todo percurso a p, dormindo e comendo no mato . Percorriam at 60 lguas nessas viagens.' O hbito de se trancar no escritrio para escrever cartas o baro conservou por toda vida. Chegando ao ponto de prejudicar sua sade com a atividade incessante , " No sei que molstia suponho ter. Vamos caminhando para os 58. Experimento as plulas de Hinzelmann,
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que esto na moda, j comprei 2 caixinhas e vou usar. Meus incmodos s aliviam quando repouso . Devo moderar o uso do caf e do charuto, dos quais abuso..."6 Tinha o hbito , tambm, de guardar todas as cartas que recebia . Essa correspondncia, tendo-se passado 97 anos de seu falecimento foi conservada por seus filhos e netos no seu escritrio do Engenho Camuciat , no mesmo lugar em que ele deixou , at que seu bisneto, lvaro Pinto Dantas de Carvalho , um advogado apaixonado pela histria, resolveu dar-lhe um tratamento adequado com o objetivo de preserv - las da ao inexorvel do tempo. Com uma pacincia beneditina retirou de cada missiva as marcas do tempo que lhe foram possvel remover : muita poeira e traas . Em seguida separou - as colocando-as em ordem alfabtica e aps a leitura de cada uma delas procurou identificar cada missivista com quem o baro se correspondia , fazendo uma pequena biografia de cada um deles. Tambm se preocupou em identificar alguns lugares , vilas , fazendas e municpios de onde eram remetidas . Aps todo esse trabalho arquivou-as em pastas apropriadas , garantindo , assim , a sua conservao. Foi nesse estado que as cartas chegaram na quarta gerao da famlia , a qual eu perteno. Hoje nos restam cerca de 1300 cartas manuscritas , sendo a maioria de missivas recebidas. baseado nesse material que em grande parte desenvolvo esse trabalho. Essas cartas foram recebidas e enviadas por Jeremoabo a pessoas de destaque poltico na sociedade, como ministros , governadores , senadores, deputados , secretrios de Estado, intendentes , desembargadores , juizes , delegados , promotores , padres , fazendeiros, etc., de diversos municpios e estados ; mas tambm a pessoas menos gradas na escala social, como aos vaqueiros de suas fazendas. Do contedo delas entramos em contato com as circunstncias cotidianas, econmicas, sociais , polticas daqueles que as produziram , como com o tempo histrico em que viveram. Do corpo dessas 1300 missivas escritas por 254 correspondentes diferentes, originadas de 76 municpios distintos , espalhados por 11 provncias no Imprio e depois estados na Repblica e tendo at algumas escritas de Paris, escolhi basicamente para o desenvolvimento desse trabalho , apesar de ter lido todas , apenas aquelas trocadas entre o baro de Jeremoabo e seu amigo particular , Jos Gonalves da Silva, que foi o primeiro governador constitucional da Repblica. Tomei essa atitude no s considerando os laos de amizade que ligavam os missivistas, mas pelo fato de as 174 cartas escritas pelo baro encontradas no seu arquivo so todas endereadas a Gonalves . E aqui cabe um esclarecimento; essas voltaram a pertencer ao arquivo

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por terem sido devolvidas pela famlia de Gonalves a um dos netos do baro. Sendo assim, nos foi possvel ler as cartas enviadas e recebidas entre os dois velhos amigos. Nos anexos deste trabalho transcrevo 23 cartas trocadas por Ccero Dantas Martins e Jos Gonalves. A primeira data de 1 de setembro de 1865 e a ltima de 8 de outubro de 1902. Essas missivas cobrem praticamente todo o perodo de atuao poltica do baro de Jeremoabo, porl isso achei interessante transcreve-las na ntegra com o objetivo de melhor contextualizar minha anlise , que baseia - se nesta documentao. Aps a leitura desse material nos foi possvel ir retirando passagens do cotidiano, observaes sobre fatos polticos, frases sutis , confidncias, enfim uma gama de informaes que nos permitiu acompanhar a trajetria poltica e pessoal de Jeremoabo, ao mesmo tempo que fomos inserindo - as dentro das conjunturas a que nos propusemos estudar. Outra fonte importante utilizada foi o "Caderno de notas do baro". Este foi iniciado por Jeremoabo no ano de 1895. Nele o baro faz uma genealogia de sua famlia e registra todos os nascimentos , batizados , casamentos e falecimentos de seus parentes e amigos. Alm disso deixou registrado algumas opinies sobre diversos assuntos , que nos revelam a sua viso de mundo. Em relao s fontes impressas utilizamos os Anais do Senado e Cmara dos Deputados do Imprio e da Repblica , onde procuramos analisar os discursos proferidos por Jeremoabo; tambm nos foram teis os artigos , manifestos e circulares por ele publicados. No anexo 1 desta dissertao reproduzo alguns manifestos escritos por Jeremoabo, tanto no regime monrquico , como no republicano. Esses textos so de carter essencialmente poltico, onde o baro revela seu pensamento a respeito da conjuntura histrica que estava vivendo . Tambm encontra-se no anexo uma circular do ano de 1884, onde dirige-se ao eleitorado pedindo voto. Este um interessante modelo de como um poltico conservador expressava-se perante o pblico para atingir seus objetivos. Diversos documentos, tambm, produzidos por ele, como listas eleitorais, relao de despesas na construo de audes, notas em cadernos sobre a agricultura e pecuria de suas fazendas e alguns mapas relativos a produo do seu engenho , foram lidos e alguns utilizados no decorrer deste trabalho. Ainda utilizamos as fontes orais como ltimo recurso para rastrear os passos de Jeremoabo. Atravs do depoimento de membros da famlia que conheceram pessoas que conviveram com ele , tomei conhecimento de inmeros fatos que se passaram com Jeremoabo e pes-

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soas de suas relaes, alm, tambm, de ouvir muitos ` casos' pitorescos referentes quela poca . Na coleta de dados levamos em considerao que a lembrana de um indivduo tambm uma representao social de um determinado perodo vivido. Em relao a bibliografia especifica sobre o baro de Jeremoabo poucos trabalhos foram produzidos . O primeiro deles pelo seu neto , Joo da Costa Pinto Dantas Jnior no ano do seu centenrio , cujo ttulo , O baro de Jeremoabo (Dr. Ccero Dantas Martins). 18381938. um trabalho em estilo monogrfico e muitos dados forneceu nossa pesquisa. Outra obra importante foi organizada pela historiadora Consuelo Novais Sampaio , intitulada Canudos: Cartas para o baro , publicado em maro de 2000 . Neste a professora faz uma anlise dos acontecimentos que culminaram com a destruio do arraial de Belo Monte a partir de uma nova perspectiva, ainda no abordada pela historiografia no episdio de Canudos, "A construo do medo ". A partir da leitura de 70 cartas recebidas por Jeremoabo , Consuelo Novais fundamenta suas argumentaes . Ainda neste trabalho , escrevo um ensaio a respeito da posio do baro de Jeremoabo na guerra de Canudos, revelando informaes ainda desconhecidas dos estudiosos do conflito. Alm dessas obras o que temos so notcias espalhadas em diversos livros de histria da Bahia. Em relao a estrutura formal deste trabalho , o modo de pensar, agir e fazer poltica do baro de Jeremoabo so aqui abordados em duas partes. A primeira , intitulada " Um baro no Imprio ", da conta da trajetria poltica de Jeremoabo no regime monrquico. Esta subdividese em dois captulos . No primeiro, cujo ttulo "Famlia, terra e poder: Uma herana construda", fizemos uma biografia , entrecortada de comentrios e anlises sobre Jeremoabo, baseada em diferentes fases de sua vida . Inclumos um pouco da histria de sua famlia e colocamos alguns aspectos de sua infncia , juventude e formao acadmica, naquilo que nos foi possvel resgatar . A maior concentrao de informaes d-se no incio de sua vida pblica em diante, at por ser um perodo mais recente, como pela maior disponibilidade das fontes. No segundo captulo entramos na parte mais analtica do trabalho . Tomamos como fulcro central a questo do conservadorismo e a partir da desenvolvemos a argumentao de que o baro durante todo o imprio moldou sua atuao poltica influenciado pelo projeto poltico dos saquaremas. Esse captulo intitulado, " Em sintonia com o poder ", traz a propsito de uma melhor contextualizao do conservadorismo de Jeremoabo, um resumo das diferentes abordagens empregadas por alguns trabalhos historiograficos que se preocuparam com o tema.
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A segunda parte desta dissertao abrange o perodo da atuao do baro de Jeremoabo no regime republicano. Intitulada " De baro a coronel", trata da argumentao principal desse trabalho, ou seja, da transio de Jeremoabo de `baro a coronel', transformao essa que apesar de significar uma ruptura, mantm uma continuidade : a preservao do conservadorismo. A segunda e ltima parte deste trabalho subdivide-se em trs captulos. O primeiro, que corresponde ao terceiro no ndice geral, intitulado "Coronelismo, ordem pblica e ordem privada", faz uma pequena contextualizao histrica das razes do coronelismo no Brasil e tece algumas consideraes a respeito das diferentes abordagens histricas dedicadas ao tema, com o objetivo de melhor situar o nosso objeto de estudo e tambm ter mais subsdios para nossas concluses; ressaltando, ainda, a questo do poder privado e do coronelismo, mostrando o ltimo como expresso mais prtica e poltica da relao entre o poder pblico e privado na Repblica. Os dois ltimos captulos, o quarto e o quinto, do conta da atuao poltica do baro de Jeremoabo em dois momentos distintos de sua vida pblica. O primeiro diz respeito ao perodo em que atingiu o pice do poder no regime republicano (1889-1893), portanto, intitulamos este como a fase de um "Coronel situacionista", associando e analisando a ingerncia do poder privado no pblico e vice-versa, atravs da atuao poltica de Jeremoabo. O segundo e ltimo captulo, quinto no ndice geral, analisa a trajetria de Jeremoabo em um contexto adverso a seu prestgio e poderio poltico. Este captulo, intitulado "Um coronel oposicionista", d conta do perodo em que o baro foi afastado das esferas do poder (1895), procurando mostrar como o velho poltico conservador teceu suas estratgias e alianas polticas em uma fase que estava politicamente sem fora , j que no mais aliado ao poder pblico. Desenvolver um tema que fala de um chefe poltico, implica em incluir a participao de outros, quer sejam seus correligionrios, quer sejam seus oposicionistas. Esforcei-me neste trabalho para no tecer comentrios a respeito da personalidade ou do carter individual de cada um dos personagens polticos aqui envolvidos. Estudando uma poca de nossa histria poltica, permeada de paixes e desentendimentos, fui movido pelo desejo de manter o mximo de neutralidade possvel. No tivemos a menor preocupao de acusar ou inocentar este ou aquele poltico, muito pelo contrrio, colocamos todos no mesmo patamar, cuja medida de

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valor pode ser dada pelas suas atitudes em volta do acontecimento mais importante da vida deles - o processo poltico eleitoral. Em todo caso , essa dissertao no deixa de conter uma "tomada de posio" a respeito do objetivo do esforo de produo do conhecimento , porque a explicitao de um pensamento traz em si os interesses especficos de cada autor e da "imaginao controlada caracterstica da disciplina histria` 7, ou seja uma viso prpria de como construir o objeto a ser estudado.

NOTAS

1. Os trabalhos encontrados no catlogo de dissertaes e teses do programa de psgraduao em Histria Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 1980-1996 . Organizao de Miridan Britto Knox Falci . Rio de Janeiro : Sete Letras , 1998; so os seguintes: Afonso III no livro das leis e posturas, por Ftima Regina Fernandes; Isidoro de Sevilha, sua regra monstica e a transio da Antiguidade a Idade Mdia , por Renan Friguetto; Sentinela da liberdade: Presena de Cipriano Barata no processo de independncia do Brasil, por Marco Morei; O Homem e o mito: Revisando os tempos JK (1956-1961), por Ana Maria Ribas Cardoso; Eusbio e a formulao de uma ideologia de apoio ao Estado Romano, por Andria Cristina Lopes Frazo; A Concepo de histria na obra de Polbio, por Paulo Andr Leira Parente; Imaginrio da converso retrica, misso e f nas cartas de Jos de Anchieta (15541565), por Marcus Alexandre Motta ; Slvio Romero: "Uma imagem nervosa" do Brasil, por Maria Resende Aparecida Mota; Linhagem, parentesco e poder na formao e consolidao da dinastia de Avis: Uma leitura da crnica de D. Joo I de Ferno Lopes, por Katy Eliana Ferreira Motinha; A imagem de Afonso Henriques nas crnicas renascentistas portuguesas, por Maria do Carmo Parente Santos ; A herana Romano-Helenstica nas cartas de So Jernimo , por Marcus Silva da Cruz; Tertuliano e o uso apologtico da histria no apologeticum, por Claudia Beltro da Rosa ; Francesco Guicciardini: As antinomias e a elaborao do conhecimento histrico, por Sylvia Lenz de Mello; Afonso d'E. Taunay e a construo da memria bandeirante , por Paulo Cavalcanti de Oliveira Jnior ; O evangelho segundo osjacobinos - Floriano Peixoto e o mito do salvador da Repblica brasileira, por Luiz Antnio Simas; Poltica e economia no Rio de Janeiro seiscentista : Salvador de S e a bernarda de 1660-1661, por Miguel Arcanjo de Souza; O Corpo no pensamento de Francisco de Assis,
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por Angelita Marques Visali; Walther Von Der Vogelweid - O elogio do soberano, por Celso Pricles Fonseca Thompson; Pierre Autier e os ltimos hereges do condado de Foix no processo do inquisidor Godofredo de Albis: Um exemplo do catarismo tardio, por Claudia Bucceroni Guerra; Msica, sociedade e poltica: Alberto Nepomuceno e a repblica musical do Rio de Janeiro 1864-1920, por Avelino Romero Simes Pereira; Honra, lealdade e f: Lies de poder para a nobreza e a realeza no Ysopet de Marie de France, por Maria de Nazar Correa Acciolli Lobato; A trajetria de Moncorvo Filho: Puericultura e filantropia num processo de assistncia Infncia, por lete Cherem Levy; Amor e poder: O casamento de Urraca e Alonso, por Marta de Carvalho Silveira; Quiero fer una prosa en Roman paladino. Al vidas de santos de Gonzalo de berceo, por Andria Cristina Lopes Frazo da Silva.

2. PLEKANOV, Jorge. O Papel do Indivduo na Histria. Nova Amadora: M. Rodrigues Xavier, 1971, p. 83. 3. RMOND, Ren. "Do Poltico", in. Ren Rmond (Org), Por Uma Histria Poltica ( ed. UFRJ/FGV, 1996), p. 444.
4. DANTAS JR. Joo da Costa Pinto. O Baro de Jeremoabo (Dr. Ccero Dantas Martins) 1838-1938. Bahia: Imprensa Oficial do Estado, 1939, p. 33.

5. DANTAS, Anibal da Costa Pinto. Depoimento tomado na fazenda Pau-Ferro em junho de 1999. 6. Carta do baro de Jeremoabo a Jos Gonalves da Silva. Camuciat, 20 de agosto de 1895. 7. CHALHOUB, Sidney. Vises da Liberdade. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, p. 18.

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PARTE I - UM BARO NO IMPRIO

CAPTULO 1 - FAMLIA, TERRA E PODER: UMA HERANA CONSTRUDA

Ccero Dantas Martins, oriundo de uma famlia que chegou ao Brasil no princpio do sculo XVIII, j fazia parte da 6a gerao de um cl que se fixou no interior da Bahia. Ccero Dantas ao nascer, a 28 de junho de 1838, na fazenda Carit, na freguesia e municpio de So Joo Batista de Jeremoabo do Serto de cima, j tinha ao redor de si tradies bem enraizadas, o que lhe facilitou muito sua trajetria de vida. Vieram para a Bahia, na primeira metade do sculo XVIII, Francisco Gonalves Leite, sua mulher Joana Vitria de Souza - tetravs de Ccero Dantas - e as duas filhas do casal Leandra Sancha Leite e Maria Leite de Souza, todas "naturais das partes do Reino" provavelmente do Minho ou do Douro, regies que forneceram maiores levas de portugueses ao norte do Brasil. O casal de portugueses Gonalves Leite, obteve sesmarias no Salgado e no Poo Grande, serto do Tiuiu, ento integrado no territrio da vila de N. Sra. de Nazar do Itapicur de cima, ao qual pertencia a freguesia de Santana e Santo Antnio dos Tucanos, a se estabelecendo e dedicando-se a agricultura e a pecuria.' Esse serto do Tiuiu, cuja denominao desapareceu com o correr dos tempos, foi assim descrito, em 1755, pelo vigrio da freguesia de Tucano, padre Francisco Cabral de Souza, ao arcebispo D. Jos Botelho de Matos:
Consta a povoao desta freguesia nova de Santana e Santo Antnio do Tucano, de fazendas distantes entre si , uma, duas e mais quatro lguas , e se divide em dois lugares, chamados Tiuiu e Tucano. O de Tiuiu estende-se pelo no Itapicur acima trinta lguas , em cujas margens , de uma e de outra parte , esto sessenta e uma fazendas, com a distncia acima de lguas, o lugar de Tucano conta de dezenove lguas , sendo mais longo, com cento e umas fazendas, com a mesma distncia de duas, trs e quatro lguas, de fazenda a fazenda. Rios no lugar Tiuiu: o sobredito Itapicur, o qual impede o vau com as contnuas enchentes; e o seu nascimento na freguesia de Santo Antnio de Jacobina. No lugar de Tucano, os rios, que s correm com as invemadas, e algumas vezes impedem o vau , so os seguintes : Jacurici , Piquara, Pocos , Macet , a saber : do Jacurici ao Piquara, nove lguas; do Piquara ao Pocos, trs lguas, e ao Macet, trs lguas. Almas de comunho , tem 1903. Tem uma capela esta freguesia.2

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Francisco Gonalves Leite faleceu em data anterior a 30 de maro de 1748, pois, do alvar de concesso da sesmaria de Felix Andrade Maciel, consta que as terras a este concedidas, limitavam-se, ao sul, com as terras do "defunto Francisco Gonalves Leite"; e sua mulher, cinqenta anos aps, pois a 19 de setembro de 1798, Joana assinava, em casa de seu genro Baltazar dos Reis Porto, em Camuciat, uma carta de liberdade a uma escrava. Este casal j veio de Portugal com sua prole formada. Duas filhas : Leandra Sancha Leite e Maria Leite de Souza. A primeira a que mas interessa, pois, d continuidade a ascendncia direta de Ccero Dantas Martins, sendo sua trisav. Leandra casou-se com o alferes, depois capito, Baltazar dos Reis Porto, lusitano do Porto e Irmo Sndico dos Santos lugares de Jerusalm, na provncia da Bahia", a quem, pelo alvar de 12 de julho de 1749, foi concedida sesmaria, confirmada por D. Jos 1, em 26 de junho de 1752, no dito serto do fluiuComeando no dito Rio do Peixe , aonde acabar as terras chamadas do Poo Grande, que foram de seu sogro, correndo pelo dito rio do Peixe acima s serras que chamam as Trs Irms para o nascente , e para o poente no partindo com heros alguns por ser um serto despovoado e falto de guas, tendo descoberto um caldeiro no mesmo rio"3

A ocupao do interior baiano deu-se por um duplo processo: a conquista da terra e seu posterior povoamento. Antes de colonizar, foi preciso derrotar os tupis, cariris e js que povoavam grande parte da Bahia. Uma vez derrotados os ndios e desestruturado o modo de vida das tribos, os recm chegados colonos fixavam-se para plantar algodo, mandioca e, sobretudo, cana-de-acar. A explorao do interior baiano iniciou-se, na verdade, desde que o governador Tom de Souza doou sesmaria ao fidalgo companheiro de expedio Garcia D'vila que com ele aportou no litoral baiano a 25 de maro de 1549. As sesmarias doadas a Garcia D'vila ocuparam inicialmente as terras litorneas do nordeste da Bahia e gradativamente foram se espalhando pelo interior, chegando seus donatrios alm do So Francisco. Essa marcha para o interior, a fim de consolidar sua posse como senhor absoluto de sessenta lguas do litoral ao norte de Salvador at o rio So Francisco, foi muito lenta e no menos penosa. Garcia D'vila e seus descendentes mais prximos atingiram com grandes sacrificios e de certo modo por etapas, o Rio So Francisco, deixando em cada ponto que se prestava para pecuria, um casal de ndios com algumas matrizes e um reprodutor de bovinos, com uma choupana, um curral de pau-a-pique, s vezes at um casal de eqinos.
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Baltazar dos Reis Porto esteve ligado a famlia vila por muito tempo pois exerceu o cargo de procurador da Casa da Torre por vrios anos. Pedro Calmon em seu livro sobre a Casa da Torre, tece alguns comentrios a respeito das relaes entre os senhores da Casa da Torre e seus procuradores, assim discorrendo:
...para governar to largas terras os senhores da Torre usavam o sistema de se associarem aos rgulos ou capites, que nomeavam procuradores, dando-lhes autoridade, apoio e fora . Em troca davam - lhes sujeio , tributo e homenagem...4

Mais adiante Calmon descreve o tipo legendrio do procurador onipotente:

Falava por um proprietrio que ningum conhecia; mostrava os instrumentos de procurao; e em nome desse vago direito reinava sobre um trato do pas (...) com o mandatrio, partilhava o gro-senhor o poderio, ratinhava o domnio, subdividia a responsabilidade, abarcava o deserto. Tinha os tenentes, os vlidos, as ordenanas. A torre parecia a capital rstica de provncias solitrias que paxs do serto, sargento - mores de ndios mansos , vaqueiros procuradores administravam por sua lei , por sua vontade , por seu capricho, dispondo da vida e dos bens dos clientes segundo as convenincias desse governo. Despoticamente , s vezes patriarcalmente, chefes e donos numa fronteira sem juizes, que acudissem s queixas , sem soldados , que velassem pela paz, sem funcionrios que impusessem uma ordem qualquer . De sabre e clavinote , com tropa de agregados, `caibras' ou arregimentados caboclos atrs deles. Monarcas das regies vazias onde, de lgua em lgua, um rancho de boiadeiros esboava na plancie arenosa um ncleo de populao morena ...5

Sendo funcionrio da Casa da Torre e ligado famlia vila, Baltazar Porto resolveu em 15 de outubro de 1754, comprar a d. Incia de Arajo Pereira, viva do cel. Garcia d' vila Pereira, pela quantia de 400$000 o stio Camuciat6, situado no municpio de Itapicur.
O Camuciat deixou de ser propriedade da famlia vila na sua quinta gerao, tomando como parmetro o primeiro vila que chegou a Bahia com Tom de Souza, em 1549. Representava essa quinta gerao o seu pentaneto Garcia d' vila Pereira. Este foi coronel do regimento responsvel pelo policiamento da costa entre o Rio Real e o Rio Vermelho e mestre de campo em 29 de agosto de 1706.

A 9 de abril de 1707 Garcia D'vila Pereira casou-se com sua prima Incia de Arajo Pereira, natural de Santo Amaro de Ipitanga, filha do capito Tom Pereira Falco, sobrinha de d. Isabel Brando e de Vasco Marinho Falco. Incia tinha na poca 14 anos. O matrimnio realizou-se na casa dos Falces, no Iguape.

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Em 13 de junho de 1734 o Camuciat passa a propriedade somente de Incia Pereira,

pois seu marido faleceu nesta data ; e a 15 de outubro de 1754, como j dito , vendido a Baltazar.

Nesta propriedade , Baltazar montou engenho de moer cana e fixou residncia. Certamente esse foi o segundo , seno o primeiro , membro da famlia a entrar no ramo do produto que foi o primeiro gnero bsico da economia do Brasil no sculos XVI e XVII - a cana-deacar. O fundador do Engenho Santo Antnio do Camuciat j entrou no ramo aucareiro, quando o Brasil no era mais o maior produtor de acar do mundo. Desde meados do sculo XVII que os holandeses, ento expulsos do Brasil, cultivaram plantaes de cana-de-acar nas Antilhas. A concorrncia dessa produo gerou, na segunda metade do sculo XVIII, uma fase de declnio para o acar brasileiro. Dispondo de tcnicas mais avanadas, um engenho das Antilhas produzia 1.720 ris por ano. Um engenho brasileiro produzia apenas 615. Mesmo assim a maioria dos proprietrios continuou investindo na produo do acar que impulsionava outras atividades econmicas - tabaco para o escambo de negro, pecuria para o provimento de trao e alimento, olarias produtoras de telhas e de formas, lenha para fornalhas e madeira para as construes. As despesas para o procurador da Casa da Torre no foram pequenas na poca. Alm dos 400$000 contos de ris que gastou na compra do Camuciat, certamente gastou outra avultada quantia na montagem do engenho, que por si s constitua impressionante conjunto arquitetnico, de edificaes interligadas, aparelhadas de moendas, cobres, fornalhas, animais e pessoas provindas de grande escravaria. Vera Lcia Ferlini descreve a estrutura fsica de um engenho:
uma grande casa de alvenaria abrigava os picadeiros de pedra e cal, onde se depositava a cana, e o conjunto de moendas. Num plano mais alto seguia -se a casa das caldeiras de cozinha, assentada sobre as fornalhas; o tendal onde as formas resfriavam; o enorme edificio da casa de purgar, com cerca de 1000 m2, onde estavam as mesas para receber as frmas em seu processo de limpeza e solidificao. Mais adiante, o galpo de secagem e peso completavam a unidade de processamento.'

Alm dos gastos com o engenho despendeu dinheiro com a construo da casa grande, a imponente residncia do proprietrio, trreo ou assobradada, misto de fortaleza, hospedagem e escritrio; com a senzala, onde se amontoavam, para poucas horas de descanso, os escravos; com a capela, no sabemos se construo isolada ou parte integrante da casa-grande

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LL il?NDA:
1- Sala de +isitas 2- Quarto, de casal 3- Escada social 4- Anexo de servio 5- Cozinha de sere io 6- Casa de agregados 7 - Projeto do Eng. Militar

Dependncias internas e senzalas do solar do Engenho Camueiat. Esta propriedade se situou em terras que perteceram a Casa dia Torre. Foram compradas por 400$000, em 15.10.1754, por_Baltazar- dos Reis Porto, trisav c}, barco de Jeremoaho. Foto da IPAC/IPHAN.

Jos Ferreira Ramos 8- Antiga Senzala 9 - Casa de trabalhadores

cujo santo de sua invocao (Antnio), deu o nome ao engenho - Santo Antnio do Camuciat. As necessidades do fabrico do acar, certamente requerero mais obras: Carpintaria, marcenaria, olaria, casa de farinha e currais. Faleceu Baltazar, em estado de viuvez, depois de 1764, pois, nesse mesmo ano, a 3 de outubro, forrou a escrava Josefa, gentia da Costa da Mina, "pelos bons servios que dela tinha tido, e pelo amor com que criou seus filhos e senhores".8 Deixaram Baltazar e Leandra, os filhos muito bem situados economicamente. Foram quatro: Incio dos Reis Leite, Baltazar Jos dos Reis, Francisco Xavier dos Reis e Maria de Souza Neves. O mais velho foi Incio e da descendncia dele nascer Ccero Dantas Martins trs geraes depois. Incio dos Reis Leite que tambm se assinou Incio Gonalves Leite, foi tambm, como seu pai e av, sesmeiro no fluiu, por alvar de 23 de julho de 1752.9 O bisav de Ccero Dantas j estava enfronhando na vida poltica e social de Itapicur. As origens desta cidade remontam a meados do sculo XVII quando no local onde, em 1636, existia uma misso franciscana denominada Sade, ou de Santo Antnio, foi erigida uma pequena capela em 1648, que passou a freguesia curada em 1698, com o nome de Nossa Senhora de Nazar do Itapicur de Cima, consoante petio dirigida ao rei pelo vigrio Gyraldo Correia de Lima, que comeou a receber, cngrua a partir de 1700. Antes da criao da freguesia, fora a zona percorrida inicialmente pelos jesutas e, posteriormente, pelos missionrios franciscanos. O crescimento da freguesia com o aumento do nmero de habitantes permitiu que seus moradores solicitassem a criao da vila. Assim que, uma carta rgia foi dirigida ao vice-rei do Brasil, solicitando notcias sobre a localidade de Itapicur para ver se tinha condies de ser elevada a vila. Estando dentro das condies previstas para merecer tal promoo, fora a freguesia elevada categoria de vila pelo vice-rei do Brasil, conde de Sabugosa, em 28 de abril de 1728.

Consuelo Pond de Sena transcreveu os termos da carta rgia alusivos ao ato da criao da vila:
D. Joo por graa de Deus etc. Fao saber a vs Vasco Fernandes Csar de Meneses vicerei e capito general de mar e terra do estado do Brasil que havendo visto o que me representou em carta de dezenove de fevereiro do ano passado . de se compor o lugar de trinta e cinco lguas e quarenta dessa cidade e trinta e seis de Sergipe del-Rey fazendo-se preciso que nela se erija uma Vila para que h em ir tirar devassa alio juiz da vila de Cachoeira. Hei por bem por Resoluo de vinte e trs deste presente ms e ano, em conta de meu Conselho Ultramarino de se erija no dito lugar de Itapicur uma Vila pela grande utilidade que se pode seguir , assim ao meu servio como tambm 30

Capela interna do engenho Camuciat inaugurada solenemente em 10.03.1894. O padroeiro da mesma Santo Antnio. Nesta capela eram realizadas, pelo padre de Itapicur, missas, batizados e casamentos dos moradores do engenho. Foto ABJ.

pelo grande beneficio que podem receber os meus vassalos continentes naquelas partes porque tero por este meio forma civil e poltica e quem lhes administre justia e que se evitem os insultos que na forma dela se experimentam, ficando em paz e quietao. el-rei Nosso Senhor o mandou por Antnio Royz da Costa e Joseph de Carvalho e Abreu, Conselheiros do seu Conselho ultramarino e se passou por duas vias. Bernardo Felix da Silva a fez em Lisboa Ocidental a vinte e quatro de abril de mil setecentos e vinte e sete. Andr Lopes de Lavre a fez escrever. Antnio Ruy da Costa - Joseph de Carvalho e Abreu.10

As funes das vilas e povoados eram bem simples. Num primeiro momento, constituam os pontos de contato entre a administrao portuguesa e o poder local dos senhores. Alm disso, tinham a funo social de congregar os moradores dos engenhos e fazendas prximas, nas missas e festas, religiosas ou leigas. Quanto ao plano econmico, sua funo era pouco significativo, no mximo como pequenos postos de embarque de acar para os centros maiores (casos de vilas marinhas), onde se fazia o transporte para Portugal, ou com os lugares onde se podia adquirir, eventualmente, algum artigo em falta nos engenhos. Incio dos Reis Leite exerceu na vila de Itapicur os cargos pblicos de vereador e avaliador. Membro que era da elite colonial dominante beneficiou-se com a poltica real no s pelas grandes pores de terra que recebeu com as doaes de sesmarias, como pelo controle que assumiu dos organismos polticos locais. A organizao municipal portuguesa, com suas razes romanas e suas funes poltica - administrativa, dadas pelo livro 1 das Ordenaes, transferiu-se para o Brasil. Os dois elementos constitutivos do poder municipal eram a Alcaidaria e a Cmara Municipal ou "Senado da Cmara", ttulo especial que possuam em determinadas cidades, sem que isto implicasse em novas funes ou maiores vantagens. A Alcaidaria e suas rendas, na poca das capitnias hereditrias eram privilgios do donatrio da capitnia. Era ele quem nomeava o alcaide, capito da vila, constituindo-se este em seu subordinado. A cmara municipal tornou-se de fato o rgo mais importante da administrao. A jurisdio no se limitava a cidade, mas estendia-se a todo o "Termo" (equivalente ao territrio municipal) respectivo. Funcionava tanto como um rgo de carter local, como se integrava ao conjunto da administrao geral. Cumpria, portanto, cmara uma dupla funo: por um lado constitua-se num rgo representativo da populao local, j que seus cargos eram eletivos, mas, por outro lado, estava subordinada ao governador transformando-se em instrumento executor de suas decises. As estruturas bsicas do governo local eram to antigas quanto as do governo geral: havia dois juizes ordinrios, trs vereadores escolhidos anualmente, um escrivo, um procurador e dois "almotacs" (encarregados de controlar a qualidade dos produtos vendidos nos mercados locais, os pesos e medidas e as condies de higiene e limpeza).
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Os trs vereadores eram escolhidos anualmente. Nas vilas em que ocorriam eleies, e Itapicur era uma delas, votava apenas o povo qualificado, os homens bons. Preparavam-se listas qualificando os que tinham direito de voto, s vezes chamados republicanos, cujo critrio era fundamentalmente ser proprietrio de terras e escravos. Incio participava do processo eleitoral anualmente pois os vereadores eram escolhidos neste intervalo de tempo. As eleies, em princpio, eram indiretas. Os homens bons, reunidos na cmara, escolhiam os eleitores que, separados em trs partes, organizavam cada um, uma lista trplice, isto , contendo trs nomes dos que escolhiam para os cargos da cmara. O presidente conferia e formava com os nomes mais votados trs listas definitivas que se encerravam em bolas de cera (pelouros). Pela "primeira oitava do Natal" (8 de dezembro) de cada ano, e com assistncia do povo, em vereana especial, comparecia um menino de sete anos que metendo a mo por um cofre onde se guardava os trs pelouros, tirava um, cuja lista serviria no ano seguinte. Assim em trs anos consecutivos, depois do que, esgotados os pelouros e as listas, procedia-se a nova eleio. Quando algum dos elementos da Cmara devesse ser substitudo, ela prpria escolhia seu substituto, chamando-se essa forma de eleio de barrete. Findo o processo eleitoral estava formado o Conselho de Vereana que dentre as funes principais cabia-lhes tratar de pequenos roubos, agresses ou injrias, cuidar das vias pblicas, fixar taxas urbanas (pagas por comerciantes e artesos). 11 Alm de vereador, Incio assumiu o cargo de avaliador em Itapicur. Este posto estava dentro do organograma da Provedoria de Depsitos e Ausentes e Depsito Geral que abrangia os seguintes cargos: Juiz de Fora do Cvel, Provedor, Avaliador e Partidor do Conselho, 2 Avaliador e Partidor, Escrivo da Receita do Depsito e Tesoureiro do Depsito Geral. O Avaliador e Partidor do Conselho recebia de emolumento 100$000 e o 2 Avaliador e Partidor 29$000.12 Incio foi casado com Maria Francisca de Souza Dantas, filha do portugus Manoel Alves Martins, e Teodosia Maria de Souza Dantas, proprietrios da fazenda Catu; e faleceu, no Camuciat, onde residia, antes de 1832. A famlia foi crescendo. Incio deixou 7 filhos: Ana Maria Xavier dos Reis, Maria Josefa da Conceio, Leandra Sancha Leite, Teodosia de Souza Leite, Josefa Francisca dos Reis, Francisca Xavier de Souza e Joo d' Antas dos Reis Porttil, av de Ccero Dantas. Este nasceu no Engenho Santo Antnio do Camuciat, freguesia de Na Sr` do Nazar do Itapicur, aos 8 de maro de 1773. A av de Joo Dantas, Teodosia Maria de Souza Dantas, foi a primeira da linhagem da famlia no Brasil que usou o patronmico "Dantas". Dantas Jnior, no seu trabalho genealgi33

co sobre a descendncia do capito-mor Joo d'Antas, acrescenta que a primeira pessoa, segundo o genealogista portugus Armando de Matos, a usar o sobrenome "Dantas", foi Mem Afonso de Antas, senhor de Vimieiro, em Antas, conselho de Paredes de Coura, distrito de Viena do Castelo, provncia do Minho. Joo Dantas dedicou-se, desde cedo, a exemplo de seus antepassados, s atividades agrcola, pastoril e industrial do acar mascavo, e de aguardente, a princpio ajudando a seu pai e, depois da morte deste, como proprietrio do dito engenho Santo Antnio do Camuciat, cujas terras acresceu, por compra, a alguns parentes vizinhos e a estranhos, e a construiu sobrado, um novo engenho moente e corrente, e alambique de cobre. A pecuria brasileira, no sculo XVII, situou-se como retaguarda da produo aucareira. Inicialmente, os currais estavam localizados vizinhos s terras cultivadas, delas apenas separados por cercas. No entanto, com o crescimento da populao, a pecuria deixou de ser uma atividade criatoria destinada a atender apenas s necessidades dos engenhos. Evidenciou-se, ento, o conflito entre a agricultura e a pecuria, culminando com o deslocamento desta ltima atividade para longe das terras cultivadas, estendendo-se estas pelos sertes. Em meados do sculo XVIII, j a Pecuria aparecia fixada nos sertes, em grandes latifndios. Os currais baianos localizavam-se nas margens do Rio So Francisco, do Rio das Velhas, do Rio das Rs e dos Rios Verde, Paramirim, Jacupe e Itapicur. Possuidor de muitas terras e descendente de donos de currais em Itapicur, Joo Dantas envolveu-se na atividade pecuria tanto na esfera privada, como na pblica. Na primeira, cuidando de suas reses em suas propriedades e na segunda, servindo ao governo colonial como arrematante direto, e cessionrio, de arrematao de cobrana dos dzimos reais e gados vacum e cavalar nas freguesias de gua Fria, Camiso, Itapicur, Inhambupe, Jacobina, Jeremoabo, Monte Santo, Ouriangas, Pambu e Tucano, em diferentes exerccios. A atividade de arrematante era muito prestigiosa para quem o exercia. A cmara emitia editas, colocados nas praas do municpios, informando a data em que os bilhetes para a cobrana dos impostos seriam levados hasta pblica. Esses bilhetes, arrematados por polticos da poca, muitos vereadores, que exerciam um "monoplio" na intermediao da cobrana dos impostos, eram adquiridos por quem oferecesse o maior lance. Os arrematantes pagavam ao governo municipal atravs de letras trimestrais e afianadas, perfazendo o total de quatro pagamentos durante o ano. Sendo todos os produtos vendidos na feira submetidos pela cmara ao pagamento de impostos, evidentemente que os arrematantes podiam auferir grande vantagem em tal reco-

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lhimento, vez que podiam, sendo proprietrios dos bilhetes, cobrar uma quantia bem mais elevada daquela que adquiriram. O gado bovino e, secundariamente, o muar e o cavalar, couros e peles, coelhos, querosene e plvora eram a os principais produtos responsveis pela receita do municpio e, por isso, de maior taxao e maior lucratividade para os arrematantes. Segundo depoimento de antigo funcionrio da prefeitura de feira de Santana, "um cidado que chegou em Feira de Santana com algum dinheiro conseguiu arrematar imposto sobre o gado e ao deixar a sala onde se realizou o leilo, recebeu um tiro nas costas, morrendo logo em seguida. Declarava, ainda, aquele mesmo cidado que s pessoas muito entrosadas com a poltica da regio podiam entrar no negcio".13 Da caracterizar-se a arrematao como uma transao de "monoplio" por determinado conjunto de indivduos que dominava a poltica, poca. Como podemos observar a profisso de arrematante era muito delicada, pois envolvia cobranas. Constantemente haviam contendas envolvendo o arrematante e as partes envolvidas no processo de cobrana. Joo Dantas no escapou as antipatias que o cargo trazia em si. Em certa ocasio, quando pernoitava em Jeremoabo, em viagem no desempenho dessa misso, foi, certa vez, "maltratado aleivosamente com um tiro de espingarda, que quase lhe tirava a vida, sendo, por isso, autorizado, pela proviso de 27 de abril de 1814, a usar de armas, ele e dois pajens". 14Desse atentado, atribudo o mandato a pessoa de importncia em Itapicur, seu parente, fez-se o competente processo, condenando-se os autores materiais, "aos quais, entretanto, Joo d'Antas perdoou".15 O parente acima citado era o capito-mor do Tero das Ordenanas da vila de Itapicur de Cima, Lus de Almeida Maciel. D. Francisca Xavier de Souza Dantas, com quem Joo Dantas se casou, era sua prima em segundo grau e sobrinha das irms Joana Vitria de Souza Leite e Maria Vitria de Souza respectivamente primeira e segunda esposa de Lus de Almeida. Outro casamento reforou o lao entre as duas famlias, o filho mais velho de Lus de Almeida, Manuel lvares Maciel, casou-se com Josefa Ferreira de Brito, prima de Joo Dantas, filha de uma irm de sua me. As demandas entre Lus de Almeida e Joo Dantas no se restringiram apenas aos desentendimentos causados pela influncia de Dantas junto a arrematantes, elas se estenderam por longas anos e tiveram outras motivos que no cabem aqui ser citados. Alm de arrematante, Joo Dantas ocupou outros cargos pblicos em Itapicur, inclusive o de Juiz ordinrio e Juiz de rfos. Esses cargos eram revestidos de uma grande importncia poltica e social pois faziam parte da administrao da justia brasileira desde os primrdios da colonizao.
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Os magistrados mais importantes eram os ouvidores - gerais, residentes na capital de cada capitania e superiores hierrquicos de ouvidores civis e criminais (magistrados superiores, ou desembargadores, que deliberavam no Tribunal da Relao, de segunda instncia), de ouvidores de comarcas e distritos (que tambm exerciam o oficio de corregedores em causas civis e criminais) e de numerosos juizes, entre os quais os "juzes de fora", que geralmente presidiam as cmaras municipais e eram provedores da Real Fazenda (encarregados dos testamentos, dos bens dos defuntos, dos ausentes e dos rfos). 16 O juiz ordinrio fazia parte do quadro dirigente da cmara municipal que era composta de um juiz presidente que era chamado juiz ordinrio quando eleito com os demais membros da cmara, ou juiz de fora quando nomeado pela Coroa, geralmente um letrado da metrpole. Os juizes ordinrios eram sempre dois, que exerciam em alternncia suas funes, mudando de ms em ms, durante o ano para o qual haviam sido eleitos. Diversamente dos juizes - de fora, exerciam o cargo sem remunerao, como os demais membros da cmara. Os juizes, ordinrios ou de fora, alm de suas funes como membro e presidente da cmara tinham outras atribuies prprias como julgar e dar sentenas, resolvendo litgios entre partes desavindas e agindo como executores das providncias da administrao central. Mas voltando aos desentendimentos entre Lus de Almeida e Joo Dantas, foi na ocasio em que este estava ocupando o cargo de juiz de rfos (eletivos em Portugal e no Brasil feitos pelo rei e pelas cmaras), que os nimos se acirravam. Em 1810, Lus de Almeida foi intimado por Joo Dantas, ento juiz de rfo em Itapicur, a abrir o inventrio de sua mulher Joana Vitria de Souza Leite. Lus de Almeida discordou da avaliao dos bens do casal, feita pelo juiz ordinrio da vila, e recorreu ao Tribunal da Relao da Bahia. Em 20 de dezembro de 1811, alegando ter sido, em sua atuao como magistrado, ofendido pelo capito- mor, Joo Dantas apresentou ao Juiz ordinrio da vila de Itapicur um "libelo atroz" contra Lus de Almeida Maciel. Na madrugada de 9 de agosto de 1813, o juiz de rfos foi ferido por tiros de espingarda, prendendo e denunciando o escrivo do julgado de Jeremoabo, Manuel Fernandes, pela autoria do atentado. Trs meses depois, em 17 de novembro, Joo Dantas apresentou nova queixa relativa ao atentado, dessa vez na Ouvidoria Geral do Crime da Relao da Bahia, atravs de "petio de querela e libelo acusatrio". Acusou Lus de Almeida e sua mulher Maria Vitria de Souza de mandantes, e Jos Leite e Jos Custdio , de executores. Em 5 de setembro de 1814, enquanto corria, no Tribunal da Relao da Bahia, o processo relativo 'a tentativa de homicdio, Lus de Almeida foi condenado, em primeira instncia, no processo que Joo Dantas lhe movera por injria atroz, a quatro anos de degredo para um dos lugares da frica, embora essa pena no pudesse ser aplicada a menores
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de 16 e maiores de 55 anos. Alm disso, devia pagar duzentos mil ris para o autor e cem mil ris para despesas e custas." Vendo-se condenado e sem defensor, Lus Almeida procurou o auxlio do capito mor Pedro Ribeiro, pessoa tambm de grande influncia na zona de Itapicur. Este tomou diversas providncias com o objetivo de derrubar Joo Dantas, principalmente aps a morte de Lus Almeida. Ana Bittencourt narra das conversas ouvida sobre seu av Pedro Ribeiro, com a parcialidade inerente de um membro da famlia, o incio da atuao do av contra Joo Dantas: "...Tendo meu av recebido a comunicao da morte de Lus de Almeida, veio da Bahia e, chegando a Itapicuru, inculpou acremente aqueles que induziram o velho fazendeiro a dar um passo imprprio de sua posio que lhe ocasionara a morte. Por que no o levaram para Periperi, onde Joo Dantas nem qualquer outro ousaria mand-lo prender? Nada porm lhe restava a fazer para remediar a mais irremedivel das coisas mundanas, a morte. Empregou ento toda a sua atividade e energia em dar bom andamento s questes da casa de Lus de Almeida 18 Aps alguns anos de brigas entre os dois potentados locais, em 1827 chegaram a um acordo, mas antes disso Joo Dantas habilitou-se, em 1816, j falecido Lus de Almeida, a receber dos herdeiros destes a indenizao arbitrada pelo acrdo em 1815 do Tribunal da Relao da Bahia. Decorridos 17 anos, as famlias Almeida Ribeiro e Dantas vislumbraram uma situao pacfica: O Termo de Conchavo e Amigvel composio entre Pedro Ribeiro e Joo Dantas foi assinado no Camuciat em 1827. Os filhos - famlia pertencentes nobreza rural conservavam regalias nas carreiras das armas, podendo obter facilmente os graus superiores de Coronel e Tenente-coronel nos comandos da milcia; ou o ttulo pomposo de Capito-mor de Ordenanas, com o comando da fora da terceira linha de um distrito. Mas na tropa de primeira linha o privilgio se restringia a assentar praa como soldado nobre; privilegiado eram os cadetes. Pelas primeiras vantagens optou, em geral, Joo Dantas e seus descendentes. Ele foi capito das Ordenanas de Itapicur, Sargento-mor e Capito-mor, por patente de 20 de setembro de 1816, confirmada em 19 de janeiro de 1825 e seu filho Joo Dantas dos Reis Porttil Jnior (pai de Ccero Dantas), fora Tenente-coronel do Regimento de Cavalaria de Milcias de Itapicur, nomeado pelo general Labatut e tendo patente confirmado pelo decreto de 16 de fevereiro de 1824. Ktia Mattoso faz uma boa anlise a respeito da importncia das instituies que deram origem ao exrcito dentro da estrutura do Estado: " Com seu peso numrico, com as hierarquias sociais que assentava e revelava, com as solidariedades que suscitava ou recusava, as "foras armadas" pesavam de maneira original nas estruturas de um estado que sempre mani37

festou, diante dos militares, sentimentos ambguos, mesclados de admirao e confiana, receio e cimes".19 As foras armadas eram compostas por regimentos de primeira linha (ou tropa paga) e por milcias e Tropas de Ordenanas. No fim do perodo colonial, a composio militar havia se tornado uma casta relativamente fechada. O mais das vezes, as patentes eram concedidas aos descendentes dos oficios mais antigos, mesmo entre vivos. Mas, da mesma forma que no servio civil, no havia compra de cargos: Tratava-se de recompensar os que serviam ao rei, e a recompensa podia ser atribuda at a colaterais bastantes afastados. Vrios parentes de Joo Dantas ocuparam cargos na corporao militar. A defesa dos territrios baianos tambm era assegurada por corpos auxiliares, como os regimentos de milcias e de ordenanas, colocados com o beneplcito do Estado, sob o comando direto das classes privilegiadas, que deviam prover seu sustento. As milcias, criadas no sculo XVII, formavam na Bahia doze regimentos, dos quais quatro com sede em Salvador e quatro no Recncavo. Com exceo dos majores e sargentos (pagos pelas respectivas municipalidades), a oficialidade desses corpos auxiliares no seguia neles uma carreira, nem era remunerada, pois as funes que exerciam, consideradas honorficas, eram muito cobiadas, alm de compatveis com o exerccio de outros oficios. Ser oficial das milcias representava freqentemente o primeiro passo para conseguir o enobrecimento e abria caminho para que os filhos servissem como cadetes nas foras armadas regulares. O prestgio tambm decorria do fato de que a nomeao dependia de uma patente real e da fortuna necessria aos exerccios do cargo. Para chegar a comandante de um regimento de milcia, era preciso ter servido em um regimento de primeira linha.20 As milcias tiveram grande importncia social pois foi graas a elas que o poder real conseguiu associar as populaes da Capitania para manter a ordem pblica aumentando a influncia das formaes paramilitares e, ao mesmo tempo, pela distribuio de patentes e funes, incentivar o gosto dos brasileiros por cargos honorficos. As ordenanas tambm eram corpos auxiliares, organizados segundo o Tero Ibrico, com quatro patentes de oficiais, em vez de seis, como nos outros regimentos. Mas no tinham o prestgio das milcias. As pequenas comunidades do interior da Capitania s dispunham de Companhia de Ordenanas. Joo Dantas pulou etapas, apesar de no ter feito parte de nenhum corpo de milcias, atingiu o posto de Capito-mor. Estes eram as autoridade mximas nas vilas e nos Termos destas, encarregados de inspecionar as tropas e os armamentos, de assegurar o bom funcionamento das instncias civis, fazendrias e judicirias, e tambm de elaborar as listas dos cida38

dos aptos a serem recrutados para a tropa regular ou das milcias. Eram escolhidos entre as famlias ricas de cada localidade, proprietrios de gado bovino e importantes senhores de engenho. Os capites-mores, escolhidos pelas cmaras municipais, eram necessariamente confirmados pelo rei, atravs de cartas patentes, o que aumentava o prestgio do posto. Em 1821, ano em que se intensificaram os movimentos em prol da independncia do Brasil na Bahia, j era Joo Dantas capito- mor. Imbudo de sentimento nacionalista, Dantas no aceitou, como os demais baianos, a nomeao do brigadeiro Incio Madeira de Melo para o comando das Armas na Bahia, em substituio ao brigadeiro Freitas Guimares. Houve luta armada e os comandantes portugueses praticamente destituram o brigadeiro Freitas Guimares a fora, ficando como donos da cidade do Salvador. Os baianos no aceitaram a perda da cidade. Nos dias 18 e 19 de fevereiro de 1822, oficiais militares saram do forte de So Pedro e armaram guerrilhas nas matas que iam de Brotas Fazenda Garcia. Militares e civis, famlias inteiras, procuravam o Recncavo, principalmente Santo Amaro e Cachoeira, que assim se transformaram em centro dos preparativos da luta pela expulso de Madeira de Melo. No dia 25 de junho, uniram-se os baianos em Cachoeira. Era o comeo da guerra da independncia. O capito-mor Joo Dantas acompanhou todos os acontecimentos que induziram o conflito entre brasileiros e portugueses e imediatamente aderiu ao movimento percursor de nossa independncia, promovendo a integrao de Itapicur na campanha, com a aclamao nessa vila, a 7 de julho seguinte , de Pedro 1 Defensor Perptuo e Constitucional do Brasil. Em decorrncia dessa atitude foi eleito para compor a primeira junta conciliatria que se transformou em governo, com a adeso de outras vilas do Recncavo e do Serto. A junta governativa ficou composta de: Francisco Elesbo Pires de Carvalho e Albuquerque, representante de Santo Amaro; Francisco Gomes Brando ( depois Francisco G Acayaba de Montezuma), representante de Cachoeira; Manuel Gonalves Maia Bittencourt, representante das vilas de Jaguarpe e Nazar, Simo Gomes Ferreira Veloso, representante de Inhambupe; Miguel Calmon Du Pin e Almeida, representante da vila de Abrantes; Manuel da Silva e Souza Coimbra, representante de Maragojipe; Joo Dantas dos Reis, representante de Itapicur; e padre Teodoro Dias de Castro, representante de Valena e Jequiri. No Recncavo surgiram as milcias, grupos de voluntrios, armados e mantidos pelos senhores de engenho. Os nomes desses batalhes diziam, mais que tudo, o entusiasmo do momento: Mavorte , Belona, Batalho Sagrado dos Independentes. O capito-mor Joo Dantas entrou no clima de entusiasmo e adotou o nome de Joo d'Antas dos Imperiais Itapicur.21
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Essa prtica de adoo de nomes `nacionalistas' por brasileiros e at portugueses que queriam marcar sua opo pelo pas que os acolhera, intensificou-se no ano que precedeu a independncia. Na Bahia, em agosto de 1821, surgiu um jornal nacionalista, o Dirio Constitucional, que teve vida curta; seus redatores foram dos primeiros a modificar os nomes por razes polticas, passando a assinar-se Francisco Jos de Almeida Corte Real, depois Imperial, e Francisco Gomes Montezuma. Em 1823, em outro jornal nacionalista, O Intendente Constitucional, foram publicados mais de duzentos avisos a respeito da substituio dos tradicionais sobrenomes portugueses por nomes brasileiros, inspirados nos reinos animal (Acau, Cabuu, Canguu, Guacinim, Paca, Patativa, Sinimbu) e vegetal (Cajaba, Jambeiro, Jatob, Sapucaia, Sucupira, Titara) e na geografia (Borborema, Cairu, Campos, Cincur, Itapagipe). Outras fontes de inspirao foram os nomes prprios de heris nacionalistas (Bolivar, Montezuma, Tibiria) e gentlicos( Brasileiro, G, Tupinamb e Tupiniquim). Desses nomes, muitos desapareceram por falta de herdeiros; outros foram simplesmente abandonados pelas famlias, passado o calor do hora. Os filhos do capito-mor Joo Dantas j no adotaram o nome acrescido pelo pai. Mas no se restringiu a aclamao de D. Pedro em sua terra natal, a participao do capito-mor Dantas no processo da Independncia. As lutas continuaram e ele envolveu-se em todas elas. A luta tomou feies de guerra, sendo organizada por estratgias militares, como a organizao de quartis-generais, a criao de batalhes de cavalaria, guarda cvicas, corpos de milcia, etc. Joo Dantas foi convidado a envolver-se na luta emancipadora, onde tomou a iniciativa de organizar e comandar a Guarda Cvica em Cachoeira e marchou para Piraj comandando um batalho de cavalaria, composto de 500 homens. Piraj ficou como o mais importante centro de comando das operaes, aquartelandose a , no Engenho Novo, o grosso das foras brasileiras. Depois de Piraj, as foras brasileiras se colocaram em torno da cidade, distribudas de cabrito Conceio, e de Itapu at Brotas. Joo Dantas estava longe do campo de batalha por estar adoentado; e vido de saber notcias dos acontecimentos escreveu ao General Labatut a 26 de fevereiro de 1823 obtendo resposta dois dias depoisIlmo. e Exmo. Sr. Com prazer recebi a carta de V. Exa de 26 do corrente porque j me tardavo notcias suas, no deixando contudo de sentir o seu estado de sade do qual desejarei saber que j se v livre . (...) Ainda no sei quem o menino de Inhambupe, e como a cavalaria

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foi aquartelar - se nas Brotas vista do inimigo , averiguarei quando eu for as linhas donde ainda ontem vim. Deus guarde a V . Exa. Como eu desejo. Quartel -general no Engenho Novo , 28 de fevereiro de 1823 Segundo da Independncia e do Imprio Labatut Genera122

Paralelamente as lutas na Bahia , o capito -mor atuou tambm na provncia de Sergipe. Juntamente com seus filhos Incio , Jos e Joo Dantas Jnior , parentes e demais patriotas de Itapicur , organizou um contigente de 2000 homens , com os quais , de acordo com as instrues recebidas do Conselho da Provncia e do Comandante em chefe general Pedro Labatut, seguiu para a provncia de Sergipe, cujo governo era hostil a causa da independncia, fazendo com os patriotas sergipanos aclamar D. Pedro nos municpios de Campos , Lagarto, Santo Luzia , Estancia, So Cristovo e outros. A participao de Dantas na guerra da independncia foi registrada por vrios historiadores e poeticamente declamada por Ladislau dos Santos Titra, oficial do Exercito, que no seu poema Paraguau contou:
O de Itapicuru , varo distinto, Que infatigvel pela Ptria, tempo Algum no perde, unido tinha foras. Que a erudir trabalhou Cunha afonaso,

Com que em jornadas , j da Estncia em busca,

Coraes valer cuida , bem formados, Onde Ptrio fervor se acende e medra (...) De que ao Franco Guerreiro , e a d'Antas volva Somente a glria , que lhes tanto cera. (...) Traz Itapicur, que por ventura, As dignas suaes ouviu dos Dantas, E doutos , que ao Brasil o bem aspira.23

O imperador D. Pedro 1 , para demostrar seu reconhecimento a luta dos baianos pela Independncia distribuiu uma srie de graas honorficas , comendas e hbitos aos participantes da guerra e entre 28 de fevereiro e 19 de maro de 1826 visitou a Bahia.

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No ficaram excludos dessas benesses os representantes de Itapicur. O capito-mor Dantas fora admitido na ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, sendo-lhe lanado o hbito de novio, e professando no grau de cavaleiro, na Catedral da Bahia, a 5 de fevereiro de 1822, tendo por padrinho o capito-mor Francisco Elesbo Pires de Carvalho e Albuquerque e foi condecorado Oficial da Ordem Imperial do Cruzeiro, em 17 de outubro de 1823. Enquanto a Ordem de Cristo - com os graus de cavaleiro, comendador e gr-cruz - tinha origem medieval, a Ordem Imperial do Cruzeiro - com os graus de cavaleiro, oficial, dignitrio e gr-cruz era recente, instituda a 1 de dezembro de 1822, dia da coroao de D. Pedro I. Os trs filhos do capito-mor que participaram da guerra de independncia, Incio, Jos e Joo foram agraciados com ordens honorficas. Joo Dantas Jnior, por exemplo, foi agraciado, em 18 de outubro de 1823, com o grau de cavaleiro da Ordem do Cruzeiro e logo aps, em 17 de abril de 1824, foi-lhe conferida a merc de cavaleiro professo do hbito de Cristo, sendo armado na cidade da Bahia aos 2 de junho de 1828, na Igreja Catedral, tendo como padrinhos o brigadeiro Jos Egdio Gordilho de Barbuda, depois visconde de Camam (1), e o negociante Antnio Vaz de Carvalho.
Passou Joo Dantas dos Imperiais Itapicur o ltimo quartel de sua existncia, exercendo suas funes de capito-mor e os cargos de juiz ordinrio e de rfos em Itapicur. Deixou longo e minucioso testamento escrito em Capuame, composto de 33 laudas de papel e concludo, e aprovado em Camuciat.24

Dentre as suas disposies de ltima vontade, cheias de recomendaes e conselhos a seus filhos, deixou escrito:
Peo a meus filhos queiro tratar bem a sua me e com decncia e respeito devido unindo-se com seus irmos com boa harmonia (...) Caso minha filha Maria Francisca passe a segunda nupcias , perder a herana e o que houver de tocar passar para meus netos, seus filhos do primeiro matrimnio.

Com o legado a parentes , afilhados e amigos preocupou-se:

40$000 para a filha do defunto Jos Felix de Vasconcelos; 40$000 para a afilhada, filha de Bernardo Costa de Abreu; 40$000 para afilhada , filha de Jos Joaquim de Santana , 50$ para a afilhada , filha de Incia Cunha Neves ; (..) Deixo ao neto e afilhado Joo o mulatinho Camilo. Deixo a todos os mais netos , cada um 80 $000. Declaro que querendo o meu neto e afilhado , filho do meu filho Incio seguir os estudos e ir para a universidade se lhe dar 600$ para adjutrio sem suprimento.26

Para as Igrejas do Serto deixou:

Deixo para adjutrio da igreja de Santa Tereza do Pombal - 40$000 , para a igreja matriz de Santa Ana de Tucano - 10$000, para adjutrio da obra da igreja de Sto. Ant42

nio da Misso - 20$000 que se dar em material para a Capela das Miangas filial a matriz de So Joo de gua Fria 20$000.27

Demonstrou preocupao com a celebrao de missas que pudessem ajudar a purificar a sua alma e a de pessoas a ele ligadas.: Deixo por minha 6 capelas de missas de esmolas de pataca bem como se diro mais as missas seguintes: duas ao Santssimo Sacramento, duas a N. Sra. Da Conceio, duas ao glorioso Sto. Antonio, duas a N. Sra da Guia, etc (...) meia capela de missa por alma de minha me, meia capela de missas por almas de minhas irms Ana e Teodsia (...) meia capela de missas pelas almas mais necessitadas do purgatrio, todas de esmola de pataca.2R Consignou no documento o desejo de: "ser sepultado na sua matriz de Na Sra de Nazar da Vila de Itapicur de Cima, ao p do altar do Santssimo Sacramento, isso no caso do falecimento ocorrer em lugar que pudesse para ali ser conduzido, o corpo envolto em hbito branco, e conduzido por seis pobres, aos quais se daria a esmola de mil ris a cada um, e acompanhado pelo reverendssimo proco e alguns sacerdotes que aparecessem depois da missa de corpo presente". 29Seu desejo, entretanto, no se efetivou, pois, vindo a Salvador, acompanhado pelo seu filho coronel Joo Dantas, a morreu s 11 1/2 da noite, de 9 de maio de 1832, Quinta-feira, depois de receber o sacramento da penitncia e a Extrema uno, em conseqncia de insulto apopltico de que fora acometido, s 4 1/2 da tarde quando jantava, nesse mesmo dia, na casa de sua hospedagem, ao largo do Barbalho. Amortalhado o corpo com o hbito de So Francisco, a cuja venervel Ordem Terceira pertencia, foi conduzido em sege, com acompanhamento, para a igreja desse santo, onde foi encomendado pelo vigrio Joaquim Jos de Santana, de corpo de asperges e sacristo, e sepultado no antigo cemitrio do convento. Deixou a sua mulher e prima Francisca Xavier de Souza Dantas, com a qual se casara em 1795, e a seus 6 filhos, pois dois faleceram menores, uma aprecivel fortuna de 161:215$244.30 O quinto filho do capito-mor Joo Dantas dos Reis Porttil Jnior, pai de Ccero Dantas, nasceu no Camuciat, a 18 de julho de 1802. Portanto a 3a gerao em linha direta a nascer no mesmo engenho. Seguindo a orientao familiar da poca, onde os pais influenciavam na formao dos filhos, cursou o Seminrio Arquiebiscopal de S. Dmaso, em Salvador. A origem social dos jovens seminaristas provinha das camadas sociais mdias da sociedade baiana. Muitos deles porm, vinham de famlias abastadas das regies rurais, onde o padre mantinha certo prestgio

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e os pais de famlia acreditavam "que nada era neste mundo quem no tinha um filho religioso 31

A rotina de Joo Dantas Jnior no seminrio foi de severa disciplina. Os dias eram preenchidos com servios religiosos e trabalhos. Empregavam-se todos os meios - como recluso no seminrio e vigilncia - para garantir a moralidade e a aptido dos candidatos. O Seminrio que Joo Dantas Jnior estudou foi fundado em 1815, pelo arcebispo Dom frei Francisco de So Dmaso Abreu Vieira, chamava-se Seminrio Maior, de Cincia Eclesistica ou So Dmaso, em homenagem a seu fundador. Localizava-se na antiga residncia do tesoureiro do captulo - catedral, cnego Rodrigo Telles de Menezes, que ao morrer, legou seus bens igreja. Durante o tempo que levou no seminrio Joo Dantas Jnior recebeu uma slida educao humanstica e religiosa - lngua francesa, retrica filosofia racional, histria eclesistica, Teologia dogmtica e moral fizeram parte de seu currculo. Essa base cultural que recebeu na infncia e adolescncia manteve-a por toda a vida, tanto que, em 1854, j estando com 52 anos de idade e residindo no serto provocou o seguinte comentrio de um correspondente do Jornal da Bahia:
Em Jeremoabo, suposto a falta de civilizao seja geral em seus habitantes, um homem ha que, sendo por sua posio de riqueza, e influncia legitima, afabilidade, cavalherismo e trato fino, um tabaru - modelo, anda em dia com a nossa poltica, nem s pela leitura do seu e de outros jornais do imprio que assina , como pelo contato, e relaes contnuas com muitos dos nossos homens ilustrados.32

No sabemos quais as circunstncias que levaram Joo Dantas Jnior a abandonar o seminrio. Ou por falta de vocao, ou pelas precrias condies morais e materiais que o seminrio de So Dmaso se encontrou a partir de 1816, devido a longa vacncia da cadeira episcopal, ou pelo desmantelo que as guerras pela independncia da Bahia causaram a instituio, com o abandono em massa dos estudantes; o fato que Joo Dantas no chegou a ordenar-se. Retornou ao Camuciat e l sobre a influncia do pai, j capito-mor, deu uma guinada em sua existncia. Convivendo com o pai, que estava altamente envolvido no processo das lutas da independncia, a iniciao de sua vida publica no podia ser outra. A 16 de fevereiro de 1824 foi nomeado, pelo general Labatut, tenente-coronel do Regimento da Cavalaria de Milcias de Itapicuru. O atestado da Cmara Municipal de Itapicur, datado de 25/04/1823, noticia o incio da vida pblica de Joo Dantas Jnior:

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...e no havendo neste distrito tropas seno as Ordenanas foi obrigado a pr em exerccio da cavalaria homens de seu comando, para maior desempenho do servio, a bem da justa aclamao, sendo necessrio a conservao de um regimento da Cavalaria neste distrito pelo exmo. general em chefe governador das armas desta provncia que sendo determinar a criao do mesmo, nomeado para coronel a Incio d'Antas, para tenentecel a Joo Dantas Camuciat, pessoas dignas de seus cargos...33

Em Itapicur foi o tenente-coronel Joo Dantas vereador no quatrinio 1829-1832 tendo ocupado a presidncia da vereao. Inicia Joo Dantas na poltica em um momento de mudana estrutural da vida poltica brasileira. At a independncia, os governos locais eram formados por uma nica instituio, as cmaras municipais. A lei de 20 de outubro de 1823, que transformou as capitnias em provncias, criou a funo de presidente de provncia, conservando o municpio como base da administrao. Essa mudana demonstrou uma evoluo poltica e administrativa que refletia a determinao com que o Estado desejava controlar todas as atividades da vida pblica brasileira. Reformulou-se a instituio do governo provincial para diminuir o poder do municpio. Joo Dantas comeou a exercer o cargo de vereador sobe os auspcios da Carta Constitucional de 1824 que norteou a partir da os princpios da nova administrao municipal. Em 1 de outubro de 1828 foi promulgado uma lei que definia ainda mais os objetivos do poder municipal. Cada cidade passou a contar com nove vereadores - ou sete, nas cidades menores -, eleitos por perodos de quatro anos. O artigo 24 da carta de 1824 especifica que o poder das Cmaras Municipais era de natureza exclusivamente administrativa. Todas as leis municipais - que em geral cuidavam da manuteno da ordem e da sade pblica - deviam ser sancionados pelos Conselhos Gerais das Provncias, que podiam revog-los ou modific-los. Em perodos eleitorais, isto , de vacncia dos Conselhos, essas portarias eram submetidas a aprovao do presidente de provncia. Qualquer ato poltico era expressamente proibido. Para vender, alugar, ou permutar os bens imveis do municpio, por exemplo, as cmaras dependiam da autorizao do Presidente. Qualquer contrato de aluguel dependia da aprovao do Conselho Geral. Podemos concluir que o objetivo de todas essas medidas era submeter o poder municipal a autoridade provincial. Apesar de todas essas iniciativas centralizadoras, a municipalidade conseguiu burlar a legislao em alguns aspectos e abrir brechas para exercer o poder. Muitos vereadores eleitos souberam tirar proveito dessa situao, sobretudo quando se tratava de dominar seus eleitores. O vereador Joo Dantas j exercendo a vereao no municpio de Jeremoabo, no qual foi Pre-

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sidente da Cmara de 1833 a 1872, foi alvo de acusaes por parte do conselheiro Saraiva a respeito de violncias ocorridas nas eleies primrias na zona de Itapicur. O baro de So Loureo defendeu Joo Dantas na Tribuna do Senado do Imprio, dizendo: "Posso asseverar ao senado que, em conscincia, poucos homens conheo no campo, to honestos e sisudos como o cel. Joo Dantas".34

Ainda na esfera do poder municipal e local, Joo Dantas exerceu duas importantes funes: a de juiz de paz e de coronel da Guarda Nacional. O primeiro cargo estava inserido na estrutura do poder judicirio que foi organizado pela constituio de 1824. Cada distrito judicirio tinha juizes municipais, juizes de rfos e promotores nomeados pelo governo, e cada paroquia elegia seu juiz de paz. Com a eleio destes at 1841, feita junto com a eleio dos conselheiros municipais, a justia ficava entregue, em larga escala, a magistrados oriundos da escolha popular. Entre outras atribuies, previstas pelo Cdigo de Processo Criminal de 1832, os juizes de paz deviam zelar pela ordem pblica, controlar o Tribunal de Jurados eleitos e propor a cmara Municipal a nomeao de escrivo e de inspetores de quarteiro. Seu poder chegava a ser maior que a dos conselheiros municipais. Por isso, eles eram escolhidos entre os notveis, que desta maneira asseguravam o controle sobre a mquina da justia que, apesar das aparncias, era estruturado para aumentar o poder das potentados locais. Em 3 de dezembro de 1841, data de reforma do Cdigo Criminal, o Juiz de Paz Joo Dantas perdeu parte de seu poder. A administrao provincial preocupada em centralizar o poder retirou a maior parte das funes dos juizes de paz, inclusive as de carter parcial - pois a ele cabia a nomeao dos chefes de polcias e de seus subordinados -, reduzindo-os a um papel quase que de tabelies. Nessas evolues e involues, da estrutura administrativa que visavam diminuir o poder local em favor do central, Joo Dantas no perdeu seu prestgio. Tanto que foi nomeado para coronel-chefe da 2a legio da Guarda Nacional em Itapicur, a 26 de maio de 1840, e foi promovido a coronel comandante superior nas comarcas de Jeremoabo e Monte Santo, em 24 de Janeiro de 1869. A Guarda Nacional, criada em 18 de agosto de 1831 recrutava "todas os bons cidados" livres que tivessem mais de dezoito anos e menos de sessenta, cujas rendas fossem superiores a 200$000 ris anuais, da podemos observar o carter elitista desse corpo. Ao contrrio das Milcias, no era responsvel pela defesa territorial, j de responsabilidade exclusiva do Exrcito, respondendo apenas pela manuteno da ordem pblica, captura e guarda dos

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Cel. Jos Danta8 Itapicur 1.0 Barfm do Rio Real

No alto a esquerda o cel. , Jos Dantas Itapicuru ( primeiro Baro do Rio Real) e tio paterno do baro de Jeremoabo. Ao seu lado o cel. Joo Dantas dos Reis , pai do baro de Jeremoabo e embaixo , da esquerda para a direita, Antnio da Costa Pinto . Jnior (visconde da Oliveira), cunhado de Jeremoabo e Antnio da Costa Pinto (conde de Sergimirim ), sogro do baro. Foto ABJ.

criminosos , represso a revolta armada , caa aos escravos fugitivos , escolta de fundos pblicos e de gneros alimentcios. Foi ciente dessas ltimas responsabilidades que o coronel Joo Dantas , na poca da segunda administrao do visconde de So Loureno , socorreu aos flagelados pela seca, fornecendo , sua custa , dinheiro , vveres e roupas . O que alis no era favor , pois fazia parte das atribuies dos membros da Guarda Nacional no depender do errio pblico , fornecendo as suas custas , inclusive , seus prprios uniformes , arma e munies. O envelhecimento do coronel Joo Dantas foi se dando paralelamente com a perda de importncia da Guarda Nacional , que devido ao fortalecimento das estruturas administrativas do Imprio foi se esvaziando . Em 1873 , um ano aps a morte do coronel Dantas , a Guarda Nacional perdeu suas funes policiais . No interior , porm, os chefes locais - quase sempre proprietrios de terras - e sua clientela continuaram ditar leis por conte prpria . Deixou, assim, o velho coronel , a seus seis filhos vares , inclusive Ccero Dantas Martins , o prestgio e a influncia dos todos - poderosos ` coronis ', que assim continuaram a ser chamados, mesmo com a extino dos postos da Guarda Nacional , e que durante muito tempo dominaram a poltica regional. Faleceu em Camuciat, a 7 de agosto de 1872 , vtima de diabetis , j vivo, desde 1848 , de Mariana Francisca da Silveira Dantas , filha do capito - mor de Estncia , Joo Martins Fontes e de Ana Francisca da Silveira Fontes , e com a qual se consorciara a 12 de janeiro de 1829. Os pais de Ccero Dantas Martins - Joo Dantas dos Reis Porttil e Mariana Francisca da Silveira Dantas - se conheceram nas andanas pelo municpio de Jeremoabo na poca das lutas pela Independncia da Bahia , nos anos 1822/23. Mariana Francisca da Silveira era filha , como j foi dito , de Joo Martins Fontes e Ana Francisca da Silveira e neta paterna do capito - mor das Ordenanas, Antnio Martins Fontes (descendente do fundador da famlia "Fontes" em Sergipe -, Gaspar Fontes , que obteve sesmaria em 12 de maro de 1601 - 1 000 braas em quadra do rio Vasa Barris onde se chama Tinhar ...), 36 e de D. Mariana Brando de Barros. Joo Martins Fontes nasceu em 1762. A partir de 1801 exerceu diversas vezes o cargo de juiz ordinrio, presidente da cmara de Lagarto e So Cristovo . Mas foi em 1822, ano em que se iniciou o movimento pela independncia , que conheceu o primeiro marido de sua filha (Francisco Flix de Carvalho ) e o pai do segundo , Joo Dantas dos Reis Imperiais Itapicur. Todos trs capites - mores , uniram - se em torno de um mesmo ideal - aclamar o prncipe regente em Sergipe . A essa altura Mariana j estava casada com Francisco - capito-mor
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comandante do Tero de Jeremoabo e dono da Fazenda Carit. Joo Fontes deslocou-se para o julgado de So Joo Batista de Jeremoabo, onde se encontrou com seu genro Francisco no seu quartel do Carit. L cercados de polticos e do povo fizeram a aclamao de D. Pedro. Findo a solenidade retornou ao seu engenho `Barra", a fim de aguardar a chegada do capito-mor de Itapicur, Joo Dantas Imperiais, que com seus filhos, Incio, Jos e Joo e mais 2 000 homens se deslocaram do engenho Camuciat para Estncia, a fim de receber o general Pedro Labatut, quando de viagem para a Bahia.37 Terminando a pacificao das cidades de Sergipe, retornou o capito-mor Francisco Felix de Carvalho para sua fazenda Carit, l morrendo entre os anos de 1823 a 1828. Mariana Francisca da Silveira ficou viva e rica antes de completar 30 anos. Passado os dias de luto, comearam a surgir vrios pretendentes, mas Mariana dizia que s se casaria se fosse com o coronel Joo Dantas do Camuciat, 38 filho do velho amigo de seu pai. Da unio desse casal nasceria Ccero Dantas Martins, herdeiro de uma longa tradio de exerccio de poder poltico no nordeste da Bahia e dono de um grande patrimnio em terras. Este era um dos ingredientes necessrios a uma trajetria poltica bem sucedida nos tempos do imprio.

1.1. INFNCIA E JUVENTUDE.

Ccero Dantas Martins veio ao mundo depois que D. Mariana Francisca da Silveira Dantas deu a luz cinco vezes. Antecedeu-lhe Joo Dantas Martins dos Reis, Francisca da Silveira Carvalho (Sinh), Dantas Martins. Nasceu a 28 de junho de 1838, na fazenda, Carit, situada na freguesia e municpio de So Joo Batista de Jeremoabo. O nascimento de Ccero veio aumentar o contigente populacional de uma freguesia que tinha aproximadamente 300 fogos e 2000 almas. Era uma populao escassa que foi se formando dentro do processo de povoamento do rio So Francisco e dos sertes adjacentes, desde a segunda metade do sculo XVII. A freguesia de So Joo Batista de Jeremoabo, anteriormente aldeia dos ndios kiriri, comeou como capela da freguesia de Na Sra de Nazar de Itapicur (1679),com uma igreja dedicada a Na Sra das Brotas. Situada em terras da Casa da Torre estava sujeita ao padroado dos senhores da casa, que a construram e a dotaram do dote consumado de seis mil ris anuais, consistente em terra e gado do stio de Jeremoabo.
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Baldoino Dantas Martins, Cornlio Dantas Martins, Crescncio

Fazenda Caritci, palco de importantes desises polticas do sculo passado e incio desse sculo Fazenda Carit Jeremoabo - Ba. Nesta casa o baro de Jeremoabo nasceu em 28 de junho de 1838. Esta residncia j existia desde a dcada de 1820, pois serviu de quartel no tempo da guerra da independncia. Foto ABJ.

Anos mais tarde, a Casa da Torre decidiu depor o capelo que tomava conta da capela, e entreg-lo aos padres franciscanos, para que servissem de missionrios aos ndios mungurs e Cariacs. A regio do nordeste da Bahia teve seu centro administrativo e religioso em Jeremoabo. Sede de freguesia, a partir de 1718, foi elevada a qualidade de julgado em 1778, e constitudo municpio em 1831. Determinava o decreto-legislativo:
A regncia, em nome de imperador, o Sr. D. Pedro II, h por bem sancionar e mandar que se execute a seguinte resoluo da Assemblia Geral Legislativa, tomada sobre outra do Conselho Geral da Provncia da Bahia. Art. 1 - Fica erecto em vila o julgado de Jeremoabo , desmembrando-se da vila de Itapicur , a que pertencia. Art. 2 - O Termo da vila de Jeremoabo conter as trs freguesias de que o seu distrito eleitoral se compe , a saber : a mesma de So Joo Batista de Jeremoabo, a de Nossa Senhora de Bom Conselho dos Montes de Boqueiro , e a do Santssimo Corao de Jesus do Monte Santo , com todo o Territrio pertencente.39

O sexto vigrio de Jeremoabo, Janurio Jos de Souza Pereira, apresentou um relatrio, descrevendo a situao social, religiosa, poltica e econmica da freguesia em uma poca prxima a que Ccero Dantas nasceu. Comeou o relatrio, constante de 36 pargrafos, fazendo uma apresentao das povoaes da paroquia:
A freguesia de so Joo Batista de Jeremoabo tem trs povoaes , a saber, uma no stio de Jeremoabo , onde est a matriz. Nela vivem 252 pessoas de comunho , entre brancos , que so uma minoria, pardos, mestios , ndios e pretos cativos de um e outro sexo. Em todo o continente ou territrio desta freguesia - continua o relatrio - no h mais povoao alguma que as sobreditas trs, salvo se por povoao se entender cada um stio ou fazenda as quais em 70 lguas, pouco mais ou menos , que tem os terrenos desta freguesia de longitude de nascente ao poente , e em trinta lguas , pouco mais ou menos, que tem de latitude de sul a norte , se acham dispersas em distncias diversas, umas das outras, a saber , umas distam das outras uma lgua , duas , trs , e mais at de 12 lguas. As fazendas ou stios so 152. Muitas fazendas so de todo secas, sem fontes , nem olhos d'gua , nem rio , e na terra abrem covas , ou poos, que se enchem com as chuvas, principalmente nas trovoadas , e destas guas encharcadas, e de algumas lagoas , bebe a gente, e os gados e se retiram para onde h algum olho d'gua . Outras fazendas so situadas margem dos rios Jeremoabo , Vazabarris e Massacar , que so os que h no terreno desta freguesia.40

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A fazenda Carit ficava prxima ao rio Vaza Barris. nessa zona rida do serto baiano que o recm-nascido Ccero Dantas Martins passou sua infncia. Foi levado a pia batismal em 23 de novembro de 1839. Batizou-o e ps-lhe os Santos leos o vigrio Joaquim Incio de Vasconcelos, pessoa de amizade da famlia. Foram seus padrinhos seu tio paterno o comandante Superior Jos Dantas Itapicur, depois 1 baro do Rio Real, sua tia materna D. Ana Maurcia Teles Fontes, e seu primo paterno cel. Manoel Gonalves Leite. Ccero e seus irmos foram criados dentro dos costumes da poca, num clima de austeridade e respeitabilidade. Devido as circunstncias do ambiente e da zona em que viviam, em um meio desprovido de opes de distraes para os jovens, os rebentos chegavam a ter temor aos pais e cumpriam as determinaes paternas sem p-las em questionamento. Fora as visitas ou estadas passadas em fazendas de parentes e amigos ntimos da famlia, a vida era levada numa calmaria e monotonia sem medida, sempre as mesmas coisas, dia aps dia. Enquanto Joo, Baldono, Cornlio, Crescncio, Ccero e Bencio ainda encontravam meios para se divertir - piculas em volta da casa-grande, esconde-esconde no pomar, brincadeiras com os animais da fazenda, perseguio as escravas da casa e da senzala - ; Francisca e Ana Adelaide aceitaram uma maneira de viver que j vinha de sua me e avs. O coronel Joo Dantas educou-as com as maiores preocupaes, procurando distancia-las da vida mundana. No deixava elas passearem e quando das visitas as fazendas de amigos e parentes s as permitia se fossem acompanhadas de um tio ou irmo mais velho; orientava que permanecessem nos seus quartos quando aparecesse um visitante masculino, e se lhes era concedido sentarem a mesa para as refeies, tinham que se comportar espartanamente: em fila, do lado esquerdo, uma ao lado da outra, sem conversarem e nem levantarem os olhos. O mesmo comportamento deviam seguir na capela da casa, onde se acomodavam na primeira fileira, prxima ao altar, e se possvel longe dos homens. As filhas desses senhores de engenho aps o horrio de estudo que realizavam em casa passavam o dia distradas nos afazeres de costume, croch e confeco de rendas, sempre assessoradas por escravas de confiana. Desta maneira se tornavam especialista em bordados e rendas. De vestido comprido e de sapatos fechados, madeixas presas com alguns fios em desalinho, orientando ao mucamas na cozinha ou remendando meias e camisas dos irmos, assim viviam os seus dias, as irms de Ccero na Casa do Carit. Das duas irms de Ccero - Francisca e Ana Adelaide - apenas a primeira casou-se, pois Ana faleceu menor. Francisca como era muito comum na poca, casou-se com seu primo

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Dr. Benicio Dantas Martins

Ccero Dantas Martins, no alto a direita e seus trs irmos. Ao seu lado o mais velho , o cel. Joo Dantas Martins dos Reis. Embaixo sua irm Francisca Dantas da Silveira Carvalho e seu irmo caula Benicio Dantas Martins . Foto ABJ.

Fiel Jos de Carvalho e Oliveira, mdico, poltico na Bahia e em Sergipe e inspetor da Alfndega na Bahia. Nesse ambiente familiar foi crescendo o pequeno Ccero, at que chegou na idade de aprender as primeiras letras. Estava com sete anos. Seu pai, o velho coronel Joo Dantas, certamente reservou um dos quartos da casa para servir de sala de aula aos oito filhos que teve. Chamou um professor, que se chamava Antnio Jernimo Fernandes de Souza para diariamente , no turno matutino , ensinar a seus filhos . Durante vrios anos as aulas matutinas do Carit se repetiram, desde 1836 quando Joo, o mais velho completou 6 anos at 1851, quando Bencio , o caula , atingiu a idade de estudar fora. Num caderno manuscrito , onde assentou a data de nascimentos , batizados , casamentos e bitos de parentes , amigos e personalidades polticas e tambm registrou alguns fatos e datas importantes de sua vida, rico acervo documental que serviu de fonte para muitas citaes deste trabalho , o meticuloso Ccero Dantas anotou a data do falecimento de seu primeiro professor: "- Antnio Jernimo Fernandes de Souza, faleceu a 1 de setembro de 1855, s 10 horas da noite , no Carit . Sepultou- se no dia seguinte em Jeremoabo . Foi meu mestre de primeiras letras e amigo dedicado e leal de meu pai".41 Concluda a alfabetizao inicial , vendo seu pai que j sabia ler e fazer contas , providenciou que ele e seu mano Bencio , que eram os mais prximos em idade , entrassem em contato com os conhecimentos ento em voga e transmitidos maior parte dos jovens estudantes: ler, escrever, contar, rudimentos da religio e latim. Para isso os mandou para a cidade de Estncia , terra natal dos ancestrais de sua me , que j havia falecido a essa poca. Nesse momento j haviam os nominados professores rgios, custeados pelo errio real. Ccero e Bencio , porm , no foram alunos desses professores. Seu pai colocou - os sob os cuidados do vigrio local padre Raimundo, um daqueles professores particulares que lecionavam aos jovens e que exerciam seus oficios desde o tempo da colonizao . Aps os padres da Companhia de Jesus, foram esses professores, padres seculares e leigos, os principais responsveis pela alfabetizao dos meninos , no Brasil Colnia e Imprio. Completada essa etapa, transportou - se o jovem estudante contando , mais ou menos, 15 anos de idade para a cidade do Salvador , percorrendo na viagem , no lombo do animal, nada menos que 75 lguas . De Jeremoabo a Salvador , as diferentes paisagens do serto, agreste e Recncavo Ccero vislumbrou , em noites ao sereno , fazendo fogueira para espantar os bichos; repousos cansativos nas pousadas , interminveis horas no marasmo das veredas , ao xote ou picado dos cavalos e mulas , a busca ansiosa de poos e aguadas longnquas.

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A viagem era cansativa e se tornava mais longa, 3 a 4 dias, devido a precariedade das estradas baianas na poca. Em 1856, passados dois anos em que Ccero as percorreu com freqncia, o vice-cnsul britnico James Wetherell registrou suas observaes sobre elas:
Devido grande falta de estradas e transporte, a dificuldade de comunicaes `entre o interior - capital e vice-versa' muito grande. As atuais estradas so pouco mais do que um estreito caminho para mulas e em muitos casos no se pode viajar por eles sem a ajuda de um guia. A nica maneira de transportar mercadorias recorrendo ao uso de mulas e cavalos . As mesmas so preparadas em pequenos pacotes que so pendurados em cada lado do animal, e sujeitos naturalmente aos numerosos acidentes decorrentes desse perigosos modo de conduo . Em muitos casos as mercadorias devem ser mandadas para o interior por caminho apertados , e muitas vezes , chegava-se a andar centenas de milhas a mais do que seria necessrio se existissem boas estradas diretas , ou mesmo qualquer espcie de estradas ! A grande extenso da baa e o grande nmero de pequenos rios que nela desembarcam fazem com que as comunicaes sejam fceis , como tambm fceis so as que se realizam por mar , ao longo de uma costa ditada de numerosos portos, partem para o interior, so sempre primitivos, e o preo do transporte - dos mais penosos e cansativos - sempre muito alto.42

Aps muitas lguas percorridas a paisagem ia mudando. Era o Recncavo, que no futuro seria tambm uma das moradas de Ccero, que descortinava imensas chamins fumegantes e o verde do canavial. Agora estava prximo o jovem sertanejo da grande novidade, a maior surpresa que teve em todo o percurso, a viso das guas azuis do mar. Vindo de uma terra onde a gua era escassa e considerada um lquido preciosos, grande impresso teve o estudante ao se deparar com aquela enorme quantidade de gua. Passado as primeiras impresses dedicou-se com afinco ao aprendizado, no se afligindo o jovem Ccero com a mudana de hbitos e a multiplicidade de novos ambientes freqentados. Para iniciar os estudos na Capital seu pai escolheu uma escola particular. Esses estabelecimentos de ensino particular j haviam sido autorizados a funcionar antes mesmo da formal permisso de 1881. Na poca em que Ccero comeou a estudar, salvador contava mais ou menos com 10 escola particulares: de Angelina Laura, rua Carlos Gomes, misto, admitia alunos internos e externos, sendo que meninos at 12 anos e meninas at 10 anos; de D. Perptua Pacheco, exclusivamente para meninos. Daqui em diante s de rapazes: do Hiplito Perret, do Melo Pacheco, do padre Pereira, do Magriolli, do padre Vicente, do Eusbio Vanrio, Barroquinha; do Rangel e o do padre Eutquio.43

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Entre estas, o velho coronel escolheu para o seu filho, a do padre Pereira. Seria a melhor? No sabemos. Talvez por ligaes de amizades ou por ter ele prprio estudado em instituio religiosa - o Seminrio So Dmaso. O fato que logo depois transferiu seu filho para outro colgio religioso, o So Vicente de Paula fundado em 1852. Quando Ccero se matriculou, o colgio ainda aparentava novo, tinha um ou dois anos de funcionamento e abria suas portas para todos os estudantes, funcionando com alunos externos e internos. Mais tarde este colgio, passou a ser administrado pelos padres lazaristas que a partir da s aceitavam jovens que fossem se dedicar ao sacerdcio. Primeiras letras, grego, filosofia, latim, retrica, geografia, francs, ingls e geometria; eram as disciplinas cursadas pelos estudantes do So Vicente de Paula. O coronel Joo Dantas desembolsou 35 ris pelo estudo de Ccero, pois pagava-se 4 ris por cada matrcula. Para reforar o aprendizado Ccero tomou lies particulares com o bacharel Joo Estanislau da Silva Lisboa_ Este professor, nascido em Calcut, foi o primeiro discpulo do Liceu da Bahia a ser laureado com o grau de bacharel em Letras. Em 20 de abril de 1847 ocorreu um fato que mudou a vida deste professor. Por motivos pessoais esse assassinou com um tiro de pistola a sua noiva, Jlia Fetal, tendo sido levado a julgamento, condenado no Juri e preso no mesmo ano de 1847. Com esse mestre Ccero reforou sua aprendizagem em Geografia, Histria e Ingls, pois foram essas matrias que lecionou na priso, no Forte do Barbalho. Esses estudos em Salvador incutiram-lhe o gosto pela leitura, que conservou por toda a vida, tanto que chegou a possuir anos mais tarde no sobrado do Camuciat, uns duzentos a trezentos volumes, constantes de obras sobre literatura francesa, inglesa, portuguesa e nacional, alm de livros especializados de histria natural, qumica, fisica, obras religiosas de autores catlicos, dicionrios, etc. No escritrio dele, no Camuciat, ainda podemos folhear alguns deles, como, por exemplo, as Fabulas de La Fontaine, traduzidas pelo baro de Paranapiacaba; um curso de Lngua Geral segundo Olllendorf - O Selvagem, por Couto de Magalhes; primeiras edies de romances de Jos de Alencar - O Guarani, Minas do Prata, O Tronco do Ip, etc, ainda assinadas sob a forma do pseudnimo - Snior, Os Lusadas, editado pela tipografia Universal de Laemmert, no ano de 1866 e muitos outros que se encontram enfileirados nas prateleiras das estantes de jacarand, do solar do Camuciat. Provavelmente no nterim de algumas frias escolares, no meio do ano, ou no final, Ccero foi a Jeremoabo rever a famlia e l encontrou um missionrio capuchinho, Frei Cndido, que o crismou. Os capuchinhos, ramo da ordem franciscana, criada no sculo XVI, chegaram ao Brasil nos primeiros anos do sculo XVII. De incio franceses, a partir de 1679 fo56

Diversos ngulos do escritrio do baro de Jeremoabo no solar do engenho Camucit , construido em 1894. Este recinto era onde Jeremoabo passava a maior parte do tempo escrevendo cartas, lendo e reunindo-se com polticos da re gigo . Foto do autor.

ram substitudos em decorrncia de questes polticas entre Portugal e a Frana, pelos frades italianos, que fundaram em Salvador a igreja da Piedade e um "hospcio" - hospedaria - para abrigar os frades que voltavam das misses no interior. A prefeitura dos capuchinhos da Bahia foi criada em 1712 e, alm de controlar aldeias de ndios, promovia misses itinerantes que percorriam as freguesias do interior para "preparar o povo pela penitncia, instru-los no catolicismo, encaminh-lo no catecismo, encaminha-lo pelo batismo, pela prtica da virtude e do bem, ao reino de Deus".44 Imbudo de uma mentalidade fortemente crist e missionria, frei Cndido anteps a Ccero o nome de Cornlio, pois, no permitia que numa famlia catlica houvesse homnimo do grande acusador de Catilina, que era pago. Desta maneira o jovem estudante adotou o onomstico Cornlio Ccero Dantas Martins, permanecendo com ele at colar grau de bacharel em Cincias Sociais e Jurdicas, em 1859.

1.2. FORMAO ACADMICA: PROJETO POLTICO DE UMA GERAO.

Em 1855 tinha Ccero 17 anos. Os preparatrios j estavam concludos, restava-lhe agora ir em busca do grau de bacharel. Completou a idade e j tinha sido aprovado nos exames da lngua francesa, gramtica latina, retrica, filosofia racional e moral, geometria, segundo exigia o art. 8 da carta da lei de 11 de agosto de 1827 que criou as faculdades jurdicas do Brasil : "Os estudantes, que se quiserem matricular nos cursos jurdicos, devem apresentar certides de idade, para que mostrem ter quinze anos completos, e de aprovao de lngua francesa, gramtica latina, retrica, filosofia racional e moral e geometria"45 O ano de 1855 j entrara. Era preciso apressar os preparatrios da viagem, afinal seriam 22 dias num vapor rumo ao Recife. Para acompanha-lo, como era de costume na poca, seu pai mandou o criado Paulo, por quem o ento estudante de direito e seus irmos tinham muita feio. Paulo s pde lhe fazer companhia no primeiro ano da faculdade, pois quando retornou com Ccero para Jeremoabo a fim de passar as primeiras frias da faculdade foi vitimado pela epidemia da clera. Anos mais tarde Ccero registrou em seu livro de notas:
Paulo , criado de meu pai , de grande estima nossa e que nos acompanhou quando ramos estudantes , (eu e meus irmos Baldoino e Bencio ), faleceu no Carit a 23 de janeiro de 1856, vtima de Clera Morbus.4'

O desejo dos brasileiros de terem, no pas, unidades de ensino superior vem desde os tempos da colnia. No final do sculo XVIII, os inconfidentes mineiros j davam a idia da
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criao de uma universidade. Cinco anos aps a independncia, em 1827, surgiram os dois grandes centros jurdicos do pas, um ao norte, em Olinda, logo aps transferido para o Recife, outro em So Paulo. Quando Ccero iniciou o curso superior, a faculdade tinha acabado de ser transferida para Recife. O decreto n 1836, de 28 de abril de 1854, dera novos estatutos aos cursos jurdicos constituindo-os em faculdade de Direito. Em 15 de outubro de 1854 com o encerramento das aulas em Olinda, fez-se a transferncia da faculdade. O edificio para onde se transferiu, ficava na rua do Hospcio, que depois passou a ser chamado de pardieiro. No dia 15 de maro de 1855 Ccero teve sua aula inaugural. J era diretor da faculdade, nomeado a 10 de novembro de 1854, o dr. Pedro Francisco de Paula Cavalcanti, baro e depois visconde de Camaragibe, que exerceu o cargo durante todo o perodo em que Ccero l estudou. O cotidiano do novato ou calouro, assim se chamavam os primeiranistas, era rgido. Na la cadeira pegou Direito Natural, Direito Pblico Universal e Anlise da Constituio do Imprio; na 2 cursou Direito Eclesistico. As lies eram dirias e duravam uma hora. No ltimo dia til da semana, haviam sabatinas, para recordao da matria estudada e os exames faziam-se em pontos dados aos estudantes com intervalo de 24 horas. Ccero Dantas estava no caminho de ser o primeiro bacharel da famlia. Seu irmo mais velho no foi e seu pai quando atingiu a idade de estudos, o Brasil no possua uma faculdade de direito, pois ainda era Colnia de Portugal. Os cinco anos que Ccero levou na faculdade no foram envoltos pela atmosfera carregada que marcou, por exemplo, o perodo da vida acadmica de um Nabuco de Arajo, Sinimb, Wanderley, Tibrio Moncorvo, Francisco Mariani e outros (1833-1838). Esses, alm de viverem a infncia e incio da juventude sob o calor das cinzas quentes das revolues de 1817, 1821 e 1824, conviveram com o caos revolucionrio da menoridade que se assemelhava a uma massa fervente, a procura de uma forma para cristalizar-se. O esprito desses jovens acadmicos foi influenciado pelos muitos levantes de carter local ou regional, ocorridos no perodo das regncias em conseqncias da agitao poltica que atingia quase todo o pas. Era a fase de construo do Estado, a qual o ensino de Olinda refletiu formando nos seus primeiros anos, homens com um senso de praticidade nos quais era forte o sentimento de realidade. O objetivo dos formandos de Olinda era preparar-se para exercer uma profisso, de juiz ou advogado e se filiar sob a hoste de um partido, que j a essa poca entravam em conflito. O contexto histrico poltico que Ccero entrou na faculdade foi outro. O imperador menino j tinha subido ao trono desde 1840. Sua maioridade antecipada tinha sido exigida por
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Prdio onde funcionou a Faculdade de Direito

do Recife. Nesta instituio o baro de Jeremoabo foi aluno no quinqnio 1855 a 1859. Foto do livro Histria do Brasil de Pedro Calmon.

grande parte das foras polticas do pas . Jovem demais para governar sozinho , ora buscava o apoio dos conservadores , ora dos liberais , mas conseguiu pacificar as provncias ainda revoltosas . Em 1847 deu-se a promulgao da nova lei eleitoral e a criao do cargo de primeiroministro . Essas medidas contriburam para que se estabelecesse um certo equilbrio entre liberais e conservadores, iniciando-se uma alternncia no exerccio do poder. A queda do gabinete liberal em 1847 presidido por Manuel Alves Branco, 2 visconde da Caravelas, d inicio a uma nova situao conservadora que durou 14 anos . Essa fase ficou marcada pela conciliao , perodo em que os dois partidos principais , conservador e liberal, se entenderam no Parlamento , reservando - se no Poder sob o comando do marqus de Paran. De 1853 a 1856 , o Ministrio da Conciliao , como ficou conhecido procurou no alimentar antigas rixas partidrias , procurando dispersar vozes mais exaltadas. O contexto poltico mais ameno do decnio 1849-1859 , no qual o regime monrquico estava se consolidando , contribuiu para o surgimento de idealistas. Os moos acadmicos se afastaram um pouco da poltica , para se dedicarem a literatura , chegando at aos exageros poticos do romantismo sentimental . Mas nem s do gosto pela atividade literria viveu a turma de Ccero Dantas . A sua classe , que inaugurou o curso de direito em Recife , deu incio a uma nova fase . Em contraposio aos ensaios fracos de Olinda , apareceu a teoria e Poltica do Processo Civil, de Paula Batista , que foi uma inovao para o estudo do direito na poca, ressaltando , porm, que as concepes jurdicas mais crticas s iam surgir na dcada 60 e 70 sob a influncia de Tobias Bareto. A turma de Ccero , lvaro Barbalho , Aristides Lobo , Pedro de Calasans , Franklin Drea, Francisco Manuel Paraizo Cavalcante, Jos Pires de Carvalho e Albuquerque, Antnio Ferreira Velso e outros j cursaram um Direito Natural no mais to vinculado ao Teologismo. O Direito j estava a essa poca a caminho de ser defendido como uma inveno do homem, que se aperfeioava com o desenvolvimento da civilizao, ao contrrio do que imaginavam os pensadores do Direito Natural , que apresentava- o, na sua essncia como uma inspirao divina. Em 1856 passou Ccero a ser chamado futrica . 47Os trotes dos veteranos de que eram alvo os primeiranistas , em algumas ocasies , conduziam a confuses e agresses, mas na maioria das vezes no passava de brincadeiras e pilhrias entre os estudantes. O terceiro e quarto ano da faculdade correram , tambm , sem maiores alteraes. Imerso no cotidiano universitrio , Ccero dividia seu tempo entre o preparo de lies de algum lente mais exigente , e as poucas diverses que a cidade de Recife oferecia . No primeiro caso recebia o auxlio do monsenhor Joaquim Pinto de Campos , bibliotecrio da faculdade durante
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vinte anos, e que ajudava os estudantes indicando livros para a realizao de suas tarefas. Em relao ao tempo gasto com as distraes uma das opes preferidas era o teatro, em Recife, ou em Olinda. As companhias teatrais alteravam seus espetculos entre as duas cidades, e a juventude, toda elegante, de chapus de plo ou de cartola e coletes de veludo, entusiasmavase, em aplausos, nas passagens mais envolventes dos enredos. Esses encontros comeavam cedo e entravam pela noite a dentro. Finda as apresentaes os rapazes se deparavam com as ruas vazias e buclicas de Recife. Restava-lhes poucas opes: fazer serestas, ao som do violo, ou jogar `dourada' com colegas de Repblicas. No passou Ccero os cincos anos de faculdade sem envolver-se em um enlance amoroso. Da caixinha de metal que prendia a fita encarnada do seu diploma, constava uma inscrio ilegvel. "Nessa inscrio figuravam as iniciais de certa donzela patrcia, de distinta famlia da Capital, a quem o jovem jurista amara, chegando, dizem, ao noivado, depois desfeito ',.48 Fazendo seus exerccios escolares, as lies, sabatinas e dissertaes; ocupando-se com a leitura de revistas, jornais de efmera durao, livros de versos, chegou Ccero ao quinto ano. A 16 de dezembro de 1859, com mais 80 colegas, dos quais 13 baianos formavase Ccero. Recebeu o novo bacharel o diploma das mos do diretor da Faculdade baro de Camaragibe e do presidente da solenidade dr. Pedro Autran da Mata e Albuquerque. Na j citada caixinha de metal onde encontrou-se dedicatria a uma pretendente, encontrou-se homenagens prestadas a sua me , gratido a seu pai, afeto a seus manos , estima aos seus amigos e parentes e uma afeio especial a seu colega e amigo J. D. R. P, que supem-se ser Jorge Dornelas Ribeiro Pessoa.49 Anos mais tarde Ccero recordava alguns de seus colegas no seu livro de notas:
O dr. Raimundo Ablio Pereira Franco , filho do Maranho, condiscpulo e amigo, bacharelou-se em 1859 com 22 ou 23 anos e faleceu em 20 de maro de 1892... Dr Cordolino Barbosa Cordeiro, meu amigo, colega e companheiro, nasceu a 7 de fevereiro de 1831 e faleceu em Baturit em 25 de junho de 1882.50

1.3. VIDA PBLICA NO IMPRIO: O COMEO DE UMA VOCAO.

Finalmente o retorno definitivo para a terra natal. Os 2 dias passados no vapor que na primeira viagem a Recife passaram lentos e montonos, impregnados de saudades e insegurana, desta vez no foram sequer contados, devido a ansiedade da volta definitiva.

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O serto estava em festa , afinal um filho da terra `doutor ' no era muito comum naquelas longnquas paragens . Contando 21 anos de idade , Ccero comeou ampliar seus horizontes . O poder poltico e o prestgio social de sua famlia no se resumia a Itapicur e Jeremoabo , muito pelo contrrio , estava enraizado e difundido por quase todas as capelas , freguesias e vilas do serto da Bahia. De modo muito particular o recm formando Ccero simpatizava pelas terras em que a 8 de julho de 1812 , o missionrio capuchinho frei Apolnio de Todi fez erguer uma capela em homenagem a Nossa Senhora do Bom Conselho e em 1817 se tornou freguesia, sendo desmembrada da parquia de So Joo Batista do Jeremoabo do serto de Cima e parte da de Nossa Senhora de Nazar do Itapicur de Cima. A ligao de Ccero com essa terra tinha sua razo de ser . Era atvica. Seu av, o capito-mor Joo Dantas dos imperiais, j havia l penetrado desde os princpios do sculo XIX, pois o ltimo tombamento de terras patrimoniais da Casa da Torre, feito em 21 de outubro de 1815, por Antnio Joaquim Pires de Carvalho e Albuquerque Cavalcanti de vila Pires, j mencionava o nome de Joo Dantas , com as respectivas fazendas, entre os arrendatrios da famlia D'vila: "Quizaba a Francisco Ribeiro Pessoa , Manhenga a Jos Cardoso de Figueredo, Estrelo a Incio Teles de Carvalho, Tanque de traz a Joo Dantas dos Imperiais , Boqueiro a Marcelino de Almeida Soares , Folheira a Antnio da Costa, Tanque Novo a Manuel Nunes do Nascimento, Trindade a Marcelino Soares..."51 Antes de 1832 , o capito -mor Joo Dantas estreitou ainda mais a ligao de sua famlia com a freguesia de Bom Conselho , comprando da j decadente Casa da Torre os terrenos que compunham a referida freguesia. Alm dessas terras, o av de Ccero , aproveitando a m administrao das terras arrendadas pelos senhores da Torre e a progressiva falta de controle deles sobre elas, foi adquirindo stios, fazendas , enfim, enormes extenses de Terras que o tornaram a si e a seus descendentes os substitutos dos Garcia d"vila no serto. O primeiro relatrio do municpio enviado em 1875 a Jos Eduardo Freire de Carvalho, ento presidente da provncia da Bahia, nos d uma idia de como era a freguesia de Bom Conselho nos anos em que Ccero passou a ter mais contato com ela , quando retornou de Recife: " A topografia da sede era acidentada com a matriz dividindo os dois bairros do Jatob e Navio. O cemitrio , a capela da santa Cruz vista a grande distncia , Casa da Cmara, dois barraces de feiras , 244 casas e edificaes.... Entre os acidentes geogrficos enumera as serras do Boqueiro , "local da primeira casa ", Baiacu e ao norte, distante oito lguas , a "Serra do Capito" que antigamente era a extrema da provncia de Sergipe " as lagoas do "Licuri", Lagoa Grande e outros menores ; o rio Real que corre da Capela dos Buracos , distante seis l63

Casa do engenho Pau Forro construda em princpios do sculo XX. A familia Dantas substituiu os Garcia d' Avila no nordeste da Bahia. Ao longo de dois sculos foram comprando fazendas e engenhos . Este era vizinho ao engenho Camuciat ( Itapicur ) e foi anexado ao mesmo por Joo da Costa Pinto Dantas , filho do baro. Atualmente propriedade de seu neto Anibal da Costa Pinto Dantas e sua esposa Carmelita Bahia Monteiro Dantas , Foto do autor, 2000.

guas , e pequenos riachos que so perenes (...) Toda a regio sofre . com as secas peridicas. No existem terras devolutas e as matas esto por se trabalhar . Os dois tanques esto em decadncia . O ensino primrio de escolas ( 7 para cada sexo ) nas duas sedes da freguesia (...) Os limites do futuro municpio : Monte Santo ao poente . Pombal , ao sul ,; Jeremoabo , ao norte; ao nascente com Riacho dos Dantas , Campos , Lagarto e Simo Dias . Distando da capital 60 lgua, 28 de estao frrea de Timb e 28 lguas de Serrinhai52 nesse ambiente , circulando entre Jeremoabo , Bom Conselho e Itapicur , que o bacharel Ccero solidifica suas primeiras amizades , algumas at transmitidas por seu pai. Em seu livro de notas registra algumas delas : "O alferes Francisco Corra de Souza , meu amigo e de meu pai , faleceu em sua fazenda Tanque Novo, em Bom Conselho , a 11 de maro de 1884. Era sogro de Aristides Borges (...) Joo Pereira de Castro , meu amigo , faleceu em sua fazenda Lagoa , a 30 de maro de 1871 e sepultou - se Bom Conselho . Casou-se com D. Valeriana Francisca de Souza Castro".53 Finalmente a poltica ; alis j nascera poltico , como o pai , o av e bisav , confirmando a assertiva de Lus da Cmara Cascudo de que "os Dantas baianos nascem polticos como os pssaros voam e os peixes nadam". 54 Vrios bacharis de sua gerao saram dos bancos da academia para ingressar nas assemblias provinciais e gerais . Ainda estudante , Ccero foi eleito suplente de deputado provincial na Bahia , pelo 10 crculo , para a legislatura 1860-1861 tomando assento em 3 de agosto do ltimo ano , na vaga do seu cunhado Fiel de Carvalho , eleito deputado geral por Sergipe , no exercendo , assim , nenhum cargo da magistratura , que funcionavam como uma espcie de estgio preparatrio para o ingresso dos bacharis na poltica : de promotor a juiz, destes a deputados e da por diante. Entrou Ccero na poltica no final de uma poca em que a historiografia brasileira classifica como a do "Tempo Saquarema", 55ou seja , um tempo em que no s foi marcado pela predominncia temporal de gabinetes conservadores no poder ( 18 anos ), em relao aos liberais ( 5 anos): mais como um perodo em que ideologicamente falando , o projeto de construo e consolidao do prprio Estado Imperial era conservador , no sentido da manuteno interna dos privilgios coloniais e construo de uma classe senhorial que o representasse. A partir do gabinete de maro de 1843 at o de maro de 1861 , que teve como presidente do conselho Lus Alves de Lima (Duque de Caixas), a fora o perodo de 1844 a 1848, que tivemos alguns gabinetes liberais , observarmos uma fase de total predomnio conservador, ou usando a terminologia difundida por alguns historiadores "um tempo saquarema".

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Um tempo saquarema que segundo a anlise de Ilmar Mattos provm de um "sentimento aristocrtico - sntese da viso da poltica e da sociedade prevalecente da poca - expressava um fundo histrico forjado pela colonizao, que as foras predominantes na condio do processo de emancipao poltica no objetivavam alterar: o carter colonial e escravista dessa sociedade" 56 Na verdade, no havia diferenas profundas entre os dois partidos, pois ambos eram igualmente conservadores e estavam unidos contra a participao do povo nas decises polticas. Liberal ou conservador, no importava, a aristocracia rural era a favor de uma poltica antidemocrtica e antipopular. O pai de Ccero, Joo Dantas, seus tios Jos, Incio e Maurcio, envolvidos pelo projeto Saquarema de construo e manuteno da ordem e do status quo, mantiveram-se unidos por algum tempo com o propsito poltico de freiar a ao das rebelies de cunho liberal e de manter a hierarquizao scio-poltica e econmico na pirmide social, ou seja, de um lado senhores do outro escravos. A poltica de conciliao adotada no gabinete do marqus de Paran, que perdurou at 1857, deu margem a que os irmos Dantas se mantivessem unidos, mas no at o final do perodo. Honrio Hermeto Carneiro Leo (marqus de Paran), mesmo com as diversas oposies lei, ao tornar o projeto "questo ministerial", deixou claro que intencionava realizar uma mudana na orientao poltica. Por sua vez, a oposio colocava que do momento da vigncia da lei em diante, a poltica provincial e nacional seria ministrada a nvel de vilas e cidades do interior, afastando os polticos de projeo nacional para serem substitudos por jovens recm-formados nas academias de So Paulo e Recife, sob o comando de chefes polticos locais ligados a eles por laos de sangue. A essa oposio aguerrida, o marqus respondia que o novo sistema eleitoral por crculo almejava a realidade poltica do pas, formando uma deputao autntica, onde s seriam escolhidos os que tivessem prestgio legtimo. A aprovao dessa lei causou um dos debates mais movimentados da legislatura. Os lderes da oposio acusaram Paran de fomentar uma poltica de clientela proporcionando o aumento da autoridade dos potentados locais. Para Ccero, estreante na poltica, eleger-se neste momento precisou mais do que nunca do apoio dos chefes locais (o comandante superior, o coronel, o juiz), de sua zona, que eram seu pai e seus tios. O coronel Joo Dantas, seu pai, dirigindo a poltica de Jeremoabo; o

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coronel Jos Dantas, seu tio, dirigindo a poltica de Itapicur e seu tio afim, o coronel Maurcio Jos de Souza, chefiando a poltica de Inhambupe. Mas no s Ccero fora estimulado pela nova lei a entrar na poltica. Seus irmos e primos carnais, quase todos da mesma idade, com a mesma formao acadmica, chegavam com toda a fora, cheios de ambio e coragem. Eram eles: cel. Joo Gualberto Dantas, dr. Manuel Pinto de Souza Dantas, dr. Joo Reis de Souza Dantas, cel. Maurcio Jos de Souza Dantas, cel. Joo Dantas Porttil, cel. Jos Incio Dantas de Brito, cel. Joo Dantas Martins dos Reis, dr. Bencio Dantas Martins e dr. Fiel de Carvalho, este cunhado e primo dos trs ltimos. Era a emancipao dos chefes locais com o poder provincial se interiorizando. Apesar de desavindos, por disputas locais, os velhos Dantas a princpio no se hostilizaram, permanecendo todos saquaremas: Jos Dantas dirigindo Itapicur e Joo Dantas, Jeremoabo. Na eleio para deputado provincial da 10a legislatura (1854-1855) no era Ccero ainda candidato; tanto Joo Dantas sufragou com votaes iguais nos colgios em que tinha influncia a seu genro Fiel, como a seus sobrinhos Manuel e Joo Dantas. Igual procedimento teve Jos Dantas quanto aos colgios sob a sua orientao, e assim tambm, os parentes de Inhambupe. Porm a entrada efetiva na poltica do recm formado Ccero, disputando uma vaga na Assemblia provincial j se d em uma poca em que sua famlia encontrava-se cindida. Era o efeito da Lei dos Crculos que entrava em vigor desde 1855. Era a lei, pela qual muito lutara o marqus de Paran e como previra So Loureno e ressalta o historiador Wanderley Pinho de efeitos desastrosos no ambiente da poltica local, porque cada chefe local, do mais nfimo crculo, se achava no direito de apresentar um candidato. Quando em 1859, Ccero comeou a cabalar votos, com a ajuda de seu pai, para sua candidatura a uma vaga na assemblia provincial, no achou apoio total de sua famlia. Desde as ltimas eleies para a deputao provincial (1856-1857) ela j havia se desentendido na escolha dos nomes para representar o crculo que dominava - o 10. Quanto a Inhambupe no houve dvida - o indicado foi o dr. Joo Dantas; mas em relao aos municpios de Jeremoabo e Itapicur no se chegou a um acordo: o cel. Joo Dantas apresentou reeleio seu genro Fiel; e o Cel. Jos Dantas indicou seu filho Gualberto, alm de apoiar a reeleio de Manuel Dantas. Dantas Jnior comenta essa eleio:
Cotegipe negou apoio a Fiel e trabalhou em prol de Manuel Dantas; So Loureno, por sua vez, amparou decididamente a candidatura de Fiel. Correu a eleio e, afinal, saram vitoriosos os trs parentes: Fiel, Gualberto e Manoel, derrotados os mais 67

Jeremoabo no sculo XIX. Vendo-se em destaque o mercado municipal em dia de feira e embaixo, a esquerda a casa que o barao de Jercmoabo herdou do sem pai, o Comendador Joo Dantas dos Reis. Foto ABJ.

candidatos . Parece que nesse pleito a maior hostilidade foi entre os candidatos Fiel e Manuel Dantas , tanto assim que no crculo de Jeremoabo o cel. Joo Dantas sufragou, com votao idntica a de Fiel, os candidatos Gualberto, Leo Velso e Joaquim de Azevedo Monteiro, 59 votos a cada, obtendo Manoel Dantas 40 sufrgios e o padre Ricardo 22.57

Estava com a razo Dantas Jnior quando disse que a disputa maior se deu entre Manuel e Fiel. Ambos no s disputaram votos nos seus crculos de influncia, como foram buscar apoio de polticos com prestgio nacional. Assim que Fiel, numa carta de 9 de junho de 1856, comunica ao baro de Cotegipe (Joo Maurcio Wanderley), sua inteno de se candidatar a deputado e ao mesmo tempo pede sua aprovao e apoio. Manuel Dantas, por estar ha mais tempo na poltica ou por ter sido mais habilidoso, j havia conquistado a simpatia de Cotegipe.
Este, por sua vez, no esconde a Fiel sua preferncia pela candidatura de Manuel e demonstra-se surpreso pelo desentendimento entre os dois "e confesso que nunca pensei que ele tivesse de lutar com V. S. pois que tanto o interesse poltico como o de sua famlia tendiam a favorecer aquela candidatura, podendo ambos ser contemplado. Eu aconselharia que se entendessem e viessem a um acordo para evitarem uma ciso entre seus amigos e parentes, ciso cujos resultados so fceis de prever. Na minha opinio a careira que segue o Sr. seu primo e as suas habilitaes do-lhe algum direito (seja dito sem a menor ofensa das belas qualidades de V. S.) a pretender um lugar na deputao. Aos interesses do partido cedeu ele de suas pretenses na eleio passada, e eu faltaria a um dever de lealdade se me recusasse a ajud-lo como ento prometi. Sei que pouco poderei conseguir, mas esse mesmo pouco foilhe adquirido de muito tempo. O que assevero a V. S. que a minha muito fraca interveno ser de um particular e no governo e em resultado penso que V. S. nada perde. No entanto sinto-me acanhado e quisera que uma conciliao entre V. S. me tirasse de tais embaraos, com o que V. S. me faria grande favor, penhorando assim a minha gratido"."

Manuel Dantas cultivou a preferncia de Cotegipe por seu nome atravs de cartas. Diz Wanderley Pinho que eram duas por semana, expressando sua gratido, sua admirao e ao mesmo tempo aproveitando para fazer pedidos de votos, nomeaes, etc. No esquecendo, tambm, de fazer uma imagem negativa de seus parentes, acusando-os e escusando-se de qualquer responsabilidade na ciso e diviso de votos nos crculos de influncia da famlia. Numa carta de 18 de junho de 1856 refere-se aliana entre Fiel e Leo Veloso, entre o pai deste e o sogro daquele, para ficarem donos do crculo por "interesse de cozinha". Acrescentava, "a lei dos crculos que foi feita sob as melhores idias adotadas nos sistemas por eles

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encarada como um negcio, um arranjo, no devendo predominar consideraes do bem pblico...59 Essa postura de Manuel Dantas revela a sua recusa de uma conciliao, proposta como j vimos por Cotegipe, e ela a origem das desavenas entre ele e Ccero durante todo o perodo monrquico. Voltando aos primeiros passos de Ccero na poltica, podemos observar que ele ingressou enfrentando uma prova de fogo. Disputou, logo de incio, junto a seu cunhado Fiel de Carvalho, com trs candidatos: Gualberto Dantas (seu primo), padre Ricardo Borges e cel. Bento Alvino de Carvalho Alves. Venceram Gualberto, Ricardo e Fiel, ficando Ccero como 1 suplente e assumindo posteriormente. No interregno entre a primeira eleio disputada por Ccero em 1859 e a segunda, em 1861, j para a cmara geral, algumas mudanas ocorreram. O tempo da hegemonia saquarema estava chegando ao fim. A poltica do gabinete Ferraz (1859-1861), lutando para manter unido o partido conservador, s contribuiu na verdade para dar foras aos liberais que estavam afastados da presidncia do conselho desde 1848. Gradativamente eles foram conseguindo apoio dos grandes centros urbanos da poca - Rio de Janeiro, So Paulo e Ouro Preto - que defendiam uma poltica econmica mais aberta. Era a contradio do prprio mundo saquarema, querendo preservar uma estrutura colonial e senhorial, dentro de uma ordem mundial mais progressiva e liberal. As eleies de 1861 elegeram grandes representantes `luzias', como Tefilo Otni, membro do grupo dos liberais histricos do perodo regencial e da rebelio armada ocorrida em Minas Gerais, em 1842; juntamente com Francisco Otaviano e Saldanha Marinho. Esta grande vitria nas urnas, influenciada por idias de liberdade econmica, possibilitou o afastamento dos conservadores radicais e a ascenso dos moderados radicais que se uniram aos antigos liberais, almejando os primeiros, apenas, reformas parciais e os segundos procurando evitar as possveis revolues. nessa reordenao conservadora que surge um grupo que se autodefine progressista, fundando uma liga com a juno dos nomes - Liga Progressista. Diante dessa reestruturao poltica, os Dantas que apesar de todas as rixas despertadas pela Lei do Crculos ainda estavam no mesmo partido, rompem oficialmente, se dividindo em agremiaes opostas. O cel. Jos Dantas, seu filho Gualberto, seu genro e sobrinho Dr. Joo Dantas e seus sobrinhos Manuel e Maurcio Dantas acompanharam lderes nacionais como Nabuco, Zacarias, Olinda e Saraiva que tinham se afastado do partido conservador e se aliado a chamada "Liga ou Partido Progressista", tornando-se dessa maneira Luzias e o cel.
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Joo Dantas, seus filhos Joo, Ccero e Bencio, seu genro Fiel e seus sobrinhos Jos Incio e Porttil, permaneceram saquaremas. Neste clima de reordenao de foras, onde comeou a pairar o esprito liberal entre as instituies imperiais que Ccero no foi reconhecido para uma cadeira na Cmara dos deputados gerais em 1861. Nessa ocasio, o baro de So Loureo, que j conhecia os membros da famlia Dantas por ter estado na zona de sua influncia, como chefe interino de polcia, para fazer um processo pelo assassinato de um juiz municipal local, tentou, sem resultado, uma harmonia poltica no distrito, propondo uma chapa que contentasse as duas faces opostas da famlia, incluindo um nome de fora, que seria Saraiva. Este passaria compor a chapa com Manuel Dantas e Ccero Dantas. So Loureno, em uma sesso do senado, relembrou a Saraiva essa eleio de 1861, jogando a culpa de uma no conciliao ao lado j liberal dos Dantas:
Parece que as desinteligncias que apenas se percebia entre os dois irmos se transmitiram exageradamente as famlias quando o domnio poltico passou para a liderana de seu sobrinho e dos parentes prximos deste ; o sr. coronel Joo Dantas sofreu as maiores perseguies . Este amigo quis reconcilia-los; comuniquei -me com o sr. Manuel Dantas que me disse desejava essa reconciliao, naturalmente porque conhecia a influncia de seu tio . Eu reduzido ao estado de particular e no retiro propuz o seguinte arranjo - dar a cada uma das famlias seu candidato a deputao; o sr. Manuel Dantas por uma, o sr. dr. Ccero, filho do coronel Joo Dantas por outra; ficando o terceiro lugar para o nobre senador a quem respondo (...) Escrevi ao sr. Jos Dantas neste sentido , mas ele respondeu que no aceitava o arranjo ; que no transigia por interesse seu particular , que tinha sua conscincia , e esta no permitia que ele transigisse . Assim ficou inteiramente frustrado meu pensamento de uma reconciliao.. 60

Mas adiante d a entender que houve fraude na primeira eleio que Ccero disputou para deputao geral "tudo quanto foi aparecendo depois da nova situao foi fabricado expressamente. No havia diplomas de eleitos, atas, juramentos, posses, nada disto; eu vi algum destes livros falsificados posteriormente".61 As fraudes, falsificaes e a criao de eleitores fantasmas foram prticas comuns em todo o perodo monrquico. No eram prerrogativas exclusivas deste ou aquele partido, pelo contrrio, era comum aos dois, dependendo somente da fora poltica que cada um estava exercendo. O partido conservador, em 1861, comeou a perder foras. Foi neste momento que Antnio Rocha Viana escreveu de Monte Santo ao coronel Joo Dantas informando que seu filho Ccero teve apenas 7 votos nesta vila o que, na opinio dele, dava margens a desconfian71

a, pois "fizero sem nenhum cabimento uma duplicata no Bom conselho e tenho receio bem fundados de que ser ela aprovada..."62 Os anos 60 foram dificeis para Ccero, afinal de contas teve que suportar um rosrio de gabinetes liberais. De Zacarias a Olinda, passando por Francisco Furtado, at voltar novamente Zacarias, mantiveram-se os Luzias. Mesmo sem condies, Ccero resolveu enfrentar o embate e em 1863 entra na luta por uma vaga para deputado geral, a 12a legislatura (1864-1866), pelo 4 distrito. Como era de se esperar perdeu a eleio para seu primo Manuel Pinto de Souza Dantas, que foi eleito juntamente com Jos Antnio Saraiva e Joo Ferreira de Moura. Consciente da fora poltica do adversrio, mas revoltado com a situao escreveu ao baro de Cotegipe, a 2 de setembro de 1863, da Fazenda Carit, de propriedade de seu pai, contando em detalhes como se deu a eleio em Bom Conselho:
Carit, 2 de setembro de 1863.
(...) No Bom Conselho para evitar derramamento de sangue (que era infalvel) aceitei uma concordata que me foi proposta pelo sr . dr. Joo Dantas dos Reis que se achava presente (tenho acompanhado os 20 soldados de linha que da ordem do governo vinho manter a desordem e a anarquia ) dividindo -se os eleitores , 27 para cada lado e 30 suplentes nossos e 24 deles . Pensei que todo trabalho seria baldado na depurao , se chegasse a fazer - se a eleio , o que eu duvidava, alm disto receei que algum dos juzes de paz se deixasse levar pelos meios e desacertos que ele empregava cinco dias antes da eleio . Se o meu proceder no agradar - pacincia e pretendo pela imprensa justificarme. Em Jeremoabo e Curral dos Bois houve igualmente oposio , em Capim Grosso fizero uma concordata miservel ficando ns com 10 votos e eles com 16, em todos os outros pontos de que temos notcia os conservadores no entraro se quer nas matrizes ou freguesias !! Tanto despotismo nunca se viu e uma vitria desta ingloriosa para o lado vencedor...63

Sem conseguir se eleger durante sete anos, por estar seu partido fora do poder, Ccero preencheu seu cotidiano ajudando a seu pai na poltica de Bom Conselho e Jeremoabo, com os afazeres de filho de fazendeiro e com algumas poucas viagens a Salvador, como diz em carta de 1 de setembro de 1865 a seu amigo de faculdade Jos Gonalves da Silva: "amanh parto para a capital, aonde no vou ha 2 anos".64 Provavelmente em uma dessa viagens, a Salvador, ou de passagem pelo Recncavo conheceu Mariana da Costa Pinto. Esta descendia de uma grande famlia da regio que l chegou no final do sculo XVIII representada por Antnio da Costa Pinto65 (seu av paterno), o fundador, que era originrio da provncia d'Entre-Douro e Minho e como muitos patrcios,
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Engenho Regalo . Vendo-se ao fundo, a casa principal da propriedade. Este engenho localizava - se em Santo Amaro, no recncavo baiano. Pertenceu a Antnio da Costa Pinto Jnior, conde de Sergimirim. Em 04.11.1865 o baro de Jeremoabo casou-se com Mariana da Costa Pinto, filha do referido conde, recebendo a propriedade como dote de casamento . Foto ABJ.

chegou a Bahia para fazer comrcio e depois se estabeleceu como proprietrio rural. Em 1799, j possua vrias propriedades em Santo Amaro, Cachoeira e gua Fria. No sabemos como Ccero (morando no serto da Bahia), apesar de rico e filho de senhor de engenho, entrou na fechada casta dos senhores de engenho do Recncavo. Venceu duas barreiras: conseguiu casar-se com uma filha de um proprietrio de terras sem possuir outras, na mesma regio, para anex-las as da noiva, j que a estratgia matrimonial era a de conservar e aumentar os bens que possuam; penetrou em uma famlia que entre os 26 casamentos realizados, 12 foram endogamos atingindo a percentagem de 46,2% dos integrantes da famlia; alm do mais dobrou um sogro que j havia selado vrios casamentos entre seus filhos e sobrinhas. Um exemplo desses casamentos est na carta que Antnio da Costa Pinto Jnior (futuro conde de Sergimirim e sogro de Ccero) escreveu ao baro de Cotegipe:
(...) tendo tomado conta da tutela de minha sobrinha, filha do finado Jos Ferreira, e estando ela maior de doze anos, resolvi casa-la com o meu Totnio; e quero ver se fao isto quanto antes. Procuro sua aprovao.`

Realizou-se a unio a 4 de novembro de 1865 no Engenho Regalo, que passou a ser propriedade do casal como dote de casamento67. A partir da Ccero deixou de ser apenas um sertanejo para passar a habitar, tambm, o mundo do Recncavo aucareiro. O casamento com uma moa rica, somando a fortuna dela com a sua, deu segurana e tranqilidade a Ccero, porm no o afastou da poltica. Em um perodo de 30 anos, 1859 a 1889, fase da vida pblica do baro no imprio, Ccero Dantas Martins procurou pautar sua conduta poltica de acordo com os princpios e valores conservadores. Esteve portanto, no decorrer de sua trajetria de: parlamentar, senhor de engenho e grande proprietrio de terras, em sintonia com o grande projeto da classe senhorial, em outras palavras permaneceu em sintonia com o poder. No 2 captulo analisaremos a sua trajetria enfocada dentro desse prisma.

NOTAS

1. DANTAS Jr, Joo da Costa Pinto . O Capito-mor Joo d ' Antas e sua descendncia. Separata do vol . XV da Revista IGHBA, p.8.

2. Ibid. 3. Ibid.

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4. CALMON, Pedro. Histria da Casa da Torre: uma dinastia de pioneiros. Salvador: Fundao Cultural da Bahia, 3a ed., 1983, p. 121. 5. CALMON. Op. Cit. p. 123. 6. Certido de compra do stio Camuciat, assinada por Baltazar dos Reis Porto, em 15/10/1754. 7. FERLINI, Vera Lcia Amaral. Terra, Trabalho e Poder. So Paulo: Brasiliense, 1988, p. 103. 8. DANTAS Jr. Op. Cit. p. 10. 9. Incio dos Reis Leite. Alvar de 12 de julho de 1749, 1 lgua de largo e 3 de comprido. Na vila de Itapicur de Cima no serto do Tijuco, que corre rio do Peixe por ele acima, buscando o sul meia lgua de cada lado do rio do Peixe de largura e 3 de comprimento pelo dito rio acima comeando do rio do Peixe onde acabar as terras que foram do sogro e av do concessionrio Francisco Gonalves Leite, chamado o Poo Grande correndo pelo dito rio do peixe acima as 3 serra chamadas Trs Irmos e para o norte e poente. Com todas as guas. De no olhar as terras sem aproveit-las no se tornou posse em 22 de fevereiro de 1752. Felisbelo FREIRE. Histria Territorial do Brasil. Ed. Fac-similar. Salvador, Secretaria de Cultura e turismo; Instituto Geogrfico e Histrico da Bahia, 1998. p. 124. 10. SENA, Consuelo Pond de. Introduo ao estudo de uma comunidade do agreste baiano. Salvador: Fundao Cultural do Estado da Bahia, 1979, p. 99. 11. TAVARES, Lus Henrique Dias. Histria da Bahia, p. 64-65; FLEIUSS, Max, Histria administrativa do Brasil; LEAL, Victor Nunes, Coronelismo, enxada e voto. 12. VILHENA, Lus dos Santos. A Bahia no sculo XVIII. Salvador: Itapu, vol. 2, 1969, p. 344. 13. Governo do Estado da Bahia. Secretaria do Planejamento, Cincia e tecnologia. Fundao d Pesquisas - CPE. A insero da Bahia na Evoluo Nacional. la Etapa: 1850 - 1889. Atividades Produtivas. V. 2. Salvador, 1978, p.61.

14. DANTAS Jr. Op. cit. p. 2. 15. Ibid.

16. VILHENA. Op. cit. p. 297-329. 17. BITTENCOURT, Anna Ribeiro de Ges. Longos seres do Campo. O Major Pedro Ribeiro; Organizao e notas Maria Clara Mariani Bittencourt. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1992, pp. 248-249, v. 1. 18. BITTENCOURT. Op. cit. p. 96. 19. MATTOSO, Ktia M. de Queirs. Bahia, Sculo XIX. Uma provncia no Imprio. Rio de
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Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1992, p. 224.

20. MORTON, F. W. O. The conservative Revolution of Independence: Economy, Society and Politics in Bahia, 1790-1840. Oxford University, 1974 (tese de doutoramento no publicada). 21. EDELWEISS, Frederico. "A antroponmia patritica da Independncia". Revista do IGHB, n 86, p. 137-158, 1976/77. 22. DANTAS JR. Op. cit. p. 182. 23. Ibid. p. 183. 24. Auto de testamento de Joo d'Antas dos Imperiais, 1833. Arquivo do Estado da Bahia, doc. N 1, mao 1.101/Itapicur. 33 fls.

25. Ibid. 26. Ibid. 27. Ibid. 28. Ibid.

29. DANTAS Jr. Op. cit. p. 3. 30. Auto de Testamento de Joo d'Antas...Op. cit. 31. VILHENA, Lus. Op. Cit. v 1. P. 274. 32. DANTAS JR, Joo da Costa Pinto. O Baro de Jeremaobo (Dr. Ccero Dantas Martins)1838-1938. Bahia: Imprensa Oficial do Estado, 1939. 33. DANTAS JR. O cap-mr..., Op. Cit. p. 185. 34. CMARA DOS DEPUTADOS. Discursos Parlamentares. Jos Antnio Saraiva. Braslia,1978, p. 398-401. 35. BRASIL BANDECCHI, " O Municpio no Brasil e sua Formao Poltica", Revista de Histria, n 93, p. 136-138. 36. FREIRE, Felisbelo. Op. Cit. p. 288. 37. FONTES, Arivaldo Siveira. Figuras e Fatos de Sergipe. Porto Alegre: Senai de Artes Grficas, 1992, p. 129-138. 38. LOURENO, Joo. Depoimento a lvaro Pinto Dantas de Carvalho em 1968. 39. OLIVEIRA, Francisco Jos de. PALACIN, Lus Gomes. Histria da Diocese de Paulo Afonso. Sesi, 1987, s/p. 40. OLIVEIRA, Francisco. Op. Cit. s/p. 41. JEREMOABO, baro de. Livro de Notas. 1895. 42. WETHERELL, James. Brasil, Apontamentos sobre a Bahia, 1842-1857. Apres. E Trad. Miguel P. do Rio Branco. Salvador: Edio do Banco da Bahia. S. A, s/d. p. 108-109.
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43. QUERINO, Manuel. A Bahia de Outrora. Prefcio e notas de Frederico Edelweiss. Salvador: Progresso, 1955. P. 108. 44. PIRES, Padre Heliodoro. Temas da Histria Eclesistica do Brasil. So Paulo: So Paulo Editora, 1946, p. 185-190. 45. BEV LAQUA, Clvis. Op. Cit. p. 81. 46. JEREMOABO. Op. Cit. s/p. 47. Era como apelidavam-se os estudantes do segundo ano da Faculdade de Direito. BEVILAQUA, Clvis. Op. cit. p. 269. 48. DANTAS, Jr. O Baro de Jeremaobo... Op. cit, p. 5. 49. Ibid. 50. JEREMOABO. Op. Cit. s/p. 51. Anais do Arquivo Pblico, Borges de Barros, vol. XI, fis 75/78. 52. GALVO, Renato. Bom Conselho dos Montes do Boqueiro - Ccero Dantas; na Revista Panorama, 1984, p. 43-44. 53. JEREMOABO. Op. cit. s/p. 54 CASCUDO, Lus da Cmara. O Baro de Jeremaobo. A Tarde. 1 de agosto de1939. 55. Para uma apreciao mais crtica da poltica partidria no imprio, v o excelente trabalho de Ilmar Rohloff de Mattos - O Tempo Saquarema - So Paulo, 1987. 56. MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema. So Paulo: Hucitec; Braslia: INL, 1987, p. 114. 57. DANTAS, Jr. O Baro de Jeremaobo... Op. cit. p. 7 58. Carta de Wanderley a Fiel, 14 de junho de 1856, in PINHO, Wanderley. Cotegipe e seu tempo. Primeira fase. 1815-1867. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1937. p. 563. 59. PINHO, Wanderley. Op. Cit. p. 567. 60. Jornal da Bahia, s/d.

61. Ibid.
62. Carta escrita por Antnio da Rocha Viana a Joo Dantas dos Reis a 30 de janeiro de 1861.

63. Carta de Ccero Dantas Martins ao baro de Cotegipe; Carit, 2 de setembro de 1863.
64. Jos Gonalves da Silva foi um dos maiores amigos do baro de Jeremaobo. Nasceu em 23 de dezembro de 1838, em Mata de So Joo. Formou-se em direito pela Faculdade de So Paulo em 1862, e logo em seguida fixou-se em Vila Nova da Rainha, atual Senhor do Bonfim, tornando-se chefe poltico local. No imprio filiou-se ao partido conservador. Foi deputado
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provincial na legislatura de 1870/1871 e Geral na de 1869/1872. Nesta ltima foi eleito junto com o baro de Jeremaobo. Na Repblica governou a Bahia. Seu governo foi exercido em duas fases; a primeira, por nomeao de Deodoro da Fonseca, de 16 de novembro de 1890 a 2 de julho de 1891. Neste perodo presidiu a eleio do Congresso Constituinte do Estado e foi mantido no cargo de governador at 23 de dezembro de 1891, quando foi obrigado a renunciar por ter apoiado o golpe militar dado por Deodoro. Foi senador estadual e em agosto de 1894 fundou o Partido Republicano Constitucional, juntamente com o baro e outros polticos oposicionistas a Lus Viana. Faleceu em Vila Nova da Rainha, em 15 de agosto de 1912. 65. Antnio da Costa Pinto nasceu na Vila Nova de Famalico, arcebispado de Braga, na ento provncia de Entre Douro e Minho, Portugal e faleceu no engenho Europa, freguesia de Nossa Senhora do Bom Jardim, a 11 de junho de 1839, segundo o assento de bito aos 78 anos, sendo sepultado na capela de Nossa Senhora da Conceio de Bento Simes. Foi membro da diretoria da Real Companhia Vincola do Alto Douro, Portugal. Capito da 8a Companhia de Regimento de cavalaria Miliciana da vila de So Francisco da Barra de Sergipe do Conde, sargento da 48 Companhia dos homens pretos, agregada aos Tero das Ordenanas da vila de Cachoeira, promovido a alferes da mesma companhia. Foi o ltimo administrador do Encapelado de Bento Simes, institudo em 26 de novembro de 1726, e extinto por fora da Lei n 57, de 6 de outubro de 1835. Casou-se com Mariana Joaquina de Jesus, filha de Joaquim Jos Lopes e de Lusa Ferreira Dias de Leo. 66. Carta do Conde de Sergimirim ao Baro de Cotegipe, 24 de dezembro de 1855, in Pinho, W. Op. cit. p. 623. 67. Alm do Regalo a famlia Costa Pinto possua os seguintes engenhos: Jacu, Europa, Gameleira, Gravat, Bonsucesso, Canabrava, Oiteiro, Mato Limpo e Aramar. Todos situados nas frteis terras de massap, do distrito de Santo Amaro.

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CAPTULO - 2 EM SINTONIA COM O PODER

2.1 - CONSERVADORES E LIBERAIS: DIFERENTES ABORDAGENS

Este captulo pretende analisar mais detalhadamente a trajetria de Ccero Dantas Martins , baro de Jeremoabo , inserido no contexto histrico do perodo monrquico. O objetivo principal o de procurar perceber na atuao poltica do baro de Jeremoabo algumas caractersticas prprias de estruturas bsicas deste perodo vivido por nosso biografado : o conservadorismo na monarquia , caracterizado por alguns historiadores como um tempo prprio - Saquarema. Vrias autores tm estudado o conservadorismo e o liberalismo nos partidos do imprio, levando em conta as diferenas , as semelhanas, e a hierarquizao estabelecida entre eles no prprio desenrolar dos entraves polticos do regime. Foge ao objetivo deste trabalho analisar minuciosamente as principais obras produzidas com este intuito , mas se torna importante citar algumas delas e fazer uma rpida critica j que tratam de temas que so o pano de fundo de trajetria de nosso biografado.
Comecemos por citar duas obras bsicas , contemporneas ao perodo estudado. So elas: Direito Pblico Brasileiro e anlise da Constituio do Imprio (1857) (Jos Antnio Pimenta Bueno - marqus de So Vicente ) e Ensaio sobre o Direito Administrativo , (Paulino Jos Soares de Souza - visconde do Uruguai ). Esses so trabalhos fundamentais para a compreenso do segundo reinado , a partir de uma tica "conservadora - oligarquica" que elaborou sua doutrina com o objetivo de contrapor - se a possveis ou reais avanos liberais. Nesse sentido no foram poupados Feij , Vergueiro , Antnio Carlos , Tefilo Ottoni , Tavares Bastos, Zacarias , Nabuco de Arajo , Rui Barbosa e muitos outros.

Outro importante trabalho que entrou no debate terico , em paralelo s realidades vividas, foi o de Justiniano Jos da Rocha (Ao, Reao, Transao: Duas palavras acerca da atualidade poltica do Brasil ). Esta obra influenciou muitos outros autores que enxergaram, de uma maneira geral , o imprio como uma arena dos gabinetes liberais e conservadores, que se efetivava na predominncia de um ou outro partido em seus constantes rodzios . Consequentemente a anlise estava vinculada necessariamente a uma periodizao previamente dada, e sem o interesse de associar, nem ao menos superficialmente , tais acontecimentos s estruturas sociais , econmicas e culturais do perodo monrquico. Como alguns exemplos de traba79

lhos influenciados por essa tica temos o de Joo Ribeiro e de Oliveira Lima, sobre o baro do Rio Branco; Hlio Viana, com seu Vultos do Imprio e Vamireh Chacom, na sua Histria dos Partidos Polticos Brasileiros, datado de 1981. Cheios de acontecimentos, assemelham-se a um dirio da classe dominante repetindo constantemente a narrativa de fatos polticos, terminando , assim , por reafirmar uma cronologia tradicionalista , que contm s as conseqncias de atos do poder, reforando tambm uma simples ligao mecnica entre perodos da histria, sem levar em considerao as diferentes conjunturas que inter - relacionadas compe o todo de um fenmeno em uma poca estudada. Sem querer me alongar demais nas crticas feitas a algumas obras , vale ressaltar outra influncia que a obra de Justiniano Rocha lega a trabalhos clssicos de nossa historiografia. Como por exemplo, A Provncia, de Tavares Bastos , publicada em 1865 ; Joaquim Nabuco, Um Estadista do Imprio, j editado na Repblica (1897); e, assim , muitos outros que refazem a histria tomando como nico parmetro , biografias: Octvio Tarqunio de Souza - Histria dos Fundadores do Imprio do Brasil, Heitor Lira - A vida de D. Pedro II, Jos Antnio Soares de Souza - A vida do visconde do Uruguai (1944) e muitos outros. Deparando- se com autores que no so contemporneos aos fatos estudados e que no se deixaram influenciar pelos j anteriormente citados , observamos um vis mais analtico, sem com isso querer dizer que os anteriores foram menos lcidos ou capazes. Dentro da perspectiva que estamos enfocando, baseado no trabalho de limar Matos', a do Tempo Saquarema, que aquele que consideramos como o primeiro momento da formao poltica do baro de Jeremoabo, temos vrios trabalhos que tratam das pilastras centrais do imprio : o partido conservador e o liberal , ou melhor dizendo, utilizando uma terminologia que se originou e se generalizou na mesma poca em que surgiu; os Saquaremas e os Luzias. Os primeiros assim chamados por causa de uma disputa eleitoral ocorrida nos anos de 1845, no momento em que os liberais estavam na chefia do governo . Um padre, Jos de Ca e Almeida, sub-delegado de polcia na vila de Saquarema , provncia do Rio de Janeiro , seguindo a prtica poltica da poca, que era a de vencer as eleies de qualquer modo , ameaou a referida vila que era chefiada por lderes conservadores , Joaquim Jos Rodrigues Torres e Paulino Jos Soares de Souza. Estes conseguiram , apesar de estarem fora do poder, proteger a integridade da vila. Desta maneira os seus protegidos passaram a se chamar ` Saquaremas ', o que logo se espalhou aos demais membros e simpatizantes do partido conservador.2 Quanto aos luzias , at chegarem a ser chamados uniformemente assim passaram antes por diferentes denominaes , no perodo entre o final das regncias e a derrota do movimento
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praieiro em 1848 . Suas primeiras denominaes referiam - se aos movimentos do R. G. do Sul - Farrapos , Pernambuco - Praieiros , Minas - Santa Luzia , ou simplesmente luzias. Aps a derrota definitiva do movimento praieiro em 1848 , todos os liberais passaram a se chamar luzias. Os historiadores brasileiros que estudam o perodo monrquico esto divididos em relao a interpretao que fazem a respeito do jogo poltico engendrado pelos dois partidos do imprio na disputa pelo poder . Basicamente as discusses se desenvolvem em torno de trs questes fundamentais : a diferena entre conservadores e liberais , a semelhana que os torna praticamente dois partidos em um e o relacionamento hierarquizado que se estabeleceu entre ambos. Os autores que privilegiam as diferenas em suas anlises , buscam justifica- las em aspectos sociais , polticos e econmicos . A aqueles que acham que a diferenciao est na origem rural ( conservadores) ou urbana ( liberal), desses partidos . Entre os que adotam essa perspectiva podemos citar , Joo Camilo de Oliveira Torres - Os construtores do Imprio, Fernando de Azevedo - Os canaviais e engenhos na vida poltica do Brasil e Manuel Maurcio de Albuquerque - Pequena Histria da Formao Social Brasileira. Outros, como o caso de Azevedo Amaral - O Estado Autoritrio e a Realidade Nacional, Raimundo Faoro - Os Donos do Poder. Formao do Patronato Poltico Brasileiro, e Jos Murilo de Carvalho - A Construo do Ordem. A Elite Poltica Imperial, pensam que a diferena est intrnseca a origem social de seus componentes. Os dois ltimos so trabalhos clssicos que tratam do perodo imperial , por isso vale a pena colocar um pouco mais suas posies . Em Faoro, o ponto principal de diferena entre os conservadores e liberais - "malgrado a relativa indistino ideolgica " (p. 196) - no seno a perpetuao da "antiga antinomia Metrpole-Colnia que persistia , com novos quadros, na nova antinomia Estado-Nao" (p. 196). O partido dos saquaremas refletiria , basicamente, o "estamento burocrtico , expresso da monarquia portuguesa colonizadora e civilizadora, com a preocupao de observar e cunhar interiormente a sociedade", por outro lado o partido dos Luzias refletiria o mundo colonial , por intermdio da "classe proprietria e, ocasionalmente, duas ordens guerreiras : o caudilho e o bandido" (p. 179). J Jos Murilo de Carvalho, depois de ressaltar que "os partidos imperiais , em sua liderana nacional , compunham - se de intricada combinao de grupos diversos em termos de ocupao e de origem social e provincial. No cabem a seu respeito divises e classificaes simplificadas ". (p. 177) Termina por enfatizar que o partido Saquarema estava composto de "burocratas, principalmente magistrados, e seto-

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res de proprietrios rurais , principalmente do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco, alm de comerciantes das grandes cidades : (p. 171 ); em contrapartida o partido Luzia era formado, basicamente por profissionais liberais , principalmente advogados e jornalistas, por magistrados "que se tinham tornado liberais aps filiao inicial ao Partido Conservador" (p.175) e por donos de terras, com destaque para os situados na zona sul do imprio. Aps essa breve viso geral de alguns autores que estudam os partidos monrquicos tomando como parmetro principal, suas diferenas, vlido fazer um breve resumo daqueles que seguem por um caminho oposto, ou seja, privilegiando as semelhanas entre luzias e saquaremas. Caio Prado Jnior se inspirando em Oliveira Viana afirma que "os nossos partidos do regime passado tem uma significao ideolgica muito restrita", assemelhando-se os dois pelo "esprito retrgrado". a Maria Isaura Pereira de Queiroz, no seu livro O mandonismo local na vida poltica brasileira, So Paulo, 1969, concorda com Caio Prado na questo da semelhana dos partidos, "Os Partidos Imperiais foram o manto sob o qual se escondeu a fora dos chefes locais; sua realidade como `partido poltico', no sentido de arregimentao de pessoas em torno de um programa ou de um ideal, no existiu; liberais, conservadores, as idias de seus membros no apresentavam diversidade palpvel". Nestor Duarte na sua consagrada obra A Ordem Privada e a Organizao Nacional, os luzias e saquaremas so "o pequenino corpo de governantes propriamente ditos", embalados e influenciados pelo saber cultural europeu, surgem ao mesmo tempo como porta-vozes dos anseios dos produtores rurais, dessa "reunio de famlias" que compunha a "classe poltica do imprio". No principiava a enfraquecer a essncia da estrutura monrquica "a luta que entre eles e ela se travava" por ser exclusivamente ideolgica, no campo do pensamento abstrato (...) sem fora de continuidade no campo da ao pragmtica".5 Outro autor que privilegia semelhanas entre os partidos na sua linha de anlise Vicente Lincinio Cardoso, em A margem da Histria do Brasil. 3a edio. So Paulo, 1979. Neste trabalho ele alerta para dois fatos que chama de "iluso dos partidos" e "miragem enganadora da poltica parlamentar", concluindo que se "os problemas essncias e decisivos da nacionalidade" no chegaram a um bom termo devem-se ao fato de que tanto Luzias, como Saquaremas tinham como interesse maior a escravido.

Seguindo a mesma linha de anlise dos acima citados autores, Nelson Wemeck Sodr avana um pouco dizendo que o Partido Conservador era realmente o representado por aque82

les que procuravam manter o status, mas chega a concluso que o aproxima dos demais, dizendo que, na essncia, "essa diviso partidria evidentemente frouxa e precria e corresponde a divergncias dentro da mesma classe".6 Vale ressaltar que esse breve resumo feito a respeito de historiadores que possuem uma mesma linha de interpretao em relao a anlise dos partidos polticos no imprio, no significa que eles concordem entre si nos demais aspectos de suas elaboraes. Alguns destes divergem quando tratam da estrutura social e o sistema de poder vigente na monarquia. Desta maneira, de acordo com Oliveira Viana predominava um modelo feudal de sociedade; j Caio Prado Jnior enxergava um mundo burgus; Maria Isaura Pereira de Queiroz resume todo a explicao no mandonismo, comprovando a importncia do latifndio; para Nestor Duarte a sociedade era patriarcal e Vicente Licinio enxergava na escravido a distino da sociedade. Portanto vises diferentes entre autores que possuem pontos de vista em comum.' A terceira e ltima vertente est entre aqueles que enxergam as diferenas, aceitam as semelhanas, mas sobretudo revelam uma hierarquizao existente entre ambos os partidos, mesmo conscientes de que tanto luzias como saquaremas faziam parte de um mesmo governo - a coroa imperial. Comecemos por Ilmar Matos, na sua inovadora obra O Tempo Saquarema. Neste trabalho, ele procura demonstrar que para se compreender melhor a essncia poltica do imprio, preciso enxergar alm das constantes quedas e subidas dos dois partidos da monarquia, porque, segundo ele, as demonstrao de fora dadas por este ou aquele gabinete conseguindo derrubar seu opositor, estavam subordinadas a uma fora maior, dada por uma direo que pairava sobre as disputas eleitorais. O discurso de Paulino Jos Soares de Souza na Cmara dos Deputados, segundo Ilmar, revela o predomnio que os Saquaremas tinham no mundo do governo:
que no bastava que o governo tivesse maioria nas Cmaras ; que era preciso que essa maioria fosse forte, que tivesse uma vontade decidida e firme , e uma direo proveitosa; que era indispensvel que, ao mesmo tempo que esta Cmara exercesse, segundo as condies do governo representativo , uma ao indireta mas eficaz sobre os negcios pblicos, o governo pudesse ter tambm sobre ela aquela saudvel influncia que indispensvel para que haja acordo e as coisas possam marchar'

A fala de Paulino , depois visconde do Uruguai , um dos nomes que compunha a chamada `Trindade Saquarema '9, ajuda a compreender um pouco a diferena entre estes e os luzias, e a maneira que articulavam um relacionamento diferente entre o executivo e a cmara, como
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um modo de por em prtica uma supremacia na direo dos negcios do governo, criando, assim, uma estrutura hierarquizada: em primeiro lugar saquaremas, depois os luzias, mesmo que esses em vrios momentos tivessem os mesmos interesses que aqueles. o prprio Ilmar Matos que nos aponta outra obra que segue a mesma linha de interpretao que a sua, levando em conta a existncia de uma relao hierarquizada entre os partidos. Refere-se a Paula Beiguelman, na Formao Poltica Brasileira. Mesmo, assim, cauteloso na sua indicao: "Talvez apenas Paula Beiguelman..., se aproxime da idia de uma hierarquizao entre os partidos, a que estamos fazendo referncia". Aps referir a organizao poltica do imprio ao sistema escravista nacional do sculo XIX, a autora diz que os partidos polticos imperiais eram partidos de patronagem, sublinhado a relao assimtrica entre ambos como o resultado de ao da coroa: "mantendo um deles na dianteira, e, corretamente, criando no outro uma relativa ansiedade pelo poder, de forma a emular a competio pelos seus favores". 10 Foge ao objetivo deste trabalho ir alm dessas pequenas consideraes a respeito de como nossa historiografia trata a questo dos partidos polticos do imprio, em suas diferenas, semelhanas, e hierarquizaes. Concordamos com a assertiva que existiu um tempo `Saquarema', tempo este que se caracterizava pela existncia de um interesse maior que estava presente em todos os setores do estado patriomonialista na colnia e depois em processo de burocratizao no imprio. Este interesse maior se traduz nos prprios sustentculos do regime monrquico e da classe que o representava; eram eles: a conservao da escravido, a manuteno da economia agrriaexportadora, que significava a continuidade de elite poltica que se forjou desde os tempos coloniais. Desta maneira tanto conservadores, como liberais no considerando aqui a mxima "no ha nada to parecido com um conservador como um liberal no poder", como uma explicao que se completa, tinham uma espcie de regimento interno que era dirigido pelos seus prprios interesses polticos, econmicos e sociais, que se resumiam em um nico propsito: a no alterao dos privilgios da classe senhorial do qual faziam parte e que nela unidos, apesar das diferenas, construam uma mentalidade que lhes era muito prpria.

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2.2. AO, REAO E TRANSAO

A escolha de uma personalidade, o baro de Jeremoabo, como ponto de partida para um melhor entendimento da atuao de um lder poltico com caractersticas conservadoras, no corre o risco de ser estigmatizado como um culto ao indivduo, visto que este sempre est subordinado s foras sociais em ao no seu tempo, portanto o enfoque de suas idias, ajudar a compreender como seu grupo percebia a realidade e a partir da, de acordo com seus interesses, lutavam por uma mudana ou conservao. Sem entrar no mbito das crticas feitas por muitos autores ao panfleto de Justiniano Jos da Rocha - Ao; Reao; Transao. Duas palavras acerca da atualidade poltica do Brasil, publicado em 1856, e a produo historiogrfica influenciada por ele, usamos sua periodizao apenas com o propsito de melhor situar o nosso personagem no tempo histrico em que atuou. Mas ao mesmo tempo redobrando a ateno para no nos deixar limitar pela percepo de tempo que sugere o trabalho de Justiniano, que foi produzido sob a gide de uma mentalidade evolucionista muito marcante no sculo XIX, o qual no apenas padronizava um relacionamento de implicao entre pensar e executar, nos impedindo, assim, de captar substancialmente o real movimento da sociedade. Estando alerta as possveis distores que o trabalho de Justiniano pode conduzir a um historiador menos atento, podemos comear a confrontar alguns dados fornecidos por nossas fontes, inclusive utilizando como parmetro cronolgico a terminologia utilizada no ttulo de sua obra: Ao; Reao; Transao. O perodo da ao (1822-1836) segundo J. J. da Rocha, estaria incluso em um tempo maior que a historiografia costuma classificar como o da construo do Estado que iria de 1822 at 1850. Este estaria subdivido em duas fases, a primeira que iniciaria com a independncia do pas, adentrando pela regncia; se caracterizaria de incio por lutas anti-coloniais e anti-absolutistas, depois por movimentos revolucionrios de carter federativo, abolicionistas e at com idias republicanas. Entre 1831 e 1845 foram recenseadas trinta revoltas armadas no Brasil" A segunda j est inserida no contexto da Reao ou do Regresso Conservador - que J. J. da Rocha localiza entre 1836 e 1852. Neste perodo as grandes revoltas j haviam sido debeladas, ocorreu a promulgao, em 1847, da nova lei eleitoral e a criao do cargo de primeiro-ministro, alis presidente do conselho de Ministro, responsvel pelo governo diante do
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parlamento. Com essas medidas os conservadores freiaram o mpeto liberal do perodo ps independncia e estabeleceram com a maioridade antecipada de D. Pedro II certo equilbrio entre liberais e conservadores, iniciando-se uma alternncia no exerccio do poder, que contrastava com as eleies truncadas e os movimento sediciosos do perodo anterior. Era a efetivao da reao conservadora, que vira seus interesses e privilgios constitudos, ainda, na colnia, serem ameaadas por idias de cunho federalista, estimuladas pelo desejo radical de cada vez mais apagarem a memria do julgo da metrpole. A fase da Reao ou Regresso Conservador (1836-1852) d incio a um perodo de estabilidade poltica a elite dirigente na medida em que essa, aps o trmino das rebelies regenciais, fica com mais disponibilidade para conduzir sua estratgia poltica de sobrevivncia, que se amparava na manuteno da economia agrria-exportadora, na conservao da escravido e no afastamento da participao poltica de outros setores da sociedade na representatividade eleitoral. Essa fase atingiria o auge no perodo chamado de transio que culminaria com o Gabinete do marqus de Paran - o Ministrio da Conciliao (1853-1858).

UNIDOS EM TORNO DE UM PROJETO CONSERVADOR

Ccero Dantas Martins estreou na poltica ainda muito jovem, como j foi dito no 1 captulo deste trabalho. Sofreu a influncia de seu pai, o cel. Joo Dantas, chefe poltico em Jeremoabo e seus tios Jos, Incio e Maurcio, os dois primeiros comandando a poltica de Itapicur e o ltimo a de Inhambupe. Todos eles estiveram unidos a princpio no projeto Conservador de Construo e manuteno da ordem e do Status quo. Tiveram o objetivo inicial de combater a ao das rebelies de cunho liberal e depois de manter a hierarquizao scio-poltica e econmica na pirmide social, ou seja, de um lado senhores, do outro escravos. Nos trs primeiros anos que passou na faculdade de Direito de Recife (1855-1858) sofreu tambm a influncia da poltica de conciliao adotada pelo gabinete do marqus de Paran. Este projeto de Conciliao na viso de muitos historiadores, foi marcante em um grande perodo da vida imperial, no sentido de que tanto os liberais, como os conservadores no fundo tiveram a mesma preocupao bsica: a manuteno dos privilgios da classe senhorial. Mas no podemos deixar de ressaltar a especificidade que essa fase teve no perodo que vai de 1853 at a consolidao da Liga Progressista, perodo especfico em que a conciliao interessou aos dois partidos, definindo um momento prprio da prtica parlamentar.
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Porm a entrada do baro de Jeremoabo na poltica, ainda estudante, em 1859, eleito 10 suplente de deputado provincial e sua candidatura no ano de 1861 a uma vaga de deputado geral lla legislatura, na qual no conseguiu ser eleito, j estava inserido em contexto que contradizia o esprito conciliador da poca. Essa contradio se desenvolveu no seio da prpria poltica administrativa do gabinete Paran. No campo das finanas o entendimento foi perfeito entre os partidos, pois ambos almejavam o desenvolvimento econmico da sociedade, desde que este no fosse de encontro aos interesses das elites rurais que representavam. Mas a outra bandeira do marqus de Paran, a reforma eleitoral, causou polmica e em "efeito de bola de neve" proporcionou brigas polticas por todo o imprio.

AS CONSEQNCIAS DA LEI DE CRCULOS

Deu-se a vigncia da Lei de Crculos atravs do decreto-legislativo n 842, de 19 de setembro de 1855. A partir deste momento os candidatos a uma vaga de deputado no mais representariam as provncias como um todo, mas as circunscries eleitorais dentro dela - cada crculo elegia um nico deputado. Trs anos mais tarde, passou a ser trs deputados por crculo. A partir do momento da entrada em vigor da lei em diante, a poltica provincial e nacional passou a ser ministrada a nvel de vilas e cidades do interior, sob o comando dos chefes polticos locais, muitos deles ligados entre si por laos de sangue. Essas mudanas causadas pela lei de Paran, assim tambm a chamo, porque para aprova-la chegou a tornar o projeto "questo ministerial", deram mais oportunidades aos jovens recm-formados nas academias de So Paulo e Recife, que se encontravam em suas vilas e municpios, aguardando o momento de ingressarem na vida pblica. nesse contexto que o baro iniciou-se no poltica, juntamente com seus irmos e primos carnais, mas no em clima de harmonia, pois, confirmando o receio dos oposicionistas, a lei realmente fomentou uma poltica de clientela, proporcionando o aumento da autoridade dos potentados locais. Os velhos Dantas dominavam o 100 crculo e logo se desentenderam a respeito dos nomes que iriam indicar para representar o crculo no qual tinham influncia. Cada lder apresentava seu candidato de acordo com seus interesses e atrados pelos laos de sangue que os prendiam, em uma clara demonstrao de fuso entre o pblico e o privado na vida poltica brasileira. Chefe de Jeremoabo, Joo Dantas dos Reis indicava seu filho Ccero e seu
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genro Fiel de Carvalho; Jos Dantas, chefe poltico em Itapicur indicava seu filho Gaulberto Dantas; e apoiava o nome de seu sobrinho Manuel Dantas por Inhambupe. A ciso da famlia estava concretizada.
A disputa poltica entre os Dantas que de incio se deu apenas por questes eleitorais locais, se acirraram no ano de 1861, a partir do momento em que eles comearam a se posicionar mais claramente em relao a disputa poltica do partido conservador e liberal a nvel nacional.

A CONTRADIO DE UM SISTEMA

No intervalo entre a primeira eleio disputada por Ccero em 1859 e a segunda em 1861, j para a Cmara Geral, algumas mudanas ocorreram. O perodo considerado pela historiografia brasileira como o da consolidao monrquica (1852-1870), sofreu um corte aps uma poca dita de apogeu entre 1851 a 1864, perodo em que os dois partidos principais se entenderam no Parlamento, alternando-se no poder sob a gide do marqus de Paran. Apesar de na poltica tudo ter corrido mais ou menos tranqilo nessa fase, na economia, nem tudo corria bem. As tarifas alfandegrias foram constantemente alteradas, em 1856-1857 pelo baro de Cotegipe, em 1858-1859 por Bernado do Souza Franco e em 1860 pelo baro de Uruguaiana.12 A poltica do gabinete Ferraz (1859-1861), tentando a coeso do partido conservador, s contribuiu na verdade para dar fora aos liberais que estavam afastados na presidncia do Conselho desde 1848. Gradativamente eles foram conseguindo apoio dos grandes centros urbanos da poca - Rio de Janeiro, So Paulo e Ouro Preto - que lutavam por uma poltica econmica mais aberta. Era a contradio do prprio mundo saquarema, querendo manter uma estrutura moldada nos tempos coloniais, dentro de uma ordem mundial que j se tornara mais progressista e liberal. As eleies de 1861 foram ganhas por grandes representantes `luzias', como Tefilo Otonio. Essa reviravolta terminou provocando um reordenamento das foras polticas a nvel nacional: os conservadores radicais se afastaram e ascenderam os moderados radicais que fizeram uma composio com os antigos liberais. Dessa reformulao na ordem conservadora que surge um grupo que se autodenomina progressista, fundando uma liga que passa a se chamar `Progressista'.

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Diante dessa reestruturao poltica, os Dantas que apesar de todas as desavenas provocadas pela Lei dos Crculos ainda estavam no partido Conservador , romperam oficialmente, dividindo - se em agremiaes opostas . O pai de Ccero (Joo Dantas) e seus filhos mantiveramse no seio do partido conservador e seu irmo Jos Dantas e sobrinhos seguiram Nabuco, Zacarias , Olinda e Saraiva, que tinham se afastado do partido conservador e se aliado a chamada Liga ou Partido Progressista , tornando-se dessa maneira ` luzias'.

2.3. NOTCIAS DO COTIDIANO POLTICO DE UM DEPUTADO GERAL BAIANO.

Aproveitando a subida do gabinete do visconde de Itabora, a 16 de julho de 1868, Ccero se candidata pelo 4 distrito, a uma cadeira de deputado geral para a 14a legislatura e eleito juntamente com seu grande amigo Jos Gonalves e com o magistrado Lus Antnio Pereira Franco . Seu primo liberal Joo Gualberto Dantas, acusa-o de juntamente com seu pai, o cel. Joo Dantas , ter praticado violncias e arbitrariedades para ganharem as eleies. Desde o incio do Imprio existia a mentalidade de que no havia outro modo de chegar ao poder , a no ser pela violncia. As disputas polticas tornaram-se sangrentas , e governar tinha virado sinnimo de exerccio do poder discricionrio. Para controlar o pas, o partido que se encontrasse no governo estabelecia a rotina de nomear presidentes de provncias de seu agrado e substituir autoridades judiciais e policiais de fidelidade duvidosa . Nas eleies, os chefes polticos colocavam nas ruas bandos armados ; o governo coagia eleitores e fraudava os resultados das urnas. Essa prtica poltica era realizada tanto pelo liberais como pelos conservadores, contanto que estivessem no governo . Na sesso de 6 de julho de 1869, no Senado, Jos Antnio Saraiva acusa o baro de So Loureno , o presidente da Bahia na poca , de influenciar nas eleies de 1868 , na zona de 4 distrito em favor do grupo poltico liderando pelo cel Joo Dantas, pai de Ccero . O estopim se deu no dia da eleio em Itapicur, quando o cel. Joo Dantas foi acusado de usar a fora para intimidar os eleitores do grupo liberal , liderados por seu sobrinho Joo Gualberto Dantas - 2 baro do Rio Real. Saraiva descreveu em tom apaixonado , os acontecimentos de Itapicur:
(...) o coronel Joo Dantas manda ao Itapicur uma fora recrutada em seus domnios de Jeremoabo para fazer a eleio . Esta fora chega s 8 horas do dia , cerca a igreja e no consente que na matriz entre um s de seus adversrios . O baro do Rio Real vendo a 89

igreja cercada por gente armada, e dirigida pela autoridade pblica e local, julgou prudente no comparecer com o povo votante na matriz . Se ele ousasse como comandante da Guarda Nacional ir expelir os que tinham tomado conta da igreja, seria tido como revolucionrio, e estava hoje processado na cadeia. Foi ao juiz de direito e o juiz de direito aconselhou que no pertubasse a ordem , e que evitasse conflitos , que deixasse fazer-se a eleio ali e fosse a outro lugar fazer a sua com o juiz de paz, eleitores, etc, e que feita a eleio ele levaria este fato ao conhecimento do governo e este ento providenciaria . Eis a razo por que o homem que tinha os votantes, as influncias , as mesas , os eleitores e suplentes, viu-se obrigado a fazer uma cortesia fora dos delegados e subdelegados ( ...)'3

Saraiva acusou o presidente da provncia de ter feito vistas grossas a todos esses acontecimentos e no ter dado importncia ao relatrio do juiz de direito Rocha Viana relatando os acontecimentos. Neste perodo foi Ccero tambm eleito para a Assemblia Provincial, para o perodo de 1870 a 1871. Deslanchava com toda a fora. Da data de sua eleio a deputado geral (1869) at a queda do gabinete do Caxias-Cotegipe em 1878 teve dez anos de oportunidades polticas com a subida ao poder de quatro gabinetes conservadores: visconde de Itaboara que foi o primeiro ;visconde de So Vicente, visconde do Rio Branco e o duque de Caxias. Elegeu-se deputado geral da 14" a 16a legislatura (1869-1877), todas pelo 4 distrito. Na 15a foi seu amigo e companheiro de chapa, Jos Gonalves, substitudo por Inocncio Marques de Arajo Gis Jnior e na 16a, j na vigncia da Lei do Tero ou da representao das minorias, alm de se eleger com os dois companheiros da chapa anterior, se depara com mais dois baianos na cmara Pedro Leo Veloso e seu primo Manuel Pinto de Souza Dantas. Na sua primeira legislatura como deputado geral, Ccero acompanhou o lanamento de um manifesto radical, por parte dos reformistas. Este encampava reivindicaes bastante extremadas, que atingiam a prpria essncia do regime, como a proposta da abolio do Poder Moderador, do Conselho do Estado e da vitaliciedade do Senado. No era Ccero orador. Falou pouco. Da casa na rua Sacramento, n 4 (defronte do Tesouro) para a Cmara dos Deputados, que situava-se onde est hoje o palcio Tiradentes e que nos tempos do Brasil Colnia e Imprio dividia espao com a cadeia velha, passava o novato deputado seu cotidiano. As vezes fazia pequenos passeios na rua do Ouvidor, que no dizer dele era local de polticos amadores.

Sua participao na Cmara foi mais nas comisses parlamentares do que nos debates do plenrio. Logo aps a primeira sesso preparatria de 8 de maio de 1869, que nos informa

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o nmero de votos que Ccero foi eleito e seu lugar no ranking dos deputados, observamos, a 19 de maio, ele j eleito para participar da Comisso da Agricultura, Minas e Bosques, juntamente com os deputados Jos Incio de Barros Cobra Jnior e Antnio Coelho Rodrigues. A 12 de junho de 1869 j participante de outra comisso, Ccero juntamente com seu cunhado Fiel de Carvalho e com Arajo Gis assinou a proposta que concedia em favor da Santa Casa da Misericrdia da Cidade de Santo Amaro, na provncia da Bahia, duas loterias para o aumento do patrimnio do hospcio de Pedro II. Era a estria parlamentar de Ccero a nvel nacional. Na sua primeira legislatura (18691872) presenciou a atuao de trs gabinetes :Itabora, So Vicente e Rio Branco. Ainda na sua primeira legislatura no ano de 1871, j presidente do Conselho o visconde do Rio Branco, Ccero foi escolhido com seus colegas Menezes Prado, Teixeira Jnior, Leandro Maciel, Moreira da Rocha, baro de Anajatuba e Junqueira, para receberem o Imperador no recinto parlamentar e para ouvirem ressoar a fala do trono que tinha como objeto principal o programa do Gabinete Rio Branco, a questo servil - libertao pelo Ventre Livre. No ano de 1871, apesar da questo da abolio ainda estar distante de juntar foras representativas que chegou a ter na dcada de 80, sua movimentao j agitava o governo imperial chegando ao ponto de este ter que executar algumas aes conciliatrias com o objetivo de esfriar os nimos.
Em 1872 aproximava-se o fim da 14a legislatura. Era hora de voltar a provncia para a preparao de nova disputa eleitoral. Ccero e Mariana j estavam de passagem comprada para o dia 17 de junho no vapor Olbers de Liverpool. No existia na poca estrada de ferro entre o Rio a Salvador. As primeiras ferrovias que ligavam a capital baiana ao seu interior e a outras provncias foram surgindo aos poucos: a linha da Bahia ao So Francisco (1852), a Central da Bahia(1866), a de Nazar (1877), Bahia e Minas (1879). A central da Bahia chegou a estao Machado Portela em 1888.

Aps uma viagem de 66 horas, no dia 19 de junho chega o Olbers no porto de Salvador. Ccero ficou na capital apenas o tempo de se refazer da viagem. Dormiu no palacete da rua do Bacalhau e, no dia 20 cedo partiu para o engenho Regalo, onde pouco se demorou. O objetivo do momento era chegar o quanto antes ao serto, ou falando em uma linguagem eleitoral ao 40 distritito, afinal de contas a movimentao dos eleitores j era grande. O 4 distrito era zona de influncia dos Dantas desde o incio da dcada de 60. Abrangia uma rea territorial muito grande. Ccero explicava em carta a Gonalves: "No vou a tua casa pedir-te e exigir-te este sacrificio de tua parte em pessoa porque no h tempo para tratar
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das eleies em duas comarcas extensas como as de Monte Santo e Itapicur...". Eram 13 colgios compreendendo 30 parquias com 858 eleitores e elegia 3 deputados, na forma dos decretos n 1814 de 27 de agosto de 1856 e n 2637 de 5 de setembro de 1860. Tinha Ccero dois meses para fazer sua campanha. As eleies estavam marcadas para 18 de agosto. Caso fosse eleito, a 22 ou 23 de novembro tinha que estar pronto para enfrentar sete dias de viagens em duas etapas. A primeira a cavalo, percorrendo uma distncia aproximada de 53 lguas, se sasse de Bom Concelho (O ramal do Timb, que ia de Alagoinhas a Sergipe, atravessando o agreste e passando pelo Itapicur, s foi inaugurado na dcada de 1880) e a segunda pegando o vapor no porto de Salvador, para estar na corte a 1 de dezembro dia marcado para o incio dos trabalhos legislativos. Trabalhou duro na busca de notcias da atuao de promotores, juizes municipais e de rfos distribudos nas comarcas de sua influncia. A disputa era renhida, pois apesar de estar no poder um gabinete conservador, seus primos liberais contavam com a ajuda de Manuel Dantas, que a essa altura j tinha prestgio a nvel nacional. Ccero se elegeu, mas no foi com satisfao. A chapa que se formou pelo 4 distrito no foi a de seu desejo. No lugar de seu antigo companheiro Jos Gonalves, elegeu-se Inocncio Marques de Arajo Gois Jnior. J previa essa mudana pois em tom de alerta escreveu a Gonalves, " preciso que tu faas um esforo servindo aos amigos - como eu - que de corao te estimo. A candidatura legitima como a mais legitima - e eu sem tua companhia fico deslocado !..." (Carta da Corte, de 12 de junho de 1872). A 17 de dezembro de 1872 na terceira sesso preparatria da cmara dos deputados gerais saiu oficialmente a contagem dos votos no 4 distrito da Bahia, "... nos 13 colgios eleitorais do distrito, inclusive o de Alagoinhas, que a Comisso reputa vlido, obtiveram votos para deputados gerais os seguintes cidados:
Conselheiro Lus Antnio Pereira Franco - 814; dr. Ccero Dantas Martins - 787; Dr. Inocncio Marques de Arajo Ges Jnior - 681; Dr. Manuel Teixeira Soares - 195; Jos Gonalves da Silva - 25; Joo Gabriel Gouva - 10... Finalmente que sejam reconhecidos e declarados deputados pelo 4 distrito da provncia da Bahia os srs. cons . Luiz Antnio Pereira Franco , dr. Ccero Dantas Martins e dr . Inocncio Marques de Arajo Ges. Sala das Comisses , 16 de dezembro de 1872.14

Estava confirmada a vitria de Ccero em uma eleio que pode ser considerada uma das mais dificeis de sua vida, pois marcava o incio de sua maturidade poltica j que entrou praticamente sozinho na luta pelos votos. No tivera o apoio do pai, este envelheceu, e faleceu
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a 7 de agosto , no Camuciat , s vsperas da disputa na urna "... minha aflio nesse dia era total junto ao cadver de meu prezado e sempre chorado pai que havia dado alma ao Criador no dia 7 s 9 horas da noite , que no sei como recebi teu desengano poltico!!! A perda de um pai sempre dolorosa, mas quando um pai da ordem do que perdi ; o mal irreparvel e a dor causada profundssima !" ( carta a Gonalves, Regalo 3 de setembro de 1872 ); seu irmo mais velho fixar residncia em Sergipe , seu mano Bencio morrera em 1866 e seu cunhado Fiel, passar a atuar na poltica sergipana , e morava nesta capital, em contraposio seus primos contavam com "a figura simptica e ilustre do conselheiro Dantas , prestigioso na capital e na crte , e que com seu sorriso amvel e seus abraos era capaz de catequizar o mais terrvel adversrio "; com o dr . Joo Dantas , hbil e maneiroso , e possuidor, como Ccero, de larga influncia no distrito , e com Rio Real , adversrio local de Ccero em Itapicur , onde ambos gozavam de muita influncia. Nas legislatura de 1872 a 1875 e 1876 a 1877 o jovem parlamentar participou de duas questes intrnsecas ao processo de desagregao do regime monrquico: a questo religiosa e a reforma eleitoral . Sendo a igreja catlica um importante sustentculo do trono , os deputados gerais e senadores sentiram a gravidade do problema , que transformou-se no assunto principal do Parlamento . O deputado Ccero Dantas , mesmo sem se pronunciar oficialmente na cmara, no deixou de se preocupar com o problema, "... a questo incandescente da maonaria que j tem ocupado a ateno do senado e da cmara ; cr que negcio srio, e de conseqncias perigosas ..." ( carta a Gonalves , Corte 20 de maio de 1873).
Neste nterim Ccero continuou seu trabalho cotidiano nas Comisses parlamentares. A 13 de maio de 1874 foi eleito com Arajo Ges Jnior e Miranda Osrio para fazer parte da comisso responsvel por assuntos das assemblias provinciais.

Como membro dessa comisso, Ccero d alguns apartes em um debate travado entre Cruz Machado e Arajo Ges Jnior . A discusso remontava ao perodo em que o primeiro era o presidente da Bahia (1873-1874) e o segundo da Assemblia Provincial. A discusso, que atingiu o clmax no dia 16 de abril de 1874 , quando houve tumulto na cmara dos deputados entre alguns partidrios de Ges Junior e o povo, que misturado com capangas de Cruz Machado , na sua essncia tinha razes eleitoreiras e disputas partidrias.

A questo envolvia o resultado das eleies dos colgios de Jacobina e Vila Nova, na qual Ccero tinha interesse representando o seu amigo Jos Gonalves e a troca pelo governo do Jornal da Bahia, liberal para o Correio da Bahia, conservador, fundado por Ges Jnior, que passava a ser o rgo da administrao provincial.
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Coronel Joo Dantas dos Reis, pai do baro de Jeremoabo, nascido em 1802 e falecido em 1872 no Camuciat. Na lapela de seu casaco vemos a comenda da Ordem da Rosa e pendurado em seu pescoo a cruz de cavaleiro da Ordem de Cristo. Foto ABJ, 1866-1872.

Ccero em seus apartes defendeu Ges Jnior, que nas eleies de 1869/72 necessitou do seu apoio para a eleio da Cmara Geral pelo 4 distrito, e estava novamente precisando, pois vinha sofrendo aguerridos ataques dos membros do Jornal da Bahia que viram seu rgo de imprensa preterido pelo que Ges administrativa. Era o contentamento de interesses mtuos. Ges Jnior se elegeu graas a ajuda do 4 distrito, "corpo eleitoral do 4 distrito me honra com um mandato de representao nacional, como melhor podem dizer os nobres deputados meus companheiros de distrito..." e Ccero Dantas passava a ter mais acesso a um rgo de imprensa para suas campanhas e seu distrito, "...E o Ges querendo nos pode ser til por causa de estar a testa de um jornal que como sabes muito vale na vida poltica." (Carta a Gonalves, Regalo, 3 de setembro de 1872). Alm do mais no podia ficar Ccero ao lado de Cruz Machado que falando na Cmara dos Deputados nesse mesmo debate de 11 de julho de 1874, insinuou que houve fraude nas eleies dos colgios de Jacobina e Vila Nova, "Peo ao nobre deputado, morando em suas fazendas, no assistiu nem interveio em fatos ocorridos na capital. O resultado das eleies de Vila Nova j havia sido publicado no Jornal da Bahia e no Dirio da Bahia, as autnticas demoravam-se, e o resultado posterior foi diverso." Passados dezenove dias desses debates, Ccero pediu licena a comisso de constituio e poderes da cmara para viajar para a sua provncia, pedido concedido. Aproximava-se a data do nascimento do seu segundo filho. O primeiro, Joo da Costa Pinto Dantas, j havia nascido no Rio de Janeiro, a 24 de julho de 1873, longe da terra natal de seus pais; desejava que um filho seu fosse baiano, por isso que sua esposa Mariana no o acompanhara nessa legislatura, como fizera nas outras. Alm do mais tinha ficado sua mulher assustada com o incidente que ocorrera com o vapor Cotopaxi quando retornava do Rio no ano do nascimento de seu primeiro filho. o prprio Ccero que nos d detalhes deste acidente, "Em 25 de setembro de 1873, s 7 horas da noite, encalhou o vapor Cotopaxi, em que vinha do Rio de Janeiro com minha mulher e Joozinho, com 60 dias de nascido, nos baixios de Caixa Prego. Comandante do vapor A G. Garion Imediato Mac Mahon - Salvei-me na fragata americana Lancaster e minha mulher com as senhoras em uma pequena lancha a vapor do prprio navio". 15 Deixou Ccero o hotel Ravot, que situava-se na rua do Ouvidor n 149, entre a rua Uruguaiana e o largo de So Francisco, defronte da loja de fazendas Notre Dame de Paris, a 31 de agosto, conseguindo, assim, chegar a tempo para o nascimento de seu caula, a 4 de

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Carta de alforria concedida a Justina do Amor Divino por Ccero Dantas Martins. Rio de Janeiro, 14 de julho de 1874. Essa escrava foi alforriada para servir de ama de leite ao filho mais velho do barco, Joo da Costa Pinto Dantas. Arquivo ABJ.

J.o

4.

agosto de 1874. Nasceu no engenho do av materno (Europa) e foi batizado com o seu nome - Antnio da Costa Pinto Dantas. Fim de ano, fim de legislatura, provavelmente Ccero no retornou mais a Corte no ano de 1874, deixando para faze-lo no princpio de 75, ltimo ano da 15a legislatura. Chegou o deputado atrasado para os trabalhos legislativos, o vapor que o trouxe aportou a 31 de maio ao meio-dia. Desta vez hospedou- se em outro endereo - Rua da Ajuda n 38. Logo de incio fez sua previso poltica, "Dizem que este Ministrio no far a eleio o que no acho muito verossmil..." (Carta a Jos Gonalves, Corte, 3 de junho de 1875). Errara. Vinte e dois dias depois o Duque de Caxias, juntamente com o baro de Cotegipe, organizou um novo gabinete. Muito trabalho teve Caxias: reconstruir a unidade do partido, abalada em 1871, fazer frente aos liberais que se queixavam do longo ostracismo poltico e administrar a grande questo do momento: a reforma eleitoral. Aproximara-se as eleies para a 16a legislatura (1876-1877). O resultado dessa contrariou as perspectivas pessimistas de Ccero. Foi eleito, assim como foi seu primo liberal, o Conselheiro Dantas e o bacharel Pedro Leo Veloso. Com tantas vitrias eleitorais seguidas que exigiam constantes viagens a Corte, sentiu Ccero a necessidade de voltar um pouco mais a ateno aos seus redutos eleitorais. Como j dissemos, Bom Conselho era um dos preferidos e l tinha a vantagem que no usufrua em Itapicur, a de ser o chefe nico e inconteste da regio. Foi por essa freguesia que como deputado geral, no intervalo de sua legislatura solicitou junto com outros moradores da localidade, ao conselheiro Joo Capistrano Bandeira de Melo, ento presidente da Bahia, a criao da vila de Nossa Senhora do Bom Conselho do Montes do Boqueiro. A 9 de junho de 1875 a vila foi criada, pela resoluo n 1718 e a 28 de maro de 1876 Ccero tomou posse como vereador e presidente da primeira Cmara Municipal de Bom Conselho. Foram seus companheiros de cmara: Francisco Romano de Santana, Francisco Correia de Souza, Maurcio Jos de Carvalho, Policarpo Jos de Matos e Jos Antnio de Carvalho.

O primeiro ano da 16a legislatura correra tranqilo, mas o segundo e ltimo (1877) foi muito atribulado. A 19 de junho de 1877, Ccero pediu licena a Comisso de Constituio e poderes da Cmara e viajou as pressas para Itapicur sem levar sua mulher e seu filho Joozinho. O motivo da viagem foi resolver um crime que ocorreu em Itapicur. Dantas Jnior em sua biografia sobre seu av narra com detalhes as circunstncias do crime: "Ansio Dantas dos Reis, negociante ambulante de fazendas e pequeno criador, auxiliara a certo moo de distinta

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Fotografia tirada junto a igreja de Bom Conselho ( atual Ccero Dantas ), no princpio do sculo XX. As procisses realizadas nas cidades do interior serviam de ponto de encontro para os chefes polticos . O baro de Jeremoabo e seus filhos procuravam ser assduos a todas. No centro vemos o vig rio Jos Vicente Martins e Joo da Costa Pinto Dantas , e a filarmnica local muito comum naquela poca . Foto ABJ.

famlia local no rapto que este fizera duma filha do cel. Joo Dantas Porttil, e com a qual se casara.
(...) Porttil mandou peg-lo e aplicar-lhe uma surra. Ansio, surrado, e apesar das autoridades de Itapicur tomarem conhecimento do fato, corre para a fazenda do dr. Joo Dantas, primo carnal e desafeto pessoal de Porttil, e o dr. Dantas remete-o para a capital, a fim de ser submetido a novo exame de corpo de delito. Procedido este pelos peritos doutores Stiro Dias e Jaime Dormundo, foram os ferimentos considerados leves. Regressava Ansio a Itapororocas, e a falece, vitimado de febre amarela. Aproveita-se a poltica dessa ocorrncia e arroja-se contra Porttil; acusando-o de haver castrado o infeliz Ansio e, consequentemente, lhe ter causado a morte. Embora os conservadores senhores da situao, o caso descrito com to negras cores impressionou tanto, que Porttil foi preso e recolhido a cadeia da vila de Itapicur. Jeremoabo estava no Rio de Janeiro como deputado, e numa manh, ao ler o Jornal do Comrcio, depara com esse despacho telegrfico: Acaba de ser preso em Itapicur, o cel. Joo Dantas Porttil". Primo canal, amigo fraterno e companheiro de lutas de Porttil, toma o primeiro vapor - o Mondgo, - viaja rpido para Itapicur. A chegando assume ostensivamente a defesa, chama advogados, promove tudo enfim, ao seu alcance, para livrar o seu amigo. Segue uma comisso de mdicos para Inhambupe, - da qual fazia parte o conselheiro Virglio Damsio-; faz-se a exumao do cadver de Ansio e desfeita balela da castrao! Afinal, depois de muitos aborrecimentos e humilhaes, depois de despender no pequena quantia em despesas vrias do processo, entra Porttil em juri e vai unnimente absolvido. 16

Resolvido o problema retornou a Corte no dia 24 de julho para reassumir suas funes de deputado, aguardando o fim do perodo legislativo para disputar mais uma refrega poltica. Estando seu partido fora do poder perdeu as eleies para a 17a legislatura ( 1878-1881). Seu primo liberal, o conselheiro Dantas e outros polticos seus opositores, voltaram ao cenrio poltico. Aps oito anos de idas e vindas a Corte, o seu cotidiano mudou. certo que no ficou alheio a movimentao poltica, mas seus passos se tornaram mais limitados. Durante sete anos, at nova situao conservadora, seu espao fisico foi a dos canaviais de seus engenhos e as catingas do serto.

Disputou a 18a legislatura j sob a vigncia da Lei Saraiva. Est restabeleceu os crculos de um s deputado, regulamentou as incompatibilidades, imps penalidades rigorosas con-

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tra fraudes, alargou o voto aos naturalizados, acatlicos e libertos e principalmente introduziu os ttulos eleitorais. Dentre os mais importantes motivos que se apresentaram para que o sistema eleitoral fosse modificado, o problema mais complexo era o da fraude to freqente nas eleies. Apesar de todas as modificaes, a fraude eleitoral no deixou de existir, modificou-se apenas quanto a forma, mas, em essncia continuou a ocorrer. O baro por estar seu partido fora do poder, foi vtima dessas fraudes, "... impossvel descrever-te o que se passa nessas comarcas por ocasio do alistamento eleitoral (...) se empregaram a fraude at para excluso de nossos amigos (...) negaram certides, deixaram de receber nossos requerimentos, e assim por diante. Ando apenas tirando documentos para a imprensa com o fim de mostrar ao pas a lealdade e sinceridade do Saraiva na execuo da salvadora reforma..." (Carta a Jos Gonalves, Monte Santo, 19 de abril de 1881) . A derrota lhe foi infringida pelo filho do conselheiro Dantas, seu primo em 2 grau, Rodolfo Epifanio de Souza Dantas. Passou Ccero mais trs anos sem mandato, sobrando-lhe mais tempo consequentemente, para se dedicar a seus engenhos e sua famlia. Para distrair a seus familiares resolveu fazer festas de So Joo acompanhadas de novenas. Cada noite do novenrio era dedicada a um grupo de pessoas que podiam reunir-se pela posio social, profisso que exerciam na fazenda, ou grau de parentesco e intimidade que possuam com a famlia do proprietrio. Uma noite era dedicada aos vaqueiros, outra aos carreiros, e assim, por diante de maneira que a nona e ltima noite fosse dedicada ao dono da fazenda e toda sua famlia. Para que seu seus filhos (Joo e Antnio) pudessem participar da ltima noite Jeremoabo providenciou a vinda deles da escola para o engenho, "....Amanh mando a capital buscar os meus vadios para passarem o So Joo aqui, e escrevi ao professor' pedindo notcias dos teus..." (Carta a Gonalves, Regalo, 18 de junho de 1884). No segundo semestre de 1884 aproximou-se o momento de viajar para o serto, pois mais uma eleio desejava o baro se candidatar. Porm, antes disso, ocorreu um fato que o obrigou a permanecer no Recncavo at o princpio de agosto Este foi fruto da animosidade poltica entre os partidos que se aproveitavam de problemas pessoais para derrubar seus adversrios. O fato refere-se a um crime que aconteceu no municpio de Cat envolvendo o conservador baro de Camaari. Transcrevemos aqui a narrao, um pouco grande, feita por Dantas Jnior. Esta importante porque a verso ouvida de seu pai, que por sua vez ouviu de seu av baro:

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Havia em Santana do Catu um portugus de nome Manoel Mala de Carvalho, e que, desafeto pessoal do baro de Camaari, andava em altas vozes e por todos os modos e lugares a denegrir a reputao do titular. Um cunhado de Camaari, a revelia deste, delibera castigar com uma roda de pau o lusitano. E no dia 22 de abril de 1884, de 10 para as 11 horas da noite, entre os quilmetros 89 e 90 da estrada de ferro, regressando Maia do engenho Sap, em companhia do rabula Secundino e de Jos Amrico da Silva Freire, inopinadamente agredido. Maia reage, mata um dos agressores e trava-se ento terrvel luta, da qual saem sem vida o agredido, mais outros dos agressores , alm dos feridos gravemente Corre clere a notcia do crime e a poltica entra em ao. Camaari era conservador. Estava no poder a situao liberal e na presidncia da provncia o desembargador Joo Rodrigues Chaves. O chefe de polcia vai a Catu, procede o exame de corpo delito, instaura o inqurito e a poltica adversa atira-se contra o baro de Camaari, apontando-o como mandante do crime e tudo fazendo para desmoraliz -lo, e leva-lo ao crcere. Jeremoabo informado de tudo e, ciente do plano dos adversrios, ruma para Catu, a fim de livrar o seu amigo de vexames e humilhaes; convida-o a se retirar, mas Camaari recusa - "era inocente, de nada temia, por que tinha a conscincia limpa" Jeremoabo insiste, consegue leva-lo para seu engenho Regalo e, precisamente no momento em que tomavam os alimrias, desembarcava na linha frrea, no ponto fronteiro ao engenho de Camaari, numeroso contigente da fora policial, sob ordens do prprio comandante cel. Durval Vieira de Aguiar, com a misso de trazer Camaari preso para esta capital. Inicia-se a formao da culpa. Finalmente, em 5 de agosto do mesmo ano, rene o jun que durou 24 horas sob a presidncia do juiz de Direito dr. Antnio de Oliveira Cardoso Guimares, funcionando como promotor o dr. Jaime Vilas-Boas e como rgos de defesa os drs. Inocncio Ges, Severino Vieira, Manuel Ges, Incio Tosta, Eduardo Ramos, e o sr. Jos Justino da Silva Teles, e sentados na cadeira do ru, ao lado do baro de Camaari, estavam o baro de Jeremoabo e o visconde da Oliveira... 17

Aps o julgamento, finalmente viajou Jeremoabo para o Engenho Camuciat, para de l dar incio a campanha poltica. J sabia que teria que enfrentar outro primo, o dr. Joo dos Reis de Souza Dantas Filho, estreante na poltica e para a cmara provincial soubera de outro nome que lhe causava grande antipatia. Sabia o baro que sua vitria parecia quase impossvel, pois o seu opositor era sobrinho do cons. Dantas que alm de liberal estava na presidncia do Conselho desde 6 de junho. Este fora chamado ao poder para resolver a crise financeira instalada desde o ministrio Paranagu,

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passando pelo de Lafeyette e chegando at o perodo da propaganda abolicionista! (Martinho Campos, Paranagu, Lafayette e Dantas). A camada dominante escravista viu-se ento forada a novas concesses que no fundo tinha o objetivo de freiar o movimento abolicionista. O Gabinete Dantas cauteloso adotou o lema "no parar, no retroceder, no precipitar..."", complementando com uma proposta de um fundo emancipacionista e a libertao dos escravos que tivessem atingido 60 anos. Muitos se perguntavam que fora, se ainda fosse vivo, teria um escravo sexagenrio para trabalhar ou sobreviver em liberdade? O baro percebeu o engodo da lei "...admira o cinismo com que Dantas apresentou-se as cmaras lendo o clebre programa escrito. homem talhado para a situao..." (Carta a Gonalves, Regalo, 18 de junho de 1884). Mesmo diante de tantas conjunturas desfavorveis, preparou o baro, em outubro, um memorando escrito no Camuciat, solicitando votos e ao mesmo tempo relembrando sua tradio poltica na zona do 9 distrito "...a qual prendem-me o bero, famlia e relaes de ordem superior, a V. S. dirijo-me para merecer o seu sufrgio na prxima eleio de 1 de dezembro..." (Camuciat, outubro de 1884). No adiantou o esforo, perdeu por 24 votos apenas. Vendo a situao dificil em que se encontrava o baro, estando j ha trs legislaturas sem se eleger, a Liga da Lavoura e do Comrcio de Santo Amaro, entidade que se formou em 1884, composta de liberais e conservadores, apresentou a candidatura de Ccero pelo 4 distrito. O baro relutou o que pde em aceitar essa ltima candidatura , sabia que a eleio era dos liberais, teria como candidato da oposio, o ento, ministro da Justia Francisco Maria Sodr Pereira e alm do mais estaria disputando uma vaga em um distrito no qual no tinha slida base poltica, apesar de zona de influncia da famlia de sua mulher. No houve jeito. Teve que ceder a insistncias de seus amigos Artur Rios e Inocncio Ges, "...No se ponha com histrias, que no temos outro candidato nas suas condies, nem mais tempo para andar procurando e sim de trabalhar. Escreva ao Vaz, j sobre Abrantes e Mata. Ele com um sopro neutraliza o juiz municipal (...) Nada temos com o diretrio do 4 distrito, e antes que venha qualquer coisa do Rio sobre Pedro Moniz devemos pr a procisso na rua..." (Carta de Artur Rios ao baro, Ba Sorte, 1 de outubro de 1884). Como receava Ccero, o resultado das urnas foi negativo. Venceu o ministro da justia, Francisco Maria Sodr Pereira, com 512 votos no 2 escrutnio em um total de 918 eleitores. Mesmo assim o baro se mostrou agradecido e satisfeito por ter feito frente ao ministro liberal, conduzindo-o ao 2 escrutnio, "...j foi grande servio expor o sr. ministro da Justia a
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2 escrutnio, sendo inferior a votao dele a dos candidatos adversos..." (Engenho Regalo, 13 de dezembro de 1884). A imprensa oposicionista no perdeu a oportunidade de se manifestar a respeito da derrota do baro e publica:
Todo de couro vestido Vinha atraz Jeremoabo, Seguido de dois palhaos Dando o brao ao Jos Gonalves, Muito alegre e todo ancho, De aguilhada e de faco, Guiando todo o farrancho Tambm vestido de couro Como um filho do serto!

Passou Ccero o ano de 1885 em expectativa. O gabinete do seu primo Dantas caiu em 6 de maio por no conseguir a lei de alforria dos sexagenrios. Sucedeu-lhe o de Saraiva (6 de maio de 1885) que modificou-a, para ser aprovada no gabinete seguinte. Em pouco mais de um ms retornou ao poder os conservadores chefiados pelo Baro de Cotegipe. O baro de Jeremoabo estava no seu engenho Regalo quando recebeu a notcia da subida dos saquaremas, afastados sete anos do poder. Para l, sob foguetes, msica , vivas e aclamaes , se dirigiram nos vages da via-ferrea da Usina Bom Sucesso os amigos e correligionrios das circunvizinhanas, festejando o acontecimento. Cantavam quadras de vrios modos:
Diziam os liberais

Que o Partido no subia; Ele agora est de cima Com prazer e alegria.19

Todos as circunstncias se tornaram favorveis candidatura do baro a 208 legislatura, a ltima do Imprio, at em Itapicur passaria a ter votao plena pois seu primo liberal Joo Gualberto Dantas (28 baro do Rio Real), tinha feito as pazes com ele. Mas de repente contrariando as perspectivas polticas e causando surpresa aos conservadores, o baro publicou um manifesto no Jornal de Notcias em 30 de outubro de 1885, em que dizia se retirar da atividade poltica e se despedia de seus amigos: "...pela descrena invencvel de ser til ao meu pas e
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aos meus amigos . Resultante das fadigas e da extenuao de um luta sem trgua de mais de 25 anos , de longa e amarga experincia , e ainda a idade e o estado de sade..." 20 A justificativa que o baro deu explicando sua retirada da poltica no foi muito clara mas em carta a seu amigo intimo, Jos Gonalves , d a entender que houve alguns aborrecimentos com os chefes do partido , "... completamente descrente, no confiando na proteo dos chefes para os meus amigos , pois para mim no necessite dela por no ter a mnima preteno, lembrando-me dos sofrimentos de 68 a 78, cansado de bestar e sem ter uma palavra de animao, mesmo em resposta que escrevi ao Cotegipe e Junqueira, resolvi, amargurado , publicar..." (Carta do Regalo , 19 de dezembro de 1885). O Diretrio do Partido , entretanto , no aceitou tais razes e, em circular de 25 de novembro convocou o baro a assumir sua candidatura: "...entendendo o Partido Conservador no poder prescindir dos valiosos servios e dos patriticos esforos de to prestigioso aliado, que rene as qualidades e os requisitos necessrios para bem representar a nossa provncia na cmara temporria , resolveu , parecendo -lhe que no convm semelhante absteno , declinar para o eleitorado a soluo do caso e continuar a apresentar o mesmo cidado, esperando que o distrito mantenha essa candidatura: por isso julga do seu dever recomend-la aos nossos correligionrios e amigos , assim como toda a unio para que obtenha ela o merecido triunfo, evitando - se a disperso de votos que produz deplorveis conseqncias"21 O baro terminou voltando atrs depois que reunindo-se em Itapicur , a 25 de novembro, com os chefes paroquiais do distrito esses declararam que "ainda rejeitado por mim o mandato , continuariam a honrar-me com os seu sufrgios ...i22 A 15 de janeiro de 1886 estava o baro no serto disputando as eleies e logo depois teve sua vitria assegurada por 591 votos em um total de 1020 eleitores que participaram. Finda as eleies o baro e sua famlia precisavam se preparar para a viagem Corte, pois l deveriam chegar antes de 3 de maio , dia designado para a abertura dos trabalhas legislativos . Mas antes teria que passar um ms nos seus dois principais engenhos (Camuciat e Regalo ) para deixar os trabalhos em ordem . Estava preocupado com a produo de suas propriedades , "... Nossas casas sem administradores , entregues a escravos , como vo marchar? Avalia..." ( Carta a Gonalves, Camuciat , 16 de maro de 1886). A programao foi estabelecida: Sairiam de Bom Conselho no dia 9 de maro , chegariam no Camuciat a 10, passariam o resto do ms ; em abril seguiam para o Regalo e a 16 do mesmo ms partiriam para a Corte . A agenda s no foi cumprida no final , porque a 17 de maio , j com a cmara de deputados funcionando , o baro ainda estava no Regalo impedido de
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viajar por causa da doena do filho "Perdi o vapor por causa do meu Tota, que sendo examinado pelo Jos Olimpio achou-o ainda doente do figado..." (Carta a Gonalves, Regalo, 17 de maio de 1886). No princpio de junho estava Ccero na Crte. Dessa vez hospedou-se na rua Silveira Martins, n 70. At o fim do Imprio acompanhou a administrao poltica de trs gabinetes: Cotegipe, Joo Alfredo e Ouro Preto, este ltimo liberal. As principais questes discutidas no perodo de vigncia do poder desses ministrios (1885-1889) esto inseridas no contexto do processo de desagregao da monarquia que desde a dcada de 70 vinham se desenrolando. O descontentamento do Exrcito, as idias abolicionistas, os clubes republicanos, foram teorias e praticas que foram se concretizando, na medida, em que as contradies do regime monrquico se acirraram. Envolto nesse clima de insegurana poltica para si e o regime que representava Ccero acompanhou atentamente as crises que abalaram lentamente as estruturas do Imprio." Soube ontem que o ministro da guerra deixava a pasta por causa da questo militar. Amanh faro o mesmo com outro..." (Carta a Gonalves, Camuciat, 22 de fevereiro de 1887). Em 15 de novembro de 1889 o baro perdeu o cargo de Deputado Geral, mas sue cotidiano, apesar das novas conjunturas, no modificou-se, continuou a ser um homem essencialmente poltico.

2.4. A SUPREMACIA DOS SAQUAREMAS COMO MODELO EXPLICATIVO DA ATUAO DE UM POLTICO CONSERVADOR

Algumas consideraes ainda merecem ser feitas, antes de entrarmos na anlise propriamente dita do pensamento e da atuao do baro como um poltico conservador. Chamando ateno a que o `conservador' no est sendo colocado na simples ligao a etimologia da palavra do partido no qual era filiado, mas significando a mentalidade e o projeto poltico da gerao que consolidou o imprio, fase da "reao" conservadora, parafraseando Justiniano Jos da Rocha e que manteve seus ideais, sustentados nos seus interesses polticos, econmicos e sociais, mesmo aps a dcada de 60 e 70, quando os efeitos da "Reao e Transao" no mais se sentiam fazer. O ano de 1862, escolhido para caracterizar o renascer liberal. O Brasil, na segunda metade de sculo XIX, passou por um processo de modernizao e urbanizao. Este processo
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de diversificao social se caracterizou por dois aspectos; por um lado, pelo aparecimento das camadas sociais urbanas e, por outro, pelo conflito de interesses entre a velha aristocracia escravista e a nova, cafeeira do oeste paulista; "Os meios industriais pleitearam uma poltica protecionista, nem sempre aprovada pelo lado mais tradicional... 23 Nesse novo contexto que cada vez mais foi se solidificando, as palavras ditas por Justiniano Jos da Rocha, sobre o perodo da "Transao", que atingiu seu apogeu no Ministrio da Conciliao (1853-1857) no faziam mais sentido. Vale a pena, transcrever um trecho como efeito de demonstrar as caractersticas de um tempo, a pouco passado, que j vinha sendo superado e modificado:
0 perodo da Transao est comeando ; dizei-nos onde param as antigas parcialidades, onde os seus dios ? J de h muito desapareceram . Em testemunho disse vede ai que palavra puseram por diante os parlamentares , quando se levantaram contra o ministrio que precedeu o atual? A Conciliao. E esse mesmo ministrio, como o seu predecessor, como o seu sucessor , que tendncias mostravam seno as de uma conciliao que ao menos quanto aos indivduos, punha em perfeito olvido todo o passado? E que movimento social era esse que todos os polticos pressentiam , a que obedeciam, que lhes fazia abandonar as suas posies de vencedores, seno o resultado da convico ntima do pas de que estavam extintas todas as paixes, esse esquecimento de dios, o que so seno os sintomas evidentes de que a sociedade tem chegado a esse perodo feliz de calma e de reflexo que pode e deve ser aproveitado para a grande obra de Transao? 24

Quando o baro de Jeremoabo realmente entrou na poltica nacional, em 1869, elegendo-se deputado geral na 14a legislatura, pois anteriormente s tinha sido eleito como suplente (1860-1861), o tempo feliz, de calma e reflexo, sem dios e paixes, descrito por Justiniano j tinha ficado para trs. A entrada de Jeremoabo para o mundo do governo, passando a ser um membro efetivo da elite poltica imperial, unido com a burocracia estatal, que segundo Jos Murilo de Carvalho "...Embora houvesse distino formal e institucional entre as tarefas judicirias , executivas e legislativas , elas muitas vezes se confundiam na pessoa dos executantes, e a carreira judiciria, particularmente se tornava parte integrante do itinerrio que levava ao congresso e aos conselhos do governo..."25, se d em um perodo em que as estruturas do conservadorismo j estavam abaladas e o prprio regime imperial comeava a dar os seus primeiros sinais de crise. A inflao no pas persistia desde o incio da dcada de 60, as despesas militares pesavam demais no oramento do Estado (eram constantes conflitos com a Argentina e principal-

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mente o Uruguai, com qual o Brasil estava em permanente guerra). A partir de 1864, a situao se agrava, pois os conflitos que opunham brasileiros, uruguaios e argentinos ao paraguaio Solano Lpez arrastaram o Brasil a uma guerra que durou at 1870. Os efeitos dessa guerra aliada a uma situao liberal, no momento, eram desastrosos, para o jovem Ccero, pois trazia dificuldades econmicas para sua provncia e o impedia de ser eleito a uma vaga no parlamento nacional, "...Eu vou vivendo na forma do costume, isto , perseguido e reconcentrado, lastimando a m direo dos negcios do nosso pas - com o qual sofrem todas - e sem esperana de v-los mudar. Sobretudo a est poca de guerra".26 Observamos, ento, que a primeira vez que Ccero Dantas ocupou um cargo na poltica nacional no se deu em condies favorveis ao conservadorismo que tinha moldado o seu modo de pensar e agir e que lhe era conveniente no sentido de manter o status que lhe foi legado por seu pai e avs, materializado em uma grande quantidade de terras, escravos e real influncia poltica. Em 1869, quando consegue eleger-se deputado geral, a condio que lhe foi favorvel foi a queda do 22 gabinete, liberal, presidido por Zacarias de Ges e Vasconcelos e a subida de um conservador, tendo a frente o visconde de Itabora. No mais, a partir da at a proclamao da Repblica, as conjunturas econmicas do imprio s fizeram se agravar para o lado da antiga aristocracia do acar, do qual era um representante:
Os fazendeiros do Oeste Paulista almejavam uma poltica favorvel imigrao. J os senhores de engenho ou fazendeiros das reas mais tradicionais, que ainda dispunham de numerosos escravos , eram contrrios a essa orientao(... ). Alguns grupos urbanos comprometidos com o sistema escravista empenhavam- se na abolio e pleiteavam maior representao na vida poltica do pas, exigindo a substituio do sistema de eleies indiretas, que propiciava a preponderncia dos grupos tradicionais, pela eleio direta. ... Havia ainda problemas decorrentes da penetrao do capitalismo internacional e vrios setores, tais como rede ferrovirias , gs, iluminao de rua, instalao de engenhos centrais, criao de bancos, comrcio de exportao e importao e outras atividades rendosas que eram monopolizadas por estrangeiros... 27

A trajetria poltica de Ccero Dantas Martins, ainda no imprio marcada por duas conjunturas importantes. A primeira como j frisei a da reao conservadora, que vai mais ou menos do perodo final da regncia, com o golpe da maioridade at o princpio da dcada de 60. Nesta fase nasceu, foi educado e tomou conscincia do papel scio-poltico que devia representar e expandir. Tambm nesse perodo de sua vida foi imbudo por um sentimento aris-

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tocrtico que manteve, por toda a sua vida. Mesmo no final do sculo XIX, em 1894, j tendo sido instalado ha cinco anos o regime republicano, dizia orgulhoso a todos que lhe perguntassem o motivo porque construiu em sua fazenda, um sobrado to grande e luxuoso: "Quando os ingleses tomarem conta do Brasil vero que aqui morou um homem de bom gosto!" 28 A segunda conjuntura a do renascer liberal que inicia-se a partir da dcada de 60, une-se aos primeiros movimentos republicanos da dcada de 70 e culmina com a proclamao da Repblica em 1889. Vivendo as duas fases e sobrevivendo a Repblica, que ser contextualizada no 30 captulo, o baro de Jeremoabo norteou toda a sua atuao poltica baseada no mesmo sentimento aristocrtico no qual foi criado, treinado e educado29; sentimento este que era a "sntese da viso da poltica e da sociedade prevalecente (desde) poca da Maioridade - (e que) expressava um fundo histrico forjado pela colonizao, que as foras predominantes na condio do processo de emancipao poltica no objetivaram alterar: o carter colonial e escravista dessa sociedade... "30 Ainda aplica-se nossa anlise, a ressalva que Ilmar Mattos faz, dando prosseguimento ao pensamento do pargrafo acima transcrito, "... que tomar em considerao esse fundo no significa recolher apenas seus aspectos mais estritamente econmicos, mas tambm evidenciar o papel que as relaes pessoais e raciais cumpriram nessa sociedade"31 Partindo para a comprovao das constataes supracitadas, formulamos apenas duas questes: 1) De que maneira o baro de Jeremoabo, um lder conservador nato, contribuiu com a coroa na sustentao do estado imperial e na manuteno dos privilgios da classe senhorial ? 2) Como enfrentou, em sua postura de conservador, as grandes crises que abalaram o imprio? Tentarei responder a essas perguntas acompanhado a trajetria poltica, econmica e social do baro em um periodo de 17 anos, atravs da leitura de sua correspondncia, trocada ,principalmente, com outro poltico conservador, o seu amigo Jos Gonalves da Silva. Alm delas utilizaremos, tambm, como fonte os diversos artigos e manifestos publicados por jornais da poca. Deixamos para analisar os discursos encontrados nas pginas amareladas pelo tempo dos Anais do legislativo, para o periodo republicano, pois sua participao como deputado geral no imprio deu-se mais nos trabalhos de comisses parlamentares.

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Diferentes ambientes do solar do Camuciat: saguo da entrada principal , bonito altar da capela , console de parede com tampo de mrmore , moblia do quarto, notando-se a bacia e jarra de loua usadas antes da existncia de lavatrios . Foto Ailton Sampaio, 1994.

O CONSERVADORISMO ATRAVS DA VOZ DO BARO DE JEREMOABO (1872-1889) Selecionei as missivas no arquivo do prprio Jeremoabo que contm aproximadamente 1.300 unidades. Dei preferncia as trocadas entre ele e Gonalves pois perfazem um perodo maior (1865-1903) e so mais freqentes no decorrer dos anos, devido a grande amizade que unia os dois chefes polticos. O primeiro do municpio de Itapicur, Jeremoabo, Bom Conselho e o segundo de Vila Nova da Rainha, atual Senhor do Bonfim.
Considerei as cartas como fontes fidedignas do pensamento do baro a respeito de alguns temas nelas tratados como, poder local, eleies, partidos, organizao do estado, magistratura, reorganizao da economia aucareira, abolio; pois foram escritas a um amigo de infncia, para quem no tinha segredos, nem meio termos. o seu prprio correspondente que nos d a dimenso da amizade entre ambos quando ocorreu um pequeno mal entendido em suas relaes : "Na carta que responde , empregaste estas palavras - Sinto que estejas separado de ns - , as quais , saibas , me causaram arrepio, uma espcie de horror, e eu quis protestar logo com todas as foras dos meus pulmes. Ningum, nada tem o poder de separar-me do meu amigo desde a infncia: Mas contive-me, esperei pelo dia 14 do corrente, e agora posso protestar, no mais por palavra, mas por atos, por fatos, que ningum tem o poder de separar-me de ti"... 32

Podemos dividir a anlise da participao do baro de Jeremoabo no regime monrquico em dois momentos. O primeiro ser o perodo em que assumiu de direito o poder institucionalizado . Esta fase corresponde aos dez anos em que exerceu o cargo de deputado geral, na 14a, 158, 168 e 208 legislaturas. O segundo corresponde aos anos em que o partido liberal estava de cima e por isso o baro no conseguiu se eleger a uma cadeira no parlamento nacional. Portanto a participao de Jeremoabo no mundo do governo, dependia da oscilao dos partidos conservador e liberal no poder. Ainda em 1872, o bacharel Ccero Dantas Martins cumprindo o mandato de sua primeira legislatura como deputado geral acompanhou uma grave crise ocorrida no gabinete do visconde do Rio Branco. Essa celeuma como outras que adiante sero referidas revela no fundo como se processava a ao do poder moderador, junto aos dois partidos que se reservavam no poder e tinham em seus quadros homens que sustentavam poltica , econmica e socialmente a magnificncia imperial. O tumulto iniciou-se no dia 16 de maio de 1872, ao anunciar-se na cmara dos deputados, a continuao da 2a discusso do oramento do Ministrio da Marinha. Neste momento o
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deputado Paulino de Souza justificou o seguinte requerimento, "Requeiro o adiamento da discusso do oramento para depois que o Ministrio expuser a cmara os motivos de recomposio por que passou, e estiverem distribudos os relatrios" ...,33 que colocado no termo de moo de desconfiana do gabinete, foi aprovado na sesso de 21 do mesmo ms em votao nominal , por 50 votos contra 49.34 Ccero Dantas deu sua verso para os acontecimentos do dia 16, sendo fiel a sua narrativa ao resumo tirado dos Anais da cmara, acima transcrito: "chegamos aqui (crte) no dia 20 de maio prximo passado... e encontrei os polticos em movimento, bem como os amadores da Rua do Ouvidor, com a moo de desconfiana que o partido tinha apresentado na sesso de 16 e que o ministrio, sem maioria, protelara at 21, quando teve lugar o combate! A sesso foi a mais esplndida e concorrida que eu j vi; as ruas apinhadas de povo e tudo em movimento. Rompeu o debate o Rio Branco que brilhou como costuma, respondeu-lhe o Alencar com o talento e habilidade que conheces, replicou o Rio Branco e ainda falou o nosso Araripe, depois do que teve lugar a votao nominal que deu a oposio 50 votos e ao governo 49, a fora o Presidente da Cmara. Suspendeu -se a sesso e no dia seguinte vista e face da mesma concorrncia fomos despachados, por um decreto de dissoluo que ps termo a crise. Muitos governistas bendiro-se como Joo Mendes etc... "35 O resumo tirado dos Anais da Cmara e a narrativa de Ccero Dantas a respeito dos acontecimentos de 16 de maio , afora alguns detalhes compreensveis j que feitos por uma testemunha ocular, nos apresenta alguns recursos que eram utilizados seja pelo imperador ou pelo prprio presidente do Conselho , ou mesmo pelos mecanismos de ao dos governistas e oposicionistas. So eles: a moo de desconfiana ao gabinete apresentada pelo deputado Paulino e o decreto de dissoluo da Cmara dos Deputados e a convocao de outra para 1 de dezembro.

Estes dois pontos que procuro destacar esto intimamente relacionados maneira centralizadora que o estado era organizado no regime imperial.
Para explicar melhor essa questo cabe aqui nos reportamos a um poder que era essencial a estrutura monrquica - o poder moderador, que representava a prpria figura do imperador. Teoricamente, este poder, tal como aparecia no Cours de Politique Constitutionelle, de Bejamim Constant, deveria ser um poder neutro, que garantisse a harmonia dos trs poderes. Entretanto, aplicado como frmula poltica, no Brasil converteu-se na residncia do verdadeiro poder. Exercido pelo imperador, tornou-se instrumento de sua vontade pessoal, de seu despotismo, enfim.
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Ao poder moderador cabia aprovar ou no as medidas emanadas do legislativo, nomear os senadores vitalcios e, inclusive, dissolver a Cmara dos Deputados, como fez a 22 de maio de 1872 por achar perigosa as discusses a respeito do oramento do Ministrio da Marinha, a hierarquia do regime. bem verdade que as prerrogativas de poder moderador quando se deu o incidente narrado por Ccero Dantas em 1872, apesar de se manterem at o final do imprio, j eram mais maleveis, pois com a criao da presidncia do Conselho de Ministros, em 1847, diminuiu a rea de atrito entre o Poder Moderador e a camada dominante senhorial, pois ficou convencionado que o imperador nomearia apenas o presidente do Conselho, que, por sua vez, escolheria os demais ministros. A camada dominante passou a ter, desse modo, um espao de manobras maior para defender mais eficazmente os seus interesses. Contudo a prpria estrutura parlamentar do Brasil contribua para a centralizao do estado na mo do imperador, afinal, o parlamentarismo adotado no pas diferia daquele praticado na Europa; que nisso seguia o modelo ingls. No parlamentarismo europeu, o primeiro-ministro era eleito pelo Parlamento, que tambm tinha fora para dep-lo. Em suma, o legislativo controlava o executivo, e portanto o ministrio era responsvel perante o Parlamento. No Brasil, ao contrrio, o ministrio era, ao menos legalmente, responsvel perante o Poder Legislativo. O Parlamento nada podia contra os ministros, que governavam ignorando o legislativo e prestando contas apenas ao imperador. Por esse motivo, o parlamentarismo foi chamado de "as avessas". A aristocracia rural, dessa forma, anulou as principais conquistas liberais ao subtrair do Ato Adicional e do Cdigo de Processo Criminal sua posio autonomista. Restaurando o Conselho de Estado e criando a presidncia do Conselho de Ministros, a camada dominante estava apenas se aparelhando adequadamente para exercer o seu domnio sobre a sociedade, de modo a conduzi-la segundo seus interesses de classe.

A organizao do estado, portanto, perpassava pela unio da vontade centralizadora do imperante que coincidiu com os anseios da elite rural e da burocracia estatal como um todo. O baro de Jeremoabo, como membro da antiga aristocracia rural aucareira baiana no deixou de contribuir com a ordem vigente, seja atravs de uma poltica de convencimento nos bastidores, seja atravs de sua participao ativa com o seu voto de deputado. Na sesso de 16 de maio de 1872 foi um dos que contribuiu com o governo nos 49 votos que teve, contra 50 de oposio. Ele mesmo justifica sua posio: "Logo que cheguei fui procurado por ambos os
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grupos, mas compreendas que tendo sado o Saio Sobata do Ministrio e fazendo parte dele o Junqueira no podia deixar de acompanhar o governo..."16 Antes de continuar a anlise da organizao e manuteno do estado imperial e a sintonia de Jeremoabo com ele, convm dizer algo sobre o grupo da elite do qual o baro de Jeremoabo fazia parte , para melhor entendermos o seu poder de barganha. O nico cargo eletivo que Jeremoabo ocupou durante todo o imprio, a nvel nacional, pois no mbito da provncia foi tambm deputado provincial e vereador de Bom Conselho, foi o de deputado geral. Na escala de poder da burocracia imperial seu grupo vinha abaixo do dos ministros e dos senadores. Era o maior em nmero de componentes e o menos poderoso , ressaltando, porm, que a fase da histria poltica brasileira que eles tiveram mais poder foi no imprio. Uma outra caracterstica importante do cargo de deputado era a sua posio intermediria na pirmide social do poder . O poltico que conseguisse chegar a cmara geral, no estava mais limitado a esfera de poder provincial , nem ainda tinha atingido a influncia que um senador vitalcio, ou um ministro tinham junto ao imperador. O baro no transps a barreira . Permaneceu durante todo o regime no patamar do meio , no crculo interno da elite. Esta constatao nos provoca uma indagao. Porque o baro de Jeremoabo , um poltico que no incio de sua carreira tinha todo um perfil que se enquadrava ao modelo exigido para se chegar aos postos mais altos da hierarquia do poder, no conseguiu atingi-lo? Antes de tentar responder a essa indagao vlido percorrer, resumidamente , o caminho seguido pela maioria dos polticos que tinham o mesmo perfil do baro de Jeremoabo at chegar ao topo do poder. Uma carreira comum para o jovem que pretendia ser poltico e cuja famlia no possua prestgio suficiente para conduzi - la diretamente a Cmara era a magistratura . Como a estrutura judicial era centralizada , todos os juizes eram designados pelo ministro da justia. Logo aps terminar o curso de Direito em Recife ou So Paulo, o pretendente a carreira poltica lutava para obter uma nomeao de promotor ou juiz municipal em uma regio que lhe desse condies de ascender socialmente e politicamente, atravs do voto ou de possveis alianas com potentados locais.

Jeremoabo pulou essa etapa . O mais dificil para ele no foi entrar no crculo do poder. O seu diploma de Direito, tirado em Recife , aos 21 anos de idade foi a nica condio a que teve de se submeter antes de ingressar na carreira poltica. A partir da no precisou trilhar o
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caminho que muitos percorreram para atingir o poder: a magistratura, a imprensa, a advocacia, a medicina, o sacerdcio. A influncia de sua famlia no nordeste da Bahia era to grande, indo do municpio de Inhambupe at Jeremoabo, compreendendo mais de 15 municpios, o suficiente para conduzir o jovem bacharel diretamente a Cmara. O respaldo familiar e dos amigos e o patronato dos potentados j estabelecido, que no seu caso eram representados por seu pai e tios, foi uma marca constante em todos os passos da carreira. Eleito deputado provincial e depois geral, Jeremoabo esteve a um passo dos cargos mais altos do poder, ao qual se chegava pela unio de qualidades prprias e patronatos, tendo o imperador atuao decisiva no processo de escolha. Porm, se para o baro a entrada no foi dificil, a escalada, ao contrrio, se tornou por demais ngreme no lhe sendo possvel atingir o topo da pirmide. A sua tentativa de chegar ao senado com a vaga aberta pelo falecimento do cons. Junqueira foi frustrada, mas no por falta de esforos. Em dezembro de 1887 distribui diversos circulares pedindo votos para a sua candidatura:
Bahia , 16 de Dezembro de 1887 Ilmo. Senhores.

Sem que solicitasse foi meu nome includo na chapa do partido conservador para preenchimento da vaga aberta no Senado com o falecimento do meu pranteado amigo conselheiro J. J. de Oliveira Junqueira, de saudosa memria. Reconhecendo- me sem merecimento , mas no me sendo lcito declinar de to honrosa confiana do meu partido, apresento-me a V.Sa. rogando o seu valioso apoio e de seus amigos em favor de minha candidatura e da de meus dignos companheiros de chapa os exmos senhores conselheiro Franco e Baro do Gua. Os sufrgios que obtiver sero para mim recompensa da luta incessante de 28 anos que tenho sustentado em defesa dos princpios conservadores , e de incentivo para no desanimar na jornada ao lado dos nossos correligionrios. Certo do apoio de V.Sa. antecipo-lhe meus agradecimentos , oferecendo-lhe meus fracos servios, e assinando-me com muita estima e considerao.

De V.Sa.: Patrcio , amigo e criado Baro de Jeremoabo.37

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Jeremoabo aceitando seu nome para disputar uma vaga no senado entrava em contradio com a prpria viso que tinha dessa instituio e dos membros que a compunham, "... O nosso amigo Junqueira j no faz caso de ningum; est no senado, e assim chore quem no pode rir-se... Todo o mal de nosso pas est, meu Jos Gonalves, no senado vitalcio. Seja ele temporrio e havamos de ter bons amigos, e timos estadistas; esta a reforma de que mais necessitamos..." 38 Para entendermos um pouco melhor essa posio contraditria do deputado geral baro de Jeremoabo preciso adentrarmos um pouco no significado real da instituio do senado no reinado de Pedro H. O que representava ser senador na carreira de um poltico? Que foras e prestgio traria a um deputado geral passar a ser membro da "Cmara dos seniores". 39 Para responder a essas questes cabe em primeiro lugar situar a posio dos senadores dentro da estrutura do Estado. Que poder de deciso tinham eles para atrair at polticos que faziam crticas ao modo como eles funcionavam? Dentro do organograma do poder eles vinham logo abaixo do grupo dos ministros. De acordo com a legislao eram selecionados pelo rei atravs de listas trplices sufragadas por votao popular. O poder principal do Senado, que Jeremoabo criticou, mas ao mesmo tempo disputou, era em grande parte decorrente da vitaliciedade de seus componentes. Era um sonho para um jovem deputado saber que ao chegar aos 40 anos, idade mnima permitida para se candidatar, poderia ser eleito para um cargo no qual teria a segurana de permanecer para o resto da vida sem depender da oscilao da balana do poder que ficava na mo do imperador e que ora colocava mais peso para o lado conservador, ora para o lado liberal. Alm do mais teria sua renda aumentada em 400$000 ris. Enquanto um deputado geral ganhava esse valor, um senador embolsaria 800$000 ris por ano. Um poltico da poca nos ajuda a compreender melhor o fascnio que o cargo de senador exercia nos homens pblicos do imprio: "Os homens que entre ns adquirem com o tempo, nome, relaes, maior nmero de adeses, prtica e certo tino parlamentar, apenas tocam os 40 anos buscam no Senado refgio contra a instabilidade das nossas eleies populares, cansados do trabalho que do, e da extrema dependncia em que pem os candidatos. Cada ano vai desguarnecendo a Cmara dos Deputados, s vezes com que tem de melhor com a idade exigida pela constituio para ser senador..." 40 Na verdade nem o fato dos deputados gerais serem o nico grupo habilitado a desmanchar ministrios e reunir o maior nmero que formaria o governo, era capaz de segur-los. Temiam muito mais o ostracismo que a qualquer momento podia bater na porta deles se o imperador pendesse um pouco mais para o lado oposto do poder.
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O fato que Jeremoabo no conseguiu se eleger ao Senado. Feitas essas constataes e apontando alguns motivos para a derrota do baro podemos passar a responder a questo feita anteriormente, que para relembrar vlido aqui repetir: Porque o baro de Jeremoabo, um poltico que no incio de sua carreira tinha todo um perfil que se enquadrava ao modelo exigido para se chegar aos postos mais altos da hierarquia do poder , no conseguiu atingi-los? A resposta a essa questo est na eterna disputa entre conservadores e liberais, que no nosso caso especfico refletia as desavenas entre o baro de Jeremoabo e Manuel Pinto de Souza Dantas - o conselheiro Dantas. Souza Dantas, ao contrrio de Jeremoabo, seguiu todos os passos necessrios at chegar ao crculo interno da elite. Apesar de primo carnal do baro, portanto descendente da mesma famlia de potentados locais,4r no foi eleito para a cmara sem antes passar pelos estgios preparatrios. Aps ter se bacharelado em Direito, em Recife, em 1857, recebeu logo a nomeao de procurador interino dos Feitos da Fazenda. vlido citar aqui os principais cargos ocupados por Manuel Dantas, para melhor embasar nossa anlise, j que ele na sua trajetria poltica real, percorreu quase todos os cargos necessrios para se atingir a estrutura do poder. De procurador interino chegou a presidente do Conselho, onde chefiou um gabinete que ficou conhecido por seu sobrenome - Dantas. Aps a procuradoria interina foi nomeado juiz de rfos substituto de capital; juiz municipal e de rfos de Santo Amaro; promotor pblico da capital; juiz de direito da comarca de Maroim. Paralelamente a essas atividades do campo da magistratura, j vinha exercendo a poltica desde 1852, quando foi eleito deputado provincial na Bahia, tendo sido 1 vice-presidente da Assemblia; 42quatro anos depois j estava na Cmara Geral, para onde foi eleito em cinco legislaturas. A partir da Souza Dantas estando em sintonia com as estratgias do poder que usava de meios para socializar e treinar seus representantes, comeou a circular pelo imprio, exercendo diversos cargos polticos para os quais era nomeado. Na verdade o jovem poltico foi levado a conhecer outra provncia alm daquela onde estudara Direito, logo aps sua primeira nomeao para juiz de direito, em Sergipe. No final de 1859, aps j ter sido eleito deputado provincial e geral foi nomeado para chefiar a Polcia da provncia do Maranho e, logo depois, empossou-se na presidncia de Alagoas. Este ltimo era um cargo muito bem escolhido , pois dele dependia o xito do governo nas eleies, alm disso o presidente tinha prerrogativas importantes, uma vez que era o responsvel por nomeaes estratgicas como a dos promotores, delegados e subdelegados de polcia e oficiais inferiores da Guarda Nacional.
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Da presidncia de Alagoas passou Manuel Dantas a presidir a provncia da Bahia. Em 1866, contando apenas 35 anos, j chegara ao mais importante grupo de poder da estrutura poltica do estado imperial: o dos ministros. Em 3 de agosto desse ano foi-lhe confiado, pelo presidente do Conselho, Zacarias de Ges Vasconcelos, a pasta da Agricultura, Comrcio e Obras Pblicas. Em 1878 passou a fazer parte do Senado. A partir da essa instituio que era to mal vista por Jeremoabo, ou por nunca ter conseguido ingressar em seus quadros, ou por ter enxergado nela o real fator de bloqueio de reformas e de desgaste do prprio sistema poltico, "O Saraiva quer fazer a reforma ( o que ouo) por lei ordinria. Como se portar a Cmara dos Senis? Que papel desgraado ho de representar?"43; passa ainda mais a ser alvo de suas crticas e utilizando-se da expresso de Joaquim Nabuco, para quem o Senado era uma espcie de Sibria, na qual os senadores se isolavam do resto do mundo poltico, dizia em tom de ironia: "... O Junqueira est contentssimo na Sibria; dizer-te que no o mesmo homem de outrora, pois o governo fascina..." aa Mas voltando a carreira poltica de Souza Dantas, a essa altura faltava pouco para atingir o topo da carreira. No Gabinete Saraiva (1880-1882), exerceu a posta de justia e, interinamente, a do Imprio; e em 6 de junho de 1884, chegou a onde faltava, formou e presidiu, como ministro da Fazenda, o 32 gabinete, que durou at 6 de maio de 1885. A propsito do gabinete organizado pelo primo, o baro desabafa inconformado: " Caiu o Lafaiete, cara dura, para erguer-se o Dantas, cara de pau. como se resolve a nossa poltica. Sempre o absurdo e imprevisto. Admira o cinismo com que o Dantas apresentou-se as Cmaras... Talvez um gabinete composto de caixeiros no atravesse a sesso. Veremos. Nossa infeliz provncia com o domnio dessa gente, o que tem a esperar?..." as Esta fala do baro revela um pouco do cerne da questo, ou seja o porque dele no ter atingido postos mais altos na burocracia do estado. Relendo a pergunta de seu desabafo ao seu amigo Jos Gonalves, "Nossa infeliz provncia com domnio dessa gente, o que tem a esperar?"; percebemos que a "gente" de que fala eram os liberais, no s a nvel de provncia, j que com a presidncia do Conselho nas mos de seu primo Dantas estava na presidncia da Provncia o liberal Joo Rodrigues Chaves, como no imprio que desde os meados da dcada de 60 j se encontrava sob o domnio do renascer liberal. Na verdade quando o bacharel Ccero Dantas Martins entrou na poltica nacional em 1869, a supremacia da situao conservadora j estava no fim. Aps um perodo de 14 anos seguidos de gabinetes conservadores, (1848-1862), contando com o perodo da Conciliao (1853-1857); de 1862 at 15 de novembro de 1889 observamos um equilbrio em termos
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quantitativos no nmero de anos em que cada partido permaneceu no poder. Para ser mais preciso 14 anos de gabinetes conservadores e 13 anos e seis meses de liberais. Se compararmos esses dados com os da dcada de 60 para trs, at 1840, observamos a seguinte quantificao: gabinetes conservadores - 18 anos no poder, liberais - 8 anos. Comparando agora os dois perodos, 1840-1862 e 1862-1889, temos uma diferena de 12 anos a mais de predomnio conservador na primeira fase e de apenas seis meses na segunda. Apesar de na segunda fase os gabinetes conservadores ainda terem ultrapassado os liberais em seis meses, essa vitria insereida nas novas conjunturas scio - econmicas e polticas do imprio era apenas aparente. A ordem imperial sustentada pela centralizao, a supremacia do imperador sem oposio, a partir da dcada de 60, passou a ser sacudida por um vendaval que tinha suas origens no perodo regencial, mas no tinha se dispersado totalmente, apenas se desviara um pouco de sua rota esperando que se abrisse alguma brecha na estrutura do estado imperial para de novo poder varrer os recintos da cmara dos deputados e senadores, os sales requintados da aristocracia agrrio-exportadora at chegar ao Pao Imperial acordando o imperador de seu tranqilo sono. Novas foras sociais foram surgindo, a aristocracia cafeeira suplantava a aucareira, a guerra do Paraguai despertou foras que estavam adormecidas, a economia mundial capitalista industrial pressionava o imprio agrrio e escravista, enfim todos as conjunturas levavam a um renascer liberal tanto no campo das idias como no econmico. Ccero Dantas Martins entrou em 1869 para o crculo interno do legislativo pressionando sob todos os lados. Na esfera nacional via cada vez mais os fazendeiros de caf progredirem em detrimento dos de acar do nordeste da Bahia, na poltica observava cada vez mais o imperador ceder aos projetos liberais, em uma tentativa de retardar o esfacelamento do imprio, na esfera local sofria a presso da poltica oposicionista comandado por seu primo liberal Joo dos Reis de Souza Dantas, irmo do conselheiro Dantas que da corte lhe dava carta branca para agir em nome dos luzias. Os vinte ltimos anos do regime monrquico passou o baro de Jeremoabo tentando se equilibrar na gangorra dos partidos polticos. Adotou a estratgia da coroa em relao s reformas liberais. Procurou se unir aos seus pares conservadores reforando a sintonia com os saquaremas na tentativa de anteciparem-se as inovaes propostas pelos luzias. Atravs de seu voto na cmara tentou retardar propostas liberais relacionadas a reformas eleitorais, abolicionistas, etc, antecipando-se na iniciativa, com o objetivo de no perder totalmente o controle da situao. Situao essa que representava a sua prpria sobrevivncia e de sua classe, calcada
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em um conservadorismo que tinha razes na terra, no escravo e nos monoplios do poder e do ter. A nvel de poder local, j que no mbito nacional era tolhido pelo cons. Dantas, procurou defender uma poltica econmica da qual tirava proveito. Exercia sua autoridade de potentado local, mas sempre de acordo com os ditames da poltica centralizadora da coroa. Tinha conscincia da autoridade que possua, nos municpios em que dispunha da maioria dos votos, sobre os escravos e sobre os moradores de seus engenhos; mas no extrapolou nessa autoridade, pois sempre a condicionava aos poderes constitudos pela burocracia do estado, sem com isso querer dizer que fosse passivo a todas as decises. Poderia at atuar utilizandose da prpria burocracia do governo em proveito prprio; "...na carta que escrevi-te por teu cunhado falara-te da nomeao do Jos Alves para Juiz municipal desse termo ; e como no obtivesse ainda resposta tua, tendo de me retirar e querendo prevenir qualquer incidente, resolvi tratar logo de sua nomeao, que de fato realizou a 5 deste ms. Posso enviar porem me parece que tu e os amigos se deram muito bem com ele, que no me deixar ficar mal; j o conheo desde o Itapicur _"46 Era atravs das atividades policiais e judicirias que o governo central controlava ao local. A partir de 1841 o governo reforou ainda mais a centralizao definindo o sistema judicirio que duraria, com poucas modificaes, at o fim do regime imperial. O cargo de juiz de paz que tinha sido criado em 1828, continuou existindo mas com funes bastantes reduzidas. A magistratura togada compreendia desde os juizes municipais at os ministros do Supremo Tribunal de Justia. Os juizes municipais e de rfos eram nomeados entre bacharis com um mnimo de um ano de prtica forense para perodo de quatro anos. Podiam, ento, ser promovidos a juiz de direito, ou ser conservados para outro quadrinio, ou mesmo abandonar a carreira, pois no tinha estabilidade. J os juizes de direito possuam estabilidade e s podiam ser afastados do cargo por processo legal, embora pudessem ser removidos de um lugar para outro.

A nomeao de um juiz dependia do Governo Central, mas essa era feita geralmente em uma pessoa indicada ou representasse um potentado local. O Estado brasileiro na colnia e princpio do imprio no tinha condies reais de estender seus poderes pelos diversos localidades do pas, por isso se viu forado a estabelecer um rede de compromissos com os grandes latifundirios, que lhes socorriam com servios particulares, ou atravs dos grupos que controlavam, em troca de favores ou doao de privilgios.

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Depois de 1841, com a reorganizao das foras conservadoras que interpretaram o Ato Adicional de 1834 e reformularam o Cdigo do Processo Criminal, o governo passou a ser realmente o rbitro dos conflitos locais, principalmente das disputas entre poderosos. Quando o baro de Jeremoabo tomou a direo da poltica local, com o falecimento de seu pai em 1872, a estrutura j estava bem montada, "... Essa coluna parte do imperador e vai at as eleies paroquiais, articula-se na vitaliciedade e se projeta nas autoridades policiais e judicirias donas dos votos, no manejo caricato da soberania nacional. A opinio pblica, os interesses de classe no tem autonomia: so a sombra do governo, do grupo encastelado na vitaliciedade vida de buscar, na hereditariedade, o domnio das geraes. A influncia oficial sedimentada de tradies e vinculada a uma ordem econmica patrimonial, mercantilistas nos processos, favorece certas atividades e estrutura no Estado os imperativos de sua sobrevivncia. A primeira conseqncia, a mais visvel, da ordem burocrtica, aristocratizada no pice, ser a inquieta, ardente , apaixonada caa ao emprego pblico...'' Como um potentado local, Jeremoabo tinha conscincia de seu poder, mais no se enganava quanto a dimenso dele. Procurava ajustar-se a hierarquizao de poder, que colocava a figura do presidente da provncia, como representante do governo, que por sua vez o escolhia de acordo com o partido dominante. Deste modo estava sempre subordinado ao presidente da provncia. Caso este fosse um conservador as portas lhe seriam abertas, caso contrrio teria muitas dificuldades, inclusive em sua prpria zona de influncia. Essa dependncia ao poder central, que por sua vez estava envolta no jogo dos partidos lhe causava constante preocupao, "... minha opinio que em muitos lugares triunfam os liberais, como por exemplo: aqui na corte, j foram nomeados os presidente de provncia. Portela, para a Bahia - Graa, Paraba - Pinto Lima, So Paulo - Godi, Minas - Vila da Barra, Par - Jos Bento Jnior, Maranho, etc. O Portela s partir no vapor ingls de 23 por ter perdido h 8 dias um irmo mdico, que aqui estava... "4" A possibilidade de ascenso de um presidente liberal em sua provncia o tornava cauteloso e previdente. Era preciso cuidar o mais rpido possvel da nomeao de juizes, promotores e chefes policiais antes que isto acontecesse, "... Ao Espinheira deveria ter mandado os nomes dos nossos amigos, que te pedi para os cargos policiais, se o no fizeste convm que sem demora o faas... ".49 Sabia que se realmente fosse confirmado o nome liberal para sua provncia, perderia seu poder de barganha junto ao governo central. Portanto era mister, enquanto havia tempo, reforar as alianas com as autoridades judicirias a nvel local, ao menos para contar com sua simpatia ou conivncia nos momentos em que fosse preciso burlar a lei ou
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os resultados eleitorais, para no ser totalmente alijado das decises de mando nos momentos de ostracismo. nesse momento que procurava reforar as relaes de clientelismo, em uma clara demonstrao da quebra de fronteiras entre o pblico e o privado. Tratando com seu amigo Jos Gonalves sobre a nomeao de um juiz municipal para o termo de Vila Nova da Rainha diz: "Convm que mandes a conduo para a tua viagem quanto antes a querer que ele siga logo, para o Regalo, porque com as viagens que tenha a fazer e com as condues que dei antes de partir no tenho animais em estado de fazer tantas viagens. Escrevi-lhe para que ele te pedisse a conduo, marcando o nmero de animais, que deve ser pelo menos 4; dois para ele e o criado e 2 para a carga, guia, condutor etc. A casa tu preparars. Se andei mal em tudo isso no foi propositadamente pelo que me desculpars... "'0 Mas no s com o juiz municipal o baro se preocupava, era preciso procurar abarcar o maior nmero possvel de agentes pblicos. A nomeao pelo governo dos delegados e subdelegados, oficiais da Guarda Nacional, a partir de 1850, juizes substitutos e promotores que serviam nas comarcas e geralmente no eram juizes de direto, no invalidava a autoridade dos chefes locais, pelo contrrio at reforava na medida em que procurou restringir ao mximo a participao dos magistrados em cargos polticos. Assim os poderosos o teriam a seu servio, em concordncia com seus interesses eleitorais, que se fossem contrariados provocavam reao imediata , ' Diz-me se queres a demisso do teu promotor e neste caso apontas o nome do substituto porque tenciono tratar disto. Lembrei-me do Arsnio; filho da, serve-te?..."51 O exerccio do poder dos chefes locais no foi violado no imprio; passou por um processo de adestramento e treinamento para que fosse capaz de canalizar sua autoridade para o mbito da esfera pblica. Porm caso no estivesse em sintonia com esta, representada pelo partido que estivesse no poder e pelo presidente de provncia que era a voz do situacionismo, sua autoridade era contrariada e a partir da a imagem do agente pblico que era visto com bons olhos, passava a ser negativa: "um juiz de direito cnico, sem parelhas, que me foi oferecido pelo sr. Silva Nunes, como ouro sem liga, anarquizou-me a comarca, que vivia em pleno sossego, a ponto de obrigar-me a deixar a famlia, e s carreiras partir para ali, com o fim de auxiliar os amigos que estavam sofrendo a perseguio mais atros de semelhante hiena! Tudo se teria evitado se no fosse a precipitao do Sr. Lucena (presidente de provncia), que jurando somente nas palavras de seu patrcio, deu-lhe carta branca para na comarca absorver todas as atribuies judicirias e policiais at a de coronis!!!... "52

O poder pblico, desta maneira, no anulava o privado mas trazia-o para dentro de si, limitando seu campo de atuao ao organograma burocrtico do estado, em outras palavras,
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"...0 governo trazia para a esfera pblica o processamento do conflito privado mas ao preo de manter privado o contedo do poder... O arranjo deu estabilidade ao imprio mas significou, ao mesmo tempo, uma sria restrio extenso da cidadania e, portanto, ao contedo pblico do poder. O governo se afirmava pelo reconhecimento de limites estreitos ao poder do

Estado...

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Cabe-nos agora falar um pouco da figura do presidente da provncia. Este era um cargo muito importante, pois dele dependia a vitria do governo nas eleies e particularmente no nosso estudo servir para melhor explicitar a relao que o baro de Jeremoabo mantinha com o poder central, aqui neste exemplo quando o partido conservador estava afastado do poder. Entrar na nossa anlise, mais detalhadamente, outro componente: as eleies, mola propulsora das disputas polticas. O relacionamento do baro de Jeremoabo com os homens que eram as peas chaves das eleies no foram muito tranqilas, principalmente porque, o momento em que se afirmou na poltica coincidiu, como j vimos, com uma fase que foi mais propcia aos gabinetes liberais. Desde 1874, estando Jeremoabo ocupando a cadeira de deputado geral na 15a legislatura (1872-1875) j sentia o poder do presidente de provncia, que lhe era contrrio. Este alm de comandar os agentes pblicos (sub-delegados e juizes) nos processos eleitorais, mesmo em fases no eleitorais possua funes importantes, uma vez que tinham em suas mos o controle das nomeaes estratgicas como a dos promotores, delegados e sub-delegados de polcia (autoridades policiais) e oficiais da Guarda Nacional. Possuidor de tais atribuies, o presidente da provncia da Bahia no perodo de 1873-1874, Antnio Cndido da Cruz Machado, enfrentou abertamente a autoridade local de Jeremoabo: "Deves de ter sabido das loucuras praticadas na Bahia pelo amplivago Cruz Machado. Parece incrvel tanto descaso, s tendo testemunha. Designou os liberais, e o Rocha e Afonso e Vicente Costa; estes 2 ltimos moram em Palcio. Por ali avalia o que no ter feito desembestado amplivago. Andei sempre pelo serto, mas durante 8 dias em que estive na Capital fui testemunha de seus desatinos, e entendi no visit-lo. S por isso tem feito reao no distrito nomeando promotores liberais (como Maciel Monteiro) e at autoridades policiais. Por causa desse malvado os Gis, pai e filho, Monteiro e Deir se declaram logo em oposio, e muitos outros acompanh-los-ia se o sr. de Cotegipe, uma das vtimas do Cruz, se declarasse igualmente porque neste caso j no existiria sa o 7 de maro...

A interferncia do presidente da provncia era to grande que at na gesto dos cargos mais baixos da organizao do estado ele procurava interferir, buscando tirar nisso proveito
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para as eleies. Em conluio com um chefe poltico oposicionista a Jeremoabo, Cruz Machado utiliza-se de suas atribuies para prejudica-lo: "... No satisfeito com o papel que representou na eleio e que tu bem sabeis, procura o filho do vigrio do Bom Conselho, o clebre Canela Preta, e aproveitando a minha ausncia, e a ateno do Cruz Machado para com ele protege-o escandalosamente no concurso da cadeira primria, e ali se apresenta azmola como professor vitalcio, e debaixo de foguetes, etc. Tem isso explicao... s5
Talvez o baro por estar envolvido pelos dios e paixes polticas do momento no conseguisse dar explicaes para tais atitudes, que um observador a distncia logo as diagnosticariam. Tratava-se da disputa entre liberais e conservadores, estimulados pela proximidade de eleies: "Propala contar com o colgio de Vila Nova, e de Jacobina para ser o futuro deputado, e por isso entende que deve fazer a maior liga com o Franco pai e filho, julgando-se assim

mais seguro...

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A situao agrava-se ainda mais quando a disputa entre luzias e saquaremas era incrementada por velhas rixas de famlia. Os Dantas que at a dcada de 50 se encontravam unidos no partido conservador, em 1861 se dividiram em partidos opostos. O coronel Joo Dantas, seus filhos Joo, Ccero e Bencio, seu genro Fiel e seus sobrinhos Jos, Incio e Porttil, permaneceram saquaremas. O coronel Jos Dantas, seu filho Gualberto, seu genro e sobrinho dr. Joo Dantas e seus sobrinhos Manuel e Maurcio Dantas, acompanharam Olinda, Nabuco, Zacarias e Saraiva que formaram a chamada Liga, ou Partido Progressista e se tornaram luzias. 57 Aps ter sido eleito em trs legislaturas seguidas, 14 ,15 e 16 (1869 - 1876), Ccero Dantas depara-se com seu primeiro grande obstculo na vida pblica. Aps oito anos de mandato no parlamento nacional, teria que enfrentar uma eleio que estaria sob os auspcios do partido liberal, pois a 5 de janeiro de 1878 subia ao poder o liberal futuro visconde de Sinimbu. A partir desse gabinete at 20 de agosto de 1885, quando os conservadores voltam ao poder sob a presidncia do baro de Cotegipe, os liberais se revesam no poder, trocando de presidentes de conselho 6 vezes. Alguns historiadores denominam esse perodo como o do "Rosrio" de gabinetes liberais. Como no era surpresa Jeremoabo perdeu todas as eleies nesse perodo. J na 178 legislatura (1878-1881) foi derrotado. A parti da at o ressurgimento do gabinete conservador em 1885, dividiu seu tempo entre seus engenhos Regalo e Camuciat. do primeiro que impossibilitado de uma reao, contenta-se em criticar a poltica do visconde de Sinimbu; "... Como marcha a poltica liberal do nosso pas. O Cansano, bancarroteiro, continuando no governo, e por ser do agrado do nosso rei. Os liberais esforam-se por desmoralizarem as nossas instituies, e conseguem porque os maus exemplos ficam..."5S
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Foi nesse nterim (1878-1885) que Ccero Dantas sofreu maior oposio de seus primos liberais que nessa poca eram liderados pelos irmos Manuel Pinto de Souza Dantas (o conselheiro Dantas) e Joo dos Reis de Souza Dantas. O primeiro como j vimos tinha projeo nacional, inclusive chefiando um gabinete no perodo de 1884-1885, o segundo ficou responsvel pela liderana poltica dos liberais no nordeste da Bahia. Joo dos Reis de Souza Dantas e seu filho homnimo foram protagonistas de uma disputa eleitoral com o baro de Jeremoabo por uma vaga de deputado geral no ano de 1884 pelo 9 distrito, que era a zona de influncia dos Dantas Conservadores. Vale a pena tecer alguns comentrios a respeito dessa eleio, pois nos parece ser um bom exemplo de como se processavam as eleies no regime imperial; alm de nos dar algumas pistas de como se comportavam dois chefes polticos locais em momento de desavenas. Antes disso vlido fazer um rpido resumo biogrfico do representante liberal da famlia na provncia para melhor podermos contextualiza-lo dentro da estrutura centralizada do estado imperial e assim perceber seu real poder de mando. Nasceu Joo dos Reis de Souza Dantas a 6 de janeiro de 1828, no "Engenho Itapororocas", municpio de Inhambupe. Formou-se em direito, em 1857, pela Faculdade de Recife e logo aps de formado iniciou sua trajetria poltica pela magistratura, ocupando os cargos de: promotor de Inhambupe, juiz municipal e de rfos de Tucano e Pombal e juiz municipal de Jeremoabo e de Alagoinhas. Da magistratura ingressou na poltica. Comeou como deputado provincial para onde foi eleito da 108 138 legislatura (1854-1861); 17a (1868-69); e 238 278 (1880-1889). No chegou a atingir a poltica nacional, mas na esfera provincial chegou ao mximo que se podia alcanar na carreira poltica, foi vice-presidente de provncia durante vrios mandatos e assumiu a presidncia no perodo de 5 de janeiro a 29 de maro de 1882. s9 O seu prestgio na dcada de 80 estava vinculado a grande fora que seu irmo possua na corte, inclusive junto ao imperador, tanto que chegou a ser presidente da sua prpria provncia natal, em uma poca em que uma das estratgias polticas do governo era a de nomear para o cargo mximo do executivo provincial, apenas polticos que no fossem filhos da terra, procurando evitar, desta maneira, um vnculo mais forte entre o escolhido, para um cargo que era considerado uma das peas chaves do processo eleitoral. Em relao aos potentados locais sua nomeao foi uma exceo pois se essa prtica se generalizasse, certamente, a poltica centralizadora do estado imperial sofreria uma brecha. Desta maneira a poltica adotada pela Coroa em relao aos presidentes de provncia, na maioria das vezes, era a da transitoriedade e rotatividade. Pouco tempo eles permaneciam nos car125

gos e chegavam a presidir trs a quatro provncias. Em um caso extremo Herculano Ferreira Pena, chegou a administrar oito provncias diferentes. Mas a realidade que estando o presidente de provncia no exerccio do poder exerciao de fato e de direito, procurando satisfazer o partido que ele representava e os candidatos por ele indicados. Para atingir esses objetivos os limites da lei muitas vezes eram ultrapassados. Jeremoabo pressentindo uma derrota de seus candidatos tenta se articular: "... A eleio Provincial j foi marcada para o 3 domingo de novembro; naturalmente meus candidatos no faro parte da chapa, se houver, porque o sr. Lucena (presidente da provncia) hostiliza principalmente ao Melo e Agripino; portanto desde j ficas prevenido para ambos no teu colgio serem os mais votados, a fim de que possa eu inclu-los no tero, o que no ser dificil se contar com teu apoio e de outros amigos. No convm porm publicidade porque o Lucena tomar as providncias a Impo de-derrotar-me. Os outros dois, so o Quinquim e Jos Olmpio..."
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Voltando as eleies de 1 de dezembro de 1884 em que o baro disputou uma vaga a 19a legislatura, penltima do imprio, com seu primo Joo dos Reis de Souza Dantas Filho, observamos que em junho desse ano ele j estava sem esperanas de uma possvel vitria. Afinal seu primo liberal estava presidindo o 32 Gabinete, formado a 6 de junho, e seu representante na provncia, seu irmo Joo dos Reis de Souza Dantas, era o vice-presidente e pai do candidato oficial; dizia inconformado: "Esquecia de chamar a tua ateno para o candidado do infeliz 9 distrito... tem descido muito nossa infeliz provncia e sobretudo o nosso infeliz distrito..." 61

O 9 distrito era a zona de influncia do grupo conservador da famlia Dantas. Era composto de 13 parquias.62 Nessas o baro de Jeremoabo, mesmo seu partido estando afastado do poder, tinha o domnio da maioria dos eleitores. Como no era praxe ser aceito pelo partido situacionista , candidatos que no fizessem parte de suas fileiras, logo se providenciavam meios que impedissem uma possvel vitria, ou, melhor dizendo, um reconhecimento de um candidato oposicionista, mesmo que esse obtivesse um maior nmero de votos. Vale ressaltar que essa prtica era usada tanto por membros do partido liberal, como do conservador, pois o importante era conseguir uma maioria para garantir o bom funcionamento do parlamento. O exemplo que aqui ser citado no pretende demonstrar nem provar a desonestidade de um partido, em detrimento de um comportamento "ilibado" de outro. A inteno expor uma prtica comum a ambos, tentando entender um pouco o desempenho dos atores que a representavam.
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O nosso informante, o prprio baro de Jeremoabo, atravs de um artigo escrito na Gazeta da Bahia, a 18 de dezembro de 1884, intitulado: "A eleio do 9 Distrito", nos d uma srie de informaes a respeito das eleies ocorridas no dia 1 de dezembro, em todos as parquias de sua influncia, descrevendo-as nos mnimo detalhes. Sua narrao, apesar de poder esconder alguns aspectos importantes talvez por convenincia poltica, significativa no sentido de ser um testemunho de uma poca, como ele mesmo diz:
As violncias e fraudes que deram-se em algumas freguesias do 9 distrito na eleio de 1 do corrente, em que fui candidato, devem passar ao domnio da publicidade. o que vou fazer, sob minha responsabilidade , para que a verdade no seja envolta no mistrio, ou posta a falsidade. Testemunho ocular das ocorrncias na vila do Bom Conselho, por onde principio. Constituda a mesa eleitoral no dia 30, como consta da respectiva ata, foi aceito o meu fiscal capito Aristides da Costa Borges. No dia seguinte , 9 horas da manh em ponto, com os eleitores meus aliados e amigos em nmero de 91 , dirigi -me a casa da cmara municipal , e ali nos conservamos at 10 %4 horas da noite sem que aparecessem o presidente e membros do colgio eleitoral. Era uma hora da tarde , quando um eleitor liberal nos comunicara ter sido convidado pelo juiz de paz Incio Francisco Soares para assinar a eleio que estava feita em casa do professor Francisco Soares e Silva , onde estava hospedado o Sr. Dr . Joo dos Reis de Souza Dantas, irmo do presidente do Conselho, vice presidente da provncia, e pai do candidato oficial. Apenas mediando o tempo de ser, s pressas , feita uma petio, assinada pelo capito Aristides e outros eleitores , dela foram portadores para o 1juiz de paz o eleitor Jos Severo de Menezes e outros para que lhes declarasse se vinha ou no eleio. Nem ao menos foi recebida , quanto mais despachada . O juiz de paz, procurando o interior da casa do professor ali encerrou-se, e no houve mais quem lhe pusesse os olhos durante aquele dia. Burlada em parte essa providncia, outra petio fez o capito Aristides e pessoalmente levou ao juiz de Direito Napoleo Simes de Oliveira , que tambm estava na aludida casa, dirigindo a tropa com o irmo do presidente do conselho. O fim dessa petio era a certido da fala da eleio, que constava esta transcrita nas notas do tabelio Alexandre Rodrigues , e um protesto contra os membros da mesa no edificio legal . Depois de haver declarado o juiz de direito (Sic): que s despacharia em casa, e que para ali iria quando bem quisesse , s 3 horas da tarde mandou leva-la despachada na casa da cmara onde permanecamos. 127

Mapa representando a zona de influncia poltica do barco de jeremoabo no nordeste da Bahia . No imprio essa rea correspondeu politicamente ao 42 e 9Q distritos . Foto da revista VEJA.

S a noite e com dificuldade foi encontrado o tabelio , que certificou negativamente, deixando claramente entrever que procedeu - se a eleio clandestina, mas que no foi transcrita . E por demais j era essa certido , porque na sala da cmara municipal estvamos eu e os meus amigos e aliados assinando o protesto que, no livro de notas do tabelio companheiro fizemos inserir protesto que logo na manh do dia seguinte , foi lido pelo juiz de direito , que pressuroso pediu o livro para l-lo com o sr. dr . Joo Dantas. Somente a atitude enrgica de no arredar p da cmara , foi que deu lugar a abortar o plano de uma eleio clandestina (se que abortou ) igual a que se disse ter havido em julho de 1882 para vereadores e juizes de paz , em que o partido conservador , tendo sensvel maioria, nem um imediato pode fazer. O sr. dr . Joo Dantas julgou que, com promessas , corrupo , ameaas ou com sua presena sultnica , pudesse aliciar ou aterrorizar o eleitorado conservador , mas iludiu-se, e apesar do seu poderio e pujana , e de vir expressamente ferir combate, desertou , pois ao passo que as suas fileiras rarefaziam -se, as do lado adversrio engrossavam. Em tais apuros , pela certeza da derrota estrondosa , ordenou mesa unnime que no comparecesse no dia de eleio , para assim nulificar o excesso de votos que redundariam em meu favor.
Nas freguesias em que o eleitorado conservador teve maioria , foi a senha fazer-se a eleio clandestina . Mas como nem em todas as mesas unnimes , o plano tambm abortou., 63

Estava errado o baro quando disse que " o plano tambm abortou ." Perdeu as eleies para seu primo por uma diferena de 24 votos apenas . Apesar dessa narrativa ser um pouco extensa achei interessante transcrev - la, pois ela nos revela caractersticas importantes das eleies nos tempos do imprio. Fala da qualificao e do voto, duas aes que geralmente se faziam acompanhar da violncia . Fala da cmara e seu papel na realizao das eleies municipais . A composio da mesa eleitoral tambm est presente , afinal todos sabiam na poca que o resultado das eleies muito dependia da organizao delas . E por final toda a dissertao fala em fraude , insinuando a existncia de eleitores manipulados e de contagem arbitrrias de votos . Eram assim que se realizavam as eleies, tanto para Luzias , quanto para Saquaremas.

A observao atenta da maneira como eram realizadas as eleies pelos dois principais partidos do imprio e a maneira como seus representantes agiam com o objetivo de garantirem a vitria, nos deixa claro que se haviam semelhanas ou diferenas entre ambos , no importava, pois no fundo existia interesses comuns que representavam a mentalidade conservadora de

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uma poca: ganhar as eleies e manter a posio econmica e social que lhes eram dadas pela terra e pelo brao escravo. Os projetos de reforma eleitoral, discutidos com grande amplitude nas dcadas de 70 e incio de 80, foram vistos pelos conservadores, entre eles o baro de Jeremoabo com bastante cautela: "Amanh entra na discusso o projeto de reforma eleitoral apresentado o ano passado, de que j tens conhecimento; a luta ser grande. A maioria sem dedicao. No Senado creio que ela no passar...64 Aps a Lei n 1082, de 19 de agosto de 1860, que estabeleceu eleies indiretas por crculo de trs deputados, s surgiu outra modificao em 1875, como a lei do tero ou representao das minorias. Esta j surgiu impulsionada pela corrente liberal, que a esta altura tornava-se dificil de se conter. Desde 1869 que eles no mais queriam aceitar dois tipos de eleitores: os de parquia e de provncia. Os primeiros encarregados de eleger os eleitores de provncias , e estes os deputados e senadores. Exigia-se eleies diretas na corte, nas capitais das provncias e cidades com mais de dez mil habitantes. Se essa lei surgiu no contexto do renascer liberal, no foi feito porm por um deles. Coube a tarefa ao visconde do Bom Conselho, Jos Bento da Cunha e Figueredo, em 20 de outubro de 1875, que fora incumbido pelo imperador para realizar o programa proposto pelos liberais em 1869. O ponto principal dela ser a representao das minorias, com um tero de votos a ela reservado, no escrutnio incompleto, novamente alargando o circulo para toda a provncia. Apesar da reforma ter sido feita pelos conservadores, " O Rio Branco espera mesmo ali triunfar porque o negcio do ato...'65; j que a estratgia deles era usarem as prprias propostas dos liberais, como meio de melhor control-las; o baro de Jeremoabo no gostou da reforma: "Discute-se a reforma eleitoral e vamos ter eleio por Provncia, porque at alguns oposicionistas adotam-no! ! ! Marchamos para o Regresso...',66

Apesar dos liberais terem sido os incentivadores da nova lei, as primeiras eleies realizadas sob a vigncia dela no deu o resultado esperado nas urnas. Em um imprio que predominava a situao conservadora, os liberais s conseguiram eleger 16 deputados, em lugar dos 25 que lhes cabiam.
Porm a negociao feita por Rio Branco no foi suficiente para conter a avalanche liberal; fracassara. Os luzias queriam dar o golpe magistral; reivindicavam o crculo de um deputado e a eleio direta. Esta ajudaria a resgatar um pouco a verdade eleitoral. Era inevitvel que fosse posta em prtica e o prprio imperador pessoalmente assumiu a direo dos acertos,
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destituindo o gabinete conservador, e em seu lugar, colocando os liberais Sinimbu (1878) e Saraiva (1880-1882). A reforma to desejada foi aprovada neste ltimo gabinete em 9 de janeiro de 1881 e recebeu o nome de seu executor, "Lei Saraiva". O projeto que a princpio parecia to liberal, no fundo respaldava os privilgios da elite, mantendo fora do sistema poltico a participao popular. A Lei n 3.029 trouxe dois propsitos: instituiu a eleio direta, excluindo o analfabeto e elevou o censo de 200 $ para 400$000. Jeremoabo, apesar de estar politicamente afastado do poder no gabinete que executou a eleio direta, fez coro a seu favor sete anos antes dela entrar em vigor: "... no s os liberais, como muitos conservadores , j se tem manifestado pelas eleies diretas ...". 67 Muitos conservadores, inclusive ele. Pelo andar da carruagem sentiu a necessidade de se aprovar uma lei dita liberal. Essa concesso serviria para aliviar as presses dos setores urbanos liberais e at territoriais, que movidos pelas novas conjunturas econmicas da segunda metade do sculo XIX, pregavam um liberalismo que para ser aplicado na realidade poltica-social-econmica do imprio brasileiro, s podia estar revestido de um carter utpico e demaggico. O esprito conservador, que o baro de Jeremoabo possua e era comum a todos, em relao aos interesses econmicos, de manuteno dos privilgios e do status quo, foi satisfeito: o povo passaria a votar diretamente, mas no todo ele, apenas aqueles que fossem capazes de falar em nome dos interesses poltico-econmico agrrios dos senhores, pois os setores mdios urbanos da sociedade, e muito menos os escravos no poderiam votar, ou seja, estavam excludos da cidadania do estado imperial. As medidas tomadas pelo governo imperial em relao as reformas eleitorais foram atitudes conciliatrias para conter o mpeto das novas foras sociais que iam surgindo. O mesmo tratamento procurou dar as campanhas abolicionistas que a partir do final da dcada de 1860 comearam a se intensificar. A questo no era s poltica, por traz dela vinham questes econmicas como conflito de interesses entre a velha aristocracia escravista e a nova cafeeira do Oeste Paulista. Tambm no podemos esquecer o processo de diversificao social que se caracterizou na segunda metade do sculo XIX devido a modernizao e urbanizao que principalmente as provncias do sul vinham experimentado. A classe conservadora da provncia da Bahia, do qual o baro era um representante j estava ha muito tempo decadente e excluda do desenvolvimento econmico que os conservadores do sul vinha experimentando. A expanso da lavoura cafeeira introduzira, na prtica scio-econmica, a transio do escravismo colonial para um modo de produo efetivamente
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capitalista, com o uso do assalariamento do trabalhador imigrante. Ao mesmo tempo, nas reas decadentes da economia nordestina, a prpria perca de lucratividade vinha impossibilitando aos fazendeiros a manuteno de seus escravos, que eram vendidos s reas cafeeiras do sul ou transformados em moradores, colonos e outras formas de relacionamento no escravista. nesse contexto de decadncia econmica, de estagnao da economia aucareira nas provncias do norte que o baro de Jeremoabo, juntamente com o seu sogro Antnio da Costa Pinto (Conde de Sergimirim) e Antnio da Costa Pinto Jnior (Visconde da Oliveira) fundaram o Engenho Central do Bom Jardim, o primeiro do norte e nordeste e o quinto do pas; "...Inaugurou-se o nosso Engenho Central no dia 21 de janeiro de 1880. Ainda h obras para concluir, mas era preciso aproveitar a safra que estava se perdendo. Tem feito timo acar, o trabalho bonito; despesas excessivas, pessoal crescido... ".68 Algumas consideraes so necessrias serem feitas a respeito do grande projeto do `Bom Jardim" engendrado por Jeremoabo, pois ele significou a tentativa final da velha elite aristocrtica baiana em conservar seus privilgios. Nas ltimas dcadas do imprio o baro agiu e viveu, preocupando-se em manter a supremacia de sua classe. Na dcada de 70 do sculo XIX haviam duas realidades distintas em termos econmicos-financeiros. As provncias do sul progrediam e as do norte decaiam. O comrcio bancrio da corte em grande expanso, fomentado pelos capitais livres que eram utilizado no trfico, permitiu ao fazendeiro do Vale do Paraba aumentar suas lavouras, e pagar pelo preo do escravo que com o fim do trfico tinha dobrado, podendo desta maneira equilibrar seus dbitos. As colheitas foram aumentando, a partir da dcada de 50 e no decorrer da de 60, incentivadas pelo bom preo. J no norte a falta de dinheiro na praa, a concorrncia dos produtores externos e a gradativa perca da sua fora de trabalho conduziu o mais importante produto da economia colonial a decadncia completa. A agricultura do norte, respaldada pelos comissrios, no fim do trfico, em oposio ao sul, no conduzia suas rendas livres s plantaes. Enquanto, ainda no fim da dcada de 50 e comeo da de 60, o Banco da Bahia destinava algumas verbas para as plantaes, nenhum emprstimo se fez diretamente, com garantia hipotecria, reduzindo esse mecanismo ao mbito da dcima urbana, em decorrncia da precria legislao do imprio. 69A lavoura do nordeste ficou excluda dos investimentos, e condicionou-se as oscilaes do mercado internacional, perdendo a capacidade de garantir os emprstimos que fizesse. Todos chegaram a concluso que a atividade do acar no era mais rentvel com o alto valor do escravo, vendido com mais freqncia para as fazendas de caf.
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A famlia Costa Pinto e o baro de Jeremoabo em uma ltima tentativa de manterem sua posio econmica que ha muito j vinha sendo abalada entram com todas as suas foras no projeto do Bom Jardim, "...constantes acusaes a minha Provncia, de inerte a rotineira, sentir pulsar o corao e procurei meios de sufoc-los ou desmenti-los... ".70 Aproveitando-se da primeira lei pronvicial, de 1874, que subvencionou a concesso de construo de fbricas centrais, e a aprovao do decreto legislativo de 5 de novembro de 1875, que assegurava a garantia de juros aos engenhos centrais, com o Banco Hipotecrio, os principais scios do projeto (famlia Costa Pinto e Jeremoabo) apostaram na unio dos setores privados e estatal como nico meio de assegurar a sobrevivncia da exportao agrcola. O plano de garantia de juros sobre o capital utilizado para a construo das usinas ficou fixado em 7%.71 Em 1876, a famlia Costa Pinto, recebeu a concesso imperial para a construo da usina, com a garantia de 7% de juros sobre 700$000 a serem investidos no projeto da Fbrica Central do Bom Jardim, a ser construda no reduto do mesmo nome, pertencente aquela famlia. A 22 de outubro de 1877 foi celebrado no Rio de Janeiro o contrato com a firma francesa de Fiveslille, que possua substancial experincia nos negcios de usinas de acar. Este foi assinado pelo representante da companhia no Brasil e pelo deputado geral Ccero Dantas Martins, procurador do grupo Costa Pinto.72 Aps todas as dificuldades com o transporte, mo-de-obra escrava e imigrantes, impostos altos, falta de combustvel, a Fabrica Central do Bom Jardim foi inaugurada solenemente no dia 21 de janeiro de 1880 e Ccero sentindo-se realizado, apesar das dificuldades, pe Jos Gonalves a par dos acontecimentos, " ...Pouco faremos este ano porque no podemos moer de noite por falta de combustvel, pois no h lenha que chegue, s carvo de pedra, e para o transporte deste s a cansada estrada de ferro de Santo Amaro..." 73 O Engenho Central do Bom Jardim foi concebido, cresceu e decaiu envolto nos problemas macro-econmicos da decadente economia aucareira. Ainda antes de entrar em funcionamento Jeremoabo j se queixava laconicamente: "Os sacrificios foram enormes e Deus no proteger..."74. Cinco meses aps a abolio reclama de como essa nova condio social contribuiu ainda mais para os problemas da Bom Jardim: "...Vou da pior forma e s deixarei de naufragar pela f que tenho em Deus e nos meus esforos... Esta safra ainda alguns engenhos, na futura poucas. A fome bate a porta, e os assaltos e roubos tomaro o lugar... "75 e finalmente o veredicto final: "...conclumos nosso negcio no banco, passando 300 contos para a carteira agrcola, tirando cada um de ns 100 contos, e o restante ficou na carteira Comercial

ao juro por ano...

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ANTIGA SEDE DA USINA BOM JARUIM

(rspeetos extcr:uws)

Sede do Engenho Central do Bom Jardim, inaugurado no dia 21.01.1880, pelo baro de Jeremoabo, em sociedade, com seu sogro Antnio da costa Pinto ( conde de Sergimirim) e seu cunhado Antnio da Costa Pinto Jnior ( visconde da Oliveira). Este Engenho Central foi o primeiro do norte nordeste e o quinto do pas . Foto de Manuel Folgueira, Album...,pp.470,1930.

O "negcio no banco" a que se refere Jeremoabo, diz respeito as transaes feitas pelos associados do Engenho Central do Bom Jardim, no pagamento das dvidas e na efetuao da venda da usina. Pang endossa os problemas relacionados por Jeremoabo em diferentes perodos e reporta-se a esse momento: "... impossibilitados de moer bastante cana, profundamente endividados e tolhidos pela escassez de matrias primas, os principais donos da usina preferiram vender Bom Jardim Companhia Agrcola Usinas e Terras, representado pelo banco emissor da Bahia, e pela Companhia Industrial e de Melhoramentos da Bahia. Um preo total de 400 contos (Bom Jardim com suas 40 tarefas de terras e 17 quilmetros de estrada de ferro e o engenho Bom sucesso com 735 tarefas de canavial, foi pago aos principais dos Costa Pinto - a condessa de Sergimirim, ao visconde de Oliveira, ao baro e baronesa de Jeremoabo..."" Da lembrana do mega-empreendimento ficou-lhe a concesso do ttulo, um dos pressupostos que sustentavam o princpio conservador, dados pela nobreza e o esplendor que ela trazia em volta de si. Passou a assinar Baro de Jeremoabo a 16 de fevereiro de mil oitocentos e oitenta. O imperador agradeceu-lhe a sua gentileza por ter recebido o primeiro saco de acar refinado pela fbrica. Jeremoabo no tinha perdido tempo, passados onze dias de inaugurao do Engenho, tratou do reconhecimento imperial, relembrando os velhos tempos em que sua classe representava um dos principais sustentculos da coroa, apoiando a iniciativa de seu cunhado, o visconde da Oliveira, que em carta ao Cons. Joo Ferreira de Moura recomendava; "...Ao Catilina mando 3 amostras para lhe remeter, a saber uma para V. mandar entregar ao imperador; uma para V. e a outra para tambm mandar entregar ao Sinimb, desculpe fazer essa remessa por seu intermdio... "'g Em forma de reconhecimento pelos servios prestados a lavoura do pas D. Pedro II concedeu ttulos nobilirquicos ao visconde de Sergimirim, que passou a conde, o baro da Oliveira, que passou a visconde e ao bacharel Ccero Dantas Martins que foi feito baro de Jeremoabo. A reao do novo baro a notcia foi um misto de surpresa e agradecimento, "...jamais pensei de ser titular, e se fosse ouvido previamente declinava da honra; hoje o que fazer? Colocaram-me entre a espada e a parede, e fizeram do teu compadre tabaru fidalgo. assim este mundo. O pior que no posso manter a posio; corre isso por conta de quem teve a idia. Confessei-me agradecido ao governo...i79

As constantes migraes dos escravos das provncias do norte para as do sul, a companha abolicionista e o desfecho desta com o 13 de maio no apenas prejudicaram Jeremoabo nas seus negcios do Bom Jardim, desestruturaram todas as suas economias e contriburam para a modificao de sua viso do poder. No podia entender, sendo ele um conservador, represen135

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Fotografia do Engenho Central do Bom Jardim, com a casa contgua , ao antigo engenho Bom Sucesso . Esta foi residncia do visconde da Oliveira, cunhado do baro de Jeremoabo e pertenceu a seu tio materno e sogro Joo Ferreira Lopes, construdo por volta de 1840. Na varanda o comendador Bernardo Martins Catharino proprietrio na poca, com a famlia e amigos-Arquivo Wanderley Pinho no 1HGB. c. 1919.

tante de uma classe aristocrtica que tinha suas origens na colnia e que sempre se sustentou no binmio terra-escravo e que foi durante muito tempo o ponto de equilbrio da coroa imperial; que a prpria filha do imperador desse o golpe final de uma maneira to radical, sem meio termos, sem indenizaes, sem um menor consolo. Amargurado, da Corte, escreveu sem mais nenhuma esperana ao velho amigo Gonalves: "...Deves saber das grandes e inesperadas novidades deste ms pelo telgrafo. Passou a lei servil a vapor e sob presso popular, de modo que toda resistncia seria imprpria e at arriscada. Quis a princesa e chorem quem chorar... Estou cansado de repetir que o rei tudo e a corte o Brasil. O resto um rebanho de carneiros e as provas temo-las diariamente. Ficamos ns lavradores derrotados e at hoje medida alguma apresentou o governo para suavizar o mal causado. Nem indenizaes nem servios de ingnuos, nada. Amanh tomaro a propriedade do mesmo modo. Estou acabrunhado e derrotado como os demais colegas. At hoje no tenho notcias de nossas casas e avalio a debandada. Ainda havendo trabalhadores que nos fornece o dia para paga-los semanalmente. Muitas famlias, j eu tenho sabido esto caminhando e levando suas roupas. Isto no governo..."80 A ltima frase dita pelo baro no trecho da carta acima transcrita era a sentena final dada ao regime monrquico. Sentena, est, no s dada pela classe dos grandes proprietrios, do qual fazia parte, mas tambm, por uma srie de contradies internas e novas tendncias ideolgicas que foram surgindo e desgastando o imprio. Era o comeo da perda da sintonia com o poder. No que estivesse vivido fora de seu tempo. Mesmo sendo um conservador, conseguiu conviver com o avano liberal. At foi capaz de unir-se com seus pares para juntos arquitetarem meios de freiar o avano liberal . Foram, ainda hbeis o suficiente para no fazerem nada de modo radical, a sutileza foi o tom, por exemplo, que tinham dado a promulgao da lei do Ventre Livre em 1871. Quando Jeremoabo decidiu apoiar a referida lei que tinha apenas uma aparente "humanidade " estava ciente das enormes vantagens que ela lhe assegurava, pois podia continuar mantendo os "ingnuos" como escravos durante o perodo de maior produtividade de seu trabalho, ou receber uma gorda indenizao em dinheiro do estado. Ao escravo, mesmo, era destinado apenas aguardar o que a vontade de seu senhor lhe reservasse. E quanto aos liberais abolicionistas , esses ainda saram satisfeitos dos debates parlamentares, achando que tinham dado um grande passo para o trmino da escravido, tal a grita fingida dos velhos bares. A estratgia tinha sido perfeita, "...a direita (os senhores de escravos) ensaiara naquela ocasio a ttica da tempestade em copo d'gua. Seus elementos encaniaram-se de tal forma, lanaram

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de tal sorte o tumulto nos debates... que os abolicionistas acreditaram no avano da medida, aplaudindo-a... "81 O mesmo se deu com a lei proposta pelo seu primo Manuel Pinto de Souza Dantas (conselheiro Dantas), mas que levou o nome de lei Saraiva-Cotegipe ou lei dos Sexagenrios, em 1885. O compasso de espera conseguido pelos escravocratas arrefecendo os ataques dos abolicionistas no foi demorado. As campanhas se intensificaram e a camada dominante viu-se ento forada a novas concesses, que tinham por objetivo o mesmo da Lei do Ventre Livre, freiar o movimento abolicionista. Estabeleceram, ento liberdade aos escravos de mais de 60 anos. Dessa vez o ridculo da lei foi tanto que no foi suficiente para freiar as radicais exigncias de abolio completa que toda a nao defendia. Jeremoabo e Jos Gonalves se desesperavam de seus engenhos com a fuga de seus escravos sob o estmulo e a proteo dos abolicionistas. Nem mais podiam contar com o exrcito na captura dos fugidos que aps a guerra do Paraguai se recusaram a prestar esse servio. A nica soluo que encontraram foi a ajuda mtua dentro da prpria classe: "...Ia escrever-te hoje mesmo por Joozinho que segue para o colgio, respondendo a tua carta de 2 de dezembro do ano findo, quando me aparece o meu amigo Sr. Felix Maximiano de Magalhes de viagem para a tua casa e pedindo meu auxilio para capturar um escravo que foi ter a tua presena. Devo dizer-te que o Felix nosso dedicado amigo, homem muito srio e trabalhador, digno de nossa proteo. Com muito gosto servia uma outra coisa quanto mais nisso. Diz ele que um homem de Vila Nova havia descaminhado o dito escravo e por isso deixava a casa. Ouves o Sr. Felix que srio, e presta-lhe todo auxlio como a mim prprio. o que basta e eu garantir-lhe que farias tudo e havia de prender o negro. O escravo diz ele que excelente e at hoje por este desgosto vende-o, achando comprador. Eu pedir ao Sr. Felix para referir-te tudo quanto me disse. Tenho dito de mais para ti... "82 Apesar do baro de Jeremoabo, visto aqui como representante saquarema, ter remado contra a mar na ltima dcada do imprio, tendo vivenciado, como membro da elite poltica, as grandes reformas e contradies pela qual a monarquia atravessou: as reformas eleitorais, as leis abolicionistas, a rebeldia do exrcito aps a guerra do Paraguai; no deixou de ser um conservador. Em um manifesto escrito em 30 de outubro a propsito de sua recusa a ser candidato a deputado geral a ltima legislatura do imprio (1886-1889), deixou claro o seu pensamento que manteve inaltervel por toda a vida: "... Filiado por ndole e por herana ao partido cujo nome encima este manifesto devo-lhe (Ao Partido Conservador) e especialmente aos meus amigos dedicadssimos uma satisfao neste momento solene em que sou obrigado a retirar-me
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Maria Felismina Borges (Bia). Filha de escravos, nascida aps a lei do Ventre Livre. Foi para o engenho Camuciat acompanhando d. Ana Adelaide Ribeiro dos Santos Dantas, nora do baro, quando do seu casamentc cm 1895 e l faleceu em 1945.

das pugnas polticas , depondo as armas de batalhador para repousar do cansao , que me exauriu de envolta com a robustez e a vitalidade corprea as crenas e as esperanas , que so a fora do esprito..."83 Utilizando as terminologias de Justiniano Jos da Rocha84 como parmetro para nossa anlise , Jeremoabo at quando pde , bem no incio de sua carreira , na fase da reao conservadora ( 1840-1860 ), perodo por excelncia saquarema , manteve-se em "Ao"; no perodo da conciliao ( 1853-1858 ) soube processar a "Transao " e no renascer liberal ( 1860/70 ), perodo em que realmente assumiu sua independncia poltica , buscou um equilbrio , mais no perfeito , pois sempre que necessrio fazia pender a balana para um lado , o qual foi: "filiado por ndole e por herana" 85: o partido conservador. Quanto a situao do regime deixo que ele mesmo fale : "... Isto no governo. A Repblica vai ganhando terreno diariamente e a monarquia pagar no muito tarde os erros do governo pessoal . Devo dizer-te que com a monarquia no a possibilidade de reforma sria, os costumes esto corrompidos e pervertidos... "86 O imperador tinha concordado com a retirada da sua fora de trabalho , a mo de obra escrava, seus "braos e pernas ". A sombra de seu esplendoroso manto o deixou ao sol. S lhe restou uma alternativa ; aumentar o contigente de mos que queriam pux - lo. E foi o que se deu. Atravessou a mudana de regime tranqilamente , cuidando dos seus interesses locais: "...No foi possvel nomear o teu recomendado Dr. Florisbelo , promotor de Juazeiro. Estou com meu ex-juiz de Tucano as voltas e sem poder coloca - los..." 87E no decorrer da Repblica, recm instaurada , continuou suas prticas de nomeaes e demisses ? Caso positivo , utilizouse dos mesmos procedimentos dos tempos do imprio ? E sua viso de autoridade foi mudada com a queda da coroa e a ascenso da espada ? Como se comportou em um estado que deixou de ser centralizado , para se tornar Federado ? Se tornou realmente um Coronel? Nos prximos captulo devem ser encontradas algumas respostas a tais perguntas.

NOTAS

1. MATTOS , Ilmar Rohlolf O Tempo Saquarema . A Formao do Estado Imperial. Rio de Janeiro : Access, 1994. 2. Ibid, pp. 100-101.
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3. Ibid. pp. 98-99.

4. PRADO JR, Caio. A Evoluo Poltica do Brasil e Outros Estados, p. 89.

5. DUARTE, Nestor. A Ordem Privada e a Organizao Poltica Nacional, p. 96. 6. SODR, Nelson Werneck. Histria da Burguesia Brasileira. RJ, 1964, p. 102. 7. Para uma viso global das posies dos diferentes autores, cf. Jos Murilo de CARVALHO -A Construo da Ordem. Rio de Janeiro, 1980, especificamente pp. 155177. Ver Tambm MATTOS. op. cit., pp. 121-124. 8. Cmara dos Deputados. Sesso de 23 de janeiro de 1843. Rio de Janeiro, 1881, p. 347. 9. Alm de Paulino Jos Soares de Souza (Visconde do Uruguai), formavam a "Trindade", Rodrigues Torres, depois Visconde de Itabora e Eusbio de Queirz. 10. MATTOS. Op cit., p. 124.

11. SCHWARTZMAN, Simon. So Paulo e o Estado Nacional, p. 76.

12. MATTOSO, Ktia M. de Queirs. Bahia, Sculo XIX. Uma Provncia no Imprio. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1992, pp. 235-236. 13. SARAIVA, Jos Antnio. Discursos Parlamentares. Sel e intr. Braslia, Cmara dos Deputados, 1978, p. 400-401. 14. Anais do Parlamento Brasileiro... Terceira Sesso Preparatria do ano de 1872, p. 217. 15. JEREMOABO. Caderno..., Op. cit. No vapor Cotopaxi, veio, tambm, Justina do Amor Divino, ex-escrava, alforriada pelo baro, para servir de ama de leite ao seu filho recmnascido. 16. DANTAS, Jr. O Baro de Jeremoabo... Op. Cit., p. 31-32. 17. DANTAS Jr. O Baro de Jeremoabo... Op. cit. p 29-31. 18. Anais do Parlamento Brasileiro na Cmara dos Deputados. Primeiro ano da dcima quarta legislatura. Sesso de 1869. Rio de Janeiro: Typografia Imperial e Constitucional de J. Villeneuve L.C. Tomo 1, p. 123.

19. DANTAS Jr. O Baro de Jeremoabo... Op. Cit. p. 12.

20. JEREMAOBO, Baro de. Manifesto: " Ao Partido Conservador", Jornal de Notcias, 31 outubro de 1885. 21. DIRIO DO BRAZIL. Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 1885. 22. JEREMOABO, Baro de. Manifesto: " Ao Partido Conservador e aos Eleitores do 9 distrito". Bahia, 29 de abril de 1886. 23. COSTA, Emlia Viotti da. Da monarquia repblica: momentos decisivos. pp. 305-307. 24. ROCHA, Justiniano Jos da. "Ao; Reao; Transao. Duas palavras acerca da
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atualidade poltica do Brasil ". In trs panfletrios do segundo reinado, org. Raimundo Magalhes Jnior . So Paulo , 1965, p.216. 25. CARVALHO , Jos Murilo de. A Construo da Ordem . A Elite Poltica Imperial. Rio de Janeiro: Campus , 1980, p.111. 26. Carta de Ccero Dantas Martins a Jos Gonalves da Silva. Bom Conselho , 1 de setembro de 1865. 27. COSTA. Op. cit. p. 38. 28. CARVALHO, Jesuna da Costa Pinto Dantas de. Depoimento tomado na fazenda Camuciat , em junho de 1992. 29. Para uma apreciao crtica de como a elite poltica foi treinada e educada para desempenhar suas funes publicas, ver o excelente trabalho de Jos Murilo de CARVALHO . A Construo da Ordem..., especialmente no captulo 3. 30. Mattos . Op. cit . p. 107. 31. Ibid . p. 107. 32. Carta de Jos Gonalves ao Baro de Jeremoabo . Piabas , 27 de novembro de 1890. 33. Anais da Cmara dos Deputados de 1872 , pgs. 32 e seguintes, Vol I. 34. INSTITUTO NACIONAL DO LIVRO. Organizao e programas ministeriais , regime parlamentar no imprio. 3 ed. Braslia, Departamento de documentao e divulgao, p.162.

3 5. Carta de Ccero Dantas Martins a Jos Gonalves da Silva . Corte,12 de junho de 1872. 36. Ibid.
37. JEREMOABO . Baro de . Circular . Bahia, 16 de dezembro de 1887.
38. Carta de Ccero Dantas Martins a Jos Gonalves da Silva. Corte, 17 de junho de 1874.

39. Carta do baro de Jeremoabo a Jos Gonalves da Silva. Madre de Deus , 19 de maro de 1880. 40. URUGUAI , Visconde do. Ensaio sobre o direito administrativo . Rio: Tipografia Nacional , 1862, Tomo II, p. 151, n 2. 41. Para maiores detalhes da ligao familiar de Manuel Pinto de Souza Dantas com o Baro de Jeremoabo , ver o captulo 1 deste trabalho. 42. Muitos dados sobre os cargos polticos ocupados por Manuel Dantas foram tirados de WILDBERGUER , Arnold . Os Presidentes de Provncia da Bahia - efetivos e interinos. 1824-1889. Salvador : Tipografia Tourinho , 1893 , p. 420.

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43. Carta do baro de Jeremoabo a Jos Gonalves da Silva. Madre de Deus, 19 de maro de 1880. 44. Carta de Ccero Dantas Martins a Jos Gonalves da Silva. Corte, 20 de maio de 1873. 45. Carta do Baro de Jeremoabo a Jos Gonalves da Silva. Regalo, 18 de junho de 1884. 46. Carta de Ccero Dantas Martins a Jos Gonalves da Silva, 12 de junho de 1872. 47. FARO, Raimundo. Os Donos do Poder. 98 Ed. So Paulo: Globo, 1991, pp. 389-390. 48. Carta de Ccero Dantas Martins a Jos Gonalves da Silva. Corte, 12 de junho de 1872. 49. Ibid. 50. Ibid. 51. Ibid. 52. Carta de Ccero Dantas Martins a Jos Gonalves da Silva. Corte, 13 de agosto de 1877. 53. CARVALHO. Op cit., pp. 124-125. 54. Carta de Ccero Dantas Martins a Jos Gonalves da Silva. Corte, 17 de junho de 1874. 55. Ibid.

56. Ibid.
57. No 1 captulo deste trabalho dou mais detalhes e fao uma anlise mais aprofundada das circunstncias que levaram a famlia Dantas a ciso. 58. Carta de Ccero Dantas Martins a Jos Gonalves da Silva. Regalo, 31 de maio de 1879. 59. WILDEBERG. Op. cit., pp. 480-482. 60. Carta de Ccero Dantas Martins a Jos Gonalves da Silva. Corte, 13 de agosto de 1877. 61. Carta de Ccero Dantas Martins a Jos Gonalves da Silva. Regalo, 18 de junho de 1884. 62. O 9 distrito era formado pelas seguintes parquias: Nossa Senhora da Sade da Misso, Nossa Senhora do Livramento do Barraco, Nossa Senhora da Conceio de Nova Soure, Nossa Senhora do Amparo, Santana do Tucano, Santssimo Corao de Jesus do Monte Santo, Nossa Senhora da Conceio da Raso, Santa Tereza do Pombal, So Joo Batista de Jeremoabo, Santo Antnio da Glria, Nossa Senhora do Patrocnio do Coit, Santssima Trindade de Massacar e Nossa Senhora do Bom Conselho dos Montes do Boqueiro. 63. JEREMOABO, Baro de. "A Eleio do 9distrito. Gazeta da Bahia. 18 de dezembro de 1884. 64. Carta de Ccero Dantas Martins a Jos Gonalves da Silva. Corte, 17 de junho de 1874. 65. Ibid.

66. Carta de Ccero Dantas Martins a Jos Gonalves da Silva. Corte, 3 de junho de 1875. 67. Carta de Ccero Dantas Martins a Jos Gonalves da Silva. Corte, 17 de junho de 1874.
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68. Carta de Ccero Dantas Martins a Jos Gonalves da Silva. Corte, 10 de fevereiro de 1880. 69. AZEVEDO, Thales de. S. Lins. E. Q. Vieira. Histria do Banco da Bahia. 1858-1958. Rio, Jos Olympio, 1959, p. 16 e 35. 70. DANTAS JR, Joo da Costa Pinto. O Baro de Jeremoabo (Dr. Ccero Dantas Martins) 1838-1938. Bahia : Imprensa Oficial do Estado, 1939, p. 27. 71. PANG, Eul-Soo. O Engenho Central do Bom Jardim na Economia Baiana. Alguns Aspectos de sua Histria. 1875-1891. Rio de Janeiro: Ministrio da Justia, 1979, pp. 40-42. 72. Para informaes mais detalhadas a respeito da Histria do Engenho Central do Bom Jardim ver o trabalho do brazilianista Eul-Soo Pang. Op. cit. 73. Carta do baro de Jeremoabo a Jos Gonalves da Silva. Regalo, 10 de fevereiro de 1880. 74. Carta de Ccero Dantas Martins a Jos Gonalves da Silva. Regalo, 12 de dezembro de 1879. 75. Carta de Ccero Dantas Martins a Jos Gonalves da Silva. Regalo, 27 de outubro de 1888. 76. Carta do Baro de Jeremoabo a Jos Gonalves da Silva. Regalo, 8 de outubro de 1889. 77. PANG. Op. cit., pp. 56-57. 78. Carta do visconde da Oliveira ao cons. Joo Ferreira de Moura. Bom Sucesso , 2 de fevereiro de 1880. 79. Carta de Ccero Dantas Martins a Jos Gonalves da Silva. Madre de Deus, 19 de maro de 1880. 80. Carta do Baro de Jeremoabo a Jos Gonalves da Silva. Corte, 30 de maio de 1888. 81. SODR, Nelson W. e outros - "Histria Nova do Brasil", So Paulo: Ed. Brasiliense, 1964, Volume 4, p. 34. 82. Carta do Baro de Jeremoabo a Jos Gonalves da Silva. Camuciat, 22 de fevereiro de 1887. 83. JEREMOABO, baro de. Manifesto ao Partido Conservador, Bahia, 30 de outubro de 1885.

84. ROCHA. Op. cit.

85. JEREMOABO. Manifesto. Op. cit. 86. Carta do baro de Jeremoabo a Jos Gonalves da Silva. Regalo, 8 de outubro de 1889. 87. Carta do baro de Jeremoabo a Jos Gonalves da Silva. Camuciat, 20 de novembro de 1889.
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PARTE II - DE BARO A CORONEL

CAPTULO 3 - CORONELISMO, ORDEM PBLICA E PRIVADA

3.1. UMA NOVA ORDEM QUE SURGE

A proclamao da Repblica, da maneira como se processou causou surpresa a todas as provncias do Imprio. A elite poltica imperial j contava com o novo regime, mas avessa a movimentos radicais esperava que ele entrasse em vigor gradativamente, como o baro de Jeremoabo pensava, no da noite para o dia: "... A mudana de governo no me surpreendeu e nem te devia tambm; a surpresa foi a presteza e o modo porque se efetuou... A notcia da proclamao da Repblica teve-a Jeremoabo viajando no interior do Estado. Desde junho de 1889 j havia regressado da Corte, pois a Cmara havia sido dissolvida nesse ms, sendo convocada outra somente para 20 de novembro. J contava com o advento da nova forma de governo, " seno to prxima, porm no muito remoto..." 2 A instalao do novo regime, deixou a classe poltica de todo pas insegura. Os polticos sentiam o desgaste da monarquia e percebiam as conjunturas que lhes eram desfavorveis, "...A eleio direta est desmoralizada, como a indireta e devo dizer-te que com a monarquia no ha possibilidade de reforma sria, os costumes esto corrompidos e pervertidos... As lgrimas que a princesa fez derramar com a lei de 13 de maio curtiu-as em um ano, seis meses e dois dias..." 3 ; mas no podiam prever que o acaso se desse de maneira to veloz. A rapidez com que os militares derrubaram o regime no impressionou os polticos baianos, muito pelo contrrio at os desprezaram nos primeiros momentos. O grupo dominante, liderado por conservadores e liberais no deu espao em nenhum momento ao pequeno nmero de jovens, com idias republicanas, liderados por Virglio Damsio, Deocleciano Ramos, Cosme Moreira, Virglio de Lemos, entre outros. O novo regime para a elite poltica local traria idias avanadas e subversivas que poderiam desestruturar a organizao tradicional do poder vigente. Conservadores e liberais s aceitaram a nova ordem 2 dias depois (17 de novembro), quando perceberam que a situao era irreversvel.

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Mesmo assim, o baro se mostra cauteloso, "...fiquei enojado ao ler a adeso em chusma de muitos at as vsperas de rojo aos ps da monarquia, da qual auferiram grandes vantagens..."a. Para ele, pessoalmente, a nova situao ainda tinha um agravante. Rui Barbosa ressurgia com fora total; foi nomeado vice chefe do governo provisrio e ministro da fazenda. Essa situao podia perpetuar o prestgio dos seus primos liberais, que na pessoa do conselheiro Dantas foram os iniciadores e grandes protetores de Rui na vida pblica. Alm do mais, Rui fora sempre inimigo inclemente dos conservadores e com Jeremoabo no mantinha relaes nem de simples comprimento. Tinha seus motivos, na eleio direta de 1 de dezembro de 1884, estando no poder o partido liberal, Rui fora derrotado por Inocncio Ges, no 8 distrito, graas ao concurso decisivo que jeremoabo prestou a este e na eleio a constituinte federal, Jeremoabo hostilizou-o abertamente. Por essa razo o baro no gostou da atitude de seu amigo Jos Gonalves que tinha telegrafado ao governo provisrio dando o seu apoio imediato. Ele preferiu manter-se "...por cautela na expectativa simptica..."', diante do turbilho de nomeaes e demisses que o governo provisrio realizou em massa no princpio da Repblica. S na Bahia durante os primeiros dezoito meses, cinco governadores esforaram-se para por em ordem a poltica do Estado. Tendo o governo provisrio marcado a data da primeira eleio do perodo republicano, 15 de setembro de 1890, para a composio da Assemblia Constituinte Nacional, os que estavam indecisos e meio inconformados com a confuso causada pela nova situao, perceberam que tinham que se decidir, caso contrrio ficariam de fora do esquema de poder. A realidade era que no princpio da Repblica a Bahia no mais possua lideranas expressivas. O baro de Cotegipe morrera em fevereiro, deixando uma grande lacuna, Jeremoabo registrou esse fato, " O Baro de Cotegipe, Dr. Joo Maurcio Wanderley, faleceu a 13 de fevereiro de 1889, s 9 horas da manh, no Rio de Janeiro. Nasceu a 23 de outubro de 1815, na fazenda Brejo Grande, comarca do Rio So Francisco; cobriu-se de luto a ptria e o partido conservador'; o conselheiro Dantas foi obrigado a se afastar da poltica atuante, da mesma maneira que seu filho Rodolfo Dantas; o conselheiro Saraiva elegeu-se senador federal, mas por problemas de sade se afastou da militncia poltica. Os antigos membros dos partidos conservador e liberal passaram a ser liderados por polticos menos influentes: do lado liberal, tentando preencher o vazio deixado por Saraiva e Dantas; Almeida Couto, Csar Zama e Joo Ferreira de Moura passaram a liderar o grupo; do lado conservador; Lus Viana, Severino Vieira, Jos Gonalves e Jeremoabo disputaram o comando do grupo.

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Com o advento do novo regime o partido conservador e liberal so extintos. Era necessrio organizar novas agremiaes que fossem capazes de absorver os inmeros polticos do imprio, que estavam a busca de novos partidos que lhe permitissem novamente o acesso e a permanncia no poder. O objetivo deste captulo o de fazer um paralelo entre as transformaes que ocorreram com a mudana do regime e as que se deram no comportamento poltico de um lder conservador do imprio: o baro de Jeremoabo. Tambm procuraremos perceber as permanncias, ou seja, as prticas de fazer poltica por ele mantidas, em um novo contexto definido pela constituio de 24 de fevereiro de 1891. A repblica dos Estados Unidos do Brasil foi constituda por uma federao de vinte Estados, aos quais se concedia ampla `autonomia', econmica e administrativa, governada por um presidente eleito diretamente pelo povo, com um mandato de quatro anos de durao. Para auxiliar o chefe do poder executivo, seria nomeado um ministrio, de sua livre escolha, somente perante ele responsvel. Podia o presidente determinar a interveno federal na administrao dos Estados. Os membros do Congresso Nacional, rgo do Poder Legislativo, composto pelo Senado Federal e Cmara dos Deputados, tambm seriam eleitos diretamente pelo povo, com a diferena, porm, de que a representao dos Estados e do Distrito Federal seria igual no Senado - trs senadores para cada um, durante o mandato de nove anos - e proporcional populao na Cmara, onde o mandato era de dois anos. O Supremo Tribunal Federal era o rgo superior do poder judicirio, composto ainda de juizes federais e de direito, sendo mantida a instituio do jri. Por trs das frias linhas da primeira constituio republicana, traadas a partir do anteprojeto do Governo Provisrio e revista e um tanto modificada pelo ento ministro da Fazenda Rui Barbosa, esto questes bsicas para entendermos as mudanas estruturais que se processaram com o advento da Repblica. Essas modificaes podem ser resumidas a princpio no significado real da transformao das provncias unitrias substitudas pelos estados federados. O sentido dessa mudana a de que a partir da proclamao da Repblica os chefes dos executivos estaduais passaram a ter mais autonomia, se desvencilhando da estrutura extremamente centralizadora do governo imperial. Como o baro de Jeremoabo, um lder poltico saquarema, por excelncia, que durante todo o regime imperial manteve-se fiel proposta conservadora de manuteno e reproduo dos privilgios da classe senhorial,

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do qual era um representante, adaptou-se a essas mudanas? O que suprimiu nas suas prticas conservadoras para se adaptar as novas conjunturas? Ou assim no procedeu, apenas burilando para melhor conviver com o novo sistema, republicano e federalista? Respondendo a essas questes veremos surgir pois, passo a passo, a nova e velha faceta de um baro coronel. O fenmeno do coronelismo no pode ser colocado como uma prtica poltica que surgiu a partir da implantao do novo regime; muito pelo contrrio ele foi concebido e amadurecido ainda nos tempos da colnia, com a consolidao do poder privado no Brasil. Neste sentido pode ser considerado uma prtica arraigada. A novidade seria, ento, o aprimoramento do fenmeno que encontrou na descentralizao poltica trazida com a Repblica, leia-se federalismo, condies para se expandir com caractersticas e conceitos bem prprios, peculiares a uma poca, a da primeira Repblica. Antes de entrar propriamente na anlise da atuao poltica de Jeremoabo e da transformao e manuteno de suas prticas em relao ao novo poder, preciso fazer uma pequena contextualizao histrica das razes do coronelismo no Brasil e tecer algumas consideraes a respeito das diferentes abordagens histricas dedicadas ao tema, com o objetivo de melhor situar o nosso objeto de estudo e tambm ter mais subsdios para nossas concluses.

3.2 RAZES DO CORONELISMO E A DUALIDADE DA ORDEM PBLICA E PRIVADA

As origens do coronelismo remontam a colnia. Modelo scio-poltico, com ingerncias econmicas, o fenmeno no foi uma caracterstica nica do serto da Bahia, pois ele se revelou nas mais diferentes zonas do Brasil, at no litoral e nas denominadas zonas da mata. O alicerce social e econmico do coronel comeou a ser construdo a partir da instalao dos primeiros engenhos de acar e da abertura das fazendas de gado nos primrdios de nossa colonizao. A estrutura do engenho antecedeu a consolidao de uma mquina administrativa oficial que se deu com a chegada de Tom de Souza em 1549, dando assim condies favorveis para que os senhores de engenho comeassem a misturar o poder pblico e o privado, diluindo o primeiro no segundo. As extensas sesmarias, concedidas pela coroa portuguesa aos seus colonos, introduziram as prticas do mandonismo. Essa condio de comando do grupo dos proprietrios de engenhos foi ainda favorecida pela supremacia dos portugueses no mercado internacional, do produto que eles fabricavam. A fora econmica que o aucar teve na poca, lhes deu condies de monopolizarem a poltica colonial brasileira. O progresso dos donos de engenho, montado em uma estrutura econmica

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toda voltada para o mercado externo , permitiu a formao de uma estratificao social organizada por aquele que era o dono e o principal responsvel pela fabricao do produto mais disputado pela metrpole portuguesa. A partir da diviso de trabalho estruturada dentro de um engenho podemos vislumbrar a origem do poder poltico, social e econmico que no incio foi personificado pelo prprio dono do engenho e mais tarde se incorporou a figura do coronel . O fazendeiro desde os tempos coloniais comandava suas terras como se fosse um senhor feudal , guardando as devidas propores do tempo histrico, no qual o termo feudal usualmente empregado . O grupo de plantadores, apesar de pequeno em relao ao contigente populacional , dominava toda a populao local. Apesar da sociedade colonial brasileira ser pouco estratificada , e muitos historiadores considerarem apenas dois grupos sociais relevantes em sua representao , senhores de engenho no topo e escravos na base da pirmide, encontramos no meio desta, outros setores dentro da prpria estrutura `terra-engenho ', que eram subordinados tambm ao senhor de engenho. Logo abaixo da famlia do proprietrio de terras existia uma escala gradual de trabalhadores: o feitor, o mestre de acar e vrios outros que desempenhavam funes mais simples , mas todos eles subordinados ao `potentado'. J no Imprio , alm dos trabalhadores ligados diretamente a ele, existiam tambm aqueles que faziam parte do circuito de dominao atravs de outras relaes de trabalho . Eram os agricultores independentes , agregados , arrendatrios e parceiros que apesar de no dependerem diretamente do mando do senhor de engenho, a ele estavam subordinados indiretamente, seja pela dependncia do engenho para moer sua cana , ou pela necessidade de barganharem um pequeno pedao de terra para garantirem suas subsistncias . Cada vez mais a sociedade foi se especializando , novas formas de trabalho foram surgindo: eram os jornaleiros ( forma de trabalho assalariado ), arteses , fornecedores; mas todos eles garantidos pelas benesses distribudas , sempre pelo dono do engenho. Graas a esse elevado nmero de dependentes, que tinham suas economias de vida ligadas ao complexo do engenho , o latifundirio passou a condio de patriarca - social na medida em que tornou-se gradativamente o gestor das relaes daquela sociedade que se agrupava em sua volta. Donos da economia e das relaes sociais , logo passaram a gerir , tambm, o relacionamento de seus dependentes com o poder pblico . Desta maneira se tornaram os seus representantes, agindo e falando por eles . Justificavam essas prerrogativas atravs do relacionamento paternal que alimentavam. Segundo Pang , era "esse sistema de supremacia poltica de um s homem , cujo poder se basea-

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Dois aspectos da fbrica do engenho Camuciat, notando-se uma enorme quantidade de bagao de cana na sua lateral e um carro de boi carregando cana para moagem. O engenho moeu at a dcada de 50 do sculo XX. Foto ABJ.

va num status social e econmico privilegiado, (que) era o antecedente colonial do coronelismo dos sculos XIX e XX."' Apesar da origem do coronelismo estar vinculada aos tempos coloniais, sua caracterstica principal de exerccio do poder poltico chegou ao auge entre os anos de 1850 a 1950. Podemos dizer ento que o baro de Jeremoabo ainda no Imprio desempenhou papeis que lhe colocavam dentro do modelo de um "coronel". Termo este que teve sua origem a partir de uma instituio criada pelo prprio regime monrquico - A Guarda Nacional. Aqui cabe um parntese no sentido de esclarecer um pouco o relacionamento e a viso do baro de Jeremoabo, um aristocrata rural, portanto, representante da ordem privada, com o Estado brasileiro ( ordem pblica), que de incio esteve atrelado ao patrimonialismo do Estado portugus e depois da independncia foi se burocratizando. A burocratizao do Estado brasileiro foi se moldando no decorrer do Imprio, quando a ordem pblica conseguiu controlar melhor a privada, transformando seus membros em porta-vozes dos interesses dos diversos governos, propondo uma unio, mas no igualitria e sim hierarquizada. Vale a pena desenvolver um pouco mais o relacionamento travado entre o Estado e o particular, pois nos dar subsdios para entender melhor o porque do baro, apesar de j no Imprio ter caractersticas de `coronel', s na Repblica que passa a assumir integralmente este papel. Toda a questo perpassada pela noo de autoridade exercida por dois poderes distintos - o pblico e o privado, mas que em diferentes fases de nossa histria se complementaram ou se hostilizaram. Alguns autores nos apresentam diferentes vises, nas suas anlises, de como se processavam o relacionamento entre o poder central no sculo XIX com a aristocracia rural, a partir da herana do Estado portugus que estabeleceu entre ns um modelo patrimonialista, onde o rei organizava o poder poltico de maneira patriarcal, com a estreita colaborao de seus sditos, que dele esperavam favores e funes. Nestor Duarte, apresenta-nos uma viso bem radical. A anlise ele faz do sistema poltico no Brasil, tanto na colnia, como no Imprio se baseia na supremacia do poder da aristocracia rural dos senhores de engenho e dos criadores de gado. Para ele o poder destes se originava desde o tempo em que ocuparam e povoaram as terras do Brasil, sem serem submissos a coroa portuguesa. Argumenta que os fazendeiros tinham liberdade para administrar suas propriedades como bem entendessem e que essas prerrogativas conquistadas nas longnquas terras da colnia deram as condies para a

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anulao do poder pblico em detrimento do pessoal, ou seja do privado. O autor garante que os grandes proprietrios administravam, legislavam, decidiam sobre a vida dos colonos e conclui que com tantas atribuies tomadas dentro de suas terras, essas poucas diferenas tendiam para feudos. Portanto, para Duarte foi essa relao de poder que vigorou durante todo o regime monrquico e garantiu " a paz do Imprio e seu equilbrio (que) encontravam apoio junto a esses senhores territoriais que forjavam a fora econmica e o poder material do Estado..." 8 De acordo com essa viso o poder estava mais na mo da aristocracia rural do que do prprio Estado. Raimundo Faoro tem uma posio oposta a Duarte. Ele v a supremacia do Estado em todos os caminhos, ou seja tanto no da posse da terra, ou nas funes administrativas. O setor privado poderia at se articular, mais na condio de submeter seus propsitos ao poder real. Desta maneira, para Faoro o Estado Imperial, em sua prpria essncia, era centralizador. Este era o grande rbitro de toda a situao, tanto da vida econmica, como do comportamento poltico-social da aristocracia rural, portanto o Estado regulador da sociedade e da economia nacional. Seria o que Faoro nomeia de "Estamento Burocrtico"9, definio por ele criada e no qual se baseia toda a sua anlise. Ele at admite distores nessa ordem, com aes que buscaram uma descentralizao, mas deixa claro a capacidade do estado de reprimi-las. Resumindo as duas posies antagnicas dos autores acima citados , observamos que ambos pautam suas discusses em cima da relao dicotmica do pblico e privado. Apenas o primeiro achando que a aristocracia era to poderosa que podia dar as cartas independentemente da vontade do Estado e o segundo aceitando o poder dos donos da terra, desde que este fosse visto como uma atribuio do Estado, que o mantinha sob o seu total controle. Um meio termo entre essas duas posies divergentes encontra-se em Fernando Uricochea, que equilibradamente d a cada peso a sua medida. O pblico, ou seja o Estado, visto em sua dimenso mais ampla de regente da colonizao, a princpio, e depois da gesto de seus prprios negcios e o privado, a aristocracia rural, limitado a sua condio de dono do modo de produo que sustentava economicamente a colnia e, at um certo perodo, o imprio. 'o

3.3. A HISTORIOGRAFIA E O CORONELISMO: DUAS ABORDAGENS

A questo do poder privado e do coronelismo esto intimamente ligados, sendo o ltimo a expresso mais prtica e poltica da relao entre poder pblico e privado na repblica.

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Como nosso objetivo no aprofundar as diferentes abordagens que os autores fazem a respeito do tema do coronelismo", mas apenas fazer uma contextualizao geral de como o fenmeno tratado, escolhemos apenas duas obras para atingir nossa meta. A primeira escolhida, a de Victor Nunes Leal, intitulada Coronelismo, Enxada e Voto e a segunda, a de Eul-Soo Pang, cujo ttulo Coronelismo e Oligarquias. (1889-1934): A Bahia na Primeira Repblica Brasileira. O primeiro trabalho a grande obra clssica sobre o fenmeno e o segundo estuda-o inserido no contexto scio poltico do Estado da Bahia. Comeamos por Leal que nos d conceitos mais amplos a partir de grandes generalizaes e depois passaremos para Pang que uma espcie de estudo de caso atravs do comportamento poltico dos coronis baianos, sem deixar porm de fazer suas generalizaes. Leal entende o fenmeno como decorrente da montagem de modelos avanados do sistema democrtico a formas ligadas, ainda, a modelos de economia e relaes sociais ultrapassadas. Para ele, ento, no significa uma simples continuidade do mandonismo dos poderosos locais, donos do poder privado, que h muito tempo, desde o perodo colonial j vinham passando por um processo de `hipertrofia'12, mais sim um exemplo caracterstico de ao do poder privado, j em uma poca onde a representatividade j se fazia presente. Portanto, segundo ele a uma acomodao com o objetivo de conviver com as novas mudanas. Em decorrncia dessa estratgia de sobrevivncia por parte do poder privado, o modelo coronelistico para o autor um conchavo, uma relao mtua de concesses que envolvem a ordem pblica, que desde o Imprio veio se fortalecendo com a burocratizao do Estado, e o enfraquecido prestgio scio-econmico dos poderosos locais, principalmente os senhores de engenho e donos de fazendas de gado. Conclui Leal que impossvel se reportar ao fenmeno do coronelismo sem tocar na estrutura agrria, que para ele a base de apoio das expanses da ordem privada. Neste ponto Leal procura demostrar uma contradio estabelecida nas relaes de fora entre o pblico e o privado. Ao mesmo tempo que o primeiro, na essncia do regime representativo vai esmagando o segundo, procura reergu-lo em algumas de suas manifestaes, pois na verdade, tendo o novo sistema trazido a representao pelo sufrgio universal, no poderia o governo dispensar os votos das regies em que se encontravam a maior parte do eleitorado do pas - a zona rural. Ficava evidenciado, assim, uma dependncia que se tornava necessria a sobrevivncia do prprio regime representativo.

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Conclui que dos conchavos imprescindveis para a manuteno e consolidao do governo e a sobrevivncia dos chefes locais que se aperfeioariam as diferentes formas de atuao do modelo coronelista. E entre elas cita o "mandonismo, o filhotismo, o falseamento do voto, a desorganizao dos servios pblicos."13 Vale ressaltar tambm que, apesar de Leal perceber a significativa importncia que o coronelismo tinha no sentido de sustentao do prprio regime vigente, percebia tambm as suas limitaes, que se davam at em termos geogrficos. Para ele o fato da gesto das polticas privadas serem importantes sobre toda a sociedade poltica do pas no dava margens ao fenmeno de se expandir e agir fora da zona do governo local. Sua zona de atuao eram as vilas e municpios do interior, que naquela poca se caracterizavam por serem cidades predominantemente rurais. Como um dos fatores de superao do prprio sistema coronelstico, Leal aponta as limitaes scio-geogrficas que ele mesmo se impunha, ou seja, sua fora vital caminhava em direo oposta ao crescimento da diviso urbana do trabalho, como, por exemplo, o comrcio e a industrializao. Portanto, conclui o autor que uma das sadas para manter a sua dinmica seria a defesa do isolamento. Por isso muitos coronis no queriam que as estradas cortassem suas cidades, nem que muitas escolas fossem construdas em suas zonas de influncia. Preferiam enfim retardar o processo natural de desenvolvimento econmico de municpios que consideravam como se fossem suas fazendas. Uma grande contribuio que Leal traz para o melhor entendimento do fenmeno estudado diz respeito ao real poder do coronel. Ele prprio diz que caiu na tentao da simplificao, ou seja, de considerar o coronelismo como uma conseqncia natural do poder privado exercido na colnia, portanto uma fase em que os chefes locais estariam atingindo o auge do poder. Resistindo a essa concluso que poderia chegar se adotasse uma linha de anlise pautada no evolucionismo, Leal conclui enfaticamente que o auge do poder privado no Brasil j ha muito tinha sido superado, pois o patriarcalismo tinha decado com a colnia. Transporta sua concluso para o lado oposto da problematizao. O coronelismo no tinha nada a ver com o auge do privatismo, muito pelo contrrio expressava a sua decadncia e nada mais era que uma estratgia de sobrevivncia das suas caractersticas principais. A mola propulsora, para Leal, da dinmica do sistema , em sntese, o interesse de ambos os lados de manterem o "compromisso entre o poder privado decadente e o poder privado fortalecido."
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No centro, Joo da Costa Pinto Dantas , filho do baro de Jeremoabo, herdeiro do engenho Camuciat e do prestgio poltico do pai, em seu cavalo Tenor, ladeado, da esquerda para direita, por Joo Bor gcs e Joo Matins . Ao fiindo , as senzalas, alguns carros de boi, com seus carreiros e outros agregados. Foto ABJ, princpios do sculo XX.

O prprio Leal aps reconhecer a mtua dependncia entre ambos os poderes, encontra um ponto que suscita uma questo. Com o reconhecimento de que tambm o governo necessitava do apoio do coronel, conclui que no era s a ordem privada que estava em decadncia, mas tambm a pblica que era a sua dependente. neste ponto que levanta a questo. Porque o governo necessitava dos chefes polticos locais em uma fase (primeira Repblica), em que a maquina estatal j se encontrava bem consolidada? Segundo ele a resposta encontra-se na identificao da fraqueza que obrigou ao governo estabelecer uma poltica de compromissos, com os coronis. A debilidade do governo central se encontrava no fato de que a grande maioria da populao morava na zona rural. Quem mandava no interior era o fazendeiro e grande parte do contigente populacional habitava em suas terras, consequentemente a eles deviam obedincia. Ora, com a proclamao da Repblica veio o sufrgio universal, que deu direito de voto aos trabalhadores. Desta maneira, o governo ficava atado a influncia social, econmica e poltica que o fazendeiro exercia sobre seus dependentes. Portanto, conclu Leal que se o governo queria votos teria que fazer acordos com os coronis, pois s seria eleito se estes dessem o transporte para os moradores de suas fazendas irem votar, se dessem roupas novas, ou prometessem proteo em qualquer circunstncias de suas vidas. A fraqueza do governo era muito mais profunda, estava ligada a ultrapassada estrutura econmica e social que persistia desde os tempos da colnia e vigorava, ainda, no perodo da primeira Repblica. Vale ressaltar a posio de Leal a respeito do coronel oposicionista, pois essa definio se aplicar em nosso estudo. Para ele o eleitorado rural poderia beneficiar tanto o poltico que estivesse apoiando o governo, como o que estivesse contra; admite, assim, a figura do oposicionista, mas frisa que o coronel que beneficiado com as caractersticas da poltica de compromisso que vem desenvolvendo aquele que est acompanhando o governo Termina por concluir batendo na tecla do "compromisso" entre Estado e coronel: "O fortalecimento do poder pblico no tem sido , pois, acompanhado de correspondente enfraquecimento do "coronelismo"; tem, ao contrrio , contribudo para consolidar o sistema, garantindo aos condutores da mquina oficial do Estado quinho mais substancioso na barganha que o configura..."" Eul-Soo Pang, o outro autor aqui analisado, toma como caso especfico o Estado da Bahia no perodo de 1889 a 1943. Comea justificando a importncia de se estudar a Bahia como contribuio para a anlise do fenmeno do coronelismo. Para ele existe uma srie de vantagens que so intrnsecas as prprias caractersticas fisicas, sociais, econmicas e culturais do Estado. Comea realando as grandes dimenses fisicas e demogrficas, depois ressalta a variedade da economia dentro das dife-

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rentes zonas geogrficas - o acar e o cacau na costa, gado e minerao no interior - e por fim destaca o papel das grandes personalidades polticas que da Bahia surgiram, desde o regime imperial, entrando pela fase da primeira Repblica. Aps justificar o porque de sua escolha ter recado no Estado da Bahia, Pang entra na questo principal de sua abordagem : o fenmeno do coronelismo . Segundo ele, o coronelismo representa a base de sustentao da poltica do perodo de mudana do Imprio para a Repblica , que deu condies aos grupos oligarquicos tradicionais se perpetuarem no poder . Ele utiliza Tocqueville em concordncia com sua idia sobre o perodo de transio Imprio - Repblica: "Tocqueville observou, certa vez, que durante um perodo de transio, como , por exemplo, da monarquia aristocrtica para a Repblica democrtica , freqentemente ocorre uma crise de legitimidade e eficincia do governo. Quando isso acontece os lderes informais , personalistas , como os coronis brasileiros, so freqentemente preferidos em lugar da autoridade formal e distante do Estado..."16 Segundo Pang, apesar de o coronelismo brasileiro ter suas origens histricas na fase colonial, o seu ponto de culminncia foi atingido entre 1850 a 1950 . Dentro deste perodo destaca a importncia da Guarda Nacional , mas preocupa-se em no associar o cerne da questo do coronelismo ao poderio porventura exercido pelos membros desta instituio , pois para ele a origem do poder do coronel estava nos fatores sociais , polticos e econmicos do controle do poder concentrado na mo dos grupos dominantes e no apenas a participao naquela instituio para-militar.
O eixo explicativo de Pang est nas prticas coronelisticas , e atividades de grande fora, que tinham como resultado a supremacia do coronel sobre todos os setores de uma sociedade local. A aceitao e acomodao por parte das outras camadas sociais eram dadas pelo lugar de destaque que ocupava o coronel na regio e eram fortalecidas pelo fato de ser o mesmo coronel o principal articulador das instituies sociais, econmicas e polticas.

Chama a ateno , tambm, para o fato de que a fase de transio na qual insere o fenmeno do coronelismo , no foi s de tranqilidade para chefes polticos locais , mais sobretudo uma poca de graves conflitos entre as foras tradicionais do serto , arraigadas em um modelo econmico decadente e as foras do litoral que se viam envoltas pelas tenses sociais e econmicas que o sistema poltico nacional no conseguia equilibrar.

Outro conceito trabalhado por Pang e que nos servir mais adiante na nossa anlise a respeito da atuao poltica do baro de Jeremoabo o de oligarquia, que para ele est sempre atrelado as prticas coronelsticas de poder.

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Para ele "oligarquia" uma organizao de um grupo que visa obter uma dominao poltica representado por uma ou mais pessoas. Essas podiam estar unidas por laos de sangue ou no, mas tinham um mesmo interesse em comum seja no campo econmico, seja nas disputas polticas ou nos conflitos sociais. Aprofunda um pouco mais a questo da unio dos grupos oligarquicos por laos familiares, fazendo um paralelo entre suas concluses e a concepo weberiana a respeito de um determinado governo poltico. Pang acha que devido a estrutura scio-poltico brasileira ter se fundamentado no sistema familiar, desde os tempos coloniais, essa famlia ou famlias, atravs do "paterfamilias" que tinham condies de exercer o domnio poltico no municpio em que residiam, estendendo-o para o Estado at chegar a federao. neste ponto que utiliza-se de Weber que rotula esse tipo de relao de poder como sendo um governo "tradicional ou patrimonial, '17. Mas Pang no para por a, formula um termo prprio para definir as oligarquias do Brasil e mais especificamente da Bahia, as chamando de familiocracia, ou seja a predominncia poltica de uma determinada famlia na poltica de um municpio. Partindo desse termo ele estabelece uma diviso bem interessante para as oligarquias, dividindo-as em grupos, a saber: 1 - Familiocrtica: Neste grupo situava-se a maioria dos coronis brasileiros. Era geralmente organizado por um chefe de uma famlia, que fosse a mais influente na sua regio. O meio de captao principal seria a prtica de distribuio de favores, recebendo em troca `lealdade' social e poltica. 2 - Tribal: Tinha como lder, que na maioria das vezes era um coronel ou um bacharel, um chefe que tivesse condies e influncia suficiente, para ser uma espcie de `padrinho' do grupo junto s esferas estaduais e federais do poder. 3 - Colegiada: Esta tinha como caracterstica a intermediao de um partido que funcionaria como um porta-voz das reivindicaes dos chefes locais, que seriam os prprios membros da organizao em uma constante troca na chefia do poder.

4 - Personalistica: Esta teria sua fora centrada no carisma pessoal de um lder. Era atravs dele, com suas habilidades e simpatias , que se obtinham os votos.
Outra diviso interessante feita por Pang est na constatao de que um poltico para ser considerado um coronel no era necessariamente preciso ser fazendeiro. Partindo dessa premissa ele elabora uma diviso para diferentes tipos de coronis de acordo com dois parmetros: um baseado na ocupao profissional do chefe poltico e o outro de acordo com as funes que eles estavam aptos a

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exercer. No primeiro caso entrariam o proprietrio de terras, o comerciante, o industrial e o padre; no segundo o rotulo seria mais especifico, " o guerreiro, o burocrata e o chefe do curral-distrito."18 Foge ao objetivo deste trabalho dar prosseguimento s discusses a respeito do relacionamento entre o pblico e o privado no Brasil e de como o fenmeno do coronelismo esta ligado a essas questes. Apenas ressaltamos algumas proposies para melhor embasar nossa anlise da posio do baro de Jeremoabo que transitava entre o pblico e o privado e vice-versa, o que em ltima instncia ajuda a melhor compreender sua transformao de titular do Imprio a coronel do serto. O momento poltico vivido pelo baro no Imprio no foi mais aquele em que a autoridade central, em busca de se consolidar delegou poderes aos potentados locais. A sua fase de vivncia poltica j coincide com o momento em que os governos pretenderam tomar definitivamente o controle do poder, fechando as brechas que tinha deixado abertas no perodo colonial e cortando algumas funes pblicas que deixara escapar para o poder privado quando ainda precisava equilibrar-se. Jeremoabo iniciou sua carreira poltica em 1861 em uma poca em que o Estado j deixara de ser patrimonial para se tornar burocrtico. Em sintonia com essa transformao moldou seu comportamento e construiu sua viso de autoridade. Portanto, como vimos no segundo captulo, agiu como um conservador em concordncia com a poltica centralizadora dos governos. Administrou seu poder local, seu poder privado, com desenvoltura, mas sempre atrelado aos diversos fios da teia que o prendiam ao centro, ora representado pelo presidente da provncia, ora pelo presidente do Conselho, ora at mesmo pelo prprio imperador. Dentro desses limites podemos dizer que foi desde o Imprio um coronel, j que dos seus engenhos Camuciat e Regalo, comandava uma legio de trabalhadores, tinha muitos afilhados a quem indicava em quem deviam votar. Mas acima dessas caractersticas que a historiografia atribui a personalidade de um coronel, sobrepujava em sua mente o compromisso conservador de s proteger quem admirasse o imperador e s votar em quem fosse saquarema. Afinal de contas tinha que ser fiel a estrutura do poder que o tornou um "Tabaru Fidalgo". No entanto se j era um coronel no imprio, no o era por completo. Estava tolhido pela centralizao do Estado. Sua independncia era limitada. Se escolhia juizes ou promotores para serem nomeados, era de acordo com o presidente da provncia que por sua vez representava a vontade do imperante. A transformao deu-se a partir do decreto n 1 assinado pelo Governo Provisrio. Este adotou o sistema republicano federativo, at que resolvesse a respeito o congresso constituinte que seria convocado. Jeremoabo no gostou da, "...ditadura da espada, que por longos anos ditar leis...,,19,

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mas no se compadeceu do imprio que no final j tinha perdido sua essncia saquarema, "...As lgrimas que a princesa fez derramar com a lei de 13 de maio curtiu-as em um ano, seis meses e dois 20 dias... A Repblica prometia descentralizao e autonomia para os estados, bandeiras que no ltimo ano do Imprio foram muito solicitadas. O prprio Ouro Preto, presidente do ltimo gabinete do Imprio, em uma tentativa final de salvar a coroa apresentou em seu programa propostas extremamente avanadas:
Plena autonomia dos municpios e provncias. A base essencial desta reforma a eleio dos administradores municipais e a nomeao dos presidentes e vice-presidentes de provncia, recaindo sobre listas organizada pelo voto dos cidados. Prescrever- se-o em lei o tempo da serventia destes funcionrios, os casos em que possam ser suspensos e demitidos, e da interveno do poder central, para salvaguarda dos interesses nacionais , que possam perigar. Liberdade de culto e seus consectrios, medidas aconselhadas pela necessidade de facilitar a assimilao, na famlia brasileira, dos elementos estranhos provenientes da imigrao, que convm fomentar na maior escala ; temporariedade do Senado; reforma do Conselho do Estado, para torn-lo meramente administrativo, tirando-lhe todo carter poltico; liberdade de ensino e seu aperfeioamento ... etc. 21

No novo regime que empalmara o poder em um desfile militar, a mudana definitiva se processaria. As feies de um "coronel" se acentuariam e do baro saquarema restaria apenas o nome, que Jeremoabo fez questo de preservar. Assim, devido a instabilidade poltica gerada pela mudana do regime o baro preferiu "...por cautela(conservar-se) na expectativa simptica... ,22 A partir deste momento, como o velho poltico do imprio passou a atuar na sua enorme rea de influncia poltica? Que relaes estabeleceu com os chefes oligarquicos que assumiram o governo? Essa questo podemos desdobrar em duas: 1) Quando eram seus aliados? 2) E quando passaram a ser seus adversrios? As respostas a essas perguntas revelaro alguns aspectos de seu comportamento poltico na Repblica e nos esclarecer se houve continuidade ou ruptura, ou se tudo no passou de uma simples estratgia de sobrevivncia poltica.

3.4. PEQUENA CRONOLOGIA POLTICA

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Para entrarmos mais detalhadamente na atuao poltica do baro de Jeremoabo no perodo republicano preciso situ-lo dentro de uma cronologia fundamentada no seu prprio relacionamento com o poder. Podemos dividi-la em quatro fases. A primeira estaria compreendida entre 1889 a 1893.a segunda abrangeria o perodo de 1893 a 1895; a terceira iria de 1895 a 1900 e a quarta e ltima fase limitava-se a um perodo de trs anos, 1900 a 1903, data do seu falecimento. A primeira fase (1889-1893) que coincide com o perodo da implantao da Repblica, podemos dividi-la em duas outras: de 15 de novembro de 1889 at 5 de fevereiro de 1891, data da realizao das eleies para a composio do Congresso Constituinte do Estado. Nesse espao de quase um ano e dois meses, permaneceu sem ocupar qualquer cargo pblico, alis como a maioria dos polticos baianos, todos aguardando a formao das instituies da recm proclamada Repblica; e a segunda de 1891, data em que foi eleito senador estadual at 1893, ano da primeira ciso do grupo oligarquico dominante. Com o resultado das eleies de 1891 sendo-lhe favorvel, Jeremoabo assume o cargo de senador estadual. As sesses preparatrias do Senado comearam a 29 de maro, mas o baro s compareceu depois da ltima, a 4 de abril, quando o presidente anunciou a existncia de nmero legal, para em conjunto com a Cmara dos Deputados ter lugar a instalao da Assemblia Constituinte. Instalada a Assemblia Constituinte a 7 de abril, realizou 55 sesses encerrando os trabalhos a 2 de julho, quando foi promulgada a constituio do estado. De acordo com um dos dispositivos transitrios, da lei institucional, que determinava fosse o primeiro governador eleito pela Assemblia Constituinte, a exemplo do dispositivo para a eleio do primeiro presidente da repblica, foi procedida a eleio do primeiro governador constitucional do Estado da Bahia. Jos Gonalves se encontrava no poder desde 16 de novembro de 1890 quando fora nomeado por Deodoro. Estava dando as cartas na poltica baiana. Elegeu todos os 21 senadores e a grande maioria dos 42 deputados estaduais. No momento da escolha do presidente da Assemblia a atuao de Gonalves foi decisiva. Os eleitores preferiam Lus Antnio Barbosa de Oliveira, homem de saber jurdico, e vinculado por parentesco ao cons. Rui Barbosa, ento todo poderoso ministro da fazenda. Jos Gonalves desejava outro. E foi eleito o cons. Lus Viana. O poltico de Casa Nova, assim prestigiado pelo governador de Vila Nova da Rainha, retribuiu o seu lanamento no primeiro plano da vida pblica garantindo a escolha eleitoral de Jos Gonalves para o governo. Lus Antnio Barbosa de Almeida com os que o acompanhavam no esqueceram a interferncia de Jos Gonalves na escolha da presidncia e no lhe sufragaram o nome.

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A gravura representa os membros da assemblia constituinte qu em 2 de julho de 1891, promulgou a constitui.ao do Estado da Bahia. Presidida por Lus Viana, dela fazendo parte: Manuel Vitorino Pereira, Jos Marcelino, barco de Jeremoabo, Ribeiro dos Santos e muitos outros. ABJ.

O baro de Jeremoabo querendo dar ao governo a certeza dos candidatos que lhe apoiavam, requereu ao Senado o voto a descoberto e assim, todos ficaram sabendo como se dividiam as foras polticas da Bahia. Dos 63 senadores e deputados apenas votaram contra o governador. Foi assim, que, a 2 de julho de 1891, perante Lus Viana, Jos Gonalves tomou posse do cargo de governador da Bahia, eleito indiretamente por seu corpo legislativo. Em sesso de 20 de julho, aprovado o regimento interno do senado, foi eleita a sua mesa definitiva composta da seguinte maneira: presidente: Lus Viana, vice-presidente: Inocncio Galvo, 1 secretrio: baro de Jeremoabo, 2 secretario: Almiro Leandro da Silva Ribeiro. A atuao de Jeremoabo no primeiro ano de funcionamento do senado foi interrompida em 28 de setembro quanto teve que fazer uma viagem ao Rio a pedido de Jos Gonalves para resolver questes ligadas a magistratura. Aproveitando o ensejo fez uma visita ao marechal Deodoro da Fonseca, com o objetivo de sondar como o presidente estava vendo o governo do seu amigo Jos Gonalves, "Estive com Deodoro no dia 20 e conversei longamente, saindo satisfeito. Fica para nova visita. O sobrinho tenente-coronel Hermes apoiou-me diversas vezes quando tratei de ti e o Viana..." (Carta do baro a Gonalves, Rio de Janeiro, 23/10/1891). Sentindo a movimentao poltica no rio, o baro alertou a Gonalves que no se descuidasse da organizao da magistratura, pea chave no processo eleitoral da primeira repblica e no se esquece de comentar o andamento das discusses a respeito da reforma da instruo nas quais teve participao ativa antes de viajar para o Rio, defendendo melhorias no ensino do interior do estado e pedindo reformas na legislao que tornava um professor vitalcio. Era a preocupao da classe dominante em melhor controlar a formao scio-poltica e educacional dos seus futuros eleitores. Tendo cumprido sua misso, retorna a Bahia no dia 27 de outubro a bordo do vapor francs Equateur. Quatro dias aps a sua chegada recebe a notcia de que, a 3 de novembro, o marechal Deodoro, dera um golpe de estado e dissolvera o Congresso Constituinte. De sua conversa com o baro o presidente da Repblica no deixara transparecer suas intenes. O governador Jos Gonalves, como no poderia deixar de ser, passa a apoia-lo, apesar da oposio da cmara constituinte. No dia 23 do mesmo ms o vice presidente, Floriano Peixoto, assumia a presidncia da Repblica restabelecendo os poderes constitucionais do pas. Impunha-se a renncia do governador do Estado. Este, no entanto, a retardava ocasionando agitaes polticas e perturbaes populares.

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O movimento se avoluma, criando foros de revolta, e o general Tude Neiva, comandante do 13 distrito militar, assume o governo, pondo termo aos acontecimentos que j se mostravam de graves conseqncias. Com a renncia do presidente do Senado, Lus Viana, substituto constitucional do governador do Estado, realizada nova eleio pela qual empossado o senador Francisco Leal Ferreira Jnior, que passa a ocupar provisoriamente o governo. Apesar de todos esses acontecimentos desfavorveis, Jos Gonalves consegue se reerguer. No tinha perdido o apoio das principais lideranas polticas do estado. Jos Marcelino lhe dava o apoio de Nazar, Lus Viana de Casa Nova e adjacncias e o baro de Jeremoabo de Itapicur at Jeremoabo. Unidos, esses lderes fundaram a 16 de maio de 1892 o Partido Republicano Federalista, que transformou-se no rgo oficial do executivo. Todos foram unnimes em dar a chefia a Jos Gonalves que congregou, alm dos j citados, nomes como Severino Vieira, Augusto Guimares, Stiro de Oliveira Dias, Manuel Vitorino, etc. Esse partido uniu-se para eleger e empossar em 28 de maio de 1892 Rodrigues Lima no cargo de governador do Estado. Foi a primeira eleio por sufrgio popular de que Jeremoabo participou. Desde fevereiro havia se deslocado para o engenho Camuciat para comandar a campanha eleitoral. Apesar da vitria do seu candidato no ficou satisfeito. A poltica ditatorial do `Marechal de Ferro' ia de encontro aos princpios federalistas e de autonomia dos estados. Jeremoabo no entendia como que uma chapa apresentada pelo grupo governista podia ter causado tantas abstenes eleitorais. Para ele isso ocorrera pela "desconfiana, descrena e indiferentismo geral..." (Carta a Gonalves, Camuciat, 6 de abril de 1892), a um chefe de Estado que no permitiu que se fizessem eleies para o preenchimento do cargo de presidente da Repblica, de acordo com o que determinava o artigo 42 da constituio, com o objetivo de continuar no poder. Tudo corria bem para trade Viana, Gonalves e Jeremoabo. Chegaram ao ponto de por um certo perodo dominarem o governador Rodrigues Lima, influenciando na escolha dos magistrados e consequentemente forando a organizao de uma magistratura partidria. A imprensa oposicionista muito criticou essa poltica. A segurana poltica foi tal para Jeremoabo que, a 31 de maio de 1892, escreveu um manifesto a seus amigos recomendando o nome de Rui Barbosa, seu inimigo poltico durante todo o imprio, cria poltica de seus primos liberais; para uma vaga no Senado Federal. Alegou motivos ideolgicos e o comportamento favorvel de Rui em questes pendentes no Supremo Federal: "Atualmente,

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que passou em julgado a separao da igreja do Estado, o modo corretssimo por que procedeu S. Ex. pugnando pela restaurao da legalidade nos lutuosos acontecimentos de que foi teatro este estado em 24 de novembro, e ultimamente a hombridade com que apresentou-se ante o Supremo Tribunal em prol dos direitos conculcados (...) impuseram-me o dever de abraar com entusiasmo a sua reeleio..." (Jeremoabo, baro, Manifesto: Aos meus amigos, 31/05/1892). A unio das principais lideranas do estado em um nico partido permitia a vitria folgada do grupo governista de eleio em eleio. Assim se deu nas eleies de 4 de dezembro de 1892, que iria renovar o tero do senado e eleger deputados estaduais. A ttica era dividir o estado por zona de influncia ficando cada chefe poltico responsvel por uma delas. Jeremoabo coordena essa diviso e em carta a Jos Gonalves d as diretrizes polticas que cada um devia seguir, "Rodrigues Lima deve tomar suas providncias para o 10 e 11 do contrrio seremos furados (...) No percas a tempo recomendando a chapa no 6, 5 e 7, onde desconfio dos furos. Escrevas aos juizes da comarca. O Viana corre fileiras no 13 e 14. Intimas o Incio Bastos para no dar votos a Ananias, como quer, em prejuzo nosso. (...). preciso falares com autoridade de chefe. Alagoinhas no tem o direito de sair fora da linha (...). (Carta do Regalo, 23 de outubro de 1892). Exercendo o cargo de senador estadual, saindo-se vitorioso nas eleies estaduais, na pessoa de seus amigos, restava a Ccero o exerccio de um cargo no mbito municipal , assim que, no dia 23 de fevereiro de 1893 tomou posse no cargo de intendente municipal de Itapicur, o primeiro eleito no regime republicano constitucional.
Para ainda mais coroar a boa fase poltica que o baro de Jeremoabo atravessava no princpio da Repblica, em 8 de abril de 1893 Inocncio Galvo no aceitou o cargo de presidente do Senado por estar ocupando o posto de comandante do 3 distrito militar, sendo eleito para substitu-lo, no mesmo dia, o baro de Jeremoabo, ausente a casa a ocasio. Exerceu a presidncia at 22 de abril de 1895.

At 1895 exerceu suas funes sendo inclusive eleito, como j dito, a 20 de julho de 1891 1 secretario do Senado e em 8 de abril de 1893 para a presidncia do mesmo. Dois meses aps ser escolhido para o lugar mais graduado do legislativo baiano, d-se uma reviravolta. O grupo oligrquico dominante rompe, ficando seus principais chefes em lados opostos. Essa ciso se concretizou no seio do Partido Republicano Federalista que abrigava as lideranas de maior prestgio. De um lado ficaram Lus Viana e Rodrigues Lima, que em 15 de abril de 1894 organizaram o Partido Republicano

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Federal da Bahia e do outro Jos Gonalves da Silva e o baro de Jeremoabo que fundaram, a 19 de agosto de 1894, o Partido Republicano Constitucional 23 A segunda fase (1893-1895) inicia-se em um perodo em que estava exercendo o cargo de senador, revestido portanto, do poder oficial. Ocorre neste perodo uma ruptura no ano de 1893. Essa data significa o incio do seu embate com a oligarquia estadual dominante, do qual foi gradativamente afastado. Nesse ano estava no governo estadual Joaquim Manuel Rodrigues Lima, que aliou-se ao grupo dos vianistas. Podemos dizer ento, enquadrando a atuao poltica do baro de Jeremoabo dentro de uma perspectiva coronelstica, que dessa data em diante (1893), ele deixou de ser um coronel governista, para se tornar um coronel oposicionista. Mais tarde veremos as conseqncias dessa mudana. Antes de seguir adiante, vale a pena tecer alguns comentrios a respeito da ciso do grupo oligrquico dominante. As seguidas vitrias eleitorais alcanadas pelo grupo governista de Jos Gonalves e Rodrigues Lima dava a impresso que reinava perfeita unio entre as principais lideranas estaduais. Na realidade existiam divergncias polticas desde o incio de sua formao. Desentendimentos que estavam ligados a poltica nacional e a interesses eleitoreiros a nvel estadual. No primeiro caso temos que nos reportar ao 24 de novembro de 1891, quando Gonalves fora deposto do governo do estado por Floriano Peixoto, da originando o seu antiflorianismo, em contraposio ao florianismo de Lus Viana que simpatizava com a idia da manuteno dos militares na presidncia do Brasil.
Esta diferena no seria suficiente para causar um racha no grupo, se a no entrasse os diferentes interesses pessoais a nvel de disputa eleitoral. As eleies municipais na capital em 1893 foi uma delas. Tendo havido `degola' na verificao de poderes, membros dos partidos que disputaram as eleies se sentiram lesados.

A propsito do reconhecimento ou no de polticos ligados as principais lideranas estaduais, entra em discusso no Senado o projeto n 6 que tratava da possibilidade ou no de ingerncia de recursos nas eleies municipais. Os senadores que estavam em sintonia com as decises do Conselho Municipal, rgo responsvel pelo reconhecimento de poderes dos candidatos, votaram contra a interferncia nas decises do conselho, foi o caso de Jos Gonalves, os que no ficaram satisfeitos com os dividendos das eleies votaram a favor. O conselheiro Lus Viana foi o primeiro a tomar essa posio.

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Com o acmulo gradativo dos desgastes pessoais por causa das disputas eleitorais, acirrados em junho de 1893 pelo desentendimento entre os dois principais lderes estaduais, ocorre a ciso do Partido Republicano Federalista. A aparente unio chega ao fim. Os grupos oligarquicos no podiam mais forjar uma pretensa unio entre o litoral e o serto, entre as economias rurais e urbanas. O baro de Jeremoabo que no incio do ano de 1893 exercia confortavelmente sua posio de presidente do Senado, deixa de lado sua postura acomodatcia para encampar uma luta que pouco a pouco foi se revestindo de prticas coronelisticas que caracterizaram a essncia poltica de toda a primeira Repblica. Jeremoabo passou a se enraizar cada vez mais no serto ; o recncavo aucareiro no mais lhe dava lucro, o poder poltico vinha mudando de mo. Teria que dar mais ateno a seus redutos eleitorais. Esse redirecionamento poltico era entendido na poca como um retrocesso ou uma estratgia de sobrevncia? Era uma soluo, pois deixava de ser baro, mas se tornava coronel. As sesses do ms de agosto de 1893, no Senado da Bahia, presididas pelo baro, revelam o clima de animosidade que se havia instalado. Alm dos membros das j rivais faces lideradas por Viana e Gonalves, as cadeiras da Cmara e do Senado eram tambm preenchidas por membros do Partido Nacional Democrata que apesar de minoria passaram a ser disputados tanto por vianistas como por gonalvistas, "...0 Viana no para, anda em grande atividade (...). Pensa como certo a aliana com Couto e outros federalistas..." (Carta a Gonalves, Bahia, 5 de agosto de 1893). Qualquer projeto apresentado nas sesses ordinrias do Senado, por menos importante que fosse, gerou motivo de desavenas. Constantemente o clima se tornava tenso e muitas das vezes chegavam as raias da violncia, "...Na sesso de ontem o Galvo atacou -me e auxiliado pelo Viana que muito me insultou; da mesa pouco disse e deixei a cadeira; continuando atrevido na secretaria, que estava repleta, como as galerias. Respondi-lhe, quis acometer-me, foi segurado e eu pedi para soltar o bisquibas. Hoje voltou ao senado munido de uma bengala dizendo que era para quebrar-me os culos, mas retirou - se caladinho depois da ltima derrota, que foi um parecer da comisso de polcia assinado por ele, pelo Galvo e Eduardo..." (Carta a Gonalves, Bahia, 5 de agosto de 1893). A proximidade das eleies para o Senado Federal que se realizariam a Ide maro de 1894 esquentou ainda mais os nimos da poltica baiana. Surgiu o momento para os dissidentes testarem suas foras. Lus Viana, nessa eleio, pretendia avaliar seu prestgio poltico j pensando na possibilidade de uma futura candidatura ao governo do estado. Jos Gonalves e seu grupo, em posio me-

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nos vantajosa, por estarem sem o apoio da mquina administrativa do estado, queriam sentir at onde Lus Viana tinha penetrao, inclusive a nvel federal. Para representar o grupo governista pensou-se no nome de Manuel Vitorino e na ala oposicionista o prprio Jos Gonalves se lanou na disputa. Foi uma dura eleio. O baro de Jeremoabo assim que soube da confirmao do nome do seu amigo para a vaga do Senado, trancou-se no escritrio para escrever cartas aos chefes polticos de todos os municpios em que tinha influncia, recomendando o nome de Jos Gonalves. Alm das missivas escreveu tambm no jornal reforando o pedido: "Apresentando-se candidato ao lugar vago, de senador federal, meu amigo dr. Jos Gonalves da Silva, chefe eminente do partido federalista deste estado, solidrio com v. ex., dirigimo-me aos meus amigos solicitando e pedindo com todo empenho seu dedicado apoio em favor dessa candidatura, que certamente encerrar a sagrao do partido federalista (...) Habituado de longa data a estima dos meus amigos, cheio de esperanosa confiana, quer na comunho da f poltica, quer na lealdade e dedicao da amizade aguardo com segurana o feliz xito da candidatura do dr. Jos Gonalves (...) (Jeremoabo, baro. Regalo, 5 de dezembro de 1893). A 1 de maro de 1894 Manuel Vitorino elegeu-se. O grupo gonalvista foi perdendo foras. Em 15 de abril de 1894 os vianistas de novo saram na frente fundando o Partido Republicano Federal. O discurso que o baro de Jeremoabo pronunciou no Senado do Estado na sesso de 24 de julho de 1893 refletia o estado de nimo do seu grupo: "...Tenho uma vida longa na poltica porque por desgraa minha desde os bancos da academia fui forado a envolver-me na poltica local da Bahia. Reputo isso um desastre tal na minha vida, que tendo unicamente dois filhos, lhes peo constantemente que por preo algum queiram se envolver na poltica deste pas (...), que prefiram antes ser carregados nas ruas, de pianos, tachos, etc, do que passar pelo cadinho da vida poltica, sobretudo, se tiverem carter e quiserem ser homens de bem. Se porm quiserem ser traficantes, ento atirem-se a vida poltica." Era preciso que o grupo de Gonalves e Jeremoabo reagissem, caso contrrio ficariam aliados do poder. Nada melhor que a proximidade de uma nova eleio para estimul-los. A 4 de novembro de 1894 os eleitores iriam s urnas para elegerem os deputados estaduais e o tero do senado. A soluo encontrada para fortalecer o grupo foi a fundao, a 19 de agosto de 1894, de um partido poltico que os congregasse; chamou-se Partido Republicano Constitucional. O baro de Jeremoabo presidiu a

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reunio do grupo, que contou com a presena da maioria dos membros do extinto Partido Nacional Democrata. Desta maneira se tornaram mais fortalecidos para disputar as eleies. Afinal tinham nomes do quilate de Jos Lus de Almeida Couto, Augusto Guimares, Jos Eduardo Freire de Carvalho, Joo Ferreira de Moura, Jayme Lopes Vilas Boas, Antnio Joaquim Pires de Carvalho e Albuquerque, Salvador Jos Pinto, entre outros. Os partidrios de Lus Viana no eram menos representativos: Francisco Bulco, Francelino Guimares, Tomaz Montenegro, Joo Paranhos da Silva, Hermelino de Leo, Tobias Pereira Coutinho, Vergne de Abreu, Deocleciano Teixeira, Jos Marcelino, bares de Camaari e de Au da Torre. Os dois grupos no pouparam esforos na cabala de votos para a primeira eleio a nvel estadual onde os principais chefes polticos estavam em partidos opostos. Passado o 4 de novembro veio o pior momento, o de maior tenso. Era a hora da apurao dos votos. Os polticos redobravam ateno com receio de fraudes, de troca de cdulas, de falsificao de votos. Jos Gonalves convidou o baro para vir a Vila Nova, zona de sua influncia, para ajuda-lo na fiscalizao da contagem de votos. Jeremoabo no pode ir porque teve que supervisionar a apurao em Itapicur, Bom Conselho e outros municpios.
No adiantou tanta fiscalizao. O governador Rodrigues Lima, juntamente com Lus Viana, no aceitou o resultado da apurao e a diplomao feita pelo conselho municipal de Vila Nova apresentado por Gonalves; como conseqncia interveio com a fora policial no municpio para fazer valer sua deciso. Jeremoabo arrependido de no ter ido ajudar o amigo, envia diversas cartas ansioso por notcias. Em uma delas diz "...Estou aflito com o telegrama que recebi ontem (...) comunicandome que Vila Nova estaria conflagrada pela fora pblica. (...) Quem ser mais perverso o Lima ou o Viana? A meu ver o instrumento que se presta a todas as injrias e baixesas. Que homens sanguinrios! Prfidos. Querem matar-nos, o plano de Viana..." (Jeremoabo a Gonalves, Camuciat, 4 de janeiro de 1895).

Os acontecimentos do interior logo se refletiram na capital. O dia designado pela constituio da Bahia para a abertura dos trabalhos da cmara e do Senado foi o 7 de abril de 1895. Tanto os gonalvistas como os vianistas esperavam ver seus representantes aceitos pela comisso de reconhecimento. A terceira fase se iniciaria em 7 de abril de 1895, dia marcado pela constituio para inaugurao dos trabalhos legislativos. Nesta data ocorre uma dualidade no legislativo baiano. O grupo lide-

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Estas duas fotografias representam dois momentos da vida pblica do baro de Jeremoabo. A de cima retrata o prdio onde funcionava a Cmara dos Aepulados Gerais no Rio de Janeiro, a de baixo o edifcio do Senado do Estado da Bahia, nos primeiros anos da Repblica.

1 Cadeia Velha , dividida por deputados e presos, que deu lugar ao palcio

rado por Lus Viana reconhece e d posse aos candidatos do seu partido e o grupo comandado por Jos Gonalves age da mesma maneira em relao a seus candidatos. O baro de Jeremoabo apesar de ser o presidente oficial do Senado, no teve condies de fazer valer sua autoridade, pois o governador Rodrigues Lima deu apoio a ala Vianista. Desta maneira a grande maioria dos candidatos desse grupo so reconhecidos em detrimento dos Gonalvistas. Em forma de protesto o baro de Jeremoabo e outros senadores do seu partido, por no reconhecerem a legetimidade da mesa que se instalou aps o 7 de abril, abandonou a cadeira para a qual foi eleito em 1891. A 6 de agosto de 1895, a nova mesa do Senado, alegando um grande nmero de faltas, declarou vagas as cadeiras no Senado do grupo de Jeremoabo. A partir da at 1901 o baro foi afastado totalmente do espao oficial de atuao da oligarquia estadual dominante. Desde 1893 j no compartilhava dos favores e dos privilgios do poder executivo e agora perdeu a ltima brecha que tinha de ligao com a estrutura governamental, que fazia atravs do poder legislativo. Durante seis anos foi considerado oposicionista radical. Nesse nterim conviveu com a guerra de Canudos, acusando o governo e sendo acusado de participao e conivncia com o conflito com o objetivo de tirar proveitos polticos. Em 1898, j estando no governo do Estado Lus Viana, no participou do grande "compromisso poltico" composto por Campos Sales - "A poltica dos governadores". J estava fora do poder h trs anos e era oposio. O substituto de Prudente de Morais e representante do primeiro governo civil da Repblica no aceitava alianas com oposicionistas, s apoiava candidatos indicados pela situao estadual. Jeremoabo sofreu na pele as aes dessa poltica quando em 1899 obteve o nmero de votos suficiente para se eleger senador federal e no foi reconhecido pela Comisso de Verificao de Poderes na Cmara Federal. No auge do perodo coronelstico no foi beneficiado pela troca de favores com que o sistema presenteava seus fieis colaboradores. A partir de 28 de maio de 1900 vive a quarta e ltima fase de sua atuao poltica. Nesse dia Severino dos Santos Vieira tomou posse como novo governador do Estado, substituindo Lus Viana que de incio se manteve unido com seu predecessor mais logo depois se separou. Em 15 de abril de 1901 Severino Vieira organizou um novo partido poltico que se chamou "Partido Republicano da Bahia"24. Essa nova situao renovou as esperanas de Jeremoabo de voltar a ser favorecido pelo reconhecimento do governo. A nova agremiao chefiada por Severino passou a privilegiar os grupos polticos que tinham sido oposio ao governador Lus Viana, transportando-os condio de situao. Jeremoabo, apesar de ter sido inimigo de Severino durante todo o perodo republicano, passou a v-lo com uma maior simpatia, assim justificando sua mudana de comportamento: "...Sempre te

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disse que apoiava o governo do dr. Severino por ser anttese do Viana que at quis assassinar-me. Moralidade e tolerncia no podemos negar ao atual governo...,'25 Diante desse novo contexto que se tornava favorvel ao seu grupo o baro no perdeu tempo. Voltara a ser um coronel situacionista, tinha que revitalizar as engrenagens do seu poder local, talvez um pouco enferrujadas com os seis anos que esteve afastado da oligarquia estadual dominante. Procurou refazer suas foras, pois no podia falhar nos seus compromissos poltico-eleitoreiros, que agora voltaram a ser reconsiderados, porm, no chegou a ver os resultados dos ventos que de novo lhes sopravam favorveis. A morte o colheu em 27 de outubro de 1903.

NOTAS

1. Carta do baro de Jeremoabo a Jos Gonalves da Silva. Regalo, 6 de dezembro de 1889. 2. Carta do baro de Jeremoabo a Silvino Moura. Novembro de 1889. 3. Carta do baro de Jeremoabo a Jos Gonalves da Silva. Regalo, 8 de outubro e 6 de dezembro de 1889. 4. Carta do baro de Jeremoabo a Silvino Moura. Novembro de 1889. 5. Carta do baro de Jeremoabo a Jos Gonalves. Regalo, 6 de dezembro de 1889. 6. JEREMOABO, baro de. Caderno de Notas. S/p. 7. PANG, Eul-Soo. Cornelismo e Oligarquias. 1889-1934. A Bahia na Primeira Repblica Brasileira. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1979, p. 22. 8. DUARTE, Nestor. Ordem Privada e Organizao Poltica Nacional. Contribuio a Sociologia Poltica Brasileira. So Paulo: Cia Editora Nacional, 1939, pp. 118-119. 9. FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. Formao do Patronato Poltico Brasileiro. Porto Alegre: Globo, 1958. 2v. pp.52-55. 10. URICOCHEA, Fernando. O Minotauro Imperial. A Burocratizao do Estado Patrimonial no Sculo XIX. So Paulo: Difel, 1978, p. 30. 11. As principais obras que versam sobre o coronelismo so: Monte Arraes, Decadncia e Redeno do Nordeste. A poltica dos grandes estados; Lencio Basbaum, Histria Sincera da Repblica, vol 2, de 1889 a 1930; Jean Blondel, As Condies da Vida Poltica no Estado da Paraba; Edgard Carone, A Primeira Repblica (1889-1930), e a Repblica Velha (Instituies e Classes so-

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ciais); Raimundo Faoro, Os Donos do Poder: Formao do Patronato Poltico Brasileiro; Marcel Bursztyn, O Poder dos Donos: Planejamento e Clientelismo no Nordeste; Nestor Duarte, A Ordem Privada e a Organizao Poltica Nacional; Maria Isaura Pereira de Queirz, O Coronelismo numa Interpretao Sociolgica, e o Mandonismo Local na Vida Poltica Brasileira; entre outras. 12. LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto: O Municpio e o Regime Representativo no Brasil. 2a ed . So Paulo : Alfa-Omega, 1975, p. 20. 13. Ibid., p.20. 14. Ibid., p.252. 15. LEAL. Op. Cit. p.255. 16. PANG. Op. Cit. p.9. 17. Reinhard BENDIX, Max WEBER: An IntellectualPortrait, pp. 329-84. In PANG. Op. Cit. pp. 39-40. 18. Para uma caracterizao detalhada dos tipos de coronis ver PANG. Op. Cit. pp. 57-60. 19. Carta do baro de Jeremoabo a Jos Gonalves da Silva . Regalo, 6 de dezembro de 1889. 20. Ibid. 21. JAVARI, Baro de (2). Organizaes e Programas Ministeriais. 3a ed. Braslia: Instituto Nacional do Livro/Departamento de Documentao e Divulgao , 1979, pp. 244-246.

22. Carta do baro de Jeremoabo a Jos Gonalves da Silva . Regalo , 6 de dezembro de 1889.
23. SAMPAIO, Consuelo Novais. Os Partidos Polticos da Bahia na Primeira Repblica. Uma Poltica de Acomodao . Salvador: Centro Editorial e Didtico da UFBA, 1975, pp . 37-40. 24. Ibid. p.47. 25. Carta do baro de Jeremoabo a Jos Gonalves da Silva. Bahia , 8 de outubro de 1902.

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