A Arte Cristã

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A ARTE CRIST

Interior da Igreja de Santa Costanza, Roma - sc IV. construda sobre o magnfico mausolu de Constantina, filha de Constantino. As abbadas e as absides so decoradas com mosaicos

A Arte Crist
xistem vrias formas de classificar e estudar as obras de arte. Elas podem ser agrupadas por estilo, por perodo, por seu pas de origem, por um reinado, etc. Tambm perfeitamente possvel estudar obras de arte que foram inspiradas por uma determinada religio. Assim, paralelamente aos artigos sobre a construo de igrejas ("A Igreja atravs dos tempos"), acreditando que um complementa o outro, A RELQUIA passa a publicar uma srie de matrias sobre a Arte Crist. E para contestar qualquer argumentao contrria, basta lembrar que os maiores artistas de todos os tempos, independentemente de seus princpios filosficos, sempre se voltaram (e se voltam), vez por outra, para a criao de uma obra de arte inspirada pelo cristianismo. Seja pela interpretao pictrica dos textos bblicos, pela representao de cenas do Apocalipse ou pela releitura do Cristo crucificado em diferentes criaes. Como todas as coisas, a Arte Crist teve um comeo e, neste caso, de forma surpreendente. Depois que Cristo deixou sua doutrina, doze trabalhadores da Palestina andaram pelo mundo e o modificaram espiritualmente. Tanto que at hoje milhes de pessoas do mundo inteiro se renem em torno das igrejas de suas cidades e vilas. Mas voltemos ao comeo: a necessidade de um local para o culto, a primeira igreja, os primeiros smbolos, a ilustrao da primeira Bblia, o primeiro crucifixo, a primeira imagem de santo, a primeira Virgem e o Menino, toda a histria crist retratada em sua arte.

Como toda criao artstica, a arte religiosa sempre esteve sujeita a limitaes, principalmente financeira (trabalha-se dentro de um oramento). Como a Arte Crist utilitria, limita-se a criao do artista, pois a chamada arte eclesistica serve s necessidades da Igreja, tudo dependendo das regras impostas, do tamanho dos templos e de suas formas de edificaes. Na pintura, os acontecimentos que determinaram as origens da Igreja e os grandes mistrios da f foram representados para instruo e edificao dos devotos. As exigncias do clero eram rigorosas, sendo a utilizao da obra definida no momento da encomenda. Sem contar que existiam formas tradicionais, quase obrigatrias, para representar alguns temas, como por exemplo a "Adorao dos Reis Magos", a "Entrada de Jesus em Jerusalm", "O Batismo de Cristo", "A Santa Ceia", etc. O fato que pelo respeito e pela natureza sagrada da arte crist, impediram o surgimento de maiores inovaes, o que acabou contribuindo para seu esplendor. Conforme foi dito no primeiro artigo "A Igreja atravs dos tempos", o cristianismo nasceu e se desenvolveu num mundo em que a religio, o imprio e o patriotismo eram muito ligados. Desenvolveu-se no mago do paganismo imperial, da religio estatal e da expressiva lealdade do imperador. Tambm a arte era oficial, imperial e pag, de forma que a arte crist s poderia comear em pequena escala. As primitivas igrejas eram muito discretas, instaladas em construes simples sem qualquer caracterstica que as identificasse. Em termos de arte, at o sculo IV, o mximo que os arquelogos encontraram nessas casas foram pinturas do martrio, talvez apcrifas, de So Joo e So Paulo.

Pintura mural do Batistrio de Dura-Europos, sc. III. Embaixo as Trs Marias no Santo Sepulcro Em uma pequena cidade fortificada chamada Dura-Europos, localizada nas margens do Eufrates, uma guarnio romana construiu, no ano de 265, um reforo alto de terra atrs das muralhas atacadas pelo inimigo, para isso derrubando vrias casas, mas preservando o que seria uma igreja. Recentemente descoberta, essa casa, que era exatamente iguais s outras, possui uma porta falsa e um ptio quadrado que se liga a uma sala ampliada onde fora construda uma plataforma, provavelmente o altar. Num dos cantos, uma descoberta notvel: um batistrio com um receptculo para banho, coberto por um baldaquino e fragmentos de afresco. Nas paredes do batistrio, pintadas em estilo simples, cenas de Ado e Eva, Davi e Golias, Cristo andando sobre as guas, O Bom Pastor (foto ao lado) e uma procisso de mulheres levando velas para um sarcfago

iluminado. De acordo com o professor Jean Lassus, foi um golpe de sorte entrar numa daquelas igrejas da Mesopotmia e verificar a decorao em um cenrio que naquela poca era to oriental quanto possvel. Constatou-se tratar da "arte parda", provavelmente a arte alexandrina da sia, sendo reconhecveis convenes e idias caractersticas da arte bizantina, como o uso da frontalidade, ausncia de relevo e a espiritualidade dos rostos. Embora a arte crist se originasse fora do mundo mediterrneo, foi por ele influenciada.

Dafne, Grcia - Segunda metade do sc. XI. Igreja construda com inspirao bizantina

Expanso Bizantina
No sculo IX o Oriente assistiu o renascimento do poder bizantino, principalmente quando Basil se livrou de Miguel III e fundou a dinastia Macednia, que reinou brilhantemente at a metade do sculo XI. Bizncio reconquistou, em 880, as posies perdidas na Itlia e Basil II livrou os Blcs das influncias russas e blgaras. O poderoso imprio ressurgiu depois que Nicforo II expulsou os rabes, ocupando a Cilcia, a Sria, Armnia e Chipre.

Crucificao de linhas sbrias em Dafne A arte bizantina acompanhou a expanso do imprio, fazendo com que at as igrejas basilicais de estilo ocidental, na Siclia dominada pelos normandos, fosses decoradas com mosaicos bizantinos. O ponto de partida desta nova expanso era obviamente Constantinopla, onde Hagia Sophia recebeu nova decorao imperial, com os mosaicos cobrindo as paredes com motivos celebrando a coroao de imperadores, com o cone substituindo o dolo e de novo o mosaico, agora substituindo a escultura. Basil II ordenou a construo de uma nova igreja em Constantinopla, chamada "Nea", que depois foi destruda, mas o seu modelo serviu para construir outra igreja, a da Assuno em Nicia, que depois seria tambm destruda. O mosteiro de Dafne, a exemplo de alguns no ocidente e muitos no Oriente, parece um osis. A cpula ergue-se sobre paredes brancas e douradas, entre ciprestes e palmeiras, com os mosaicos saudando o visitante com uma luz intensa, apesar de certa frieza clssica. A Crucificao muito sbria. A Virgem e So Joo so tratados isoladamente, este sendo apresentado como uma esttua, o que sugere antecedentes fora da arte crist, da escultura grega antiga. Todos estes monumentos oferecem uma impresso de dignidade, discrio e nobreza. A influncia da arte da corte pode ser sentida at mesmo em mosteiros distantes, a mesma impresso que se tem ao folhear as pginas de um manuscrito imperial bizantino desta poca. Na Nea Moni as cenas esto mais prximas dos modelos de Constantinopla. Surpreende as plpebras vermelhas e sombras verdes no rosto da virgem, que repousa sua face na mo de Cristo, enquanto Ele retirado da cruz. Como acontece no excelente quadro do Batismo, os traos de Cristo, de So Joo e do anjo so mas impassveis.

Mosaico com o imperador Constantino II e a Imperatriz Zo 1030. Hagia Sophia Constantinopla Na Grcia, trs igrejas so provas do esplendor da expanso bizantina. Todas so igrejas de mosteiros: Hosios Lukas na Fcida (incio do sculo XI), Nea Moni em Chios (1050) e o mosteiro de Dafne na estrada de Atenas a Eleusis. Ainda surpreende descobrir nestas construes alguns toques peculiares inspirao bizantina deste perodo. Hosios Lukas - igreja do mosteiro de So Lucas - tem uma cpula central dominada por um medalho de Cristo cercado de arcanjos e profetas. Acima de uma virgem sentada na abside existe outra cpula com os apstolos sentados em crculo recebendo a iluminao do Esprito Santo. Mos nichos sob a cpula esto representadas a Anunciao, a Apresentao no Templo e o Batismo no Jordo. No lado oposto entrada est a Crucificao - Cristo na cruz com a Virgem e So Joo, a Ressurreio, a Lavagem dos Ps e a Incredulidade de So Tom. As pinturas encontradas na igreja de Dura-Europos foram concebidas de forma idntica s pinturas das catacumbas romanas, o que levou historiadores a afirmarem que a escolha de temas que seriam representados nas paredes j estaria pr-definidos e que a Igreja primitiva tinha acesso aos mesmos modelos que originaram os pisos de mosaicos pagos executados em todo o Imprio Romano.

Orans - Pintura sobre reboco do sculo III nas Catacumbas Romanas. Representa uma mulher com os braos levantados em splica e orao num cenrio que sugere o paraso.

Sob a pintura, os loculi, ou sepulturas escavadas na rocha Um dos dogmas da Igreja era a crena na segunda vinda de Cristo e esse tema da ressurreio do corpo foi tambm representado nas paredes de Dura-Europos. Se no incio os cristos achavam que o retorno do Messias era iminente, depois anunciaram que a profecia seria cumprida, mas em tempo indefinido. Provavelmente por isso os cristos eram proibidos de cremar os mortos, prtica comum entre os romanos. Como os cristos insistiam em sepultar os seus mortos, surgiram problemas relacionados com os cemitrios, tornando-se necessrio um espao maior. Se em muitos lugares foram criados cemitrios em reas fora dos muros das cidades, ao ar livre, em Roma, particularmente, os catlicos adotaram um tipo de cemitrio usado anteriormente pelos pagos e que consistia numa rede de tneis subterrneos conhecidos como catacumbas. Como era necessrio utilizar o mnimo da terra disponvel, os tneis eram sempre estreitos. Quando todos os lculos (loculi) estavam ocupados, a altura e profundidade do tnel eram aumentadas com a finalidade de receber mais corpos. Outros tneis seriam escavados no nvel inferior e tambm em direes diferentes, o que resultou nos impressionantes labirintos em torno de Roma, to extensos que ainda hoje novos tneis so descobertos.

A Ressurrreio de Lzaro Pintura sobre rebco, sc. III Catacumba de So Pedro, Roma As pinturas encontradas na igreja de Dura-Europos foram concebidas de forma idntica s pinturas das catacumbas romanas, o que levou historiadores a afirmarem que a escolha de temas que seriam representados nas paredes j estaria pr-definidos e que a Igreja primitiva tinha acesso aos mesmos modelos que originaram os pisos de mosaicos pagos executados em todo o Imprio Romano. Um dos dogmas da Igreja era a crena na segunda vinda de Cristo e esse tema da ressurreio do corpo foi tambm representado nas paredes de Dura-Europos. Se no incio os cristos achavam que o retorno do Messias era iminente, depois anunciaram que a profecia seria cumprida, mas em tempo indefinido. Provavelmente por isso os cristos eram proibidos de cremar os mortos, prtica comum entre os romanos. Como os cristos insistiam em sepultar os seus mortos, surgiram problemas relacionados com os cemitrios, tornando-se necessrio um espao maior. Se em muitos lugares foram criados cemitrios em reas fora dos muros das cidades, ao ar livre, em

Roma, particularmente, os catlicos adotaram um tipo de cemitrio usado anteriormente pelos pagos e que consistia numa rede de tneis subterrneos conhecidos como catacumbas. Como era necessrio utilizar o mnimo da terra disponvel, os tneis eram sempre estreitos. Quando todos os lculos (loculi) estavam ocupados, a altura e profundidade do tnel eram aumentadas com a finalidade de receber mais corpos. Outros tneis seriam escavados no nvel inferior e tambm em direes diferentes, o que resultou nos impressionantes labirintos em torno de Roma, to extensos que ainda hoje novos tneis so descobertos.

As pinturas das catacumbas

No na Arca - sc. III, Catacumba de So Pedro e So Marcellinus, mostrando No com postura orans Considerar como grandes obras de arte as pinturas que decoravam as paredes das catacumbas, seria um exagero. Elas derivam da arte decorativa que a partir de Pompia passou a ser usada na maioria das casas romanas. Com muita freqncia os temas das pinturas dos cristos utilizavam motivos tradicionais como cupido, as estaes, animais, cestos cheios de pes, etc. O Bom Pastor, tomado da arte pag, era representado tocando uma flauta, com um carneiro no ombro ou cercado por seu rebanho. Embora representada por uma figura de mulher rezando com os braos levantados, a orans simboliza a alma de uma pessoa morta. Cenas do Antigo e do Novo Testamento tambm so encontradas nas paredes das catacumbas, sendo necessrio algum conhecimento para identificar No emergindo de uma arca, Jonas adormecido sob o cabaceiro ou Daniel na cova dos lees. A multiplicao dos pes representada por uma cesta cheia de pes e de peixes e se o apreciador no tiver conhecimento do castigo imposto por Nabucodonosor, aos trs blasfemadores hebreus, no vai entender a cena dos trs jovens lanados na fogueira. Mais tarde aparecem imagens mais elaboradas, como a adorao dos Reis Magos e outras. Os estilos de todas estas pinturas so fluentes e descontrados, as cores so alegres e claras. Os movimentos e as atitudes das figuras so de concepo arrojada, mas os rostos so apenas esboados na maioria das vezes. Estes trabalhos antigos tm mais importncia do ponto de vista religioso e histrico do que propriamente artstico, mas por outro lado no seria prudente julgar a arte crist primitiva apenas pelos exemplos conhecidos. possvel que uma arte mais elaborada tenha florescido nas igrejas primitivas e a arqueologia ainda no tenha dado a ltima palavra.

A Arte Crist teve grande impulso depois do Edito de Milo, quando o Imperador Constantino ordenou a construo de muitas igrejas na Europa, frica e sia. No incio da Era Constantino, os construtores submetiam a edificao de um santurio ao monumento que ele comemorava. Ou seja, o resultado das pesquisas arqueolgicas autorizadas limitava os arquitetos, e a glorificao das relquias encontradas impunha ao cliente uma despesa inevitvel, pois estas eram encerradas em mrmore e cercadas por colunas, balaustradas e lmpadas.

Mosaico da Abside da Igreja Santa Pudenziana, final do sculo IV Roma. A cena mostra Cristo entronizado entre os apstolos, acompanhado por personificaes das igrejas da Circunciso e dos Gentios. Ao fundo, o Glgota com a cruz colocada por Constantino ou Teodsio Os gastos despendidos na preparao desses locais tornavam necessrio que os edifcios fossem construdos com maior solidez. Mas as formas arquitetnicas crists foram estabelecidas numa poca em que os outros tipos de edifcios eram construdos com o emprego de elaborados mtodos tcnicos. Esses mtodos foram usados pela primeira vez nas termas ou banhos pblicos - uma grande sala, coberta por trs abbadas ogivais, apoiadas em ambos os lados por abbadas mais baixas, sustentadas por colunas. Essas construes assemelhavam-se mais a um frigidrio (frigidarium) do que aos edifcios de colunas e tetos de madeira que formavam as baslicas do Frum original ou mesmo aquelas de Trajano. Diante das novas necessidades das igrejas crists, os arquitetos, incapazes de explorar essas inovaes, voltaram aos mtodos tradicionais, adotando estilos menos complexos, talvez por medida de economia. A evoluo da construo das igrejas o leitor pode acompanhar lendo a srie de artigos intitulada "A Igreja Atravs dos Tempos", que nesta edio est na pgina 17. Na decorao das igrejas crists, as tradies dos artistas romanos foram adotadas sem reservas e seus motivos usados sem qualquer preocupao com as interpretaes simblicas que poderiam ter por parte dos pagos. A decorao das abbadas de Santa Constanza, por exemplo, tpica sob esse aspecto. Possui complicados padres geomtricos encontrados em pavimentos de mosaicos dessa poca ou anteriores. Em Sousse, ou em Cherchel, no Norte de frica, existem muitos exemplos dessa combinao de crculos e polgonos com os lados arredondados contendo pssaros, animais, cupido ou meninas danando. Do mesmo jeito, cenas da colheita das uvas - o carregamento dos carros de bois e camponeses nus esmagando as uvas - so encontradas

atravs de toda a arte pag. Os arabescos de videira apresentam os conhecidos putti. O motivo pode ter vindo diretamente, sem transio, de seu significado dionisaco para simbolizar a Eucaristia; motivos semelhantes podem ser vistos nas catacumbas. Outro exemplo o grande mosaico da igreja Aquilia, que data do incio do sculo IV, onde animais estranhos simbologia crist esto dispostos em composies geomtricas que formam uma moldura em torno de pssaros, peixes, bustos humanos, cenas como o bom pastor e outras de difcil interpretao. Outra parte do piso representa o mar cheio de peixes, caractersticas dos mosaicos alexandrinos. Entre cenas de pesca, v-se Jonas sendo lanado fora de seu barco e engolido pelo monstro marinho. Em outra parte pode ser visto o profeta adormecido sob o cabaceiro. O motivo cristo mais uma vez tratado da mesmo forma que nas catacumbas. Uma iconografia crist parece ter sido desenvolvida nesse mesmo tempo, como se pode constatar em Santa Costanza, nas conchas da capela da abside, onde Cristo avistado no cu, sentado sobre o globo, ou de p sobre a rocha da qual nascem os quatro rios do Paraso, entregando a Lei aos apstolos Pedro e Paulo. Os monumentos em Jerusalm parecem ter uma grande variedade de temas que apresentam toda uma srie nova de cenas, isoladas ou agrupadas. A iconografia estvel, deixando supor a existncia de modelos conhecidos, provavelmente as prprias pinturas e mosaicos que decoravam os Lugares Sagrados. Essas cenas incluem a Ressurreio, com as santas mulheres chegando ao sepulcro, recebidas pelo anjo. Existe a Ascenso, a Anunciao, a Crucificao, a Natividade, a Visitao e o Batismo de Cristo. O mosaico dos fins do sculo IV na abside de Santa Pudenziana apresenta Cristo entronizado no centro, cercado dos apstolos e de duas figuras femininas, interpretadas como alegorias. Uma pedra est atrs do trono (a pedra do Calvrio), onde uma cruz est cravada, colocada ali por Constantino, ou por Teodsio II. Ao fundo esto os monumentos de Jerusalm - os santurios colocados em torno dos lugares sagrados j mencionados, e que aqui sugerem a Jerusalm celestial. No cu aparecem os smbolos apocalpticos dos evangelistas. Essa obra, relacionada com os trabalhos de Santa Costanza e com cenas representadas nos sarcfagos e catacumbas, revela uma iconografia j estabelecida, na qual a vida terrestre e a vida celestial de Cristo esto inter-relacionadas como significao da unio de duas naturezas numa mesma pessoa. A segunda pessoa da Santssima Trindade teria sua vida terrestre logo descrita, assim como a histria dos patriarcas, nas paredes de Santa Maria Maggiore, em Roma. A partir da, sua soberania era reconhecida e representada em cenas nas quais o Salvador est entronizado em meio aos apstolos como um imperador em sua corte. E a Cruz do martrio tornou-se atravs dos tempos o smbolo do seu triunfo.

Mosaicos de Ravena
Para um melhor entendimento da Arte Crist nos sculos V e VI, nada melhor do que conhecer Ravena. Nesta cidade, localizada beira do Adritico, foi que o Imperador Honrio se estabeleceu no sculo V e onde sua irm Galla Placdia governou para o filho Valentiniano III, dando cidade o aspecto de capital. Ali tambm governou o Rei da Itlia, Teodorico, e Belisrio fez de Ravena a capital do exarcado representante do Estado bizantino no Ocidente.

A procisso dos Mrtires, mosaico do scs. V e VI em S. Apollinare Nuovo, Ravena. Vista da decorao da parede sul. Sobre os arcos est um friso em mosaicos com a procisso dos mrtires, levando ao Cristo entronizado. Em cima, entre as janelas do clerestrio, figuras de santos representados como esttuas em nichos; sobre cada janela h um mosaico do ciclo narrativo das cenas da Paixo O desenvolvimento da arquitetura e da arte dos mosaicos em Ravena mostra uma fuso de estilos italianos e orientais, sendo um dos exemplos mais bem sucedidos da Arte Crist. Os mosaicos seriam a decorao das igrejas orientais durante dez sculos consecutivos. Em Ravena, os artfices tiveram que resolver todos os seus problemas tcnicos, decorativos, figurativos e iconogrficos -, de uma arte que teve suas origens na Grcia, ficando depois bastante popular em todo o Imprio Romano. Inicialmente os mosaicos eram feitos como piso, na Sria e na frica e depois encontrados na Siclia, onde se acredita o Imperador Maximiano se exilou. Em Pompia escavaes revelaram que os mosaicos eram usados apenas na decorao de fontes. De alguma forma eles tambm so usados em monumentos funerrios e tambm, de forma monumental, aparecem nas abbadas de Santa Constanza. Se durante esse perodo os mosaicistas tinham limitaes ao decorar o piso, por razes de durabilidade, quando os mosaicos murais passaram a ser usados em Ravena, essa limitao acabou, aumentando consideravelmente o uso de cubos de vidro. Os fundos de pedra calcria ou mrmore foram substitudos primeiro pelos azuis, depois pelos dourados, proporcionando s composies um brilho esplndido, e a mesma luminosidade dos interiores das igrejas bizantinas. O efeito azul do mausolu de Galla Plcidia, enriquecido pelo brilho dourado, revela uma nova sensibilidade e sentimento de cor. Os artistas passaram a contar com grandes superfcies a serem decoradas no interior das igrejas. Havia no s paredes inteiras a decorar, mas tambm paredes interrompidas por janelas e arcadas cegas, tmpanos semicirculares e absides hemisfrica, cpulas e abbadas. O trabalho realizado no octgono de S. Vitale, monumento plenamente bizantino, alcana a culminncia do estilo. Continua intacta, no seu presbitrio, toda a decorao de mosaicos. Muitos dos motivos utilizados na decorao j existiam nas catacumbas crists, na arte monumental romana e mesmo em pocas anteriores. Desde os assrios o motivo da procisso tinha sido adaptado pelos artistas numa composio retangular onde as figuras

da mesma altura seguiam umas s outras. O tema da procisso militar foi seguido pelo da procisso triunfal em direo a um deus ou um rei sentado ao trono, s vezes cercado de dignitrios. Este tema tradicional foi magnificamente utilizado em S. Apollinare Nuovo: partindo das cidades de Ravena e Classe, os mrtires saem do prtico em direo abside para oferecer suas coroas a Cristo e Virgem. Na mesma S. Apollinare quadros histricos foram colocados em painis sobre o clerestrio, da mesma forma que em Santa Maria Maggiore, meio sculo antes. Os apstolos e profetas entre as janelas, com magnficas conchas vermelhas e douradas sobre as cabeas, so lembranas da disposio clssica das esttuas em nichos. O tipo de arranjo parece ser uma tentativa de reproduzir uma decorao em relevo em duas dimenses. Em S. Vitale e em S. Apollinari in Classe consiste a decorao em uma cena triunfal desenrolada no cu - o triunfo de Cristo ou de um santo numa cena simblica ou figurativa do Paraso. Essa representao, com vista frontal da figura principal e as figuras de apoio em simetria, apresenta uma viso global, at a extremidade da igreja, de uma imagem de devoo com notvel efeito dramtico. Este tipo de representao encontrado atravs de toda arte bizantina, sempre se mantendo a frontalidade e a simetria. A existncia de um teto independente na composio da baslica obrigava que a decorao fosse fragmentada. Mas a construo das abbadas fez com que os mosaicos ganhassem mais espao, resultando em uma unidade decorativa. As figuras tratadas individualmente ficaram desapercebidas, como certas figuras integradas numa folhagem dourada da igreja de Galla Placdia, por exemplo.

A Imperatriz Teodora e sua comitiva (546/548)- Mosaico do presbitrio de S. Vitale - Ravena Na igreja de S. Vitale as paredes laterais dos presbitrios so decoradas com um fundo de pedras estilizadas, com desenhos de folhagem, flores e animais. Sobre esse fundo esto colocadas figuras de profetas, to integrados nesta decorao difusa que pouco so notados. Mas na abbada, os anjos segurando a grinalda que circunda o Cordeiro de Deus tornam-se os elementos focais da decorao de folhagem que os circunda. Acentuada pelas cores que a cobrem, a arquitetura parece ter sido reinterpretada. O perodo coberto pelo pelos monumentos de Ravena muito instrutivo no desenvolvimento da representao da figura humana. Comparando os dois grupos de apstolos ou os dois medalhes representando o Batismo de Cristo, de pocas diferentes, nos batistrio dos arianos e dos ortodoxos, e comparando os profetas entre as janelas com a procisso de mrtires em S. Apollinare Nuovo, nota-se a mesma mudana profunda.

Desde o sculo V a estilizao das vestes vinha sendo acentuada, mas os rostos eram ainda tratados como se fossem retratos pintados. No sculo VI surge um novo estilo, mais bem adaptado decorao monumental, e que precedia de um esprito novo. Nas vestes, por exemplo, no h nenhuma tentativa de modelar os sombrear as cores; elas so simplesmente indicadas por um jogo de linhas destinado a sugerir tanto o movimento do material quanto os dos corpos que cobrem. Esse uso de contrastes de motivos escuros sobre um fundo claro um efeito de cor. Isso visto mais claramente quando a toga substituda pelas clmides e os tecidos brancos pelos debruns coloridos e brocados. isso que cria o contraste entre as duas procisses de S. Apollinare Nuovo nas quais as magnificentes vestes da corte de santos so apresentadas como superfcie vermelha, ao passo que as figuras dos mrtires mantm um certo relevo, apesar da simplicidade com a qual as dobras de suas togas brancas so desenhadas. Nos famosos quadros que representam Justiniano e Teodora em S. Vitale, surpreende o brilho incomparvel da superfcie colorida na qual o esplendor das vestimentas e a riqueza dos costumes da corte mesclam-se a uma espcie de maravilhosa tapearia. Observados atentamente, esses quadros no so estticos, apesar dos movimentos quase desaparecerem na rigidez das vestes e na frontalidade das figuras. Estranha ao Ocidente Romano, esta tradio artstica originou-se no Oriente helenizado, onde as tradies levadas por Alexandre at as fronteiras da ndia, desenvolveram-se segundo regras prprias e resultaram em formas artsticas bem diferentes de suas fontes europias. Michael Rostovtzeff chamou estas formas de arte parta, que exerceu influncia decisiva sobre a pintura bizantina. A frontalidade geralmente cria uma simetria total nas figuras. Mas tambm h ocasies em que as figuras deixam de ser fixadas numa posio frontal por causa da simetria, seja nas procisses ou em uma das cenas mais ativas. Encontramse alguns rostos completamente de perfil. Com o triunfo destas tendncias, penetramos numa nova esttica, na qual o realismo e o respeito por volumes e formas cedem lugar cor e viso. um mundo bidimensional que se presta expresso e ao simbolismo.

A Transfigurao, (540), mosaico da Abside da Igreja de Santa Catarina Dentro destas edificaes monumentais e seguindo esta nova esttica, os mosaicistas de Ravena trataram os assuntos cristos que lhe foram encomendados. Curioso que em Ravena a histria religiosa - o Antigo e o Novo Testamento - parece ter sido relegado a

um segundo plano, muito embora se encontre sua expresso essencial em S. Apollinare Nuovo. Existem representaes dos milagres de Cristo, a traio de Judas, a Ressurreio, etc. Mesmo quando ilustram algum outro episdio bblico, as pinturas com personagens nos outros edifcios de Ravena parecem ter um valor simblico. Os profetas e mrtires, Reis Magos e anjos que nos transportam para alm de nosso mundo esto na cidade celestial. Esta evocao de um mundo melhor, envolto pelo azul do cu e o dourado do sol, encontrada em todas as obras - e confere decorao seu valor real. Profetas, santos, apstolos, mrtires, esto em todas as partes proclamando e aclamando a divindade de Cristo e a verdade de sua promessa. Em seus smbolos, como em suas cores, a decorao das igrejas de Ravena revive a esperana de salvao.

Iconografia: O Iluminismo
A primeira parte da Bblia Crist o Antigo Testamento, que conta a histria do povo judeu. A segunda parte, o Novo Testamento, basicamente a biografia de Jesus. Em ambos os livros, embora certos captulos tenham carter litrgico, proftico ou lrico, o carter dominante o narrativo. Por ser tambm e principalmente uma religio do livro, e por razes pedaggicas, ou grande necessidade de retratar caracteres e acontecimentos religiosos, muito cedo os cristos se voltaram para a ilustrao de livros. Exemplos dessa antiga arte miniaturista so encontrados em muitos livros de evangelhos. Os antigos exemplares que foram preservados geralmente so do sculo X e XI, mas existem alguns mais antigos, como os manuscritos prpura do Gneses de Viena e os Evangelhos de Rossano, que remontam ao sculo IV.

A Ascenso - ilustrao em miniatura de evangelhos do sculo XV Atravs de geraes as iluminuras, a exemplo dos textos, foram copiados e recopiados, no por falta de imaginao, mas para manter o carter sagrado e inviolvel do livro que as figuras ilustravam e que constituem uma iconografia. A exemplo de pintores de

afrescos e mosaicistas, os primeiros miniaturistas, para glorificar os principais acontecimentos da histria crist, tambm faziam representaes de determinados episdios. Os Octateucos e Evangelhos eram amplamente ilustrados, cada pargrafo tinha seu comentrio pictrico, assemelhando-se muito s histrias de quadrinhos atuais. at possvel seguir a narrativa acompanhando os desenhos. A origem desta prtica confusa. Sabe-se que no sculo IV os gregos e romanos usavam desenhos em miniaturas em dois tipos de livros, havendo ainda os "volumina", longos rolos de papiro que aparecem nas mos de muitas esttuas de cidados romanos. Neste caso as ilustraes eram limitadas largura da coluna. No Rolo de Josu, em pergaminho, as imagens seguem-se umas s outras sem interrupo em longas tiras, como a decorao da coluna de Trajano. Do sculo IV em diante, os manuscritos passaram a tomar forma de livros de pergaminho (cdices), com as ilustraes ainda colocadas em colunas, algumas se expandindo por toda a pgina. Com isso as miniaturas tornaram-se verdadeiros quadros. O mesmo esquema era usado na representao de cenas, de um manuscrito para outro. Nos evangelhos, que eram ilustrados cada vez que se fazia uma copia, a semelhana indiscutvel. A obedincia a esse modelo no impediu que os pintores usassem as suas habilidades e fizessem encantadoras variaes que revelassem o naturalismo, o gosto pelo extico, e o estilo cheio de vida de diferentes miniaturistas. Fonte: Texto de Jean Lassus, professor da Universidade de Sorbonne e do Instituto de Arte e Arqueologia - Paris; Ed. Jos Olympio e Exped; East Christian Art de O. Dalton e Early Christian Art, de W.F. e Hirmer. Extrado de: A RELQUIA - Informativo dos Antiqurios, Leiloeiros e Colecionadores" - Rio de Janeiro / So Paulo. Web Site: http://www.areliquia.com.br

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