Musicalidade Clínica em Musicoterapia

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XII Simpsio Brasileiro de Musicoterapia VI Encontro Nacional de Pesquisa em Musicoterapia II Encontro Nacional de Docncia em Musicoterapia 06 a 09/set/2006 - Goinia-GO

Pesquisa Artigo - Comunicao Oral

Musicalidade Clnica em Musicoterapia: um estudo transdisciplinar sobre a constituio do musicoterapeuta como um ser musical-clnico
PIAZZETTA, Clara Mrcia1 CRAVEIRO DE S, Leomara2 Resumo: Este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa qualitativa sobre a musicalidade do musicoterapeuta, a partir de concepes relacionadas ao tema existentes na prpria literatura musicoterpica. Emergente de questionamentos oriundos da prtica clnica da pesquisadora, este estudo objetiva oferecer mais uma possibilidade de compreenso da escuta musical clnica e da produo musical clnica do musicoterapeuta no setting musicoterpico. Fundamentada na Teoria da Complexidade, Biologia do Conhecer e Musicoterapia Contempornea, apresenta mais um mecanismo de entendimento do fenmeno tridico musicoterapeuta, cliente e msica na dimenso do contexto clnico musicoterpico. A discusso dos resultados desvela a Musicoterapia em sua essncia transdisciplinar e o musicoterapeuta como um ser musical-clnico que faz uso de sua musicalidade ao atuar profissionalmente nos espaos relacionais clnicos, apresentando caractersticas recursivas e consensuais de cooperaes mtuas. Musicalidade clnica revela-se, assim, como algo constitutivo da identidade profissional do musicoterapeuta, este ser musical-clnico. Palavras-chave: Musicoterapia, Msica, musicalidade, musicalidade clnica. Abstract: This work introduces the results of a qualitative research about the musictherapists musicality. From conceptions, that can be found in the Music Therapy literature, related to the theme, emerging from primitive questions about the researchers clinical practice. The reported study aims to offer another possibility of understanding the musictherapists clinical musical listening and to perform it at the setting. Founded in the Complexity Theory, the Biology Knowlodge and the Contemporary Music Therapy, shows an extra mechanism of understanding the triadic phenomenon musictherapist, client and music in the dimention of Music Therapy clinical context. The discution of the results reveals the transdiciplinary essence of Music Therapy and the musictherapist as a clinical musical being who makes use of their musicality when working professionaly in the clinical related spaces that show recursive and consensual caracterstcs of reciproc cooperation among musictherapist, co-therapist, client and music. Clinical musicality can be revealed on that way as something constitutive of musictherapists identity, this clinical musical being. Key-words: Music Therapy, Music, musicality, clinical musicality.

Clara Mrcia de Freitas Piazzetta: Mestre em Msica pela Universidade Federal de Gois (Linha de Pesquisa Musicoterapia: convergncias e aplicabilidades); Musicoterapeuta Clnica; Graduada em Musicoterapia pela Faculdade de Artes do Paran em 1988. [email protected] 2 Leomara Craveiro de S: Doutora em Comunicao e Semitica PUC/SP; Musicoterapeuta Clnica; Especialista em Psicologia Transpessoal; Docente no Programa de Ps-Graduao em Msica da Escola de Msica e Artes Cnicas da Universidade Federal de Gois; Coordenadora do Ncleo de Estudos, Pesquisas e Atendimentos em Musicoterapia NEPAM/CNPq. [email protected]
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INTRODUO
O tema aqui desenvolvido, musicalidade do musicoterapeuta, conseqncia das inquietaes surgidas no decorrer de reflexes sobre as interaes realizadas com meus pacientes e ergue-se em meio s discusses de temas mais amplos, tais como msica em Musicoterapia. A abrangncia desse elemento alcana a dimenso da delimitao de uma forma de atuao, ou seja, a identidade profissional do musicoterapeuta. Tanto a Biologia do Conhecer como a Teoria da Complexidade acompanharam minha trajetria, no apenas na fundamentao da pesquisa, mas transformaram minha forma de ver a mim mesma e a prpria pesquisa. Todo ato de conhecer faz surgir um mundo (MATURANA & VARELLA, 2001, p.31) que nunca est pronto, ou seja, encontra-se sempre em construo. Existe, na realidade, um dilogo em devir entre ns e o universo (MORIN, 1998, p. 223). Desde o incio ficou evidente a importncia de se compreender um pouco mais a musicalidade do musicoterapeuta, considerando-se, como ponto de partida, os escritos sobre musicalidade clnica existentes em nossa literatura. Construir mais uma possibilidade de explicao para os acontecimentos musicais no setting musicoterpico teve incio com observaes do trabalho clnico desta pesquisadora. Na seqncia, a pesquisa contou com a colaborao de cinco musicoterapeutas, momento em que esta autora desempenhou o papel de observadora/pesquisadora do trabalho clnico desses musicoterapeutas em ao. Nesse espao, o propsito de acolher as musicalidades dos clientes e interagir com elas revelou-se como um caminho repleto de sentimentos de vitrias e realizaes para ambos. Foram esses aspectos que delinearam o objeto de estudo desta pesquisa: o que muda no fazer musical do musicoterapeuta para acolher a musicalidade do seu cliente e, com isso, potencializar alguns momentos inesquecveis? Na Musicoterapia acontecem experincias musicais compartilhadas, ou seja, musicoterapeuta e cliente(s) esto em uma estrada de mo dupla. Tanto as aes do musicoterapeuta alcanam o cliente, quanto as aes do cliente alcanam o musicoterapeuta, num movimento recursivo e consensual. Estar em espaos de interaes humanas, concomitantemente com a msica, naturalmente estar num territrio amplo e flexvel de inter-relaes que se apresenta como um exerccio contnuo do ato de conhecer.

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MUSICALIDADE NA CLNICA: UMA IDIA EM PROCESSO


Partindo de algumas concepes sobre msica em Musicoterapia, encontradas na literatura de nossa prpria rea, apresentado, aqui, um recorte de como a idia de musicalidade clnica foi surgindo de maneira processual at tomar forma nos conceitos de Brandalise e Barcellos. Em 1968, Gaston (1968) procurou delimitar a Musicoterapia em trs momentos distintos: no primeiro, enfatizando o poder da msica sobre o homem; no segundo, o foco a terapia; portanto, a relao estabelecida entre musicoterapeuta e cliente; e no terceiro momento, busca-se o equilbrio entre o poder da Msica e a qualidade da relao teraputica. Tambm Leinig, enfatizando o poder da msica, descreveu, em 1977, elementos que compem uma concepo de musicalidade, mesmo no utilizando este termo especificamente. A autora apresentou a msica a partir de concepes estticas, biolgicas e psicolgicas, considerando a relao muito prxima do homem com a msica, sendo isto de extrema importncia para a concepo de musicalidade em Musicoterapia. Para a autora, a Musicoterapia utiliza-se do fato de que a msica infinitamente mais do que um enlevo, uma reao ou gozo pelo belo, pois no s provoca acentuadas reaes sobre o organismo do homem como tambm joga um papel decisivo no desenvolvimento de suas faculdades intelectuais e emocionais(ibid, p.19). Isso, na viso da autora, faz com que a msica atinja objetivos teraputicos. Na dcada de 1970, um pensamento linear, de causa-efeito, no possibilitava uma aproximao com o que vai no ntimo do homem quando ele est comprometido com a msica(ibid, p.21). Assim, falava-se que, devido msica ser gerada na mente humana, ela tinha esse poder magntico sobre o homem. Isso, tanto por despertar os mais nobres sentimentos, modificar a conduta, [como tambm] por favorecer a concentrao e a perda da conscincia e, ainda, induzir a estados hipnticos (LEINIG, 1977, p.21-22) Nas abordagens e metodologias da Musicoterapia, surgidas na metade do sculo XX, o segundo e o terceiro momentos descritos por Gaston (1968) so refernciados e uma concepo de musicalidade na Musicoterapia faz-se presente quando se busca o equilbrio entre o poder da msica e a relao teraputica. Dessa forma, at o final do sculo XX, a musicalidade no contexto da Musicoterapia deu-se pela abordagem Nordoff & Robbins. Para os musicoterapeutas Paul

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Nordoff & Clive Robbins (1977) existe uma music child 3 em cada pessoa, que parte do seu self e ao responder experincia musical, encontra significado e interesse (NORDOFF & ROBBINS,1977, p.1). Essa musicalidade individual, existe em toda criana (antes de nascer), independente das dificuldades, e reflete uma sensibilidade universal para a msica e seus vrios elementos (ROBBINS & ROBBINS, In BRUSCIA, 1991, p.57). Esse termo, assim, denota uma organizao das capacidades receptivas, cognitivas e expressivas que podem ser o ponto central da organizao da personalidade (NORDOFF & ROBBINS, 1977, p.2). A abordagem Nordoff & Robbins est diretamente ligada, em sua origem, s idias de Rudolf Steiner, fundador da Antroposofia, e s idias de Abraham Maslow, um dos fundadores da Psicologia Humanista. As concepes de Msica, defendidas por Victor Zuckerkandl (1973, 1976), tambm embasam esta abordagem (QUEIROZ, 2003; AIGEN, 2005). Assim, como no mtodo criado por Helen Bonny, Bonny Method - Guided Imagery and Music (GIM), a msica concebida como algo importante, significativo e constitutivo de cada pessoa, sendo que a relao teraputica acontece nas experincias musicais: msica como terapia (BRUSCIA apud RUUD,1998, p.69). Assim, musicalidade, vista como inata e constitutiva de cada pessoa pela Nordoff & Robbins, inserida no contexto de nveis de habilidades por Bruscia (2000). A diversidade de experincias musicais gera variaes na musicalidade de acordo com a natureza do estmulo musical assim como a natureza da resposta do cliente (ibid, p.115). Essa busca pelo equilbrio entre o poder da msica e a relao teraputica potencializou um dos marcos do crescimento da Musicoterapia como rea de conhecimento por ocasio da realizao do Second World Symposium on Music Therapy, Music in the Life of Man, na New York University (1982). Como tpico central, o questionamento: O que nico sobre a experincia com msica que a torna importante para terapia? Os musicoterapeutas de vrios pases, ali reunidos, chegaram seguinte concluso: os princpios da Musicoterapia tanto podem ser formulados pelo apoio de outras abordagens filosficas e cientficas como por uma teoria prpria da Musicoterapia (BRANDALISE, 2001, p. 28). Acompanhando, de modo muito resumido, o lugar da musicalidade nessa ampla histria do desenvolvimento da Musicoterapia, atravs dos escritos de alguns de seus

Esse conceito usado pela Nordoff & Robbins denota uma organizao da capacidade receptiva, expressiva e cognitiva da criana que pode tornar-se fundamental na organizao da personalidade (NORDOFF & ROBBNS, 1977, p.1).

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pensadores, possvel perceber que ela se estrutura tanto nas correntes positivistas da cincia, como em outros pensamentos, numa busca por outros caminhos. Pensar a musicalidade como um importante elemento na Musicoterapia vem, assim, acontecendo de modo gradativo e, aos poucos, est se incorporando construo do corpo terico da Musicoterapia, influenciada principalmente pela discusso sobre a funo da msica em Musicoterapia (BARCELLOS, 2000, p. 51). Certamente, esta considerao est vinculada a conceitos do que seja Musicoterapia para cada profissional, seus pressupostos filosficos e sua prxis (prtica clnica e pesquisas desenvolvidas). Hoje, musicalidade clnica est sendo considerada no Brasil como capacidades e habilidades musicais e clnicas do musicoterapeuta no setting musicoterpico. Mas qual a origem dessa denominao? As concepes de msica em Musicoterapia, encontradas nas publicaes de Costa (1989) em O despertar para o outro, Musicoterapia; de Barcellos (1992a,b) em (1996) em A natureza

Cadernos de musicoterapia 1 e 2; de Santos & Barcellos

polissmica da Msica e a Musicoterapia, talvez tenham contribudo para a conceitualizao de Musicalidade Clnica apresentada por Barcellos (2000 e 2004). Outro aspecto importante, a ser considerado na compreenso desta idia de musicalidade clnica, a vinda ao Brasil do musicoterapeuta Clive Robbins durante o IX Simpsio Brasileiro de Musicoterapia, no Rio de Janeiro (1997). Os participantes deste encontro viram o uso desta denominao musicalidade clnica como traduo de clinical musicianship. Este conceito da abordagem Nordoff & Robbins que apresenta aspectos especficos da atuao clnica do musicoterapeuta so apresentados na definio de Brandalise (2001, 2003) sobre musicalidade clnica. Assim, surgiram as duas concepes brasileiras sobre a musicalidade do musicoterapeuta. Para Brandalise (2003), musicalidade clnica
...um perfil profissional singular profisso de musicoterapeuta. Consiste na educao da habilidade de algum para descobrir o potencial clnico que habita a msica a partir da instalao de uma confivel e segura relao teraputica. A Musicalidade Clnica conecta Liberdade Criativa, Espontaneidade, Intuio, Musicalidade, Responsabilidade clnica (compromisso) e Inteno Clnica (BRANDALISE, 2003, p. 13).

Em Barcellos (2004), musicalidade clnica apresenta-se como


...a capacidade de o musicoterapeuta perceber os elementos musicais contidos na produo ou reproduo musical de um paciente (altura, intensidade, timbre, compasso e todos aqueles que formam o tecido musical) e a habilidade em

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responder, interagir, mobilizar ou ainda intervir musicalmente na produo do paciente, de forma adequada (BARCELLOS, 2004, p. 83).

importante ressaltar que, para Barcellos (1992, 1996, 2000, 2004), msica em Musicoterapia, a partir do exposto sobre a produo musical do musicoterapeuta, um objeto intermedirio atravs do qual se pretende o desenvolvimento do outro (BARCELLOS, 2004, p.83). A msica, nesse contexto, considerada como meio e um artefato disposio do musicoterapeuta. Para Brandalise (2000, 2001, 2003), a msica em Musicoterapia o terceiro elemento no setting. uma ao de foras que expressam as chamadas qualidades dinmicas das notas4 que caracterizam-se por ser a afirmao da incompletude da nota e de seu desejo por completar-se (BRANDALISE, 2001, p.17). Assim, parece que essa msica forma, junto com o musicoterapeuta e o cliente, uma nica pea no trabalho teraputico:
entendo e percebo a msica emergindo na dinmica de processos, sejam quais forem (...) entendo a msica como portadora de personalidade prpria (...) bem como quando Paul Nordoff atribui vida, vitalidade, interesse, qualidade emocional a cada intervalo sonoro executado (BRANDALISE, 2001, p. 21).

A partir dessas duas composies sobre musicalidade clnica, os autores Barcellos (1992, 2000, 2004) e Brandalise (2000, 2001, 2003) apresentam-nos o aspecto do fazer musical do musicoterapeuta no contexto clnico musicoterpico, dentro de suas reflexes e vivncias profissionais. Nesse ambiente de vivncias pessoais reside a base das diferenas entre a forma de conceb-las em sua essncia. Falam de um mesmo tema, praticamente sob os mesmos aspectos, mas o apresentam de maneiras diferentes, havendo explicaes plausveis para esse fato. Barcellos (2000, 2004), ao apresentar a msica como um meio, e tambm considerar a musicalidade como inata ao ser humano, defende-a no setting clnico como uma ferramenta. Constri explicaes, considerando a averiguao da percepo musical e da resposta adequada a essa percepo e, para tanto, utiliza algumas categorias musicais apresentadas por Seashore (1938), a intensidade, a altura, o timbre e o andamento(SEASHORE apud, BARCELLOS, 2004, p. 69). Esse procedimento segue uma preocupao muito presente em todos os seus trabalhos, no sentido [do] musicoterapeuta saber lidar tambm com a msica, seu elemento de trabalho (...)
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Qualidades dinmicas das notas est relacionado forma de relao exsitente entre as notas musicais e seus contextos escalares: as notas relacionam-se entre si, tornam-se ativas, isto , apresentam-se como foras dinmicas, em que ora a sensao de equilbripo de uma determinada nota perturbada, ora h uma tenso em direo adiante, ora h um relaxamento da tenso. Todas essas qualidades so percebidas diretam,ente pela audio quando soam mais de uma nota (ZUCKERKANDL, apud QUEIROZ, 2003, p. 54 )

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(BARCELLOS, 1992b, p. 3). As reflexes da autora baseiam-se, como mencionado acima, em Fiorini (1976), Watzlawick (1977) e em algumas teorias voltadas psicoterapia. A msica, considerada como entidade por Brandalise (2001, 2003), justifica o fato de que tudo que diz respeito sua organizao scio-histrica torna-se elemento capaz de levar a pessoa (cliente) a transformar-se ou atualizar-se, atravs da relao sonoro musical estabelecida no momento do compartilhar da experincia musical. A msica, enquanto ferramenta (objeto intermedirio), para Barcellos (1992, 2000, 2004), apresenta-se como um recurso que o musicoterapeuta utiliza numa relao de ajuda (musicoterapeuta paciente). Aps esta explanao sobre os dois conceitos brasileiros apresentados na literatura da rea, possvel vislumbrar com mais clareza um musicoterapeuta atuando no setting musicoterpico, este ser musical clnico.

MUSICOTERAPEUTA: UM SER MUSICAL-CLNICO


Quem este ser musical - clnico? Como e onde ele se constitui? Que valores musicais podem ser importantes para ele? Em um primeiro momento, a resposta pode ser simples: um musicoterapeuta, um profissional graduado ou Especialista em Musicoterapia com conhecimentos nas reas da Msica, Filosofia, Medicina, Psicologia e do Corpo (voltados tambm para o autoconhecimento e sensibilizao). Saber o contedo das disciplinas no o suficiente para compreender a construo desse ser musical clnico, pois o produto final ultrapassa a soma das partes, uma vez que os aspectos subjetivos, envolvidos na constituio desse ser musical clnico, no podem ser mensurados atravs de conceitos pr-determinados. O conhecimento musical, por si, no concebe autonomia para proporcionar relaes de ajuda pela / na msica. Assim, o estudante de musicoterapia precisa ter domnio da msica e, na mesma intensidade, conhecer-se mais atravs de processos psicoterpicos e/ou musicoterpicos e, ainda, refletir sobre sua inter-relao com a msica. Sem esse primeiro espao de autoconhecimento, envolvendo aspectos pessoais e musicais, a dimenso do acolhimento ao outro pode no acontecer. Portanto, o musicoterapeuta precisa estar em constante dilogo com as especificidades musicais, ou seja, sua prpria

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musicalidades e do cliente. Esse ato acontece em funo da concepo de Msica, ao mesmo tempo, externa e interna ao ser humano5. Nesse domnio de uso da Msica nas relaes de ajuda, a proposta da Musicoterapia Msico-centrada, apresentada por Aigen (2005), traz alguns valores musicais essenciais do musicoterapeuta na construo musical no aqui e agora, existindo com e na msica (Musicing)6. Assim, segundo Aigen (2005), o musicoterapeuta precisa ter uma compreenso do silncio; ter uma escuta centrada, intencional; precisa admitir o individual e o social ao mesmo tempo; envolve uma rendio, um entregar-se msica e um cultivar o respeito pela msica enquanto Arte (criada por um arteso) e, ainda, uma concepo clara de que a msica cria conexes7. A partir disso, um ser musical-clnico constitui-se, ao longo de sua formao, a partir de sua musicalidade inata transformada em musicalidade clnica. Essa transformao o habilita a exercer a profisso que escolheu, isto , musicoterapeuta. ser um

MUSICALIDADE CLNICA
Uma reflexo sobre a origem desta nomenclatura no Brasil nos remete aos termos musicalidade clnica e clinical musicianship, apesar de estarem sendo concebidos no Brasil como sinnimos, isto devido traduo realizada em 1997 e 2001, no devem ser considerados como tal. Em entrevista, Kenneth Aigen (2005)8 relata:
musicianship est baseado na habilidade que voc desenvolve e musicalidade alguma coisa que voc naturalmente tem. Ento, tem alguns clientes que eu trabalho e eles parecem j estarem conectados com o seu ser musical; eles parecem j musicais. Mas eles podem no ter nenhuma musicianship porque eles no trabalharam naquela forma de msica e com msica. Ento, musicalidade um aspecto do ser da pessoa e musicianship uma habilidade que ele pode adquirir.
Considerar a msica, ao mesmo tempo, como interna e externa ao musicoterapeuta no setting clnico acontece medida que o profissional est comprometido com o conhecimento de sua musicalidade e da musicalidade de seu cliente considerando, tambm, os exemplos musicais trazidos pelo cliente e as construes musicais realizadas por ambos nos encontros sonoros / musicais / verbais / corporais entre ambos. 6 Musicing musicalidades em ao - terminologia usada pela Musicoterapia Contempornea (Aigen,2005; Stige 2002,; Ansdell & Pavlicevic, 2004) e envolve a viso de Msica em Musicoterapia e o lugar da musicalidade neste contexto. 7 Para mais esclarecimentos sobre estes valores apresentados por Aigen ver Music Centered Music Therapy (2005, p. 80) 8 Em novembro de 2005, Dr. Aigen veio Ribeiro Preto - SP, aproveitamos para conversar pessoalmente com ele. Conseguimos uma entrevista ao vivo e assim continuamos a conversa iniciada em junho de 2004, por e-mail. Nessa entrevista, esclarecemos as diferenas entre musicalidade e musicianship e especificidades do conceito musicing publicado em seu livro Music-Centered Music Therapy (2005a).
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Em acordo com essa diferena entre os termos, possvel considerar que existam, sim, finalidades comuns entre musicalidade clnica e clinical musicianship para o trabalho musicoterpico, levando-se em conta a musicalidade tanto do cliente quanto do musicoterapeuta, mas isso no suficiente para serem consideradas com significados idnticos. Na primeira parte desta pesquisa qualitativa, eu, enquanto musicoterapeutapesquisadora fui observada por uma musicoterapeuta - observadora com o objetivo de pesquisar minha musicalidade no setting. Aigen (1996), ao falar do papel dos valores da pesquisa qualitativa em musicoterapia, traz que os pesquisadores qualitativos possuem uma viso ampla de quais contextos relevantes podem ser includos e reconhecem que o contexto pessoal importante para permitir que o documento de pesquisa seja revelado em todas as suas faces (Ibid, p.12). Bruscia (2003), ao apresentar a pesquisa qualitativa em Musicoterapia, afirma que existe tanto a possibilidade de o musicoterapeuta investigar seus clientes, como pode investigar a si mesmo: como trabalho? Como me relaciono com meus pacientes? Como uso a msica realmente? Como uso a msica com meus pacientes? Ressalta, tambm, que isso muito importante porque no s nos d informaes sobre o mtodo que usamos como tambm, ajuda a ver aspectos contratransferenciais (BRUSCIA, 2003, p. 78). Estudar a mim mesma, sob o ponto de vista da utilizao de minha musicalidade no setting, convivendo com os momentos contratransferenciais, revelou, primeiramente, um impulso para a realizao de estudos e execues musicais, uma saudade de tocar. Acredito que, quanto mais prxima desse ambiente de produo musical, de domnios de instrumentos e mesmo da msica eu estiver, mais amplas tornam-se minhas opes musicoterpicas no setting. No entanto, percebi que eu no precisava apenas de um estudo visando mais domnios dos instrumentos, tais como: reproduzir escalas, cadncias, melodias j conhecidas, estudos tcnicos, etc... Na realidade, eu precisava fazer desse momento um estudo de minha musicalidade, como me relaciono com a msica, como as tcnicas instrumentais me servem para acessar a musicalidade do meu cliente. Apenas depois de experimentar minha musicalidade, mesmo que no em profundidade, senti-me mais segura, mais inteira, mais espontnea musicalmente com Marcos9.

Visando proteger a identidade do cliente, utilizamos, aqui, um nome fictcio (Marcos). Ele foi atendido no Laboratrio de Musicoterapia da UFG, de setembro a dezembro de 2004, durante a primeira fase da pesquisa qualitativa,

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Identificar minha musicalidade como algo mais amplo que qualidade e/ou habilidade para instrumentos musicais, reconhecendo meus limites, colocaram-me diante da dimenso do campo musical. Esta conscientizao revelou uma forma prpria de perceber Marcos e possibilitou que a expresso de consignas no setting acontecessem mais fluentemente nesses domnios. Isso no me impediu de utilizar a linguagem verbal no setting, porm, percebi algo como que mudando de canal de expresso, uma vez que, nas dimenses do sonoro e do musical, eu era aceita por Marcos mais facilmente. Percebi, assim, que as intuies clnicas, as espontaneidades clnicas, as intervenes musicoterpicas habitam essa dimenso dos domnios sonoro-musicais tambm. Os conhecimentos musicais so indispensveis, mas no garantem um conhecimento da prpria musicalidade. No setting, entregar-se s dimenses de musicalidades em aes admitir a experincia musical como um espao transdimensional de musicalidades acessadas. Sem esse espao do entre as musicalidades do musicoterapeuta e do cliente no se compartilha a experincia musical. O acesso a esse espao possvel a todos, tanto aos que se permitem encontrar com suas musicalidades da forma como elas so quanto para os que desenvolvem outros estudos no campo musical. Contudo, liberdade no domnio da msica no basta, imprescindvel para o musicoterapeuta o conhecimento da prpria musicalidade e saber contextualiz-la na prtica clnica. A segunda etapa desta pesquisa realizou-se com a colaborao de musicoterapeutas colaboradores. Esses profissionais cederam a gravao de um atendimento clnico de livre escolha e colocaram-se disponveis para entrevistas10 . Dessa maneira, ngela11 pensa sua musicalidade associada sua habilidade musical o que vem a ser realmente musicalidade o que eu fao... seja em termos de improvisao ou reproduo musical. Ao associar musicalidade ao trabalho clnico, complementa: penso, principalmente, quando eu vou improvisar porque sempre fico atenta se isso uma improvisao para mim, ou para o paciente, ou com o paciente, acho

desenvolvida pela musicoterapeuta mestranda Clara Mrcia Piazzetta, sob superviso clnica e orientao da Profa. Dra. Leomara Craveiro de S. No perodo da realizao dos atendimentos, ele freqentava a 1 srie de uma escola pblica, em um programa de incluso, no fazia uso de medicamentos e contava tambm com atendimentos em psicopedagogia e psicomotricidade. 10 Foram realizadas transcries literais das entrevistas. Contudo, os recortes inseridos na seqncia no seguem o padro coloquial da linguagem falada. Visando uma melhor compreenso e sem acarretar perdas de contedos, foram feitas algumas adaptaes para a linguagem escrita. 11 Tendo em vista proteger as suas identidades, todos os nomes dos musicoterapeutas colaboradores da pesquisa, aqui apresentados, so fictcios.

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que normal eu me perceber improvisando para mim mesma. Ento, importante estar sempre atenta, porque a msica conduz, ela te leva. ngela relata, tambm, que comeou a refletir mais sobre sua musicalidade ao ser convidada para participar desta pesquisa. Para Josiane, sua musicalidade est diretamente ligada s formas de atender demanda do paciente: dentro do que eu sei de msica, como que eu posso atender ao que eu estou ouvindo de msica do paciente? Parte, ento, da escuta da msica que vem do paciente para depois buscar os conceitos e as frmulas e tudo o que est armazenado, msicas entendidas, decoradas ou no, tudo que aprendemos vem conosco e ajustamos para atender o paciente. Pelo menos o que eu estou ouvindo que seria adequado para formatar o pedido do paciente. Ainda sobre sua musicalidade no setting, ela ressalta a importncia de sempre estar em movimento, sempre indo atrs de mais conhecimentos musicais de modo a ampli-la e acredita que no existem frmulas para se aprender isso, a no ser praticando muito: com o tempo vamos conseguindo acomodar melhor a musicalidade no setting; com o tempo aprendemos a improvisar sem medos, improvisar letras, improvisar ritmos, harmonias. Paulo mantm a atividade como msico paralelamente ao trabalho clnico musicoterpico e relata, ao abordar sobre sua musicalidade, o sentimento de esvaziamento desta no setting. Esvaziamento no sentido de empobrecimento devido aos seus questionamentos quanto sua maneira de intervir clnico criativamente frente demanda clnica dos pacientes e complementa:
...aqui no consultrio, a prioridade no a minha musicalidade, o meu gosto musical, o meu caminho de harmonia. Tudo que eu fao, claro que passa pelas minhas opes, mas eu estou mirando no que eu intuo da demanda do outro e ento est faltando para mim a nutrio, o espao criativo do msico.

Aps apresentar esses breves recortes das falas dos colaboradores, faz-se necessria uma aproximao com estas musicalidades inseridas nos contextos clnicos. Assim, chegamos aos espaos de musicalidades em ao entre musicoterapeutas / co-terapeutas, msica e clientes. Esses momentos de interaes sonoras, musicais, corporais e verbais foram desvelados pela anlise musicoterpica12 do atendimento cedido e foram discutidas com o musicoterapeuta responsvel pelo atendimento.

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A realizao desta anlise deu-se com a leitura dos protocolos de atendimento (ficha musicoterpica, e relatrio do atendimento) cedidos pelo musicoterapeuta; contou, tambm, com uma anlise musical das peas executadas e a contextualizao destas execues no momento do atendimento.

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Os musicoterapeutas colaboradores desta pesquisa falaram de suas musicalidades nos trabalhos clnicos que realizaram a partir dos momentos marcantes, inesquecveis. A anlise musicoterpica realizada deu destaque existncia desses momentos. Assim, ao discutir sobre as escutas e execues musicais clnicas que cada colaborador realizou foi possvel abordar este tema dos momentos marcantes e/ou inesquecveis e sua relao com o processo de cada cliente.

MUSICALIDADES EM AO: RECURSIVIDADES, SERENDIPIDIDADES E MOMENTOS INESQUECVEIS


Um olhar e uma escuta musicoterpica sobre o trabalho clnico que realiza permite ao musicoterapeuta a percepo da musicalidade do cliente bem como do desenvolvimento do processo musicoterpico. Esse exerccio descritivo-reflexivo potencializa intervenes e interaes sonoro / musicais / verbais / corporais comprometidas com o atendimento clnico nico de cada cliente. Potencializa tambm, as serendipididades. Para Morin (2004, p 23), serendipididade a arte de transformar detalhes aparentemente insignificantes em indcios que permitam reconstituir toda uma histria . As anlises musicoterpicas, realizadas no mbito desta pesquisa juntamente com os respectivos musicoterapeutas colaboradores, demonstraram tambm que as aes e interaes presentes nos encontros musicoterpicos existem na dimenso de recursividade organizacional13. Assim, as condutas no so por mero acaso, os produtos e os efeitos so ao mesmo tempo causas e produtores daquilo que os produziu (MORIN, 2001, p.108). Como exemplo, trago um recorte do processo de Marcos, um menino de 10 anos, portador de distrbio de conduta com dficit de comunicao; uma pessoa muito musical. Ele foi atendido por mim na primeira etapa da pesquisa. Este recorte da sexta sesso e contm elementos musicais trazidos pelo cliente (clula rtmica, clula meldica, encadeamento harmnico modal) na primeira sesso. A denominao deste momento dormir e acordar(fig. 01) e aqui compartilhamos uma brincadeira envolvendo as sonoridades do violo e os movimentos sonoros / corporais de Marcos, primeiramente desafiando-me ao lamber um instrumento musical e depois, entregando-se s sonoridades harmnicas do vilo:

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Princpio da Recursividade Organizacional compe a Teoria da Complexidade, apresentada por Edgar Morin (MORIN, 2001, p. 108).

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(...)

(...)
(fig 01) Dormir e Acordar

No momento de um atendimento musicoterpico estamos (musicoterapeuta e cliente) experienciando interaes sonoras / musicais / verbais / corporais no acontecer de acoplamentos estruturais14, em que nossas musicalidades, ao se tocarem de forma consensual, possibilitam a construo de caminhos que levam a transformaes.
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Acoplamentos estruturais: para Maturana & Varela (2001) constitui-se nas congruncias entre a estrutura da unidade e a estrutura do meio que atuam como fontes de perturbaes mtuas (domnio das perturbaes), desencadeando mutuamente mudanas de estado (domnio de mudanas de estado). (MATURANA & VARELA, 2001, p. 87)

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Construmos uma relao dialgica15, atravs das interaes musicais consensuais, convivendo de forma harmnica com a ordem e a desordem, o estvel e o instvel, com a certeza e a incerteza, a caminho da unidade. Assim sendo, para melhor visualizao desses momentos musicais, transcrevi os acontecimentos em forma de partituras. Contudo, transcrever as sonoridades que compartilhamos, usando um modelo tradicional de partitura, foi parcialmente possvel. Alguns acontecimentos musicais, se congelados, nada significam para a anlise musical no contexto musicoterpico (CRAVEIRO DE S, 2002). Assim, fez-se necessria a

descrio de alguns movimentos corporais que acompanhavam as sonoridades, na forma de texto sobre a pauta. Por outro lado, essa mesma forma de transcrio, colocando-nos como partes de uma obra, em uma mesma grade musical, possibilitou uma visualizao das interaes e intervenes. Olhar para a produo sonora, agora descrita, revelou as recursividades presentes no momento da criao sonora no setting. Na recursividade, constru com Marcos o seu processo musicoterpico. Ao construir com e no para Marcos este processo, permiti certa correspondncia entre ns dois. Pela recursividade, esta correspondncia no acidental o resultado necessrio dessa histria (...) nenhum de ns est aqui por acidente e estabelecemos uma congruncia(MATURANA, 2002, p.62). Para Maturana (2002), tambm, isso, em si mesmo e em princpio, explica os aspectos mais salientes da conduta adequada. A conduta adequada a conduta que congruente com as circunstncias nas quais ela se realiza (ibid, p.62). Este adequado, presente na concepo de musicalidade clnica de Barcellos

(2004), acompanhado de um sentimento intenso vivenciado por todos e sinaliza os momentos inesquecveis. Para ngela, o prazer no resultado, instiga a gente a querer investigar, a querer mostrar mais respostas... gratificante para o profissional. So momentos sublimes. Rafaela destaca a fluncia e intensidade de sua musicalidade, acompanhando esses momentos que so de plenitude, momentos marcantes (...) que pertencem ao momento, no voltam mais, era a msica para Tas. Joo aponta a fluncia e o estar disponvel para o meu cliente. Faz um destaque tambm fluncia interligada ao que familiar ao musicoterapeuta, as msicas de minha
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Princpio Dialgico: a Teoria da Complexidade considera a existncia de um pensamento que congregue as diferenas, acolha a complementaridade de conceitos aparentemente contrrios, que permita a ordem e a desordem, a certeza e a incerteza de forma dialgica mantendo a dualidade no seio da unidade (MORIN, 2001, p.107-109).

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histria, que eram msicas de meu gosto, do meu sentimento, do meu sentimento em relao ao cliente. Josiane ressalta a potncia da msica no setting e os sentimentos presentes quando se concebe este lugar para a msica:
todas as vezes que eles acontecem ns nos sentimos realmente musicoterapeutas (...) eu s vou acreditar na musicoterapia quando esses pontos acontecem, enquanto eu no chego nesses pontos parece que no se firmou, no aconteceu, ou no estamos em uma comunicao adequada, ou no acessou, alguma coisa no est acontecendo.

Para Paulo,

a existncia de momentos de fluncia, espontaneidade, e

conhecimentos musicais do musicoterapeuta na sua atuao clnica indicam que o musicoterapeuta empatizou com parte da musicalidade do paciente e o que nasceu ali, naquele momento, importante. A partir da anlise musicoterpica, tomando por base o conceito de serendipididade, detalhes aparentemente insignificantes, que muitas vezes aparecem nos elementos da msica, em ritmos, melodias, timbres, harmonias, gestos e tempos musicais, contribuem para favorecer a reconstruo da histria pessoal do cliente. Como tais, tornam-se pontos de certezas que constituem amarras sonoras que vo se transformando em uma verdadeira teia sonora (BARCELLOS, 1999). Essa teia, por sua vez, cria um espao de segurana, confiana e cooperao mtua. A partir de e nas experincias musicais, possvel compor uma nova histria, um preldio a duas vozes inspirado em musicalidades em ao. Este, traz consigo a fora da energia transformadora.

CONSIDERAES FINAIS
A reflexo sobre a musicalidade do musicoterapeuta no setting clnico, descrita neste artigo, partiu da construo do termo musicalidade clnica como uma idia em processo na bibliografia brasileira da rea. Assim, esse tema no novo, desvela-se como essencial formao da identidade profissional do musicoterapeuta, ao mesmo tempo em que pode ser mais uma possibilidade de compreenso do fenmeno msica em Musicoterapia. A partir disso, a descrio de breves momentos de interaes mais intensas entre musicoterapeuta, co-terapeuta, cliente e msica, que encontramos nos trabalhos clnicos analisados, impulsionaram-nos a construir um mecanismo para explicar essas interaes

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acolhendo, tambm, o fenmeno msica em Musicoterapia. Estvamos diante de muitas subjetividades, encontros inter-relacionais e inter-subjetivos de musicalidades em ao. Assim, optamos por uma explicao da dinmica de funcionamento dessas interaes, levando em considerao a musicalidade tanto do musicoterapeuta/co-terapeuta quanto dos clientes. A musicalidade aparece como algo inato, constitutivo e tambm uma forma de cognio de cada pessoa. Musicalidade integra, assim, a forma de ser de cada um no mundo. A ao cognitiva da musicalidade no habita apenas o campo das percepes sonoro-musicais auditivas e tteis, mas adentra ao campo da ao humana, revelando a music child (NORDOFF & ROBBIN, 1977). Campo este onde, segundo Maturana & Varela (2001), vivemos porque conhecemos e conhecemos porque vivemos! Atravs do exerccio da musicalidade, com seus componentes biolgicos (capacidade neural de resposta excitao musical) e sua ao prtica nos domnios relacionais humanos, a msica concretiza-se atravs do canto, da performance instrumental e corporal, de uma simples brincadeira com sons, da dana e da audio musical. Dessa maneira, envolvemo-nos com a msica de formas variadas, porque somos seres humanos musicais. No existe limite pr-estabelecido para o potencial criativo da musicalidade. O conceito de conditional child, desenvolvido pela abordagem Nordoff & Robbins (1977), um exemplo disso. Assim, as formas de relaes que as pessoas estabelecem com a msica potencializam o desenvolvimento da criatividade musical. Apenas a partir dessa forma de pensar a musicalidade foi possvel propor uma aproximao desses pensamentos com a proposta da Biologia do Conhecer de Maturana & Varela (2001). Essa reflexo remeteu-nos a uma compreenso da dimenso da musicalidade, da musicalidade clnica e da msica no setting clnico. Partimos do princpio que os seres humanos movem-se pelo equilbrio entre os dois domnios constitutivos, apresentados por Maturana e Varela (2001): o domnio biolgico e o domnio relacional. A estrutura neurolgica humana possibilita a musicalidade e sua ao eminentemente relacional. Ser um excelente msico no suficiente para que a musicalidade do musicoterapeuta potencialize os processos musicoterpicos e mesmo as interaes clnicas. Elementos como intuio clnica e inspirao musical conectam-se na busca do acesso musicalidade do (s) cliente (s). As intervenes musicais clnicas tornam-se eficientes nos domnios das musicalidades em ao e so esses momentos de musicalidades intensas que possibilitam as experincias culminantese os momentos inesquecveis.

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Portanto, o musicoterapeuta usa de inspiraes musicais, acredita em sua intuio clnica como agente que move suas intervenes musicais clnicas. Acima de tudo, ele, um ser musical-clnico, dialoga com muitas incertezas diante da escuta musical do cliente e busca, em cada momento sonoro, musical, corporal e verbal compartilhados, o acesso essncia musical de seu cliente no exerccio de suas musicalidades em ao. Um ser musical-clnico no apenas um bom msico, mas um profissional terapeuta que coloca sua musicalidade a servio das relaes de ajuda, movido principalmente por entregas incondicionais, ou seja, pelo amor, princpio bsico da cooperao.

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