Invenção Das Minas - Francisco Eduardo de Andrade
Invenção Das Minas - Francisco Eduardo de Andrade
Invenção Das Minas - Francisco Eduardo de Andrade
Amrica
portuguesa
Srie Universidade
Amrica
portuguesa
Copyright 2008 by Francisco Eduardo de Andrade Coordenadores da Coleo Francisco Eduardo de Andrade Mariza Guerra de Andrade
projeto grfico da capa
Diogo Droschi
reviso
Conrado Esteves
editoras responsveis
Cludia Teles de Menezes Teixeira Rejane Dias Autntica Editora Ltda. Rua Aimors, 981, 8 andar . Funcionrios 30140-071 . Belo Horizonte . MG Tel: (55 31) 3222 68 19 Televendas: 0800 283 13 22 www.autenticaeditora.com.br Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais Gro-Chanceler Dom Walmor de Oliveira Azevedo Reitor Dom Joaquim Giovani Mol Guimares Vice-reitora Patrcia Bernardes Diretor da Editora PUC Minas Geraldo Mrcio Alves Guimares Editora PUCMinas Rua Pe. Pedro Evangelista . Corao Eucarstico 30535-490 . Belo Horizonte . MG Tel: (55 31) 3319 99 04 Fax: (55 31) 3319 99 07 www.pucminas.br/editora Todos os direitos reservados pela Autntica Editora e Editora PUC MInas. Nenhuma parte desta publicao poder ser reproduzida, seja por meios mecnicos, eletrnicos, seja via cpia xerogrfica sem a autorizao prvia da editora.
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Andrade, Francisco Eduardo de A inveno das Minas Gerais : empresas, descobrimentos e entrada nos sertes do ouro da Amrica portuguesa / Francisco Eduardo de Andrade. -- Belo Horizonte : Autntica Editora : Editora PUC Minas, 2008. -- (Coleo Historiografia de Minas Gerais. Srie Universidade, 1) Bibliografia ISBN 978-85-7526-366-2 (Autntica Editora) ISBN 978-85-60778-32-4 (Editora PUC Minas) 1. Minas e recursos minerais 2. Minas Gerais - Histria 3. Minas Gerais - Histria - Condies econmicas 4. Minas Gerais (MG) - Historiografia I. Ttulo. II. Srie. 08-10456 ndices para catlogo sistemtico: 1. Minas Gerais : Histria econmica 330.9 CDD-330.9
As coisas que no tm dimenses so muito importantes. Manoel de Barros, Livro sobre nada Sin embargo, la aparicin de lo nuevo es condicin resolutoria para que el cambio exista y, a su vez, la conciencia de esa novedad lo es para que cualquier forma dinmica de concebir el acontecer pueda ser tericamente elaborada. Jos Antonio Maravall, Antiguos y modernos
Sumrio
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57
81 104
Captulo 4: Escondidos de Deus: as minas como castigo do Brasil PARTE II: A fabricao das Minas do ouro e dos diamantes Captulo 5: Prticas de lucro
Trajetrias de descobridores das Minas do ouro Descobrimentos: fama, roas, caminhos e lucros
117
153
Captulo 8: A farsa descobridora: o embuste 305 333 341 343 353 355 359
Concluso Apndices
Apndice A Apndice B Apndice C
Fontes e referncias
Ainda que seja inegvel o quanto j se fez sobre a publicao e a divulgao de textos histricos, desde a dcada de 1990, e com a profcua participao de historiadores, que ajudaram a revelar o valor documental e historiogrfico dessas obras, parte significativa do que se editou em Minas apresentava um carter institucional e oficioso resultando, em geral, em publicaes de custos mais elevados e, portanto, destinadas a um pblico segmentado, notadamente o acadmico. O cenrio editorial mineiro, constitudo tambm pelas editoras universitrias, no vem favorecendo a publicao e a difuso das pesquisas histricas mais recentes e expressivas, denotando at certo enrijecimento dessa atividade editorial, especialmente universitria o que poderia indicar, numa primeira visada, mais do que uma limitao, a paralisia da produo acadmica sobre a histria de Minas Gerais. Mas se trata exatamente do contrrio! Desde os anos 1990, ainda com a criao e a expanso dos programas de ps-graduao, pesquisas de temas mineiros, ou que apresentam Minas Gerais como o seu campo, foram produzidas nas universidades e incrementaram fortemente a discusso historiogrfica em face das interpretaes convencionais. Diante do enorme acervo de fontes (revisitadas ou inditas) que os pesquisadores coligiram, as temticas assumiram outras feies, constitudas por problemas metodolgicos teoricamente dimensionados. Isso, de fato, contribuiu para renovar o conhecimento histrico e, assim, alargar o campo de discusso dos saberes histricos. Contudo, ainda frgil a produo editorial voltada para as temticas ligadas a esse espao, embora, deve-se notar, anuncie-se uma reao muito
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promissora das editoras de Minas para suprir essas lacunas do mercado livreiro. Mas ainda no se faz jus ao crescente labor historiogrfico em curso, e depende-se, em grande parte, dos outros eixos culturais do pas. E mais: avaliando-se o contedo das obras ou dos estudos que se (re)editaram sobre Minas Gerais, observa-se a falta de uma coleo que tivesse como eixo percursos diferenciados da histria da historiografia, ou seja, que se esforasse em articular a obra (sobre temticas mineiras) ao campo historiogrfico (discursos e saberes histricos) da sua poca. Da esta oportuna, justa e nova coleo, que quer se dirigir a leitores diferenciados, estudiosos ou no da vida mineira. Ela se apresenta em duas sries: a Universidade, constituda de trabalhos acadmicos inovadores, que possibilitam a ampliao do panorama recente sobre os estudos histricos mineiros, e a Alfarrbios, formada por obras, algumas desconhecidas no presente, cujas edies, h dcadas, mostraram, de alguma forma, uma inovao historiogrfica quanto aos temas, s abordagens ou aos usos das fontes e que estiveram na raiz das interpretaes subseqentes. Essas sries que formam a coleo, e que sero editadas sucessivamente com duas obras a cada vez, foram propostas para possibilitar ao leitor um dilogo instigante e vivo com textos dessa historiografia, que se instituiu no confronto entre escritas do passado e do presente. Trata-se, assim, de sugerir a experincia da leitura historiogrfica ou dos percursos, sinuosos e oblquos muitas vezes, das chaves interpretativas da histria de Minas Gerais. Francisco Eduardo de Andrade Mariza Guerra de Andrade
Apresentao e agradecimentos
Este livro uma verso relativamente modificada da minha tese de doutorado em Histria (do programa de Histria Econmica), apresentada na Universidade de So Paulo, em 2002. O desenho que ornamenta o mapa em parte reproduzido na capa Carta da Nova Lorena Diamantina (1801) conduz ao tema da pesquisa desenvolvida neste livro. Na Carta, os raios solares da soberania rgia, refletidos e ampliados pela dinastia governante, iluminam e desvelam, tornam pblicos os tesouros minerais do territrio. No entanto, um aspecto, no referido explicitamente no desenho, poderia ser pressuposto: a composio necessria do soberano com os seus vassalos, no papel de agentes coloniais. Isso sintetiza, de certa forma, a trama desta histria, apreendida no desenho j como o desfecho de uma saga colonial: a do confronto poltico (e simblico) que forjou ou inventou um espao territorial de minas, baseado nas prticas culturais de descobrimento. certo que esse jogo de aliana e conflito aberto, envolvendo os minerais preciosos, no pode ser reduzido dicotomia das posies polticas, no modo convencional de interpretao historiogrfica: colnia versus metrpole, colonizados/colonos versus colonizadores, paulistas versus reinis. Pois, nos descobrimentos, formas de apropriao do espao no serto, condensavam-se as linhas do poder poltico e econmico do Estado, que faziam dos seus agentes vassalos encarregados do domnio e explorao coloniais. No tracei sozinho esta pesquisa histrica, por isso quero assinalar o meu agradecimento aos estudiosos que influram, de algum modo, na sua elaborao. Antnio Penalves Rocha foi um orientador atento; aprendi muito com o seu rigor e experincia acadmica. Laura de Mello e Souza e
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John Manuel Monteiro contriburam, com proposies instigantes, para o desenho da pesquisa, assim como Joo Adolfo Hansen, cujo ensinamento paciente trouxe nova luz ao tema. Na banca examinadora do trabalho, tirei proveito das crticas pertinentes de Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses, Norberto Luiz Guarinello, Luciano Raposo de Almeida Figueiredo e Luiz Carlos Villalta. Busquei inserir as suas sugestes no texto, mas talvez no tenha sido bem-sucedido em todos os casos. Assim, esses professores no so responsveis pelas eventuais deficincias (ou omisses) do trabalho, advindas, provavelmente, da minha obstinao. Em Minas, preciso mencionar o estmulo recebido de Douglas Cole Libby, Clia Fernandes Nunes e, ainda, Luiz Carlos Villalta. Renato Pinto Venncio, Andra Lisly Gonalves e Ronald Polito, do departamento de Histria da Universidade Federal de Ouro Preto, foram interlocutores criteriosos, concorrendo para o aprofundamento do tema. Ainda sou grato a Fernando Flecha de Alkmim, do departamento de Geologia da mesma Universidade, que, em meio conversa sobre as tcnicas da extrao aurfera setecentista, mostrou os sinais da explotao antiga no perfil corrodo da serra de Ouro Preto. Houve ainda aqueles que estiveram presentes em certos momentos significativos do cotidiano da pesquisa acadmica: Aldo Eustquio Sobral, Celso Taveira, Maurcio Monteiro, Guiomar de Grammont. Na fase de composio metodolgica, foram importantes as conversas com Cludia Chaves sobre temas da histria econmica, e com Anny Jackeline Silveira e Rita de Cssia Marques sobre a histria cultural. Na cidade de So Paulo, Vnia de Andrade Carvalho e famlia costumavam hospedar-me com carinho. Houve amigos dedicados, conhecedores da trilha, especialmente Fernando Paiva, Ivana Parrela, Dulcimar Augusta, Rafael Magdalena, Srgio do Carmo, Marilene Vasconcelos e Rosaly Senra. Numa estada em Portugal, Regina e Rogrio, e ainda Silvino Fernandes (entre Porto e Lisboa), foram particularmente calorosos. Deixo registrado meu agradecimento s historiadoras que atuaram em determinadas fases do estudo: Taciana Botega enfrentou comigo as transcries mais complicadas dos documentos do Arquivo Pblico Mineiro, e Maria Jos Ferro de Souza, em Mariana, transcreveu cuidadosamente um inventrio j danificado de famoso sertanista. Com gratido, lembro a ateno dos funcionrios dos arquivos histricos, no Brasil e em Portugal, s minhas contnuas solicitaes. Finalmente, sou bastante grato Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (Fapesp), que financiou todo o trabalho de pesquisa.
14 A inveno das Minas Gerais
Introduo
Este estudo trata da construo de uma regio colonial as Minas Gerais do ouro e das pedras preciosas e das prticas que fabricaram tal espao. A mudana da sua designao convencional revelaria o processo histrico de criao ou inveno sociocultural, poltica e econmica, nos limites de uma condio colonial: foi Minas de Taubat, Minas de Cataguases, Minas de So Paulo, Minas do ouro e consolidou-se como Minas Gerais quando passou a capitania autnoma em 1720. Assim, constituiu-se uma regio singular da Amrica portuguesa, diferente do serto indmito ou do serto da pecuria e, ainda, do litoral aucareiro ou plantacionista. Mas como se fez tal singularidade, ou melhor, por que se tornou relevante para os agentes sociais tal ordem de distines, e de que forma se comps o territrio de Minas? De que maneira se concebeu a realidade destas Minas? A anlise de qualquer elemento da realidade das Minas Gerais no pode, simplesmente, pressupor que haja algum tipo de entidade autnoma ou uma unidade social e econmica capaz de articular certa identidade, origem da mineiridade. O lugar tampouco equivale suposta condio natural, raiz da sua especificidade geogrfica. Assim, para o exame da problemtica, necessrio observar as foras e relaes sociais, polticas e simblicas que fizeram esse lugar colonial, definio da sua territorialidade. A anlise, numa perspectiva da histria do poder, requer compreender os mecanismos ou dispositivos de diviso do espao que delimitam o lugar como uma regio, em funo do seu enquadramento territorial pelo Estado.1
BOURDIEU, 1998. REVEL, 1989. Com isso, subverter o apelo mitolgico, e de utilizao ideolgica, de uma objetividade essencial da realidade sociopoltica e geogrfica das
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Todas as relaes constitutivas desse lugar se aglutinam em torno do fato ou do feito de descobrimento de metais e de pedras preciosas. Com efeito, foram os descobrimentos de minerais preciosos que instituram uma suposta identidade de Minas Gerais, criando, nos campos simblico, poltico e geogrfico, uma condio e uma razo de ser fundadora de nova experincia no regime colonial.2 Os descobrimentos, inerentes constituio poltica e econmica da minerao, no se encarnam, primordialmente, nos cdigos jurdicos, mas configuram, sobretudo, prticas e representaes imaginrias que correspondem aos estilos praticados pelos sertanistas-descobridores, agentes que tendem explorao dos limites da norma jurdica estrita e mesmo da tradio costumeira. Nesse sentido, os descobrimentos, comportando-se como um rito de instituio social da realidade das Minas, encontram sua significao no meio das tradies culturais, normas poltico-jurdicas e prticas ordinrias do cotidiano dos coloniais. Nisso reside a inveno ou a fabricao das Minas Gerais do ouro. Foi uma inveno tanto no sentido de uma instituio poltica e econmica do Estado, quanto no sentido de uma criao afeita s prticas, manipulaes e habilidade dos descobridores e de outros exploradores, bem como dos que se seguiram, os mineradores ou mineiros. Se os mineiros no foram os que inventaram as Minas de ouro para isso dependia-se de um saber que no era meramente de minerao, mas sertanista e militar, em suma, bandeirista , foram eles que assumiram a suposta essncia da regio descoberta, passando, num dado momento, a presumir para si prprios uma identidade. Nesse momento, marcante a partir da dcada de 1730, os descobertos, que j se desdobravam nas encostas e em serras, foram manifestados por diversos entrantes coloniais ou pelos habitantes de Minas Gerais. Entretanto, no sculo XVIII, o verdadeiro descobrimento de ouro ou de pedrarias, aquele que se prezava pela novidade, podendo fundar um territrio das Minas e sustentar a vocao mineradora de Minas Gerais, era o que ocorria nas fronteiras (ou amplas faixas espaciais das misturas
Minas passa a ser funo dessa histria. Sobre as relaes entre mito e ideologia, cf. EAGLETON, 1997, p. 166-169.
2
O efeito da instituio naturalizar, consagrar ou legitimar diferenas e atributos sociais, atravs dos ritos de instituio simblica (BOURDIEU, 1996, p. 97-106). Cf. CASTORIADIS, 1982, p. 151.
socioculturais) com o serto lugar representado como indmito, deserto, desconhecido. O mais importante, e que este livro procura mostrar, que as aes de descobrimentos de jazidas minerais no tiveram como objetivo precpuo, especialmente ao longo do sculo XVIII, desbravar um serto desconhecido, estabelecendo concretamente a fronteira territorial da colonizao agromineradora, mas instituir, legitimar aquele domnio exploratrio. Pode-se dizer mais propriamente que, na prtica, desde o final do sculo XVII, a fronteira de ocupao efetiva ou mesmo de povoamento foi, muitas vezes, preexistente ao descobrimento de minerais preciosos. Desse ponto de vista, a constituio do lugar (ou da ordem) colonial das Minas Gerais foi resultante de um embate entre prticas sociais e polticas dos agentes no espao de fronteiras.3 Isso porque a colonizao das empresas de descobrimentos contou com certo abrandamento do serto, e com as possibilidades oferecidas nas fronteiras dos lugares, levado a efeito originalmente por ndios submetidos, ou aldeados segundo o regime da Igreja e da Coroa, entrantes pobres e negros escravos. No se trata aqui de referir-se aos que, dentre esses, com evidncia, foram guias, soldados ou expedicionrios nas jornadas de descobrimentos. Mas, sim, atentar para aqueles que, em suas costumeiras entradas nos sertes, sem o alarde da fama ou do rito estatal, ou ainda de forma clandestina, efetivamente ocuparam e exploraram aqueles espaos, conduzindo aos primeiros passos na direo do seu povoamento e da sua colonizao.4 Por isso, as fronteiras coloniais dos sertes do ouro e dos diamantes foram marcadas por programas ou prticas distintas de explorao, que, grosso modo, correspondem s dos descobridores poderosos, nomeadamente os paulistas e os senhores das Minas, e s dos entrantes pobres e dos escravos jornaleiros. Os descobrimentos de minerais preciosos nos sertes da Amrica portuguesa sempre tiveram, na historiografia convencional, a partir de uma interpretao estreita e, em geral, alheia s manipulaes formais dos textos coloniais, uma conotao de prtica desbravadora. Os descobridores os paulistas eram representados como homens que, vivendo na penria e
Se o espao um lugar [determinada configurao de posies] praticado, ento certo que a experincia do espao fustiga e estende a condio do lugar (CERTEAU, 1994, v. 1, p. 202). Tambm no se atenta, neste lugar, ao papel relevante, e inegvel, do gentio dos sertes como guia ou guerreiro aliado de conquistas coloniais, nos descobrimentos mais alentados da poca. Cf. PERRONE-MOISS, 1992, p. 121; FAUSTO, 1992, p. 385-386.
Introduo 17
sob o signo da auri sacra fames5, moveram-se to somente pela riqueza fcil das Minas.6 Ora, nesta perspectiva, os aspectos simblicos e polticos da entrada descobridora, que conformaram a retrica dos discursos e documentos relativos aos descobrimentos, ficam subsumidos na funo econmica de explorao ou extrao mineral. Com isso, perde-se de vista o sentido amplo de programa sociopoltico do descobrimento pretendido pelos agentes poderosos, quando at mesmo aquela propagada atividade econmica se refaz, para incorporar outras vias econmicas capazes de satisfazer o programa estatal (e rgio) explorado pelo estamento dominante, como o plantio de roas e a criao de rotas de comrcio. antes o contrrio do que supe a interpretao tradicional: a experincia econmica de produzir e acumular recursos com os descobrimentos e, sobretudo, o direito para isto, conduzia-se segundo os valores de outros campos sociais, como o do poder e o da religio. Por isso, os lucros provenientes da explorao colonial que no estivessem ancorados nos princpios do direito comum7 e nas representaes cannicas do Estado monrquico perdiam o amparo institucional e a legitimidade para se conservarem. No final do sculo XVII e durante o sculo XVIII, os descobrimentos com o acesso privilegiado dos descobridores ou de outros coloniais ao capital simblico, aos benefcios e s riquezas dependiam, primordialmente, da posio social e poltica do agente, do reconhecimento da Coroa portuguesa e da validade moral das aes que culminavam nas descobertas de ouro e de pedrarias. Dizer-se que a acumulao de metal precioso ou de riquezas era para
A imagem de vida rstica e de penria socioeconmica dos paulistas, nas dcadas finais do sculo XVII (ver DAVIDOFF, 1984, p. 63-84), j passou por acurada reviso da historiografia. Cf. MONTEIRO, 1992, p. 494-495; Idem, 1994; BLAJ, 1995. Baslio de MAGALHES (1935, p. 269-285), por exemplo, supe que os descobrimentos de ouro encabeados pelos paulistas resultavam de imposies essencialmente econmicas, ou seja, da necessidade de criao de riquezas, e que, por isso, os descobrimentos das Minas de ouro tiveram a configurao de um movimento espontneo de expanso territorial. Cf. ABREU, 1982; VASCONCELOS, 1999; LIMA JNIOR, 1985; TAUNAY, 1948, t. 9; VASCONCELOS, 1944. Essa doutrina fundava-se nas situaes jurdicas reais [desde a Idade Mdia], estando os poderes sobre as coisas decalcados sobre as suas utilidades particulares, distribudos por vrios sujeitos, mutuamente condicionados, dependentes na sua efectivao e exerccio de autorizao alheia. Cf. HESPANHA, 1995, p. 64-65. Nas Minas de ouro, os institutos de direito comum (como as terras realengas e de sesmarias) relativos s exploraes minerais e agrcolas foram especialmente marcantes.
poucos parece tautologia, e afirmar-se que a sociedade colonial se reiterava pela excluso de muitos no indica toda a complexidade envolvida na ordem social proporcionada pelos descobrimentos.8 Na realidade, os sertanistas-descobridores e coloniais que obtiveram maiores lucros nas empresas coloniais e angariaram mercs da Coroa necessitaram sempre da participao da arraia-mida9 nas entradas e exploraes, alm de contar, evidentemente, com os ndios administrados e os negros escravos. Por isso, os homens e mulheres dessa qualidade ligaram-se, com as mais diversas gradaes, experincia (e rede) colonizadora. O mais correto, talvez, seria admitir que se configurou, como resultante do embate de foras sociais distintas nas Minas de ouro, uma situao tensa de incluso subordinada (ou submetida) aos planos (com matizes diversos) da Coroa, da Igreja e dos poderosos. Se a formao dos concelhos das Cmaras municipais foi fundamental para a implantao do domnio colonial na regio das Minas Gerais, sendo estes os institutos mais visveis para expressar os interesses e a insatisfao dos coloniais de maior qualidade, 10 eles no foram os nicos meios para isso. Sobretudo nas fronteiras de colonizao agromineradora, os procedimentos concelhios no foram os mais valorizados pelos exploradores. Ao mesmo tempo, o interregno de cerca de duas dcadas entre as primeiras notcias, em So Paulo e no Rio de Janeiro, de descobertos de ouro nos ribeiros do serto dos Cataguases, no incio da dcada de 1690, e a criao das primeiras vilas das Minas de ouro, em 1711, no se expressa pela ausncia de poderes locais nos arraiais, nem por uma carncia de autoridades poltico-jurdicas, porque se instituram os postos de guardamor dos descobertos ou de superintendente de minas. Por isso, ao invs de julgar a mobilizao e os dividendos sociopolticos dos coloniais, assim como o seu potencial reivindicatrio, a partir das representaes camarrias, procura-se sustentar, neste estudo, que as prticas
Sobre a prtica da excluso social do pblico, ao tratar das prticas sociais e polticas da elite senhorial (descendentes de conquistadores e senhores de engenho) do Rio de Janeiro, no sculo XVII, ver FRAGOSO, 2001, p. 29-71. Termo utilizado, apropriadamente, por Iraci del Nero da COSTA (1992) para se referir aos livres no proprietrios de escravos no Brasil do final do sculo XVIII e incios do seguinte. No entanto, certamente fizeram parte dessa populao pobre os pequenos escravistas proprietrios de 1 a 5 escravos , que eram a maioria na Capitania de Minas Gerais (LUNA, 1983, p. 25-41). Cf. RUSSEL-WOOD, 1977, p. 73-77; BICALHO, 2001, p. 203-207.
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Introduo 19
(e as representaes) dos descobrimentos j alinhavam os descobridores e outros entrantes dos sertes do ouro ao programa poltico-colonizador conferido pelo rito usual de descobrimento de ouro e de pedras preciosas, com a projeo no poderoso, e agora descobridor, de um lugar natural de comando e prestgio. Acontecia, ento, uma situao difusa, eminentemente social e simblica, de exerccio de autoridade poltica encarnada no poderoso. De fato, a Cmara de So Paulo, que esteve a reboque nas aes descobridoras mais prestigiosas das duas ltimas dcadas do sculo XVII, apesar de firmar-se como caixa de ressonncia dos interesses paulistas nas Minas de ouro, no assumiu papel preeminente na tomada de decises relativas aos descobertos de ouro. Isso porque as prticas usuais de descobrimento no priorizaram os mecanismos formais de representao detidos pelo governo local, contribuindo para a incerteza, entre os contemporneos, sobre a configurao das Minas de ouro, assim como sobre o grau de subordinao ou autonomia em relao aos outros domnios portugueses na Amrica, com as foras sociais correspondentes. Naquela poca dos descobrimentos fundadores nas fronteiras, mais do que se valer das ambies jurisdicionais, de resto duvidosas, que partiam da Cmara de So Paulo, os descobridores paulistas enfrentaram as prerrogativas dos representantes rgios nas questes minerais, e disputaram a legitimidade de dominao 11 das Minas com descobridores taubateanos, negociantes da praa carioca, autoridades coloniais do Rio de Janeiro e da Bahia, e, finalmente, com emboabas (e seus ncleos prprios de poder), confiando, nesses conflitos, no jogo poltico invisvel dos laos de aliana e clientelismo que se projetava at Corte portuguesa. A instituio das Minas Gerais do ouro remonta dcada de 1680, quando tiveram incio as apropriaes da memria do descobrimento protagonizado pelo paulista Ferno Dias Pais. De fato, os descobrimentos de ouro, efetuados na dcada seguinte, foram representados pelos sertanistas-descobridores ou pelos agentes do Estado numa mesma linha de continuidade temporal de conquista e de descobrimento luso do serto, cuja inflexo foi a entrada em busca de esmeraldas e de prata comandada pelo descobridor Ferno Dias. Portanto,
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Trata-se de conseguir o consenso ou, pelo menos, a obedincia necessrios ao exerccio da autoridade e de poderes administrativos. Cf. WEBER, 1996, p. 170-173.
houve um investimento simblico na faanha do paulista, no tanto pelos seus supostos resultados imediatos, mas pelo que nela serviu de moldura prestigiosa para os descobrimentos posteriores, e pelo que promoveu efetivamente em termos de conquista sertanista e explorao de minerais preciosos nos sertes do ouro. Por isso, a questo fundamental no tentar justificar o olhar, aparentemente obtuso, de Ferno Dias, sertanista que palmilhou ricas terras aurferas e que se manteve fixado nas exploraes ilusrias de esmeraldas e de prata, mas avaliar o peso simblico da sua empresa, poucos anos depois do seu desfecho, para os descobrimentos de ouro dos senhores poderosos do planalto paulista. As prticas consagradas de descobrimento de riquezas minerais, sendo prticas de colonizao (e construo) do espao dos poderosos, mantiveram-se, moldando-se conjuntura do tempo, no horizonte social e econmico das Minas Gerais ao longo do sculo XVIII. Elas apareceram, ento, nos textos coevos, como um trao determinante da sua trajetria e formao histrica coloniais. Essas prticas e discursos de descobrimentos, inscritos no estilo de explorao das Minas, que presidiram, neste estudo, o escopo do tempo, que se inicia na dcada de 1680, e prolonga-se at o fim da poca colonial nas Minas Gerais, no incio do sculo XIX. Tal objeto de estudo, baseado na periodizao da histria, no significa, com evidncia, que os campos da prtica simblico, tcnico, poltico e econmico se mantivessem simtricos. Os conflitos entre os agentes sociais, de fato, manifestavam esse descompasso na durao. Assim, desde as ltimas dcadas do sculo XVIII, o negcio da minerao experimentava uma crise. Com o aumento crescente dos custos e do trabalho necessrios explorao aurfera subterrnea, e sem se proverem novos descobrimentos, aconteceu o reforo da agropecuria e das atividades artesanais como alternativas econmicas que estavam ao alcance das possibilidades dos habitantes de Minas. O estilo de descobrimento e de explorao de ouro segundo o Cdigo das Minas, datado de 1702, quando houve os famosos descobrimentos de aluvio, foi adaptado ou praticamente abandonado, conforme se aprofundava a mudana social e econmica. Entre a segunda e a terceira dcada do Oitocentos, quando a extrao mineral de maior vulto comeou a passar para as mos de companhias estrangeiras e nacionais, os senhores e chefes de famlia (mineiros brasileiros) que ainda mantinham lavras de ouro
A inveno das Minas Gerais 21
lucrativas, atuando isolados ou associados, eram vistos pelos agentes do governo como herdeiros de um modo passado de produo mineral.12 Para constituir o processo histrico de fabricao das Minas do ouro (e das pedrarias), foi necessrio focalizar os momentos fugidios e dinmicos das experincias na fronteira do lugar colonial (espao de liberdade significativo) (Levi, 1989, p. 1335), assim como da legitimao descobridora que a emoldurou. Esses tempos e essas prticas diferentes de conformao das Minas Gerais cruzam-se na composio de diversos textos coloniais cujo apelo foi institucional ou governamental, muito embora apresentem um sentido normativo e estratgico bem caracterstico. Isso acontece porque nos discursos autorizados pelo Estado ou provenientes da administrao da Coroa portuguesa como cartas rgias, consultas do Conselho Ultramarino, cartas dos governos das Minas e das autoridades coloniais , apesar da formalizao excessiva a que eram obrigados, insinuou-se a denncia do espao social fluido e invisvel vivido pelos coloniais, que prefigurou toda classificao e regulao. Por outro lado, em outros textos pblicos, quando se trata de peties de coloniais, cartas de sertanistas e de descobridores aos governos, memrias, relaes e mapas, pde-se entrever, mais firmemente, a contraface do programa de descobrimento: outras prticas que estendiam, desviavam ou refaziam os traos normativos do Estado, as representaes cannicas e o costume dos coloniais. Extremamente raras, mas especialmente valiosas para apreender essas outras prticas nas empresas de descobrimentos, foram as narrativas de uso
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A carta rgia de 12 de agosto de 1817 ao ltimo Governador da Capitania de Minas Gerais, Manuel de Portugal e Castro, foi expresso da poltica reformista de uma minerao decadente desde as ltimas dcadas do sculo XVIII. Ela procurou restringir os direitos dos exploradores e reformar as prticas tradicionais de minerao ao prever a subordinao do descobridor de ouro, do proprietrio de data, do mineiro e do guarda-mor aos propsitos da sociedade (ou companhia) mineradora e do governo. As limitaes mais significativas seriam as seguintes: os novos descobertos deveriam ser preferencialmente concedidos s sociedades; o proprietrio de terras minerais de possvel rendimento que no as explorassem perderiam seus direitos em troca da participao acionria no empreendimento; formada a sociedade, os acionistas no poderiam reaver seu dinheiro ou seus escravos nem poderiam vender suas aes sem comunicar aos administradores; ficaria proibido ao guarda-mor fazer a repartio das datas e guas minerais sem informar o inspetor geral (nomeado pelo governador), que antes examinaria as condies para a organizao de uma sociedade (FERRAND, 1998, p. 156-159). Diante disso, no sem razo que os mineradores resistiram organizao dessas companhias exploratrias. Cf. ESCHWEGE, 1979, v. 1, p. 43-47.
particular e familiar no recrutadas pelas representaes costumeiras do Estado. Houve, efetivamente, escritos familiares que registraram roteiros de entradas de descobrimento, relatos pessoais de descobridores ou mapas de descobertos de minerais preciosos, guardados para uso dos prprios sertanistas-descobridores, ou dos seus parentes e aliados. Infelizmente, pouqussimos escritos resistiram ao tempo ou s vicissitudes familiares, e, ainda, s danosas compilaes. Contudo, para esta pesquisa, foi possvel coligir tais registros pragmticos, ou as esparsas referncias mantidas por eles e retidas em relatos oficiais e memoriais, que serviam ao modo de fazer dos descobridores de minas. Ademais, tambm os historiadores Joaquim Felcio dos Santos e Diogo de Vasconcelos, no vis romntico da segunda metade do sculo XIX, retiveram alguns desses testemunhos pessoais diretos relatos ou cartas , conferindo algumas das prticas e das percepes partilhadas pelos coloniais nas Minas Gerais do ouro, embora tendessem a dar muito crdito aos fatos (datas, personagens, motivaes) contidos nesses textos (Santos, 1976, p. 127-177 passim; Vasconcelos, 1999, p. 178-179). De qualquer modo, os clrigos escritores (Simo de Vasconcelos e Andr Joo Antonil, por exemplo), e os agentes do governo da Coroa e dos governos municipais das Minas, quando faziam seus relatos descries, cartas, relatrios, informaes sobre entradas e conquistas nos sertes, ou sobre descobrimentos e descobridores, costumavam colher informaes nas narrativas pessoais e de famlias escritas e da memria oral , recuperando muito do seu contedo prtico. Para se fazer um amplo cruzamento entre as representaes sociopolticas e as prticas ordinrias, no sentido de compreender o jogo movedio das prticas de descobridores e de coloniais, que se disps o corpus documental e a forma do trabalho de pesquisa. Um campo documental imprescindvel pesquisa foi representado pelos registros oriundos do governo das Minas do ouro a partir de 1697 e, posteriormente, do governo da Capitania de Minas, que compreende o perodo entre 1709 e 1822. Especialmente, as peties enviadas ao governo para prover descobrimentos, ou aquelas que tratam de conflitos nas lavras minerais, esclarecendo os usos nas exploraes de ouro e de diamantes, assim como o modo de expanso da fronteira das Minas Gerais. Alm desses documentos, foi indispensvel consultar os relatos, as notcias, os roteiros, e os mapas de descobrimentos ou de explorao de minerais preciosos nos sertes orientais da Amrica portuguesa, em fins do sculo
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XVII e no curso do sculo XVIII. Tais textos, dispersos em diversos fundos arquivsticos e publicaes, representaram um desafio a mais para a consulta e a garimpagem das fontes. Por outro lado, no exame das representaes ou imagens com as quais se forjaram as entradas de descobrimento de minas de ouro e de pedrarias, nos sculos XVII e XVIII, recorreu-se, neste estudo, principalmente aos discursos polticos contemporneos que retrataram as empresas virtuosas dos vassalos, segundo a razo do Estado monrquico e a lgica sociocultural do Antigo Regime portugus. Dessa maneira, este estudo compe-se de duas partes: a primeira refere-se a prticas de representaes e codificaes sociopolticas que formam os descobrimentos de minerais preciosos; a segunda trata especificamente das prticas de descobrimentos dos sertanistas-descobridores e dos coloniais das Minas Gerais. Mas, certo, essas representaes exprimem-se como prticas de codificao e de instituio dos descobrimentos das Minas. No captulo 1o, distingue-se o campo social e poltico no qual ocorreram os descobrimentos de metais e de pedras preciosas. Procura-se, sobretudo, compor o imaginrio do poder (com suas representaes) que conferiu sentido s aes dos descobrimentos na Amrica portuguesa. Esse imaginrio est, por exemplo, na raiz da significao (ou apropriao) da jornada de descobrimento de Ferno Dias Pais, tema do captulo 2o. Para os coloniais poderosos e agentes do Estado, a expedio das esmeraldas transparece como um grande feito, cujo prestgio, passando a encarnar-se nas entradas sertanistas dos naturais do planalto de So Paulo, contribui para legitimar os descobrimentos de ouro e para mostrar a virtude dos vassalos merecedores de prmios e de reconhecimento da Coroa. No captulo 3o, tais prmios da Coroa, ou mercs rgias, que mobilizam os vassalos para os servios polticos virtuosos e sedimentam o suposto pacto fundador do corpo poltico do Estado, mostram sua eficcia social. Assim, nas prticas de discursos peticionrios, sujeitando os requerentes ao programa estatal, as entradas de descobrimento de riquezas minerais foram virtualmente consideradas empresas polticas para aumento do Estado (da Coroa e do bem comum) e, forosamente, especficas dos vassalos de maior qualidade e prestgio. Descobrimento e descobridor assumem o trao indelvel do Estado. O ttulo do captulo 4o (seguindo termos do padre Antnio Vieira) indica o sentido teolgico e poltico ambguo das Minas de ouro. O captulo
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avalia, seguindo as valorizaes socioculturais da poca, o cenrio social e natural do lugar de Minas, e suas implicaes polticas. Anuncia-se, nessas representaes ambguas (riqueza e decadncia) sobre as Minas, um conflito poltico e econmico entre descobridores ou coloniais e autoridades da Coroa, entre emboabas e paulistas. O captulo 5o d incio segunda parte do trabalho. Investigam-se, neste ponto as prticas reais que compuseram os descobrimentos, atravs das trajetrias de trs descobridores, entre os mais famosos que foram agraciados Garcia Rodrigues Pais, Manuel de Borba Gato e Salvador Fernandes Furtado. Considera-se que a legitimidade dos descobrimentos de ouro e de diamantes nas Minas, entre a dcada de 1690 e a dcada de 1730, constantemente colocada prova pelo jogo dos planos particulares (familiares) dos sertanistas-descobridores e de seus negcios lucrativos com descobertos. Descrevem-se ainda, no captulo 6o, as artimanhas e as habilidades dos sertanistas para conseguir, no somente junto Coroa, mas tambm frente aos demais coloniais, o crdito e a legitimidade dos descobrimentos e a fama pblica de descobridores. Avalia-se que a experincia nas coisas do serto, e o seu registro oral-escrito, so componentes da mesma prtica de efetivao da ao descobridora. No captulo 7o, procura-se verificar o que se segue entrada descobridora no serto, cujas prticas so apreendidas no captulo anterior. Nos descobrimentos das Minas Gerais do ouro, na fronteira de ncleos coloniais, aconteceram conflitos polticos, simblicos e econmicos entre os descobridores legtimos e os forasteiros, entre os poderosos e os pobres. Prticas e atitudes distintas de descobrimento e de minerao, ainda no consagradas, ou no codificadas, acirram as tenses entre os agentes dos descobertos e aumentam as dificuldades de regulao poltica. Finalizando este estudo, o captulo 8o trata das mudanas sociais e polticas nas Minas Gerais, fatalmente visveis na segunda metade do sculo XVIII, com a crise generalizada nos modos tradicionais de produo mineral dos poderosos, e nas formas de descobrimento segundo o rito costumeiro do Regimento minerrio. Com isso, agentes do governo luso e crticos letrados revigoram uma retrica decadentista, e ainda marcada pela ambigidade, pleiteando, acima de tudo, uma reforma restauradora que limitasse o papel dos pobres: a reinveno das Minas sem os alegados erros do passado. Convm mencionar que os manuscritos citados so transcritos no texto deste livro, e especialmente quando criam dificuldades para a compreenso
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do leitor, com a ortografia atualizada e sem as abreviaturas de costume da poca. Quanto s citaes dos documentos impressos, manteve-se, no estando estes demasiadamente eivados de uma grafia arcaica e de termos abreviados, a forma de origem, a bem da estrita honestidade no uso das fontes.