Luis Fernando Veríssimo - Borges e Os Orangotangos Eternos
Luis Fernando Veríssimo - Borges e Os Orangotangos Eternos
Luis Fernando Veríssimo - Borges e Os Orangotangos Eternos
Eternos
Luis Fernando Veríssimo
Ficção policial e de mistério
Companhia das Letras, 2000.
Editora Schwarcz
ISBN 85-359-0058-6
Digitalizado em formato djvu por: vixYYZY
Convertido a doc, revisado e formatado por: SusanaCap
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O crime
Tentarei ser os seus olhos, Jorge. Sigo o conselho que você me deu, quando
nos despedimos: "Escribe, y recordarás". Tentarei recordar, com exatidão desta
vez. Para que você possa enxergar o que eu vi, desvendar o mistério e chegar à
verdade. Sempre escrevemos para recordar a verdade. Quando inventamos, é para
recordá-la mais exatamente.
* * *
— Traços.
Foi a primeira coisa que você disse, quando voltamos à sua
biblioteca, no fim daquela tarde.
— O quê?
— Viver significa deixar traços, não ruínas. Walter Benjamin.
Você estava sentado na mesma poltrona. Um resto de sol de julho
ainda entrava pela janela, mas a biblioteca estava na penumbra. Cuervo
propôs que se acendesse uma lâmpada.
— Se for algum ponto que requer reflexão... — começou você.
Cuervo e eu continuamos a citação de Poe em uníssono, ele em
espanhol e eu em inglês: —...o examinaremos com melhor proveito no
escuro.
Rimo-nos os três.
— "O Escaravelho Dourado" — disse eu.
Cuervo ficou chocado com o meu erro, depois de ter identificado a
frase de Auguste Dupin tão prontamente. Você ficou apenas intrigado.
La cola
Meu caro V.
Obrigado pelo privilégio, que só posso atribuir ao excesso de deferência que
inspiram os ídolos ou os velhos. É muito raro, nas tortuosas relações entre o autor
e suas criaturas, um personagem receber a incumbência de escolher o fim da his-
tória. Mas desconfio que a única conclusão possível é a que você determinou desde
o começo: nunca escapamos do autor, por mais generoso ou penitente que ele
pareça.
Estranhei as suas repetidas e pouco sutis referências ao conto "O
Escaravelho Dourado" durante toda a narrativa. Ele não me parecia ter qualquer
relevância para a história. Na cena final, a da despedida de "Vogelstein" e
"Borges" ao lado daquela improvável estufa elétrica, você erra mais uma vez,
deliberadamente, ao citar meus dois exemplos de mistérios simples. Substitui "A
carta roubada"por "O Escaravelho Dourado", mas mantém o quarto fechado de
Zangwill como o outro exemplo.
Comecei a pensar no que poderia haver de pertinente na história de Poe
sobre a descoberta de um escaravelho de ouro e o pergaminho usado para
embrulhá-lo, e me lembrei de que nela Poe, que já inventara a história de detetive e
a paródia da história de detetive e a anti-história de detetive, estava inventando
uma das convenções mais controvertidas da história de detetive, que é o narrador
inconfiável. Embora o escaravelho de ouro dê nome ao conto e pareça ser o centro
da trama, é, na verdade, um detalhe sem importância. O pergaminho é o que
interessa, pois nele está a mensagem cifrada que leva ao tesouro. O narrador ilude
o leitor, que sófica sabendo o que ele sabe no fim. Invocando "O Escaravelho