Heteridade 6 - Revista de Psicanálise - As Realidades Sexuais e o Inconsciente
Heteridade 6 - Revista de Psicanálise - As Realidades Sexuais e o Inconsciente
Heteridade 6 - Revista de Psicanálise - As Realidades Sexuais e o Inconsciente
Revista de Psicanlise
Heteridade
6
Revista de psicanlise
Internacional dos Fruns do Campo Lacaniano Escola de Psicanlise dos Fruns do Campo Lacaniano Encontro internacional, Paris 2006 www.if-epfcl.com
Heteridade 6
Conselho cientfico: O Colegiado de Representantes Sonia Alberti Mario Binasco Ana Diaz Patron Xabier Onativia Luis Fernando Palacio Silvia Rodriguez Colette Soler
Sumrio
Editorial Colette Soler (Paris) I. Introduo Marc Strauss (Paris), Abertura Mario Binasco (Milo), As realidades sexuais : que constatao? II. De Freud a Lacan Antonio Quinet (Rio de Janeiro), A escolha do sexo Beatriz Elena Maya Ricardo Rojas Juan Guillermo Uribe (Medellin), Leitura das frmulas da sexuao Trinidad Sanchez-Biezma de Lander (Valencia, Venezuela), O futuro da teoria sexual infantil III. Mudana de poca Gloria Patricia Pelaez (Medellin), As realidades do inconsciente: Sintomas contemporneos? Colette Chouraqui-Sepel (Paris), Exigncias da modernidade, o falo jamais dmod Martine Mens (Paris), Do sexo dos gneros Gladys Mattalia (Tucuman), Alteridade e anti-predicatividade IV. O dizer do sexo Anita Izcovich (Paris), Gozos inconfessveis Colette Soler (Paris), O dizer, sexuado Diego Mautino (Roma), O impasse sexual e suas dices V. A escolha do sexo Bernard Nomin (Pau), A diferena dos sexos e o inconsciente Stphanie Gilet Le Bon (Dijon), O problema da heterossexualidade Viviana Gomez (Buenos-Aires), A homossexualidade : desorientao ou preconceito Luis Izcovich (Paris), O parceiro sexual Francisco Estvez (Gijon), O sujeito transexual VI. Clnica Dominique Fingermann (Sao Paulo), Do campo freudiano ao campo lacaniano: a vira-volta Franoise Gorog (Paris), O Medjnoun Sonia Alberti (Rio de Janeiro), Lustprinzip 5 11 20
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61 69 76 87
97 104 115
Editorial
por Colette Soler
Este nmero de Heteridade, o sexto, reagrupa uma boa parte dos trabalhos que foram apresentados em julho de 2006, em Paris, por ocasio do Encontro Internacional dos Fruns e da Escola de Psicanlise dos Fruns do Campo lacaniano, sob o ttulo As realidades sexuais e o inconsciente. O lao entre o sexual e o inconsciente no ttulo no causar espcie. Est na origem da psicanlise, consubstancial conceituao freudiana do inconsciente. Mas com que direito incluir a sexualidade no plural das realidades sexuais? Poderia ser uma referncia complacncia com a poca, o estilhaamento das normas e dos ideais sexuais com as quais a tradio ocidental cobria o mistrio do sexo, deixando aparecer uma bela cacofonia, a multiplicidade de condutas sexuais revindicadas, exibidas e em luta pelo direito de sua cidadania. Acredito, no entanto, que se trata de uma coisa bem diferente: uma questo que surge daquilo que o discurso analtico estabelece quanto ao sexo, ao desejo e ao gozo, e que poderia esclarecer lateralmente as perturbaes explosivas e sem precedentes que se impem nesse incio de sculo, como efeito de longo termo da reorganizao social produzida por trs sculos de cincia e incremento progressivo do capitalismo tecnolgico dos ltimos duzentos anos. O que mostra, com efeito, o discurso analtico, pelo mnimo que tenha chegado a seu ponto de conseqncia, que o sexo se impe nessa experincia do inconsciente que uma anlise, como um fato de ausncia, se posso dizer. No existe relao sexual que se inscreva. Carncia, hincia central, dizia Lacan antes de dar a frmula desse impossvel que no cessa de no se escrever. sobre essa falha que fusiona o plural do que Lacan chamava as realidades as mais apegadoras, todas essas suplncias singulares que, no entanto, permitem a cada um e cada uma encontrar seu cada um ou sua cada uma. A via dessas solues, jamais estandardizadas, passa evidentemente pelos efeitos de linguagem que desnaturam o sexo dos falantes: o semblante maior que o Falo, e
os objetos a destacados do corpo, objeto oral e anal como significantes da demanda, objeto olhar e voz como ndices do desejo. Cada sujeito o colocar em jogo ou os reencontrar conforme seus encontros. O sujeito, homem ou mulher feliz, diz Lacan, quer dizer, lhe dada a felicidade do bom agouro, o que no lhe evitar a servido da singularidade do gozo que lhe deixa a no relao, que pode ser o flico ou o no-todo.
Revisores:
Arturo Santiago Blanco (Rio de Janeiro) Arlene de Arajo Costa (Rio de Janeiro) Elizabeth da Rocha Miranda (Rio de Janeiro) Elizabeth Bonow (Rio de Janeiro) Daniela Chatelard (Braslia) Richard Couto (Rio de Janeiro) Rosanne Grippi ( Rio de Janeiro) Sonia Alberti ( Rio de Janeiro) Zilda Machado ( Belo Horizonte)
Tradutores:
Adriana Dias de A. Bastos (Rio de Janeiro) Ana Claudia Fossen (So Paulo) Angela Cambiaghi (Rio de Janeiro) Consuelo Pereira de Almeida (Rio de Janeiro) Maria Clia Delgado de Carvalho (So Paulo) Maria Celina Deir Hahn (Rio de Janeiro) Maria Cristina Vianna (Joinville) Marli M. Bastos (Rio de Janeiro) Luciana Torres (Rio de Janeiro) Richard Couto (Rio de Janeiro) Sonia Alberti (Rio de Janeiro) Sonia Borges (Rio de Janeiro) Sonia Magalhes (Salvador) Vera Pollo (Rio de Janeiro) Zilda Machado (Belo Horizonte)
INTRODUO
Abertura
Marc Strauss
Vamos escutar bastante, no curso desses dois dias, a frmula que Lacan diz ter extrado do dizer de Freud: no h relao sexual. Minha questo ser ento: o que quer dizer no h relao sexual? Ocupar-me-ei, para essa introduo, de tentar precisar o sentido, ou os sentidos dessa frmula, de tanto que ela me parece difcil de ser compreendida. Difcil de ser compreendida, em primeiro lugar, porque se j est ali o dizer de Freud, pode-se interrogar ento a contribuio de Lacan teoria psicanaltica para alm de uma simples reformulao. Isso de qualquer maneira seria paradoxal, sobretudo se considerarmos a importncia que Lacan deu a esta frmula, at, e sobretudo, no final de seu ensino. Assim, primeiramente, veremos que a frmula no h relao sexual bem a chave de leitura da obra de Freud, a qual se deduz e se demonstra a partir do texto freudiano. A seguir, tentaremos verificar aquilo que dessa frmula excede o texto freudiano, no sentido de um dizer a mais.
1) Freud Indo rpido, sabemos tudo isso: 1.1 - No ser humano no existe movimento natural ou biolgico de um sexo em direo ao outro sexo, no h do mesmo modo o movimento natural em direo ao outro. O outro como parceiro se inscreve no lugar de uma perda inaugural. O aparelho psquico vem se alojar nesse lugar da perda para permitir ao sujeito tentar superar seus efeitos, sem sucesso, claro. 1.2 - O outro como parceiro no existe seno como munido ou privado do falo, jamais como homem ou mulher. Certamente, ser privada do falo no define a mulher. Irrefutavelmente, sabemos que existe uma metade da humanidade dita mulher, podemos mesmo design-la a partir de um certo nmero de traos
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anatmicos e psicolgicos, esses ltimos sempre contestveis, mas no podemos, entretanto, atribuir-lhes o menor predicado universal. Por que tal diferena anatmica to acentuada e to valorizada no comportamento dos seres humanos em detrimento de outros traos que poderiam diferenci-los uns dos outros, como o peso, a altura, a cor da pele ou dos olhos, por exemplo? Certamente, parece bem que existiria uma maneira de amar e de desejar o outro que se distingue segundo os sexos. Da vem a idia que haveria uma maneira masculina e uma maneira feminina de amar e de desejar, o que denominamos uma posio masculina e uma posio feminina inconsciente, independentemente do sexo biolgico, e isso desde a infncia. Posto isso, podemos dizer que assim to evidente? Se essa diferena se verifica a estatisticamente, ela no jamais sistemtica. Assim, os defensores do gnero, indo aos extremos da teoria Queer, no sustentam, se apoiando ento nesse momento na psicanlise, e mesmo na psicanlise lacaniana, que homem e mulher so construes sociais ou individuais, livre disposio do sujeito, e no tm nada a ver com seu corpo anatmico ou biolgico? O jogo das combinatrias delirantes est ali aberto: segundo o sexo biolgico de um sujeito e aquele de seu parceiro, e segundo o que seria a posio inconsciente masculina ou feminina de cada um desses parceiros, ns temos dezesseis casos de apresentao: quatro para os homossexuais masculinos, homem masculino desejando um homem masculino, homem masculino desejando um homem feminino, homem feminino desejando um homem masculino, homem feminino desejando um homem feminino; quatro tambm para os homossexuais femininos, segundo o mesmo princpio de repartio, e 2 X 4 para os heterossexuais, dezesseis portanto. Se alm disso, introduzimos em nosso clculo a distino do amor e do desejo, ns teramos muito mais.
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Poderamos deduzir o nmero de casais possveis, conforme se formassem as parcerias de maneira conveniente, quer dizer, quando a posio de um responde ao esperado do outro, ou segundo eles se acasalem conforme o risco do mal entendido. Eu interrompo esta divagao, pois um impasse: no existe definio do masculino e do feminino, malgrado as tentativas de Freud, e de Lacan por um tempo. Mas Freud, ao lado de suas tentativas afirmadas por ele sempre como insuficientes, no desenvolveu menos, por outro lado, sua teoria da libido como regulada pela fantasia e pela pulso. E tanto para a fantasia como para a pulso, no existe especificidade masculina ou feminina, pois no h libido genital em senso estrito, essa libido genital pulverizada, se eu posso dizer, em seus componentes pulsionais pr-genitais ou a-genitais. Faamos duas objees, entretanto, reduo da sexualidade pulso: De uma parte, podemos dizer: mas, de toda maneira, comer ou se fazer comer, cagar ou se fazer cagar, isso no a mesma coisa que transar, mesmo se isso a participa. Em segundo lugar, ao lado da dimenso fantasmtica, a sexualidade infantil, como seu despertar na adolescncia, so para Freud ligadas a um fato biolgico. Ora, de uma parte, a relao entre o biolgico e o fantasmtico resta opaco nele. De outra parte, as duas sexualidades, a infantil e a adulta, no so em Freud claramente articuladas em suas similitudes e, sobretudo, em suas diferenas. Eu direi ento que o impasse freudiano sobre o rochedo da castrao se mantm em parte graas sua insuficincia de articulao entre a pulso e a sexualidade.
2) tempo de ir a Lacan. Este ltimo props, em 1960, em seu texto Observao sobre o relatrio de Daniel Lagache1, uma escritura do desejo masculino (a) e uma do desejo da
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LACAN, J. Remarque sur le rapport de Daniel Lagache. In: scrits. Paris: Seuil, 1966, p.683.
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mulher %(). No -toa que ele jamais as retomou, e que ela seja pouco comentada, pelo que eu saiba. Observemos, entretanto, que as duas fazem suplncia a uma falta simblica correlacionando a elas um objeto imaginrio positivado, portanto. O homem faz suplncia ao significante faltante pelo objeto a da pulso, a mulher faz suplncia ao significante da falta no Outro pelo falo imaginrio que ela encontra em seu parceiro. Estas frmulas tm ento seu interesse, pois elas introduzem uma dissimetria que ao mesmo tempo uma articulao, uma ligao entre os sexos. Com efeito, se o homem pode parecer se satisfazer do objeto pulsional por aquilo que da forma de seu desejo, o mesmo no acontece para a mulher que, por sua parte, levada a investir o rgo masculino como respondendo sua falta simblica, o que, por outro lado, no lhe interdita a pulso, certamente. ento a forma feminina do desejo que significa ao homem uma sada insuficincia de sua soluo pulsional, fazendo apelo colocao em jogo de seu rgo. Como o diz Lacan em outro momento, ela retira o rapaz de sua turma de amigos, da qual ele est prestes a se satisfazer. De onde a definio, por Lacan, dos homens como tendo desejo e das mulheres como fazendo apelo ao sexo. Eu comentei um pouco essas frmulas, pois elas mostram, a meu ver, como a pulso fracassa em sua visada, no suficiente para assegurar a satisfao do sujeito. Ela fracassa porque existe uma inadequao entre os elementos com os quais ela se constri e sua visada. o que diz Lacan, explicitamente, em resposta a uma questo de Franoise Dolto sobre os estdios de maturao no Seminrio 11. A passagem bastante longa, s citarei o ltimo pargrafo: O mau encontro central est no nvel do sexual. Isto no quer dizer que os estgios tomam uma colorao que se difundiria a partir da angstia de castrao. , ao contrrio, porque essa empatia no se produz que se fala de trauma e de cena primitiva2.
LACAN, J. Le Seminaire, livre XI: les quatre concepts fondamentaux de la psychanalyse (1964). Paris: Seuil, 1973, p.62.
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Se insisto sobre essa passagem, sobre essa empatia que no se produz, porque me parece colocar justamente a priori a inadequao, a discordncia entre a satisfao pulsional e o sexual propriamente dito. o que Lacan formular em seguida, de maneira sempre idntica, dizendo que o gozo flico parasitrio, quer dizer, experimentado, mas como fora corpo. Isso pode explicar a insatisfao do neurtico homem, esse sujeito para quem a fantasia pode fazer tela falta no Outro, S(%), pela interposio do objeto falicizado. Lembremo-nos do grafo do desejo e a possibilidade de passar pela via imaginria que vai do $<>D da pulso ao $<>a da fantasia, sem passar pelo S(%), curto-circuitando ento o S(%). Essa insatisfao se exprime muito frequentemente nos neurticos homens por um sentimento de insuficincia, quer seja deles mesmos, de sua imagem, ou das satisfaes que eles obtm. Como o dizia sobre o div um deles: jamais suficiente. Com efeito, a satisfao obtida graas montagem fantasmtica aquela que faz sentido para o sujeito, inclusive sexual. por isso que Lacan se ocupa, no Seminrio O Sintoma3, a partir de sua escritura dos gozos nas lnulas de interseo do n borromeano, de distinguir o gozo peniano do gozo flico. O gozo peniano para escrever entre imaginrio e simblico, no mesmo lugar que a fantasia e o gozo do sentido. O gozo peniano no est no mesmo lugar que o gozo flico, este, Lacan escreve entre real e simblico, exsistente ao imaginrio e, portanto, fora do corpo. Para as mulheres, o impasse da satisfao pulsional se manifesta nelas pela dificuldade de se sentir mulher quando elas colocam em jogo seu fantasma na relao com o parceiro. Sublinhemos ento o elemento essencial nessa exposio introdutria. E para isso, retomemos a alternativa que evoquei h pouco: passar ou no passar pelo S(%). Adianto que a tomada em conta desse elemento da estrutura, dessa falta no Outro, que determinante, pois ele permite marcar a especificidade da
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Id. Le Seminaire, livre XXII: le sinthome (1975/1976). Paris: Seuil, 2005, p.56.
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contribuio de Lacan em relao a Freud; ele permite tambm distinguir a psicoterapia da psicanlise; e permite enfim, dar verdadeiro sentido frmula que tento comentar: no h relao sexual. Com efeito, que haja um significante da falta no Outro no implica primeiramente que esse significante tome imediatamente o nome de falo; em segundo lugar, no implica que em seu lugar no haja nada. 1) Para que nesse lugar se aloje a funo simblica do falo, necessria a funo do pai. Uma funo que Freud extraiu sob suas duas vertentes, o pai da interdio do dipo e o pai gozador de Totem e Tabu, mas uma funo tambm qual ele se limitou. Lacan em Subverso do sujeito e dialtica do desejo, quando comenta esse S(%) a substitui a operao que se produz cada vez que um nome prprio pronunciado. Conhecemos a importncia que tomar na seqncia de seu ensino sua reflexo sobre a funo de nomeao. Retenhamos simplesmente aqui que essa funo de nomeao que coloca no lugar do S(%) o significante do falo. Um significante que o rgo vai representar o que vai causar seu funcionamento no desejo sexual do sujeito: Assim que o rgo ertil vem simbolizar o lugar do gozo, no como ele mesmo nem tampouco como imagem, mas como parte faltante na imagem desejada4. necessria, portanto, a operao paterna, uma operao de nomeao e no de interdio, para que a montagem pulsional e sua satisfao se enlacem com o funcionamento do rgo sexual. Ora, ponto importante, a sexualidade dos neurticos, e mesmo a maior parte das anlises, se limitam a percorrer essa superfcie flica, desconhecendo seu inverso. Clinicamente isso se traduz como eu disse mais acima, pela constatao da inadequao entre o gozo obtido, aquele do sentido e da colocada em obra da fantasia, com o gozo esperado. Um gozo esperado, que sempre aquele do Outro, um Outro que, alm do mais, no existe. A constatao dessa defasagem pode ser,
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LACAN. J. Subversion du sujet et dialectique du dsir dans linconscient. Freudien. In: crits. Op. cit., p.822.
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para o neurtico, dolorosa, at mesmo insuportvel. A anlise pode ento ser conduzida no sentido de uma resignao ao inelutvel. Assim, por exemplo, o horizonte da anlise da histrica no deve se limitar resignao falta a ser, essa falta que comanda sua posio, mas que encobre, na realidade, a falta de objeto. Pois, a histrica acredita no pai, ela est ao servio do pai, como sujeito suposto relao sexual. E bem l o limite de elaborao freudiana: se no h genitalidade inteiramente satisfatria para o ser humano, por causa daquilo que sua sexualidade deve a uma montagem pulsional a-sexual, o sonho do neurtico, como o sonho de Freud, o sonho de um pai realizando a dita relao. Sabemos como Lacan ironizou esse Orango Tango. 2) Mas, em segundo lugar, e est a, me parece, a contribuio de Lacan que nos permite situar as realidades sexuais em sua relao ao inconsciente, no h unicamente nesse lugar de S(%) a alternativa da forcluso se o pai no opera, ou a via flica se ele opera. H, pois, do falo um inverso, como Lacan o diz no Seminrio Mais, ainda: no quer dizer que basta barr-lo para que nada mais dele exista. Se com esse S(%) eu no designo outra coisa seno o gozo da mulher certamente porque ali que eu aponto que Deus ainda no fez sua retirada5. Existe ento um gozo outro que aquele da fantasia, um gozo do no-todo, do qual nada pode ser dito, pois ele necessariamente fora do campo do simblico, da significao flica. com esse gozo que a mulher est em relao direta. A mulher, ou sobretudo a parte mulher de uma mulher, pois a mulher no jamais toda mulher, devido ao fato de ela ser tambm um ser falante, um ser humano, dizia Freud. Ela est ento em relao com esse gozo, ao mesmo tempo em que ela est, por outro lado, em relao com o significante flico que se inscreve do lado homem. Para ela, o rgo do homem, quer o procure ou o recuse, como no caso da
LACAN. J. Le Seminaire, livre XX: encore (1975). Paris: Seuil, 1975, p.112-3.
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homossexualidade feminina, vem representar esse significante que responde nela falta de significante, represent-lo na inveja do homem, quer dizer, imitao do homem, aqui identificado ao sujeito do significante. De outro lado, para o homem, uma mulher como no-toda flica pode representar o objeto que separa a falta no Outro de sua verso flica e de suas representaes fantasmticas. Mas, como uma mulher pode vir a encarnar para o homem esse no-todo, se ele , por sua parte, inteiramente tomado no todo flico? Tomado a na visada de preencher a insuficincia de sua satisfao fantasmtica, para realizar esse todo flico que ele transfere ao Outro, ao pai, com a carga que ele se imps, por conseqncia, de proteger esse ltimo? Avancemos, com risco de parecer caricatural, que o neurtico no pode disso nem fazer idia, pois seu horizonte todo inteiramente limitado pela verso flica de sua fantasia, por seu horror ao no-todo. Mesmo se as mulheres, como fazendo apelo ao sexo, lhe faam entrar na via sexual genital, sempre para ele uma tentativa de complementar sua satisfao insuficiente. Uma tentativa fadada ao fracasso, certamente: ele no far jamais um todo pela conjuno de sua fantasia e a de sua parceira, e isso porque o gozo do corpo do Outro no signo do amor. Donde a proposio que a frmula no h relao sexual passvel de ser inscrita como tal concerne, de fato, ao final da anlise. O neurtico acredita na relao sexual, para o Outro. necessrio para ele ento tomar a medida da facticidade de sua fantasia, haver tomado a medida de seu horror de saber, horror de saber a inexistncia do Outro, para poder levar em conta o no-todo que sempre opera em sua sexualidade, mas velado pelo sentido flico. Somente assim pode aparecer uma realidade sexual que no realce no-toda ao inconsciente. De onde, me parece, o ttulo do nosso encontro: as realidades sexuais E o inconsciente, e no as realidades sexuais DO inconsciente. Concretamente, que quer dizer isso? Lacan dizia que ao fim de uma anlise obtm-se que cada um possa transar de maneira um pouco mais
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conveniente com a sua cada uma. Isso quer dizer que cada um sabendo sobre o impossvel encontro de Um com o Outro no se preocupe mais do que em se arranjar com o sexual como lhe convm, saldo cnico ou, ao contrrio, um encontro outro torna-se possvel, no de Um com o Outro, mas de Um com Um outro como corpo? Um encontro que dizemos contingente.
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Esta interveno foi provocada pelo ttulo do nosso Encontro, precisamente pela expresso realidades sexuais, que pluraliza um termo introduzido por Lacan no Seminrio 11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanlise. Como se sabe, Lacan o retomou por algum tempo, sempre no singular, mas sem, finalmente, estabelec-lo de forma conclusiva em nvel de doutrina. Algo me pareceu falhar neste uso da expresso no plural, e me parece colocar problemas de coerncia em relao lgica de toda a pesquisa de Lacan na psicanlise; friso bem, a lgica porque ela parece amarrar de forma solidria o uso, muito particular, que Lacan faz do Um na psicanlise, com a questo da diferena nas suas encarnaes sexuais, tambm. Alis, a primeira vez que no nosso crculo experimenta-se pluralizar o termo realidade, que importante para nos orientar, seja nas operaes especficas da prtica analtica, seja no seu dever em nosso mundo1, portanto, nas relaes/no relaes que a psicanlise tem com a realidade poltico-social dos outros discursos. Tenho a impresso de que a solicitao para esta pluralizao da realidade mesma, da realidade organizada pelos discursos dominantes, que pressionaria a psicanlise a se mostrar apta e adequada para a interpretao das supostas novas formas de realidades subjetivas. A pluralizao, a concepo plural de realidades sexuais apresentar-seia como a conseqncia natural da queda de uma norma social nica que teria interpretado as questes sexuais nos laos sociais; ou seja, como conseqncia da
LACAN, J. Ata da fundao. In: Outros Escritos, Paris: Seuil, 2001, p. 230.
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introduo de um ponto de suspeio nas (mais ou menos falsas) evidncias ligadas a esta norma e, por conseguinte, do abandono dessa evidncia para admitir muitas outras evidncias diferentes, em seu lugar as famosas realidades.. Realidades que parecem querer se afirmar poderamos supor do mesmo modo e com um fim anlogo aos modelos que verificaram as diversas geometrias no-euclidianas: tornar constatvel e imaginvel a no necessria coerncia, a independncia recproca de certos postulados que fariam norma na realidade do espao geomtrico ou social. Ora, seja que eu considere como suspeita uma solicitao psicanlise a ser mais ela mesma, que lhe vem da parte de discursos que por ela mais nutrem uma antipatia; seja que se conhea mais de uma situao em que a anlise se extraviou para se adaptar a uma dita realidade de poca e do lugar (classicamente, os Estados Unidos, por exemplo); seja ainda que se conhea situaes em que ela foi praticamente impedida (na Europa central e na Europa do leste, por exemplo), em relao a todos esses casos, parece-me til colocar em questo nosso ttulo. Mais ainda pelo fato de ele no pluralizar o inconsciente, seria legtimo, se a frase do Seminrio 11 que introduz essa expresso fala da colocao em ato da realidade do inconsciente?
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por um lado, no horizonte em que encontramos o enodamento da Psicanlise em inteno com aquela em extenso, e por outro, por tocar o terreno impossvel no qual a interpretao que a anlise faz da realidade sexual torna-se tambm interpretao dos outros discursos em que o sujeito est implicado, e que fazem a realidade para ele: para o sujeito em formao analtica, em particular. Ora, nesse terreno, parece-me que a atualidade apresenta-nos provocaes que no podem ser reduzidas, mesmo se Lacan as havia previsto, em boa parte ao menos.
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LACAN, J. O seminrio, livro 11: Os conceitos fundamentais da psicanlise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988, p. 167.
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Dois pequenos exemplos tocaram-me bastante: um fato que vem da realidade poltico/miditica, e outro que emergiu no interior do movimento psicanaltico lacaniano. O primeiro: leu-se na imprensa propostas, desenvolvidas na Espanha, de se atribuir os direitos do homem aos grandes macacos: surpreendeu-me que, aparentemente, ningum objetasse que, talvez, antes de concedermos esses direitos, devssemos considerar que os grandes macacos poderiam se colocar na fila com os outros sem documentos, pretendentes ao direito de cidados, que poderamos esperar que os grandes macacos nos pedissem por eles mesmos para que lhes reconhecssemos esse direito, em vez de faz-lo em seu lugar: com uma generosidade que, necessrio dizer, sadiana, tendo em vista um direito de cidado sadiano, e que mostra como funciona hoje em dia toda a maquinaria moedora de carne dos direitos. Com efeito, se pensarmos como formulada em Kant com Sade a mxima do direito ao gozo: Eu tenho o direito, pode me dizer qualquer um, de gozar de teu corpo etc., percebe-se imediatamente que no o sujeito o titular dos direitos ditos subjetivos, mas o Outro, como o prprio Lacan nos faz entender, pois eles s podem ser validados por algum que se apresente na posio de Outro. Evoco isso a propsito das realidades sexuais porque se compreende facilmente que se uma sociedade pode instalar na realidade tal ignorncia, ou desmentido, ou denegao da diferena radical, a que o Logos traz para o mundo dos falantes3 ento, ocupar-se da diferena sexual dos homens e mulheres, e das diversas realidades que da decorrem, corre-se o risco de parecer risvel ou destitudo de toda significao. verdade que, de fato, em relao aos grandes macacos h o mito freudiano do pai da horda. Mas Lacan pde falar de se prescindir do pai e
3 LACAN, J. A psicanlise em suas relaes com a realidade, In: Outros escritos . Op. Cit., p.358.
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zombar do mito freudiano do pai Orango4, porque o perorante otango no deixava de ser um perorador, ele suportava um dizer, e porque se quis sufocar, matar esse dizer, que teria sido instalado como fundamento do lao social. Mas podemos imaginar o que restaria da problemtica sexual se abrssemos mo do Logos e de sua diferena? A mulher, por exemplo, com seu gozo, seria ela uma prorante outangue que se teria feito cessar de perorar, pois que a teriam arrancado do dizer? O segundo fato que me tocou foi quando Jacques Alain-Miller perorou na Causa Freudiana sobre a legalizao da vida comum para os homossexuais, que ele dizia estar fundada na doutrina, porque a clnica testemunha muitas vezes a autenticidade dessas relaes. Cada um pode evidentemente ter uma opinio sobre isso, mas pareceu-me um pouco arriscada esta manifestao pblica como analista e em nome da psicanlise que a isso daria testemunho de autenticidade. Isso no me pareceu suficientemente fundamentado, exatamente como se tivesse sustentado junto mdia posies mais tradicionais; e alm do mais, creio que as idias que esto na moda podem funcionar como preconceito para o analista da maneira a mais insidiosa, at mesmo porque se tornam simples constataes de uma realidade self evident. Somos todos analistas bastante avanados na interpretao da realidade jurdico-poltica para saber operar nela de modo a favorecer nosso discurso, sem darmos em colaboracionismos com efeito contrrio? Voltemos nossa pluralizao da realidade sexual. Com efeito, poderamos ser tentados pela idia que podemos pluraliz-la assim como Lacan pluralizou o Nome-do-Pai, e no mesmo veio. Mas, preciso observar, em linha geral, que Lacan no foi especialmente pluralizador: ao contrrio, parece-me que foi um singularizador metdico das noes e que buscou transcrev-las
4 LACAN, J. O aturdito. In: Outros escritos. Op. Cit., p.458. Pre Orang um jogo de palavras que Lacan faz com Pai Orangotango o pai da horda e que Binasco ir decompor neste pargrafo do prorant outang perorando-o-[go]tango, expresso que remete ao discursar , at o prorante outangue oradora utanga expresso com a qual denota a mulher falaladora.
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logicamente como funes. E fez o mesmo quanto ao Nome-do-Pai, justamente porque se tratava de um nome: pluralizando o Nome, ele ao mesmo tempo singularizou a funo paterna que o Nome preenchia, com a sua causalidade prpria. Pensemos nas noes estruturais de Lacan, a noo de demanda, de desejo, de fantasma fundamental, do objeto a tambm, com suas quatro substncias qualificadas como episdicas etc: parecem-me todas noes singularizadas em funes. E, sobretudo Lacan nunca pluralizou a psicanlise, ou a realidade do movimento psicanaltico, sua situao de disperso terica e prtica, teria bem permitido. Ao contrrio, fez um apelo ao nome de Freud para legitimar a unidade de seu campo sem renunciar at o fim: pensemos na noo e na frmula do discurso do analista. E tambm no pluralizou o real e seu campo, afirmando que para ns no poderia emergir como um todo, mas somente como fragmentos. E na atualidade, como no se lembrar que a psicanlise se coloca face s psicoterapias com a sua especificidade? Esta palavra campo (freudiano, do real, da realidade, lacaniano etc.) parece-me que, empregada por Lacan, representa justamente seu esforo para situar as coisas a partir da lgica de uma estrutura, quaisquer que sejam as particularidades desta: uma estrutura de trana (os ns), trinitria (R.S.I.), mas que d lugar a Um campo de operaes. Este Um no nem um mandamento, um , nem um Um inclusivo, mas um Um que recebe a sua roupagem do dois, e do trs tambm, do campo lgico e real, ao mesmo tempo em que se engendra na excluso. Ora, parece-me que o percurso de Lacan foi de enodar de maneira cada vez mais pensada e pensante, por meio do uso do Um, a questo da realidade e do real, com a questo do sexo e do discurso analtico.
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Percebe-se isto se for feita a leitura da introduo dessa expresso realidade sexual como uma etapa na elaborao de Lacan de sua noo de real, com a implicao essencial do que sexual, na forma de uma relao impossvel dos sexos. Com efeito, quando o introduz no Seminrio 11 com a frmula a transferncia a colocao em ato da realidade do inconsciente... a realidade sexual, pode-se dizer que Lacan j se interessa pelo real, do inconsciente, e tambm pela anlise, pois a transferncia que sua colocao em ato, que a faz passar realidade um fato crucial na operao analtica. Ele coloca em evidncia ao mesmo tempo que o carter essencial dessa realidade uma falta que ou simblica, ou real (uma falha simblica vem recobrir a falha real5 e essa falta real o que caracteriza a sexualidade corporal). O inconsciente, diz no incio do Seminrio, da ordem do no realizado; da libido necessrio falar como de um rgo irreal ou do irreal: poderamos ousar dizer, rgo do que h de irreal na realidade enquanto sexual, ou rgo do irreal necessrio realidade para ela ser sexual. Ento, nesse contexto, Lacan j liga, numa comunidade de estrutura, inconsciente como conjunto de efeitos da fala sobre o sujeito e a realidade sexual, enquanto marcada por essa falta, esse furo, esse irreal, de uma maneira que, ao final, no h como no pensar no que ir chamar, em Mais, ainda, a hiptese lacaniana6. E este irreal to essencial realidade humana encontra-se colocado, parece-me, no lugar que chamar, justamente, o real, porque esse irreal no indica somente um menos de real, mas tambm, diria eu, um hiper real, cuja forma negativa irreal parece j traduzir a parte do real que Lacan articular alguns anos depois como o impossvel.
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LACAN, J. O seminrio, livro 11. Os quatro conceitos fundamentais da psicanlise. Op. Cit., p.229. LACAN, J. O seminrio, livro 20: Mais, ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1982, p.179.
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De certa forma, ento, o Seminrio 11 tambm antecipa a noo de discurso pois, na transferncia ser decisiva a colocao em ato desse irreal e, portanto, desse impossvel. Talvez esteja fazendo uma pequena forao, mas para fazer sentir que essa noo de realidade sexual e, portanto, de toda realidade se justifica estritamente em relao ao que advir da noo de real como impossvel e, impossvel sexual, especificamente. Ora, um irreal ou um impossvel so, justamente, impossveis de pluralizar e se eles constituem o essencial do campo da realidade, eles constituem o que nela tambm resistiria a toda e qualquer pluralizao. Notemos que Lacan, que inventou a noo de formaes do inconsciente, no plural, de forma alguma pluraliza o que quer que seja do sexual e do real. Ento, se as formaes do inconsciente so mltiplas, o real que nelas est em jogo rigorosamente singular: no h formaes sexuais, por exemplo, em relao s quais as realidades sexuais poderiam ser anlogas. Em sua conferncia A psicanlise em suas relaes com a realidade, Lacan faz afirmaes explcitas que tm todo seu peso tendo em vista nosso sujeito. Vale a pena citar todo o seu pargrafo inicial: por impressionante que isto possa parecer, eu diria que a psicanlise, enquanto prtica que se abre como campo experincia, a realidade. A realidade est a como absolutamente unvoca, isto que em nossos dias nico: do ponto de vista pelo qual a petrificam os outros discursos. Porque pelos outros discursos que o real emerge... retenhamos que ele afirma que, para o psicanalista, os outros discursos fazem parte da realidade 7. Esta uma afirmao estupefaciente, no entanto, lgica. Reencontramos aqui o termo campo: a psicanlise um campo aberto experincia pelo procedimento freudiano e, esse campo a psicanlise a realidade. Evidentemente que no se pode dizer isso aos outros discursos, pois se corre o
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LACAN, J. Da psicanlise nas suas relaes com a realidade, In: Outros escritos. Op. cit.
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risco de ser preso. Mas esta no uma afirmao delirante: a psicanlise a realidade porque ela mesma que abre este campo no qual qualquer outro discurso que vier fazer parte da realidade para o sujeito do processo analtico se prestar interpretao, ser colocado em questo justamente em nome do que falta a essa realidade, a ttulo de irreal, ou seja, de impossvel. Ora, parece-me que nestes anos, tambm h uma mudana em Lacan quanto noo de falta: a falta no seria mais somente simblica, porque ser impossvel tambm uma forma de faltar, se quisermos, de hiper-faltar, mas ao mesmo tempo, de ser real. Pode-se retomar esta temtica, creio, em sua afirmao: Nada mais compacto que uma falha8. Nesta conferncia impressionante em que j encontramos os termos real e discurso e s se est em 1967! Lacan afirma com todas as letras, seja a univocidade da realidade para o discurso analtico, seja que esta univocidade , ela mesma, nica, um privilgio singular do discurso analtico em relao aos outros discursos: somente para os analistas que os outros discursos fazem parte da realidade. Ento, por diversas que elas sejam, as realidades segundo os outros discursos, para o discurso analtico, sob forma unvoca, elas fazem parte da mesma realidade. O real tambm dito de modo unvoco, mesmo emergindo de outros discursos h o privilgio do discurso analtico: fazer aparecer o real em torno do qual os discursos giram e a univocidade desse real, para alm da realidade sexual, do real do sexo para o ser falante, a univocidade de um dizer da impossibilidade do sexo como relao para esse ser. esta a temtica que Lacan ir martelar ao longo dos anos 1970, em Radiofonia, O aturdito, o Seminrio 20, a Nota italiana, e em quase todas as suas intervenes. A impossibilidade da relao sexual condiciona o gozo do ser falante, e d a sua unidade particular a toda questo sobre o sexo. Mas a partir, certamente, do discurso analtico.
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LACAN, J. Le Sminaire, livre X:. Encore. Paris: Seuil, collection Points, p. 16.
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Lacan, em Mais, ainda, reitera e no desmente a sua conferncia de 1967, quando fala, cito, do que se cobre, do que faz obstculo suposta relao sexual. Somente suposta, pois anuncio que o discurso analtico se sustenta somente do enunciado de que no h, que impossvel propor a relao sexual. nisso que avanou o discurso analtico, a partir disso que ele determina qual realmente o estatuto de todos os outros discursos9. Tambm aqui h privilgio do discurso analtico: o analista o nico a passear na realidade no meio dos outros discursos apoiado sobre esse bizarro real, suposto impossvel, do qual nenhum outro discurso pode ter noo. E ele no pode escond-lo em seu bolso em sua aproximao das realidades, pois sua funo determinar realmente o estatuto de todos os outros discursos. real, e ao mesmo tempo hiptese: pode-se compreender que da resultem problemas. Resta que essa forma de unicidade do discurso analtico implica no suposto fato de estrutura do falasser, isto, que, na lgica da hiptese lacaniana, liga a sexualidade ao real e a duas modalidades sexuais impedindo ao mesmo tempo que se dissolva na diversidade e na confuso do simblico, ou de se decompor na pluralizao, se no dos sexos ao menos dos gneros, genders, pretendendo cada um a sua autonomia individual de realidade sexual, e demandando a sua legitimao e, diria eu, a sua naturalizao realidade poltico social. Cita-se frequentemente a frase de Radiofonia que diz que o analista no tem que tomar partido nisto, mas constatar
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dificuldade do contexto e pela minha insuficiente sensibilidade lngua francesa (pensei somente que poderia ter escrito Parti, com P maisculo, sem sair de sua argumentao). Mas, de todo modo, uma constatao tem relao com a realidade, e uma constatao da parte do analista no pode ignorar que a psicanlise a
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realidade. Esta constatao s pode ser solidria deste fato, deste privilgio do discurso analtico. Uma constatao muito especial: ser que constatamos o gozo? Constatase um dizer? Se no, em ltimo grau, no campo da realidade que a psicanlise? Assinalo de passagem o quanto tudo hoje deve ser de fato: realidade de fato, ligao de fato, casal de fato etc. Como se, se no se fosse de fato, ningum pudesse lhe dar comeo, por um ato ento, ou reconhecer que h ato no que est l de fato. Se o discurso analtico no se sustenta seno do enunciado de que impossvel propor a relao sexual11, ele interrogar e interpretar toda realidade sexual a partir do nico ponto estrutural da impossibilidade da relao dos sexos, o que faz do sujeito sexuado um exilado e de toda realizao sexual um sintoma. Mas, isto traz problemas. De fato, diz Lacan, ningum jamais demonstrou este enunciado sobre o qual o discurso analtico se sustenta unicamente. Ento o discurso que interpreta os outros discursos, que determina seus estatutos, funda-se sobre um enunciado no demonstrado! Certo, para o analista uma constatao de que nada pode dizer a relao sexual, que no h, no dizer, a existncia da relao sexual. Lacan assinala o problema: Mas, o que quer dizer neg-la? Ser legtimo de algum modo substituir uma negao pela apreenso experimentada da inexistncia? legtimo de algum modo substituir uma negao pela apreenso constatada da inexistncia? A est tambm uma questo que, de minha parte, s abro12. E eu, pessoalmente, no saberia dizer se ele a resolveu. Vem tambm da uma indicao de tarefa para o analista, demonstrar a impossibilidade da relao sexual. Isto est dito na Nota italiana, onde faz dela a tarefa essencial do analista: [...] um objetivo pelo qual a psicanlise ser igual cincia: a saber, demonstrar que esta relao impossvel de se escrever, isto ,
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Ibidem. LACAN, J. O seminrio, livro 20: mais, ainda. Op. Cit., p.183.
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que nisto que ela no afirmvel nem tampouco refutvel: a ttulo da verdade 13. Tarefa importante, porque acedendo ao real este saber o determina to bem quanto o saber da cincia. Mas, tambm, porque isto lhe abre o campo da contingncia. Sabe-se que para sustentar essa elaborao sobre o real da no relao sexual, Lacan precisou redefinir o real em termos de categorias modais e afirmar o papel chave da escrita. O real, contrariamente a toda a tradio filosfica, ali definido como impossvel, opondo-se ao necessrio e no mais ao possvel, e todos sero traduzidos em termos de escrita: o real se tornar o que no cessa de no se escrever, oposto ao necessrio, o que no cessa de se escrever; e o contingente ser o que cessa de no se escrever e o possvel, o que cessa de se escrever. Por que fatig-los com coisas to conhecidas? Porque sobre esse plano se encontra uma razo muito grande de confronto entre o discurso analtico e os outros discursos que fazem parte da realidade sexual ou no a determinam. O real como impossvel marca a extraterritorialidade forada, seno o exlio do discurso analtico da cena poltica, poltica da vida, do corpo e do sexo, que no est tornando sua vida mais fcil, no nos acalentemos em iluses progressistas, fiando-nos em algum flutuador universal de nosso discurso. Bem vi realidades sociais praticamente impedir a psicanlise de viver, e no penso s nos casos limites dos campos de concentrao, belo exemplo da cincia como ideologia da supresso do sujeito. Creio que alguma coisa de sua lgica retorna hoje sob a forma, ou formato da ideologia multiculturalista que marca a impotncia europia em afirmar e proteger sua vida, o que cessa de no se escrever. Para dizer tudo, escutar a expresso as realidades sexuais faz-me pensar na iluso de uma espcie de multiculturalismo sexual. Considero impressionante notar a que ponto ao menos me parece mquina dos outros discursos polticos e universitrios, por exemplo
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funcionam metodicamente hoje para reconduzir toda formao humana ao possvel. Mas, o possvel, como o gnio de Lacan mostrou, o que cessa de se escrever. Ento reconduzir ao possvel significa fazer cessar de se escrever toda formao humana (o termo de Lacan), toda forma de lao de vida subjetiva que se autoriza de uma diferena, de um hteros, seja no nvel do corpo, ou do sexo, do grupo, ou do ato. Tudo se torna possvel quando tudo pode cessar de se escrever; e uma vez cessado, no ser mais o mesmo discurso que fez cessar que poder fazer recomear qualquer coisa, portanto, fazer cessar alguma coisa de no se escrever, o que a frmula do contingente; mas, as formas do contingente o encontro, o acontecimento, o ato que autoriza so negados pela ideologia da supresso do sujeito, que age com rigor, com sua carga de obscurantismo e de supersties cientficas, contra aquele que devolveu a cincia falsa religio. As formas do contingente so ignoradas e, se possvel, deslegitimadas pelo uso do pensamento nico que se vale do direito penal para fazer reinar a impotncia. Por exemplo, introduz-se o delito da homofobia, inquietante monstruosidade totalitria, ou se quer perseguir em justia os analistas que aceitarem pacientes homossexuais interessados em dar relevo questo que a homossexualidade lhes coloca e transform-los em analisantes srios. Estes so sinais muito claros de que a realidade dos discursos leva a uma intensificao do conflito direto com o discurso analtico que se pretende atacar com toda sorte de solventes. Seria necessrio retomar seriamente o que Colette Soler prope em seu belssimo texto sobre o campo lacaniano. Que poder isto significar, seno o pretenso reconhecimento da especificidade da psicanlise no interior dos sistemas formativos e profissionais? A de uma entre outras realidades teraputicas, ou aquela que coloca em exerccio a competncia original do sujeito em seu ato?
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DE FREUD A LACAN
A escolha do sexo
Antonio Quinet
Proponho-me neste trabalho extrair as grandes diretrizes da psicanlise que norteiam a escolha do sexo no ser humano que, por ter como habitat a linguagem, tem sua sexualidade desnaturalizada por estrutura. A sexualidade do falante no tem objetivo algum, a no ser o mal-entendido que emerge em seu lugar como efeito. L onde estava o objetivo do sexo advm o efeito do malentendido. L onde estaria uma promessa de encontro sexual advm a falta que retroage mutilando o ser do sexo complementar. A mutilao sangrenta do sexo, que Freud chamou nada menos do que de castrao, respinga em todos os momentos da histria do sujeito desde a infncia at a velhice tingindo de prpura como o manto que Clitemnestra estende a Agamenon seus encontros erticos, tingidos assim pela transitoriedade e pela insegurana de quem nada tem de certeiro a no ser a mutilao originria do outro que faz da vida um caminhar trgico entre duas mortes. Esse caminhar tem um nome: desejo. O tema da escolha foi introduzido muito cedo na psicanlise, por Freud, com a expresso a escolha da neurose e mais tarde com o conceito de escolha de objeto sexual. Seja no caso da escolha da orientao subjetiva, quanto no caso da escolha do parceiro sexual, trata-se de uma escolha em relao ao gozo, ou seja, de como o sujeito se situa em relao ao gozo. Lacan, ao retomar esse termo nas operaes de causao do sujeito com o conceito paradoxal de escolha forada, nos indica que para a psicanlise no h sujeito sem escolha, mesmo sendo este subvertido pela atividade do objeto mais-de-gozar. A escolha do sexo deve ser entendida em seu duplo aspecto: escolha da posio sexuada dentro da partilha dos sexos e escolha de objeto sexual, que a tradio religiosa da pletora do sentido e a cientfica da esfera como referncia do mundo confundem fazendo crer que cada qual uma meia esfera procura da
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esfera-metade. Se um apela para a reproduo como objetivo do sexo, o outro apela para a anatomia como destino tanto da posio sexuada quanto da escolha de objeto sexual. Tudo o que sai desse esquema anomalia, acrasia, de acordo com Aristteles. S que tudo o que sai desse esquema a prpria sexualidade como h cem anos demonstrou Freud com seus Trs ensaios sobre a teoria da sexualidade1. Sim, verdade que Freud escreveu que a anatomia o destino. No entanto, toda sua obra, por ter sido construda a partir do que aprendeu com seus pacientes, rejeita essa assero que no se constitui como tese. Ele nos mostrou em diversos casos no s que a posio sexuada no respeita a anatomia como esta no define a escolha de objeto. o caso da jovem homossexual cuja posio feminina no a impede escolha de sua dama; a escolha de objeto de Dora, a senhora K, no a retira de sua posio desejante em relao ao pai; o caso do homem dos lobos cuja posio feminina no o impede de se fixar num traseiro de mulher agachada e os casos descritos em Bate-se uma criana nos quais a posio feminina do homem no pr-julga uma escolha de objeto homossexual. E muitos outros ao longo da obra freudiana. A escolha de objeto em Freud traz a marca do conflito. Essa escolha efetuada em dois tempos. Num primeiro tempo o objeto sempre incestuoso, o objeto que se perde essa perda uma escolha forada para se entrar na sexualidade. Num segundo tempo, a escolha do objeto definitivo que sempre substitutivo e por isso mesmo sempre insatisfatrio, pois marcado pela nostalgia do primeiro. Esse definitivo paradoxal, pois ele entra, segundo Freud, na srie infinita de objetos substitutivos. O sujeito no contrai um casamento com o objeto. O casamento como instituio o oposto das descobertas de Freud sobre as escolhas no sexo. O primeiro conflito presente na escolha de objeto , portanto, o conflito entre o objeto atual e o originrio, mtico, fundante. A este se soma outro conflito: o objeto escolhido pelo desejo traz a marca do objeto perdido, no caso a
FREUD, S. Trs ensaios sobre a sexualidade (1905). In: Obras Completa. Vol. III. Rio de Janeiro: Imago, 1980.
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me, ou seja, um objeto marcado como propriedade de outro, caracterstica que se manifesta no cime, mais do que tempero, substncia do amor, e tambm como condio da vida ertica, pois na escolha o tringulo amoroso no exceo e sim condio. Verificamos que no texto de Freud Um certo tipo de escolha de objeto no homem todos os tipos de escolha so vinculados triangulao edipiana, ao objeto proibido e ao terceiro lesado. Como diz a vulgata, homem sente cheiro de homem para agalmatizar uma mulher o resultado o desejo, que sempre de possesso, e o cime que a marca da despossesso estrutural do objeto. Por outro lado, o conflito da escolha pode repercutir na escolha no de mais de um objeto, pois se a srie infinita isso no significa que o sujeito tenha que abandonar um objeto para se interessar, ou seja, escolher um outro. A srie no forosamente uma srie de sucesso, pode ser simultnea. Vide o homem dos ratos que assim como seu pai, no sem conflito, tem dois objetos sexuais que no se excluem. Como se escolhe o objeto? H dois registros da escolha do objeto sexual: o simblico determinado e o real do acaso. A partir de Lacan podemos dizer que a escolha do parceiro de gozo dirigida por elementos preferenciais2, ou seja, traos significantes que vem do Outro. Esses traos, podemos variar, mas eles so em nmeros limitados, traos que so retirados do Outro como lugar do significante. Esses traos simblicos daro os atributos do objeto sexual: eles so determinados, inscritos no Inconsciente. So na verdade traos do Outro que podem ser traos do pai, me, av, av etc. Trata-se da escolha de um objeto simblico arbitrariamente investido dos mesmos valores afetivos do objeto inicial, e isso vai lhe permitir no se ver privado de relaes objetais3. A escolha simblica de objeto uma forma, portanto, de no perder o objeto. Na verdade, ningum quer perder objeto nenhum. Essa escolha um compromisso entre o que
LACAN, J. (1953-1954). O Seminrio, livro 1: os escritos tcnicos de Freud. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1979, p. 327. 3 LACAN, J. (1956-1957) O Seminrio, livro 4: a relao do objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995, p. 19.
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est por se atingir e o que no pode ser atingido4. Ao lado do determinado h o indeterminado que caracteriza o lugar de A Coisa, La Chose, aquilo que escapa ao julgamento, ou seja, a qualquer atributo; podemos vincul-la ao encontro, portanto, a tykh. Quanto presena do dipo na determinao da escolha de objeto descrita por Freud, Lacan insiste no carter do ou da distino presente na escolha ou isto ou aquilo que se d em torno da posio em relao ao falo: escolha entre no s-lo ou, se ele o , no t-lo. E nesse jogo, diz Lacan, que o neurtico experimenta a aproximao de seu desejo como uma ameaa de perda5. Lacan introduz aqui no a escolha de um objeto sexual, mas a escolha da posio de ser um objeto. Quando a escolha remetida ao ser, trata-se de ser o qu? Ser o objeto que falta ao Outro, que pode tampar o furo do Outro, completando-o e em relao ao qual o sujeito lana a questo: Pode ele me perder? A partir de Lacan, com as frmulas da sexuao, podemos avanar a idia de que se escolha a posio na partilha dos sexos. A escolha da posio sexuada no feita pela anatomia ser homem ou mulher uma escolha. Ser que uma escolha forada? Trata-se de uma escolha definitiva e assegurada? Ser que h alguma garantia definitiva nessa escolha? Vejamos os dois lados que prope Lacan no Seminrio Encore: no lado do homem o todo flico, e o no-todo flico do lado da mulher.
Todo x x x x
No-todo x x x x
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Ibid. p.96. LACAN, J. O Seminrio, livro 6: o desejo e sua interpretao (lio 24, 10/06/59). Indito.
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Os homens. O homem se assegura que homem a partir da apropriao flica6. Isto porque ele tampouco tem o falo e sua angstia de castrao o leva no a temer perd-lo, pois no o tem, mas a arrumar substitutos cuja perda a sim significariam sua castrao. Como ele se assegura ento? Apropriando-se de uma mulher, como um falo falante, s vezes fala tanto que perde sua caracterstica de objeto e a no serve mais. Porm, uma muitas vezes no basta, ele precisa de uma, duas, trs, ou ainda mais. Isso tampouco basta. Parte ento para outras possesses. Ele se apropria de objetos materiais (eis a resposta ao enigma do colecionador para alm do carter obsessivo), de ttulos, de sucesso profissional e de dinheiro. As realizaes flicas lhe asseguram, mas nunca totalmente, sua fora masculina, pois por mais realizao que faa nunca basta (e tem sempre uma histrica para provocar: deixa ver se voc homem!). o falo que lhe garante (e mal) a posio masculina, e no a reduo do Outro sexo a um objeto, pois esse objeto sempre asexuado ( um pedao do corpo, destacvel do corpo e no equivale diferena anatmica dos sexos, na medida em que a vagina no figura como objeto a). Isto significa que no , portanto, a fantasia, ou melhor dizendo, seu lugar de sujeito na fantasia situando a mulher como um objeto que assegura seu lugar de Homem, mas muito mais o falo que deve demonstrar encontrar-se de seu lado. No , portanto, o fato de ter uma mulher como o objeto que assegura o homem da posio masculina, mas o falo que a mulher pode representar. E uma mulher, como pode ela se assegurar de sua posio feminina? No pode ser a partir da referncia flica, pois est do lado do NO-TODO. Ser ento a partir de um parceiro.
SOLER, C. O que Lacan dizia das mulheres. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005, p. 68.
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x x x x $
x x x x S ( %) a
A partir das frmulas da sexuao podemos fazer as seguintes relaes: 1- LaF. a posio ativa da Mulher caa de homem, Diana caadora de falo. Posio pouco segura ao sabor da contingncia. 2- S(%) LaF. Abandonando a referncia ao homem e dedicando-se ao Outro gozo, a face escura de Deus como mstica. 3- $ a. A mais comum: sendo eleita uma mulher por um homem, ao ser eleita como o objeto por um homem. O grande problema que a posio de objeto implica sempre a possibilidade de queda do objeto. Concluso: A escolha da posio sexuada no garantida. O prprio Freud contradiz seu aforisma a anatomia o destino, pois o complexo de dipo completo, desenvolvido nos anos 1920, demonstra na estrutura a possibilidade da existncia de homens femininos e mulheres viris, independentemente da escolha de objeto sexual. Com Lacan, podemos dizer que de nossa posio como seres sexuados somos sempre responsveis, pois escolhemos onde nos situamos na partilha dos sexos: do lado do todo flico ou do lado do notodo flico onde, preferencialmente sem que isto seja uma regra, se encontram repartidos os homens de um lado e as mulheres do outro.
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Como as frmulas da sexuao nos podem responder ao tema de nosso Encontro Internacional As realidades sexuais e o Inconsciente? Isso nos remete psicanlise como Escola do Sexo. O ttulo do meu trabalho ganhou uma outra dimenso a partir de um erro de traduo: a Escolha virou Escola. O que era A escolha do sexo virou Na Escola do sexo, como foi anunciado. Esse erro translingstico nos aponta uma verdade: l onde h Escola, h escolha. De qu? De orientao, certamente. Essa orientao quando lacaniana e, portanto, freudiana, colocou a sexualidade em seu cerne. Por que no chamar a Escola de Psicanlise de a Escola do Sexo? A Escola do sexo a cama, onde se faz amor ou o div onde o amor de transferncia permite o desenvolvimento das vicissitudes do gozo no desfile dos significantes? De que escolha e de que sexo se trata? O que significa pertencer a um sexo? O que ser homem? O que ser mulher? No s parece que no h uma resposta unvoca para essas questes, mas parece que tampouco existe uma resposta que traga uma segurana absoluta e garantida para sempre. Nem o dipo, nem os modelos sociais, alis, cada vez mais diversificados so aptos a corrigir a desnaturao do sexo promovida pela linguagem. O descompasso entre o sexo do estado civil e o sexo ergeno permite que se fale de escolha. Para-alm da anatomia, a escolha entre o todo flico e o no-todo flico uma escolha forada. A nica escolha forada da qual estamos seguros a escolha da perda de objeto para se entrar na sexualidade e a castrao para se entrar na partilha dos sexos. A escolha sexual tambm uma escolha de gozo: gozo flico, o Outro gozo. De acordo com as frmulas da sexuao de Lacan o pertencimento a um lado da partilha de sexos se define de acordo com a modalidade de gozo. Como situar as homossexualidades a partir das frmulas da sexuao? Nada impede que um homem se inscrevendo do lado do todo flico tenha uma escolha de objeto homossexual ou heterossexual, assim como tambm se
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inscrevem desse lado as mulheres histricas que tambm podem ser htero ou homossexuais. Um homem inscrevendo-se do lado do No-todo pode escolher seu parceiro do lado do Todo flico, a partir do significante flico encontrado nesse corpo do outro. Posio que o faz feminizar-se, como aparece na caricatura do gay afeminado. Como pode tambm ao se inscrever do lado do Todo flico como sujeito desejante e, portanto, viril e escolher seu parceiro reduzindo-o ao objeto localizado no Outro lado. A cultura gay acabou tipificando e caricaturando essa posio na exagerao dos caracteres viris at os chamados Barbies. Da mesma forma o homossexualismo feminino. Ela pode situar-se no lado do Todo flico e eleger sua companheira como objeto sexual a caricatura dessa posio o sapato, a mulher virilizada. Mas podemos pensar que essa posio reproduz o par me/filha. Pode tambm situar-se do lado do No-todo e buscar o falo do lado do Todo flico so as mulheres que procuram a proteo da outra mulher como se busca um pai ou a me flica figuras do Outro que tem o falo. So as mulheres que, como a jovem homossexual, diz Freud, concentram nessa escolha as tendncias homossexuais e heterossexuais. Podemos pensar tambm nas mulheres que procuram na outra mulher o Outro gozo FS(%) dentro de uma relao que no propriamente sexual no sentido do emptico ertico de corpos, pois o falo no se encontra presente. a uma relao fora-do-sexo. Como vemos em todos esses casos, para haver sexualidade entre homem/mulher, ou dois homens ou duas mulheres, preciso haver esse elemento htero que a relao entre um elemento do Todo flico com um elemento do No-todo flico. A concluso que a verdadeira homossexualidade no existe. A sexualidade do ser falante sempre da ordem do Heteros, para alm da diferena anatmica dos sexos. A heteridade comanda a sexualidade e coloca em circulao o heterotismo. Precisa sempre de dois sexos para que o sexo exista. Eis o que a Escola do sexo da Psicanlise ensina. Lacan nos d diretrizes para se pensar a
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escolha de objeto sexual. Redefine a homossexualidade com uma nova escrita Hommosexualit o amor pelo mesmo, situando-a no mbito do amor narcsico que dispensa o sexo e dizendo que heterossexual aquele que ama as mulheres no importando qual seja seu sexo. Por outro lado o sujeito desejante, independente do sexo, est sempre na posio do Todo flico, ou seja, s se deseja como homem. O que outra forma de reafirmar com Freud que a libido masculina. Mais alm da escolha sexual, a experincia analtica nos leva a questionar uma suposta fixidez em uma posio ou outra das frmulas da sexuao. A anlise leva o sujeito a se defrontar com o no-todo, o inefvel, o notodo da linguagem tanto na sua modalidade de objeto mais-de-gozar (a) quanto na sua modalidade de falta de significante no Outro levando portanto o sujeito da fala ao sujeito do inefvel, l onde at mesmo se duvida se h sujeito, pois estvamos no mbito do gozo. Assim, as frmulas da sexuao nos permitem pensar que a anlise possibilita o sujeito seja mulher ou homem a ultrapassagem do todoflico restando, a saber, se o analisante vai ou no escolher participar do no-todo, ou seja, escolher a posio de analista e sua afinidade com a posio feminina.
Referncias Bibliogrficas FREUD, S. (1905). Trs ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: Obras Completas. Vol. III. Rio de Janeiro: Imago, 1980. LACAN, J. (1953-1954). O Seminrio, livro 1: os escritos tcnicos de Freud. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1979. ______.(1956-1957). O Seminrio, livro 4: a relao do objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995. ______. O Seminrio, livro 6: o desejo e sua interpretao (lio 24, 10/06/59). Indito. SOLER, C. O que Lacan dizia das mulheres. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.
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Um homem no outra coisa que um significante. Uma mulher encontra um homem a ttulo de um significante. J. Lacan, Mais ainda, Seminrio XX
Em seu escrito Diretrizes para um congresso sobre a sexualidade feminina (1958), Lacan faz uma pontuao sobre as interpretaes existentes sobre a sexualidade feminina na obra dos ps-freudianos. A introduo dos trs registros, Real, Simblico e Imaginrio, lhe permite retornar ao ensino de Freud: () isto , a de que a relao de privao ou de falta-a-ser que simbolizada pelo falo se estabelece, como uma derivao, com base na falta-a-ter gerada por qualquer frustrao particular ou global da demanda ().1 Lacan, no texto contemporneo A significao do falo (1958), considera o falo como um significante privilegiado do ser, um significante do desejo do Outro, isto que lhe d sua () funo ativa na determinao dos efeitos em que o significvel aparece como sofrendo a sua marca, tornando-se, atravs dessa paixo, significado2. no tratamento que Lacan d a este significante mpar como referente (die Bedeutung) que ordena o campo do desejo e da demanda, transformando-se em um valor que determina a posio masculina e a posio feminina. O falo designa, assinala, indica, nomeia e denomina o conjunto dos significados sem operao de metonmia ou metfora. O caminho seguido em seu ensino lhe conduzir s frmulas da sexuao. Lacan no introduz a estrutura em seu ensino como um recurso de retrica, a
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LACAN, J. Diretrizes para um congresso sobre a sexualidade feminina. In: Escrito. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, p.739. 2 LACAN, J. A significao do falo. In: Escritos. Op. cit., p. 695.
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estrutura que o guia nestas dedues. A ruptura que vem a introduzir pelo vis da lgica e da topologia lhe permite separar radicalmente o sexo biolgico e a reproduo da organizao sexuada. Ele vai mais alm do falo, na medida em que este, como significante, desdobra-se para vir a ser o elemento introdutor da diviso do sujeito sem possibilidade de harmonia. O falo passa assim de ratio (em francs no texto) proporcional, como o descobriu Freud, a divisor incomensurvel do desejo. Esta passagem pelo ser e ter do sujeito em funo da demanda do outro, Lacan organiza-a em relao funo flica como valor determinante no conjunto dos seres sexuados.
A passagem lgica e topologia. A discusso atual entre as neurocincias e a psicanlise tem como centro do debate o sujeito do inconsciente. O recurso de Lacan lgica e topologia para escrever o impossvel da relao sexual nos serve para sustentar a especificidade deste sujeito e sua validade, no somente demonstrado pela clnica, mas igualmente pela deduo rigorosa. O sujeito foracludo pelo efeito do discurso da cincia, e a lgica da sexuao o faz existir na relao particular com o no-todo. O amor, a mulher, os diferentes gozos exigem um tratamento que vai mais alm das consideraes e da variedade das histrias sobre o sujeito. As frmulas da sexuao implicam um paradoxo, inscrevendo-se mais alm da biologia, reordenam o campo do sujeito para manter o vigor da sua presena nos discursos. Lacan se mantm no rigor da lgica que se deduz do dito do analisante e de sua queixa. Podemos afirmar que o axioma no existe relao sexual o ncleo dos seus seminrios. Sua aproximao na demonstrao final e suas conseqncias conduzem o leitor a compreender como Lacan vai da escuta da letra funo da letra. Privilegiamos aqui o Seminrio 18: Dum discours qui ne serait pas du semblant e o Seminrio 19: Ou pire (1971/1972) devido aos seus
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desenvolvimentos sobre as noes do falo, da escrita das frmulas da sexuao e da noo de semblante. Como explica Lacan em um desses seminrios3, os trs pontos de suspenso so uma forma da escrita do lugar vazio, que a nica forma de dizer qualquer coisa com a linguagem. Lacan se interroga se o axioma no h relao/proporo sexual implica em uma universalidade e se contradiz a diferena entre os sexos. Diferenciando a existncia de fato e a existncia lgica, afirma que () no ser falante, o sexo no define nenhuma relao.
Problematizao das leituras das frmulas da sexuao. A leitura da lio intitulada Uma carta (lettre) de amor nos colocou muitas questes, quer dizer muitos mal-entendidos, tal como Lacan os anuncia. Por exemplo, se lermos o lado esquerdo do quadro como o que corresponde ao homem e se deste lado, do $ sai uma flecha em direo ao a constituindo a fantasia, isso quer dizer que s os homens tm uma fantasia? Sabemos pela clnica que todo homem tem uma relao com algo que escapa ao sentido flico, isto no nos coloca do lado do outro gozo? Esta leitura nos remete a uma certa inconsistncia, se lermos o quadro como os dois lados que classificam os homens e as mulheres. Em todas as cartas Lacan diz: Em frente, vocs tem a inscrio da parte feminina dos seres falantes. A todo ser falante, tal como se formula expressamente na teoria freudiana, permitido, qualquer que ele seja, quer seja ele ou no possuidor dos atributos masculinos atributos que permanecem a determinar inscrever-se nesta parte. Se a se inscreve, no permitir nenhuma universalidade, ser este notodo, na medida em que tem a escolha de se colocar no x (). Estas so as nicas definies possveis da parte dita homem ou ento mulher para quem se encontra na posio de habitar a linguagem. Quando diz que sejamos ou no
Nota da traduo: no original titres. Optamos por obras ao invs de ttulos, por referir-se aos dois ltimos seminrios citados.
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possuidores dos atributos de masculinidade, demonstra-nos que no se refere ao lado do homem e o lado da mulher em termos anatmicos. No captulo O saber e a verdade, do Seminrio Mais, ainda (19721973), Lacan se interroga sobre a possibilidade daqueles que o escutam poderem testemunhar ter aprendido algo da sua lio anterior, precisamente, aquela onde introduz o quadro das frmulas. Ningum o questiona, no obstante ns o questionaramos sobre o que disse l: quando ele disse a mulher, o faz a partir da diviso anatmica? Qual realmente a diferena? Introduziu um gozo suplementar para estes seres que so desprovidos anatomicamente de pnis? No fazer existir a mulher atravs da via do referido gozo o que estaria em contradio com o enunciado em seu Seminrio anterior, ou pior? Trata-se da mulher anatmica, porque a sua anatomia determinaria um gozo suplementar? O gozo flico refere-se ao corpo? E, qual lugar para frase que sublinhamos anteriormente: que ele seja ou no possuidor dos atributos da masculinidade? E, o que pensar dos homens msticos? Como a privao intervm nisto? A fim de responder estas perguntas, propomos a hiptese que Lacan faz surgir a mulher da ordem imaginria, da diferena dos corpos e a eleva a uma categoria lgica: (lo femme, mulher) nomeando o que escapa quilo que absorvido pelo gozo flico, o que descreve a insero no sentido. Ento, (lo femme, mulher) o nome do que permanece fora. o lado do real. Voltar nosso olhar para as frmulas da sexuao implica considerar que Lacan nos d um texto lgico para decifrar. L, o sentido no to evidente quanto poderamos crer. Por exemplo, quando diz: Embaixo, sob a barra transversal onde se cruza a diviso vertical disso que chamamos impropriamente da humanidade, na medida em que ir se dividir em identificaes sexuais, vocs tm uma identificao escandida disso do qual se trata. Lacan nos previne que o quadro das frmulas da sexuao no um instrumento para dividir a humanidade em dois, com um lado pretensos identificados masculinos, que teriam uma ligao exclusiva com o gozo flico e no teriam acesso ao outro gozo, e de outro lado, os
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pretensos identificados femininos que teriam uma relao simultaneamente com o gozo flico e com o outro gozo, ou gozo feminino. Preferimos acreditar que, por um lado, trata-se da posio masculina e de sua relao exclusiva com o gozo flico, e, por outro lado, da posio feminina e de sua relao com o gozo flico, bem como com o outro gozo. Assim, da mesma maneira que Lacan serve-se de So Joo da Cruz para demonstrar que o outro gozo no exclusividade das fmeas, serve-se tambm de outro mstico, Anglus Silesius, para demonstrar que o sujeito, na posio masculina, tem igualmente uma relao com o outro gozo. Desta forma, demonstra que a questo dos gozos no tem nada a ver com as pretensas identificaes ou posies, mas, antes, que as frmulas do sexuao tentam ir alm de um discurso que no o do semblante. O lado homem e o lado mulher so os dois lugares que ocupam o mito de dipo na obra de Freud, e mais alm do dipo em Lacan. Uma anlise faz o sujeito passar por estes dois lados, para ao final, ter acesso a este lado mulher que descompleta o flico e introduz a impossibilidade da relao sexual, verdadeiro encontro com a castrao. Da mulher que no existe na lgica flica, mulher que falta na ordem imaginria, se situa o deslizamento que encontramos em algumas leituras das frmulas da sexuao. Partimos da afirmao de Lacan segundo a qual, no quadro das frmulas da sexuao, trata-se dos dois lados onde se colocam, por escolha, o homem e a mulher independentemente de sua anatomia. Termina falando da mulher em termos anatmicos, ou de dois lados exclusivos como se fossem tudo. A nossa hiptese que se trata de dois lados do sujeito do inconsciente. Desta maneira, quando falamos do lado mulher, isso no se d em referncia ao conjunto, mas a parte do Um que se descompleta do no-todo.
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Estrutura quadripartite nas frmulas do sexuao. No quadro das frmulas da sexuao, ento, no se tratam de duas metades opostas e exclusivas, mas da relao entre quatro lugares, ou seja, de uma estrutura quadripartite. A possibilidade de fazer copular um lado com o outro em casais anatmicos, homens ou mulheres com pretensas identificaes ou posies sexuais, algo da ordem do retorno sada fantasmtica imaginria face no existncia ou sutura da relao sexual instaurada pela neurose. Apenas se continuarmos na ordem imaginria poderemos falar da relao entre casais, do lugar sintomtico ocupado por uma pretensa mulher, por um homem, ou do lugar fantasmtico ocupado por um pretenso homem, pela mulher. Lacan nos diz em dezoito de maro de 1975, em seu Seminrio R.S.I.: Em todo casal, tudo o que h de casal, reduz-se ao imaginrio. Portanto, importante nos questionarmos quando falamos da mulher, para saber se o fazemos no plano imaginrio da relao fantasmtica, ou se nos referimos parte mulher (lo femme), no plano do real, no importa qual sujeito do inconsciente, macho ou fmea, qualquer que seja a sua pretendida posio identificatria, seja ela masculina ou feminina. As frmulas do sexuao fazem parte de uma srie de esquemas, grafos e figuras topolgicas que compartilham de uma mesma estrutura da qual Lacan, em Kant com Sade, nos previne: Uma estrutura quadripartite, desde o inconsciente, sempre exigvel na construo de uma ordenao subjetiva.4 Trata-se de uma srie de estruturas topolgicas e quadripartites, todas em movimento e utilizadas para diversos fins, umas com as outras, mas estando sempre em relao com o sujeito do inconsciente e uma estrutura intrnseca compartilhada. Em sua ltima lio do O Saber do psicanalista, Lacan introduz uma srie de pontos de dilatao (de bance) entre as quatro frmulas da sexuao: a ex-sistncia, a contradio, o indizvel e a operao que faz a queda (faille) do objeto a. Quatro termos que fazem girar maneira dos quatro discursos, que no impedem a existncia de uma relao a explorar onde se introduz
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simultaneamente em relao escrita, no que cessa ou que no cessa, no que se inscreve ou no se inscreve no sujeito, do necessrio, do contingente e do impossvel. Lacan acrescenta em meio a tudo isso, funciona algo que poderia assemelhar-se a uma circulao. Trata-se ento da relao do sujeito com os quatro elementos que circulam e dessa no escolha rgida no ter que fazer face a um s lado, excluindo assim a relao com o outro lado. Leitura que, como ns j assinalamos, nos coloca muitas questes. As frmulas da sexuao introduzem, alm do mais, uma primeira tentativa de delineao da relao lgica entre os gozos. Em primeiro lugar, o gozo prtico das frmulas masculinas; em segundo lugar, o gozo do outro, quer dizer, o gozo que no necessrio que ele seja, isto , o gozo que no deve existir. Para aquela, a [%] mulher ex-siste, porm barrada. Em terceiro lugar, o outro gozo, o gozo feminino, letra que ravine (em francs no original) o litoral permitindo que o real avance feminizado sobre o simblico. O n borromeano com seus trs registros esclarece ainda mais o sujeito, uma vez que a introduo dos registros permite seguir a pista, de falar da identificao metade homem e metade mulher. uma questo do eu, mas a se articulando o falo linguagem, isso se transforma em uma questo do sujeito, e no mais somente do domnio do imaginrio. Desta forma, a sexuao sustentada pela relao do sujeito com seu gozo, e no uma questo de pretensas identificaes imaginrias.
Frmulas da sexuao e fim de anlise. A desproporcionalidade no depende do corpo, mas do corpo da linguagem que tenta copular com um objeto, que ns sabemos perdido, e onde em seu lugar se erige o objeto a na frmula $<> a da fantasia, ou o outro do gozo S[%] como conquista do fim.
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O fato de que Lacan prope o fim como uma identificao ao sinthome, implica que o sujeito ali coloque a letra que o marca. O feminino que atravessa seu ser, nica forma de apresentar lo femme (lo mulher), apenas como no-Todo do sentido flico, valido para cada um dos sujeitos que terminam uma anlise. A letra que finalmente chega ao seu destino, letra que feminiza aquilo que a possui. Temos, ento, o lado mulher dos seres falantes conquistado aps um longo tempo de anlise. Ao final da analise, este lo femme (lo mulher) como trao indelvel da falta que nos atravessa decompondo o sentido ao qual ns definitivamente nos agarramos, como parltre (em francs no original). Lo femme (lo mulher), ento, como outro nome para o desejo do analista, que obtm ao final um desejo atravessado pela heteridade. A realidade sexual do inconsciente a bipartio entre o gozo flico do lado do sentido e aquele do real do outro lado. Os outros gozos, isto , a lgica do Um zero, permitindo pensar lo homme (lo homem) do lado flico e lo femme (lo mulher). Enfim, ns acreditamos que Lacan estabeleceu uma diferena mais-alm do imaginrio dos corpos, heteridade que constitui o inconsciente, fazendo de sua realidade sexual a pura diferena entre o sentido flico e a absteno do outro gozo impossvel de dizer, lgica que faz do sujeito um conjunto lgico que espera ser mostrado em uma lgica do passe.
Concluses a posteriori, respostas s questes levantadas no Encontro Internacional. Este trabalho somente uma tentativa de interrogao acerca de algumas leituras das frmulas da sexuao, presentes no meio psicanaltico. A lgica da sexuao, a prpria lgica, empregada por Lacan , cremos, um domnio a explorar. necessrio, portanto, percorrer minuciosamente todo o territrio dos Seminrios 19 ao 21 para da se extrair, mais adiante, as conseqncias. imperativo se perguntar por que esta lgica d lugar ao n, onde nos d a
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impresso de que o nico esboo do n homem e do n mulher em Lacan advenha das concluses do Congresso da Escola Freudiana de Paris de nove de julho de 1978, quando ele disse: se vocs tm sinthome, a cada um sua cada uma ( chacun sa chacune), existe o sinthome-ele, e o sinthome-ela. tudo o que resta daquilo que chamamos de relao sexual. Relao sexual uma relao intersintomtica (intersinthomatique). Entendemos por inter-sintomtica o fato de que, cada um l est com sua lgica sexuada, isto , sua relao com os quatro elementos das frmulas da sexuao, isto que seria realmente impossvel a relao sexual. Pontos a explorar. Existe a dificuldade da inexistncia do lo neutro em outras lnguas distintas do espanhol. Foi-nos ento aconselhado a falar sempre do lo feminino, que pode passar, em francs, como le (o) feminino. A dificuldade no seria resolvida, j que aquilo que gostaramos de salientar o uso dado por Lacan la femme (em francs no texto) em seus diversos textos, e o fato de que cada vez que faz referncia la femme necessrio precisar de qual mulher se trata. Franois Regnault, seguindo J.-C. Milner, encontrou para este la quatro solues gramaticais passveis de serem usadas com a mulher. Isso permitia resolver, a cada vez, a questo de saber de qual mulher se trata. Sendo assim, necessrio, por exemplo, resolver o tipo de uso gramatical do artigo em seu contexto, a cada vez que utilizado por Lacan. Nessa fase, nos perguntamos igualmente: ser que no uso do sintagma a mulher ou "as mulheres" como grupo nominal em muitas asseres, entretanto, importantes da realidade sexual, o meio psicanaltico no acabou por utilizar este sintagma como um genrico universal, que tem como conseqncia o retorno inexorvel anatomia como destino?
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s vezes, quando estou descanando e no sei que fazer comigo mesmo tenho a sensao que gostaria de pedir a minha me algo que no me pode dar Van Ophuijsen1.
Desde os tempos remotos, o feminino e o maternal coincidem e se confundem no corpo da mulher, ressaltando o lado enigmtico de sua representao. No seu interior repousa o enorme poder de dar a vida ou de dar a morte. A metfora do continente negro e a fantasia infantil que todos tm pnis so maneiras, formas de pensamento, que evitam o encontro com o originrio que as mulheres encarnam. O visvel e o invisvel se oferecem como tela de projeo para dvidas inquietantes, h fantasmas enigmticos e angstias arcaicas. O mistrio da mulher passeia pela ribeira de uma angstia sem nome. A falta feminina cheira a desconhecimento e facilita a emergncia de mecanismos psquicos primitivos que, como crenas, se implantam na ordem do sinistro, inclusive do intolervel. Assim, as mulheres tornam-se personagens de lendas e seu lado maternal mais alm da diferena sexual, mas sem dvida graas a ele o irrepresentvel sinistro, o materno perigoso. Verdadeira cabea de Medusa. Freud nos fala de uma atividade diurna fantasstica, que realizadora de desejo e que importante para compreender os sonhos. Em Fantasias histricas e sua relao com a bissexualidade, Freud diz que: as fantasia inconscientes podem ter sido desde sempre 2. Ele no esclarece tal afirmao, mas em seguida
1 VAN OPHUIJSEN. Declaracin de una paciente obsesiva. Em: Por qu las mujeres aman a los hombres y no a su madre?. Haamon M.C: Paids, 1995, p 75. 2 FREUD, S. (1908). Fantasas histricas y su relacin con la bisexualidad. Em: Obras completas. Madrid: Biblioteca Nueva, 1973, p. 1350.
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estuda uma classe particular que foi consciente em algum momento. Sublinha que a fantasia inconsciente integra uma importantssima relao com a vida sexual do indivduo, pois idntica a que ele mesmo empregou como base da satisfao sexual, num perodo de masturbao.3 Logo, por efeito do recalque, desaparece a masturbao e sua fantasia passa de consciente a inconsciente, origem de premissas psquicas mais imediatas de toda uma srie de sintomas histricos. 4 O fantasiar se oferece como um caminho para rastrear a permanncia das teorias sexuais infantis; no texto Poeta e os sonhos diurnos, Freud coloca expressamente os sonhos diurnos ao lado da poesia, como continuao e, logo, como substitutos dos jogos infantis. Este vnculo necessrio porque tanto o fantasma do adulto quanto o jogo das crianas tm sua origem no enfrentamento com a falta no Outro. Freud nos ensina que as teorias sexuais infantis no so somente coisas de crianas. O infantil constitui o ncleo da estrutura do sujeito, aloja a verdade do homem e da mulher, sem distino de idades cronolgicas, como prprio da sexualidade. De onde vm as crianas? O que se casar? So perguntas, que sob a presso da vida, colocam em marcha a investigao infantil e do lugar a teorias. Investigao que vai do particular ao geral e que, geralmente, precipitada pela chegada de irmos reais ou imaginrios. A criana pensa teorias, com a palavra pulso, epistemolgica, se designa o impulso inveno prpria das crianas. Por um lado, a criana pede durante um tempo que o conto se conte sempre da mesma forma, garantindo assim que as palavras voltem todos os dias ao mesmo lugar. Nesse momento, renega a surpresa do chiste e opta pelo que retorna, pelo que se repete; mas, de um dia para outro, uma inverso paradoxal afeta esta satisfao e o que retorna ao mesmo lugar se converte em angstia, em sofrimento. So essas ruminaes que retornam, uma e
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outra vez, como uma obsesso, esses pesadelos que se reproduzem sem cessar, esse trauma que promete voltar a se repetir. Assim, o prazer do familiar, do conhecido que se anunciava sempre com as mesmas palavras, converte-se no mais estrangeiro, no mais temido.
Estas falsas teorias sexuais (...) ainda que todas errem de um modo grotesco, cada uma delas contm alguma parte da verdade, assemelhando-se nisto quelas teorias (...) edificadas pelos adultos como tentativas de resolver os problemas universais que desafiam o pensamento humano. 5
Verdade que, como fico, produz uma srie de argumentos, de elucubraes. Verdade imposta pela pulso e constituda imagem da organizao libidinal da criana, na medida em que a pulso nomeia a relao complexa da sexualidade com o psiquismo e solidria do corpo e do gozo. Teorias que so a primeira resposta ante o enigma do desejo do Outro e que operam com critrio de verdade, como crenas. Primeiras respostas axiomticas do sujeito, que so o preldio da constituio fantasmtica. Freud lhes d um lugar fundamental na constituio das neuroses e dos sintomas: Para o que se demonstra indispensvel para a concepo das neuroses mesmas, nas quais estas teorias conservam ainda todo o seu valor e exercem uma influncia determinante sobre a estrutura dos sintomas.6 So assim parte da neurose infantil; so fixaes, restos ligados satisfao prpria da vida sexual da criana, que permanecem vigentes ainda, porm ocultas e determinam a vida ertica. A fixao se inscreve a partir e no mesmo lugar que a defesa, de forma tal que ao mesmo tempo uma fixao ao trauma. Desta ambigidade da fixao, d f resposta sintomtica constituda pela amnsia histrica, entendida por Freud como o reverso da reminiscncia. A reminiscncia uma espcie de busca, busca disso que inesquecvel, esse personagem pr-histrico ao qual, posteriormente, ningum chegar a se
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FREUD, S. (1908). Teoras sexuales infantiles. Em: Obras completas. Op. Cit., p.1265. Ibid. p. 1263.
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igualar; quer seja a eleio pelo pai, quer seja o fantasma mudo e consolador. A reminiscncia inseparvel da ao da psicanlise em que se constri o esquecido, onde a verdade destas construes tem o valor teraputico da lembrana recuperada. O que coloco hoje justamente este sentimento de certeza, de verdade, esta convico de reencontro. O esquecido construdo se fixa e, a partir disso, se torna inacessvel a uma crtica lgica, como um delrio psictico e Freud apela fico de uma memria vinculada a um contedo de verdade histrico, tomado no recalque de tempos originariamente esquecidos. Lacan, em De uma questo preliminar a todo..., se referir aos estados pr-edpicos que no so inexistentes, mas analiticamente impensveis
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e,
seguidamente, falar dos estados pr-genitais que so ordenados na retrao do dipo. Conforme Freud:
Todo o problema das perverses consiste em conceber como a criana em sua relao com a me, relao constituda na anlise, no por sua dependncia vital, seno por sua dependncia de amor, quer dizer, pelo desejo de seu desejo, identifica-se com o objeto imaginrio deste desejo enquanto a prpria me o simboliza no falo.8
Diante da ameaa de castrao encontra-se a castrao da me, mas no da me do Complexo de dipo, seno daquela anterior prpria constituio como sujeitos sexuados. Trata-se desta hincia que se encontra no prprio ncleo da estrutura. Esta hincia a castrao da me, a falta do falo. O que se revela neste momento a natureza do falo, que no seno um ponto de falta no sujeito. A falta de pnis na me o momento chave do diagnstico da neurose infantil, neurose infantil que se encontra sempre atrs de toda neurose. Porque atrs da me cotidiana, talvez se esconda uma mulher estranha. Na teia da ternura materna, entre os fios de suas demandas, se encontra outra: uma
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LACAN, J. (1955/1956). De una cuestin preliminar a todo tratamiento posible de la psicosis. Em: Escritos 2. Mxico: Siglo XXI Editores, 1985, p.536. 8 Ibidem.
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mulher que tem desejos que o menino e a menina no entendem. Seguramente, o pai no pode acompanhar esse menino frente estranheza desta mulher, porque ele s sabe da verso de mulher que melhor se acomoda ao objeto de suas fantasias sexuais infantis. um momento difcil. O menino amado que trazia satisfao em um dado momento, sente medo de ser devorado. A angstia no saber, nunca se sabe o que quer o Outro, a angstia a sensao do desejo do Outro. A sensao do desejo que angusta marca com sua assinatura a geografia. Subitamente, h lugares pelos quais no se quer passar, animais que no se pode olhar, espaos antes familiares que se tornam insuportveis, pessoas antes amadas que produzem um imenso sentimento de enclausuramento, de invaso. Logo, quando a pulso golpeia, quando sua escrita se desenvolve e se satisfaz em um gasto intil, num exagero, mas tambm na restrio mais extrema, num controle exasperado, na insatisfao queixosa de pretender contabilizar o incontabilizvel, a dor secretamente programada faz sua apario. Com esse gozo a criana fabrica uma resposta; fabrica um fantasma que d conta, que lhe permita interpretar o desejo do Outro, fantasma que se edifica sobre um real pulsional. A criana inventa um conto sobre o qual ela no desejo da me uma verso que tenta esconder o enigma sempre angustiante da castrao materna. Uma reposta sobre seu ser que lhe permite interpretar seu mundo. Que destino tem estas teorias? Na eleio do objeto sexual: levada a cabo, ao princpio s imaginariamente, pois a vida sexual da juventude em amadurecimento tem apenas outro campo de ao que o das fantasias; isto , o das representaes no destinadas a se converter em atos. Nestas fantasias, ressurgem em todos os homens as tendncias infantis, fortificadas agora pela energia somtica.
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Na gnese de
sintomas diversos, pois vem a ser seus estdios preparatrios, isto , as formas nas quais os componentes recalcados da libido encontram sua satisfao e constituem
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FREUD, S. (1905). Tres ensayos para una teoria sexual. Em: Obras completas. Op.cit, p.1197.
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tambm a base das fantasias noturnas, que se fazem conscientes como sonhos. Por ltimo, deve-se levar em conta que entre essas fantasias de ordem geral h aquela a que damos o nome de novela familiar. 10 Se no as podemos rastrear com preciso, o que nos interessa o tempo de latncia, como assinala Freud, entre as teorias sobre a sexualidade e as fantasias primordiais, como dois tempos necessrios constituio da sexualidade. Teorias e fantasias que se tramam como respostas pergunta dos primeiros tempos de um sujeito, sobre a sexualidade, sobre a diferena entre os sexos, sobre o desejo, na medida em que a castrao, o real do sexo, faz limite ao saber. Ponto que pode abrir na anlise a possibilidade particular de lograr que outra histria se faa audvel; singular, histria formada por retalhos: uma voz, o espao de um murmrio, talvez a imagem difcil de apagar de um momento, marcas de nossas aventuras mais precoces com o Outro inesquecvel, perdido para sempre no tempo da separao. A anlise um relato que se l e se rel cujos personagens aparecem para desaparecer, deixando apenas um nome. Um acontecimento faz surgir uma certeza sobre a qual chegamos a pensar. A certeza insiste, estala em palavras, mas no se fixa nelas. E se essa certeza no for nada? A histria que tanto nos comovia perde sua carga afetiva, empalidece e se funde na decorao, convertendo-se cada vez mais em algo apagado e incerto. Fiz para mim mesma, disse Virginia Woolf, em Uma habitao prpria o que a psicanlise faz a seus pacientes, expressei uma emoo profunda e velha e ao express-la a expliquei e logo a deixei para trs.
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Ibid. p.1920.
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MUDANA DE POCA
As realidades sexuais e o inconsciente nos remetem imediatamente premissa fundamental que circunscreve o campo prprio da experincia analtica, onde o sintoma resultante da articulao entre inconsciente e sexualidade, pedra angular da psicanlise e da ruptura freudiana de carter epistemolgico, ao demonstrar que o sofrimento das afeces nervosas se fundamentava em uma sexualidade no regida pelo instinto, mas sim constituda como resposta de outra realidade, a do desejo inconsciente, imposta pelo fato de que a me dirige sobre a criana sentimentos que brotam de sua vida sexual, a acaricia, a beija, a embala e claramente a trata como um substituto de um objeto sexual completo1. Primeira vivncia alucinatria do desejo que inscreve o ser humano nesta outra realidade nova, desconhecida at ento, desvelada por Freud e em franca oposio primazia racionalista, dominante de sua poca. Essa mesma ao se requer, hoje, pois na literatura clnica psicolgica, psiquitrica e psicanaltica se encontra com freqncia o termo novos sintomas ou sintomas contemporneos, que obrigam a perguntar: se as formas do mal estar atual, como o consumo de drogas e psicotrpicos, a promoo de relaes sexuais e amorosas via internet, a oferta de mudanas no corpo at a deformao, ou ainda, a prtica de esportes extremos, entre outras, so realmente novos sintomas, o quer dizer, se so articulados de maneira diversa a do histrico ou do obsessivo clssico freudiano ou lacaniano e se, por outro lado, tem deixado de ser a expresso da condio pulsional humana, de seu pathos, como efeito de Discurso.
FREUD, S. (1905). Trs ensayos de teoria sexual. In: Obras completas. Tomo VII. Amorrortu. Editores.
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Essas formas de mal-estar, so classificadas no DSM IV sobre o termo de transtornos, termo que indica a alterao das funes biolgicas ou de desempenho social. Encontram-se assim referenciados: transtornos de nimo, de ansiedade, dissociativos, de conduta alimentar, do sono, do controle de impulsos; transtornos adaptativos, de personalidade, sexuais; e, ainda que exclua a histeria, se resenha o chamado transtorno somatomorfe; todos estes transtornos no tm outra consistncia seno descritiva e classificatria. Esse manual, roteiro nico que guia a clnica psicolgica e psiquitrica, favorece e impele ao diagnstico e generalizao sem fundamento. De tudo se faz transtorno, porm, paradoxalmente, entre a abundncia classificatria, no fcil encontrar novas entidades nosolgicas, claramente diferenciadas, como fez Charcot com a histeria, por exemplo. Ao contrrio, o que se observa uma disperso de termos, a falta de uma noo de sintoma que explique sua lgica, pois este no mais que quantidade numrica, para uma clnica cega que o soma, subtrai, multiplica e divide estatisticamente, sem interrogar seu sentido, ainda que lhe d sentido; no se pergunta por sua direo e causa, porm o reduz ao determinismo social e biolgico. No por acaso essa a razo da extenso e acolhida do termo: novos sintomas ou sintomas contemporneos? Se a histeria existe e nos ensina ainda, ao menos aos psicanalistas, porque nos permite restabelecer os princpios. Porque, ao contrrio da clnica descrita, que exclui o sujeito via a objetivao e as evidncias positivas, a psicanlise retoma o mal-estar da poca, sem deixar de considerar as condies do lao social, vai mais alm da evidncia; reconhece nas manifestaes ou novos sintomas sua envoltura formal, quer dizer discursiva, que Lacan ensinou a identificar e buscar sua causa, isto , seu ncleo, aquele que Freud desvelou desde o princpio: sua relao com a sexualidade, sua dimenso de desejo, e com Lacan, mais alm do desejo, a relao com o gozo. Estabelecido assim, no h ento novos sintomas, mas sim novas formas ou manifestaes, que seu agrupamento em transtornos pouco ou nada dizem de
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sua lgica. Ento, a tarefa atual da psicanlise, como outrora foi a de Freud, dar luz sobre a realidade do sofrimento da poca, tarefa que Lacan retomou com determinao e de cujo recorrido temos um exemplo a seguir, se pretendemos manter a psicanlise como prtica e discurso no lao social, que ilumine o sofrimento contemporneo, manifesto nestas formas sintomticas, definidas por Lacan no Seminrio 16, como fatos que encobrem um dizer2. O sintoma pretende dizer a verdade que o constitui e, em conseqncia, a ao a operar consiste em acolher essa verdade que quer dizer-se3, que pretende articular-se na palavra, sua nica possibilidade. Por isso, o sintoma exige um trabalho, pois no est dado que o sintoma possa dizer a dita verdade, h que lhe extrair os restos de verdade que escapam ao saber e falam no sintoma. O sintoma tem, assim, uma funo: ser efeito de significao, representar o reprimido ao sujeito do inconsciente, em razo de sua relao com o campo do Outro, com o campo do simblico, A; lugar de significantes donde se nutre; porm, na ocasio, mostrar o que claudica4 do sintoma, pois nem tudo no sintoma significante, sua relao com a, com sua verdade: gozo perdido, isso enigmtico, que est mais alm da significao, da satisfao substitutiva de um desejo inconsciente, como formao de compromisso. Dessa maneira, se Freud articulou seu sentido e direo via inconsciente, Lacan levou o sintoma a um segundo grau, ao demonstrar o real posto em jogo nele, donde se pode entender que existam novos sintomas, pois o sintoma no deixa de no inscrever-se5 , porque essa verdade que busca verificao, escapa ao sintoma, ela no dita e por isso o sintoma uma varidade6, ser uma resposta do real. A operao consiste, ento, em partir da metfora7 , mensagem, dimenso do
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LACAN, J. Seminario 16: De otro al Otro. Clase 4. Ibdem. Idem. Seminario 14. La lgica del fantasma. Clase 13. 5 Idem. Seminario 24. Lo no sabido que sabe de la una equivocacin se ampara en la morra. Clase 11. 6 Idem. Seminario del Snthoma. Clase 10. 7 Idem. Instancia de la letra, la razn despus de Freud. In: Escritos 1.
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inconsciente como resposta ao Outro, a reduo desse simblico, desse sentido ao infinito pelo sem sentido, que equivale desentranhar seu a8. Desde a psicanlise, ao menos lacaniana, os sintomas contemporneos desvelam igualmente hoje, que o enigma para o ser humano segue sendo seu ser de desejo e seu gozo, efeitos de seu ser de linguagem, condies que articulam a diferena entre a demanda de amor e a satisfao via o objeto de desejo. O revestimento disto que faz sintoma, o toma da oferta do discurso social. A envoltura formal ou o banho significante encobre ento a questo do amor, que Lacan desvelou ao sustentar que, do que se trata no sintoma, no de estar em frente a um objeto, seno frente questo do ser9, sublinhando a importncia da dimenso da ordem simblica, e introduzindo e recolocando o problema do ser em outra dimenso, em outra realidade diversa da cartesiana, ao definir o problema em termos do ser falante, logrando a disjuno entre ser-pensar e corpo; encaixado e fechado produzido por Descartes, que Lacan rompe com a lgica dos registros real, simblico e imaginrio, a partir dos quais no s se entendem as diferenas entre estes, mas tambm se pode questionar a prtica clnica chamada cientfica, que se props a promover uma regulao do comportamento pelo pensamento10, apesar de estar confrontada a um no quero pensar, a um no h razes, nem palavras, e em seu lugar, s a ao, o impulso as respostas imediatas. Contrrio a essa prtica cognitivista, a psicanlise resgata no sintoma a condio do ser que se transmite por meio do amor, na primeira vivncia alucinatria do desejo j citada, a partir da qual podemos entender como a teoria da pulso freudiana subverte o problema do dualismo. Com Lacan, no Estadio do espelho, compreendemos a importncia da organizao do corpo, construdo a partir da imagem captada no olhar do Outro, que permite, alm disso, por esse
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Idem. Seminario 24. Lo no sabido que sabe de la una equivocacin se ampara en la morra. Clase 11. Idem. Seminario 4. Las relaciones de de objeto. Madrid: Siglo XXI,. p.183. No em vo temos hoje a extenso do cognitivismo matriz simblica em que o eu [je] se precipita numa forma primordial, antes de se objetivar na dialtica da identificalo com o outro e antes que a linguagem lhe restitua, no universal, sua funo de sujeito LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, p.97.
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meio, a insero do sujeito no campo do simblico; processo que tem por efeito fazer da srie de rgos desarticulados um corpo unificado e reconhecido no espelho, permitindo ao beb assumir-se como um todo, a partir dessa imagem11, matriz do eu-ideal e base das identificaes egicas, suportes posteriores da organizao do Innenwelt mundo interior ou castelo do isso, como Lacan o define a umwelt mundo exterior , via expedita para a relao aos objetos, onde est ele mesmo includo como objeto. Desse narcisismo fundante, se abre a passagem do auto-erotismo ao aloerotismo, marca do desenvolvimento libidinal do sujeito e da aposta em primeiro plano do problema da escolha de objeto, do problema do amor e da pergunta sobre sua condio sexual: quem sou? Homem ou mulher? Perguntas que, formuladas ao Outro, ficam sem resposta para o sujeito, evidenciando a falta simblica introduzida pelo significante que, no obstante, o inscreve nesse campo simblico, confrontado a srie de S1, que podemos entender como tentativas de agarrar uma resposta que lhe diga o que . Busca que sustenta o reaparecimento (devenir) da sexualidade infantil inconsciente e reprimida e na qual o falo conta como nico referente. O significante flico representa, por sua vez, a marca da falta de objeto, e da falta a ser determinada por esse mais alm das relaes de objeto ia , inscrita no crculo da demanda de amor, quer dizer, do a. Com o sintoma, se trata ento do desvelamento desse objeto radicalmente perdido, condio de ser para o Outro, objeto de amor mtico de um Outro onipotente que, a partir de seu amor d a existncia; o amor que como objeto no nada, ainda que seja a pura presena simblica que articula a lgica que sustenta toda a dialtica auto-ertica, narcisista, e o desenvolvimento libidinal oral, anal e flica , esta ltima privilegiada por Freud e Lacan, e que desde o imaginrio denuncia, com o todos tem, a questo primordial, ou seja, a falta a ser radical, constituda, constitutiva e constituinte. O falo revela, assim, a falta e permite a
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LACAN, J. O estdio do espelho como formador da funo de eu. In: Escritos. Op.cit., p.96-103.
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Lacan assinalar a importncia da entrada no simblico pelo imaginrio, pois o falo obtura por sua vez o efeito de corte do significante da castrao inaugural e estrutural, que evidencia a falta do Outro, de um Outro completo, nico, e a do sujeito. O Outro em falta, encarnado pela me, est como experincia mtica original, gozo primitivo, radicalmente perdido, que o sintoma no deixa de no inscrever, denunciando a diviso fundante, na qual o sujeito est enganchado, porm s vezes dividido. Diviso que o falo como (-) vem a obturar, cobrindo este recorte do significante e fazendo sentido, no sem-sentido, mediante o discurso, mediante a palavra articuladora, que est no nvel do inconsciente. Por isso, encontramos um sentido no sintoma, por isso, ele tambm mensagem que h a decifrar, palavra viva do que j est perdido, porm que a articula mediante a lgica flica. Assim, pode entender-se a citao de Lacan em O Seminrio de um Outro ao outro, captulo 19:
Tudo isso que, para a psicanlise, observado, articulado como momento de relaes entre i(a) e esse objeto a, esse o ponto que, para ns, de interesse primeiro, r: i(a)/a, para estimar em seu valor de modelo tudo isso que nos libera, no nvel dos sintomas,a psicanlise, isso em funo do que , patente em nossa poca, da ordem da disjuno entre saber e poder. Defini, pois, inicialmente, o objeto a como essencialmente fundado a partir dos efeitos do que se passa no campo do Outro, no campo do simblico, campo da colocao, no campo da ordem, no campo do sonho, da unidade desses efeitos maliciosos no campo do imaginrio (Lacan, 1968-69, lio 19 de 07/05/1969: 294). (...) necessrio inscrever isso, que essa contagem, qualquer que seja, a qualquer nvel de estrutura que a coloquemos no simblico, tem seus efeitos no imaginrio; e isso que se institui, que se ordena em meu discurso, a esses que seguem para prov-lo, que esses efeitos de contagem simblica, na ordem que evocamos h pouco do imaginrio, a saber nisso que o imaginrio a ordem pela qual o real de um organismo, quer dizer um real completamente situado, se completa por um Umwelt, a contagem, no nvel do imaginrio, esse efeito de nele fazer aparecer o que chamo de objeto a (Idem: 293).
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Os efeitos do significante que se manifestam nos sintomas, nas variadas formas aparentes e correspondentes a cada poca, nos sintomas ditos contemporneos, falam desse enigma de que o sujeito no e o que o desejo vem oferecer, ao obturar essa falta estrutural. Falam de como a dialtica na qual o sujeito se introduz com os objetos de seu desejo se sustenta em uma falta simblica, radical, que permite essa busca, que de incio mantm o sujeito na indeterminao, em sua diviso, nesse enigma de no poder contar com um sou isto, pois a questo do amor est referida ao objeto de amor que no se tem e que, no obstante, o que o sujeito recebeu e d. Da a razo para que o sintoma seja a realidade sexual do inconsciente alienada dessa Outra cena primordial e construda aqui na dinmica fantasmtica, maquinria do sintoma que explica porque o sujeito pode gozar dele, e ento, gozar de seu inconsciente, no entanto o sintoma uma tentativa de preencher a perda, o que estruturalmente a falta de amor. No sintoma, ou nos novos sintomas, o neurtico goza de um objeto que propicia uma satisfao sexual que d um sentido, um significado ao que impossvel de significar. Por isso, a lgica de ser homem ou ser mulher, que se busca nas transformaes do corpo, nas escolhas de amor, nas prticas sexuais, na efervescncia das imagens do corpo, correspondem precisamente essa indeterminao do sujeito com respeito ao ser, e sua resposta se coloca ao lado do ter, nica alternativa que oferece o fantasma e quele que o mercado associa a srie de objetos e imagens para continuar nesse velamento. Retomando o princpio, ento, a verdade do sintoma o gozo que vem obturar a falta a ser. Porm, o problema dos sintomas atuais, diferentemente dos freudianos, que estes ltimos so tramitados pela palavra, por isso so ato ou transformao direta no corpo, que os faz de difcil acesso na nossa clnica. Nesse problema que s enuncio, se encontra tambm a dimenso da angstia, angstia que pode ser causa do acting out12 e de passagens ao ato, cada vez mais
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Ou poderamos sustentar melhor, que os sntomas contemporneos seriam acting-out? Necessrio seria estabelecer a diferena entre sintoma e acting-out, diferena que Lacan adverte em seu seminrio
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freqentes. Por isso, os sintomas chamados contemporneos no falam como os freudianos, atuam ou se transformam; ou simplesmente tentam tramitar um gozo perdido na busca de novos objetos, na satisfao pulsional imediata que o mercado oferece, desfrutando do desejo e deixando o sujeito cada vez mais isolado no circuito de ter, sem uma referncia a outro, e ao Outro, numa via, ento, fechada palavra. Essa razo explica porque os sintomas apresentam manifestaes autsticas e auto-erticas, centradas na satisfao imediata, no xtase e o frenesi momentneo, que somente o sujeito numa diablica repetio, pois de incio, e no mesmo momento, so satisfao fugaz, e insatisfao. Estes sintomas revelam, mais rpido que a converso histrica, a impossibilidade da satisfao, apesar da oferta produtiva de objetos da cincia aparentemente mais acessveis, porm como sempre h um a mais... so realmente inalcanveis. Deslocamento ao infinito conduz do tudo se pode ter ao no se pode ter, pois cada nova aquisio abre a falta de outra, ficando adiada a satisfao nessa lgica de objetos, sempre em frente, mais alm, sem limite, contrria queixa da histeria e obsesso freudianas, nas quais a impossibilidade est marcada pela perda13, pelo que foi. H a uma diferena importante, porm, por sua vez, uma igualdade, que nos permite afirmar que o sintoma segue sendo em sua essncia o mesmo, o que desvela a verdade de um gozo inalcanvel, impossvel e perdido, do qual o amor o paradigma.
do Desejo e sua Interpretao, articulando-a a partir da transferncia e da interpretao: O sintoma enquanto satisfao, enquanto gozo no chama a interpretao, o acting em troca est para ser interpretado. Como introduzi-lo na transferncia, como intervir sobre ele para faze-lo analisvel? Questo que requer um outro trabalho e que neste s se pretende assinalar. 13 Tal como Vicente Mira o colocou em seu seminrio em Medelln, em abril 2006.
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Existe um futuro para a psicanlise? O gnio de seu criador, que marcou definitivamente o sculo XX, no deixa nenhuma dvida, mas sua pertinncia teraputica ainda atual? Essa questo que ocupa a imprensa a cada ano (o ano em que se comemoraram os 150 anos do nascimento de Sigmund Freud no foi exceo) permanece sem resposta, j que retomada nos anos que se seguem. O que nos faz supor que ela esconde uma outra questo, essencial, existencial mesmo e que poderia assim ser formulada: o homem, assim como a mulher, tem um futuro? Questo que s tem valor se for formulada. Questo que define o humano do ser-falante, ou seja, o fato de se questionar de onde vem. Outra questo, para onde vai, no esconde nenhum mistrio ou ao menos nenhum mistrio sexual, ele se dirige para a morte. Criar um para-aqum do nascimento e um para-alm da morte esforando-se para alargar os limites da vida, eis a que o homem moderno se prope. Mas quaisquer que sejam os progressos da Cincia e a evoluo dos costumes e da legislao que os acompanha, duas realidades permanecem incontornveis: a diferena anatmica entre os sexos e o assujeitamento palavra. No tenho apreo pela fico cientfica, mas aprecio a literatura, e me impressiona o retorno macio dos grandes romances de aprendizado. O que nos mostram Haruki Murakami, Tom Wolfe, Jeffrey Eugenides? Jovens, rapazes e moas, e mesmo um hermafrodita, que devem fazer face ao reencontro sempre problemtico do sexo e do amor, confrontao sempre difcil de seus ideais mais ntimos com os do seu cl, aqueles ainda mais cruis da modernidade, em suma, jovens s voltas com as realidades de seu tempo, do nosso, no sem sintomas.
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Tomemos o exemplo de Charlotte Simmons, herona do ltimo romance de Tom Wolfe. Essa jovem e orgulhosa americana a primeira aluna de um lugarejo perdido dos Apalaches a ingressar, graas a uma bolsa de estudos do governo, numa universidade de prestgio da costa leste. O que ir ela encontrar? A vertigem do conhecimento, do esprito puro, da pulso epistmica, diramos ns? No exatamente! Nesse templo do saber destinado elite americana se desencadeiam as pulses mais grosseiras. O prlogo nos d o tom. Transportados pela magia do autor at aos mictrios masculinos, ficamos sabendo antes da herona que a questo central ser a de sua virgindade, sua deflorao e at mesmo de sua re-virginizao. Alis, no primeiro captulo somos a ela apresentados no dia da entrega do diploma que assinala o fim de seu curso secundrio. Este dia de glria ameaado pela chegada inesperada, no piquenique organizado em sua homenagem por seus pais, de alguns rapazes embriagados. O pai cr salvar a situao ameaando de emasculao o lder do grupo e qualquer um que ousasse pr a mo em sua filhinha. No se trata de uma ameaa, esclarece ele, mas de uma promessa. E Charlotte se desespera, fica morta de vergonha, porque a declarao grandiloqente e grotesca de seu pai ameaa fazer dela e de sua famlia motivo de riso do condado. Ela tambm se envergonha de sua me, que no compreende que ser bonita e inteligente no lhe servir de nada se fracassar nos dois desafios essenciais que so os rapazes e a popularidade. Mas ela se recompe rapidamente por causa de uma outra mulher, a professora que acredita nela, a compreende, e parte para conquistar o mundo confiando na promessa que lhe havia feito de pensar no futuro, ter um objetivo tudo. Porque nossa camponesa, nossa intelectual de alta estirpe uma ambiciosa. Ela dever ento responder a todos os ideais de seu tempo, mas ao preo de sua castrao. E quando no captulo 25 ela se defronta dolorosamente com o teste inicitico da primeira relao sexual, sua bela segurana a abandona. Seu eu (moi) enfraquece. Sua me havia lhe recomendado antes de sua partida que se opusesse a todo aquele ou aquela que quisesse for-la a fazer algo que ela no desejasse, com um Eu sou Charlotte Simmons e no me
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submeto a isso firme e definitivo. Eis que ela se submetera a fazer algo que deveria ter recusado, mas que no fizera mais que aceitar, a fazer o que no queria, ainda que querendo, mas no desse jeito. O pior no era tanto que ela se sentisse diminuda ou magoada, mas que no dia seguinte todo o campus soubesse que ela havia manchado os lenis. O que ela temera no captulo 1 se concretizara no captulo 25. O dia que deveria ser o de seu triunfo se tornou o de sua suprema vergonha. O Eu sou Charlotte Simmons, a receita materna que havia funcionado bem at aqui para marcar sua diferena, se transforma em um eu sou menos que nada quase melanclico antes de se converter num quem sou eu inconfortvel e quase desesperado, no momento mesmo em que ela, por fim, se torna qualquer uma aos olhos de todos. No momento em que ela consegue tudo o que dizia querer, falta-lhe uma pessoa a quem enderear sua diviso, que ela chama graciosamente conversa da alma. num estado de perturbao comparvel ao de Charlotte que ela encontra o caminho de meu div. Mas ela no passou pelo captulo 25, no perdeu sua virgindade e a est, pensa ela, a causa de seu mal-estar. Aquela de quem todos louvavam o sucesso excepcional carregava consigo, secreta e vergonhosa, a marca ntima de seu fracasso, essa marca anacrnica da qual no sabia como se livrar. Quando a ocasio se apresentou era cedo demais, e agora era muito tarde. Houve um momento em que ela poderia t-lo feito, com aquele que ela amara tanto. Mas ela no pudera se decidir, porque o amor a tornava to dependente que ela temera que o sexo a submetesse ainda mais Ela queria ser uma mulher livre e independente, bela e inteligente, e diante do amado ela se achava cativa e tola. S encontrou a soluo radical do rompimento, que ele no compreendeu, mas terminou por aceitar, e era ela quem no conseguia se recuperar. Ela estava livre absolutamente, insuportavelmente, e no sabia o que fazer com essa liberdade, bloqueada que estava por sua virgindade. A anlise teve como primeiro efeito que ela se desembaraasse prontamente graas aos carinhos de um homem escolhido, precisamente porque ela
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no podia am-lo. Soluo razoavelmente freudiana que a deixava protegida da sujeio e da hostilidade. Ela pensava estar pronta agora a encontrar aquele do qual seria a mulher, mas a coisa no era to fcil quanto ela imaginara. No por falta de pretendentes, mas porque surgiu um sintoma que ela no esperava. As relaes sexuais se tornaram dolorosas e lhe provocavam nojo, o sintoma se tornou crescente. Ela o atribuiu a um episdio traumtico de sua infncia: a masturbao compulsiva de seu colega de classe, o mau aluno que a diretora havia colocado sentado a seu lado, a melhor aluna, para que ela o estimulasse! Ela no havia feito queixa dele, porque ele ameaara bater nela caso o denunciasse. Ela ficara envergonhada de sua prpria covardia, mas no experimentara nenhuma averso por ele. Portanto, a explicao era insuficiente. No decurso dessa recordao, ela lembrou de um sonho ou devaneio noturno que tivera mais de uma vez: crescia-lhe um pnis. Uma manh ela no conseguira se conter e correra a verificar se por acaso, durante a noite, o sonho no se tornara realidade. Essa confisso a deixou confusa, cheia de vergonha a posteriori, porque ela bem sabia que isso no era possvel, mas tinha sido mais forte que ela. O fio das associaes a fez supor que essa idia estapafrdia se originara de uma observao que sua me havia feito, descrevendo-a como um beb musculoso enquanto que as menininhas so mais rechonchudas. Ela havia deduzido, com toda a razo, que sua me gostaria de ter tido ao menos um menino, e que ela gostaria de ter sido esse menino para ela. Um sonho vem marcar a reviravolta da cura e lhe abrir enfim as portas da feminilidade. A me est deitada no leito conjugal ao lado de uma de suas filhas, ela no sabe qual, talvez ela mesma. O pai est num canto, jogado numa poltrona. A me est grvida de um amante, e d essa informao sem nenhum pudor e at com certo orgulho a seu marido e sua filha; e esse amante se revela ser um homem que agrada sonhadora. Pai e filha permanecem silenciosos, mas no a analisante que comenta esse sonho achando, enfim, que sua me exagerou! com efeito surpreendente que ela no se autorizasse at aqui nenhum comentrio hostil contra qualquer pessoa, e
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menos ainda contra um membro de sua famlia. Quanto a seu pai, humilhado, incapaz de interditar a me, dava-lhe pena. No decurso do sonho retornam duas lembranas, esquecidas. A primeira vinha completar e dar todo sentido cena traumtica. A diretora da escola estava grvida at o pescoo. Como ela pudera se esquecer? Era para proteg-la que ela se havia feito de morta. A segunda bem mais antiga, antes do tempo da escola. A me lhe mostra o curativo que traz no dedo e que em francs tambm chamado boneca (poupe). Ela quer ver a boneca mais de perto, quer que sua me lha entregue. A me descobre o dedo, ele traz o trao de um corte, ela tomada de horror. Esse mesmo horror que provocou em outra analisante minha uma exposio recente, intitulada Nascimentos. No lugar da me-toda que o cartaz lhe prometia (uma jovem mulher em sua plenitude tendo um beb contra o seio), ela fora encontrar a me castrada, aquela cujo sexo escancarado se expunha na violncia de um parto. verdade que o sujeito descobre ao mesmo tempo que a castrao materna, sua prpria castrao O falo portanto o piv de toda uma srie de manifestaes clnicas que se exige postular. porque a me se revela privada do rgo que o pequeno neurtico, qualquer que seja seu sexo, tenta desastradamente se fazer objeto enganador, engodo, falo, na esperana v de satisfaz-la. Mas a instaurao da lei inconsciente do interdito do incesto obriga-o a reconhecer que ele no pode. A releitura recente, para os nosso encontros, dos textos que Freud consagrou vida sexual e sexualidade feminina, complementada pelos comentrios de Lacan, me fez perceber ainda uma vez sua pertinncia clnica intemporal a despeito das exigncias sociais, da o ttulo desse trabalho. A perda da virgindade revelou, para essas duas mulheres modernas que so Charlotte Simmons e minha analisante, seu complexo de castrao. A suspenso da amnsia infantil que pesava sobre a castrao materna permitiu a uma ultrapass-lo. A outra ter esta chance?
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Retomemos esse complexo de castrao que Freud descobre aps o complexo de dipo, que ele no situou com preciso cronolgica em relao a este. Ele sobrevive fase da primazia do falo, quer dizer, antes da fase de latncia, mas sobrevive antes ou depois do dipo? Freud fica confuso. Ele considera que ele posterior ao dipo no menino, e anterior na menina, para quem a escolha do pai como objeto no passa de uma das conseqncias possveis, ltima, as duas outras sendo, uma, um modo de se desviar da sexualidade, e outra, a no desistncia, com uma segurana insolente, de sua masculinidade ameaada e a escolha da homossexualidade. Lacan, relendo Freud trinta anos mais tarde, pode articular os dois complexos de forma muito mais simples. o complexo de castrao, cronologicamente anterior, qualquer que seja o sexo, que ele promove. Ele deixa cair o complexo para visar apenas a castrao, crise essencial pela qual todo sujeito se introduz, se habilita a ser edipianizado de pleno direito. Ele a diferencia da frustrao e da privao e a define como a operao simblica que opera sobre um objeto imaginrio, o falo. Esse objeto imaginrio deve ser elevado classe de significante para tornar-se instrumento na ordem simblica das trocas. Esse significante que Lacan escreve com a letra grega maiscula , se acha confrontado com aquilo que constitui o piv do drama edipiano, a funo pai, funo que supe a interdio do incesto materno e que ele escrever igualmente grande , funo flica. Se realmente seguimos o fio que nos conduz, de 1956 a 1972, do Seminrio sobre A relao de objeto at o LEtourdit, esse significante flico , significante do desejo, tambm o significante da lei que o rege. , portanto, tanto funo flica quanto funo de castrao. Essa funo certamente nos evoca o pai da horda primitiva, aquele que Freud concebeu no Totem e Tabu. Mas a um outro tabu, o da virgindade, que o romance de Tom Wolfe nos remete. A indelicadeza do deflorador de Charlotte vem nos lembrar que o homem moderno
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tem tanto medo da mulher quanto o homem primitivo. E se ele zomba no somente de sua virgindade, mas tambm de seu toso pubiano (ora, sabe-se que a moda pbis depilados, imberbes), para melhor esconder seu horror. Eu diria, para concluir, que se a virgindade se tornou um sintoma para as mulheres, ela permanece um tabu para os homens.
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(...) Como eles me parecem estranhos, esses homens e essas mulheres... Suas vozes parecem-me curiosas, muito graves ou muito agudas. So como grandes animais bizarros de duas espcies diferentes, (...)1
Assim fala, em A mo esquerda da noite, um terrqueo que reencontra seus semelhantes depois de uma grande permanncia em um outro planeta onde a diferena dos sexos no existe e os sujeitos so todos hermafroditas, salvo alguns considerados, ento, como pervertidos, mudando de sexo conforme seus desejos passageiros. Ento,
As realidades sexuais... ...surpreendem quem consegue olhar alm de sua galxia de referncia. No planeta queer tambm, a sexuao uma performance no sentido artstico do termo, ou seja, uma criao individual, renovvel e exposta. Esta de-monstrao, ns psicanalistas, olha. Da mesma forma que os sujeitos que apresentam a tendncia queer, que expem em plena luz a maldio sobre o sexo 2, endeream-se psicanlise ainda que seja para interpelar sua tendncia mais conservadora. Tomarei este endereamento ao p da letra, colocando em ressonncia os dois discursos,
1 2
LE GUIN, U. La main gauche de la nuit. Paris: Le livre de poche, 1971, p. 399. LACAN, J. Tlvision. Paris: Seuil, 1974, p.50.
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considerando que um e outro no concordam sobre nada, a no ser sobre o essencial: a apreenso3, em todos os sentidos do termo, do real. Meu interesse ressaltar os pontos de impacto entre aquilo que, nas teorias feministas e ps feministas sobre a diferena dos sexos, interroga o real questionando os limites da organizao flica e o que, nas formalizaes lacanianas sobre a mesma questo, indicam pistas em que reconhecem tanto a relao entre simblico e real, quanto o que resta excludo. Lacan fez suficientes aluses ao MLF em O Seminrio Mais, Ainda e em O aturdito para que se conclua que se interessou pelos debates a respeito desta questo naquela poca, ressaltando seus impasses, j que as respostas a estes, de uns e as de outros, no se situam em um mesmo nvel, mas, partem do mesmo impossvel, o da inexistncia da relao sexual. 4 Eu no sou homossexual, mas, estou precisamente cado por minha colega de trabalho. Eis como isto aparece enunciado nada menos que pela me de um pequeno paciente. Esta jovem mulher, a quem chamarei Orlando, mantenedora em uma usina, vive em uma pequena vila da Province, de onde nunca se afastou muito, ou seja, no est informada sobre as polmicas contemporneas sobre sexo e gnero. Orlando , pois heterossexual no sentido que Lacan define esta posio: Digamos, homossexual... quem ama as mulheres, qualquer que seja seu sexo prprio5. isto o que excede a funo flica? No to certo, pois ela no ama mais que uma, particular. Ento,
3 4
Inexistncia de complementaridade: h o Um, e o Outro, que somente identificvel que pelo gozo no-todo na funo flica. 5 LACAN, J. L`tourdit. In: Autres crits. Paris: Seuil, 2001, p.467.
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1- Pas de deux ... Pas de deux, esse o ttulo equivocante de um seminrio anunciado, ao final de1977, por Antoinette Fouqu7 e Serge Leclaire: do Um, ou a esperana de uma harmonia possvel entre o um e o outro como no passo de dana do mesmo nome? O movimento feminista8 divide-se sobre este ponto, diviso em que interferem as suas relaes com a psicanlise. No corao dessa ruptura esto posies radicalmente diferentes sobre o que uma mulher. L onde a psicanlise, desde Freud, coloca o desejo como questo central, o que quer uma mulher? as duas correntes feministas respondem com a questo do ser9.
Seja: Um homem a cada dois uma mulher. Para as feministas da diferena, representadas na Frana pelo grupo Psicanlise e poltica, o segundo sexo determinado no nascimento: nasce-se (se ) mulher. A diferena sexual, fato biologicamente significativo implica a existncia de uma libido 2, especificamente feminina, por natureza. No centro desta demonstrao est a foracluso, no a do Nome-do-Pai, mas aquela do corpo da me. A libido 2 , ento, uma libido matricial. Estamos longe da revoluo simblica anunciada. Com efeito, a libido 2 no caracteriza uma eventual energia pulsional feminina radicalmente diferente, mas repousa sobre a mulher quoad matrem, isto , sobre o seu lugar na funo flica. No-toda, portanto, como Lacan ressalta nas Proposies diretivas para um congresso sobre a sexualidade feminina10, quando pergunta se esta mediao
6
Seminrio comum anunciado depois da interdio feita a Lacan (carta de 15/10/1977) de que este trabalho tivesse lugar no espao da Escola Freudiana de Paris. 7 Fundadora do grupo Psicanlise e poltica. 8 Que se desenvolveu na Frana em torno de 1967. 9 Ser ao que Lacan precisamente reduzir o primado do falo. 10 Notadamente, no que chama o instinto maternal, sem dvida isto que ocorre com uma mulher na relao criana como real. LACAN, J. (1958). Diretivas para um congresso sobre a sexualidade feminina. In: Escritos. Paris: Seuil, p. 730.
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flica, que comanda o lugar que a criana assume para sua me, drena todo o instinto maternal. A partir dos anos 1970, Lacan define duas inscries diferentes quanto funo flica, correspondentes a duas posies diferentes quanto ao gozo. A posio feminina lugar de um gozo suplementar, no complementar (como libido dois que denega toda a parte flica), mas no toda na funo flica, e sim participante de uma libido nica. O no todo certamente prenhe da relao persistente de uma mulher ao Outro, mas no ao outro materno que faz da homossexualidade a posio nativa da mulher (afirmao de uma parte do feminismo essencialista), mas ao Outro do significante, dito de outro modo, da linguagem. O falante mulher11 defronta-se, podendo experimentar em seu corpo12, a falta do significante no Outro, em termos freudianos, a falta do representante da representao, dito de outro modo, o real, o furo no simblico. Orlando haveria reencontrado no amor de uma mulher uma ligao libidinal original? Que dizer desta ligao? Desde a idade de sete anos, sua me a levava com ela a todos os lugares, inclusive ao trabalho. Isto ocorreria para se fazer ajudar numa tarefa ingrata, ou para distanci-la do seu grande interesse pelo pai? Essa me no tira os olhos da menina, ainda mais que na casa da famlia as portas dos quartos permaneciam escancaradas. A separao se far bruscamente pelo casamento de Orlando aos dezessete anos, depois de romper toda relao com a famlia. Desde o nascimento de seu filho, delegou a maternagem a seu marido que se encontra, percebi, muito satisfeito, enquanto que ela prpria sofre por ter cedido esse lugar que, no entanto, ocupou to mal. Seu investimento pequeno na criana, que permanece para ela bem real, um verdadeiro porquinho, diz ela, revela a falta de investimento flico.
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...que existe, A mulher que no existe porque (...) excluda pela natureza das coisas, que a natureza das palavras, ressalta Lacan em O seminrio, livro 20, Mais, ainda. Paris: Seuil, 1975, p.68. 12 Como Colette Soler o explicita a propsito da gestao e da gravidez em seu livro Ce que Lacan disait des femmes. Paris: ditions du Champ Lacanien, 2003, p. 280, em particular. E h que se constatar a perplexidade de certas parturientes diante de sua gravidez e para se convencerem dela.
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Mas encontra na sua amiga a mesma intensidade fusional que com sua me, no sem sofrer e se lamentar de seu carter intrusivo e exclusivo. At o dia em que vem com urgncia me dizer que havia tentado mat-la, estrangulando-a. ela ou eu, disse, no podendo vislumbrar nenhuma separao, como com minha me. A preponderncia da relao especular de apoio, a-a, esclarece sua passagem ao ato, a T.M. (tentativa de morte) assim como as T.S.(tentativas de suicdio) precedentes, todas no contexto em que o outro no mantm o espelho altura desejvel, levando Orlando a uma queda narcsica realizada. Ela reencontrou, em seu amor por uma mulher, o gozo incestuoso com a me na sua dimenso mortfera, pouco ou nada marcado pela funo flica.
Seja: Uma mulher um homem como os outros Passemos a uma outra tendncia do feminismo, de inspirao marxista. Este feminismo igualitrio considerado pelo precedente como uma fixao na fase flica13, a doena infantil do MLF (movimento lsbico feminino), como dizia Lnin do esquerdismo em relao ao comunismo. Por seu lado, ele rejeita o feminismo da diferena, acusado de naturalismo e de colaborao com a psicanlise. Seus tericos acentuam em particular a posio equvoca de uma supererstimao materna, lugar no somente de um domnio (do ventre), como do agrado de qualquer Eva moderna sustentar, domnio freqentemente delegado, veja-se o imaginrio, mas lugar, sobretudo, do domnio, da fiscalizao14 das mulheres pelo ventre. O feminismo de equivalncia reinvidica, antes de tudo, uma igualdade de tratamento social para as mulheres. A diferena dos sexos considerada como um
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O que remete posio de Ernest Jones que considera a fase flica na menina como um sintoma. MATTHIEU, N.C. Essais em antropologie ds sexes. In: Les cahiers de l`homme. Paris: Ed. De l`EHESS, 1985, os trabalhos reunidos por Nicole-Claude Matthieu demonstram a funo cultural e transcultural do controle, literalmente fazer entender razo de bom grado ou fora, por controlar e manipular as mulheres para a reproduo. Enquanto os trabalhos de Maurice Godelier, nos mesmos anos 1970 ressaltam o consentimento dominao das mulheres. Isto permanece verdadeiro, quer seja de novo verdadeiro em um contexto mundial de regresso social, mesmo se o ocidente infantiliza, burgus- bomio, tenha passado do dever da criana ao direito da criana, objeto mitigado de desejo e consumo, posio entre um reencontro pouco provvel entre essencialismo e capitalismo.
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produto social que justifica seu estatuto de desvalorizao e passividade, por isso mesmo, varivel a ser desconstruda. O segundo sexo produzido em relao ao segundo que dominante. Este feminismo aplica psicanlise o mesmo raciocnio e lhe endeream as mesmas crticas que ao discurso patriarcal. Descrevendo o inconsciente falocntrico encontrado na clnica, o discurso psicanaltico tende a reproduzi-lo. Esta corrente adotou rapidamente a teoria dos gneros15 importada dos Estados Unidos. O gender16 percebeu que a escolha sexual feita pelo sujeito, mais frequentemente pelas caractersticas do sexo para o qual foi educado. Por a h possibilidade de distinguir sexo e gnero e de fazer do gnero uma estrita construo scio-cultural induzida por uma srie de papis e funes atribudas aos corpos sexuais, fora de qualquer relao determinista com o sexo biolgico17. Que no seja mais que um marcador de gnero18, uma construo de habitus que modela o indivduo e o fora a uma srie de representaes. Pas de deux ento.
2 - ... mas, mais que dois Eis que o encontro tornado histrico e o entendimento relativamente cordial, ainda que um pouco frgil entre psicanlise e feminismo, fica perturbado pelo aparecimento de uma construo terica ps-gnero: a teoria queer19. A atitude queer rejeita em bloco as duas vias do feminismo considerando, com relao primeira, que nada h de natural quanto diferena dos sexos (e que, por exemplo, a heterossexualidade imposta que determina a maternidade), e
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John Money, um psiclogo americano, que utilizou primeiro o termo (em 1955) no quadro de uma pesquisa com crianas de sexo indeterminado (intersexuadas ou hermafroditas). A distino sexo e gnero teve grande difuso com os trabalhos de Robert Stoller. 16 Os estudos de gnero progressivamente substituram os estudos feministas nas Universidades. 17 O sexo um fato naturalizado de um gnero performativo. 18 MERCADER, P. Sexe et genre en psychologie. In: Le sexe, le genre et la psychologie. Paris: Hartmattan, 2005. 19 Monique Wittig, em seu livro diz: o pensamento straight foi um inspirador. Judith Buttler a reconhece como a exceo do french feminism. Cofundadora do M. L. F. francs, tornou-se terica do feminismo radical lsbico francs (isto , inspirado em Foucault, Derrida e Deleuse), ela no ser reconhecida nos Estados Unidos onde se instala nos anos 1975.
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quanto segunda, que denunciar ainda participar da ideologia e contribuir com o poder. Esta teoria rejeita do mesmo modo os movimentos gays e das lsbicas que lutam por reconhecimento de um terceiro sexo, porque esta reivindicao repousaria ainda sobre uma posio essencialista: existiria, sim, uma identidade homossexual, ou o sexo seria determinado por uma escolha de objeto, posio, sublinhemos de passagem, francamente anti-freudiana. Com efeito, Freud, que recorreu hiptese da bi-sexualidade para descartar o sexo natural, colocou-se muito rapidamente sobre o terreno estritamente do inconsciente. Ele descarta da escolha de objeto a caracterstica psquica20 desde os Trs estudos sobre a teoria da sexualidade, de 1905, mantendo esta independncia ao longo de toda a sua obra. Farei, no entanto, um parntese colocando em paralelo esse apelo a um terceiro sexo e a concluso provisria que Lacan, em 1979, apresenta nas lies quatro, cinco e sete de O Seminrio A topologia do tempo. Ele evoca a possibilidade de um terceiro sexo representado por Lilith, primeira companheira-sintoma de Ado. Suas reivindicaes igualitrias no ato sexual se tornam to insuportvel a Ado, que suplica a Deus para livr-lo dela, dando-lhe uma companheira mais submissa. conhecida a conseqncia disto na relao entre homens e mulheres. Quanto a Lilith, enviada ao fundo dos Oceanos onde so jogados os recm nascidos. A antime ento. Mas a analogia no termina a. Este terceiro sexo evocado por Lacan nada tem de homossexual. uma proposio lgica extrada da topologia dos ns borromeanos que decorre, cito Lacan, do foramento que se chama iniciao (...), aquilo pelo que (o sujeito) eleva-se a falo 21, este foramento que em outro lugar foi chamado de erro comum.22 E este um momento dele se lembrar de que a
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FREUD, S.: Em caso algum possvel designar algum como homossexual ou heterossexual em funo de sua escolha de objeto. In: Os primeiros psicanalistas, Minutas da sociedade psicanaltica de Viena, 1906-1908, Vol.1, Paris: Gallimard, 1976, p.253. 21 LACAN, J. O seminrio, livro 26, A topologia do tempo. Indito, lio do dia 16 de fevereiro de 1979. 22 Idem. O seminrio, livro 19 ,... ou pior. Indito, lio de oito de dezembro de 1971.
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psicanlise uma anti-iniciao, o que entendo como um convite a se ir alm do passo a passo segundo a norma, a "la norme male. A atitude queer consiste em desembaraar-se de todo determinismo, tanto interno quanto externo, seja dos discursos ou das realidades scioculturais, para se promover um livre arbtrio que ultrapasse a oposio tradicional
natureza/cultura. A desconstruo dos discursos apela para a idia feminina de inaugurar uma revoluo simblica atacando a linguagem nela mesma com uma feminizao sistemtica. Esta prtica discursiva23 ser generalizada. Trata-se, ento, de produzir um significante novo24 que podendo representar a mulher no inconsciente possa subverter a linguagem dominante, falocntrica, que impe seus esquemas de pensamento. Notemos que a idia data das Preciosas que distinguiam na lngua, para suprimi-las, as expresses machistas. E Lacan, em 1977, se interroga: Por que no se inventaria um significante novo? (...) que no teria nenhuma espcie de sentido, isto seria o que nos abriria ao que eu chamo de o real. Por que no se tentaria formular um significante que (...) teria um efeito? 25 Inspirado pela bio-poltica26 do ltimo Foucault, a teoria queer sustenta que o gnero em si mesmo no mais que um performativo, ou seja, criado por performances de gnero. So os atos e discursos que os acompanham que produzem a idia de se pertencer a um gnero. Ento, jogar segundo um gnero significa demoli-lo, porque no h o original, o sexo27 no sendo mais que uma prtica discursiva (ele no existe fora da linguagem) e representao. Cada um pode designar-se para alm do sexo e do gnero, mulher num dia e homem no outro, participando ativamente da labilidade das identidades sexuais, escolhendo
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Introduzido, entre outros, por H. Cixoux com o conceito de escrita feminina no artigo de 1975: O riso da medusa, In: L` Arc, n. 61, 1975, p.39-54. 24 Cf. Luce Irigaray, Speculum de l`autre femme. Paris: Minuit, 1974: uma outra ordem simblica no faria mais que da outra (mulher) uma imagem especular de um (homem) e a possibilidade de um outro significante que o falo (desenvolvido a partir da configurao da vulva) situaria a universalidade ao nvel do dois e no do um. E tambm J.Kristeva. 25 LACAN, J.L`insu que sait de l` une-bvue s` aile a mourre. In: Ornicar n. 17/18, Paris: Printemps, 1979, p. 21-2. 26 O poder uma construo histrica precisa, poltica contnua que infiltra e modela os corpos. 27 O sexo uma prtica de improvisao que se desenrola no interior de um cenrio de constries. BUTTLER, J. Dfaire le genre. Paris: Ed. Amsterdan, 2006, p. 13.
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como em A mo esquerda da noite o seu papel sexual segundo o seu desejo no momento. A idia de uma relao heterossexual em si mesma, (que Freud desmente nos Trs ensaios28) varrida, enquanto so supervalorizadas as prticas sexuais minoritrias porque explodem as referncias de sexo e de gnero, multiplicando a possibilidade de identidades e de reconstrues a partir da capacidade de agir dos indivduos. A sexualidade em si mesma torna-se uma produo cultural29 das possibilidades de expresso sexual. Beatriz Preciado chega a propor a extenso do domnio das prticas sexuais ao que chama prticas sexuais fora dos limites impostos pela diferena dos sexos e pelos circuitos convencionais de relaes, tendo em vista a produo de sujeitos falantes fora dos corpos. Estes falantes fora dos corpos seriam eles anjos excepcionalmente lbricos? Se o falante um sujeito determinado pela linguagem, inclusive nas escolhas orientadas por certas condies anatmicas de sua sexuao, precisamente porque o corpo no existe seno quando articulado em palavras. A castrao, ao mesmo tempo simblica e real, , ento, uma perda do organismo vivo (ser) e da o gozo estar sob a tutela dos significantes (palavra). O sujeito no tem mais que a escolha de habitar o corpo que tem, e o sexo torna-se o ser (l`tre)/carta (letre) de amor, submetido ao fantasma que o desnaturaliza. A sexuao uma opo de identificao sexual, resume Lacan na lio 14 de Maio de 197430, opo (escolha do sujeito) feita de identificao (conforme o discurso de gnero) quanto ao sexo (natural da anatomia). Certo, a atitude queer desconhece o inconsciente e toda possibilidade de um desejo que no seria conforme a deciso do indivduo. Certo, a posio sexual
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FREUD, S. Trois essais sur la thories sexuelle. Paris: Gallimard, 1987, p.51, nota de 1915: O interesse sexual exclusivo do homem pela mulher um problema que requer (...) uma explicao, e no algo evidente. 29 As performances, prticas de desconstruo da performatividade do sexo, no se limita atividade sexual, mas estende-se s produes scioculturais, particularmente arte (pintura, foto etc.). Ver Homenagem a Freud, de Michel Journiac (1972). O fotografo apresenta, ao lado das fotos de cada um de seus parentes, uma foto seu vestido e travestido de forma idntica a cada um. In Queer: repenser les identits. Revue du college international de philosophie, n.40. Paris: Puf, 2003. 30 LACAN, J. O seminrio, livro 21, Os no tolos erram. Indito. Ressaltado por MOREL, G. Ambigits sexuels . Paris: Antropos, 2000, p. 143.
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no abordada seno em termos de identificao e a fragmentao das identidades, no a diviso do sujeito inconsciente, mas uma maneira, nova dentre as possibilidades, de revel-la. E a psicanlise no tem por que recuar diante de efeitos subjetivos de posies individuais, muito clssicas, que encontram em uma teoria muito campo31, uma vitrine inesperada.
E o inconsciente Eis as realidades sexuais, concluamos sobre o inconsciente. Orlando se tornou mulher intil neg-lo. Mas, quanto ao resto para todos os olhares, ele/ela tinha mudando de sexo, mudado de futuro, mas no de personalidade. (...) Todo ser humano oscila assim de um plo a outro (...). Ningum ignora as complicaes que da resultam.32. Destas complicaes, o Orlando nativo, alis, Virginia Woolf, conheceu algumas. Atravessando os sculos e os sexos, ela terminou por se deixar deslizar na paisagem como Virgnia o fez nas ondas, com os bolsos cheios de pedra. Entre a queda melanclica e a errncia no sexo e no tempo, no h mais que uma frgil distncia. Como tornar a vida suportvel? Esta a questo que resume a tarefa que Judith Buttler atribuiu a si mesma, que se lembra a si mesma, que sob seus escritos h uma pessoa e a dor de existir. Reconheamos a um cuidado comum. A resposta queer parece ser: no perda, porque o risco de se perder muito grande. Esta teoria, que se apresenta como uma teoria sexual infantil que preconiza uma sexualidade perversa-polimorfa sem os limites flicos, no se torna
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Judith Buttler, cuja relao com a psicanlise mudou sensivelmente entre a sua primeira obra, recentemente traduzida, mas escrita em 1991: A confuso no gnero. Por um feminismo da subverso. Paris: La decouverte, 2005, e seus trabalhos mais recentes, onde convida a se fazer uma ligao entre o fora da norma decidido e o fantasma. Cito: importante que se lembre que a psicanlise pode tanto servir de crtica adaptao cultural como de teoria do fracasso da sexualidade em se adaptar s normas sociais pelas quais regulada. (...) No h melhor teoria para cingir os mecanismos do fantasma (...) elemento da relacionalidade humana. BUTTLER, J., Defaire le genre. Op. cit., p. 27-8, e Id. Hors de soi, comprendre la sexualit. Revue de philosophie et de sciences sociales, n.6, 2005. Paris: PUF, p. 290: abrir novas possibilidades para o fora da norma, ou um futuro diferente para a norma em si mesma, participa do trabalho do fantasma.... 32 WOOLF, V. Orlando. Paris: Le livre de Poche, 1975, p.155-70.
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uma clnica do amor? Uma construo que visa evitar o confronto com a ausncia de resposta no Outro, que poderia deixar o sujeito na insatifao33 da perda de gozo, entendamos como uma recusa declarada castrao. Mas, recus-la no impede que se apresente, ou seja, que se imponha no inconsciente que existe, mesmo que o sujeito no o queira. Orlando, me do meu jovem paciente, queer sem o saber, no se deixando identificar nem por sua escolha de objeto, nem por sua funo de me, nem por seu lugar na estrutura familiar (ela no quer ser a filha dos pais que rejeita) e ela deixa seu marido um certo dia sem saber porqu. Mas isto no se faz sem risco. Como seu homnimo da literatura, coloca-se perigosamente na borda do vazio que a pulso no suficiente para contornar. Talvez os queer possam demandar psicanlise, condio que esta cuide bem da direo que toma, para todos e cada um, a possibilidade de suportar a privao da plenitude e esperar o amor onde o Outro falta, sem a miragem da harmonia nem a esperana da completude. Eis a nica diferena absoluta34 que nos psicanalistas, olha.
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o termo empregado por J. Buttler. LACAN, J. O seminrio, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanlise. Paris: Seuil, 1973, p.248.
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Alteridade e anti-predicatividade
Gladys Mattalia
Em El Priplo Estrutural1, Jean-Claude Milner nos ilumina sobre a antipredicatividade no pensamento de Lacan, trao que compartilha com outros tericos da corrente estruturalista. 2 Lacan evitou as predicaes clnicas como enunciados, expressados na forma clssica das proposies aristotlicas: x P. Evitou as predicaes clnicas do tipo: Dora histrica. Lacan situou a predicao clnica como um insulto ao ser. Forma atributiva clssica da psiquiatria. Em Lacan, (...) quando a frase comea com um nome prprio, muito raro que conclua com a atribuio de um predicado clnico. 3 Milner postula que uma forma de se opor predicao e construir um saber desde a anti-predicatividade supe um exerccio de encontro aos cnones clssicos da histria do pensamento. Prope a inverso de lugares do sujeito e do predicado: no o mesmo dizer Dora histrica que dizer a histeria de .... O ncleo difcil de ser penetrado da teoria lacaniana a teoria do sujeito, que se constri a partir da lgica do significante, tira do sujeito a menor substncia particular. Em Lacan, o adeus lingstica est fechado quando, em seu texto LEtourdit, postula que o inconsciente o que escapa lingstica, o que escapa por entre as brechas. No Seminrio XX, dir que faz lingsteria. O hiper-estruturalismo lacaniano submete as estruturas s exigncias do mnimo, uma estrutura unidimensional, uma estrutura de cadeia significante deve poder ser abarcada em um olhar, um instante, um ato ou em uma frase gramatical: bate-se em uma criana. Lembro-me de uma jovem mulher que na frase: pobre,
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MILNER, J.-C. El priplo estructural, Figuras y paradigmas. Amorrortu Editores, 2003, p.166. Nota do tradutor: este livro ainda no tem edio em lngua portuguesa. 2 SOLER, C. La histeria, su lengua, sus dialectos y sus vnculos. Curso 2002-2003. Collge clinique de Paris, p. 136. 3 MILNER. El priplo estructural, Figuras y paradigmas. Op. cit.
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menores e ausentes, condensava quase toda sua posio de gozo. Digo quase toda porque ela no-toda no des-encontro (desencontro com o partenaire sexual, mas encontro com seu partenaire de gozo). No desencontro sintomtico de sua histrica frigidez, testemunho vivente de sua posio inflexvel de um no querer consentir. Em uma cadeia no h estratificao, no h metalinguagem, no h Outro do Outro. Nesse sentido, no h primeiro, segundo, ou terceiro sexo. O sexo se constri numa lgica marcada pela instantneidade da cena de gozo (como foi a cena primria para o Homem dos Lobos). Numa frase, em um instante, em um ato, em uma letra (V) se condensa a estrutura do sujeito. Uma estrutura unidimensional supe que a frase o domnio finito cujo interior se constrem paradigma e sintagma. O hiper-estruturalismo lacaniano postula o carter imaginrio do paradigma, criando conceitos novos: tempo lgico e tempo retroativo (aprs coup). Uma cadeia a estrutura mnima, uma cadeia um significante e todo significante est em cadeia. Numa relao que no de simetria, como o em Saussure, entre o significante e significado. Longe do par ativo-passivo, o significante ao pura. Milner recorre hendadis que na retrica clssica consiste em utilizar os substantivos no lugar de um substantivo e um atributo. Figura que marca a posio ativa do significante. O todo gozo flico e o no-todo do gozo feminino, na lgica da sexuao lacaniana, supe uma estrutura ativa que constri e determina a posio sexuada. O dito e o impossvel de dizer. O predicvel e o anti-predicvel. Dois domnios de uma mesma estrutura. Nosso pensamento racional e ocidental tende construo das proposies aristotlicas, predicando sobre o sujeito: O cavalo um mamfero de quatro patas, diviso entre sujeito e predicado, sendo este ltimo, os trao ou atributos essenciais que falam do sujeito.
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Muitos lingistas estruturalistas rejeitaram esta forma clssica de predicao e propuseram a inverso da anlise: o que funcionava como atributo passa categoria de sujeito. Por exemplo: A mulher masoquista, maternal, intuitiva, se converte em: o masoquismo, a maternidade e a intuio de uma mulher. Com a simples inverso evitamos a predicao universalizante. E uma por uma ilumina em relao a sua posio frente ao gozo. Pluralidade de sujeitos e pluralidade de seus gozos. Lacan com sua posio anti-predicativa prope: (...) promover o trao como sujeito e parar de trat-lo sistematicamente como atributo.4 Assim, uma mulher o entrecruzamento, a cpula, a equao, o estenograma da combinao de dois gozos possveis: um predicvel desde a lgica flica () e outro impossvel de predicar, o que no cessa de no escrever-se, S(%). Disse Milner que: Ao combinar desestratificao, anti-predicatividade, minimalismo, ao, pode-se determinar o que poderia ser uma teoria de uma cadeia mnima qualquer.5 Assim, podemos aplicar o princpio de anti-predicatividade lacaniana para pensar o tema da sexuao no sujeito do inconsciente. Toda a histria do pensamento, desde Plato e Aristteles, inclusive Hegel, sups transcorrer os meandros do Todo (universal) e da Exceo (particular). O discurso analtico, a partir de Lacan, constri um horizonte que ao pensar a mulher a partir da perspectiva do no-todo, introduz a diferena subjetivao absoluta. Em seu Seminrio XX, Lacan estabelece uma sorte de equivalncia entre o discurso do Amo, a ontologia da subjetividade absoluta e a posio do lado masculino. Pensar a mulher inscrevendo uma lgica que rege sua relao com o significante a partir do no-todo, significou na histria do pensamento romper com uma lgica universalizante.
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O esforo de Lacan foi o de pensar a sexuao e, inclusive, o final da anlise, em relao ao real inscrito mais alm do dipo, no regime do no-todo. Lacan ironiza Aristteles em LEtourdit: Por acaso, no teria sido interessante que orientasse seu mundo com o no-todo negando o universal? Com isso, a existncia j no envelhecia pelo particular, e para Alessandro, seu Amo, poderia ter sido boa a advertncia: se o no-todo que existe se escapasse mediante um ausentido 6, seu Amo teria se divertido um pouco com isso, acrescenta Lacan. Pensar a mulher sups, ento, uma abertura e uma mudana de olhares problemtica da diferena entre os sexos. O no-todo feminino, esse no-todo que estrutura Ainda e mais alm do feminino, abriu um campo de interrogao e um horizonte marcado por um novo gozo, o do Outro sexo, que se singulariza em sua anti-predicatividade. A partir do momento em que Lacan produz suas frmulas da sexuao, j no encontramos em sua escrita predicaes do feminino. Inclusive disse Colette Soler dizer feminino j um modo de predicao. Antes da apario de seus Escritos podemos encontrar algumas referncias da verdadeira mulher em relao a Madeleine de Guide ou Media de Eurpides. Mulheres que com seus atos ultrapassaram a dialtica universalizante do todo flico; mulheres que se puseram mais alm do dipo, mais alm das leis da plis. Entretanto, ao construir sua lgica do no-todo singularizante abandona qualquer predicao. O prazer, os prazeres do mundo antigo7, supe uma fsica das qualidades materiais agrupadas de acordo com um binarismo possvel (pesado/leve, doce/salgado, loiro/moreno, simtrico/disforme) que incidem sobre um corpo como lugar dos efeitos e constri uma aritmtica dos prazeres (tenso/relaxado, excitado/calmo, inchado/desinchado, prazeroso/doloroso). Uma sintaxe e uma lgica organizadas em torno das qualidades que nomeiam os adjetivos, uma
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LACAN, J. El atolondradicho. In: Escansin. Buenos Aires: Editora Paids. A autora se remete ao texto, El triple del placer, de J-C. Milner. Editora Del cifrado.
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substantivao dos corpos e os sujeitos, organizados sob o imperativo dos prazeres possveis que a linguagem pode nomear. A anti-predicatividade e a anti-adjetivao da lgica lacaniana: ir mais alm do possvel, mais alm da linguagem, mais alm do prazer, mais alm do sentido. O Ausentido da relao entre os sexos do Mais, Ainda, o des-sentido (dsens) de L Etourdit, so os modos de nomear esta impossibilidade predicativa que inaugura o pensar uma mulher. Uma mulher supe a excluso de toda predicao universalizante. Uma mulher est excluda da natureza das coisas que so da ordem das palavras. E assim, (...) a verdadeira mulher no para de reinventar-se atravs da histria. (...). 8 Mas uma no-toda est mais alm da realidade, a realidade sempre discursiva. No h a mnima realidade pr-discursiva acrescenta Lacan e dizer que ela no-toda, equivale a dizer que: (...) h sempre algo nela que escapa ao discurso. (...) 9 Assim, quando Lacan, em A Significao do falo, estabelece a diferena entre ser e ter o falo para abordar a diferena dos sexos, quando d preciso, posteriormente, a partir do uso das funes proposicionais. Quando escreve: x x (para todo x, phi de x) o argumento (x) antes de se associar funo flica () permanece indeterminado. Assim, no h essncia masculina, nem feminina, a anatomia no o destino
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. Porque um tal x se
coloca por inteiro na funo flica, que pode se dizer homem; e porque um tal x no se coloca por inteiro na funo flica que se pode dizer mulher. O todo e o no-todo so os modos de captura (flica) e limite (noflico) do corpo e o sujeito pela alngua. Duas possibilidades do sujeito falante, duas vertentes da estrutura. Como disse Colette Soler: Se um ser vem representar esse limite, isso quer dizer que no se pode dizer nada sobre ele, ou tambm que se
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SOLER, C. La histeria, su lengua, sus dialectos y sus vnculos. Op. cit., p.142. LACAN, J. Seminrio XX. Editora Paids. p. 44. 10 Este um seminrio de minha autoria publicado pela Universidade de Valncia em 1997.
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pode dizer tudo, ou seja, qualquer coisa, mas nada que fundamente uma definio universal. 11
Um excesso predicativo critica pergunta freudiana: o que quer uma mulher? Was will das weib pode-se responder por um caminho: quer sofrer. Preconceito monstruoso diria Lacan que se manteve indiscutvel, apesar dos fatos clnicos e cotidianos que demonstram o contrrio. Helen Deutsch e Karen Horney defenderam esta frmula sustentando-a na interpretao equivocada do suposto masoquismo feminino12 freudiano, como a essencialidade do desejo feminino. Mas, na realidade, com estas afirmaes, Freud explora metodologicamente as verses de objeto complementar do desejo masculino na sua vertente flica. Qualifica de feminino o masoquismo de alguns sujeitos masculinos e conclui que, se o sujeito aspira ser maltratado, para ser amado como a mulher do pai. Ser o complemento do objeto do gozo do outro muito diferente de uma possvel definio de uma posio subjetiva na sexuao. Nos textos sobre o querer mulher (1923/1925/1931), Freud no recorre ao masoquismo, a bssola orientadora seguir os caminhos da castrao e definir a feminilidade pela subjetivao da falta flica. Falta que abre a possibilidade de ser objeto do fantasma do outro num leque de possibilidades que vai desde as cosquillas a la parrilla 13. O erro freudiano, que as feministas o fizeram pagar caro, foi reduzir o inconsciente ao Um flico, mas no se pode esquecer que deixou aberta a pergunta sobre o quer uma mulher?. Helen Deutsch, em Psicologia das Mulheres (1945), nos diz: As mulheres esto adaptadas dor (...), cmodas na dor (...), j que na reproduo padecem o parto; e o narcisismo segundo a autora preserva-as do intenso
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SOLER, C. Lo que decia Lacan de las mujeres. Colombia: Editora No todo. 2004, p. 277. FREUD, S. Pegan a um nio (1919) e El problema econmico do masoquismo (1924). 13 Nota do tradutor: o termo cosquilla a la parrilla conotaria que as possibilidades que o feminino traz de ser objeto do fantasma do outro vai de umas simples ccegas a deixar-se ser queimada.
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masoquismo. A mulher, o corpo da mulher, um campo de batalha no qual se debatem: masoquismo-dor-narcisismo. O destino da mulher como servial da espcie acrescenta Deutsch depende da colaborao harmoniosa do masoquismo e do narcisismo. O hiper-masoquismo feminino e trgico da personagem de Carmem de Biset o paradigma, para Deutsch, de uma verdadeira mulher. Em L Etourdit, Lacan lana uma forte crtica a estas mulheres analistas que se deslizaram do inconsciente : (...) voz do corpo, como se precisamente no fosse do inconsciente de onde o corpo cobra voz. 14 A mulher masoquista, errante de seu gozo Outro, consente a deixar-se maltratar, atar, amordaar, castigar, subjugar, injuriar, blasfemar... em uma tentativa de reter o semblante de objeto que faria complemento de ser da castrao masculina. Mas consentir a ser a causa do gozo do Um no as identifica como mulheres. Uma mulher pode tomar, s vezes, ares de masoquista, para se dar ares de mulher e desta maneira, ser a mulher de um homem. Esta mascarada, este semblante de sofrimento, no indica ou inclusive pode ser o mais oposto posio feminina que, nas palavras de Lacan, transcendente a ordem do contrato.15 Predicar uma mulher, ou melhor, predicar seu gozo, adjetiv-lo, pode nos conduzir a erros de interpretao. Quem chora nem sempre quem mais sofre, as choronas fizeram disto uma profisso. O saber popular o enuncia nas lgrimas de crocodilo. O que canta em falso, nas carpideiras, a composio e o enfrentamento de duas lgicas, aparentemente opostas, a da dor e a do dinheiro. As choronas sabem inscrever o gozo predicvel da dor nas leis de mercado. So mulheres que no derramam uma s lgrima sem que estas possam ser facilmente reintegradas.
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LACAN, J. Seminrio XX. Op. cit., p. 34 Id. Idias diretrizes para um congresso sobre a sexualidade feminina. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.
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Os ares de mulher, suas predicaes, mudam com o tempo e regulam os laos sociais prprios do discurso. On la dit-femme, difama-as, ou melhor dito, diz de m forma, as mal-diz. Uma mulher marca a evanescncia do sulco que um peixe deixa na gua. Ela, como Eros, no tem nada a ver com predicados: beleza, juventude, riqueza, intuio, sofrimento... Mais alm da presena, da natureza, da anatomia, da biologia, do gnero, mais alm do ter nascido mulher, mais alm de fazer-se mulher, mais alm do prazer, mais alm de um mais alm e ainda, assim...
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O DIZER DO SEXO
Gozos Inconfessveis
Anita Izcovich
Pode-se dizer que no princpio eram os gozos inconfessveis, no sentido de que o inconfessvel estaria na base da estrutura do sujeito. De fato, se nos referimos ao texto de Freud, de 1924, A Negao, percebe-se que algo de inconfessado, no sentido de recalcado, pode aceder conscincia sob condio de ser negado. Assim, originalmente, a funo do juzo deve, por um lado, afirmar que uma propriedade pertence ou no a uma coisa, Coisa, de acordo com o teste de realidade, reencontrando, portanto, o objeto tornado presente pela reproduo da representao, j que ele est ausente. Pode-se dizer que o juzo de existncia finalmente confessar que o objeto est l, sobre o inconfessvel de ele estar ausente. Este um ponto que se reencontra na teoria lacaniana, na questo do sujeito que se constitui a partir de sua ausncia, de seu apagamento na fantasia, da eliso de um significante no lugar do Outro, onde jaz a falta de existncia. Isto inconfessvel para o sujeito, ou seja, ele o recalca, e como tal que ele se afirma como sujeito. L, onde uma verdade confessada, ao mesmo tempo uma verdade negada. a que intervm precisamente a questo da estrutura do sujeito. Pois o que faz o sujeito neurtico? A partir de seu grafo, Lacan coloca o sujeito como emissor que recebe do Outro, do receptor, sua prpria mensagem de forma invertida. A neurose finge dissimular: ela confessa uma verdade para que se a tome como mentira. Enquanto que o sujeito psictico no recebe sua mensagem de forma invertida. Lacan observa que sob a forma de uma verbalizao negativa que o sentimento inconfessvel surge numa interpretao persecutria.1. Da resulta que a
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LACAN, J. Funo e campo da fala e da linguagem em Psicanlise. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, p. 299.
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conduo do tratamento analtico no a mesma na neurose e na psicose. Se na neurose a elaborao visa a enunciar verdades inconfessveis porque recalcadas esse ponto ser discutido mais tarde na psicose, ao contrrio, no se trata de fazer confessar as representaes inconscientes, precisamente porque elas foram foracludas. Ento, fazer com que elas sejam confessadas faz-las surgir no real: a interpretao se torna assim persecutria. Penso numa paciente psictica cuja conduo do tratamento consiste justamente em afast-la dos pontos cruciais que fazem surgir idias suicidas. No se trata, portanto, de ela confessar elementos inconscientes que esto a cu aberto, mas que ela possa encobri-los com uma espcie de vu, que a analista a ajude mesmo a neg-los. Essa mulher psictica, pois estava presa precisamente no testemunho de uma falta no pai, e repetia isto com seu marido. Ela havia mandado que esse jogasse na lata do lixo 2.000 caixinhas de msica que ele levara vinte anos colecionando. Esta, entre outras, era a falta de seu marido: ele acumulava objetos que a invadiam. Assim que esta paciente me contou isso, eu nada disse, e meu silncio se tornou persecutrio, porque ela interpretou que eu lhe atribua a falta de hav-lo despojado de objetos que lhe eram caros, aps vinte anos, algo que eu no disse, mas que ela mesma pensava sem confessar. Tive imediatamente que reassegur-la de que ela no havia feito nada de errado. O que ela buscava na transferncia era como a analista poderia cometer a falta de reprov-la por uma falta pela qual ela mesma se reprovava, o que poderia desencadear idias de suicdio. O inconfessvel aqui destruir o outro para se destruir a si mesma. Portanto, no tratamento analtico da psicose melhor deixar, na ocasio, o inconfessvel inconfessado, uma vez que no foi simbolizado e no simbolizvel. Porque, se o significante inconfessvel for confessado, ele se inscreve no real. Na neurose, pode se fazer uma distino entre o tratamento do inconfessvel na histeria e na obsesso. Freud j observara que h um esquecimento, uma amnsia na histeria. Enquanto que, na estrutura obsessiva, o sujeito exprime a verdade do significante, introduzindo-lhe uma negativa pela qual
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ele se anuncia como no sendo justamente aquilo que articula. Isto quer dizer que na histeria, ignora-se que o inconfessvel foi esquecido, enquanto na neurose obsessiva, o inconfessvel afirmado como verdade, mas na negao. Portanto, de um golpe s, na histeria o desejo s se mantm na insatisfao, ao se esquivar como objeto para fazer esquecer o gozo inconfessvel. O gozo inconfessvel no sentido de evitado. Penso numa mulher de 24 anos, que veio para anlise com um sintoma que, para ela, era no poder se deparar com o homem. E se um encontro com um homem conduzisse a uma relao sexual, ela se esquivava. Ela sofria por no poder ser objeto de desejo para os homens, mas, ao mesmo tempo, ela adorava se fazer de amiga deles, sentindo-se como eles, se fazendo de homem. Alm disso, ela se considerava mais Outro que o homem, quer dizer, que ela lhe acrescentava algo de suplementar ao suscitar suas confidncias. Ao se interessar assim pelo sintoma do homem, ao encarnar o Outro para eles, ela no consentia em ser sintoma para eles, ser seu objeto de desejo. De uma s vez ela se recusava ao gozo e o tornava insatisfeito. Ela situava a causa de seus sintomas na desarmonia do casal parental. Recusava-se aos homens como sua me frente a seu pai. Ao mesmo tempo, ela se identificava com o pai castrado: os dois eram mal-sucedidos na seduo do sexo oposto. Ela enunciava esse desejo insatisfeito, esse gozo na falta, em suas elaboraes e os reencontrava na repetio de seus atos com os homens, com variaes. Finalmente, a partir da enunciao de seus gozos inconfessveis, o que se pe em movimento a verdade da harmonia entre os sexos. Estamos ali para o instante. Quanto ao obsessivo, ele nega o desejo do Outro e acentua, na fantasia, o impossvel apagamento do sujeito, dando cauo ao Outro. Ao contrrio da histrica, ele no teve falta de prazer na infncia, mas prazer em excesso, como observou Freud.
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O obsessivo introduz uma negao nos gozos inconfessveis. No caso do homem dos ratos, pode-se notar a importncia da agressividade, da crueldade, das pulses criminosas. Mas, frente a essas pulses, h dvidas, compulses, mandamentos para combater a sano. em outro lugar, na ordem contrria, que os elementos aparecem: primeiro a punio, a defesa que impede os gozos inconfessveis de se realizarem e, somente depois, o desejo culpado. Pode acontecer que certos meninos obsessivos, prestes a confessarem gozos inconfessveis em sua elaborao, se detenham subitamente e declarem: Isso eu no vou falar porque pessoal. E intil retrucar que se trata precisamente de coisas pessoais, que eles logo introduzem uma negativa na confisso de seu desejo culpado. Um menino de 8 anos me trouxe, numa sesso, uma carta que havia dirigido ao pai, onde escrevera: Querido papai, perdoe-me pela briga que tivemos e por eu lhe haver dito que quando fosse adulto eu o deixaria. Quando questionei esse ponto, ele se recusou energicamente a me responder, para dizer em seguida que havia insultado o pai e que estava envergonhado. Isso posto, seu sintoma era estar numa submisso total ao pai justamente para sustent-lo em sua falta, e comeou exatamente a afrontar o pai a fim de avaliar os efeitos sobre a relao de ambos com a castrao. O problema que ele se sentia culpado da a demanda de perdo de separar-se do pai simbolicamente, no sentido de que temia que seu pai fosse desmoronar. Por outro lado, evocarei o caso de um homem obsessivo, cujo sintoma era uma forte angstia aps a morte do pai, associada ao medo de morrer. Seu discurso era regido pelo controle, toda surpresa que se produzisse na anlise era imediatamente anulada. O gozo inconfessvel era negativado. Esse sujeito blefava a analista, como dizia blefar os outros em seu convvio. Ele ressentia os cortes, as interpretaes que apontavam o inverso do controle, como duchas frias. Era o nico modo de desalojar por instantes o gozo escondido. Finalmente, esse analisando articulou sua fantasia em torno da identificao paterna seguinte. Seu pai era, aos seus olhos, medroso e fraco, tinha sinais de falta flica. E a posio
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desse analisando era passar por cima do pai para atingir a potncia das imagens identificatrias de seu av materno, operao que necessitava que ele apelasse ao blefe. Ele confirmou que seu desejo de controle se prendia a isso, e que suas angstias de morte, que surgiram aps a morte do pai, estavam ligadas ao seu desejo de morte do pai. Se ele se lembrou de ter querido atacar seu pai, quando brincava com ele de trem eltrico, v-se, num sonho, morrer na cadeira eltrica, onde morrem suas faltas. Estas se articulam com o incesto, atravs de sua me que, segundo ele, desprezava seu pai. O que este no lhe havia transmitido era preciso que ele obtivesse fora da lei, na impostura, matando o pai para gozar da me. Quanto anlise, permitiu que ele, aps vrios anos, e pela enunciao de seu desejo morto, nas coordenadas de sua posio incestuosa, pusesse o dedo nesses gozos inconfessveis para dom-los e assim poder inscrever seu desejo num certo nvel de responsabilidade da prpria famlia. Portanto, pode se dizer que a anlise consiste em confessar os gozos inconfessveis, principalmente os gozos edipianos? Lacan enfatiza que, no que se refere ao testemunho, a justia quer julgar aquilo que de seu gozo, visando que se confesse precisamente porque ele inconfessvel. Na elaborao analtica se trata, acima de tudo, de encurralar o gozo, e isso s pode ser feito no semblante: O gozo s se interpela, s se evoca e cerca a partir de um semblante.2 Existe, portanto, um para-alm do inconfessvel. Lacan desenvolve a questo do para-alm do dipo em O Avesso da Psicanlise. Ele critica Totem e Tabu, no sentido de que, segundo Freud, a morte do pai da horda real, correu inevitavelmente, e a partir da tudo se desencadeou. Pode-se dizer que o mito de Totem e Tabu uma confisso de gozo. Ele mostra bem que a morte do pai a condio do gozo, e em seu enunciado se faz a equivalncia do pai morto ao gozo. o pai que mantm o gozo reservado, e da que se instaura o interdito. Trata-se do mito como operador estrutural, segundo a leitura que Freud nos prope. Enquanto que, para Lacan, o impossvel que o pai morto seja o gozo.
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Segundo o desenvolvimento do seminrio O Avesso da Psicanlise, o complexo de dipo, em sua referncia a Sfocles, no tratado como um mito. Justamente porque existe a questo do saber. Quer dizer que dipo procura saber a verdade, ele livra o povo de um enigma imposto pela Esfinge. dipo o decifra, suprime a incerteza que impunha ao povo a questo da verdade. Isso ilustra bem como a verdade s pode se expor, se confessar atravs de um meio-dito cujo modelo o enigma, ao qual preciso responder custa de um perigo mortal. Para Lacan, dipo um inconsciente no sentido adjetivo do termo, ele a castrao mesma, ou seja, aquilo que resta, quando dele desaparece, sob a forma de seus olhos, um dos suportes eleitos do objeto a. A partir da, pode-se dizer que o dipo ilustra a verdade irm do gozo confessado sob a forma de objeto a. Mas, para-alm da castrao h a questo da morte. Lacan lembra como a interpretao dos sonhos de Freud surgiu com a morte de seu pai. E algo se esconde, o voto de que o pai seja imortal. Pode-se dizer que o voto do sujeito inconfessado, , pois, o no-saber da morte O pai morto de Freud equivalente ao pai imortal, ao pai do gozo, aquele de Totem e Tabu, que existiu. Segundo Lacan, que o pai morto seja o gozo o real como impossvel, se diferenciando do imaginrio e do simblico. Afinal, todo mito um enunciado do impossvel. E se Freud atribua o gozo ao pai, ao significante mestre, para Lacan o pai aquele que nada sabe da verdade. V-se a a diferena entre Freud e Lacan, em termos de gozos inconfessveis: para Freud, o inconfessvel seria confessado num mito. O inconfessvel a ser confessado o inconsciente, que Freud situa como verdade da experincia analtica. Enquanto que, para Lacan, no se pode situar os gozos inconfessveis na verdade do significante mestre ou do mito do pai. A verdade no existe, sendo o pai esse real impossvel. Em Radiofonia, o inconsciente colocado como um termo metafrico para designar o saber que s se sustm ao se apresentar como impossvel, confirmando-se assim, ser real. Em outras palavras: o inconsciente no confessvel. E finalmente, a questo no
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mais o que se confessa numa anlise, mas antes, o que no se confessa, simplesmente porque no existe. Em Inibio e Acting-out, de maro de 1976, Lacan diz que uma anlise faz confessar todo aquele que se arrisca, cada um na anlise passa pelo rito da confisso (savoue-rit) para produzir equvoco com sua verdade, e s existem verdades particulares.3 Por fim, o que se confessa uma verdade que mente ou, como pudemos constatar no texto que foi trabalhado este ano no Seminrio Escola de Paris, Prefcio edio inglesa do Seminrio XI, de 1976: a miragem da verdade, da qual s se pode esperar a mentira, no tem outro limite seno a satisfao que marca o fim da anlise.4 Trata-se do passe e do risco que se corre ao testemunhar da melhor maneira a verdade mentirosa. Isso o que Lacan chama de historizao da anlise, com a qual faz equvoco com a histerizao. Esse ponto ser retomado em Linsu que sait de lune-bvue saile mourre. Ele mostra a diferena entre a identificao histrica, paterna, prpria da verdade mentirosa, e a identificao ao trao particular. Portanto, se a histrica possui um inconsciente para se fazer constituir como radicalmente outra, como vimos no texto com nossa analisanda, a historizao do passe o que compele a correr o risco, a dar provas, a desmontar o radicalmente outro prprio do inconsciente. Trata-se, no passe, de testemunhar a verdade mentirosa da mulher, da inadequao entre os sexos, para desmanchar os gozos inconfessveis.
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Idem. Pas-tout Lacan, Inhibition et Acting out, Clture du Congrs, 24.03.1976. Idem. Prefcio edio inglesa do Seminrio XI. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003 p.568.
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O inconsciente um fato, na medida em que se sustenta no prprio discurso que o estabelece (...)1
Qual plural? Eu me interroguei, de incio, sobre o que nosso ttulo poderia ensejar, colocando realidade sexual no plural. Quando Lacan falou da realidade sexual do inconsciente foi no singular, para dizer que no h outra seno a pulso. Dito de outra forma, no h outra seno o gozo j civilizado pela linguagem do inconsciente, com seu saldo cnico. De fato, o que se diz do sexo, em uma anlise, no nvel da verdade significada pelo discurso de todo sujeito, e cifrada em seu sintoma, no vai alm do que cito, uma sexualidade de metfora, metonmica, vontade2, por esses acessos no pr, mas extra genitais. Partimos desse fato de ausncia, ausncia da relao a onde, no entanto, os corpos copulam. Dito de outra forma: castrao e fantasia a fazem objeo, mas fazem suplncia tambm, presidindo as vias que conduzem cada um na direo de sua verdadeira cama, como diz Lacan. Essas vias so prprias a cada um, s h verdades particulares para dar conta do mal-estar, verdades plurais, portanto, da sexualidade perversamente orientada do inconsciente. Poder-se-ia, ento, tomar este plural no nvel do um a um, e ns rebateramos nosso ttulo com um tema mais clssico, do tipo: fantasia e sintoma, caso a caso. A paleta seria, certamente, vasta, indefinida, poderamos mesmo nos divertir com casos originais, mas no teria nada de indito.
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LACAN, Jacques, O aturdito. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003, p. 479. Ibidem, loc. cit.
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Outra hiptese, ento. Este plural, seria aquele do discurso do avesso? Poderia este plural designar a variedade das prticas de corpo-a-corpo na civilizao moderna, sua proliferao mltipla, auto, htero, homo, sado, maso, txico etc.? Pessoalmente, no creio nisso, pois no vejo nada de novo para encontrar, para a psicanlise, nesta via ainda que o socilogo possa talvez fazer disso sua matria. Noto, de incio, que o catlogo dessas prticas bastante estvel atravs dos sculos; tudo o que possvel fazer com um ou mais corpos j foi praticado, at mesmo institucionalizado. Certamente a distribuio das frequncias difere segundo as pocas, mas no a natureza dos fenmenos. O que difere, ao contrrio, que, hoje em dia, permitido exp-los luz do dia. E, depois, sobretudo, que se sabe, a partir de agora, em parte, alis, graas psicanlise, que nosso modo de gozo aquele que, eu cito Televiso, s se situa a partir do maisde-gozar e j nem sequer se enuncia de outra maneira3. O que quer dizer que, em matria de gozo regulado pelo discurso, no h mais nada que esses bnus, quer seja nas prticas erticas, quer seja nas prticas da fala. Eu digo gozo regulado pelo discurso, pois deixo de lado a realidade sexual que se situa fora discurso da psicose. Para aquele que ordena o discurso, isso faz, ento, ainda, uma s realidade supletiva da relao que falta, sempre a mesma, e que se declina no um por um. Em tudo isso, nada do Outro, nada da Outra realidade sexual, a no ser o gozo mantido perverso, o que a lngua coloniza. As realidades sexuais so, ento, pelo menos duas. E a produo das frmulas da sexuao, em 1972, ratificou esse plural do dois. A castrao objeta e supre a relao, mas ela determina tambm o que a anatomia por si s no basta para fazer, a saber, duas metades que, eu cito, tm uma relao ao sexo4, distinta. E eis o nico plural que encontro para dar consistncia ao nosso tema sem sair dos limites do discurso da psicanlise. Ele me conduz a uma questo que considero, de minha parte, aberta, h muito tempo, nos anos 1990, por ocasio das jornadas sobre
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LACAN, Jacques, Televiso. In.: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003, p.533. Idem. Ltourdit. In: Scilicet 4. Paris: Seuil, 1973, p. 21.
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A Outra realidade sexual. A questo a seguinte: o inconsciente-linguagem, que preside castrao e ao saldo cnico, no sabe nada da Outra realidade sexual. Retomo aqui uma de minhas velhas frmulas. Como, ento, saber o analista alguma coisa disso, se ele se atm sua funo de causa e de intrprete? Como uma prtica de linguagem que abre mo de tudo saber fazer dos corpos ter acesso ao que no est inscrito no inconsciente-linguagem, nem em seus significantes, nem em tudo o que os ditos cifram, nem no que eles dizem, nem em suas letras? Se o inconsciente-saber no sabe nada do Outro, e isto por definio, de alguma forma pode-se perguntar em que um gozo que no flico, que no causado por um objeto a, um gozo, portanto, no cifrado, fora do simblico, que no tem resposta de saber o que Lacan martela no Seminrio Mais ,ainda , em que pode interessar ao tratamento analtico, que no sonda os estremecimentos da sensorialidade corporal, que no pode acuar o gozo seno pelo semblante, e isto, alis, para os dois sexos? Seria preciso pensar que no se analisa mulheres? O ltimo grito de Freud que quer a mulher? poderia deixar supor que se analisa somente sujeitos, ainda que sejam mulheres, e que a parte no-toda fica fora do campo? Lacan se empenhou nesta questo; ele convocou a lgica dos conjuntos e a topologia para situar o no-todo no inconsciente e devo dizer que esta a nica questo que me parece ainda interessante sobre este tema do sexual, depois de um sculo de psicanlise dedicado a balizar o Uma-realidade-sexual. A soluo tem a ver com isso, que no h somente o inconsciente como saber com o buraco inviolvel do recalque originrio, h o dizer! O dizer, que no nenhum dos ditos do analisante, que no se deduz, nem se induz, mas se infere, diz Lacan, de todos os ditos do sujeito. Alis, esse seria, eventualmente, o momento para voltar noo de construo, que Freud considerou boa para ser
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acrescentada interpretao. O que os faz falar, homens e mulheres? Estaria a, e somente a, no nvel do que comanda todos os ditos do inconsciente que se poderia talvez encontrar a incidncia diferencial de seus gozos. Era a hiptese de Lacan pois, o dizer, o dizer para interpretar, , eu cito Mais, ainda, encarnao distinta do sexo5. A nica. O que est em jogo nessa referncia complexa ao dizer. Lacan a introduz em terceiro lugar entre o real e a verdade. O dizer vem de onde o real comanda a verdade, o real aqui o impossvel da relao, mas, tambm, o que a suprido, a ttulo de gozo. O significado do dizer no , portanto, nem o real, nem o sujeito o qual efeito de dito. O significado do dizer a ex-sistncia, para ser escrita em duas palavras. Nomeia uma ex-sistncia, ou seja, um sujeito que, em 1975, Lacan diz real, no simplesmente porque ele o -1 do discurso, mas tambm em razo de sua encarnao. por isso que, nesses anos, ele acrescenta que o dizer faz sintoma (sinthome) amarrando borromeanamente as trs dimenses e com elas o gozo, desejo, lao ao amor e a identidade sexuada. Todo falante cai sob o golpe do que Lacan chama o Um dizer de o Um-todo-s. Com efeito, esta frmula d a traduo ao mesmo tempo estrutural e clnica do exlio da relao sexual. Falta agora especificar os dizeres das duas encarnaes distintas do sexo e questionar o que pode ex-sistir, de dizer do lado da Outra realidade sexual. Poder-se-ia falar de um dizer Outro se diferenciando do dizer Um, aquele do homem?
O dizer sexuado Lacan no foi at o ponto de afirmar um dizer Outro. Compreende-se porque: teria sido uma contradio em relao ao que escreveu A mulher barrada, para designar um desafio ao universal, que objeta a que se possa dizer todas as mulheres. Em 1978, no entanto, ele produz, en passant, um novo par de termos, o sintoma[sinthome]-ele e o sintoma[sinthome]-ela. Poder-se-ia perguntar se este sintoma-ela reduz a barra que faz as mulheres no-todas? No parece, pois ele faz
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desses dois termos os componentes da relao intersintomtica de cada um cada uma. O sintoma-ela, aqui, no seno uma outra frmula para uma-mulher sintoma [symptme] do homem. No-todas assim, justamente, no se pode ignorlo, hoje menos ainda que ontem. O que quer dizer que seria preciso colocar o s do plural, sintomas[sinthomes]-elas, para cobrir todo o campo do que se chama as mulheres. No to simples, no entanto. A questo permanece, portanto, de saber como o Outro, -1 na inscrio linguageira, passa ao ato... do dizer? toda a questo da anlise das no-todas. certo que Lacan, produzindo a srie de termos, o no-toda, o Outro, a Mulher barrada, a super-[m]eu-tade (surmoiti), a famosa, levantou o que ele chamava o escndalo do discurso analtico, a saber, a eliso do Sexo (com uma maiscula) no freudismo. Mas as consequncias sobre a anlise no foram desdobradas.
As vias de seu dizer Parto aqui de uma pequena indicao de Lacan que me parece merecer ateno. Falando da anlise da super-[m]eu-tade (surmoiti) em questo, ele evoca, eu cito, o que ex-siste das vias de seu dizer6. Eis a uma expresso que no se poderia empregar para a metade homem, porque deste lado tudo se passa pela via nica de funo nica, quer seja a causa do desejo, quer seja o gozo sintoma [symptme], a relao ao amor implicado e evidentemente, a identidade... dita viril, que seguem. Nas mulheres, nada de via nica. Pelo menos as duas vias da partio especfica que o no-todo acrescenta diviso do sujeito. Partio entre a relao ao falo que, a seu modo, ela tem, e a relao ao Outro barrado, Outro com o qual a mulher tem mais relao que o homem, pelo fato de ser Outra por seu gozo. Da este distanciamento entre dois parceiros distintos, grande e %. Como esta partio, que no se enuncia, vem se afirmar a ponto que se possa inferir alguma coisa de seu dizer de sua super-[m]eu-tade (surmoiti)?
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Para especificar as vias prprias de seu dizer, eu havia evocado, em 1990, uma negatividade aniquiladora correlacionada uma absolutizao do amor. Hoje em dia diria, talvez, de maneira mais geral, que a outra realidade sexual, para dizer assim, se impe pela via do inscrever-se em falso. No sei como se pode traduzir essa expresso em espanhol e em portugus. Inscrever-se em falso, contra alguma coisa, um modo de negao. objetar, opor um desmentido, uma dngation, diz o Robert7, uma protestation, dizia o Larousse do sculo XIX. que o dizer da partio passa, de incio, pelas vias de um isso no isso especfico, ou melhor, de um isso no tudo isso, como se diz idiomaticamente em francs para partir fazendo meno a alguma coisa que est nos chamando em outro local. Eu coloco essa frmula do interesse dividido isso no tudo isso, face ao tudo, menos isso, no qual Lacan situa o ponto de vista masculino sobre a mulher. um no se reconhecer a, na via nica, um desmentido quanto a residncia una, que no se enuncia sempre, e mesmo raramente, que pode no fazer barulho, inclusive se afirmar nos silncios de chumbo. Mais do que uma negao, uma frmula de excluso (retranchement). Alis, Lacan utiliza esse termo retranchement o mesmo que ele empregou, de incio, para a Verwerfung. Mas distingamos bem: nada a ver com o dizer no do sujeito, que a histeria leva ao extremo. Vocs se lembram de Funo e campo da fala e da linguagem: o sujeito diz no afirmando-se pela negao de tudo o que o representa. No mais o isso no isso do apelo ao Eros fusional que Lacan convoca em Mais, ainda, e que o grito dos Uns-todoss, qualquer que seja seu sexo. Inscrever seu ser em falso outra coisa. Eu digo excluses, mas tambm elas so diversas. No a excluso do exlio viajante, to freqentemente ilustrada na psicose. De preferncia, aquela da Heteridade meeira, aquela da vizinha, direi mesmo, da prxima, jamais muito longe, sempre vizinha e mesmo, s vezes, caseira. No surpreende que no imaginrio dos terrores ancestrais ela freqente mais os arredores do que as lonjuras, fantasma ou fada m dos celeiros ou feiticeira dos bosques vizinhos, sombra opaca ou parca que espera
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vocs na prxima esquina, justamente. Outridade, (Autret), excluda, certamente, mas unida8. Unida ao flico e ao objeto do qual ela se distingue, todavia. Lacan emprega uma expresso que me parece ir neste sentido O singular de um confim9. O termo confin (confim) raro, ele designa justamente a vizinhana, a contigidade. Evidentemente, Lacan o escolheu levando em conta suas ressonncias homofnicas10, assim como quando ele fala do recesso (recs) do gozo, termo tambm raro que refere a uma mesma lgica de vizinhana acrescentando a uma nuance de excluso, e alm disso, certamente, tem assonncia com a dissimulao do encobrimento. Partio das vias do dizer conforme vai ou na direo do parceiro flico ou na do Outro barrado. A via que posso bem chamar de real do sujeito, a flica, se duplicando da via excluda. Ora, no esqueamos, a funo do dizer, especialmente na anlise, que , eu cito, suspender o que o dito tem de verdadeiro, pois ainda que tenha de verdadeiro o dito no pode dizer a verdade do real. O dizer , ento, sempre dizer que no aos ditos e a tese no se aplica somente ao pai. Lacan declinou com esmero a diferena com o dizer no. O dizer que no, no contradio, no negao, no correo.11. Ele coloca a ex-sistncia daquilo que escapa aos ditos, que os comanda e que, de sua constncia, eis o essencial, unifica sua variedade. Para ele, os ditos s podem, ele o precisa, completar-se, refutar-se, inconsistir-se, indemonstrar-se, indecidir-se.12 Como, e at onde, se obtm as vias desdobradas da super-[m]eu-tade (surmoiti)? Parece-me que aos traos dessas vias no nvel dos ditos no podem faltar sob a forma essencialmente de rupturas, surpreendendo a temtica dos ditos. Digamos rupturas de insistncia. O dito analisante se caracteriza por sua insistncia at o que o dizer caia disso, mas as vias diversas do dizer presidem s insistncias, elas prprias heterogneas, quer sejam sucessivas ou simultneas e que atrapalham
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Idem. Seminaire, Livre XX: Encore. Op. cit., p.85. Idem. O aturdito, In: op. cit, p. 467. 10 Con (= babaca), fin (=fina). 11 Ibid., p. 453 12 Ibid., p.469
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sua constncia. Poder-se-ia evocar aqui uma inconsistncia do discurso no-toda. Mas seria mais justo dizer uma consistncia ameaada, que cai sob o golpe de isso no tudo isso. No que a no hajam duas vozes, voz, desta vez, uma s voz, mas sempre em risco de ser mal colocada pela excluso, como se, por no ser notoda-tomada no dizer-Um pudesse esvaziar seu presente ou seus ditos de uma parte de sua presena. Certamente prprio da neurose jamais estar no presente, dividida entre uma fixao ao passado ou uma antecipao do futuro, que a divide entre saudade e esperana. A no-toda a acrescenta, s vezes, algo como um presente vazado por um poder de colocar em suspenso. O que Karen Horney descreveu na mascarada feminina j era um desdobramento ou, de preferncia, uma bscula no seio do registro flico, bscula de t-lo sob a forma de sucesso profissional ao ser flica, que engaja a seduo. A bscula do flico, qualquer que seja, em direo ao Outro barrado, se distingue do aproximar-se, se posso dizer assim, de outras margens. No que as no-todas no tenham fantasias, como algumas o sustentam, ao que parece que elas no so jamais todas inteiras. Liberdade maior das mulheres, conclua Lacan em diversas retomadas, e sem negar que seja um dizer sexuado do lado homem. Do outro lado estar-se-, sem dvida, levado a sublinhar o preo da dita liberdade, que Lacan, als, tampouco desconhecia. De fato, sobre a via real da funo flica e do gozo Um, fantasia e sintoma separam. Eles separam da identidade alienada que vem do discurso do Outro, que chamei, na ocasio, identidade outrificada. Eles fazem fixo, com um x, fixo separadora de identidade. No a mesma forma do outro lado, e por duas razes. De incio, seu ser sintoma (symptme), quando ela se junta ao homem, uma outra verso de identidade outrificada, no no nvel do significante, mas, desta vez, no nvel da relao com o gozo. E, em segundo lugar, porque o que se exclue do falo separado, mas no separador, o outro gozo, de forma alguma ocupado do homem, no sendo identificante, j o marquei vrias vezes. Agora, onde o Outro radicalmente barrado no restam seno representaes de angstia como ltimo recurso, apesar de seu horizonte de
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aniquilamento, tentam colonizar pelo imaginrio as ameaas desse no man`s land que the Others land. Lacan utilizou o termo devastao para qualificar, ao mesmo tempo, a relao de uma mulher com o homem e com a me. Do meu ponto de vista, no me parece apropriado o mesmo termo para realidades to diferentes. Eu preferia seu primeiro termo, o homem aphliction13, a escrever com o ph do phalus no lugar do f, para conotar que deste lado, o lao de amor, em si, est sob o signo da infelicidade. De fato, ele empregou esses dois termos falando no seu seminrio. Mas em O aturdito, quando ele escreve, e l as palavras so pesadas, ele acrescenta subsistncia para a relao com a me. As conotaes so inteiramente outras. No fundo, somos adeptos da tese que diz que na linhagem dos homens o que se transmite a castrao. E a castrao se transmite, convm salientar, sobretudo liberando o sujeito do peso dos modelos. E, do lado Outro, eu diria: nenhuma linhagem, nenhuma transmisso, propriamente dita, mas, sim, melhor, um espelho da subsistncia e de suas formas. Em outras palavras, ainda, o imaginrio, l onde a inscrio faz falta. Da a importncia capital, clinicamente confirmada, na sequncia das geraes de mulheres, da maneira como aquelas que precedem afrontaram seu destino de ser sexuado, dito de outra forma, importncia mais capital do estilo, no encontro palavra melhor, do estilo de subsistncia daquelas que precederam cada uma delas. E sabe-se seu peso, como sem razo, e to difcil por vezes de aliviar, e notadamente quando se trata da me deprimida, alcolica, at mesmo suicida. Creio que preciso, ento, colocar a respeito do pai, modelo da funo, os exemplares outro modo de dizer a singularidade dos estilos os exemplares de mes todas ou no-todas. Termino com observaes mais gerais, sem desenvolv-las. O destino dos sujeitos tambm funo do discurso da civilizao. Ora, em todo discurso o Outro do sexo foracludo, ainda que seu lugar permanea marcado pelos
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A autora est se referindo ao termo aflio, mas com ph para fazer um jogo com o ph de phalus, falo, em portugus.
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semblantes com que se os substitui. O discurso capitalista redobra esta foracluso, subtraindo at mesmo os semblantes substitutivos. A traduo deste fato a ideologia da paridade que, pela promoo do falicismo para todos, quer seja do ser, quer do ter, apaga a subsistncia da parte excluda. Falando do MLF, Lacan disse recear que no fosse seno o testemunho momentneo da dissimetria dos sexos a respeito da no relao. Da a questo: no podendo mais sonhar em se abolir no amor divino, mstico, ou abraar-se para a vida a um par tornado por demais precrio, famlia, o que se torna o Outro? Estaria ele em via de... depresso, ou de excluso assumida? A esse respeito, o que esperar do discurso dos analistas? Uma parte dos lacanianos, nos anos 1990, entoava o refro: ns somos todos no-todos, ns, os analistas analisados, a lgica obriga. Sedutor! Mas , quando muito, uma maneira fortemente astuciosa de trapacear fingindo, fingindo esquecer que se a lgica no perde jamais seus direitos, ela tambm encarnada e que h duas encarnaes distintas, alm de outra realidade sexual que no aquela da perverso generalizada. Em outras palavras, no-todos mais no-todos que os outros. Ento, na prtica, como lhes dar direito? Como, ento, na prtica no trapacear a no-toda que, no esqueamos, no toda mulher, pontanto, no-toda analisante? No se est mais a enaltecer o acesso ao amor genital, e isto um progresso que devemos a Lacan. Tudo indica, no entanto, que muitos no esto longe de pensar que fora da aphliction por um homem nenhuma salvao para a no-toda. Observem que, mutatis mutandis, essa j era a idia de Charcot para a histrica, o que se diz muito. Sonha-se, portanto, a soluo pelo casal, htero certamente, como se no fosse exatamente o problema, e no se resiste a sugeri-lo, vocs vo reconhecer a expresso, consentir em ser o objeto de um homem. A caridade me impede de citar os autores. Mas recalcar o no-todo, faz-lo entrar na perverso generalizada pelo arrimo ao falo, isto seria, no somente voltar ao escndalo do discurso freudiano, mas, sobretudo, falcia de uma falsa promessa. Pois, supor que o casal seja a soluo menos pior,
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o que meus gostos me levariam a admitir, no se viu jamais uma nica anlise produzir esta soluo em uma mulher que j no a tivesse adotado em seu inconsciente. Sobretudo, seria preciso fazer ato no discurso analtico, no somente da no relao dos gozos, mas do fato que ele no preside a mesma infelicidade dos dois lados da sexuao e que totalmente impossvel levantar tanto a excluso da Uma-toda-sozinha quanto a castrao do Um-todo-sozinho. Reconhecer o real a onde ele est, com os afetos que gera, sem estigmatiz-los como patologia, supe que o analista esteja desligado da promessa de felicidade que se demanda por todos os lados. Que ele no recue diante do que, da angstia e da dor irredutvel, aps o que da angstia neurtica se resolve. irredutvel para todo sujeito e, mais que para qualquer outro, para a no-toda, o que no impede que, uma vez vislumbrado o real, possa, como diz Lacan, sentir-se feliz por viver.
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O impasse sexual segrega as fices que racionalizam o impossvel do qual elas provem. Jacques Lacan1
Escolhi o ttulo dices em vez de fices para limitar a evocao do imaginrio em jogo e ler, em vez disso, o convite ao real a que isso concerne: a funo da causa no impasse sexual. Tambm, para fazer ressonar aquilo que As realidades sexuais devem ao inconsciente, ou seja, a linguagem posta em ato atravs do dizer. Luis Izcovich2 lembrava, em Roma, o que Lacan indica como afinidade entre os enigmas da sexualidade e o jogo do significante, centrando assim um ponto nodal no qual a pulsao do inconsciente est ligada realidade sexual3, atravs do sintoma. O inconsciente nos obriga a supor a realidade inclusive aquela do corpo no como um dado primrio. A realidade pega o estatuto de uma construo subordinada estrutura significante. Dizer, ento, que o corpo uma realidade, implica um n de trs consistncias: real, simblico e imaginrio. Essa afirmao terica nos pe uma questo prtica: em que modo a psicanlise, operando pela intermediao da palavra, d um acesso efetivo a algo do corpo que seria da ordem do real? Acompanharemos esta elaborao terica por alguns elementos da clnica. No ensino de Lacan: o real o impossvel o entendemos como impossvel a inscrever numa estrutura significante ou formal. O impasse sexual um nome do impossvel que segrega fices que fazem ressonar aquilo que Lacan,
1 LACAN, J. Tlvision. Paris: ditions du Seuil, 2001, pg. 532. Ed. espaola Radiofona & Televisin. Traduccin y notas de Oscar Masotta. Barcelona: Editorial Anagrama, 1977., pg. 116. 2 IZCOVICH, Luis. Enigmi della Sessualit, Seminario de Praxis FCL en Italia, Roma, 27 mayo 2006. www.praxislacaniana.it 3 LACAN, J. Seminario, Libro XI, Los cuatro conceptos fundamentales del psicoanlisis. Leccin del 24/06/64. Prlogo de Oscar Masotta. Buenos Aires: Editorial Sntesis, 1986, p.160.
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estigmatizando a psicanlise mesma, diz em Televiso: ...[o discurso analtico] exsiste mal, ao no fazer mais que duplicar a maldio sobre o sexo4. Maldio que traduz o que Freud terminou por relevar, depois de quarenta anos de trabalho clnico, e que formula definitivamente em O mal-estar na cultura: O desgnio de ser feliz que nos impe o princpio do prazer irrealizvel; mas no por isso se deve nem se pode abandonar os esforos por avizinhar-se de qualquer modo a sua realizao. [...] a presso da cultura no o nico fator responsvel, se no que haveria algo inerente prpria essncia da funo sexual que nos priva de satisfao completa, empurrando-nos a seguir outros caminhos.5 As notas de Freud sob as perturbaes ao nvel do amor, da relao entre os sexos, traam um destino comum para os seres falantes: o sintoma generalizado como resposta ao impasse sexual. Em termos lgicos, o impasse sustenta que impossvel que os seres submetidos linguagem estabeleam relao (a proporo), naquilo que diz respeito aos sexos; segregando as dices nas quais ressonam as mltiplas verses do pathos. Respeito categoria do impossvel, o termo mal-dio joga com o equvoco entre maldizer e dizer mal. um dizer que, revelando o poder do performativo, faz mal. A maldio eleva a contingncia do encontro desafortunado necessidade de um destino que se repete, que no para de escrever-se. O impasse e suas dices designa, ento, algo que escapa ao sujeito que, como dipo, fica merc de um destino que ignora. Como nota Colette Soler6, Curiosamente o mesmo itinerrio que Lacan distingue para o amor, em O Seminrio Mais, ainda. Encontramos algum por acidente, por azar, depois esperamos que isso dure para sempre e no pare de escrever-se, o que, segundo Lacan, a definio do necessrio, ponto de suspenso do qual se amarra todo amor. A clnica psicanaltica consiste nessa variedade de dices do impasse sexual que, fazendo existir o Outro que no existe, contribuem para mitigar a sua
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LACAN, J. Psicoanlisis: Radiofona & Televisin. op. cit., p. 117-8. FREUD, S. El malestar en la cultura. In: Obras Completas. Tomo III (1916-1938) [1945]. Madrid: Biblioteca Nueva, 1981, pgs. 3029-42. 6 Cf. Articulaciones y desarrollos. In: SOLER, C. La maldicin sobre el sexo. Buenos Aires: Ediciones Manantial, 2000, pg. 13.
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ausncia. O trao que a parania leva ao extremo ilustra algo generalizvel para o sujeito linguagem: muito difcil crer na contingncia, h sempre algum que trama e se no... est Deus, ao menos na nossa realidade. Assim, a causa se situa nesse Outro que a maldio faz existir, dando sentido s nossas desgraas e abrindo o campo da jouissance [na sua homofonia com jouis, goza e sens, sentido, traduzido como gozo-sentido]. O que o impasse sexual nos ensina concerne a uma condio do ato que como a passe sempre a recomear; para aceder a um desejo indito, que apia sua fora na diferena sexuada, levando junto uma opo: segregao ou reinveno das diferenas necessrias?
1. Dices do inconsciente O famoso bolero cubano Lgrimas negras diz: Aunque t me has echado en el abandono, aunque ya han muerto todas mis ilusiones, en vez de maldecirte con justo encono, en mis sueos te colmo de bendiciones7. Excetuando algumas dices que elevam o impasse sexual a enigma precioso no mbito da arte que por agora deixaremos de lado as dices do inconsciente que interessam psicanlise so, em vez, as maldies sobre o sexo. Estas interessam psicanlise porque so de estrutura; significa dizer: as maldies respondem ao fato que a sexualidade que, como dizamos, est dado um n ao inconsciente traumtica. Se trauma o nome de um real que nos ultrapassa fora de programa8 e, visto que o programa do inconsciente no inclui o encontro com o partner (parceiro) adequado: o impasse sexual est assegurado. Por isto, as maldies sobre o sexo interessam psicanlise: porque racionalizam o impossvel do qual elas provem. O inconsciente o discurso do Outro, o programa traa as vias de onde o sujeito restar enganchado e determinado nas diversas realidades sexuais, que na psicanlise chamamos: sintomas. Freud dizia neuroses de destino. O inconsciente
Miguel Matamoros [Santiago de Cuba 1894-1971], compositor, guitarrista y director del famoso tro Matamoros. 8 Cf. SOLER, C. Lepoca dei traumi. In: Quaderno di Praxis n 3. Roma: Biblink Editori, noviembre 2004.
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constituiria ento uma fatalidade, um destino, e O mal-estar na cultura uma neurose de destino generalizada? Ser ento necessrio dizer O inconsciente o destino, como Freud dizia A anatomia o destino, retomando a expresso atribuda a Napoleo? A psicanlise lacaniana revelou a falsidade dessa orientao predominante no ps-freudismo. As diferentes fices represso familiar, etc., no so a verdadeira causa do impasse sexual, se no unicamente a sua causa aparente, o que Lacan opusera: O ser sexuado se autoriza por si mesmo e com alguns outros, o que significa que h escolha. A maldio, ento, no tal porque nos condene a ser homem ou mulher independentemente da anatomia nos condenar talvez a alguma infelicidade, porm no nos impe a escolha do sexo, isto significa O ser sexuado se autoriza por si mesmo.
2. Amor e gozo: solues problemticas Quando o amor est submetido ao mandamento: Ama teu prximo como a si mesmo, resulta excluda qualquer alteridade, qualquer diferena. O amor que aspira tanto assim ao Um, a fuso (da imagem narcisista) faz obstculo diviso necessria ao lao social. Desde Freud, ao menos, comeamos a escutar os lamentos, aquilo que no vai entre os homens e as mulheres. Desde ento, se nota um problema: como amarrar o gozo de um ao outro sexuado? O sexo faz que o outro no seja j um semelhante to prximo, ameaando a ruptura do encanto narcisista do Ama teu prximo como a si mesmo. A propsito da dor (gozo), Freud dizia: A alma se fecha no buraco negro do dente, demonstrando como a dor anula a libido e distancia do lao social. Que a dor de dente no se compartilha, no incomoda ningum, exceto a quem o sofre. Que o gozo no se compartilha, cria, em vez disso, um problema no lao de amor. As solues para estes problemas so os sintomas, solues problemticas como j notava Freud, porque comportam uma certa incompatibilidade e, ento, s vezes, pode-se quer-los
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retificar. No nvel social, so solues hystricas9 que levam sempre a marca da poca. Mesmo que todos os sintomas no sejam hystricos, pensemos aos seres livres esquizofrenia, melancolia, parania na sua estrutura, no marcados pelas geografias nem pelas pocas. Ento onde em tudo isso, o que produz felicidade, bonheur, boa sorte? Exatamente em todo canto, responde Lacan10. Dado que no posso dever nada se no a sorte [heur], dito de outra maneira, a fortuna, e que toda sorte boa para que isso [a] se repita reenvia ao destino, o que faz que, quando Lacan diz O sujeito feliz, haja uma ironia fundada na infelicidade de estar submetido sorte, de no estar seguro de nada e, em primeiro lugar, no estar seguro de encontrar o partner (parceiro) sonhado. Esta felicidade por enquanto, concerne aos partners (parceiros) sexuais no cala como uma luva se no nas psicoses, nos mrtires da liberdade de fazer a menos do programa do inconsciente.
3. Inconsciente, destino e responsabilidade subjetiva O que se joga na questo de saber se o inconsciente o destino, concerne eventual responsabilidade do sujeito com respeito ao seu destino. Na psicanlise lacaniana, se afirma duas coisas que parecem em contradio, o que ao menos, difcil articular juntas: a) o inconsciente um saber, um programa e, enquanto tal, determina o sujeito; b) o sujeito sempre responsvel. H entre estas duas afirmaes, se no uma contradio, ao menos uma tenso: se o inconsciente funciona como um programa escrito, como um saber que determina o real que coisa pode fazer o sujeito? Poderia parecer como se houvesse sido escolhido ou condenado pela graa de Deus, pela graa daquilo que est escrito no inconsciente. De fato, existe um uso difuso da referncia ao inconsciente como um certo uso
Hystorique neologismo forjado por Lacan lhystrique, dont chacun sait quil est aussi bien mle que femelle, lhys-torique, si je me permets ce glissement [] Lhystorique na, en somme, pour la faire consister quun inconscient. Cest la radicalement autre. Elle nest mme quen tant quAutre. Seminario XXIV, Linsu que sait de lune-bvue saile a mourre.. 14 Dcembre 1976. Indito. 10 LACAN, J. Psicoanlisis: Radiofona & Televisin. op. cit., pgs. 107-8.
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do diagnstico, ou certas fices da novela familiar por exemplo para desresponsabilizar o sujeito.
4. Qu coisa diz a doutrina sobre o inconsciente? Em Freud, o inconsciente idntico ao recalcado, como resultado de uma defesa do sujeito. Assim, nas psiconeuroses de defesa, ele faz do conflito psquico o motivo do recalque. Esta definio no faz do inconsciente um destino; ao contrrio, o converte no resultado de uma escolha do sujeito: a escolha da defesa. Mantm, ento, a responsabilidade da parte do sujeito. Esta hiptese sobre o inconsciente que deixa lugar escolha subjetiva coerente com a tese de Anlise terminvel e interminvel, sobre o fim de anlise. pergunta em que coisa se convertem, ao fim da anlise, as pulses recalcadas na origem da neurose? , responde: a psicanlise permite analisar os recalques, consentindo uma nova escolha. Freud indica duas possibilidades: analisar e modificar ou recalcar com mais fora. Podemos nos perguntar: se a defesa no voluntria, de onde vem? Com a noo de recalque originrio, Freud chega ao umbigo indizvel e irreduzvel do inconsciente, que se impe a todos, que no depende de nenhuma escolha, ento faz destino ou estrutura. A partir do recalque originrio, Freud releva e desmonta a construo imaginria da represso como causa. Esta aparece em vez como uma fico: A represso familiar uma fico. Poder ser um bom motivo, mas no a causa do impasse sexual. A psicanlise lacaniana revelou a falsidade das promessas de liberao sexual: o desconhecimento do real em jogo encoberto nessas fices. Daquilo que Freud constatou, Lacan escreveu a frmula da estrutura da linguagem: S(%). Lemos: o significante da falta no Outro da linguagem, isto , h a um buraco, uma perda acerca da qual pegar sua funo o objeto a. Em Lacan, as predies do inconsciente, que no deixam opo ao sujeito, funcionam como maldies. As frmulas que situam o inconsciente como um programa, um saber, o discurso do Outro, implicam que o inconsciente est
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escrito e, ento, o sujeito no tem nenhuma possibilidade de escolher. Por exemplo: O sujeito, se bem pode parecer servo da linguagem, o ainda mais de um discurso no movimento universal do qual seu lugar j est inscrito no momento de seu nascimento, no fosse mais que sob a forma do nome prprio11. Tambm: O inconsciente essa parte do discurso concreto, transindividual, que falta a disponibilidade do sujeito para restabelecer a continuidade do seu discurso consciente.12 Frmulas onde o inconsciente a corrente do automaton que se impe e no deixa lugar opo do sujeito. E ainda: O inconsciente uma frase que ordena toda uma vida, ou tambm o sem perdo do inconsciente13. Aqui a ressonncia do mesmo tipo daquela da maldio, do destino ou de Deus. A infelicidade como sintoma referido sexualidade (ao casal sexual como problema), relevado por Freud, tenha sido formalizado por Lacan como mal-dio do inconsciente, que condena a sexualidade a ser sintomtica, porque o inconsciente diz mal o sexo, no inclui em seu programa o partner (parceiro) sexual. Como analisante, quero dizer aquilo que desejo sexualmente, qual coisa se produz? O sabemos desde Freud: as pulses parciais. No inconsciente falta um dizer, est foracludo um dizer. Por outra parte, a mle-diction, macho-dico, evoca a tese de Freud: no h mais que uma libido. Lacan dir: A cor sexual da libido descoberta por Freud a cor do vazio: suspendida na luz de uma hincia.14
5. Depois de um sculo, a psicanlisehoje Que coisa passou, se transmitiu na civilizao da descoberta do inconsciente e da inveno da psicanlise depois de um sculo? A mensagem freudiana sobre a sexualidade passou na cultura muito mais que a descoberta do inconsciente. Este Encontro nos permite relanar a hiptese lacaniana do inconsciente linguagem e a sua incidncia sobre as relaes entre os sexos: A
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Idem. Linstance de la lettre dans linconscient. In: crits. Paris: Seuil, 1966, pg. 495. Idem. Fonction et champ de la parole et du langage.In: crits. Op. cit., pg. 258. 13 Idem. Les non dupes errent, Seminrio indito, 1973. 14 Idem. Du Trieb de Freud. In: crits. Op. Cit., p. 851.
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linguagem um operador que modifica e ordena o real, introduzindo sua lgica prpria no campo do gozo vivente15. na relao com o outro sexuado, na projeo do desejo para o gozo, que entra em jogo a castrao. Esse fronte est sempre em impasse; de onde a afirmao de Lacan, evocando como falido o logro do ato sexual. No nas relaes humanas que se joga a castrao real, se no somente no campo fechado do desejo sexual. O espao da relao entre os corpos sexuados na atividade sexual est, em algum modo, separado dos laos sociais.
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Itlia; empurra para a onipotncia da luta pela apropriao flica e generaliza a falta, a insacivel exigncia. um discurso que exclui da sua considerao os assuntos do amor, exclui o lao sexual, onde a falta de onipotncia est preferencialmente assegurada.
6. Elementos de clnica Pedro assegura o n gordiano de seu desespero, mostrando ao analista uma foto da amada que lhe teria, diz: descarregado. Veja qu maravilha!, exclama chorando, diante de um retrato com o rosto dela, ao lado da cabea de uma vaca (excelente exemplar premiado na Exposio Rural de Palermo em Buenos Aires); dispostos como os dois crculos de Euler, bem juntinhos. Demais inconsciente! exclama o analista, despedindo-o. Chega a sesso seguinte com um sonho: Depois de uma discusso turbulenta com meu pai, me afastava de casa para ir dormir e, ultrapassando a porta do corredor, ouvia que ele me maldizia. Volto atrs para dizer-lhe que, se tinha algo para dizer-me, o dissesse na minha frente; ele permanecia em silncio. J no meu quarto, encontro Analisa, a quem digo: Eu vou embora e no volto nunca mais aqui. Ela enumerava uma srie de objetos e dizia: mais aqui falta o iBook. Ah, sim!, dizia, lembrandome nesse momento de hav-lo emprestado a Alessandro. [] Me encontrei girando
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SOLER, C. El Campo lacaniano. In: Quaderno di Praxis n 1, Op. cit., p. 56-7. LACAN, J. Psicoanlisis: Radiofona & Televisin. Op. cit., p. 125.
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numa 4x4 no campo; a um certo ponto, sobe sobre a camionete uma vaca que eu tinha visto ao lado e me surpreendeu o fato que lhe faltavam as duas patas posteriores. Chegados a uma casa, freio a camionete e a fao descer. O que me impressiona o fato de que ela caindo deva se apoiar sobre essas patas que no tem, porm ela parte e um animal que a persegue, inadvertidamente cai sobre mim. Peo ajuda para que me liberem do animal e digo: Ele me persegue e no consigo separar-me. Quando avano ele se joga sobre mim, colado. Intervm, como uma espada, a voz de Alessandro, ou a voz de outro qualquer faz destacar-se de mim. Ele se separa e eu acordo. O que significa isto? Diante do discurso analtico, o sujeito se manifesta em sua hincia, a saber, nisso que lhe causa seu desejo. Se bem que j sobre a foto que Pedro d a ver para mostrar o seu desespero bem fundado motivado pela separao h um recorte, redobrado na despedida, na transferncia que podemos ver inscrever-se o peso da realidade sexual. Em sua maior parte desconhecida e, at um certo ponto, velada, corre sob o que acontece no nvel do discurso analtico. Com a angstia, Pedro se assegurava uma identificao as patas que no h mediante uma correspondncia imaginria. Estava parado em: Sem ela, o mundo est vazio. O fato de no ceder diante do sentido dos efeitos depressivos, ao corte da sesso, ativa a produo de sonho resolutivo do seu impasse. Apoiando a falta sobre as patas que no h, se opera um limite identificao. A espada da voz de Alessandro17 produz para o sonho, uma experincia sobre a qual Pedro poder contar: uma experincia de separao. Isto nos introduz na questo do desejo do analista [Analisa]. A este propsito, Lacan props uma topologia e um objeto para centrar o ponto de disjuno e de conjuno a sustentar por o desejo do analista seguindo o rastro (j indicado no Mnon de Plato) do acesso do particular verdade.
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Mediante la espada de la voz de Alejandro, retorna en el sueo el nudo gordiano. Enigma y solucin a los que Pedro haba dedicado una breve alusin inicial. Resuena aquello que Cervantes hace decir a Don Quijote: Si nudo gordiano cort el Magno Alejandro, diciendo: Tanto monta cortar como desatar, Obras Completas, Tomo II, Madrid: Aguilar, 1940, p. 811.
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7. O objeto a de Lacan A operao da transferncia separa o ponto desde onde o sujeito se v amvel, e esse outro ponto onde o sujeito se v causado como falta, pela mediao do objeto a. Revela-se uma diferena essencial entre o objeto definido como narcisista, i(a), e a funo do objeto a: a voz, como causa. Se a transferncia aquilo que, da pulso, separa a demanda, o desejo do analista aquilo que a restabelece. E por essa via isola o a, coloca-o maior distncia possvel da I (identificao) que ele, o analista, se v chamado por o sujeito a encarnar. dessa idealizao que o analista h de declinar para ser o suporte do a separador.18 O corte da sesso, redobrando a separao e retomado no corte anatmico do sonho, pressupe o Outro, sua demanda e seu desejo: ponto nodal no qual a pulsao do inconsciente est ligada realidade sexual. Este ponto nodal se chama desejo, e de onde se decide a funo de alguns objetos. O objeto voz opera no sonho um corte, uma separao que o acorda e Pedro inicia a contar os giros em torno aos objetos nos quais restaura sua perda original, atividade a qual se dedica a pulso. Ganhos e perdas, mas esta perda, restabelecida na sua funo assegura a Pedro e cada ser falante a abertura para o campo dos objetos. O objeto a pressupe o Outro da linguagem, o Outro da articulao da demanda, e neste sentido, no h facticidade do objeto a. Se a o nico resto da existncia em tanto que ela se faz valer, no pois como este fragmento de clnica nos ensina da existncia na sua facticidade [...] no h nenhuma facticidade no resto a, j que a enraza o desejo que chegar mais ou menos a culminar na existncia.19 O objeto a de Lacan: incidncias clnicas, conseqncias tcnicas (Lobjet a de Lacan. Incidences cliniques, consquences techniques), o ttulo com que nos convocam as prximas Jornadas da EPFCL (Frana) nos dias 18 e 19 de novembro 2006, em Paris. Nessa perspectiva, se inscreve o que se joga neste fragmento de clnica: o que o objeto a coordena de uma experincia de saber.
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Idem. Seminario XI, Libro XI: Los cuatro conceptos fundamentales. Op. cit., p. 276. Idem. Le Sminaire X, Langoisse. Paris: Ed. Seuil, mayo 2004, p. 382.
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A ESCOLHA DO SEXO
O sexo introduz a diferena na natureza dos seres vivos; ela estrutural e indispensvel sua reproduo. A diferena real, est inscrita nos corpos nos nveis hormonal e cerebral e, sem dvida, anatmico. Esta diferena real tem conseqncias sobre a imagem do corpo, portanto, igualmente imaginria, mas no ser humano, a psicanlise o demonstrou, ela tambm profundamente significante. Em sntese, o sexo introduz a diferena, o hteros nas relaes entre os seres, ao passo que a argamassa do lao social, a amizade, o amor, a philia aristotlica, constri-se com a atrao pelo semelhante. O indivduo est como que estirado entre suas pulses sexuais e as necessidades da vida em grupo. Todo mundo sabe que a sociedade humana se distingue do bando dos primatas pelo fato de que os seres humanos so capazes no apenas de frear seus comportamentos sexuais, mas tambm de refletir sobre eles e de fazer com que evoluam para preservar a estabilidade da sua comunidade. A sexualidade , portanto, totalmente solidria da cultura. No por acaso, em nosso sculo, todas as contestaes dos costumes sexuais lanaram mo dos canais da cultura. A sexualidade solidria da cultura porque a realidade anatmica e instintiva do sexo suplantada por seu aspecto puramente significante, que no ameaa a ordem social. Trata-se da diferena entre o sexo anatmico e o gnero. Quanto mais uma sociedade evolui, maior se torna a distncia entre o sexo real e o gnero, o que caminha na direo de reduzir as desigualdades oriundas da diferena fundamental. No entanto, nossa cultura no assexuada, longe disso! Alis, quanto mais se quer apagar a diferena entre homens e mulheres, mais se levado a busc-la alhures, na profundeza do comportamento dos seres,
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mediante a referncia aos arqutipos: o crebro do homem teria se adaptado a sua funo de caador, o da mulher funo de cuidar da casa e das crianas. Esta seria a razo das pequenas diferenas com que todo mundo se diverte hoje em dia: os homens avistam mais longe, tm melhor orientao espacial que as mulheres, mas no conseguem encontrar a manteiga na geladeira1. Surge, assim, toda uma literatura que nos explica que as diferenas entre homens e mulheres so menos significantes e adquiridas por meio de identificao, e mais profundamente inscritas nos genes e modeladas por uma qumica hormonal. Isso significa voltar a colocar em questo as teorias freudianas, particularmente as teorias sobre os papis dos modelos parentais, das identificaes e das escolhas de objeto na gnese da homossexualidade. Sob o impulso das comunidades gays e lsbicas dos Estados Unidos, politicamente correto reivindicar a igualdade de todos diante do gozo socialmente correto e rejeitar o inconsciente freudiano que d testemunha do sexo como hteros. Sob esse pretexto se ataca a psicanlise, supondo que ela encorajaria a homofobia. Se ontem a psicanlise era reprovada por enfatizar a importncia escandalosa do componente sexual no psiquismo humano, hoje, alguns a denunciariam de bom grado como nova instncia moral. No h como a psicanlise no ser incmoda, e os psicanalistas tm que tomar partido em seu favor. o inconsciente que incomoda, constrange, e que se alimenta da polaridade sexual. Os significantes copulam, como sempre, alegremente no inconsciente, e a diferena, como oposio significante, nele uma das condies do sentido. A clula elementar que d seu sentido cpula significante se funda no desejo de um homem orientado por uma mulher que se prontifica a causar o seu desejo. At o presente, essa relao capenga e no simtrica a condio necessria para a concepo de um novo indivduo cuja subjetividade se inscrever a partir das coordenadas sintomticas deste primeiro encontro. Que seja preciso a unio de dois indivduos de sexo diferente para que venha a nascer um novo indivduo, em outras palavras, que seja preciso dois para fazer um, isto no da
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Cf. o best-seller de Allan e Barbara Pease: Why men dont listen & women cant read maps ?
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ordem de uma lei, no supe direitos ou deveres, at o presente, um real quase incontornvel. Um real que nos insuportvel, motivo pelo qual aplaudimos os avanos da cincia que nos permitem contornar esta dificuldade. Nossos mitos tentam dar conta deste real, inventando um paraso perdido onde no teria existido a diferena dos sexos, mas ento lhe necessrio imaginar um pecado original e um castigo divino, que nos teria imposto esta maldio da diferena dos sexos. Ouvi recentemente uma verso deste mito universal que no conhecia e que achei bastante interessante2. Um mito africano conta que os deuses teriam criado primitivamente duas raas separadas: a raa dos homens que se reproduziam entre si, gerando meninos em uma cidade exclusivamente masculina e, em outra cidade distante, uma raa de mulheres que se reproduziam entre si, gerando apenas meninas. Ora, sucede que irresistivelmente, sem saber por que razo, na cada da noite, os homens eram atrados pela cidade das mulheres, o que os levava a ultrapassar a zona que os deuses haviam delimitado como proibida e que separava as duas raas. Os homens tinham plena noo de que estavam transgredindo um interdito e utilizavam um estratagema para enganar a vigilncia dos deuses. evidente que os deuses se deram conta do que estava acontecendo e, para castiglos, impediram que se reproduzissem entre si, doravante os homens teriam que passar pelas mulheres para se reproduzirem. Em outras palavras, o nascimento de um menino dar testemunho de uma relao sexual entre um homem e uma mulher, mas, no que tange s meninas, o mito africano deixa subsistir a dvida. No est excludo que possa haver em algum lugar, em um recndito perdido, em alguma ilha inacessvel, uma tribo de mulheres que continuariam a reproduzir-se entre si. Este mito procura dar forma discursiva ao real de que so necessrios dois para fazer um e se pode perceber que nele, como em outras verses do mito universal, a diferena entre os sexos articulada como uma maldio. Assinalaremos brevemente a semelhana deste mito com as teorias sexuais infantis que pretendem separar o real da diferena entre os sexos da questo da reproduo.
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claro que a cincia contempornea nos permite avanar na direo deste real incontornvel, o que promete dias bem felizes para as teorias sexuais infantis nas sociedades do futuro. Hoje, em todo caso, as famlias ainda so constitudas de pais, mas estes no so necessariamente os genitores, freqentemente so famlias recompostas, mes que criam sozinhas seus filhos, a adoo um recurso comum para os casais estreis de nossas sociedades ocidentais e, sem dvida, cada vez mais, para os casais homossexuais. Em resumo, os pais de hoje no so mais os de amanh o sero ainda menos totalmente assimilveis ao modelo sobre o qual o inconsciente freudiano foi construdo. Em todo caso, isso que os adversrios da psicanlise esclarecem, na expectativa de encontrar ecos nos meios culturais, contestando a ordem familiar tradicional. Alis, alguns socilogos, filsofos, psicanalistas tambm, tm feito previses catastrficas diante das profundas mudanas que afetam as relaes entre os sexos. Que se faa o mximo para reduzir as desigualdades sociais entre os sexos no o mesmo que negar a diferena. Se a polaridade significante masculino/feminino desaparecesse, seria preciso com certeza inventar uma outra condio de base para o sentido, pois o sentido se alimenta da cpula dos significantes, mas no chegamos a esse ponto. Neste inverno, li em uma revista semanal um dossi sobre as moas de hoje, particularmente as jovens americanas, filhas ou netas das feministas que queriam apagar a diferena entre os sexos. Pois bem, imaginem vocs que essas moas reivindicam agora o status de mulher-objeto. Elas esto voltando atrs em relao a todas as obsesses de suas mes, como, por exemplo, na recusa de deixar que o homem pague a conta do restaurante. uma marca sexual puramente significante: quem paga a conta do restaurante? A moral feminista exigia que a mulher, igual ao homem, dividisse a conta com ele, como forma de mostrar que no fazia parte daquele clculo srdido em que ela troca seus prstimos pela proteo social do homem. Atualmente, uma das jovens diz: se eu proponho pagar e ele aceita, est tudo acabado entre ns. No faz diferena se a mulher ganha to
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bem quanto o homem, ou at melhor escreve a jornalista -, ela espera que ele se oferea para pagar, pois isto prova que ela desejvel e que uma histria de amor , ento, possvel. Tenho muitas maneiras de saber se ele vai me considerar sua igual, sem que seja preciso mudar o ritual da conquista diz uma jovem mulher. Todo mundo sabe que mudar o ritual pode levar ao caos.3 Neste percurso um pouco complicado, esta jovem mulher no se engana, ela se pauta pelo desejo e o desejo supe a diferena significante, no a norma ou as convenincias da igualdade. Portanto, no porque as mulheres reivindicaram um status social igual ao dos homens, que, por esse mesmo motivo, elas teriam que renunciar a lanar mo da diferena significante para se localizarem em seu desejo. Como quer que seja, para alm das questes de igualdade entre os sexos, que so questes essencialmente sociais e polticas, alguma coisa permanecer no eliminvel. Na esteira de Freud, poderamos cham-la de o rochedo do feminino. O que , ento, o feminino, se no o confundimos com a posio feminina? Com certeza, algo que se deduz do masculino. o que acontece com todos os pares significantes. Partamos, ento, do masculino, porque bem mais simples, alm disso, nossa tradio. Imaginem que, de acordo com a Gnese, houve primeiro Ado, e depois Eva a seu lado. Portanto, partamos do masculino. O masculino o reino em que tudo significante, um universo em que tudo pode ser medido e todos sabem muito bem qual a unidade de medida, o que chamamos graciosamente de norma flica, os homens passam o tempo medindo-se. Nada impede que um homem se recuse a entrar na competio com seus congneres, mas, freqentemente, esta posio de recusa o feminiza. Tampouco nada impede s mulheres de competirem com os homens, mas, ento, elas participam do universo masculino. O feminino, ao contrrio, se define como o no mensurvel, o que no participa do universo do inteiramente mensurvel. O feminino no-todo. Notodo flico, como Lacan o repetiu com freqncia. Se as mulheres quisessem
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competir com os homens, a qualquer preo e em todos os domnios, provocariam a catstrofe do feminino, de que Freud falava em suas conferncias sobre a feminilidade. O feminino aquilo que da mulher resiste comparao, medida por meio da norma masculina. nisto que podemos dizer que o feminino o inimigo nmero um do feminismo. Isto posto, preciso ver que o feminino no assunto apenas das mulheres, mas de todos, Freud esclareceu inclusive que ele constitui o obstculo com que cada um se depara no fim de sua anlise, chamando-o de rochedo da castrao. O feminino, como no-todo flico, no-todo significante, , ento, uma questo de todos. Em particular, na clula elementar em que consiste a famlia, o feminino no concerne apenas me, o no-todo concerne tambm quele que sustenta a funo do pai. No importa que o saiba ou no, mas que este se aventure a freqentar o no-todo que ressoa, em especial, com aquilo que causa comumente o seu desejo. A conjuno da funo do pai com o feminino algo que se v com nitidez na clnica da vida conjugal. Observa-se, com freqncia, uma mesma medida entre a impossibilidade que ele tem de ser o pai e a que ela tem de ser sua mulher. preciso dizer que os neurticos sabem se reconhecer na escolha inconsciente do parceiro. Quando Lacan acentuou a verso do pai como aquele que faz de uma mulher a causa do seu desejo, desvalorizou a funo simblica que, seguindo Freud, ele lhe atribura inicialmente. O que Lacan traz para o primeiro plano, em determinado momento de seu ensino, no mais tanto o poder sagrado do pai simblico, mas o sintoma do pai, ou seja, o real do pai, o que h de perverso em seu desejo, aquilo frente ao qual se quer fechar os olhos, pois ns preferimos o pai simblico, o pai morto, em uma s palavra, preferimos Deus pai. certo que a figura tradicional do Pater familias ganhava consistncia nele, mas a figura do pai, cuja funo era herdada por direito divino, no est mais na ordem do dia da cultura atual, pelo menos no em nossas sociedades ocidentais.
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Isso perturba aqueles que vem a o declnio da funo paterna. certo que houve modificaes notveis na histria da famlia, mas no estou de modo algum seguro de que essas mutaes testemunhem da existncia de um dficit na funo paterna. Detecta-se, isso sim, um dficit de autoridade e, se permanecemos no modelo tradicional, ento somos levados a assimilar toda e qualquer autoridade do Pater familias. uma deduo um pouco rpida, pois a funo paterna no pode ser reduzida encarnao da lei. inclusive um contra-senso que Lacan corrige no fim de seu ensino, acentuando que o desejo que confere autoridade ao pai. Em si mesma, a lei no se justifica por nenhum desejo particular, justamente por isso o recurso ao jurdico para solucionar os problemas familiares no passa em geral de um tapa buraco. Ser que as mudanas registradas na organizao familiar traduzem verdadeiramente um dficit catastrfico da funo paterna? Francamente, no creio nisso, ns no estamos na era da psicose generalizada. Creio mais facilmente que, se h algum dficit, no nvel da autoridade do Mestre. o discurso do Mestre que est desvalorizado, e as razes so mltiplas. Falta, agora, avaliar o impacto deste dficit do discurso do Mestre sobre a figura tradicional do pai. certo que, na tradio da neurose, o pai aquele que protege contra as falhas do saber. O neurtico erige a figura do pai tradicional, para no encontrar a falha no simblico. O pai a primeira representao do sujeito suposto saber. Mas, supe-se que o pai saiba o qu? A neurose pode responder a essa questo: o pai suposto saber em que consiste o gozo que no tem nome, este continente negro misteriosamente escondido sob os vus da madona. Se o mito freudiano do pai que faz a lei enquanto impe seu desejo a todo o resto da famlia to necessrio, porque, assim, confia-se ao pai a funo de saber, precisamente ali onde no h nada a saber, isto , no nvel do que Lacan chamou de causa do desejo. Sobretudo, no se procura verificar, o pai est l e, pelo menos ele, preciso que saiba. (...) o pai, (...), aquele que foi suficientemente longe na realizao do seu desejo, para
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reintegr-lo sua causa4 (...). Isto permite que os outros permaneam no desconhecimento do objeto irredutvel ao saber, e melhor que seja assim, pois o que condiciona o desejo deles. Por isso, podemos conceber que deixar para trs a figura do pai, que a soluo da neurose erigiu, no acessvel a todos. No entanto, existe todo um movimento da cultura contempornea que nos impulsiona nessa direo. Ir alm da figura legendria do pai, deixar para trs a autoridade do Nome-do-Pai, eis algo que o neurtico pode esperar para o fim da anlise, mas sob a condio, dizia Lacan, de que saiba servir-se dele. Ir alm, podemos ver com clareza o que isto quer dizer, ir alm da autoridade do seu saber suposto, mas servir-se dele implica em qu? Creio que implica em utiliz-lo como funo de sintoma. H um mundo entre o fascnio pelo poder sagrado do Nome-do-Pai e a utilizao da funo paterna como sintoma, mas o percurso do ensino de Lacan e tambm o de uma anlise. Aqueles que reprovam a psicanlise, alegando que ela pretende restaurar o patriarcado, certamente no se deram conta dos ltimos desenvolvimentos do ensino de Lacan sobre a funo de sintoma do pai. Quanto queles que, inversamente, se entristecem com o movimento cultural que impulsiona a deixar o pai para trs e mostram-se temerosos pelo futuro do dipo e da psicanlise, poderamos objetar que a tendncia atual da sociedade para ultrapassar o pai no desencoraja os neurticos a buscar a psicanlise. Parece-me justamente o contrrio, no porque a anlise seja o refgio que procuram encontrar, mas porque ela o lugar onde eles podero aprender a ir alm do pai sob a condio de saber servir-se dele. Cabe ao psicanalista estar altura de sua tarefa para acompanhar o analisante na inveno de um saber virar-se com, motivo pelo qual no pode se deixar contaminar com os pressupostos, quer sejam saudosistas, quer sejam progressistas.
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O Problema da heterossexualidade
Stphanie Gilet Le Bon
Partamos da nossa atualidade e disto que comea no s a causar polmica, mas ainda engendra quase que uma nova norma, preferencialmente homossexual. Estaremos ns na direo do fim do poder htero?, como mostra um recente artigo que desencadeia uma polmica, a partir da qual os autores se mostram como politicamente corretos: os homofbicos. Como piada, lhes resumo o artigo que trata essencialmente do homem heterossexual, mas enfim,
evidentemente, isto implica a mulher heterossexual em heterossexualidade, um no vai sem o outro. O macho conquistador, que inicialmente se desconcertou com os movimentos feministas dos anos 1960, depois ameaado na sua virilidade e fecundidade pelos mdicos e bilogos que registraram, com o passar dos anos, uma baixa constante do nmero de espermatozides, provocada por poluentes perturbadores endcrinos, enzimas gustativas, protenas manipuladas, componentes de produtos fitoterpicos, shampoos e sabes, cada vez mais sujeito a panes erteis com as mulheres, est a atualmente despossudo pelo homossexual resplandecente que ocupa a cena. Com efeito, 60% dos franceses, hoje em dia, segundo a SOFRES, abraam a causa gay. E, alm disso, que a heterossexualidade est classificada como uma perverso devido presso social; o humano sendo naturalmente bissexual, tese americana retomada na Frana pelos bilogos, apoiada por experincias com ratos. Observo o homo na mdia, o lucrativo gay- business, e noto que temos agora um SNEG: Sindicato Nacional de Empresas Gay, uma associao AHTP (Associao Homossexual de Transportes Parisiense). Os hteros (sobretudo os de esquerda) tm algo a invejar: o PS, cujo programa para 2007 j tem verdadeiras proposies para as lsbicas, os gays, os bi e transexuais: luta contra as descriminaes no que se refere a pessoas trans, supresso do transexualismo da lista de doenas mentais, criao de um protocolo nico de
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mudana de sexo, direito a asilo em caso de perseguio por causa de sua orientao sexual, melhoria dos PACS, abertura ao casamento e a adoo aos casais do mesmo sexo, delegao de autoridade parental e direito a procriao mdica assistida. No entanto, o htero macho enquadrado, nem por isso seria menos depressivo! Assim, a heterossexualidade seria ameaada de no ser mais a norma. Entretanto, se ele no um conquistador inveterado, dificilmente vai se deparar com o gozo feminino, ou em outros termos, que a mulher no queira nada receber do homem, que ela se recusa contingncia e ao pragmatismo da funo flica; no data de hoje. Certamente, na sociedade atual, no podemos deixar de constatar a recusa cada vez maior dos hteros implicados em todo encontro isso vai no mesmo sentido. A histeria no est, sem dvida, a, para nada. A psicanlise trouxe tona a diviso entre o amor e o gozo. Assim, ns estamos a em uma liberdade equivocada do direito ao gozo e a suas modalidades mltiplas: sexualmente, praticamente todos os gostos so da natureza, como se diz. Por exemplo, o movimento feminista extremista queer promove prticas sexuais em relao ao objeto fetichisado e defende a aparelhagem dos corpos pela tecnologia o corpo ligado sobre o sexo em plstico, no objetivo explicitado de dissolver o sexo e a sexualidade genital na direo da corrente de um neoliberalismo do a-sexuado. Assim sendo, elas repudiam a embaraante feminidade que levam em conta, por uma parte, o hteros e querem rentabilizar, capitalizar o gozo individual. H para elas, no dois sexos, mas tantos sexos quantos indivduos, rgos e orifcios do corpo capazes de obter prazer. Assim, o gozo feminino, que a menor de suas preocupaes, no passa pela funo flica, o que elimina de uma s vez, o Outro gozo. Todas as feministas, mesmo que sejam elas (elles), no so heterossexuais no sentido de Lacan. Elas no amam as mulheres, pois o amor , incontestavelmente, tambm o mais repudiado1:
No conhecendo o movimento queer, eu retiro essas informaes de um artigo muito interessante de Carmen Gallano, publicado nos Actes das Jornadas de julho 2003 do Frum do Campo
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O amor no tem seu lugar neste regime do direito ao gozo individual, que d toda liberdade ao registro pulsional. L, trata-se, no fundo, de gozar apenas de seu prprio corpo. Ora, o amor justamente o que faz com que o gozo, que poderia se satisfazer totalmente sozinho, aceite a condescender ao desejo, quer dizer, aceite-o vir a lamentar uma ausncia que o sentido etimolgico de desejar desiderare.
Aceitar condescender j deixa a entender que aqui, do mesmo modo, h uma enorme dificuldade, um problema quanto ao fato de que a modalidade de gozo possa ser heterossexual. Que os homens amem e desejem as mulheres e as mulheres, os homens, restando ainda, apesar de tudo, a modalidade mais banal, no h a, entretanto, nenhuma evidncia. Eis o que diz Freud sobre a heterossexualidade (quer seja a norma sexual ou a sexualidade normal) numa nota acrescentada em 1915, em seu Trs ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, de 1905:
(...) A psicanlise considera que a escolha de um objeto, independentemente de seu sexo que recai igualmente em objetos femininos e masculinos tal como se encontrem na infncia do homem, nos estgios primitivos da sociedade e nos primeiros perodos da histria, a base original da qual, como conseqncia de limitao tanto num ou noutro sentido, que neste estado se desenvolvem em sexualidade normal ou em inverso. assim que para a psicanlise, o interesse sexual exclusivo do homem pela mulher tambm constitui um problema que precisa ser elucidado, pois no fato evidente em si mesmo, baseado em uma atrao, afinal de natureza qumica.2
Essa nota Freud a fez a propsito da inverso, isto , o homem para quem o objeto sexual no a mulher, mas o prprio homem, mesmo que haja mulheres para quem a mulher representa o objeto sexual. Rapidamente, a heterossexualidade no menos um problema que a homossexualidade, do ponto de vista de sua
Lacaniano/Escola de Psicanlise do Campo Lacaniano, portanto, sobre a clinica da vida amorosa. O artigo intitulado Errances de lhtros. 2 FREUD, S. (1905). Trs ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: ESB, Vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, 1976, p.146.
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gnese. E mais do que isso, na mesma nota, Freud diz que a psicanlise se recusa absolutamente a admitir que os homossexuais constituam um grupo com caracteres sexuais que poderiam separ-los de outros indivduos de caractersticas especiais. Quer dizer que a homossexualidade no revela um tipo clnico particular, os quais so: neurose, psicose e perverso, trs posies subjetivas em relao ao real do gozo. Se no separar os homossexuais dos outros, ou seja, dos heterossexuais, haver homos e hteros neurticos, perversos ou psicticos. Assim, no campo da clnica sexuada, a questo como nos tornamos heterossexuais? se coloca tanto quanto como nos tornamos homossexuais? Dizemos que heterossexualidade ou homossexualidade so, tanto uma quanto a outra, submetidas s convenes psquicas e aos discursos. De fato, houve um tempo onde a escolha do objeto htero era a nica que permitia tornar-se pais, mas agora a escolha do objeto homo tambm, introduzindo, alis, uma nova conjuntura da funo paternal. Mas, como tornar-se htero se no h relao sexual, sendo a frmula para a relao sexual a do casal homem-mulher? Quanto a isto, que concerne a Liebe (no sentido freudiano, quer dizer amor, desejo e gozo), h do lado homem uma forma de gozo fetichista um objeto fetichista como parceiro e do lado mulher, esta que deve se imaginar ser amada para desejar, h uma forma erotomanaca um objeto erotomanaco, seja um objeto no objetvel que Lacan escreve S(%), alguma coisa que faz nascer o amor. Uma ertica do silncio para o homem: para o homem o amor, isto vai sem dizer, porque para ele suficiente o seu gozo (Les non-dupes errent, lio de 12 de fev. de 1973); e para a mulher, uma ertica que no vai sem dizer, que requer a palavra de amor por causa de seu gozo suplementar, do qual nada pode ser dito. A no relao sexual implica que no nvel de seu gozo o homem e a mulher jamais se unem, mesmo que se unam mentalmente. O Um (flico) e o S(%) so dois plos entre os quais impossvel escrever uma relao. Este Um, se faz de um Eros que sugere que poderia haver unio, mas h um conflito entre o Um e o
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Outro real, entre a unidade e a alteridade, uma heterogeneidade irredutvel, donde falha o coito, eterno ato falho que impele a ainda unir o Outro real ao corpo do Outro. Identidade sexual, ser homem ou mulher, e escolha de objeto so as premissas desta forma de tentativa de fazer um3. Para Freud, a passagem pelo dipo que instala a norma para a identidade sexuada e a escolha de objeto. No dipo, sobre a gide do pai, pela barra do discurso, se renuncia ao pulsional da sexualidade infantil, o gozo da pulso que no tem parceiro humano. Instala-se correlativamente o amor do objeto que se sustenta dos ideais e dos semblantes que fazem lao social. , portanto, para Freud, principalmente por identificao que nos tornamos homem ou mulher, que chegamos a assumir o sexo e o estado civil, a partir do um flico que se diz no inconsciente e a partir da castrao, o falo sendo, portanto, o significante da diferena dos sexos. Lacan retoma o incio da diferena sexual de Freud, no entre ter ou no ter o falo, mas entre ser ou ter o falo: o homem o tem, a mulher . A mulher ainda definida, apesar de tudo, em relao ao homem. Depois ele definir o homem e a mulher em relao ao real do gozo: o homem todo inteiro na funo flica, submetido ao gozo flico, correlacionado ao a, mais de gozar, objeto da fantasia. Ele chamar esse gozo flico uma perverso generalizada, pelo fato de um objeto a se interpor entre o sujeito homem e sua (ou seu) parceira. O homem goza segundo sua fantasia e toma uma parte de um objeto por outro e a mulher, na ordem do gozo Outro, suplementar ao gozo flico, o qual totalmente impossvel de significar ausente no lugar da palavra, fora do simblico, portanto, no-toda flica, alteridade absoluta, htros e mais ainda, no causado por um objeto. Em Mais, ainda, Lacan qualifica esse gozo de enigmtico ou de louco, e o inscreve S(%). H a uma subverso das definies freudianas, que no deixa a questo da feminidade no sentido sempre flico, e que diz que um sujeito pode se dizer
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Se quer muito fazer um com seu corpo, ou bem, o sujeito quer fazer um com o Outro.
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homem ou mulher a partir de uma opo de gozo, de uma escolha tica de sua identidade sexual a partir do gozo sexual todo ou no-todo flico. Um homem pode no querer se colocar sob o gozo flico apesar de sua anatomia, uma mulher pode no querer se colocar sob o gozo no-todo, o que nos mostra que ao nvel da escolha do parceiro sexual da escolha de objeto, ser homem no obriga a escolha da mulher como objeto de desejo e gozo e se pode escolher um homem: uma variante da escolha de objeto, isto no uma perverso. E ser mulher no obriga escolher o homem, segundo a norma corrente heterossexual. Homos ou hteros se dividem assim, caso a caso, dos dois lados da identidade todo e no-todo flico. O verdadeiro parceiro de um sujeito o gozo escolhido. No casal, o parceiro homo ou htero, no o parceiro que se v: um homem com uma mulher ou um homem com um homem, ou ainda uma mulher com uma mulher. Alm disso, h a clivagem freudiana, o parceiro do amor que sujeito e o parceiro do gozo que objeto. Suas separaes no tm remdio: reconstruo generalizada para todos. Freud mostrou essa clivagem eles amam onde no gozam, eles gozam onde no amam a partir da neurose, antes de generaliz-la a todos. Portanto, definir o homem e a mulher, como o fez Lacan, no registro do real, com referncia ao real do gozo, , por sua vez, eminentemente mais justo com efeito, no real, mulher no falta nada e clinicamente mais rico e complexo; e ainda, no coloca nenhuma norma, pois sabemos por experincia que os sujeitos no a escolhem. O psicanalista lacaniano constata, pelo ato, os sujeitos se autorizam deles mesmos como seres sexuais.4. Mas evidentemente esta escolha no um livre arbtrio, uma escolha forada pelo inconsciente que engendra sintomas. O inconsciente condena a sexualidade a ser sintomtica. O parceiro uma formao do inconsciente e se decifra, por uma clnica da vida amorosa, tanto quanto um lapso ou um sintoma donde no abusivo fazer da mulher, parceira de um homem, um sintoma. As relaes sexuais so solues sintomticas condicionadas pelo inconsciente, que so retomadas da neurose, da psicose ou da
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perverso. A escolha sexual da heterossexualidade, to sintomtica quanto a escolha homossexual uma e outra, escolha tica de posicionamento com referncia ao real do gozo a escolha de dar a esta modalidade a soluo para a no relao sexual, soluo que testemunha um interesse pelo Outro do sexo, o Outro feminino, hteros; embora o inconsciente no conhea nada do Outro mas ele permite, da mesma forma, que o amor se acomode no relao sexual. No seminrio Mais Ainda, Lacan diz O amor possvel graas ao inconsciente que aceita a relao sexual que o inconsciente exclui. A heterossexualidade , portanto, um interesse para o Outro do Sexo: heterossexual, homem ou mulher, este que ama a mulher quer dizer, este que ultrapassa, por sua vez, o respeito pela mulher, sempre exaltada sobre um fundo de indignidade, isto que ultrapassa o horror da castrao. Penso que a mulher deve, tanto quanto o homem ultrapass-la. Pois a mulher, enquanto sujeito, no quer obrigatoriamente este Outro que a habita, de sua relao ao real, desse gozo enigmtico, opaco, j que ela no tem objeto. Isso pode ser o que talvez leve uma mulher a ser htero, a procurar o homem que ela quer, geralmente, que seja aquele de sua vida. Sem dvida, alguma coisa que tira o no-todo de seu gozo no identificvel, que faz apelo a isto que poderia incluir o Outro que ela por ela mesma ao Um flico que a faz sujeito. O tu s minha mulher, palavra de amor que ela clama, evidentemente a identifica como uma mulher eleita, o que d valor ao seu ser e, nomeando-a, reduz a alteridade. L, ela consente ser amada sendo mulher para um homem, a se prestar perverso do homem, para que o fantasma do homem encontre nela sua hora da verdade5, para ser seu sintoma, como dir em seguida Lacan. Este apelo ao amor de um homem, essa exigncia de amor, mesma, devese dizer, ciumenta e exclusiva e da natureza do amor de uma mulher ser ciumenta, Lacan diz (Les non-dupes errent, 11 junho 1973). Este amor do amor, propriamente feminino, Colette Soler, servindo-se do ensinamento de Lacan, num
LACAN, J. Televiso. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003, p.538.
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artigo publicado na Filum n136, diz ser uma tentativa para dar um parceiro humano a esse real. Parceiro a quem dedicar de qualquer maneira o real do gozo sem Outro ao preo, eventualmente, de se fazer sintoma... Esta metfora (do amor) uma sublimao e sem dvida a melhor. E Colette Soler acrescenta uma dimenso social: Sua dimenso social , efetivamente, evidente, pois ela pode fixar o gozo demasiado real s armadilhas de um lao de eleio. E, por menos que o lao social esteja em perigo, ela no se torna o ltimo recurso contra as fragmentaes segregativas? Ao menos, o ltimo recurso suscetvel de ir contra as imposturas diversas do Um segregativo. Assim, se querem dar uma definio heterossexualidade masculina, se poderia dizer, sem muito se equivocar, que fazer de uma mulher a causa de seu desejo. Isso no vai por si s, a partir de sua perverso generalizada. E colocando parte o macho conquistador, sem dvida, ele o faz com muita prudncia e timidez geralmente no se aproximando muito (cf. O Tabu da virgindade, onde Freud introduziu a ameaa que recai sobre o homem fundamentalmente em perigo, porque ele tem o rgo, e que deve se defender de diversos tabus para se sustentar). Mas enfim, o homem htero d o salto tico em direo ao hteros contrariamente queles entre os homens que escolhem a tica do celibatrio 7. Aqueles l evitam, defendem-se do Outro sexo (tica Ex-Sexo) , como o inconsciente estruturalmente hom mo-sexual que foraclui o Outro feminino, excludo da natureza das palavras (e das coisas). O celibatrio no quer dizer, com Lacan, aquele que no casado, mas aquele cuja orientao sexual no toma a mulher por objeto, o homossexual particularmente se volta para o mesmo, o semelhante, em direo a sua imagem idealizada. Portanto, desde a perverso generalizada do homem, fato, quer seja a heterossexualidade, quer seja a homossexualidade, esta estrutura no se impe inteiramente ao menos para a psicanlise a hierarquizar moralmente essas duas opes.
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Boletim de psicanlise de lACF Dijon, onde eu era poca redatora. LACAN, J. Tlvision, p.65. Montherlant e Emanuel Kant lhe so os exemplos. Veja tambm o Exsexo no captulo VII de Mais, ainda.
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Retomo a definio que dei mais acima da heterossexualidade no homem. em parte aquela que Lacan d do pai. Na lio de 21 de janeiro de 1975 de R.S.I.: um pai s tem direito ao respeito seno ao amor, se o dito amor e o dito respeito vocs no vo acreditar em vossas orelhas estiverem pre-versemente (paiversamente - pai-verso) orientados, quer dizer, ter feito de uma mulher o objeto a que causa seu desejo (...), na verso que lhe prpria de sua perverso, esta que tem a funo do sintoma (pai), pouco importa que ele tenha sintomas, se ele acrescenta este da pai-verso paterna, quer dizer, que a causa de uma mulher, se ele a adquiriu para fazer filhos, e que estes filhos, ele os queira ou no, ele tenha para com eles, os cuidados de pai. , alis, um pouco adiante que ele diz: para quem est preenchido de falo, o que uma mulher? um sintoma um sintoma e isso se v, enquanto que um homem para uma mulher tudo que se queira, uma aflio, pior que um sintoma, uma devastao mesmo. Assim, entre os homens heterossexuais, o pai tem uma verso prpria pai-verso paternal de sua perverso (generalizada). E isto no importa a qual dos homens heterossexuais que podem preencher as condies da perverso paterna. O pai digno de seu nome aquele que faz de uma mulher objeto a que causa seu desejo, e que esta mulher ele a tenha adquirido para lhe fazer filhos, aos quais ele exera seu cuidado paternal. Trs condies ento, para que se possa dizer que um homem tem o sintoma pai, que tenha o I do amor, o S do desejo e o R da vida das crianas. preciso que ele coloque como sua esta mulher que ele adquiriu, quer dizer, que ele diga: tu s minha mulher e que ela tenha consentido. Para lhe fazer filhos: ele quer, portanto, os filhos, ele quer ento fazer de sua mulher uma me, quer dizer, que ele aceita que ela d a vida a seus filhos reais, que ele reconhea. Assim, entre os heterossexuais, h estes que tm o sintoma-pai e outros que no o tm. Com efeito, h homens que querem de fato uma e muito freqentemente muitas mulheres, mas no querem filhos; e homens que no querem fazer de suas mulheres uma me a no ser que ela seja a sua prpria me, para ele ser o filho maternado e narcisizado. O que prova que a heterossexualidade masculina no
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forosamente paterna. Mas, enfim, podemos dizer que um homem que tem o sintoma-pai passa da perverso generalizada ao lugar de htros do feminino no modelo da pai-verso. Para terminar, eu diria que neste que tem o sintoma-pai, as correntes ternas e sensuais de Freud se renem segundo seu ideal para um comportamento amoroso normal, apesar da regra da divergncia do amor e do gozo.
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Duas perguntas mantero o trabalho que hoje eu compartilho com vocs. 1) Qual a posio de Freud, como pensador de seu tempo, com relao a homossexualidade? 2) Quais so as razes psicanalticas que extrai de seu trabalho investigativo e que o levam a colocar o fato de que a homossexualidade no uma doena? A continuao de uma carta do prprio Freud, permitir-me- situar de uma determinada maneira estas questes.
Ao destinatrio desconhecido (carta a uma me americana) (escrita em ingls) Viena l X, Berggasse, 19 9 de abril de 1930 (Freud morre em 1939) Cara senhora: Eu deduzo de sua carta que seu filho um homossexual. Chamou-me extraordinria ateno o fato da senhora no mencionar no final da informao sobre ele, que me envia. Eu posso perguntar-lhe por que o evita? Sem dvida, o homosexualismo no representa uma vantagem, mas tampouco existem razes para envergonhar-se dele, desde que no supe vcio nem degradao alguma. No pode ser classificado como uma doena, e ns consideramos que uma variante da funo sexual produzida por certa desordem (resultado de uma deteno) no desenvolvimento sexual. Muitos indivduos altamente respeitveis da Antigidade e de nosso tempo foram homossexuais, e entre eles diversos dos personagens proeminentes da histria (como Plato, Michelangelo, Leonardo da Vinci etc). uma grande injustia e tambm uma crueldade perseguir o homossexualismo como se fosse um delito. Se no me crer, lhe sugiro que leia os livros de Havelock Ellis. Ao perguntar-me se posso lhe prestar minha ajuda, suponho que tenta indagar se estou em posio de abolir o homosexualismo substituindo-o por uma heterossexualidade normal. A resposta que, em termos gerais, no podemos prometer nada pelo seu estilo. Em
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alguns casos chegamos a desenvolver os germes das tendncias heterossexuais que esto presentes em todo homossexual, ainda que a maioria dos casos no seja possvel. A questo apoiada sobretudo na qualidade de vida e na idade do indivduo, sem que possa prever o resultado do tratamento. O que a anlise pode fazer por seu filho diferente. Se ele sente-se infeliz por mil conflitos e inibido em sua vida social, a anlise pode proporcionar-lhe harmonia, paz mental e plena eficincia, mesmo se continua sendo homossexual ou se muda. Se voc decidir, no o espero, ele dever vir a Viena e ser analisado por mim. No tenho intenes de sair da cidade. Sem embargo, no deixe de dar-me uma resposta. Sinceramente seu e com cordiais saudaes. Freud. PS: No encontrei dificuldade alguma para decifrar sua escrita. Espero que voc no a tenha ao faz-lo com a minha e com meu ingls.
Sem dvida, Freud amplia a concepo da sexualidade humana e opera uma subverso na idia que se tinha acerca da homossexualidade, no s no plano cientfico, mas tambm na sociedade de sua poca, incluindo a IPA. Colocar por volta de 1935 que a homossexualidade no uma doena, mas uma orientao perversa, marca uma diferenciao que ainda hoje no to bvia para o Outro social, nem to evidente, segundo creio, para ns analistas, seno que requer um trabalho de investigao e elaborao. Em seu texto La Moral sexual cultural y la nerviosidad moderna (1908), (Moral sexual civilizada e doena nervosa moderna), Freud nos conduz a pensar que a perverso um desvio do pulso (instinto) sexual1, mas que nem todo desvio perverso, e inclui aqui a homossexualidade. Ele diferencia entre os perversos, aqueles em que uma fixao infantil a um fim sexual provisrio deteve a primazia da funo reprodutora, dos homossexuais ou invertidos, nos quais o instinto sexual ficou desviado do sexo oposto. Assim, dir, a constitutio dos invertidos ou homossexuais se caracteriza freqentemente por uma aptido especial do instinto sexual para a sublimao cultural.
Nota da traduo: optamos por manter a palavra instinto empregada pela autora no original em espanhol, apesar da traduo francesa ter trocado por pulso. Na traduo brasileira das obras completas de Sigmund Freud tambm como instinto que Trib (al.) est traduzido.
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Podemos encontrar na argumentao que Freud nos oferece um primeiro dado que daria conta da necessidade de diferenciar homossexualidade de perverso. Em 1903, durante uma entrevista realizada pelo jornal de Dirio de Viena Diet-Zeit, Freud mostra-se taxativo ao afirmar que os homossexuais no devem ser tratados como doentes, j que uma disorientao perversa est longe de ser uma doena. A menina no era uma doente, dir em seu texto Sobre la Psicognesis de un caso de homosexualidad femenina (1920), (A psicognese de um caso de homosexualismo numa mulher), no sofria por razes internas, no se lamentava de seu estado, o trabalho colocado no consista em resolver um conflito neurtico, seno em transformar uma das variantes da organizao genital em outra. Relendo Tres ensayos para una teora sexual (1905), (Trs ensaios da teoria da sexualidade), encontramos tambm esta orientao das colocaes freudianas. Tendo partido das aberraes do instinto sexual com relao a seus objetos e seus fins, deparamo-nos com a pregunta: se tais aberraes so inatas ou adquiridas. A resposta foi-lhe dada pelo conhecimento das caractersticas do instinto sexual dos psiconeurticos e esclarece: um dizer de um grupo de homens no muito longe do saudvel. Em tais pessoas podem revelar-se as tendncias a todas as perverses como componentes inconscientes que atuam na qualidade dos sintomas gerados. Antes da grande difuso de tendncias perversas, impe-se a hiptese de que: a disposio perverso era norma primitiva e geral do instinto sexual como conseqncia das transformaes orgnicas e de inibies psquicas, aparecidas no curso do amadurecimento. Sem dvida alguma a questo se abre em torno de: o que doena para Freud? Em 1909, a sada pela doena que se chamar doena nervosa ou psiconeurose, sero os fenmenos substitutivos provocados pela inibio dos
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instintos; esta conceitualizao que nos oferece vincula a intensidade da energia do instinto sexual com o desfecho. Portanto, se a homossexualidade no uma doena variante da funo sexual produzida por uma certa desordem no desenvolvimento sexual, ou orientao perversa, em que ponto legitimizar a pertinncia da psicanlise para este tipo de paciente, que no so casos. Os sucessos da terapia psicanaltica no tratamento dos homossexuais no so, dir Freud, na verdade, muito numerosos. Normalmente o homossexual no consegue abandonar seu objeto prazeroso, no se consegue convenc-lo de que uma vez modificadas suas tendncias sexuais voltar a encontrar em um objeto distinto o prazer que renunciou buscar nos objetos atuais. Se se pe em tratamento quase sempre por motivos externos, isto , pelas desvantagens e perigos sociais de sua eleio de objeto e estes componentes do instinto de conservao se mostram tanto mais dbeis na luta contra as tendncias sexuais. Talvez, ento, o xito consista em unicamente abrir para o sujeito homossexualmente limitado o camino at o outro sexo, vedado antes para ele, restabelecendo sua plena funo bissexual. Fica ento plenamente entregue sua vontade seguir ou no no dito caminho abandonando aquele outro anterior que atraa sobre ele o antema da sociedade. Podemos por acaso vincular esta tese freudiana com a eleio de um modo de gozo. O trataremos mais adiante. Freud continua: temos que ter em conta que tambm a sexualidade normal repousa em uma limitao da eleio de objeto e que, em geral, o empenho em converter a heterossexualidade a uma homossexualidade, ligado a seu completo desenvolvimento, no tem mais probabilidade de xito que o trabalho contrrio. S que este ltimo no tenta nunca, naturalmente por evidentes motivos prticos. Recuperar a plenitude da funo bissexual est para Freud j bastante longe de apoi-la na biologa. Critica duramente a literatura que costuma no separar os problemas da eleio de objeto dos correspondentes caracteres sexuais
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somticos e psquicos, como se a soluo dada a um destes pontos trouxesse necessariamente consigo os restantes. Considerar que esta literatura tendenciosa dificultou a viso destas relaes, ademais fecha o caminho que conduz a um profundo conhecimento daquilo que se d uniformemente o nome de homossexualidade ao rebelar-se contra os fatos fundamentais descobertos no trabalho analtico: 1) que os homens homossexuais passaram por uma fixao especialmente intensa com a me, e 2) o que todos os normais deixam reconhecer, ao lado de sua heterossexualidade manifesta, uma considervel magnitude de homossexualidade latente ou inconsciente. Tendo em conta estes descobrimentos, desaparecem, claro est, a possibilidade de admitir um terceiro sexo, criado pela natureza em um momento de capricho.
O que pensam os analistas? A medida que ia transitando por diferentes leituras de Freud e de Lacan em relao a este tema, algo ia ficando como resto e era exatamente essa pregunta que localizo como subttulo. Lacan atravs de muitos de seus escritos nos soube mostrar suas discrepncias com os ps-freudianos, alguns dos quais citarei mais abaixo. Mas tambm Freud, e, particularmente vinculado com este tema da homossexualidade, no s subverter concepes existentes, como tambm tomar posio a respeito das anlises de sua poca, muitas das quais pertenciam a seu crculo mais prximo. Vejamos o que conosco compartilha no Prlogo dos Trs ensaios sobre a teoria da sexualidade, para a quarta edio de 1920:
Pessoas que durante longo tempo se dedicaram intensamente psicanlise, se afastaram da mesma e adotaram novas concepes tendentes a reduzir o papel do fator sexual tanto na vida psquica do ser normal como na do enfermo
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S aqueles investigadores dotados da pacincia e da habilidade tcnica necessria para levar a anlise at os primeiros anos infantis do paciente, poderiam confirmar os comeos da vida sexual humana que aqui se descreve. No que se refere a ampliao do conceito de sexualidade imposto pela anlise com crianas e dos denominados perversos, lembrarei aqueles que contemplam desdenhosamente a psicanlise do seu ponto de vista mais alto quando coincide estritamente a sexualidade ampliada da psicanlise com Eros do divino Plato.
Deste modo, Freud, com o descobrimento da sexualidade infantil, com a transformao de sua majestade o beb em um perverso polimorfo, faz um giro que o enfrenta com muitos de seus contemporneos e com alguns de seus colegas mais prximos. Freud, particularmente, tambm sustenta suas convices em relao a homossexualidade, por exemplo, sustentava que no havia razes para rejeitar a solicitao dos aspirantes a formao analtica na IPA. Esta posio resultou ser objetvel quando, em 1920, a Associao Holandesa de Psicanlise recebeu a solicitao de um mdico manifestadamente reconhecido por sua homossexualidade para ser membro. Ernest Jones, membro do crculo mais prximo de Freud, a quem consulta para esta admisso e quem aconselha rejeit-la. Logo consulta a Freud, se esta pode ser uma regra segura e geral com base na qual proceder, ao que responde: Sua pregunta, estimado Ernest, concernente a possvel qualidade de membros homossexuais tem sido considerada por Otto Rank e por mim e discordamos de voc. Com efeito, no podemos excluir tais pessoas sem ter outras razes suficientes, assim como no estamos de acordo com a perseguio legal. Sentimos que em tais casos uma discusso dever depender de um cuidadoso exame de outras qualidades do candidato. Rank, Sadger e Tausk permaneceram firmes juntos com Freud, mas a maioria dos analistas pensavam de outro modo.
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Os analistas norte-americanos consideravam a homossexualidade com desaprovao e quiseram se livrar dela. J em 1916, quando Freud estava muito ativo, Smith Ely Jeliffe, um destacado analista nova-iorquino declarou que instruo individual e educao deveriam controlar a tendncia homognia e dirigida a uma normal e bem adaptada vida sexual, para que assim no exista a homossexualidade. Tendo em conta este contexto e retomando a Carta a uma me norteamericana, podemos dizer que o que o motivou a escrever no foi de modo algum apenas uma atitude bondosa, nem necessidade alguma de considerar o que sustentava havia 30 anos. Causou a ele, Freud, uma profunda crtica contra o moralismo e o abuso da psicanlise que os americanos estavam fazendo. Sabia muito bem que sua carta em resposta no passaria inadvertida e teve essa inteno. Foi quase uma provocao, em especial a passagem onde termina dizendo: se voc se decide a isso, ele poder analizar-se comigo!!! No creio que voc o faa, porm teria de ir a Viena! Impressiona que ele quis dizer-lhe que seu filho no poderia ser tratado adequadamente na Amrica do Norte. Assim mesmo Freud, como pensador do movimiento de emancipao homossexual de sua poca, tampouco aceitava que se considerassem uma exceo, e deu razes analticas para no consider-los um Terceiro sexo. Freud, como clnico, rejeitou tratar homossexuais que no se consideravam tambm suficientemente neurticos, de outro modo no havia nada que tratar, no pensava que a homossexualidade era uma enfermidade e quando um membro supunha que o era encaminhava a Freud para seu tratamento. Mas nem sempre se sabia antecipadamente, destas consultas no houve registros acerca de seu proceder. Para ele, no eram casos. (S se teve conhecimento do registro de uma s sesso de Bruno Goez).
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Lacan (1953) evidentemente recolhe a luva de uma discusso j iniciada por Freud, a crtica da psiquiatrizao da psicanlise, expressando-a deste modo em Funo e campo da fala e da linguagem, aos norte-americanos:
De qualquer modo, evidencia-se de maneira incontestvel que a concepo da psicanlise pendeu ali para a adaptao do indivduo ao meio social. (...). Portanto, distancia necessria para manter tal posio que podemos atribuir o eclipse, na psicanlise, dos termos mais vvidos de sua experiencia o incosciente, a sexualidade dos quais parece que a prpria meno logo dever apagarse. (p.246-7)
Evidentemente, pensar uma sexualidade adaptada ciscunstncia social implica desconhecer os conceitos de inconsciente e sexualidade, tal como Freud os pensou. E reconhecer que o analista est to exposto como qualquer outro a um preconceito sobre o sexo, fora do que lhe descobre o inconsciente, a espora de Lacan para nos despertar de sonhos que nos fazem crer que estamos localizados em posies de exceo, que estamos curados de nossos inconscientes.
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O Parceiro Sexual
Luis Izcovich
A questo do parceiro sexual, especialmente a da escolha e das modalidades do lao entre o sujeito e seu objeto, atravessa o campo da doutrina analtica desde Freud at nossos dias e a resposta a isso difere segundo as correntes. Coloquemos ento de entrada o problema: o que podemos esperar de uma anlise no que diz respeito ao que vir a ser a relao do sujeito com aquele que ocupa a posio de seu parceiro sexual? Lacan subverteu com uma frmula aquilo porque a psicanlise psfreudiana havia reunido o discurso do mestre. Com efeito, quando Lacan denuncia como pura mentira a noo de estado ambivalente de Abraham, para indicar que a visada do desejo permanece essencialmente ambivalente, mesmo aps uma anlise. A pura mentira , portanto, a promessa analtica de acesso psambivalncia. Referimo-nos a um momento do seminrio A Transferncia1, bem antes da formulao sobre a no inscrio inconsciente da relao sexual e, no entanto, a orientao clara: no h objeto susceptvel de produzir a sntese absoluta das correntes definidas por Freud como terna e ertica. Desde ento, a tese de certos alunos de Lacan, propondo que, ao fim do tratamento, se opere para um homem a conjuno completa do desejo e do amor em torno de um objeto, ou seja, amar a mulher que se deseja, diz respeito, me parece, mais miragem de uma promessa do que a algo que a clnica ateste. Esse Encontro nos d a ocasio de renovar um debate que no est concludo, aquele da dita maturidade genital, a saber, o que esta noo recobre e, sobretudo, o que pode mudar aps uma anlise, no que diz respeito ao parceiro sexual. O que a experincia analtica demonstra, acima de tudo, so os fracassos do encontro, sempre presentes ou mascarados na demanda inicial dirigida ao
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analista e que jamais so desconectados daquilo que um discurso inscreve. E nossa poca, fazendo crer que as escolhas infinitas so possveis, introduz novos impasses sem resolver a questo do parceiro adequado para o sujeito. Para melhor dizer, enquanto hoje se estimula o encontro e interdita-se cada vez mais o gozo, o que se manifesta de maneira aguda como saber qual o parceiro que me necessrio ou uma variante: ser que no posso encontrar um parceiro melhor?. Essa questo, que no se limita a uma estrutura clnica, cria uma dvida, um lugar essencial em nosso tempo e que comporta uma conseqncia maior: a prevalncia da interrogao sobre o gozo, mais que sobre o desejo, e a dificuldade de aceder certeza da autorizao quanto escolha. Dito de outra forma, se o falo por essncia o significante bssola do sujeito, ele no suficiente para estabilizar a relao ao outro sexo, na medida em que o falo, por definio, pode ser intercambivel. E preciso ressaltar que o que d para cada sujeito, neurtico, necessrio acrescentar, a srie de parceiros que est sempre a ser inscrita no esquema basal de sua constituio ertica. Na ocasio, a srie encontra seu ponto de partida em um modelo, ou em um anti-modelo, ou seja, a partir do significante traumtico. Voltarei a este ponto. Que a linguagem faa suplncia ausncia estrutural de orientao em direo ao parceiro e que o falo seja uma bssola, demonstra-se a partir dos casos onde ele (o falo) no opera. suficiente tomar dois exemplos situados em extremos opostos na obra de Lacan. De incio Aime, para quem ele coloca a escolha de parceiros de incompatibilidade mxima, e Joyce, para o qual a nica mulher de sua vida lhe cai como uma luva. No caso Aime, o falo no orienta o sujeito; no caso de Joyce, o falo no o encobre. O falo ento aquilo que, do programa inconsciente, disfara o desregramento na escolha do parceiro e nos adverte sobre o que h de suspeito em toda soluo perfeita. O recurso ao falo no requer o direcionamento anlise, a no ser onde o fracasso impe ao sujeito o recurso a um novo parceiro.
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Com efeito, basta que o parceiro escolhido entenda-se escolhido no sentido de ter o poder de desarranjar sua fantasia - se desaloje de onde ele colocado pelo sujeito para que uma interrupo do gozo aparea. Pensem no caso do Homem dos Ratos em relao ao capito cruel ou, em Dora, face aos propsitos inesperados do Sr. K. A busca do novo parceiro, que o analista, encontra assim sua justificativa na sada especfica aos impasses do gozo. O analista um parceiro do sujeito em relao ao sintoma. o que Lacan definiu de forma clara no seminrio Problemas cruciais para a psicanlise, onde diz : O psicanalista, quando introduzido como sujeito suposto saber, ele prprio quem recebe e suporta o estatuto do sintoma do qual agenta a metade da carga. O analista, como novo parceiro, capta, concentra, trazendo luz a via sem sada que o postulado inconsciente do sujeito determina. O analista como complemento do sintoma uma concepo que s possvel se este for colocado pelo sujeito na srie das escolhas de objeto inconsciente. Isso o que permite colocar o analista como parceiro sexual do sujeito. A questo fundamental tornase, ento: se o analista, por sua ao, pode desarranjar a srie inconsciente do sujeito ou se ele vai justo permitir os deslocamentos no interior desta srie. Sejamos mais precisos: uma anlise pode permitir outra coisa alm daquilo que advm das premissas dadas pelo inconsciente? Notemos que, se o sujeito encontra um analista capaz de fazer parte de suas condies erticas, ele encontra ao mesmo tempo um desejo novo. Falo aqui do desejo do analista e no mais do desejo do sujeito. Desde ento, esse desejo aquele que impede ao sujeito a crena de ter finalmente encontrado o objeto adequado. O desejo do analista o obstculo erotomania transferencial e aos riscos que esta pode engendrar como a infinitizao da anlise. O tratamento implica em uma concentrao de libido na transferncia, cujos efeitos repercutem na economia geral do sujeito, gerando uma redistribuio da libido que, como o diz Lacan, no acontece sem custar a certos objetos seu posto. O posto perdido concerne escolha de parceiros sintomticos, a distinguir do parceiro-sintoma.
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Na realidade, o desejo do analista que sustenta a interrogao essencial do sujeito, aquela que concerne ao saber sobre o sexo, um desejo advertido sobre a identidade impossvel entre o saber e o sexo. Isso o que funda a exigncia histrica. Ela diz respeito a um saber que possa revelar a verdade sobre o sexo. Observemos que essa exigncia tem no mnimo duas conseqncias. H uma face positiva, no sentido de que sua posio de objeo ao saber universal faz apelo a um parceiro que abra a porta ao saber inconsciente. a face onde a exigncia histrica, insubmissa s prescries universais foi a condio para fundar um novo discurso, o discurso analtico. No se pode, no entanto, negligenciar a face negativa que se deduz do que Lacan assinala a propsito do discurso do mestre que se funda sobre o discurso histrico. Dito de outra maneira, no suficiente dizer que a histrica (se a tomarmos no feminino) unilateralize a castrao do lado do homem, pois a castrao o que permite a um homem gozar de uma mulher. A histrica, ao invs de instaurar o ato sexual via castrao, trabalha para o fracasso, e prefere o gozo da fantasia quele do parceiro. Se bancar o homem no suficiente como resposta histeria, resta o discurso do mestre. Consequentemente, quanto mais a histrica banca a histrica, mais o mestre banca o mestre. O analista, como parceiro da histrica, sabe que uma opo possvel alm de bancar o homem ou bancar o mestre (aqui entre ns, existe uma grande afinidade entre esses dois), mas tornar possvel uma satisfao, enquanto o parceiro, do qual ela no abre mo necessariamente no ato sexual, colocado para ela no lugar de confirmao de seu postulado de base: que no h mais que do que um, aquele que ela ainda no encontrou. Essa incompatibilidade entre trs termos, sujeito, saber e sexo, funda o que Lacan designa como as posies subjetivas do ser, como modalidades singulares de resposta ao irredutvel entre esses trs termos e que encontra sua raiz na relao de excluso fundamental entre o sujeito e seu ser sexual. Notemos, alis, a retomada de trs outros termos, onde se verificam as trs dimenses do
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impossvel : elas concernem ao sentido, significao e ao sexo, propsito do que exigvel no final da anlise e que revelam o irredutvel entre o sexo e a linguagem. Existe um impossvel concernente certeza do ser sexual, como existe um impossvel concernente ao desejo do analista. O que legitima sua colocao em srie a formulao homognea que Lacan prope para o tratamento dessas impossibilidades. Como ele conclui que o analista s se autoriza de si mesmo, ele coloca que o ser sexuado s se autoriza de si mesmo. Isso no s para indicar que o parceiro no serve para se encontrar autorizao no Outro, pois os semblantes permanecem na borda da cama; mas que alm disso, mais radicalmente, uma certeza conclusiva requerida da parte do sujeito, no que diz respeito sua identidade sexual. O enigma do ser sexual nunca se resolve completamente atravs das significaes sexuais. Isso o que Lacan chamou a exausto impossvel e concerne ao real do sexo. suficiente dizer que a incidncia da psicanlise de regular a significao impossvel pelo acesso a uma certeza do desejo? Parece-me que essa certeza no garantida sem a escolha de gozo. Nesse sentido, a dimenso traumtica do gozo, ndice do hiato irredutvel, que se revela infiltrar na vida do sujeito, no encontra sua soluo na anlise justamente pela prova da transferncia. Essa uma condio fundamental, mas insuficiente sem a experincia decisiva do encontro, sem que se opere necessariamente um novo encontro. Dito de outra maneira, o saber extrado de uma anlise no substitui a experincia. As posies subjetivas do ser se demonstram ento como resposta do sujeito e constituem a tentativa de integrar os significantes que vm do Outro. Evoco em dois curtos exemplos o que constitui a marca dos significantes vindos do Outro, que so indutores de gozo e decisivos na relao ao parceiro. A primeira mulher centra sua anlise sobre uma possvel cena que teria sido recalcada. Essa cena, de bolinagem com seu pai, nunca existiu, mas opera como um devaneio diurno ao qual ela d um estatuto causal e pode dar conta,
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segundo o sujeito, da busca incessante de um amante bem mais velho do que ela, que faz de cada encontro um encontro sintomtico. Ela j sabe de antemo que, uma vez passada a seduo, esse parceiro ser descartado em favor de outro. Uma nova cena recalcada introduz uma nova perspectiva. Trata-se de uma carta de amor escrita em sua infncia, tendo por objeto um amigo do pai, e destinada a permanecer secreta at o momento em que a me, cujo riso interpretado como uma gozao, a torna pblica diante deste homem. Isso constitui a base do postulado construdo no tratamento: no posso ser levada a srio enquanto mulher. O segundo exemplo diz respeito a uma mulher devotada perfeio e isso em todos os planos nos quais ela intervm. Seu objetivo ser a amiga perfeita, a melhor em sua carreira profissional, e uma mulher irrepreensvel. No entanto, um desafio est sempre sua frente: seus amigos lhe fazem observaes, dizendo que ela muito sria; seus colegas no suportam tanta perfeio e seu companheiro gostaria de um pouco mais de falhas. Ela prpria se interroga porque, se ela ama e deseja um homem, cujos sinais de amor no esto mais prova, permanece, apesar disso, a questo: Ser que voc no se enganou de homem?, questo esta que se desdobra em e se minha me tivesse razo? Essa me encontra sempre um meio de dizer sua filha que ela poderia aspirar ao melhor em suas escolhas amorosas. Mas, a palavra que tocou seu ser desde a infncia, a ponto de determinar sua posio na existncia, a frase de sua me: precisaria saber se voc no est se contentando com pouco. Esse efetivamente o gnero de frase que envenena uma vida, pois, como o articula muito bem esta analisante, onde passa a fronteira que permite concluir que o bastante? Podemos demonstrar, atravs desses dois exemplos, como os significantes do capricho do Outro, que o sujeito no integra, talha as modalidades de seu gozo, chegando a determinar o que satisfeito na relao ao parceiro. Pois, se a relao sexual no inscritvel, permanece que o gozo sexual no impossvel e a questo que se abre para cada tratamento o fato de que o gozo que permite dizer ao sujeito: o bastante.
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No me parece suficiente sustentar, a partir da, que a operao analtica induza um deslocamento em relao ao objeto que, no entanto, no se pode negligenciar. Esse deslocamento comporta um benefcio importante em relao fixao a um nico parceiro e o risco de um delrio a dois mesmo que em uma neurose. Isso o que Freud evoca como a ampliao das condies erticas. Mais radicalmente, a questo que se coloca de saber se o sujeito saiu da escolha do mesmo. Pois, o sentido do ltimo ensino de Lacan a proposta de uma mulher, sintoma para um homem, designando que um parceiro aspira e concentra sobre ela o gozo do sujeito, e o que se pode esperar de melhor quanto escolha, que podemos chamar de ps-analtica. Notemos que nada nessa frmula indica que o lugar do eleito seja nico. Essa formulao, solidria da definio do sintoma como gozo na condio de que o inconsciente o determine, faz valer que a certeza conclusiva do sujeito no que diz respeito ao parceiro sexual, que este no existe. Na realidade, o parceiro sexual do sujeito o inconsciente. Mas, ento, diro vocs, este j no era o caso antes da anlise? Justamente, no suficiente adiantar que a anlise, pelo deciframento inconsciente, contribua para elucidar a funo dos parceiros sintomticos. A opo de Lacan traada de forma patente em seu texto: Subverso do sujeito e dialtica do desejo, quando ele coloca que (...) na fantasia, a castrao faz desta ltima a cadeia simultaneamente flexvel e inextensvel2. Inextensvel aqui designa os pontos de parada na escolha objetal. Dito de outra forma, na condio de operar sobre a castrao que os efeitos se repercutem sobre o inextensvel da fantasia e por conseqncia, sobre o esquema causal do gozo do sujeito. Essa concepo deixa aberta uma outra opo tese clssica que aquela do parceiro como substituto inconsciente da escolha ertica infantil. A nova
LACAN, J. Subverso do sujeito e dialtica do sujeito. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, p. 841.
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concepo o parceiro como objeto a, fora da srie portanto, e para alm da repetio. Recapitulemos ento. Eu acho que a psicanlise encontra sua razo fundamental no contexto do crescimento ao ilimitado na escolha do parceiro, por seu efeito de castrao. Notemos que os sujeitos em anlise, e fora dela, reclamam essa castrao. Seja por percepo, ou falta de proibio, o objeto perde seu valor de gozo. Mas no est a o fato essencial que eles vo encontrar na anlise. Tratase, antes, do efeito de castrao que porta sobre o fato de que h um real do sexo a considerar como o que no pode no s-lo. Dito de outra forma, uma condio se instaura que no deixa o sujeito aberto a todos os encontros. No fundo, podemos concluir que no h relao com o parceiro sexual, pois ele que far a relao faltosa. No resta mais nenhum gozo possvel com o parceiro, a no ser por intermdio daquilo que Lacan chamou alngua. Isso no para diminuir, nem o lugar, nem a funo do parceiro. Mas ordena as coisas de uma forma precisa: uma psicanlise permitir a um sujeito declinar as diferentes formas de gozo com alngua em funo do parceiro. Disso, o analisante poder certamente dar testemunho. Ele poder tambm tirar da as conseqncias para sua escolha de parceiro e mesmo muito tempo aps o fim da anlise. Isso ser sua atribuio.
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O sujeito transexual
Francisco Estvez
Introduo No final do ms de maio, encontrei um pequeno anncio na impressa local, na pgina dedicada aos aniversariantes, e algo me chamou a ateno. Tratava-se de uma imagem na qual se via um casal de noivos com os rostos unidos e um anncio sob a foto que dizia: Felicidades E., desejo passar o resto de minha vida contigo. A frase era dirigida a uma moa. De repente reconheci, apesar da sua metamorfose, o paciente cujo caso havia escolhido, vrias semanas atrs, para elaborar esse relato. Coisas da sorte. Naquele momento, estava a ponto de comear a redao do presente texto. Parecia-me oportuno partir da sentena judicial que referendou, no plano jurdico, a operao subjetiva que o paciente havia levado a cabo no plano simblico. A especial sensibilidade do juiz em sua redao do parecer mostrava o que se havia julgado numa operao to complexa. necessrio esclarecer, antes de qualquer coisa, que nos achvamos diante de um sujeito que, num dia do ms de fevereiro de 1997, se apresentava com o nome, fentipo e fisiologia femininos no Registro de Estado Civil. Quatro anos e meio mais tarde, saiu com uma sentena judicial que dita que na verdade um homem e que como tal tem o direito de ser reinscrito no Registro Civil, corrigindo, assim, um erro da natureza.
O declogo O juiz fundamenta sua sentena no seguinte declogo: 1 Dona (...) tem plena convico de sua identidade sexual masculina, o que se traduz como um desejo decidido de ser homem. 2 Se comporta em todos os sentidos como um homem sem que exista dvida sobre (...) sua convico pessoal (...) do que quer ser.
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3 Tendo se submetido (...), em duas ocasies, a intervenes cirrgicas para realizar a mastectomia (...) no se detectou nenhuma alterao psicolgica. 4 A identidade sexual masculina adotada (...) contundente e no diz respeito a uma opo passageira. 5 Nos trs anos transcorridos, desde que foi submetida ao tratamento, no se tem notado alterao psicopatolgica alguma, nem tampouco indcios de reversibilidade em sua identidade de homem. 6 Desde a puberdade (...) refere-se a uma vivncia ntima de um gnero diferente do biolgico, este fato no est condicionado, secundariamente, por nenhum transtorno mental. 7 A normalizao jurdica de sua condio (...) lhe possibilitaria uma maior estabilidade psicolgica, permitindo sua plena integrao social como cidado. 8 Foi feita uma mastectomia bilateral, histerectomia, mais uma dupla anexectomia, todas realizadas com absoluta normalidade. 9 Ainda assim foi submetida a um processo de hormonoterapia, que aliado s cirurgias, conseguiu que passasse socialmente por um homem jovem de sua idade. [9] Contudo, resta ainda uma operao, que consiste na troca dos genitais femininos por masculinos. Para tanto, necessrio a construo de um micro pnis, de trs a seis centmetros, realizando um alargamento do prprio clitris, que j est hipertrofiado (...) e a construo de bolsa escrotal feita a partir de implante de uma prtese testicular bilateral de gel de silicone. 10 A requerente afirma que no se submeteu a esta ltima operao por causa da singularidade da mesma e por razes financeiras.
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Sentena e Lei Desta deciso forada (forada pelo ato fracassado do juiz que repete duas vezes o pargrafo nono) se retira algumas concluses, entre as que se destacam, citamos a seguinte: no se est na presena de uma solicitao caprichosa, apressada ou produto de uma patologia mental (...), se est diante de um claro e decidido desejo de uma pessoa que, nascida mulher, tem a plena conscincia de ser e querer ser tratada e reconhecida como homem. Lembra o juiz que o prprio Tribunal Supremo tem reconhecido e declarado admissvel a troca de sexo (...) como conseqncia da existncia da sndrome transexual e da correspondente cirurgia. Avana um pouco mais ao considerar integralmente o pedido, ainda que falte realizar a ltima operao pendente para concluir o processo, dado que a identidade sexual masculina (...) assumida na psique de Dona (...) no precisa em absoluto da ltima operao cirrgica para se reafirmar. Um pargrafo da sentena tem uma redao um tanto ambgua: nos encontramos diante de uma pessoa que, sexualmente, j no mulher e (...) [sem dvida] na legislao vigente no reconhecido um terceiro sexo, o que implica que no descabido inclu-la na categoria dos homens, da mesma forma que h tantas razes para inclu-la na categoria dos homens, quanto na das mulheres. Pensa o juiz que a sexuao pode ser aleatria? Entendemos que ele no coloca isso, mas o aleatrio determinar o sexo pela aparncia fsica e no pela estrutura psquica. O juiz lembra que as normas legais em matria de meno ao sexo dos recm-nascidos (...) se baseia na simples aparncia externa e que a ordem do Ministrio da Justia no faz a menor referncia ao sexo cromossmico, pelo que conclui que no h razo suficiente que impea de considerar o sexo psquico como determinante na hora de atribuir um ou outro. Se no fosse por estarmos falando de transexualismo, ou seja, de psicose, poderamos pensar que o Senhor Juiz consultou O Seminrio, livro 20, Mais, ainda, de Lacan. E, assim, continua dizendo que Dona (...) deixou de ser oficialmente mulher e passa a figurar juridicamente como homem; para finalizar, declarou o
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jargo de qualquer grupo de transexuais: um homem aprisionado num corpo que no lhe corresponde. A sentena conclui com a modificao da data de nascimento do paciente no Registro Civil, sua identidade sexual e seu nome. Esta sentena antecipa em cinco anos a Lei de Identidade de Gnero que o conselho de Ministros da Espanha acaba de anunciar sexta-feira, primeiro de junho de 2006, e que estabelece trs requisitos para a mudana de sexo: 1. um diagnstico de disforia1 de gnero; 2. dois anos de tratamento mdico e psicolgico; 3. que durante esse tempo a pessoa tenha vivido de acordo com o seu novo gnero. Em sua vertente mais sensata a lei exclui a exigncia de se submeter a uma interveno cirrgica de adequao de sexo e no financia as cirurgias indicadas pela assistncia social (exceto em algumas comunidades autnomas: Andaluzia, Astrias, Extremadura).
O erro da natureza Este sinal dos tempos em temas delicados (veja-se tambm o casamento homossexual). O que podemos dizer sobre isso luz da psicanlise? Em primeiro lugar, preciso destacar a apario de novos significantes no campo do Outro, referendados tanto pela ordem jurdica disforia de gnero, adequao de sexo, reinscrio no Registro, sexo cromossmico, sndrome transexual , quanto por outros que circulam na modernidade, como terceiro sexo, ajuste de identidade, sexo psquico, no reversibilidade, gnero distinto, para concluir no postulado de excelncia do transexualismo: um homem aprisionado num corpo de mulher cuja causa de um erro da natureza.
Nota da traduo: Disforia uma mudana repentina e transitria do estado de nimo, tais como sentimentos de tristeza, pena, angstia. um mal estar psquico acompanhado por sentimentos depressivos, tristeza, melancolia e pessimismo. No caso, disforia de gnero que pode acarretar tais estados.
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Em segundo lugar, evidenciar que o sujeito transexual um sujeito psictico, mas com uma caracterstica especial como ser falante, j que no se comporta como fora do discurso, pois gera (o verbo oportuno) vnculo social: agrupa-se, fala e faz falar. Se no basta o descrito, podemos citar as palavras da vice-presidente do Governo da Espanha ao anunciar a lei: dignificar a vida de milhares de pessoas (...); uma realidade social que requer uma resposta do legislador para garantir o desenvolvimento e a dignidade dessas pessoas.
Disforia de gnero versus psicose Ento, qual a chave desta psicose que produz consenso? Os indcios de psicose no tm porque ser sempre to estridentes, como no caso Aime. Freqentemente so muito tnues. Como assinala Genevive Morel, em seu magnfico livro Ambigidades Sexuais: psicose e sexual (2000), os transexuais no pem em causa a ordem do mundo, apresentam-se com a mais inocente normalidade e seus ideais tm formas muitos convencionais. Por isso tm encontrado tanta facilidade nos clnicos que apiam a operao de mudana de sexo ao escutar no plano da realidade os dizeres dos pacientes. Esses clnicos so os mesmo que tm estabelecido, desde Stoller, o conceito de gnero (gender); tal conceito no outra coisa seno uma fixao organizada em torno de um ncleo de verdade: a de que no tudo anatmico na sexuao. Mas o gnero restitui a antiga dualidade entre corpo e alma e resgata uma espcie de alma sexual verdadeira sob o corpo equivocado do sujeito. O sujeito transexual se revolta contra o erro comum que afeta o segundo tempo da sexuao, pelo qual se inscreve o gozo sob o significante flico. Recusa, assim, a correlao entre gozo e falo que prope o discurso sexual, j que este discurso pretende lhe aplicar um critrio universal que o sujeito, em sua particularidade, foracluiu. Ao rechaar a submisso ao significante flico, o sujeito se v obrigado a inventar um outro modo de abordar o gozo e o faz mediante um sinthoma, no
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necessariamente delirante, que amarra real, simblico e imaginrio. Quanto mais xito alcana seus modos sintomticos nesta amarrao, mais aparncia de normalidade ter o sujeito. Da a presena razovel (no razoada) que tm muitos sujeitos transexuais e de como so bem escutadas suas reivindicaes no social. De tal maneira que poderamos dizer que o transexualismo uma psicose que faz discurso. Nosso paciente, por exemplo, se comporta como um neurtico: ama a uma mulher e deseja outra. Ao dia seguinte de ir viver com sua noiva a que aparece na foto do peridico vai passar o fim de semana com a amiga que deseja, como pretexto de uma viagem a trabalho. Isto transcorreu no fim de sua cura. No princpio, as coisas eram um pouco mais complexas.
Demanda inicial e tica do analista A demanda do sujeito em sua primeira consulta foi a de solicitar um laudo e ajuda psicolgica para efetuar a cirurgia de troca de sexo. Seu corpo e sua fisiologia eram os de uma mulher com formas femininas e menstruao regular. Havia tido a menarca aos doze anos de idade e a conscincia de mudana de identidade sexual aos quinze anos, depois de um encontro com um rapaz. Aos vinte anos, um mdico lhe deu o diagnstico de transexualismo. Como se pode operar na posio de analista quando se confrontado por uma demanda como esta? Como sustentar aqui a tica da psicanlise? Uma primeira resposta oferecida por Robert Stoller, em seu texto Sexo e gnero (1968), quando diz: na clnica se encontram rapazes sem pnis e que, sem dificuldade, tm claro que o ncleo de sua identidade sexual do gnero masculino. (...) qualquer coisa que se faa, mas incluindo tambm o que no se faa, tem riscos, entre eles, a descompensao do sujeito. De nossa parte, entendemos que um analista no pode orientar a cura do paciente em uma dimenso cirrgica, muito menos se tem uma estrutura psictica. O campo do psicanalista no o corpo biolgico e sim do sujeito. No se pode
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avaliar nunca uma indicao cirrgica imagem sexual. Sem dvida, sua posio tica no se resolve desligando-se de um sujeito que est decidido a fazer a interveno cirrgica, abandonando-o ao seu prprio ato. Que margem ficar, ento? No temos uma resposta padro, seno do caso particular, ainda que dela extraiamos uma primeira concluso: a operao que h de se propor ao sujeito como alternativa que ele pede, uma operao simblica. Parafraseando Lacan, traduziramos o tratamento do real pelo simblico em tratamento do cirrgico pelo simblico, para o qual, como se sucedeu com nosso paciente, o jurdico supe uma via regia: fazer-se um nome (Daniel no lugar de Elisabeth) passar por fazer-se um homem.
O homem transexual O caso de um homem igual ao caso de uma mulher? A mulher transexual no se diferencia, em sua estrutura, do transexual homem, j que rechaa com igual veemncia a interpretao que faz o discurso sexual do rgo anatmico como residncia do gozo. Ao estar foracludo o flico, a jovem recusa seus rgos genitais femininos como lugar evocador da falta flica. Por isso reivindica um rgo novo: uma prtese. E aqui pode aparecer a loucura ao querer forar o real do primeiro tempo da sexuao mediante uma cirurgia, quando na verdade o problema se coloca na conjuno do real com o simblico. Esclarecendo, em muitas ocasies o sujeito no pretende ter um pnis e sim ser um homem. No por acaso que a associao que congrega os transexuais originalmente mulheres se denomine O Homem Transexual, assim com maisculas. Ainda que nos parea um ttulo paradoxal, evidencia que o que move estes sujeitos no experimentar o gozo sexual do outro sexo, mas recuperar seu verdadeiro ser. em nome da verdade e do amor que reclamam. Por isso a lei pode ser apaziguadora ao evitar o requisito de extirpar na carne atravs da amputao
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genital ou um remendo2 vaginal, como disse nosso paciente ao descrever a operao que reivindicava: tirariam tendes do meu antebrao e me fariam um pnis artificial: um verdadeiro remendo.
A operao que resta Essa operao que lhe resta, como assinala o juiz em sua sentena ou em suas palavras a ltima operao , , em efeito, uma operao pendente, faltante. Porm no no final, mas no princpio: a Bejahung (a afirmao), a submisso primordial ao significante. Sabemos que se ela faltou em seu momento, j irrecupervel, mas tambm sabemos que nem todos os remendos so equivalentes: o tratamento do real pelo simblico mais estabilizador do que o tratamento do real pelo imaginrio e melhor que o tratamento do real pelo real. Assim, diante do sujeito transexual o analista pode soltar os trs crculos desatados de R.S.I. e coloc-los como diques, um atrs do outro, na ordem S/ I / R. Esses so os limites. Nosso sujeito no pisou em ovos com o real, mas por trs momentos do mesmo: mastectomia, histerectoma, tratamento hormonal. O analista se viu obrigado concordar com essas operaes secundrias (mas com todas as reservas). Diante dessas intervenes, no houve alternativa, dada a firme deciso do sujeito sustentada ao longo de muitos meses. Entendemos que isso no to grave quanto uma interveno genital. Mastectomia, histerectomia so operaes habituais em mulheres, pertencem rotina mdica. A emasculao, no. Em todo caso, diante do ideal democrtico que afirma que cada grupo sintomtico tem direitos de cidadania que devem ser regulamentados por uma democracia moderna, situa-se a razo psicanaltica sempre comprometida, sempre incmoda, para alar a voz diante da banalidade reinante e evidenciar que o
Nota da traduo: A palavra usada pelo autor Chapuza, que em espanhol utilizada para denominar um trabalho mal-feito, no profissional, de pouca importncia. O autor usa Chapuza entre aspas, o que nos levou a traduzi-la pela expresso remendo utilizada no Brasil para descrever trabalhos mal-feitos. Chapuza tambm pode ser traduzida como um bico ou biscate.
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transexualismo psicose e a psicose no um direito. Outra coisa o sujeito, porm tomado em sua particularidade e em sua cura e, claro, no eximido de seu dever.
Referncias bibliogrficas LACAN, J. (1972-1973). O Seminrio, livro 20, Mais, ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1982. MOREAL, G. Ambiguts sexuelles: Sexuation et psychose. Paris: Antrophos, 2000. STOLLER, R. Sex and gender. New York: Aronson, 1968.
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CLNICA
1. Instalao do campo freudiano lance do campo lacaniano. A instalao do campo freudiano da experincia: a saber, aquilo que se chama o desejo2, co-extensivo inveno da psicanlise, foi produzida por Freud a partir da decifrao do inconsciente nas realidades sexuais, tal como as histricas, de bom grado, se dispuseram a lhe contar. Lacan, por sua vez, teve a disposio de ouvir no testemunho da experincia freudiana, e nos conceitos que a apreendem, que de um sentido proibido, de onde surgem todos os sentidos proclamados sobre o sexo, todos remetem a um dizer, o dizer de Freud, dito por Lacan no h relao sexual. O ensino de Lacan que restitui esse dizer 3, no qual se cifra o ser sem substncia, nos permite ainda hoje a renovao da experincia neste campo que Freud abriu 4. Fato que, restituindo esse dizer, ele restaura a relha cortante da verdade do campo freudiano, de forma que o manejo da transferncia, que funda a experincia como colocao em ato da realidade sexual do inconsciente, possa colocar em jogo ali o lance do campo lacaniano, isto , colocar algum jogo no campo do gozo. Se todos os ditos da transferncia se fundam sobre essa colocao em ato da realidade sexual do inconsciente (fices da fantasia), o seu dizer (no h) no pode ficar esquecido atrs do que se diz, se quisermos saber sustentar a sua aposta, isto , da a-sexualidade que ali se encontra e se desdobra. A condio da experincia psicanaltica (que se diga ficar esquecido por atrs do que se diz em o
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LACAN J. Tlvision. In: Autres Ecrits. Paris: Seuil, 2001, p. 532. LACAN, J. Remarques sur le rapport de Daniel Lagache. In: Ecrits. Paris: Seuil, 1966, p.656. 3 LACAN, J. Ltourdit. In: Autres ecrits, op.cit., p. 453. 4 LACAN, J. Acte de Fondation. In: Autres Ecrits, op. cit., p. 229.
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que se ouve 5) que o discurso do analista saiba fazer ressoar de outra forma os avatares da a-sexualidade e possa jogar com os riscos que a experincia deve fazer correr ao gozo. A vira-volta da empreitada analtica depende, portanto que, pelo feito do dizer de Freud (no h relao sexual), se mostre na clnica (na transferncia) o que h, como sintoma, inibio ou angstia, fomentados pela fantasia, at que se ricocheteie e evidencie o que pode ser de outra forma, como gozo, e de que maneira. Pr em jogo o campo lacaniano consiste em fazer correr o risco do convite ao real que se produz, quando se desarranjam as fices que racionalizam o impossvel. Compete-nos dizer, como uma anlise, desde os volteios dos ditos e s voltas e reviravoltas dos discursos, de um para o outro, e de Outro para o Um, produz uma modificao de estrutura, que implica algo novo na economia do gozo 6. Vamos, portanto, tentar dar conta desta modificao, interpretada aqui como mudana de modo, pois se trata na anlise de elevar a impotncia, aquela que legitima a fantasia, impossibilidade lgica, aquela que encarna o real 7.
2. Clnica do gozo? o processo clnico de Raquel que nos orientar para dar essa prova, em que se vislumbra a maneira pela qual a fantasia encarna a qualquer preo a impotncia, o no pode, isto , uma interpretao particular do no h, localizando o sujeito num certo gozo. Queremos verificar como o trabalho da transferncia e o ato que a se excede produzem um esvaziamento at que uma evidncia proceda e repercuta, at que o sujeito ricocheteie, disposto para o ato e o acontecer j que, depois de tudo, depois de todos esses volteios, o que se almeja no murchar, mas, antes, alguma desenvoltura, no mnimo novas jogadas. o mnimo que se pode esperar de uma anlise: novas jogadas; quando o gozo se pe
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Id. O Aturdito. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, p. 448. Id. Le sminaire, livre XX: encore. Paris: Seuil, 1975, p.105. 7 Id. Ou pire. In: Autres Ecrits. Op.cit. p . 551.
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na aposta, como aquilo que essencialmente separa do Outro e no, ao contrrio, alastra a sua alienao com mais-de-gozar de tapeao. Assim sendo, permitiria o discurso analtico esperar algo de novo no que diz respeito ao tratamento dos gozos? Em todo caso, a notcia correu e informou as demandas8: Queria saber se voc faz a clnica do gozo, como o Dr. X, que analisou to bem minha me, minha irm e, por fim, meu pai?, perguntou-me Simone, uma paciente na preliminar de sua primeira entrevista. Pode falar!, respondi. Ela demandava precisamente isso: ser sacudida, estremecida, tomada fora, para que um Outro sabido, sabendo ali fazer com o gozo, fizesse cessar esse excesso que transbordava de seu corpo e que a oralidade no cessava de inscrever. Havia em sua demanda uma voracidade com a qual se tamponava a inexistncia da relao sexual9. De fato, ela demandava um Outro que responderia pelo seu gozo e garantiria que ele fizesse relao, que ele fizesse Um com o Outro, e no simplesmente sintoma comum (com todo o real que isso comporta). Ela queria que a verdade no fosse apenas um meio-dito, uma espcie de saber furado, mas que ela alcanasse o gozo. Essa demanda, entretanto, e algumas outras, lhe permitiram dar vrias voltas nos ditos, que tiveram srias conseqncias em sua vida, mas uma interrupo, devida a um excesso do corpo a fez voltar para trs e procurar a clnica do gozo do Dr.X. Devo confessar que esse episdio teve srios efeitos sobre o questionamento da minha prtica entre ditos e dizer. Prtica do entre, prtica do intervalo, entre o grito e o mundo, prtica do corte, algo no tinha sido cortado comme il faut entre os ditos: como havia faltado o justo recorte do tempo preciso para que Simone cortasse assim o caminho do dizer e sasse de cara virada?
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SOLER, C. Texto de Apresentao do V Encontro dos Fruns do Campo Lacaniano 2008. LACAN, J. Ltourdit. In: Op. Cit., p. 457.
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3. As voltas nos ditos da avoada. Mas, com Raquel que vou prosseguir esse questionamento. Pois o dia em que finalmente ela disse assertivamente no volto mais, no houve objeo da parte do analista. Raquel realizou sua anlise em dois tempos, com uma interrupo de trs anos entre os dois. No primeiro meio-tempo, ela se aplicou em depositar em lugar seguro sua histria tumultuosa, com a qual, por fim, estava to fortemente vinculada e que, aps ganhos teraputicos considerveis, que se diga permaneceu esquecido atrs do que se diz no que se ouve. Nem to esquecidos assim, j que um resto a dizer a fez voltar trs anos mais tarde ao lugar desses ditos, re-encontrar o tempo perdido desse dizer esquecido. Esse caso coloca precisamente a questo do limite entre os efeitos da anlise e o acting out. H reviravoltas que acabam por excluir o analista e o dizer que ele suporta, freqentemente pulando fora para se fazer amar fora da, problema que encontramos tambm nas transferncias paralelas. Escolhi falar de Raquel, porque seu trabalho e a construo analtica at o fim mostram bem os desvios inenarrveis das fices e das cenas montadas em torno dos furos e dos excessos de sua novela familial e expem a multiplicidade das verses das realidades sexuais produzidas, desde essa urdidura da realidade pela fantasia em torno do real do No h. Ela chega anlise pela indicao do analista de seu filho, tratado por encopresia; este, fazendo-se de merdilho, realizava o possvel para ser o sintoma dessa me que, no lugar do tdio e do enigma do Outro, se fodia, se aporreava (aporrinhava) a qualquer custo. Uso a palavra porra de propsito, pois um dos nomes que ela se dava at o termino de sua anlise era porra-louca. Esta uma expresso que designa, na gria comum, algum que faz qualquer coisa, que age de maneira inconseqente, avoada, desligada, irresponsvel, at mesmo delinqente.
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Insulto ou interjeio, associando sexo com loucura, porra-louca , portanto, um nome bem comum de realidade sexual do qual ela havia feito nome prprio para designar-se e fazer lao social. Foder-se, de qualquer forma, organizava as modalidades de gozo, cujo princpio fantasmtico fazer-se de porra-louca racionalizava e legitimava, evitando assim o impossvel que o tdio prenunciava e que o enigma da no resposta do Outro fazia ressoar.
4. As fices do romance racionalizam o impossvel. Tudo tinha comeado muito cedo, na infncia com tdio. O tdio na casa obscura da av casa de tolerncia casa da ternura, dos bordados e das gelias, mas tambm de um certo mistrio (esse cheiro? de sexo?); nos corredores, essa solido, e o tdio. notvel constatar que, muitas vezes, as lembranas da infncia so lembranas de tdio e de imensa solido, lembranas encobridoras, rastro na memria do No h traumtico. O enigma do Outro (o seu desejo), no romance de Raquel, foi incorporado de diversas maneiras: a av paterna era culta, porm alcolatra, dona do prostbulo onde a menina se abrigava da ausncia do pai e da esquisitice da me. A me, sempre atarefada, sempre em outra, nunca aonde devia estar, fez-se notar por sua negligncia e falta de cuidado com os filhos; sua ausncia sempre foi um mistrio, at que Raquel flagra, em seu olhar oblquo, o asilo que ela procurava do lado da mulher, at que fosse desvelada sua homossexualidade. As realidades sexuais que responderam a esses enigmas (a ausncia, o cheiro, a indiferena, a Outra) sucederam-se e acabaram por urdir uma rede na qual ela encontrou abrigo contra o silncio do Outro e a sensao terrificante de tdio, cuja consistncia era dada pelo silncio. Protegida, mas presa como um rato, no podendo mais escapar do nome que ela se deu, porra-louca, e da novela inenarrvel que lhe dava razo: lcool, sexo, gravidezes, doenas, morte desde cedo; para sempre?
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O primeiro tempo da anlise parece ter colocado uma surdina ao caos desse bricabraque heterclito de realidades sexuais comandadas pela fantasia se foder, ponto no qual Raquel pudesse mudar a tecla com que estava tocando a vida, para conseguir se fazer amar. Ela interrompe, no entanto, a anlise para se fazer amar alhures, pois pega de surpresa pelo amor louco de uma mulher que a descobre, a revela e a cativa, oferecendo-lhe o aconchego de um outro nome homossexual , que lhe permite aquietar a sua porra-louquice e deter, com essa dama, a sua angstia, fazendo um sintoma no molde do desejo do Outro.
5. O sentido da transferncia. Na zoeira da sua novela familial, o trabalho analtico a fez sacar a elucubrao em cima da qual ela construiu sua vida, na fantasia que congela na no relao a impotncia do sujeito que como efeito de significao resposta do real10. Se a transferncia aciona a operao de sentido, de colocar em ato a realidade sexual retida na fantasia, o trabalho que ela implica desloca, desarranja, e des-cifra como a criana mal-tratada, abusada responde ao tdio encontrado no lugar do real e, da, fixa a porra-louca que se fode, quando o Outro no responde. O trabalho e a repetio que ela condiciona elucidam a relao entre o tdio horripilante e a fodida, ou seja, como, dessa maneira, faz funo de real o que se produz efetivamente, ao fantasiar da realidade ordinria11. A fantasia encarna a no-relao sob o modo da impotncia, localizando o sujeito num certo gozo. Um gozo certo, com certeza, atado pelo n da fantasia, em que se alternam a equivalncia entre a porra-louca e o tdio. Um n que evita o furo verdadeiro, tamponando-o e racionalizando a no relao com as fices
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que aferram o gozo flico com o sentido12, retendo ali o objeto a uma substncia merdeira. A fantasia (e sua gramtica) faz significao, ela se comporta como uma interpretao do inconsciente constante que infla o sentido e produz a inflao das piores solues: que ao nutrir o sintoma, o real, de sentido, no se faz nada mais seno dar-lhe continuidade de subsistncia13. Se a transferncia vai no sentido da significao fantasmtica, nesse ponto que o discurso do analista objeta: para quem s aposta do pai ao pior como Raquel a interpretao precisa ser presta para prestar o entreprstimo (entrept). Do que perdura de perda de perda pura.14
6. O ab-sens do dizer. A interpretao se interpe como escanso lgica que empresta perda pura entre os ditos: intrusa. Ela no harmoniza, nem concerta, nem canta conforme a msica do sentido preso nas redes da gramtica fantasmtica, a interpretao desconcerta. L, onde a fantasia enche, ela esvazia. Foi assim que o manejo da transferncia pde produzir um esvaziamento evidente da baderna das realidades sexuais de Raquel que alastravam seus ditos, reditos, interditos e descrditos, interpondo um dizer que no, um dizer que no dava razo, nem ressonncia, para todas essas maldies e ditos do pior, mas, pelo contrrio, introduzia o ab-sens. J, desde a primeira abordagem, verter o sentido na associao livre tinha descolado da significao pelo efeito prprio do significante: deslizamento da metonmia e surpresas da metfora. Mais ainda, alm de deslocar e descolar, a livre associao permitiu uma abordagem do real pela colocao prova dessa liberdade da fico de dizer qualquer coisa que, em contrapartida, vai se revelar ser
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Referncia ao n borromeano tal que Lacan o descreveu em R.S.I. LACAN, J. La Troisime Confrence Rome, novembre 1974. 14 LACAN, J. Tlvision. In: Autres Ecrits. Op. cit., p. 543.
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impossvel15. H algo que sempre volta ao mesmo lugar, um impossvel no para ser dito, mas que cingido por todos os ditos, demonstra-se a como o real. 16. Na prtica do discurso analtico, que consiste em fazer sentido, a interpretao reduz o sentido sua mais simples expresso, o resolve a sua referncia primeira que o ab-sens
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7. Impostar ali a voz. Mas, preciso que o analista imposte sua voz ali: dou-lhes uma dica diz Lacan isso me d a oportunidade, esse ourdrome, de pr a voz dentro da rubrica desses quatro objetos ditos por mim objetos a, isto , a esvaziar da substncia que poderia ter no barulho que ela faz, ou seja, remet-la na conta da operao significante, aquela que especifiquei dos efeitos ditos de metonmia. De tal forma que a partir da se posso assim dizer a voz (a via) est livre, a voz est livre de ser outra coisa que no substncia 18. Na operao reduo do sentido da anlise de Raquel, as melhores interpretaes foram as mais curtas, pouco importava o texto, bastava pr a voz que desconcertava o sentido: serena, grave, leve, repentina, pausada, nunca dando a rplica para o trgico. Ela se espantava, me achava folgada; meu silncio sempre inadequado pro-vocava o imprevisvel s vezes, e, depois, sempre a interrupo que no fazia sentido: de fato sempre enigma, o cmulo do sentido. Todas essas investidas operavam como cortes nos ditos que nisso evocam o dizer. A interposio da voz um dos artifcios do jogo do analista ele pe a de si para fazer ecoar de forma outra os volteios dos ditos para que o sujeito na sua operao de destituio volte-se para o dizer: o ab-sens sem mais se abismar a como se fosse o fim.
15 16
LACAN, J. La Troisime. Op. Cit. LACAN, J. LEtourdit. In: Op. Cit., p.457. 17 Ibid., p.458. 18 LACAN, J. La troisime. Op.cit.
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O analista um intrprete do dizer, como um ator que repercute o dizer do autor. A dimenso oracular da interpretao provoca o deciframento do sentido que se reduz, no final das contas, ao que cifra o ab-sens: o nico exorcismo do qual esteja capaz a psicanlise, que a decifrao se resume ao que faz a cifra 19. A interpretao, pondo e impostando ali a voz, atravessa o gozo opaco da fantasia, esvaziando o furo verdadeiro que esta obturava, esvaziamento que deixa a via livre para o acontecimento.
8. Ricochetear: fazer-se uma conduta. Uma anlise, topologia de nossa prtica do dizer, no se detm nesse esvaziamento do sentido; ela se persegue at que a evidncia prossiga e retumbe no que o sujeito pode fazer de melhor para sua conduta: disso tudo ele saber fazerse uma conduta. H mais do que uma e ainda um monte que convm s trs di(z)menses do impossvel: tal como elas se desdobram no sexo, no sentido e na significao. 20. Qual evidncia deve ser produzida para permitir a viravolta, o ricochete do que ainda assim pode ser, ou seja, o sinthome, na medida em que este o nome que Lacan d ao que perdura do gozo ao fim de uma anlise? Com efeito, h um resto do bem dizer que convida a que algo se deixe fazer: o operador linguagem toca na substncia gozante do corpo no somente para negativ-la, mas para regul-la, at mesmo para positiv-la de outra forma. Ali est a economia daquilo que ele deixa de gozo para o ser falante 21, diz Colette Soler. A evidncia produzida na anlise de Raquel para alm do tdio, que funcionou como falso furo e a zona (zorra) que ela enfiou para tampon-lo: a criana fodida e sua porra-louquice, o que tinha o gozo do Outro. Isso , um horror para qualquer neurtico, pois o Outro, enquanto tal, no existe; ou melhor,
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Idem. LACAN, J. LEtourdit. In: Op. Cit., p.487. 21 SOLER, C. Link 8. Le Champ Lacanien.
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ele ex-siste, logo o seu gozo est fora de cogitao, fora de alcance do simblico e do imaginrio. O gozo do Outro abismtico, da a sua cobertura fantasmtica que, por pior que seja para o indivduo, permite imaginar e cogitar o abismo lgico que funda o humano. A volta por cima de uma anlise que, no lugar do sem sada (sans issue), pode-se produzir algo de inesperado em conseqncia da sacao do sentido (sens issu).
9. Sens-issu: sacar do sentido, convite ao real. A evidncia produzida que H algo do Um (Y a dlUn) no lugar do tdio que fazia horror. H algo do Um (Y a dlUn) que no o uniano da unio, isso no conduz a fazer Um com o Outro. H algo do Um (Y a dlUn): isso a destituio do sujeito; nem o Um nem o outro, tampouco h relao. H algo do Um (Y a dlUn) s e isso no tudo, nem o fim, isso faz o No-Todo. No-Todo pode ser, s vezes, uma outra modalidade de gozo no aferrada pela fantasia, que o encerra entre o sentido e o gozo flico, e no deixa rolar a contingncia. Quando as fices no racionalizam mais o impossvel donde provm o impasse sexual, pode ser que relaxe o gozo do seu trilho fantasmtico e escoe por outras trilhas, isto , uma outra modalidade para o convite ao real a qual ele responde22. Y a dlUn: H Um que no faz dois com o outro significante para selar o destino com uma significao suposta (sub-posta), no caso: se foder, a porralouquice etc. O produzido pelo Discurso Analtico o homlogo do objeto a23 (sem substncia). No Discurso Analtico, sua impotncia para alcanar o saber que se mantm na posio da verdade pode lhe causar surpresas do tipo: eu sou onde no
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Cf nota 1. Mon S1 na le sens que de ponctuer ce nimporte quoi, ce signifiant lettre que jcrit S1, signifiant qui ne scrit que de le faire sans aucun effet de sens. Lhomologue, en somme, de ce que je viens de vous dire de lobjet a. LACAN, J. La Troisime, op. Cit.
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penso. O inesperado, mais alm do suposto do sujeito e do esperado do Outro, pode enveredar para uma boa hora e um feliz encontro (bonheur). da que a sacada, o extrato de sentido, pode prometer outra coisa que a ausncia de sada e a falta de esperana. No h relao, no h o Outro do gozo: ab-sens, h Um (Y a dlUN): ricochete, volta por cima. Evidenciar essa seqncia pela anlise possibilitou que Raquel dispense seus parceiros de neurose: a me bizarra, os filhos mal tratados, a mulher que lhe dava continncia etc. Isso no quer dizer que os jogou todos fora, mas que seus atributos no contribuem mais para dar sentido sua significao neurtica. Embora a sua viravolta no parea mirabolante primeira vista, sabemos o trabalho que deu para que ela atravessasse o tdio sem, entretanto, precisar se foder: e se virar, se tornando uma pequena senhora sria, reconhecida na sua profisso. Ela pedagoga, ou seja, ela ensina os adultos a tratarem bem as crianas. Fazer-se uma conduta, produzir para si mesmo um modo de agir poderia, no seu caso, ter uma inflexo de correo moral, e inclusive isso que ela temia, ao longo de sua anlise, e que a fazia, a cada vez, cair em tentao de se foder na p que p. No entanto, a sua travessia do tdio tinha-lhe restitudo o seu senso de humor e ela mesma achava cmica essa pequena senhora que no precisava mais da criana fodida (ganho da anlise que beneficiou seus filhos!), nem precisava mais que o amor estivesse imerso na contramo (sens interdit). Quando um sujeito pode contar os seus encontros inopinados, em vez de prestar contas de seus desencontros repetitivos, que podemos contar com uma modificao; uma mudana de modo, quando a impotncia, esta que legitima a fantasia elevada impossibilidade lgica, esta que encarne o real.
10. Na medida do impossvel. No h relao: ab-sens; no h outro do gozo: o cmulo do furo; Y a dlUn H algo de Um: isso a vira-volta que permite fixar, nomear o que est
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fora do sentido e que pode ocorrer. A vira-volta no fim da anlise no faz cola, mas colabora com a causa (flecha entre o e a no Discurso Analtico). Ela produz sujeitos descolados que se viram (se dbrouille) na medida do impossvel, na medida da flexibilidade, plasticidade, disposio e estilo, de quem no evita o real, mas se presta a seu convite. O que extrado do sentido d a volta por cima, o que resta de no simbolizado reaparece no Real no imprevisvel do encontro. Ser que podemos dizer que em todos os abordos do Real, tal como no amor, o gozo condescende ao desejo? Ser que tudo o que a viravolta alcana, como no amor, que repercute no (a) muro da no relao? Se for, melhor fazer disso uma conduta, na medida do impossvel: fazer o (a)bordo, fazer a coisa24, fazer amor, fazer o artista, o analista. Depende do que no pode ser dito, mas que, por isso mesmo, deixa um resto a dizer que deixa a desejar. Do campo freudiano ao campo lacaniano, a vira-volta que, para alm da sutura da fantasia e apesar da barra da estrutura (a castrao), h jogo. H um tratamento do gozo em funo do desejo que abre a via daquilo que pode ser no com substncia , mas como acontecimento e como ato. A medida do possvel para o ato a castrao, a medida do impossvel, alcance criao. A experincia do passe na nossa Escola, s vezes nos permite um acesso a essa outra medida, a uma outra (a)bordagem do real. Quando se pode dizer que houve passe, que o sujeito lanou mo de uma volta a mais uma vira-volta inaudita que por isso no passa despercebida e pode ser um nome para o desejo do analista.
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BOUSSEYROUX, N. Clinique de la vie amoureuse. In: Actes des Journes, juillet 2003, p.7.
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O Medjnon
Franoise Gorog
Inscrio Eu sou esse infeliz comparvel aos espelhos Que podem refletir, mas que no podem ver. Como eles, tenho o olho vazado e como eles habitado Pela ausncia de ti, que lhe causa a cegueira. Assim falou uma vez An-Nadjd, quando o convidaram para uma circunciso.
Lacan cita e depois repete uma segunda vez esse poema de Aragon, intitulado Le Fou dElsa1, um ano aps o seu aparecimento, em O Seminrio, livro 11: Os quatro conceitos da psicanlise. Ele afirma, na verdade, essa correspondncia entre o objeto da pulso escpica com a funo central e simblica do -. Essa pulso escpica intervm na criao da alma feminina, uma arte, a Arte da Alma, segundo a expresso daquele a quem chamarei de Papageno, e que uso como ttulo. Em um artigo de 1962, Louis Aragon que tanto promoveu A mulher, que tanto proclamou seu amor por Elsa, no sem declarar, aps a morte desta, seu gosto pelos rapazes, escreveu2:
[...] em um mundo do qual est ausente at mesmo a idia de Deus, permito-me transcrever minha maneira a frmula de Marx, O homem o futuro do homem, da seguinte forma, que, alis, no a contradiz: A mulher o futuro do homem.
A clnica nos ensina, com efeito, que h homens que consideram A Mulher como a sua futura progresso, e so esses que hoje chamamos de transexuais. A questo de sua estrutura continua difcil, mesmo depois do debate que nos apaixonou h bastante tempo, quando amos, com Lacan, encontrar alguns
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O louco por Elsa. Cf. Prendre son bien o on le trouve ou les ennemis. ARAGON, L. Les Lettres franaises, n 956, datada de 14 a 20 de setembro de 1962.
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deles na clnica, aonde eles chegavam poca irreversvel dessa progresso, a cirurgia da genitlia. Essa coisa no nova, nem apenas sintoma da poca, mas a possibilidade foi, depois de muitas dcadas, medicalizada, estandardizada. Catherine Millot havia recenseado as ocorrncias culturais, freqentemente religiosas, que continuam a aparecer na primeira pgina dos jornais, a propsito da ndia, por exemplo. Do asno de ouro de Apuleu, evocado por Lacan, aos Fastos de Ovdio Orgenes, da Diana de feso a Cybele, dos chamados Megalonsios, sem dvida eunucos congnitos, aos sacerdotes do culto a Cybele e aos valesianos, at seita dos Skoptzy (que significa castrado), nos sculos XVIII e XIX, ela havia recenseado os rituais de castrao que, desde sempre, so uma marca da inclinao para A Mulher. Empuxo mulher da psicose, da perverso, suplncia do Nome-do-Pai, parece-me que nenhuma generalidade pode pretender esgotar o assunto. Certamente, no vou confundir o propsito de Louis Aragon e o do caso que me preocupa. Permanece a preocupao bem trivial de expor os propsitos de algum que me pede a cura, um pedido que parte da voz de um sofredor, de algum que sofre de seu corpo ou de seu pensamento3, com o risco de cometer a traio do que Lacan chamou, a propsito de seus pacientes, de seus segredos triviais e inigualveis. Correndo o risco do famoso flagrante delito de bochicho literrio, darei a palavra aos textos de Aragon para falar o menos possvel daquele que sofre. Tal como Samuel Beckett, falando de si prprio, eu poderia ironizar: Dizer que fao tudo o que posso para no falar de mim. Daqui a pouco vou falar das vacas, do cu, vocs vo ver. Fao tudo o que posso para no falar deles e, portanto, vou lhes falar do cu da poesia de Aragon. Aragon escreveu: A cada instante eu me traio, me desminto, me contradigo. No sou aquele a quem eu me fiaria4. Ele conhecia a utilizao do
3 4
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desmentido na teoria analtica e autor de uma novela intitulada Le mentir-vrai 5, na qual evoca sua histria de filho natural de um pai casado: em pblico, chamo meu pai de tutor e minha me de Marthe. Eis sua posio de partida na vida, no nascido com uma boa estrela, dir ele tambm, ser um desastre no sentido estrito da etimologia, abandonado dos astros, no reconhecido pelo astro paterno. Aragon escreveu ainda um romance, La Mise mort, que situa sua relao com Elsa. La Mise mort termina com uma declarao do mdico esposa do homem que se feriu, acreditando matar seu rival imaginrio: Ele a amou, madame, entenda bem, ele a amou at loucura. Aragon nos oferece o elo entre seu desastre e seu louco amor por Elsa. Boabdil a criana em Fou dElsa talvez se parea comigo, pois diz eu no amava meu pai. Boabdil o reizinho, o Infante, cuja rebelio contra o pai, forma de declnio e de suspenso, deu a Isabel, a Catlica, a oportunidade para dar o golpe decisivo em seu povo, apoderando-se de Granada, em janeiro de 1492. Um dia, em que o filho legtimo de Aragon falou mal do pai deles, Louis escreveu: Do romance desse homem eu sempre me afastei. Eu tinha muito medo de que, depois da morte de minha me, eu s conseguisse falar desse homem como o filho que ele teve da Lei. Aragon observou em Blanche ou loubli 6, publicado em 1967, que a palavra orangotango vem do malaio orang, que significa homem, eu acrescentaria que o orangotango propriamente um homem das florestas, do malaio orang homem, e hutan floresta, selva. , portanto, divertido ver que a etimologia da palavra que Lacan utiliza, quando fala do mito onde o dipo se reveste da comdia do Pai-Orango, do pairorar Otango7, era uma preocupao para Aragon, eco dos gostos de uma gerao8.
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O mentir-verdadeiro. ARAGON, L. Blanche ou loubli. Gallimard, 1967. 7 Associao de perorar e Otango.LACAN, J. Ltourdit, 1972. 8 Penso que se vo valer-se, eles (desculpo-me por ser to breve, elptico e alusivo) vo valer-se do fato de que Aragon, nessa obra admirvel, na qual tenho o orgulho de encontrar o eco dos gostos de nossa
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Depois, Aragon que sabia bastante a respeito da sicanlise9, fala assim dos seus escritos, onde se l a funo das frases introduzidas onde alguma coisa na me estava mal rejuntada:
Quando os romances j no me satisfaziam mais, eu precisava inventar outros espelhos para as minhas loucuras. Eu escrevia em pedaos de papel frases que no tinham sentido comum seno o da exaltao. Com eles fazia pequenos rolos que introduzia nos degraus da escada de minha me, muitas vezes mal rejuntados10.
Ou seja no suficientemente unidos pela argamassa. Aragon, filho de padre11, no ter tocado num ponto justo, ao evocar A mulher como o futuro do homem, l onde Deus no era mais ou, pelo menos, havia sido declarado morto, antes de recobrar uma sade com os fundamentalismos e um discreto retorno da gnose, ou seja, duas faces de Deus? Ele introduz, como que de passagem, uma comparao entre os nomes infinitos que d a Elsa, desafiando os que so dados a Al por seus adoradores:
Vocs se vangloriam de ter piedosamente oferecido cem nomes a Al... E eu, eu lhes declaro que a essa mulher dou tantos nomes admirveis, que para cont-los vocs no tm um nmero suficiente de estrelas12.
gerao, ela que faz que eu seja forado a me reportar aos companheiros da mesma idade que eu, para poder ainda interpretar esse poema de Aragon. LACAN, J. Os quatro conceitos, 22/1/64. 9 Com a maior seriedade, ele encontra os extravagantes, que para fazer valer seu romantismo de cabeceira, pretendem que o digno copista, embora no tenha podido ler Freud, teve, como eu diria, o pressentimento da sycchanalisse, e tal o gnio de Prou, como se pronuncia na direita.. ARAGON, L. Trait du Styly. Gallimard, 1928, reedio col. Limaginaire, Gallimard, 1980, p.148. 10 Jointoyer: 1. Tec. Tratar (uma pea de marcenaria, uma parede) de modo que as junes no sobressaiam na superfcie (seja porque se preenche as juntas com gesso ou argamassa, seja porque se alisa com a esptula) Gobeter; 2. Fig. e lit. Unir estreitamente. Juntar os episdios de uma narrativa, as cenas de uma pea. 11 N.T.: Aragon no era filho de padre, mas de um antigo Senador da Repblica. 12 ARAGON, L. Le fou dElsa, poema, 1963, NRF, Gallimard, p.65, que, por conseguinte, foi publicado no momento do seminrio sobre A Angstia.
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Formas do infinito? So os cantos do Medjnon an-Nadj, aquele mesmo que, lembra Lacan, diz essas frases enigmticas: Assim disse uma vez An-Nadj, quando o convidaram para uma circunciso13. Aragon apresentou Medjnon como o louco, mas ele tambm o encantado. o Medjnon Elsa ou Al-za que poderia ser um disfarce da deusa prislmica Al-Ozza. Uma dessas deusas, formas do infinito com as quais Muriel Mosconi14 esclareceu a verso de Cantor. Aragon no est na moda, verdade, mas, tal como Barthes, eu persisto, estar na moda j um atraso. Aragon estar to distante daquilo sobre o que Lacan conseguiu pr os pontos nos i em Le synthome, do qual eu reno dois trechos um pouco distanciados, a propsito de Evie15:
(...) aquela que eu chamarei de Evie, e v i e, a Eva, que eu tenho todo o direito de chamar assim, porque quer dizer em hebraico, a me dos vivos... Eva, pois, no mais mortal do que Scrates. A mulher de que se trata um outro nome de
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Penso que vo valer-se, eles..., passagem citada acima, nota 8, em que Lacan, acrescentando, em seguida, essas frases enigmticas: Assim disse uma vez Na-Nadj, quando foi convidado para uma circunciso. Seminrio 11: Os quatro conceitos, 22 de janeiro de 1964. 14 MOSCONI, M. Psychoses et infinis. Edies do PERU, 2000. 15 Observemos, no trecho, que na criao chamada divina, divina apenas no que se refere nomeao, a bactria no recebe nome. E que ela tampouco citada, quando Deus, pilheriando com o homem, o homem supostamente original, prope-lhe comear por dar nomes a cada animalzinho. preciso dizer que dessa primeira nomeao no temos sequer vestgio, o que nos leva a concluir que Ado, como seu nome indica, uma aluso funo do ndice de Peirce que Ado era, segundo a piada que Joyce fez com razo, uma senhora. E pode-se muito bem supor que ele s deu nomes aos animais na lngua dela, dessa que eu chamarei de Evie, e vie, a Eva que eu tenho o direito de chamar assim porque o que isso quer dizer em hebraico a me dos seres vivos, e Eva tinha logo aprendido essa lngua, pois aps a suposta nomeao feita por Ado, a primeira pessoa que utiliza a lngua ela, para falar da serpente... (Cf. LACAN, J. Le synthoma. I Lio de 18 de novembro de 1975).
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Deus16, e por isso que ela no existe, como eu o disse tantas vezes 17.
A mulher ter ela sido to afastada quanto Deus, pelo progresso? Ou ser que pode melhor resistir por ser tabu? Em Totem e tabu, Freud escrevia que: O progresso social e tcnico da humanidade foi menos prejudicial ao tabu do que ao totem. uma forma de falar do declnio do pai, mas tambm o que Lyotard resumiu como o fim dos grandes relatos ou, ainda, ao que Myriam Revault d`Allones consagrou em seu livro A crise da autoridade ou o poder dos comeos. Bernard Nomin evocou um declnio da autoridade mais do que um declnio do pai. Declinar no sentido jurdico do termo, no aceitar, recusar. Marc Strauss lembrava que o dito declnio devia ser escutado como de sempre 18. A suspenso uma de suas formas? Voltarei a isso. Poderamos ler nisso que o progresso teria sido menos prejudicial s mulheres tabus do que aos homens totem? Mais exatamente, preciso distinguir uma mulher de A mulher, evidentemente. Lembremos porque uma mulher tabu segundo Freud:
Talvez o que funda esse temor (um temor essencial do ponto de vista da mulher, perigo que motiva o tabu) o fato de que a mulher outra em relao ao homem sublinho outra que ela parece incompreensvel, cheia de segredo, estranha e, por isso, inimiga 19.
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Rabelais j escrevia: E o bom sr. Priapus, quando havia feito no rezava mais. Mas ela s ser meio dita, encarnando um S ndice 1 do significante, ali onde so necessrios pelo menos dois para que a nica, a mulher, por nunca ter sido, mtica no sentido que o mito a fez singular trata-se de Eva de quem acabo de falar que a nica, a mulher, aquela que nunca, incontestavelmente foi possuda por ter experimentado do fruto da rvore proibida, aquela da cincia, l`Evie, ento, no mais mortal do que Scrates. A mulher da qual se trata um outro nome de Deus, e nisso que ela no existe, como o disse tantas vezes. 18 STRAUSS, M. Le dsir denfant. In: Revue du Champ lacanien, n3. 19 FREUD, S. Le Tabou de la virginit. In: La Vie sexuelle. Paris: P.U.F., 1989.
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A popularidade de uma rainha antigamente, de uma presidente em nossos dias, da ndia aos pases escandinavos, no um fenmeno impressionante? Nossa poca faria com que mais do que uma mulher tabu se torne A mulher totem? Futuro do homem? Observamos que nada mudou quanto ao tratamento aplicado s mulheres tabu. Basta ler o Livro negro das mulheres, de Christine Ockrent e Franoise Gaillard, e a reao que ele prprio chama de masculinista, do livro de Eric Zemmour, jornalista do Jornal Le Figaro, intitulado O primeiro sexo, evidentemente em resposta ao Segundo sexo, de Simone de Beauvoir. Ambos os livros se respondem perfeitamente quanto guerra dos sexos. Zemmour enxerga no retorno dos fundamentalismos de todas espcies, e que ele deplora, um primeiro sinal dessa reao masculinista, que ele chama, no entanto, desejvel, mas sob outro modo que no o fundamentalista. Eis nossa hipermodernidade. Desde seu artigo de 1931, Folies simultanes20, o jovem Jacques Lacan j no observara, no caso da filha de um casal delirante me-filha, a concepo da paciente de sua correspondncia com um outro ser nico que o Criador que, se ela o designa pelo 'Ele', no 'menos dama que todas as damas'. Tratava-se j da relao entre A mulher e Deus, evocada acima, e que ele formularia em 1975. Aquele que me coloca uma questo dupla, que convoca tanto o enigma de sua inclinao particular, quanto a evoluo de nosso mundo hipermoderno no que tange a diferena dos sexos, Papageno vem me falar por causa de seus problemas com o parceiro, uma inquietao quanto s relaes de sua mulher com um homem que ela conheceu no trabalho. Acrescenta incidentalmente que estava vivendo seu processo de feminizao conforme o protocolo de Harry Benjamin, introduzido no incio dos anos 1950. Caramba! No que eu sou uma mulher!, diz o heri da Flauta mgica quando descobre os ritos iniciticos da maonaria que ele ter que cumprir. Evidentemente, Papageno comeara seu processo lendo os testemunhos em sites
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Loucuras simultneas.
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americanos na internet que mostravam pessoas normais com muitos benefcios com esse processo, na net como me disse. Lembro que net rede em ingls. preciso notar que depois deu um jeito para no mais poder acessar a internet: no quero mais ter acesso Net porque acho que com isso entrei pelo cano, ca na rede21. De incio, pensei: boa pescaria. verdade, mas no era to simples. Com efeito, antes de existir a internet, quando tinha 8 anos de idade, esse homem vestia as roupas de sua me. Jamais sentiu recusa em ser menino, mas o desejo de ser tambm uma moa, justo por no ser taraud22, como os transexuais, por um dito capricho da natureza, segundo a famosa expresso por erro da natureza, promovida por Stollers. Excetua-se, portanto, deste destino que se tornou comum e que costuma fornecer ao clnico especializado o discurso referido por Stollers. preciso precisar que esse homem teve acesso a um pouco de psicanlise junguiana ou, como o diz Lacan, em O ato psicanaltico, pela gnose, essa gnose que ressurge atualmente.
Jung, sobre quem est claro que sua posio exataente oposta, a saber que ns entramos na esfera da Gnose, a saber, da obrigatria complementaridade do Yin e do Yang, e de todos os sinais que vocs vm girar um em volta do outro, como se, desde sempre, estivessem estado l para se juntar, animus e anima, a essncia completa do macho e da fmea23.
O casal que ele formava com sua esposa , segundo ele, daqueles que se compreendem sem se falarem, que se diziam tudo, mas realmente tudo, at que..., o intruso. Esse homem no diz nada que evoque o impasse da conjuno dos dois gozos. Ele pensara manter o casamento com a esposa sob o modo do casal lsbico, sua esposa tendo dado provas de algumas pequenas inclinaes desse tipo antes de
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a ma foutu dedans. Nota do tradutor: Significante com vrias tradues possveis. O verbo tarauder ou furar, atravessar furando, ou encher de golpes (de porrada, como melhor se diz). O substantivo taraudage, no entanto, tambm tem referncia filetagem e, portanto, rede. 23 LACAN, J. Lacte analytique. Indito, lio de 21 de fevereiro de 1968.
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encontr-lo. Ele se dizia preenchido e estruturado pelo sentimento de unidade com ela. Papageno tinha procurado e encontrado sua anima, sua Papagena: Uma noiva bem completa, feita inteiramente para teu prazer, lhe garante o padre. Feita como eu, coberta de penas?, pergunta o caador de passarinhos na pera. Penso que Papageno poderia ter empregado quanto a seu casamento o termo de verdadeiras almas siamesas, um passo a mais em relao ao caador de passarinhos de Mozart, um amor louco24. Ele encontrou sua soluo conforme sua, melhor, suas inclinaes:
por isso que isso anda to mal desde aquele tempo, quanto a essa perfeio que se imaginaria como estando na conjuno dos dois gozos... desse primeiro simples reconhecimento que surte a necessidade do mdio, do intermedirio dos desfiles constitudos pela fantasia, a saber, essa infinita complexidade, essa riqueza do desejo, com todas essas inclinaes, todas essas regies, toda essa cartografia que se pode desenhar, todos esses efeitos em nvel das inclinaes que chamamos neurticas, psicticas ou perversas e que se inserem precisamente nessa distncia para sempre estabelecida entre os dois gozos.
Mas tendo, amando sua deusa mulher, eis que um dia quis o ser mulher, mas do seu jeito: No me via como ser uma mulher como uma mulher sada de um homem, como Eva saiu da costela de Ado. Dito de outro modo, no se trata para esse homem de ser, o que Lacan diz, ainda em O ato analtico, o objeto a, tal uma verdade inscrita no canto do Gnesis, o fato de que o parceiro, Deus sabe que isso em nada o engaja, figurava no mito como sendo a costela de Ado, a ento.25
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Id. Publicado em Le Minotaure, 1933-34, com a meno: Au docteur Georges Dumas, en respectueuse amiti , depois em Obliques, 1972, n 2, p. 100-103. 25 Quando digo que no objeto a que em seguida sempre e necessariamente ser reencontrado o parceiro sexual, vemos surgir uma verdade inscrita no canto do Genesis, o fato de que o parceiro, Deus sabe que isso em nada o engaja, figurava no mito como sendo a costela de Ado, a ento. Id. O ato analtico. Lio de 21 de fevereiro de 1968.
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Sua feminizao, esse homem a qualifica de tentativa de Soul Art, para aproxim-la ao mesmo tempo em que a diferencia do Body Art. Ele pratica essa arte como o mstico se coloca na postura de reza a fim de induzir a reza. A interveno jamais lhe pareceu muito indispensvel. De forma alguma pretende ser a mulher que falta a todos os homens. Para ele, nenhuma dvida quanto escolha de objeto, as mulheres e somente as mulheres. Mesmo se nunca teve grande queda pelo gozo na penetrao. Diz-se doido dela, por toda vida, tal Aragon que grita contra os homens-ecos, que uma palavra basta para fazer saltar de suas convices... os homens submissos que trocam mais facilmente de dolo do que de liturgia ... e seu descaso frente ao mongamo, o incapaz ao rebaixamento da vida amorosa, aquele que poderia declarar, como Joyce, que ele era mais virtuoso que todos, realmente mongamo26:
O Louco, sabiam, o Louco por Elsa? Demncia inexplicvel Em ruptura com todas as regras do amor convencional E que parece uma bofetada a todos ns que vivemos tranquilamente Com nossas esposas e concubinas Passando de uma outra e, s vezes, sem tragdia Fechando os olhos para os amantes delas.27
Papagena sua musa. Como ele pensa t-la perdido, acrescenta que, ao perd-la, perdeu o ponto de apoio de sua identidade. Ele poderia dizer com Aragon:
Se o espelho ousasse parecer o mesmo ... no v mais nada quando te fores ... E ser s espelho de Elsa.28
26 27
GOROG, F. Joyce le prudent . Lnigme et la psychose. Revue La Cause Freudienne, n 23, 1993. ARAGON, L. Le fou dElsa, p. 61. 28 Idem., p. 86; Le miroir, poema que precede Le contrechant.
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Ela seu Deus mais dama que todas as damas. Com Aragon, ainda, ele poderia acrescentar: No esconderei meu amor sob a religio, fazer de conta de dar a Deus o que dessa mulher 29 Ele experimentou, cito, um gozo extraordinrio ao se sentir mulher, sem nunca e estas so suas palavras deixar de ser um homem, ou seja, tornar-se essa figura da quimera, monstro mitolgico. No longe da atitude queer que ele conhece e da qual nos falou Martine Mens. Mas eis. Mas esse homem parou o processo de feminizao quando sua mulher recusou de fazer o curativo quando da albao projetada de seu sexo. No entanto, ela o havia sustentado tanto, como diz, at agora nessa evoluo. Ele tinha acreditado nela, em todo caso, amando-a com esse amor que uma loucura, ele acreditou nela como o psictico acredita na voz, ele quis crer30. Um parceiro assim provavelmente abre a possibilidade do que Lacan chama: (...) uma grande insistncia da parte da mulher sobre o bordo da castrao do marido. 31 Mas, no momento fatal, fatal para o rgo, Guarde isso que o mais amado , lhe diz ela, em suma. Em Como a barguilha a primeira pea da armadura das pessoas de guerra, captulo Terceiro Livro, Rabelais, ao qual Lacan fazia aluso, escreve: Armem isso que o mais amado... sua maior angstia de perder era, vendo-o animado, o bom pedao que ela degustava. Marc Strauss nos lembrou ontem, de forma muito oportuna, as frmulas da Observao sobre o relatrio de Daniel Lagache, fazendo valer como uma
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Idem., p. 65. o mesmo como no caso de uma mulher, com exceo do que acontece, mas isso no evidente, cr-se que ela efetivamente diz alguma coisa, a que entra em funo a tampa. Para crer, acredita-se nela. Acredita-se o que ela diz. o que se chama amor. E nisso que um sentimento que, naquele momento qualifiquei de cmico. o cmico bem conhecido, o cmico da psicose: eis porque nos dizem com freqncia que o amor uma loucura. LACAN, J. R.S.I. 17 de dezembro de 1974. 31 LACAN J. Lobjet de la psychanalyse. Indito, lio de 15 de junho de 1966. 32 Em algum lugar em Rabelais, Gargantua parte para a guerra: 'Guarde isso que o mais amado', lhe diz sua esposa, designando com o dedo o que, na poca, era bem mais fcil de designar sem ambigidade do que em nossa poca, porque, vocs sabem, essa pea de vesturio que se chamava barguilha tinha, ento, seu carter glorioso, o que quer dizer: no se pode guard-la em casa. Pantagruel trata Panurge de lifrelofre no lugar de filsofo , alcoolista. LACAN, J. O Seminrio, livro 8: A Transferncia.
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mulher encontra suplncia no falo imaginrio e investe o rgo do homem para fazer suplncia ao S (%). Papageno queria agora se libertar desse desejo de feminizao para guardar sua esposa, renunciar identificao para conservar o amor. Alis, preciso notar que ele iniciara o processo de feminizao quando o desejo de Papagena ficou menos marcado. Como se ele tivesse passado do amor identificao. No entanto, se ele renunciou facilmente interveno que ele no desejava verdadeiramente, toda sua vida, lhe mais difcil renunciar demarcao por sua aparncia, ter um look particular. Um nfimo de travestismo faz seu look atual. Aps ter se dado conta da recusa de sua esposa, embrenhou-se na reconquista de sua masculinidade. Cito seu bem dizer: Et Homo factus est, canta to admiravelmente Mozart pela voz de uma soprano de absoluta feminidade no Credo de sua Grande Missa em D; agora gostaria de assumir minha parte nessa injuno, no lugar e na medida de meus meios. Esse tema da Grande Missa em D est bem prximo de A flauta mgica. Ele teria querido entrar na iniciao que lhe faltou. Mas eis que h uma falta terrvel de sua feminizao. Como se isso compensasse um distrbio na juno a mais ntima da vida. que para ele, cito seus propsitos: o homem tem a energia para realizar um objetivo preciso como o de enriquecer ou ser promovido. A mulher, por sua vez, porta a vida e, em conseqncia, porta a energia. Ela sabe gozar do presente, daquilo que , do jeito que , do lugar do que respiramos e mesmo da falta. A mulher habitada por muitas coisas das quais os homens so excludos. No se trata do presidente Schreber e sua soluo elegante no sentido matemtico. A nfase dada, justamente, muito mais elegncia, no sentido esttico do que no sentido matemtico, de uma soluo elegante. Mas em ambos o caso, elegante significa a exceo, o que sai do lao, e-legare, o que se exclui do
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lao, do lao que se diz no religioso como religere, aquele do Nome-do-Pai. Mas elegante tambm significa a feminidade de uma pessoa distinta, do latim elegans, que significa entre outras coisas, delicado. Elegante pode assim qualificar a soluo que condensa a exceo e a feminidade. O maneirismo dos alienistas j no era uma forma dessa elegncia? Mas h outras razes para se querer a exceo. preciso sublinhar que seu handicap fez de Papageno um garoto excludo dos jogos de seus colegas do mesmo sexo e, assim, foi conduzido a desenvolver-se entre as moas. Exceo de fato desse sujeito que ele negar em seguida de todas as maneiras? Ele quer se excetuar pelo fato que ele no entrou no grupo de seus semelhantes, Moritz, o heri anti-heri do Despertar da primavera, de Wedekind, para cuja traduo francesa Lacan fez o prefcio quando do festival de Outono de 1974. Lembro-lhes o que Lacan diz:
Moritz, em nosso drama, consegue excetuar-se, a partir do que Melchior o qualifica de moa. E ele tem toda razo: a moa s uma e quer permanec-lo, o que no drama passa ao s. Resta que um homem se faz. O homem que deve se situar a partir do Um-entre-outros, a entrar no grupo de seus semelhantes. 33
Et homo factus est, em suma! O homem se faz ou no se faz e, nesse caso, se quer exceo, moa. Freud havia considerado que a rainha sem cabea anuncia o destino que Moritz encontraria. Assim, se Lacan contradiz os propsitos dos outros presentes naquela reunio, no se distancia totalmente de Freud. Em todo caso, se serve dele. Wedekind, ele mesmo, era um homem de exceo, era tido como depravado. Quando era perguntado sobre o que fazia, respondia: ocupo-me em morrer. Vse o que Moritz, que tambm se ocupava em morrer, tinha dele.
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LACAN, J. Prface la pice de Frank Wedekind, lEveil du printemps. Texto publicado no programa do Festival de Outono: propos de lEveil du printemps. Traduo de Franois Rgnault. Paris: Christian Bourgois diteur, setembro de 1974, p. 7-10.
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Do que se trata em Papageno? De uma perverso ou de uma verso-dopai ? Ele se isenta de alguns gostos perversos. A exceo que ele quer ser est do lado do segundo mito, de Totem e tabu mais do que do dipo. Lembremos como Lacan ope os dois mitos, em 1971, em De um discurso que no seria do semblante, antes de inventar as frmulas da sexuao e a verso-do-pai.
Deveria eu sublinhar que a funo-chave do mito ope-se nos dois, de forma estrita? Antes de mais nada, Lei, no primeiro, de tal forma primordial, que exerce suas represlias mesmo quando os culpados, no transgrediram seno inocentemente, e da lei que vem a profuso do gozo. No segundo, gozo em sua origem, em seguida lei, para o que sublinho os correlatos de perverso. 35
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Esta encarnao de uma exceo, encarnada pelo pai, j havia sido descolada do pai biolgico pela traduo do dipo freudiano em um Nome-do-Pai, depois do pai adotivo em todos os casos, mas no por acaso que Lacan cita, ao final de seu Prefcio ao Despertar da primavera, Robert Graves.
Como saber se, como o formula Robert Graves, o Pai ele mesmo, nosso pai eterno de todos, no seno um Nome entre outros da Deusa branca, aquela que, ao seu dizer, se perde na noite dos tempos, por disso ser a Diferente, a Outra para sempre em seu gozo, como essas formas do infinito cuja enumerao comeamos ao saber que ela que nos deixar em suspenso, ns. 36
Robert Graves, um dos mestres da poesia inglesa contempornea, filho de um poeta irlands, neto do bispo de Limerick, antecedentes prximos ao de Joyce e de Beckett, teve a revelao, em 1944, da deusa branca. Ele se inscreveu na srie dos adoradores da deusa, ao menos daqueles para os quais ela musa. Temos aqui seu ponto de vista sobre a diviso sexuada: Man does, Woman is. Vocs vem que a concepo de Papageno no indigna das formulaes dessa
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pre-version. Idem. Dun discours qui ne serait pas du semblant. Lio de 9 de junho de 1971. 36 Idem Nota n 33.
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linhagem. The White Goddess (1948), que surgiu do encontro de Graves com a deusa branca, um livro de setenta mil palavras, escrito em trs semanas, sobre um assunto que Graves no havia estudado. Passo por cima da descrio fsica da deusa branca37 para me deter na seqncia: Ela pode se transformar subitamente em porca, jumento, cadela, raposa, burra, doninha, serpente, coruja, loba, tigresa, sereia ou bruxa repulsiva. Seus nomes so incontveis. 38 Formas do infinito? Graves nos ensina, em seu livro A deusa branca que naquilo que chama de tema das lendas gaulesas ou irlandesas, o Deus do ano sempre vtima da deusa. E que existe a mesma figura entre os Akans, no oeste da frica. Em um ps-escrito, Graves, explica como escreveu A deusa branca39. Havia to mais elos do que coincidncias, que poderia tratar-se de um episdio delirante40. Papageno , ento, meio-louco, termo com o qual Beckett qualifica seu heri Molloy? Molloy pode descrever Ruth, a bem nomeada, nica experincia de amor em sua vida, esta mulher velha, extraordinariamente banal, apoiada sobre uma bengala de bano que ele vem a conhecer, percebam, em um terreno vago. Terreno vago, tal como aquele que deixa a devastao, 1355, pilhagem, aqui devendo ser diferenciado da aflio, como Colette Soler mui justamente sublinhou ontem. Apario do hommelle.41
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A dama uma bela dama esguia, nariz adunco, uma face mortalmente plida, lbios vermelhoalaranjados como as frutas do sorbier , com olhos de um azul surpreendente e longos cabelos loiros. 38 A deusa branca, p. 32. 39 Ele tinha, em seu escritrio, vrios pequenos objetos do oeste africano, entre os quais um peso para pesar o p de ouro, em forma de corcunda tocando flauta. Aps dez anos, ele aprendeu que o corcunda era um heri a servio da deusa me e que cada deusa me akan proclama ser uma encarnao da deusa. Para Graves, cada poeta deve morrer por sua deusa como morria o rei pela deusa tripla. Graves desafia seu leitor, que toma por uma coincidncia a presena deste objeto quando escreveu o livro. 40 Aps a publicao da deusa branca, lhe ofereceram um selo do perodo dos argonautas gravado com um cervo real galopando em direo a um bosque. Concluindo, este livro e esta criao surgiram, provavelmente, em um episdio delirante, esta arte soul, como diria meu paciente, a deusa branca de Graves da qual fala Lacan. 41 (...) Esta maneira de ornamentar a fenda radical na ordem do significante que representa o recurso castrao, de a, ornamentar o que a base e o princpio da estrutura perversa, provendo alguma coisa
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Entretanto, Graves conclui seu livro sobre a deusa branca opondo o poeta aos devotos:
(...) mas o poeta real faz uma distino entre a deusa a quem ele reconhece o poder supremo, a glria e a sabedoria no amor de uma mulher, e a mulher-indivduo do qual a deusa pode se instrumentalizar por um ms, um ano, sete anos ou mesmo mais.
Louco pela deusa branca, talvez a exemplo de Aragon, louco por Elsa, Graves, entretanto, sabe distinguir A mulher de uma mulher. Rabelais j escrevera com seu gaio saber: E o bom Senhor Priapo. Depois que o fez no a pediu mais. Retorno de A mulher a uma mulher, em Graves. Poderamos falar, em Papageno, de uma certa suspenso entre os sexos, tal qual Lacan o evoca a propsito do texto de Joyce:
(...) a maneira pela qual sentida a suspenso, entre os sexos, essa que faz com que o dito Bloom s pode se interrogar se ele um pai ou uma me42. Isto algo que faz o texto de Joyce. O que, seguramente, tem mil irradiaes nesse texto de Joyce, a saber, que diante do olhar de sua mulher ele tem os sentimentos de uma me, ele cr port-la em seu ventre e que exatamente ali, concluindo, enfim, pior afastamento do que se pode experimentar face quele que se ama. E porque no! necessrio explicar o amor e explic-lo por um tipo de loucura, isso exatamente a primeira coisa que est ao alcance da mo. 43
Como considerar o amor louco de um Medjnon por A mulher-Deus, sua tentativa de encarnar A mulher, um toque de perverso ou a complexidade das inclinaes de um sujeito? Relao com a mulher como verso do pai, de amor identificao e retorno, com sua figurao de verso-do-pai, s vezes pondo o
que complete, que substitua a falta flica, provendo o este Outro e na medida em que ele assexuado, no seria aquilo, que diante de vocs, um dia designei sob o termo lhommelle. LACAN, J. Dun Autre lautre. Lio de 30 de abril de 1969. 42 JOYCE, J. Ulysses, p. 380. 43 LACAN, J. Le sinthome. Lio de 13 de Janeiro de 1976.
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acento sobre o equvoco desse termo com a perverso. Isto vale para nossa hipermodernidade? A mulher como verso do Pai, figura apenas como Pai-verso. 44
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Lustprinzip
Sonia Alberti
Quando, no Seminrio 11, Lacan prope o sintagma a realidade do inconsciente verdade insustentvel a realidade sexual ele observa: sabemos hoje um pouco mais sobre o sexo do que sabia Freud quando articulava sua descoberta do inconsciente. Ns sabemos que a diviso sexual, na medida em que reina sobre grande parte dos seres vivos, o que assegura a manuteno do ser de uma espcie1. Em 1971, ele volta questo do vivo. Desta feita, no lugar de se preocupar com o qu nos seres vivos assegura a manuteno do ser de uma espcie, Lacan retoma o princpio do prazer freudiano para se perguntar sobre o qu regula a economia do vivo. E ele diz: a vida uma novidade diante do olhar do mundo que de forma alguma a comporta universalmente. O princpio do prazer regula sua economia de tal forma que a excitao mnima a visada do comportamento do vivo e, quando uma repetio se exerce de forma que um gozo perigoso, que ultrapassa a excitao mnima se apresenta, ele deve ser reinserido conforme a tal regulao. Assim, a morte o termo do gozo da vida no exato ponto nfimo do limite inferior das curvas de excitao, ascendentes e descendentes da repetio, e a vida, a repetio do prazer enquanto dura. O gozo que se d no ponto de tangncia inferior do limiar que pode se tornar perigoso se for ultrapassado, o ponto supremo como ele se exprime o que talvez o discurso do capitalista promove na sua reiterada tentativa de evitar a perda. Minha proposta, para esse Encontro, se fundamenta numa questo que me surgiu quando coloquei em tenso a leitura que pude fazer do livro Lust, de Elfriede Jelinek2, e alguns textos do nosso volume preparatrio3. A questo se
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LACAN, J. Le sminaire, Livre XI: Les quatre concepts fondamentaux de La Psychanalyse. Paris: Seuil, 1973, p.168. 2 Elfriede Jelinek nasceu em 20 de outubro de 1946, na ustria, e foi criada em Viena. Seu pai um judeu tcheco no foi executado pelos nazistas porque tinha uma profisso que servia guerra, era
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refere ao contraste entre o que pde escrever sobre o sexo no incio do sculo XXI uma autora que ganharia o Nobel de Literatura dois anos depois (2004), e o que escrevem psicanalistas sobre o assunto, no mesmo perodo. Se verdade que o artista precede o psicanalista, como j observava Freud, abrindo-lhe a via, se autorizando saber o que o psicanalista ensina4 (Lacan) ento, em que Jelinek pode nos ensinar alguma coisa? Durante a leitura de cada texto do volume preparatrio, duas coisas chamaram minha ateno: Primeiramente, alguns psicanalistas se ocupam muito, e at se preocupam, com a orientao narcsica da escolha de objeto e do gozo. No entanto, eles o comentam em articulao com o discurso do capitalista e a homossexualizao se posso dizer das relaes atuais. Como se o narcisismo fosse mais forte hoje com a homossexualidade manifesta do que em outros tempos da histria, e isso em funo dos discursos contemporneos. A meu ver, isso exige um questionamento, no estando claro para mim que o narcisismo seja mais forte hoje do que ontem nem, tampouco, acho necessrio que a vertente narcsica seria o correlato libidinal intrnseco ao discurso do capitalista! Poderamos, ao contrrio, levantar a hiptese de que esse discurso particular diria mais respeito ao auto-erotismo, ao erotismo do corpo despedaado, ou ainda propor que a homossexualidade mais um produto que o discurso do capitalismo coloca no mercado atiando o desejo de ter, de ser...; Em segundo, possvel encontrar certos psicanalistas eles chegam a diz-lo que confessam um certo mal-estar diante no s das prticas sexuais atuais, mas tambm, e talvez sobretudo, diante de sua divulgao publicitria etc.
qumico. Desde a dcada de 1950, a me cujo nome de solteira fora Olga Buchner da alta burguesia austraca, passou a sustentar a famlia como contadora, em decorrncia dos problemas psiquitricos que o pai de Elfriede passou a sofrer e que foram piorando at sua morte em uma clnica psiquitrica em 1969. A escritora casada pela segunda vez com Gottfried Hngsberg que mora em Munique onde trabalha com informtica, de forma que hoje Elfriede vive alternadamente em Viena e Munique. A biografia da autora seria um campo de pesquisa per se, mas no posso me deter nisso agora, pois preciso ir direto ao ponto em funo do tempo que tenho para minha pequena observao. 3 Les ralits sexuelles et linconscient Volume preparatrio do Encontro Internacional 2006, EPFCL, Frana. 4 LACAN J. Hommage fait Marguerite Duras, du ravissement de Lol V.Stein . In: Autres crits. Paris: Seuil, 2001, p.192-193.
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Nesses casos, no faltam observaes que se referem caricaturo 1) a um bom tempo perdido dos nossos bisavs, do encontro sexual cujo gozo no se vendia, ou ao bom tempo perdido em que havia relao sexual; 2) interpretao de que a ausncia de encontros heterossexuais hoje, que como ironizava Lacan, diriam respeito ao a cada um a sua ( chacun sa chacune), se deve homossexualizao das relaes sexuais, vetorializadas pelas referncias imagem. Com Jelinek, poderamos dizer que o discurso do capitalista no implica de forma alguma necessariamente a homossexualizao dos encontros sexuais. Ao contrrio, trata-se muito mais de uma reafirmao da posio masculina e feminina, claramente referida s relaes econmicas de poder: a mulher fica o tempo todo comprando vestidos e produtos de beleza com o dinheiro que recebe de seu homem/marido como pagamento por lhe servir de objeto sexual todas as noites. Minha questo: no deveramos tentar examinar um pouco mais o que efetivamente acontece antes de propor para os tempos que correm: 1) a falncia da diferena dos sexos, 2) que hoje pior do que ontem, e 3) a homossexualidade como debitria do recrudescimento do discurso do capitalista que impede o desenvolvimento das relaes htero (que implicariam a castrao e o encontro com o Outro sexo) quando, em realidade, muitas vezes a homossexualidade foi uma maneira s vezes a nica de acesso ao desejo sexual? Essa questo tambm se sustenta ainda numa outra observao: ela vem dos 120 dias de Gomorra, que Pasolini retomou em Salo, associando a obra de Sade ao nazismo, no sculo XX. No filme, o que vemos, que tudo permitido, exceto a relao sexual que no existe. Quando esta ocorre, com o nico casal de jovens que se apaixonam verdadeiramente, mantendo relaes sexuais que envolvem o x, x, o castigo a morte. O que nos leva a pensar que a castrao ainda, no sculo XX, a nica forma pela qual o real do sexo pode barrar o prprio capital. Pois, neste contexto, a castrao se identifica, paradoxalmente, com o fato de que x, x porque esta a nica forma de o Outro ser castrado, castrado em
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sua vontade de poder para a qual todo x castrado permite ao Outro melhor gozar dele. A questo que se coloca ento se descentra um pouco em relao s prticas sexuais para vetorializar interrogaes sobre a maneira pela qual preciso levar em conta a falta para que o sexo possa funcionar como sintoma5. Na ltima parte do volume preparatrio possvel ler que as prticas perversas aparecem quando se trata do desconhecimento do outro, da procura do igual, do encontro narcsico, de negar a falta da qual o sujeito vive e da qual sofre. Parte-se do princpio de que todo amor implica iluso e se est advertido do fato de que nem todo amor estaria referido castrao. No entanto, o volume testemunha que s vezes se vacila entre ambos, razo de minha questo: o que faz com que se pense ainda hoje, em psicanlise, que a dedicao pessoa amada sempre se sustenta na castrao e que, de todo modo, todas essas concepes culturais do termo amor se encontram desvalorizadas atualmente mais do que em outro tempo? Por que tal idealizao, tal dedicao e esmero, tal relao de confiana no podem tambm ser efeito de um encontro narcsico? L-se, no volume6, que com um pouco de exagero, podemos inclusive afirmar que o inconsciente , de certo modo, homossexual, j que busca sempre repetir o mesmo [...] (p. 335), porque no inconsciente s h um sexo! No mesmo volume identifica-se ento o capitalismo com formas de gozo que vo na contramo da referncia ao Um. At mesmo encontramos nele uma referncia ao narcisismo exibido em contraposio freudiana limitao do narcisismo que mantm uma massa coesa, e, com Negri, o volume termina propondo a resistncia da cooperao produtiva como rebelio contra o imprio, quando ento se reconstitui a massa em um projeto de amor (sic, p. 350).
ROTMISTROVSKY, H. Pratiques perverses . In: Les ralits sexuelles et linconscient. France: EPFCL, 2005, p. 303. 6 A referncia ao volume neste texto sempre ao Volume preparatrio ao Encontro Internacional 2006, EPFCL-Brasil: As realidades sexuais e o inconsciente, instrumento de trabalho para a preparao daquele Encontro.
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Concordando com a gravidade do tema, quando o mundo inteiro parece desmapeado, lano mo de uma artista que precede o psicanalista na tentativa de nos instrumentalizar de outra maneira. At porque a tal rebelio no vem... As conseqncias do discurso capitalista moderno observa outro texto do Volume Preparatrio , criado pelo efeito da cincia sobre o discurso do mestre, podem ser avaliadas, e assim o devemos fazer, quer pelo que suprimem, quer pelo que fazem surgir de novo (p.309). Mas devemos ficar atentos para as observaes que vm da Espanha de que uma utopia criar um vnculo social que no seja de homem-mulher, exterior ao casal htero ou homo [...] (p. 322) e que as novas formas de gozo suscitam novas dissidncias sintomticas nos sujeitos, novos mal-estares no seio dos quais se faz pathos uma verdade que impede ao sujeito de se acomodar nas ofertas de gozo que abundam no mercado dos corpos (p. 324). Ou seja, a sexualidade ainda presentifica uma verdade que sempre meio dizer. Retomo Elfriede que observa: o que vive perturba e perturbado7, razo ento de sempre novamente ter que buscar a excitao mnima. Mas razo tambm de nos levar a pensar at que ponto toda essa movimentao sexual a que assistimos hoje no corresponde vida porque perturba, s vezes at mesmo perturba o que at ento entendamos como o amor. Vejamos o caso da Mulher (Gerti), de Elfriede Jelinek. Ela tem um Homem, pois, como se l, seria utpico se as coisas fossem de outra forma. Observo que no livro a autora raras vezes se refere aos personagens de outra maneira que no o homem, a mulher e o filho. Alm disso, como se sabe, em alemo os substantivos so escritos com iniciais maisculas o que permite a um leitor lacaniano levantar questes sobre o lugar de a Mulher na estria. De todo modo, so inmeras as passagens no livro em que Jelinek faz observaes sobre o marido de Gerti que, pelo fato de a ele se referir como o Homem, perturbam o leitor dividido entre atribuir tais observaes personagem ou a todo Homem que se escreva com maisculas. Seno, vejamos a frase:
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Was lebt, strt und wird gestrt in Dieses strende Dings, das lebt fr Tankred Dorst.
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O Homem no contabilizado entre os cidados, ele conta Um8. Ele dirige uma fbrica de papel e trouxe cidadezinha a Mulher da cidade grande. Ela s vezes no est satisfeita com essas mculas que pesam em sua vida: Homem e Filho9. Quando o Homem chega do trabalho, a Mulher lhe abre a porta e ele reconhece que nada grande demais para seu domnio, mas tampouco deve ser pequeno demais, pois seno logo aberto10. A partir da, a histria surge em sua vertente porn, que se desenrola em torno do eixo insacivel de desejo desse Homem em sua Mulher, presa impotente nas mos do marido sempre potente para se aproveitar, justamente, de cada buraco que possa ser aberto! Como escreve um crtico da obra: Todo porn cansa. Cansa a repetio, e as nicas razes que temos para continuar lendo no sem necessitar de um certo intervalo em que no se l so a genialidade do texto e a capacidade que a autora tem de articular a questo com o que justamente no se submete virilidade, mesmo quando esta indubitavelmente impera. Ou seja, mesmo quando o desejo da Mulher cada vez mais enfraquecido, ela ainda a anti-herona do livro, no qual a crtica social, a viso marxista da histria que Elfriede traz de sua militncia no Partido (ao qual j no pertence mais por ter se demitido) sempre aponta para uma outra coisa. Segundo algumas observaes que pude recolher na distncia que separa o Brasil da ustria, Jelinek teria afirmado que seu projeto ao escrever o livro falhara, porque no h uma lngua pornogrfica feminina. E, no entanto, por mais que assim tenha verificado, como Freud, que no h sexualidade fora da referncia flica, ela pode demonstrar que no h relao sexual e que a Mulher no-toda. Gerti sonha com outra coisa. No caso, sua pobreza de esprito a leva, assim, ao rapaz que a tiraria do lugar de objeto sexual de um homem, porque ela
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Der Mann wird nicht mitgezhlt unter den Bewohnern, er zhlt allein, p. 8. Die Frau ist manchmal nicht zufrieden mit diesen Makeln, di auf ihrem Leben lasten: Mann und Sohn, p.9. 10 Die Frau ffnet die Tr, und er erkennt, dass nichts zu gross fr seine Herrschaft ist, aber auch nichts darf zu klein sein, sonst wird`s sofort geffnet, p.15.
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quer ser alguma coisa, mas, por amor, acaba por conceder a este o mesmo que todo homem quer, pois o prazer de vocs sempre o mesmo!11. No resta dvida de que esta histria, vivida no bojo do capitalismo contemporneo, reflete o fato de que estamos longe de deixar de lado o vnculo social homem-mulher, independente de o casal ser homo ou heterossexual, e que no seio desse mesmo capitalismo que podemos verificar o lugar da mulher como objeto de um homem que pode ser para ela uma aflio pior que um sintoma, uma devastao, como diz Lacan12. A Mulher o verifica mais que uma vez. Na histria do livro, tentando escapar desse Marido, a Esposa, alcoolizada, foge algumas vezes de casa. Numa dessas fugas encontra Michael que a recolhe no meio da neve, praticamente extenuada e bastante bbada. No pensem que o jovem estudante, o belo rapaz, ser para ela outra coisa seno uma nova devastao! Na realidade, isso acontece quando ela que dirige a ele um desejo outro romantizado porque a Mulher pertence ao amor13 com que sonhou. Depois de com-la pela ensima vez, Michael ainda lhe enfia uma boa lngua na boca14 e a envia de volta para o Marido. Devastada, a nica coisa que lhe resta como resposta para fazer valer o seu lugar na relao aquela que foi dada por Media, o que Elfriede Jelinek no deixa de comprovar. Demonstrando mais uma vez que estamos longe de viver em outra histria, que nossos atos so aqueles que a tragdia grega j conhecia em tempos imemoriais e que, independente do capitalismo, o que regula as realidades sexuais do inconsciente so as formas de gozar que decorrem do fato de o ser falante ser determinado pelos discursos. Se o discurso do capitalista tem algo a ver com as atuais realidades sexuais do inconsciente, preciso, antes de qualquer
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... und eure Lust bleibt immer dieselbe!, p.123. LACAN, J. Seminrio O Sinthoma, lio de 17/02/1976. 13 Und die Frau gehrt der Liebe, p.116. 14 "Dann steckt er ihr noch eine vernnftige Zunge in den Mund", p.205.
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coisa, diferenciar o capitalismo do discurso do capitalista. Como diferenci-los em nossa orientao? Lacan constri o objeto a, a partir da conceituao que Marx pode fazer do discurso do mestre que produz o capital, a mais valia, a impossibilidade de contabilizar um gozo que no pode ser significantizado. , diz ele, a sua contribuio psicanlise. No discurso do mestre ento, tal mais resto inapreensvel tanto pelo patro quanto pelo operrio. Sendo o discurso do mestre o discurso do inconsciente como define em outro lugar , o objeto a pode ento ser identificado com a mais valia, o resto inapreensvel de gozo. Mas isso no implica que o capitalismo em si, dite uma nova economia psquica, Lustprinzip hoje o mesmo que em 1900, mesmo se hoje sabemos um pouco mais sobre o sexo do que ento, o que, alis, s exige do psicanalista nova tomada de posio! Como ento justificar o discurso do capitalista promovendo realidades sexuais do inconsciente se este discurso perverte aquele (o do mestre)? Poderamos levantar a hiptese e para isso eu me fio inclusive em alguns textos do volume preparatrio de que as realidades sexuais orientadas segundo o discurso do capitalista assim se orientam para, com este discurso, evitar a castrao, j que, como sabido, no discurso do capitalista, nada se perde e tudo se consome. para nada perder que o sujeito contemporneo se sustenta no discurso do capitalista velando o prprio inconsciente. J no mais um sujeito que frente castrao nega a diviso subjetiva, mas a utiliza como instrumento para crer na possibilidade de tudo consumir. Com isso, finalmente, o discurso do capitalista no promoveria as realidades sexuais do inconsciente, mas, ao contrrio, seria um modelo discursivo que aumenta as resistncias de um sujeito que no quer saber nada sobre isso. Razo talvez de s vezes ser, hoje, to difcil sustentar o tratamento analtico quando o sujeito est justamente tomado por este discurso. Mesmo assim, em Televiso, Lacan observa que o discurso do psicanalista o nico que pode fazer frente ao discurso do capitalista e por isso que precisamos encontrar todos os meios possveis para continuar a transmitir a psicanlise e livr-
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la ao sujeito que vem nos procurar, instrumentalizando-o de tal forma que possa ele mesmo reencontrar o que o determina para poder perder.
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