A Literatura Como Provocação JAUSS

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JAUSS, Hans Robert.

A literatura como provocao (Histria da Literatura como provocao literria) 23 [compreenso de uma obra literria] no se deve apenas s suas circunstancias biogrficas e histricas, nem apenas posio que ocupa na evoluo de um gnero, mas sim a critrios como a recepo, a influncia provocada e o valor reconhecido pela posteridade; 31-2 Histria literria positivista >> aplicao de uma explicao puramente causal; recorrncia a fatores determinantes extrnsecos; hipertrofia do estudo das fontes; dissolveu a especificidade da obra literria num feixe de influencias; a Histria do espirito >> ops explicao causal uma Esttica da criao, e procurou a coerncia do universo potico na recorrncia transtemporal de ideais e motivos; A descrio da Histria da literatura e da sua relao coma Histria em geral no interessou a nova Histria das ideias e conceitos, nem a investigao da tradio que se desenvolveu depois no mbito da escola de Warburg. A primeira esfora-se por uma renovao da Histria filosfica, estudando o seu reflexo na literatura; a segunda neutraliza a prxis viva da historia, centrando o conhecimento na origem ou na continuidade transtemporal da tradio, no se interessando pelo carter atual e nico dos fenmenos literrios. O conhecimento daquilo que permanece no que no cessa de mudar dispensa o esforo da compreenso histrica. A continuidade da herana antiga, erigida em principio supremo, aparece na obra monumental de Ernst Robert Curtius, fornecendo trabalho a uma legio de epgonos investigadores de topoi, na oposio historicamente no resolvida, e imanente tradio literria, entre criao e imitao, entre a verdadeira arte potica e a mera literatura: o classicismo intemporal da obra prima eleva-se acima do que Curtius designava como a indestrutvel cadeia de uma tradio de mediocridade, deixando atrs de si a historia como uma terra incgnita; O abismo entre as abordagens histrica e esttica da literatura permanece aqui to significativamente como na teoria literria de B Croce; O antagonismo entre a verdadeira literatura e literatura de interesse histrico s pde ser ultrapassado quando se ps em questo a esttica que a fundou, e se reconheceu que a oposio entre criao e imitao apenas caracteriza a literatura do perodo clssico; 33 A sociologia da literatura e o mtodo imanente de interpretao da obra desenvolveramse como reao s orientaes positivistas e idealistas. Aprofundaram ainda mais o abismo entre historia e arte literria. O antagonismo entre a teoria literria marxista e a escola formalista disto um testemunho claro; 35

Ambas as escolas >> de acordo quanto recusa do empirismo cego dos positivistas e da metafisica esttica da Histria do espirito; Procurarem resolver por vias opostas o seguinte problema: como reinserir no contexto histrico da literatura o fato literrio e apreend-lo enquanto acontecimento que testemunha o processo histrico; As tentativas no resultaram em nenhuma Histria da literatura que a descrevesse no seu devir, na sua funo emancipadora, social e responsvel pela construo de formas de percepo do mundo; A soluo teria exigido que se colocasse numa nova relao a abordagem histrica e a abordagem esttica; 38 Se a esttica marxista tivesse sido fundada sobre a noo de trabalho de Marx, e sobre a sua concepo de Histria da arte baseada numa dialtica da natureza e do trabalho, das condies materiais e do trabalho essa esttica marxista no se teria fechado evoluo da arte e literatura modernas; Com atraso a esttica marxista reconhece a viso segundo a qual a arte criadora de realidade; 41 A esttica marxista confronta-se com uma dificuldade que Marx havia j reconhecido: a desigualdade da relao entre o desenvolvimento da produo material (...) e o da produo artstica; Esta dificuldade, por detrs da qual se esconde o prprio problema da historicidade especifica da literatura, s pode ser resolvida pela auto superao da teoria do reflexo; 42 Lukcs se apoia no fragmento de Marx sobre a arte antiga; D como resolvido o problema que, segundo Marx, estava ainda por resolver; Como explicar que uma arte de um passado longnquo sobreviva destruio da sua infraestrutura econmica e social se, como Lukcs, negarmos s formas artsticas qualquer autonomia, no podendo assim interpretar a influncia que a obra de arte continua a exercer como fator de produo da histria? Lukcs socorre-se no conceito de classicismo, que transcende a historia e no pode reduzir o abismo entre a arte do passado e os seus efeitos atuais, a no ser por referencia a uma idealidade atemporal; 43 Histria da literatura moderna >> ocultada pelo classicismo da esttica marxista ortodoxa; Como podem a literatura e a arte tomar posio ativa em relao ao seu fundamento social se a necessidade econmica se impe em ultima instancia e determina as modalidades de mudana e desenvolvimento; 44-5

A produo literria fica limitada a uma produo secundaria que apenas reproduz o processo econmico; A harmonizao entre a estrutura social preexistente e o fenmeno artstico que a representa pressupe o idealismo clssico >> em vez da ideia, o fator material, isto , econmico, que tomado (em considerao); A dimenso social da literatura e da arte, no que diz respeito sua recepo, fica reduzida funo secundria de tornar reconhecvel uma realidade j conhecida de outro modo; Ficaria vedada esttica marxista a possibilidade de compreender o poder que a arte tem de libertar o homem dos preconceitos e representaes arraigadas na sua situao histrica e de abrilo a uma percepo nova do mundo, antecipao de uma realidade nova; A esttica marxista s poder escapar s aporias da teoria do reflexo e compreender a historicidade especifica da literatura se reconhecer, como K. Kosk, que: a obra artstica possui duas caractersticas: ela expresso da realidade, mas tambm constitutiva de uma realidade, que no existe anteriormente obra, nem ao lado dela, mas apenas e precisamente na prpria obra; 46-7 Werner Krauss reabilita as formas literrias; so elas o lugar de concentrao mxima da influncia social; Define do seguinte modo a funo social da literatura: A criao literria destina-se a uma recepo. Nessa medida, produz-se nela mesma a sociedade a qual se dirige; K. Kosk resolve o dilema do fragmento de Marx sobre a arte antiga (como e por que uma obra de arte pode sobreviver ao contexto social em que nasce) fornecendo uma definio especifica da arte, que d conta da sua historicidade e estabelece uma unidade dialtica: A obra vive na medida em que age. A ao da obra inclui tanto aquilo que acontece na conscincia que a recebe como aquilo que se cumpre na prpria obra. A obra permanece viva como obra na medida em que faz apelo a uma interpretao e age atravs de uma multiplicidade de significaes; A historicidade da obra de arte no reside apenas na sua funo representativa ou expressiva, mas tambm, necessariamente, no efeito que ela produz; preciso incluir a relao das obras entre si, e situar a relao histrica entre as obras no conjunto de relaes reciprocas que existem entre a produo e a recepo; A literatura e a arte s passam a pertencer a uma ordenao histrica quando a sucesso das obras no remete apenas para o sujeito produtor, mas tambm o sujeito receptor para a interao entre o autor e pblico; 48 A arte s pode manifestar a sua originalidade se o papel especfico da forma artstica for definido no como mimesis, mas como dialtica, quer dizer com meio de criar e de transformar a percepo, ou para citar o jovem Marx como meio privilegiado de formao de sensibilidade;

49 A teoria do mtodo formal >> valorizao rigorosa do carter artstico da literatura; libertando a obra literria de todos os condicionantes histricos; 50-1 Rompe ligao entre a literatura e a praxis da vida; A arte vista como o meio de quebrar o automatismo da percepo cotidiana atravs da distanciao; A recepo da arte exige a distino da forma; o processo de percepo um fim em si mesmo; Teoria que, renunciando conscientemente ao conhecimento histrico, fez da critica literria um mtodo e deu lugar a trabalhos cientficos de valor duradouro; Ao longo da construo do mtodo formal, a historicidade da literatura, inicialmente negada, voltou a ser discutida; Abandonar a ideia de um processo linear e contnuo, e opor ao conceito de tradio um princpio dinmico de evoluo literria; Descobre na Histria da literatura a autocriao dialtica de novas formas, descreve o curso pretensamente pacfico e contnuo de tradies como um processo com mudanas bruscas, revoltas desencadeadas por novas escola e conflitos entre gneros concorrentes; 52 Compreender a obra de arte na sua historia, isto no interior de uma Historia literria definida como sucesso de sistemas, no significa compreend-la na Histria, isto no horizonte histrico do seu aparecimento, funo social e efeito histrico. A historicidade da literatura no se reduz sucesso de sistemas estticos e de formas; 55 Os mtodos marxistas e formalistas >> definem o fato literrio no circulo fechado de uma esttica da produo e da representao; Retiram literatura uma dimenso que faz necessariamente parte, tanto do seu carter esttico como de sua funo social: a dimenso de sua recepo e do seu efeito; A escola marxista trata o leitor tal como o autor: inquire sobre sua posio social, ou procura reconhec-lo no panorama de uma sociedade representada de uma dada forma. A escola formalista necessita do leitor como sujeito da percepo cuja funo discernir a forma do texto e descobrir os seus procedimentos; 56 Ambos os mtodos falham na compreenso do leitor e do seu papel, imprescindvel tanto para o conhecimento esttico como histrico: o leitor como aquele a quem primeiro dirigida a obra literria; 57

A vida da obra na histria no pensvel sem a participao ativa daqueles a quem se dirige. sua interveno que faz entrar a obra na continuidade de um horizonte dinmico de experincia; Saber como uma sequncia de obras literrias pode ser ordenada numa Histria literria >> se o crculo fechado de uma esttica da produo e da representao, no qual se tem movido at agora a metodologia da cincia literria, se abrir a uma esttica da recepo e dos seus efeitos; 58 A perspectiva da esttica da recepo permite >> deixar de existir oposio entre aspectos histricos e estticos, e poder restabelecer-se a ligao entre as obras do passado e a experincia literria de hoje que o historicismo rompeu; A relao entre literatura e leitor tem implicaes tanto histricas como estticas; A segunda consiste no fato de a recepo de uma obra de arte por parte dos seus primeiros leitores conter j uma avaliao do seu valor esttico, por comparao com outras obras anteriormente lidas; A primeira >> fato da interpretao dos primeiros leitores poder se desenvolver e enriquecer, de gerao em gerao, constituindo uma cadeia de recepes, que decidir sobre a importncia histrica de uma obra e sobre o seu destaque esttico; 59 Teses que seguem (VI-XII) >> saber como poder ser reescrita hoje a Histria literria e sobre que bases metodolgicas; 61 A historicidade da literatura consiste na experincia que os leitores primeiro fazem das obras literrias; 63 Confuso entre o carter de acontecimento de uma obra de arte com o de um fato histrico. O Perceval de Chrtien de Troyes, como acontecimento literrio, no histrico: no no sentido em que o a terceira cruzada histrica, sua contempornea. No uma ao, um ponto de viragem para outros acontecimentos, que possa ser explicado, como no caso de um fato histrico, a partir de causas e intenes reconstituveis e a partir das suas consequncias necessrias e contingentes. O contexto histrico em que aparece uma obra literria no poderia existir sem a necessidade de um receptor. O Perceval s se torna um acontecimento literrio para o seu leitor, que aprecia a sua especificidade por comparao com outras obras conhecidas e que ganha, a partir da, um novo critrio de apreciao a partir do qual poder apreciar obras futuras. Um acontecimento literrio, ao contrario de um acontecimento politico, no tem consequncias inevitveis, com desenvolvimentos prprios, as quais as geraes

posteriores se no podero subtrair. Ele s pode continuar a exercer o seu efeito enquanto encontrar leitores que se apropriem de novo da obra, ou autores que a pretendam imitar, ultrapassar ou recusar. A literatura, como conexo de acontecimentos, constitui-se primeiramente no horizonte de expectativas da experincia literria de leitores, crticos e autores, que lhe so contemporneos ou posteriores. Compreender e descrever a Histria da literatura na sua historicidade prpria depende da possibilidade de objetivar este horizonte de expectativas; 65 Para descrever a recepo e os efeitos de uma obra, reconstituir o sistema objetivvel de referncias que compem o horizonte de expectativa; 66-7 Existem meios empricos, dados literrios, a partir dos quais se pode deduzir, para cada obra, a disposio especfica do pblico, anterior mesmo reao psquica do leitor isolado, ou da sua compreenso subjetiva. Tal como toda experincia efetiva, tambm a experincia literria, que leva ao conhecimento de uma obra at ali desconhecida, possui um pr-conhecimento que ele prprio um elemento da experincia...; Uma obra no se apresenta nunca como uma absoluta novidade, predispondo antes o seu pblico para uma forma bem determinada de recepo, atravs de informaes, sinais mais ou menos manifestos, indcios familiares ou referencias implcitas. Ela evoca obras j lidas, coloca o leitor numa determinada situao emocional , cria, logo desde o inicio, expectativas que, com o decorrer da leitura, podem ser conservadas ou alteradas, reorientadas; O processo psquico que acompanha a recepo de um texto, nesse primeiro estdio da experincia esttica, no se reduz de forma alguma a uma sucesso contingente de impresses subjetivas. Ele consiste sim no cumprimento de determinadas indicaes, num processo de percepo orientado, que pode ser compreendido segundo motivaes constitutivas; 68 A recepo interpretativa de um texto pressupe sempre o contexto anterior da experincia em que se inscreve a percepo esttica. A questo da subjetividade da interpretao e dos gostos de diferentes leitores, ou de categorias de leitores, s pode ser posta de forma pertinente depois de ter sido reconstitudo o horizonte trans-subjetivo da compreenso que condiciona o efeito produzido no texto; 70 A disposio do pblico em face de uma determinada obra pode ser reconstituda a partir de trs fatores que toda a obra geralmente pressupe; O terceiro: a partir da oposio entre fico e realidade, entre funo potica e funo prtica da linguagem,

que so sempre dadas ao leitor, durante a leitura; implica para o leitor a possibilidade de receber uma obra nova, tanto no horizonte mais estreito de sua expectativa literria como no horizonte mais alargado da sua experincia de vida. A proposito da estrutura desse horizonte e da sua possibilidade de objetivao por meio da Hermenutica da pergunta e da resposta, abordarei na ultima tese (XII) a questo sobre a relao entre literatura e praxis da vida; 71 Se designarmos como distancia esttica a distancia entre o horizonte de expectativas pr-existente e o aparecimento de uma nova obra, cuja recepo pode provocar uma mudana de horizonte, esta distancia esttica, inserida no espectro das reaes do publico e dos juzos de critica pode tornar-se historicamente objetivada; 79-80 A reconstituio do horizonte de expectativas tal como ele existia no momento de criao e de recepo de uma obra possibilita, para alm do mais, pr questes as quais o texto dava uma resposta, e fazer-nos entender como que o leitor de ento o via e compreendia; O mtodo de uma historia da recepo indispensvel compreenso das literaturas antigas. Quando o autor de uma obra desconhecido, quando a sua inteno no pode ser atestada, a sua relao com as fontes e modelos no pode ser seno indiretamente estabelecida, a questo de saber como que o texto deve ser compreendido, isto , em funo do tempo e da inteno do autor, s pode ser, quando muito, respondida se for recolocada no contexto das obras que o autor supunha explicita ou implicitamente conhecidas do seu pblico contemporneo; 81 O mtodo filolgico critico com seu objetivismo histrico >> erige em norma implcita os seus preconceitos estticos e moderniza o sentido do texto; O interprete, situado fora da historia, apenas precisaria mergulhar no texto para ver revelar-se o seu sentido >> ocultar a implicao da conscincia histrica, ela mesma, na historia da recepo; 82 Em Verdade e Mtodo, Gadamer, cuja critica do objetivismo retomo, apresentou o principio de uma historia dos efeitos - que procura a realidade da historia na prpria compreenso da historia como uma aplicao da logica da pergunta e da resposta tradio histrica. Desenvolvendo a tese de Collingwood (no se pode compreender um texto se no se compreendeu a pergunta que ele responde) >> explica que a pergunta no pode mais voltar a ser colocada no seu horizonte original, porque esse est sempre a priori englobado no nosso horizonte atual; A pergunta histrica no pode subsistir por ela mesma; no pode seno transformar-se na pergunta que representa para ns a tradio;

83 Welleck >> O juzo dos sculos sobre uma obra literria mais do que a soma contingente de todos os juzos de outros leitores e crticos; ele resulta do desenvolvimento, atravs do tempo, de um potencial de significao, imanente obra desde a origem, que se atualiza na sucesso dos estgios histricos da sua recepo e que se revela ao juzo hermenutico na medida em que este realiza de um modo cientificamente controlado, no seu encontro com a tradio, a fuso dos horizontes; 84 Minha tentativa de fundar uma Histria literria sobre a esttica da recepo deixa de coincidir com o principio de uma historia dos efeitos, colocado por Gadamer, quando este pretende erigir o conceito de classicismo em prottipo de toda mediao histrica entre o passado e o presente; 87 Mesmo as grandes obras literrias do passado no so recebidas e compreendidas devido a um poder de mediao que lhes seria inerente, e o efeito que elas produzem no pode ser comparado a uma emanao: a tradio artstica pressupe ela prpria uma relao dialtica entre o presente e o passado, e por isso a obra do passado apenas nos pode responder e dizer-nos algo se tivermos posto primeiro a questo que abolir a sua distanciao; sobre este papel produtivo de uma compreenso evolutiva, incluindo a critica da tradio e o esquecimento, que se trata hoje de fundar o esboo de uma Histria literria renovada pela esttica da recepo. preciso considerar a historicidade da literatura sob trs aspectos: diacronia a recepo das obras literrias atravs do tempo (X); sincronia o sistema da literatura num dado momento e a sucesso dos sistemas (XI); e a relao entre a evoluo intrnseca da literatura e a da Histria em geral (XII); 89 Como uma dada obra que a Histria literria positivista posicionou de forma determinista numa srie literria e reduziu a um fato pode ser reconduzida sua relao sequencial histrica e reencontrar a sua qualidade de acontecimento; 91 Histria literria de inspirao formalista >> a importncia histrica de um fenmeno literrio so definidos: pelo seu carter especificamente artstico e pelo grau de inovao que ele comporta; Fatores de renovao importantes >> estabeleceu que as transformaes que se produzem na histria se inscrevem, na literatura como no resto, no interior de um sistema; procurou construir um sistema da evoluo literria; 92

Fraquezas do evolucionismo formalista >> a simples oposio formal e a variao esttica no bastam; a orientao do devir das formas literrias fica sem resposta; a inovao no constitui por si s o carter artstico e a relao entre evoluo literria e mudana social, apesar de ser negada, no deixa de existir (a tese XII procura responder essa questo); 94 A fundamentao numa esttica da recepo permite o reconhecimento da profundidade temporal da experincia literria; O carter artstico de uma obra que o formalismo reduz ao fator inovao no necessariamente perceptvel desde o instante em que a obra aparece, segundo o horizonte literrio desse instante, e no pode inteiramente medir-se a fortiriori pelo mero contraste entre a forma antiga e a nova; A resistncia que a nova obra ope expectativa do seu primeiro publico pode ser tao grande que ser necessrio um longo processo de recepo antes de ser assimilado aquilo que era originalmente inesperado e inadmissvel; 95-6 Casos em que a apario de uma nova forma literria pode abrir acesso a uma literatura esquecida >> chamados renascimentos >> o termo sugere um retorno espontneo e faz perder de vista que um passado literrio s pode retornar quando uma nova recepo o atualiza, seja porque ao mudar de orientao esttica o presente se volta propositalmente para o passado para dele se apropriar...; O novo no apenas uma categoria esttica; torna-se tambm uma categoria histrica >> questo de saber quais so os fatores histricos que fazem realmente a novidade de um fenmeno literrio novo; em que medida essa novidade j perceptvel no momento histrico em que aparece; que recuo, que caminho ou que desvio da inteligncia exigiu a assimilao do seu contedo; 98 Krakauer contesta a pretenso da Histria geral em integrar os acontecimentos de todos os domnios da vida atravs de um meio homogneo que seria o tempo cronolgico; Esta concepo da historia que procede ainda da noo hegeliana de espirito objetivo oculta a efetiva no simultaneidade do simultneo; A multiplicidade de acontecimentos que ocorrem num determinado momento histrico e que se pretende compreender como expresses representativas de um s e nico sentido pertencem a curvas de tempo absolutamente diferentes, submetidas s leis especificas da sua historia particular; 99 No domnio literrio pode dizer-se que a perspectiva de Krakauer mostra que necessrio operar o corte sincrnico, para descobrir a verdadeira historicidade dos fenmenos literrios;

100-1 Pois se as obras surgidas em simultneo se dividem do ponto de vista da produo numa multiplicidade heterognea, na realidade no simultnea, isto , se so marcadas por momentos diferentes da evoluo do gnero ao qual pertencem, esta multiplicidade dos fenmenos literrios, vista do ngulo da recepo, recompem-se para o publico que a recebe, como a produo do seu tempo e estabelece relaes entre essas diversas obras, na unidade de um horizonte comum, feito de expectativas, de memorias, de antecipaes, determinando e delimitando a significao das obras; 102 Deve ser possvel descobrir por detrs das mudanas de contedos e das formas literrias, as reocupaes que, num sistema literrio de explicao do mundo, permitiro apreender a evoluo dos horizontes atravs da historia da experincia esttica; 103 Uma mudana de horizonte no processo histrico da evoluo literria no obriga a seguir a rede de todos os fatos e filiaes diacrnicas, podendo tambm ser apreendida pela verificao do modo como se modificou o estado do sistema sincrnico de uma literatura e pela recorrncia a outros cortes transversais; Mas dimenso histrica da literatura, a sua continuidade fatual, perdida tanto no tradicionalismo como no positivismo, s podem ser recuperadas se o historiador da literatura souber encontrar os pontos de interseo e puser em relevo as obras que permitem articular, de um modo pertinente, o curso da evoluo literria, atravs dos seus momentos forte e das suas cesuras epocais. Decisivo para essa articulao histrica a historia dos efeitos: Aquilo que resultou do acontecimento e que a partir do ponto de vista do presente, constitui a continuidade da literatura como antecedente histrico da sua manifestao presente; Parte XII 105-6 A Historia literria >> no apenas na sincronia e diacronia da sucesso dos sistemas que constituem a produo literria >> mas tambm compreendida, enquanto historia particular, na sua relao especifica com a historia geral; A funo social da literatura s manifesta as suas possibilidades quando a experincia literria do leitor intervm no horizonte de expectativas da sua vida cotidiana, orienta ou modifica a sua viso de mundo e age consequentemente sobre o seu comportamento social; Sociologia literria tradicional >> a literatura a representao de uma realidade dada; Erige em categoria literria um conceito esttico historicamente localizado: o realismo

do sculo XIX; Tambm o estruturalismo literrio permanece prisioneiro desta esttica da representao, no fundo classicizante, e do seu esquematismo do reflexo ou da tipificao; Deixam escapar a funo social da literatura por excelncia, a sua funo de configurao social; 107 A resposta que a esttica da recepo procurar dar ao problema da funo de configurao social da literatura ultrapassa as competncias da esttica tradicional da representao. A tentativa de ultrapassar o fosso entre a Histria literria e a investigao sociolgica, atravs do mtodo da esttica da recepo, facilitada pelo fato do conceito de horizonte de expectativa, introduzido por mim na interpretao histrica da literatura, desempenhar, desde Karl Manheim, um papel na axiomtica das cincias sociais; Est tambm no centro de um ensaio epistemolgico de Karl Popper, cujo projeto o de ancorar a elaborao da teoria cientifica na experincia pr-cientfica da praxis da vida; 108 O fator mais importante do progresso da cincia, assim como da experincia da vida, o da frustrao de expectativas; A refutao dos nossos erros a experincia positiva que retiramos da realidade; Este modelo permite esclarecer melhor a funo particular da literatura na vida social; 109-10 A experincia da leitura pode libertar o leitor de exigncias de adaptao, preconceitos e constrangimentos da sua praxis da vida, conduzindo-o a renovar a sua percepo das coisas. O horizonte de expectativa prprio da literatura distingue-se do da praxis histrica da vida pelo fato de no apenas conservar os traos das experincias feitas mas de antecipar tambm as possibilidades ainda no realizadas, alargando os limites do comportamento social, ao suscitar aspiraes, exigncias e objetivos novos, e abrindo assim as vias da experincia futura; O poder criador da literatura rompe, pela novidade das suas formas, como o automatismo da percepo cotidiana; A forma nova pode tornar possvel uma outra percepo das coisas, ao prefigurar um contedo de experincia que se exprime atravs da literatura, antes de aceder realidade da vida. A relao entre a literatura e o leitor pode atualizar-se tanto no domnio tico como no da sensibilidade, atravs de um apelo reflexo moral ou de uma incitao percepo esttica. A obra literria nova recebida e submetida ao juzo, no apenas no contraste com um pano de fundo de outras formas artsticas mas tambm na relao com o pano de fundo da experincia da vida cotidiana. A componente tica da sua funo social deve ser, tambm ela, apreendida pela esttica da recepo, em termos de pergunta e de resposta, de problema e de soluo, tais como esses se apresentam no contexto em que se insere o horizonte do seu efeito histrico;

115 Uma obra literria pode romper com a expectativa de seus leitores, fazendo uso de uma forma esttica indita, e confrontando-os com questes, para as quais a moral caucionada pelo Estado ou a religio no fornecem uma resposta; 116 A fora especial da literatura, na sua existncia social, se manifesta precisamente quando a literatura no se resume funo de uma arte da representao; Momentos em que certas obras literrias fizeram desmoronar tabus da moral dominante ou ofereceram ao leitor novas solues para a casustica moral de sua praxis da vida, as quais puderam depois ser sancionadas pela sociedade; O abismo entre literatura e historia, entre compreenso esttica e histrica, transponvel desde que a Histria literria no se limite a descrever uma vez mais o processo geral da historia, como se esse se refletisse nas obras, e revele, sim, no processo da evoluo literria, aquela funo de configurao social intrnseca literatura, funo que, em conjunto com outras artes e foras sociais, a faz associar-se emancipao do homem relativamente a constrangimentos naturais, religiosos e sociais;

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