Um Coração em Guerra Li Mendi
Um Coração em Guerra Li Mendi
Um Coração em Guerra Li Mendi
proibida a duplicao ou reproduo do todo ou de qualquer parte desta obra, sob qualquer forma ou por qualquer meio, sem prvia autorizao da autora sob pena de processo, segundo a Lei de Direitos Autorais Brasileira. Livro patenteado por Li Mendi. (2006)
Para ler online, acesse http://umcoracaoemguerra.blogspot.com/ Para conhecer mais livros da autora, visite http://www.lilivros.blogspot.com/
Siga a Li Mendi no Twitter http://twitter.com/autoralimendi Autora: Oi!Pode me chamar de Li. Sou jornalista, publicitria e escritora. Tenho 25 anos e sou geminiana. Meus livros so to importantes quanto o jornal que no posso esquecer de ler no nibus, o almoo corrido, o sobe e desce de escadas, o entre e sai de elevadores no trabalho. Eles so parte da minha rotina. Minhas estrias do sentindo a minha vida em primeiro lugar. Depois, elas chegam a casa de cada leitor annimo e o pega em sua intimidade. Cabelo bagunado, p descalo, almoando em frente a telinha ou entre um livro e outro da faculdade. Eles tiram um tempo do seu dia para esquecerem o que real. Abandonam-se em minhas letras. Eu os amo e eles quase sempre me odeiam por um segundo, depois tambm me amam mais. Produzir e-books com uma platia assumir erros (que eles sempre apontam!), ser chamada de "malvada" com muito carinho e rir a cada anlise que fazem dos captulos. Uma deliciosa sensao de partilhar um mundo fantstico de possibilidades. Meus livros esto disponveis on-line para meus leitores de todas partes do Brasil. Eles so os personagens principais dessa histria de amor pela escrita. Aqui no meu site voc poder acompanhar os bastidores do trabalho nos meus livros on-line em que Visite meu site: http://www.escritorali.blogspot.com/ E meu blog; http://trilhasdavidalucyli.blogspot.com/ Li Mendi
Sinopse:
Caio e Bela vivem um amor distncia. Ela tenta seguir com sua faculdade de publicidade e ele sua academia militar. Mas no est sendo nada fcil para esses dois manterem os laos que ligam seus coraes, porque muita coisa pode acontecer para atrapalhar a felicidade da dupla!
Cap 1: Eu preciso de algum abrigo O telefone do Caio sempre chama dez vezes antes de me atender, mas ele atende, mesmo sendo agora _olhei o relgio_ meia noite: _Atende!_ mordi minha unha e balancei as pernas no ar, deitada na minha cama. _Al. _ a voz dele arrastada denunciava que eu o acordara e ele no ia estar nada bem humorado por isso. _Caio, me ajuda, please!_ fiz uma voz desesperada-doce, que sempre o dobrava. _Fala, garota._ resmungou. _Eu estou estudando aqui para prova de ingls e estou com dvidas. Me ajuda, voc sabe que eu estou super mal, minhas notas... _Qual o problema?_ ele pulou a parte em que eu tenho que provar que realmente importante ele me tirar aquela dvida para a prova da manh do dia seguinte. Caio j morara fora do pas antes de se mudar aqui para o bairro e poderia resolver minha questo com a facilidade de se escovar os dentes. _Eu no consigo entender a diferena entre..._ comecei a explic-lo o que no conseguia entrar na minha cabea, folheei a gramtica, tagaralei um monte. _Caio, voc ainda est a? _Humhum. To aqui._ ele parecia estar andando agora pelo quarto, pois sua voz balanava. _Bella, ouve isso..._ ele colocou o fone ao lado do som. _Eu to morta de sono e voc quer que eu oua msica?!_ reclamei, sabendo que ele tinha colocado o telefone no viva-voz. _Cala a boca e escuta!_ brigou comigo. Revirei os olhos e deitei agora de costas na cama. Olhei o teto do meu quarto tentando manter a calma e prestar ateno na msica. _ You're probably on your flight back to your hometown / I need some shelter of my own protection baby... _Ouviu? O problably um pronome que voc vai usar depois do verbo to be... _Caio, est tudo bem contigo?_ Perguntei. Ele no me zoara nenhuma vez por ser aquela uma msica que eu sempre colocava na van de manh para tocar e ele odiava. No mencionara que eu dera um CD com aquela cano da Fergie Big Girls Dont Cry de inimgo oculto para ele. Esse no era o meu amigo que eu conhecia. _Bela, eu tenho uma coisa para te falar. _Fala! _Hoje no, melhor amanh. _Fala agora, voc sabe que assim eu no durmo! _Bela, talvez eu tenha que me mudar. _Qu?_ senti uma pontada no peito, sentei._ Seus pais vo voltar para... _No! No, eu vou sozinho. _Que brincadeira essa, Caio? _Eu vou tentar a prova para a Escola Preparatria, se eu passar eu vou para So Paulo. _nh?_ meus olhos se encheram de gua. _ No fala isso.
_Bela, amanh a gente conversa, minha me j est reclamando que eu tenho que apagar a luz do quarto. _T..._ minha voz quase no saiu. De repente, ingls no tinha a menor importncia para mim. E eu pensei no trecho da msica que ele havia selecionado: Voc est provavelmente no seu vo de volta para sua cidade natal Eu preciso de algum abrigo para minha prpria proteo, baby... Caio era meu grande amigo, no queria que fosse embora. Mas que Escola Preparatria era essa? Cap 2: Querendo provar o qu para quem? O celular tocou a mesma musiquinha diria ao lado do meu travesseiro, minha habilidade de deslig-lo sem nem ao menos abrir um olho era perigosa, pois eu geralmente acabava levando os cinco minutinhos mais muito a srio. De repente, uma centelha de sinapse conectou meu tico no teco e: _Ai eu tenho prova..._ me enfiei mais para baixo do edredom aproveitando alguns segundos deliciosos de calor e conforto, dentro do tero do meu quarto. Como ser linda e loura em uma manh chuvosa? Nada que um p, um rmel no ajudem! Sbado dia de provas e dia de provas de look liberado, nada daquele uniforme que me engorda horrores. Como eu sou extremamente metdica, j estava tudo arrumado: cala jeans, botinha, jaqueta fashion e... uma bolsa combinante... claaaro. Contra a lei sociolgica inventada pelos pedagogos de que estudar antes da prova no adianta, peguei minhas folhinhas coloridas do fichrio das meninas superpoderosas e descobri coisas nunca antes vistas na sala de aula entre o trajeto da minha casa at o colgio. Estamos no segundo bimestre e eu sinto que vou de mal a pior. A ajuda de Caio ontem no foi muito til. Alis, ele no me sara da cabea. Foi exatamente sobre meu amigo o meu primeiro assunto importante daquela manh a se travar com minha grande amiga Dbora: _Debi, voc sabia que o Caio vai prestar concurso para uma tal de Escola Preparatria? _Humhum._ fez um ar de desdm, enquanto fazia a dana das folhas procura de estudar as ltimas regras gramaticais possveis._ Ele, o Andr, o Valtinho... Muita gente faz, mas nem todo mundo passa. _Ele inteligente. _E da? Por que voc est to preocupada? Olha bem para ele!_ Dbi me fez olhar em direo a Caio, largado no banco da frente da van que nos pegava todos os dias para levar para o colgio. Dormia todo o percurso com seus fones de ouvido devidamente entupidos em suas orelhas. Cala jeans, blusa quadriculada, cabelo comprido e corrente no pescoo. _... Definitivamente ele no faz o tipo!_ ri e me achei ridcula por no ter me dado conta de que ele no tinha nada a ver com qualquer lugar que lhe exigisse o mnimo de disciplina, como fazer sua prpria cama, por exemplo. Mas apesar de no incio ter pensado que tudo no passava de fogo de palha, alguns indcios de que ele estava levando a tarefa a srio me deixou muito curiosa. Certa tarde de sbado liguei para sua casa e soube de sua me que estava em um cursinho. _Cursinho? De qu?_ No deixei de demonstrar minha estranheza. Dona Laura me conhecia muito bem, j no era incomum eu dormir em sua casa, quando meus pais no podiam me apanhar. Caio sempre fazia festinhas e reunies com aval de sua me. _Ele no te disse que est se preparando para uma prova da Escola Preparatria? _Disse, disse... Mas..._ eu ri._... Ele no tem nada a ver com isso?! Da onde ele tirou essa idia? Ser que influncia do padrastro?_ eu tentei arrumar uma lgica de dois fatores somados que desse em um terceiro coerente. J que o marido de Laura era militar, talvez o Caio de tanto ouvir falar do tema se interessara. Mas da
fazer cursinho? _Pois . Ele que pediu para eu coloc-lo l. Ele est convicto de que vai para So Paulo, eu que no vou impedir. Eu sei que voc muito amiga dele e tem um grande poder de influenci-lo, por isso, d muita fora, ser muito bom para ele. _Hum..._ no arrumei nenhuma palavra de consentimento para aquela sugesto, eu no queria nada-nada incentiv-lo a ir para longe, para provar o qu, para quem? Era hora de testar meu poder de influncia a que ela se referia. _Tudo bem, ento, eu ligo para ele mais tarde. Eu queria saber se tinha deixado um CD de msica a. Obrigada. _ Desliguei o telefone e o joguei sobre o sof. Do meu celular, enviei um torpedo: _ Quando chegar em casa, me liga, Belinha. Ningum talvez possa entender como ns dois podamos ser to amigos, eu era uma pati e ele um roqueiro e isso no casava em nada. Mas havia uma linha limite entre ns de respeito que construa um sentimento muito forte. Apesar disso tudo entrar na minha cabea perfeitamente bem, no parecia to normal assim para Debi: _Tem um lado bom. Os milicos ficam muito mais fortes, sexys... _ ela sorriu maliciosa, enquanto vamos os meninos jogarem futebol, na aula de educao fsica, na segunda-feira. Caio no me ligara e eu estava mostrando para ela o quanto ele tinha mudado, desde que metera na cabea de que iria embora. Ele sempre respondia prontamente s minhas chamadas! _Hum... Mas s se a farda ajudar. Porque olha para ele, gordinho, tem um monte de espinhas, no tem nada de SEXY._ imitei a voz de Dbora. _Pode ser... Mas a Bruna Surfistinha disse no livro dela que a fantasia dela transar com um homem de farda. _Ah! Ohhhh!_ Bati palmas e no perdi a chance de debochar. _ Agora vamos analisar a vida segunda a tica de Bruna Surfistinha?!_ ri e tive que ficar de p na arquibancada. Olhei minha barriga, ajeitei o short, roubando a ateno de alguns meninos. _ Voc acha que devo emagrecer mais um pouco? _Para qu? Perder os rgos internos?_ ela ironizou._ Mas vai? Voc nunca pensou hen... _Dbi, ningum te merece._ sentei novamente e olhei para Caio, tentando imaginlo em uma farda._ No. Noway!_ fiz uma careta._ como se eu transasse com meu irmo! Isso nojento! quase um pecado..._ balancei a cabea para os lados. Assim que terminou o jogo, aproximei-me da grade e gritei por Caio, ele veio at mim srio como sempre, suor escorrendo pelo rosto. _A gente nunca mais se falou... Eu te mandei uma mensagem... _Oi, gata! T sabendo da festa que vai rolar na casa da Paulinho, no fim de semana que vem? _ O Z apareceu do nada na minha frente e nem se tocou que estava entre Caio e eu, atrapalhando o dilogo. _Ah! Sim, legal..._ disse qualquer coisa, fui para o lado para ver se conseguia ver o Caio, muito menor diante daquele paredo, mas ele revirou os olhos e partiu para o vestirio. Sabia que no meio do assdio, ficava difcil conversarmos. Mais uma vez nosso papo fora adiado.
Cap 3: Cabea de batata-frita A festa do Paulinho era em comemorao ao aniversrio de sua irm Luiza, que estudou comigo na oitava e no primeiro ano. Depois que os pais deles se separaram, cada um ficou em uma casa, mas os dias de festa eram sempre com a reunio de toda a famlia. As celebraes na casa dos Oliveiras so inesquecveis. Com dinheiro disponvel para esbanjar, eles no esqueciam nenhum detalhe de comida, decorao, msica. Entre os VIPs estava eu. No pense voc que qualquer um escolhido para partilhar do banquete sagrado. A sociedade do Colgio Progresso era dividida em
3 castas. Primeiros os ricos e de pais influentes, a segunda era composta pelos bonitos e famosos e a terceira dos amigos dos ricos e dos famosos que em pequeno nmero deveriam estar presentes para admirar os outros. So cruel! Eu sei, mas a dura vida. Hunff..., suspirei olhando minhas unhas dos ps e mos molhadas de esmalte vermelho. _Cheguei!_ meu irmo abriu a porta do apartamento e veio correndo em minha direo. _Ah!_ Gritei._ Minha unha!_ Fiz um ar de desespero e ele sorriu maquiavlico._ Eu vou borrar._ ameaou. _No ouse fazer isso. Eu mato voc!_ falei entre os dentes. _Ento, diz que eu sou o garoto mais esperto do mundo e que voc uma boboca cabea de batata-frita._ caoou do meu cabelo fedendo a formol e gordura por causa da escova progressiva que eu fizera h dois dias. _Voc o garoto mais esperto do mundo e eu sou uma boboca cabea de batatafrita._ falei monotonamente, caindo nas garras daquele peste. _Muito bem, cabea de batata-frita._ ele deu um tapa na minha nuca, quando passou por mim. _Filha da p... _Isabela!_ Minha me, que acabava de chegar com as sacolas de supermercado me impediu de atirar uns bons palavres naquele pentelho. _Me, desculpe eu no poder ajudar, mas olha como estou..._ levantei as mos. Meu rosto tambm estava com uma mscara azul. O interfone tocou e minha me gritou para que Roberto viesse atender. _Eu no estou! Nem pensar, para ningum._ falei baixinho. _Quem ?_ Ele segurou o fone e fez um ar de superioridade, adorava ter o poder em suas mos. _ Ah, t. A Isabela? Ela t sim. Voc quer subir? Eu calculei que minha unha no estava seca o suficiente para eu jogar a almofada na cabea daquele garoto. _Eu no disse que no quero que ningum me veja assim?!_ briguei com ele, assim que apertou o boto, autorizando a entrada. _Quem era? _Calma! s o Caio, ele veio me trazer alguns CDs de jogos. _Ah! T. _ baixei a guarda, mas ainda sentia minhas bochechas queimando sob o creme. _ Eu vou para o quarto me arrumar. _ Levantei-me do sof, antes que Caio chegasse. No que ele no pudesse me ver daquele jeito, no fazia diferena, apenas eu j estava atrasada. Uma hora depois que atravessei o corredor de volta para a sala, vi que Caio no fora embora: _Oi._ Sorri. Ele no ouvira minha voz, abafada pelo barulho eletrnico do Playstation, mas meu perfume adocicado o fez virar o rosto para o lado. _Ah! Toma!!!_ meu irmo matou o bonequinho de Caio e comeou a pular de vibrao. _Voc queria falar comigo aquele dia. _ ele levantou-se e entregou o controle remoto para o meu irmo. _Ah! No vai jogar mais? _ meu irmo fez uma carinha de desconsolado e eu pelas costas de Caio falei baixinho Bem feito. Meu irmo me deu a lngua. _Eu no tinha prometido que vinha trazer os jogos novos? Ento, cara, volto outro dia para a gente jogar, valeu? Toca aqui._ bateu na mo do meu irmo e ficaram trocando soquinhos. Essa linguagem primitiva dos homens me assusta. _Voc tambm vai para a festa do Paulinho?_ ele me perguntou e s a percebi que ele havia trocado o all star milnio dele, velhrrimo, pelo sapato de couro. _ Tambm?_ repeti. _Bom, meu padrasto foi chamado pelos pais do Paulinho, a de quebra eu fui tambm. Abre parnteses. Eu disse que a primeira casta era a dos ricos e de pais influentes. Apesar de levar uma vida mediana financeiramente, o alto cargo do padrasto de Caio conferia o status necessrio para que sua famlia estivesse em todas as festas,
afinal, as coroas adoravam ver o quarento de cabelos grisalhos esbanjando charme pelo salo. _Eu imagino que voc no esteja indo assim para padaria... _ ele zombou olhando em cheio para mim. Eu estava vestindo uma cala comprida muito justa, que tive que colocar aos pulos para ver se entrava, e uma blusa de gola alta e frente nica rosa, com um detalhe de strass. Bolsa, brinco, pulseira, sapato todos combinantes, claro. Ah, cabelo devidamente escovado e de um liso nipnico. _Eu vou passar em casa para pegar meus pais, quer ir de carona comigo? _Ah! Quero sim, eu na verdade estava pensando em ir p mesmo, j que aqui to perto... _Ento, bora._ ele caminhou em direo a porta e eu me virei para pegar a chave, meu cabelo esvoaou e bateu em seu brao. Entrei no carro de Caio estacionado na frente do meu apartamento e entre o trajeto das quatro quadras at sua casa, lhe perguntei como andavam seus estudos no cursinho. _Bem._ resumiu em uma palavra. _Por que isso? Por que voc quer ir embora? Eu sinto que voc est querendo fugir de alguma coisa... No fique chateado por eu estar dizendo isso. _Fugindo?_ ele olhou para mim e sorriu. _ Pode ser... _ deu de ombros, sempre vago. _No possvel que voc queira ir, isso no se encaixa na minha cabea. _Ou voc que no quer que eu v? _ ele me cortou as palavras com as suas. _Bom... Eu como sua amiga tenho que te apoiar no que voc escolher... _T ok, chegamos._ Caio fez um corte seco e saiu do carro bruscamente. Eu franzi a testa e preferi encarar aquilo como um no vamos mais tocar nesse assunto. A famlia dele j estava nossa espera. _Nossa, como voc est bonita! Vejo que Caio foi buscar a melhor companhia, hen?!_ a me de Caio me deu dos beijinhos e parecia muito feliz e orgulhosa do filho. Deixei que ela alimentasse a iluso de que ele fora me buscar e no que eu aceitara sua carona, afinal, essas eram coisas bem diferentes. O sonho dela era que ns formssemos um casal, coisa totalmente impossvel. Mas eu tinha meu lado bom em deix-la sonhar. Na festa, logo nos separamos e eu fui me juntar s minhas amigas para danar. Assim ficamos durante boa parte da noite. No meio de uma msica de hip hop, porm, algo inusitado ocorreu. Caio comeou a danar e fazer passinhos ao lado de Carolina. Ele era um roqueiro, o que estava fazendo ali? Eu achava estranho e todos, ao contrrio, comearam a gostar. Todos no, quase todos, porque o namorado de Carolina, o Paulinho, chegou com um safano bem no peito de Caio: _Cai fora!_ foi bem claro, curto e grosso. Puxei Caio pelo brao e tentei impedir que as pessoas que estavam no churrasco perto da piscina dessem conta do zum-zum. _Seus pais esto aqui, manera, cara. _ pedi, puxando Caio para fora da sala, em direo a varanda._ No liga, ele um bobo. _No parece, no era voc que deu um sorriso para ele? _Qu? Est maluco? _ franzi a testa e torci para no ficar vermelha. _ por isso que vou dar o fora. _ ele caminhou at os pais e me deixou sozinha. Aps falar alguma coisa no ouvido da me, partiu, p mesmo. Os pais dele olharam para mim e entendi que Caio pedira para eles no esquecerem de me deixar em casa.
Ser que ele estava querendo ir embora para ficar mais forte, ganhar status, sei l... Qualquer coisa assim? Para ser respeitado? Eu ia descobrir. Os pais de Caio saram cedo e me perguntaram se eu me importava de ir junto. Eu disse que no, desde que o filho deles tinha ido embora eu s pensava em uma coisa: chegar em casa e sentar diante do GOOGLE.
Cap 4: Um estranho no espelho Eu comecei a malhar desde que percebi que o pr-vestibular o caminho certo para o meu formato cilndrico. Nem pensar, todo dia eu queimava cada po em cima da esteira em busca de uma barriga cncova (para dentro, claro). Alm do mais, eu podia me encontrar com algumas amigas, uns gatinhos e fazer uma galera que no falasse de provas, nem me pedisse as certezas sobre o futuro que meus pais demandavam de mim. Mas definidamente nunca imaginei que neste seleto grupo poderia se incluir o Caio. Pois j no me assusto mais com nada. Estava eu entre uma srie e outra para glteo, quando o vi entrar pela porta principal e virar a roleta. O susto que tomei me fez largar o peso, que bateu nos outros, num estrondo que chamou a ateno de algumas pessoas e principalmente, dele: _Oi. _ sorri e fiz um aceno com a mo, pensei que ele viesse at mim e me beijasse, mas no, deu apenas um movimento de cabea e foi para esteira aquecer, de costas para mim. Aquilo mexeu um pouco com o meu ego. Ser que ele estava chateado comigo? Tambm pudera, n? Eu peguei tanto no seu p para saber qual sua motivao em se mudar para outro estado. _Est levando mesmo a srio isso, hen?_ falei pelas costas e ele me olhou atravs do espelho. Estvamos fazendo um exerccio em aparelhos prximos._ Tudo isso para pegar condicionamento fsico?_ Fiz um ar de admirao e levantei as sobrancelhas. _ Espcex: Escola Preparatria de Cadetes do Exrcito. _ falei bem pausadamente, descansando meus braos._ Eu entrei no site ontem para poder entender melhor... _ revelei. _Entrou ? _ ele virou-se de frente para mim e me deu total ateno. Seu rosto estava mais ossudo e seus braos mais torneados. Eu nem havia percebido a mudana antes. _ Ainda est pronta a me dizer as 10 coisas que me impedem de ir?_ ironizou. _No, voc pode ir..._ dei de ombros. _Voc no vai sentir falta... _ ele riu, como se realmente aquilo tudo fosse uma piada para mim. _, no vou mesmo._ virei as costas e fui prender alguns pesos na perna para fazer minha srie. _Hei..._ ouvi algum do meu lado alguns minutos depois. Tomei um susto e me virei, o rosto de Caio estava quase colado na minha bochecha, ele se inclinara para dizer no meu ouvido. _ Eu vou, mas eu volto... Olhei-o dentro das suas pupilas negras e no o reconheci, ele era outro, completamente outro, oculto. Virou a garrafa de gua na boca e sem olhar para trs, caminhou a passos firmes
para a sada e se foi. Sem me perguntar se eu queria carona, sem querer conversar. Por que ele no me dava mais ateno? Desse jeito eu acabaria tomando nojo dele! Caio no precisa mais de mim, ? Ento, ta, ele ia ver s! Munida deste rancor infantil, mentalizei qualquer planinho diablico para coloc-lo no seu devido lugar. Antes de chegar a uma frmula final, o meu celular toca: _Oi, Bela, to precisando de voc. _ era Caio, com a voz mais displicente do mundo. _T nada._ mostrei meu desagravo. _T sim e deixa de pirraa. Para que o charme? _Eu estou ocupada. _desconversei. _Mentira! Voc deve estar dentro do banheiro se enchendo de creme. _Como sabe? _Pelo eco que sua voz est fazendo. E esqueceu que sou seu amigo faz um bocado de anos? _ voc que anda esquecido disso. _Bela, voc sabia que eu te amo? _nh? _, te amo como voc mesma diz, como amigo-irmo. _Hum, sei no._ duvidei. _Olha s, eu to precisando de um reforo em fsica, vai me ajudar ou no? _T, como vai ser isso? _Vem pra c, ou eu vou para a? _No sei... _Vem para c, seno vou jogar muito vdeo-game com seu irmo, nosso ndice de vcio est preocupante, o Ministrio da Sade daqui a pouco vai colocar uma placa no nosso peito em caso de suspeita de overdose, consulte um mdico. _riu. _T._ concordei, sem rir da sua piadinha, ele ainda no se dera conta de como eu estava me sentindo estranha em relao a ns._ Vou lanchar primeiro. _anunciei e desliguei o telefone. *** Como sempre, fui muito bem atendida por dona Fabola, me de Caio, que j preparara antes de eu chegar um lanchinho cheio de bolo, suco, biscoitinhos e tudo de guloseimas irrecusveis. Eu teria que malhar brutalmente para perder aquilo, mas no poderia fazer desfeita e dizer que havia comido em casa. Segui seu pedido e sentei-me mesa com ela, enquanto Caio no viera responder seu grito de que eu j havia chegado. _Voc vai se assustar, prefiro no te contar... _ ela sorriu. _ Bate l na porta, v o que ele t metido a fazer... que no vem._ aconselhou-me._ Voc de casa, menina. _Vou l mesmo. _ Peguei minha mochila e roubei um ltimo biscoitinho amanteigado com recheio de doce de leite, ai que doce pecado, por que tudo que gostoso engorda? _Caio, abre essa porta!_ pedi, dando umas pancadinhas. Ele abriu e o que vi fez me entalar com o biscoito. _Bela, voc est bem? _ Ele me deu umas pancadinhas nas costas, visto que eu no parava de tossir. _ Me, traz alguma coisa para ela beber._ ele deu um berro e prontamente veio a me com um copo de suco. Eu bebi e tentei limpar minha garganta. Por fim, passei as costas das mos nos olhos lacrimejantes de tanto fazer fora para tossir. _Desculpa, gente..._ fiquei constrangida.
_Tudo bem, eu no sabia que eu era to feio, agora j posso pedir um psiclogo para minha me. Me, telefona l para clnica, estou com trauma._ ele piscou o olho e dona Fabola se foi pelo corredor com o copo, depois de eu convenc-la de que estava bem. _O que voc fez? _ perguntei. _Mais tempo ou menos tempo eu teria que fazer isso... _ ele passou a mo na cabea raspada. _Voc cortou agora de noite? _. Me deu vontade de me ver no espelho..._ ele disse e s a me dei conta de que ele estava buscando um outro no prprio espelho. Rarssimas vezes eu o pegara sem camisa, como agora. Com a cueca aparecendo na beirada da cala jeans, estranhamente sexy. _Ento, vamos estudar?_ ele abriu a porta do quarto e senti seu cheiro de perfume, a toalha branca molhada em cima da cadeira do computador mostrava que ele tomara banho fazia pouco tempo. _Vamos?_ Caio levantou as sobrancelhas, se dando conta de que eu estava feito uma estatua parada no meio do quarto. _Que foi? Voc conhece bem a minha cama! No bom sentido, n? _ revirou os olhos. _._ sentei-me e ele se sentou no cho, apoiado na cama. Pelo piso vrios livros espalhados, apostilas, provas... _Estou com dvida nisso aqui..._ ele me apontou com o lpis... _ Que foi? _Nada... _Balancei a cabea para os lados. _ S no estou acostumada com seu novo Look._ arregalei os olhos, engoli em seco e me concentrei no que ele estava tentando me perguntar.
Cap 5: Isso no tem nada a ver com voc Estudar com Caio em sua casa virara uma rotina e era o mnimo que eu poderia fazer para retribuir todas as noites de sono interrompidas para me tirar dvidas. Aos poucos, at eu comecei a torcer para que tudo resultasse na to sonhada aprovao no concurso, mesmo que torcer fosse jogar contra mim. No anoitecer desta quinta-feira, Caio demorou mais que o costume para chegar do cursinho. Comentei com sua me que talvez eu que tivesse me adiantado muito. _No, no, esse trnsito, minha filha. _ ela desculpou-se pelo filho. Estvamos sentadas na aconchegante sala de piso de madeira. O sof coberto por uma manta vermelho era to confortvel que parecia uma cama. Alis, toda aquela casa me trazia uma deliciosa sensao de segurana. Os porta-retratos em cima do buf, as flores, um cheiro bom de lar doce lar. _Hoje, eu tenho que sair mais cedo. _ olhei o relgio. _ vim s para dar uma reviso com o Caio, ele ter simulado amanh e me pediu... _Voc tem compromisso? Pode ir que eu falo com ele... _ uma festa fantasia, aniversrio da minha amiga Dbora. Sabe se o Caio vai?
No n?_ me toquei que ele tinha o simulado, no deixaria de estudar para ir. _Acho que no. Mas por que voc no chama ele para ir junto? _... No sei... _ me senti constrangida. _Voc sabe que as pessoas nunca mais voltam a ser o que eram? _ ela ps sua mo levemente enrugada sobre a minha, estava quente pelo contato com a xcara de caf. _Por que a senhora est falando isso para mim?_ perguntei, com medo do rumo daquela conversa esquisita. _Esse menino que vai, no vai voltar igual... Vai mudar muito... _ ela profetizou. _Ele j est mudando bastante, tomando atitudes que eu no reconheo mais, at comigo ele t diferente. _ tomei a liberdade de pensar alto e acabei comentando sobre meu incmodo com a me de Caio. _Eu tenho uma parcela de culpa nisso... _ ela abaixou a cabea e mexeu o caf com a colherzinha lentamente em movimentos circulares. _A senhora?_ franzi a testa. _. Eu tive que falar umas verdades para o Caio. Eu tenho que ser o pai e a me dele. No me sentia nunca to vontade assim para me meter na vida particular dele... _ ela deu de ombros e suspirou. _ Mas como me eu tinha que alert-lo... _Alert-lo...?_ fiz uma reticncia para ver se ela desembuchava logo, antes que Caio abrisse a porta e interrompesse aquela revelao. _O Caio sempre gostou muito de uma moa. _ Ela alongou o u do muito, carregando exacerbadamente de dramatizao a sua verso dos fatos. _ E vi meu filho entrar por essa porta cabisbaixo vrias vezes, se sentindo o co mais renegado do mundo. _ cerrou os olhos com raiva das lembranas que lhe vinham cabea. _ Para uma me no tem dor maior que no poder impedir a dor do prprio filho... _ apontou o dedo para mim, enquanto mostrava com uma careta sua apreenso. _ Certa noite eu lhe disse: Filho, voc ter que escolher ou se refaz um novo homem e abdica desse amor, se liberta dessa doena entoxicante, ou voc vai entrar na pior das depresses e se tornar um nada... Meu corao acelerou e os plos da minha nuca se arrepiaram. A voz dela era to envolvente, que a vi como uma bruxa de filmes infantis se fazendo de boazinha. _Essa moa nunca o mereceu. Mas uma me suporta qualquer coisa pelo pedido do seu filho. E ele me pediu para respeitar seus sentimentos calada... E assim eu fao... _ ela me olhou profundamente nos olhos. Meu Deus, eu queria correr, me atirar pela janela e sair voando at a minha casa, ir at o banheiro e vomitar, sei l, mas meu corpo no se mexia. Caio abriu a porta e eu despertei da inrcia. No pensei em educao, em boas maneiras, em nada. S puxei a minha bolsa e tentei pronunciar qualquer desculpa: _Eu... Eu no t me sentindo bem... _ minhas lgrimas vieram aos olhos e minha voz embargou, eu era pssima para mentir, estando fora do controle.
_Que houve? _Caio olhou para sua me e percebeu que ela tinha algo que ver com isso. Eles poderiam se matar, brigarem, eu s queria a porta da rua. Caio jogou a mochila na sala e veio atrs de mim, atravessando o pequeno jardim correndo. _Espera! Eu disse espera... _ ele me pegou pelos dois braos e nunca pensei que pudesse ser to forte. _Me deixa, me deixa. _No!_ recusou-se. _ O que ela falou para voc, Isabela?! _Que voc estava indo por causa de uma moa, e que essa moa te fazia mergulhar em um sentimento entoxicante... _ falei coisa com coisa, desnorteada. _Hei! Hei! _ ele tentou me fazer calar. _ Esquece o que minha me falou, ela fica viajando, vendo coisa onde no tem... Ihhh nem liga! _ ele me forou a abra-lo. _Caio, voc est indo por causa de mim? Voc est indo para se ver livre de mim? Se voc quiser, eu posso ficar longe, eu posso no falar mais com voc. Eu posso te fazer esse sacrifcio... Eu posso. _Pra! _ gritou e levantou as duas mos._Bela, estou fazendo isso por mim, entendeu. Agora por mim. _Tudo bem... _ limpei o rosto com as costas das mos, respirei fundo e sai. Eu estava agora terrivelmente confusa. Tudo embaralhado na minha cabea. Passei pela sala da minha casa, onde todos assistiam ao RJTV e jantavam, sem dar uma palavra. _U? Voc no ia ficar l para estudar? _ minha me perguntou. _Ia. _ respondi e fechei a porta do meu quarto na chave, no queria ver ningum, falar com ningum. Fiquei deitada na cama por meia hora olhando o teto. Lembrei da festa. Deus, a Dbi no vai me perdoar se no for. Sentei e olhei para o computador. Me arrastei at a cadeira e conectei o msn torcendo para ela estar online... Como eu no queria, quem primeiro veio falar comigo foi Caio. _ T melhor? _Humhum_ respondi. _Estava vendo aqui a traduo de uma msica. _ comentou comigo._ Aquela que odeio. _Hum. _ Espero que voc saiba, espero que voc saiba Que isso no tem nada a ver com voc Isso pessoal, eu mesmo e eu. Ns temos que ajeitar algumas coisas ... E eu sentirei sua falta como uma criana sente falta de seu cobertor Mas eu tenho que seguir em frente com a minha vida Chegou a hora de ser um garoto grande.
Caio trocara as frases no feminino para o masculino da msica Big Girls Dont Cry. Ele era apaixonado por mim, era claro agora. E sua me me odiava, sempre me detestou! Eu vira isso em seus olhos, hoje. _Caio, preciso sair, desculpe. _ desconectei. Pelo que eu o conhecia, ele deve ter ficado muito irritado com isso, chutado alguma cadeira. O imaginei em seu quarto, sem camisa, ainda com a cala jeans caindo da cintura, a cabea raspada. No! Por que estou imaginando essas coisas?
Cap 6: Do sempre seu Meu celular tocou e era Dbi: _Onde voc est? _Em casa._ respondi olhando as unhas. _ Amiga! T bombando aqui e voc no imagina o gato que est te esperando? _Ah! ? Hum... _ Comentei sem o mesmo entusiasmo. _I-as-be-la. _ falou pausadamente. Ela estava percebendo que eu no queria ir a sua festa. _ Se voc estiver com espinha, pe um p, base, mscara, qualquer coisa. Se voc estiver naqueles dias, eu vou levar um ob at a, agora no me venha dar desculpas! _Dbi, aconteceram umas paradas._ tentei em poucas palavras resumir os efeitos dos acontecimentos na casa de Caio sobre meu humor. _nh? _ fez pouco caso. _ Oh! Ele gosta de voc? Ele e metade do bairro. Miga, todo mundo sabe disso e voc vem me contar como uma novidade cientfica? _No! _ ri de nervosismo, at eu achava aquilo ridculo. Mas agora eu tinha certeza que ele sabia que eu sabia. _Ele apaixonado a vida toda por voc e at os esquims sabem, at os ndios mais isolados do Amazonas sabem! _Ai, Dbi, mas a me dele me falou de um jeito que me fez muito mal... Me senti um monstro aproveitador, entende? _Belinha, tudo recalque. Ela no quer ver o filho sofrer, claro. Agora que voc deve estar um monstro eu no duvido. _riu alto._ a gente ficou com calos nos ps procurando nossas fantasias e voc quer ficar colcho e fronha? Bela, escuta a sua amiga: voc vindo ou no as coisas no mudam para ele. Vai continuar gostando de voc e depois vai embora. Agora, se voc vier, vai comer churrasco, beber, se divertir, danar e ainda por cima conhecer meu primo. _nh._ ela tinha um grande poder de persuaso sobre mim. _ Gatinho mesmo? _Tudo de bom. Em carne, osso e muito msculo. _Seu irmo passa ento aqui para me buscar. _Claro, como havamos combinado. Afinal, voc andando por a de ndia, vai ser atacada pelos canibais. _ Boba. _ ri. _ T bom. Me d uma hora. _T, ok, miga. Beijinhos. Tchau. A ligao de Dbi fora uma injeo de nimo. Abri a porta do quarto e fui tomar banho. No demorou mais que a uma hora que eu pedira para que o Marcelo chegasse na portaria. Quando entrei na casa da Dbi, no a vi de primeira, mas no foi difcil de saber quem era o tal primo to falado. Gato s havia ele danando no meio de uma rodinha de meninas no quintal da casa. Ele estava vestido de samurai, com um quimono preto e uma facha na cabea amarrada. Os olhos dele bateram nos meus e eu fixei o olhar por alguns segundos, dei um leve sorrisinho de timidez e desviei a ateno, tentando procurar Dbi. _Oi, Gisele Bundchen._ ouvi a voz da minha amiga atrs de mim. _Gisele Bundchen? _ franzi a testa e dei um abrao nela. Entreguei meu presente. _Ah! A nica ndia loira que faz propaganda de Havaiana. _ apontou para minha
sandlia. _ ela. _Engraadinha. _ ri e me senti pela primeira vez no dia melhor. Dbi no perdeu tempo, e me colocou sentada em sua mesa, onde tambm seu primo estava com as coisas dele, como celular, carteira e chaves do carro. Eu s soube que eram dele, quando a Dbi foi at o porto receber alguns convidados e me deixou ali sozinha. Ele se aproximou e sentou. Ofereceu uma cerveja. _Obrigada, eu no bebo. _, as ndias no bebem cerveja. _ brincou. Meu celular comeou a tocar. Pedi licena por interromper nosso incio de conversa e vi quem era. Era o Caio. Desliguei sem atender. Aquilo me doeu, agora sim eu estava me sentindo um monstro. _Desligando na cara do namorado, que feio! _ ele ironizou a situao. _No! No era namorado... _ fiz pouco caso e dei de ombros. _ Voc o primo da Dbi? Ela me falou... _Ah! Sim... E voc?... _Ah! Meu nome Isabela, mas as pessoas me chamam de Bela, Belinha... Daqui a pouco vo chamar de Linha. Rimos. _No difcil saber por qu. _ sorriu ele, me cantando._ Meu nome Ricardo. O celular tocou mais uma vez, era uma mensagem. Abri e li mentalmente. _ Era s para no esquecer nosso trabalho em dupla para amanh. _Droga..._ falei baixinho. _ Me d um segundo? _Toquei no brao dele. _Preciso ligar aqui rapidinho. _ Disquei. _Al? _ ouvi a voz de Caio do outro lado. _Oi. Que trabalho esse? _Ah! Aquele da aula de histria... A pesquisa... _Putz, cara, esqueci de fazer a minha parte, eu passei a tarde procurando minha fantasia para a festa da Dbi ontem e hoje... Hoje nem lembrei e... _Tudo bem, a gente no faz. _ foi curto e grosso._ Quem est precisando de nota voc. _ ele foi ainda mais estpido. _Caio, voc precisa me ajudar... _ me desesperei. _Ah! Eu preciso? Engraado, at voc desligar o telefone na minha cara voc no precisava. Isso faz uns quarenta segundos. _No! Eu no desliguei... Eu... _Bela, eu no sou idiota, apesar de ter sido por muito tempo. _No fala assim comigo... _ levantei-me da mesa, aquilo estava desaguando em uma briga que o primo de Dbi no precisava ouvir. _O que voc espera? Que fique a curtindo sua festa, enquanto eu fico na internet escrevendo nosso trabalho? _... _ suspirei e no consegui dizer que sim. _Caio, eu juro que no fiz por mal, eu no esqueceria... _Bela, eu estou muito cansado, ainda tenho que estudar para minha prova amanh, s te avisei porque se ainda tiver em tempo para voc, pode ir para casa fazer o trabalho. No precisa colocar o meu nome. _ desligou. Retornei. _No precisava desligar na minha cara. _ falei assim que ele atendeu. _Era s para voc saber como era! _ desligou de novo. Retornei. Ele no atendeu. Mandei uma mensagem. _ J no sei mais quem voc . _ escrevi e enviei. Ele respondeu: _ E o pior que eu sempre soube quem voc era. Quando Dbi chegou perto da mesa, percebeu que alguma coisa no ia bem e que a causa disso tinha quatro letras. Ela falou prxima ao meu ouvido: _Voc est deixando esse cara mexer demais com voc. _Eu sei... _ respirei fundo. _Vamos danar? _ ela me puxou pelo brao e piscou para o primo dela nos
acompanhar. Foi inevitvel e tambm irrelevante dizer que o primo dela e eu ficamos. No sei se por presso de Dbi, por vontade minha de esquecer nem que a fora a minha briga com Caio ou se o cara de fato era atraente. Sei l. No dia seguinte, Caio no fora de van para a escola. Mas chegara a tempo de entrar no primeiro horrio, ele provavelmente deve ter se atrasado e me o trouxe de carro. Quando entrou pela porta, veio na minha direo e deixou um bloco de folha cair em cima da minha mesa. Sem dizer nada, virou para o lado e procurou uma carteira bem atrs de mim para se sentar. Era o trabalho feito, encabeado por nossos nomes. Eu por orgulho podia levantar e devolver, por tudo que ele havia me dito de grosseria ontem, mas eu precisava daquela nota. Havia um pequeno bilhete dobrado e preso por um clipe. Abri: _ Do sempre seu idiota, Caio.
Cap 7: Meu desejo mais primitivo Eu no tenho nada de intenso sobre os flertes, os beijos sem dono, sem causa que tive nestes meses. Mas a ferida do rompimento com Caio lateja todos os dias para me punir e lembrar o quo idiota eu fui. Me pergunto se isso algo que importa apenas a mim, j que ele pouco lutou pelo retorno de nossas amizades. A intimidade se reverteu em uma estranheza glida e incmoda entre ns. Hoje, sei que fui eu a que menos deu valor ao timo relacionamento de coleguismo que tnhamos. Isso ficou ainda mais evidente quando meu pai chegou da padaria essa manh de domingo e contou quem encontrara: _O pai do Caio estava todo feliz. _ falou para minha me, rasgando o saco de po. _ A Isabela nem nos avisou. O Caio passou na prova. Aquela para a faculdade militar... _Ele no o pai do Caio._ consertei. _Belinha, por que no disse para a gente? Porque nem eu sabia!, respondi internamente, sentindo ainda o murro no estmago que fora aquela notcia. Agora era real, certo, ele iria embora para longe. Viraramos inimigos eternos? Que cenrio horrvel para se lembrar. Tomei meu celular, pus o orgulho de lado e arrisquei enviar uma mensagem: _ Posso te encontrar no lugar de sempre agora?. _ ele sabia que o lugar de sempre era um rio muito bonito que ficava perto aqui de casa. Fazamos o percurso at ele de bicicleta e costumvamos ver o pr do sol l. Tanto tempo que no realizvamos aquele passeio. Quem sabe seria o ltimo? O celular vibrou no meu colo, enquanto eu estava encolhida na cama. _ Te encontro l daqui 15 minutos. _ respondeu e eu senti um estranho frio na barriga. Avisei aos meus pais que no iria com eles na casa da minha av e antes que eles tentassem me convencer, coloquei a bicicleta para fora do apartamento e mandei um beijinho para eles.
Caio tinha dito 15 minutos, mas ele chegara muito antes. Sua casa era mais perto, pudera. Estava encostado na cerca, olhando o rio. O dia estava muito brilhante e fresco. _Voc sempre me vence e chega na frente. _ comentei tentando romper o silncio e anunciar minha chegada. Caio virou-se com as mos no bolso da cala jeans. Usava uma camisa branca lisa. Ele era isso, a simplicidade no vestir, nos gestos, nas atitudes. Como ele se sentia agora em relao a mim, to afastado. Querer que ele gostasse ainda de mim seria um ato vil de egosmo e puro egocentrismo. Mas eu estranhamente desejei que ainda tivesse restado algo. _, Caio, eu te chamei aqui, porque queria te dizer algumas coisas... _Estou ouvindo. _ ele me olhou nos olhos, dando dois passos a frente. Com tanta proximidade eu no conseguiria raciocinar. Equilibrei minha bicicleta encostada na cerca da ponte do rio. _Eu no fui muito certa com voc e queria que a gente sasse de bem disso tudo, j que voc vai embora... _Sabe, Isabela, a sua amizade no me importa mais. Engoli aquilo em seco. Como assim no importa mais? _Porque eu simplesmente tive medo de te dizer o quanto era apaixonado por voc... Isso levaria a gente a perder nossa amizade... Mas j perdemos no mesmo? E agora, agora eu no aceito nada menos que a mesma potncia de sentimentos. Eu fiquei muda. No era exatamente isso que eu esperava ouvir. Estava pronta para ele me dizer que no fora nada, que ramos amigos e tudo mais e Caio queria apenas que eu fosse apaixonada por ele? _Sabe Isabela, voc se deu de graa para tanta gente que no merecia nem um olhar seu e eu sempre esperei uma vez que nunca veio. _ confessou e comecei a sentir um n na garganta, ele estava falando srio demais, se despindo de qualquer armadura ou defesa. _No fale assim, me faz me sentir uma qualquer... _ repliquei. _ Me ofende. _Eu tambm me ofendi todas as vezes que fui ignorado. Agora, pouco importa. _ deu de ombros. _O que quer que eu faa, Caio? Eu j dei o primeiro passo, eu estou aqui. Eu no sei bem o que sinto, eu sei que senti muita falta de ficar perto de voc. Sonhei com voc... _ minha voz comeou a embargar. _ E do que importa definir o que sinto? _ ri e revirei os olhos. _ Voc est indo embora, no mesmo? _ encolhi os ombros, acuada. Caio caminhou at mim, envolveu com um dos seus braos a minha cintura e falou muito perto do meu rosto: _ Voc e sempre foi o meu desejo mais primitivo. _ com a outra mo afagou meus cabelos.
Eu beijei sua boca. Seus lbios deslizaram sobre os meus e ns sentimos uma experincia totalmente nova. Sua lngua na minha, suas mos me fazendo carinho. Era to bom sentir o cheiro, o abrao e agora o beijo de Caio. Quando abri os olhos alguns minutos depois, eu j estava encostada na ponte e nem sabia como tinha vindo parar ali. _Uau!_ ri, nervosa, aquilo tinha sado do nosso controle. _Voc to bobinha. _ colocou meu cabelo atrs da orelha, meus braos ainda estavam ao redor do seu pescoo. _ Como pensou que eu podia ter raiva de voc? _ Sei l..._ dei de ombros. _Eu no vou, e nem posso, te pedir nada em troca, j que as coisas esto acontecendo agora, assim... Mas s queria ter certeza que... _Foi muito bom... _ completei colocando os dedos na boca dele. Era bvio que eu no o beijara por pena. _ foi..._ sorriu e me beijou outra vez. Eu sabia que aquele dia iria acabar, mas enquanto eu estivesse experimentando os beijos de Caio eu tentaria acreditar que no acabaria nunca.
Cap 8: Entre o corao e a razo Quando Caio me deixou em casa, eu estava com uma maravilhosa sensao de alvio. Ficar de bem com ele representava uma paz para o meu corao to boa! E agora mais que isso, eu provara de uma excitante experincia sensorial, enquanto nossos corpos se sentiam e se permitiam tocar como homem e mulher. Dbi veio ao meu apartamento pegar as apostilas que havia deixado comigo para eu copiar algumas respostas dos exerccios corrigidos que eu perdera. Pelo meu ar perdido, ela percebeu que algo acontecera. Sentou na cama junto comigo. _Eu me encontrei com o Caio. _nh... E da?_ me olhou de lado, desconfiada com meu grande sorriso. _Ele me beijou. _Qu? _Calma! Eu gostei. Eu nunca pensei que fosse dizer isso, mas eu gostei. _Voc gostou de beijar o Caio?_ colocou a mo na minha testa para ver se eu no estava doente, afastei sua mo, no queria que ela levasse na brincadeira. _T, bom, para me zoar? Ento, no conto! _Ah! Vai contar sim!_ ela pediu. _Eu no sei como foi acontecer, Dbi. A gente estava l no rio e ele me disse que no se importava mais com a nossa amizade, que queria mesmo era que eu gostasse dele e no aceitaria nada menos que isso. _E como voc odeia homens que no tm atitude, finalmente ele deu uma dentro e te fisgou. _ interpretou maneira dela o motivo do beijo. _Pode ser... _ balancei a cabea para um lado e outro, pensando sobre a idia. _ Mas a... _ continuei sentindo minha voz vibrar de excitao. _ Ele ficou to perto, eu sei l, beijei ele. _Voc beijou ele ou ele te beijou? _O que importa? Ele me beijou, eu correspondi e no conseguia parar mais. Como no fizemos isso antes? _Ouuuouuuu! Pra, pra tudo!_ colocou as duas mos no ar. _ Ele no passou na prova e no vai embora? _Voc tinha que me lembrar disso agora? _ meu sorriso murchou. _Os amigos esto aqui para isso. Porque eu no quero depois te ver aqui sofrendo... _Ele passou na prova sim... Vai ficar um ano em So Paulo, isso significa 7 horas
de distncia. Depois vai passar para outro lugar, chamado AMAN, mais 4 anos. _ com esse cara, que vai viver em regime fechado, que voc pretende comear qualquer coisa... _Eu s disse que tinha gostado do beijo. _Ora, e precisa dizer mais? Um beijo muito bem dado faz um estrago danado... _ Dbi se referia ao seu namoro de cinco anos que acabara, ela achava que tudo poderia dar igual. _No tenho como no concordar contigo. No seria fcil. _Voc quer dizer que seria um ato herico, n? Que espcie de namoro espiritual voc pretende viver? Cinco anos uma vida perdida! E voc est s no comeo, ali com o p na frente do precipcio. Ainda pode parar! Ele j no estava convencido de que voc no gostava dele? Pensa bem, depois vai dizer que voc iludiu ele. _O que voc tem tanto contra ele? _Eu no tenho nada contra o Caio, e sim com o fato de voc sofrer com esse amor de cinema. Bela, a vida real outra coisa e no dura 4horas de sesso, dura cinco anos... O meu celular comeou a tocar: _ ele. _Eu vou l te deixar atender... _ me deu dois beijos e um rpido abrao. _ Fica a, sua me abre a porta para mim._ Atirou um beijo no ar com a mo. Eu olhei o celular e me perguntei se havia feito tudo errado, como Dbi enxergara. Ela conseguira quebrar um pouco a magia do momento. Mesmo assim, com aquele tiquinho de remorso que ela infundou em mim, me senti feliz em ver o nome dele no visor do meu celular. Atendi. _Al... _Bela, eu tenho uma proposta muito louca para te fazer. _ falou. _Qual?
Cap 9: O novo e o antigo Quando Caio disse que tinha uma proposta louca a fazer, a nica coisa suficientemente louca que me veio a cabea era ele me pedir em namoro. Como a gente iria sustentar qualquer relao distncia? E por que tambm eu estava querendo chegar to longe? _Que proposta essa?_ ri._ J estou com os cabelos da nuca arrepiados. _ brinquei. _Eu pensei que... _ ele emudeceu. _ Pode parecer maluquice. _advertiu. _ Mas a gente podia aproveitar intensamente esse tempo que resta. _Hum. E o que tem em mente? _Isso eu deixo com voc. _ riu. _T. Deixa ento eu pensar... _ Fiz uma pausa de alguns segundos. _ Lembra que fizemos um piquenique com a turma do colgio. Podamos fazer s ns dois. _ propus. _timo. _ gostou. Alis, ele iria gostar de qualquer programa de ndio que eu sugerisse. Seu objetivo, como mesmo havia revelado, era recuperar o tempo perdido. Combinamos a logstica do encontro e ao desligar o telefone eu ca em mim: _Cus! Eu estou fazendo planos romnticos com o Caio? _ fiz uma careta e cai de costas na cama. _Eu no estou no meu corpo! Dormi um sono pesado e restaurador, o dia havia sido muito cansativo e cheio de fortes emoes.
*** Como combinado, chegamos ao entardecer, s 4h, na beira do rio. Eu, que chegara na frente, coloquei a mochila no cho e estendi as 3 tangas que eu trouxera sobre o gramado, bem abaixo de uma frondosa rvore. Estranho Caio no ter chegado antes de mim. Mas no demorou alguns minutos para ele aparecer vindo pela estradinha de terra em sua bicicleta prateada. _Minha me achou que era proviso para o perodo de uma guerra! _ ele tirou a mochila das costas e deixou no cho. _E ela? Perguntou para onde iria? Ela no me pareceu muito amigvel da ltima vez. _Eu no ligo... _ deu de ombros. _nh..._ levantei a sobrancelha e preferi no conduzir nossa conversa para a opinio dos outros sobre ns. Caio sentou-se e olhou para mim. Aquela situao era ao mesmo tempo corriqueira como nova tambm. Se por um lado conhecamos a muito tempo e ramos extremamente ntimos no sentindo de conhecer os gostos um do outro, ao mesmo tempo como um casal ramos estranhos. _O que voc trouxe?_ resolvi quebrar o silncio. _Ah!_ ele abriu a mochila e tirou alguns sanduches com pat, bolo de laranja dentro de um pote e uma garrafa trmica com suco de maracuj. _Chocolate?_ peguei uma barra de chocolate branco com sucrilhos. _Ah! Isso para voc. _ ele ficou com as bochechas rosadas de timidez. _Obrigada._ sorri e senti que a minhas tambm estavam quentes. Nunca havia reparado como ele ficava bonito sem graa. _Voc teve que tirar os piercings?_ passei o dedo na sua sobrancelha e seus olhos se fixaram na minha boca. _... Doeu para colocar e tive que tirar... _ comentou. _ Te contei como foi colocar na lngua? Pe uma chapinha de ferro em cima e embaixo, com um furo no meio. _Pra! No quero ouvir!_ Tampei os ouvidos. _Ai puxa e... _Pra!_ falei brava. _No estou brincando! Sabe que no gosto disso! Ele franziu a testa, eu conseguia ficar grossa com uma facilidade incrvel. _Toma isso aqui, voc vai se acalmar. _ ele colocou um copo de suco. _Desculpe..._ sorri, constrangida. Aceitei e bebi. _Hum, ta uma delcia, geladinho! Adoro suco de maracuj!_ comentei. _ mesmo? Est bom? Deixa eu provar? _Toma..._ estendi a mo oferecendo copo e ele sorriu e me beijou. Meus lbios gelados sentiram o calor da sua boca mida e quente. Deixei o copo vazio cair no cho e inclinei meu rosto para o lado, sentindo meu corao disparar, como se eu estivesse em uma maratona. Caio mantinha meu cabelo afastado e segurava minha cabea com tanta segurana, era to bom ser guiada por ele. _Nossa, no sabia que minha me fazia um suco to bom l em casa... _ comentou com um risinho brincalho. _Ah ?_ cerrei os olhos. _Humhum... Mas eu ainda estou com uma ligeira dvida... _ se aproximou e eu fechei os olhos, deixando-o me encher de carinho. Deitei em seu colo, com meu rosto virado para sua barriga. _ to bom estar aqui com voc. Como eu nunca tinha percebido isso? Ele s sorriu e mexeu no meu cabelo. _Voc to linda... No posso acreditar que voc est aqui no meu colo... to ruim saber que no posso te pedir nada... Tenho uma sensao de que no vai
durar muito... No sei... Talvez seja s medo de tanta felicidade. _No vamos falar de nada disso... _ pedi, mexendo na sua camisa. Senti uma sensao de abandono ruim. Sentei-me e o abracei forte. _Que foi?_ ele perguntou. _ Voc ficou estranha agora. _Nada, posso ficar assim..._ pedi e me deixei ficar no seu abrao quente e vimos o fim da tarde chegar. _Sabe... Eu posso estar em qualquer lugar... Mas eu nunca vou deixar de te amar, esse amor j nasceu comigo. Eu s soube disso quando te conheci. _? _ sorri e o olhei de lado. Ele inclinou a cabea e beijou levemente meus lbios. _Sabe o que a gente vai fazer hoje noite? _Hoje noite? O qu? _ perguntei muito curiosa. _Voc vai ver... S queria que estivesse muito bonita para mim.
Captulo 10: Um encontro, s um encontro Trilha sonora da cena O Caio no se surpreenderia de me ver de pijama de flanela e meia de abelhinhas, nem mesmo eu me envergonharia por isso, representar um papel para ele no era bem meu feitio. Mas aquela noite eu queria impressionar. Abri meu guarda-roupa e procurei uma roupa sexy, de noite, com brilhos, muito preto... E se no fossemos danar? Um vestido, sim, ele devia estar planejando um jantar. Ou seria um jantar em famlia? _Ai, assim no d! _ peguei o aparelho de telefone ao lado do teclado do computador e liguei para ele, que atendeu prontamente. _ Oi, sou eu. _ ri sem graa. _ Poderia me dar uma pista para onde ns vamos? que ao contrrio dos homens que s precisam variar a camisa, ns mulheres temos uma quantidade de roupa capaz de enlouquecer qualquer professor em aula de combinatria... _Vista-se para se sentir a vontade. Vamos fazer um programa para se divertir, como sempre fizemos. _ ajudou. _T. _ entendi. Como sempre fizemos, aquela frase ficou na minha cabea, quando desliguei. Sempre fizemos e tudo me parece novo, to inusitado. Escolhi um jeans e uma blusa rosa com uma boneca desenhada. Coloquei um colar comprido prateado e deixei o cabelo solto. Senti-me um pouco livre de me preocupar em ser a mais sexy e passvel de ganhar na dana da conquista. Era bom estar segura. Quando Caio chegou no meu porto, eu estava to curiosa em saber para onde iramos que nem pensei que deveria cumpriment-lo com um beijo. Ele riu, tmido, abaixou a cabea de um jeito to doce, que eu me manquei. _Desculpe..._ cheguei mais perto e estendi minha mo e ele pegou. Andamos de mos dadas. _Eu acho que criei expectativas demais... _ envergonhou-se. _ Eu pensei em fazermos uma coisa simples, ir ao cinema. _Ao cinema? _ repeti e de repente me dei conta de que podia estar sendo grossa. Ele no tinha carro para me levar longe, nem dinheiro para pagar jantar, mas seria vivel pipoca e cinema. A ficha caiu. _ Ah! T, timo. _ sorri. _ Voc tinha algum filme em mente? _ tentei mostrar interesse e esconder a frustrao. _No. Quando a gente chegar l, v a sesso mais prxima... S imaginei que seria bom no ficar em casa, noite...
_Tudo bem, eu gostei da idia! Estou cansada de alugar filmes... Na telona muito melhor... Ele ficou mudo por um tempo e aquele silncio era devastador. Devia estar se sentindo muito mal. No toquei no assunto, porm. O cinema era perto da nossa casa, ficava na praa. Havia cinco salas e a sesso mais prxima daquele horrio exibia o filme O amor pode dar certo . Eu escolhi esse, sem ao menos perguntar se ele concordava. _E ai, o que acha? _ tentei deix-lo participar da escolha. _Por mim tudo bem. Vamos comprar pipoca. _ sugeriu e entramos na fila. Trs rapazes jovens, de seus quinze anos supostamente, olharam para ele e depois para mim e fizeram um comentrio. Aquilo mexeu comigo. Eu devia no ligar para o que as pessoas pensassem, mas eu senti e no posso negar senti uma sensao incomoda. Caio pegou o saco de pipoca e o guaran e eu sem saber onde colocar a mo, apenas o acompanhei lado a lado. Na sala de projeo havia poucas pessoas. Escolhemos sentar no tero superior das cadeiras, onde se podia levantar o brao do banco. _ Desculpe, eu estou me sentindo constrangido... _ ele falou. _Por qu? _ peguei um punhado de pipoca. _Ah! Eu pedi para sair com voc e no tinha imaginado fazer nada formal... Acabei passando uma impresso e... _T tudo bem. Estou te falando... _ garanti mais uma vez. _ No liga. Quer coisa melhor que pipoca, guaran e uma boa companhia? Ele sorriu. _Essa ltima parte o mais importante... _? _ mordi uma pipoca com um ar de levada e pisquei o olho. _Humhum... _ ele esperou eu acabar de mastigar e tomar um gole de refrigerante e me beijou de leve nos lbios. _Eu no sei o que melhor. Salgado ou doce? _A pipoca? _No... _ afastou meu cabelo para o lado. _ Seu beijo. _Voc vai experimentando at tirar a dvida... _ brinquei e lhe beijei a boca rapidamente. As luzes se apagaram e o filme ia comear. De repente, eu estava to feliz, to bem. Aquele estava sendo um encontro maravilhoso e nem tinha nada de excepcional. Devia ser a companhia... O filme contava a histria de um homem que aps saber que est com cncer terminal decide viver ao mximo o resto da vida. Em uma aula, ele conhece uma jovem por quem se apaixona, mas ela tambm est morrendo. O enredo comeou a mexer muito comigo. E no demorou muito para que eu chorasse. Tentei disfarar, mas no agentei. Deitei no ombro de Caio e ele beijou a minha cabea. Definitivamente eu sai muito mexida. No caminho, ele no agentou e parou de andar. _Que droga! Eu no queria que voc ficasse assim... _ ele se irritou. _ Eu fao tudo errado. _T tudo bem... S pensei que o filme pode ter um pouco a ver com a gente. _ A gente? _ perguntou. _... Ns estamos tentando recuperar o tempo perdido... Mas uma hora eu sei... Eu sei que a hora vai chegar... _Mas ns estamos vivos e saudveis.
_A perda, a distncia e a saudade tambm so uma espcie de morte. _Mas desse amor no se morre... _ ele chegou bem perto. _ Se vive... _ mexeu no meu queixo._Esse fim de semana vou viajar para casa da me do meu padrasto. um stio bem legal. Vamos? Voc pode ir com a gente, a casa grande! Se quiser eu posso falar com seus pais. _No! Deixa que eu falo... Eu preferia que eles pensassem que somos amigos e s... Se no minha me vai embarreirar. _Como voc quiser. _ ele deu de ombros. _Vai ser muito bom se for. No vai se arrepender! _ garantiu. _T. Nossa, esses dias esto sendo muito legais! _ confessei. _Legais? Eu ainda preciso me beliscar para acreditar que est acontecendo. _ disse. _Eu tenho que entrar, est tarde. Amanh te dou a resposta. Adorei a noite. _Eu tambm bem. _ ele soltou a minha mo e eu beijei seus lbios em despedida. Vamos ver se eu conseguiria convencer meus pais!
Captulo 11: Quero ter voc bem mais que perto Trilha sonora da cena Convencer os pais a deixar que as coisas cogitem ao nosso favor uma arte.Na hora da janta, aps pedir para passar a salada de macarro com maionese, falei displicentemente sobre a viagem. (Regra n 1: No escolha nenhum momento especial demais, j que quer parecer que no se trata de algo importante). _Os pais do Caio vo passar o fim de semana no stio da av do Caio e me chamaram. (Regra n 2: Minta com um certo limite, tudo que eles vo adorar saber que tero pais por perto.) _? Quando?_ meu pai perguntou. _Esse fim de semana. _ repeti, eles no se cansariam de confirmar os dados, mesmo que eu j estivesse anunciado. _Hum. _ minha me mostrou que no gostara muito. _Eu disse que sim, no tenho muita coisa para estudar esse fim de semana e nem vamos ter prova, porque a escola ser detetizada. _ cortei o bife calmamente, sem mostrar entusiasmo. _ Ele meu grande amigo, somos quase irmos, vou ser bem acolhida l e aproveito para esfriar a cabea para as provas que viro. Acho que mereo.
(Regra n3: Se achar que pode arriscar, arrisque.) _No temos dinheiro para dar... Espero que entenda, minha filha. Mas temos que pagar a parcela da casa, do carro e seu pai j gastou quase todo o salrio do ms. _Ih, me, nem se preocupa, porque eles no vo para hotel, mas para o stio, l tem muitos quartos. No acredito que me cobrem pelo prato de comida. E no mais vou de carona com eles. No mximo, levo a minha mesada, mas acho que nem isso vou precisar... _ comentei arriscando todas as fichas. _Se assim... Acha que tem algum problema amor? _ minha me perguntou. Meu pai continuou mastigando sua carne. Me estudava com os olhos. _Betinho, meu filho, vem! _ minha me gritou. _ Sai desse computador, garoto! A comida ta na mesa, vai esfriar. _ avisou. _ Esse menino ta muito viciado, eu tenho que cortar essa internet dele! Essa no, Roberto estava vindo e isso era um pssimo pressgio. O meu irmo enxerido ia querer colocar a mo no mel e eu tomaria as ferroadas das abelhas. Aqueles segundos do veredicto final no poderiam parecer mais interminveis. _Eu s no queria que ficasse tarde para confirmar com eles, porque fica to deselegante ligar altas horas... _ comentei tentando dar uma pressozinha. _Tudo bem. J que os pais deles vo. _ meu pai permitiu. Yuuuuuhuuuuuuuuuuu Yuuupi! Eeeehhhhhhhhhh Viva!, comemorei internamente e antes que o assunto continuasse e Robertinho viesse dar o pitaco dele, sai da mesa com a desculpa de que queria ver o meu seriado de tv, quando na verdade eu estava louca para ligar para Caio. _Al?_ ele atendeu o celular. _Oi, sou eu. _Oi! E a? Dobrou as feras? _ riu. _Sim! Eles deixaram! _ minha voz era exultante, mas baixa para que meus pais no ouvissem. _timo, vou falar com meus pais. _Como assim falar com seus pais? Voc ainda no falou?! _Calma! _Caio, eu disse que eles tinham me convidado. _Tsi Tsi... Que coisa feia, hen? Pregando mentirinhas! Meninas assim vo para o inferno. _Caio, no hora para brincadeira! _Bela, j te disse que sempre admirei sua cara de irritada? _Caio... _ tentei ser doce._ que no sabe o quanto demandou uma operao de inteligncia para convencer meus pais de que no tinha nada demais de viajar com vocs. _Voc no confia em mim? _Confio, o que eu no confio no destino, que quando quer s cogita contra mim. _Eu no acredito em destino, acredito no que podemos mudar com nossas mos. _Me liga para dizer que est tudo ok? No vou conseguir dormir. _T. Daqui uns vinte minutos te ligo. Eles esto na sala conversando... _Certo, vou esperar. Mas liga mesmo ta? Beijos. Desliguei o celular. Eu tinha que me manter ocupada para no ter uma crise de ansiedade. No sou um tipo de pessoa capaz de esperar. Procurei minha mala, j
empoeirada de baixo da cama. Busquei uma meia velha do meu irmo no quarto dele, molhei na pia da cozinha e tentei melhorar o aspecto do preto todo cinza de poeira. Pronto, agora eu precisava lembrar de tudo que eu usaria. Abri uma folha da agenda e escrevi uma lista extensa. Aos poucos fui enchendo a mala e me dei conta de que havia colocado coisas demais. E biquni? Ser que l tinha piscina ou rio? E se tivesse? Droga! Eu nem estava depilada. Olhei minhas pernas com uns pelinhos apontando. Droga! Essa no! Respirei fundo e fui at o banheiro. Coloquei o chuveiro no quente. Peguei um creme de cabelo e passei nas pernas. Aquela operao emergncia no recomendada, mas naquelas alturas, s isso seria a soluo. Desencapei um aparelho de barbear descartvel e no demorou muito tempo para eu estar lisinha. Menos um problema!, pensei. Voltei para o meu quarto e procurei um hidratante para passar na pele. Enfiei a lmina dentro da mala, para alguma outra situao que eu precisasse. Nessas alturas o meu celular tocou. _E a? _E ai que... _E ai que o qu? Caio no faz suspense... _Voc quer mesmo ir? _Ai, Caio, eu vou matar voc! Odeio me sentir em programa de auditrio competindo por audincia. _Eles deixaram. Minha me fez um baita interrogatrio, mas deixou. _Ser que ela vai gostar? Voc disse o que sobre a gente? _Que estamos ficando. _Ela entendeu o que estamos ficando?_ perguntei. _Entendeu, depois de umas explicaes que eu dei... mas o que contou mesmo foi o aval do meu padrasto que est louco para me ver tomar atitudes de homem isso a, ele t certo! _ imitou a voz dele. _Ai, eu vou dar um beijo no seu padrasto! _No vai nada que eu vou ficar com cime. _Hum... Bobinho, eu vou dar em voc tambm. _Acho bom! _ ficou emburrado. _Ento, Belinha, amanh passamos a para te pegar s 7 horas, assim a gente chega na hora do almoo no stio. Ta bom o horrio para voc? _T timo, claro! Vou tentar dormir, ento. Nossa que bom que conseguimos! _Eu disse que podia confiar em mim... _ lembrou. *** s onze e meia chegamos no stio. Era uma casa grande feita de madeira pintada de branca, com as molduras das portas e janelas de azul marinho, bem no estilo colonial. Uma fumaa cinza saia pela chamin e o primeiro a perceber a chegada do carro foi um cachorro grande e preto. _Baro!_ Caio fez um carinho na cabea do animal e eu me mantive longe, receosa, no era muito boa com os bichos. A av de Caio no era exatamente o que eu tinha imaginado. No era uma velhinha gorda, de culos e cabelos presos com grampo fazendo compotas de doces. A mulher era magra, alta e tinha o cabelo grisalho liso e solto. Vestia uma cala jeans azul marinho e calava umas botas de couro marrom escuro. A blusa branca por dentro da cala ficava contrastante com seu largo cinto de couro marrom claro. _V, essa a Isabela. _ Caio me apresentou.
_Ol! _ ela me sorriu e se limitou a estender a mo e inclinar a cabea com muita elegncia. Sua mo segurou a minha por alguns segundos a mais do que o normal e nesse perodo seus olhos ficaram muito fixos dentro dos meus, como se me lesse. Depois eu iria entender o porqu disso. Um empregado da casa vestindo macaco e botas levou minhas malas at o nico quarto que ficava no andar de baixo. Suas botas batiam no assoalho fazendo um barulho que trazia vida aquele ambiente. Tudo produzia som, tinha um cheiro agradvel. O quarto era simples. Com uma cama de casal forrada por um lenol branco de minsculas flores vermelhas cheirando a alfazema. Da janela podia se ver rvores carregadas de laranja e o cachorro entre as galinhas que ciscavam pelo terreiro de barro. Senti-me to feliz de estar naquele lugar. Era mergulhar em um livro de poca de Machado de Assis ou Jos de Alencar. Em cima da penteadeira de madeira escura duas toalhas brancas dobradas, com uma caixa de sabonete Lux branco em cima me diziam que aquilo tudo havia sido preparado para mim especialmente antes da minha chegada. _Algum perdida aqui? _ Caio apareceu na porta. _Oi... _ sorri e ele veio me abraar gostoso. _ lindo esse lugar! to aconchegante. _. Voc ia adorar conhecer meu av... _ ele fez uma pausa. _Ele morreu? _, faz dois anos. _ respondeu e percebi que o assunto o fazia ficar muito triste. _ Vou te mostrar... _ Caio me pegou pela mo e me levou at uma pequena saleta onde havia dois sofs de couro apenas um de frente para o outro. Era uma antesala entre o quarto onde eu estava e uma varanda que dava para a entrada da casa. Na parede, havia muitos retratos do av de Caio vestido de farda. Uma bandeira do Brasil e muitos quadros de condecoraes. _Essa a bandeira da cavalaria... _ Caio apontou. _Voc quer ser cavaleiro? _Ainda no sei... _ me respondeu._ Ainda cedo para escolher, s poderei escolher daqui a trs anos. _Voc quer ser como ele? _Se fosse pelo menos metade... _ disse com humildade. O almoo foi servido na mesa da sala. Enquanto os pratos estavam sendo colocados pela av de Caio e sua me, que dispensaram minha ajuda, fiquei fotografando mentalmente o lugar. Era tudo muito bem decorado. Flores naturais por toda parte coloriam o ambiente. As paredes por dentro eram de pequenos tijolos que davam um tom de avermelhado. Meu apartamento praticamente caberia dentro daquela sala. Aquela sala deveria ser muito antiga mesmo, pois era de costume das famlias nobres terem casas grandes com salas enormes para poder receber a sociedade. Aps almoarmos a deliciosa carne assada com farofa e arroz quebradinho, todos foram tirar a cesta, menos Caio e eu, que nos deixamos ficar no sof. Deitei em seu colo e peguei uma almofada para apoiar na barriga. _ estranho... _O qu? _ ele perguntou mexendo no meu cabelo, como adorava fazer, puxando com os dedos os fios at soltar eles no ar. _Estamos a to pouco tempo desse jeito... e parece que assim desde sempre. _Mas ns estamos a muito tempo juntos. _ ele corrigiu. _ No preciso apenas beijar na boca para ser ntimo de algum. Ns sempre fomos grandes amigos. _... Pode ser... _ fiquei mexendo na franja da borda da almofada. _ Desde quando voc sentiu atrao por mim. Digo atrao mesmo? _Desde a primeira vez que te vi, mas se voc s podia me dar a amizade, ento, eu teria que me contentar com isso... _E voc? Nunca teve vontade alguma de sei l... Experimentar me beijar? Eu sentei no sof e olhei para ele. Confessaria ou no?
_J! Mas eu tinha medo de chegar a uma concluso negativa e a perderia sua amizade, porque as coisas no seriam iguais outra vez. _Ufa, que bom que passamos desse estgio! _ brincou juntando as mos em sinal de orao que me fez rir. _Eu estou adorando passar esses ltimos dias com voc. A palavra ltimos saiu sem querer e pelo meu rosto pensativo, Caio percebeu logo que eu mais uma vez pensava na futura despedida. _Tudo tem um preo... _ comentou. _Eu no queria que fosse alto demais. _Assim o retorno seria na mesma proporo... _ lembrou-me. _No vamos falar disso? _ foi minha vez de pedir. _Claro, ainda estamos aqui..._ abriu os braos para eu voltar para seu colo. _Acho que eu vou dormir aqui... _ comentei. _Ento, deixa eu deitar no outro sof para voc ficar mais acomodada. _ ele ligou a televiso baixinho e deitou no outro sof. Eu fiquei por um tempo observando-o, mas meus olhos no demoraram muito para se fecharem e eu adormecer. Tinha acordado muito cedo e dormido mal de ansiedade. S fui despertar horas depois, com o cheiro forte de caf e os risos das pessoas que se reuniam na mesa. Caio no estava no sof, mas no demorou muito para ele vir para perto, quando eu sentei e cocei os olhos para procur-lo. _Quer bolo de fub? _ ele ofereceu e eu sorri. _Quero, mas vou antes vou lavar meu rosto. _ calcei meu chinelo e fui at o banheiro. Assim era aquele lugar, tranqilo e pacfico. Todos dormiram cedo e mais uma vez s restou Caio e eu. Ele trouxe da sua bolsa seu mp3 e voltou para sala. _Vamos ver as estrelas l fora? _Ver estrelas? _ franzi a testa. _, meu amor! _ ele disse puxando-me delicadamente pela mo. Meu amor... eu nunca havia sido chamada assim por ningum. _Nossa, so lindas mesmo, l na cidade no conseguimos ver tantas como aqui. _ comentei sem conseguir parar de olhar o cu. _Eu ouvi essa msica aqui e achei to legal. Baixei para te mostrar. Sei que boiola... _ridicularizou-se. _Pra com isso! _briguei pegando um dos fone de ouvido. Coloquei na minha orelha direita. Sentei encima de uma mureta de cimento da varanda e Caio se aproximou, ficando entre as minhas pernas. _Estou mais alta que voc... _Alguns centmetros e j se acha poderosa n? _ riu. _ Escuta s a Msica._ pediu. Quando comeou a tocar eu reconheci: _Eu conheo... _ falei baixinho:_ Nas ruas de outono Os meus passos vo ficar E todo abandono que eu sentia vai passar As folhas pelo cho Que um dia o vento vai levar Meus olhos s vero que tudo poder mudar Eu voltei por entre as flores da estrada Pra dizer que sem voc no h mais nada Quero ter voc bem mais que perto Com voc eu sinto o cu aberto Daria pra escrever um livro Se eu fosse contar
Tudo que passei antes de te encontrar Pego sua mo e peo pra me escutar Seu olhar me diz que voc quer me acompanhar Eu voltei por entre as flores da estrada Pra dizer que sem voc no h mais nada Quero ter voc bem mais que perto Com voc eu sinto o cu aberto Quero ter voc bem mais que perto Com voc eu sinto o cu aberto... Caio ficou me ouvindo cantar e por fim lhe perguntei por que havia escolhido essa msica para me mostrar: _Porque eu vou voltar... _ ele resumiu com seu grande poder de sintetizar tudo. _Eu queria ter voc sempre perto. _ abracei-o. _Vou buscar uma coisa para a gente. _ ele entrou e me deixou com os fones no ouvido. Escutei mais uma vez a msica da Ana Carolina. Ele apareceu com dois clices e uma garrafa de vinho. _Era do meu av, muito antiga. Estava no armrio. _E voc vai abrir?! Sua av pode no gostar... _Ele me deu. _Ele te deu uma garrafa? _ franzi a testa. _Voc vai rir, mas ele me disse... Meu filho, as mulheres so como os vinhos... Deixa o tempo para elas ficarem melhores... _Hummm... _E ele me disse que essa garrafa era para eu tomar em um momento especial. _E esse momento especial? _ perguntei, me vendo de jeans, sentada em uma mureta de cimento sem comemorar data nenhuma. _. _ ele abriu a garrafa e bebeu um pouco. _Eu no sabia que voc bebia, sempre me pareceu to certinho. _Voc no sabe muitas coisas sobre mim. _No ? _ bebi o vinho da minha taa que ele havia enchido. _Vamos aproveitar que estamos sozinhos para curtir a noite... _ me beijou. A garrafa clice a clice chegou at a metade. Meu corpo com o lcool ficou mais quente, ou seria o calor produzido por nossos corpos? Os beijos se tornaram mais intensos e as mos mais ligeiras. At o ar comeou a faltar. Caio beijou meu pescoo todo e eu senti que j no era mais to fcil resistir. _Vamos ficar um pouquinho no seu quarto. _ ele pediu. _E sua av? Seus pais podem acordar... _ lembrei. _Eles esto dormindo, relaxa. Minha av toma remdio e dorme feito pedra, meus pais esto cansados. No se preocupe. Para voc no ficar com medo, vou trancar a porta do meu quarto de chave e a do seu tambm. E a, ningum vai poder entrar, mesmo que queira bisbilhotar. _Voc planejou isso antes? _Eu penso rpido, gata. _ piscou o olho e me ajudou a descer. _ Aqui est muito desconfortvel... Fechamos a porta da sala e fomos para o quarto. Aquilo no era o moralmente certo, mas entre ns no parecia nada demais. Tirei a sandlia e me estiquei na cama. Caio deitou ao meu lado, depois de deixar o vinho na penteadeira. _Onde eu parei... _ ele me beijou a boca e com os braos me trouxe mais para perto. Minhas pernas ficaram entre as dele e minhas mos fizeram carinho em seu cabelo. O que aconteceu depois de mais vinho eu no sabia, s acordei com uma leve dor de cabea e muita vontade de fazer xixi.
O primeiro impulso foi olhar se eu estava vestida. Estava. Onde eu estava com a cabea? Levantei da cama e fui at o banheiro no corredor. O meu relgio no pulso marcava sete da manh e eles j estavam reunidos na mesa do caf da manh? Eu poderia perfeitamente dormir at meio dia! E o que alegaria para pedir um remdio para dor de cabea? Dizer que o suco de laranja do jantar no tinha me cado bem? Perguntei a av de Caio, onde seu neto estava e ela me indicou o estbulo. _L? _ calculei, olhando da janela da sala, que de sandlia meu p atolaria na lama. _Vou te dar uma coisa para calar. _ ela pegou em um quartinho da dispensa um par de botas de plstico, semelhante as que usam os aougueiros. Caio estava montando em um cavalo. Pulou alguns obstculos feitos com troncos e parou quando percebeu que eu me aproximara da cerca. _Bom dia. _ sorri. Ele desceu do animal e o amarrou. Deu a volta e me encontrou do outro lado da cerca. _Nunca pensei que gostasse tanto de vinho, hen? Quase me bateu pelo ltimo gole. _ zombou. _Mentira!_ fiquei com as bochechas vermelhas. _Mas no se preocupe, minha av no contou para os meus pais o que ela viu. _O que ela viu? E o que que ela viu? _ repeti aquilo sentindo um frio percorrer minha espinha! _ Ah, a gente estava l fazendo carinho... _ ele coou a cabea._ S que voc se descontrolo eu comeou a fazer strip tease. _Eu? Impossvel... _Eu disse que voc bebeu demais! _Ai voc quis correr at a cozinha nua para pegar mais vinho. Eu insisti que no tinha nada na geladeira, s suco. Mas voc no queria acreditar. _Voc est me zoando! _Srio! Ai, voc foi at a cozinha, eu tentei te levar de volta para o quarto, mas voc comeou a me abraar e ai a gente foi para mesa e pronto, j era... _Voc ta tirando sarro da minha cara! _Voc no reparou que minha av estava sria com voc? Eu parei um segundo para pensar... _Ai meu deus! Meu deus, no!!!!! _ bati com a mo na testa e senti falta de ar. _ Ns dois? Na mesa da cozinha? _Mas o pior de tudo que... Eu nem lembrei da camisinha... O vinho sabe como . _Qu? Voc no lembrou? Ai meu Deus! _ eu definitivamente ia ter um ataque do corao. Caio no se agentou e comeou a rir. _Ah! Seu cachorro! _ enchi ele de tapinhas, mas segurou as minhas mos e colocou meus pulsos para trs. _Isso coisa com que se brinque? _ falei com muita raiva. _Eu no costumo fazer amor com mulheres inconscientes. _Eu no estava inconsciente! _Ah! No?_ riu. _Eu tambm no vou fazer mais nada! _ fiz jogo duro. _Deixa de bobeira. Era s para ver sua carinha de dio de mim. _Vou tomar caf, estou com dor de cabea. _ sai pisando fundo na lama. _ E eu no estava inconsciente!_ falei e voltei a andar. Ele riu e no deu bola. Passamos o dia assim, eu emburrada e ele sem me dar bola, nem correr atrs. Viu televiso, conversou com o pai, montou a cavalo. S mesmo noite que eu pensei em deixar de charme. Tive a idia de ir at seu quarto. Mas se eu entrasse no quarto errado? J pensou? O que eu iria alegar? Desculpe, estava querendo um edredom nesse calor? Torci para que a pessoa que estivesse passando no corredor fosse Caio. Abri a
porta e o vi na cozinha. _ Bebendo seu leitinho?_ falei carinhosamente. _. Eu bebi muita Coca Cola com limo. No me caiu bem. _Hum... Fui at ele e o abracei por trs. _Cansou? _De? _Ficar de pirraa. _ deixou a caneca de alumnio na pia. _Ah! que eu fiquei me sentindo uma idiota... No devia nem ter ido l para o quarto com voc... _Por que no? Bela, seja livre, voc muito presa a regras, a o que os outros escrevem como certo naqueles livrinhos patticos para mulheres. _Pode ser... Mas que eu me senti fazendo algo errado. _Ah! Isso normal. As pessoas sempre diabolizaram o contato fsico. _... _ fiquei encostada na mesa, ao lado dele sem nada dizer. Caio me beijou pela primeira vez, desde de manh. Ficamos ali por uns quinze minutos. _Vamos sair daqui, gosto de privacidade. _ ele me puxou at o quarto. Fechamos a porta atrs de ns e eu deitei na cama. Mas dessa vez Caio no queria ficar longe, manter distncia. Ele sabia o que tinha vindo buscar. Nunca imaginei que esse Caio existisse. _Voc pode me mandar embora agora... _ ele falou em meu ouvido. _Eu devo? _Voc no quer? _No sei se devo... _Perguntei se quer. _ repetiu. _Quero..._ respondi sinceramente. Ele ficou de joelhos e tirou a camisa, deixando-a cair no cho, ao lado da cama. Minhas mos percorreram suas costas largas quando veio sobre mim beijar meu pescoo. _Voc maravilhosa... _ falou ofegante e eu estava na linha limite de perder a conscincia e agora no mais pela bebida, mas pelo extinto animal. _Voc tambm... _ disse, sentindo-o abaixar as alas do meu suti. _ Ai... Caio caiu de boca nos meus seios e seus lbios quentes me sorveram. _Eu tenho medo de algum chegar... _ falei baixinho quando ele se livrou do meu suti, jogando-o para o lado. _Confia em mim. _ pediu e abriu a cala. Meu corao disparou de uma forma que eu podia senti-lo como um sapo entalado na minha boca coachando. _Nossa, como isso est apertado! _ riu e o achei to doce, que de repente aquilo me pareceu normal, como se fossemos irmos, a vergonha foi passando. _Droga! _ lembrou-se de algo. _ A camisinha est na minha carteira... Vou l buscar, vestiu a cala de novo e abriu a porta. Pronto! Eu tinha o tempo que fosse para pensar. Podia at ouvir o grito de Dbi, quando eu lhe contasse Voc transou com o Caio!? Mas eu estava segura de mim, eu j o conhecia h anos, tudo bem, beijar no fora a tanto tempo assim, mas eu necessitava daquilo. No me importava o quanto aos olhos da religio que minha me tanto tentava enfiar na minha cabea eu estava condenada a fogueira do inferno. _Desculpe..._ ele voltou. _ Eu tinha esquecido... _ fechou a porta. _Tudo bem... _ disse fria. Ele percebeu que o clima tinha sido cortado e largou o pacote azul. Veio me beijar outra vez. Meu corpo no demorou muito para quer-lo de novo. Caio, ento, abriu o pacote e era minha vez de me livrar do meu short. Ai a minha calcinha! Tentei lembrar a que eu estava usando. Mas no precisei ficar com mais de alguns segundos com ela. Foi indiferente. _Voc me deixa louco. _ ele me beijou com muita vontade e eu perdi o flego.
_Ento vem... _ disse e Caio gentilmente se uniu a mim e dali em diante j nem me importava mais ningum fora daquela porta. S ns dois. Nos amamos com muita vontade, suor, paixo, volpia. Segurei com as mos para trs a cabeceira da cama e ele me olhou com olhos de fervor. Mordi os lbios. Camos mortos, cansados, anestesiados. S sobrou fora para nos abraarmos. Seu corpo estava molhado de suor e eu beijei levemente seus lbios. _Voc vai voltar sempre?... _ perguntei baixinho. _Vou..._ ele fez carinho no meu cabelo. Fechei os olhos. Eu no sabia o que o futuro me reservava. S queria curtir aquela noite perfeita e deliciosa com ele.
Captulo 12: Misses e premunies Trilha sonora da cena Acordei com uma deliciosa sensao de ter dormido um sono profundo e tranqilo. Sorri e me encolhi de baixo do lenol. Eu ainda estava nua, Caio provavelmente sara apenas quando eu dormira. Fechei os olhos novamente e me senti feliz e completa. Fora delicioso t-lo completamente unido a mim, em alma e corpo. A primeira coisa que fiz ao levantar foi procur-lo pela casa. Sua av me informou que tinha ido com o padrasto at a cidade buscar algumas compras para ela, juntamente com sua me. Eu sentei-me mesa e pus para mim uma xcara de caf, que estava mais forte do que eu estava acostumada a beber. Destampei o pano de prato que protegia o bolo e tirei um pedao para mim. _ Gostaria de conversar com voc, querida. _ ela falou, aps tirar a panela de cima de um fogo lenha. Achei esquisito, se havia um fogo eltrico, porque ela cozinhava no movido lenha? _Claro, pode falar. No tivemos tempo para conversarmos ainda... Eu cheguei de visita na sua casa... _Pode terminar seu caf, vamos para um lugar mais tranqilo. _ ela anunciou. Eu a segui pelo corredor e em um dos cantos da sala, ao lado de uma cristaleira, havia uma porta. Eu no tinha me dado conta daquela porta, nem para onde ela dava. Era o que descobriria naquele momento. Sara, como se chamava a av de Caio, abriu a fechadura com uma grande chave preta, presa por uma corda da mesma cor. Havia apenas uma parede, ao entrar e olhar para a esquerda, me deparei com uma escada de madeira com degraus baixos e curtos. Era preciso subir de vagar para no tropear. Ela tomou o devido cuidado de fechar a porta. S dava para uma de ns subir por vez e ela passou na minha frente, pois bem acima havia outra porta, que ela iria abrir com a mesma chave. Senti-me em uma cena de filme de magia, e isso porque eu mal imaginava o que iria contemplar dentro de instantes. Em nenhum momento ela me falava, nem instrua com palavras, apenas indicava com gestos como eu deveria proceder. Sara, ento, esticou o brao para que eu pudesse entrar. Eu estanquei e meus ps estavam cravados no cho, mas meus olhos geis percorreram cada detalhe do amplo ston. Era uma espcie de quarto sob o telhado, podia-se ver as telhas e os fachos de luz do sol entrando pelo lugar e iluminando o assoalho de tbua corrida. Um sof de trs lugares branco estava coberto por uma manta vermelha e no brao
direito havia outra manta amarelo estendida elegantemente. Em uma das paredes, um grande mapa astral com minsculos nmeros, signos, retas que se interligavam e no centro um olho azul. Uma mesa ampla, de aproximadamente quatro jardas minhas estava repleta de livros, folhas, pequenos cristais e um candelabro de nove hastes permanecia apagado, mas com velas gastas pela metade. Imaginei como seria aquele lugar noite. Nas minsculas janelas quadradas, que ficavam na altura do meu busto, cortinas brancas de renda balanavam delicadamente ao sabor do vento. Supus que ela j teria vindo ali de manh para abrir as janelas. O mais impressionante era a enorme quantidade de livros que se apertavam pelas prateleiras. Eles cobriam as paredes, dando um colorido heterogneo. Quem teria lido tudo aquilo e por que tantos livros ficavam escondidos ali, longe das pessoas que chegassem na casa? O que falavam aqueles livros que nem todo mundo poderia ter fcil acesso? Aquele prprio lugar era uma resposta para isso. Senti um cheiro de incenso e reparei que Sara acendera um em cima de um suporte cromado em formato de folha. _Esse cheiro lembra uma tia minha, ela macumbeira... Eu nunca entendi bem a religio dela... No entra na minha cabea para que dar comida para os santos. _ comentei displicentemente me aproximando da estante para ver o ttulo dos livros, mas antes que eu pudesse me ater a alguma obra, ela se ps ao meu lado e sua figura em si tinha um poder penetrante de concentrar nossa ateno. _Os santos que chama, no comem. _ corrigiu, gentilmente. _ As foras da natureza podem sentir o aroma da vida. A sua tia no d de comer aos santos. Ela oferece o aroma. _Hum, no sabia. _ balancei a cabea afirmativamente. _Podemos sentar? _ ela esticou o brao e indicou o sof, onde sentamos lado a lado. _ Caiu me falou de voc. _? _ surpreendi-me. Ele estivera comigo a todo momento, quando tivera tempo de falar com sua av? Dei-me conta de que seu amor por mim era muito antigo e que talvez ela j sabia de longa data quem eu era. _Faz tempo que eu espero a sua chegada. _ ela sorriu e pela primeira vez, desde que eu entrara naquela casa, ela me pareceu simptica. _Como sabia que eu viria? _Eu sabia... _ ela sorriu e ficou me olhando. _O que ele falou de mim? _ perguntei curiosa, sem conseguir olh-la diretamente, meus olhos no paravam de buscar significado para aquela atmosfera mstica. _Que voc especial. _ resumiu. Nisso ela era bem parecida com ele, simplificava as coisas. _Ele tambm um cara muito especial... _ comentei. _Sim, ... _ ela cruzou os dedos das mos e com um brao apoiado no encosto pareceu viajar no tempo. _... Ele chegou aqui em casa muito pequeno, com um boneco de super heri nos braos e um bico enorme. _ riu alto. _ Um garotinho muito emburrado e triste... _ ela levantou as sobrancelhas e respirou fundo. _ Mas ele se encontrou. _Eu conheci o Caio, quando ele entrou na minha escola. Ficamos muito amigos, estudvamos juntos, fazamos parte da mesma turma, mas nunca tinha o visto com olhos... _ no sabia como explicar. _Com olhos do corao? _. E agora parece que vou conhecendo outra pessoa, que sempre esteve ali dentro dele, mas que eu no via. _Ou ele no mostrava... _Isso! _ senti que ela poderia me entender perfeitamente. De repente, estava tendo uma conversa sincera com uma desconhecida. Conversa que sempre desejei ter com a me dele, mas que era invivel ante aos pr-conceitos que nutria sobre
mim. _O av dele tambm iria adorar te conhecer. Caio falou muito de voc para ele, quando te conheceu. _Jura? _ ri, envergonhada. Aos poucos eu ia dimensionando a importncia que tinha na vida de Caio. _Acho que s quem no gosta muito de mim a me dele... _tomei a liberdade de confessar-lhe. _Ela tem medo. _Medo de qu? Qualquer menina no meu lugar poderia ou no dar certo com ele. Por que eu tenho que ser perfeita? Eu estou errada? _ que ela ainda no tem certeza se voc est preparada para sua misso. _ ela segurou na minha mo, da mesma maneira que a me de Caio havia feito naquele dia. Parecia que a cena se repetia. _Que misso? _ assustei-me mais uma vez. _Isabela... Voc sabe que ele escolheu um caminho agora. _Sei, ele quer ser militar como seu filho foi... _E voc ter uma misso. _Mas que misso essa de que tanto fala? Assim fico com medo. _ me senti acuada. _Voc vai descobrir, por ora, no vamos pensar nisso... Viva cada dia e viva o que o tempo lhe reserva. _ aconselhou-me e tirou sua mo de cima da minha, mas no a soltou, apenas revirou a mo para cima e acariciou com o dedo as linhas da minha palma. _Desculpe perguntar, mas voc l mo? que esse lugar... _No... _ ela soltou minha mo e me pareceu que aquele no era mais para um no posso l-la, por algum motivo que acabara de ver e no queria me dizer, que um no sei ler. Levantei-me e a segui at a mesa onde ela sentou. Havia um pano azul de minsculas estrelas brancas e um baralho de cartas. _ um baralho cigano? Voc cigana? _Voc faz muitas perguntas. _ ela pareceu-me atordoada e at jurei que por alguns segundos a senti arrependida de ter me trazido at ali. _Abre as cartas para mim? _pedi para que jogasse tarot e me sentei em sua frente. Ela embaralhou as cartas, havia um grande anel verde em seu dedo indicador direito. _O que voc quer saber das cartas? _Eu quero saber sobre meu futuro com Caio. _ falei o que mais me angustiava. Ela me olhou e abriu o baralho sobre o pano estralado. _Escolha trs cartas. _ pediu. Escolhi uma mais prxima de mim, uma no canto direito do meio e outra no incio, mais prxima a ela. _Voc vai ser impulsionada a jogar todas as peas nesse novo relacionamento. Um impulso tipicamente jovem. Voc vai ter muita coragem para lutar. _ ela falou e antes de continuar, se incomodou com alguma coisa que viu e no quis me dizer. _ Voc ter um grande rompimento que te tomar muitas energias. _ Ela me pareceu vaga demais. _ E por ltimo voc vai voltar ao equilbrio e ficar bem. _Sei... _ eu no tinha visto nada de concreto no que ela falava. _ Qual o nome dessa carta? _ apontei para a minha primeira escolhida. _O Mago, ele a expanso da conscincia pela tentativa e erro. _E essa? Ela no me respondeu, pulou para a ltima carta, sabendo que eu acabaria perguntando sobre essa tambm. _Essa aqui a Temperana. _Que significa?_insisti. _Que voc entrar em equilbrio, a transmutao do lquido que passa de uma jarra outra e lembra a transformao da gua em vinho.
_Qual o nome dessa carta? _ Sem nome, me respondeu. _Como assim sem nome? _ que o nome verdadeiro da carta cercado de muitos tabus e mitos... _Como ela se chama? _A Morte. Senti um calafrio. _Mas essa morte no quer dizer necessariamente uma morte fsica. Ela a premissa do renascimento. _Hum... _no perguntei mais nada, no queria mais saber do futuro. _Voc ter que abandonar as idias do passado e renascer, o que a carta lhe diz. _Ento, vou dar tempo ao tempo... _ eu completei. Ouvimos barulho de pessoas chegando de carro. Sara fechou o baralho e sorriu: _Vamos ver o que eles trouxeram de bom? _ props e me senti uma criancinha de cinco anos. Descemos pela escada e ela abriu a porta. A me de Caio no gostou do que viu. Seu sorriso fechou, quando percebeu de onde ns duas tnhamos vindo. Sara percebeu isso e a chamou para a cozinha a fim de ajud-la a arrumar as coisas. Caio veio ao meu encontro e me deu o primeiro beijo do dia. _Minha av gostou mesmo de voc. _Acho que sim. Mas por que est dizendo isso? _Ela te levou at l? _. _ achei que aquilo no tinha nada de to importante. _Ela deve ter sentindo alguma coisa boa em voc... _comentou. Instantaneamente me lembrei do aperto de mo forte, quando eu havia chegado. Teria sido naquele momento? _Sabe o que eu estava pensando em fazer, s ns dois, juntinhos? _nh? _ sorri, tentando me esquecer os efeitos das revelaes das cartas. No daria bola para nada daquilo, eu era muito descrdula. _Tomar banho de rio! Trouxe roupa de banho? _Claro!_ respondi. _Tem um rio lindo aqui no stio, que passa dentro da nossa propriedade, super silencioso e s nosso, ningum vai nos atrapalhar e podemos ficar juntinhos... _ ele falou no meu ouvido. _Quando iremos? _ tarde, j que o almoo est para sair e eu sinto o meu estmago colado nas costas!_ disse. _Tudo bem. _ encolhi os ombros, adorei a idia. Separamos em uma mochila uma manta grande, algumas coisas para comer e uma garrafa com suco para beber. O passeio no poderia ser mais delicioso, pois pela primeira vez eu montei em um cavalo. Caio foi conduzindo lentamente o trote do animal e meia hora depois estvamos no meio do nada, sozinhos, curtindo o sol e a gua morna do rio. _Eu nunca vou me esquecer desses dias... _ ele comentou, nadando perto de mim. _Nem eu..._ sorri e o abracei. Nos beijamos e as mos de Caio por de baixo da gua fizeram carinho nas minhas costas... _Voc por acaso trouxe... _ perguntei. _Hnhn... _ ele balanou a cabea em sinal de sim. _Ah! Eu imaginava! _ ri alto e o afundei na gua. _Voc vai ver... _ ele correu atrs de mim e camos sobre a manta que tnhamos estendido. _No tem risco de ningum chegar por aqui? _ perguntei, sempre com medo dos olhos alheios. _S o Fasca mesmo. _ apontou para o cavalo amarrado em uma rvore a alguns metros de ns. Caio ficou me contemplando e sua boca molhada se encontrou com a minha. Ele afastou o meu biquni de curtininha e beijou meus seios, depois os sugou, o que me
fez ccegas e me provocou o riso. Nos beijamos na boca e eu mesma desenlacei atrs o n do biquni e o deixei ao meu lado. As mos de Caio me percorreram e antes que eu perdesse a lucidez, o lembrei de pegar a camisinha, que estava no bolso da frente de sua mochila. Ele hesitou por uns instantes, como se lembrasse de algo e eu li seus pensamentos e desejos. Desci meus beijos por seu pescoo, seu peito e ele fechou os olhos para no ver o sol e poder sentir todo o prazer que eu podia lhe provocar. Depois disso, ele colocou a camisinha e apoiou os braos no cho para no pesar todo seu corpo sobre o meu. _Voc incrvel... _ eu disse e levantei meu pescoo para encontrar sua boca. Caio me beijou com vontade e eu estava ainda mais relaxada que ontem. Estar ali no meio da natureza, amando-o deliciosamente, era a imagem mais perfeita da plenitude da vida. Ficamos abraados por um tempo ouvindo o barulho dos pssaros. Fiz carinho em seu peito e ele brincou de fazer crculos com a ponta do dedo em meus mamilos. Aquilo me provocou ccegas e eu afastei gentilmente sua mo. _Sua av tem tantos livros... _ comentei, aquele encontro de manh no me saia de jeito nenhum da cabea. _A maioria era do meu av. Ele era um homem muito estudioso. _comentou. _Hum... _apoiei minha cabea no brao. _ Caio, queria te fazer uma pergunta muito importante. _Qual?
Captulo 13: Revelando segredos Trilha sonora da cena Eu no sabia como iria introduzir aquela pergunta, mas era essencial para eu ter a segurana de que rumo tomaria dessa loucura toda que estvamos vivendo em curto prazo. Aproveitei o momento em que estvamos abraadinhos na beira do rio para perguntar-lhe isso: _Caio, quais so os seus planos comigo? _Como assim? Aquela no era uma pergunta matemtica, era simples: _Ora, estamos aqui, vivendo todas as loucuras de amor, mas e depois? _Depois? _ ele pareceu realmente confuso. Estranhei, porque para mim tudo j estava encaixado na cabea dele, ou ser que s estava na minha? _, depois. Voc vai querer namorar, ficar, enrolar...? _ tentei ser bem objetiva, mais didtica que isso s desenhando com a ponta do dedo na areia. _Eu pensei que voc s quisesse ficar... _ ele comentou. Qu? Eu fiquei desapontada. _Ento, voc acha que eu s estou aqui para curtir e depois voc nem vai levar nada a srio, vai... _Bela, no, no nada disso Belinha... _ ele tentou me interromper. _Eu devia imaginar! E pensei que voc era diferente! _ sentei e procurei meu biquni, vesti-o outra vez. _ Como eu sou pattica e idiota! _ fiquei de p para amarrar melhor a parte de baixo da tanga do biquni. Caio comeou a rir. Olhei-o agora sentado, com os braos apoiados nos joelhos. _Do que est rindo? Ainda por cima est me ridicularizando? Eu me senti to ofendida, que vieram lgrimas nos olhos. _Isabela?! _ ele levantou-se e me falou com um risinho no canto da boca. _ Voc fica linda aborrecida... _No me vem com esse papinho, quero ir embora... _ olhei para o lado e vi que
no seria to fcil esticar o brao e chamar um txi, ou fazer sinal para um nibus. S havia o Fasca regurgitando relva. _Voc no me deixa nem responder direito! Fica a tirando suas concluses, sem nem me dar uma chance!_ reclamou. _Ento, fala, estou ouvindo! _ cruzei os braos e meu p direito ficou batendo levemente no cho. _Eu s no perguntei logo se queria namorar comigo, porque pensei que V-O-C- no iria querer. _ disse o voc com nfase e apontando o dedo em minha direo. _ Imagina! A garota mais gata do colgio, se no do bairro inteiro, aceita viajar comigo, me leva nas nuvens e... Sei l... Achei que era sonhar demais te pedir em namoro. De repente, eu poderia tomar um nozo na cara e quebrar todo o clima. S poder te beijar, nossa, caramba, eu esperei tanto por isso, entende? _Quem no sabe querer, fica sem! _ passei por ele emburrada, pronta para descobrir sozinha como se guiava o Fasca. Eu tinha feito toda aquele chilique a toa, mas no daria o brao a torcer. _Vem aqui, que estou falando com voc, mocinha. _ me puxou pelo brao e me fez dar dois passos para trs, como ele estava forte! _Ok, voc quer assim. Ento, t?! _ olhou bem nos meus olhos. _Eu quero ser seu namorado e quero que seja minha namorada. _Mas isso no uma pergunta, uma imposio! _Aaaah! Perdi minha pacincia com voc... _ foi sua vez de caminhar at o Fasca. _Vai para casa pelado ? _ peguei seu short em cima da manta e agentei para no rir. Ele se tocou e virou para trs, tambm no resistiu e riu. _Eu vou dizer que fui atacado por uma ninfeta no meio do caminho. _ zombou. _Ninfeta! Aaaahhhh! Seu... Seu... Caio veio correndo e me abraou: _Brincadeirinha... _ riu._ Eu s te odeio por quase um segundo. _Depois me ama mais? _ Olhei seus olhos de jaboticaba, de compridos clios e sobrancelhas grossas. _Voc sabe que sim, mas gosta de me maltratar, n? _Que injustia! _cerrei os olhos e envolvi seu pescoo com meus braos. _ E respondendo a sua imposio, sim, eu quero ser sua namorada. Ele sorriu e me beijou com muita vontade, pendendo meu corpo para trs, me abraou forte. _Ai! _ camos sobre a manta outra vez. _ De novo? _Ningum mandou voc me provocar... _Eu?_ ri alto e o deixei me beijar todinha. O cu estava alaranjado e a tarde nos envolvia quente e acolhedora. _Meu Deus! Voc sempre teve toda essa energia? _ perguntei beijando sua nuca, enquanto ele estava de bruos e olhos fechados, se recuperando, cansado de tanto me amar. _E voc, hen, mocinha... Acaba comigo!_ culpou-me. _Que isso... _ ri e me levantei para mergulhar no rio. Nunca tinha tomado banho nua assim, como as ndias. _J pensou se aparece uma sucuri a?_ ele apoiou os cotovelos no cho e ficou me admirando. _Tem cobras por aqui? _ me assustei. _Tem uma aqui... _Ridculo! _ joguei um pouco de gua nele. _Estou falando srio. _fiquei com medo e voltei para a manta. _Tem l na Amaznia e quando a gente morar l? _A gente morar l? _ repeti. _, ora... Na minha profisso eu vou ter que me transferir para muitos lugares do Brasil. _Como que ? _Eu vou ter misses em vrios lugares... E a mulher que estiver comigo vai ter que
me acompanhar. _Mas isso sempre? _De dois em dois anos... Eu fiquei muda, sabia que os pais deles moraram em vrios lugares, mas no tinha conectado esse fato a minha pessoa! _Se quiser voltar atrs no que acabou de me dizer... _Eu quero namorar voc... _ garanti, vendo que o tinha feito triste, por causa do meu desapontamento. _ S tudo muito novo para mim. _Para mim tambm... _ ele abaixou a cabea e eu o abracei por trs. _Eu vou tentar fazer de tudo... Ouviu? _ beijei seus cabelos. _Ns vamos... _ corrigiu. _ Agora acho que est na hora de voltarmos para casa. Acabaram as camisinhas mesmo... _Seu tarado! _ dei uns tapinhas nele e camos na gargalhada juntos. Pegamos nossas coisas e fomos at o Fasca. Enquanto o cavalo trotava pela trilha e nossos corpos sacolejavam no ritmo das ancas do animal, eu fiquei lembrando da minha conversa com Caio sobre as transferncias. Ao mesmo tempo me veio a cabea as palavras da av dele sobre misso. Seria essa a tal misso? *** Encontrei os pais de Caio sentados na sala assistindo televiso, depois de eu ter tomado banho. Perguntei por Caio e a me dele no me respondeu. Seu padrasto me disse que estava com a av no ston. _Voc vai at l? _a me dele rompeu o silncio, quando me viu caminhar at a porta. _Vou, ser que irei incomodar...? _No, que nada, vai l, minha filha. _ o padrasto me deu apoio e indicou com a mo para que eu continuasse meu caminho. A porta estava destrancada. Assim que apareci na soleira da outra porta entreaberta, vi Sara e seu neto sentados no sof. _Olha quem chegou! A sua namorada. _ a mulher disse, muito animada, provavelmente deve ter ficado feliz com a notcia que Caio lhe dera recentemente. _Atrapalho? _ perguntei timidamente. _Eu que digo isso! _ ela levantou-se. _No, fique a vontade. No queria interromper. _ falei. _Eu vou olhar o jantar, se est tudo pronto e depois chamo vocs. _ disse, colocando a mo docemente no meu ombro e nos deixou a ss. _Voc est to cheirosa. _ Caio me puxou pela mo e sentei ao seu lado no sof. Ele tambm tinha tomado banho e estava com a pele gelada, cheirando a sabonete e ao desodorante . _Esse lugar to acolhedor. _ confessei. _ Seu av devia ser um homem muito culto... _Posso te contar um segredo?_ perguntou. _Claro! _ respondi louca de curiosidade. Nada mais seria surpreendente, naquela casa cheia de mstica. Nem me assustaria em encontrar o Papai Noel e o coelhinho
da Pscoa na mesa de jantar, quando descssemos. _Meu av era maom. _ revelou, esperando minha reao. _J li um pouco sobre isso, lembra que me emprestou o livro Cdigo Da Vinci? _Lembro. Ele se reunia sempre com outros maons e estudava tudo que pode imaginar sobre filosofia, culturas, religies... _Hum... Isso explica tudo isso... _A maonaria no religio, ns no matamos cabritinhos e chupamos o sangue deles. O povo criou vrios mitos e diabolizou demais... _Voc disse... ns? Caio ficou mudo, parece que essa parte no estava nos planos dele revelar. _Eu no participo ainda das reunies... _ ele abaixou a cabea. _ minha me me probe. Ela no consegue nem ouvir falar nessa palavra... Finge que meu padrasto sai com os amigos todas as sextas para beber. No muito fcil para a sua cabea de carola conceber que ele acredite em outras coisas... Agora todas as peas se encaixavam. Por isso ela no gostara que eu me dera bem com a av de Caio. Estava explicado porque me ignorara e no me informara que seu filho estava aqui no ston. _Eu fui aprendendo muita coisa com meu av. Ele me ensinava muito. E passava muita coisa para minha av tambm. Mas temos uma regra de no contarmos isso as pessoas. _Por que esse segredo? _Porque as pessoas vo zombar de voc, quando comear a mostrar tudo que sabe. melhor a discrio. No usamos o que aprendemos para ser superior, pisar nas pessoas, no! Aprendemos para o nosso crescimento pessoal! _Puxa, bonito isso! _ disse. _ Por mim, no h problema nenhum... _Que bom... _ ele pegou na minha mo e sorriu. _ Voc perfeita. _ me deu um beijo._ Os gregos tinha uma explicao bem legal sobre o universo. Imagine um pequeno crculo. _ desenhou com o dedo no ar. _ Quando nascemos nosso crculo minsculo. Vamos supor: do tamanho de uma laranja, t? Tudo que est dentro o que voc sabe e tudo que est fora, o que voc desconhece. Cada vez que voc aprende uma coisa, ela passa para dentro do crculo e aumenta ele. Vamos dizer que agora ele do tamanho de uma melancia. Toda vez que as coisas entram, o permetro do crculo aumenta, certo? _Certo. _ acompanhei seu raciocnio. _Por isso, quanto mais voc aprende, mais a sua superfcie de contato com o que voc no sabe aumenta. Mais partes da melancia toca a parte de fora incompreensvel. _Lgico. _ entendi. _Da a mxima grega: tudo que sei que nada sei.
_Ah! Eu j ouvi falar disso! _ minha boca se entreabriu como se tivesse descoberto um truque de mgica. _ Que legal! Abracei Caio e ficamos ali namorando, no silncio do acolhedor ston, que diga-se de passagem mais bonito noite, com seus candelabros acesos, e os cristais pendurados no teto brilhando. As janelas abertas nos permitiam ver as estrelas. Apesar da luz eltrica, as velas e o fogo davam uma energia no ambiente que eu no sei explicar com palavras. Aquele final de semana prolongado por causa do feriado fora perfeito. Mas a realidade estava por vir e agora a nossa estria comea de verdade.
Cap 14: "A hora do encontro tambm despedida" Trilha sonora da cena Apesar de ter sido delicioso meus ltimos dias com Caio, era chegado o dia da despedida. Nunca gostei dessa sensao e essa seria a primeira experincia de inmeras. A primeira sempre a mais difcil, pois ainda no sabemos como lidar com ela. Era um dia muito quente e morto. Sabe, quando voc olha na janela do seu apartamento e no v ningum passando na rua, parece que as pessoas desapareceram. S um cachorro pardo sem dono fuando um lixo. _Bela, ns queremos conversar com voc... _ minha me me chamou para sala e eu j sabia do que se tratava. Tantas coisas boas aconteceram comigo no campo amoroso, que no tive tempo de contar o que se sucedera na minha vida acadmica. Eu no fora bem no vestibular. No fundo percebi, ao olhar os gabaritos, que ia levar bomba, mas no queria que meus pais vinculassem isso ao meu namoro com Caio, afinal, era apenas o resultado de um processo de um ano e no de alguns dias com ele. Mas pais, sabem com ? Na medida em que no encontram uma explicao slida, se apegam a primeira que lhes passar na frente. Combinei com Caio de que manteramos um certo sigilo sobre ns. Eu tinha ficado mal nos ltimos dias, mas especialmente hoje, que Caio vai embora, essa decepo deu trgua para eu me preocupar com algo mais momentneo. Queria pedir para os meus pais um desconto, a fim deles adiarem esta derradeira conversa para outro dia, eu precisava poupar energias. Mas no havia jeito, eu tinha que caminhar sozinha, com minhas prprias pernas para o abatedouro. Sentei-me no sof, diante dos meus pais que j estavam no outro, prontos para me passarem um sermo. Era s eu me manter calada e agentar firme. _Bela, ns estamos muito tristes, nos esforamos o ano inteiro para pagar uma escola boa, e cara! _ minha me, ps toda nfase no cara para no precisar acrescentar a acusao de que eu estava jogando o dinheiro dela fora. _Eu tambm me esforcei para estudar. _ tentei me defender.
_Tentou nada!_ meu pai explodiu, ele no era homem de muito tato. _Eu tentei sim. _ reafirmei. _ Mas difcil. competitivo! Tem reservas de vagas! Eu no sou negra, nem estudei no municpio. Na poca de vocs no tinha isso, e ainda por cima menos pessoas faziam faculdade... _ tentei lembrar de todos os argumentos cabveis, fossem ticos ou no, para salvar a minha pele, pois eu j sentia o cheiro de punio. _Mas as suas amigas passaram. _ fatal, no havia outra coisa a se contrapor diante desta frase incisiva de meu pai. _Claro, passar para letras com 500 vagas no o mesmo que passar para Comunicao tendo que tirar 42 pontos! _ tentei ainda com um ltimo suspiro agonizante naquela guerra mostrar que de nmeros e estatsticas eu entendia, afinal, fazia parte das porcentagens dos que falharam. _Voc quer mesmo fazer publicidade? _ minha me falou com voz calma e olhar de pena. _Quero, sempre quis! Eu me acho uma pessoa muito criativa e tenho tudo para brilhar... _E agora? O que espera que eu faa? Me mate de trabalhar, feito um burro de carga naquela empresa para voc me mostrar que no passou de novo? _ meu pai no estava querendo facilitar nem um pouco as coisas. _ Ns afrouxamos demais para o seu lado e olha no que deu? Eu cansei de ver voc sair com suas amiguinhas para festas. _Pai, eu preciso ter vida social, vida prpria... _No precisa porra nenhuma... _ ele levantou-se e minha me o segurou. _Srgio, se acalma, assim no vamos resolver nada. Resolver o qu? J era, eu estava ferrada, no tinha como solucionar aquilo no grito ou na surra. _Voc me envergonha! _ ele disse e aquilo foi muito pior que um tapa na cara. As lgrimas me vieram aos olhos e minha me entendeu que estava na hora de encerrar o assunto. _Seu pai e eu decidimos ir a escola pedir para eles te darem uma bolsa para voc repetir o terceiro ano l, agora com suas notas no vestibular podemos tentar garantir que voc ser mais uma que dar nome a escola... _Estudar de novo l?_ perguntei. _O qu? Quer ficar em casa vendo seriado na Net e mexendo no seu orkut, bibelozinho? _Srgio! _minha me o olhou com repreenso. _ melhor que tentar pagar um cursinho. _voltou a me dar ateno. _L voc j conhece os professores... _..._ no respondi nada. Eu estava muito mal por no ter ido bem no vestibular, por saber que eu teria que
voltar a escola com a palavra fracassada na testa, mas no tinha como tirar da cabea que hoje Caio iria para So Paulo. Abri a porta da rua para sair, eu havia combinado de lev-lo at o ponto de nibus. _Onde vai, mocinha?_ A voz do meu pai soou do canto da sala, onde ele lia o jornal de esportes Lance. _Eu preciso dar uma sada._ respondi com voz de cordeirinho e cara de Gato de Botas do filme Shrek. _No, no precisa. Pode comear a estudar, eu no acho que est no direito de perder tempo._ sentenciou. Respirei fundo para no gritar de raiva. Meu Deus, ele no esperava que eu fosse naquela hora pegar a apostila de fsica e calcular o empuxo da gotinha dgua para a prova do ano que vem?! Sim, era o que ele queria. Procurei com os olhos pela minha me, mas a luz da cozinha estava apagada. Meu pai leu meus pensamentos, sabia a filha que tinha, e me informou que ela havia sado para ir at a casa de uma cliente fazer limpeza de pele. Eu ainda estava com a mo na fechadura. No tinha jeito, que no conseguiria dissuadi-lo. No sem minha me por perto para segurar o leo. Fui para o meu quarto com vontade de pegar a primeira coisa quebrvel pela frente e arremess-la na parede. Isso, contudo, no me levaria at Caio. Ele no podia pensar que eu o tinha esquecido. Esse dia era fatdico para ele. Sentada na cama, olhei pela fresta da minha porta meu irmo no quarto dele, diante do computador. No acredito que precisaria contar com aquele pestinha. Era hora de apelar para tudo. _Betinho... _ entrei em seu quarto e sentei em sua cama. _ Eu quero fazer um acordo com voc... Ele imediatamente desgrudou os olhos da tela do computador e vi seu bonequinho sendo morto, com as tripas e sangue espirrando para tudo que lado. Eu conseguira tirar sua ateno do jogo online. _E o que eu vou ganhar com isso?_ ele mostrou que naquele lance a seguridade consistia em eu dar uma boa oferta para livrar a minha cabea. _Como era o nome daquele jogo que voc entrou para ver no shopping, naquela loja? Lembra? A loja ao lado daquele cyber... _ uma expanso do Half Life, se chama Source. _Eu te dou ela, mas voc vai ter que me ajudar a sair de casa. Meu pai resolver me prender aqui, porque eu no me dei bem nas provas... _Viu? Isso para ver como eu me sinto... _T! _ eu no tinha tempo para ouvir um sermo daquele fedelho sobre o quanto ramos iguais. _ o seguinte: o Caio vai embora hoje para So Paulo. _O Caio vai para So Paulo?
_Fala baixo! _ tampei a boca dele com minha mo com fora. _Voc quer ganhar o jogo no quer?_ perguntei e ele balanou a cabea afirmativamente. Destampei sua boca._ Ento, coloque seu celular no modo vibrar e fica com ele na mo, no pode tirar da sua mo! _instru. _ Eu vou trancar a porta do meu quarto e para todos os efeitos eu estou l dentro dormindo, chorando, qualquer coisa assim. _T, mas para que o celular? _ ele ficou confuso. _Porque quando eu voltar, vou te ligar e voc vai tirar o papai de casa. Pede, implora, ajoelha para ele e fala que quer muito que te leve para jogar l na pracinha. _Mas eu posso ir sozinho..._ lembrou-me. _Eu sei... Ah! Diz que quer muito que ele v. _Ele vai dizer que est cansado. _Ai... _mordi a unha. Ele estava me deixando mais nervosa, mas estava certo, eu no poderia contar que o plano seria to infalvel assim. _ Tudo bem, diga que o pai do Fabinho vai tambm e que voc queria mostrar pro pai dele que sabe jogar bola melhor que ele. O meu pai vai adorar te exibir. _Meu Deus, garota, voc diablica! Voc vai para o inferno! _falou assustado. Que timo! Eu estava dando a pior imagem e o pior exemplo para o meu irmo. Mas no era hora de eu pensar em minha pontuao de comportamento com So Pedro com o tempo passando. _Ok, mas me diz uma coisa, voc vai passar pela porta para sair como? Se jogar do quinto andar da janela? _ ele tocou em um ponto importante. _Se voc fosse fazer, como faria? _Ah! Eu vou chamar o meu pai para ver um site de futebol aqui, tem uns lances em vdeo, a voc aproveita e sai de fininho... _ por isso que voc meu irmo, pior que eu! _ pisquei o olho. _ Ento, vamos colocar o plano em ao. _O Source custa 56 reais. _ informou-me. Meu Deus! Eu teria que vender bala no trnsito com aqueles ganchos cheios de saquinhos de Torrone e jujuba pendurados para comprar esse jogo! No duvidava nada que meu pai tambm me cortasse at o dinheiro do lanche, quem dir minha mesada. J estava at ouvindo a voz dele Leva ovo cozido para a escola! E assim foi feito. Meu pai foi para o quarto atrado pela isca do meu irmo e quando percebi que ele estava de costas para a porta, eu deslizei pelo corredor e consegui sair, fechando a porta muito de vagar. Eu no tinha dinheiro para um txi e era nesse momento que entrava Dbi para me socorrer. Pelo menos ela eu no teria que subornar. Contei-lhe o que estava acontecendo e minha amiga me disse que o nico jeito era acordar o irmo dela para me levar. Eu enfatizei que aquilo era muito importante. Apesar das reclamaes do irmo, que pude ouvir do celular, ele aceitou me quebrar essa rvore de jequitib!
Assim foi, eu cheguei com o corao na boca e no demorou muito para reconhecer os pais de Caio. Mas ele no estava l. _Pode ir, eu fico aqui, eu odeio ver despedidas... _ o irmo de Dbi ficou no carro e eu abri a porta e corri para ver se ainda estava em tempo de me despedir de Caio. _Ele j entrou. _ a me dele me informou com um ar de desprezo, me culpando silenciosamente por um possvel esquecimento. No pensei duas vezes, peguei o celular e disquei. _Voc no possui crditos promocionais, para adquirir novos crditos digite 1..._ ouvi a voz mecnica da operadora. Meus dedos tremiam. Disquei a cobrar para o celular de Caio. Ele atendeu: _Voc esqueceu n? _ ele me acusou. _Eu nunca esqueceria, estou aqui do lado de fora. Eu no ouvi mais nada, ele desligou. Segundos depois, ele pediu licena para um menino que estava subindo no nibus e apareceu na porta. Me encontrou com os olhos e desceu. Corremos um em direo ao outro e nos abraamos. _Eu vou sentir muito sua falta. _ falei. _Eu pensei que no vinha. _ me beijou a boca. _No sabe o que tive que fazer... Mas depois eu te conto... _ segurei seu rosto com minhas duas mos. _ Boa viagem! Nos beijamos com vontade e nos abraamos com fora. O motorista ligou o nibus e ele soltou a minha mo no ar e virou as costas. Eu fiquei ali em p, anestesiada. O nibus dobrou a esquina e desapareceu. _Ns j vamos... _ ouvi a voz do padrasto de Caio atrs de mim e senti sua mo em meu ombro. _Voc quer uma carona? _No precisa, tio. Obrigada. Eu vim com um amigo e se meus pais perguntarem, eu no estive aqui... _ pedi e voltei em direo ao carro do irmo de Dbi. _Que barra, hen! _ ele comentou. _Tudo bem... _ sorri e limpei o rosto. Perto de casa eu liguei para o celular do meu irmo e torci para ele ter lembrado da instruo que eu lhe dera de no esquecer o celular. Esqueci, porm, de dizer para ele no estar perto do meu pai, quando tocasse. _E a? Cheguei... _ falei baixinho. _Voc est com sorte, meu pai foi dormir! _ ele informou. _ Mas no pense que por isso eu perdi meu jogo no hen?! _T. _ ri daquele desejo infantil e mercenrio. _ Eu sei. Valeu. _Eu queria que algum um dia fizesse isso por mim. _ o irmo de Dbi comentou, entendendo por alto a situao.
_Que nada... Obrigada viu? _Eu te cobro depois... _ riu. Sai do carro e voltei para o meu quarto, onde agora de fato, eu consolidava o que havia pedido para meu irmo mentir. Como v, no vou para o inferno to rpido assim, afinal, eu teria toda a tarde para sentir aquela perda, sozinha. Liguei o meu aparelho de som em cima da estante. Abri meu porta CD e tirei do compartimento o cd da trilha sonora da novela "Senhora do destino". Deitei na minha cama e me abracei ao meu travesseiro. Eu queria lembrar como era a msica "Encontros e despedidas" de abertura da novela, ela tinha muito a ver com o dia de hoje: Mande notcias do mundo de l Diz quem fica Me d um abrao Venha me apertar T chegando Coisa que gosto poder partir Sem ter planos Melhor ainda poder voltar Quando quero Todos os dias um vai e vem A vida se repete na estao Tem gente que chega pra ficar Tem gente que vai pra nunca mais Tem gente que vem e quer voltar Tem gente que vai e quer ficar Tem gente que veio s olhar Tem gente a sorrir e a chorar E assim, chegar e partir So s dois lados Da mesma viagem O trem que chega o mesmo trem da partida A hora do encontro tambm despedida A plataforma dessa estao a vida desse meu lugar a vida desse meu lugar a vida ....
Cap 15: O que me importa agora? Trilha sonora da cena Dbi no demorou muito para me ligar, seu irmo deve ter lhe dito como foi a despedida e a maneira arrasada que eu voltei no carro dele.
_Est tudo bem. _ menti. _ Pode ficar tranqila, isso far parte, eu vou suportar muito bem tudo isso. Vou tirar de letra. _Tem certeza? _ desacreditou. _Tenho sim! Pode ficar descansada, eu s estou meio mal com meus pais, que esto pegando no meu p, no posso sair, porque no conseguir passar nas provas... Enfim, resumindo, t ruim, mas essa mar vai passar. _ falei confiante. Desliguei antes que minhas palavras j no soassem com tanta convico. A parte em que eu afirmava que suportaria tudo com gol de letra no fora to simples assim e conto por qu. No primeiro ms, eu sabia que no podia esperar muito retorno, havia a adaptao, toda a gama de transformaes que ele sofreria. Ou seja, existiam desculpas slidas para eu me manter de p e colocar em um canto do meu corao os problemas empilhados. Mas uma hora a prateleira comea a pesar e no sustentar tantos sentimentos sufocados. Isso comeou a ficar bem mais evidente, quando me dei conta de que o mnimo me faltava. J que no podia ver, tocar, ao menos gostaria de falar com Caio. Ele no era uma pessoa que gostasse de telefone, MSN, orkut ou afins. Sempre fora um pouco tmido e introspectivo. Eu, ento, tomei partido e decidi atravessar as noites frias de maio procura de um orelho para ligar para ele. Encolhida no agasalho tremula, ansiosa voltei muitas vezes com o corao vazio. Cada dia uma nova desculpa. Estudando, tirando servio, dormindo e outras variantes. Os desencontros estavam to constantes que comeou a me bater uma dvida cruel: ele me amava mesmo? Nos ver uma vez no ms estava sendo suficiente para ele manter o que sentia por mim com o mesmo vigor? Quando eu perguntava, ele respondia piamente que sim, que amava e que eu que estava ficando muito neurtica com isso. Para corroborar ainda mais que a obsesso vinha apenas da minha cabea, argumentava que era mais fcil ele ter cime e sentir falta, j que eu estava solta aqui e ele preso l. Por alguns segundos eu concordava e me achava uma boba, uma idiota. Mas gua que bate na pedra tanto bate at que fura, ou sei l como era mesmo o ditado. Muitas coisas eu no lhes contava, porque o magoaria. Calei tantos infernos em mim para priv-lo e proteg-lo. Eu, por exemplo, sentia um pouco de vergonha de dizer que namorava distncia, porque sempre depois precisava ouvir um sermo das pessoas de como elas eram mais felizes vivendo amores reais e prximos. Eu no estava, porm, diante de nenhuma escolha simples, conforme os outros faziam parecer. O meu amor assim me foi dado pela vida: distante. Eu, desse modo, s tinha duas alternativas cabveis: ou deixava ele viver a vida dele de PREP e admitia que no suportava aquele amor de ms, ou me debateria contra a parede, insistindo que poderia sair como herona dessa prova de fogo. No preciso nem dizer qual opo escolhi n? Minha amiga Dbi, certo dia me perguntou que dieta eu estava fazendo. Achei engraado aquela curiosidade dela. _Eu no estou fazendo dieta nenhuma, pelo contrrio, sai at da academia, estou sem tempo, s estudando, meu pai vai me matar se eu no passar esse ano.
_Nossa, voc est emagrecendo muito... _ comentou comigo e atravs do olhar dela, que usei como espelho, pude enxergar que essas operaes e transformaes brutais tambm estavam atingindo meu corpo e no apenas minha mente e corao. Caio no tinha como perceber isso, porque ficvamos tanto tempo longe, que nossos mundos praticamente no tinham mais aquela rea de intercesso que nos permitia enxergar os mnimos detalhes. Cada volta dele era para eu me deparar com um garoto virando homem, diferente, muito diferente nas atitudes, no falar, no pensar, nos sonhos, nas metas. Tudo era a sua carreira. O assunto era seus campos, suas provas, suas, suas coisas... Eu certa vez resolvi fazer o mesmo e contar-lhe sobre algo do meu cotidiano. Foi bem no incio. Narrei como fora meu primeiro dia de volta as aulas. Um episdio mexera muito comigo. Um aluno que eu conhecia e que tambm no havia passado direto me pedira para retirar uma dvida. A professora disse alto e em bom tom: _No para tirar dvida dele no, voc a. Voc a professora? Se fosse boa voc tinha passado no vestibular! Aquilo acabara comigo, aquela professora sabia enfiar a faca no ponto fraco. Continuei descrevendo outros fatos que me incomodavam e Caio simplesmente me cortou: _Ai, no quero falar disso, vamos mudar de assunto? _ levantou-se e foi para seu quarto, estvamos sozinhos em sua casa. Eu fiquei ali sentada no sof, olhando para a minha imagem na tela da televiso desligada. Senti um n na garganta. Ele simplesmente no conseguia lidar com o sofrimento, no conseguia me ouvir. Eu nunca vou esquecer, peguei minha bolsa e sai. Deixei ele no quarto, achando que em algum momento eu iria atrs dele. Mas sempre Caio me aparecia com suas fortes convices de que EU, e sempre EU, estava agindo assim porque sob forte saudade no enxergava que o amor dele era o mesmo e ficava exigindo alm da conta. A bola de neve vinha descendo da montanha ento com toda fora, tornando-se cada vez maior, apanhando toda a neve que se unia a ela, enquanto descia penhasco abaixo. Por amor a gente suporta o imaginvel. Consegue esconder de todo mundo as desventuras de nosso relacionamento e finge com um merecimento de Oscar da Academia que somos as pessoas mais desapegadas do mundo e que nada disso mexe com a gente. um forte mecanismo de varrer a pena das pessoas para bem longe. Quanto mais gente ao redor sentindo pena, mais nos damos conta da grande droga e baguna que est nosso lado amoroso da vida. chegado um feriado e junto com ele uma linda viagem de Caio e os amigos. Eu disse Caio e os amigos, Belinha no estava inserida no meio. Sim, por hiptese de eu me oferecer a ir, estaria em uma casa de praia com 20 cuecas e s eu de menina. Definitivamente no entraria na cabea de papi, nem de mami, muito menos era meu projeto de viver um namoro normal em alguns dias. S que, segundo o meu namorado de quem vos falo, eu estava sendo um pouquinho egosta. Ele tinha o direito de rever os amigos, de matar as saudade e eu por AMOR, vejam bem como o Amor usado para desculpas, tinha que dizer
amm. Eu disse amm, para que no me atirem a pedra de condenao de que no fiz tudo, tudo mesmo para segurar as pontas. S que esperava ao menos que ele me ligasse. Nada, nem um toque, nenhuma mensagem. Ai, nessas alturas, amigas, a pedra rolando, lembra dela? Era uma mega bolota de neve pertinho da minha cabecinha. A justificativa? L no tinham tomadas suficientes na casa, as mochilas estavam empilhadas e o carregador... Ah, o carregador se misturou com os outros... Engula e chupa essa manga com caroo!? Beijos, amor, sexo bom, carinho, o mix de tudo isso capaz de calar a nossa boca, quando acontece o perdo. Mas as coisas no se apagam, elas ficam l dentro da gente, se acumulando. Preciso relatar a parte dos meus pais. Era inevitvel que eles ficassem sabendo. Foi uma questo de trs fases. A primeira: adoraram. Por incrvel que parea, s o fato de eu estar com um militar era sinal de que eu tinha um bom futuro com um homem ntegro. Fase dois: dvida. Eles perceberam que no era justo eu ficar sozinha, deixando minha vida pessoal em stand by, porque Caio estava estudando fora. Fase trs: certeza, eles no queriam que eu sofresse tanto. At o meu pai, olha isso! At meu pai veio um dia no meu quarto perguntar se eu queria ir ao aniversrio de uma das minhas amigas que tinha deixado um recado no telefone para mim. Eu lhe disse que no muito. Ir sem Caio ia ser estar exposta a azarao. Pasmem: ele insistiu para eu sair do quarto. Claro, que para me empurrar para fora dali havia um timo respaldo. Minhas notas estavam maravilhosas, dignas de um elogio pessoal da diretora, que o chamara at l para dizer que era com muito prazer que me concediam a bolsa que ele havia se humilhado para pedir para mim. _Se voc no vier, eu vou at a te arrastar! _ Dbi me ligou e de tanto bater na tecla, cedi. Procurei uma roupa menos careta que um pijama de flanela de elefantinhos e toquei para o lual, animada at, com perspectivas de estar perto de pessoas alegres e elevar o meu moral. No posso dizer que foi tudo que eu esperava, nem pior do que temi. Coloriu um pouco com um tom de Frida Kahlo minha noite morta de sexta-feira. O retorno fora no carro de um amigo de Dbi, que insistira para eu lhe dar uma chance e ficar com ele. Nem adiantou dizer que eu tinha namorado, pois para ele um namoro a distncia no era motivo de parar a prpria vida. Durante o percurso, ele permaneceu com o brao no encosto e falando coisas ao meu ouvido. Eu sei que pode parecer para quem ouve o que vou falar um crime, mas eu estava gostando. No iria trair o Caio, mas fazia tanto tempo que eu no sentia esse calor humano, esse jeito de provoco uma guerra por voc... _Vai dizer que voc no est com vontade tambm... _ ele falou. _No, no estou. _ falei enftica. Era de manh j. Tnhamos esperado amanhecer para ficar menos perigoso de voltar para casa. Samos todos do carro na porta do meu apartamento. Antes disso, o cara de quem lhes falava, beijou-me a bochecha e tentou chegar na boca, mas eu
o afastei. Dbi viu pelo retrovisor e nada fez. Acho que ela estava torcendo para eu tirar Caio da cabea. _Bela, seu namorado anda armado? _ Dbi perguntou e eu estranhei sua pergunta. _No. _ respondi, ainda fazendo cara feia para o espertinho que tentara me arrancar um beijo. _Ento, eu espero que ao menos ele seja bem mope e no tenha vista o beijo de vocs... _ Dbi falou baixinho prxima ao meu ouvido. _Eu no o beijei! _ reafirmei e olhei na direo em que Dbi olhava. _ Ai meu Deus... _ sussurrei. Era Caio na janela da minha sala, de farda. Ele deve ter vindo direto para minha casa, bem cedo, me fazer uma surpresa e vira tudo. Mas tudo o qu? Eu empurrei o cara! _Eu te ligo depois, boa sorte... _ Dbi entrou no carro. Os olhos de Caio ainda estavam vtreos, olhando para baixo. Impassvel. Eu engoli em seco. Assim que sai do elevador, o vi na porta do meu apartamento se despedindo de minha me. _Olha ela a! _ minha me falou, mas Caio no se animou, apertou o boto para descer. Fiz um sinal para minha me entrar, que a gente ia comear a ter uma crise ali e ela entendeu o recado. _Caio... Eu fui em um lual da Sabrina, lembra dela? _Pode deixar que disso que eu acabei de ver eu no vou nunca deixar de lembrar... _ a voz dele estava sarcstica, cida mais que nunca. _No, Caio! Ele tentou me beijar, mas no encostou na minha boca, eu no deixei, eu falei que tinha namorado... _Quem procura acha, Bela. E eu estou de saco cheio de voc me perseguindo. _Eu no te persigo! No fala assim. _ me defendi. _Voc me fez passar o papel de idiota agora, eu l acreditando em voc... _Caio, voc pode acreditar em mim! _Bela, eu no quero te olhar na minha frente nunca mais! Entendeu bem? _ falou alto e grosso comigo. Vi o elevador fechar e minha me abrir a porta. Ela veio em meu socorro, mas no deixei que me tocasse... Caminhei para o meu quarto e l fiquei, sem comer e sem beber. A bola de neve finalmente encostou na minha cabea e foi avassaladora. Fui fazer xixi no banheiro e no corredor senti tudo rodar... Ficou tudo escuro. Minhas mos frias, um mal estar. Dormncia na nuca.
_Manh!_ s ouvi o grito metlico do meu irmo se ajoelhando diante do meu corpo que tinha cado. _ Corre, a Bela desmaiou... No vi mais nada. Fui mergulhada no escuro, no vazio absoluto e s vim acordar e me dar de volta no mundo em cima de um leito de hospital. Fios estavam presos na veio da minha mo. Minha cabea ainda parecia uma caixa cheia de cacos de vidros quebrados chacoalhando. Tentei fazer um esforo para sentar. Em que ponto eu chegara? Caio me veio a mente. Ele no acreditara em mim, pensara que eu estava curtindo aqui e ele sofrendo l. Ele no confiava em mim e me achava neurtica. Uma raiva muito grande foi batendo no meu peito. E parece que a fora do meu sentimento foi to grande, que o trouxe at ali. Caio tinha acabado de entrar no quarto. Caio estava fardado. Por qu? Ser que eu ficara tanto tempo ali, que j estava na hora dele ir embora de volta? _O que voc est fazendo aqui? O que resta de mim para voc pisar? _ perguntei e agora j no havia mais nem um pingo de amor na voz. _Eu... _Eu no quero ouvir! Eu no quero ouvir nada! J estou cheia, j estou farta de ligar para voc mil vezes. De mandar mil mensagens de celular e voc nunca me responder. De esperar um eu te amo e voc desligar com um tchau. Sabe Caio, eu pensei que seria diferente. Eu no estava esperando nenhum mar de rosas, mas queria o mnimo. O mnimo, que me dissesse uma vez no dia o que sentia por mim. Mas no, eu sou a louca, eu sou a neurtica... _Bela, voc no est bem... _Eu quero que voc suma da minha vida! _ eu pedi, sentindo entalar de choro. _Caio, su-ma, vai embora. _berrei. _No precisa ser assim... _Caio, voc pode ir ficar com seus amigos. Fica mesmo com eles, sai com eles, aproveita tudo, vai para cama com eles, se comam, se amem, se fodam, se explodam! _ berrei e senti meus batimentos cardacos se elevarem muito. _ Vai para o inferno! _Bela... _ Caio estava to assustado, que no saia do lugar, como se pregos estivessem grampeando os sapatos bem lustrados dele. _Bela nada! Eu no quero mais ouvir a sua voz. Eu estou com raiva, raiva do modo displicente com que andou me tratando. Eu no tenho que tolerar mais isso. _Voc no est bem, garota, voc est louca... _Eu estou louca! Louca para te ver fora da minha vida e pegar toda essa baguna, toda essa coisa entoxicante e ter de volta a minha paz... _Eu no sabia que eu te fazia to mal... _Mas me faz. _ limpei as lgrimas dos olhos. _ Me faz muito mal ficar sozinha, me faz muito mal no ter fome, me faz muito mal ir para todas as festas sem ningum
do meu lado. Me faz muito mal ter que s ouvir o que voc acha que importante. Me faz muito mal... Ter que me colocar no posto abaixo da sua carreira e no ter nada em troca... _Como nada em troca? _Caio, chega, acabou! Voc no quer acreditar em mim, ento, acredite no que quiser! Enfermeira... _ berrei e senti que minha boca espumava de raiva. Uma jovem mulher entrou correndo, muito assustada. Olhou para Caio e no entendeu nada. Pensou que algum estivesse me fazendo mal. Mas como um homem to bonito, impecavelmente fardado e com postura de esttua de guerreiro medieval poderia me fazer mal? _Tira ele daqui._ pedi. Ela no sabia como proceder. _ o poder n? _ falei para ela. _ o poder dele que assusta. Mas ele no vai te mandar pagar flexo no! _ ridicularizei-a. _Bela, eu vou reconsiderar tudo que falou e pensar que voc est assim... _Caio, eu disse fora! Fora da minha vida! _ fiquei de joelho na cama e os fios do soro me prenderam. Mais uma enfermeira entrou com uma seringa e elas me seguraram com fora. Eu senti aos poucos o calmante na veia fazer efeito e me bateu uma sonolncia. O rosto de Caio ainda estava ali diante de mim, no meio do quarto, parado, impvido. Frio e glido, como ele se tornou. Meus movimentos de lutar contra as enfermeiras enfraqueceram e eu no vi nada mais. S silncio e paz.
Cap 16: Um longo caminho de volta a si Trilha sonora da cena Dbi entrou no meu quarto e a primeira coisa que vi em seus olhos foi pena. _Oi, garota. _ ela passou a mo na minha cabea e beijou-a. _Oi._ sorri e segurei sua mo com fora. Minha amiga deitou na cama ao meu lado e me abraou: _Estou aqui t?_ disse e fez carinho no meu rosto. _Eu no sei o que aconteceu comigo... _ falei-lhe. _Sua me me disse que voc h uma semana no fala com ningum, nem quer comer, voc est nos assustando. _...Nada foi fcil. _ falei-lhe segurando sua mo. _Eu sei! _ ela franziu a testa. _ Eu via que voc s estava tentando parecer forte, mas no foi a melhor maneira._Bela, ns queremos que voc fique bem e volte a ser o que era antes... _ ela me disse tudo com muita calma e senti que estava me preparando para algo. _ Eu trouxe uma pessoa aqui para ajudar voc. _ ela soltou a minha mo e se levantou. Por uns segundos achei que era Caio, mas depois de
tudo ele no ligou,nem me procurou mais. Ele eu sabia que j perdera, s precisava me encontrar. Dbi abriu a porta e nunca esperava ver ali em meu quarto aquela pessoa, que me trouxe um sorriso com sua presena inimaginada! _Oi. _ a senhora Sara fez um sinal para que Dbi nos deixasse a ss e fechou a porta. _Oi._ sorri-lhe. _Posso me sentar?_ ela pediu e eu fiz que sim com a cabea. Ela tinha vindo de sua fazenda at a minha casa s para me ver? _Ele te mandou aqui? _ perguntei. _Ele me contou o que houve por telefone e eu achei que deveria vir. Ele me deu o telefone de sua amiga. _Obrigada... _ falei baixinho._ Eu precisava muito disso mesmo... _ confessei, era bom saber que nem todos naquela famlia me detestavam agora. _Eu vim lhe fazer uma proposta. J conversei com seus pais e eles aceitaram. Seria muito bom para voc. _O que ? _Eu queria que voc fosse para a fazenda comigo. _ props. Fiquei muda. Meus pais deixaram eu ficar ainda mais tempo longe da escola, na casa de um estranho? _Mas... _Ele no vai estar l, te prometo, ser s ns duas por algum tempo. _ ela me assegurou com veemncia. _Eu queria mesmo ficar longe por um tempo. _ falei-lhe. _ Antes que eu faa alguma besteira... _Vamos, ento? _ ela me perguntou. _Tenho que arrumar as minhas coisas... _Eu tomei a liberdade de arrum-las com sua me, enquanto voc dormia. _Nossa, nem vi. _ estranhei o fato delas terem entrado no meu quarto, feito barulho e eu nem ter acordado. Os remdios realmente eram muito fortes. Na sala, meu pai e minha me se levantaram assim que eu apareci no corredor. Eles me pareceram aliviados por eu ter me levantado da cama e ter decidido viajar com a senhora Sara. O caminho foi silencioso. No carro, Sara ao meu lado no falou nada. Ficamos as duas, cada qual em sua janela olhando a paisagem. O motorista ouvia uma msica caipira baixinha e melosa. Tudo ia se tornando estranho, na medida em que as ruas e minha cidade ficavam para trs na estrada. _Vamos parar para tomar um caf?_ Sara anunciou mais para mim, que para o motorista, que precisou ouvir outra vez o seu pedido. Ela e eu entramos em um pequeno e aconchegante restaurante de beira de estrada com um lindo estilo colonial. Sentamos em uma mesa de madeira e tomamos uma xcara de caf. _Viajar bom, d um senso de liberdade. _ ela falou com os olhos ainda brilhantes. _J viajei muito. _ disse saudosa. _Eu posso dizer que j estou me sentindo at um pouquinho melhor... Ainda um pouco lerda com esses remdios... Ela tocou em minha mo e sorriu em apoio. Eu no sabia o que a movia para estar ali comigo, mas eu jamais teria como agradecer por ela ter me tirado de l para fazer um hiato em minha vida. Eu tinha que me desgarrar do passado e me conectar com um novo eu. Chegamos na fazenda na hora do almoo e ela me conduziu at o quarto onde eu havia ficado da ltima vez. Eu olhei fixamente para a cama e fiquei parada na
soleira da porta. _Tem outros quartos...? _ perguntei. _Claro, l em cima, se no se importar de subir escadas. _ disse-me. _Eu prefiro._ pedi, constrangida. _Tudo bem... _ colocou as mos nos meus ombros e fomos l para cima para acomodar as minhas coisas. _Vamos preparar nosso almoo? _ ela sugeriu, eu no estava com fome, mas queria ser o mais educada possvel e acompanhei-a at a cozinha. Sentei-me mesa e a observei tirar algumas folhas de cebolinha da geladeira. Picou o vegetal minimamente e depois veio a cebola, o tomate e ela comeou a preparar peito de frango grelhado. O cheiro de condimentos encheu todo o ambiente. _Voc j viu o filme Como gua para chocolate? _ ela me perguntou subitamente. _No. _ respondi. _ um filme muito interessante em espanhol. Eu tenho aqui em casa, propsito poderamos ver. Ele trata de uma jovem que tem o poder de passar todos os seus sentimentos para a comida que cozinha. Desde pequena ela foi prometida por sua me a cuidar dela at na velhice e no poderia se casar. Ento, ela consegue atingir todas as pessoas com a comida que faz. muito interessante. _ contou-me e eu senti curiosidade e vontade de assistir o filme, da maneira entusiasmada com que ela me narrava. _Acha que a gente tem o poder de passar o que sentimos para a comida?_ perguntei-lhe. _Tudo o que sentimos passamos atravs das mos e da proximidade com os outros. Umas pessoas mais sensveis que outras percebem isso. _Os ciganos no permitem pelas tradies que uma mulher durante o perodo menstrual cozinhe. _ lembrei do que havia assistido na televiso certa vez. _No sei se verdade. Ela nos serviu de comida e o papo estava to interessante, que eu me forcei a comer um pouco. _Sabe que aqui no ocidente ns temos a mania de abraar, beijar. Lembra a vinda desse novo Papa ao Brasil? Falaram muito do modo como nosso presidente pegava o brao do Papa e o arrastava para l e para c como um boneco... _ riu-se. _ Em pases orientais isso no acontece. Se na Tailndia, por exemplo, ou no Japo, voc chegar perto de uma criana bem pequena, nem pense em sair apertando as bochechas. Os pais vo lhe dar uma bofetada! No! _Por qu? _ franzi a testa. _Porque voc estar roubando as energias puras e positivas que existe na criana. Estar sugando. _Nossa! Que forte!_ levantei as sobrancelhas e continuei mastigando. _Voc se interessa muito pela cultura oriental, no mesmo? _Sim. _ ela sorriu e enfiou o garfo em um pedacinho de frango rosado. _ Com a Internet, fica ainda mais fcil a gente ler coisas, procurar, estudar... _Internet? _Sim, senhorita! Ou acha que eu no sou uma excluda digital? _ ela colocou as mos na cintura e riu. Ri tambm e pedi desculpa pelo meu preconceito. _Tenho um computador l na minha sala, mas talvez voc no tenha visto. _Hum, sim. _ disse-lhe. Aps o almoo, fomos assistir ao filme na sala. Depois eu acabei dormindo um pouco e quando acordei j anoitecia. Procurei-a pela casa e no a achei. Vi a porta que levava ao ston entreaberta. Subi bem de vagar e encontrei a senhora Sara sentada em uma toalha grande e quadrada em posio de ltus. Parecia meditar. _Pode entrar. _ ela abriu os olhos. _No queria atrapalh-la.
_No est. _ ela levantou-se e pegou uma outra toalha dentro de um armrio com portas e a estendeu no cho, entendi que era para mim. _Sente-se aqui. Sentei-me, com muito cuidado para no encostar no candelabro prximo a ns. _Voc gostaria de aprender a meditar? _Meditar? _ perguntei, mais curiosa que com vontade. _ Nunca fiz isso. _ ri constrangida. _Primeiro, sente-se como eu. _mostrou-me. _ A meditao uma tcnica milenar de prestar ateno na nossa mente. Um mestre indiano chamado Nisargadatta Maharaj ensina que: Ns conhecemos o mundo exterior de sensaes e aes mas, do nosso mundo interior de pensamentos e sentimentos, ns conhecemos muito pouco. O objetivo primrio da meditao que nos tornemos conscientes e que nos familiarizemos com a nossa vida interior. Concentrei-me em sua explicao. _Nosso corpo como um copo de gua cheio, no deve mov-lo durante a meditao para no entornar a gua. _ avisou. _ Mantenha a postura ereta para no comprimir o diafragma e preste ateno na sua respirao. Se vier um monte de pensamentos que desencadeie outros pensamentos, no procure conect-los, apenas olhe como se fosse um vdeo clipe. Por enquanto s... As cores, os smbolos e as outras tcnicas eu ensino da prxima vez. Ela levantou-se, puxou meus cabelos para trs e delicadamente o enrolou. _Vou deix-la a ss para ficar mais tranqila. Talvez uma msica de rock metlica fosse bem menos inquietante que o silncio de estar sozinha comigo mesma. Pois era um quadro em branco pronto para ser preenchido. Imediatamente minha mente foi invadida por flashs de memria e todos eles eram muito inquietantes. Caio no hospital, a sensao de raiva e revolta que senti, meu descontrole. Tentei lembrar das instrues de Sara para simplesmente ver as cenas, sem me concentrar nelas, s ver. Encontrei-a novamente na sala, sentada no sof, vendo um lbum pequeno. Ela me sorriu e fez sinal para que eu me sentasse ao seu lado. _Como foi? _Angustiante._ ri, com medo de desapont-la. _E por qu? _Porque eu vi o que estava fazendo fora para esquecer... _ minha voz soou um tanto triste. Abaixei a cabea. _Bela, voc sabe quem essa garota? _ ela me mostrou o lbum. Eu me surpreendi. Eram minhas fotos com meus amigos em festas, em viagens, sorrindo, feliz, maquiada, bonita. _Sou eu, lgico. _ achei engraado como ela tinha aquilo, provavelmente pedira a minha me. _E onde est ela agora? _Aqui? _ franzi a testa. _Aqui. _ ela tocou com a ponta do dedo no meu corao._ Muitos acontecimentos ai dentro fizeram essa garota se esconder. Voc quer conversar sobre isso? _ tanta coisa, que nem sei por onde comear... _Comece por qualquer ponto e quando achar necessrio volte, v a frente. _ deu de ombros. _Eu no sei o que deu em mim naquele dia do hospital... _ falei-lhe sobre a impresso mais forte que tinha sobre todos os eventos. Caio provavelmente deve ter-lhe contado. _... Parece que um vulco se apoderou de mim e eu perdi o controle. Comecei a gritar, a ter vontade de esganar o Caio... Senti-me muito envergonhada pelo que estava revelando. _E por que ele merecia isso para voc? _ perguntou-me friamente, sem ter em seu tom de voz qualquer juzo de valor. _Porque eu queria que ele sentisse um pouco de dor. Eu queria machucar ele. _confessei e me assustei com as minhas prprias palavras._ Eu sofri durante um tempo sozinha, na minha casa e ele no me deu ateno. Eu sei que ele tinha mil
coisas para fazer l na Prep, mas eu queria que ele me ligasse, me mandasse mensagens, s que nada. Ento, eu queria naquele dia no hospital que ele sentisse meu desprezo. _Quando voc comeou a sentir essa vontade? _Ento, como estou te contando, quando ele no me deu mais ateno. Eu o via todos os dias e, de repente, ele estava a quilmetros de distncia, nem a para mim... _ no consegui falar mais, aquilo era sufocante. _Bela, voc sabe bem sobre seus sentimentos, mas ser que sabe sobre os sentimentos do outro? _Era o que ele me repetia, que me amava muito e que eu que no conseguia enxergar isso, porque precisava toda hora que ele demonstrasse. Eu no queria ser assim, mas da minha essncia. Tentar mudar isso, ouvir dele que eu estava enlouquecendo, de fato me tirou do eixo. Eu pirei totalmente... _Voc chegou em um ponto importante. Sua essncia. Eu gostaria de falar-lhe sobre isso. Mas queria que voc abrisse a sua mente e se livrasse dos preconceitos para ouvir. _Claro. _ eu estava disposta a ouvir qualquer coisa que me levasse a rearrumar aquele quebra-cabeas. _Voc nasceu no dia 10 de julho. A data do nosso nascimento influi sobre a nossa personalidade. Voc do signo de cncer. J viu qual o smbolo desse signo? _Um caranguejo. _ respondi. _E o que os caranguejos fazem quando esto acuados? Se escondem dentro do buraco e ficam l, enfiados em suas casas, para no se deparar com o perigo. Assim so as pessoas desse signo, extremamente instveis e que se fecham quando se sentem ameaadas. _Eu sou um pouco assim. _ concordei. _Os cancerianos so muito emotivos e sentem na pele todas as vibraes. A imaginao deles muito frtil e ficam mirabolando em suas cabeas mil possibilidades. S que lembre-se, querida, a maioria dos problemas s existem em nossas cabeas e nunca viro a se tornar realidade. Ela poderia estar certa, eu por muito tempo pensei que meu namorado no me amava, mas talvez fosse apenas coisa da minha cabea e da minha imaginao. _Cada signo tem um ponto sensvel no corpo e os do signo de Cncer o estmago. Aquilo fez todo o sentido para mim, eu desencadeara um distrbio alimentar que me fizera emagrecer muitos quilos e a me dar gastrite. _O canceriano ama intensamente e se acomoda no amor, mas quando sente que no est sendo correspondido, que algum est traindo sua confiana, isso pode se tornar irreversvel. A mesma fora do amor do canceriano de seu dio, pois ele no consegue perdoar com tanta facilidade, ele guarda no ba da memria e mata a pessoa dentro de si. raro chegar a esse ponto, pois a essncia do canceriano ser amoroso e doce, mas quem atinge esse pice com ele, est perdido... _ avisou. _Eu nunca acreditei em nada disso. Minha me arrancaria minha mo se me visse lendo horscopo no jornal. Mas algumas coisas batem. _Horscopo de jornal no estudo de signos, so jornalistas de incio de carreira brincando de inventar premunies. Acho que existe mais explicaes sobre a vida do que pode uma s religio abarcar, ou apenas a cincia elucidar. Porque certos grupos de pessoas cismam em julgar que o modo delas a nica e melhor viso de mundo? Essa uma caracterstica muito antiga de dominao dos povos e est ligada a dinheiro, muito dinheiro. Mas no vamos falar disso e desviar do assunto. _Voc falou com Caio, no mesmo? _ quis saber. _Sim, ele me ligou. Caio um bom menino, mas como disse, um menino ainda e no sabe lidar com certas situaes... Ele me disse que no teria tempo de ficar por perto e queria que algum tentasse te ajudar e perguntou se eu poderia fazer isso, j que, segundo ele, voc teria tido grande empatia por mim. _Apesar das coisas boas que lembro, a maior parte de sensaes ruins, de solido
e eu no sei se posso lidar com isso. Voc acha que devo tentar de novo? _Voc sente que pode? Calei-me. _Caio no gostou muito da conversa que tive com ele... _ ela riu. _Por qu? _Porque ele quis se colocar na posio de vtima e voc de algoz. Mas eu no vejo as coisas assim, com esse maniquesmo. Um relacionamento no uma histria feita da polaridade positiva e negativa. Um o bem e outro o mal. Um fez tudinho certo e o outro foi o mostrinho perverso. _ ela caricaturou a situao para que eu pudesse entender melhor. _ Eu falei para ele, que no s aquilo que a gente faz que pode alterar os sentimentos de outras pessoas. O que a gente tambm no faz, o que a gente negligencia, tambm tem uma ordem de potncia. Se omitir uma forma de agir, uma escolha, uma ao. _E ele? Deve ter ficado confuso. _Ele disse que at eu estava contra ele._riu._ Eu falei que no, que no estava nem do lado dele, nem do seu, mas do amor de vocs. _Sara, por que existe essa atrao e repulso entre ns desde o incio, onde est o equilbrio que eu no acho? Por que comigo e Caio assim? Porque simplesmente no ficamos bem e pronto, por que to difcil? _Bela... _ ela encostou sua mo na minha e demorou alguns segundos para responder. _ Voc e o Caio tm uma ligao muito forte, que j vem de muuuito tempo. Mas vocs esto vibrando com intensidades diferentes. Voc vai sentir isso ainda mais com o tempo. Voc vai viver umas experincias aqui fora, ele vai viver outras l dentro e nem sempre vo estar em mesmo grau de maturidade. Muitas vezes isso poder provocar um choque. _Eu sinto que preciso ficar um pouco sozinha. _ falei. _Eu sei... talvez isso seja o melhor agora. _ ela concordou. _ Para ele tambm. Por mais que para ele seja ainda mais doloroso. _Eu sei que me afastar parecer fraqueza, mas eu assumo que estou fraca e preciso me fortalecer. _Eu entendo. Bela, eu j estive no seu lugar. _ ela sorriu e entendi o que ela quis dizer. _ Eu sei como . E ningum precisa criar as mesmas estratgias de lidar com as situaes. Cada mulher saber e descobrir como ajustar a sua vida ao seu amor militar. _ bom demais falar com algum que me entenda, que eu no parea louca ou idiota. _Mas voc no est sozinha, querida. J pensou quantas meninas passam pelo mesmo que voc? _No conheo nenhuma. _Eu tenho ento uma proposta para te fazer. Outra, nossa, te fiz tantas hoje. Poder te ajudar a encontrar-se com essas pessoas que vivem igual a voc... _Claro! Fale! _ estava louca para ouvir. Eu me sentia muitssimo melhor e queria mais e mais a achar meu equilbrio. Estava interessada em saber o que a senhora Sara queria me propor.
Cap 17: Voc que eu j no conheo mais Trilha sonora da cena Pela manh, depois do caf, Sara me levou at a sua sala no ston e l havia uma pequena porta. Nem tinha reparado nela. Eram tantas portas, tantos segredos se abrindo diante de mim. Um quartinho bem pequeno, com um computador em cima de uma mesa de madeira, uma poltrona ao lado de uma janela que tinha vista para um lindo campo verde e algumas prateleiras com mais livros. _Sente-se aqui, querida. _ ela puxou a cadeira e ligou o computador no
estabilizador. O que ela iria me mostrar estava no computador? Isso me levaria a conhecer outras meninas que passavam o mesmo que eu? Comecei a ficar confusa. Ela esperou conectar a rede e sentou-se na poltrona para me falar. Eu adorava ouvi-la, me fazia me sentir mais serena, menos culpada, mais paciente comigo mesmo e minhas limitaes. _Bela, muito importante voc se ouvir mais. Ouvir o que voc sente e tentar aprender consigo mesma. No vou estar ao seu lado sempre para te fazer se ver por dentro. Por isso, vou te ensinar uma tcnica que aprendi com um psiclogo que era amigo do meu falecido marido. Ele me dizia para eu escrever tudo que eu pensava, meus segredos, minhas dvidas e depois lesse em voz alta, porque eu iria assim descobrir muitas coisas sobre mim. _E por que o computador? Voc quer que eu escreva aqui? _ perguntei, sempre com muita curiosidade. _A na Internet, se voc pesquisar, vai encontrar muitas outras meninas que tambm passam por todo esse processo. Nunca parou para pensar nisso? No! Nossa, eu estava to mergulhada no meu caos que no me toquei que na Internet no seria difcil encontrar pessoas vivendo essa realidade. Puxa, eu precisei sair da minha casa, vir para o campo e ouvir isso de uma pessoa mais velha? Como a vida d tantas voltas para nos levar para o lugar onde devemos estar! _Mas eu vou escrever para elas? _ fiquei confusa. _No, vai escrever para voc! H uma srie de servidores gratuitos agora que disponibilizam pginas individuais. Tem no uol, na Globo.com, no Blogger do Google. _Nossa! Voc entende de tudo hen?_ ri, animada. _Que isso! Eu aprendi isso com uma de minhas pacientes... _Pacientes? _ franzi a testa. _. At pouco tempo atrs eu tinha um pequeno consultrio aqui na cidade, mas j estou um pouco cansada das minhas pernas para ir at l... _ suspirou. _Ento, a senhora era psicloga...? Hum... _Pois ... _ ela sorriu. _Eu estava ento nas mos certas. _ ri. Ela me instruiu onde eu poderia encontrar um servidor gratuito. _Mas eu no sei escrever muito bem. _ falei-lhe da minha limitao. _ A gente no escreve para ningum gostar, voc no jornalista. Voc vai escrever como quiser, para voc! _ ela advertiu-me. Depois de me dar as indicaes, ela me deixou sozinha e desceu. Eu vasculhei vrias comunidades no orkut e deixei recado para muitas meninas que encontrei por l. Aproveitei para seguir o conselho de Sara e criei uma pgina para mim. Enquanto estava l entretida, a dor, a angstia, aquelas sensaes ruins foram passando. Estar ali era o melhor retiro que eu poderia encontrar! Assim fiquei ao longo de toda tarde, s parando para almoar a deliciosa carne moda com batatas de dona Sara. noite, desci e encontrei Sara na sala, sentada no sof, ao lado do telefone, de costas para mim. Ela estava conversando com algum pelo viva voz. Reconheci imediatamente quem era seu interlocutor:
_Como ela est, v? _ Caio perguntou e pareceu-me que a ligao tinha sido iniciada h pouco tempo. _Est melhor, superou minhas expectativas. Ela teve um colapso nervoso. _Eu vi..._ respondeu. _Caio, o que aconteceu com ela foi muito srio. Mais srio do que voc pode imaginar. _V, no entendo, no era para tanto! _ ele reclamou. _Querido, cada pessoa tem um limite de suportar e reagir diante das situaes. Ela guardou tudo para ela. _No entendo por que ela no me demonstrava nada! Me parecia to bem... _Caio, ela me disse que voc a chamou de louca... _Eu estava brincando... _Caio, nem sempre que a gente fala as coisas brincando, a gente est brincando. Em momentos de fragilidades a gente magoa as pessoas. _Ah, v..._ ele resmungou. _Ela acreditou no que voc falou. _ falou duramente e com voz firme. _ Voc tem o dia inteiro a e no poderia ter ligado algumas vezes? Voc no acha que no teve nenhuma parcela de culpa? Que no precisava ser mais homem nessa relao? _Desculpe, v. _No a mim que tem se desculpar, mas a voc mesmo, porque voc a perdeu, Caio. _Eu no entendo, v, ela se gostasse de mim, tinha que me deixar mais livre. Eu quero sair para zoar com meus amigos, eu quero viajar, no quero estar a todo momento com ela... _Entendo sim. _ respondeu com um fino tom de ironia. _Voc, ento, que est no final da Escola Preparatria, pronto para sair da, deixou tudo subir na cabea e est seguindo a conversa dos seus amigos. Deixa eu adivinhar como vocs falam no ser de ningum... Caio calou-se, percebi que sua av o conhecia muito melhor que eu. _Caio, voc queria colocar a Bela em uma caixinha, guard-la. Sair, beijar vrias meninas, ser irresponsvel, ter menos coisas que te prendessem e depois tirasse ela da caixinha e ficasse com ela, porque ela uma garota legal para voc? _... _ Caio silenciou mais uma vez._Eu estou meio confuso. Fiquei magoado com o jeito que ela me tratou e... _Caio essa uma desculpa para voc conseguir aquilo que voc arrastou para ter? A separao? _... _ ele no respondeu, s podia-se ouvir a sua respirao. Acompanhar a conversa daqueles dois era ver uma guerra verbal sendo travada. _Caio, se a Bela te pedisse de todo corao perdo pelo que te falou, te dissesse que foi uma crise que ela teve de saudade, de carncia, voc queria perdo-la tambm? _V, eu... _Voc queria. Eu perguntei querer, porque querer implica em voc voltar para ela. _V, eu no quero que voc diga isso a ela, por favor, mas eu quero ficar na minha. Sei l... Eu estou com vontade de experimentar ficar sozinho, para ver se isso mesmo... _Caio, me diz de todo o corao, voc j est sentindo isso a quanto tempo? _Alguns meses. Minha me tambm fica me colocando pilha na cabea... Foi acumulando tudo, eu sei l, quero respirar. _Voc sabe que na vida as chances nem sempre voltam a ocorrer, n? _Sei. _ ele respondeu. _Pois bem, ento, que voc se responsabilize por isso. Eu, como uma velha mulher, vejo de com mais experincia essa situao toda. Voc s um garoto, cheio de energia, querendo fazer parte de um grupo de amigos solteiros, que acha que sempre ter uma nova chance... Mas tem janelas que no voltam a se abrir. _Eu acho que eu estou certo, v. Eu cansei um pouco de viver distncia, de tudo isso... Sei l... To a fim de ficar na minha.
_Tudo bem, eu respeito isso. _ ela respondeu. _V, eu tenho que desligar deu o toque, vou jantar. _Vai l. Beijos. Sara ficou ainda sentada por um tempo e eu parada ao lado da porta, no conseguia me mexer. Todas aquelas palavras tinham me transpassado como lanas. Ao levantar-se, ela me olhou e em seu rosto estava escrita a pergunta Voc ouviu tudo? Eu no disse nada e ela entendeu que sim. Sara caminhou em minha direo e tirou o meu cabelo do meu ombro e colocou para trs. _Eu sabia que eu no estava louca. _ sorri-lhe um sorriso quase morto. _ Eu sabia que tinha alguma coisa errada e no era apenas comigo. _ confessei. _ Eu acho que j estou pronta para voltar para casa. _ disse-lhe friamente. *** A primeira que veio me visitar ao saber do meu retorno, fora Dbi, minha fiel amiga e escudeira de todas as horas. Abracei-a com muito carinho por um tempo. Sentamos no sof. _Voc me parece bem melhor! _ ela sorriu e apertou a minha mo. _Estou sim, essa viagem foi muito boa. _ confessei e contei a maioria das coisas que tinha se sucedido na casa de Sara. _ bom saber que ela no defendeu o neto, nem te colocou na posio de malvada. Ela soube separar bem as coisas e ser mais imparcial... _ comentou. _Eu no sei quem foi culpado, foi uma sucesso de coisas. Para resumir, esse ano foi muito ruim. Eu tento no me sentir responsvel... Mas l no fundo tenho a sensao de que estraguei tudo, porque parece que eu aqui tinha que agentar tudo, me entende? _Entendo sim. _ ela balanou a cabea afirmativamente. _ Bela, eu que estou de fora posso te falar... _ Dbi pareceu dona Sara, me dizendo que as pessoas de fora conseguem enxergar coisas que no queremos ver. _... eu vi voc sofrer, ficar sozinha. Lembro de voc me ligar contando que ele preferiu viajar com os amigos, que no respondia suas mensagens, que no fazia esforo nenhum para te dar um feedback. Eu sei que ele l tem mil responsabilidades, que ele tem compromissos, mas at que ponto isso basta? At que ponto isso d o direito da pessoa se eximir de tudo? De no fazer um sacrificiozinho? _ ela franziu a testa, parecia muito mais duro para Dbi entender o que vivi. _ At que ponto, meu Deus, h uma licena potica para esse amor militar de que voc me fala? Por que voc que est do outro lado a fraca, a ruim, a vil, por que simplesmente teve vontade de mandar isso tudo pra puta que pariu? _ riu e me fez ri tambm de seu jeito de narrar as coisas. _Eu nem tento entender mais... _dei de ombros. _ Eu s queria ter aquele amor antigo, eu s queria ter meu amigo por aqui, vindo em casa todos os dias como antes... Mas ele mudou tanto, ele est to frio. Ele fala de um jeito que eu desconheo, como se ele estivesse falando com os argumentos e idias de outro! _E agora? _ ela perguntou. _E agora... vou levar. Tenho que fazer o vestibular, j estamos quase no fim do ano e eu tenho que ser o que era antes. _Voc ainda gosta dele, n? _Gosto, mas todas as vezes que eu lembro me recordo do que foi ruim, me marcou
muito. _Vai ficar tudo bem... _ ela sorriu e me abraou. _Te adoro, miga! _ ri e ela riu tambm. _ Nem te contei, bem fiz um blog. _? _ ela franziu a testa e a levei at o quarto para mostrar. Conversamos por toda a tarde e a noite, antes de dormir escrevi mais uma vez na minha pgina. Havia l um recado de Dbi, que deve ter chegado em casa e ter entrado mais uma vez no blog. Estava escrito assim: _ Voc forte, sei que vai superar. S os que esto perto, bem perto dos que sofrem, conseguem enxergar o que os outros no podem. Eu sei que no foi fraca. Beijos da sua amiga Dbi. Sorri.
Cap 18: Proposta decente Trilha sonora da cena Eu precisava voltar a ser gente, vida de urso panda no me levaria a nada. Primeira atitude era sair e Dbi foi minha companhia. Como ela mesmo diz, dentro de casa as coisas no acontecem. Nada muito alm do convencional, um shopping, uma casquinha do McDonalds e colocar os assuntos em dia. Quem estava com quem, quem cortou o cabelo, quem viajou, quem sumiu. Os outros. Os outros so o melhor dos assuntos, quando queremos afastar a hiptese de nos colocar em pauta. _Dbora? _ ouvimos uma voz ao nosso lado. Era um rapaz de cabelo castanho, bem vestido e, principalmente, com um perfume delicioso. Ele abraou minha amiga e a salpicou com dois beijos na bochecha. Continuei lambendo meu Chocomac, estranhssimo quando um desconhecido nos rouba a ateno de nossa companhia e ficamos com cara de bobocas. _Essa a minha amiga, Isabela. _ Dbi me apresentou. _ Quer sentar a, senta... _ ela ofereceu. _Posso? _ perguntou j sentando. _E a? Trabalhando com sua me?_ Dbi perguntou. _... Estamos fazendo agora uma reformulao na loja... Estou trabalhando com a rea de marketing da empresa. Muito legal... _ disse. _Que bom! _ Dbi sorriu e explicou que ele cursava publicidade na mesma faculdade que ela, mas j estava no quinto perodo. _Hum... _ limitei-me a mordiscar a casquinha. _Voc modelo? _ ele perguntou, do nada. _Eu? _ ri e me babei com o sorvete. _!_ ele me deu o guardanapo que eu havia deixado em cima da mesa. _No... Que idia! _ tentei sem sucesso apagar a manchinha marrom que ficara na minha blusa. _No se preocupe, Bela, ele no est te cantando. _ Dbi riu e me senti muito pateta. _ que ele trabalhou em uma agncia e acha que todo mundo fica bonita com um quilo de maquiagem e uma boa camada de Photoshop. Ele era olheiro, esses caras que... _Eu sei o que ... _ interrompi._No, nunca fiz trabalhos assim... _E gostaria? Estou precisando de algum para fazer uma foto para um grande
painel que queremos colocar na frente da loja, esses de hipermdia, gigante... _Eu? _ ri, sem acreditar que eu pudesse ser digna de parecer assim em tamanho mega. _Voc. Ns no podemos pagar uma modelo de elite, mas talvez o que oferecemos fosse bom para voc e depois eu posso te compensar com uns contatos. _..._ franzi a testa e Dbi balanou a minha mo, para eu ter qualquer reao. _ Por que no, Bela? Voc alta, magra, loira e seria divertido te ver bem grandona, quando eu voltasse da faculdade. _ brincou. _De calcinha? _ levantei as sobrancelhas. _Mas no ser vulgar! Ser de roupa ntima, bem feminina, delicado. Afinal, a imagem da empresa conta... _No sei se meus pais iriam gostar... _ pensei principalmente no meu pai, descobrindo que a filhinha dele no brinca de bonecas mais! _Bom, aqui est o meu carto, eu preciso da resposta at... amanh. Fale com eles. E pode lev-los para a sesso de fotos. No roubada, fique tranqila. _ garantiu. _Hum-hum. _ educadamente peguei o papel. Um celular comeou a tocar e ele sacou o dele do bolso e atendeu: _Al? Eu to aqui no shopping. Onde? Hoje? T beleza, eu vou passar a ento... _ olhou o relgio. Desligou. _ Meninas... _ se dirigiu a ns. _ eu vou ter que sair... _ deu um beijo no rosto de Dbi e no meu. _ Me liga. _ pediu. Eu fiquei olhando-o partir pelo corredor de mesas da Praa de Alimentao. _Voc vai aceitar? _No sei. De lingerie?_ fiquei em dvida. _Ah! Pode pintar outras coisas. Nunca pensou nisso? _ ela se empolgou com a idia. _Vou ter que falar com meus pais. _ guardei o carto na bolsa. *** Tudo o que eu no espera era o impossvel. Sabe quando seus pais tm um surto? _Bom, voc agora maior de idade, se acha que deve fazer, faa. Aquilo vindo da minha me, com o silncio consentido do meu pai, parecia irreal. At pensei que essa atitude era movida por pena. J que eu passara uma fase ruim, eles permitiriam qualquer coisa que me trouxesse nimo. Seja l qual fosse o motivo, era mesmo assim surpreendente. Procurei o carto na minha bolsa e fui at meu quarto. Olhei o telefone. Pensei bem. Eu tinha que conseguir dinheiro para ser um pouquinho mais independente e por que no fazer um bico? Tirei o aparelho do gancho e disquei. _Al? Oi, aqui a Isabela, com quem voc falou no shopping sobre a proposta da propaganda... O encontro fora marcado e eu s pedira um dia a mais para poder me cuidar melhor. Fazer a unha, o cabelo, depilao e tudo que me deixasse em um estado mais fotogrfico, digamos assim. Antes que eu perdesse o papel, anotei na agenda do meu celular o nmero: _Aqui est voc... _ falei com o aparelho. _ Gus-ta-vo... Suspirei e olhei para o computador. Entrei no meu blog para ver se tinha algum comentrio. Havia dois, um da Pandora e outro da Bruxinha Nany.
_ Belinha achei seu blog no orkut da Dbi... j vivi um amor militar como vc e sei o quanto ele di... claro que tive momentos de intensa felicidade, mas infelizmente eles acabaram... mas toro por vc. Tudo vai dar certo! acredite!!!!_Assinado: Bruxinha Nany. , pelo visto, eu no estava sozinha nisso. O que Caio fazia a essa hora? Tive momentos de intensa felicidade, a frase do comentrio me veio a cabea e deixei que minhas mos recordassem um pouco destes tempo de felicidade no meu blog.
Cap 19: Regresso Trilha sonora da cena Aps o almoo e uma maante rotina de aulas do colgio, me pus diante do meu blog para ler os comentrios. Talvez, algum tivesse passado por ali para deixar um sinal de vida. E no que havia alguns bem interessantes? Estranha e ao mesmo tempo divertida essa possibilidade de interagir com desconhecidos. A primeira pessoa me chamou muito ateno por seu carinho em detalhar como j passara certa vez por uma situao difcil, mas que aprendera com as lies que a vida lhe oportunizara. Podiam ser palavras de uma irm, tinha um tom que em algo no sei bem o qu me lembrava a Sara: _ As memrias so uma das melhores partes da nossa vida. Dizer s geraes futuras o q aconteceu, o q fizemos, como foi a sensao... faz-los se sentir na cena e emocion-los mto gratificante. Mesmo que no haja uma coontinuao mto feliz... o momento mgico faz valer a pena. Sabe, eu acredito q o q vale o melhor q se consegue guardar de alguma situao... _ acho que ela se referia a descrio que eu havia feito no respectivo texto sobre um flashback de um momento muito bonito que tive com Caio. Depois, a Ariel Angel, como se chamava, tocou na questo de eu dever ou no aceitar o convite de pousar para propaganda da loja dos pais de Gustavo._ bem, eu no faria se fosse voc pq, ainda que seja pela arte, expor o corpo no me parece bom. Seu corpo foi feito por Deus para ser respeitado, sabe? Se ficar num outdoor enorme em roupas menores, mtas pessoas vo olhar com luxria e tal... sei l... voc que sabe, mas eu acredito q toda escolha envolve uma perda, ento... no quero dizer "faa" ou "no faa", prefiro dizer "pesquise, conhea e decida". Entende? No tome decises precipitadas... nada feito s pressas bem feito porque no houve reflexo, e a reflexo algo importante para se tomar slidas bases a fim de se subir os degraus. Se vc sai correndo pelas escadas, pode tropear e cair e se machucar gravemente... Arqueei as sobrancelhas e suspirei, depois franzi a testa. Pensei sobre aquilo um pouco. Estar exposta certamente despertaria uma enorme gama de sentimentos em cada um que olhasse para minha imagem. Mas at que ponto eu estaria desrespeitando alguma regra? Como ela bem terminara, no estava querendo dizer que aquela era uma opinio certa, ou errada, apenas seu modo de ver e que eu sim deveria descobrir o que seria melhor para mim. O prximo comentrio me arrancou um riso: _ Sobre vc sair em um poster... se vc responder q naum vai, eu t mato! _ aquela frase bem poderia ter sido dita por Dbi, com seu tom intempestuoso e impulsivo, mas fora escrita por Raissa. Os outros tambm falavam do mesmo assunto:
-quem sabe um outdoor tb no reflita a bela Isabela que um dia existiu? (vc deveria pensar em aceit-lo!) _ questionou Violet. _ Faa a propaganda... mostre ao Caio que vc pode sim viver sem ele!!!!!! se vc naum fizer vou ficar de cara com vc!!!!_ disse a Bruxinha Nany, me arrancando outro riso. Tentei lembrar o caminho que Caio faria da rodoviria at sua casa e senti um frio na barriga, quando me dei conta de que o nibus passaria pela esquina da rua da loja. Gustavo havia me dado o endereo e eu conhecia aquele lugar muito bem, pois uma amiga morava por ali perto. O que ele acharia daquilo? Seria uma insondvel e cruel dvida, mas a cara de desprezo que sua me provavelmente esboaria eu j podia visualizar sem dificuldade. Ela provavelmente enfiaria na cabea dele que eu me venderia, que seria passada por todos, que era uma imoral e por a vai. Conhecia muito bem os argumentos destrutivos daquela mulher, quando seu objetivo era mostrar ao filho que eu no era sua melhor opo. Acho que minha beleza sempre a atingiu em cheio. De certa forma, nunca acreditara que eu pudesse manter minha fidelidade, sendo bonita. Mas no era mais tempo de eu ficar me focando nesses dois, porque Gustavo no poderia duvidar da minha seriedade por causa de qualquer atraso. Encontrei Dbi em sua casa e de l fomos at um estdio, onde ele nos esperava. Era no segundo andar de um velho edifcio. Dbi e eu ficamos at apreensivas e ela brincou que aquele bem poderia ser o cenrio de um filme de terror. S havia escadas e por elas fomos levadas at o segundo andar. Um longo corredor somente iluminado pela luz do dia que entrava por uma janela de vidro fosco entreaberta. A nica segurana que nos mantinha era de que Dbi conhecia pessoalmente Gustavo e que por isso no precisvamos ficar to receosas. Apertamos a campainha e Gustavo atendeu a porta. Usava uma camisa apertada preta, um jeans azul e uma cmera no pescoo: _Oi! _ disse e ele sorriu, se aproximando para um beijo. _ Voc quem vai fotografar? _ franzi a testa. _. Algum problema? _ perguntou e fechou a porta. Exceto por eu ficar de calcinha na sua frente, nenhum. _ pensei e depois me ocorreu algo macro: Toda a cidade me veria assim. _Meu amigo fotgrafo tambm e me emprestou o estdio dele para a gente fazer as fotos. Ele est em uma externa hoje e no vai precisar daqui. _ explicou tirando fotos de um pequeno quadrado cinza. _Que est fazendo? _ Dbi perguntou. _Fotometrando, estou verificando a quantidade de luz. _ respondeu maquinalmente. _Hum, sim. _ Dbi sentou-se em um pequeno sof, mas eu ainda fiquei de p, olhando o lugar. Era uma espcie de enorme sala, com janelas grandes e paredes feitas de tijolinhos. Um painel branco ocupava boa parte do espao e muitos refletores iluminavam o lugar, onde supostamente daqui alguns minutos eu estaria
de roupa ntima. _Linda... _ ele veio at a minha direo e a partir de, ento, eu era a nica para ele, Dbi pareceu inexistir. _ Voc quer beber alguma coisa, comer alguma coisa...? _No, obrigada. _ respondi. _Ento, eu vou colocar uma msica para voc relaxar, se soltar e eu quero que voc leve isso para o lado mais profissional possvel. Todas as suas amigas, a sua me, a sua av, as freiras, todas usam lingerie, certo? _... _ continuei olhando e me perguntei se era realmente necessrio ele me tratar como a amadora- caipira- e- burra que j viu em toda sua vida. _Na loja, voc ser uma forma de modelo para as mulheres olharem nos painis e verem como ficariam nas calcinhas. Claro, que eu vou escolher uma mulher linda como voc para elas se imaginarem tambm lindas! _ riu e caminhou at uma espcie de guarda-chuva e o ajeitou. _ Eu pensei em a gente comear com as cores pastis... _ falou, de costas para mim, explicando seu processo de trabalho. _Ali em cima daquela mesa esto todas as peas separadas... _E o meu contrato? _ perguntei. Gustavo parou o que estava fazendo e me olhou. Dbi tambm ficou surpresa. _Bom... _ ele riu, como se tivesse esquecido ou desconsiderado algo que no parecia to importante._ Podemos fazer isso depois, se preferir... _Gus-ta-vo... _ joguei minha bolsa em cima do sof, onde estava Dbi e caminhei em sua direo com paos firmes. _... Voc acha que esse algum trabalhinho, ou deverzinho de casa que est fazendo para uma aula de fotografia da faculdade? Ele simplesmente no esboou qualquer expresso, parecia chocado e surpreso: _Hei, no duvide de meu profissionalismo... _ defendeu-se. _No estou duvidando... _ balancei a cabea para os lados. _ Nem acho que voc duvidou do meu em nenhum momento. _ falei ironicamente. _Bela, eu tenho uma certa pressa e..._ ele estava querendo desvirtuar o problema para o sinuoso caminho da desculpa. _Ento, Gustavo, eu lamento, mas no vou poder ajud-lo._ encolhi os ombros e virei as costas para pegar a minha bolsa. _Ai, essas modelos que se acham cansam a minha pacincia... _ desabafou baixinho e suspirou. _O que voc disse? _ virei-me e meu cabelo danou no ar. Pus a mo na cintura. _Acho que a partir do primeiro trabalho, j um trabalho, certo? Ou pensa que eu sou s um corpinho bonito e sexy? O meu cabelo loiro te passa alguma desconfiana da minha inteligncia? Ele no fez fora para devolver nenhuma resposta, me deixou falar: _Gustavo, eu quero saber quantos sero os psteres, qual o tamanho da propaganda da frente da loja, o que eu vou vestir, quanto tempo as peas ficaro
expostas, tudo mesmo. Eu no sei se isso comum, se a prpria modelo que faz as transaes contratuais... _ mostrei a minha ignorncia. _ Mas eu sei o poder de multiplicao que uma imagem tem. Ela pode parar na Internet, ela pode parar nas mos erradas... _ fui mostrando a ele as possibilidades ruins daquele jogo. _... Eu quero um papel que me d garantias. Afinal, se alguma coisa ruim me acontecer, toda a loja da sua me e seus direitos civis podero ressarcir meus danos morais, no? Ele estava boquiaberto e eu segurei com fora a minha cintura para no mostrar que minhas mos estavam trmulas, afinal, para mim era novo ainda eu tomar direo de minhas escolhas e deixar de ser bobinha. Precisei falar difcil, com fora, mas ao mesmo tempo sem violncia, firme e calma. Ele respirou fundo. _Ento, no poderemos fazer isso hoje. _ ele simplesmente resumiu. _Tudo bem, ento. Vamos, Dbi. _ peguei minha bolsa. _ Desculpe, mas essas so as minhas condies. Minha amiga me seguiu e na escadaria falou pela primeira vez: _Voc a dentro a Bela que eu conheo? _ ela me pareceu a mais assustada. _Deixa de bobeira. _ ri, agora mais relaxada. _Bela? _ ouviu uma voz vinda do alto, quando atravessei a portaria do prdio. _ Posso te esperar aqui, amanh, com o contrato? _ Gustavo perguntou. _Amanh, ento. _ segurei o sorriso e ele no, sorriu um sorriso aberto e vencido. *** _Satisfeita? _ Gustavo me perguntou, olhando a folha que eu acabara de assinar, depois de todas as revises que eu fizera minuciosamente. _S depois que eu ver se vo-c sabe fazer isso direito. _ pisquei o olho e ele sorriu. _Ah! Isso um desafio? _ ele disse amistoso, abrindo um elo entre ns, adiado pelas questes burocrticas das quais eu jamais abriria mo. Ele ligou o som e eu fui para o meio da luz. O ventilador fazia meu cabelo levemente esvoaar. Gustavo mexia no meu rosto, me ensinava para onde deveria olhar, como me posicionar e eu o imitava. _Agora, se solta, isso... _ clicou vrias vezes na mquina. _ Ri, ri aquele riso gostoso, Bela... _ pediu. O resto do ensaio que durou at a noite fora muito cansativo, mas uma das experincias mais diferentes que j tive. Senti-me depois de muito tempo a Bela das fotos que Sara me mostrara. Eu finalmente tinha regressado. Gustavo nos deu uma carona at em casa, passando primeiramente na de Dbora para deix-la e por ltimo na minha. _Eu gostei... _ ele falou, ao parar o carro na portaria do meu prdio. _Das fotos? Eu tambm, devem ter ficado bonitas. _No... _ ele abaixou a cabea e apoiou os antebraos no volante. Olhou de lado
para mim. _ Gostei da sua atitude. Uma boa foto se faz de luz e de uma atitude. _... Eu pensei que queria me matar. _Tambm. _ ele se recostou no banco. _ Quando voc virou com raiva e veio na minha direo, no importava mais nada que dissesse, tinha que ser voc. Nem que eu tivesse que hipotecar meu apartamento. _Por que eu no pensei em pedir isso? _ fiz um ar pensativo fingido que provocou seu riso. _Eu j tirei bastante fotos de amadoras, de algumas profissionais... _ pareceu voltar no tempo. _ E posso dizer que a verdadeira beleza a confiana. O resto a gente fabrica. _Hum... _Amanh eu posso te pegar para a gente escolher as fotos juntos? _Juntos? _ perguntei, ser que esse era um procedimento normal? _Bom, depois eu vou levar para os meus pais e a enviar para a grfica... _Depois da aula, afinal, eu ainda sou uma menina. _ fiz um ar infantil. _..._ ele deu uma risada. _Nada. _ desculpou-se. _Me lembrei de uma msica. _Qual? _ franzi a testa. _No... No... Voc me interpretaria mal. _ ficou sem graa e eu sai do carro. No elevador fiquei imaginando que msica seria essa.
Captulo 20: Em busca de um cais Trilha sonora da cena _Meu Deus! _ Dbi parecia estar vendo um letreiro com meu nome em algum teatro da Broadway. _ Caramba! _ ela deu uns pulinhos e agarrou o meu brao. Eu continuei olhando para o alto tambm, vendo os funcionrios da loja terminarem de pendurar o enorme painel com minha foto e o logo da empresa. _Ficou legal, n? _ eu ri. _J estou at vendo os seus fs por a... _ Dbi adorava viajar na maionese, tinha que peg-la pela mo, porque se deixar sai voando. _Dbi, eu no sou nenhuma top model, foi s um bico... _ encolhi os ombros. _Por falar nisso, l vem um dos seus fs... _ ela olhou em direo a Gustavo, que saia da loja para falar conosco. _Acho que tem algum que no est conseguindo ser to profissional assim..._ ela disse baixinho, vendo que ele j estava quase na nossa frente. _E a? _ ele olhou tambm para o grande painel, como se j no tivesse visto muitas vezes a foto que escolhemos juntos em sua casa. _Bom, ento, agora eu vou l... _ Dbi se despediu, precisava fazer algumas coisas e tambm me deixar ali sozinha totalmente sem graa, estava escrito na sua testa que queria armar uma situao para eu me aproximar de Gustavo. Ela no tomava jeito. _Obrigada por me apresentar o achado. _Gustavo brincou, se referindo ao dia em que nos conhecemos no shopping._ deu dois beijinhos em Dbi. Ele e eu nos olhamos por um tempo, sem ter muito o que dizer. Eu ri, porque eu no consigo segurar, quando estou constrangida, comeo a rir, ou falar sem parar um monte de abobrinhas. _Minha me gostou muito de voc. _ ele quebrou o silencio. Sua me era uma pessoa muito inteligente, bonita e de forte personalidade. Conversamos um pouco nestes ltimos dias, em busca de ajustar todos os detalhes das propagandas. _Ela uma grande mulher. _ elogiei._Ento, eu vou pegar meu nibus... _ suspirei. _Posso te deixar em casa... _No precisa...
_No foi uma oferta, foi um pedido. _ ele sorriu e eu mais uma vez fiquei sem saber onde enfiar minha cara, ser que eu estava muito vermelha? _Voc tem um monte de coisas para fazer e... _Tenho? _ ele franziu a testa e tirou do bolso a chave, que direcionou para o carro atrs de mim, destravando a porta que fez um pequeno barulhinho mecnico. _ , eu tenho que te levar em casa exatamente agora... _ olhou o relgio, fingindo seriedade. _Obrigada. _ aceitei e entrei no carro. Gustavo ligou o som e perguntou que msica eu gostava. Eu disse que todas, no tinha nenhuma preferncia. _Ecltica, essa garota. _ ele zoou e deixou tocar o CD que estava no prprio aparelho. Era uma msica animada. _O que voc vai fazer essa noite? _Fazer o dever de fsica. Mecnica. _ falei fazendo uma careta e ele adorou e devolveu com uma risada. _Eu sinceramente ia ficar fa-ci-na-do em te acompanhar... _ ironizou teatralizando. _... Mas e se voc fizesse um pouquinho antes seu deverzinho de casa e me acompanhasse em um coquetel? _Eu? _ franzi a testa fazendo na velocidade da luz praticamente a combinao na minha cabea da seguinte matemtica: me + vestido + tempo + Gustavo + cabelo. _ Assim, em cima da hora? _. Eu tenho que ir a um coquetel de uma empresa que vende calcinhas e que est abrindo a coleo... _ falou enfadonhamente. _ ... Tenho dois convites e minha me quer porque quer que eu v... _Hum, programa de ndio e voc quer me levar...? _Bom, mas voc estaria comigo. _ ele piscou o olho. Ser que ele achava que eu estava sendo fcil, ou dando mole, ou coisa assim, ou, meu Deus, ou... _Bela? _ ele chamou, me tirando do meu momento neurose. _Oi... _Tudo bem? Voc ficou calada de repente. _Como seria o coquetel? Como eu teria que ir? _De calcinha, claro. _ falou. _T falando srio, Gustavo! _ bati no seu brao com a mo, estvamos em um sinal. _J que noite, poderia ir de longo. Vai ser uma coisa bem bacana. _Sabe que eu preciso pedir a minha me, n? _ lembrei-o que eu ainda tinha regras a seguir. _Tudo bem, quer que eu ajude? _No! _ pedi. _Calma, ela no ia gostar da minha cara? _No, no isso... S deixa que EU falo. _ preferi. _Certo. _ ele parou na frente da minha casa. _ Me liga at s sete, pode ser? Ai, s sete e meia eu passo aqui. _Mas assim, tudo to rpido? _ aquilo me deixava assustada, eu gostava das coisas com calma, seguindo o flego da minha agenda de capa rosa. _. _ ele sorriu. _T. _ eu no tinha escolha. Minha me, pasmem outra vez, deixou. Ela permitiu eu ser garota propaganda e agora deixava eu sair com o fotgrafo? Acho que ela estava gostando do fato de no me ver anmica, em cima da cama, me debulhando em lgrimas.
Abri o guarda-roupa e olhei o vestido amarelo que havia comprado para ir ao baile de formatura de Caio. Antes mesmo de chegar perto da data da festa, eu o arrematara em uma liquidao. A sandlia dourada eu j tinha do casamento de uma colega de minha me. Peguei-o e coloquei com cabide e tudo na frente do meu corpo. Admirei-me no espelho. S tinha essa opo. Ele era liso, com um corte nas costas. Algumas fitas amarelas o amarravam no dorso e duas faixas douradas envolviam ao redor dos braos e se cruzavam atrs do pescoo. Quando desci do prdio e cheguei na rua, no vi o carro de Gustavo. Ele havia me dito que j estava chegando. Liguei para seu celular de volta. _Al? Cad voc? _Calma, mocinha, que eu j estou chegando. _ ele riu e vi seu carro parando na frente do porto. Guardei o telefone e desci os trs degraus que nos separavam. Ele saiu do carro, deu a volta e me olhou como se me visse no mais lindo retrato que tivesse tirado: _Era voc a menina que tinha que fazer o dever de fsica? _ ele perguntou, pegando na minha mo para beij-la, em um cortejo de praxe. _Ih! Esqueci o dever... _ fiz uma cara de preocupao. _ Brincadeira, deu tempo... _ sorri. Ele olhou-me ainda por mais um momento. Estava vestindo um terno sem gravata e com a blusa branca aberta um boto. O evento realmente no seria divertido, se no fosse a presena dele me apresentando conhecidos, falando bobeiras no meu ouvido. Em um dado momento, nos afastamos um pouco das pessoas e procuramos um local mais quieto para conversar. _Que bom que voc est aqui... _ ele falou, sem preocupao em ser discreto. _Eu tambm estou gostando de tudo isso... _ devolvi a mesma sinceridade. _Tudo to rpido. _Tudo? _, ontem eu te conheci no shopping, hoje, eu estou aqui. _ me referi ao evento e ns dois pagando de casalzinho. _E seria muito rpido se... _ ele chegou mais prximo e afastou meu cabelo do ombro. _... Eu te beijasse? _..._ no respondi nada. No sei o que deu em mim, mas eu no queria beij-lo. Ainda no. _...Vamos danar? _ ele perguntou, percebendo que no meu silncio morava a resposta da sua pergunta. _Claro. _ sorri. Quando Gustavo me deixou em casa eu tive um relmpago de pensamentos. Sei l, talvez eu devesse racionalizar menos, viver mais. Dei-lhe, ento, de bom agrado o que havia negado no salo, antes de sair do carro. Um beijo quente, longo e gostoso. Entrei em casa e depois de um bom banho, ainda sobrou energia para ligar o computador e entrar no meu blog. Aquilo estava virando vcio! Eu havia perguntado o que as pessoas achavam de eu ligar para Caio e o voto da maioria era para que o fizesse. Mas depois de tudo que tinha acontecido com Gustavo, hoje, eu ainda assim deveria remexer no passado com Caio? _Vc no deve deixar q um problema tire a oportunidade de celebrar. Vocs tem um passado em comum, um passado mto lindo pelo visto... acho q vocs dois merecem a felicidade (vc, de ouvir a voz dele e ele, de receber os seus sinceros parabns). No sei pq acabou mas acredito que deixar o tempo passar o melhor para acalmar os nimos, colocar as idias no lugar (refletir) e ento fazer as escolhas..._ aconselhou-me Ariel. De fato, houve um passado entre ns e eu no poderia apagar. No sabem, nem calculam, a dor que no estar com ele na festa. Tudo fora programado dentro da minha cabea e simplesmente no vai acontecer. A gente fica ali, suportando a
distncia e mentalizando o mantra um dia eu vou estar naquela festa, comemorando o fim da batalha. Mas nosso fim chegara antes disso. No posso ficar triste, pois muitas coisas podem ainda acontecer com o Gustavo, depois de nosso beijo. Eu vou deixar o mar da vida me levar para algum cais seguro, no sei bem onde.
Captulo 21: Sem singularidade Trilha sonora da cena (clique aqui) _Olh s quem est chegando l embaixo?_ meu irmo da janela do apartamento anunciou. _Quem? _ perguntei, sem me mexer do sof. Continuei mastigando meu biscoito waffer de chocolate com recheio de baunilha. Quem poderia ser quela hora da tarde? _O cara do carro que voc t saindo. _Gustavo? _ levantei num pulo e os farelos que estavam cados na minha blusa voaram pelos ares. Segurei para no sorri, quando o visse. Cus, ser que estava com os dentes todos sujos de biscoito? _Pode mandar ele subir. _ eu falei para o meu irmo Roberto. _No! _balancei as mos no ar. _Eu estou horrvel! _ dei uns passinhos pela sala, perdida. _ Fala para o porteiro pedir para ele esperar l embaixo que eu vou tirar essa roupa e tentar arrumar o meu cabelo! _Ai, as mulheres! _ ele desceu da cadeira em que estava ajoelhado e revirou os olhos. _ Vocs namoram os inteligentes e legais e casam com os ricos e babacas. _Hei! Que papo esse? O Gustavo superlegal! _ eu estou vendo, ele superlegal com direo hidrulica e teto solar. Sei. _Ai, Betinho, v se pega esse interfone logo?! Eu no sou igual a voc que tem um sifrozinho como sinapse ligando um neurnio no outro. _Sina o qu? _ ele fez uma careta. _Isso de comer? _Arggghhhhiii! _ grunhi e corri para o meu quarto, j no corredor ouvi o trim do interfone tocar e meu irmo atender com o oi mais enfadonho que poderia conseguir. _Aiii, eu to horrvel! _ me olhei no espelho do quarto e percebi que no daria tempo de uma sesso de beleza em tempo recorde. Vesti uma bermuda jeans e uma outra blusa que no estivesse to amassada que mostrasse que eu acordara com ela. Penteei meu cabelo e por mais que ele estivesse liso, parecia muito rebelde. Nada como um coque e pronto, ele estava domado pelo prendedor. Agora uma aguinha na cara e uma escovada bsica nos dentes. Hufa! Ser que ele j estava bufando l embaixo? Corri e peguei o elevador. Respirei fundo e tentei parecer o mais natural e displicente quando a porta abriu-se:
_Oi. _ disse. _ No te esperava... Voc no avisou... _Era s para conferir se voc era bonita ao natural mesmo... _ ele me deu dois beijinhos na bochecha e depois um beijo na boca. Cus, ser que ele sentiu muito forte o gosto de pasta de dente na minha lngua e seu deu conta de que eu s escovara os dentes porque ele chegara? Que agonia esses pensamentos de sndrome da verificao me perseguindo! _Mas pelo que estou vendo voc to linda como nas fotos, s precisou de um rpido retoque... _ ele segurou o riso, o que me fez ficar muito sria e temerosa. _ Seu irmo muito divertido... _Meu irmo? _ eu perguntei aquilo entre os dentes. _... _ deu uma gargalhada. _ Ele disse que voc estava tirando a fantasia de Fiona para eu no me assustar. _ se agentou e tentou ficar srio, vendo que eu no achara a menor graa, tamanho o meu constrangimento. Eu que eu fiz contra o meu irmo?! Argggghhhiiii _Tudo bem, se voc veio debochar de mim, acho que tinha muita coisa melhor a fazer nessa hora... _ falei to fria e glida, que ele percebeu na hora que ainda no tinha intimidade suficiente para eu aceitar suas brincadeiras com bom humor e complacncia. Isso requer anos e no alguns dias e uns beijos na boca. _Desculpe, eu s estava achando divertido... T, tudo bem... Eu vou falar de coisa sria, ento. _ ele respirou fundo e em questo de segundos era o profissional da categoria estritamente profissional. _ Eu tenho um amigo da faculdade que toca numa banda que est crescendo muito. Eles esto animando festas, bailes, enfim, arrasando mesmo. Hum, ento, que lindo, ele viera ali para me chamar para uma das apresentaes daquela banda? Eu mal podia esperar conhecer gente nova e... _E eles querem fazer um clipe para enviar para um concurso de bandas. A coisa vai ser dentro dos limites, nada assim envolvendo muita verba, porque voc sabe que os patrocnios so poucos. Alis, o patrocnio deles de uma loja de som do tio de um deles, que eles at estavam pensando em colocar no clipe para dar uma moral e... _E eu? Onde entro nessa histria? _ perguntei, no melhor tom estritamente profissional, vendo que no viera ali para propor nada pessoal e sim que tivesse que passar por um talo de cheques. Eu tinha, s vezes, que dar uma cortada em Gustavo, seno ele alongaria a parte introdutria at a noite. _Eles so uma banda de homens, mas tem msicas romnticas... Por isso, eles pensaram em fazer um clipe do estilo filminho. Eu j fiz algumas participaes em equipes de documentrio e tenho uma boa noo. J at comecei a rascunhar o roteiro. _nh...? E... _E queria saber se voc gostaria de estar dentro, fazendo o papel da garota da msica. um som bem pesado, mas ao mesmo tempo pop...
_O que eu faria nas cenas? _Ah! Teria que colocar um look branco com preto, um bom lpis preto... Enfim, eles queriam uma garota loira. Observe vocs que ele deu um priplo em todos os continentes para arrematar seu ponto crucial eles querem uma garota loira. _Eles querem uma Avril Lavigne? _ cruzei os braos, chegando ainda mais perto da subjetividade daquela idia._ E ela seria eu? _Entenda, querida. _ ele me segurou delicadamente com as mos nos meus cotovelos. _ o mercado e o mercado meio que quer o que vende... D para entender? _Eu vendo? _ perguntei. _No pense mal, pela sua cara voc deve estar achando que eu sou um mega monstro capitalista, mas que eu sei separar muito bem quando apertar o boto de Gustavo pessoal e Gustavo agente. _Voc meu agente? _ franzi a testa. _Claro que no. Isto uma suposio, minha linda. Eu sentei no banco de madeira que havia na entrada do meu prdio. Olhei diretamente para frente, vendo a claridade entrar pelo porto e refletir as plantas no piso de porcelanato branco. Gustavo parecia muito agoniado com meu silncio. No sabia ainda como lidar comigo, estava acostumado com gente que tem uma calculadora no bolso para medir quanto vale sua imagem/hora. _Eu pensei que voc tivesse vindo aqui por mim... _ virei e o olhei ressentida. _Mas eu vim! que eu estou to empolgado com essa idia que no me contive... _Tudo bem. _ olhei para frente, no queria encar-lo. _E a, voc topa? _ perguntou. _Topo. _ respondi friamente. _ Quanto eu vou ganhar? _ falei a lngua dele. _Eu vou acertar isso com eles hoje e as filmagens tm que ser o mais rpido possvel. _Tudo bem. _ levantei-me e ofereci minha mo para apertar. _Que isso? _ ele sorriu e balanou a cabea levemente para os lados sem nada entender. _Ora, o selo informal do contrato. _Que isso, Bela. _ pronunciou meu nome pela primeira vez desde que chegara. _ Entre ns no assim n? _ chegou mais perto para um beijo. _Ah! Entendi, agora voc apertou o boto do Gustavo pessoal? _ perguntei
irnica. _ Agora eu peo desculpas, ao contrrio de voc, eu no tenho botes. Meu sistema funciona de maneira nica. No tenho nenhum logoff. _ fui at o elevador e fiz sinal para subir. _Hei. Voc j vai embora, mas eu tambm queria propor que a gente desse uma volta, olha eu estou de carro e... _ a voz dele foi cortada pelo elevador que fechava a porta. _Me liga para marcar a hora, ok? _ pisquei o olho e ele sumiu atrs das chapas de ferro da porta que se encontraram. Ri. Eu acabava de faz-lo de idiota. Minha relao com Gustavo eu descobriria que viraria um joguinho. Ele comeou a se dar conta disso antes de mim. J entrei no meu apartamento com Roberto dizendo que me celular estava tocando. Atendi. _Hum. _Bela, por que voc faz isso comigo? _ Gustavo parecia um tanto irritado. _Voc no gosta do que fcil, eu te dou o que voc quer: dificuldade. _ respondi com a voz lasciva. _Voc no vai me dominar assim, hen? _Ah! No? _ ri. _Droga, garota! _ suspirou._Eu ainda te pego de jeito e te dou uma lio. _Mesmo? Estou louca para ver. _Tudo bem, voc venceu, vou embora. Te ligo depois. _Bye bye, querido. _imitei seu jeito de me tratar quando estava no boto Gustavo profissional. *** Eu precisava fazer coisas diferentes em minha vida. Aquela rotina sempre igual de escola sem sal j tinha me enchido. Eu queria ter novas experincias, fazer coisas por que me lembrar ou arrepender. No iria deixar essa escapar. Fazer um clipe poderia ser interessante, ganhar uma grana e ver qual era a de Gustavo mesmo. Mas essa misso requeria uma estratgia. Misso, fazia tempo que no ouvia essa palavra, e nem mesmo era parte do meu vocabulrio corrente, mas alguns atos falhos destes me lembravam ao qu, melhor a quem, eu ainda no fundo estava ligada. Liguei para minha amiga roqueira Dafini e perguntei se ela no poderia me ajudar a fazer um look ao nvel do que os caras da banda esperavam. _Voc vai a alguma festa a fantasia? _ estranhou, e realmente aquele pedido no lhe pareceria nunca trivial. Uma garota que veste rosa no costuma trocar figurinhas com algum que tem todo o guarda-roupa de uma funerria. Expliquei-lhe minhas necessidades e ela completou com um longo: _Ahhhh! _Ento? Tem algo que serviria para mim? _Acho que sim. _ respondeu. Pois bem, Dafini foi minha personal style por um dia e eu parecia sada de uma consultoria com o esquadro da moda, quando cheguei at a enorme construo de uma casa antiga, onde seriam gravadas as cenas.
Senti o silncio de todos, ao cheguar at o ptio de grandes lajotas de pedras. _Oi, eu sou a Bela. O Gustavo deve ter falado de mim... Ele est por a? _Gustavo, vem ver quem chegou? _ berrou um cara gordo, barbado e que no desviou os olhos de mim, parecia muito impressionado. _Oi, Bela. _ Gustavo apareceu e me abraou, sem beijos, sem lado pessoal... _Nossa, voc est perfeita...! _Ok! Depois disso me leve para casa, eu no quero ser reconhecida na rua assim! _ ri. Eu estava vestida com uma cala larga, botas, uma corrente de anis presa na cintura. Uma camiseta branca com um suti preto. Eu jurei para Dafini que no tinha nada a ver o suti preto, mas ela disse para eu calar a boca e usar. A maquiagem no tinha nada mais que um gloss na boca e um bom rmel e lpis preto no olho. E claro, uma devida escova que fez meu cabelo parecer micro fios de ao de to retos que estavam. Nunca pensei que pudesse ser to engenhosa aquela manobra de filmar meu rosto por todos os ngulos. Menos ainda achei que teria sentido olhar para o nada, caminhar por cima de muros, sentar em telhado. Eu, porm, nem ousei contestar a lgica cinematogrfica de Gustavo, pois ele falava com tanta propriedade, que todos ali respeitavam seus comandos e trabalhavam para que aquilo terminasse rpido. No fim do dia, ele cumpriu sua parte e me levou at em casa. _Voc sabia que vestida assim me faz pensar em umas coisas... _ me puxou para ele, quando fiz meno a entrar. _? _ sorri e envolvi seu pescoo com meus braos. _Bela, voc esteve perfeita hoje. Voc a cada dia supera minhas expectativas._ me suspendeu no ar e me girou. _T louco? _ dei uma risada. _Hum-hum. _ ele me parou no cho e me encostou no seu carro. Seu beijo quente e envolvente me fez esquecer nossos lances contratuais. _ Posso te ver amanh? _Vai ter outro trabalho amanh? _Juro que no! _ apontou com os dedos para a testa em sinal de escoteiro. _Hum, duvido... _ beijei-lhe mais uma vez. Quando me atirei na minha cama, exausta, analisei aquela situao toda. No estava vivendo um romance, porque meu corao no ficava mexido como antes com... Caio. Mas eu viva intensamente. O verbo viver fazia sentido. Eu no estava em casa no msn, nem no orkut o dia inteiro giboiando e digerindo minha chata solido. Eu estava curtindo novas situaes. Mas faz falta, sabe? Sempre faz falta sentir intensamente a noo de singularidade. Com Gustavo eu sei que no singular, mesmo assim legal.
Cap 22: Relacionamentos Trilha sonora da cena (clique aqui) O sinal tocou e ns fomos liberados. Finalmente, eu precisava comer qualquer coisa bem consistente, antes da aula de reforo tarde que fazia no colgio. Sinto falta da Dbi, da Flvia, da Camila, minhas amigas todas que agora esto na faculdade e eu ainda aqui enfurnada nessa vida de colegial. A tarde estava muito quente e o sol a pino esquentava o couro da cabea de qualquer um. Enfiei a minha caderneta de presena no bolso da frente da minha mochila jeans e sai pelo grande porto azul da escola. _Oi! _ ouvi uma voz de uma pessoa ao meu lado, que puxou o meu brao. Tomei um enorme susto. _Calma, no nenhum assalto! _Gustavo? _ fiz sombra com a minha mo na altura das minhas sobrancelhas, pois o sol me ofuscava a viso naquela direo. _Pensei em te fazer uma surpresa. _Outra, quer dizer, voc sempre querendo me surpreender? _ sorri. _Quer almoar comigo? Estou de carro... _ apontou com o polegar para trs de si. _Bom, acho que podemos atravessar a rua a p mesmo. _ ri. _ vou comer ali no Bobs. _nh, Bobs? _ ele olhou para a lanchonete atrs de si, no me pareceu se entusiasmar muito, mas aceitou, s para no perder a chance de ficar comigo. _ Tudo bem, vamos l. _ trancou o carro. _E assim? Seco?_ perguntei e aproveitei para pux-lo e lhe dar um grande, intenso e profundo beijo de despentear. Eu sabia bem o que queria sentir. H muito tempo eu tinha vontade de mostrar para aquele povinho da escola que eu poderia ser feliz e que a solido fazia parte do meu passado. Mas o que fiz Gustavo sentir foi algo ainda maior e ele riu. _Bom, acho que vamos ter que esperar um pouquinho... _ me abraou e senti no centro do seu corpo a resposta do beijo. Pela primeira vez o vi envergonhado. Ficamos ali escorados no carro, depois atravessamos a rua de mos dadas e assim entramos na lanchonete, arrancando os olhares de alguns conhecidos. Gustavo me abraou por trs na fila e eu correspondi, fazendo carinho no seu brao. _Voc est cheiroso... _ comentei e ele me deu um beijo no pescoo. _Eu estava l no trabalho e fiquei com vontade de te ver. _ disse ele, muito mais romntico que de costume. O telefone de Gustavo tocou e ele atendeu, como estvamos muito perto, pude ouvir a voz do amigo tambm. _Fala, Robson, ainda vivo? _ Gustavo deu uma risada. _Pois , cara... _ o outro riu alto. _Escuta: estou com uma corda no pescoo, os ossinhos da garganta j esto estalando. _Deixa eu adivinhar, a Madame Evil te deu a misso impossvel 1914 do dia? _Putz, cara, ela me apareceu agora, a uma da tarde querendo umas garotas para o salo do automvel. Meu, estou pirado. No estou conseguindo entrar em contato a tempo com o perfil que ela quer! _Que droga, meu, p abre aquela pasta com os telefones e sai ligando. _Gustavo passou a mo na cabea. _Vou tentar, mas como voc fazia para se virar assim to rpido? Ela quer para depois do almoo e comer uma saladinha no demora muito! _ o tal do Robson me pareceu bastante desesperado. _Qual o perfil que ela quer? _Uma japonesa, uma morena alta de cabelo bom e umas cinco loiras.
_O que voc j conseguiu? _Uma morena baixa... _Tu t fudido mesmo, puta que pariu. _ Gustavo deu uma gargalhada. Perai, um pouquinho. _ ele virou-se para mim. _Pede o nmero um para mim. _Hum-hum._ fiz sinal de sim com a cabea. Gustavo desligou o telefone, mas ainda sim sua ateno no foi destinada a mim. Ele abriu a agenda do celular e comeou: _Al, Paula? Oi, gata, tudo bem? o Guto. Isso, ele mesmo. Est a fim de arrasar no salo do automvel e conseguir uma boa grana para comprar o que quiser para voc de presente de natal? Ento, liga para o Robson agora, anota a o telefone... A segunda Gustavo no falou com menos intimidade: _Oi... Linda. Ainda to linda como a gente conhece? Ento, estou te ligando, porque eu estava precisando de uma mulher deslumbrante para o salo do automvel e pensei logo em voc... Na quarta tentativa eu j estava com vontade de abrir o hambrguer e grudar bem no meio da cara de Gustavo, sei l, talvez o queijo quente fizesse algum estrago. Ou pegar o refrigerante e despejar no seu cabelo. Ser que ele no estava reparando que todo mundo estava ouvindo? Eu parecia sentada com um gigol! Ele encerrou ligando para o Robson. _Cara, voc foda! _ o outro urrou praticamente, ao ouvir a voz de Gustavo. _O telefone est tocando aqui...Onde voc tinha esses telefones? _Aprende cara, os relacionamentos so tudo na vida! Eles so a chave do sucesso! _ Gustavo deu uma risada alta e desligou. _Os relacionamentos so tudo na vida._ repeti, atirando meu guardanapo em cima da bandeja. _. Nunca ouvi esse lema? A gente aprende isso na faculdade. _ Ele mordeu seu hambrguer morno e comeou a mastigar. _Ah! L eles ensinam a como tirar proveito das mulheres para crescer na vida? Deixa eu pensar, com quantas dessas voc foi para cama? Gustavo continuou mastigando e seus olhos cor de mel brilharam, engoliu em seco e depois tomou um pouco da Coca-Cola. _Ento, voc est comigo porque eu sou mais um dos seus contatos?_ fiz uma careta de horror. _ Porque voc quer me passar e depois gravar na agenda? _, talvez eu queira mesmo..._ ele abaixou o tom de voz e falou bem perto do meu rosto. _... transar com voc, porque eu te acho legal, porque estou gostando de tudo isso sim. Mas um dia, quem sabe, quando voc sentir a mesma vontade. S que eu no precisei transar com elas, garota.Relacionamento no sexo gostoso business! negcios. Conhea as pessoas, saiba do que elas gostam, do que comem, dos seus pontos fracos, porque um dia voc vai precisar delas e elas de voc! Alargue seus contatos sociais se quer ser algum e fazer diferena. Ou seno, continue conversando sobre a novela das oito com seu micro crculo de amigos._ ele falou aquilo com a voz de um homem de quarenta anos pisando numa garotinha boboca. _No acha que eu devo me sentir ofendida? _No, no acho. Eu trabalho com isso. Com conhecer pessoas, com promover pessoas, com pessoas e isso significa saber lidar com elas! Mas tudo tem um limite, eu j falei isso e voc agora aquela que est alm da faixa que separa o Gustavo profissional do Gustavo pessoal. Voc ainda tem muito o que aprender... _ ele balanou a cabea para os lados e enfiou o resto do hambrguer na boca, sem vontade e mastigou por obrigao. _Desculpe, mas eu no sou acostumada com isso... _Ento, acho que est na carreira errada. _ ele falou. _Agora j era, j me inscrevi para as provas, j no tenho mais direito de ter dvidas. _Quer assistir a uma aula da faculdade comigo? _Eu? Mas eu no posso... _ uma faculdade pblica, voc pode assistir e ningum vai reparar... No essa
escolinha aqui no. _Vou pensar, mas agora t na hora de voltar para essa escolinha ali. _ levantei e peguei minha mochila. _Hei, foi mal. _ ele percebeu que eu ficara magoada com seu tom. Na verdade, Gustavo era uma tima pessoa, ele s conhecia um mundo duro e cruel do qual eu ainda no fazia parte. Eu permanecia incubada no tero daquela escolinha, como ele mesmo bem disse. _Bela..._ Gustavo me puxou, antes de eu entrar na escola. _ Droga, a gente sempre briga, eu vim aqui em paz te ver. o meu jeito. _Tudo bem..._ passei a mo no seu cabelo e o abracei. _Vem assistir aula comigo? s seis. Eu passo na sua casa, voc troca de roupa e vamos, depois a gente pode ir para um barzinho, hoje sexta-feira. _Voc vai vir me buscar aqui na escola? _Sim, senhorita, o seu chofer, a sua disposio. _T, ok, eu vou..._ sorri. _Hum, muito melhor assim..._ beijou-me com vontade e tive que deix-lo para no perder o horrio do primeiro tempo da tarde. Ao colocar minha caderneta mais uma vez no escaninho, observei que havia um papel dentro dela. Peguei-o e li. Estava escrito a lpis.
Cap 23: O paradeiro das cartas Trilha sonora da cena (clique aqui) Abri o papel que estava na minha caderneta e senti o meu corao disparar: _Gostosa, se eu te pegasse naquela calcinha, eu te... Nem consegui terminar de ler, amassei o papel com fora e o joguei no lixo. Bilhetinhos como aqueles se sucederam e eu precisei conviver com recados na porta do banheiro de invejosas, no tampo da minha mesa, no quadro de aula... A fama tinha um preo. Fui falar isso para Gustavo, que me envolveu a cintura e beijou minha cabea: _Puro recalque, minha linda, no ligue para eles. Estvamos subindo as escadas da sua faculdade para assistir a aula. Era um prdio com arquitetura muito antiga, tombado pelo patrimnio histrico. As paredes eram de azulejos azuis portugueses e o cho de pedras. Tudo parecia to amplo, livre. Muito diferente do ambiente opressor e de controle da escola. Sentamos no fundo de uma sala e ele ficou fazendo carinho na minha cabea, enquanto eu estava deitada sobre o tampo de escrever de sua carteira. _Voc est me fazendo feliz como a muito tempo eu no me sentia... _ ele falou baixinho. _Voc tambm. _ devolvi o elogio, no poderia negar que era bom estar ao seu lado, sem ter que me impor sacrifcios. _No ligue para esses invejosos... _ voltou a tocar no assunto dos recados. _ Ao mesmo tempo voc ter muitos ganhos. O dinheiro por exemplo, o que voc fez com ele? _Guardei, quero fazer algo legal nas frias. Isso realmente foi muito bom._ sorri. _Voc no quer fazer o salo do automvel? Ficar apresentando os carros. Vai ganhar muito bem... Pelo menos para um dia. _No sei... _Pensa, dependendo voc poder conhecer at o exterior com o seu prprio dinheiro. Nunca quis viajar? Sabe, Bela, nesse mundo no desperdice as oportunidades. Uma porta abre outra. Um trabalho te empurra para um outro. um efeito cadeia. Se no der um peteleco na primeira pea de domin, no ver o movimento acontecer... _Gustavo, por que voc saiu dessa agncia?
_Porque acabou o meu contrato. _E eles no renovaram? Voc indicou seu amigo para o seu lugar? Porque se voc conhece tantas pessoas, se faz tudo to bem, no teria por que eles no te quererem... _Ai, linda, esse mundo to cheio de polticas e hipocrisias... Um dia te conto... _ ele suspirou. O professor entrou na sala. Era alto, forte e de cabelos brancos. Pegou uma caneta pilot verde e escreveu no quadro: _ A vida em suas mos. Um carro, uma lenda. Vista a alma pelo lado de fora. _ terminou de colocar as frases e se sentou na sua cadeira, bem despojadamente. _ Essas so trs frases de propaganda. Vocs se lembram de quais produtos so? _ ele olhou para turma, que se resumia a uns quinze alunos e ficou batendo com o pilot no queixo, na expectativa que algum respondesse. Gustavo foi o primeiro a dizer: _Vista a alma pelo lado de fora do tnis All Star que est por a. Agora essas outras... No sei, no me estranha a primeira, mas no consigo me lembrar. A turma concordou, no se lembravam. _A primeira da Oi, da companhia de telefonia celular. _ o professor revelou e a segunda era de um carro que ele pronunciou o nome, mas no consegui entender muito bem qual era. _ Agora por que vocs tiveram dificuldade de lembrar da Oi? Se vocs esto aqui estudando propaganda? O All Star est no repertrio de vocs. Algumas pessoas usam o tnis perto de voc, voc usa. Mas voc tambm usa celular. _ Ele fez uma pausa esperando algum comentrio e se levantou. _As pessoas no tm a vida delas nas mos. Mas elas podem ter os objetos. _ disse._ E os objetos so investidos de sentimentos que no so da ordem dos objetos, mas da ordem dos sujeitos. As pessoas fazem coisas, os objetos no. Mas hoje, a propaganda no diz mais no seu enunciado o que o seu produto faz. No se vende mais carro. Se vende um conceito de locomoo. Eu senti minha cabea dar um n. Aquilo no era aula de frmulas chatas de fsica, nem de decoreba das causas da Sabinada ou da Balaiada. Era pensar a vida! _As pessoas possuem dentro de si lacunas. E essas lacunas so preenchidas com os objetos, j que elas no podem preencher com os sentimentos. Isso o fetiche da mercadoria. Voc no tem a mulher linda, mas pode ter a calcinha dela que est sendo leiloada. uma parte que vai te remeter ao todo. Gustavo fez algumas anotaes em seu caderno. _Sabe quando voc criana e te ensinam que o vov viu a uva? Voc pega um conceito, uma palavra e liga ela a o objeto uva, vov. Isso aqui... _ bateu com o pilot no quadro para chamar a ateno para as frases das propagandas. _... uma forma de outra alfabetizao. Vrios conceitos so remetidos aos objetos. Se voc v uma pessoa ignorante falar assim agente vamos na pulia, soa como um rudo. Incomoda. Por qu? _Porque foge a norma, a regra._ Uma menina na primeira carteira respondeu. _Isso mesmo! E quando voc no usa a roupa da moda, quando voc no consome a bota da moda, o perfume da moda... voc est produzindo rudo e isso incomoda. Gustavo continuava anotando e minha cabea ia fazendo mil coneces. _Para que a pessoa lembre que a propaganda a vida em suas mos da oi, aquilo tem que fazer parte do repertrio da subjetividade dela. Voc tem que conhecer o seu consumidor muito bem. No adianta fazer propaganda de caf no Japo. L o ch a viso de mundo das pessoas. Mas voc pode driblar isso e vender bala de caf, bolo de caf, doce de caf... Achar um nincho. Aquela avalanche de informaes me trouxe uma deliciosa sensao de estar espreitando na janela um mundo totalmente novo. E agora Gustavo era lido de outra maneira pela minha cabea. Parecia mais coerente. Eu estava louca para chegar em casa e escrever um texto para o meu blog. Muitas coisas se esclareceram em minha cabea. Depois de escrever e postar, me dei conta de que eu estava com fome, mas o cansao era tanto, que eu s tinha fora para tirar minha roupa. Deitei s de
calcinha e suti na cama e quando o sono j me dominava, ouvi um barulhinho estranho. Abri os olhos e reparei no meu celular vibrando em cima da mesa do computador. Eu o havia deixado no vibra call para no atrapalhar a aula de Gustavo e tinha esquecido de voltar para o modo tocar. Ser que era ele de novo para me desejar boa noite? Cambaleei meio zumbi com um sorrisinho no rosto e peguei o aparelho. _Ai meu Deus! _ senti um frio na barriga e uma descarga eltrica percorreu todo o meu corpo. Eu no podia acreditar naquilo. Atendi: _Caio? _ minha voz mostrava toda a minha surpresa e meu corao disparado indicava a alegria de reconhecer aquele nome no visor do meu celular. _Oi, Bela. _Oi... _ ri de nervosismo, como eu ainda podia ficar com aquele jeito de idiota? Se ele tivesse me dito que me ligara s para dizer oi, eu j teria gostado._ Aconteceu alguma coisa? _Eu sei que no temos mais nada, mas que... _Hn... _ incentivei-o a falar. _A prova do vestibular vai chegar e eu queria te desejar boa prova, eu sei que uma coisa importante para voc. _A prova?_(Cus! Eu andava to envolvida com os trabalhos que Gustavo me arrumava que nem pensava em provas.)_Ah! A prova do vestibular, sim, claro, obrigada! Dessa vez eu espero que eu passe..._ ri._ E voc?_ tentei prolongar a conversa. _Um dia desses pensei em te ligar, mas fiquei constrangida. Ai, essa no! Como eu tive coragem de dizer isso? Era incrvel minha capacidade de dizer coisas para ele de corao, sem raciocinar muito. Lembrei do que a minha amiga virtual Ariel havia escrito sobre o amor verdadeiro no meu blog: Aquele amor que te faz sentir que a coisa certa, que te d todas as dvidas com a resposta logo em seguida, que te faz querer t-lo sempre mais, no importa o que acontea, que no te abandona mesmo que vc erre feio com ele, que te abraa e te beija depois de uma briga, e que nunca, nunca, te deixa chorar sozinha... Caio sabia o que era verdadeiramente importante para mim, mesmo que, como ele mesmo falou, no haja nada entre a gente mais.... Eu deveria ter tido a mesma coragem que a dele de ligar para parabeniz-lo pelo seu trmino da PREP, conforme me aconselharam no meu site: Vc no deve deixar q um problema tire a oportunidade de celebrar. Vocs tem um passado em comum, um passado mto lindo pelo visto... acho q vocs dois merecem a felicidade (vc, de ouvir a voz dele e ele, de receber os seus sinceros parabns). Mas no fundo, eu ainda estava com vontade de ficar longe, de sei l, recuperar meu orgulho prprio, bem como me disse a Fefe floft: sobre vc ligar p o caio...acho q n devia ligar n...acho q devia ignor-lo... ele vai te ver nas fotos e vc n vai ligar,..ele vai perceber q realmente perdeu vc... ele vai acordar q perdeu uma pessoa maravilhosa e q sua vida vai de vento em popa sem ele...vai ver q vc faz mais falta p ele do q ele p vc... _Hum... ?_ ele ficou mudo, sem acrescentar mais nada. _... Eu queria te dar parabns por voc ter chegado at o fim l na Prep. _Obrigado, sobrevivi. Eu perguntei ontem mesmo por voc para um amigo meu. Ele me falou que muitas coisas andaram acontecendo na sua vida... _ muita coisa, louco mesmo... Do que ser que ele estava se referindo? _Eu te vi na propaganda. _Viu? _ fiquei feliz. _ E o que achou?
_Bom, acho que seu namorado no vai gostar muito de saber que estou dando minha opinio sobre voc de calcinha... _ riu tmido e nada me soou mais estranho que seu namorado partindo da boca dele. _Seu amigo falou que eu estou namorando? _ estranhei. _No, eu chutei mesmo... Me falaram outras paradas... _nh... _ provavelmente ele entrara no meu orkut e olhara meus scraps com o Gustavo, pelo identificador eu sabia que ele havia visitado meu perfil. _Ento, e os preparativos da festa? _Bela, eu tenho que desligar, minha namorada deve estar me esperando. MI-NHA NA-MO-RA-DA DE-VE ES-TAR ME ES-PE-RAN-DO? Foi isso que ele falou ou houve alguma linha cruzada? _Ah! Sua namorada... _ repeti, sentindo a facada chegando do outro lado das costas. Pensei na sua prima enchendo o orkut dele de scraps. Seria ela? _Bom, fico feliz que ainda exista alguma coisa boa entre ns. _ falou com tom de despedida. _ Fiquei preocupado por voc no ter respondido as cartas que te mandei. _Cartas? _Mas depois acabei entendendo, n? Voc acabou sem querer me ajudando a me recuperar. Enfim, nada disso tem mais... _Que cartas, Caio? _Como que cartas?_ ele no entendeu. _Ora, eu que pergunto, que cartas que est falando?! No recebi carta nenhuma. _No? Mas eu... _ ele ficou confuso. _ Ah! Bela, deixa para l, no tem mais a menor importncia, no mesmo? Eu tenho que desligar ta? Estou falando srio. Beijo, gata! _ desligou. Beijo, gata?. Aquilo tinha soado igualzinho Gustavo falando com suas amigas modelos, que era seus contatos para quando precisasse. Gata? Blergtttt! Mas, hei!, que cartas eram aquelas de que ele estava falando? Antes que a ficha casse, vi minha me entrar no quarto. _Bela, voc tem simulado amanh, minha filha. Dorme, hen? _ avisou e colocou algumas roupas minhas passadas dentro do meu guarda-roupa. Perguntei-lhe se eu havia recebido alguma correspondncia e ela disse que no sabia de nada. Palpitou que os carteiros tinham mania de entregar cartas em lugares errados. Eu, ento, contra argumentei que aqui no prdio todos nos conheciam e, se isso ocorresse, algum poderia me entregar, ou pediria para o porteiro me entregar. Ela falou que no podia fazer nada em relao a isso. _Ah! Eu queria te falar... _ ela veio toda empolgadinha para o meu lado. _ Que gostei muito do Gustavo. _Gostou?_ levantei as sobrancelhas. Me toquei que Gustavo ficara na sala, sobre as inspetoria de minha me, enquanto eu me arrumava para ir a aula com ele, hoje. O que deve ter dito a ela? _, ele um rapaz muito bonito e educado. Ele me falou que gostaria muito de namorar voc. _Perai, o que ele falou?_ passei a mo no rosto. Eu deveria estar dormindo e meu despertador me acordaria em qualquer instante. Primeiro aquilo das cartas do Caio, agora essa do Gustavo?! _ Ele pediu para a senhora para me namorar? _No, no bem pediu. Mas disse que voc uma menina linda e que est gostando muito de voc e que queria um dia namorar voc... _Eu imaginei... _ suspirei e sentei na cama. _Filha! Esquea essas cartas, pe o Caio de lado e d uma chance ao corao! Minha me me dando conselhos amorosos? S faltava meu pai entrar no quarto vestido de baiana. Pra o mundo que eu quero descer. _Ele legal... _ tive que concordar. _Ento, minha rainha! _ beijou a minha testa e saiu do quarto toda sorridente. Eu perdi completamente o sono de sbito. Cai de costas na cama e minha cabea comeou a rodar.
Que estava escrito naquelas cartas. Mas ser que Caio estava certo sobre no dar mais importncia a isso? E minha me, quem sabe tinha razo, eu deveria dar uma chance nova ao meu corao. Outras pessoas j tinham me dado esse conselho, no blog: _No adianta ficar remexendo no passado... corra p o presente... aproveite e seja feliz...se depois caio reaparecer ai vc pensa c vale a pena..mais enquanto isso n acontece desencana dele e aproveita quem te quer...; _d uma chance p o gustavo..mas uma chance verdadeira...n s beijos, mas com o corao trancado...sei q n fcil nd disso..mas acho q est precisando... acho q n deve ligar p o caio n..dah uma sumida msm,... foi ele q disse q queria um tempo p ele..q queria ser solto..ento deixa ele solto...c for p ele voltar ele vai voltar..mais n fica esperando..aproveita quem te quer e abra seu corao...Quem sabe a felicidade est ao seu lado e vc n esta enxergando? _ Se vc quiser dar uma chance para ele: abra o corao. Seno vc pode partir o corao de um inocente barquinho que veio parar no cais do seu corao machucado... ele no tem culpa do seu passado, no o deixe sofrer por causa disso. _"s d a chance pro Gustavo se o seu corao realmente quiser, no leve pela carencia ou pelo fato de querer esquecer o Caio." Eu tinha que pensar muito sobre isso: no poderia machucar Gustavo. Mas quem era Gustavo?Precisava saber mais sobre ele! Como ele mesmo diz: conhea o ponto fraco das pessoas. Onde estava o dele?! Era o que eu tentaria descobrir amanh. Porque eu no poderia me atirar em uma coisa sem conhecer onde estava me metendo! E quem procura... Acha!
Cap 24: Um dia de descobertas Trilha sonora da cena (clique aqui) _Eu adorei a sua idia da gente vir para c... _ Gustavo me beijou o pescoo e me abraou por trs, assim que fechou a porta do seu apartamento. Eu queria conhecer melhor sobre a vida pessoal dele, me aproximar mais. E me pareceu bem disponvel a se abrir comigo. _Bela, queria te falar uma coisa... _ ele sentou no sof cinza e segurou a minha mo. _Pode falar... _ sorri e peguei uma almofada para colocar no colo, uma velha mania minha. _Eu queria namorar, no tava a fim de s ficar... _..._ eu fiquei com um sorriso congelado no rosto, mexi nos fios do meu cabelo e continuei olhando-o. _Voc no est a fim?_ no ficou feliz com minha reao. _Eu pensei que estivesse
gostando. _Guto... _ aproximei-me mais e fiz um carinho em seu cabelo. _ Eu estou gostando sim de voc, mas eu tambm preciso te contar umas coisas... _Eu j imagino o que seja... _ ele abaixou a cabea. _ Um dia a Dbi me falou que voc teve um cara a e que o amou muito... _... _suspirei. _Desculpe tocar nesse assunto... _Eu compreendo._ ele encostou os dedos nos meus lbios para eu no falar mais. _ Por que a gente no tenta? Namorar no casar, no estou colocando uma aliana no seu dedo. E se no der certo, se voc sentir vontade de terminar, ou eu tambm, vamos ser sinceros e abrir o jogo um com o outro._ sugeriu. Vendo por aquele ngulo, no me parecia nada de mal eu comear uma relao mais sria, sem sentir de fato um sentimento arrebatador. _Eu vou fazer uma lasanha maravilhosa para ns! _ ele sugeriu. _Voc sabe cozinhar? _ eu ri alto. _Eu no, mas o microondas, nem te conto. _ brincou. _Ah! T... _ bati com a almofada em sua cabea levemente e assim ficamos em uma guerrinha, at que ele me abraou e nos beijamos. _Guto, eu acho que podemos tentar... _Sim, podemos... _ ele sorriu. _Vou l para a cozinha e voc fica aqui, pode ligar a televiso, ou o computador para mexer na internet, sei l, fica a vontade... _No se incomode comigo. Pode ir... _ eu disse e ele se foi para a cozinha e eu fiquei ali olhando a decorao. Era um apartamento amplo, com uma estante branca enorme, ocupando praticamente uma parede inteira. Uma televiso grande, som, muitos cds de msica, dvds e alguns livros de fotografia. Tudo to bonito, em harmonia que duvidei ter sido ele o dono de toda aquela decorao. Uma mesa de vidro com um computador mostrava que seu escritrio era ali mesmo na sala, sem cerimnias para qualquer convidado. _Droga! _ouvi a voz de Gustavo, depois do estalido de um vidro se partindo. _Se machucou?_ perguntei, aparecendo na porta da cozinha. Ele estava sujo de molho de tomate. Acabava de quebrar o pote e sua camisa estava manchada de vermelho. _No me cortei no... Poxa, pega uma camisa para mim l no quarto, Bela? _ pediu. _Claro! _ abri uma das portas no corredor e encontrei um quarto com uma cama de casal virada de frente para a janela, um guarda-roupa branco e um nico quadro na parede. Era um quadro que mais parecia uma foto de uma daquelas cantoras de rdio da dcada de 50. Sabe aquelas mulheres que concorriam Miss? Como posso
explicar? Tinha o cabelo preto e curto. Os cachos na ponta eram presos para trs em um lado com um pequeno grampo cheio de pedras brilhosas. O rosto era alvo e perfeito, sem espinhas, sem manchas. Os olhos cor de mel pareciam fixos em um ponto atrs dos meus ombros. A mulher estava levemente inclinada para frente e tinha um casaco de pele ao redor de si negro contrastando fortemente com sua cor muito branca. Ela sorria como seu eu tivesse lhe contado um segredo que a intimidasse. Daria para ela uns vinte cinco anos. Nunca tinha visto uma pessoa to bonita em preto e branco. _Bela? _Gustavo apareceu na porta. _Ah! A sua camisa... _ eu tentei disfarar que estava encantada demais com o quadro. _ Desculpe a demora... _ abri a porta do guarda-roupa e peguei uma camisa amarela dobrada e lhe dei. _Obrigado. _ ele vestiu. _Quem ? No parece ser a sua me... Mas achei a foto antiga..._ perguntei apontando para o grande quadro. _ a melhor coisa que j fiz. _ ele disse, sem olhar para a imagem. _Voc bateu essa foto? perfeita! A modelo ajuda, claro...Tentaram fazer com que parecesse que antiga, n? _, ajuda. Eu tirei em preto e branco e pedi para imprimir nesse quadro para lembrar da obra de arte que eu fiz. _falou friamente. _Eu vou agora tentar limpar aquela lambana. _Gustavo? Voc no me respondeu: quem essa mulher no seu quarto?_ segureio. Ele pela primeira vez olhou para ela. _Isso o que eu quero esquecer, se no se importa... _ ele deu dois passos atrs e depois simplesmente se virou para sair. Voltei para a sala e olhei para o seu computador. Eu tinha que descobrir quem era aquela mulher e tinha que ser rpido. Algo me dizia que ele deveria ter coisas arquivadas em seu micro pessoal. Liguei para Dbi e rapidamente resumi o que eu acabara de achar no quarto de Gustavo. _Voc est namorando ele e est no quarto dele, perai, o que est fazendo na casa dele? _Dbi, eu no posso demorar, me ajuda, como fao para descobrir quem essa mulher? _Ai, sei l, no tem nenhum nome? _Ele no quer falar sobre isso!_ sussurrei, conectando a internet assim que o windows iniciou. _Nos filmes de investigao eles sempre olham o lixo das pessoas. _Essa no a melhor opo agora. _estiquei o pescoo e vi Gustavo limpando o cho da cozinha com um pano de cho e um balde de gua. _Bom, se ela ntima dele, deve estar no orkut dele. Pela foto voc vai reconhecer. _sugeriu. _Vamos ver... _ loguei no meu orkut e digitei o nome de Gustavo entre os meus contatos para achar mais rapidamente. _Que maravilha, ele tem mais de 600 amigos! _ resmunguei. _Como ela ? _ Dbi perguntou. _Tem cabelo preto, branca... mas ela pode estar muito diferente agora... _ fiquei passando as pginas de membros o mais veloz que podia. _...Acho que achei!_ cliquei no perfil e pelas fotos do lbum era indiscutvel. _Vernica Escazin. _ falei e reparei que ela estava em outro pas, pois vestia uma roupa de frio pesada. _Entra no computador dele no localizador de arquivos e digita esse nome._ Dbi sugeriu. _Isso... _ estiquei mais uma vez o pescoo e o vi na cozinha de costas para a porta. O localizador estava varrendo o computador e meu corao disparava. Bati o p
freneticamente no cho em um tique nervoso. _Bela, voc prefere refrigerante, ou suco? _ ele perguntou se aproximando do computador mais veloz do que eu queria. _Suco, se importa em fazer? _ pedi e ele disse que faria. Suspirei de alvio e voltei a olhar para a tela do computador. O localizador comeou a mostrar dezenas de arquivos. Abri primeiramente uma imagem chamada Gu e v. Eram os dois abraados em uma festa. Mais e mais fotos, a maioria dela. Belssimas fotos por sinal. Ento, ele tinha uma ex-namorada, noiva, ou sei l o qu? Teria sido ela a decorar aquele apartamento? _Bela, achou alguma coisa? _ a voz de Dbi no meu ouvido me despertou para a realidade. _Ele est com essa mulher em vrias fotos. _ respondi com um tom de voz disperso. _V se tem algum arquivo do histrico de conversa dele do msn? Porque quando eu pesquiso, sempre vem algum arquiv... _Tem sim..._ cortei-a. Abri o arquivo que demorou a completar o carregamento de to grande que era. Torci para que Gustavo me desse mais alguns minutos. _Eu vou tomar um banho, estou me sentindo um cachorro quente com tanto cheiro de molho... _ ele anunciou e eu desliguei o celular na cara de Dbi. _Ah! Vai sim... _ sorri para ele. O arquivo de histrico da conversa dele com Vernica se abriu. Fui at o final e vi a ltima vez que eles tinham se falado. Datava da semana passada. Ela dizia para Gustavo que voltaria de viagem daqui a trs semanas. Mas que vnculo ela ainda tinha com o meu mais recente namorado? Subi um pouco mais e li outro trecho da conversa em que surpreendentemente ele se referia a uma nova garota que tinha conhecido: _ V, eu estou com uma pessoa muito legal que conheci. A mulher disse que sabia que isso acabaria acontecendo. _Mas voc me esqueceu completamente? _ ela perguntava. _V, independente de qualquer coisa que ainda sinta, eu preciso seguir com minha vida. Aquela frase poderia ser perfeitamente aplicada a mim e a Caio. A leitura dinmica me deu um panorama sobre o grande amor da vida de Gustavo. Ele tinha perdido-a por um motivo que no descobri, mas a separao o fizera sofrer e ele agora dizia para ela que queria recomear e com essa nova garota: eu. _Prontinho, novinho em folha. _Gustavo saiu do banheiro e eu em um ato reflexo fechei todas as janelas. _Hummm. Que cheiro bom. _ disse, sentindo seu perfume seco enchendo todo o ar com um aroma maravilhoso. Desliguei o computador e me levantei. _Vou me vestir e j venho... _ ele caminhou para seu quarto de toalha envolvida na cintura e eu fiquei ali em p no centro da sala. Ele estava me usando para esquecer aquela mulher? Isso era horrvel, mas no era o mesmo que eu estava fazendo com ele? Senti pena de Gustavo e o vi com compaixo. _Eu estou faminto! _ ele correu para a cozinha para tirar a travessa de lasanha do microondas que apitava. Sentei em uma das cadeiras altas que davam para a bancada e fiquei reparando nele distribuir os pratos, talheres e copos. Estava descalo, pisando na barra de uma cala jeans surrada e vestia a camisa amarela que eu havia lhe dado meia hora atrs. _Putz! _ ele deu uma gargalhada. _Que foi? _ perguntei assustada, vendo-o remexer na sua lasanha. _Eu esqueci de tirar o plstico! _ ele no parava de rir. _Me d um desconto vai?! _Gustavo puxou com o garfo um fino pedao de plstico que estava separando as
duas fatias de massa. _Ah!Eu te perdo, t? Voc est se esforando... _ sorri e olhei para ele com o cabelo molhado caindo na testa. _Voc est to quieta, sem fome? _ perguntou assoprando a lasanha do seu garfo. _Nada... _balancei a cabea para os lados. _Bela? _Hum. _olhei-o. _Desculpe, eu vou tirar a foto do quarto. _No, no isso... _ ri constrangida. Ser que estava passando um letreiro na minha testa?_ Mas tirar tambm no seria uma m idia... _Eu vou tirar, prometo. que eu adoro aquele sorriso e acordar com ele... Desculpe, desculpe... _ ele passou a mo no rosto. _Esquece o que eu falei. _Em vez de ficar escondendo... Por que no conta? Quem sabe seria uma boa forma de colocar um ponto final? _No, que isso, voc no tem nada a ver com isso. _Bom, se agora eu sou sua namorada, tudo que tem a ver com voc me deve respeito tambm, no? _T, eu vou resumir. _ ele respirou fundo. _Eu conheci a Vernica faz uns trs anos. Ela era uma garota muito tmida, cheia de problemas, de complexos e... Hoje uma mulher muito requisitada... _ ele deu uma risada de alguma contradio que s ele sabia da graa. _ Resumindo, a gente viveu intensamente e por um curto perodo de tempo uma coisa s nossa, pouca gente soube de verdade e agora ela est fora do pas. _Mas voc est pronto para viver uma nova relao? _E voc est? _Bom, algum me disse h pouco menos de uma hora que era s uma tentativa... _ respondi. Comemos nossa lasanha e eu pedi que ele me deixasse em casa. Era para estarmos muito felizes com o incio de namoro. Mas tnhamos ficado mexidos ao revirar o ba de recordaes. Eu queria ir para o meu quarto e ficar l com os meus pensamentos. Mas minha me j me recebeu com uma vassoura e um balde com pano de cho: _Hoje o dia da faxina esqueceu gata borralheira? _Me, eu... _Pode comear pelo quarto do seu irmo que est no curso de ingls. Respirei fundo e fui cumprir minha obrigao de boa filha, removendo o lixo que era aquele quarto. Tirei as roupas de cama, a fronha do travesseiro. Depois limpei as prateleiras passando lustra mveis. Enquanto isso, eu fiquei pensando em tudo que ocorrera durante a tarde. Eu deveria estar feliz em estar namorando Gustavo, mas no estava nada eufrica. Estranho, muito estranho isso. Ser que foi por causa da foto? Sei l, quebrou o encanto, porque agora sei que ele gostava muito de algum. No ter o exclusivismo ruim. Como era bem ruim saber que Caio tinha uma namorada, poxa vida, podia ser egosmo, mas caramba, eu no queria outra no meu lugar! Ele no estava a fim de liberdade? Por que arrumou uma namorada? E tambm? Qual era a minha, eu estava por acaso pensando que quando ele quisesse algum eu estaria disponvel! Aiiiiiii! Perguntas demais! Me concentrei na faxina.
Varri o cho e virei a lata de lixo na sacola. Joguei a sujeira e a terra em cima dos papis. _Hei, o que isso? _ estranhei um selo de carta. Sacudi o papel para tirar o p de cima e levantei no ar. _Ai, meu Deus... Joguei todo o lixo no cho outra vez. _Mas o que isso? Meu corao disparou.
Cap 25: Um sonho ruim Trilha sonora da cena (clique aqui) _Mas o que isso?_resmunguei em voz baixa, revirei o lixo e encontrei as cartas de Caio picadas._Manh! _ gritei. _Manh, vem aqui agora!_ eu estava descontrolada, no podia acreditar no que via! Um tesouro preciso jogado no lixo sem a minha permisso! _O que foi, menina?! T maluca? Quer que eu seja chamada ateno na prxima reunio de condomnio do prdio?_ minha me veio pelo corredor esbaforida, secando as mos no pano de prato pendurado no ombro. _O que significa isso?_ mostrei e seu rosto ficou paralisado, o que me fez desconfiar que meu irmo, gostando do Caio como gostava, no tinha feito aquilo por desejo e iniciativa prpria. _Eu no sei..._ ela tentou disfarar. _Me, por que as cartas do Caio esto jogadas no lixo, no quarto do Beto? _ tentei ser bem clara e mostrar que eu no estava ali para ser enrolada, fiquei de p e cruzei os braos. Meu irmo chegara bem na hora da rua e vira que alguma situao de tenso estava acontecendo em seu quarto. _Beto, por que as cartas do Caio esto aqui? _ apontei para o cho e ele instantaneamente olhou para a minha me, averiguando algum olhar de reprovao. _Eu... _Roberto, voc conhece o Caio, sempre adorou ele, no possvel que voc no tivesse a menor considerao de me entregar as cartas, eu tinha o direito de saber se elas iriam para o lixo! _ peguei alguns pedaos e joguei para o alto, minha voz estava embargada. _ Por que fez isso?! _ uma lgrima desceu dos meus olhos. Meu pai apareceu tambm, estava assustado com os gritos. Ele viu o papel no cho e pude enxergar que aquilo tinha sido um compl de toda minha famlia. _Eu s fiz o que minha me mandou... _ Beto coou a nuca. _Ai minha filha, seu pai achou melhor voc no sofrer mais, a gente viu voc parar no hospital... _Vocs no tinham o direito de passar por cima de mim! _ apontei para o meu
prprio peito e as lgrimas caiam. Mas eram de muita raiva, de revolta, de rancor._ Eu queria muito saber o que elas diziam, vocs no tem noo de que tudo poderia ser diferente se eu tivesse recebido essas cartas? _ franzi a testa e cruzei os braos, consternada com esta situao de manipulao da minha vida pessoal. _Eu j no agento mais ouvir essa histria! _ meu pai se virou e foi para seu quarto, batendo a porta, ele no era o tipo de pessoa que gostasse de encarar as situaes. _Minha filha, me desculpa, eu sei que eu errei. _ minha me estava emocionada, mas suas lgrimas eram de pena e eu odiava que tivessem pena de mim. _Me, me deixa... _ puxei meu brao e fui para o meu quarto. Fechei a porta e sentei na minha cama. Meu irmo veio atrs e abriu a porta: _Bela, desculpa... _ ele pediu, se sentindo mais culpado que todos. _Eu fiz o que minha me mandou. Quando as cartas chegaram, eu achei e falei que iria te entregar, ela ento me fez rasgar e mandou eu jogar fora... _ ele tentou se explicar. _ Mas olha, quem sabe a gente consegue colar? _ ele deu a idia. _Est tudo misturado..._ chorei. _Lembra que j montamos quebra-cabeas enormes? _ ele recordou. _Vou l buscar! _ anunciou e voltou pouco tempo depois com os pedaos de papel dentro da lixeira. Escorreguei da cama e sentei no cho. Ficamos ali por muito tempo, tentando colar os pedaos com durex. Por fim, j terminada a montagem, eu agradeci afagando seu cabelo e pedi que me deixasse sozinha para ler. No queria dividir aquilo com ningum. Beto saiu e fechou a porta do quarto. _Bela, faz algum tempo que a gente no se fala. Estou sentindo muita falta de te ver e de te ouvir. Me sinto um fraco por ter pensado em ter outras coisas que me custaram nosso namoro. Eu te fiz mal e isso at hoje me deixa chateado comigo mesmo. Eu sei que no posso voltar atrs e tentar consertar. Queria pelo menos retornar ao ponto em que ramos amigos e ter voc para ligar e contar meus problemas. Eu sempre quis te ter e deixei a vida me levar voc... A carta falava substancialmente de seu arrependimento e desejo de que pudesse ao menos ter um bom relacionamento de amizade comigo. A segunda era mais compreensiva, apenas com um pedido de que eu no guardasse mgoas dele. E terminava falando que devia se perdoar e se dar uma nova chance de continuar seu caminho. Li e reli muitas vezes, at que dormi abraada com o papel. Tudo poderia ter sido diferente, se eu ao menos pudesse ter recebido a tempo aquelas declaraes. *** Gustavo estava dirigindo mais rpido do que o comum. Pedi para que ele fosse mais de vagar. Ele me parecia nervoso. _Guto, por favor, estou te pedindo. _ uma agonia comeou a me bater e eu sentia que algo ruim estava para acontecer.
Nunca vira Gustavo daquela maneira, estava fora de si. Tentei colocar a minha mo no seu brao e faz-lo diminuir a velocidade. Uma freada brusca, um grande barulho e no vi mais nada. De repente, acordei assustada. Sentei na cama e me percebi suada, gelada. Que sensao horrvel de ter vivido um sonho to real. Era prximo do amanhecer, seis horas da manh. Passei a mo no meu peito, uma sensao muito realista de morte, uma vontade de chorar. Peguei o celular e pensei em fazer a coisa mais louca e incoerente: liguei para Caio. Ele atendeu com voz de sono: _O que houve? _Caio, eu acabei de sonhar que tinha morrido... Um sonho horrvel... _Bela, querida, toma uma gua, foi s um sonho. _Caio, eu no quero morrer antes de te dizer... _Voc no vai morrer! _ ele riu. _ Se tudo que eu sonhasse virasse realidade...? _Caio, eu no quero morrer sem te dizer... _Pra de falar isso! _Escuta! Eu li suas cartas, encontrei elas aqui rasgadas no lixo... Mas enfim, um dia te conto como foi essa confuso, elas pararam nas minhas mos... _ eu estava falando coisa com coisa e ele mesmo assim do outro lado tentava pacientemente entender. _Que bom que leu e que estamos bem. Afinal, s amigos se ligam s seis da manh. _ ele riu. _Caio, eu vou sempre amar voc. No me faz perguntas, eu no quero atrapalhar a sua vida, eu s queria te dizer isso. O meu sonho foi to real, to ruim que... _Psiu... Linda, reza antes de dormir e pede para os anjos velarem seu sono. Voc sabe que eu tambm vou amar voc, no mesmo? Vamos dormir, t? _Tudo bem... Desculpa... _..._ ouvi o barulho da sua leve risada. _Eu preciso desligar... no quero que minha namorada acorde e me oua falando isso, ela me mataria. _T... Desliguei. Sua namorada acordar? Eles pernoitaram em um motel? Ento, o lance era srio mesmo. Deixei o celular na cabeceira da cama e fechei os olhos. Nada daquilo tinha sido real, mentalizei com fora esse pensamento. Queria que tambm fosse mentira Caio estar agora com outra, que Gustavo no fosse to maneiro e no tivesse cado na minha cabea de pra-quedas. Desejei acordar em algum dia do meu passado e estar longe de toda essa grande confuso que me saia por completo do controle. Eu pensei que as surpresas haviam parado ali. At que meu telefone tocou e era Robson, o amigo de Gustavo. Ele me pedira para eu fazer o tal evento do salo do automvel. Aceitei pelo dinheiro. Nem fiz muitas perguntas sobre Gustavo me indicar sem antes me comunicar, enfim, estava querendo juntar uma grana e encher minha cabea de empolgao. Durante a tal feira, eu precisei distribuir sorrisos, ser gentil, feliz, enfim, representar um dos objetos de consumo que os homens gostariam ao comprar aqueles carres importados. Durante essa cansativa tarefa, uma mulher elegantemente vestida observava as meninas. Descobri que ela era a tal Madame Evil, ex-patroa de Caio, segundo me informara uma modelo.
Ao final, enquanto eu tirava aquela roupa esquisita, me apareceu uma mulher no banheiro e pediu para eu acompanh-la at o estacionamento. De l fomos at a agncia. Tentei sondar a mulher, mas ela disse que sua tarefa era apenas me levar ao encontro de Ilda Nascareli, a dona da famosa WV. O que aquela mulher poderia querer comigo? Ser que Gustavo havia me indicado para ela? _Pode se sentar... _ a mulher ofereceu com um gesto de mo, assim que eu entrei em sua sala. _Nossa, eu at agora no entendi muito bem... _Fique tranqila... _ a mulher sorriu. _... Eu te chamei aqui por uma boa causa. _? Espero que eu tenha feito um bom trabalho. _Ah! Sim, fez... _ ela expressou uma cara de quem no estava preocupada com o evento que passara. _ Um cliente meu quer voc para uma campanha. Ele te viu l e ficou encantado, no sei o que voc falou para ele... Ou como o fez gostar tanto de voc... _Eu tambm no me recordo de ter tratado ningum to bem assim... _Pois tratou. Eu no escolheria uma amadora, ia preferir algum gabaritada... Mas os clientes mandam. E ele cismou que quer voc. _Nossa... _ eu estava completamente surpresa. _Voc vai entrar em contato com minha secretria e ela vai agendar tudo com voc. _Claro, obrigada. _ agradeci sem nem ao menos ter mais detalhe de que campanha seria, s o fato de estar ali sendo recebida por aquela mulher importante. Apertei sua mo e meus olhos sem querer pararam em um porta-retratos em cima da mesa. Meu corao disparou e eu reconheci aquele rosto. _Quem ela? _ apontei para a foto. _ Desculpe em perguntar... A mulher olhou para mim sria. _Por que a pergunta? _No, eu s queria saber: quem ela?_ insisti.
Captulo 26: No limite Trilha sonora da cena (clique aqui) A dona da agncia olhou para a foto no porta-retrato da mesa e depois para mim. _ a minha filha. Voc j a deve ter visto em alguma campanha. _, pode ser..._ concordei, sem denotar muita surpresa. Sai da sala e novamente encontrei com a sua secretria, a mulher se chamava
Tereza e usava um corte de cabelo bem curto, semelhante ao antigo visual de Ftima Bernardes, a apresentadora do Jornal Nacional. Enquanto eu andava atrs dela, observava sua elegncia no terninho cinza escuro e nos saltos altos. Entramos em sua sala de vidro. Ela ficou a olhar alguma coisa no computador. Nesse nterim, um turbilho de pensamentos se cruzavam na minha cabea. Ento, Gustavo namorara a filha da dona da agncia. Ser que isso motivara sua sada da empresa? _Voc uma garota de muita sorte! _ a voz de Teresa me trouxe de volta a noo de realidade. _J me disseram isso antes. _ sorri. _Muitas meninas fariam qualquer loucura para estarem sentadas nesta cadeira. Apesar da super dimenso que davam aquilo tudo, eu encarava apenas como um trabalho, no conseguia enxergar como uma misso de vida. _Tudo aconteceu to rpido. De repente, eu estava no shopping e logo em seguida em uma campanha de lingerie, depois em eventos e agora aqui! _! H rarssimas excees que so assim mesmo, acontecem em um pulo. _Eu que o diga! Desde que conheci o Gustavo... _Gustavo? _._ respondi, percebendo que ela o conhecia. _ Ele fez estgio aqui. _Estgio? _ ela riu como se eu tivesse cometido a boalidade de errar a capital do Brasil para Buenos Aires. _No seja humilde! Ele era um dos nossos melhores fotgrafos. _ suspirou. _ Gustavo no nasceu com dois olhos, mas com duas lentes! Aquele garoto um pequeno gnio da criao. _ sua voz soou muito saudosista. _Ele uma boa pessoa. _ acrescentei, me limitando a poucos elogios, no queria dizer que era sua namorada._Por que ele saiu daqui? _... _ ela concentrou-se no que estava vendo no seu computador e no me respondeu. _Soube que ele teve alguma coisa com a filha dela... _ referi-me a chefe de Tereza. Queria que ela se desse conta de que eu estava a par da situao, de modo que nada era novidade para mim. _Eu ajudei tanto aqueles dois..._ sorriu, se pondo no lugar de fada madrinha. _ Arrisquei meu emprego, isso sim! _ levantou as sobrancelhas. _ A Vernica era uma menina muito tmida, que viva em casa, cheia de problemas, se achando feia. At que a me dela chamou Gustavo para fotografar o aniversrio da Vernica. S que o Gustavo, com aquele jeito dele de atrair a ateno e conquistar todo mundo, ficou amigo dela e eles se apaixonaram.Ele fez muitas fotos da Vernica e, quando vimos, tnhamos uma das mais lindas modelos conosco. _E o amor deles no deu certo? _Ah! A me dela mandou ela para fora e depois deu um jeito de no renovar o contrato do Gustavo. No tinha uma pessoa aqui dentro que no gostasse dele! _Mas por que isso, Meu Deus? Se ele to querido!? _De repente, Vernica virou um furaco e Gustavo era s um peixinho nesse mar de grandes tubares. No era bem isso que a me dela queria... Enfim, estamos perdendo nosso tempo de trabalho e eu j falei muita coisa, hen?! _Eu j vi uma foto dela, muito linda mesmo. _Sim, ela . Mas bonito mesmo o amor deles. No duvido nada que quando ela chegar eles dem um jeito de ficarem juntos sem ningum saber! A gente no consegue segurar duas pessoas que se amam! Se Tereza soubesse que por ironia do destino estava falando com a namorada do Gustavo, acho que ela estaria metida na situao mais embaraosa da sua vida. Aquelas revelaes no me fizeram nada bem. Eu me sentia empatando a felicidade de duas pessoas. De repente, comeava a cair na realidade. Vieram minha cabea as palavras das amigas que me visitavam no meu blog:
_No adianta vc simplesmente dizer "Caio no faz mais parte da minha vida" se o seu corao diz o contrrio; _vc ama o Caio, mas no momento vcs esto separados certo ?! ento esquece o passado do Gustavo... vc citou a possibilidade do gustavo estar usando vc para esquecer outra... mas j parou pra pensar que vc tambm est usando o Gustavo numa tentativa que ns sabemos que quase intil ?! quando a gente ama algum de verdade Bela, no to fcil de esquecer...; _naum sei se eh a hora certa de vc comear um namoro, namoro! vc 'acabou' de sair de um e jah vai mergulhar de cabea em outro? serah q vc naum precisa de um tempo pra vc, pra vc driblar seus sentimentos em relaao ao caio e ateh mesmo em relaao ao gustavo?; Gustavo e eu estvamos nos enganando. At quando amos fingir para nossos coraes? Eu estava certa que no tinha como ir adiante. S no poderia provocar algum rompimento bem prximo as semanas de provas do vestibular, isso abalaria meu emocional. J me bastava ter que engolir que Caio estava de namoradinha nova em sua festa de formatura sem mim. As provas conseguiram me absorver por completo e deixar meu corao em modo de espera, mas quando elas acabaram eu fiquei de cara a cara com a deciso. Estava no apartamento de Gustavo bebendo um vinho e comemorando nossas frias. 0lhei para ele e inevitavelmente fiquei imaginando como uma outra mulher poderia am-lo muito mais que eu. _Bela, vamos para o quarto nos curtir?... _ ele beijou meu pescoo. _ Eu j tirei o retrato de l... _Guto, no vai dar. _afastei-o delicadamente com as mos e seu peito. _Por qu? _Gu, eu gosto muito de voc, mas... _No termina. _ ele me interrompeu e respirou profundamente. _ Me poupe do final. _ riu ironicamente. _Eu j sei que est adiando isso. _Desculpe, me desculpe mesmo. _Venho percebendo que est muito fria comigo... _Guto, eu no quero transar com voc, porque eu no quero me envolver mais. Isso no est certo. _Por que voc tem que levar a vida to a srio? _Voc a tirou da parede, mas no a tirou do corao... _ falei-lhe docemente e confesso sinceramente que no estava com raiva dele. Apenas sentia pena de estar terminando daquela maneira. _..._ ele no discordou. _ Quem sabe o tempo... _Gustavo, no quero ser um estepe. Enquanto voc no a esquece eu vou ajudando... No bem assim que deve ser... _Ou ser que voc tambm no conseguiu esquecer seu ex-namorado? _Bom, nem que eu estivesse, ele est namorando... _ bebi o resto do vinho da taa. _E a Vernica est to longe. _No daqui a alguns dias... Sabemos disso. _Como voc...? _ franziu a testa. _O que importa agora que precisamos colocar os nossos caminhos voltados para a direo certa e sabemos bem para onde eles apontam. _ a deciso mais madura que j te vi tomar. _ ele elogiou. _ Eu sei que voc foi muito importante para mim, me abrindo portas, janelas... _ ri.
_... para um mundo novo. Mas por melhor e mais perfeito que seja, no basta para me fazer feliz. Da mesma maneira, que eu no sou sua Vernica... _Nossa! _ ele riu aliviado. _ No sabe o quanto eu estava tentando me fazer acreditar que era. E todas as vezes que me pegava com saudade me condenava... _Comigo no era diferente. _E agora?_ ele perguntou. _E agora voc me leva para casa de volta... _ peguei em sua mo e dei dois tapinhas. _Ok. _ apertou minha mo. Ns sabamos que tnhamos tentado, mas no adianta empurrar um amor para dentro do corao se s ele abre a porta para quem quer que entre. Entrei no carro de Gustavo e me senti aliviada, acho que ele tambm. No precisvamos mais representar. Encarar a realidade muito difcil, mas o certo a se fazer. Sendo assim, tudo voltava ao lugar dentro de ns. Eu poderia at no ter o Caio para mim, mas finalmente estava sendo sincera comigo mesma. Gustavo foi cortado por um carro bruscamente. Ele no se contentou e acelerou para ver se ficava ao lado do motorista imprudente para dar-lhe uma bronca. _Deixa isso para l. _ pedi, percebendo que ele estava dominado pela ira. _Ele queria nos matar? _ bradou e pisou no acelerador. _Gustavo, por favor! _ implorei e toquei no seu brao. Instantaneamente lembrei do meu sonho. Senti um arrepio e meus cabelos da nuca se eriaram. _Gustavo, pra! _ pedi muitssimo nervosa. Parece que tudo se sucedeu em cmera lenta. Um nibus na contra-mo fazia uma ultrapassagem proibida, quando percebeu que seria impossvel frear a tempo. Ele ainda buzinou, mas s pude levantar os braos e proteger meu rosto. Os vidros da frente se esfarelaram por cima de mim como uma chuva. Mergulhei em um grande tnel de luz e no mais senti o meu corpo. No havia mais dor, nem sensao de angstia, medo ou qualquer sentimento ruim. Apenas uma paz muito grande. A prxima imagem que vi, ao sair do tnel de luz, foram os bombeiros imobilizando o meu corpo na maca. Eu podia ouvir suas vozes fazendo perguntas sobre minha presso, meus sinais de vida, mas eles no conseguiam me ouvir. E o mais incrvel que eu me via do lado de fora do meu corpo. Como uma terceira pessoa! Muitos curiosos se acotovelavam ao redor dos veculos amassados e destrudos. Meu sangue sujou o asfalto. Eu queria poder dizer que estava bem, mas no conseguia, porque no estava deitada no meu corpo. Ningum me escutava! Por qu? Eu no entendia, o que estava acontecendo?
Trilha sonora da cena (clique aqui) Eu estava um pouco confusa, por que eu podia ver o meu corpo, estando do lado de fora dele? Vi os mdicos correndo comigo na maca pelo corredor. Levaram-me para uma sala e comearam a tentar me salvar. Eu no sei bem explicar, mas podia v-los como se eu estivesse no teto, olhando-os de cima. _Esses jovens vivem correndo. _ a mdica falou para a enfermeira, enquanto pegava uma gaze com uma grande pina. Se eu estava sendo costurada, como no sentia? Uma luz aproximou-se de mim e senti uma enorme paz. No havia dor, no havia tristeza, apenas uma sensao de estar completa. Nunca eu pude experimentar semelhante prazer! De repente, comecei a me dar conta de que eu estava morta. Ento, como meu corpo ainda respirava? Isso no era muito claro para mim. Levaram-me para um quarto e me deixaram de repouso. Eu no tinha bem uma forma fsica, eu simplesmente sentia que existia, mas de outra maneira, diferente da forma humana. O quarto tinha duas paredes feitas de vidro da metade para cima, de modo que vi quando Caio chegou. Ele me viu atravs do vidro deitada na maca e seus olhos estavam cheios de lgrimas. Aproximei-me dele e senti vontade de poder toc-lo. No queria que ele sofresse. Aquilo era muito angustiante. Mas Caio parecia no conseguir suportar bem a situao. Permitiram que ele entrasse e ficasse sentado ao meu lado. Caio tocou na minha mo: _Eu disse que sempre voltaria, lembra? _falou comigo. A enfermeira olhou-o e sorriu com doura. _Ela est inconsciente, no pode te ouvir. _Mas o esprito dela no est, ela de alguma forma pode me ouvir... _ ele argumentou e a mulher no contestou e saiu. Caio voltou a me olhar com doura, ele estava mais lindo que nunca. Os braos fortes pelos exerccios, o rosto magro e de barba feita. Usava uma camisa branca e uma cala jeans azul marinho. Eu sentira tanta falta daquela sua simplicidade. Olhei para frente e vi um homem do outro lado da maca. Ele era idoso e me lembrou o senhor das fotos da casa da av de Caio. Seria seu av? O homem no parava de olhar para o neto. Eu me senti responsvel pela dor de Caio e gostaria de mudar isso. Ao mesmo tempo que no queria abandonar aquela maravilhosa sensao de felicidade plena. A luz de que eu havia falado ficava sempre perto de mim, ela tinha um calor acolhedor e me trazia uma energia maravilhosa. _Bela, eu sinto tanto sua falta... _Caio comeou a conversar comigo. _... Eu
gostaria tanto de poder ser ao menos seu amigo como antes e te contar minhas coisas... _ ele abaixou o olhar. _ Eu no gosto da minha prima, como te amava. Ela legal, mas no sinto aquela alegria enorme de estar com ela como sentia contigo. Fiquei bem perto de Caio e sorri para ele. _A minha me gosta muito dela, porque ela uma garota muito direitinha, religiosa, recatada e fica sempre me dizendo que ela sim um bom partido. S que eu no tenho mais ningum para me ouvir, para acreditar no que eu acredito, para dividir idias comigo. Isso to vazio... Gostaria de dizer a Caio que estava tudo bem, que no precisava se sentir culpado, pois eu no tinha mais raiva dele. _Voc to linda, est sempre nos meus sonhos. Daria tudo para poder te trazer de volta para mim. Eu tambm quis ficar com ele de novo. Mas como? Caio passou toda a tarde assim, falando comigo. Depois pegou um livro e abriu. _Dizem que bom ler para a pessoa aquilo que ela gostava de ler... _explicou-me. _No me ache idiota... _ele riu. Eu reconheci pela capa do livro que era aquele que eu mais gostava. Se chamava O Retorno e Terno- Crnicas, de Rubem Alves. _ Meu amor independe do que me fazes. No cresce do que me ds. Se fosse assim ele flutuaria ao sabor dos teus gestos. Teria razes e explicaes. Se um dia teus gestos de amante me faltassem, ele morreria como flor arrancada da terra._ a voz doce de Caio me sussurrando aquelas belas palavras me trazia muita paz. _Variaes sobre a impossvel pergunta: te amo, sim, mas no bem a ti que eu amo. Amo uma outra coisa misteriosa, que no conheo, mas que me parece ver florescer no teu rosto. Eu te amo porque no teu corpo um outro objeto se revela. Teu corpo lagoa encantada onde reflexos nadam como peixes fugidios... Caio era nico e agora eu sabia que ningum poderia substitu-lo, nem que eu fizesse muita fora para me enganar. Ele tinha muitos defeitos, mas suas qualidades eram essenciais para mim. Ele me fez companhia por toda a tarde e depois o cansao o fez dormir. Ficava to lindo naquela posio quieta e tranqila. Tentei passar a mo em seus cabelos, mas no conseguia. Lembrei-me de Gustavo e senti uma forte presena da luz novamente. Ela me levou at o quarto ao lado e vi meu caro amigo fotgrafo envolto em faixas. Ao lado da cama estava uma mulher de costas para mim. Caminhei em sua direo e reconheci a garota do quadro do quarto de Gustavo. Como ela chegara ali to rpido? Pegara um avio? Eles se seguravam pela mo e se amavam pelo olhar. Sorri e no senti cime, raiva, inveja ou qualquer sentimento ruim. Pelo contrrio, me sentia bem em saber que finalmente tinham ficado juntos. Gustavo fora apenas uma etapa da minha vida. Mas nada poderia conter o seu amor pela mulher que tinha seu corao. Novamente voltei para o meu quarto e encontrei meus pais conversando com Caio para que ele fosse para casa descansar.
Eu no queria que eles ficassem mal por mim. A proximidade do Natal fez Caio trazer uma pequena rvore em miniatura e colocou-a ao lado da minha cama, junto com uma imagem da sagrada famlia. Ele no desacreditava que eu pudesse voltar. Mas isso lhe trouxera problemas, como no dia em que sua namorada ligou perguntando se ele ficaria apenas comigo e esqueceria dela de vez. Caio devolveu somente o silncio e seus olhos ficaram fixos no meu corpo sobre a cama. _Tudo bem, eu j entendi tudo. Acho que eu no sou forte o bastante para competir com ela. Adeus, Caio. _ela disse e desligou. Ele fechou o celular e ficou com ele preso na mo, apoiando o queixo, parecia o Pensador de Salvador Dali. Naquela tarde quem viera me fazer uma visita fora a av de Caio. Ela beijou a cabea do neto e perguntou como estava. _Estou bem. V, acha que ela pode voltar? _ perguntou. _Caio, eu no sei se ela j havia cumprido a misso dela... _ a mulher suspirou e sentou-se tambm. _... Mas quando a gente tem f, milagres podem acontecer... S que se voc ficar sofrendo, no vai deix-la descansar em paz. _Eu sei... _ ele respondeu com tristeza. _Vamos rezar por ela? _ a mulher sugeriu. _Claro. _ Caio aceitou e os dois pegaram nas minhas mos, cada um de um lado. _Bela, ns sabemos que voc est aqui e pode nos ouvir. _ ela comeou com uma voz maternal. _ A gente quer que voc se sinta livre para decidir se deve descansar, ou se quer voltar. Ns ficaremos bem, qualquer que seja sua deciso. Senti a calorosa presena da luz ao meu lado e perguntei para ela se eu poderia voltar. No era com palavras humanas que eu me comunicava, estranho, no tem bem como explicar. A av de Caio disse que viera busc-lo para lev-lo para a fazenda, porque ele estava muito fraco e precisava de um tempo. Ele cedeu e aceitou.
Captulo 28: De volta Trilha sonora da cena (clique aqui) _A gente ainda no pode acreditar nesse grande milagre! _minha me juntava aos mos em sinal de orao e sorria em estado de graa. _ Voc est bem mesmo, minha filha? _ ela era s cuidados. _Estou sim. _ sorri e sentei no sof de casa. Era bom estar de volta. Eu ainda tinha muito o que fazer e realizar. O caminho precisava continuar.
_Vocs ligaram para o Caio para avisar? _ perguntei. _... Ns estvamos to eufricos que nem... _ minha me tentou disfarar que no gostara nada que eu estivesse ainda pensando no Caio. Eu no tinha raiva dela, at a entendia. Ver sua filha naquele estado de loucura em que fiquei certa vez fora suficiente para deix-la traumatizada. _Betinho, meu querido, busca meu celular no quarto? _ pedi. _Voc vai ligar para ele? _ minha me se sobressaltou. _ Descansa mais, quer comer alguma coisa primeiro? _Me, eu preciso ligar, tudo bem? _ beijei sua cabea e fui para o meu quarto andando bem de vagar. Minha perna estava enfaixada por causa dos cortes. _No faa esforo, Belinha! _ ainda ouvi sua voz abafada vinda da sala. Liguei para a casa da av de Caio na fazenda e quem me atendeu fora um empregado. Pedi que ele levasse o telefone at sua patroa, pois era urgente. _Ainda reconhece a minha voz? _ falei docemente, quando ela atendeu com um al. _Quem ? _Eu vim dizer que ainda no cumpri minha misso. _Bela?! _ senti sua voz se abafar, como se tivesse colocado a mo na boca de surpresa. _Psiuu! No deixe Caio ouvir. Quero fazer uma surpresa para ele. _Voc se recuperou to rpido? Ningum mandou notcias para a gente e... _Tem muitas coisas que eu preciso conversar com a senhora... _Eu imagino... _ ela parecia me entender. _... E vou ter todo o prazer de ouvir. _Eu estou pensando em pegar um nibus, descer na rodoviria ai da cidade. Tem como pedir para algum empregado me buscar de carro? _Claro! Quando pretende vir? _Amanh de manh. Umas nove horas estarei a. Mas no conte para o Caio. _Tudo bem, vou tentar, estou muito feliz de poder falar com voc. _Como ele est? _Bem. Ficou meio chateado com uma briga que teve com a me por causa do fim do namoro, mas foi o melhor para ele. Acho que te ver ser muito bom. _Ter algum problema para a me dele eu ir at a? _No, afinal, a fazenda ainda minha!
_ verdade. Obrigada por acreditar sempre em mim... _Bela, eu sabia que voc tinha feito apenas um desvio no percurso, pois algum dia voltaria para aquela estrada. _Sim, eu estou de volta. Desliguei e senti uma grande alegria no meu corao. Procurei minha mochila e pedi ajuda ao meu irmo para que ele me auxiliasse e eu no ficasse me abaixando tanto. _Voc vai para onde?_ minha me assustou-se, quando apareceu no quarto. Eu lhe informei sobre meus planos e ela no ficou nada contente: _Para que se precipitar, voc ainda est muito fraca! _Eu estou tima! _ fiz um carinho no seu rosto. _ S preciso levar os curativos para fazer l. apenas duas horinhas de viagem, rapidinho. _Minha filha! No faa isso! _Me, eu vou. _ falei com firmeza. _ Eu preciso. Mesmo contra a vontade dos meus pais, peguei o nibus de manh e parti para a fazenda com a misso de encontrar meu grande amor. Mal conseguia relaxar ou dormir, elevado o grau de ansiedade! Enrolei um fino leno florido amarelo claro ao redor do pescoo para disfarar o meu curativo. Estava de vestido branco comprido para cobrir os curativos da perna e o cabelo solto ligeiramente ondulado nas pontas, pois no me preocupei em escov-lo aps lavar. Tirei o tquete da bolsa para entregar ao motorista e pegar minha bagagem, assim que cheguei na rodoviria. Ali em p, sozinha, esperei que aparecesse o empregado da av de Caio. J era a hora que eu marcara, mas nada do homem. Olhei para minha frente e vi um jipe se aproximando. E quem dirigia era Caio. Meu corao disparou. A notcia deve ter vazado. Ele desligou o carro, bateu a porta e sorriu para mim. Sorri tambm e mordi meu lbio inferior. Ele estava lindo de botas bege, cala jeans azul claro e uma camisa cinza. Seus passos firmes em minha direo aumentavam o compasso do meu corao. _Eu te amo muito. _ Caio segurou meu rosto com suas duas mos. _Eu tambm te amo. _ ri. _ Cuidado... _ fiz sinal para ele no me abraar, pois eu estava muito machucada. _No vou ganhar nem um beijo de boas vindas? _Um s? _ ele se aproximou e eu fechei os olhos, sentindo seus lbios quentes deslizarem entre os meus. Dedilhei sua nuca com carinho e puxei-o pela camisa para que se abaixasse mais um pouco para eu no fazer esforo com meu pescoo. O seu cheiro, o toque da sua barba rala em meu queixo, o gosto, era uma sinergia
explosiva que eu tinha que convergir em movimentos muito delicados. _No vamos nos deixar nunca mais? _ pedi assim que abri os olhos. _Nunca mais, meu amor. _ ele roou o seu nariz no meu._ Agora vamos para a fazenda que voc precisa se cuidar... _Carrega para mim? _ pedi e ele pegou a mala. Andamos de mos dadas at o carro. O sol daquela manh era amarelo claro, muito quente, no alto do cu. _Voc agora dirige? _ perguntei me sentando ao seu lado. _... Muitas coisas aconteceram para mim..._ ele falou, ligando o carro. _ uma pena que eu tenha perdido todo esse tempo. _Mas temos o resto da vida para recuperar. _ ele sorriu e me beijou rapidamente. _ Como estou feliz. No posso acreditar que voc est aqui ao meu lado, to linda como sempre! Eu ainda tenho sonhos erticos com aquela maldita foto da loja l do teu ex. Eu dei uma gargalhada deliciosa. Que saudade das palhaadas, de sua sinceridade e espontaneidade! _Mentira! _ bati em seu brao levemente. _Garota, voc nunca me saiu da cabea! Ou eu fico com voc de vez, ou nada vai dar certo para mim! _Ento, a gente combina assim. _ pisquei o olho. _Eu liguei para o hospital de manh e me disseram que voc tinha sado. Ai liguei para sua casa e sua me me contou que vinha. Minha av no conseguiu mentir por muito tempo. _Tudo bem. Eu pensei que iria te fazer uma surpresa e voc me surpreendeu. _Ficou feliz? _Claro! Eu adorei voc ter ficado comigo todos aqueles dias... Eu ouvi tudo... _Ouviu?_ franzi a testa. _Hum-hum... _Isso no incrvel?_ perguntou-me. _O qu? _O mistrio da vida?! _... _ e ele mal sabia o que era tambm o mistrio da morte, to bonito como a graa da vida. Apenas dois estados diferentes de existncia, to sublimes quanto. Os pais de Caio me receberam com saudaes de melhoras, mas senti que da parte
de sua me era uma mera formalidade. tarde, subi para o ston com Caio e sua av. Precisava falar com eles sobre tudo que havia me acontecido desde o acidente. Eles no chamariam tudo aquilo de alucinao. _Voc o viu? _ a av de Caio ficou emocionada, quando lhe falei da imagem do homem no quarto prximo a Caio. _Vi e ele estava preocupado com o neto. _ apertei a mo de Caio. _Quer dizer que voc se via fora do seu corpo? _ Caio estava bastante surpreso. _ Como pode isso, v? _Eu tambm vim aqui em busca dessa resposta._ confessei. _Por incrvel que parea, Bela, muitos mdicos e cientistas j pararam para estudar algumas estranhos comportamentos de seus pacientes. Um grande mdico que pesquisou isso foi o DR. Melvin Morse. Eu tenho aqui o livro dele, se quiser ler depois. Se chama Closer to the Light, que quer dizer mais prximo da luz. Enquanto Dr. Morse trabalhava em um hospital da cidadezinha de Pocatelo, no estado de Idaho, EUA, ele viu vrios casos de pacientes que tiveram seus rgos vitais parados e depois voltaram a funcionar. Essas pessoas relatam como foi estar do outro lado. Muitas narram a mesma experincia que voc teve, Bela. No livro, por exemplo, ele conta o caso da menina Catarina de 9 anos, que se afogou numa piscina pblica. A menininha disse que durante o tempo em que esteve morta, encontrou-se com uma adorvel "senhora" chamada Elizabeth, que devia ser seu Anjo da Guarda. Elizabeth sabia que Catarina ainda no estava pronta para passar para a vida espiritual e permitiu que ela retornasse ao seu corpo. S que as pessoas que passam por essa experincia acabam no contando para os outros, com medo de serem tidas como loucas. _A cincia no gosta de se aproximar a nada que mexa com o que no se pode provar... _ Caio comentou. _As revistas cientficas e os livros evitavam de tratar do tema. Mas uma grande revoluo no sentido de se esclarecer o que acontece depois de morrer foi feita por um outro mdico. O livro traduzido em portugus e famoso mundialmente. _ A av de Caio caminhou at a estante e puxou um livro de capa azul clara e me entregou._ O Dr. Raymond Moody publicou esse livro "Vida aps vida" em 1975. Ele coletou entrevistas de pessoas de vrias cidades diferentes. belssimo e emocionante ver como as sensaes e emoes so muito semelhantes entre os pacientes. A luz, os tneis, a viso de parentes, a grande paz que se sente. algo totalmente diferente da viso de morte que algumas religies passam de que a morte um lugar cheio de grama onde criancinhas ficam correndo ou uma fogueira cheia de demnios. Algumas pessoas conseguem passar por vrios estgios e outras voltam a vida sem nem ao menos lembrar de nada que viram por l. Os mdicos alegavam que era pura alucinao. Mas como explicar, ento, o fato das pessoas lembrarem da conversa dos mdicos, quando o corao delas pararam? _ incrvel mesmo... _ eu estava feliz de saber que aquela experincia no havia sido s comigo. _ Eu gostaria de contar para meus pais, mas eles vo ficar muito neurticos com isso... _Minha me, ento, teria um troo s em ouvir esses assuntos. _ Caio comentou. _Para algumas pessoas, meus amores, difcil ver outras possibilidades. Elas se
agarram as suas crenas e fecham suas mentes como se colocassem aquelas vendas de cavalo. O conhecimento uma ddiva divina. Mas aqueles que esto muito centrados s no que certos lderes religiosos pregam esquecem a prpria liberdade de pensar e de crer. muito triste. Tem gente que deixa de namorar, porque o namorado no pensa igual... _ a av de Caio devia estar se referindo a ex-namorada de Caio, que no gostava de suas manias de ler sobre tudo e ser muito curioso. _ Tem gente que deixa de ler um livro, por exemplo, se este fala de qualquer tema que sua religio no permite falar. H pessoas que param de conviver com amigos que pensam diferente. So pessoas muito limitadas e que infelizmente sofrero muitssimo em suas passagens, pois elas no esto preparadas para isso. _Eu tenho pena do como essas pessoas deixam de viver a vida com mais naturalidade. _ Caio comentou e seu olhar e voz estavam tristes. _ Elas enxergam o sexo como algo das trevas, tudo maligno, tudo leva para o mal. Assistir novela ruim, ouvir msica que no seja religiosa ruim, vestir uma roupa tal ruim. Elas entram dentro de uma lata e ficam merc dessas leis morais... Eu no consigo ser assim! _Meu querido, os dedos das nossas mos no so iguais... Voc precisa ser paciente e tolerar as diferenas. Mas olhe pelo lado bom, voc tem uma namorada que pensa como voc... _ ela sorriu. Namorada?, de repente me dei conta de que no tnhamos voltado oficialmente. _Somos namorados? _ sorri. _Shiiii... Acho que interrompi um momento simblico sagrado! _ a av de Caio fez uma voz dramtica. _ Eu vou preparar um lanche l embaixo e vocs fiquem a resolvendo essa cerimnia. _T. _ ri. _Posso ficar com o livro para ler?_pedi. _Claro, minha querida._ela falou, j descendo as escadas. _ bom do outro lado mesmo? _Caio me perguntou. _Sim, maravilhoso. S difcil quando a gente v as pessoas que a gente gosta sofrendo. No sei como explicar, nada que eu diga com palavras humanas podero me fazer compreender. _Eu j tive muito medo de morrer. Sabe aquelas coisas se voc fizer mal-criao no vai pro cu? _Sei._ ri. _A gente ainda est muito ligado aos bens materiais, a matria fsica, ao corpo. E agora tudo perde um pouco esse valor. Por que as pessoas fazem mil cirurgias, dietas de campo de concentrao, se sacrificam tanto? Se esse o corpo temporrio? _Mas o seu bem delicioso, sabia? _ ele falou no meu ouvido, chupando o lbulo da minha orelha e me arrepiando os braos. _Ah! ?_ ri. _Voc est taradinho como sempre foi, hen? _ beijei seus lbios e deilhe uma leve mordidinha. _E o pedido oficial? _O pedido oficial. _ ele deu uma tossidinha. _Bela, quer me namorar de novo?
Captulo 29: Uma criatura muito feliz Trilha sonora da cena (clique aqui) Olhei para Caio me pedindo mais uma vez em namoro e pensei que no tinha como agradecer a vida por essa nova oportunidade de ser feliz com a pessoa que realmente me completa. _Que foi? Desistiu?_ ele perguntou, por eu ter demorado a responder.
Segurei seu rosto com a mo e acariciei sua bochecha com o dedo polegar. Sorri. _S se for para vida toda. _E para alm da vida tambm?_ ele se referiu a um amor eterno, transcendendo at as barreiras fsicas. _Sim. _ beijei-lhe delicadamente e entrelacei meus dedos entre os seus. _Eu senti tanto a sua falta..._ Caio revelou. _... Eu tentei procurar outra pessoa para preencher o vazio, mas foi intil._ disse, olhando para baixo. _ Me doeu muito pensar que voc estava se entregando para outro... _Eu no fiz isso. Ele me olhou nos olhos e entendeu o que eu quis dizer. _Mas... _Eu no transei com o meu ex, se isso que quer saber... _No? _Pena, que eu no tenho essa mesma certeza sobre voc. _Por mais que eu tenha feito... _ ele encolheu os ombros. _ ... No era to perfeito como era com voc. _Ela no era to recatada? _ desdenhei com cime. _Era... _ ele se recostou na cadeira e fez uma careta ao passar a mo na nuca, incomodava-o s de lembrar. _... Mas acabamos fazendo. S que foi pior, porque virou um inferno. Ela ficou neurtica. A me dela foi dizer para ela que aquilo era um absurdo, porque a mulher digna deve ir virgem at o altar, que ela estava impura, porque aquilo no era uma vida de santidade, que era uma mundana... _Perai! Voc tirou a virgindade dela? _No! _ riu. _Agora vai dizer isso a me dela, nem sei se ela est pensando que sim... Tambm no importa! Eu j estava sufocado com tantas paranias! _Vamos falar s de ns dois... _pedi, deixando a perceber que no queria tocar no passado. _ Eu preciso fazer os curativos, tomar banho. _Eu posso te ajudar. _ ele se ofereceu. _Eu vou querer sim. _ sorri. Caio pegou toalhas limpas, colocou o chuveiro para aquecer e foi todo atencioso comigo. Depois do banho, trancou a porta do quarto e me olhou s de toalha. _Seus pais no vo achar que ns estamos... _Bela. _ ele me olhou nos olhos e mexeu no meu cabelo molhado. _Eu j no me importo com mais nada que pensem. _Hum, estou gostando disso... _ beijei-o de leve. Ele roou os lbios no meu pescoo e depois lentamente puxou a toalha, me despindo. _Eu no posso fazer muito esforo. _ disse-lhe, fazendo um charme. Eu no ficara tanto tempo longe para voltar assim to facinho. _Tudo bem. _ ele suspirou e eu deitei na cama. Ele pegou as luvas e as colocou na mo. Depois, tirou umas gases do envelope e umedeceu no lquido do frasco de remdio. _Eu nunca mais vou poder fazer fotos._ comentei, olhando para o teto, enquanto ele limpava meus pontos do pescoo. _Ficaro cicatrizes. _Mas para mim voc ser sempre linda. _garantiu._ Isso te faz ficar triste? _No ser modelo? No. Era legal, mas nunca foi meu grande sonho. Quero estudar, me formar. _Voc vai sim se formar. _ pegou mais gases e cuidou da minha perna. _ Eu lembro como se fosse hoje o dia que te vi naquela propaganda. _? _ ri e o olhei. _ Como foi? _ fiquei curiosa. _Eu estava voltando da rodoviria com meus pais e de repente olho para o alto e te vejo em propores gigantes! _ gesticulou. _ Meu corao quase parou. _Minha me ficou botando pilha, dizendo que isso era um absurdo, que era coisa de... Voc sabe que minha me no mede palavras. Ela praticamente te mandou para o inferno. Mas, enquanto isso eu pensava: Que mulher gostosa! _Caio! _ bati no seu brao. _Isso jeito de falar?! _P, Bela, eu sou homem, n?!
_T eu sei... _ ri. _Que queria que eu pensasse? A textura dessa rendinha aqui do suti... _ fez voz feminina, cheia de frescuras. _No, n?! Eu pensei: eu perdi essa mulher toda? T lascado, como diz um amigo meu de quarto l do Cear, o Gonalves. Sem falar que todo mundo ia ver voc! Isso me deixou alucinado. _Nossa, no pensei que eu mexia tanto contigo. _ fiz um ar de falsa surpresa. _Bela, no voltei s porque eu te acho linda. _ ele tirou as luvas, ficando ainda com as mos cheias de p branco. _Mas porque eu te amo. _ deitou-se do meu lado, tendo terminado de enfaixar minha perna e de colocar o curativo no pescoo. _ Eu estou to feliz... _ me beijou e tocou no meu seio. _Caio, eu ainda estou to fraquinha... _ fiz um doce e pedi um outro vestido que eu havia trazido na bolsa. _T... _ ele falou com a voz abafada da cara enfiada no travesseiro. Mordi os lbios e agentei para no rir. Eu me vesti e enquanto penteava o cabelo, ele me admirava deitado de bruos. _Que tanto voc me olha? _ para eu lembrar, quando estiver longe. _Eu vou fazer uma miniatura daquela propaganda para voc colocar no bolso. _No fala daquilo! _bateu com a mo no rosto. Eu dei uma risada e sentei na cama ao seu lado. Passei a mo na sua nuca. Os cabelos espetados tinham aquela deliciosa textura aveludada dos bichinhos de pelcia. _Voc parece um cachorrinho. _Cachorrinho?!_ ele fez uma careta teatral. _Vou embora depois dessa. _T falando do cabelo, espetadinho... _Cachorrinho. _ repetiu. _Voc vai me levar para passear? _ cruzou os braos. _No! Vou te levar para comer! _ levantei e ofereci a mo para ele segurar. Caio estendeu a mo dobrada, como a patinha do cachorro. _Caio, voc muito bobo mesmo, hen?! _ virei as costas. Zo-lo dava nisso, ele me devolveria em dobro. _Bela... _ ele correu e me abraou delicadamente por trs. _Voc vai demorar muito para ficar boa mesmo? _Hum... Bastante. Um ms, dois... _ menti. _Acho que eu vou me enclausurar em um monsteiro. _abriu a porta e eu dei uma tapinha em suas costas. _No vai agentar! _ desdenhei. _No vou mesmo._ me abraou de novo e me deu um beijo. _Bela, vou fazer uma comida bem leve para voc, t? _ a av de Caio nos encontrou no corredor. _No quero dar trabalho. _ eu disse. _Que isso?_ Caio brigou comigo. _ Tem que dar trabalho sim, voc est doentinha. _me tratou como criana. _Nossa! Nunca vi essa criatura to feliz. _ a av de Caio saiu, balanando a cabea para os lados. Depois de comermos o bolo de laranja com caf, fomos l para fora, na varanda, pegar um ventinho, pois o calor de dezembro estava muito forte. _Est ansioso para comear a academia?_ perguntei, olhando o horizonte. As montanhas verdes estavam circuncidadas por uma urea amarelada e o cu alaranjado se confundia com o azul da noite que chegava. _Estou. Mas dizem que difcil, mais puxado. _Voc vai conseguir. _ segurei sua mo. _E voc tambm vai?_perguntou-me sobre a distncia. _Farei de tudo para dessa vez sim. _Eu vou precisar muito do seu apoio. _E vai t-lo. Caio afastou meu cabelo para trs, inclinou o rosto para o lado e me beijou. Seus lbios quentes deslizaram entre os meus, sua lngua na minha, saliva, amor,
ternura e... _Isabela?_ ouvi a voz da me de Caio na janela. Senti um pulo no corao. _Oi._ respondi. _Telefone. Sua me, ela disse que muito urgente. _ informou-me. _Ai, Meu Deus..._ levantei-me assustada._ O que ser?
Cap 30: Vitria _O que aconteceu, me?_ atendi o telefone j aflita. _Adivinha?_ perguntou ela com voz animada. Revirei os olhos de alvio e cocei a testa. Que bom! No devia ser nada srio, para ela estar pedindo para eu adivinhar. _O qu?_ perguntei para mostrar interesse. _Voc est sentada? _No, no estou. _ respondi, gesticulando para Caio que tambm ficara preocupado que no era nada demais. _ Pronto, sentei. _ disse-lhe, de fato sentando no brao do sof. _Voc passou no vestibular! _Qu?_ quase dei um grito. _Jura? Jura?! _ perdi a voz e tampei a boca. _Juro, minha filha! Vimos seu nome no site do jornal na Internet, saiu antes que a edio impressa! _Meu Deus! _ Eu no sabia se gritava, se chorava, se ria._ Eu passei! Eu passei! Caio entendeu o que estava acontecendo e veio me abraar compartilhando da minha felicidade. _Filha, voc est bem a? _ ainda pude ouvir a voz da minha me no fone. _Estou tima, me, acho at que vou passar mais uns dias para descansar aqui. _Tudo bem, voc merece._ ela concordou. _Mas logo eu estarei a para a gente comemorar em famlia! _Ah! Sim, vai ser muito bom!_ ela estava muito radiante de felicidade. Um ano com aquele grito engolido na garganta como Copa do Mundo. Caio foi correndo contar para os pais, para a av, para todo mundo que eu tinha passado. Eles vieram me parabenizar e eu estava exultante! Por fim, minha comemorao foi dois, abraadinha ao meu Caio. Podia ouvir as pancadas do seu corao com a minha cabea apoiada em seu peito, no sof da sala. _Eu estou to feliz, amor..._ confessei. _Eu estou muito muito muito feliz tambm. _ me abraou com carinho e me beijou._ Sabe o que a gente pode fazer amanh? _Hum. _Ir at a cidade, dar uma volta, beber alguma coisa. _No poderia ser mais perfeito! _ sorri e segurei seu rosto com as minhas mos. Era to mgico ver seu rostinho to perto do meu, seus olhos, seu nariz, sua boca, cada trao que eu amava com tanta devoo. _Caio, eu te amo tanto, tanto..._ senti as lgrimas virem aos meus olhos e embargarem minha voz. _ Que eu nem sei como suportei ficar to longe de voc, me senti to desprotegida... _Agora est tudo bem, Bela. _ Ele afastou meu cabelo e segurou minha nuca com sua mo._ Estamos juntinhos, no estamos?_ sorriu seu sorriso lindo. _Estamos!_ no cansei de beij-lo. Fizemos como havamos combinado e na noite do dia seguinte fomos at a cidade dar uma volta. Aproveitamos para comprar entradas para um filme que ainda no tnhamos visto, no pequeno cinema que havia ali. Era to bom voltar a rotina de eu comprar a pipoca, enquanto Caio cuidava das entradas. Peguei o saco, roubando umas pipocas quentinhas e melando a mo de manteiga.
Equilibrei na outra mo o copo descartvel de Coca-Cola. Procurei com os olhos por Caio e o encontrei conversando com uma menina. Ela estava de frente e ele de costas para mim. Mas, claro, que eu poderia reconhec-lo de costas, de lado, de cabea para baixo, dentro do Maracan que fosse. Mas quem era aquela indivdua? Senti uma farpada bem na minha vaidade. Pelo seu sorrisinho faceiro, no devia saber que ele tinha uma namorada, ou ao menos que voltara com ela. Nunca imaginei que os passos de distncia que nos separavam era suficiente para dar tempo de minha mente cruzar uma enorme gama de possibilidades. Ele podia muito bem ter ficado com ela na minha ausncia em sua vida. Mas perai! Caio no estava namorando? Essa era a namorada? Bom, se era prima, podia morar perto. Mas se era namorada e tinha terminado, ento, no estaria to feliz assim em v-lo, ou estaria? Bom, pode ser que sim. E se fosse outra, ele traia a namorada? Ento, ele me trairia um dia tambm? Pra tudo! Ora, Caio pode ter ficado com ela antes da ex e de voltar comigo. Ouuuhh! Esse avanadinho estava to galinha assim? Quando eu cheguei ao lado deles j estava com as palavras na ponta da lngua, ia perguntar se ela no tinha medo de ser um corpo que cai. _Oi, amor. No vai me apresentar sua amiga?_ passei-lhe a pipoca, a Coca e deixei as mos livres para poder entrelaar o meu brao no seu. _Ela no minha amiga. _ Caio estava muito sem graa. _Ah! No? Voc o qu? _ perguntei para ela. A menina que vestia uma cala jeans e botas fez um ar de desdm e se afastou. _Que foi? No tem cdigo de barras, mas tem dona, ta legal? _ falei um pouco alto demais para os nveis de educao daquela pequena populao conservadora. _No precisa fazer um escndalo. _ Caiu pediu. _Um escndalo? Que isso, amor!_ sai batendo o p na frente, mesmo sabendo que eu no podia ficar andando to rpido. Estava irada de cime. Caio entregou os ingressos para a mulher da bilheteria e seguimos lado a lado sem nada falar. Ele no gostava de brigas e quando eu motivava uma, se trancava dentro de si e escondia a chave. Aquela menina conseguiu estragar totalmente o clima. Eu sei que tinha sido ciumenta, mas poxa, que que ela tinha que ciscar bem no meu territrio?! Caio ligou o carro para voltarmos e no props nenhum alongamento da nossa comemorao. Ok! Aquilo no passara de um velrio! No teve nada de exultao ou jbilo pela minha vitria. _Desculpe. Mas eu tambm no vou deixar que me faa me sentir culpada, Caio. Voc ia gostar de ver eu ficar dando trela para uns carinhas que se aproximassem de mim? _..._ ele no respondeu, em sua ttica de mudo. _Tudo bem, voc no quer desculpar, no quer falar sobre isso, ento, a gente no fala! _ abaixei minhas armas e fiz sinal de paz fechando os olhos e fingindo meditar em todo caminho de volta para a fazenda. No tinha muito o que olhar pela janela mesmo, naquela escurido no meio do mato. _Bela..._ ouvi a voz de Caio no meu ouvido. Abri os olhos, eu havia adormecido. J tnhamos chegado, o casaro estava bem em nossa frente e o cachorro latia, anunciando nossa chegada. Ele estendeu os braos e me ajudou a descer, como se pegasse no colo uma bonequinha de pano. _Eu estava muito cansada..._ falei. Caio conferiu se as portas do carro estavam trancadas e depois veio em minha direo. _Vamos entrar..._ me deu a mo. S havia sua av em casa. Seus pais j tinham voltado de viagem. Fomos assim juntinhos at a porta do meu quarto. _Voc est com raiva de mim? _No..._ passou a mo na nuca.
Eu percebi que as palavras tinham estragado totalmente a nossa noite. No precisava mais delas. Olhei-o longamente e o puxei pela mo bem de vagar para dentro do quarto e fechei a porta. Toquei seu abdmen por cima da camisa e subi lentamente at segurar seu rosto com minhas mos. Ele me olhou ainda relutante, frio.Trouxe-o para me beijar e ali se deixou perdoar. Senti sua boca no meu pescoo, sua respirao j arfante prxima a minha orelha. _Voc tem que... _T aqui j..._ ele entendeu que eu me referia a camisinha, pelo visto j trazia uma na carteira. Puxou a blusa para tirar e me levou delicadamente at a cama, onde deitei. Caio me ajudou a me despir do vestido e nos amamos com o cuidado de quem lida com as ptalas para no estragar a fragilidade da natureza, visto que ainda tinha alguns curativos. Por fim, o vi dormir, sereno e pesadamente, com as costas molhadas de suor. Sorri e olhei-o o quanto pude, at o sono vir. _Amor... _ acordei-o. _ Voc tem que ir para o seu quarto. _Eu sei..._ ele se espreguiou e sentou. _Eu te amo... Me desculpa por eu ser assim desajeitada, escandalosa, torta... _Voc perfeita..._ ele se abaixou e beijou meus lbios. _Voc tambm ..._sorri e fechei os olhos. ramos perfeitos, feitos daquela perfeio incongruentes dos amantes fiis.
Cap 31: Perdendo a pacincia Trilha sonora da cena (clique aqui) Dbi e eu precisvamos colocar o papo em dia e nada melhor do que passar na padaria, comprar po e fazer o lanche da tarde com ela. Dessa vez, em sua casa. _Quer dizer, que voc correu, correu e voltou ao ponto de partida? _ ela se referia a eu ter reatado com Caio, aps o acidente. _Como se meio mundo no soubesse que vocs foram feitos um para o outro._ ela revirou os olhos e passou manteiga na sua fatia. _E somos mesmo! _ eu fiz um olhar perdido. _ Ai! Ns fizemos tanto amor, tirei todo o atraso._ dei uma risada gostosa. _Nossa, menina, pensei at que tinha ficado virgem de novo... _ falei baixinho. _... At senti uma dorzinha. _Voc virgem? _ela deu uma gargalhada muito alta, ecoando pelos azulejos de sua cozinha. _P, assim, voc ta me chamando de qu? _ ri tambm. _ que fazia muito tempo, n... _Mas voc e o Gustavo... Nada? Como no?! _Ah! No rolava... _ fiz uma careta. _Ai! O Caio maravilhoso... _ suspirei._ Menina! _ dei um gritinho e um tapinha na testa. _Voc no sabe a merda que eu fiz! _Ai, meu Deus!..._ ela virou o rosto para o lado, j assustada, sem eu nem falar. _Se bem que tipo, eu acho que eu estava no meu direito... _Ainda aquela estria da garota que viu falando com ele no cinema?_ relembrou o que eu havia contado a ela por telefone. _No! Aquilo ali cachorro magro...Ela era uma daquelas galinhas que ficam ciscando por a._ desdenhei._ Pior, a ex! E voc sabe que ex igual a vrus. No tem como voc arrumar uma cura para ele, porque est sempre em mutao, prontinho para te baixar! _O que ela, ou melhor, voc fez contra ela? _Dbi, eu estava abrindo meu orkut e tal... Ai eu tive vontade de olhar o scrapbook do Caio. No cime, nem vigiar no, eu cuido do que meu, diferente. Ento, fui l olhar e o que vejo? Scrap daquela V-A-C-A! _E o que ela dizia? _ Dbi riu, enchendo meu copo com o suco de morango de caixinha, j que eu no era to f de caf.
_No era um scrap, eram vrios! _Mas no era antes de vocs voltarem?_ perguntou. _Dbi, eu vi a data! _T, e da? O que tinham eles demais? _Ela estava dizendo para ele que estava com saudade. _ fiz uma voz lnguida. _ que tinha muito boas lembranas, que no entendia como ele podia to rpido ter encontrado algum... _ bufei e fiz uma cara de raiva. _ Essa lambisgia no pensa que ela vai se meter na minha vida e vai tirar lasquinha do meu Caiozinho, n? Porque se esse o intuito dela, eu vou levar essa vaca pro abate! _Bela, calma! _Dbi tomou a faquinha de po da minha mo. _S no entendi que merda voc fez...? _Ah!_ recostei-me na cadeira e fiquei com vergonha de dizer. _Eu fui no orkut dela... _E o que voc disse para ela, sua maluca?_ ela ficou de boca aberta. _Eu disse: Querida, o meu namorado est muito feliz e bem resolvido, eu sinceramente espero que voc respeite isso e encontre algum para quem mandar scrap. _Belinha..._ Dbi me olhou com reprovao. _Ahhhh, Dbi!_ esperneei. _Eu no quero aquela guinha pocot dando uma de coitadinha pro meu Caio ficar com peso na conscincia! _T, ok, mas a merda foi que ele viu ou soube? _Pior! Porque ele ficou meio chateado por eu ter me metido... Mas agora voc vai me entender porque aquela Vaca Louca precisa sumir das nossas vidas! Ela ligou para a me dele e adivinha? _Essa no! _Dbi bateu com a mo na testa._ Nem me fale... J estou at vendo... _Isso mesmo, minha cara amiga, a lambisgia foi contar para minha sogra que a Belinha aqui barraqueira, que magoou os sentimentos dela... Pronto, agora mesmo que a me do Caio deve estar confeccionando aquelas bonequinhas de pano para ficar me alfinetando. _Mas ela no ... _ ainda tem isso! Ela no ia fazer bonequinhas, ela vai pedir para toda a igreja dela se reunir em um estdio de futebol, levantar as mos para cu e clamar Cus, faz a Bela virar poeira csmica e evaporar da vida do meu sagrado filho. Dbi deu uma risada, achando tudo muito engraado e desnecessrio: _Ela no pode te detestar tanto assim, impresso sua. _Impresso? Voc no conhece a cascavel. Quando ela est por perto eu posso at ouvir o guiso..._ cruzei os braos. _O que importa que voc esto juntos._ ela tentou me fazer olhar pelo lado bom. _Isso ... Estamos muito bem. Mas daqui a pouco vai comear essa loucura toda... _ fiz uma careta de dor e afoguei meu rosto nos meus braos. Abaixei a cabea em cima da mesa. _Eu acho que vou saber como . _comentou. _No vai nada... Voc nem sonha o que ficar longe, enquanto ele est embolhado, entubado naquele lugar..._ minha voz saia abafada por eu estar de cabea baixa. _Bom, mas terei que aprender... _Aprender? _ levantei o rosto e vi que Dbi estava com um sorrisinho de quem precisava me contar alguma coisa. _Eu conheci um militar, isso no timo? _..._ eu fiquei sem fala e de boca aberta. _Eu fui te visitar um dia no hospital e encontrei o Caio. _nh...? _Ai... ele estava na recepo com um amigo dele, que veio dar um apoio moral. Como s podia entrar uma pessoa por vez no quarto de preferncia, ele entrou e eu fiquei na recepo conversando com o tal carinha... _Que vergonha! Pegando no hospital! _ zoei-a, sem esconder minha surpresa. _No, n?! Mas a gente ficou conversando sobre como difcil algum se amar
assim como vocs. Ai ele me disse: Eu queria que algum fizesse tudo isso por mim tambm. Ai eu disse o mesmo. _Caramba! Bendita morte minha hen?! Vocs praticamente fizeram farofa e bob de camaro e serviram em cima do meu caixo!_ brinquei. _Bela! Deixa eu contar! _T, desculpe. _Ento... _Dbi estava com os olhinhos brilhando. _Ai ele pegou meu telefone, com a desculpa muito esfarrapada de receber notcias... _Suas, claro, minhas que no era..._ ri. _E a ele me ligou! E ficamos conversando e ele perguntou se eu no queria sair com ele. _Nossa, que rpido!_comentei. _E samos, e ficamos e ele me pediu em namoro. _resumiu. _Isso o que eu chamo de rpido! _Ns tambm achamos, mas ele disse que na vida dele no tem muito tempo para pensar, que deve aproveitar cada segundo. Eu, ento, decidi ir em frente. _Que timo! Nossa, que bom mesmo voc estar feliz!_disse. _S tem um probleminha... _Qual?_franzi a testa. _Ele mais novo que eu quase dois anos!_contou. _Aaaaah!Papa anjo!!!_ ri alto. _Voc acha que to ruim assim?_semicerrou os olhos. _Claro que no, sua boba! E no mais, o que ele no souber, voc ensina!_sugeri. _._ ela riu tambm._ Que loucura isso, n? _Loucura ainda vai comear! J contou para seus pais? _No... Estou com medo, sei l..._ encolheu os ombros e fez uma bolinha de miolo de po._S tem uma coisa que me preocupa um pouquinho mais que isso... _O que, miga? _Ns no temos a mesma religio. _Shiiiii, as histrias s mudam de casa mesmo. Caio tambm passou por isso. _Ah!Mas eu acho que posso respeitar a religio dele e ele a minha e a gente conviver muito bem. _Com certeza!_ apoiei-a._Feliz? _Muito._ ela sorriu. _Eu tambm! Tirando a vaca. Ns rimos. Dbi e eu ainda tinhamos muito o que aprender. Lembrei-me, ento, do que a minha amiga virtual me aconselhou no meu novo blog: _"...aproveita cada momento como se fosse o ltimo e no se esquea de lutar para que as adversidades q apaream no separe vcs novamente, ok??? Lembre-se que cada momento com ele especial pq no se sabe o dia de amanh, ento vamos valorizar o q realmente importante e o q no for, deixa os outros (que tem mais tempo) se preocuparem com coisas pequenas. Namoro com militar namoro de grandes coisas, grandes eventos, grandes encontros. um relacionamento de emoo a cada minuto, no d pra descansar e se dar ao luxo de perder tempo, entende? Eu tenho entendido isso a cada dia, e quanto mais convivo com meu amor, mais entendo a importncia de sempre dizer tchau com um "eu te amo" assinado, e tambm sempre dizer o qto sou feliz por estar com ele, e no apenas palavras, mas atitudes, sabe? No basta dizer, temos q fazer, por isso que falamos sempre e agimos ainda mais!"
Trilha sonora da cena (clique aqui) _Senhora Solange?_ eu ainda estava surpresa com a visita, desde que o porteiro avisara quem estaria subindo. No entendia o que a me de Dbi estaria querendo comigo naquele horrio, que deveria estar trabalhando. _Pode entrar, por favor... _ fiz sinal para que se sentisse vontade e sentasse. _Voc est sozinha? Estou te incomodando? _No! Que isso... Estava na Internet mesmo e meus pais sairam. _Ah! Sim..._ ela ficou apertando sua bolsa entre os dedos e me olhando, receosa de falar. _Aconteceu alguma coisa com a Dbi?_ franzi a testa, aquilo estava me assustando. _ sobre ela que vim falar... Mais precisamente sobre ela e esse novo namorado dela. Esse novo namorado dela, essa no (!), ser que ela no gostara do rapaz? _Por qu? Em que posso ajudar? _Sabe, querida, meu marido e eu estamos muito preocupados! A Dbi est muito diferente..._ Solange ajeitou uns cachos de cabelo que lhe caia nos olhos e suas pulseiras titilaram._ Voc conhece bem a minha filha, ela adora sair, ir para festas, boates. Mas agora ela deu para ficar em casa! Eu no quero v-la perder sua juventude enfurnada no quarto no orkut o dia todo e se entupindo de biscoito. _Sei como ... _ sorri, mas procurei no interromper, senti que ela precisava desabafar. _Ns at conhecemos o rapaz, ela muito bonito, educado, mas ela podia ter escolhido algum a altura dela. Um homem de verdade, no um... Moleque! _Quando a senhora conheceu o seu marido, a senhor o escolheu? Olhou para ele e pensou: quero esse porque funcional, rico, limpo e moral? _No... _No, n? Porque no foi voc que o escolheu, mas o seu corao e o corao tem razes que a prpria razo desconhece._ falei-lhe. _Ah! Minha filha, vocs duas so to jovens, ingnuas, tm tanto o que aprender com a vida e no queria que minha menina sofresse com cabeadas que eu dei. _Tenho certeza que sua me tambm no queria, na sua poca. Mas ela precisou permitir que voc sofresse por sim mesma para aprender a criar sozinha as suas defesas e assim se tornasse a mulher que hoje, pronta para suportar os problemas da vida, uma vez que j teve a sua poca de criar os anti-corpos. _Eu estou vindo aqui, Bela, porque eu queria pelo menos que conversasse com a minha filha, sasse mais com ela, j que eu no tenho como impedir esse namoro, ao menos eu quero que ela suporte tudo isso com o apoio de algum... Porque eu no quero que ela termine como... _Como eu?_ conclui a frase para ela. _... No se magoe com isso. Mas vi toda a dificuldade que sua me passou. _Dona Solange..._ falei com voz paciente e com piedade daquela mulher perdida em tantas dvidas._ ... Os dedos das nossas mos no so iguais. _ lembrei da frase da av de Caio._ A sua filha tem com ela os prprios limites de resistncia e a relao dela com o Ribeiro sero muito tpica deles, cada casal tem os seus problemas. Nem todo mundo sofre assim como a senhora est pensando por namorar um militar. _Mas voc no acha sofrer ver minha filha ir trs, quatro vezes no orelho para ela poder ligar para ele e voltar frustrada? L em casa a gente no deixa ela fazer interurbano exatamente para tentar controlar isso. Mas vou ter que ceder, porque assim ta pior... _Dona Solange, Dona Solange... _ interrompi-a._ Me oua... _pedi._ No ser sempre assim, te prometo isso. que ... Deixa eu explicar. _ tomei flego e procurei uma melhor posio. _ Vou te contar um pouquinho a lgica da coisa, para a senhora entrar mais a fundo na questo. No primeiro ano eles comeam com uma
semana de adaptao, como esto superocupados e cansados, no d para falar com a gente. um pouco estressante, mas vai passar, vai ver. E ns namoradas ficamos muito ansiosas, preocupadas, impossvel relaxar por completo. _Para que isso tudo? _Dona Solange... _ procurei as palavras. _ L uma escola de lderes e nem todas as pessoas esto preparadas para liderar pelo simples fato de quererem liderar. Algumas privaes so importantes para descobrir que mesmo capaz de superar os prprios limites. Assim, com o tempo, vo se formar os guerreiros. Eu no disse vo se fazer os guerreiros, porque no se faz ningum, ela nasce. Mas precisa lapidar, instruir. Sua filha no est com um drogado... _ comecei a enumerar. _ ... no est com um vagabundo, no est com um cara sem perspectivas. Ele agora nesse minuto esta lutando pela carreira, por um objetivo, no isso que a senhora queria para um namorado de sua filha? _..._ concordou. _ Mas no queria que por outro lado fosse to difcil. _Sempre tem um outro lado. Se a senhora olhar bem vai ver que no namoro da filha de todas as suas amigas tambm tem um outro lado que talvez as mes escondam para parecer que as suas filhinhas fizeram a melhor escolha. _Nossa... _ ela arregalou os olhos. _Nunca vi esse seu lado to madura. Uau!_ tomou flego. _Pois , eu aprendi muito... _ sorri timidamente._ E tenho muiiiito a aprender tambm e sei que esses quatro anos vo ensinar a mim e a sua filha. Pode deixar, que eu vou falar com ela. Confie em mim. _Eu irei. Afinal, que escolha eu tenho?_ abri as mos no ar e encolheu os ombros._ S queria que no comentasse nada com ela... Voc entende que s quero o melhor para a minha, Dbi, no mesmo? _Sim, claro! Entendo. Minha me j fez isso tambm por mim um dia._ disse-lhe. Eu tinha agora um compromisso com Dona Solange de no deixar que sua filha trilhasse perdida pelo mesmo caminho que eu de jeito nenhum. Pedi que a minha amiga viesse me visitar e nem precisou muito para ela tocar no assunto do seu namoro. Eu estava sentada no computador e ela no cho do meu quarto escolhendo um Cd de msica para ouvir. _Poxa, eu sou to tapada. _ comentei. _ Quando fiz meu blog novo, no desabilitei esse recurso aqui que s deixa os usurios cadastrados comentarem. Que burra eu sou. Tadinha das meninas, ser que elas tentaram comentar e no conseguiram? Logo vi que tinham poucos comentrios... _ fiquei falando com o computador. _Quem so essas pessoas que voc conheceu?_ ela perguntou. _So namoradas de militares tambm que moram por todo o Brasil. Elas entram no meu blog e comentam, dividem as experincias delas comigo. Estou at recebendo vrios e-mails... Bem legal... _Hum... s vezes, d a sensao de que s comigo, que s eu estou me sentindo sozinha... _No no, Dbi! J pensou em dividir o blog comigo? A gente podia postar e assim voc vai conhec-las tambm. _? Mas eu no escrevo bem..._ ela comentou. _Foi o que eu disse antes de criar o meu... S que no tem essa... Vai ser maneiro. _Tudo bem, posso tentar... Eu preciso ocupar minha cabea... _ ela encostou-se na parede. _No estou me reconhecendo, nunca fiquei assim por nenhum outro cara! _Ele te fisgou mesmo. _ ri. _Eu j sou um peixe mais que fisgado, dentro do cesto!_ ela riu tambm.
Captulo 33: Nem iogurte, nem tutifruti, orkut! Trilha sonora da cena (clique aqui) Dbi e eu nos aproximamos ainda mais. Parece impossvel, j que somos muito
amigas, mas foi incrvel como a entrada de Ribeiro em sua vida nos tornou mais cmplices. Como nossas aulas na faculdade ainda no tinham iniciado, ficvamos longas tardes conversando. Nessa tarde em especial, eu tinha a tarefa de anim-la: _Oh, Bela, no possvel, voc no est preocupada? _Dbi enfrentava uma crise de nervos, por causa da falta de contato com seu namorado na semana de adaptao do primeiro ano. _Estou, mas que eu j sabia um pouquinho como era tudo isso... e eu sei que vai ficar tudo bem, tenta se tranqilizar, ficar assim no adianta nada, Dbi! _Mas eu quero ouvir a voz dele, eu quero saber se esto tratando ele bem!_falou alto. _Dbi, escuta, vai ser difcil conseguir telefonar para ele. No pense que ele no gosta de voc, que no est nem a. O que acontece que esto indo dormir muito tarde. So muitos exerccios, muitas coisas para aprender rpido... _Bela, ser que esto judiando dele? Massacrando meu amor?! _Bom, ele deve estar fazendo bastante exerccios... _ eu ri, tentei ao mximo no mostrar para ela que eu tambm me preocupava. _Olha s, miga, eles l no esto no meio de uma selva de canibais, tem gente supervisionando, no uma baguna total. H uma certa ordem, regras a cumprir... _Tomara mesmo... Eu fico com aqueles filmes americanos na cabea..._ ela me pareceu uma criancinha desamparada. Abracei-a. _Depois ele vai lembrar de tudo isso e at achar graa de como ficava perdido no incio. _Pode ser... Mas agora eu no to achando nada engraado!_resmungou. _Eu tambm no. _confessei. _Queria muito poder ouvir a voz do meu Caio._ falei._ Eu tinha at uns problemas para resolver com ele. _O que houve? Vocs no estavam bem quando ele foi para AMAN? _Sim, claro. Mas que entrou um perfil fake no meu orkut e fica toda hora mandando scrap queima filme. No estou suportando mais. Fico naquela neurose de apagar a tempo... _Que droga! Ser a ex dele? _Eu tambm acho. Mas eu pedi um conselho para as meninas do meu blog e elas falaram algumas coisas muito certas. A Menina Volvel me aconselhou a comentar pro Caio que eu ando recebendo uns scraps de perfis falsos, mas ela no acha que devo falar que estou desconfiada da ex dele, porque pode ser que ele fique chateado e ache que estou perseguindo ela. E tem mais! A Fefe Floft me disse que bem melhor contar do que outra pessoa chegar e comentar com ele e ele ficar chateado por eu no ter contado. A Lucy que est certa: somos um casal agora e devemos ser cmplices e confiar um no outro. Portanto, qualquer coisa que acontea comigo o Caio precisa saber exatamente para no haver surpresas. _Elas tm razo. _Dbi concordou._ Eu se fosse voc, faria um orkut falso. Pega todos os e-mails das pessoas que so seus amigos, copia e manda um e-mail em massa dizendo seu novo orkut. Assim, quem quiser, te adiciona de novo. Vai levar menos tempo que voc mandar um scrap para cada um. Pena que vai perder os depoimentos. _Que droga! Essa a parte ruim, eu no gosto disso de ter que ficar fazendo modificao no meu modo de vida por causa do Caio. Mas no vai ter jeito. Esse foi um conselho que a Bruxinha Nany, uma menina tambm do blog, meu deu. Ela j teve orkut 3 vezes e agora ta com um orkut falso porque ficou de saco cheio de gente fuando orkut e ferrando a vida dela. _E voc queria falar tudo isso para o Caio? Como, se eles to l incomunicveis? Quando voc contar, vai ser igual matria de jornal, j vai ter caducado. _Pois !_ concordei. _Olha, faz o seguinte. Acaba com isso logo, antes que d mais problemas. Ai, quando no futuro, tiver tempo de falar com o Caio, voc fala. E se esse assunto tiver morto nem fala mais nisso. Agora se ele perguntar porque voc mudou, ai voc conta tudo, mas de maneira assim sem interesse, como se no tivesse mais importncia.
_Vou fazer isso._achei boa a idia. _E vem c? Gostei dos conselhos das suas amigas. Ainda est de p a idia de ns duas dividirmos o blog? _Claro! Eu j at falei isso para as meninas no post de ontem. _Ai, que bom. Eu vou escrever um texto e te mandar. _Ok. Mas fica tranqila, daqui a pouco a gente vai estar l na entrada deles. J pensou no vestido? _Vestido? _Como assim, Dbi! Temos que comprar um longuete bem legal para a cerimnia de entrada. _Entrada para onde? Eles j no esto l? _Nooo. _ eu ri._ que voc vai ver, h uma carga enorme de simbolismo em tudo que eles fazem. Vai ter uma cerimnia de passagem pelos portes. E ns vamos! _Jura? Nossa, estou completamente por fora! Ns rimos juntas. Eu tambm estava por fora de muita coisa, mas ns tnhamos tempo para aprender.
Cap 34: Tempo morto _Posso ajudar?_ a vendedora se aproximou de mim e da Dbi no intuito de nos guiar, naquela selva de vestidos. Estvamos a procura de um adequado para a cerimnia de passagem pelos portes dos nossos namorados. _Pode sim. Queremos um vestido longuete, at o joelho, sem brilho, uma coisa bsica, uma cerimnia de dia... _ expliquei-lhe. _Entendi. Vamos ver aqui o seu tamanho. _Eu vou querer um tambm. _ Dbi levantou o dedo. _Ah! Sim. _ a mulher sorriu e nos levou at a parte onde havia o tipo de vestido que queramos. _ Fiquem vontade. Ali esto os provadores, vocs podem me chamar quando quiserem, para fazer os ajustes. _T, obrigada... _ falei, j passando vestido por vestido pela mo. _Bela, voc viu que as meninas comentaram no blog sobre o meu texto? _Vi sim! Elas so uns amores. Mas at eu fiquei com aquelas dvidas na cabea depois que li, acho que todas ns sentimos isso._ confessei. _. Que tal esse? _ ela pegou um vestido vermelho e colocou na frente do corpo. _Posso ser sincera? _ fiz uma careta. _nh._ riu tmida. _Est um vermelho puro sangue! Vai acabar virando ponto de referncia, como se fosse uma espinha ambulante. _Nossa, no vou nem morta assim! _ Ela enfiou o vestido no lugar. _Voc consegui acabar com a minha vontade de vestir vermelho! E esse preto? _ Dbi pegou um de frente nica, amarrado no pescoo. _Hum... Preto no vai esquentar muito no? _ franzi a testa. _Olha esse aqui para voc que tem peito! _ dei-lhe um vestido tomara que caia branco, com um tecido meio amassadinho, com uma faixa amarrada abaixo dos seios. _Gostei! Mas por que eu que tenho peito, me senti A Pamela Anderson! _ ela riu alto. As vendedoras olharam para ns. Fizemos cara de novo de meninas comportadas. Eu peguei um vestido creme e outro azul claro. Fomos para os provadores. _Bela, voc acha que a gente est namorando de verdade? _ Dbi perguntou do seu provador. _Como assim, ns? _No, sua boba! Ns com nossos namorados. _ ela riu. _Por qu? Acho. _Sei l, se namoro isso que todo mundo faz, a gente est fora dos padres,
certo? _Onde voc quer chegar? _ minha voz saiu abafada, por eu estar enfiando a cabea na gola do vestido. _ que a gente vai passar quatro anos vivendo tudo o que ningum vive, me sinto um peixe se estrebuchando fora dgua. _ ela comentou. _Essa sensao diminui com o tempo. _Tomara. Eu no posso ligar para o meu namorado. Ele vive nervosinho. Eu no tenho ningum para me fazer carinho durante a semana. As pessoas sentem a maior pena da minha atual vida amorosa. , realmente, eu estou precisando me acostumar logo com isso. _Voc no vai se acostumar. Mas vai melhorando. _ disse-lhe, saindo do meu provador. Nos olhamos. _Uau! Voc ficou linda! _ ela sorriu. _E voc ento! Rimos e entramos para vestir nossas roupas. Quando samos das cabines e voltamos para loja percebemos que todas as vendedoras estavam olhando para ns. Elas deviam estar ouvindo. Tentaram disfarar. Fiquei constrangida. _J percebeu uma coisa? _perguntei, andando lado a lado com Dbi no shopping carregando nossas comprinhas. _Nada acontece de interessante. Nossa vida feita de dilogos. _Isso me faz lembrar a Nouvelle Vague. _ ela comentou. _Que isso? Como diz meu irmo, de comer? _ um perodo do cinema francs. Uma das caractersticas destes filmes o tempo morto. Os personagens passam o filme fazendo coisas inteis. Conversando e penteando o cabelo. Parece que nada importante ocorre, entende? _Mas perai! A nossa vida no pode ser assim no! _Concordo!_ ela disse. _E o que voc sugere que a gente faa para mudar? _Hum... Deixa eu pensar...
Captulo 35: Chega o dia to esperado! Eu estava j no ponto de explodir de saudade, no cmulo de dormir agarrada ao meu ursinho tamanha carncia. Pense agora o que a Dbi estava tambm passando, marinheira de primeira viagem que s! Eis, que chega o dia de viajarmos para Resende. Eu no conseguira dormir, de tanta ansiedade. Tenho esse problema, quando estou na vspera de um acontecimento importante perco completamente o sono. Melhor, tenho sono, mas no consigo relaxar. Sentia-me por isso cansada. Quando cheguei rodoviria, encontrei com Dbi, j a minha espera na porta, carregando sua mochila. Como eu, parecia beira de uma crise de nervos: _Estou muito ansiosa! _ ela me abraou. _Eu tambm. _ ri e fomos comprar alguma coisa para eu beber. Pedi um suco de lata, que me custou 3,50! Sim, eu fiquei arrependida de no ter comprado gua. Como uma coisa industrializada podia custar tanto?! Bebi com vontade, depois de ter pagado uma fortuna por um suco artificial de maracuj! Dbi j havia comprado no carto de crdito nossas passagens para o nibus de
sete e quinze. Aproveitei, enquanto pagava o suco- mais-caro- que j- bebi, para tirar o dinheiro da carteira. Custara 31 reais e 45 centavos, mas eu lhe dei 31, 50 redondo. _Voc comprou o executivo, n? _ perguntei. _Sim, por isso esse preo. _ explicou-me._ Pelo menos nesse calor, no vamos chegar suadas! _Claro! Voc pensa em tudo. Sentamos em um banco para esperar e ao nosso lado um homem fumava igual uma chamin. Olhei para cara de Dbi e li na testa dela o letreiro ns vamos chegar fedendo a fumaa!. Levantei e fui at uma mquina de saque do banco Bradesco, bem ao lado do porto de embarque e minha amiga veio atrs. Olhamos o grande relgio com a propaganda da Malvin marcando dez para as sete. _Acho que eu vou ao banheiro, tomei muito suco. _ falei-lhe e procurei uma nota de um real na carteira. Deixei minha mochila no cho para que Dbi ficasse olhando e corri para fazer xixi. Eu j havia tomado com o suco meu comprimido de Plasil para enjo, pois eu sempre padecia nas viagens que eu fazia, sentindo nsias durante todo o percurso. Na fila de embarque, percebi que algumas garotas de vestido e salto alto estavam indo para a mesma cerimnia que ns duas. Deixei o motorista colar um adesivo na minha mochila e entrei no veculo. Procurei nossa poltrona, nmero 25 e 26. Sentei e abri a cortina para entrar a claridade. _Ser que no vamos nos perder? _ perguntei, com medo. _Claro que no! A gente vai pegar um txi e pedir para nos deixar no Hotel Vila Rica, onde esto os seus sogros. Qualquer coisa, ligamos para eles. _E os pais do Ribeiro?_perguntei. _To l em Resende tambm, foram ontem. _ levantou as sobrancelhas. _Problemas com eles ainda...? _No, pelo contrrio, eles me tratam bem... Mas sabe quando num relance voc sente um olhar de desconfiana, como se eu no fosse a melhor garota para o filho deles? O motor foi ligado e o nibus comeou a andar. _h, se sei..._ ri. _Mas o que importa que nossos namorados gostam da gente. _ arrematei. _Com certeza!_ ela apertou o boto para a poltrona reclinar. O que vimos no trajeto? rvores, vacas, rvores, mais vacas, para variar, cavalo, rvores, cavalos e... vacas... Depois, comeamos a medir a distncia por alguns outdoors do Graal, que uma espcie de gigante restaurante-bar em que as pessoas pesam o que se servem e ainda podem comprar uma srie de coisas... Nestes outdoors havia a marcao de quantos quilmetros faltavam. Daqui a pouco li uma placa que informava que a Academia estava prxima. Meu corao pulou e senti um frio na barriga. _Olha o rio! _ apontei para o nosso lado direito. _ Caio falou que, quando passasse o rio, estaria perto. _Que bom, porque eu j no vejo a hora de chegar na rodoviria para fazer xixi. _ ela resmungou. E para felicidade de Dbi e sua bexiga, o nibus estacionou na plataforma 15 da rodoviria. Procuramos um banheiro para nos aliviar e depois fomos at o ponto de
txi ao lado do shopping. _Sabia que esse Mc Donald desativado foi por causa de um menino que morreu picado de cobra?_ apontei para Dbi. _?!Como assim? Tem cobras aqui?! _No sei como, mas tinha uma cobra na piscina de bolinha, a me no percebeu e o bicho picou o garotinho. Uma menina me contou. _Nossa, que horrvel! _ Dbi fez uma careta. _Pois ... O txi passou nas margens de um grande rio e logo nos deixou na frente do hotel. Dbi e eu avisamos a recepcionista que j tnhamos feito reserva, mas a mulher nos informou que o quarto s seria liberado aps o meio dia. _No pode ser! Ns temos que nos arrumar para uma cerimnia s nove! _Dbi logo desesperou-se. _No tem nenhum quarto j disponvel? _ perguntei. _Vou verificar, enquanto isso, preencham essa ficha, j que a primeira vez que se hospedam aqui. _Claro. _ peguei o papel, vendo que Dbi no estava em condies de escrever nada, super aflita. _Temos um quarto sim. _ disse a mulher olhando em seu computador. _ Vocs podem usar a sala de computadores e nos quartos tem... _ ela comeou a descrever as funcionalidades do hotel e ns escutamos tudo sem interrupes para que logo nos deixasse subir para nosso quarto. Assim foi. Um rapaz de cala social preta e blusa branca nos acompanhou o elevador e abriu a porta para ns. Mais algumas explicaes e pronto! Estvamos em Resende, em nosso quarto! Havia uma sute e uma sala com um sof. Fui at a sacada e abri a porta. Respirei o ar mido da manh: _Ento, aqui que meu amor vai passar 4 anos?_ perguntei para mim mesma, pensando alto. _A cidade at que bonitinha. _ Dbi concordou. Liguei para os meus sogros para dizer que eu havia chegado e eles pediram para nos encontrarmos em alguns andares mais acima, onde era servido o caf da manh. _Eu achava melhor nos arrumarmos antes, porque assim no vamos correr depois. Que acha? _ Dbi sugeriu. _Pode ser... _ dei de ombros. Vestimos nossos vestidos, passamos uma escova no cabelo e subimos. Cumprimentei os pais de Caio e fui at a mesa me servir. Dbi e eu nos
acomodamos e antes mesmo de iniciarmos qualquer assunto, aconteceu uma coisa horrvel e inesperada! Uma criana pequena, que corria dos pais, esbarrou no copo de suco de morango, que caiu no colo de Dbi. Parece que eu vi a cena em cmera lenta. _Olha o que voc fez?! _ ela levantou-se e pensei que iria bater no garotinho. _Me desculpe. _ a me do menino ficou atordoada. _Meu vestido novo! Eu vou para uma cerimnia agora! _ Dbi comeou a chorar. _ E agora? _Calma amiga! _ segurei-a pelo brao. Meus sogros que estavam sentados, ali ficaram e senti um ar de reprovao do tipo chegaram as barraqueiras. _Dbi, vem comigo, a gente vai dar um jeito. _ puxei-a. O relgio estava contra ns. E ainda mais essa do vestido agora! _Eu estou arruinada. _ Dbi comeou a chorar compulsivamente, sentada s de calcinha no sof, enquanto eu no banheiro tentava lavar o vestido, mas a mancha no saia. A minha idia era pedir um ferro de passar para o hotel. Mas com aquela rodela amarelada no dava! _O que vamos fazer? _ perguntei, sentada ao seu lado. _Pode ir sem mim._ ela limpou o rosto._ Explica para o Ribeiro. _No! Esse dia nunca vai voltar atrs para voc viv-lo de novo! _Mas como voc quer que eu v, assim, de calcinha? _ironizou e riu de nervoso. _Ia chamar bastante ateno. _ ri tambm._S tem um jeito. _Qual?_ Ela me olhou.
Cap 36: O que todos sabem que eu no sei _O que est pensando?_ Dbi me olhou esperando que eu fizesse um vestido aparecer em sua frente por abiognese, como uma fada madrinha faria, mas infelizmente eu no era dotada dessas capacidades. _Voc ter que ir com a cala jeans que veio na viagem. Ela est em bom estado. _Mas, Bela, eu vou sair nas fotos de jeans? Que horror, e l todos ficaro me olhando, vou me sentir super out! _No temos mais tempo, precisamos tomar essa deciso agora, ou ento no pegaremos um bom lugar para v-los l._ apressei-lhe. _Ser o maior mico. _ ela cruzou os braos e balanou a cabea para os lados. Eu conhecia muito bem a minha amiga, ela no arredaria o p dali. Eu no iria perder a chance nica de ver meu namorado entrar, nem tambm a deixaria mofar naquela sala. Fui at o quarto, peguei a minha cala jeans que estava em cima da cama e a blusa que eu viera. Entrei no banheiro e com muito pesar tirei o meu vestido. Enquanto me via nua no pequeno espelho, lembrei-me do acidente. Meu corpo desfalecido no cho, o sangue, a sala de operao, eu desacordada na maca. Tantas mudanas de estado de esprito, que eu estaria sendo muito pequena em deixar de curtir a vida por causa de um vestido. Ao tir-lo, eu me despi da vaidade e da tentativa de querer ser melhor. Ali, ao contrrio, eu precisava ser a menor para poder ajudar uma pessoa. _No, voc no precisa fazer isso. _ ela riu de nervoso quando me viu, incrdula.
_Mas voc precisa!_ joguei a sua cala jeans em cima de Dbi. _Bela, seu vestido lindo. _Dbi, o Gustavo me ensinou que as pessoas bonitas no precisam estar bem arrumadas, elas podem vestir qualquer saco de batatas e uma havainas e desfilar, que as pessoas vo olhar para elas, por isso, ns que somos bonitas, estamos na classe das que podemos! Anda logo! _bati palmas. Finalmente, minha amiga foi at o banheiro e se trancou l. Eu suspirei de alvio, a metfora do saco de batata era meu ltimo recurso. S houve uma pequena mudana de contexto. No era bem em uma passarela que eu vestiria um saco, mas em uma cerimnia formal. Retocamos a maquiagem e fomos esperar meus sogros no sof da recepo. Ali sentamos e Dbi me disse que no estava acreditando que eu poderia ter feito aquilo s para lhe dar apoio moral. _Um dia eu estava muito mal em cima da cama e voc foi me visitar na minha casa, lembra? Voc me disse que eu no estava sozinha... Eu nunca vou esquecer._ falei-lhe. _Nossa, assim, eu fico emocionada..._ ela riu, muito sensvel tambm deixou os olhos marejados de lgrimas. Nos levantamos, quando os pais de Caio se aproximaram. Vi uma garota com eles e mais um casal, que me pareceu pela semelhana seus pais. Meu corao praticamente parou, quando ela retirou os culos escuros. _J conhece minha sobrinha?_ a me de Caio me apresentou a ex-namorada do meu atual namorado: sua prima. _No._ estendi a mo maquinalmente. _Vamos?_ o pai de Caio sabia muito bem que aquele era o pior dos encontros e senti em seu olhar que no estava concordando muito com isso. Ao contrrio de sua mulher, que era bem possvel ter convidado de propsito aquela garota para me provocar. A dita cuja da ex me olhou de baixo em cima e eu me senti uma mendiga de cala jeans. Fiquei to constrangida, to pssima, to mal. Como podem essas convenes sociais nos deixarem to, mas to mal? _Voc est muito bonita, Dbi. _ o pai de Caio me deu um abrao e aquilo doeu no meu ego, porque ele estava fazendo isso por pena, para eu no me sentir inferior. _Obrigada._ limitei-me a sorrir. No carro, Dbi me pediu desculpas baixinho e eu no respondi, minha voz no saia. Aps estacionarmos, corremos para achar um lugar prximo ao porto. Meu salto atolou na grama mida, eu fiquei toda suada, com sede. Uma droga. Mas tudo se amenizou, quando os portes se abriram e vimos os meninos marchando. Tudo to perfeitinho. Aliiii, vi meu Caio e meu corao disparou de felicidade. Uma jornalista da Globo de Resende filmou todo o discurso do General e foi tudo to emocionante que ser inesquecvel para mim! Valera toda a pena ter feito tanto sacrifcio para ver aquele belssimo desfile. Depois, fomos at o teatro acompanhar uma palestra. E antes de entrar, eu achei o meu Caio na multido de meninos. Nos abraamos com fora. _Meu Deus, que saudade._ sorri-lhe e segurei sua mo com fora. Contei-lhe rapidamente o motivo da cala jeans e ele pouco ligou. Achou engraado. _O importante voc estar aqui. Estou to feliz. _Eu tambm!_concordei. _Oi, Caio._ ouvi uma voz atrs de mim. _Oi... _Caio ficou muito surpreso, quando viu sua ex. _Voc aqui? _No gostou? _ ela abriu os braos. _Hum, legal. _ ele simplesmente balanou a cabea e no a beijou, nem abraou. A raposa da minha sogra observava tudo da escada, mais na frente. _Ento, ta... _ ela voltou a ficar perto dos pais. Caio tocou no meu rosto. _Desculpe te fazer passar por isso, Bela. _Eu sei que no foi culpa sua. _ dei de ombros.
_Voc agora, e sempre foi, n, a mulher que eu amo. _Que bom ouvir isso._ sorri radiante. Ficamos ali nos olhando, loucos para nos agarrar de paixo, mas tnhamos que manter a postura e a distncia que o lugar e a ocasio pediam. Aps a cerimnia, fomos almoar em um restaurante muito grande, que servia churrasco e todo tipo de comida a quilo. No lembro o nome, acho que o nome tinha algo a ver com celeiro. Em volta de uma enorme mesa, composta por muitas mesas juntas, comeamos a conversar animadamente. Eu nem estava mais to brava por causa da cala, nem da ex, nem da minha sogra. S podia estar muito feliz com Caio segurando minha mo com fora. _Bela, o Caio j te contou a novidade? _ouvi a voz da minha sogra do outro lado da mesa. Todos silenciaram. _No, ainda no..._ Caio a cortou, respondendo por mim. _O qu?_ fiquei curiosa, mas pela cara de todos e principalmente de Caio, eu senti que no era uma noticia animadora._ O que no me contou? _ falei baixinho para que s ele me ouvisse. _ O que todo mundo sabe que eu no sei?
Cap 37: Enfim ss _Bela, eu quis esperar um melhor momento para te dizer... _ Caio parecia desconcertado. No estava entendendo para qu tanta cerimnia. _Me, podemos mudar de assunto? _ Caio pediu. _Claro! _ o pai de Caio tomou partido. _Gente, vocs vo me desculpar, mas para que isso? _ a priminha resolver opinar. _ Ela no quer ser uma mulher de militar? Tem que est preparada para isso, normal... _Preparada para o qu? _ eu perdi a pacincia. _O Caio vai se mudar para So Paulo, o tio vai ser transferido para l pertinho de casa. Eu tambm vou me mudar, normal, j me acostumei. Eu senti que o mundo girou por alguns segundos mais de vagar. _Ah! Era isso? _ eu ri e ningum riu. _ Puxa, vocs querem me matar do corao?! _ fingi um falso alvio. As pessoas me olhavam abismadas. _ Claro que no tem problema nenhum, no , amor? _ olhei para Caio, que tambm parecia bem chocado. _ Ns nos amamos, vamos ficar para sempre juntos, nada, nem ningum. _ olhei para a tal prima em cheio. _ ir nos separar. Dbi estava de boca aberta e eu poderia ouvir o zumbido de um mosquito que passasse ali. _Voc j sabia, ento? _ minha sogra pareceu frustrada. _No tnhamos conversado profundamente, mas no um assunto que vai abalar a harmonia e a fora da nossa unio. _ sorri. Aos poucos as pessoas voltaram a comer. Caio ainda ficou me olhando. _Eu amo aqueles shoppings de So Paulo! _ a tia de Caio comeou um papo ftil com minha sogra. _Nunca pensei que voc fosse encarar to bem... _ Caio comentou e me deu um beijo nos lbios de leve. _... Eu te amo muito, nada vai nos separar, vamos dar um jeito. _Claro que vamos!_ apertei sua mo. *** _Bela, eu no sabia que voc sabia que... _ Dbi fechou a porta do nosso quarto no hotel e foi logo tocando no assunto. _Eu no sabia! _ desmoronei no sof e enfiei as mos no rosto. _ Isso no est
acontecendo, um sonho, eu vou acordar... _Voc pelo menos foi uma tima atriz. _Dbi, o que queria? Que aquela esmilinguida passasse como a futura mulherperfeita- de militar e eu ganhasse o atestado de fraca? No, de jeito nenhum. Minha vontade era de enfiar o garfo com fora nos dois olhos dela, um em cada olho. _Ai, eu estou com medo de voc! _ Dbi afastou o rosto para trs. _Pra de bobeira!_ ri. _ Eu no mato nem uma formiga. _Bela, presta ateno, eu no sou boa para conselhos, afinal, estou no mesmo barco. Mas acho que como voc disse, vocs vo dar um jeito para superar! E agora no hora de viver o dia de amanh, curtam esse dia juntos! Eu vou sair com o Ribeiro e voc fica aqui, com a sute s para vocs dois! _T. _ sorri._ Ser uma boa. Mas e vocs? A gente pode dividir o tempo... _Nem preciso... _ ela olhou para os lados. _ Ele ainda no faz isso. _Como assim? _ arregalei os olhos. _, o meu problema mais colossal. Eu namoro um cara virgem! _Qu?_ me assustei. _No! _Se fosse esse o problema, fcil. Afinal, para tudo tem a primeira vez e todas as outras centenas que vem depois. Mas quando ele quer a primeira depois de subir no altar...? _nh? _Maninha, curte seu love, porque hoje para mim ser s pipoca com guaran! _T... Mas... e a?_ franzi a testa. _Eu no sei. _ ela encolheu os ombros e sorriu, no parecia triste. Peguei meu celular, suspirei e liguei para Caio. Falei para ele vir at o meu quarto. Pediu alguns minutos e logo estava batendo na porta. Abri. Ele fechou atrs de si e me olhou. J de jeans e camisa azul clara. _Desculpe por ter sido daquela forma, ali na frente de todo o mundo..._ ele enfiou as mos no bolso e olhou para o cho._ Eu queria ter te contado com calma. Eu sei que eu errei. Eu cheguei bem perto, passei a mo no seu rosto e ele me abraou com fora: _Voc no vai desistir de mim agora, no mesmo?_ perguntou. Eu senti o cheiro de roupa limpa, seu perfume, seu xampu, sua pele, seus braos, podia senti-lo inteiro. _Claro que no._ respondi._ Mas agora eu no quero mais falar nada._ puxei-o pela mo at o quarto. _Eu no tenho aqui... _Eu comprei._ pisquei o olho e ele riu malicioso. _ Eu sou uma mulher muito eficiente. _ puxei sua camisa para cima. _Voc muitas coisas alm de eficiente. _ ele caminhou bem de vagar at a beirada da cama. _? _ mordi seu queixo. _Hum-hum._ beijou-me e camos sobre a cama. A saudade era to grande, que a exploso parecia me arrebatar para outro mundo. Aquela massa de homem toda me abraando, me cheirando, beijando, amando era melhor que qualquer filme, qualquer conto. Era a unio perfeita. Ficamos toda a tarde nos curtindo com beijos, mordidinhas, carinhos, abraos. O amanh, o futuro era para depois, alm daquela porta. Enquanto isso, eu s queria estar nos braos dele. _Caio, como voc foi namorar aquela ridcula? _..._ ele riu alto. _ A gente no perfeito... _Credo!_ grunhi e fiquei de braos cruzados olhando o teto. _Hum, que linda, bravinha... No faz assim que eu fico louco._ beijou meu pescoo. _L vem voc. Voc acha que consegue tudo com um beijo? _Tudo no, mas 99% sim. _Ah! ?!_ ri e o envolvi com meus braos._ Ento, vem c, meu lindo.
_Te amo muito..._ me encheu de beijos. _Eu tambm..._sorri. Cap 38: Eu era um corao pulsando Caio que lia o jornal me perguntou Voc viu isso aqui? _O qu?_ perguntei por educao, sem muita vontade de saber. _Uma empregada domstica estava ontem, s 5 da manh, esperando um nibus, quando quatro mauricinhos da Barra da Tijuca riquinhos desceram do carro e espancaram a mulher. _Caio mostrou a foto e eu fiquei horrorizada com o rosto deformado da senhora, todo roxo e inchado. _Nossa, eles so ricos, para que roubar a bolsa dela? Para que espancar uma mulher por diverso? _Ah! Um deles falou que era porque acharam que ela era prostituta. _E da? Se fosse? _perguntei, retoricamente._Em que mundo ns estamos?! O que esses playboyzinhos pensam que so? _Eu achei interessante o que o pai da empregada falou, na simplicidade dele. Ele disse que muito preocupante os pais estarem enchendo os filhos de dinheiro, mas no dando nenhuma educao e disciplina a eles. Que dinheiro no tudo. _Agora imagina a vergonha para os pais verem seus filhos com os rostos estampados em todos os jornais? Tomara que sejam presos. Mas sendo ricos, j viu n? _Podem pegar at 15 anos de priso._ Caio comentou, olhando para o jornal. _ Viu tambm o casal de tenentes que foram feridos ao passarem por uma blitz? Metralharam todo o carro. A mulher morreu, o marido ficou muito ferido e o sogro saiu do carro com as mos para o alto implorando para pararem de atirar. _Ai, amor, se cuida. _ de repente, senti um medo de perder o Caio. Sentei na cama e o abracei com fora. _ Eu no quero ficar sem voc nunca! Eu suporto qualquer distncia que tenha um tempo para acabar, mas no suporto uma distncia eterna. _beijei-o. _No vai acontecer nada, Bela. _ ele riu para tentar me descontrair. Meu telefone comeou a tocar. Levantei para atender. Era uma amiga professora de matemtica, avisando que daria aula s cinco horas para o Betinho. _Est tudo bem?_ me perguntou. _Est, s estou ainda com muita raiva da Telemar, mas no vou falar disso. Voc que no me parece bem com essa voz. _Eu estou muito chateada. Vo me mandar embora da escola. _Por qu? _Porque o coordenador disse que pagou, passou. Que eu no posso reprovar, que eu tenho que passar trabalhinhos. Exigiu que eu berrasse. Mas dar aula para quatro turmas de 50 alunos no mesmo dia muito desgastante. Ai, hoje eu tambm mandei bilhetinho para todas as mes que os alunos no tinham feito dever de casa e ele no liberou o carimbo, disse que eu estou errada, que eu tenho que aprender a dar aula para a parede. Eu no agento mais, que pas esse? _ o caos. _ respondi._ um provedor de internet que vende um servio que no funciona, so policiais que atiram em dois tenentes, uma empregada domstica espancada por riquinhos da zona sul... E voc tem que dar aula para a parede? _Pior! Eu perguntei o que ele achava do filho dele estudar l e eu dar aula para a parede. Ele falou que esse no era um problema meu. _? Que absurdo! _Que absurdo mesmo. E que cidados so esses que vo se formar?_ reclamou. _Eu no sei. O filho dele vai passar at a oitava, porque pagou, passou. Depois ele vai fazer uma faculdade e dar aula no colgio do pai, porque l ele tambm vai dar aula para a parede.E o mundo vai girando nessa bola de neve._ conclui. _Eu estou frustrada. Acabada. Eu j decidi, no vou terminar a faculdade, vou largar. Eu gosto de msica, vou tentar vestibular de msica. No posso acabar com a minha sade.
_Ai, miga, nem sei o que te dizer. Lamento. Mas ento t, vou avisar para o meu irmo sim. Desligamos. _Vocs tambm esto se estressando demais, Bela, relaxa._ Caio estava fazendo o jogo dos sete erros no jornal com a minha lapiseira rosa choque. Olhei para ele e pensei que era melhor no insistir, nem brigar. Caio no entendia. Ele viveria 4 anos da vida dele trancado em um lugar seguro. O mundo aqui fora continuaria girando e ele pararia no tempo. Ganhar conhecimentos tcnicos de armas e tticas de guerra no o amadureceria em relao a sobrevivncia aqui fora. L dentro era outra coisa, um outro Microcosmos. Voltei para o meu problema com o provedor de internet. Peguei o telefone e cheguei ao estgio Operador 2 e descobri que agora tinha uma nova: o operador 3, chamado de Suporte Avanado. Ento, quer dizer, que sempre existiu o operador 3, e os clientes s eram informados disso depois de terem ligado umas cinco ou sei vezes? Eu j no tinha uma gota de pacincia e depois de repetir todos os comandos solicitados e ouvir a concluso de que o problema era do meu computador, eu explodi: _Eu pago por um servio que no funciona, por uma porcaria de assistncia e vocs... Um bom tempo depois o operador me informou finalmente que enviariam um tcnico, mas que eu pagaria uma taxa simblica de 29 reais, porque a Oi s cobra essa taxinha. _O qu? _ falei mais uns minutos de reclamao, menti que estava gravando tudo e que os colocaria no Procon. Anotei o nmero do protocolo que o tcnico me pediria, quando chegasse a minha casa e desliguei. Eu estava com o rosto quente e o corao disparado. _Bela, voc vai esperar, ns temos um churrasco hoje, esqueceu? _No, claro... Meu irmo vai receber o cara. Eu vou falar com ele que a professora vem as cinco e explicar tudo para ele, dar esses nmeros aqui... _ Fui at o quarto do Betinho e lhe passei todas as instrues. Eu estava to estressada, que no queria nem um pouco aturar churrasco de quartel. Mas por amor, eu faria qualquer coisa. Tomei um banho e me arrumei. _Nossa, como voc est linda. _ Caiu disse, j com o controle remoto do Playstation na mo, jogando Devil May Cry 3, sabe-se l o que era isso, mas que estava escrito na capa do CD em cima do brao do sof. Lembrei-me da vez que ele viera me levar a uma festa e ns nem ramos namorados. Agora ele ali, me admirando e eu to apaixonada por ele. _Amorzinho, larga isso a e vem comigo?!_ puxei-o pela mo. _Ah, Bela, s mais um pouquinho?! _Betinho implorou. _O Caio vem depois..._ argumentei. Caio olhou-me. Ele hoje iria embora para So Paulo. Quando voltaria? No podia dar essa garantia ao meu irmo. _Caio, ns queremos falar com voc. _ minha me veio da cozinha. O ns provavelmente deveria ser alguma mensagem que ela anunciaria como porta-voz do meu pai. _Claro. _ele levantou-se. _A Bela me disse que sua famlia vai para So Paulo. _Voc vai se mudar? _Betinho fez uma cara de tristeza. _Vou, rapaz..._ Caio sorriu, mas triste tambm. _... _ ele olhou para minha me. _Meu pai tambm militar, como a senhora sabe. Ento, ele j acabou o tempo de ficar aqui no Rio. Minha me quis escolher se mudar para So Paulo. _E como vo ficar as coisas?_ minha me perguntou. _Bom, eu vou continuar estudando na AMAN, em Resende, meu primeiro ano l agora. E nos fins de semana eu vou para casa. So umas trs horas de viagem. _E eu? _ perguntei, abraando seu brao. _Bom, eu posso pedir para dormir na casa de uns amigos aqui no Rio.
_Caio, eu sei que minha filha est muito feliz contigo. E j que vocs querem realmente ficar junto, ns no queremos tambm atrapalhar, n? _Obrigado. _Ento... Toda vez que voc quiser, pode ficar aqui com a gente. Vou arrumar um colcho para colocar l no quarto do Betinho. _Eeeeh! _meu irmo pulou do sof e abraou o Caio. _Pronto! Perdi o namorado pro Playstation! _ri, com os olhos cheios de lgrimas. Aquele era o maior milagre. Meus pais acolhendo o Caio aqui em casa totalmente. Eu sabia que tinha a mo divina que nunca me desampara. _Viu que bom, meu amor? _Caio me abraou sorrindo, muito feliz. _Que timo! _ concordei radiante. De repente, aquele mundo de caos no era to ruim assim. Havia muitos bons motivos para alegrar. No era perfeito o fato de Caio ir morar em So Paulo por causa da transferncia do pai militar. Mas eu s tinha a agradecer por ele poder vir para c, mesmo enfrentando duas horas de viagem at o Rio de Janeiro. Nem tudo sai como a gente quer, mas pode mesmo assim ser bom. Fomos para o churrasco. Chegando l, a primeira coisa que vi foi um enorme campo de futebol gramado cheio de bolas coloridas, brinquedos e muitas crianas se divertindo. Dois animadores coordenavam as brincadeiras ao microfone, enquanto um aparelho de som tocava msicas infantis em alto e bom som. Descemos por uma pequena trilha e na frente de uma mata fechada um grupo de msica gacha vestidos a carter tocavam seus instrumentos tpicos. O cheirinho de churrasco levou meus olhos a encontrarem uns espetos grandes minha direita, onde a carne farta girava. Nossa, ali havia um boi e vrios porcos inteiros. As mesas j estavam cheias de gente, por quem Caio foi passando e cumprimentando. Sentamos em uma e ficamos de mos dadas. Ele foi me indicando as pessoas por alguma caracterstica para que eu as identificasse e descreveu suas profisses, postos e habilidades. _Hum, que legal... _ comentei. Mas o que me chamou a ateno foi o fato de algumas mulheres to bonitas nunca terem trabalhado. O que elas fizeram ento ao longo de suas vidas? Pensei na minha me, to cansada das massagens e limpezas de pele, sempre andando milhas com sua mala de troos de beleza. Ela no era to bem conservada, nem poderia ter aquelas unhas de porcelana gigantes. Senti um tanto de pena e ao mesmo tempo muito orgulho da minha mezinha. Quatro amigos de Caio se sentaram a mesa. Eram tambm da Aman. Eles comearam a travar um papo que transcendia a minha linguagem. _P, tem um alfaiate que coloca umas espumas no... Enquanto eles tagarelavam os Bizus que outros veteranos lhes deram, meus olhos percorriam o ambiente. Um grupo de mesas estavam forradas de cores diferentes. Todas em vermelho. Supus que deveriam ser de militares de patentes maiores. Reparei que mais ao fundo. Mas bem ao fundo mesmo, havia no alto de uma pedra, uma churrasqueira grande. Homens vestidos de uniforme faziam os seus churrascos. Eles e suas famlias ficavam em outra parte, muitssimo mais ao fundo. Deixa eu ficar clara: praticamente to longe que eles pareciam formigas. Supus que seriam de uma patente mais baixa. No havia uma mistura. Uns de um lado, outros de outro.Mas isso eu s fui concluindo sozinha, com meus botes. De repente, senti que estava sendo olhada. Era um rapaz loiro, que no parava de me encarar. _Que aquele? _ perguntei bem displicente para Caio. Era nada menos que o filho do General. Hummm, t. Mas por que me olhava tanto? Troquei de lugar com Caio e fiquei de costas. Ele no entendeu nada. Nem eu iria explicar. Quando percebi, estvamos uma hora naquele estado: Caio e os amigos falando de ns de corda, aparelhos de escalar montanha, capacete e etc e eu muda. O que eu tinha para comentar? Senti uma sensao de ser aquele peixe fora dgua se estrebuchando, como Dbi
mencionara um dia. Enfim, nos servimos e eu mexi a minha boca ao menos para comer. Caio no fizera por mal. Ele estava to empolgado com os amigos que eu estava feliz por ele estar feliz. Feliz tambm por estar apenas ao seu lado, segurando sua mo. Seus pais nos anunciaram que estava na hora e voltamos de carro. Quando desci na frente da minha casa, senti um aperto no peito. Caio desceu tambm. Nos olhamos com os olhos cheios de lgrimas. Vi embaadas as coisas na mala do carro atravs do vidro: porta-retratos, fotos, fardas, coisas de valor sentimental, que disseram no poder colocar no caminho da mudana porque nenhum seguro pagaria. _J sabe, n? Pode vir para c que a casa sua. _ eu falei. _Eu sei sim. _ fez um carinho no meu cabelo. _ Eu vou vir sempre que puder. Pensa s, um casal no se v todo dia durante a semana, se a gente somar a quantidade de horas grudados no fim de semana e dividir por 7, d quase ou mais que um namoro normal! _. _ ri daquela sua lgica maluca._Eu te amo muito. _ beijei-lhe a boca e o abracei com muita fora. _Eu tambm te amo demais. _beijou-me e se afastou. Ainda um adeus e entrou no carro. Meu corao foi sendo deixado para trs aos poucos, enquanto o carro se distanciava. Digo corao, porque ele batia com tanta fora que eu era um corao grande e vivo, pulsando no corpo todo. Tantas perdas e danos, e eu ainda estava ali de p. Firme, forte. Limpei as lgrimas dos olhos, apoiei a mo na grade da portaria. Respirei bem fundo. hora de se preparar para a frente de batalha.
Cap 39: Um dia daqueles Liguei para uma amiga que ia de van comigo para escola a fim de lhe perguntar como era a faculdade. Eu no queria ser deslocada, nem pagar mico. Ela me explicou que no primeiro perodo as matrias formariam uma grade pronta e eu no teria muita alternativa, apenas seria possvel trancar alguma. Depois do terceiro perodo, eu poderia escolher as habilitaes da rea de comunicao, como jornalismo, publicidade, rdio e tv, produo editorial e teatro. Ela me aconselhou a no ir com uma roupa nova no trote, pois depois eu teria que jog-la fora. Recordei-me dos alunos calouros pedindo dinheiro na frente do metr de Copacabana e no achei que seria algo demais, afinal, uma sigla na testa e na bochecha, alm de umas manchas no brao no me matariam. Escolhi uma cala relativamente boa, nem nova, nem acabada, um tnis mais para novo e uma blusa de manga um pouco comprida. Senti um frio enorme na barriga, quando entrei na universidade. O prdio era de estilo colonial, com cho de tbua corrida, teto muito alto, praticamente da altura de dois andares do meu apartamento, azulejos portugueses nas paredes do corredor e janelas de madeiras muito compridas e pesadas. Lindos jardins por toda parte, com chafarizes, rvores, pssaros. Belssimo e aconchegante. To diferente daquela minscula escola cheia de regras, moral e ordens. _Voc caloura? _ uma garota me encarou no corredor. _J para aquela sala. _apontou. Eu ri, sem jeito e segui suas ordens. Lembrei-me da explicao de minha amiga de que eu tinha passado para a segunda carreira mais competitiva, s perdendo para medicina por cinco pontos, com uma quantidade de vinte oito candidatos disputando cada vaga. Em conseqncia disso, o meu batismo seria to
inesquecvel quanto minha vitria. Assim que entrei, vi que a sala estava lotada de pessoas. Escolhi um lugar ao fundo e me escondi abraada a minha bolsa-mochila. _Silncio!_ trs rapazes bateram com fora na mesa e berraram. Todos se calaram. _Vou fazer a chamada! _ anunciou e comeou a perguntar nome por nome. No final, ouvimos o barulho de muitos murros do lado de fora da porta e pessoas gritando. Era o incio da presso psicolgica. Fiquei apreensiva. Duas meninas ao meu lado sorriram, tambm angustiadas. _Todo mundo tirando o sapato e colocando no fundo._ mandou um dos veteranos baixinho e marrento. _ Meninas, coloquem a bolsa de vocs no outro canto tambm que vamos trancar a sala._ explicou. Tirei meu tnis e fiquei descala. Dobrei a barra da minha cala jeans at alcanar o joelho. _Agora, todo mundo aqui na frente fazendo uma fila de elefantinho, isso a, abaixa e enfia a mo por debaixo da perna, d para sua amiga de trs, isso! Agora a outra mo d para a da frente. Isso mesmo. Vamos l pessoal, para hoje!_ gritou. Assim fizemos e de repente algum puxou com fora o primeiro da fila e andamos rapidinho, at chegar no corredor. Quando vi, havia um corredor polons com veteranos e veteranas cheios de potes de guache de todas as cores. Antes que eu soltasse a minha mo, uma delas esfregou tinta azul na minha cara. A fila andava mais rpido e eu s sentia aquela coisa gelatinosa se espalhando por toda parte. Limpei o olho na manga da blusa, quando chegamos em um ptio. Ali fomos obrigados a sentar no cho em crculo e ficar bem quietos. Os veteranos colocaram gua gelada e um pouco de tinta guache em garrafinhas com furinhos na tampa. De repente, senti um jato de gua entrar pela gola da minha camisa nas costas e dei um gritinho. _T maluco?!_ reclamei. _Caloura rebelde!_ um garoto bateu palmas e quatro meninas se aproximaram de mim e me mandaram sentar. Elas derramaram guache amarelo e azul e fizeram uma massagem capilar em todo o meu cabelo, esfregando bem na raiz. Quando me dei conta, vi que todas as calouras estavam recebendo o mesmo tratamento, no tinha como escapar. Depois, passaram tinta preta nos braos, pernas, pescoo, rosto, orelha, dentro da orelha, ps, entre os dedos dos ps, unhas. E? Purpurina em cima para empanar. _Agora gata, molha a mo na tinta e aperta vai! _ o veterano pediu com uma voz laciva. Eu franzi a testa, mas no perdi a esportiva, apertei meus seios e minha bunda para ficar a marca das mos por cima da blusa e do jeans. Os meninos sem camisa, alm da tinta, foram enrolados com papel higinico. _Bom, pessoal! Agora ns vamos danar, ok? _ o veterano anunciou e escolheu algumas garotas para subirem em cima do chafariz e danar ao som das palmas. Eu me neguei a ir e eles no foraram.
Pronto, pensei, s lavar o rosto com o sabonete que eu trouxe e voltar para casa! _Agora o nosso trote vai comear. _ um deles explicou. O nosso trote vai comear?, como assim, aquilo fora s um ensaio? _Vocs vo ser divididos em grupos de cinco. Cada pessoa tem at o anoitecer para arrecadar 100 reais para a nossa chopada, quem no conseguir vai perder a bocada. E olha s, nem adianta querer as bolsas e mochilas, porque esto trancadas. Ah! Todo mundo descalo mesmo, antes que alguma patricinha pergunte. Caminhamos pela rua de trs da faculdade e j em bandos de cinco, ouvimos nosso lder: _Todo mundo comigo, repetindo o que eu digo e fazendo p-de-chinelo! _ bateu palmas. _ 1, 2, 3, nesse trote minha vez. 4, 3, 2, 1, a pblica no para qualquer um. Assim fomos gritando e pulando por uns quatro quarteires. Andamos cerca de seis quilmetros por ruas, praas, avenidas, calado da orla da praia, tudo descalos. Consegui arrecadar 45 reais. Ouvi coisas inconvenientes de homens perguntando quanto era o meu programa, quanto eu cobrava para chupar isso e aquilo... Deprimente. Depois, mendiguei moedas na sada do metr e no fim nenhum nibus parou para mim. Foi preciso retornar a p, arrasada, acabada, morta de cansao para a faculdade. Peguei minha bolsa, dei o dinheiro na mo deles e no pensei mais em nada alm de lavar meu rosto, jogar a blusa no lixo e vestir aquela que eu havia trazido. No telefone, quinze ligaes da minha me. Lembrei-me que no ligara para ela dizendo que tinha chegado bem e acertado o nibus. Meu pai brigou comigo, perguntou se eu queria mat-la do corao. Mais duas horas de trnsito e eu cheguei em casa um caco. Minha me lavou minha cabea com um vidro de xampu no tanque da rea de servio e eu me esfreguei com uma bucha nova de lavar loua. Estava to cansada que no podia me mexer. Liguei para o celular do Caio, s queria ouvir sua voz como compensao para aquele batismo. Contei-lhe que fora meu dia de trote: _Isso no nada, tem que ver o que a gente passa aqui tendo mil funes, mil tarefas, isso que difcil, isso que responsabilidade, isso que sanhao, t! _Ok, boa noite. _ desliguei e fechei os olhos. Eu aprenderia com o tempo que Caio sempre acharia que seus sofrimentos e suas provaes eram as nicas e as piores do mundo. Ele no conseguia enxergar que aqui fora tambm havia vida pensante. Eu precisava dormir, meu crebro no tolerava mais qualquer anlise.
Cap 40:Uma estranha no ninho Aps o tratamento de choque do trote, conheci algumas outras calouras mais a fundo. Ns aproveitamos muito a primeira semana de aula, em que poucos professores compareceram para dar uma volta em um shopping perto do campus.
Estvamos reunidas em uma lanchonete comendo um hambrguer, quando decidimos fazer um leve jogo da verdade para animar e trocarmos informaes. Em lugar do chinelo para girar no cho, usamos uma caneta mesmo. As revelaes no eram to absurdas assim. Descobrimos que uma das garotas, chamada Tnia, uma morena baixinha, j tinha uma filha e trabalhava como garonete em uma boate. Outra, a Vernica, nunca trabalhara e sonhava em terminar a faculdade de letras, que tentaria conciliar concomitantemente com a nossa faculdade de comunicao. E finalmente eu fui escolhida pela Paula para mudar o foco do assunto: _Vamos falar agora do corao. Isabela, voc est amando? _ fez uma voz muito dramtica, depois de demorar em formar alguma pergunta. _Sim. _Hummm... nh..._ o grupo sugeriu um suspense e todas rimos. _Bom, eu conheci o meu namorado j no colgio e agora ele est longe. Mas nos amamos muito sim. _Longe? _ Vernica franziu a testa. _. Ele mora em So Paulo com os pais, se mudou recentemente, o pai dele foi transferido para l por causa do trabalho. _Nossa! Que horrvel! E vocs vo continuar juntos?_ foi a vez da Paula perguntar, tambm curiosa, deixando de l a brincadeira por uns instantes. Eu me sentia um bichinho extico sendo catalogado para estudos. _No que depender de mim vamos ficar grudados. Ele estuda em Resende, fica perto de Penedo. No sei se j foram... Ento, ai nos vemos nos fins de semana. _Ah! Cara, no d para mim! Eu tenho que ver meu namorado todo dia. Esse tipo de namoro no serve para mim mesmo, muito pouco. Imagina! Eu toda carente tendo que esperar at o fim de semana, no conseguiria jamais. Por isso que no topo essas coisas. _Tnia tomou as dores para si. _Mas vamos continuar a brincadeira. _ girou a caneta. O meu crebro ficou dando voltas como aquele objeto rodopiando na mesa. Pedaos da frase se repetiam alternadamente em minha memria: No d para mim! Eu tenho que ver meu namorado todo dia. Esse tipo de namoro no serve para mim mesmo, muito pouco. Imagina! Eu toda carente tendo que esperar at o fim de semana, no conseguiria jamais. Eu me arrependi de ter sido to profunda na resposta. Sentia-me agora uma idiota, fraca, que aceita qualquer coisa em troca de sofrimento. Porm, eu sabia que o Caio era minha preciosidade e por ele valia todo sacrifcio. Elas no sabiam, e ser que eu deveria impor minha opinio? Temi ser grosseira logo de incio. Seria pedir demais fazer com que os outros compreendesse o que eu passava. Era uma verdadeira sensao de falta de segurana. Aos poucos eu moldaria meu modo de agir e reagir, de enfrentar, de argumentar. Como um bicho frgil que ganha a carapaa com o tempo, eu amadureceria. Pensei no meu Caio, e ele? Estaria em transformao l dentro tambm? Mal podia esperar para v-lo amanh. S de pensar, fico toda feliz e ansiosa!
Cap 41: Regras de sobrevivncia _Al, Bela?_ era a voz de Caio no telefone. Eu senti meu corao pular. Mas j? Eram seis da tarde de sexta-feira. Nunca estive to ansiosa, queria v-lo, abra-lo, beij-lo. _Oi, meu amor, pode falar. _ respondi. _Eu tenho uma notcia para te dar. Intui que algo bom no devia ser. _O qu? Voc no vem mais?
_Eu fiquei punido. Essa frase me machucou to fundo. No! No! Como ele ficou punido! _Mas por qu? _Ah! O cabelo estava grande... Mas eu prometo que no outro fim de semana, depois que eu visitar a minha famlia, eu vou a te ver. Depois que visitar a famlia? Calculando: uma semana, um fim de semana com a famlia, mais uma semana, enfim, 3 semanas sem v-lo, contando com esta ltima que j no o vi! _Hum... T. _ foi o que consegui passar pelo n da minha garganta. Respirei fundo e procurei em mim todas as foras: _Olha s, no fique assim! Tenta descansar, dormir. A semana vai passar muito rpido e quando a gente menos pensar vai ficar juntos. _Claro, claro. Tenho que desligar, estou no celular e aqui o sinal da Claro no pega bem. Beijos, te amo. _Beijos, amor, te amo muito mesmo. Desliguei o celular. Droga!Droga!Droga! Eu estava uma pilha de inconformao, raiva, tristeza, desmotivao. Fui para o computador e o liguei no estabilizador no cho com o dedo do p. Acessei o meu blog e fui ler os comentrios. Eu precisava fazer alguma coisa nesse fim de semana! No poderia ficar enterrada em casa! As meninas que me visitavam e tambm namoravam militares haviam me dito como elas passavam o mesmo que eu e o que faziam para ocupar seu tempo: _fico na net conversando com minhas novas amigas.. vou pra ksa das minhas primas e assistimos filmes, jogamos baralho, falamos da vida dos outros..bem clube da luluzinha msm..rsrsr (Let) _ Amigas eu sempre falava da distncia e da saudade toda triste e ele me consolava e dizia assim: "aproveite este tempo para fazer as suas coisas". E listava um bando de coisas que eu precisava fazer do tipo me dedicar faculdade, meu trabalho, aprender a cuidar das finanas (na poca eu ainda estava comeando a engatinhar nesse mundo), como viver sozinha, fazer todos os cursos que eu quero fazer, tirar minha carteira, organizar minha vida nos esportes, enfim... o que ele quis dizer que eu preciso me preparar pra quando ele vier me buscar para ficar com ele. No s fisicamente, mas emocionalmente e psicologicamente. Deus no faz as coisas por acaso e como meu love disse, "tudo isso para nos preparar para as lutas que podem surgir no futuro".(Lucy) Gostei disso! Eu preciso me preparar pra quando ele vier me buscar para ficar com ele. No s fisicamente, mas emocionalmente e psicologicamente. Se eu passasse a semana me amargando, estagnada no tempo, quando Caio chegasse aqui encontraria uma mulher seca, triste, definhada! _ bom como eu n tenho amigas aki com namoros a distncia...acabo q fico um pouco em casa p n sair soh de vela..rs... se tem mais amigas ainda melhor..acho legal vcs c reunerem am algum barzinho soh p bater papo tomar uma cervejinha...ver gente neh jogar conversa fora... assim vcs to saindo c distrainso mais n eh uma balada p os amores ficarem com ciumes neh...de vez em quando sair p danar tb..mais nem sempre...pq ai ele vo ter razo em ficar com ciumes..mais de ves em quando n tem problema nenhum...juntar alguns amigos p ver um DVD..comer pipoca...ir ao cinema..ir um rodizio de pizza..( mais soh de vez em quando tb pq c n engorda...rs...)essas coisas assim..e claro bater papo com agente na net;;...kkkkk (Fefe Floft) A Pandora tambm deixou uma listinha de idias:
-Sair com os amigos!(muito bom!) -Jogar sinuca!(pessima) -Ir a praia!(tostar) -Conversar com a familia!(momentos unicos) -Fazer social na casa dos amigos!(pior quando a minha vez) -Tentar aprender a cozinhar!(desastre) -Estudar(chato,mais vale a pena) E a ltima a comentar no post, a Jane: _ Ento, as aulas ocupam um bom tempo do dia de semana n? E na facul eu vejo minhas amigas, brinco com os amigos, xingo professor (hehehe), nem vejo o tempo passar! Na verdade at me apuro, querendo que o tempo volte quando tem prova xD ("Ai meu Deus, eu no sei nada!!!") Mas tirando isso n... tarde eu ocupo meu tempo assim: - estudo - vou academia - aula de ingls - net noite Basicamente s isso viu... Eu sempre quis aprender a cozinhar, mas vixe... hauhauhah eu destruo a cozinha 2 vezes antes disso! No fds minha melhor amiga volta pra cidade e a gente vai ao cinema, aluga um dvd ou fica s jogada na cama botando todo o papo em dia! O problema quando tem feriado e ele no vem... Relacionamento, fiquei pensando com meus botes, implica em uma via de mo dupla. Mas se eu estou aqui em casa fazendo mil coisas sozinha e ele l no sei aonde, ento, parece que andamos paralelamente, cada um na sua. Me soa to individual. Agora entendo o que motivou a minha amiga Dbi a escrever no blog sobre o que determina um namoro ser ou no de verdade. Legal mesmo foi a explicao das nossas queridas amigas, que nos visitam para as perguntas de Dbi. Minha amiga havia perguntado: 1-Eu posso chamar de namoro de verdade um relacionamento de 4 anos de distncia? 2-Ns no vamos ficar completamente desconhecidos com o tempo? 3-Como eu vou ter certeza que ele me liga porque gosta, ou no me liga porque no est nem a? Qual a diferena? 4-Eu vou ter que sempre mudar a minha vida para se acoplar na dele, feito brinquedo de lego? Tipo, eu nem quero imaginar quantas vezes e em que situaes isso acontecer?!!!! _ 1-claro que pode chamar de namoro..se amam..quando esto juntos td de bom, e quando distantes, um torcendo pelo outro...s um namoro diferente..foge do padro..mas ida?? se so felizes oq importa.. 2- no vo ficar desconhecidos.... um exemplo meio feio , mas olha s: quando vc convive com uma pessoa e ela est engordando, vc nem sente..s depois de um tempo vc vai pensar: nossa como ela t gorda. mas se vc no convive com ela vc vai olhar e vai perceber na hora que ela t gorda... eu vejo meu namorado uma vez por ms e descubro coisas novas tds as vezes..ele t amadurecendo, crescendo..e isso muito bom...sempre alguma coisa pra gente aprender com eles.. 3-pode ter certeza que vc vai sentir quando ele no tiver nem a... s uma coisa, nao confunda a falta de tempo com a falta de interesse dele.. principalmente no primeiro ano, muito difcil pra ele.. uma garota que vai ksar em dezembro, pq o amor dela t no ltimo ano me disse que se ela fosse mais madura no primeiro ano do amor dela na aman, ela teria apoiado mais e cobrado menos...
ele precisa do seu apoio..quanto menos neura melhor..eu sei que difcil, mas.. (Let) _ 1. sim, vc pode chamar de relacionamento de verdade um relacionamento de 4 anos de distncia! meu irmo namorou a distncia por 5 anos. Ela estudando Direito e ele Medicina. Depois que se formaram ele foi para Campo Grande - MS e ela ficou em Londrina - PR Agentaram firme a distncia e depois de dois anos ele conseguiu voltar para Londrina e ela passou num concurso em Mirasselva - MT. outra vez eles foram separados e suportaram a distncia. casaram-se em 2006 e meu irmo ficou em Londrina e ela foi transferida para Cuiab - MT. Ano que vem meu irmo vai para Cuiab e ela ficou estabilizada para poder ficar com ele. Toda essa histria j fez 10 anos entre namoro e casamento! e eles esto super bem! ento vc pode se dar bem sim! tenha confiana! 2. No, vcs no vo ficar desconhecidos. tudo questo de manterem o sentimento de amor como meu irmo e minha cunhada fizeram! 3. Se ele estiver afim de vc mesmo! vai te ligar! agora falo por mim mesma! quantas vezes falei com meu namorado dormindo no telefone! normal! sei que chato, mas vc tem que aprender a conviver com essa rotina! estressante mas vc da conta! 4. e quanto a mudar sua vida pela dele! putz! complicado! mas vc tem a opo de ser professora, pelo menos ter emprego com mais facilidade! ficar parada pode te deixar depressiva! tenho amigas que depois de exercerem por muito tempo a profisso de "mulher de militar" entraram em depresso e depois correram atrs do prejuzo. Hoje so vendedoras autnomas - podem vender para onde se mudarem ou professoras! essa a parte mais difcil, a sua carreira no ser totalmente desenvolvida, pois de dois em dois anos seu amor ser transferido, disso vc ter que ter conscincia! vc vai ter mesmo que rever a sua carreira e saber abdicar sempre! espero no ser mal interpretada! mas a realidade mesmo! mas por amor cara, a gente faz as maiores loucuras! eu estive a ponto de me mandar pro amazonas por um amor! ento aposte no seu amor! felicidade sempre! (Bruxinha Nany) _Acho que essas perguntas so as mesmas de todas nos no comeo de namoro...eu tenho pouco tempo de namoro, apenas 10 meses e to comeando a achar as respostas... 1-segundo o dicionrio namoro Namoro-1.ato de namorar.2. Relao de interesse amoroso recproco. No tem nada que me diga que namoro estar 24 horas ao lado do seu amado!!! Namoro voc querer aquela pessoa, abrir mo do individual e querer compartilhar seus momentos...Ah claro,tudo isso com muito beijo na boca! ;) 2- eu tinha esse medo...e ainda tenho...medo de no conhecer o meu menino ou dele no me conhecer...mas isso no uma coisa de namoros a distancia, voc pode namorar um cara que mora na sua frente e no conhec-lo o bastante...mas uma coisa que minha irm sempre me fala " a convivncia uma merda" , voc s conhece a pessoa quando voc vive com ela, porque uma hora ela acaba mostrando quem !Eu conheci melhor meu amor quando ele passou a ficar mais aqui em casa, descobri coisas horrveis dele e ele de mim, como por exemplo que nos dois adoramos arrotar!!kkkk Que vergonha!!! 3-No um telefonema que vai me mostrar se ele gosta de mim, mas o dia a dia e suas atitudes! 4- No posso responder isso com tanta certeza,mas eu acho que quando voc aceita essa situao , voc sabe quais as regras do jogo, mas esse jogo so funciona se ambos cederem, no daria certo eu abrir mo de todos os meus sonhos para estar ao lado dele,no seria prazeroso, mas quando os dois esto juntos no jogo os sonhos podem serem realizados juntos! Espero que as minhas respostas tenham te ajudado!! (Pandora) , pelo visto a definio do dicionrio no me dizia que eu no estava vivendo um
namoro irreal, j que eu necessariamente no preciso estar com ele 24 horas, mesmo que no fundo eu quisesse, claro. Decidi que tentaria pegar um cinema com a Dbi. Ah! Mas talvez no daria, ela provavelmente sairia com o seu namorado e eu no ficaria de vela. Nossa, como difcil! Porque no apenas ele punido, eu tambm! E ainda mais essa agora, a cada vez que eu perdesse um fim de semana com Caio estaria perdendo mais um, pois ele teria que antes ir ver seus pais! Que droga! Hunf! Minha me bateu na porta do quarto e me perguntou se Caio ia querer batata-frita para a janta, porque ela podia ir ao supermercado comprar batata pronta cortada para fritar. Ela achava desnecessrio, porque j tinha batata cozida na carne ensopada. _Me, ele no vem mais, no se preocupe com isso._ interrompi-a. _No?_ o olhar de pena da minha me sobre mim foi algo que eu gostaria que ao menos o destino me descontasse. Me doa muito ver os outros me achando exageradamente um pobre e infeliz ser humano. _Ele ficou punido. Acabou de ligar. Mas no tem problema no. Estou tima. Depois no prximo fim de semana ele vem. _ garanti, com um falso sorriso feliz no rosto, s para ela no se aproximar mais e comear a me beijar e abraar. Pois este efeito me demolidor e eu acabaria cedendo e chorando. Precisava tambm acreditar na minha prpria falsa felicidade para que ela fosse to verdadeira que acabasse virando real. Se minha me imaginasse que o prximo que eu me referia era o meu prximo, o que no significava necessariamente o prximo do calendrio. E esse tal prximo poderia ser adiado e adiado, servio aps servio, punio aps punio. Ela me olhou longamente e depois saiu. Respirei fundo. Conseguira. A partir dali eu fui aprendendo a guardar o que eu sentia para mim ou apenas para conversar com as pessoas que sabiam o que era um namoro militar. Para os outros eu acho que melhor esconder. Desse modo, me preservo mais.
Cap 42: Uma visitinha inesperada O meu celular tocou e eu senti todo o meu corpo vibrar junto de felicidade. O nome no visor j me dizia quem era, ele, o prprio: _J cheguei, amor. _ Caio falou no outro lado da linha. _T, pode subir. _corri pelo corredor, atravessei a sala e abri a porta com meu corao na garganta de tanta felicidade. Quando o elevador se abriu, eu fiquei por alguns segundos parada, olhando-o sair imponente. A farda bege perfeitamente engomada, seus braos fortes e as mos firmes segurando a mala. _Caio... _ o abracei com fora. _Bela, minha vida._ beijou-me a boca. _Nossa, que saudade to grande de voc!_ olhei seu rosto, segurando-o com minhas duas mos. _Eu no estou com bom hlito. _ riu tmido. _ Vim dormindo no nibus._ comentou cansado e sem vergonha. _Tudo bem. _sorri e puxei-o para entrar. Depois de um banho e de uma roupa mais leve, l estava ele na minha cozinha comendo o po com ovo que eu preparara. _Me conta tudo!Como foi sua semana? _ sentei ao seu lado e coloquei minha mo sobre sua perna. _Foi boa, cansativa..._ comentou. _Onde esto seus pais? _Foram fazer compras de ms. _respondi e me levantei para fazer uma massagem
em seus ombros, beijei seu pescoo. _A gente podia ver um filme, que acha?_ sugeriu. _Vamos ver quantos voc quiser... _ fiz carinho em seu cabelo espetado. O interfone tocou. _U, quem ser? Meus pais no levaram a chave? _ me perguntei em voz alta. O porteiro avisou-me que eu tinha visita. _Quem? Minha tia Vanda? _ repeti para ver se acreditar. _Isso mesmo, pode deixar subir? _Claro..._ permiti com uma voz de desconsolao. _Quem , Bela? _Caio percebeu pela minha cara que eu no havia ficado feliz. _Uma tia... Ela no avisou que vinha... _Que que tem? Caio no estava entendendo a dimenso da questo! Justo no dia em que ele chega para eu poder curtir cada minutinho sagrado, me aparece tia Vanda!No! Isso um presente de grego. _Pensei que fosse me deixar aqui fora! _ ela resmungou levantando sua bengala, assim que eu abri a porta. _Est bem gordinha, hen, minha filha! Sua me est te alimentando muito bem!_ deu uma batidinha em minhas mos e se arrastou at o sof._ E voc quem ?_ olhou Caio por cima dos seus minsculos culos de aro prateado. _Eu? Sou o namorado da Bela. _ Caio se apresentou. _Ela no me disse. _ olhou-o de cima a baixo por um bom tempo. Ele ficou to sem graa que tirou uma das mos do bolso, passou na nuca, me olhou em desespero. _Ah! que faz tempo que a senhora no vem aqui, no tive a chance de contar. _ sentei-me e Caio fez o mesmo. _Seus pais, cad? _ perguntou. _Foram no mercado, mas j esto chegando por a. A senhora quer uma gua, um caf? De repente, me toquei que podia no ter caf na garrafa. Seria um desastre se ela respondesse que queria, pois eu no sabia fazer um bom caf. Isso renderia um assunto para palestra! _No, estou bem. E a faculdade, est gostando? _Ah, sim, muito. Valeu a pena tanto esforo de ter estudado. _Sua me me contou... _comentou vagamente. _E voc, faz o qu?_ virou-se para Caio e pedi a Deus que fizesse minha me chegar o mais rpido possvel, antes que meu namorado casse nas garras da titia. Eu j me dera conta de que ele tinha atrado a ateno dela. _Eu sou militar. _Ah! Voc militar?... _ suspendeu as sobrancelhas e depois cerrou os olhos. _ Viu a matria que saiu hoje no jornal? _nh? Eu... Eu no... _ Caio estava acurralado. Claro que no lera! Ele no tinha tempo para ler jornais, quem dir o de hoje. _Era um assunto polmico, que bem te interessa, Bela. _? Por que eu ainda perguntei?... _Cad o jornal? Eu sei que seu pai compra todo dia para ler o caderno de esportes. _Ah! O jornal...? _ tentei disfarar que no sabia, mas os olhos de guia da tia encontraram o jornal em cima da poltrona do meu pai. _Pegue ali para mim, meu filho. Eu no sabia se tinha mais curiosidade ou medo do que ela queria me mostrar. Folheou-o agilmente as pginas com suas mos de dedos ossudos e longos, cobertos apenas por uma fina camada de pele pintada de pontinhos pretos. _Olha que pouca vergonha... _passou-me a folha com a pgina 22 do caderno Geral, do jornal Extra. O ttulo j me revirou o estmago Luana passa tropa em revista e o subttulo arranhou meu ego Pra-quedistas so acusados de fazer orgia com uma mulher dentro de unidade de elite do Exrcito.
Caio ainda me olhava esperando que eu lhe dissesse o que era. Mas eu me calei, procurando fazer uma leitura dinmica. A matria contava que no dia 25 de setembro de 2006 uma mulher entrou no quartel e fez uma orgia com quatro militares at a madrugada do dia 26. A reportagem contando os detalhes do caso era ilustrada por gravuras dignas de revista porn antiga. No primeiro quadro um homem vestido de farda falava ao telefone com uma mulher vestida de camisola vermelha transparente com uma calcinha enfiada no tero e no segundo quadro um homem trazia a mulher no banco de trs da sua viatura trajando um micro short jeans. Para fechar a histria, o ltimo quadro com a mulher de braos abertos, sem blusa, s com uma micro calcinha e uma bunda enorme. Um homem de sunga correndo para agarr-la e outros dois mais atrs tirando fotos. _Deixa eu ver? _ Caio pediu. Passei-lhe o jornal e tentei no parecer que tinha sido atingida. _Desde que mundo mundo a gente sabe que isso existe. L com Maria Madalena na poca de Jesus j tinham as quarteleiras... _ minha tia juntou todos os militares e as prostitutas no mesmo balaio de gato. _Bom, como tambm existe com os mdicos, os engenheiros, os dentistas, os advogados ou quaisquer outros profissionais. Cabe cada um saber que tem que honrar seu nome. Eu confio no meu namorado e sei que ele um homem digno. No me importo com esse sensacionalismo de jornal popular. Quem me garante que tudo foi desse jeito? _Ela briga por voc com unhas e dentes, hen? _ tia Vanda falou para Caio. _nh?_ ele parou de ler a matria e conteve o risinho no canto da boca, aposto que tinha gostado das gravuras da tal Luana PQD. Aiiiiiii, eu quis pular em seu pescoo. Mas no daria esse gostinho a ela. _Voc o qu? _Cadete ainda..._Caio no parava de olhar o jornal! Eu ia tacar a almofada de onde eu estava e acertar na cabea dele, se no parasse de ficar fantasiando aquelas cenas. _Na minha poca todas as mulheres queriam casar com um militar. Porque eles tinham um emprego garantido. Havia aquele status, de mulher de militar. Hoje, o mundo mudou muito... O dinheiro j no mais o mesmo, as mulheres comearam a trabalhar... Onde que ela queria chegar? _Voc quer seguir que arma?_ minha tia entendia de todos os assuntos. Sobre o que ela no sabia falar? Leitora voraz, no duvido que na falta de bula de remdio ela apelaria para ler o frio e quente do chuveiro s para no ficar em abstinncia de letras. _No sei ainda... _ Caio largou o jornal, quando viu minha cara mortal e uma tromba enorme de bico. _E para onde quer ir, quando terminar? _No sei ainda... _No sabe de nada ainda. melhor pensar, hen, para poder tirar ela da casa dos pais e colocar nas costas. _ minha tia tinha a capacidade de dar um golpe certeiro, sem precisar deixar a vtima nem agonizar. _Ainda temos tempo para amadurecer isso._ tomei a palavra. _Betinhoooo._ gritei meu irmo. Ele apareceu na porta do seu quarto e quando viu a tia deixou a boca ligeiramente se abrir. _Vem c para a titia te ver, vem?_ pedi, tentando salvar meu namorado. Beto caminhou com passos pesados, parecendo ir para o abatedouro. _Menino, como cresceu?! Ainda sem gostar de vestir cuecas?_ a tia deu uma bengalada na bunda do meu irmo. Salvos pelo gongo. Meus pais chegaram cheios de sacolas e ns trs corremos para ajud-los e largamos a tia no sof, fugindo de sua mira. Falei para minha me que sairia e naquele dia vi dois filmes com Caio. S chegamos bem tarde da noite prontos para dormir. Caio precisou voltar mais cedo
no domingo e s 3 horas fui lev-lo ao ponto onde pegaria o nibus para a rodoviria. _Ontem voc estava chegando e agora j tem que ir embora. _comentei, com minha cabea em seu peito. _No gosto que fique triste, isso me faz mal. _ ele comentou. _No posso controlar._ sorri. Um casal de mos dadas passou por ns rindo. Desejei ser como eles, livre para ver meu Caio, quando quisesse, sem hora pr-determinada para acabar. Eu pensei que daqui a alguns segundos aquele corpo quente que abraava sumiria: _O que eu menos gosto fazer o caminho de volta sozinha. _ ao confessar isso minha voz embargou e meus olhos se encheram de lgrimas. _Bela, no chora! _ me pediu com firmeza. _No vou... _ respirei profundamente e busquei o equilbrio. O nibus apareceu na esquina e eu dei-lhe o ltimo beijo. Pronto, l estava eu sozinha, em p, na rua vazia de domingo. Em casa, ainda me restaria o humor de tia Vanda, que esticara sua visita por mais um dia. Caminhei de braos cruzados, sem pressa. Fui para o meu quarto e me abracei ao meu travesseiro. Eu no estava s triste porque ele partira, havia tambm a felicidade de saber que estvamos juntos e bem. Confusa essa mistura. Pedi a Deus fora para me manter firme, sem demonstrar que aquilo me abalava.
Cap 43: Tempos de paz... ou quase Felizmente no amor militar chegado o momento de trgua a cada frias. Aps agentar o primeiro campo e sua falta de comunicao e o incio tumultuado do ano que dificultam as ligaes, chegam os tempos de paz. Caio e eu decidimos curtir a calma da fazenda de sua av, l onde comeamos e recomeamos nosso amor. Precisvamos muito desta oportunidade para renovar nossas foras. Escorada na porteira, eu o via cavalgar com o cavalo que seu av deixara para ele. Seus msculos mais fortes sobre a camisa azul marinho de mangas compridas me mostravam que ele estava modificando-se. Era visvel como se tornava mais bonito. As pernas torneadas se apertavam na cala jeans clara. Uma hora ele sempre cansava de matar a saudade de cavalgar e eu s estava esperando para este instante chegar. Caio desceu do cavalo, puxou-o pelas rdeas at mim e eu pude ouvir o barulho da respirao do animal saindo forte por suas narinas. _Ele muito bonito... _comentei. _Mais que o dono? _Caio sorriu. _O dono muito convencido. _ alfinetei. Ele, ento, abriu a porteira e veio me abraar todo suado. Fiz um ar de rejeio. _Ah! Vai dizer que eu estou porquinho? _ riu. _E no est? _ ri tambm, envolvendo seu pescoo. _Tudo bem, ento, eu vou tomar um belo banho e a eu quero ver se vai continuar me esnobando. _Caio, eu te amo muito. E nem sei como pude demorar tanto tempo para perceber que voc era o cara certo para estar comigo. _As louras so mais lentas mesmo. _Ahhh! Seu... _ dei-lhe uns tapinhas no brao. _Brincadeirinha, Bela. _ segurou meus pulsos. _T brincando.
_Hum... Acho bom. _ sorri e ele me beijou a boca._ Vamos entrar? Estou esfomeado. _Vamos... _ envolvi sua cintura e caminhamos pela relva alta at a entrada do casaro. Assim que chegamos na varanda, encontramos um outro casal de pombinhos apaixonados. Dbi e Ribeiro aceitaram passar as frias com a gente na fazenda e curtir um pouco do campo. _Vejo que o amor est no ar... _ eu comentei, chamando a ateno deles, que pararam de se beijar. Dbi apoiou a cabea no peito do namorado e sorriu tmida para ns. _Esse lugar mgico. _ comentou minha amiga. _Oh! Se ... _olhei para Caio, que me abraava por trs. Ouvimos uma buzina de carro e olhamos. Era o carro dos pais de Caio, sabamos que eles viriam nos encontrar depois e passar parte das duas semanas conosco. S no tnhamos conhecimento que trariam uma indesejada companhia. _Oi, gente. _ a prima de Caio, sua exzinha, em carne e osso. _O que ela est fazendo aqui? _ perguntei entre os dentes. _No sei... _Caio me abraou mais forte. _Deve ter se oferecido para vir com meus pais, eu aposto. Ela no se enxerga? No tem amor prprio? Pelo menos Caio estava to insatisfeito quanto eu, j era um sinal de que a situao no se resumia a uma pura pinimba de cime minha. _Prazer, eu me chamo Felcia. _ ela deu dois beijinhos em Ribeiro e parece que pelo olhar fuzilante de Dbi, ela ganhara mais uma inimiga. _Felcia no parece nome de bruxa? _ resmunguei e como s Caio ouviu, ele conteve o riso. _E a, priminho, tem quarto para mais uma aqui? _perguntou sorrindo para ele e balanando sua bolsinha pequena no ar, na ponta dos dedos. _L no estbulo deve ter... _ respondi. _No sei, fale com a minha av. _ Caio deu de ombros e me puxou pela mo para dentro. Dbi me encontrou na cozinha beliscando uma asa de galinha assada. Sentou-se mesa comigo. _Acredita que a aquela garota est agora na sala falando de religio com o Ribeiro? _Golpe baixo. _ suspirei. _Tpico dela. _balancei a cabea para os lados._Cuidado para ela no querer roubar seu namorado, hen? _avisei apontando com o ossinho no ar. _Pior que eu no tenho nem como entrar no assunto, Bela. Eles esto falando umas coisas que para mim soam como grego! E pior, esto se divertindo! No maior modelo chave-fechadura. _Isso tinha que ter dedo da vaquinha da minha sogra. Aquela cascavel vai lev-la at o altar para me apurrinhar? _lambi meus dedos oleosos. _Uma vaca ou uma cobra? _Dbi riu. _Eu sei l. Uma coisa trangnica. Cabea de vaca, cascalho de cobra. _ ri tambm. _Dbi, no deixe essa ridcula ficar soltando pena para cima do seu namorado.
_Como? Chego l e falo o qu?_ ela desesperou-se. _Pelo visto eu vou ter que entrar em ao. _ levantei-me e lavei a mo com o sabo pastoso que havia em um pequeno pote amarelo em cima da pia. _O que pretende fazer? _ Dbi ficou curiosa e apreensiva. _Ora, dar um chega para l naquela quenga de araque. _ resumi secando minha mo no pano de prato pendurado no encosto da cadeira. Caminhei at a sala com passos firmes e cheguei por trs de Ribeiro e bati no seu ombro. Instantaneamente Felcia parou de falar. _Estamos planejando namorar l fora, vendo as estrelas. Caio e eu, voc e Dbi. Vamos? _T. _ ele aceitou e olhou pra Felcia, procurando uma soluo para o que fazer com ela. _Voc pode ficar assistindo TV, afinal, no acredito que queira ficar de candelabro segurando vela. _ destinei-lhe um falso sorriso. _Depois a gente termina a conversa. _Ribeiro tentou ser educado e se levantou. O olhar de Dbi para ele era de pura decepo. Nem aceitou sua mo e caminhou na frente sozinha para a varanda. Segurei o brao de Ribeiro, quando ele caminhava para a porta e falei-lhe baixo, visto que no estvamos em uma distncia segura que impedisse completamente que Felcia ouvisse. _Acho melhor voc dar menos ateno para essa a. _olhei para o lado. _No justo com a sua namorada, faz-la se deparar com uma ceninha dessas. Se toca, Ribeiro. No v que a Dbi ficou magoada de voc estar dando ateno para uma outra? _Que isso! S estvamos falando de religio, de coisas afins. _Ok, voc pode falar de religio com todo mundo. Menos com uma garota que ex do seu amigo e est na cara que chegou aqui para atazanar nossas vidas. Ela d em cima de qualquer um. Voc no mais um adolescente para ser to ingnuo. Por isso estou te mandando a real. _Est acontecendo alguma coisa? _Caio chegou por trs de mim, todo cheiroso e tomado banho. _No, amor. S estou dando um toque com seu amigo, para ele no cair no falso feitio do canto da sereia. Isso se ele no quiser perder uma garota verdadeiramente legal. _deixei claro que minha conversa com Ribeiro no era algo que eu tivesse que esconder. Eu era uma pessoa agora muito franca e sem papas na lngua. Principalmente na hora de defender minha amiga e sua felicidade. _Gente, vamos abaixar os nimos. Minha av est colocando os pratos na mesa. _Caio anunciou. _Vai l ver a Dbi e bate um papo afim com quem te ama de verdade. _ aconselhei para Ribeiro, que abaixou a cabea e seguiu minhas ordens. Ele percebera que tinha dado uma baita mancada. _Nunca te vi to firme. _Caio comentou, me envolvendo com o brao pela cintura. _Quando se sabe o que perder o amor uma vez, a gente muda muito nossa cabea. _ disse-lhe._ No quero que nossos amigos sintam isso. _ verdade... _ ele concordou comigo e vi um brilhinho de orgulho de mim dentro do seu olho. No quarto, noite, Dbi me contou como ficara com seu namorado, depois que ele
fora encontr-la na varanda. Enrolei-me na manta e me pus em posio de escuta, deitada no travesseiro. _Eu disse para ele que tinha ficado com cime. Acha que fiz mal, Bela? _No! Sinal de que gosta dele e que deixa claro seus sentimentos. _Pois bem. Ele pediu desculpa e ficamos bem. _Que bom._ fiquei mais aliviada. _Depois do jantar aconteceu uma coisa. _O qu? _perguntei curiosa. _Fomos ver as estrelas l fora, caminhamos um pouco. Ele comeou a me abraar a me beijar. _Dbi teatralizou a cena com o seu travesseiro, o que me provocou boas risadas. _A, ele foi ficando quente, quente. _Ai meu Deus! _E disse que estava sentindo coisas mais fortes por mim. Ai, que lindoooo! _ ela caiu de costas na cama e ficou olhando para o teto. _Ser que ele j pensa em... _No sei se j pensa, mas que est sentindo que difcil namorar sem ser por completo ah, deve estar. No apressa, deixa acontecer. _...Foi o que algumas meninas me deram a dica l no nosso blog. _Nossa, temos que atualizar amanh. Tem um computador aqui conectado na Internet, temos que fazer isso. Mas s amanh, estou exausta. _Dbi, essa garota vai ficar quanto tempo aqui? _Eu queria saber quanto tempo ela vai ficar moscando a minha sopa!_ resmunguei.
Cap 44: Cada um sabe do valor do que seu Eu estava a procurar por Caio, quando cheguei na sala da fazenda e vi mais uma vez Felcia e Ribeiro, ela com sua mo apoiada na dele. Pareciam em prece baixa murmurarem em uma lngua prpria. Meus ouvidos mais que de pressa captaram passos vindo pelo corredor a minha direita e o que temi era real: Dbi vinha da cozinha e por alguns segundos presenciaria aquela cena. Era hora de eu ser mais que rpida para livrar minha amiga daquilo. No tinha tempo de pensar em que maldade Felcia estava tramando, nem porque Ribeiro estava sendo to fraco em cair em seus encantos. Minha nica preocupao era Dbi. _Miga, voc... _ caminhei at ela e a segurei delicadamente pelos ante-braos. _Voc viu a... av de Caio? _ perguntei, dizendo a primeira coisa que me veio a cabea. _No... Era justamente isso que eu queria saber. Ela me deixou olhando a panela de piro e saiu. Ser que no est na sala? _No! Eu estou vindo de l... _dissuadi-la da idia de ir at a sala conferir. _Ento, deve estar l fora, quem sabe foi catar a roupa do varal ou... _Vamos pelos fundos da casa?_ pedi e Dbi captou pelo meu olhar que eu no estava em meu estado natural. _Bela, o que deu em voc? Parece que no quer que eu passe. _Eu?_ franzi a testa e no pude cont-la. Dbi seguiu a passos firmes at o fim do corredor. Virei-me para ver sua reao. Ela estancou e ficou imvel. Eu j podia imaginar sua viso.
_Mas o que significa isso? _Ouvi a voz de Dbi estrondar. Corri para segur-la. Ela iria sair de si, como eu bem a conhecia. _Sua barata de igreja de ltima categoria! _ Dbi voou em cima de Felcia e s com a minha ajuda e de Ribeiro conseguimos separar as duas engalfinhadas em cima do sof. _Que isso, garota? Ficou maluca? Quer rasgar o meu vestido? _ a prima de Caio ajeitou-se e dispensou a imobilizao de Ribeiro. _O seu vestido no. Eu quero cravar as minhas unhas no seu pescoo e ver verter sangue! _ Dbi estava transformada em raiva, nunca vira seu rosto to vermelho. _Eu s estava rezando! _ ela explicou-se._ So seis horas, um momento sagrado... _O nico momento sagrado, o nico ritual sagrado... _Dbi apontou com suas unhas vermelhas na direo do rosto de Felcia. _ Vai ser eu te encher de porrada, garota. _ e agarrou os cabelos de Felcia. _Parem vocs duas!_ a voz da av de Caio soou por um dos cantos da sala. Dbi respeitou a ordem e Felcia fez o mesmo. _Posso saber o que est acontecendo aqui? _Desculpe, senhora, pela confuso em sua casa... Mas que essa garota a estava de mos dadas com o meu namorado fazendo oraezinhas. E sabe o que eu vejo? Que ela quer roubar qualquer pessoa que esteja feliz. Ela desde que chegou no se enxerga e se oferece como uma uma mulherzinha vulgar e sem escrpulos. Se ela no ficou com o Caio o problema dela, agora no venha achar que pode atrapalhar o meu relacionamento. _Se acalme, querida! _ a av de Caio respirou fundo. _ Felcia, venha comigo. Ns temos que conversar... As duas se retiraram e Caio apareceu pela porta da sala, vindo da varanda, com um ar de desentendido, pegando a confuso pelo fim. _Caio, voc pode me levar at a rodoviria? _ Dbi olhou para ele convicta. _Por qu?_ ele franziu a testa e olhou para mim em busca de uma explicao. _Eu vou embora, me desculpe, mas essa viagem acabou para mim por aqui. _Dbi pisou forte em direo ao quarto, provavelmente iria fazer suas coisas. _Dbi! _ Ribeiro a seguiu. Tentei fazer o mesmo, mas foi a vez de Caio me segurar. _Deixa que eles se resolvem. _pediu. _Preciso dizer o que houve? Preciso dizer que nome estava metido nisso? _ coloquei as mos na cintura. _Que droga, hen? _ Caio tambm estava inconformado. _No me olhe assim tambm. No tenho culpa! _Seu amigo tem merda na cabea? _ perguntei. _ Eu peguei os dois rezando aqui na sala! _Ele gosta muito disso, Bela. a crena dele. A Dbi no assim... _No vem defender ele no! _ levantei as mos no ar para que parasse. No jantar, os pais de Caio sentiram falta dos nossos amigos. Felcia trocou um olhar
com a av de Caio. _Eles foram dar uma volta na cidade. _ respondi. _Hum... _ minha sogra continuou cortando seu peixe grelhado. Fiquei apreensiva com o paradeiro de Dbi, at que ouvi o barulho da porta do quarto se abrindo e um raio de luz entrando e iluminando meus olhos. _Desculpe, te acordei? _ era ela. _Como est? Fiquei preocupada, vocs saram assim sem mais nem menos... _ sentei na cama e acendi a luz do abajur. Reparei que ela trouxera de volta sua mala e a deixara junto cmoda. _Nos resolvemos. _Puxa, que bom!_ sorri e segurei a sua mo. _No podemos deixar que nada, nem ningum atrapalhe a nossa felicidade. Te admiro pela maneira com que luta pelo que seu... _ elogiei-a. _Ns demos uma volta na cidade e... _ ela deitou-se na cama e apoiou a cabea com a mo. _E? _ levantei as sobrancelhas. _E ele pediu desculpas, falou que fez de bom corao, sem maldade... _Dbi, no bem isso que voc parece querer me contar... _ cortei-a. _Ns decidimos ficar mais sozinhos. Afinal, no d para ficar se agarrando nessa cidadezinha conservadora. _E vocs foram para onde? _ perguntei, j supondo a resposta. _Sabe aquela pequeno hotel, que fica ao lado da antiga locadora? Perto da cafeteria... _Sei! _Ele pagou uma diria para a gente poder entrar e ficarmos sozinhos. _nh? O Ribeiro fez isso? E no teve nenhuma crise existencial por isso? _nh-nh... No nani no-no... _balanou a cabea para os lados. _Nossa, isso que eu chamo de surpresa. _arregalei os olhos. _E a, ele me beijou, me abraou e no resistiu... _Vocs?... Ahhhh! _contive o gritinho para no acordar a casa inteira. Dbi comeou a rir baixinho. _Foi meio desajeitado, mas divertido... _ ela rolou na cama e se abraou ao travesseiro. _Que amor louco o nosso. _ deitei minha cabea no meu travesseiro tambm. _
Tenho medo de tudo acabar assim do nada... _ confessei. _ Ns teremos que enfrentar tantas coisas ainda. _Eu tambm sinto isso. Mas quero viver cada dia. Seno vou me golpear com o machado do futuro sem necessidade... _Tem razo..._ concordei.
Cap 45: Sem garantias As frias foram realmente timas. Salvo, claro, aquele carma em minha vida chamada Felcia. No vou nem pronunciei esse nome para no estragar a sorte do meu dia. Hoje, fui a uma entrevista de estgio em uma grande emissora de televiso para concorrer a uma vaga na habilitao de publicidade. Fui com a cara, a coragem e muita maquiagem. Assim que cheguei prxima ao prdio, retirei meu chinelo e coloquei meu salto de bico fino. Meu pai ficou com a sacola e me despedi dele, dizendo para no se preocupar que eu me viraria bem sozinha. Vendo meu pai se afastar, com seu bermudo simples e a barriga apertada na camisa, tive um amor quase de compaixo por ele. Por mais duro que fosse, estava ao meu lado, torcendo pelo meu sucesso e acreditando em mim. O que pesava ainda mais nas minhas costas a responsabilidade de ser bem sucedida. No luxuosssimo prdio, aguardei sentada na recepo juntamente com mais uns 20 candidatos. Mais mulheres que homens, na realidade. Todas ali pareciam modelos, lindas, impecavelmente vestidas. Comecei a me sentir inferior, com uma roupa inferior, com uma experincia inferior... Agentei quieta com a minha prpria angstia. Depois de duas horas de espera, nos pediram para subir e fomos colocados em crculo em uma sala cheia s com cadeiras. Nunca vou esquecer das prximas horas em que l estive. Uma mulher magrela e com uma cara de bruxa m nos olhava em silncio, enquanto outra mais extrovertida explicava as regras: _Vocs faro uma prova de 20 questes de atualidade. Uma redao de 30 linhas. Uma prova de... _ eram tantas avaliaes, que deram um n na minha mente e tudo, diga-se de passagem, em um tempo muito curto, para fazer no automtico mesmo. Aps quatro horas, meu crebro estava queimando. Para mim j chegara! Que nada, o pior estava por vir. A entrevista, afinal, era para isso que eu viera at ali. Cada candidato falaria de si, das coisas que j fez e responderia porque queria estagiar ali. A consultora de RH avisou que quem ainda no tivera feito estgio antes, poderia falar de um trabalho que gostara de fazer na faculdade. Eu tive a sensao de que aquela opo de misericrdia era bem o meu perfil e me senti ainda menor por isso. A primeira a falar foi uma menina que estudava em uma universidade particular muito cara. Ela tinha morado na Austrlia, falava com fluncia nativa trs lnguas e tinha estagiado em duas multinacionais. Depois dela, s cresciam as
demonstraes curriculares dos candidatos. Eles j moraram: nos Estados Unidos, Sua, Frana, Inglaterra... J estagiaram em seis, sete grandes empresas, falavam fluentemente em mdia trs lnguas... Eu no conseguia levantar o meu dedo para me apresentar. Eu sei que isso era pssimo para mim, ser a ltima era o pior sinal que eu poderia demonstrar, mas que eu no conseguia abrir a boca. Eu no tinha nada daquilo. Minha pobre me, coitada, vivendo de limpeza de pele nunca teria condies de me mandar para o exterior. E eu no tinha experincia de nada. Mas eu no poderia escapar daquilo. Me senti o pior dos seres. Fiquei to nervosa que minha voz tremia e eu tive vontade de chorar em um ataque de pnico. Pode parecer uma infantilidade, mas eu nunca estive to desamparada. S queria que aquilo acabasse logo. Eu que ali chegara s 4 da tarde, sai s nove. Quando encontrei a minha cama, eu ali morri. Minha me muito ansiosa, proclamando aos quatro ventos que acreditava muito na minha capacidade, nem percebia o quanto eu estava arrasada. Olhei para o celular. Nenhuma mensagem de Caio. Nossa, que cruel o mercado de trabalho. Quo desumano. Eu estaria competindo com pessoas que ainda na vaga de estgio tinham mais experincia que um profissional gabaritado de anos atrs, de outra poca. A minha tristeza e desolao de no ter sido chamada para a prxima fase ficou estampada no meu rosto. Conversando com uma colega de turma, contei-lhe tudo. Ela, na realidade, s era da minha turma de Criao Publicitria, porque estava fazendo aquela disciplina que tinha perdido. Seu real perodo era o stimo. _Eu estagiei l. Mas depois do perodo de um ano eles mandam todos embora. Um ou dois ficam. _?_ franzi a testa. _... _ riu, me achando muito ingnua. _ tudo marketing. Eles s querem usar os estagirios como mo de obra barata. Voc acha muito ganhar 800 reais para trabalhar seis horas? Isso uma explorao! Porque dois estagirios estaro tomando a vaga de um profissional que deveria ganhar muito mais. E, pior, eles podem te mandar embora depois do contrato, no esto assinando sua carteira. _Eu sei de tudo isso... Mas a gente sempre tem esperana... Sempre ouve falar daquele fulano que conseguiu... _... Mas na grande maioria dos casos, ficamos assim, mendigando um estgio exploratrio. S que se voc pensa que ai mora o problema, que nada. E quando voc tiver um filho para criar? E marido? Pensei em Caio, em ter que me mudar sempre com ele de dois em dois anos. _Voc j parou para somar todos os gastos que seus pais tem com voc? E quando for voc que tiver esses gastos com seu filho e mais, juntando com os seus prprios gastos? Ela no era to mais velha assim, mas conseguia enxergar um lado muito prtico da vida. Talvez porque estivesse mais de cara com o fim do curso, com o mundo mais cru.
Aquilo tudo ficou rodando na minha cabea e me entristeceu demais. Tive que desabafar com Caio, quando liguei para ele, noite, depois das nove. _Que isso, amor! Voc muito nova! Voc tima! Tenho certeza que ser muito bem sucedida! _ ele me animou. Eu no falei mais nada. Ele no entendia... Caio teria seu emprego federal garantido. No sabia o que era estar merc da mo perversa do capitalismo.
Cap 46: Pode confiar em mim A espera era grande. s vezes, o tempo parecia girar contra mim. Mas apesar de eu achar que os ponteiros do relgio no eram meus aliados, uma hora sempre chegava em que toda espera era recompensada. E l estava Caio, saindo do elevador com sua mala. Abracei-o com fora e uma saudade to grande. Prendi a respirao e fechei os olhos para aproveitar cada segundo daquela maravilhosa sensao de calor. De sentir minha cabea apoiada em seu peito. _Eu te amo. Eu te amo._ beijei-o nos lbios e mais uma vez o abracei. _ Vamos entrar? _ ri, se deixasse ficaramos ali, grudados no corredor. _Est com fome? Vou colocar um prato de comida para voc no microondas. _Estou sim. _ ele disse e sorriu, mas no era um sorriso completo. _Caio, est tudo bem com voc?_ franzi a testa e parei no meio do caminho. Desisti de ir at a cozinha e fui sentar ao seu lado no sof. _Nada... _ ele estava fugindo, mas sua mo apoiando a cabea me assustava cada vez mais. _Caio, olha para mim! No adianta esconder, eu sou sua namorada! _Bela..._ ele levantou o rosto e seus olhos cintilantes pelas lgrimas prestes a rolar me aterrorizaram. Senti um arrepio percorrer a espinha e meus pelos do corpo se eriarem. _Fala logo, no me mata do corao! _ pedi, muito nervosa j. _ a minha me. Ela t muito doente. _Qu? Sua me? Mas... O que ela tem? _ eu ficara completamente desnorteada, mas pelo menos sabia que no era nada com ele. _Ela est muito mal... E eu no quero que ela morra. _ as lgrimas caram dos seus olhos em forma de duas gotas grossas. _ Ela est com cncer. _Ai, meu Deus... _ fechei os olhos e senti junto com ele sua agonia. _ Caio, eu estou aqui com voc... _ segurei sua mo. _ Vem aqui, vem... _puxei-o para deitar no meu colo. Ele tirou a boina, os sapatos e deitou a cabea nas minhas pernas. _ Eu estou arrasado. Fiquei sabendo disso semana passada. _Por que no me contou, Caio! Voc no confia em mim... _No briga comigo. _ ele pediu.
_Tudo bem... _ passei a mo nos seus poucos cabelos. _Minha me est muito mal, toda a famlia est chocada com a notcia. _Cncer onde? benigno? _ maligno. No seio direito. _Nossa. Mas a medicina est muito avanada. A gente v tantas pessoas se recuperando e dando a volta por cima. _Eu sei. _ ele se encolheu e ficou ali indefeso, nos meus braos. _Ela tem que procurar um tratamento rpido. _Ns j buscamos informaes. Aqui no Rio de Janeiro h o Hospital Mario Krff, especializado nesse tipo de tratamento. Eles fazem tudo de graa. Ns estamos tentando traz-la para c... Minha me que vinha do quarto do meu irmo, ouviu parte da conversa. _Oi, meu filho. _ ela passou a mo na cabea dele. _Voc no est bem? _No muito, tia. _ ele falou e se sentou para apertar sua mo. _Eu ouvi o que disse sobre sua me. _... Ns estamos sem ajuda das pessoas, meio desamparados. _Mas voc sabe que pode contar conosco! _ minha me sentou ao lado dele._ Escuta, eu vou conversar com o meu marido. Sua me pode ficar aqui em casa. Ns no temos toda infraestrutura, somos muito simples, mas se ela precisar operar aqui, ns daremos esse apoio que vocs precisam. Olhei para minha me a amei por aquele gesto. _Claro!_ concordei. _Obrigada, tia. Mas j estamos dando trabalho demais comigo aqui... _Caio, no hora de cerimnias! Eu vou falar com meu marido sim. Agora, tenta descansar. _ ela sorriu. _Tome um banho, tira essa farda e deita um pouquinho l no quarto da Bela. _aconselhou. Assim ele fez e j de roupa limpa, ali, deitado no meu travesseiro, eu o abracei e ficamos quietos. Em silncio. _Eu estou ao seu lado para tudo, sabia?_ acariciei seu rosto._ Voc pode contar comigo. Quero que confie mais em mim para contar suas coisas. _Eu confio. Bela, voc minha vida... _ ele me beijou os lbios e fechou os olhos. _Dorme um pouquinho. _ acariciei seu cabelo e fiquei ali vigiando seu sono. Mal de cadete. Sorri. Sempre dormem. To lindo adormecido sobre o meu travesseiro, onde tantas noites sinto sua falta. E agora meu milico estava passando por essa barra.
Captulo 47: Estranha na prpria casa A necessidade nos impe condies que impedem que a soberba do nosso corao nos eleve o orgulho. Assim aconteceu com a minha sogra, que sempre me perseguiu por no me julgar a altura de seu filho. E agora entre ns haveria um exerccio dirio de tolerncia. Eu poderia bem estar feliz e realizada com este novo quadro, ela precisando dos meus favores. Mas meu corao no era mesquinho, pelo menos eu desejava que ela visse isso em minhas atitudes, afinal, eu no duvidava nem um pouco que achasse que eu estava me revirando por dentro de satisfao. Se eu aceitara ajud-la junto com minha famlia era porque de fato eu queria ver o meu namorado bem. Caio estava de tal forma desolado pela doena de sua me, que se no tivesse a segurana de que algum poderia ajud-la, isso seria sua runa na academia. Imaginem o problema que seria para ele fazer seus exerccios, assistir as aulas e cumprir os servios com a possibilidade em mente de sua me morrer e no resistir ao tratamento. Eu travaria aquela batalha para que no rolasse nenhuma lgrima mais em seu rosto. Quando amamos algum, o amor nos transforma e nos molda em algum melhor. Impossvel um ser humano amar sem se deixar evoluir pela poro mgica do amor. No digo que seria fcil e ela estava ali para me mostrar isso, com seus olhos frios e seu silncio. _Bem, essa a minha cama. Voc pode deitar nela. _ eu expliquei, apontando para minha cama de solteiro, forrada com uma colcha rosa de flores e cheia de bichinhos de pelcia em cima. _E aquele sof-cama? _ ela perguntou. Olhei para o meu lado. Aquele sof-cama na verdade estava no quarto do meu irmo. Caio costumava dormir l. Mas, depois meus pais aceitaram que ele ficasse no meu quarto, por ser maior. Da eu explicar que ns dormamos sobre o mesmo teto, poderia dar uma certa complicao na cabea dela. E se ela estava imaginando que seria fcil, depois de operada, se abaixar para dormir no cho, estava equivocada. Como eu iria lembrar-lhe deste detalhe to delicado? _, eu vou dormir aqui. Eu gostaria de ceder minha cama para voc ficar mais confortvel. _ tentei levar as coisas por esse lado, no que o meu primeiro desejo fosse esse to altrusta, mas se ela visse as coisas dessa forma, j estava de bom tamanho para mim. _T, certo. Obrigada. _E, ah, suas coisas... _ me dei conta mala que segurava. _ Vo ficar aqui no meu armrio. Ele grande, olha... _ abri a porta do meu guarda-roupa de quatro portas
e mostrei-lhe que tinha esvaziado todo um lado s para ela. _ No como na sua casa... _ alertei-lhe, caindo em mim, j que seus guarda-roupas modulados eram muito mais bonitos e maiores que o meu humilde. _ Mas acho que serve. _ encolhi os ombros. Ela me olhou por alguns segundos e depois para o armrio e eu ali sustentando o sorriso na boca e o corao a disparar. Que horrvel sensao de tentar agradar e s receber o silncio. Queria que ela dissesse qualquer coisa, nem que fosse um um muquifo, mas t bom. Nada! _O banheiro temos dois. Um no corredor. Na verdade, um s. _ ri da minha confuso. _ Porque o da dependncia de empregada a descarga est ruim e a gua do chuveiro fria, mas meu pai pode tentar arrumar. _ cocei a cabea. _ Minha me separou uma toalha e roupas de cama. S que esto ainda em cima da passadeira. Eu a vi fazendo isso ontem, s que acho que no teve tempo de trazer para c... _ minhas mos passeavam no ar, gesticulando sem parar. _T. _ ela balanou a cabea em sinal de sim. Olhou os porta-retratos na prateleira que havia na parede com vrias fotos do seu filho me beijando, me pegando no colo. Ela estendeu a mo e pegou um deles que tinha uma foto de Caio sozinho, vestido de farda 3D, aquela begezinha. Colocou de volta no lugar. _Dona Fabola, voc quer tomar o caf conosco? _ minha me apareceu na porta e eu senti um grande alvio, como quem salva pelo gongo, estava praticamente apelando, s me faltava agora apresentar os ursinhos da minha cama, esse o Ted, esse o Biba, esse o... _Ah, sim. _ ela sorriu e deixou sua mala no cho. _Voc sabe fazer caf? Poderia me ajudar?_ minha me perguntou. Dona Fabola fazendo caf? No que ela no soubesse fazer, mas ela era uma mulher to fina e em sua casa sempre tiveram empregadas. Senti que minha me no conhecia nada dela e essa seria sua primeira gafe como anfitri. Mas minha me estava era certssima, se a me de Caio estava em nossa casa, era para entrar no nosso ritmo, conforme a banda toca, diria meu pai. Que por incrvel que parea at agora aceitara de bom agrado tudo isso, para a minha grande surpresa. Ser que, no futuro, meu poder de persuaso sobre Caio seria to forte quanto o de minha me, quando queria que meu pai permitisse alguma coisa muito doida? E foi assim que dona Fabola conheceu a minha cozinha, de mesa antiga de granito, armrios de madeira meio sujos de gordura com o tempo, a geladeira ainda azul, bem antiga, das boas, como no se fazem mais, elogia sempre minha me e o botijo de gs vestido com uma saia rodada vermelha de melancias bordadas em alto relevo. Ela, vestida com uma fina saia de linho no joelho e uma impecvel blusa branca engomada, se aproximou da pia e duelou um pouco com a torneira, at descobrir para que lado girava para abrir. Respingou-se um pouco por no medir a fora da gua e riu. Seu primeiro riso, que me lembrou sua humanidade. No sei por que, mas ela nunca me parecia humana. O mais difcil para ns era no saber como tratar do assunto. Ela estava ali para se tratar do cncer, mas nem ao menos sabamos como iramos tocar no fato.
Tomamos a lei do silncio no incio, na falta de mtodos para lidar com isso. noite, quando j todos dormiam, eu ainda sentia meu corpo tenso, por ter passado todo o dia tentando agradar e faz-la se sentir vontade. Que difcil isso! Eu me sentia incomodada na minha prpria casa, como seu fosse a visita. O telefone tocou e meu corao engasgou na garganta. Putz! Caio! Ele sempre ligava muito tarde. E no tinha como escapar, porque era o telefone do quarto que estava tocando. Sentei num impulso e estendi a mo para pegar o fone, em cima da minha mesinha. _Meu amor. _ falei baixinho. _Bela, querida. Como esto as coisas a? _timas, pode ficar tranqilo. E como foi seu dia, meu lindo? _ perguntei. Ai meu Deus, a me de Caio estava ouvindo aquilo tudo. Impossvel no ter acordado com o barulho. _Foi bom, amor. Estou bastante cansado. Vou ter Siesp semana que vem e peguei servio justo nesse sbado. _Que droga, amor! Pegou servio? Mas vai passar rpido, e logo vamos estar juntos. Eu te amo demais, mais que tudo, estou to louca de saudade. _Eu tambm te amo, Bela, nem sei como te agradecer. _Me amando. _ ri e me contive. _Ah, mas isso eu j fao sem voc pedir. _Sei... _ ri de novo. _ Te amo, dorme com Deus e sonha comigo. _T, te amo tambm. Beijo e manda um beijo para minha me. _Pode deixar que eu mando. Beijo, te amo. _Te amo, tchau. _Tchau. Suspirei. Era to satisfatrio falar com ele, alguns segundos que me traziam a sensao de que o dia tinha valido inteirinho a pena. Deitei e dormi. Amanh seria um longo dia, levaramos a dona Fabola ao mdico.
Cap 48: O elo O Rio de Janeiro amanheceu encoberto pela neblinha branca. Um friozinho que logo se dissipou com os primeiros raios de sol tmidos que comearam a surgir no cu. Dona Fabola a todo o tempo s contemplava a paisagem que passava por sua janela do carro, sem nada dizer. Provavelmente estava muito aflita com o que os mdicos iriam dizer, mas creio que no poderia esperar nada muito diferente do que j prevamos.
Chegamos ao Hospital Universitrio do Fundo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, s oito horas da manh. Minha me estacionou o carro e caminhamos as trs at a entrada, em silncio. Estvamos ali para a consulta e o agendamento da cirurgia de acordo com o grau de urgncia do seu caso. Os exames nas mos de minha sogra em um envelope branco dariam a resposta para aquilo. Eu precisava arejar meus pensamentos. Falei-lhes que j que e a fila era grande, eu ficaria um pouco l fora. Garanti-lhe que de onde eu estaria veria quando fossem chamadas. Elas consentiram com a cabea, ainda um pouco sonolentas, por terem acordado cedo. Cada qual ficou com sua cabea apoiada na parede, olhando para o nada. Pus as mos no bolso do casaco e fiquei em p, encostada em uma alta e larga coluna redonda. Fechei meus olhos por alguns segundos e elevei meu pensamento at o meu namorado. Essa hora j deviam ter comeado suas aulas. O Espadim to perto, o que seria da festa? Como sua me iria e o que significaria para ela estar longe do seu filho neste momento esperado com ansiedade? Mas eu no queria sofrer por antecipao, cada problema ao seu tempo, seno eu explodiria. _Com este apoio acho que o prdio no vai cair. _ouvi uma voz ao meu lado. Era um homem bonito, alto, fortinho, com um lindo sorriso de dentes brancos. Seu jaleco denunciava que trabalhava ali. _Ah! _ ri timidamente, por ele ter dado por minha presena e ironizado o fato de eu estar escorada na coluna. _O Rio de Janeiro nem parece Rio com este friozinho, no acha? _ comentou, introduzindo o famoso assunto tempo, quando faltam os primeiros dilogos aos desconhecidos. _... _ sorri e limitei-me a um gesto de cabea. _Triste? Porque aquele homem se importava comigo? Me achara bonita, fcil, ou coisa do gnero? Olhei para a aliana grossa em sua mo direita. Era comprometido. Ento, o que seria? _Apreensiva. _ respondi-lhe. _ minha sogra, est com cncer no seio, viemos marcar a operao. _Cncer. _ ele repetiu a palavra com peso e foi sua vez de olhar para as rvores nossa frente e no ser expansivo. Calou-se. _s vezes, eu me pergunto se j sei tudo que me aguarda. _Viva, ento, cada dia._ aconselhou-me. E era justamente isso que h poucos minutos eu estava falando para mim mesma para fazer com respeito daquela situao.
_Tentarei. Espero conseguir. _ disse-lhe, me sentindo ligeiramente bem com sua presena. _Voc trabalha aqui?_ resolvi estreitar os laos, j que ele tinha puxado assunto e demonstrava interesse em uma conversa. _Parece? _riu, da pergunta boba. _No, talvez voc seja aougueiro. _ pisquei o olho e rimos juntos de eu ter ironizado sua roupa branca. _, eu sou enfermeiro. Vim aqui respirar um pouco, acho que como voc. Colocar minha cabea no lugar. _Ento, somos dois._ suspendi as sobrancelhas e depois suspirei profundamente._Admiro sua profisso. _ comentei. _Obrigado, mas por qu?_ franziu a testa. _A segurana que passam. Voc tem mais contato com os pacientes que os prprios mdicos. E parece que independe da dor das pessoas, os enfermeiros esto seguros, firmes. Para ns parentes que cuidamos de um doente, inevitvel levar tudo para o lado sentimental e sofrer junto. _, so coisas que a gente aprende no s com a faculdade, mas com a prtica. E essa lio ser tambm importante para voc. _ ele lembrou-me. _Ser mais imparcial com a dor de minha sogra? _ perguntei-lhe. _. _ balanou a cabea em sinal de sim e deu um passo para o lado, se aproximando mais de mim, como se fosse contar-me um segredo extra- oficial ao seu trabalho, que eu deveria encarar como uma quebra de protocolo. Ficou de frente para mim. _ No mergulhe de cabea na dor dela, nem fique se colocando em seu lugar. Seja atenciosa, mas no deixe que ela lhe... Como posso dizer, domine. Domine seu tempo, sugue suas energias. _Mas como? Por que eu j sinto isso, sabe? Ela est morando agora em minha casa, porque achamos um bom tratamento aqui no Rio de Janeiro. Ela de So Paulo. _ tentei resumir na menor quantidade de palavras. _ E eu ando me sentindo estranha em minha prpria casa. _Isso no bom para voc. _ falou-me o que eu j sabia. _Ainda estou na fase de adaptao. _ encolhi os ombros, deixando de transparecer minhas fragilidades. _No voc que tem que se adaptar, mas ela. _ consertou e aquilo tocou fundo no meu corao. Fabola que deveria se acostumar ao nosso ritmo de vida e a maneira de encarar a vida, segundo a tica de minha famlia, mas na tentativa de tanto agrad-la, eu estava deixando de colocar isto na prtica. _Ela j no gosta de mim... _Mas agora no hora para isso, ela vai precisar abaixar a guarda e se voc no der o menor sinal indicativo..._ foi reticente e deixou no ar todas as conseqncias que eu j imaginava e que eram a fonte de angstia que me trouxera ali fora para respirar.
_Eu preciso ir. _ olhou o seu relgio. _ Ah! Meu nome Vincius. _ Estendeu sua mo. _Bela. _Sua me o escolheu, quando te viu a primeira vez? _ apertou minha mo na sua e sorriu. _No... _ ri. _ Na verdade, Isabela. Bela s para os ntimos. _Quem sabe um dia eu possa cham-la de Bela? _ sorriu. Encolhi os ombros e ele entrou. Aquela conversa me fez to bem. Pensei em Deus e que no era impossvel que tivesse me enviado aquele anjo para falar-me aqueles conselhos. No acredito que na vida as coisas sejam por acaso. Voltei at minha me e Fabola. A cirurgia foi marcada com um grau de urgncia. Seria preciso retirar o seio. Aquela notcia mexeu completamente com o psicolgico de minha sogra, que passou todo o dia em um profundo silncio. Encontrei-a no quarto, sentada na cama, olhando para seus dedos. _Se importa se eu ficar aqui? Preciso usar o computador. _No, voc quer que eu saia? _No! De modo algum. Pode ficar. _ disse-lhe e liguei o estabilizador que estava no cho com o dedo do p. Abri meu blog e da Dbi e li um comentrio que a Lucy me deixou. Em um trecho ela dizia: _ Deus est colocando vocs juntas por um motivo importante. Vocs devem ficar mais prximas uma da outra pra se conhecerem melhor. No sei muito sobre o seu relacionamento com ela pois o primeiro post que voc fala dela, mas tenho certeza que se voc for paciente e, principalmente, humilde, o relacionamento vai se estreitar e vocs podero ser todos uma grande famlia, e no apenas "a minha famlia e a dele". (rsss) E essa a melhor parte. Eu j considero meus sogros, meus cunhados, como parte da famlia. Preocupo-me com eles quase na mesma medida que me preocupo com a minha famlia e bem divertido isso.(...) Isso no resolve o problema, e no faz voc ter menos raiva, mas ajuda voc a enxergar a situao claramente e, principalmente, a ouvir o que ela quis dizer ao invs do que ela disse (a maioria das pessoas no so claras nas palavras e voc precisa ver o sentimento alm das palavras, ver o real significado principalmente, ns mulheres). Pensei sobre aquilo de minha sogra no dizer o que pensava. Por exemplo, quando perguntara se eu queria sair do quarto, ser que na verdade, no queria me dar algum sinal contrrio, de que queria ficar, conversar? Minimizei a tela e me virei para ela. _... _ pensei em que tipo de assunto eu poderia introduzir. _ A senhora tem vontade de fazer alguma coisa, que eu possa fazer companhia, no sei, alugar uns filmes, dar um passeio? _No precisa se preocupar, querida.
Querida? Ela me chamou assim? Eu no queria que aquilo soasse como algum que vai morrer e deve fazer tudo que no fez durante a vida o mais rpido possvel. Mas que no pensasse tanto nas circunstncias do momento. _Seu marido deve estar sentindo muito sua falta. O que so esses militares sem a gente, nh? _ ri. _. _ ela riu tambm e me olhou, se dando conta de que por alguns instantes ns ramos iguais, as duas amavam o militar, salvo, claro as diferenas de tempo em que estvamos com eles. _Eles precisam do nosso apoio sempre. Vejo o quanto o Caio agora est mais centrado, obstinado. At melhorou nas notas. No ltimo teste fsico se saiu superbem. _ disse-lhe. _ Ele me falou. _ balanou a cabea. _ Agora ele pegou o embalo, estava bastante perdido no incio. _, a fase de adaptao muitssima delicada. Gastei toda minha saliva e minha pacincia para ouvi-lo falar e falar disso feito uma ladainha. Porque acima de tudo sempre fomos muito amigos. Acho que nesse tempo em que ele est l... _ senteime no sof- cama e me aconcheguei. _... Ns somos mais amigos que namorados. Porque tirando o contato fsico, o que nos resta mesmo aquele sentimento de companherismo... _Eu sei, j passei por isso um dia tambm. bem assim. _ fez sua primeira revelao e percebi que tinha achado o elo entre ns. _Conheceu seu marido na academia? _Sim. Foi uma fase difcil, mas essencial para que me preparasse para tudo que viria. Porque voc passa a entender melhor os desmembramentos das coisas. como uma comida, que voc sabendo fazer, entende melhor o gosto dela. _Engraado, porque a comida, s um faz... Mas se formos pensar, nesse tempo em que ele estuda l, eu me sinto parte do processo. _Ah! Sim, eles poderiam sobreviver sem ns, mas inevitvel que no reconheam que com a gente fica muito mais fcil. _h!_ estalei os dedos. _Muuito mais fcil. Rimos juntas.
Cap 49: Longa espera Sentada no corredor do hospital, senti meu celular vibrar, tocando em meu bolso. Era Caio. Provavelmente muito preocupado com a operao de sua me, que acontecia naquele momento. No era costume que ele ligasse tarde, mas provavelmente arrumara um jeito de manter contato e saber notcias. Acalmei-lhe falando que tudo daria certo. _Amor, obrigado, no sei o que seria de ns sem a ajuda de sua famlia.
_Eu estarei aqui sempre para te ajudar, Caio. Vai dar tudo certo. Eu te amo. _Eu tenho que desligar. Tambm te amo. _T. Beijos. Te amo, tchau. Desliguei o aparelho e o enfiei no bolso. As horas pareciam no passar e minha ansiedade era grande. Eu sabia o quanto a me de Caio era importante para ele, fosse a nossa relao boa ou no. As sogras so sempre a nica mulher acima de voc, portanto, tudo que acontecer com ela pode desestabilizar sua vida e sua relao. O mdico veio informar finalmente que a cirurgia de remoo do seio havia acabado e que em breve poderamos v-la. Minha me e eu nos abraamos aliviadas. Dona Fabola no nos reconheceu, ainda estava sob os efeitos da anestesia. Parecia estar imersa em outro mundo, olhando para o teto. _Estamos aqui com voc. _ sorri. _Sei que pode nos ouvir. Ficar tudo bem. _ acalmei-lhe. Imediatamente enviei uma mensagem de celular para Caio, contando que tudo estava bem at ento, para tranqiliz-lo. Depois, liguei para o marido de Fabola e deixei um recado em seu trabalho, ele havia sado em misso. Minha sogra ainda precisou ficar no hospital por alguns dias. Cuidamos dela como pudemos, trazamos frutas, roupas limpas, conversvamos com ela e tentvamos preencher com nosso acolhimento toda a falta que ela sentia da famlia. Foi chegada a hora de voltar para casa e ali comeou um longo processo que mudaria completamente minha rotina e me ensinaria duras e importantes lies sobre servir com humildade. Dona Fabola sentada na cama olhava para a sonda apoiada no cho. Era uma espcie de pote branco, com um tubo que entrava em seu peito e deixava os lquidos sarem por ali e se depositarem no recipiente. _Trouxe roupas limpas para tomar banho. _coloquei as duas toalhas brancas em cima da cama, junto com sua camisola e a calcinha. _Eu no posso levantar os braos. _ ela me disse. _Eu sei, por isso eu vou lhe ajudar a tomar banho. _ falei-lhe. Ela me olhou longamente, sabia que no queria estar passando por aquela situao. Mas, era preciso e ela deveria se despir de qualquer orgulho se quisesse ajudar a si prpria. Ajudei a levantar-se e fomos at o banheiro. Fechei a porta e nos olhamos mais uma vez. _No precisa ter vergonha. Tudo que voc tem eu tenho. _ brinquei. _Ah! Que situao a gente fica... _ lamentou-se, choramingando.
Aquele enfermeiro com quem encontrei no hospital me veio mente e lembrei de suas palavras sobre no perder o equilbrio emocional. Dona Fabola vestia uma camisola de botes, j que no poderia retirar nenhuma roupa levantando seus braos. Abri-os delicadamente e fiquei diante de sua pele fria e embranquecida. Eu precisei cobrir com uma das toalhas o curativo que encobria o peito direito para que no molhasse. Abaixei-me e tirei sua calcinha. Ela estava sem se depilar a muito tempo. Parecia aquelas madonas de quadros medievais, toda peluda na virilha. Como devia estar sendo difcil para ela estar sob as minhas mos, dependendo totalmente da minha ajuda. Logo eu, para quem ela mostrara tanta indisposio. Que ironia da vida. _Eu vou passar primeiro. _ expliquei-lhe, abrindo a porta do box. Pedi que calasse as havainas para no escorregar. Liguei o chuveiro e com a mo testei a temperatura da gua. Esperei que ficasse morna. Depois, peguei um sabonete novo, abri o pacote e esfreguei entre as mos. Acariciei, delicadamente, toda sua pele. Depois de um longo e vagaroso banho, ajudei-lhe a se secar e vesti sua roupa. Retornamos para o quarto e ela deitou-se para que eu pudesse fazer seus curativos. Essa, para mim, certamente era a parte mais difcil, pois eu no gostava muito de sangue, nem de ferimentos. Lavei as mos mais uma vez com sabonete e voltei at o quarto. Desinfetei com lcool e vesti as luvas cirrgicas. Tudo tinha que ser feito com o mximo de higiene. Com um algodo molhado no lcool passei nas pontas dos esparadrapos para que a cola se soltasse, sem machucar sua pele, que j estava avermelhada. Coloquei tudo dentro de uma pequena sacolinha de plstico. Meus olhos se depararam com o seu dorso esquerdo, sem seio. Era uma viso muito chocante que s eu poderia ver, enquanto ela olhava para o teto. A finssima pele encobria o corao e eu podia v-lo bater com fora. Senti todos os pelos dos meus braos se arrepiarem e tive vontade de fazer uma careta de horror. Mas, meu semblante tinha que ser frio e os gestos, firmes. Peguei duas gases e umedeci com um lquido avermelhado, passei por cima dos pontos e precisei espremer um pouco a pele para sair as secrees. Aquilo exigia de mim um alto grau de concentrao e segurana. Mais gases para limpar tudo, depois para revestir a rea e esparadrapos para vedar os curativos que encobriam a operao. _Prontinho, viu? _ sorri-lhe. _Obrigada. _ ela suspirou. Fechei sua camisola. Joguei tudo dentro da sacola, desinfetei com lcool os objetos e os guardei em uma pequena caixa, que deixei em cima do meu criado mudo. Depois, retirei as luvas e fui lavar minhas mos mais uma vez. Todas as roupas precisavam ser lavadas. Toalhas, camisolas, lenis. O que me deixava muito cansada, pois minha me tinha que trabalhar e s restava a mim para fazer aquelas tarefas.
Quando voltei para o meu quarto para pegar no guarda-roupa uma roupa para eu tomar banho, Dona Fabola me chamou: _Bela, meus braos esto estranhos. Aqui de baixo das axilas est parecendo um buraco, fica to feio. Isso vai desinchar? Olhei-a. Ela se referia ao fato de terem tirado algumas glndulas do seu brao, o que precisou repuxar a pele. Parecia que em suas costas agora havia duas depresses. Claro que ainda no tinha conscincia de nada disso. S medo de ficar feia. _Vai sim. _ garanti-lhe e sorri, sentindo por dentro uma imensa comoo.
Cap 50: Uma visitinha A campainha tocou e eu suspirei fundo. No havia ningum em casa para atender. Meu irmo estava na rua jogando bola, minha me tinha sado para visitar uma cliente e meu pai fora no barbeiro fazer o cabelo. Que timo! Balancei as mos no ar, para me livrar da espuma do sabo e lavei as mos na gua corrente do tanque. No era fcil toda hora colocar as roupas de cama e as toalhas na mquina para manter tudo sempre limpo para minha sogra. Passei o brao na testa suada e sequei o p no tapete antes de passar pela cozinha. No interfone o porteiro me avisou que era uma visita para minha sogra. Eu estranhei. Quem seria? O pai de Caio estava em misso e meu namorado preso em Resende, porque pegara servio no domingo. Quem viria ver a dona Fabola naquele sbado? _Ela disse que a sobrinha dela._ disse o porteiro. Eu dei um leve riso de sarcasmo. No podia ser. Eu no merecia aquilo. Se ela morasse na esquina, eu diria para dar meia volta e ir para o raio que a partisse. Mas Felcia que morava em So Paulo devia estar de carro com os pais de passagem pelo Rio. _Pode deixar subir. _ falei de m vontade. Caminhei at a porta e abri. A primeira reao da me da querida priminha do Caio foi me olhar de cima abaixo. Eu realmente estava deprimente. Com um short jeans muito ferrado e desfiado, uma camisa do ano passado da Copa do Brasil amarela da Promoo do Guaran Antrtica e o cabelo desgrenhado em um coque preso por uma caneta Bic. S faltou um celular na cintura para ser a ssia da Marinete, do Programa A diarista. _Oi, querida, estamos incomodando? Ser que ela queria realmente a verdade? _Entrem. _ estendi a mo no ar, apontando para o interior da sala. A ltima a passar por mim foi Felcia, que ofereceu seu falso ar cndido. Os trs ficaram me olhando, com aquele sorriso de comercial de pasta de dente e eu com as mos na cintura tentando realizar a situao. Ser que eles ficariam para almoar e estenderiam a visita pela tarde? Eu no fizera comida para tanta
gente? Se minha me chegasse ia ficar brava, ela j estava tendo muitos gastos. _Ns viemos visitar a Fabola. _ o pai de Felcia falou, quebrando o silncio. _Claro! Eu vou falar que vocs esto aqui. _ eu disse e passei por eles. Abri a porta do quarto e encontrei minha sogra deitada, vendo a televiso que ns tnhamos tirado do quarto do meu irmo e colocado ali para ela se entreter. Passava o programa Estrelas da Anglica, que entrevistava o Zeca Pagodinho. _A senhora tem visita. _ falei. _Sua sobrinha e a famlia dela esto a. _Ah! Que bom! _ sorriu. Eu coloquei a cabea no corredor e fiz sinal para que eles viessem. Com todos ali no quarto, me senti sobrando. Falei que ficassem a vontade, porque eu iria fazer minhas tarefas. Terminei de colocar minhas roupas na corda e percebi que eles no estavam pensando em sair. Eu no podia enrolar mais, dona Fabola precisava comer para tomar seus remdios. Eu, ento, perguntei se eles queriam almoar, torcendo para que a resposta fosse no. E eles anunciaram que j haviam comido fora e eu agradeci silenciosamente a Deus, porque eu no queria esquentar mais a barriga no fogo para alimentar aquela famlia no. _Est na hora do seu banho. _ falei para minha sogra. _Se eu puder ajudar em alguma coisa. _ a mulher ofereceu-se toda sorridente. Olhei-a de cima abaixo, em suas roupas de perua, cala jeans enfiada na bota de couro e o cabelo armado de tanto laqu. Refleti se ela tinha idia do que era aquela tarefa, do malabarismo que significava dar um banho sem molhar a operao. _A senhora quem sabe. _ olhei para minha sogra, com uma voz enfadonha. _No precisa, voc ficar molhada. _ Minha sogra me deu o brao para sentar. Havia todo um jeito de suspend-la. A outra se precipitou para ajudar, mas a me de Caio pediu que eu o fizesse. Eu, ento, coloquei a mo por debaixo de sua cabea, depois uma mo sobre seu outro brao e em um movimento coordenado de foras a fiz sentar-se, como se fosse um passo perfeito de dana. Essa foi uma das coisas que observei os enfermeiros fazerem, enquanto estava no hospital. Eles aguardaram que ela voltasse e na hora de fazer os curativos, apenas o pai de Felcia saiu do quarto. As outras duas ficaram observando, nitidamente alteradas com o sangue, os pontos, a falta do seio. Eu j repetira aquela rotina tantas vezes, que j estava mais segura. _O Espadim do Caio est chegando. _ Felcia tocou no assunto, tentando amenizar a situao com algum dilogo. Eu procurei no mostrar qualquer reao, continuei passando o remdio sobre os pontos. _Ns paramos em Resende e fomos v-lo. Almoamos com ele. Ele est preso l, n? Coitado, pegou servio amanh. Aquilo doeu em mim. Dona Fabola olhou-me nos olhos, mas eu desviei os meus. _Ele nos deus os convites da festa.
Ele deu os convites da festa? Eu virei-me e as olhei. Eu no havia ganhado o meu ainda! _Voc acha que estar em condies de ir, titia? Claro, sua jamanta! Voc vai lev-la para andar em um sol quente e carregar a sonda pela cordinha como se fosse um cachorrinho? Depois o qu, voc vai aguard-la com um caixo aberto ao atravessar o porto para empacotar de vez? _Acho que no, querida. _ ela respondeu com voz triste. _Perderei esse grande dia. _E voc? Vai? _ perguntou, se dirigindo agora a mim. _No se preocupe, ele ter com quem danar a valsa das namoradas. _ respondi, retirando com fora as luvas das mos. Aquele quarto j estava pequeno demais para ns quatro. O clima ficou ruim e felizmente eles se tocaram e deram o fora. Dona Fabola perguntou se eu tinha ficado chateada. _Eu? _ apontei para o meu prprio peito. _ Que isso?! Eu adoro a sua sobrinha, aquele doce de pessoa. _ perdi a pacincia e minha voz saiu com muita raiva. _Eles so da famlia, eu no podia deixar de convid-los para... _Voc pode convidar quem quiser, eu no importo._ dei de ombros. _ Eu sei muito bem onde o meu lugar e o meu lugar ao lado do seu filho. Eu sou a namorada agora e ningum vai tir-lo de mim, porque eu sou mulher suficiente para garantir o meu posto. E se qualquer uma atravessar o meu caminho eu no vou abdicar de nenhum mtodo para tir-la da reta! _ Ela uma boa moa, ela nunca ia querer... _Dona Fabola, eu acredito que os remdios ainda no tenham afetado a sua razo. Ento, eu vou lhe dizer o que eu enxergo e espero que a senhora no seja to ingnua. Eu vejo algum atravessando o meu caminho e querendo se aparecer para o seu filho. Algum que invade o meu orkut para me bisbilhotar e que fica mandando recadinhos melosos para o meu namorado. Uma mulher que se toca e se d ao respeito no faz esse papel. Eu no quero ficar amiguinha dela, eu s espero no ter que conviver com ela, s isso. Entendeu bem? _Voc pensa que eu no sofro? Eu no vou ao Espadim. _ mudou totalmente de assunto. _Eu lamento realmente. _respirei fundo. _ A senhora perder uma festa, mas ganhar a sua vida. E vai ficar boa. Agora eu vou fazer um prato para o meu irmo e colocar no microondas, vou cham-lo para almoar. Licena. Eu j podia prever que o baile que chegava me reservava uma batalha.
Cap 51: Dilema O incio do ano para Caio tinha sido muito duro. A adaptao a novas regras e o entrosamento com os amigos trouxeram um alto grau de estresse e cansao. Inevitavelmente, isso acabava desgastando a nossa relao. Por mais amor que existisse, a distncia, a sensao de frustrao a cada fim de semana que ele se
prepara ansioso para vir e descobre que tomou uma punio por causa do cabelo grande ou do vinco da cala, somados ainda com a nova vida em outra cidade com os pais pintavam um quadro propcio para pequenas brigas e desentendimentos que , felizmente, logo se resolviam. O namoro com um cadete parece um atleta que todos os dias supera um limite, bate um recorde, se v diante de mais um desafio. s vezes, o que queremos simplesmente no vencer nada, no provar fora nenhuma para ningum, s desejamos ser namoradas normais, com um relacionamento pacato. Mas, essa no uma escolha que se possa fazer, simplesmente, estamos diante de uma situao que aceitar ou largar. E, como largar, se amamos a pessoa e no queremos deix-la na mo justo neste momento que mais precisa de apoio? Foi assim que aprendi muitas lies e, tambm, amadureci bastante. As situaes ganham outro contorno quando temos que abdicar daquilo que mais gostamos, estar fisicamente perto deles. Isso nos torna menos egocntricas e nos mostra que o relacionamento, alm de amor e sexo, uma prova de amizade. Se estar ao lado deles nos momentos ruins necessrio, nos bons indispensvel. Agora a semana do Espadim, uma dessas timas datas que aliviam o peso de toda a batalha com uma linda cerimnia e uma festa. Segundo Caio me explicou, Espadim como se chama uma pequena espada, rplica da Espada de Duque de Caxias, que os cadetes recebem e levam consigo durante os quatro anos da academia militar. Neste dia da entrega, eles tambm ganham uma roupa de gala azul marinho, mais conhecida como azulo. Ele, claro, estava extremamente ansioso para isso desde o comeo. Mas, a vida sempre feita de imprevistos e temos que lidar, dia-a-dia, com o impondervel. Dessa vez, no foi diferente. A me de Caio descobrira que estava com cncer no seio e precisou fazer uma cirurgia. Isso resultou na sua vinda para o Rio de Janeiro. Agora, em minha casa, ela se recupera para iniciar as sesses de quimioterapia. Eu estou me redobrando ao mximo para cuidar dela e lhe oferecer todo o apoio necessrio. No tenho o direito de despender mais energia dos meus pais, que j foram muito generosos em acolh-la aqui. E este foi, justamente, um assunto que comeou a me trazer um problema: como ir ao Espadim se a minha sogra precisa de meus cuidados? _Eu sei que voc est ansiosa para ir, minha filha, eu te entendo perfeitamente, mas eu tenho quatro clientes marcadas para esse dia. Ser um timo dinheiro extra que a gente no pode dispensar, afinal, estamos tendo alguns gastos a mais com comida aqui... _Tudo bem, me. Eu entendo... _ remexi na comida do prato. Desloquei o bife de um lado para o outro com o garfo. Eu no estava reclamando, mas no poderia esconder meu desapontamento. _Eu j tinha falado para vocs que eu tenho a final do campeonato de futebol com o time aqui do bairro... _No se preocupe, pai._ interrompi-o. Por mais que, no fundo, fosse injusto eu perder a festa do Caio por causa de uma partida de futebol, meu pai no era a pessoa mais indicada para assumir o meu lugar. Ele no daria banho na dona Fabola, nem saberia fazer seus curativos.
_Eu tambm no posso. _ Robertinho falou, se sentindo gente grande e participando da conversa. Eu sorri. Ele, ento, estava menos ainda preparado para aquilo. O que eu falaria para o Caio? Ser que ele entenderia meus motivos? O esperado era que sim, afinal, a culpa daquele entrave era sua me. Mas, eu temia que ele surtasse e no visse o meu lado. Liguei para Dbi, eu tinha que desabafar. Ela veio me encontrar aqui no prdio. Abracei-a com fora. _Como est, amiga? Que barra, hen? _ olhou-me, tentando captar s pela minha cara a situao. _Nem me fale... _ passei a mo no cabelo e respirei profundamente. _Voc est com olheiras! _Eu j nem reparo mais nisso. _sorri e sentamos em um banco de madeira no playground. _Esse fardo est muito pesado para voc, Bela. _E eu no sei? _ franzi a testa. _O Espadim est a, sbado e ns nem combinamos nada ainda! Voc me falou que ia com aquele vestido amarelo... _ sobre isso que quero falar... _Ah! No! Eu espero que seja sobre o vestido, porque pela sua cara... _Eu no sei se vai dar para ir. _Bela, sem chance! No tem essa hiptese! _Pior que tem... _No, a gente tem que dar um jeito! _Como? Voc vai ficar com a minha sogra? _Sempre h um jeito para tudo, s temos que pensar. Seus pais no vo estar em casa? _No, estaro ocupados. _Como?! Eles no sabem o quanto isso importante para vocs dois? _Sabem... Mas, coitados, esto se matando de trabalhar, no posso exigir mais deles. _Ai, Bela, e o seu sogro? _Ele vem, mas no domingo. Ele estava em misso. Algum da famlia tem que
estar l para entregar o Espadim para o Caio. _Ela no tem parentes, sei l...? _Tem, n? Mas, nas horas que a gente mais precisa, eles somem..._ fiz uma careta._Se ele no for, sabe quem vai entregar o Espadim para ele? Felcia, a prpria. _No! Meu Deus, de jeito nenhum! _Viu a dimenso do meu problema? _ encostei a cabea na parede. _No pode ser, no me conformo. _Dbi ficou pensativa como eu. _Mas, j que isso no tem soluo imediata, fala de voc. E o Ribeiro? Vocs esto bem? _Estamos sim. _ ela sorriu. _ Minha sogra que parece que no gostou muito de mim. Para variar, as sogras... Eu fiz um pequeno churrasco l em casa e convidei os pais dele. Sabe como , n? Adoro danar funk. Coloquei msica, comecei a danar com meus amigos e a eles fizeram uma cara. Acho que perdi todos os pontos... _ ruim no poder ser voc mesma e as pessoas esperarem de ns outras expectativas. _Oh, se . Quando Caio ligou aquela noite para falar com a me, me perguntou se eu estava feliz para a festa. Eu fiquei muda. _Bela? Que foi? No est animada? _ perguntou.
Cap 52: Um jeito para tudo Caio ainda estava do outro lado da linha e eu no conseguia falar-lhe a verdade, que provavelmente no poderia ir a festa. _Bela, fala alguma coisa. _ pediu. _Meu carto vai acabar. _Amor, eu adoraria ir a sua festa, mas no vai ter ningum aqui para ficar com sua me e ela no pode ficar sozinha... _Qu? Voc no vem? _No que eu no queria, veja bem... _Mas Bela, ns dois esperamos muito por isso. _Caio, pra um segundo e pensa na situao! Ele ficou apenas respirando do outro lado do fone. _Eu sei._ por fim falou. _Eu no posso largar sua me aqui. E se ela precisar de alguma coisa?
_Mas eu vou precisar de voc! _Voc est sendo mimado agora, Caio._ disse-lhe. _Eu vou pensar num jeito, sempre h um jeito para tudo. _ repetiu a frase de Dbi. _Tudo bem. Desligamos sem beijos, sem eu te amo. Eu me senti mal por ter chamado-o de mimado e ao mesmo tempo no gostara nem um pouco de ele no estar vendo que eu era a maior prejudicada. Senti uma vontade de chorar horrvel. Quis ir para o meu quarto, mas l estava minha sogra. Na cozinha, minha me; na sala, meu pai. S me restou o banheiro. Sentei na tampa do vazo e senti que o fardo estava de fato muito pesado. Chorei sozinha. A semana voou e com ela nenhuma idia para resolver a questo. Minha situao com Caio ficou ainda pior, quando na sexta-feira, vspera da festa, ele me ligou praticamente exigindo uma atitude. _Caio, eu no tenho o que fazer! Por que voc no chama a sua priminha para ficar aqui no meu lugar, j que ela sua parente e no sua namorada? ela que tinha que estar fazendo alguma coisa! Eu no devia estar dizendo aquelas frases to duras, mas quando nossa cabea est para explodir, acabamos escolhendo as piores palavras e metendo os ps pelas mos. _Eu no sou duas. Sou uma s! Ou eu estou aqui, ou eu estou a! Voc s est pensando em voc, voc e voc! No estou sentindo seu apoio, nem parece que voc meu namorado! _No verdade. _ sim, Caio! Voc no est sendo em nada compreensivo!_ acusei-o. _Desculpe. _Mas tudo bem, voc ter sua priminha a com voc, aproveita e dana bastante com ela. _Bela... _Caio, eu vou desligar. Desliguei. Nada poderia ser pior que alm de no ir a festa, brigar com ele e sentir que tudo tinha acabado de maneira to pssima, to ruim. Eu queria gritar de tanta raiva do mundo!
_Obrigada. _ dona Fabola agradeceu o copo de suco de laranja que eu lhe trouxera para que tomasse seu remdio das dez horas da manh. _Espere. _pediu. Parei na porta, olhei-a. _Vem c. Aproximei-me novamente. _Voc no devia estar aqui... _Jura? _ri sarcstica. Pelos meus olhos inchados qualquer um perceberia como eu estava um caco. _O Caio precisa de voc. _Eu sei. E sei tambm das minhas responsabilidades. _lembrei-a do significado de eu ter abdicado de estar com ele para cuidar dela. _Voc poderia pegar o seu telefone? _pediu. Olhei para o aparelho em cima da escrivaninha, depois para ela. Para quem ela ligaria? _Por favor... _pediu novamente, vendo que eu no sara do lugar. Deixei o copo em cima do criado mudo e peguei o telefone, estiquei o fio para que ela pudesse alcanar. _No se preocupe que eu ligarei a cobrar. _avisou discando um nmero. Fiquei ali parada olhando-a, muito intrigada. _Al, amor? a Fabola. Como est? J comeou a cerimnia? Que maravilha! E como ele est? Nossa, queria muito estar a com vocs... Quem mais est a? Ah! A amiga da Isabela? Sei. E a Felcia? Hum, t. Amor, ns precisamos resolver um problema. Eu no tenho como sair daqui dessa cama. Mas a Bela precisa chegar a hoje, como eu no sei. Pensa em um jeito? Meu corao disparou e finalmente senti uma ponta de esperana. Ela estava tentando resolver aquilo para mim? Mas por qu? _Ok, me liga quando puder. Estou bem, na medida do possvel. Beijos. Te amo. D um beijo no Caio por mim e fala para ele que no Espadim eu no estive, mas na entrega da Espada no 4 ano vou estar! Tchau, tchau. Eu olhei-a com os olhos ligeiramente arregalados. Nem tnhamos uma soluo, nem estvamos paradas na estaca zero. E agora? _Bom, eu espero que voc tenha um vestido. _Tenho. _sorri._ Mas..._ franzi a testa. _Meu marido vai dar um jeito. _ela olhou para o lado pensativa, no sei se aquele olhar era de ligeira desconfiana de que algo podia no dar to certo assim. _Hum. _no consegui dizer nada, eu estava completamente surpreendida.
_Aprenda, querida, eles ficam l naqueles quartis passando o dia fazendo o qu? Franzi a testa. Perplexa. Ela estava me ensinando? _Misses!_ respondeu a prpria pergunta._ Ento, quando voc designa uma misso, eles vo fazer tudo, eu digo tudo mesmo, para cumpri-la. uma espcie de lavar a honra, sabe? V se entender... O telefone tocou de novo, me assustando. _No falei? _ piscou o olho para mim. _Oi, amor. Hum... _ ela olhou-me._ Ele quer falar com voc. Estendeu-me a mo e ofereceu o fone.
Cap 54: Vitria Peguei o telefone da mo de Fabola e atendi: _Al? _Oi, Bela._ era o meu sogro do outro lado da linha. _ Eu quero te agradecer por todo o esforo e dedicao que est tendo para cuidar da minha mulher. _De nada... _Eu conversei aqui com sua amiga Dbora e ns pensamos em um jeito de voc vir para c. _? _ sorri, j feliz com qualquer que fosse a idia deles. Deus estava olhando por mim e me colocando aqueles dois anjos para me ajudar! _A Dbora tem uma empregada na casa dela que faz a faxina aos sbados. Ela disse que de confiana. _Claro! Conheo, sei quem . _Ento, j ligamos para l e falamos com ela. Eu vou pagar o dobro da diria para que ela possa ir at a sua casa e ficar fazendo companhia para a minha esposa, ajud-la com os remdios e a comida. _Eu no acredito... _ minha voz embargou e eu comecei a chorar. _ melhor voc no chorar porque s tem mulher bonita aqui, hen?! Se ficar de cara inchada, j viu!_ brincou. _Pode deixar. _ eu ri, muito emocionada. _Agora fala aqui com sua amiga que quer falar com voc. _T, e obrigada por tudo. Estou muito feliz. _Bela. _ Dbora falou do outro lado.
_Oi! Eu no acredito. Voc demais! _Que isso! Tudo bem, eu sou mesmo. _ riu alto. _ Olha s, no vamos contar para o Caio que voc vem, afinal, uma surpresa sempre bom. Quando voc chegar na rodoviria, liga para o meu celular que eu vou te buscar e voc fica no hotel comigo. _Claro! Eu vou arrumar tudo para ir! Beijo, tchau. Quando desliguei, olhei para dona Fabola e ela sorriu. _Obrigada. _ agradeci, ainda anestesiada com a idia: EU IRIA AO BAILE!
Cap 55: Ao encontro Eu no podia perder mais nenhum minuto. Liguei para o celular da minha me e expliquei-lhe todo o esquema. Mesmo que ela no concordasse, eu j estava decidida que nada me impediria de atravessar o Rio de Janeiro para encontrar Caio. Mas felizmente ela no se ops. Coloquei o vestido na mala e junto com ele sandlia, maquiagem, secador de cabelo, brincos, tudo que me fizesse sair daquele look de gata borralheira. Esperei que a empregada de Dbi chegasse, passei-lhe todas as instrues e a agradeci por estar me proporcionando um dos dias mais felizes da minha vida. Ela no pudera vir de manh, s no fim da tarde, mas eu j estava grata assim mesmo. Antes de sair de casa, entrei no site da Aviao Cidade do Ao na internet e procurei o horrio do prximo nibus que sairia para Resende. Eu tinha quarenta minutos cravados no relgio para peg-lo. Ao chegar na Rodoviria Novo Rio, carregando minha mala com uma certa dificuldade, senti um frio na barriga. Eu no podia acreditar que estava to perto de realizar tudo o que eu mais queria! _Txi, senhora? Txi? _ Os motoristas gritavam no porto de entrada. Passei por eles e corri para o guich. O nibus j estava parado no porto do embarque e os passageiros entravam. Um frio na barriga, minhas mos suando. Que agonia. _Resende, o nibus que est saindo agora. _falei para o homem que viu minha pressa e logo me passou o bilhete. Droga! Eu ainda tinha que preench-lo. _Me empresta uma caneta? _ pedi. Escrevi rapidamente meu nome, minha identidade, a cidade de origem e de destino e por fim marquei um x na opo visita a familiares que respondia o motivo da minha viagem. Namorado famlia? Ah! Seja l o que for, espero que eles no precisem dessa informao, porque eu quero chegar inteirinha at l. Com esses acidentes areos, eu estou com medo de tudo, at de andar de nibus. Nada mais to seguro assim.
Coloquei minha bagagem no porta-malas e deixei que o motorista colasse um adesivo na bagagem. Depois ele ps a numerao respectiva no meu bilhete e eu entrei finalmente no veculo. J anoitecia e as seis e dez o nibus saiu do Terminal. Eu encolhida na minha poltrona fui me lembrar nesse exato minuto que no tinha trazido nenhum remdio para enjo. Agora era torcer para no passar mal, porque j no havia mais nada o que fazer. O engarrafamento colaboraria para que a viagem fosse um pouco mais longa do que o habitual. Aquele era o incio da hora do rush no Rio de Janeiro, quando todos saem do Centro da Cidade, onde se localiza a rodoviria, para a zona Norte. O nibus faria justamente esse percurso para entrar na Rodovia Presidente Dutra, que leva em direo a cidade de Resende, a duas horas de distncia. Ou seja, somando com o possvel atraso, eu chegaria l umas oito e meia. Se ao menos eu conseguisse cochilar. Mas com aquela ansiedade toda, eu no dormiria de jeito nenhum. Pensei em Caio, como ser que ele estaria? Provavelmente muito chateado comigo. Ficamos sem nos comunicar desde aquele estranhamento no telefone, na sexta-feira. A maior prova de que eu queria estar com ele era meu esforo em largar tudo para fazer aquela loucura de amor. Fechei os olhos e lembrei de ns dois na escola. Ele sempre pronto a me ajudar, a ser meu amigo e eu nem dava a menor bola para suas segundas intenes. Mal podia imaginar que me apaixonaria pelo garoto mais comum do colgio, meu melhor amigo. Nunca poderei esquecer do nosso beijo. Da descoberta de sentir sua boca na minha. Uma mistura de desejo com curiosidade. Meu corao disparado, meu corpo quente. Nos dois nos abraando, nos tocando, nos amando naquele beijo envolvente. Uma onda magntica ao nosso redor fazendo com que no pudssemos nos largar. Agora ele era um rapaz de corpo atltico, com uma carreira, um porte. Chamava a ateno das meninas e me dava uma pontada de insegurana de perd-lo para outra. Felcia, por exemplo. Ela devia estar se sentindo em um parquinho de diverses, mas eu logo jogaria um balde de gua fria no seu foguinho. Queria ver sua cara, quando me visse! A viagem foi muito longa. Prxima a cidade de Resende, uma obra na pista diminuiu o espao de passagem dos veculos. Mas felizmente eu conseguira desembarcar na cidade e ainda dentro do nibus liguei para Dbi, para avis-la. Em dez minutos Ribeiro apareceu de carro. _A Dbi estava se arrumando. _ explicou o por que de estar sozinho. _Tudo bem. Como est? _ dei dois beijinhos nele. Nosso entrosamento no estava o dos melhores, visto que nas frias na fazenda eu havia brigado com ele. _Bem. Que bom que voc pode vir. O Caio vai ficar feliz. O cara t malzo. _?_ sorri._ Ento, ele est sentindo minha falta? _P... Depois do arranca rabo que ele teve com aquela prima dele... _O que aconteceu?
_Ah! Ela quis sair com a gente, mas o Caio no queria levar ela junto. Voc sabe que ela a ex dele... E comeou a marcar em cima... Ai ele deu uma lio de moral na frente de todo mundo. _O Caio? _. Ela estava pegando pesado, se oferecendo descaradamente, ainda bem que voc veio... _Hum... _Est com o convite da festa a? _Estou sim._ respondi. Quando entramos no quarto do hotel, vi Dbi j de vestido. _Amiga! _ ela veio me abraar com um gritinho. _Eu nem acredito que consegui chegar aqui. _Pois acredite! _ ela sorriu. _ Tenho tantas coisas para te contar! _O Ribeiro j me adiantou algumas... _Hum... _ Dbi cerrou os olhos e olhou para o namorado. _Fofoqueirinho! _Que isso, amor! _ ele beijou-a de leve nos lbios. S faltava agora algumas horas para eu encontrar o Caio!
Cap 56: Uma noite de sonho Tomei um banho, sequei o cabelo com ajuda de uma escova e do secador. Prendi o cabelo em um rabo de cavalo com um elstico de silicone. Depois peguei uma mecha e enrolei por cima do elstico para escond-lo. Deixei uns fios do cabelo caindo no rosto. Pus umas borboletas com cristais presas no penteado. Pronto, agora era s vestir o vestido e calar a sandlia alta. No demorei mais que uma hora para estar pronta. _Nossa, que linda! _Dbi falou, quando eu sai do quarto e todos me elogiaram. _Obrigada. _ sorri. _Acho que podemos ir!_ Ribeiro concluiu e ns fomos para o elevador. O hotel no ficava longe da Aman. Alis, nada ficava longe da Aman, visto que a cidade era pequena. Assim que avistamos a Academia Militar pude ver dois grandes refletores iluminando o cu. Senti-me em Hollywood, chegando para a prpria entrega do Oscar. Aquilo era s para deixar um gostinho do grande e glorioso baile que me esperava. Uma verdadeira e inesquecvel noite de gala, em que eu me sentiria uma princesa dos livros.
Depois de registrarmos nossa entrada em uma pequena cabine de soldados, atravessamos o reto. Reto como chamam uma enorme reta que vai do porto principal at a entrada. Antes de chegarmos l, viramos direita e fomos procurar estacionamento para o carro. Estava uma noite para ns cariocas considerada fria. Mas para um gacho seria uma noite muito quente. Sensao trmica uma questo de costume. Bom, o fato que a cidade a noite esfriava ligeiramente. E o ms de agosto contribua para isso. Descemos do carro e caminhamos por uns metros at chegarmos em uma escadaria. Levemente ergui o vestido para no ter o risco de tropear e cair. Atravessamos mais um grande salo e vimos uma enorme fila de casais. Voltei a sentir aquele friozinho na barriga. No conseguia falar nada, estava absurdamente ansiosa. As mulheres vestiam roupas de todos os estilos. Algumas mais simples, discretas, outras devem ter confundido aquilo com algum baile de carnaval. Pareciam um shopping center de brilhos e casacos de pele. Meu Deus, casaco de pele, onde ela estava sentindo aquele frio? Eu estava de vestido de ala! Alguns rapazes vestiam roupas brancas. Perguntei a Ribeiro porque eles no estavam de azul, como eles? _Eles so cadetes dos outros anos, segundo, terceiro, que compram o convite para poderem vir a festa. Principalmente quem fica aqui sempre nos fins de semana, porque no tem famlia nos estados prximos e no vo perder essa bocada. _riu. _ dia de comer e pegar cadetina._ riu mais alto para provocar Dbi. _Ah! ?_ minha amiga cruzou os braos. _Brincadeira, amor._ disse ele, no se agentando de rir, abraou-a. _No posso te abraar no, eles no deixam a gente ficar abraado, nem se beijar no, estamos fardados. _ soltou-a, lembrando-se das regras. _Mas tem cadetina aqui?_ perguntei. _No sei, mais difcil, porque tem que conseguir os convites, no uma festa to aberta ao pblico como as outras, tipo festa junina, Olimpadas, em que a entrada gratuita. _Hum._ levantei as sobrancelhas. _Ah! E respondendo a sua pergunta. Eles esto de branco para no serem confundidos com a gente. Mas em geral no vestem mais aquela farda branca, porque eles tm a azul deles. _ Ribeiro explicou. Alis, ele estava muito tagarela, acho que pela felicidade de ver sua namorada linda ao seu lado, em um vestido vermelho glamuroso, e poder exibi-la como trofu para seus amigos. Vrios rapazes passaram por ali e lhe deram um silencioso tapinha nas costas, que traduzi como Ai, cara, pegou legal, hen?. Uma mulher de terninho preto e com um fone pendurado no rosto, parecendo uma operadora de telemarketing, olhou os nossos convites. Muitos seguranas de terno,
eu disse muitos mesmo se espalhavam por todos os lados. Passamos por um tapete vermelho e depois entramos por um corredor feito com uma tenda de lenis brancos. Havia muitos arranjos de flores e luzes amarelas iluminando o labirinto que nos levava para a festa. Era como se embarcssemos em um tnel do tempo e voltssemos ao sculo retrasado no perodo do imprio. Ainda neste labirinto, vimos uma mesa com muitas xcaras de porcelana, parece que para servir alguma espcie de ch, no sei. Mas muito bonita, toda enfeitada. Pronto, l estava o baile. Meus olhos tentaram apreender tudo de uma s vez, mas eram muitas coisas a se olhar e eu estava completamente deslumbrada. Um ptio muito gigantesco separava dois sales. Neste ptio, havia um chafariz muito grande, com luzes iluminando a queda dgua, magnfico. Ali, um Dj tocava Trance e Techno. Luzes na parede faziam a iluminao de umas figuras que mudavam de forma. Parecia uma boate ao ar livre. Algumas pessoas danavam animadamente. Em torno deste ptio, havia mesas com flores muito iluminadas e panos brancos dando um ar de decorao grega. Os fotgrafos tiravam fotos dos casais de namorados e dos cadetes com seus familiares. Alguns homens vestiam uma farda cinza com uma gravata. Eram os oficiais de alta patente e os recm formados na AMAN, que desfilavam com suas belas mulheres luxuosamente vestidas. _Ribeiro, como vamos achar o Caio? _ perguntei. _Vou ligar para ele, espero que me escute com o barulho da msica que deve estar l dentro. _ ele pegou o celular do bolso. _ Vamos caminhar para l? _ sugeriu. Entramos em um dos sales e ai mesmo que eu fiquei boquiaberta e esttica. Mesas redondas cobertas por toalhas brancas, cadeiras vestidas com uma capa tambm branca. Taas, pratos, flores, bandejas com gelo. S vendo com os meus olhos todo aquele luxo para acreditar que aquilo era no nosso sculo. Me senti em um filme de poca. A luz estava baixa, dando um ar muito romntico. Mais na frente um palco muito grande estava armado e uma banda tocava msicas de todos os estilos. Quatro danarinas rebolavam e levavam o pblico a loucura. Luzes estroboscpicas dos globos coloriam os corpos das pessoas. Nas mesas, as pessoas comiam salgados servidos pelos garons, havia comida japonesa, aparelho de fondue com comidas para espetar. Uma fartura impressionante. No sabia para o que olhar primeiro. Era tudo lindo, magnfico, surreal. Eu no me perdoaria nunca se tivesse perdido aquilo, talvez at lidaria bem com o fato, por justamente no ter visto com meus prprios olhos e por isso no sentiria falta do que no teria presenciado. Mas agora que vira, agradecia a Deus por ter me feito por um milagre eu chegar naquele baile para encontrar o Caio. Se para mim tudo estava to fantstico, quem sabe para ele nem tanto, por sentir falta da minha presena. Mas isso eu s saberia, quando o visse. E onde ele estava?
_Caio? _ Ribeiro falou alto, tampando um dos ouvidos. _ Onde voc t? _Ansiosa? _Dbi me perguntou. _Muito. Olha minha mo._ mostrei o quanto estava fria. Ela sorriu. _T, entendi. _ Ribeiro olhou para trs, se virando e eu olhei junto, tentando achar Caio com os olhos._ Mesa duzentos e seis? Vou para a. _ desligou._ Ele est perto do palco. Voc vem com a gente, ou quer aumentar a surpresa? _Hum... No sei. _ ri nervosa. _J sei, a Bela e eu ficaremos aqui fora do salo, que est menos barulho e voc vai l e traz ele aqui. _ Dbi deu as coordenadas. _Eu no vou deixar vocs duas aqui no! _ Ribeiro falou. _Anda, amor! _ Dbi revirou os olhos. _Eu j volto rpido, ento. _No conta que a Bela est aqui, hen! _Pode deixar que eu vou contar! _ ele provocou e sumiu na multido. Dbi e eu samos do salo e ficamos do lado de fora.
Cap 57: O grande encontro _Bom... _ Dbi suspirou e sorriu. _Acho que j cumpri minha parte. Pelos seus olhos brilhantes, entendi o que estava acontecendo. Ela se afastou de mim, virei-me para trs e vi Caio em p, ao lado de Ribeiro. Dbi colocou sua mo ao redor do brao do namorado e entraram no salo. Eu fiquei ali, sentindo a brisa da noite balanar os fios do meu cabelo no meu rosto. Sorri para Caio, tambm parado, incrdulo. Ele estava lindo. Cabelo cortado, com gel no topete. A farda azul marinho impecvel, com seus botes dourados e uma corda vermelha no ombro. A cala tambm azul, com uma faixa azul clara na lateral. Um cinto azul do mesmo tom da faixa com um braso dourado. E o seu espadim preso na cintura. Era o meu amigo da escola, roqueiro, cabeludo, de jeans surrado e ouvindo rock. No, agora ele era um cadete. Aquele amigo morava dentro dele, como a fruta dentro da casca. Meu amigo que me salvava em todos os trabalhos, para quem eu ligava de madrugada para perguntar alguma questo que achava que cairia na prova. Meu grande amor. Algum a quem aprendi a desejar com muita paixo e com todo o meu corao. Quem me esperou pacientemente enxergar que eu no viveria sem ele.
Por ele eu voltei do outro lado da vida. Por ele eu decidi esperar quatro anos longe de sua presena. Por ele ouvi crticas duras dos amigos. Por ele, eu levo um namoro solitrio, sem tudo aquilo que os outros consideram normal. Por ele, eu aprendi a me doar por completo e me desprender de todos os sentimentos pequenos. Caio sorriu e caminhou em minha direo. Paramos frente a frente. _Eu no acredito que voc est aqui. _ seus olhos estavam brilhando. _Nem eu. _ toquei na sua mo. _Meu Deus, como voc est linda... Dei um passo a frente e mesmo sabendo que era proibido, fiquei na ponta do p e beijei-lhe rapidamente os lbios e depois abaixei o rosto. _Eu precisava estar aqui com voc. _ olhei-o nos olhos e ele segurou minha mo em seu peito. _Eu senti demais a sua falta na cerimnia hoje de manh. _Eu sei... _ suspirei. _ Mas eu corri bastante para estar aqui. _Ainda temos a noite toda para curtir. _ riu. _ Voc est muito linda. A minha Bela por quem eu sempre fui apaixonado. _Sempre, sempre? _ sorri. _Caio? _ ele ouviu uma voz atrs de si, era um amigo. _ Manera a que to reclamando j, pediram para avisar... _T. _ ele se afastou de mim um pouco mais. Eu me senti muito envergonhada. Querendo me esconder. Era estranho todo aquele protocolo e distncia. _Vamos entrar? _ me ofereceu o brao. Sorri e aceitei. Entramos no salo e ele me levou at a mesa onde estava seu pai. Agradeceu a ele por ter tido a idia de me ajudar a chegar at ali. _Voc est muito bonita! _ o meu sogro me elogiou. _Obrigada. _ sorri. Felcia franziu a testa, quando me viu. Estava vestindo um vestido verde musgo tomara que caia. _Voc veio?_ perguntou. _Pois . _ sorri. _ Vim danar aquela valsa que eu prometi, lembra? _ pisquei um olho. _nh..._ ela suspendeu as sobrancelhas.
Caio me puxou para danar e ns ficamos ali curtindo juntos o balano da msica. Pude ver que um cadete se aproximou da mesa para tirar Felcia para danar. _Acho que algum foi fisgada. _ falei no ouvido de Caio, que olhou o que eu estava lhe apontando com a cabea. _... Tomara que eles se entendam. _ sorriu para mim. _ Porque eu j tenho quem eu quero. _Eu te amo. _disse-lhe. _Eu tambm te amo muito. S que eu amo mais. _No, eu amo mais... Rimos.
Cap 58: Mo de obra "escrava" qualificada Depois que o baile acaba tambm como nos filmes de princesa, a carruagem volta a ser abbora. O prncipe fica em sua academia e eu tenho que seguir minha vida sem ele. Mas ficam na memria e nos porta-retratos os melhores momentos para guardarmos no corao. Minhas amigas podem ter a chance de sair com seus namorados a hora que querem, mas talvez nunca experimentem aquele baile inesquecvel. No igual a uma festa de formatura em que todos as mulheres vo de longo e os homens, de back tie. No tem a mesma atmosfera, nem o clima de romantismo. Naquele baile, ele estava vestido de prncipe, sem tirar nada, at espada tinha! E eu era sua dama, o amor daquele militar. Isso no tem comparao com nada do que se tenta imitar aqui fora. Ns podemos sofrer de certa forma com a distncia, mas h coisas que ningum alm de ns vai saber o real significado mgico. Eu estava refletindo sobre tudo isso, enquanto dirigia-me para uma entrevista de estgio. Um amigo meu sara de um centro de pesquisas farmacolgico do Governo Federal e me indicara para a vaga. Desci do nibus e me identifiquei na portaria. Era um campus gigantesco, com vrios prdios de pesquisas, centros de estudo. Para se ter idia de como era grande, havia nibus para transportar as pessoas por dentro do campus. Passei por um minizoolgico onde havia jaulas de macacos e vrios bichos criados para testes e estudo. Cavalos, ovelhas, cabras. Muitos animais. Uma fazenda praticamente encravada na cidade. As centenas, acho que posso dizer milhares, de rvores que cercavam todo o lugar, mais os altos muros, impediam que quem passasse do lado de fora pudesse ter noo de como era l dentro. Identifiquei-me na portaria de um dos prdios e a mulher deu-me um crach de visitante. Tirou uma foto minha na webcam e registrou minha entrada. _Voc pode pegar o elevador e subir at a sala 118 e falar com a Cssia.
_Tudo bem. Assim o fiz e quando cheguei na sala da tal da Cssia, encontrei uma garota magra de cabelos cacheados, aparentando seus vinte e quatro anos, sentada de frente para um computador e uma mulher com uma mancha marrom no rosto sentada em outra mesa. _... Eu queria falar com a Cssia. para a entrevista de estgio. As duas me olharam de cima abaixo. _S um minutinho que vou avisar que voc chegou. _ a mulher com a mancha, que depois eu descobriria que tambm coincidentemente se chamava Cssia, abriu uma porta ao lado da sua mesa e avisou para sua chefe que eu havia chegado. _Oi. _ Cssia era baixinha, de cabelo encaracolado. Fomos para uma outra sala no final do corredor. L j havia outros trs candidatos. Sentei junto com eles. _Bom, eu vou tentar ser rpida e resumir para vocs._ ela parecia ter pressa. _ A vaga para a comunicao interna daqui, ns temos uma revista cientfica e tambm promovemos vrios eventos. Queramos pessoas que estivessem estudando dentro do campo da comunicao, no importa se rdio, tv, publicidade, jornalismo... Hum... J no gostei muito disso. Sinal de que se a restrio era pouca, pssimas notcias estavam a vista. _A bolsa pequena. De 260 reais. Aqui ficamos ao lado de uma favela, por isso vocs j devem saber que uma rea de risco, mas as oportunidades de se aprender so muitas... S 260 reais? Ento, se eu calculasse o custo das passagens de nibus, mais dez reais de almoo por dia, eu estaria trabalhando por 20 reais?! Eu, uma pessoa que estava estudando terceiro grau em uma universidade pblica? _Vamos ver o currculo de vocs. _ ela pegou os papis na mesa. _ Eu sei que vocs devem ter chegado aqui pelo anncio da vaga que pedi para ser divulgado nas listas de e-mail. _ comentou enquanto lia dinamicamente os currculos. _ Quem a Vanessa? _ perguntou. _Eu. _ uma garota tmida levantou o dedo. _ Voc est no segundo perodo, fez alguns estgios em programas sociais. No ganhou nada por isso? _No. _S tem o bsico do ingls? _S. _ E quem Roberto? Voc, claro. S tem voc de homem. _ riu. _ Voc tambm no fez estgio, e tem o bsico de ingls. Hum... E quem Fabiana? _Eu. _ respondeu uma garota negra, vestida de terninho.
_Voc diz aqui que j faz estgio no jornal O Povo. _. Eu na verdade me ofereci para voluntariamente fazer planto l aos domingos para pegar experincia. Voluntariamente? Ela est dizendo que perdia os fins de semana no jornal que s fala de assassinato e estampa na capa pedaos de corpos ensangentados?! Ela ficava apurando aquele tipo de notcias? _E quem Isabela? _Eu. _Hum. Voc tem fluncia em ingls, intermedirio em espanhol. Fez curso de informtica e webdesign. _Isso. _Mas no tem experincia? _No. _Ok. Eu vou dar para vocs uma lei sobre a regulamentao do trabalho dos agentes de sade que saiu agora, vocs vo ler e escrever uma redao. Aqui tambm tem um artigo de um representante da categoria discutindo os pontos negativos. Eu no demorei para estar na metade da redao e eles no tinham escrito nenhuma linha. Disse para se acalmarem e lerem com pacincia. Senti pena deles. A garota negra deu uma risada, amassou a folha e caiu fora. Desistiu. Bom, depois de feito, fui at a sala da Cssia e l s encontrei a outra jornalista que trabalhava com ela. Entreguei-lhe a folha. Ela deu uma risada sarcstica com alguma coisa que viu e disse que eu podia ir embora. Fui para casa com a sensao de que no tinha concorrncia. Afinal, meu currculo era o melhor. Mas o e-mail que recebi no dia seguinte me deixou intrigada. Nem eu, nem nenhum dos que estavam ali tinham sido escolhidos. Mas uma outra garota, chamada Maria. Foi o suficiente para eu me sentir uma droga. Sentada no banco da faculdade, vi uma pessoa que a muito tempo no tinha contato. _Gustavo?! _gritei. Ele correu em minha direo. _Bela! _abraou-me com carinho. _Como est? Contei-lhe tudo que havia acontecido. _Vai se acostumando. No Brasil, eles querem trabalho escravo de mo de obra qualificada! um absurdo que algum trabalhe por menos que um salrio mnimo. Porque para mim isso trabalho!
_Mas por que no me escolheram? _Porque voc era boa demais, Bela. Eles tinham que escolher algum que no demonstrasse risco de sair a qualquer momento. _Ento, at os bons to na merda? _Quase isso. Por exemplo, para qu voc acha que eles perguntam em toda entrevista ou em formulrios de dados curriculares se fazemos algum trabalho voluntrio? Para saber se ns somos capazes de trabalhar vrias horas extras no remuneradas sem reclamar, por pura devoo! _Isso to assustador. _ suspirei. _Mas calma, as coisas vo melhorar. _Espero. E voc como vai? Feliz com sua namorada? J vi vocs dois aqui no campus de mos dadas. _Sim, estamos morando juntos. _Mentira! _Pois . Estou realizado! E voc? Como est l com seu militar? _Bem. Ele l e eu c. _ ri. _Nossa, no agentaria no v-la um dia. _Eu tambm no agento. Mas preciso agentar. _Sorte para voc, ento. Tenho que correr para uma aula. _ beijou-me a bochecha. _Tchau.
Cap 59: Um telefonema surpresa Eu j estava cansada daquela maratona de entrevistas para estgio. Fui at ao prdio da Vale do Rio Doce, no centro da cidade do Rio. Isso depois de uma bateria de fases que desaguaram naquele dia. A mulher que me atendeu me informou que eu tinha colocado duzentos candidatos para trs. Que maravilha, pensei. Ela, ento, me disse que enviaria um e-mail marcando a prxima vez que eu falaria com ela. E marcou? No! Mandei eu mesma um e-mail e ela me disse que j tinham escolhido uma candidata. Eu fiquei mais uma vez com o orgulho detonado. Uma terrvel sensao de impotncia. Foi a que recebi um telefonema daquele lugar de pesquisa farmacolgica, s que para uma outra vaga, tambm de comunicao, mas em outro setor. Eles tinham encaminhado meu currculo para l e haviam gostado. Puxa! Que sorte a minha. Mais uma vez, parti para l e cheguei para ser atendida por uma moa muito gentil, a Thas. Ela era jornalista dali e ajudava a manter o site daquele setor e tambm a organizar os eventos, e palestras. Era alta, cabelos encaracolados e vestia uma cala quadriculada. Uma pessoa maravilhosa que guardarei eternamente no meu corao.
A sala pequena, comprida. Com quatro computadores, dois webdesigners e uma secretria. Um deles era negro, baixo e magro, chamava-se Mrcio. O outro era alto, forte, de olhos azuis, seu nome era Vincius. Os dois, segundo me contara depois Thas, no se falavam. Mrcio, que era de umbanda, colocava vrias msicas de terreiro para que Vincius evanglico tivesse o pior clima de trabalho possvel. Quando presenciei isso acontecer pela primeira vez, eu senti que o clima ali era de uma diviso da guerra fria. Eu comecei o meu trabalho na minha, tentando me dar bem com todos. Vincius ficava calado a todo tempo, fazendo quieto o seu trabalho. Mas quando a sala ficava vazia ele puxava assunto comigo. Descobri que uma professora que eu amava na faculdade fora sua madrinha de casamento. Ele me mostrou fotos de viagens que fez com sua esposa, uma mulher maravilhosa, doce e divertida, que eu viria conhecer futuramente. Sempre oferecia halls, biscoito a ele. Mas quando o Mrcio chegava, ele emudecia, ficava na sua e eu voltava ao meu trabalho. Mrcio era o queridinho. O diretor o adorava e o venerava. Ou seja, todos gostavam de Mrcio para que ele no queimasse o filme com o diretor. A secretria? Luana era uma mulher que deixava todos pisarem nela, mandavam e desmandavam. Ela era uma pessoa que eu chamaria de fraca, no sei se fraca, acho que frgil. Tudo que Mrcio falava, para ela era a palavra final. Thas, a chefe em teoria ali, tentava agradar a gregos e troianos e finalizar bem o seu trabalho. Aprendi imensamente com ela. Thas me delegava uma tarefa, me dava um bom tempo para realiza-la, depois me chamava em sua mesa e me explicava como eu poderia melhorar em cima dos meus erros. Aquela foi uma fase que posso chamar de perodo dourado. Almovamos juntas, eu lhe contava tudo sobre minha faculdade, discutamos assuntos da atualidade, praticamente no havia a barreira chefe e estagiria. Isso era fantstico. Eu disse para minha famlia, meu namorado e at para minha sogra que eu estava realizada, que apesar de no ganhar quase nada l, valia a pena cada segundo. Mas aqueles dias estavam muito prximo de acabar. Thas estava ali como terceirizada. Isso significava que seu contrato era de seis meses e o concurso pblico traria uma outra para o seu lugar, agora em definitivo. Foi uma grande tristeza sua sada. Ela apenas pegou sua bolsa e saiu, como se fosse um dia comum e no se despediu. Pensamos que ela viria no dia seguinte para a festa de recepo aos concursados. Mas ela no veio e nunca mais a vi. Nos falamos por e-mail depois. Guardarei para sempre cada dia em que estive com ela. Algum doce, amiga, atenciosa e super competente. Eu mal sabia que estava entregue ao covil das cobras. Aprenderia ali como a poltica est no centro das instituies pblicas e tambm como um setor pode decidir o destino dos demais: a comunicao, mais especificamente, a mesa do Mrcio. No lado de fora do prdio, construram, sobre os paraleleppedos, um trecho acimentado com uma largura para passar uma cadeira de rodas. Para ns, era uma espcie de quebra-molas, mas descobrimos pela boca do informante nmero um que era uma preparao para receber a nova chefe: _Ela cadeirante. deficiente fsico, entrou pela vaga de deficiente. Entrou pela cota.
Aquele modo de se expressar mostrava como as pessoas j julgavam sem nem ao menos conhecer a competncia da nova concursada. Ela, ao contrrio do que tinham concludo, no usava cadeiras de rodas. Apenas tinha um defeito em uma das pernas, que era menor que a outra alguns centmetros. O que a fazia andar como se estivesse mancando um pouco. Eu, afortunadamente, conheci uma segunda pessoa maravilhosa. Chamava-se Deise. Magra, branca, de cabelo liso. At parecia minha me, no s pelo fsico, nosso relacionamento tambm traria uma relao de carinho de me e filha. Tentei mostrar-lhe todas as rotinas que fazamos e, pouco a pouco, fomos nos entrosando. Era um tanto quanto estranho eu estar me dando to bem com ela, parecia que eu estava traindo a amizade que tinha com a Thas. Mas, na minha cabea, eu conseguia lidar bem com a situao e separar as coisas. Porm, para Mrcio e Luana, Deise representava o papel de intrusa. E eles me excluram completamente quando perceberam que eu, finalmente, conseguira o clima perfeito com minha chefe. Eles organizavam almoo com os demais setores e no me chamavam. Promoviam caf da manh, festinhas, e me deixavam de fora. Era a vingana. Minha tima convivncia com Deise no era questo de puxar saco, no. Ns fazamos o nosso trabalho sem perder o humor, sem deixar de falar das coisas da vida, de discutir, de trocar idias, de se respeitar como ser humano. Aquele foi o primeiro golpe para o Pag, Mrcio. Pag como Deise e eu o apelidamos, por ditar as regras. Eu estava na lista de Mrcio. Isso significava que ele viria com tudo para cima de mim e eu nunca pensei que esse tudo abalaria minha vida de tal forma como foi. *** Independente do meu dia, quando eu chegava em casa, tomava um banho e sentava diante do computador, era um momento s meu de relaxar. Estranho como o mundo mudou, hoje a internet nos proporciona entretenimento, informao, comunicao com as pessoas e, ainda por cima, relaxamento. Eu saio do meu mundo e vou para outro, onde eu posso esquecer um pouquinho esse aqui. Vejo que namorar o Caio me obriga um pouquinho a isso. Porque se ele morasse aqui do meu lado, eu largaria tudo e iria ficar l com ele. Acho que o tempo na internet seria melhor. Prova disso que, quando est aqui, eu praticamente no fao nada a no ser ficar com ele grudada. Vale a pena! O estranho que agora eu tinha a presena da minha sogra, sentada na cama atrs de mim. Mas no deixaria de fazer as minhas coisas por causa dela. Como sempre, passei no meu blog e da Dbi e fui ver os comentrios, eles me ajudam muito a tomar decises sobre a minha vida, pelo menos a pensar um pouquinho antes. E olha que maravilha, ela havia vencido a barreira tcnica das ferramentas do blogger para publicar seu texto sem minha ajuda! Feliz por este seu passo, comecei a ler o que tinha escrito. Como pode?! Era exatamente o que eu sentia, ela conseguiu descrever muito bem a sensao da saudade aps cada partida deles... Havia um comentrio que dizia: O amor militar assim mesmo, um amor que espera, "um sentimento que precisa saber deixar ir". Essa a maior caracterstica
deste relacionamento. Concordei com cada palavra, Dbi... voc desvendou em um tpico algo que toda mulher de militar precisa saber e aprender. Queira Deus que todas consigam aprender sem sofrer muito, apesar de que a dor gera evoluo, no bom sofrer. Sempre melhor aprender com o exemplo dos outros. =) Hoje era meu dia de tambm escrever. Ao mesmo tempo que abria uma pgina de Word, loguei no meu e-mail para no perder tempo. O sono j estava chegando. _Um e-mail do Caio! _ falei um pouquinho alto comigo mesma, mas minha sogra no percebera, estava concentrada na Bebel da novela das oito. Bela, minha Bela namorada. Estou aqui vencendo o cansao para te escrever, porque sei que a falta das minhas ligaes deve te fazer criar minhocas a nessa cabecinha, pelo que j te conheo. Nosso contato era to mais freqente quando eu morava perto, e agora, s temos o telefone e a Internet. Depois de terminar os exerccios, aulas, estudo, jantar, toda essa rotina, somos liberados. Ento, vim para c te mandar notcias minhas. Estou bem. estranho ainda morar longe de casa, da comida gostosa da minha me, do cheiro dos lenis de cama, da minha cama, claro, do meu quarto com as minhas coisas, s minhas, do meu lugar. Aqui aprendo que tudo de todos e que deve ser conservado, porque para todos. Legal isso, n? Porque j pensou se as pessoas pensassem assim? No vou jogar o papel no cho porque outra pessoa vai ver ele sujo, ou vai usar aquilo que eu estou depredando. Pensar no outro. Eu penso muito nos meus amigos. Se um deles no campo sentir que no agenta marchar, eu pego no ombro e esqueo at se consigo ou no carregar. Porque ele faria o mesmo por mim. Estava aqui vendo um vdeo no youtube de uns mauricinhos patticos da zona sul do Rio de Janeiro, moram l em Ipanema. Eles mostram como divertido jogar ovos nas pessoas que passam na rua, da sacada de seus milhonrios apartamentos. V a depois: http://www.youtube.com/watch?v=mPF9zdlR9j0 A, voc pensa que pra? Nada! At o Boni, aquele cara que produziu o big Brother, acha superdivertido e o Joo Eduardo Brizola, neto do ex-governador do Rio de Janeiro, est entrevistando os ilustres que vo visitar o seu apartamento. Olha s, tem que ver: http://www.youtube.com/watch?v=R8-ee9lWh0c Essa a elite burra, ignorante, egosta que vai chegar no poder? Esses so os que podem pagar uma faculdade e vo ocupar os cargos de deciso por terem "QI"?! Na cena, h uma garota loira. Lembrei de voc. No que tivesse nada a ver com ela, amor. Mas justamente porque me orgulhei por no ter ao meu lado uma idiota assim. Uma mulher vazia como ela! Voc est a se redobrando para ajudar minha me, para tocar seus estudos. Voc demais! Desculpe porque no estou toda hora te falando isso. Para poder ir ao orelho no simples. Eu tenho que colocar a farda, impecvel, estar perfeito, e se no fosse isso... ainda comprar um carto carssimo aqui, por
um preo exorbitante, ainda ter que ficar esperando numa big fila, onde cada um est com seu carto de 40 unidades para gastar. Pode at parecer que no quero me sacrificar, no me entenda mal, linda, mas que estou to cansado, que esse tempo todo to sagrado, para eu poder deitar, relaxar, dormir. Nossa, reencontrei o prazer de dormir. Eu simplesmente morro. Estou aprendendo zilhes de coisas! O pessoal pensa a fora que a gente s fica levantando ferro. Que nada, a gente aprende geografia, matemtica, histria, portugus... Putz, amor, muita coisa mesmo, parece que minha cabea est pequena demais para tanta informao. Ns militares nos esforamos muito... temos princpios to bons e infelizmente as pessoas s sabem falar de 64, como se a palavra militar ligasse a isso e ponto, nada mais. Que coisa! Tu viu no jornal? A greve dos mdicos l em Pernambuco? Cinqenta e nove mdicos pediram demisso e outros duzentos e cinqenta informarem o mesmo ao sindicato. A, o que fez governo de Pernambuco? Para quem pediu a ajuda? Aos mdicos das Foras Armadas e da Polcia Militar. Para o Pan? Aos 2.400 homens da Fora Nacional de Segurana. Por a vai, sabe? Ns ralamos muito! Estou cansado, tenho muitas coisas para dizer, mas to exausto, s guarda uma coisa no teu corao. Eu te amo. Eu te amo. Quando estiver comeando a achar coisas... Lembre disso: Ele me ama. Ok? Me conte sobre voc. Beijo do seu Caio. Eu suspirei, aquele e-mail tinha representado um abrao, um aperto de mo, um toque. Porque eu conseguia me sentir to melhor! E j tinha sobre o que escrever no meu blog.
Cap 60: Escolhendo o seu lado Deise era uma pessoa muito organizada. Arrumava toda a sala, limpava sua mesa, colocava em ordem o armrio. E isso significava alterar o ambiente do Pag Mrcio. Ele no perdia nenhuma oportunidade de falar mal dela em sua ausncia. Eu evitava contar-lhe isso para que no ficasse triste, nem desmotivada. Porque sabia que uma pessoa tinha um limite para agentar o seu fardo de provaes. O diretor da escola, influenciado por tudo que Mrcio lhe enchia diariamente os ouvidos, no a recebia em sua sala. Sempre estava ocupado, a deixava esperando sem remorso. Em uma certa manh, ela precisou resolver alguns problemas jurdicos da venda de uma casa. Tentou avisar ao chefe pessoalmente, mas esse no a recebeu, para variar. Deise deixou, ento, recado com a sua secretria, que no lhe deu. Mas logo a notcia chegou aos ouvidos do diretor, nem precisa dizer por quem. E o telefone da minha mesa tocou. Era a secretria querendo os telefones da Deise. Eu liguei para minha chefe e lhe contei o que estava acontecendo. Isso claro, quando a sala estava vazia. Eles se reuniam em grupinhos e panelinhas com outros setores para comemorar cada errinho nosso. Parecia uma batalha para expuls-la dali. Deise levou um grande esporro do chefe, que era um homem grosso e ignorante. Ele permitia que seu Pag ficasse de folga quando quisesse. A secretria faltava para levar a filha no mdico e ningum ia bater na sala dele para contar. Agora,
quem estava na lista de Mrcio no escapava de sua tirania jamais. E seus comparsas formavam uma liga. A Cssia, aquela mulher da minha primeira entrevista, junto com sua outra amiga jornalista, com sua secretria tambm Cssia e sua estagiria formavam o grupo de apoio. Ah! A dita estagiria, que no estava no dia da seleo, tinha sido indicada pela estagiria anterior e eu no fora escolhida pelo motivo que Gustavo realmente apontara. Isso foram informaes que o Pag me dera quando eu ainda estava no grupo seleto dos intocveis. Ela era da minha faculdade, j cursara matrias comigo, mas entrava e saia da minha sala sem me dar um oi. Maria j havia sido envenenada contra mim. Era uma verdadeira guerra de nervos. Mas eu ainda no acabei de falar da formao adversria, se que posso considerar aquilo uma guerra, eu no estava a fim de destruir ningum, s me proteger para fazer o meu trabalho junto com a Deise. Havia o Gilberto, um rapaz com trejeitos homossexuais que a cada dia entrava na sala para acusar os homens dos outros setores de gays enrustidos, quando ele mesmo no enxergava que era um deles. Alis, o Pag, apesar de casado e com uma filha, falava com voz afetada e parecia um Leo lobo. Sabia de todas as fofocas, da cor da calcinha e do estilo de cada mulher daquele prdio. Tambm classificava os homens e os gays dali diariamente e se achava o mximo por suas descobertas. Era nojento a maneira como as pessoas entravam na sala para trazer presentinhos para enfeitar sua mesa. E quando saam, ele fazia seu veredicto. Ou ficava calado, ou falava horrores das pessoas que, idiotas, achavam que estavam ganhando pontos. Aquilo me deixava muito mal. Um pesquisador queridssimo por muitas pessoas tinha um estilo muito simples de se vestir: uma cala pescado cheia de bolsos, sempre aparecendo as meias e uma camisa uniforme que repetia sempre. Coitado, a cada vez que saia da sala era apelidado de paspalho. Aquilo entrava no meu ouvido e ia para o corao como uma lana porque eu ouvia e ele, no. Ento, era como se fosse comigo. Luana ria e se divertia das crueldades do Pag. Eu olhava para Deise, na mesa longe da minha, e ns nos entendamos pelo olhar. Outro setor que acompanhava as perversidades da gangue do mal era o setor de relaes internacionais. Eram quatro mulheres servas do Pag que diziam amm a tudo que ele achava, inclusive suas opinies sobre a Deise. Lembro que precisvamos entregar para o diretor um relatrio com dados de vrios setores e todos enviaram os seus. Menos o delas. Liguei vrias vezes, por semanas. Elas nunca tinham tempo de fazer, enrolavam propositalmente. Eu mandei o texto que elas precisavam s olhar, ler e aprovar ou alterar algo. Mas nada. E aquilo ia nos desesperando. Enquanto isso, eles se reuniam na sala delas para tomar caf e cair na risada do nosso desespero. Como falei, era uma guerra de nervos que estava esmigalhando o meu psicolgico. Ali, porm, ao meu lado estava Deise. Com seu timo humor, seu jeito me de ser. E isso salvava tudo! No seu mural, fotos belssimas tiradas por seu marido fotgrafo de paisagens, passarinhos, flores. Na sua mesa, biscoitos, bombons, muitos portaretratos, folhas com cheiro de essncia em um clice vermelho, cristais, anjinhos, a imagem de Nossa Senhora. Sentar ali com ela me trazia paz, nimo. Na mesa em frente a sua ficava o Pag com mais de trinta sapos. Ele era
colecionador de bichinhos de pelcia de sapos. Tinha de tudo: teclado, mouse, caixa de som, caneca, miniaturas, porta-retratos, tudo que se possa imaginar do animal. Cada um era um presentinho dos seus puxa-saco. _Voc se formou em jornalismo pela Escola de Comunicao da UFRJ? _ perguntei a minha chefe. _Sim. Mas nunca exerci. Depois eu fiz histria. Fui ser professora do municpio. Fui tambm diretora por muitos anos de l. E tambm fiz ps-graduao em administrao escolar. Eu, ento, fiz concurso pblico para c, para a vaga de jornal, e estou tentando relembrar das coisas, n? Mas aqui eles no deixam a gente empreender nenhuma idia nova, tudo que eu sugiro travado. O informe do ms est l parado, eles no liberaram. duro, muito duro... Enquanto ela me contava sua trajetria sempre de muita luta contra os preconceitos, eu me recordava intimamente da voz de Mrcio na minha cabea falando aos quatro ventos que ela s estava ali por ser cotista. Aquilo me doa porque eu via o quanto ela era esforada e culta. Mas o diretor no perdia a oportunidade de agredi-la verbalmente, perguntou at se ela estava ali para tirar-lhe da vaga de diretor. Viagem total da parte dele. S que o veneno do Pag corria abundante em suas veias e o entorpecia. Deise trazia bolo de laranja e oferecia a todos, que se negavam a comer, como se ela houvesse envenenado algo. Eu aceitava, claro, como tambm trazia coisas para ela. E, aos poucos, ns descobrimos que no adiantava tentar ficar agradando-os. Partimos para uma outra estratgia que seria o golpe mortal para rolar as nossas cabeas: nos uniramos, Deise, Vincius e eu. *** Cheguei em casa e corri para o computador para ver se Caio havia respondido meu e-mail. Meu corao disparado esperou que a caixa de mensagens se abrisse e o nmero 1 me fez ficar j feliz, mesmo sem ainda ter certeza de que era alguma notcia dele. Mas sim, para minha exaltao, era. Incrvel como eu conseguia tirar fonte de inspirao, motivao e felicidade de um simples e-mail, de uma meia dzia de letras, palavras. Era o nosso modo de estarmos prximos, ento, eu tinha que agradecer pelo pouco que j tinha. Afinal, era uma graa de Deus ele poder ter um computador para usar l. Pena que no nos encontrvamos muito no msn, j que ele tinha que descansar ou estudar para as provas do fim do ano. Mas s aquelas palavras j me alegravam: Minha Bela, li tudo e s posso dizer que fiquei primeiramente muito chateado. Eu no gosto dessa sensao de que algum mal est te acontecendo e eu estou aqui impotente, sem poder te defender. A vontade que eu tenho nem tocar nesse assunto, tem coisas que eu prefiro deixar de lado. Mas hum... acho que deve esperar as coisas se acalmarem, as pessoas se acostumarem com a nova liderana. difcil mesmo, mas tudo vai se ajustar. Hoje, eu conversei com um colega de quarto que terminou com sua namorada. Tentei dar um apoio moral, mas ele est cego de decepo. Agora no perde a oportunidade de sacanear os outros. Tipo, ficou falando para o Ribeiro: A, cara, tu t a ajoelhado rezando... E tua mina a essa hora deve t l no batido danando funk. T na pista, a ela vai ajoelhar tambm.... Bela, no prestou... O Ribeiro levantou... (nunca vi ele daquele jeito, mas p foi merecido, quem mandou atrapalharem o momento sagrado de orao noturna do cara?)... e falou: A minha namorada no anda com a vadia da sua ex que era um depsito de esperma. No
prestou, o cara partiu para cima dele e deu um soco no meio da cara do Ribeiro, que comeou a sangrar. A gente tentou segurar os dois, mas imagina, amor, eles so fortes para caramba, no fcil segurar dois marmanjos furiosos. Eu puxei o Ribeiro com toda minha fora, agarrei ele pela gola da camisa e botei ele contra a parede. E disse para ele no se meter em briga para no se ferrar. Ai ele se acalmou e foi no banheiro lavar a boca. A gente tentou abafar o caso, antes que algum visse. Um amigo nosso aumentou o volume do rdio para que o barulho do bate boca dos dois no chamasse a ateno dos outros. Seno j viu n? Punio e com razo. Eu tentei falar para esse amigo que ele estava usando as frustraes dele para pirar a nossa cabea tambm. Eu sei que ele foi trado, que a ex-namorada dele no teve a decncia de acabar, antes de ficar com outro. Tipo, ela ficou com um outro cadete que tinha terminado o namoro tambm. Putz, o meu amigo t fora de si, s t fazendo merda. Fica uma guerra de nervos. Mas eu dei mais ateno para o Ribeiro, que no tinha nada a ver com histria. Coitado, est comeando a ser bombardeado agora. S posso te dizer que muito pirante... A gente fica aqui e vocs a fora, lindas e maravilhosas, ao dispor desses playboys. Por mais que confiemos muito chato e desconfortvel ouvir essas piadinhas ridculas... Parece uma bomba relgio que de vez em quando explode e se auto-arma de novo. Mas temos que colocar a cabea no lugar e ouvir o corao. E o meu corao est com saudade de voc colocar a cabea aqui no peito e ouvilo. Te amo, Belssima! Caio. (p.s: Reza por mim, tenho prova amanh! Vou estudar, baby). Caramba, ainda bem que o Ribeiro no ficou punido, porque minha amiga Dbi acabaria punida junto, sem poder sair com ele no fim de semana. Minha cabea esqueceu por uns instantes os problemas do estgio e fiquei refletindo sobre os amigos. Eles podem nos ajudar a enfrentar os problemas e os falsos nos colocam para trs. Interessante. Vou abrir um post no meu blog para escrever sobre isso. Ser que a Dbi j postou? Ah! Acho que ela no vai ligar se eu colocar dois textos meus. Loguei no site de postagens e conferi os comentrios. Que pena, as pessoas no esto me visitando mais. Por que ser? Ser que porque a Dbi comeou a escrever l? No entendo... Enfim, vou escrever para mim mesma, ento, no posso deixar de fazer as coisas em funo das pessoas. Temos que aprender a continuar sempre o que gostamos, mesmo que no tenhamos pblico.
Cap 61: Pimenta nos olhos dos outros Eu estava vivendo to intensamente as emoes do meu trabalho. Felizmente o meu sogro pde pagar uma enfermeira para cuidar de Fabola at a hora que eu chegasse, depois que voltei as aulas. Ela comeara as sesses de quimioterapia que fizeram seu cabelo e todos os pelos
do seu corpo carem. Alm de tudo que agentava no trabalho, ainda precisava ter esprito e fora para apia-la. Eu parecia um zumbi. O interfone tocou e eu abri a porta com o corao j na boca. Olhei para Caio saindo do elevador e o abracei com fora. Comecei a chorar. _Que houve, Bela?_ ele me afastou para que pudesse me olhar nos olhos. _Estou mal. S me abraa. _ pedi, precisava do seu apoio, do seu calor. _T, vem comigo._ puxou-me para entramos. Jogou a mochila no cho e fomos para o sof. Ele me fez sentar e me abraou com carinho. _Conta para mim o que est acontecendo? _Ah! Tudo... _ passei as costas das mos no rosto e tentei respirar, sentindo meu nariz entupir. Contei-lhe por alto as situaes do trabalho. _Bela, eu no vejo nada demais nisso... _Como no, Caio? _Isso tem em todo lugar. Poxa, se eu ouvisse essas coisas estaria feliz. Eu sou obrigado a encarar regras muito mais duras. Queria eu ter os seus problemas. _Mas, Caio, eu estou me sentindo muito mal. Estou em um ninho de cobras. _ voltei a soluar. _Eu no gosto de te ver assim no. _falou com raiva. Eu contei-lhe mais detalhadamente o que estava acontecendo e ele mandou eu parar. _Eu no quero ouvir mais nada disso. Podemos mudar de assunto? _Mudar de assunto? Eu... _continuei falando-lhe para que ele entendesse que eu no estava fazendo pirraa, nem reclamando toa. Caio simplesmente levantou e me deixou sozinha na sala. Foi at o quarto ver a me. Aquilo me machucou. Ele no sabia lidar com as emoes, nem tinha jeito para conselhos ou coisas do tipo. Para ele, tudo era uma grande bobagem s porque na AMAN ele tem mil regras a seguir e isso o coloca em um posto de sofredor acima do meu. Ri, achando um absurdo to grande, que s me restava rir. Balancei a cabea para o lado. Pensei se, l na frente, quando eu abandonasse tudo para seguir com ele e tivesse um grande problema, iria chorar sozinha, no meio de uma toca de ndio perdida em alguma selva. Aos poucos eu ia conhecendo-o e enxergando seus defeitos. Sua frieza estava atingindo nveis desconfortveis para nossa relao. Ele no se chocava com as coisas. Tudo estava dentro do nvel do suportvel, porque a cada dia era provado por condies de resistncias mais e mais duras.
Levantei e fui para a cozinha terminar o jantar. Quando voltei para coloc-lo na mesa, ele estava sentado no sof, assistindo televiso. Eu estava magoadssima. Por que ele no conseguia ver o quanto eu estava psicologicamente ferrada com o ambiente horrvel de trabalho que eu todos os dias enfrentava? _Est tudo bem contigo? _ minha sogra perguntou, quando eu, sem conseguir me agentar, fiquei com os olhos cheios de lgrimas em sua frente. _T. _ menti balanando a cabea em sinal de sim. Estendi a mo aberta e lhe mostrei os remdios. Dei-lhe o copo com gua. _Podemos conversar? _ ela pediu. Eu olhei-a e no soube dizer nem sim, nem no. Estava to desnorteada, abalada, fraca, fora de mim. Minha cabea estava to sem defesa como estava agora seu corpo com as sesses de rdio e quimioterapia. _Onde est o Caio? _Vendo televiso. _ respondi. _Fecha a porta, ento, por favor. Sente-se aqui. _ ela pediu e assim eu fiz._ Sua me me contou que voc est tendo problemas no estgio. _. _ respirei fundo, tentando me acalmar. _Mas, s por isso que voc est chorando agora? _No, foi por causa da atitude do seu filho. _ enxuguei o rosto, no acreditava que estava ali falando minha vida para ela e esperando seus conselhos. _O que ele fez? _Nada. _ ri. _ Esse o problema. Se levantou e me deixou falando sozinha! _ contei-lhe aquilo olhando nos olhos, para que ela pudesse ver o quanto eu estava chocada. Depois voltei a encarar a parede, a minha frente, segurando ainda na mo o copo com gua. Ela suspirou e aguardou um pouco para falar. _Bela, vocs dois esto vivendo como se corressem em duas pistas paralelas. Cada um em uma velocidade e mirando chegar em lugares diferentes, com objetivos diferentes. _Eu sei. _Mas, simplesmente saber no te faz ter facilidade em encarar as situaes. A gente sabe que injeo di, mas s saber no impede a dor da picada. _Boa comparao. _ ri. _O Caio est passando por coisas muito duras l dentro. Coisas que ele nem conta para voc, que enfiaram na cabea dele que so normais.
_. E agora tudo para ele normal! Tudo para ele fcil. como se ele chegasse ao limite da resistncia fsica e emocional e agora tudo que viesse abaixo disso no tem dificuldade mais... S que eu _ apontei para o meu prprio peito _ No sou ele, no estou l na Academia, estou aqui fora, no mundo... _ o que eu te falei. Vocs esto em uma corrida paralela, encarando desafios muito diferentes. _Ele no sabe o que o mercado de trabalho... Seu filho foi para a Prep um garoto ainda, depois para a AMAN. Ele fica l trancado o dia inteiro, s v mato, armas, cama, comandantes... Guerra. E o mundo aqui fora, os jornais, as revistas, os assaltos, o trnsito, os riscos, os acidentes... o ar, a vida. A vida! Ele est l enclausurado! Para muitas coisas ele parou totalmente no tempo. Tem vezes que ele tem umas atitudes to infantis, to infantis... _ repeti aquilo com muita raiva_... que eu fico chocada e isso me d uma mistura de pena e de cansao. Porque eu fico pensando o quanto eu vou ter que ficar aqui sentada esperando, pacientemente, ele crescer! _Para isso Deus criou o amor, para voc no desistir. Quando ele tiver atitudes de garoto imaturo, voc olhar para ele e no ter vontade de larg-lo. _Poxa, qual seria a atitude de um homem maduro? Bela, fica calma, isso vai passar, fala para mim o que voc sente, porque mesmo que eu no possa mudar, eu quero te ouvir. _ disse-lhe o que esperava ouvir dele. _ Mas ele no est nem a, quer ligar a televiso e ver os clipes. E eu me sinto... _Incompreendida. Porque esse homem maduro ai hipottico que voc est precisando e querendo, Bela, no s maduro, ele um civil tambm, que procurou estgio, que sofreu as mesmas humilhaes, que pode trocar com voc. Enquanto estiver com um militar, voc no vai trocar experincias, voc vai contar o seu dia, ele o dele e os dois vo tentar imaginar como seria estar no lugar do outro. Por isso eu repito, s o amor salva mesmo uma relao com um militar. Porque se a mulher ou o homem acordar um dia e olhar para cara do outro e descobrir que no era amor, que aquilo que se parecia com o amor acabou, no dura o dia seguinte. E, se durar, ser para uma infelicidade sem tamanho. _ pesado demais. _So mais de vinte e cinco anos dessa lio viva, Bela. _Como consegue? _Com o amor. _repetiu sem cessar aquela palavra amor. _Eu sou uma pessoa que no gosta de brigar, sabe, dona Fabola. Eu no sou do tipo que vai levantar, gritar "hei, volta aqui, porque voc est sendo isso, aquilo, aquilo outro"... _Entendo, isso tem um ponto positivo e outro negativo. bom porque voc evita muitas brigas que desgastaria demais a relao e aproveita melhor o tempo que esto juntos. Mas, por outro lado, voc deixa de passar por algumas discusses, no chamo de briga, que seriam vitais. _Mas me diz, adianta alguma coisa eu virar para ele e dizer tudo isso que falei para a senhora? O Caio s vai aprender certas coisas quando ele sair daquela academia. _Realmente, falar nunca mudou a vida de ningum. S vivendo mesmo. Agora,
acho que tambm voc no dizer nada uma forma de se anular. As mulheres, hoje em dia, acham que s trabalhar fora um sinal de liberdade, de independncia, que aquelas mulheres de militar que ficam em casa cuidando dos filhos so um bando de dondocas submissas. Mas, a submisso est nos atos de se anular a sua opinio, a sua vontade, e no no que voc faz para viver. _Ento, a senhora acha que eu tenho que falar o que para ele? _Diz para ele que ele foi egosta em no te ouvir, que voc esperava outra atitude, no sei... Diz o que tem vontade. Mas diz! Bela, as pessoas dizem que somos como somos e no mudamos. Ser? Ser mesmo que no somos capazes de alterar nosso comportamento, evoluirmos, vermos o mundo diferente? O Caio nunca namorou e, como voc diz, vive l trancado s com um monte de homens. Ele tem que aprender a namorar e voc vai ter que ter pacincia de ensinar. Ele vai dar muitas mancadas e voc vai ter que dizer isso no se faz para que ele possa aprender... _Ai, isso cansa! _ senti uma exausto mental. _, cansa. S amando mesmo. _D vontade de sumir, de arrumar algum j pronto. _Mas, esse algum pronto no seria o Caio. _, no seria. Eu gosto dele. Respirei fundo. _Eu vou l colocar a comida para o meu irmo. _ falei enfadonhamente. _Obrigada pelas dicas. _agradeci. _Bela, o Caio vai ser um homem muito errado. Casamos com homens errados, tortos, cheias de pssimos defeitos. No espere dele diferente. Ame-o com os defeitos e aprenda a lidar com eles, que s assim voc vai conseguir seguir em diante. _Vou tentar. _ sorri, j sem chorar. Fui para cozinha. Fiz o prato do meu irmo e coloquei no microondas. Apertei o boto para sincronizar o tempo. Quando me virei, dei de cara com Caio, me olhando. Era hora de termos aquela conversa.
Cap 62: Determinando limites Caio veio me abraar e eu dei um passo atrs. Ele franziu a testa, fazendo-se de desentendido. _Que foi?_ riu. _Eu estou chateada com voc. Eu estava ali falando dos meus problemas e voc saiu me deixando sozinha. _Ah! Bela, que eu fico com tanta raiva desse cara que d vontade de ir l e
arrebentar ele na porrada. _Eu gostaria que voc me desse um pouco mais de ateno e escutasse o meu lado. Porque eu canso de ouvir tudo que relativo a AMAN. Eu tambm no entendo o seu mundo, mas ao menos tento ficar por dentro... _T, Bela. Entendi. _ cruzou os braos e se encostou na pia, ficou olhando para o prprio p. _..._ calei-me, no queria discutir mais. _Foi mal. _... Licena. _ pedi e ele se afastou para o lado. Coloquei o detergente na esponja e lavei o prato. Caio respirou fundo, pensou um pouco e depois veio por trs de mim e me abraou. Ele sabia exatamente o modo de me fazer esquecer nossas brigas. No cedi, continuei enxaguando o prato, mas perdendo a concentrao. _Eu passei a semana pensando em voc e agora a gente vai ficar assim? Eu venho para c para isso? Eu coloquei o prato no escorredor e passei o dedo no ralo da pia, para permitir que a gua descesse. Tirei os restos de cebola e atirei no cesto de lixo ao lado. Caio afastou meu cabelo e passou a boca no meu pescoo. Fiquei parada. Ele me beijou vrias vezes na bochecha, me envolvendo por trs com seu corpo, sem camisa. _Seus pais saram e seu irmo est no quarto jogando video-game... Virei-me e olhei-o nos olhos, sria. _Se voc continuar me olhando com esses olhos azuis de raiva eu no vou resistir, sabia? _ disse, chegando mais perto. O microondas apitou e eu me desviei dele e tirei o prato do forno com a ajuda de um pano de prato. Peguei um copo de gua e estabanadamente enchi-o, deixando derramar na mesa da cozinha. Eu estava balanada com os carinhos dele. _Isso tudo sou eu? _ riu, convencido. _No! Sou eu mesma. _ respondi rspida, sequei com o pano de prato a mesa e o atirei em cima das panelas do fogo. Levei o prato at o quarto do meu irmo e de l trouxe mais dois copos de suco que estavam esquecidos no armrio dele. Caio me pegou pelo brao na cozinha. _Voc vai continuar me ignorando? isso mesmo? _Ah! Voc sentiu o gostinho de como ? _ perguntei seca. _Bom, vamos ver se voc gosta deste gostinho aqui. _ ele me puxou pela mo to
rapidamente que eu no tive como me conter. Caio, em uma habilidade surpreendente, abriu a porta do quarto de empregadas, acendeu a luz e me puxou para dentro. Pareceu j ter feito aquela manobra outras vezes, como se conhecesse a casa como ningum. Quando vi, estvamos l, entre a tbua de passar roupa e um cesto de palha. Ele trancou a porta e apagou a luz. Ficamos s com a iluminao da luz de fora do prdio que atravessava o vidro da janela fechado. _Caio... Ele afastou meu cabelo com as duas mos e me beijou. Eu tentei falar, mas ele colocou a lngua na minha boca e me beijou mais intensamente, com fora, vontade, convico. Eu estava to cansada que no tinha como resistir. Deixei minhas mos em sua cintura e senti os ossos de sua bacia, sua entrada, seu abdmen definido. _Diz para mim que no quer... _ ele falou ofegante, suspendendo a minha blusa. _Voc maluco... _ sorri, deixando-o abaixar as alas do meu suti e sugar os meus seios. Acariciei seu cabelo. _Eu sou maluco por voc. _ jogou minha blusa no cho e nunca pensei que suas mos fossem to rpidas para se livrar de nossas roupas. _ Bela, voc maravilhosa... _trouxe-me para si e eu me esqueci por aqueles instantes dos problemas no trabalho, da doena da minha sogra, da possibilidade de algum chegar. _Voc tambm... _ procurei flego, sentindo-o me abraar por trs e me acariciar com suas mos hbeis e grandes. incrvel como o ato do amor capaz de, em alguns segundos, nos trazer aquela sensao de morte, de inconscincia total, um prazer quase uterino do renascimento para a vida. Um poder renovador de unio. Apoiei as duas mos na parede e fechei os olhos, senti a magia daquele bal do amor pelos msculos, plos, nervos, lquidos, com toda a intensidade que poderia aquele ato proporcionar. Os movimentos sinuosos de nossos corpos j unidos eram conduzidos pelo ritmo e som das respiraes ao fundo. A geometria do nosso amor se completava com a lgica da criao. Ainda nos corpos de nossos pais, o crculo do vulo se encontrou com a reta do espermatozide. Depois o crculo da bolsa uterina se liga com a reta do canal da vagina e, tambm por um crculo, surge a vida. E quando nos unimos, ele, a reta, e eu, o crculo, nos penetramos e formamos o todo, completos. uma agonia de querer acabar logo, de chegar ao pice, e ao mesmo tempo uma vontade perversa e sdica de esperar, de atrapalhar para durar mais. Virei-me de frente, surpreendendo-o e o abracei, senti o suor descendo pelo seu peito e o beijei na boca, acariciei seu cabelo e suas costas largas. Enfim, a exploso se tornou uma calmaria e relaxamento. Ficamos parados ainda por alguns segundos, sentindo os ltimos msculos pulsarem. Quando tudo parou, ele levantou meu rosto e nos olhamos longamente.
_No me odeie nunca porque eu vivo do seu amor._ disse aquilo com um tom potico que me abriu um largo sorriso. _Foi maravilhoso. _ respirei profundamente, soltando o ar. _ Eu te amo... _ abracei-o. _ melhor a gente se vestir, seno, algum pode chegar. _ ele voltou a racionalidade. _Tem razo. _ procurei minha roupa no cho. Quando samos do quarto, encontramos meu irmo colocando o prato na pia. Ele nos olhou por alguns segundos, mas no disse nada, voltou para seu video-game. Caio e eu nos entreolhamos e rimos.
Cap 63: Estados Mentais Caio esperou-me primeiro tomar um banho para depois fazer o mesmo. Nos encontramos no sof para um abrao quente e um momento enfim a ss. _Eu sei que voc estava certa... _Eu?_ franzi a testa me fazendo de desentendida. _Sobre eu estar sendo egosta, eu devia ter te escutado e quero te pedir desculpas mesmo. Eu sou um panaca... _No fale assim... _ acariciei seu rosto com a minha mo. _Eu amo muito voc e no fcil para eu ter o meu Caio longe, quando estive acostumada com ele aqui, do meu lado, ao meu alcance. _Meu Caio?_ ele sorriu tmido e abaixou a cabea. _Sim, meu..._ sorri de volta. _ Isso me faz refletir como no damos valor as coisas quando elas esto ali ao nosso lado, ao nosso dispor. _S agora que ficamos longe que vemos a falta que sentimos um do outro. _ ele completou o meu pensamento. _. _ confirmei. _ Eu, s vezes, sinto que no vou agentar de tanta saudade. difcil ver as minhas amigas da faculdade saindo com seus namorados e eu sempre segurando vela ou aqui sozinha, uma realidade dura de enfrentar, sabe? Porque eu estou aqui fora, suscetvel a todos os estmulos, se que me entende. _O que os olhos no vem o corao no sente? _Hum rum. J pensou se l na academia vocs tivessem essa liberdade e toda hora voc visse seus namorados para l e para c com as garotas e voc ficasse com mais vontade ainda? cruel... _Bela, acho que a gente tem que aprender a ver a vida sempre de vrios ngulos. Algumas pessoas chamariam isso de conformismo, ou diriam que estamos nos enganando... Mas eu prefiro criar novos espectros para encarar os meus problemas, isso facilita bastante, nos d flego... _O que est querendo dizer? _Por exemplo, voc est falando a das suas amigas. Elas tm os namorados, os ficantes, que seja... J reparou quantas vezes elas terminam e comeam? Quantas vezes elas trocam de cara como se trocassem de camisa? Ns no, ns temos um amor maior, um amor que tem tantas provaes, que est sempre se superando e tendo certeza de que isso mesmo, que voc a mulher que eu quero e eu sou o homem que voc quer. Como elas no tem tantas dificuldades, porque o cara mora no mesmo prdio e eles vivem de comer pipoca em shopping, acabam levando mais tempo para encarar as dvidas. Afinal, tudo para eles est sempre aparentemente
bem. Como se vivessem s na superfcie. A gente tem a oportunidade de olhar para o nosso namoro como aqueles cortes verticais do solo que havia em nossos livros de geografia, lembra? A gente podia ver o solo, o subsolo, as camadas de areia, terra, at os lenis de gua. Voc e eu nos conhecemos l no nosso ntimo, at chegar naquele lenol subterrneo. Quando voc fala uma coisa, pelo tom da sua voz eu j sei o que est se passando no seu ntimo. Essa ligao, curiosamente, existe, mesmo a gente estando longe. _Por que no preciso estar perto para estar perto da alma? _Esperta, garota! E ns no temos, ainda, esse contato constante, mas quando tivermos, estaremos a um passo de ficar juntos para sempre, enquanto elas, na sua maioria, ainda vo estar trocando de par, como as quadrilhas de festa junina. No so todas, claro, mas a grande maioria que vemos a pelo mundo. _Ento, eu devo pensar que, apesar da distncia, ns temos vantagens positivas sobre as outras formas de namoro? _Que bom que eu fui claro. _ riu. _Nossa, estou surpresa, estou descobrindo em voc um outro Caio a cada dia, voc est mais maduro. _Acho que isso acontece com todos ns. Na escola, parece que estamos dentro da barriga quentinha de nossas mes, quando somos jogados na realidade temos que aprender a nos defender. O pensamento, Bela, a sua maior arma, nele que vai morar todas as suas zonas de tempestade. Se voc souber control-lo, dom-lo, vai conseguir, nos momentos de dificuldade, no perder o controle das situaes. _Isso voc aprendeu l? _Tambm... Mas com os meus estudos... _Hum. _ entendi ao que ele se referia, Caio amava ler e, provavelmente, seu av havia lhe dado boas lies de vida. _Tenho uma amiga que estuda psicologia e ela fala de algumas terapias cognitivas que levam o paciente a repensar o prprio pensamento. Quais so aquelas idias que te rodeiam no ato das coisas que te incomodam. Por exemplo, aqueles que tm pnico de andar de nibus porque esto com sndrome do pnico. A pessoa deve rever quais pensamentos passam na sua cabea no instante que tenta subir no veculo. E depois, trabalhar esses pensamentos. _E sabe o que mais interessante? Se formos parar para pensar a nossa sociedade muito contraditria. No se acredita em nada que verbal, tudo tem que ser colocado no papel, por escrito e homologado em cartrio. A escrita muito valorizada. Todo mundo passa a vida estudando a escrita. S que, se voc ligar a televiso, ligar o computador, sair na rua e olhar as propagandas, o que voc percebe? Vivemos no mundo das imagens e no das palavras. S que no h escolas que nos ensinam a interpretar as imagens e elas tm um grande poder. Os pensamentos so feito dos dois: imagem e idias, palavras. O que os torna mais complexo. Mas, novamente a contradio: valorizamos o que fsico e deixamos para uma categoria inferior tudo que psicolgico. Voc est sentido frio? Ah! psicolgico... V como a palavra ganha uma conotao pejorativa? O pensamento vital! Saber lidar com as prprias imagens e as idias que esto na nossa cabea a melhor maneira da gente viver melhor e de forma mais saudvel. Bela, se voc reparar, o mundo no se transforma tanto. Est sempre ali, a mesa do caf da manh no mesmo lugar, o nibus do mesmo jeito, as cadeiras da faculdade igual, o professor l na frente. Por que ento um dia parece ser timo e no outro, o mundo parece conspirar contra voc? Por que isso um estado mental que est na sua cabea e no no mundo! _... _ abracei-o com carinho, era to bom poder aprender com ele. Caio me surpreendia, s vezes. Ele oscilava entre uma pessoa infantil e, em um piscar de olhos, algum maduro. Ou ser que isso tambm era s um estado mental meu de no permitir v-lo como , e sim, julg-lo precipitadamente?_ Sabe, queria que os
anos saltassem rpido e que logo voc estivesse comigo para sempre. _Eu tambm queria, mas eu acho que ns ainda temos muito o que crescer... E no tem como pular o tempo. _No vejo a hora de te ter ao meu lado, vai ser tudo diferente. _No sei se vai ser tudo to diferente assim... _Por que diz isso? _Porque ns vamos mudar o intervalo de distncia, no vamos mudar a ns mesmo, a nossa personalidade, isso ser igual. Acho que esse um erro que muitas de vocs namoradas vo descobrir, quando chegarem ao ltimo ano. _Como assim? _Porque eu vejo muitos caras l que tem muito o que aprender... So muito, ah, nem gosto de falar, vacilam para caramba... E a a namorada desculpa tudo sempre, naquela expectativa, quando ele vier para c, tudo vai mudar. No vai mudar, ele s vai mudar de residncia, a personalidade ser igual. No so os lugares que mudam as pessoas, mas seus pensamentos, suas atitudes que nascem aqui, na cabea. _Dizem que muita gente termina nos ltimos anos. At j li em um blog que achei na internet chamado Blog Eu amo um militar uma vez... _Existe um blog Eu amo um militar? _ ele riu. _, existe. legal, no ria! Ele, alis, j existe h uns dois anos. Quem escreve nele a Li e a Lucy. Elas escrevem textos sobre amor, sobre relacionamentos, coisas que tem a ver com a nossa realidade mesmo. Mas no nada ftil no, tem contedo, t? Antes que fique me zoando. _Hum, o que voc leu l? _Eu li l faz um tempinho j, um comentrio de uma garota em annimo que dizia assim: Tomem muito cuidado, quando acharem que ao se formar vai ser tudo melhor, porque foi muito pior. Eles saem para as baladas, se tornam uns rueiros, no tem tempo para a gente. horrvel, estou muito decepcionada. _ Ela que deveria ter tomado cuidado... Porque esse cara a sempre foi assim, o problema que antes no tinha oportunidades e tempo para mostrar isso. Esse sempre foi o namorado dela. No acredito que do dia da formatura para o dia seguinte ele tenha virado o boto e se transformado em outro ser. Se ela disse que ele t sem tempo no sentido de muito trabalho, concordo. Agora achar que ele mudou da gua para o vinho... Ela que no o conhecia direito. _ isso que eu tento mostrar Caio. A distncia atrapalha. Como a gente vai conhecer a pessoa vendo-a to pouco? _Depende do esforo que as pessoas esto fazendo. Se um mora aqui e o outro, l no extremo norte, bom, escreve carta, manda e-mail. Sei l, tenta manterem contato. _Ah! Caio, nem todo cara gosta dessas coisas... _Por amor a gente aprende a gostar at do que no gosta. S trabalhar os estados mentais. _Verdade. Muitas coisas eu no gostava e fui tentando ver de maneira diferente, para te agradar. _Minha me, por exemplo? _Pode ser. _ aceitei o exemplo, mesmo no tendo primeiramente pensado nele quando falei. _Eu sei que vocs no se davam nada bem e que deve ter sido uma verdadeira batalha a dentro para poder se entrosar com ela... _Foi sim... Mas estou conseguindo. Acho que na vida a gente tem que ter humildade. Quem no vive para servir, no serve para viver. Li essa frase no hospital em uma plaquinha. _Bonito isso. A gente aprende muito isso: servir. Por isso que estamos sempre de servio. Acho que a sociedade brasileira precisava mais desse esprito de seriedade, compromisso... _ Caio continuo a me falar sobre o trabalho, a situao poltica do pas, horas a fio.
Cap 64: Que conselho dar? Era hora de comear mais uma semana. Fiquei com aquele ensinamento de Caio no corao. Controlar a minha mente para conseguir ver as circunstncias sobre outros prismas. Cheguei no estgio com um pote grande, um porta-bolo. Coloquei-o em cima da mesa. A curiosidade da secretria Luana logo perguntou, sem se conter: _O que isso? _Bolo. para o aniversrio do Vincius. _Ah! ... _ ela fez um ar de quem se lembrava de alguma coisa e deu um sorriso muito murcho. Deise e eu havamos combinado no msn, no domingo noite, de trazermos alguma coisa para celebrarmos o aniversrio do nosso webdesigner. J havia passado dois dias, mas no importava. Ns trs tnhamos ficado muito amigos. Riamos, conversvamos muitssimo, trocvamos experincias. ramos amigos, no havia hierarquia. Ele sempre atendia prontamente meus pedidos e nos tratvamos com o mximo de respeito. Isso deixava o Mrcio e Luana muito chateados, pois no reinado de Thas, a antiga chefe ali, os dois falavam mal de Vincius e ela apenas consentia com o silncio. Dessa vez no, formvamos um grupo. Quando Deise estava na sua primeira semana de adaptao, ela almoara um dia com Vincius e por isso fora duramente criticada pela secretria, que ainda estava naquela fase de tentar lev-la para o lado deles contra Vincius. A briga entre Mrcio e nosso amigo comeara quando ele insistia em colocar msicas de umbanda e Vincius, evanglico, sentia-se muito incomodado e no conseguia ter paz para trabalhar e fazer suas criaes. Ele, ento, comunicou isso ao vice-diretor. Foi a gota dgua para ganhar o dio de Mrcio. Vincius tentava se socializar. Oferecia carona para Mrcio, mas este recusava, preferia pegar um txi. O Pag era um tipinho nojento que morava em um lugar super pobre, mas vivia de aparncia, no repetia uma roupa. Vincius, coitado, sempre com sua simplicidade ficava triste, mas agora era diferente, com a gente ali, ele se sentia includo. Mas, imaginem aos olhos de Mrcio e Luana como estavam encarando a nossa felicidade. Eles, ento, faziam festinhas de aniversrio para todo mundo e nunca nos chamavam. Organizavam tudo em uma sala desativada do terceiro andar, onde reuniam o grupo seleto daqueles que estavam em sua listinha dos merecedores da graa do Pag. Por isso, Deise e eu dessa vez imaginamos que no seria preciso tambm comunicar nada a eles do nosso bolo de caixinha simples. Eu pegara uma massa pronta, depois joguei leite condensado em cima com coco ralado de envelope. Nada demais, coisa rpida. S mesmo como sobremesa, depois de almoarmos. No era uma festa! Na hora do almoo, falamos por educao para a secretria que iramos almoar em um restaurante que ficava em outra unidade do campus, onde a comida era muito melhor. Isso para comemorar o aniversrio de Vincius. J que estava de carro, ele poderia nos levar. _Ah! Por que vocs organizaram tudo escondido? Podiam ter me convidado com antecedncia! Agora eu trouxe comida, no posso comer com vocs, no trouxe
dinheiro. muito errado da parte de vocs. _Ns combinamos ontem noite no msn. E no nada demais, l a comida a quilo, como aqui. S que o lugar mais bonitinho e a comida menos gordurosa, no tem cheiro de gordura l... _ Deise tentou se explicar, mas eu realmente no tinha mais pacincia com toda aquela hipocrisia. Ela estava nos julgando por si mesma! Ela tinha o costume de nos excluir. Abri a porta e fui para a entrada do prdio onde encontrei Vincius e sua esposa, que tambm viera para almoar conosco. Ela trabalhava ali perto como professora. O almoo foi mais que perfeito, ns quatro ali, comendo comida de todo dia, mas com uma alegria diferente! Era bom demais estarmos juntos. Eu me sentia dentro de uma famlia, finalmente. Ao voltar para a sala, a mulher de Vincius nos acompanhou e ns colocamos velas no bolo e buscamos o refrigerante que estava na geladeira da cozinha. Batemos palmas e cantamos Parabns para voc. O Pag ficou em seu lugar e a secretria, ao lado da minha mesa, onde nos divertamos. Cortei um pedao de bolo, peguei um copo de refrigerante e lhe ofereci. Ela recusou. Aquilo me doeu. Fingi que nada acontecera, j que meus trs amigos estavam se abraando to felizes. No queria que se chateassem. A gangue do Pag apareceu na sala, mas tambm no lhes ofereci nada. Deise ainda tentou, mas eles se recusaram tambm. Como podiam ser to pequenos? Como podem existir pessoas assim? Em meio a minha consternao, eu no os compreendia. E menos ainda conseguiria, quando passasse pelo episdio que se seguira a nossa comemorao. A vingana veio a galopes, com requintes de crueldade. *** Ainda no elevador do meu apartamento, esperando-o descer, recebi uma mensagem da Dbi: _"Preciso te pedir um conselho. Estou on". Franzi a testa, o que ela queria? Tenho medo de quando a Dbi me pede conselho, sempre me sinto em um daqueles joguinhos de RPG. Mas se ela precisava de mim, ento, eu iria tentar tir-la de sua dvida. Liguei o meu computador e enquanto este se iniciava, deixei minha bolsa no armrio e fui at a cozinha fazer um prato de comida. Deixei o msn no modo offline e cliquei no nome da Dbi para abrir sua janela: _Oi. _falei primeiro. _Que bom que voc entrou. Estava precisando falar contigo. _ disse. _Eu li sua mensagem. _ escrevi e depois enrolei o macarro no garfo. _No tem a ver comigo no, quer dizer, tem mas no tem... _Quer me matar de curiosidade? _ coloquei um emoticon de riso. _Deixa eu te explicar por alto. Eu converso muito com uma menina l do nordeste, conheci ela pelo nosso blog. Alis, conheci muita gente por l. A, beleza, a gente se fala sempre, pela webcam, pelo fone de ouvido... como se fossemos amigas de anos... _Hum. _ escrevi para ela perceber que eu estava acompanhando a conversa, enquanto mastigava. _A o Ribeiro, esse fim de semana, saiu comigo e uns dois amigos para uma festa. A minha outra amiga, a dona da festa, falou que tinha poucos convidados e que
ficaria chato, pediu para eu levar uns meninos. A, enfim, levei esses dois amigos dele. _O que eles tem a ver com a garota do nordeste? _ perguntei para tentar entender melhor. _Um desses caras ficou com uma menina na festa, na maior, pegou legal, beijou, andou de mos dadas... A, quando o Ribeiro veio me deixar em casa e estvamos sozinhos eu comentei: P, parece que fulano se deu bem... E ele no me pareceu feliz... Eu enchi o saco dele para falar porque no estava comentando nada sobre o assunto... _No vai me dizer que ele o namorado da tal garota! _Pior que ... Quando o Ribeiro falou o primeiro nome dele e depois o sobrenome, eu liguei tudo. No deixei o Ribeiro perceber, para que ele pudesse me dar mais detalhes, sem querer resguardar o amigo. Putz, uma coincidncia colossal. _Ele traiu a namorada na maior? _, Bela, o Ribeiro falou que ele faz isso a torto e a direita por aqui. E agora eu no consigo olhar para cara da menina e fingir que no houve nada. Socorro! O que eu fao? Porque, se eu falar alguma coisa, eu posso colocar a amizade do Ribeiro com o cara em risco, porque s o Ribeiro sabe... _E se voc falar para ela, ela vai sofrer muito... _E o que eu fao?!!! Eu no sabia o que responder, era uma situao muito difcil. _Se voc visse, voc me contaria? _Ai, Dbi, diferente, a gente mora uma do lado da outra, voc est perto do seu namorado, pode peg-lo no flagra, pode conversar com ele. Como uma garota l longe vai discutir essa relao? E os dois podem ficar mal, atrapalhar os estudos. Ai, que caos! _Eu preferia no ter visto nada! Estou me sentindo uma falsa com ela, entende? _Entendo. Olha, acho que voc deve falar isso com o Ribeiro e antes comunicar a ela que no tem como voc esconder da garota e perguntar a ele que sugesto ele d. Porque assim voc no fica mal com o seu namorado. Afinal, briga dos outros a gente no deve meter a colher. Depois eles se resolvem e a gente sempre se ferra. _Eu vou pensar mais no que fazer. Que dilema, nem consigo comer. No paro de pensar nisso. _Calma! Voc resolve e depois me diz o resultado. Agora eu tenho que sair, estou cansada. Preciso tomar um banho. Escreve sobre isso l no blog, conta a histria e pede a opinio das leitoras, acho que elas podem te dar alternativas... Sei l, eu j consegui ver as coisas de outras formas com o que elas falam. _Boa idia. Ah! Amei aquele texto sobre os amigos! Te adoro, Bela. Agora vai l. _T. Tchau. Desconectei.
Cap 65: O dia D Naquela tarde aconteceu um fato que marcaria os rumos da nossa equipe. Deise publicara um texto de um autor com tendncias mais capitalistas no site da instituio sem antes consultar o diretor. Liberdade algo que nunca existiu ali. Tnhamos, sim, muita censura. Organizamos diversos eventos, festas, coquetis, palestras. Em todas elas, o diretor era exaltado e passava a imagem do homem mais justo e correto. Falava aos quatro ventos de suas convices de esquerda. Mas, esquecia de colocar isso em prtica com seus subordinados, sempre pisados por ele, sem d. Quando ele entrou na sala, s havia Deise e eu. Os outros, inexplicavelmente, tinham sado. Eu j imaginei por que, provavelmente, para almoar e tomar muito chop comemorando a grande bronca que Deise tomaria. Daria um dedinho como no fora Mrcio quem enchera a cabea do diretor.
_Eu canso de dizer, eu sou comunista. Eu no nego minhas convices. Aqui tem que se publicar o que eu quero e tambm as fotos daqueles que so aliados a mim. Isso explica por que no deixei aquele Informe feito por vocs sarem. Eu fiquei vidrada olhando para a tela do computador, sem me mexer. De repente, me dei conta que estava lendo um jornal contrrio as ideologias dele. Minimizei a tela antes que ele me degolasse de vez. _Eu sou o Poder. E voc usou do poder. Voc passou por cima do poder. por isso que eu no apoiei quando quiseram trazer voc para c. Eu preciso de uma jornalista que entenda do que faa, mas mandaram voc! Eu sou contra essa cota de vagas, porque isso que acontece! A Deise enxugou os olhos, sem conter as lgrimas. _Assim no d! _ ele levantou-se da cadeira onde havia sentado. _Voc no uma profissional! Voc est levando para o lado pessoal, assim eu no tenho como conversar com voc. Estou errado? _ perguntou para mim. Eu pensei que ele estava me vendo como invisvel. _Bom... Acho que ela tem direito de expressar o que sente... _ minha voz saiu trmula e eu tambm estava com um n na minha garganta. _Ah! Essa no! _ explodiu, foi at a porta e depois voltou, pensei que ele ia avanar em cima dela. _ E para no dizer que eu no sou bom, eu fiz tudo para esse lugar se adaptar a voc! Fiz uma vaga no estacionamento para deficiente fsico, fiz aquela rampa para cadeirante, eu gastei uma fortuna. _Eu nunca disse que usava cadeira de rodas... _Est tudo errado, vocs jornalistas no sabem de nada! Bom jornalista mesmo ... _ ele comeou a citar nomes de pessoas que, para ele, eram os papas da comunicao e que trabalhavam nas outras unidades. _Jornalista quando se forma um alienado, no sabe nada, no l nada! _ ele comeou a rebaix-la e pis-la. Eu tive muita pena. Uma mulher que fora diretora de colgio a tanto tempo, uma pessoa to culta e inteligente, sendo esmagada por algum que mal tinha um curso universitrio, que nem ps-graduao tinha! Ele ficou cerca de meia hora falando o quanto ela era ruim e eu estava me segurando com todas as foras para no chorar. Eu estava presa a uma cadeira, em silncio, sendo obrigada a ouvir uma pessoa perversa torturando e inquirindo uma grande amiga. Eu tinha vontade de correr, mas no podia, no podia deix-la ali sozinha com ele. Ao sair, furioso, olhei-a chorando e fui at ela dar-lhe um silencioso abrao. Pensei no sonho que muitas pessoas tm em fazer um concurso pblico, s pensando na estabilidade empregatcia. Mas sabem que podem parar em um lugar como este. Onde as pessoas se mancham e se sujam com a corrupo e a poltica. E o pior, as que so humilhadas devem engolir tudo, quietinhas, pois no vo largar um emprego que levaram tanto tempo para conseguir. Aquele lugar era um inferno. Minha me sempre me proibiu de usar esta palavra, pelo peso que achava que tinha. Mas, era com amargor que eu repetia intimamente: Deus, eu no agento mais esse inferno.
Fui at o banheiro e comecei a chorar sem parar. Solucei sozinha. Lavei o rosto com gua fria, nem ligando para a maquiagem de base e sombra que se borrariam por completo. Percebi que uma pessoa entrara e estava ao meu lado. Sequei o rosto com papel e limpei os olhos. Vi que era a secretria Luana, com sua bolsinha, se preparando para escovar o dente. _Estou muito decepcionada com voc. _ me falou. _Comigo? _ tentei fazer com que ela no percebesse o caos em que eu estava. _Voc no teve um pingo de considerao em me convidar para a festa, voc me excluiu, foi muito feio! Hoje, ns combinamos um almoo com a Thas... Qu? Eles almoaram com a nossa antiga chefe e no me falaram nada? Eu no podia acreditar! Eu adorava a Thas, que saudade sentia dela. _... Eu falei muito mal de voc para ela. Falei tudo que voc est fazendo, como se voltou contra ns e agora uniu um grupo para nos destruir. _Eu?! _, Bela, voc e eles se uniram para falar mal da gente! Vocs fizeram um bolo e nem nos convidaram. _Qu? _ fiz uma careta de horror, eu no ia deixar que eles conseguissem me enlouquecer. _Vocs viviam falando mal do Vincius. Sempre se recusaram a estar em qualquer lugar que ele estivesse. Ento, no domingo noite, a Deise e eu combinamos de fazer um bolo e comemorar o aniversrio dele. Foi um bolo caseiro, de massa pronta! Ns no fizemos listinha para arrecadar dinheiro e fizemos uma big festa l em cima onde selecionamos s o grupinho que poderia participar! Ns no exclumos ningum. Fizemos l na sala, para qualquer um poder entrar e ver. S um bolo com Coca-Cola. Uma sobremesa! E voc se recusou a comer. _Vocs foram almoar e s me disseram na hora! _Meu Deus! Era comida quilo, ns no fretamos van para levar metade dos departamentos, como vocs fazem sempre e no nos convidam. _ mostrei-lhe o que eles faziam. _Mesmo assim estou muito mal com vocs, decepcionada! _ disse e saiu. Eu no agentei e comecei a chorar outra vez. Eles tinham ido envenenar a cabea da minha ex-chefe, uma pessoa to legal! E o que ela pensava de mim agora? Eu estava chegando prximo ao meu limite. Em casa, chorei, sem perspectivas. Se sasse de l, perderia um estgio que batalhei tanto para conseguir. Mas minha cabea no suportava mais aquela presso, aquele ambiente horrvel. O astral era pssimo, sentia meu corpo pesando toneladas, como se tivesse uma coisa entranhada naquela sala que sugava minhas energias! Peguei um carto de orelho e fui ligar para o Caio. Disquei vrias vezes, mas s ocupado. Eu, ento, ficava em p, esperando um pouco. Por fim, consegui e estava
muito feliz por esse feito! O cadete no sei das contas (Por que eles falam o nome to rpido?). Faenadjfgbsgafit sei l o que atendeu e disse que o chamaria. H muitas variantes em se chamar algum. Aqueles que vo at a porta do quarto e avisam pessoalmente. Aqueles que gritam e repetem o grito at o cadete aparecer com a cabea na porta, ou responder "j vou". E os piores: gritam e se do por satisfeitos. Hoje, no era o meu dia. Fiquei ali ouvindo as vozes, as msicas, o zum-zum ambiente e? O carto acabou, nada de Caio! Ningum merece! Mandei uma mensagem de boa noite, expliquei mais ou menos o que tinha havido e fui para internet, ver se encontrava com Dbi para saber o resultado da histria com a amiga dela que foi trada e tambm precisava atualizar nosso blog. Era meu nico tempinho para fazer isso. _Aiiiii... _ tomei um susto quando vi que Dbi tinha postado um outro texto no blog contando tudo como foi! Opa, que bom, seno eu teria uma dor de estmago de curiosidade, pois ela no estava no msn.
Cap 66: O beijo do traidor Cheguei no estgio aps o almoo e ao ver Deise atrs de mim, chegando tambm, cumprimentei-a com um riso. Ela foi at a sua mesa e de l falou em voz alta: _Bom, gente, estou de partida. Agora eu sei quem trabalhou para isso. Quem foi l em cima falar mal de mim. Eu no sou burra. Eu sei que voc, Mrcio e, voc, Thas, contriburam para isso. Mas eu vou para um lugar melhor... Eu estava atnita. No! Minha mezinha no podia me deixar. No podia ser. Levantei-me e no consegui dizer nada, tentei pelo menos no chorar, para que ela no fizesse o mesmo e desse esse gostinho a eles. Thas levantou-se tambm e ajudou-a a colocar as suas coisas em uma caixa. _Voc est muito enganada, a culpa do diretor, ele fez isso com todo mundo, ningum consegue ficar aqui por muito tempo mesmo... Eu acompanhei Deise at seu carro, junto com o Vincius. Thas veio atrs e depois de todos abraarmos Deise ela fez o mesmo e beijou sua face. Vincius e eu nos olhamos, arrasados de tristeza. Era o beijo do traidor. Como as pessoas no se enxergam? Voltei para a sala e senti-me sozinha. Eu seria a comida na jaula dos lees. Vincius e eu nos falamos no msn de noite, durante aquela semana, j que no trabalho estava um clima ruim demais para tocar naquele assunto. Ele me confessara que ficara to triste, que no conseguia dormir, nem comer. Eu comungava da sua dor. Aqueles monstros haviam ceifado nossa amiga, sem nem ao menos ter dado a chance de ela aprender como se devia fazer, estavam prontos para poder atrapalhar, negar informaes, apontar seus erros para o diretor.
Eles pareciam to felizes, rindo a todo momento. A gangue inteira agora vivia tomando cafezinho em nossa sala para bater papo e diziam bem alto que aquela era a verdadeira felicidade. O diretor aproveitou, que agora no tnhamos mais uma deficiente com dificuldades motoras para fazer uma obra em cinco salas no terceiro andar para reinstalar nosso departamento ao lado de sua sala. Em questo de dias conseguiu furar portas e janelas entre as salas e fazer uma verdadeira revoluo arquitetnica. Enquanto isso, eu estava empenhada em organizar um evento de uma tarde de autgrafos do lanamento de livros com os pesquisadores da rea da sade. Era muito desonesto saber que o dinheiro rolava para as festinhas deles enquanto minha bolsa auxlio era pfia, 260 reais sem benefcio algum. Um Dj para a festa saiu por 1200 para tocar 4 horas, o grupo de chorinho ganhou 800 reais. Isso era s alguns oramentos que passavam por minha mo e me entristeciam. Depois, entendi porque Deise teve que ser deslocada para outra unidade. Ali, ela ocupava um cargo de coordenadora do departamento e pelas novas regras haveria bonificao para esses cargos. Isso explica porque no s ela, mas outras pessoas foram transferidas, enxotadas dali, ou empurradas para um cargo abaixo para outra assumir. Era a mo do poder. O diretor estava dando poder aos seus amiguinhos. E quem assumiu o lugar da Deise? Ora, nada mais, nada menos que a Cssia, aquela que no me admitiu na primeira entrevista. A essas alturas, eu tinha averso a ela. E quando me chamou em sua sala para avisar que eu agora iria trabalhar para ela e fazer tudo que mandasse, eu senti que meu cho ia ruir. No falei nada, eu tinha um n na minha garganta e quis chorar. Meu psicolgico estava por demais sensvel a tudo. Acrescentou ainda que no tinha nada a ver com o que acontecera com a Deise, mas que ela era a capacitada para estar naquele posto e que sabia como eu me sentira, porque j havia perdido muitos amigos terceirizados que tiveram que deixar seus cargos para concursados e por isso se despedir deles fora muito duro. Quase lhe falei que era mais duro ainda eles terem feito aquela recepo destrutiva aquela concursada e no ter dado chance alguma para ela crescer, pelo contrrio, fizeram o jogo contra. Mas ali a minha cabea era a bola da vez. _Voc quer continuar estagiando com a gente? _Quero. Acho que a gente pode continuar e fazer um bom trabalho. _ a minha boca disse aquilo e meu corao sentiu vergonha de mim mesma, me decepcionei com a atitude que estava tendo. Ela se levantou de sua cadeira e nos beijamos na face. Aquilo me matou, foi o tiro final. Eu estava beijando a mulher que ocupava o lugar da Deise, como se nada tivesse ocorrido? Que pessoa falsa e traidora eu era? Tentei me acalmar, eu s estava tentando manter o melhor ambiente possvel, para no perder o meu estgio. Ser que eu estava sendo ruim por isso? Aquele sentimento me acompanhou por muito tempo. Eu no agentava ser tratada como uma burra de carga. Se havia convites de festa para carimbar e envelopar, eles empilhavam em minha mesa. 500, 1000 convites. Se eu estava
falando com Cssia, suas estagirias e amiguinhas pediam sem pudor para eu me retirar, porque elas tinham um assunto importante a tratar. Se por causa das obras no tinha internet, elas ficavam com os hubs que puxam a rede de outra sala e eu tinha que contentar com um computador sem internet, afinal, o trabalho delas era importante e o meu podia esperar. A nova concursada veio ocupar o lugar de jornalista. Mas ela, como eu, era da rea da publicidade. Ah! Ento, essa a pessoa supercapacitada para substituir a Deise? O objetivo nico era tirar minha antiga chefe, no importava quem ficasse em seu posto, mas sim que ela sasse. Que horrvel, eu estava com vontade de vomitar! No consegui dormir durante a noite, me revirei na cama. Muitos pesadelos me assombravam. Agora eu entendia o que Vincius estava passando. Eu vi as olheiras enormes se formando nos meus olhos. Eu estava contrariando os meus princpios a cada vez que colocava o p naquele lugar e lidava com aquelas pessoas. O ltimo episdio foi um almoo para comemorar o aniversrio da Cssia. Contribui como dinheiro do bolo por educao e corri at a sala de Vincius e pedi para almoar com ele, falei-lhe que no queria sair com aquelas pessoas para almoar fora. Pedi que ele chamasse sua esposa e que dissssemos que j havamos combinado aquilo com muita antecedncia. Ele gostou da idia. Assim fizemos, e isso foi o golpe final para que eles me desprezassem por completo. No dava mais. Entrei na sala da minha chefe e disse-lhe que eu iria sair, porque minha bolsa j estava atrasada a um ms e ela no estava fazendo jus a tanta trabalho. No esperei que ela dissesse o que falou, depois de eu ter coberto suas viagens, de ter me matado de trabalhar organizando todas as festas e eventos, depois de ter ficado at duas, trs horas do meu horrio para cumprir suas tarefas sempre de ltima hora com urgncia e arriscado minha vida no ponto de nibus escuro, de frente para o p de um morro perigosssimo! _Tudo bem. Eu vou ao RH pedir para eles calcularem os dias que voc no vai vir daqui para o fim do ms, para eles no descontarem. _Ok. _ no consegui dizer mais nada, eu s queria sair daquele lugar. Ela estava preocupada no desconto da minha bolsa de 260 reais? Com todas as horas extras que fiz para ela? _Mas j que ainda est aqui, tem alguns trabalhos para voc fazer na sua mesa. Pode fazer? _Posso. _ respondi. Ela ficou conversando na sala da sua amiga da Cooperao Internacional e depois reuniu a equipe para contar minha sada, mas sem mim... Eu percebi que era o assunto, mas fingi que no era nada. J cansada de esperar a boa vontade dela, levantei-me e fui at a sala ao lado. Disse-lhe que estava tudo pronto e que j tinha passado duas horas do meu horrio. Era a ltima vez que ela faria aquele desrespeito comigo. Ainda ameaou argumentar para eu ficar mais um pouco, para me explorar s mais uma horinha, mas eu disse que lamentava muito, mas que iria embora.
Pedi muito a Deus na hora do almoo para que ao sair no tivesse que me despedir de ningum. E fiquei surpresa, quando abri a porta da sala e no havia ali nenhuma alma viva. Que sensao de alvio. Deixei o meu crach em cima da minha mesa, peguei minha bolsa e a sacola onde tinha colocado os porta-retratos com minha foto e do Caio. Ao entrar no elevador eu respirei fundo e sorri, com lgrimas nos olhos. Eu estava livre, totalmente livre daquelas pessoas. Aquele gosto era maravilhoso. Abri a porta principal de vidro e l estava o incio da noite, o vento, o cheiro, o ar... A liberdade! Eu nunca mais voltaria para aquele lugar! Entrei no nibus, me sentei, feliz como nunca! Peguei o porta-retrato de Caio e acariciei o vidro. Abracei-o e fechei os olhos. Eu finalmente teria cabea para de novo voltar a ter uma vida saudvel. Lembrei do que ele me dissera sobre a paz mental. Aquele lugar me tirava a totalmente a paz, eu vivia um inferno na minha cabea. Agora s existia a paz. Vincius ficou por l sozinho, tive pena, ele precisava daquele salrio para sustentar sua famlia. Mas depois de uns meses recebeu uma proposta para ir para outro estado e estava decidindo. Torcerei por ele. Deise estava feliz em sua nova unidade e nos falvamos no msn, ficou uma linda amizade entre ns trs. As vboras estavam l, soberanas em seus ninhos, mas bem longe de mim agora. s vezes, me pergunto, quando anunciados novos concursos pblicos, qual ser a prxima vtima que acabara de passar para cair nas garras deles? Por pior que a pessoa pudesse ser, eu teria muita pena dela. Mas procurei nunca mais tocar nesse assunto, nem falar daquele lugar horrvel. Para alguns eu posso parecer ter sido fraca, mas s eu sei o que passei e acho que fui forte demais. Nenhum dinheiro, nenhum cargo pblico vale o que estou sentindo agora: uma paz enorme. Eu fiquei to melhor que vi isso no reflexo fsico do espelho. Dormi uma maravilhosa noite de sono. Minhas olheiras diminuram, eu estava bem humorada, com um delicioso sentimento de que nunca mais teria que voltar para aquele lugar tenebroso. Comecei minha preparao para receber Caio, se que iniciava com uma depilao profunda para tirar a aparncia de chita, fiz a unha, lavei o cabelo, procurei uma roupa bonitinha e pronto! Lavou est nova!, ri comigo mesma. _Eu estou louco... _ Caio me abraou por trs, quando eu ainda estava abrindo a geladeira para pegar gua para ele. _... Para saber a cor da sua calcinha. _Que calcinha? _ pisquei o olho para ele e dei um risinho. _Voc no est...? _Eu no uso. _Voc no usa?
Eu ri, estava me divertindo com sua cara de dvida. _Vou ver se sua me precisa de alguma coisa l no quarto._ ameacei sair da cozinha. _Eu preciso de uma coisa... _No! Caio, minha me est chegando do trabalho e voc... _E eu prometo que no vou fazer nenhum mal a filhinha dela... _ me puxou para o quartinho onde ficavam as roupas para passar. _No, est louco? Eu... Ele trancou a porta. E descobriu o segredo da calcinha. Que delcia a vida em paz e liberdade.
Cap 67: Tarefa cumprida _Bela, eu quero te agradecer por tudo. _ Dona Fabola estava de p, na minha sala, pronta para voltar para sua casa. _Voc faria o mesmo por mim. _ eu disse, sem tanta convico disso. _Hoje, eu entendo a escolha que o Caio fez. _Que bom. _ eu sorri e coloquei as mos no bolso da cala. _Eu vou fazer de tudo para me recuperar. _ ela se referia a continuao do tratamento, que deveria prosseguir l em So Paulo mesmo. _Estamos aqui para o que precisar. _ disse. _Obrigada mais uma vez. Eu quero te pedir uma coisa. O ano est acabando... Logo o Caio vai entrar de frias e... Seria muito bom ter voc com a gente l. _Passar as frias de janeiro na sua casa? _ repeti para ver se tinha entendido. _Sim. E se quiser, podemos fazer uma surpresa para o Caio... _Bom, seria timo. _ aceitei, ainda meio duvidosa se ela estava totalmente do meu lado, se aquela bondade no terminaria em uma noite de sono e no outro dia ela acordasse m outra vez. _ Tenho que falar com meus pais... Mas se depender de mim, vou sim. _ ri. _Que bom!_ ela ficou feliz de eu ter dado tambm um passo para a nossa futura boa convivncia. As festividades de fim de ano foram timas. O Natal, Caio passou com a famlia. meia noite, nos ligamos para desejar um ao outro Feliz Natal. J o ano novo, pedi para fazermos diferente. Combinei com ele que nosso ano s acabaria quando estivssemos juntos. Ento, ele veio para minha casa na semana seguinte e nos encontramos, ambos vestidos de branco. Comemoramos, enfim, o comeo daquele ano com beijos, bebidas, muito amor e carinho. Foi uma delcia. Quem disse que temos que fazer igual a todo mundo e seguir a folhinha do calendrio? Se for assim, vamos levar o namoro mais sem graa do mundo, j que nos vemos to
pouco. Depois, ele voltou para So Paulo e uma semana aps sua partida, eu embarquei para l, sem avis-lo, claro. Fabola veio me buscar na rodoviria. Estava mais forte, o cabelo voltou a nascer e parecia pronta para continuar seu percurso nessa vida. _Deixei o Caio dormindo. Ele ficou ontem at tarde com o pai vendo um filme e tirou um sono depois do almoo. Como foi a viagem? Um pouco cansativa? _. _ disse. _ Eu fico muito enjoada. _Mas vai passar, deixei uma comida para voc l. Lasanha, gosta? _Claro. _ sorri, ela estava me tratando como nunca antes, desde que eu comeara a namorar Caio. Atravessamos o centro da cidade. Era muito maior e bem mais moderno que o do Rio de Janeiro. Parecia que eles estavam h 10 anos na nossa frente. A quantidade de carros era muito grande e os motoqueiros faziam zig-zag na frente da gente, no sei como ela estava conseguindo dirigir sem esbarrar neles. Finalmente chegamos a um bairro residencial arborizado. Entramos em um prdio protegido por dois guardas vestidos de farda camuflada. _Eu estou louca para fazer xixi. _ ri, muitssimo louca de vontade para ir ao banheiro. _J, j chegamos l. _ apertou o boto do elevador que ficava na garagem. Subimos at o sexto andar e ela abriu a porta. _V se ele est dormindo, o quarto dele aquele ao lado do banheiro._ falou baixinho. _T, mas antes eu quero mesmo ir ao banheiro. _ ri, tambm falando baixinho. Larguei a mala no cho e corri para me aliviar. Depois disso, eu estava novamente em mim. Abri a porta do quarto dele e o vi sentado diante do computador, com o cabelo todo bagunado, como se tivesse acordado fazia pouco tempo. O edredom azul claro embolado em cima da cama denunciava que ele sara dali. Estava de camisa preta, com uma bermuda cor de abbora escura e cheia de flores marrons. _Isso que d no ter namorada, fica a, enfurnado nesse quarto no computador. Caio virou-se e no acreditou no que via. _Bela? Voc?... _ levantou-se e me abraou. _Gostou da surpresa? _Claro! Perfeita! _ me beijou. _Como chegou aqui? _Sua me me buscou na rodoviria!
_Ah! Vocs duas de compl contra mim? _ ele falou para a me, que apareceu atrs de ns. _Se voc continuar reclamando, prometo que da prxima vez falo: Bela, no vem! _No faa isso! _ ele disse. Todos rimos. _Vou preparar alguma coisa para voc comer. _ dona Fabola foi para a cozinha e Caio fechou a porta do quarto. _Que saudade de voc! _ beijou-me com muita vontade e eu tive que par-lo. _Aqui na sua casa, amor, vamos com calma, sua me j est sendo muito boa comigo, eu no posso estragar tudo... _Tudo bem. _ ele sentou na beira da cama e continuou me beijando. _Ah! Vamos sair hoje, noite?! Pego o carro do meu pai. _Claro, vamos fazer tudo que quiser... _ me agarrei a ele como um carrapicho.
Cap 68: Vida pessoal e vida a dois Assim que samos do elevador, no estacionamento do prdio de Caio, encontramos com um casal de amigos dele. Eu fui cumpriment-los com dois beijos. No segundo, eu beijei o ar e quase esbarrei no rosto da namorada do garoto. Uma cena pattica, tudo porque aqui no RJ o protocolo so dois beijos, enquanto que em SP, um s. Caio entrou no carro rindo da minha trapalhada. Eu fiquei calada. _Voc sabe porque j morou em vrios lugares. _ eu disse, aborrecida. _Quem manda voc no ser viajada? _ riu mais e continuou dirigindo. Emudeci completamente, eu tenho um gnio difcil de conviver. Uma hora estou falando feito uma papagaio, em outras, eu me fecho e parece que desaprendo a falar. _Que foi? Est tudo bem? Eu estava brincando... _ falou, enquanto estvamos parados em um sinal. _Os meus pais no tm condies de me fazer viajada como voc! _ eu disse. _ Voc veio de uma famlia diferente da minha. _Desculpe, falei brincando, amor, voc sabe que eu no queria te magoar... _ disse antes que eu continuasse com aquele assunto e o levasse mais a fundo. Continuei muda, fiquei olhando pela janela as ruas, noite: agncias de automvel com seus conversveis iluminados atrs dos vidros, os prdios arranhando o cu, as avenidas cheias, os mega shoppings reluzindo. Agora, Caio e eu tnhamos nossa prpria vida. Nossos amigos de escola se
dissiparam por faculdades diferentes, tomaram outros rumos. Eu tinha meus amigos da faculdade e ele seus amigos da Aman. Ele nem sempre se sentia vontade com meu grupo. Lembro de uma vez que fomos at um bar com meus colegas de turma e ele ficou todo o perodo da noite mudo. No tinha assunto com eles. Simplesmente, bebeu e ficou segurando minha mo. Eu queria fugir dali porque o silncio dele me incomodava, eu sabia que estava deslocado. No conhecia nada sobre aquelas piadas a respeito dos nossos professores, nem as fofocas das chopadas, ou coisas do gnero civil. Ele resumiu para mim sua agonia quando fomos embora horas depois: seus amigos so fteis. Eu disse que era o jeito deles e que gostava mesmo assim... Porque eu, no fundo, entendi o lado dos meus companheiros e tambm do Caio. Ele vivia uma vida dura, de provaes. Sabia o que era comer rao, dormir enrolado na lona, espremer beribris e carrapato do corpo, escalar montanha sobre um frio e chuva intensos... Diante desse quadro, qualquer coisa que minhas amigas, patricinhas ao seu ver, discutiam era futilidade. Seja a promoo off shore da queima de estoque de uma grife, ou a bolsa linda que ganhou de aniversrio... Minha vontade era sair com meus amigos e com Caio. Separadamente. E foi isso que comecei a fazer. Quando ele estava aqui, ns ficvamos juntos. E nos outros fins de semana sem ele, eu me encontrava com minha turma. Eu no podia me limitar por ele, mas tambm, por amor a Caio, era preciso abdicar daquilo que no gostava. Para a maioria das pessoas loucura, julgam ele sem saber, dizem que ele est me controlando, me privando, mas eu prefiro no dar ouvidos. minha estratgia. Tenho to pouco tempo para ficarmos juntos que minha soluo ficar 100% com ele e depois sair com meus amigos. Pelo menos, evitar que ele ficasse no meio de vrios amigos que no iriam ter vontade de ouvi-lo. Comecei a procurar perfis de amigos que se parecessem com ele, e com alguns desses era possvel sair e faz-lo participar das situaes. A melhor soluo mesmo era quando ele chamava um casal de amigos seus porque, assim, eu tentava ao mximo me socializar e como sou to expansiva e facilmente integrvel, como fala uma amiga minha, rapidamente o clima fica propcio diverso. Amar saber que sempre haver perdas e ganhos. O difcil administrar essa conta, que nem sempre tem os mesmo fatores e resultados para todos. Cada um tem seu peso e medida. Caio estacionou o carro, desligou o rdio e retirou-o para guardar. Depois, respirou fundo para me chamar a ateno. Acordei dos meus pensamentos. _ aqui a pizzaria._ falou._ Agora se for para a gente ficar assim brigados eu vou perder at a fome. _Est tudo bem, amor. _ dei-lhe um beijo no rosto. _Como voc muda de humor to rpido? _ que no corao eu s coloco as coisas boas. _ sorri e abri a porta do carro.
Quando chegamos da pizzaria, cruzei com minha sogra no corredor do apartamento. Ela me seguiu at o quarto onde eu dormiria e me mostrou que a cama j estava arrumada para mim. _Obrigada, no precisava se preocupar. _ disse, ainda sem reconhec-la, eu no estava muito acostumada com suas gentilezas. _Amanh ns iremos a uma festa, no sei se o Caio lhe falou. o aniversrio do amigo do pai dele. Mas s noite... _Festa? _ levantei a sobrancelha. _Se eu soubesse tinha trazido uma roupa mais formal. _Deixa eu pensar como posso resolver isso... Talvez a Monique aqui do lado tenha uma que caiba em voc. _Monique? _ repeti. _Quem ela. _Uma amiga do Caio desde o Colgio Militar l de Braslia. _Amiga? _ eu pronunciei para mim baixinha. _ No sei quem . Eu nunca ouvi falar dela. _Amanh apresento vocs duas. _Ah, t... Minha cara de desconforto deveria estar muito evidente, pois assim que Caio entrou no quarto, perguntou o que estvamos tramando. _Ns? Nada! _ a me dele lhe deu um beijo na testa. _Boa noite para vocs. _Boa noite. _ respondemos juntos. _Caio? _chamei-o para sentar ao meu lado na cama. _ Quem Monique? _ minha vizinha. Por que a pergunta? _Nada demais... Sua me disse que ela pode me emprestar um vestido para a festa de amanh. _Ah! Sim, eu ia lhe falar sobre isso. Esqueci. Se no quiser ir... _Por mim tudo bem. _timo. _ ele deu-me um beijo nos lbios. _ Posso dormir com voc aqui hoje? _Pode. _ sorri maliciosa. _ Claro que no n?! Caio, se comporta, t? _Tudo bem. _ levantou as mos no ar. _ Vou beber gua, voc quer? O tempo est super seco. _Quero. _Vem comigo at a cozinha? _T. _ levantei-me inocentemente, sem desconfiar das suas reais intenes.
Ele conferiu se a porta do quarto dos ps estava fechada. Bebi gua enquanto ele me olhava com um sorriso lindo, de lbios vermelhos e molhados. Li seus olhos, eles sempre flamejavam quando me querem. _Voc est to linda. _ tirou o meu cabelo do rosto. Sorri e abaixei a cabea. Sua boca se encontrou com a minha. Deixei o copo em cima da pia e fiz carinho com as mos na sua nuca. _Sabia que aqui tambm tem um quartinho de empregadas? _ me puxou pela mo. _No, Caio, algum pode acordar. Eu no quero perder a confiana da sua me. _Bela, nem parece a garota destemida que eu conheo! _Lindo, eu prefiro hoje ser a garota muito medrosa, ok? _Hum... Assim fica ainda melhor, adoro garotinhas medrosas e tmidas... _ beijou meu pescoo e eu esbarrei em uma toalha pendurada no fio da corda do varal que havia na rea de servio e ouvimos o barulho de guizos. _Que isso? _ assustei-me. _ o barulho dos cristais que minha me pendurou na corda, olha l. A corda fez eles balanarem. _ acalmou-me. _Ai, ser que algum ouviu? _ perguntei. _Ningum ouviu nada, amor. _ manteve-me envolta em seus braos para eu no ter chance de escapar. _Caio, deixa eu te explicar, porque voc no est entendendo. _Belinha, deixa eu te explicar, eu te amo... _ Eu tambm te amo, mas Caio... Ele me puxou para dentro do quarto de empregadas, que no era como o l de casa, um depsito de trecos minsculo. Mas um quarto com uma cama de solteiro e um banheiro. Arrumado com simplicidade, mas muita limpeza. _Ns j estamos treinados. _ riu perto do meu ouvido, depois de fechar a porta. _ Eu no vou fazer nada que no queira... _ levantou os braos e ps na nuca. Eu cocei a minha testa e sorri timidamente. _Voc louco, n? _Eu posso te jurar que voc no vai esquecer disso daqui uns anos... _Nem precisa jurar. _ tirei as mos da cintura e me aproximei. Caio tinha esse jeito de conseguir me meter dentro dos seus planos e me convencer de que tudo estava sob seu controle.
Ele pegou meu rosto com as duas mos e me beijou. *** A festa de aniversrio aconteceu na forma de um baile no clube militar. Caio e eu sentamos junto com seus pais em uma mesa de doze lugares, dividindo o espao com a famlia da dita Monique. Alis, eu tive a oportunidade de conhecer a figurinha na tarde de hoje. Era morena, de cabelos lisos e traos orientais. Seu pai ficava ao seu lado a todo tempo como um guardio. _Voc de onde? _ perguntou o homem, querendo levantar um assunto. _Do Rio de Janeiro. Eles se conheceram na escola quando Caio estudava l. _ minha sogra respondeu antes de mim. _Carioca ? _. _ eu disse, sorrindo. _J est preparada para a ... _ fez um ar de piada. _Selva? _ respondi antes dele. _ ... _ ele ficou com a boca entreaberta e os olhos brilhando, como se acabasse de entrar em um desafio verbal. _L tem muitas ndias, hen? _ levantou a taa em minha direo, antes de beber um gole de vinho branco. _ Tome cuidado com elas. _So elas que tem que ter cuidado comigo... _ inclinei-me mais em sua direo. _ Porque eu sou bem mais perigosa. _ sorri, pisquei o olho e levantei tambm minha taa de vinho. Olhei para todos ao meu redor petrificados, como se eu tivesse dado stop com o controle remoto. Ops! Acho que eles estavam esperando uma menininha boba e ingnua. Ai, lamentei tanto aquele desapontamento... Agentei-me para no rir. _ Vamos danar, amor? _ perguntei, oferecendo-lhe a mo. _O que voc quis dizer com aquilo? Voc ser perigosa com... _ Caio veio falando atrs de mim baixinho. Eu sorri e o envolvi com meus braos ao redor do seu pescoo. _Eu quis dizer que comigo no se brinca. _Voc me d medo. _ ele balanou a cabea para os lados e me abraou. _No se preocupe, lindo, com voc eu sou bem inofensiva. _ disse em seu ouvido. _ A menos que me provoque. _Que excitante. _ riu, girando e inclinando-me para trs. Depois, me trouxe rapidamente para perto do seu rosto. _ Nem parecia aquela garotinha com medo
ontem noite. _J pensou se eu fosse uma mulher s? Voc enjoaria rapidinho. _E quantas ainda tm a? _Voc que tem que descobrir. _E qual est aqui agora? _Depende de para onde voc vai lev-la. _Voc est muito desafiadora, essa noite, my lady. _ danou abraadinho para esconder sua avantajada alegria com nossa conversinha...
Cap 70: Fora dos planos Quando voltei das frias, uma coisa que no esperava aconteceu. Alis, o que eu esperava no aconteceu: minha menstruao estava atrasada h quinze dias. Entrei em pnico e liguei para Dbi vir at a minha casa. _Mas voc no est tomando plula? _ ela me olhou horrorizada. _No. _ balancei a cabea para os lados. _ S vejo ele um fim de semana ou outro, no quero me empanturrar de remdio. Eu prefiro usar o preservativo. _T! Calma! Voc lembra a ltima vez que fizeram sem? _Nunca fizemos sem, eu sempre me previno, ser que estourou? _Bela, pra de andar para os lados. Senta! _Como quer que eu fique calma? Imagina, meu pai iria sacrificar a criana e a mim em uma fogueira em brasa como aquelas das festas de So Joo! _Que horror! Seu nervosismo est atingindo seus neurnios! Presta ateno, as coisas no acontecem assim, no estoura to fcil. Agora se voc esqueceu... _E sem contar que... _ a interrompi. _... O Caio no pode ter um filho agora como cadete, proibido... _Bela, se aconteceu, aconteceu... No vai matar a criana por isso, nem tambm o Caio vai morrer... Claro que existem meninos que j tm filhos e escondem. _Dbi, e aqueles testes de farmcia? _ lembrei-me. _Podemos comprar um. No 100% certeza, mas pode te dar uma segurana. Ficamos ali nos olhando, em silncio, agora eu sentada e tentando me acalmar: _ Isso no pode acontecer comigo... _Bela, uma criana no uma doena, alegria... _Eu j no tenho certeza se seria tanta alegria assim.
_Acho que seria um grande teste para o amor de Caio, ver a reao dele. _Eu preferia no ter que testar nada. _ disse. _Quando vai comprar o teste? _No sei, pode me achar louca, mas eu no quero fazer, eu no estou preparada para ver nenhum resultado positivo... _E vai ficar a se martirizando? _ Pelo menos eu tenho alguns dias do benefcio da dvida. O Caio vem hoje para c, vamos conversar. _Vai ficar tudo bem. Eu estou aqui para o que precisar. _ apoiou sua mo sobre a minha. _ Quando voc tiver alguma dvida, toma a plula do dia seguinte, mas tem que ser dentro de 72 horas aps a relao. _Voc no est entendendo, eu sempre me previno, sou at neurtica com esta questo. _Ento, vamos parar de imaginar que voc engravidou do Esprito Santo, pensar que foi s uma alterao mesmo do ciclo, isso normalssimo e ponto final. Mais uma vez ficamos em silncio, tentando entronizar suas palavras. _E vocs como fazem? _Hum?... _ Dbi me pareceu querer fugir do assunto. _Voc toma plula ou usa preservativo? _ meio complicado, Bela... _No usam nada? Esto loucos? No to naquela de coito interrompido no, n? _No! _ ela riu. _ que ele no aceita os preservativos, acha que pecado. _Isso uma piada, n? Vocs no podem se arriscar, Dbi... _Eu sei, eu sei... _ ela levou as mos a cabea e percebi que tambm estava passando por problemas e eu ali s falando de mim mesma. _Dbi, me conta isso direito. _Ele aceitou que tivssemos relao, mas sempre sinto que ele est com medo de estar fazendo algo condenvel, ento, para no deix-lo mais pirado, eu finjo que fazemos tabela. _Como finge? _ ri, aquilo estava louco demais para a minha cabea. _Eu estipulei para ele o dia do perodo em que no estou frtil, a ele acha que isso o suficiente para termos relao nesses dias e prontinho. S que eu no sou idiota, tomo plula. _Meu Deus. _ fiquei estampada. _ Voc est mentindo para ele?
_Eu sei que parece muito horrvel, Bela. Mas eu o amo, no quero nossa vida amorosa desgastada por causa de um problema que eu encaro to bem. Se ele acha que um crime prevenir uma contracepo, ento, que ele pense que no est fazendo mal nenhum, que no est pecando, porque afinal no est. E se eu acho que isso normal, ento, eu tenho o direito de dormir tranqila. _Eu at concordo contigo, mas a questo da mentira... _No pense que isso me di. Mas, que, Bela, eu me sinto como se ele estivesse l atrs, com idias antiquadas, infantis e eu, l na frente, muito mais avanada. S que no quero pux-lo pelo brao e sair correndo para faz-lo recuperar a diferena. Ele vai cair e se machucar feio. Eu j ouvi umas conversas deles com uns amigos sobre isso, eles no tem meia medida, tudo ou nada. Um amigo dele terminou com a namorada porque achava que ela no era reta para ele. Eu no posso perder o Ribeiro. Nem que eu tenha que mentir para ele. Ser que meu amor mesquinho por isso? _Acho que no, mas se ele descobrir, talvez seja muito pior, porque a mentira algo que magoa, nos sentimos trados. Se eu fosse voc tentava mais uma vez conversar. _Eu j tentei. Ele props abstinncia. _Esse cara louco! Desculpe, sei que ele seu namorado. _Tudo bem. _E de doenas, voc no tem medo? _ perguntei. _No, ele um cara to pacato, tem medo de usar camisinha para no pecar, no o imagino fazendo orgias por a. _Eu tambm no creio que o meu Caio seja disso. Mas as histrias que ouo por a. Lembro de uma menina da faculdade contando que a amiga dela namorava um cara que era um santo e pegou HPV. O cara deixou ela e agora est namorando outra menina, provavelmente vai passar para ela tambm e assim por diante. Coitada da garota, a doena muito horrvel. _ balancei a cabea para os lados tentando afastar o pensamento. _T vendo? Nesse caso o menor mal um filhinho. _Ai, Dbi, no brinca com isso! _ rimos. _Bela, vamos parar com essas suposies? _ ela pegou o celular. _ Eu vou ligar para a farmcia e pedir o teste. _Est louca? Quer que minha me atenda o interfone? _Tudo bem, eu peo para entregar l em casa, vamos para l. Voc guarda na bolsa e traz de volta. Amanh de manh, no primeiro xixi voc faz o teste._ solucionou a questo, enquanto esperava algum atender do outro lado da linha. _Eu no vou conseguir dormir. _ disse. _Vai sim, o Caio vai estar aqui. _Quer dizer que ele vai ver o resultado? Ai, agora que estou nervosa mesmo.
Cap 71: Tenso _Voc j atrasou tanto tempo assim? _ Caio sentado na minha cama parecia relutante em aceitar a possibilidade de eu estar grvida. _No. S um ou dois dias no mximo. _Iam nos matar. _ ele abaixou a cabea. _ Seus pais confiaram na gente, ficamos aqui, dormimos juntos. _Nem me lembre. _ sentei do seu lado. _ Estou me sentindo desesperada. Caio, voc iria me abandonar se isso acontecesse? _Claro que no! _ ele me puxou e eu fiquei em p, nos abraamos com fora. _Voc me ama? _Lgico. _ beijou-me. _ Estamos juntos, sempre. E eu ainda acredito que no nada. Nunca falhamos em nos proteger. _. Vamos pensar assim. Passamos aquele dia fingindo que no estvamos ansiosos para o resultado do teste naquela manh seguinte. Eu acordei bem cedo e respirei fundo. Antes de tudo, pedi foras a Deus para o que quer que acontecesse e no final acrescentei que no queria ter um filho naquele momento. L estava o resultado. Negativo. Que alvio. Voltei para cama e abracei-me a Caio, fiz carinho no seu cabelo. Ele me puxou com seu brao forte e me aninhou em seu peito. Eu dormi tranqila como nunca, feito um anjinho. _Bela, sua dorminhoca... _ acordei com Caio beijando meu pescoo. _Hum... _ afundei a cara no travesseiro. _J no est na hora de acordar? _O que voc quer... _Voc sabe, no brinque com isso, estou ansioso. _Eu j fiz... _ virei o rosto para o lado, com os cabelos na cara. _J? E a? _E a que... Voc vai ser papai. _nh? _Mas s daqui a muito tempo... _Quer me matar do corao, n? _ deitou do meu lado e passou a mo na testa.
_Voc vai querer ficar comigo para sempre?_ perguntei retoricamente. _Claro! _ ele me puxou para debaixo dos lenis e ficamos ali aninhados. Depois mandei uma mensagem para Dbi contando que ela teria que esperar muito para ser madrinha.
Cap 72: Dando uma de cupido Dbi e eu ficamos mais que amigas. O fato de, em alguns fins de semana, no termos nossos namorados nos permitia curtir um bom filme com pipoca de microondas sem depresso, pois sabamos que no estvamos sozinhas, que a outra passava o mesmo e nos entendia. Mesmo quando no estava comigo, eu procurava apoio nas amigas na internet que, de algum lugar do pas, me falavam sobre a distncia, a saudade e a fora que estavam arrancando de si para superar o tempo afastados. Elas mal sabiam o quanto eram importante para mim, como talvez eu nem calculasse que tambm era vital para a vida delas. Mas, a minha vida nem sempre podia se restringir a isso porque havia meu crculo social aqui do lado de fora. Principalmente na faculdade, onde eu tambm fizera meu grupo de amigos. Com eles, o sistema era diferente. Eu evitava falar de Caio. No incio, eu procurava explicar como era nossa relao de uma maneira didtica para que eles fossem capazes de compreender sem nos julgar loucos. Mas era intil, sempre surgiam aquelas perguntas sobre cime, traio, desconfiana... Por fim, preferi adotar outra ttica: falar menos da minha vida pessoal para eles. Para todos os efeitos, era como se eu no tivesse vida amorosa. Bater de frente s iria me desgastar mais. Tambm no poderia julg-los as pessoas mais insensveis do mundo, afinal, eles no estavam na minha pele e no sabiam o que era, de verdade, o significado das minhas palavras. S se sabe quando se est ali, vendo o nibus partir da rodoviria, ligando de orelho no meio da chuva ou ficando muito feliz por causa de um e-mail ou scrap recebido de ltima hora. S se pode entrar de cabea no sentido de um amor distncia quando voc um dos personagens da histria. E, se eles estavam longe de atingir isso, eu tentaria viver aquilo sozinha sem ter que exigir o apoio de ningum. Mas, o fato de adotar esta postura no implicaria me distanciar deles, no queria que meu namoro fosse piv da minha excluso social. At porque Caio sempre reforava isso, que era importante eu no me isolar. Tarefa essa um pouquinho difcil em algumas situaes. Por exemplo, quando os meus amigos saiam em casais, eu no gostava de ir para segurar vela e ficar vendo-os se beijarem. Ou, quando Caio vinha para c, eu tentava aproveitar todo o tempo s com ele. Mas, fora dessas duas situaes, eu tentava me manter integrada. Aos poucos, ganhei a confiana de algumas pessoas. Uma delas foi a Penlope. Claro que seu nome no era esse, e sim, um apelido que lhe pusemos por causa de seu look sempre to chique, nos remetia personagem do desenho. Digo conquistar confiana porque ela, essa manh, veio me contar um segredo e me pedir uma ajudinha. _ Eu estou gostando do irmo da Brbara. Eu fui a um churrasco na casa deles e
fiquei maluca por ele. _Ora, pede ajuda a ela. A Brbara to legal. _Eu j pedi, mas ela no quis. Disse que ele estava ligado em outra... _Em outra garota? _No sei, ela foi vaga. _Ele gay? _Acho que no. _ ela riu._ Mas no posso contar muito com o apoio dela. Sei l, voc to resolvida, podia me dar uma mozinha. _Eu? _ apontei para o meu prprio peito. _ Eu nem conheo ele! _Ah! Isso fcil. O churrasco da turma vai ser na casa dela, podemos ir e, l, voc conhece ele e pe esse gatinho na minha. _Eu no sei se sou boa de cupido. _ comentei. _ Mas, posso tentar. Tenho que primeiro conhecer o dito cujo.
Cap 74: Tarefa cumprida Caio me ligou j, estava prximo da hora combinada para ir a boate com Penlope. Ele havia me dito que iramos juntos. _Bela, eu vou para So Paulo. Meus pais vieram me buscar. _Por qu? O que aconteceu? Eu estava tentando ligar para o seu celular... _Eu me machuquei no treino. _Qu? Como voc est? _ meu corao disparou. _Agora eu estou bem. Quebrei o p e engessei. _No diz isso! Voc estava treinando tanto para o campeonato... _Nem me lembre, estou muito mal por isso. _Calma, amor, vai se recuperar, voc vai ver. _E voc? Vai sair mesmo assim? _Num sei... A Penlope no quer ir sozinha, voc se importaria se eu fosse? _No... Mas se cuida t? Vou tentar no pensar que vai ter um monte de play em cima de voc. _Amor, voc sabe que eu s tenho olhos para voc. _Eu sei, eu te amo. Se cuida. _Eu que falo: se cuida.
Desligamos. Parece que todo o brilho da noite se apagou. Eu cheguei na boate com cara de enterro. Jonny percebeu isso e no sossegou, enquanto eu no lhe disse que era por causa do meu namorado que havia se machucado. _Voc quer ir embora? _ disse-me. Penlope estava no banheiro com outra amiga que tinha encontrado. _No... No sei... _ passei as mos no rosto. Eu estava agoniada. A msica era tima, a comida, o lugar, tudo perfeito. Mas eu estava sem meu Caio e era como se uma parte de mim estivesse faltando. _Eu posso te levar em casa. _No! Isso no... Jonny, na verdade, eu vim aqui porque quero te dizer uma coisa... _Fala! _ olhou-me com toda ateno. Estava lindssimo de blusa preta e cabelo arrepiado. O homem mais lindo do lugar. _ Pode falar... _A minha amiga est a fim de voc e queria saber se tem chance de... _... _ ele riu, abaixou a cabea e a balanou para os lados. _ Quer dizer que se eu ficar com ela, voc estaria segura para ir embora? _No foi isso que quis dizer, nem quero que fique com ela por mim, como voc disse, ou que... S quero saber se tem chance. _Vou arrumar um carro para voc. _ ele pegou o celular, chamou um txi. _Olha, eu no tenho dinheiro para pagar um txi at minha casa, longe... _Eu no pedi para pagar. _ ele abriu a carteira e tirou uma nota azul de cem reais e me deu. E fiquei olhando para aquilo como quem olha para o cordo de brilhantes, ningum coloca isso na nossa mo assim de bobeira. _Jonny, no... _Bela, olha para mim, eu trabalho em um emprego pblico, ganho muitssimo bem. Dinheiro para mim no vale droga nenhuma, s quero saber que vai chegar bem em casa, esse barulho e essa fumaa no est te fazendo nada nada nada bem... _Mas e minha amiga? _Eu cuido dela. _ suspirou. _Eu no quero que seja assim... _Bela, vem... _ ele levantou-se e me fez segui-lo. Fomos at a portaria pagar minha entrada e ele passou o carto dele, me impedindo at mesmo de pagar minha consumao.
_Eu deveria ter falado com ela primeiro... _Eu falo que voc no estava bem. No se preocupe, j disse. _Jonny, voc vai ficar com ela? _Vou. _ disse. Droga, eu tinha conseguido aquilo que ela queria, mas no era como eu imaginava. Mas no estava ali para mudar os fatores, s queria realmente ir para casa. _Bela? _ ele segurou a minha mo e me puxou lentamente para si, ficamos separados por uma corda. O segurana ficou nos olhando. _O qu? _ofereci o ouvido para ele falar. _Todas as mulheres aqui ficaram aos seus ps. Voc teve todos os olhares. S as Belas tem esse poder. _ disse ao meu ouvido. _ Durma com os anjos, no templo das deusas gregas. _... _ levantei o rosto, olhei-o, nada disse, me afastei e sai pela porta. Seu perfume ficou entranhado na minha roupa, sua voz grossa no meu ouvido. Mas meu corao era s do meu Caio, do meu doce e eterno amigo - irmo namorado. Meu celular vibrou. Uma mensagem. _ Minha irm vai fazer uma festa do pijama sexta que vem. Aparea. Jonny. Mas o que ele queria? Ficou com minha amiga por pura praticidade e falava comigo daquele jeito? Talvez eu lhe dera esperanas. Eu tinha que mudar minha maneira de ser. Perder aquela mania de ficar fazendo joguinhos verbais, de brincar com os homens, de acabar com meu jeito nato de seduzir, mesmo que para atiar. Eu sempre fora assim e agora no podia mais, estava namorando. Se Caio descobrisse seria o caos, no, isso no iria acontecer! Eu no iria quela festa! Pronto! Autora: Li
*Blog da Bela e da Dbi * Comunidade do livro no orkut! O livro ganhou o trofu "The Best!" do ms, no site A Gazeta dos Blogueiros!
(2) Comentrios aqui ou aqui >> 15/08/2007 Cap 73: Jogo de palavras
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Brbara era uma garota muito bonita, faltava apenas acreditar mais em si mesma. Achei que no seria nada demais lhe dar essa mozinha, j que pedira a mim essa fora. O churrasco da turma aconteceu em um domingo, dei um jeito de Caio se convencer de que precisava passar mais tempo com a famlia e lhe expliquei que queria ir ao churrasco fechado da turma. Fazia um delicioso sol e por baixo da saia e da blusa coloquei um biquni amarelo. Quando cheguei, a prpria Brbara veio abrir o porto. Abracei-a e lhe paguei o dinheiro da minha cota do churrasco. Cumprimentei alguns amigos e, ainda em p, vi quando um homem saiu pela porta da sala e chegou na varanda onde estava a mesa com as comidas. Ele me olhou em cheio e eu senti um frio na barriga. Era alto, um corpo gigantemente esculturalmente perfeitamente... tudo de "mente" com uma cor bronzeada que eu o escalaria logo de cara para um comercial de cerveja para o pblico feminino. O cabelo molhado jogado na testa e os olhos indecentemente verdes desconcertavam qualquer um ao olh-lo. As entradas desciam e se perdiam na bermuda florida azul e branca que contrastavam com sua cor. _ esse a com quem voc vai ter que fazer um trabalhinho para mim. _ ouvi Penlope do meu lado e eu tomei um susto, como se fosse pega fazendo algo errado. Era como se ela pudesse ter lido meus pensamentos. _Ele o irmo da Brbara? _ perguntei, tentando no parecer em nada afetada. _Em carne, osso e msculos, muitos msculos. _No tinha ningum mais humano no? _ perguntei. _ Ele saiu de onde? Da forma? Esse a deve ter ficado muito mais tempo l em cima na fbrica da beleza. _Bela! Voc tem namorado! _Eu sei, mas no sou cega! _ ri. _ Ok, voc quer que eu diga o qu para ele? _ tentei levar aquela misso para o lado prtico. _Eu no sei, n? Se soubesse ia l eu mesma. _ riu. _ Quando chego perto dele me sinto uma gaga que s fala imbecilidades. _Ento, vou pedir para ele vir aqui te beijar, assim voc nem vai precisar falar. _ brinquei. _Voc acha que eu tenho chances? _Bom, primeiro eu tenho que sondar. _ dei de ombros e entreguei-lhe minha bolsa para segurar. Fui at a mesa fazer o meu prato e fiz um comentrio qualquer sobre a salada de macarro colorido para chamar a ateno do irmo de Brbara. _ muito boa, minha me capricha. _ disse ele, cortando a carne em uma tbua de madeira. _ Eu no lembro de ter te visto no churrasco anterior. _ comentou ele. _ Ah! Desculpe, nem me apresentei. _ ri e joguei meu cabelo para o lado, para no
cair nem um fio no meu prato. _ Sou a Bela. _Voc disse que Bela? No duvido. _ ele usou a melhor voz de cantada e no desperdiou nem a chance de fazer aquela habitual piadinha. _E voc? _ perguntei por seu nome. _O que acha? _ ele parou de cortar e ficou ereto. _ Belo tambm? Eu tentei no olhar para ele para no dar na telha de que tinha ficado vermelha. _ No, Belo no, voc precisaria pintar o cabelo de loiro. _ brinquei, fazendo meno ao cantor de pagode Belo, que descolorava o cabelo. Rpida, voc, garota!, me elogiei, sorrindo. _ Por que no veio da outra vez? _ perguntou ele, sempre puxando assunto. _Porque eu sa com meu namorado. _ disse eu. Pronto! Saquei a frase que o maior delimitador de territrio. Se qualquer cara chegar perto de voc avanando rpido demais, coloque esta frase para farpar uma grande cerca ao seu redor. _Que pena. _ lamentou. _Do qu? Eu ter namorado ou no ter vindo? _ belisquei uma lingia que ele havia acabado de cortar. Droga! Eu no falei isso! Eu no falei isso! Uma faca para eu cortar meus pulsos! Putz... _De no ter vindo, claro, porque voc ter namorado eu no me importo. _ sorriu. _ Quer mais lingia? Dessas grandes? _ olhou-me com todo aquele verde dos seus olhos de clios longos. Eu fiquei bem mudinha, afinal, naquele joguinho de palavras, do jeito que eu sou atacada, vou acabar fazendo trocadilhos com grossuras de lingia que vai descambar em um dilogo terrvel... _No, obrigada. No posso abusar. _ agradeci. _As Belas sempre podem. S o resto da humanidade precisa se martirizar. _ ofereceu. E eu peguei mais um pouco. Se para conversar com ele eu precisasse continuar enchendo meu prato, aquilo iria virar uma montanha de carne e farofa. _Eu disse o meu nome, e o seu? _ perguntei mais uma vez. _Patrick. _ respondeu. _Patrick? _ repeti. No era exatamente um nome adequado para um homem to bonito e forte, soava quase ridculo, meio afeminado, nome de criana. diferente de falar Vem, Roberto, Vem meu Jorge, Carlos, Ricardo... _ E as pessoas te apelidam de Pat? _ ironizei.
_No, de Jonny mesmo, o do Jonny bravo. Voc acha que tem a ver? _Depende do tamanho do seu crebro. _ comentei. _Bom, isso voc s vai saber se tentar entrar nele para estud-lo. _Acho que agora eu quero mesmo entrar de cabea no meu prato. _ sorri. _No vai beber nada? _ ele abriu o isopor cheio de gelo e tirou para mim a garrafa de Coca-Cola que pedi. _Obrigada. Sentei-me em uma mesa vazia e ele sentou-se ao meu lado. _Parece que eu no dou sorte com as amigas da minha irm, sempre comprometidas. _Nem todas, s voc reparar melhor. Fiz um sinal para Brbara vir se juntar a gente. _Conhece? Brbara, Jonny. _ apresentei-os. Esquisito, h vinte minutos eu era a estranha ali. Comi minha carne o mais rpido que pude para correr daquela posio de vela e pular na piscina. Os dois conversaram, mas senti que no rolou nada. Eu era pssima como cupido e, pelo visto, ainda teria muito trabalho pela frente. _Ele chamou a gente para uma night, ele tem filipetas para nos dar. Eu no quero ir sozinha, voc vai comigo, n? _Ai, Brbara. Eu tenho namorado e voc sabe que ele pode no vir para o Rio, eu vou ficar de vela... _Por favorrrrrr. _Tudo bem, vamos tentar levar mais gente pelo menos. _sugeri. *** Chegando em casa, entrei na Internet e escrevi no meu blog: " complicado ter uma postura de namorada. Quase como ter que se desacostumar a ser como antes. Por exemplo, sempre fui muito grudada nos amigos. Do tipo que beija, abraa, chama de "querido", "querida". O que chamariam de "uma pessoa dada", rs. Brincadeira. Sou muito carinhosa. Hoje, uma amiga me alfinetou quando tive uma atitude. "Voc tem namorado!", ouvi dela. Eu tenho que me policiar, para no futuro no ter problemas com meu amor por isso."
Ser que outras pessoas j passaram por essa sensao que est comigo agora, como se algo que antes era normal me fizesse "ser uma crpula" por estar namorando? Vou esperar ansiosa os comentrios para saber sobre outras experincias das meninas.
Cap 75: Ataque _ Puxa, miga, vai comigo? _ Penlope parecia uma garota mimada que no sabe ouvir no. _Olha, voc fica com as meninas na festa do pijama e eu dou um jeito de ficar com ele! E se eu dissesse que ele quer ficar comigo?, s pensei, no tive coragem de falar. _Penlope, eu no estou a fim de ir... _ Vai ficar em casa sozinha? O Caio no vai para So Paulo de novo, que voc disse. Para que eu fui abrir minha boca?!, briguei comigo mesma. _ Vai ter vdeos de comdia, pipoca, muita besteira, banho na piscina, tudo de mais divertido com as meninas! Eu sinto que d tudo certo, quando voc est perto. Por que ser?... suspirei. _Ok, eu vou. Mas voc vai ficar com ele, hen? No quero ir l toa. _ ri. _Pode deixar, quero muito ver aquele gatinho de novo. Eu sabia que ia me arrepender, mas no consigo dizer no para as pessoas, principalmente para as amigas, que droga! L estava eu subindo as escadinhas que davam para a porta da casa de Brbara. Jonny nos recebeu porta e abriu um lindo sorriso para mim, quando Penlope passou na minha frente e deu um pulo para abra-lo enfaticamente. Ele me beijou a bochecha e falou no meu ouvido: _Eu sabia que vinha. Entrei e cumprimentei todas as meninas, ficaria o mximo de tempo possvel agarrada a elas, no sairia nem para fazer xixi. Jonny no poderia ter chance de ficar perto de mim. Eu estava convicta de que meu comportamento precisava mudar. Era importante eu ter uma postura que tambm quero ver no meu namorado. Como posso cobrar dele algo que eu no sei (nem me esforo) para oferecer? Imagina se algum dia ele me pega em algum furo, mesmo que inocente? Vai pensar que dou intimidade para todo mundo. _ Bela, pega l na cozinha a pipoca de microondas? _ Brbara pediu, no cooperando nadinha com minha misso de ficar longe do irmo, porque quando
cheguei l, quem encontrei? _ minha vez de dizer uma coisa... _ ele largou a garrafa de suco em cima da mesa e veio em minha direo. Ai... _Antes de me dizer, eu quero falar que eu... _ comecei a gaguejar. _ Eu tenho namorado, eu amo muito meu namorado... _E quem disse que eu ia falar sobre ele? _ colocou meu cabelo para o lado e eu dei um passo para trs e vi que o limite era pia. _Jonny, eu quero que me respeite. _Eu fiz alguma coisa? _ riu. O que ele queria comigo? O que ele ia fazer?
Cap 76: Em apuros Jonny apoiou suas duas mos na pia, ao meu redor, de modo que eu parecia presa, sem poder sair do crculo que ele me envolvera. _Eu vou te beijar e voc vai ficar quietinha. _No. Eu no quero. _Voc fez de tudo e agora no quer? _ beijou meu pescoo. _Se voc continuar, eu vou gritar. _Voc no vai fazer isso. _ ele tampou minha boca com sua mo e com a outra segurou meu cabelo. _Humm... _ tentei me livrar dele, mas no consegui. Olhei para pia e vi uma faca de po esquecida, peguei-a rapidamente, quando ele me puxava para a rea de servio dos fundos da casa. _Aqui voc pode ficar sozinha comigo. Tentei me acalmar, quanto mais nervosa eu parecesse, mais ele tentaria me agredir. _Vai se comportar? _ perguntou. Fiz que sim com a cabea. Ele me beijou e eu tentei retribuir, sabia o quanto aquilo significava a maior traio que Caio poderia receber. Abri os olhos e me concentrei no local para saber minhas possibilidades de escapar. Era muito difcil, as paredes eram altas e a porta estava trancada. Eu s contava com a faca na minha mo, mas eu no tinha sangue frio para us-la. Era preciso. Respirei fundo e erguia na nuca do irmo de Brbara. _Se voc se mexer eu vou cortar a veia que leva sangue para o seu crebro e voc morrer em questo de segundos.
_Voc no seria capaz. _ ele agarrou-me pelo pescoo e eu perdi os reflexos. A faca caiu no cho e eu ouvi o estalido metlico da lmina contra o piso. _ Socorro! _ gritei. Como uma enviada divina, a vizinha do prdio do lado ouviu e apareceu na janela. Em questo de minutos Brbara apareceu para abrir a porta. _Jonny, larga ela! _ordenou. _ E voc quer o que aqui? _ soltou-me e partiu para cima da irm. _Voc no vai ter coragem de me bater. Voc no tomou seus remdios? O mdico j mandou voc tomar! _ ela puxou-o, mas ele parecia um urso. _Bela, sai daqui, anda! _ gritou comigo. Passei pela porta e encontrei Penlope vindo em minha direo. Eu ainda estava tossindo, ele apertara muito forte o meu pescoo. _Esquea esse cara. _ falei. Logo todas as meninas estavam na cozinha, querendo saber porque eu estava machucada e chorando. O pai de Brbara apareceu e ela pediu para todas as meninas irem para o quarto dela, assistirem o filme. Liguei para Dbora: _Miga, larga tudo o que est fazendo, vem me buscar, agora! _Onde voc est, sua maluca? O que houve? _ Eu no quero falar. Eu s quero sair daqui... _ minhas mos estavam tremendo. O irmo foi levado pelo pai para o hospital e Brbara veio ao meu encontro, parecia arrasada. Sentou-se comigo na entrada de casa, me fazendo companhia para a chegada de Dbi. _Agora entende porque no ajudei a Penlope. _Voc sabia disso... Porque no disse a ela? _Porque muito difcil... Ele sempre foi o mais inteligente da turma, o Don Juan..., o melhor de todos... _O que ele tem? Seu irmo um manaco. _Ele um bipolar. Toma remdios fortssimos para controlar o humor. Um dia est se sentindo o melhor e mais poderoso homem do mundo, no outro est com mania de perseguio... Com o tempo os remdios o ajudaram a conviver melhor com sua doena. _... _ eu no comentei nada. Dormi na casa de Dbi e torci para que eu no ficasse com nenhuma marca. Meus
pais arrumariam uma grande guerra por aquilo. Mas se eu podia passar desapercebido por eles, no poderia dizer o mesmo pelo Caio, de seus olhos nada escaparia.
Cap 77: O verdadeiro amor Contei para o Caio o motivo de estar usando uma blusa de gola alta. No teve como esconder, ele queria tirar minha roupa e eu relutei. As marcas ainda estavam evidentes. Parece que minhas palavras o anestesiaram. Ele ficou ali parado na minha cama, com a boca um pouco entre aberta. Uma mistura de raiva, impotncia, cime e horror estavam em seus olhos. _Eu vou matar esse cara. _No, Caio, fala baixo. Meus pais no sabem de nada, no quero mais confuso, quero ficar muito longe de qualquer escndalo... _Ningum mexe com voc... _ ele estava irado e eu vi pela primeira vez o que aqueles anos de Academia tinham lhe dado, uma fora brutal. _Por favor... _ apelei para as lgrimas, j que eu era fraca demais para segurar aquela massa de homem. Caio passou as mos no cabelo, ps na cintura e me olhou: _Voc est bem agora? _ veio em minha direo, desolado por no poder retornar no tempo e alterar o passado. _ Ele fez mais alguma coisa... _No! Ele s me beijou a fora e me agarrou pelo pescoo... _Vem c... _ me puxou para um abrao. _ No lembre mais disso. Passou. _ beijou meu cabelo. _Caio eu te amo tanto... _ aquilo saiu com muita fora de dentro de mim, como se nunca tivesse lhe dito isso. _Eu tambm, minha linda. _ ele me trouxe para a cama, deitamos e eu me aninhei em seus braos, fechei os olhos e fiquei escutando as pancadas do seu corao. _ Voc a coisa mais importante da minha vida, depois dos meus pais, sabia? No suporto a idia de que algum te tocou. _Mas o meu corao s foi tocado por voc. _O tempo est passando rpido, daqui a pouco o segundo ano acaba, parece que foi ontem que comeou. Acho que tivemos tantas coisas boas para lembrar que nem vimos hora passar. _ verdade, estar com voc sempre bom. _ sorri, uma enorme sensao de paz me envolveu. O sol da tarde desaparecia e deixava apenas uma luz fraca iluminar o quarto. Caio ficou ali me fazendo carinho. Seu p engessado deixava uma trilha de p branco por onde passava. Acariciei seu peito musculoso e beijei seu mamilo, ele no se conteve de riso:
_Pra, eu morro de ccegas. _ pediu. Apoiei minha cabea na mo e deitei de lado para observ-lo melhor. Por mais que Jonny tivesse charme, beleza, dinheiro, nada nele era comparvel deliciosa sensao de paz que Caio me proporcionava. Era como se desde sempre nos conhecssemos e fossemos ntimos. Havia uma transparncia entre ns que nos fazia sentir em casa, sem mscaras, sem duplicidades. Cochilei no colo de Caio e no calor do seu corpo eu, finalmente, descansei tranqila e feliz. Ele, sim, era o homem da minha vida.
Cap 78: Amadurecimento Caio sofreu muito com aquele gesso no p. Eu estive ao seu lado em todos os momentos, tanto fisicamente como moralmente. Procurava ligar todos os dias para saber seu estado de sade. O peso de carregar o prprio corpo s com a ajuda das muletas lhe trouxera ferimentos debaixo das axilas e muito cansao fsico. Mas, o tempo faz as coisas voltarem ao normal, ele logo ficou bom e retornou aos treinos fsicos. S que nem tudo tinha a capacidade de retornar a fase anterior, pelo contrrio, progredia... Estou me referindo ao meu relacionamento propriamente. Hoje, estou namorando, e amanh? sobre isso que comecei a conversar com Caio. No diretamente, mas em tom de puro sonho ou brincadeira: _ Amor, olha aquele apartamento, to bonitinho n? Derrubaram uma casa antiga e rapidinho levantaram esse prdio. _ apontei, enquanto andvamos pelas ruas do meu bairro. _ Quando a gente se casar, eu quero ter um desses para a gente ter o nosso canto, claro... Ele apenas ouvia, no complementava em nada no meu sonho. E seu silncio representava para mim uma contrariedade incmoda porque eu me sentia errada ao ter aqueles desejos, j que ele no partilhava o mesmo comigo. _O que foi? Ficou calado, Caio. _Hum... Sei l, que eu acho pura bobeira gastar dinheiro comprando imvel. A gente vai viver se mudando pelo pas. bem melhor investir em aes, corre muito mais dinheiro que os juros da poupana. Aquele era um lado to pragmtico: juros, aes, poupana, especulaes. Eu estava me referindo a uma poltrona no quarto ao lado da cama para ler, um pequeno escritrio para estudarmos, uma sala com DVD para assistirmos vdeos juntos, uma mesa na cozinha. Eu via um lar, ele via cifres, lucros. _Eu no acho besteira. _ afirmei minha posio. _Eu acho, meus pais nunca tiveram isso. _Porque seu pai quis assim. A maioria das pessoas se preocupam com isso. _Meu pai militar. _ me lembrou. _Justamente por isso. _ falei enfaticamente. _ Caio, esses so os meus sonhos. Voc sonha com cursos, campos, servios e tudo que sua carreira impe, at as
transferncias. Esses no so os meus sonhos. Os meus sonhos so: um trabalho, uma casa minha... _T, mas eu no quero comprar nada. Meus pais nunca ligaram para isso. _Eu no vou mais falar no assunto. _ calei-me, se continuasse estragaria o nosso curto fim de semana. Mas, eu ainda teria muito que falar sobre aquilo em breve, quando uma mudana repentina na minha vida me faria tomar uma deciso sobre tudo o que envolvia esta pequena discusso. Caio simplesmente no gostava de falar de casamento. Dizia que era muito cedo, s depois de capito. Parecia que nos casar era faz-lo pular uma etapa da sua vida. Ento, o que ele queria? Sair por a, pegando geral, virando madrugada em boate, sei l? Eu sabia que no era isso, que existia uma grande imaturidade da parte dele, no estava preparado para ser dono do prprio nariz. Eu s sondava que sabia, no tinha tanta certeza do fato, porm o futuro me mostraria o quanto Caio ainda era s um garoto. E eu virava uma mulher em uma velocidade um pouco maior. Essa postura de ter coceira s em ouvir a palavra casamento me entristecia, queria ao menos me sentir amada ao ouvi-lo falar: Ah! Quando a gente casar vai ser assim.... Mesmo que fosse daqui a sete anos, no importava, eu queria me sentir dentro desse sonho futuro. A sua explicao tambm fora menos alentadora: Eu s vivo o presente, nunca planejei nada a longo prazo. Putz, ouvir aquilo, sim, era desmotivante. Eu namorava um cara sem sonhos, sem objetivos? Talvez a questo no fosse essa (mesmo que eu sentisse com muita dor dentro do corao que fosse). A realidade que Caio tinha toda a sua vida arrumadinha, cronometrada pelos seus superiores. At sua carreira possua degraus certos para progredir. A gente faz planos justamente quando no tem certezas. Ele no, ao contrrio, tinha todas as garantias do mundo, bastava no fazer nenhuma besteira e tudo seguiria o cronograma. Simplesmente, ele no poderia querer casar porque o casamento seria um projeto todo baseado por sua conta e risco. Para quem no est acostumado a fazer nada desses moldes, o melhor mesmo adiar para uma data muito longe. Eu ficava ruminando isso tudo na minha cabecinha e isso me provocava um inferno mental. Passei por vrias fases em relao a essa histria de casar: falava disso o tempo inteiro e fingia que ele s no fazia o mesmo por ser tmido; depois, falava e sabia que ele no me seguia, pois no tinha as mesmas metas; mais tarde, falava e questionava seu silncio e, por fim, parei de falar. Como se aquela batalha me trouxesse um cansao. Deixei cair no esquecimento, me prometi que viveria cada dia e pronto. Contudo, o 3 ano chegou e com ele uma avalanche ainda mais forte de questionamentos. No dava para escapar, o tempo corria e logo ali na frente, no 4 ano, estaramos de cara com o fim daquela distncia. Ele sabia o que queria e eu sabia tambm o que no queria. A partir de ento, aqui no peito, comeou a bater um corao em guerra.
Cap 79: Um mestre Como eu havia dito, eu queria muito fazer a minha vida e entrar na fase adulta significava parar de pedir dinheiro ao meu pai. Mas o que adiantava sair da sua dependncia e entrar em outra, a do meu marido? Minha sogra estava sendo muito boa comigo, mas no duvidaria (nem acharia que estivesse errada) se pensasse que eu era uma dondoca exploradora do salrio do filho militar. E agora? Eu tinha que ter uma estratgia. Se conseguisse um estgio s ganharia 400 a 700 reais, isso com muita sorte. Porm, corria o risco de ficar meses mofando, em uma espera que nunca chegava! No tinha esse tempo a perder. _Me, o tio Paulinho conseguiu terminar a reforma daquela casa que ele comprou? _ perguntei no meio do jantar. _ Ah! Ele fez um salo de festas l. _ disse com voz de pouco caso. Depois do jantar, peguei a caderneta de telefone e liguei para meu tio, que se surpreendeu: _Bela? Aconteceu alguma coisa? _ perguntou, j esperando o pior. Tio Paulo era rejeitado pela famlia da mame, pois nunca dera valor aos estudos e trabalho na juventude. Sua vida era jogar bola e sair com os amigos. Porm, uma hora precisou dar um rumo ao seu destino. E era justamente nessa etapa em que eu me encontrava. Acho que os parentes sentem mesmo inveja do seu sucesso. Porque todos se esforaram tanto nos estudos e pouco conseguiram financeiramente. Ele, com sua esperteza e inteligncia, criou um patrimnio maior que o de toda famlia junta. S que eu no queria lhe pedir favor ou dinheiro emprestado. Apesar de no duvidar que me daria, agora que j tinha uma boa condio de vida. Meu pedido era simples: um emprego. Est a uma coisa que ele jamais esperava vir de mim. Pelo contrrio, ficava to excludo do convvio da famlia que s pensava no pior ao receber um telefonema. _Est tudo bem aqui, tio. Eu queria mesmo conversar com o senhor, mas precisava ser pessoalmente. _Fale logo, menina, se for algo grave, no tente me poupar. _ pediu. _Eu j disse que no nada demais, uma coisa minha mesmo. Quando tem um tempo livre? _Eu estou um pouco ocupado, mas... _ pensou por algum momento. _... Vem agora! _ mudou de idia. _Agora? _ eu repeti. Ele realmente no acreditava ainda que estava tudo bem. Fiquei contaminada por sua pressa e encarei aquela minha vontade de mudar o meu futuro como algo que tivesse urgncia:
_... _ levantei-me, olhei para os lados. _ Tudo bem, estou a, daqui meia hora. _Te espero. _Certo. _ desliguei. Tio Paulinho foi para mim um mestre. como se a todo momento eu vivesse diante de uma montanha e achasse que o mundo era ela. Ele me pegou pela mo, me levou ao topo da montanha e mostrou l de cima um mundo muito maior por detrs do rochedo. Anos de faculdade no me traria todo o aprendizado que ele conseguira me passar. Os seus mtodos, porm, no eram os mais fceis de se levar. Tio Paulinho deixou de existir para mim. Conheci o Senhor Paulo, uma pessoa rigorosa e de olhar clnico. Sua lembrana em minha mente era de um homem descamisado e sempre com um copo de cerveja na mo em todos os lbuns de festas de aniversrio da famlia. Aquele que encontrei sentado em seu escritrio nos fundos do salo de festas era um homem responsvel e dono de si. Vestia roupa social e usava um relgio prateado grande e ostensivo. A sala era ampla, com piso de granito cinza e paredes repletas de rplicas de quadros de arte. No imaginava que fosse encontrar um lugar to organizado e fino. _Pode se sentar. _ ele indicou com a mo estendida para a cadeira estofada ao meu lado. _Obrigada por me receber. _ eu falei, em um tom de quem est nervosa para uma entrevista de emprego, quando aquele era o meu tio. _O que vocs esto precisando de mim? _ recostou-se no encosto de sua cadeira alta e preta. _Nada... _Bela, eu sei que a minha famlia s se aproxima de mim, quando o bolso aperta. _ ele disse com toda clareza e eu emudeci. _ Mas... _ apontou para mim e semicerrou os olhos, como quem estivesse esperando o pensamento se completar antes de falar. _... Saiba que eu j estava esperando por voc. _Estava? _ franzi a testa. _No sabia que era voc, mas estava. Eu tinha feito um pedido a Deus. S que deixa para l... _ fez pouco caso. _ No hora de falarmos disso. Eu fiquei muda, olhando-o. Como lhe diria que de fato eu lhe procurara justamente porque eu estava sem grana? _ Eu vou ser sincera com o senhor. Escolhi fazer publicidade. Estudei muito e no fim s consegui um estgio que no me remunerava bem... _ tentei ser muito franca. _... Sei que existem outros melhores, que pagam mais, s que eu no queria ficar esperando por isso. Eu tenho que tocar minha vida. _ Por que tanta urgncia? J est pensando em se casar com seu militar?
Eu fiquei com a boca entreaberta, sem fala. Como ele sabia? Meu tio riu, balanou a cabea para os lados, encostou os polegares na testa e fez fora com o tronco para que seu peso trouxesse a cadeira mais para frente, de forma que ficssemos mais perto, apesar da mesa de vidro que nos separava. _ Vi no seu orkut. Hei! Ele ficou fuxicando a minha vida?! _No precisa fazer essa cara de reprovao. Vocs adolescentes so engraados, usam uma coisa para todo mundo ver, mas no querem que ningum veja e, pior, acreditam que ningum v! _Por que a curiosidade? _Simples, Isabela, eu quero saber com quem eu estou lidando. E l diz muito sobre voc. Diz que no gosta de acordar cedo, que odeia lavar o banheiro, que... _ parou de falar e ficou me olhando como quem estuda um ratinho. _ percebe como voc deixa as pessoas mergulharem na sua vida? Se soubessem a grande besteira que est fazendo, o perigo que abrir as portas da sua vida para qualquer um olhar... Deixa eu te dizer uma coisa: saiu no jornal essa semana uma reportagem que diz que uma em cada seis empresas olham o orkut dos candidatos a vagas de emprego. _J ouvi falar disso... _No me refiro apenas a questes de trabalho. Isabela, no pense que todas as pessoas te amam. Sabe aquela foto sua com seu namorado fardado? Em alguns segundos eu poderia te cortar dela e colocar uma mulher nua abraada a ele e espalhar por a. Por que eu faria isso? No sei, para te destruir. No importa a veracidade da imagem se o estrago for grande at que se prove o contrrio... _Eu sei. _ murmurei, quase sem fala. _ Mas eu no quero me privar de colocar as minhas fotos por causa dos outros, eu no vou viver uma parania da conspirao. _ o que todos dizem at serem vtimas. Os adolescentes acham legal aquele lbum de figurinhas de amigos, com a vida ali exposta atravs das comunidades que falam sobre sua conduta e seu livrinho de recados indicando o que vai fazer no fim de semana. _Eu no sou mais uma adolescente. _ sim, Isabela, at que voc mesma prove o contrrio. A idade est nas atitudes e no na identidade ou certido de nascimento. Por que ele estava me provocando aquela sesso de angstia? Aquilo era um teste? Socorro, eu queria ir embora antes dele me massacrar. _O que queria mesmo? _entrelaou os dedos das mos sobre a mesa e me encarou. _Eu estava dizendo que difcil conseguir juntar dinheiro com a grana de estgio e eu queria trabalhar. _E onde eu entro nessa histria?
No era bvio? Ele queria que eu soletrasse ou me ajoelhasse e tirasse seus sapatos para beijar seus ps? _... _Bela, se voc no sabe o que voc quer, eu tenho hora. _Eu quero um emprego. _ respondi antes que ele terminasse sua frase. _Quer mesmo? _Quero. _O quanto voc quer? Que pergunta ridcula era aquela? Ele estava me deixando confusa, por um segundo me senti como em um treinamento militar. Com o tempo e a convivncia eu aprenderia que era quase isso mesmo. _Muito. _Ento, vamos comear agora? _ ele se levantou e foi at um armrio de madeira atrs de mim. Eu continuei olhando para frente, mirando sua cadeira vazia. Como assim, agora? J? Now? _Voc precisar estudar um pouco. Estudar? Franzi a testa. Aquilo tudo era uma pegadinha? Desde quando eu tinha que estudar para trabalhar em um salo de festas? _Eu vou fazer exatamente o qu? _ suspendi as sobrancelhas quando escutei o estalido do vidro com cada apostila grossa que ele fez cair uma sobre a outra na mesa minha frente. _Voc veio aqui procurando emprego, certo? Voc quer ganhar dinheiro, no ? _. _ concordei, sendo to objetiva quanto ele. _Ento, vai fazer tudo. _ resumiu, voltando ao seu lugar. _ Comeando por essas apostilas. Estude tudo, leia, consuma, decore. Quando acabar, me devolva. _Mas, ler aqui, agora? _No aqui. _ ele abriu umas gavetas e pareceu no encontrar o que queria. Apertou um boto no telefone e falou no viva voz. _ Cleide, traga para mim uma bolsa grande e resistente. _ tirou o dedo do boto e voltou a me encarar. _ Voc vai comear a trabalhar nesse pequeno ch que comear s quatro. Vem comigo. _Eu trago as apostilas? _ perguntei. _No, deixe a. Falarei para a Cleide colocar em uma bolsa. Se bem que traz aquela verde ali. _apontou para a mais fina. _Vai ajudar a te entreter. _Tudo bem. _ peguei-a, coloquei debaixo do brao e o segui rapidamente para no
perd-lo de vista. _Este aqui o salo principal. _ mostrou. _ Ali em cima h mais trs andares para outras festas separadas. Aquela porta a cozinha. Fiz que sim com a cabea para mostrar que estava atenta a suas explicaes. _Esses aqui so para festa dos pobres, estou construindo um grande a algumas ruas depois daqui para verdadeiras festas suntuosas, esse o meu grande projeto. _Hum... _ levantei as sobrancelhas. _ Minha me falou. _E olha que nem precisou eu colocar no orkut, imagina se eu tivesse um. _ alfinetou. _ Como pode ver, est tudo pronto para o ch que faremos daqui a pouco. _ falou e eu percebi a correria dos garons e empregados para deixar tudo impecvel. _ E ali o banheiro. _T, entendi tudo. _Ento, ali o banheiro, onde vai ficar. _nh? _Venha, a apostila vai ser til. _ ele caminhou em direo a porta e eu fiquei parada, congelada. Meu tio abriu a porta e fez sinal para eu entrar primeiro. Era um teste, s podia ser um teste de resistncia. _Dona Regina, hoje a senhora pode ajudar na limpeza geral, essa moa ficar em seu lugar. _ ele falou ainda da soleira da porta e a mulher sentada em uma cadeira levantou-se e deu seu acento para mim. _ Bela, qualquer problema a, voc resolve, acha que pode fazer isso? Eu no tinha resposta para aquela piada! Que tipo de problema eu resolveria? Uma privada entupida, uma torneira que no abre? Uma lixeira cheia? _... Como vou me referir a voc? _Senhor Paulo. _Senhor Paulo? Tudo bem, Senhor Paulo, pode me dizer exatamente qual ser o meu trabalho? Porque eu... _Isabela vem aqui. _ ele me chamou para que eu viesse at do lado de fora da porta. Fiquei frente a frente com ele e cruzei os braos. _Voc ia dizer que no fez faculdade para isso? _Que bom que j sabe o que ia dizer. _ explodi. _Voc quer dinheiro no quer? Quer? _Quero... _ senti lgrimas nos olhos, ele estava me desestruturando psicologicamente. Virei o rosto para os lados.
_Ento, vai ter de colocar a vida mais em prtica. Porque hoje para ganhar dinheiro... _ bateu no bolso com fora. _ preciso se despir de todo e qualquer preconceito, nojo, vergonha, pudor. Se quer realmente aprender, tem que comear do zero. E olhe para mim quando eu falo, voc no disse que j uma mulher? _Eu sou. _ olhei-o fixamente. _ Mas, o que se pode aprender no banheiro? _Ns no alugamos um espao. Ns oferecemos uma experincia de lazer. Isso significa que as pessoas que vm aqui devem querer voltar. Est vendo aquele armrio? Ali dentro tem agulhas, linhas de todas as cores, absorventes, fraudas de todos os tamanhos, tesoura. Uma mulher pode estar metida em qualquer apuros que corre para o banheiro, nem que seja para se olhar no espelho. E, l, deve ter algum para mostrar-lhe que tudo est sob controle porque ela est no meu salo. Ento, voc vai se despir dessa carapua de universitria patricinha pseudointelectual e passar por esse estgio. Eu no consegui pronunciar nada. Emudeci. Ele pegou um rdio que pedira para um dos garons buscar em sua sala e me deu. Ensinou-me onde ligar e desligar para falar. _Se algum estiver bbado, passando mal, prestes a sair do banheiro para arrumar uma briga, ou algo assim, entre em contato. Entendeu? Segurei o aparelho, com a mo dele ainda segurando a minha. _Voc acha que pode fazer isso? Eu viera ali pensando que qualquer um poderia realizar um trabalho de animadora de festinha ou de garonete e ele estava me fazendo duvidar se dava conta do recado? _Acho que sim. _Isabela... _ colocou a mo no meu ombro. _ Os que acham no vencem nunca, eles s acham. _Eu posso. _ falei alto. _Ento, vai e aproveite o tempo para ler a apostila toda. Na vida no temos tempo, tempo s uma coisa abstrata. A quantidade de coisas que conseguimos fazer depende s de nosso esforo de coorden-las para que sejam em maior nmero possvel. Sentei-me na cadeira e fiquei olhando os azulejos brancos. Respirei fundo. J era hora de falar com Caio. Liguei para ele e contei-lhe do emprego. _Em um salo de festas? _ ele no gostou muito. _ No a sua rea. Eu pensei em lhe dizer que para estar com ele eu tinha que conseguir dinheiro e no podia ficar dando uma de... Patricinha Pseudo-intelecutal. Mas brigar por celular no era a hora. Imagina se soubesse que eu falava de um banheiro?! _Eu estou feliz. _ disse, no muito certa disso. Folheei algumas pginas da apostila, enquanto falava com Caio e, de repente, me
surpreendi. _Bela, tenho que desligar, tenho provas, campos... _Tudo bem... _No vai reclamar? _ ele riu. _No. Quero dizer, que pena, mas eu te amo. Desligamos e eu li melhor o que estava diante de mim. _Apostila de gerenciamento de eventos, autor Paulo Surs, mdulo situaes crticas. _ arregalei os olhos. _ Ele mesmo escreveu? Comecei a devorar cada pgina. Ali era um delicioso tratado de todos os momentos crticos que passara em festas anteriores. Eu tinha em mos um arquivo pessoal de relatrios recheados de crticas, solues dadas aos problemas e observaes importantes. Entendi porqu ele escolhera aquela apostila e aquele lugar para l-la. Tio Paulo comeava a me preparar para crescer. E acho que isso que quero: crescer. Acho no, eu quero!
Cap 80: Tenso pr-formatura As apostilas caram umas sobre as outras formando uma pilha na frente do meu tio Paulo. Ele levantou os olhos para mim, largou a caneta e ficou ereto na cadeira para estar em uma posio que pudesse me analisar melhor: _Leu tudo j? _Ler... eu li. _Ento, volta l e l de novo. _ abaixou a cabea e voltou sua ateno para o bloco de boletos bancrios que estava calculando. _No! Eu li sim. _ tentei ser mais enftica. _Se voc no tem certeza do que faz... _Eu j posso passar para outra fase? _Essa uma pergunta ou uma resposta? _... um pedido._ disse-lhe. _Tudo bem. _ ele abriu uma pequena gaveta sua direita e tirou uma caderneta de capa marrom. _ Isso para voc. _ escolheu tambm uma caneta em seu portalpis e me ofereceu. _ Anote tudo que eu lhe falar e achar importante. _Certo. _ peguei-os.
Tio Paulo levantou-se e eu o segui at o depsito do salo de festas que ficava perto da cozinha. _Aqui eu no gosto de terceirizar tudo. A comida, por exemplo, eu prefiro que seja feita aqui, aos meus olhos. Algumas coisas, claro, so encomendadas. Mas, eu tenho a minha prpria equipe. Isso evita que algum sanduche de atum com maionese ridculo coloque por gua abaixo a minha reputao. _ abriu a porta da cozinha e todos ali olharam para mim. O cheiro de comida, a fumaa, os foges e frzeres industrializados me deixavam claro que nada ali era caseiro, mas estritamente profissional. Os empregados tinham um olhar de submisso para mim. Foi naquele olhar que percebi que meu tio no me queria como um deles. Ele estava me preparando para algo maior que eu no sabia o qu ainda. Afinal, ele no teve o tempo e cuidado com cada um ali que teve comigo. _Eu quero que voc v com o Josu... _ apontou para um homem negro barrigudo, de sorriso muito simptico. _ comprar algumas coisas que possam estar faltando. Vou assinar um cheque para levar e espero que gaste o menos possvel. Quanto seria o menos possvel para ele? J estava at vendo que aquele era mais um de seus desafios. _Depois voc vai chegar e conferir todas as mercadorias que sero entregues. Eu compro diretamente dos fornecedores fardos fechados de papel, arroz, produtos de limpeza, enfim, quase tudo. Sai mais barato. Isso tem que comear aps uma hora. Uma hora?! No daria tempo! _Voc j leu os jornais de hoje? Pois, ento, na minha mesa tem trs jornais. Leia todos, se voc no sabe o que acontece no mundo, pra no tempo. _Entendi. _ anotei no caderninho. _Isso terminado, se prepare, hoje voc vai servir as mesas junto com a equipe na festa de quinze anos que ser realizada. Eu, servir mesa? Eu sou to estabanada, nunca vou conseguir equilibrar aqueles copos em cima das bandejas. _Entendi. _ anotei mais isso. Peguei os jornais e fui lendo no carro, enquanto Josu dirigia. Fizemos as compras, voltamos em alta velocidade para eu no me atrasar e chegar depois das entregas. Vem a uma parte difcil. Quando o caminho comeou a descarregar, senti um frio na barriga. As notas possuam dezenas de itens. Eu no tinha idia do que estava em cada caixa. Respirei fundo com as mos trmulas. Mas, finalmente ,tudo se saiu bem e eles foram embora. Pelo menos eu achava que tinha feito tudo certo, at o tio Paulo chegar: _Essa caixa est molhada. _ bateu com uma faca no papelo. _ J sei at o que aconteceu... _ rasgou a tampa e vimos que todos os potes de estrato de tomate estavam grudados na tampa e tinham sado do vcuo. Meu corao disparou e eu fiquei sem saber o que dizer:
_Desculpe, eu sou muita burra, devia ter imaginado que... Droga! _E os cloros? Conferiu o nmero das garrafas? _Sim, sim. Tinha a 16 e eles entregaram 80. _ conferi no meu caderno. Mesmo assim Tio Paulo recontou tudo apontando com o dedo indicador. _Onde esto as 16? _Ora... Eu coloquei aqui do lado... _ olhei para as garrafas e mais uma vez senti meu sangue esquentar. _Perdemos 16 garrafas pelo visto, o entregador pegou as nossas e misturou com essas para fazer as 80. _No pode ser! Como eu no vi isso antes? _ senti que ia chorar de desespero. _Isabela... tudo ser descontado do seu salrio para voc no esquecer e aprender. Venha comigo. Segui-o, j imaginando o pior. _Tio, eu sei que no sou to boa assim, que tenho que aprender, eu tenho dificuldades e... _Isabela, Isabela! _ falou bem alto, sobrepondo a minha voz, quando chegamos em sua sala. Calei-me. _Sente-se. _Desculpe... _Isabela, sabe qual o pior perigo do que fez? No so as latas de tomate, isso o lucro da empresa cobre. O pior a sua personalidade muito fraca porque ela que vai fazer os erros se repetirem. Voc muito ingnua, acredita no sorriso e no bom humor de um entregador. _, eu sou sem malcia. _Est vendo? Eu sou sem malcia, Eu tenho dificuldades, Eu sou... _ imitou a minha voz. _ Voc s sabe repetir coisas ruins sobre si mesma com um ar de pena. Eu no tenho que ter pena de voc, o mundo no tem que ter pena de voc. Se no parar de se sentir a pobrezinha, coitadinha, voc no vai servir para nada nessa vida! Toda vez que tentar bancar a inferior, faa soar um alarme daqueles de navio muito alto dentro de si! Fiquei ali, apenas ouvindo e respirando. Eram tantas coisas a aprender que meu crebro ficava cansado. _Desconfie das pessoas, mas no deixa que elas percebam. Seja altiva, brigue, bata de frente, se imponha, saia dessa carapua de cordeirinho. Vaquinha de prespio no o personagem principal da histria! As pessoas s fazem isso que fizeram com voc porque voc mesma se sente uma incompetente, burra e lerda.
Voc isso? _No. _ respondi o que ele queria ouvir, mas me sentia exatamente daquele jeito, talvez tio Paulo estivesse mesmo certo, a minha auto-estima era muito baixa e as pessoas se aproveitavam disso. _ assim que todo trabalho deve comear. O aprendiz tem que saber o que cada parte do processo. Mas no, as pessoas apertam um parafuso e no sabem para qu aquele parafuso vai servir no produto final. Aposto que vocs, como estagirios, nunca vo fazer uma campanha inteira, so postos para atender telefone, ler e-mails, fazer secretariado. E ainda pagam uma misria por isso. Esse pas uma vergonha! uma escravido de crebros! E os outros pases acolhem vocs, bacharelados, de braos abertos, afinal, uma mo de obra de nvel superior de graa, que no tiveram que investir em nada! _ tio Paulo estava revoltado. O mais impressionante era sua viso global de realidade. Mais do que tinha meus pais e muitas pessoas que eu conhecia. Quem sabe ganhar isso nos seus jornais dirios, ou na realidade que vivia. O fato que eu me sentia em um curso de aprendizagem acelerada com um enriquecimento sem igual. _ Isabela, no se permita ser explorada e no aceite misria salarial. No entre no sistema! Seja empreendedora, cresa, voc pode, garota! Aquele era o primeiro incentivo que ganhava dele. Pensei na minha realidade de futura esposa de militar, vivendo de transferncias. Como poderia colocar em prtica aquilo que ele estava me dizendo? _Agora volte para o trabalho. _ ordenou. Respirei fundo e retornei. No lhe falei sobre meu futuro, mas no escapou-me dizer isso a Caio, no final de semana seguinte em que nos vimos. _ Eu acho que voc tem que fazer um concurso pblico._ disse ele. _Vocs militares acham que a nica salvao para as mulheres fazer concurso... _Bela, amor, voc vai ganhar bem e ir para todo lugar comigo. _ interrompeu-me. _Caio, meu amor, eu estou cansada de estudar. Cansada de me matar de estudar para chegar em um emprego e ganhar uma misria. Eu j fiz ingls, espanhol, informtica... J fiz trocentos cursos. Estou farta! Como vai ser? Um ano de cursinho, mais dois ou trs anos tentando a prova, afinal, passar de primeira no to fcil e, depois, mais dois anos para ser chamada? Isso significa que at uns vinte cinco, vinte seis anos, eu vou ser uma "Estudante Profissional", filhinha de papai? Alouuuu? Esse papo no para pobre, no! Pode dar certo, mas se der errado, eu vou me ferrar ao cubo! Voc sabe o que uma profissional hoje com 26 anos sem estar inserida no mercado? suicdio! _Ento, o que espera da sua vida, organizar festinha de criana? _ ele disse, me alfinetando. Eu sabia que estava aprendendo lies para vida, e no, sendo animadora de festa infantil, mas era assim que ele enxergava. _ Entra para um cursinho... _Eu no quero, no estou a fim. _ disse-lhe.
_Ento, no sei o que quer... _O que eu quero justamente fazer o que estou fazendo. _Trabalhando com seu tio? _ franziu a testa. _Isso mesmo. _At eu me formar ano que vem e a gente se mudar? _... _ no respondi nada. _O clima aqui est quente, hen? Estou sentindo o cheiro da fumaa l da cozinha. _ minha me sentou-se no sof. _ Bela, Caio est certo. No foi esse o namorado que escolheu? Ento, j sabia que a profisso dele era essa, agora voc tem que seguilo. Eu no sabia se minha me estava sendo irnica, perversa ou as duas coisas. _Eu no escolhi nada. _Escolheu sim. _ rebateu ela. _O meu corao escolheu... _D no mesmo. Respirei fundo e fui para o meu quarto. Peguei minha bolsa, calcei minha sandlia. _Para onde vai? _ Caio perguntou. _Para o trabalho, amor, animar festinha de criana, para ter um puto no bolso que pague a pipoca no cinema e as viagens para Resende, para eu no depender do papai e da mame, nem do futuro marido. _Mas, agora? _, agora. Desculpe. Se no quiser entender, tudo bem. S uma pena porque vai indicar preconceito. Se eu dissesse que fosse dar planto em um hospital ou fazer uma cobertura jornalstica em outro pas, ou fosse fazer qualquer coisa profissionalmente nobre, voc no se importaria. Mas, como para animar festinha de criana, voc acha um absurdo, pois ... _ minha voz saiu cida como nunca. _ Ainda bem que eu ganho o suficiente. _ bati a porta. Talvez aquilo fosse o que meu tio ensinara sobre no bancar a coitadinha. Entrei no elevador e quando a porta se fechou, abaixei-me e fiquei agachada, com as mos na cabea. Fechei os olhos e senti aquela sensao de no ter gravidade. Eu comeava uma terrvel era de crise pr-formatura da AMAN que duraria um ano e meio at chegar ao seu fim. Muita coisa at l mudaria comigo, com meu relacionamento e, principalmente, com os rumos do meu futuro. Comeava a a se transformar e firmar minha personalidade.
Apareci na sala do meu tio com um bico enorme. Brigar com Caio no me deixava disposta a trabalhar ou fazer qualquer outra coisa que demandasse bom humor. _Isabela, voc sabe que eu estou promovendo uma festa para as pessoas terem um momento de alegria? _Sei sim. _ olhei para o alto e respirei fundo. Ele no acrescentou mais nada, era como se comessemos a adquirir a partir dali a habilidade de entender um ao outro sem muitas palavras. _Pois bem. Voc j est preparada para subir um degrau. _ aquilo era uma afirmao que, vindo dele, me dava uma gota de felicidade por seu reconhecimento. _ Quero que supervisione tudo. _ entregou-me o rdio e pegou alguns papis na mesa antes de descermos para o salo. _ A festa de hoje de quinze anos. _ ele olhou uma folha. _ Ser um pouco diferente... _Como assim? _ perguntei. Tio Paulo procurou as melhores palavras para me explicar a situao. Chegou mais perto e falou baixo: _O pai dessa garota tem dinheiro. Muito dinheiro. _ pausou. _ E no nos importa como ele consegue tal dinheiro. Ele nos contrata, paga adiantado e proporcionamos a melhor festa que j sonhou para a filha. _Claro. _ concordei, no vendo ainda nada de peculiar nisso. _A garota no quer uma festa de princesa, com vestido de bolo, nem aquela coisa antiga... _ colocou a mo no queixo. _ Por isso... bolei algo diferente. Chamei uma equipe de danarinas de funk. Elas vo entrar por aquela pista com direito a muita fumaa. _ apontou para um tapete que estava sendo desenrolado pelos empregados. _ Depois, o DJ vai tocar todas as paradas do momento e tudo vai sair nessas caixas de som. _ apontou para enormes equipamentos que juntos formavam um perfeito ambiente de baile funk._ Faremos projees nas paredes... _ Tio Paulo comeou a descrever tudo que estava previsto. _ Problemas podem acontecer e para isso teremos um nmero maior de seguranas. Voc deve estar em alerta. Isabela, esquea o mundo l fora. No misture o profissional com o pessoal. Entendi ao que ele se referia. _Tentarei fazer isso. _ concordei. _timo, estarei na sala. Sempre que precisar, use isso. _ segurou o rdio junto com a minha mo e apertou-os. _Todas essas pessoas esto sob o seu controle. Supervisione, verifique cada detalhe. _ passou-me as folhas com os dados da festa. Respirei fundo, no sabia nem por onde comear. Senti um friozinho na barriga. De repente, Caio e nossa briga ficaram mais longe. Aquele era o meu territrio, o meu trabalho, a minha vida. Eu gostava de saber que existia algo alm dos problemas do meu relacionamento, que, em algum lugar, eu era reconhecida, respeitada e temida. Antes, ao contrrio, eu no fazia nada em casa alm de estudar, por isso, tudo se resumia nos meus
pensamentos em torno de Caio e eu. Isso me deixava muito depressiva. Assim, tive minha primeira noite de Poder. Aprendi a sentir o cheiro de confuso de longe, a fingir que tudo estava bem quando, na realidade, boa parte parecia um caos. Os empregados seguiam as minhas ordens e todo aquele universo funcionava ao comando do meu rdio transmissor. Chegando em casa, joguei a chave no armrio, tirei o sapato, tomei um banho quente e deitei na cama. Dormi at o meio dia. Caio parecia mais aborrecido ainda por eu ter trabalhado toda a noite e ter perdido o seu fim de semana vendo televiso. _Desculpe, meu amor. _ disse-lhe, mas sem muita pena ou arrependimento. _ Essa a minha vida agora. Durante a semana assim tambm, s que voc no est aqui, est l cuidando da sua carreira. Ento, se eu posso tolerar todos os seus servios, as suas punies, os seus campos, voc ter que tolerar o meu trabalho. No justo? _. _ concordou de m vontade. Nos beijamos e ficamos abraados. Eu sabia que, aos poucos, nada mais ficaria igual. Caio queria como futura esposa uma Bela s para si, dentro de casa, cuidando da famlia, como era a sua me. Eu no era isso e nem queria ser. O pavio estava aceso e comeava a consumir a cordinha. Depois de assumir a coordenao geral dos eventos de maneira brilhante, meu tio me chamou em sua sala para me parabenizar e dar uma notcia. Notei que havia algo diferente naquele dia, na arrumao da sala. Os quadros sumiram da parede, a mesa estava vazia dos pertences do Tio Paulo e dois arranjos de flores a enfeitavam. _Isabela, eu fiquei admirado com a velocidade que aprendeu tudo, adorei suas idias de fazermos um site para o salo, de panfletarmos. Isso reverteu em um aumento da procura... Enfim, voc conseguiu superar as minhas expectativas. Meu corao disparou. Eu j estava to feliz com o meu salrio de 2 mil reais, com a estimulante rotina, no tinha mais o que reclamar. _Eu j estou ficando um pouco cansado e quero me aposentar, tomar minha cervejinha em paz... O marinheiro aqui precisa abandonar o mar. Aonde ele queria chegar? Iria vender tudo? _Por isso, eu vou passar o comando disso tudo aqui, inclusive dos dois outros sales que j esto quase prontos... Enfim, para resumir, isso aqui no vai ficar abandonado, vai para as mos de outra pessoa. Alis, a sala j est pronta para isso. _Estou vendo. Posso saber quem ? _ perguntei. _Pode, claro. Sente ali. _ indicou a cadeira estofada onde sempre se sentava. _Ali? _ franzi a testa. Sentei.
_Espere um momento. Ele saiu e eu fiquei sentada, ansiosa para ver quem era a minha nova chefe que ele sara para chamar.
Cap 82: Poderosa chefona Meu tio entrou novamente na sala e me ofereceu a mo estendida. Eu olhei para a porta, esperando algum entrar. Seria constrangedor meu futuro chefe chegar e me ver ali em seu posto, pareceria at que queria roubar o seu lugar. Levantei-me, desajeitada. Ele continuou com a mo estendida no ar. Eu ri, aquilo era alguma pegadinha? _Gostou da sala? Da arrumao? As flores esto boas? _ perguntou-me. _Eu no estou entendendo... _ franzi a testa e fiquei sria. _Bela, voc me provou que capaz. Agora sei que posso curtir minhas pescarias em paz, que algum estar cuidando de tudo isso para mim. No se preocupe, seu salrio ir aumentar substancialmente. Eu tenho dois carros, um deles ser para seu uso. No quero te ver por a pegando nibus. E, claro, a partir de agora, renove tudo, guarda-roupa, sapatos, viva em clnicas de esttica... No mais uma empregada, voc agora manda nisso aqui... Enquanto ele falava, eu mantinha minha boca ligeiramente entreaberta, um corpo congelado no ar. Parecia algum programa daqueles que uma pessoa pobre ganha mil ajudas de empresas que doam coisas. Ela fica ali colocando a mo no rosto sem acreditar. No meu caso no era doao, era fruto do meu trabalho reconhecido. _Eu no tenho filhas, nem mulher... Um dia eu sei que meus olhos vo fechar e se voc souber duplicar o que estou te confiando a gerncia, quem sabe tudo no fim acabar sendo seu mesmo? _Eu... _ minha voz conseguiu sair pela primeira vez. _O senhor me chamou? _ o chefe da cozinha apontou a cabea na porta entreaberta. _Sim, chamei. Onde esto os outros? _ tio Paulo perguntou, fazendo sinal para que ele entrasse. Quando dei por mim a sala encheu e todas as principais pessoas que compunham a empresa estavam ansiosas para saber a notcia que eu j sabia. De maneira resumida, tio Paulo comunicou-lhes que estava se aposentando e confiando tudo a mim. Deixou claro, que no sumiria, de vez em quando viria conferir se tudo estava no nvel que me entregara. _Ento, Isabela, o que tem a nos dizer? _ perguntou. Eu pensei naquelas pessoas, melhor, naquelas vidas agora em minhas mos. Rapidamente cruzou com esses pensamentos o meu relacionamento com um militar. E quando viesse a primeira transferncia? Mas eu estava to explosivamente feliz e honrada que afastei esse pensamento para no estragar o momento.
_Eu s tenho a dizer que... estou muito feliz por ter acreditado em mim e... vou fazer o possvel para no se arrepender. _ discursei. Depois de todos sarem, eu fique na minha sala. Sim, minha! Sentei na cadeira e olhei as flores. Ainda era inacreditvel. No pensei duas vezes e disquei o nmero do telefone da Dbi. Pedi para que viesse me ver no meu novo posto. _Bacana, hen? _ Dbi olhou ao redor, j sentada em minha frente, uma hora depois. _T brincando? Perfeito! Eu tenho muitas coisas que quero fazer! Idias para ampliar os negcios. E, claro, idias para mim. Vou alugar um apartamento aqui perto bem bonito. Te contei que tambm ganhei um carro?... _Mas voc sabe que voc ter que deixar tudo no fim do ano que vem, no ? _... _ calei-me. _Voc tem que seguir o Caio para onde ele for, esse o certo. Voc ser uma esposa de militar, no pode se apegar a nada disso, amiga. Eu estou me preparando para ano que vem acompanhar o Ribeiro, pensei que tambm tivesse os mesmos planos. Fiquei s ouvindo, no queria falar para no ouvir da minha prpria boca o quanto tudo aquilo era difcil para no ficar ainda pior. _Seria justo? _Um tem que ceder e muito mais fcil para voc ceder porque ele no pode abandonar a carreira dele e depois voltar atrs. _E voc? Vai trancar a faculdade?_ perguntei. _Sim, vou, depois abro em outro lugar, mesmo que saia da pblica e pague uma particular. O que importa que vou estar com ele onde for e, onde estiver, eu vou ser feliz. Eu no sou muito apegada a nada mesmo. _Eu sou. _ foi a primeira vez que consegui esboar minha opinio. _ A minha famlia, aos amigos, ao meu trabalho, s pessoas com quem trabalho. _Ento, hora de comear a tomar uma deciso. _lembrou-me. Eu j pensava sobre isso muito antes... S que agora realmente no queria deixar para trs aquela oportunidade, no mesmo, porque eu estava muito feliz. Finalmente, atingi minha independncia. Dbi foi embora e eu fiquei at tarde calculando notas, programando a agenda, enfiada em trabalho. O som muito alto l embaixo me incomodou. Cheguei at janela para reclamar. O que estava acontecendo? No teramos festa hoje, por que aquele barulho? _Bela! _ ouvi meu apelido sendo chamado pelo microfone. Meu corao disparou. Caio estava no meio do salo trreo todo fardado, me chamando. Tive vontade de me esconder, mas um grupo de funcionrios comeou a aparecer ao redor dele e pedir para eu descer.
Fui recebida com aplausos e Caio comeou a falar no microfone com uma msica de fundo: _J que a mulher da minha vida no larga o trabalho eu venho at ela para dizer que hoje nosso aniversrio de 3 anos de namoro. Mais aplausos e eu fiquei vermelha feito uma pimento. _Eu queria poder organizar uma grande festa, mas quem sou eu para organizar festas? Principalmente agora que me contaram que voc tomar conta de tudo... _ riu. _ Vim da rodoviria direto para c. _ deu um chutinho na mala no cho. _ Ser que eu posso roubar voc hoje para mim? Pode, gente? _Pode! Pode! _ um coro foi ouvido. _Eles esto deixando, Bela. _ disse-me. Eu sorri e o abracei. Caio afastou o microfone e me deu um beijo rpido nos lbios. _Oooohhhhhhh! _fez o coro e mais aplausos. A noite foi deliciosa e acordei com Caio sentado de frente para o meu computador. _O que est fazendo, querido? _ perguntei. _Bela, o que significa isso? _ ele virou o rosto para mim e lgrimas estavam em seus olhos. Meu corao disparou de medo. _O que aconteceu?
Cap 83: Rodeada pelos ces Levantei-me da cama e fiquei de p, atrs de Caio. Procurei no computador a justificativa para seu semblante desnorteado e as lgrimas em seus olhos. _O que isso? _ ele apontou para a tela. _Essa sou eu e meu tio. _ respondi, vendo cinco fotos minhas ao lado do tio Paulo. Em uma delas eu saa do carro e ele abria a porta para mim. Na outra, ele estava com as mos nas minhas costas e caminhvamos na rua. Havia, tambm, uma em que eu e ele almovamos em um restaurante e eu dava uma gargalhada. Mais uma foto em que ns tomvamos caf em uma livraria e, por ltimo, uma imagem de ns dois conversando em um canto do salo de festas e ele me dizendo alguma coisa ao ouvido. _E o que vocs esto fazendo juntos? _ perguntou-me. _Caio, no estou entendendo... _ eu ri. _ Voc andou me bisbilhotando? Por que ele estava fazendo aquelas perguntas se nunca escondi que trabalhei para o meu tio e com este aprendi tudo que sei hoje? Era bvio que ns no ficvamos enfurnados no seu escritrio. Precisvamos sair, buscar encomendas na rua e, evidentemente, almoar, tomar um caf. Era parte do trabalho e s trabalho. O que poderia haver entre o meu tio e eu? Era nojenta essa possibilidade.
_Ele tem idade para ser meu pai, como que voc consegue imaginar isso? _ disse tudo isso a ele com um ar de horror e desapontamento. _ No acredito, Caio, que pensou isso de mim. _Eu ou essa pessoa? _ virou-se para o computador e maximizou a janela do seu email pessoal. Comecei a ler em voz alta e minha voz foi sumindo medida em que lia, s os meus olhos conseguiram acompanhar as palavras linha a linha at o fim: Caio. No assim que ela chama seu nome por a, dando uma de boa namoradinha? Talvez seja a hora de uma pessoa ter pena de voc e te contar o que a sua Belinha faz pelas suas costas. Afinal, daqui a pouco voc nem vai conseguir passar pela porta com esses galhos que esto nascendo na sua testa." Eu ri. Caio olhou para mim e depois para o computador para ver do que eu estava achando graa. _Voc no acreditou nisso, no ? _ apontei para o e-mail. Balancei a cabea para os lados e continuei a ler: "Voc est l longe e nem imagina que sua namorada te trai com o prprio tio. Todo mundo sabe disso e voc vem aqui pagar o papel de babaca. Fiquei com muita pena e resolvi te contar. E vou te dar um bom argumento para abrir seus olhos: quem d de mo beijada tudo que tem se no for para uma amante que o serve muito bem na cama?" Parei de ler e pus as mos na cintura. Respirei fundo. _Voc tinha que saber por algum o que eles fazem na sala trancados. Todos ns ouvimos e j estamos fartos dessa baixaria. Eu sou uma pessoa de moral e bons costumes, no agento ver algum sendo chifrado desse jeito pelas costas. Voc deve estar sentindo como se fosse uma apunhalada, no ? Mas melhor saber agora do que pegar essa vadia na sua cama com o prprio tio, quando forem casados. _Isso tudo uma grande... sujeira. _ explodi. _ Caio, olha para mim. Ele me olhou. _Voc no acreditou, acreditou? Porque se por algum momento levou f nesse email, eu vou sentir vergonha de mim mesma por ter pensado que voc me amava acima de tudo, at mesmo desses falsos. Caio ficou calado. _Essa pessoa provavelmente tem inveja de mim e quer nos destruir! No enxerga isso? No um amigo seu, nem algum que confie que est te dizendo isso, mas um annimo! Como pode dar crdito a algum que se esconde? _Se ponha no meu lugar? Eu fico longe, nunca vejo o que est fazendo e, de repente, leio uma coisa dessas... _A confiana aquilo que no precisamos ver com os olhos, mas acreditar com a alma. E sua alma no confia mais em mim.
_Bela, a minha alma j no te reconhece mais. _Do que est falando? _ sentei na cama. Aquela frase sim teve o poder de me abalar muito mais que todas as asneiras do email. _Eu, a cada vez que venho te ver, encontro voc mais diferente, nem parece aquela Bela minha amiga. E a eu fico muito confuso e... _ Caio levou a mo cabea. Levantei-me e o puxei pelo brao. Ele deixou-se levar e sentamos lado a lado na cama. Abracei-o. Era disso que precisava, do meu carinho e segurana, que ultimamente eu no lhe dei por causa de tanto trabalho. _Caio, olha nos meus olhos. Lembra dos olhos da sua amiga, olha para mim... _ pedi. _ Eu te amo. Eu te amo. _Eu estou confuso... _Confuso com o qu? Voc no me ama mais, isso? _ minha voz embargou e sumiu. _Amo, mas... _Caio, voc quer terminar comigo?! _ procurei seus olhos, mas ele teimava em abaixar a cabea. _ tudo... Eu tenho que saber para onde ir, mas no sei se voc vai comigo, eu no quero te perder... _Caio, presta ateno. _ respirei fundo e falei pausadamente, como quem dialoga com uma criana. _ Viva cada coisa a seu tempo. Se voc tem um sonho, siga-o. Ano que vem s ano que vem. O quarto ano est longe. _Bela, eu no quero seguir o meu sonho sem voc. _Nem eu, meu amor. _ sorri e o abracei com carinho. _ puxei-o para meu colo e ele deitou na minha perna, acariciei seu cabelo espetado e beijei sua cabea. _Caio, eu estou mudando como todo mundo muda, s que voc est sempre longe e no percebe a mudana lenta e gradual, s aos saltos, de fim de semana em fim de semana. Se estivesse do meu lado veria tudo passo a passo. No estou te culpando por isso, o que no pode querer que eu pare no tempo e continue, eternamente, sendo a Bela que estudava na escola contigo. No tem por que ficar assim, nem acreditar nessas besteiras do e-mail. Eu sempre fui fiel a voc. Agora no sei, quantas cadetinas vou encontrar naquele aspirantado, hen? _S umas duas. _ brincou. _Ah! ? _ ri alto e fiz ccegas na sua barriga. Ele sentou-se e me abraou com muita fora. Seu corpo estava quente e sua pele macia, os msculos muito fortes. Qualquer problema era pequeno, se ele me dissesse que me amava e que no queria terminar comigo. _Agora d um pulo dessa cama, vamos escovar os dentes e tomar caf juntos.
Vamos? Ele fez que sim e foi para o banheiro. Levantei-me e aproveitei que tinha sado para encaminhar o e-mail ainda aberto para o meu endereo. Aquilo no ficaria barato. Segunda-feira, a primeira coisa que fiz foi rel-lo. Puxei um bloco de notas e escolhi uma caneta no porta-lpis. Olhei para as fotos e esperei descobrir alguma pista nelas. Todas foram tiradas pela manh. Ento, a pessoa trabalhava no turno da tarde. Anotei isso. As imagens tinham uma boa qualidade e eram bem tiradas. Provavelmente, essa pessoa tinha habilidade com fotografias. Mas, aquela no era uma grande pista j que, qualquer um, com uma boa cmera digital consegue um resultado satisfatrio. O texto do e-mail estava bem escrito. No era algum que costumasse a escrever em chats, ou msn, no tinha os vcios de abreviao. Provavelmente, no era jovem. Larguei o lpis e peguei o telefone. Chega de suposies incertas. Liguei para o meu tio e pedi que abrisse o e-mail que acabava de encaminhar-lhe. _E seu namorado sobreviveu a isso? _ foi o primeiro comentrio do meu tio. _Com a minha ajuda... _ suspirei. _ Voc sabe quem ? _Eu no gosto de julgar e ser injusto... _Paulo, voc conhece seus funcionrios melhor do que eu. Sabe de algum que possa estar querendo me prejudicar, que tenha algum motivo? _... _ ele emudeceu. _ melhor deixar isso para l. _ quis desconversar. _Quem ? _ perguntei, cortando-o. Ficava claro que sabia. _No quero que a prejudique. _Ento, uma mulher? Era o que eu suspeitava. Paulo, voc tinha algum relacionamento com uma funcionria que esperava com isso chegar onde estou e ficou frustrada com o rumo que deu aos negcios, colocando-me neste posto? _Voc aprendeu a ser to direta comigo? _ riu. _Essa no a resposta que eu estou esperando. _Tive sim... Foi uma coisa rpida com a Kelly. _Kelly? Kelly... Ah! Animadora de festa? _. _E essa cena que ela descreve da sala foi real? _... _ ouvi apenas a sua respirao. _ Foi. _Tudo bem, era s isso que eu precisava saber. _O que vai fazer? No quero que a prejudique, ela precisa desse emprego.
_No se preocupe, o senhor tambm me deu algumas lies de tica. Eu anotei no caderninho. Desliguei e mordi a tampa da caneta. Olhei para a caderneta de lies e puxei-a para mim. Havia frases soltas escritas ao longo dos meses que trabalhei de perto com meu tio: _ Voc no estar sempre rodeada de amigos, mas os inimigos no devem ser em maior nmero; H uma inveja boa e uma inveja m. A inveja m quando a pessoa quer ter o que voc tem e no quer que voc tenha; Seja dura nas suas decises, firme, mas nunca cometa injustias; Negcios so negcios, amizades parte; O orkut um lbum de figurinhas. O orkut. Agora eu entendi por onde a pessoa tinha descoberto coisas sobre mim. Tomei a deciso, naquele momento, de que no mais permitiria que algum entrasse na minha vida pessoal para destru-la. Agora, o meu relacionamento seria estritamente entre mim e Caio. Loguei no meu perfil e apaguei todos os dados referentes a ns e limpei meu lbum. Estabeleci uma meta de que a minha vida privada era apenas assunto meu e de mais ningum. Lembrei do meu blog. Fazia tempo que no postava l, tinha esquecido por completo. Ao menos nele eu era s a Bela, perdida na vastido de milhares de blogs, no tinha com o que me preocupar. Abri um arquivo de Word para atualizlo. _Dona Isabela? Visita para a senhora. _ ouvi o meu rdio tocar, era o porteiro. _Nossa! Agora eu tenho que ser anunciada? _ Dbi fez bico assim que eu abri a porta. Entrou na sala e olhou tudo ao redor. _ Voc est chique, hen, garota? _ me deu um tapinha no ombro. _Obrigada. _ sorri e sentei-me novamente. _Quer alguma coisa? Posso pedir. _Quero, tem aqueles brigadeiros de festa? _Posso ver..._ peguei no telefone. _Estou brincando. _ ela sentou-se minha frente. _ Eu estou fazendo uma dieta porque... _ ela parou de falar e comeou a procurar uma coisa em sua bolsa. _ Isso para voc. Peguei o envelope branco e o abri. Era o convite de casamento de Ribeiro e Dbi: _Voc quer ser minha madrinha? _ perguntou. _Eu? _ fui pega de surpresa pela notcia. _Claro, e o Ribeiro vai chamar o Caio para padrinho. _Lgico, vai ser maravilhoso. No posso acreditar. _estava sem palavras. _Nem eu! Esse s o convite, eu tenho muitas coisas para organizar. Por isso, estamos fazendo com muita antecedncia. Todo mundo diz que o tempo voa e quero que tudo saia perfeito. Voc vai me ajudar, n? J que agora est expert no
assunto. _Vou sim. Pode deixar... _ levantei-me da mesa e dei a volta para abra-la. _ Eu quero que voc seja muito feliz. _Deus te oua. E as novidades? Agora eu tenho que agendar uma audincia para falar contigo, ? _ brincou. _Tanta coisa... _ suspirei e falei-lhe sobre o e-mail. _Iiiih, vai se acostumando com isso. Afinal, voc ocupa um cargo de poder. E o que vai fazer? _No sei... _ falei vagamente e balancei a cabea para os lados. *** Levei o que era confiado a mim para o ch de beb do neto da Gracinda, a nossa mais antiga cozinheira. Ela pegou o embrulho como se recebesse um pote de ouro e agradeceu-me com um abrao apertado e cheirando a alho. _ uma pena que eu no possa ir, mas aqui est minha contribuio. _ disse-lhe. _Obrigada, minha filha. Voc maravilhosa. Quem no gostar de voc porque no te conhece... _ comentou. Se ela soubesse que de fato alguns tinham motivos mesquinhos para quererem me destruir. _Ronaldo, vem aqui! _ ouvimos um grito e depois a porta da cozinha se abriu. Um garoto entrou correndo e deu a volta na mesa, se escondeu. Kelly entrou procurando o filho e parou de gritar envergonhada, quando deu por minha presena. _Desculpe, dona Isabela, eu precisei traz-lo porque a escola no teve aula hoje e eu no tive com quem deix-lo... _Tudo bem. _ respondi, fazendo pouco caso. Ela o puxou pelo brao e o levou para fora, ralhando baixinho com o filho. _Essa a batalhadora, cria esse garoto sozinha. _ comentou Gracinda. Pensei sobre as conseqncias de mand-la embora sem uma justa e concreta causa. Enterrei aquela idia e voltei ao trabalho. Eu precisava aprender a trabalhar rodeada pelos ces.
Cap 84: impossvel ser feliz sozinha Mais um ano chega nas ltimas folhinhas do calendrio e me vi dessa vez passando a vspera do Natal em So Paulo, na casa dos meus sogros. Entre rabanadas e doces, as trs geraes de mulheres se reuniam na cozinha, lugar sagrado das conversas e fofocas. Minha sogra, eu e a av de Caio preparvamos os pes com leite, canela, ovos e muito acar.
_O Caio me falou que voc agora est em um bom emprego. _ comentou minha sogra. _Sim, graas a Deus, minha vida se ajeitou. Ganho muito bem, estou acompanhando a faculdade sem problemas e at fazendo meu p de meia. Isso foi sempre meu sonho. As duas se entreolharam. Eu j sabia o que pensavam. Nem precisavam traduzir. Mas a me de Caio resolveu se manifestar: _ por isso que sempre tive problemas com voc. _? E por qu? _ perguntei. Nunca imaginei que trataramos daquele assunto sem rancor. _Eu sempre soube que voc era a namorada perfeita para um civil e no para um militar. Porque no era meu filho que iria sofrer, mas voc. Ento, a todo momento ela estava preocupada comigo? _...E de quebra vendo voc sofrer, ele sofreria. _ completou o pensamento. _ Claro, com isso eu sofro junto. _Eu posso no ser perfeita, mas ele no precisa de algum perfeito. _, pode no precisar da perfeio, mas voc precisa do seu emprego, dos seus amigos, da sua famlia... _Eu sei. _ concordei. _ Mas qualquer uma outra no passaria pelo mesmo? _O problema no passar, querer passar. _E quem disse que eu no quero passar? _Bela, voc quer deixar tudo para trs? _ aproveitou a oportunidade para fazer a pergunta. _Hei! No obrigue a menina a tomar decises agora. _ a av de Caio pegou a bacia com acar para lavar. _Tudo bem. Foi s uma pergunta. _ minha sogra levantou as mos para o ar. Apesar daquele assunto j estar me enchendo, no fiquei triste ou incomodada, elas souberam fazer um ambiente agradvel para mim. Cada vez mais eu no tinha motivos para decepcion-las. Respirei fundo. Depois que todos comeram a linda ceia e distriburam os presentes, fomos dormir, vencidos pelo cansao. Alonguei mais a minha presena no quarto de Caio e o vi dormir em sua cama. Acariciei seu cabelo. Estvamos deitados juntos, ouvindo msica no meu MP4. Tirei um dos fones do meu ouvido delicadamente e coloquei no seu. Levantei-me e fui at a janela do quarto. Ventava, mas no fazia o calor abafado e
mido do RJ. O tempo passava me desafiando. As meninas que conheci na Internet comearam a entrar na contagem regressiva e aquilo me atormentava ainda mais. Dbi to feliz com seu casamento s sabia falar disso, me deixando ainda mais aflita, mas tentava no faz-la perceber. Quando se tem duas fortes opes muito mais difcil escolher e esse era o meu caso. Dei um beijo, ento, em meu amor e fiquei olhando seu rosto sereno. Conversei com ele em pensamento: Eu te amo, amo tudo que fez com a minha vida. Mas me amo tambm: amo a mim e aos meus sonhos. E entre voc e eu, queria escolher ns dois, mas no ser possvel. No sei se suportar saber disso, mas eu no ficarei de p se me deixar. Voc meu amigo, meu companheiro, minha vida... Senti que, se ficasse naquele monlogo, choraria. Deitei no outro quarto e fechei os olhos. Fiquei quietinha ouvindo msica: "Vou te contar, os olhos j no podem ver, Coisas que s o corao pode entender, Fundamental mesmo o amor, impossvel ser feliz sozinho".
Cap 85: ltimo ano O quarto ano comeou com o estresse da monografia de Caio. Ele ficou sugado, pois alm de fazer tudo que fazia antes, ainda tinha que ler a bibliografia e redigir sobre o tema. Isso, claro, diminuiu ainda mais o nosso tempo juntos e, principalmente, nossa comunicao. Para melhorar, as provas que deveriam ser feitas durante o ano todo foram compactadas no primeiro semestre de uma vez s. Mais dedicao aos estudos e menos tempo para Bela... Isso trouxe um desgaste ainda maior, porm no aparente. Pois eu estava to envolvida com meu trabalho e minhas responsabilidades que, quando sobrava alguma brecha, eu estudava para a minha faculdade, que a essa altura j estava no 7 perodo. Descobri que estarmos muito ocupados nos impedia de mergulhar em uma depresso, porm, nos fazia um pouco distantes e desconhecidos um do outro, pois no havia tantas oportunidades de dividirmos o que passvamos. Eu nunca senti uma falta to grande de um namoro real, de ter algum de verdade do meu lado. E posso confessar: falta de um homem maduro. No um garoto cheio de dvidas e que sabe muito pouco do mundo aqui fora. Eu queria um homem mais velho que me desse segurana. Sendo que Caio no era esse homem e s servia se fosse ele, ento, o jeito era esperar que o tempo passasse e o tornasse assim. Depois, vieram os estgios e ele foi para longe. Mais longe de mim. Eu no enlouqueci porque tinha os ps muito firmes no cho e sabia o que eu queria:
crescer ainda mais como mulher e profissionalmente. Se eu no tivesse esse foco para me equilibrar, j teria desmoronado com a fora do vento da saudade. Num desses dias em que s o amor prprio me mantinha de p, resolvi entregar o meu carto de crdito recepcionista do salo. Iria tomar um banho de beleza e no importava o quanto custasse fazer: unhas, cabelo, massagem, limpeza de pele, depilao. _ Pronta para desfilar glamourosa por a. _ disse o cabeleireiro tirando o avental. _Ai, estou linda! _ ri, muito feliz. Finalmente, eu estava com outra cara. No sei se Caio iria gostar do meu novo look de cabelo curto. Ele estava agora como o da Cameron Dias em O Amor no tira frias (fora uma foto dela que eu mostrara ao cabeleireiro). O que importava que eu parecia mais moderna e com menos jeito de estudante. Dei um giro no ar e ri mais ainda. _Ficou perfeito! Eu amei! _ dei dois beijinhos nele e paguei minha conta. Procurei no fazer nenhum movimento brusco por causa da minha unha, mas quando a gente menos precisa pegar coisas... o celular toca. Revirei os olhos e sentei em um daqueles bancos de corredor que h nos shoppings. Abri, delicadamente, o zper da bolsa e puxei muito devagar o celular, como aquelas mos mecnicas que agarram os bichinhos de pelcia nas mquinas. _ Al? _ atendi. _Boa tarde, a senhora Isabela? _ perguntou uma voz feminina. _Sim, sou eu. _Eu sou a recepcionista do hospital... Fechei os olhos, meu corao j estava na boca e minhas mos comearam a suar. _Me deram seu telefone para entrar em contato com um parente. _O que houve? _ minha voz saiu trmula.
Cap 86: Corao partido Trilha sonora da cena (oua aqui!) _ o seu tio Paulo. _ disse a recepcionista do hospital. _O que aconteceu com ele? _ perguntei no cume da minha aflio. _Ele sofreu um infarto, foi trazido para c e precisou operar. _Ele est bem? _ interrompi-a, odiava aquelas frases como se estivesse me preparando para algo pior, era insuportvel. _Est acordando da anestesia. Se quiser v-lo...
Abaixei a cabea e respirei aliviada, no suportaria receber nenhuma notcia de morte. Minha vida j inclua uma cota de perdas grande demais. _Claro, vou para a agora. _ levantei-me e anotei o endereo, enquanto caminhava em direo ao estacionamento. *** Demorou para que eu pudesse conversar com ele, mas esperei toda a madrugada ali, sentada ao lado do seu leito. Infelizmente, acabei dormindo e s na manh seguinte nos falamos. _Oi... _ eu sorri e depois me estiquei, precisava espreguiar, tinha dormido de mal jeito na cadeira. _Dizem que vaso ruim no quebra... _ brincou. _Que bom que, pelo menos, quando trinca tem conserto. _Quem ainda precisa de mim? _ desdenhou ele. _Eu. _ respondi prontamente. _Nessas horas eu gostaria de ter filhos. _ confessou. _ Para que eles estivessem aqui ao lado da cama... Mas, melhor que no os tenha, pois eles estariam com os olhos desesperados de quem vai perder algum que ama, isso duro. _Voc me tem, uma filha postia. _ estiquei minha mo e apoiei no seu brao. _ bom saber que deixei o que conquistei com voc. _E est dando um trabalho para administrar. _Eu me refiro, principalmente, a sabedoria que conquistei, um pouco dela pude passar a voc. A sabedoria o maior bem de uma pessoa, ela nos faz tomar as decises certas. Isso o que importa. No adianta ter dinheiro se no se tem sabedoria. _ duras penas, estou aprendendo isso. Olhei para aquele homem de cabelos crespos, j grisalhos nos lados, e barba rala branca, contrastando com a cor de sua pele morena pelo sol. Ele modificara a minha vida de uma maneira radical, no suportaria perd-lo para sempre. Era como se a qualquer momento eu pudesse pegar o rdio e cham-lo para me socorrer. _Ns ainda no tivemos a oportunidade de falarmos de voc. _ observou. _ Agora que estou aqui no leito, pode falar. Se eu morrer, no corre o risco de eu contar a ningum. _No tem problema, se voc contar eu te mato mesmo assim. _ ri e ele riu tambm. _Como vai seu namoro? _ perguntou. _Bem. _ suspirei.
_Isso o que voc aprendeu a falar para todo mundo. _ comentou. _ Vou te dar mais uma chance e perguntar de novo. Como vai seu namoro? _Bem complicado. _Ah! Eu sabia que estava faltando o complemento. Rimos juntos. _A questo no ns dois, sabe? Eu o amo e ele me ama. Isso fato. O problema que, ao se formar, Caio quer ir para longe, para o sul do pas... Tio Paulo deve, imediatamente, ter vislumbrado o quanto isso afetaria os seus negcios, pois eu poderia largar tudo. _Essa a mais difcil lio: amar uma pessoa junto com o seu mundo. Porque o amor no existe em estado puro, o amor real existe junto com tudo que o rodeia: problemas, famlia, trabalho... _ disse-me. O que o tio entendia de amor? Ser que ele j amara algum? O mais prximo que eu sabia de um caso seu com uma mulher fora mesmo com Kelly, mas isso no me pareceu intenso o suficiente para lhe ensinar essas lies. _Se eu no for, as comportas do mundo vo descer sobre mim e me aterrar. Todos vo pensar que eu no o amava de verdade, que o tra por faz-lo acreditar que o seguiria e agora mudara de deciso... _Isabela, a nica pessoa que conta se vai pensar isso o Caio. _No sei se pensar... pois ele ainda tem muito que aprender para evoluir, est to empolgado com os rumos da prpria carreira que no enxerga a minha, pois para ele parece fcil: No se preocupe, Bela, vamos morar sempre em capitais e nunca te faltar emprego. Simples, no? _Puxa, que barra hen? Vai um soro a para voc? _ ofereceu. _No, obrigada, eu odeio agulhas. _ ri e balancei a cabea para os lados. _Voc quer largar tudo? Porque se quiser, precisa me dizer. _Eu no quero. Confessar aquilo de maneira to firme me trouxe pela primeira vez um alvio. Eu podia falar com ele abertamente, sem ter que ouvir argumentaes em favor de Caio. Nem mais com Dbi, entorpecida com o prprio casamento, eu conseguia manter esse tipo de dilogo. _"Eu no quero", trs palavras que tem um poder de mudar tudo. _ comentou ele. _ Vejo que aprendeu a lio. _ Mas, a lio no era eu saber o que eu queria? _ corrigi. _Tambm. Mas to importante quanto saber o que voc quer saber o que voc no quer, pois j um grande passo voc distinguir aquilo que no gostaria para sua vida. _Eu tenho um medo enorme de olhar l para trs depois e ver que eu perdi um
grande amor por causa do trabalho. _O problema no o trabalho, Isabela, mas um estilo de vida. Estilo esse que te faz feliz, que te faz realizada. E Caio no imaginava que era esse que voc queria quando ele tem um outro a te oferecer. E esse outro voc no quer. _Eu poderia ir, meter a cara e experimentar, ver se gosto, por amor, como dizem... _Mas, no s no amor que se perde. Na vida, tambm. E se voc deixar isso para trs, talvez no os tenha de novo. _Eu sei, mas entre o estilo de vida e Caio, parece bvio que a perda maior seria ele. Mas, t-lo e ser incompleta me traria, da mesma maneira, infelicidade. _Qualquer escolha que faa te provocar perdas. _ lembrou-me. _Eu tenho meus amigos que amo, que me fazem sentir-me em um ninho acolhedor. Meus pais, to velhos e cansados j, que, a qualquer momento, precisam de um apoio meu, seja financeiro, ou de ateno e afeto. Os funcionrios da empresa, que cuido com tanta dedicao, percebendo a necessidade de cada um deles... _Eles iriam aprender a viver sem voc. Quem realmente precisa deles voc, Isabela. _ mostrou-me outro ngulo dos fatos. _Exatamente, sou eu que no vivo sem eles ao meu redor. E eles so to importantes quanto Caio. No importa onde ele esteja, eu vou am-lo. _Mas, corre o risco de s am-lo, am-lo para todo o sempre. S que no basta amor sem contato fsico, sem correspondncia. Ele pode encontrar outra. _Nem me fale disso. _ abaixei a cabea e a enterrei nas mos. _ muito cruel, no queria fazer essas escolhas. _A vida s vale pelas escolhas que fazemos. Mas, no deixe de escutar o seu corao, ele est te dizendo o que voc no quer. O corao de Caio importante, mas e o seu? _J pensei e repensei nisso milhes de vezes. Eu estava conversando com uma colega que conheci na Internet, que tambm namora um militar. Falei para ela que no queria mais casar agora, que meu namorado no estava preparado... e ela me disse: Posso te ser sincera? Voc no o ama. Porque to egosta que no quer crescer junto com ele. Foi to cruel ouvir isso. _Um cego no precisa de outro cego para gui-lo. _O senhor tem um infarto e o meu corao que est quebrado. Sorri, com olhos marejados de lgrimas. *** noite, sentei em frente ao meu computador e comecei a escrever no meu blog: "Que vai ser de mim, uma flor seca ao solo, desligada do tronco, sem seiva, sem luz, relegada a vida? Quem vai curar o meu corao partido? E se voc se vai, que serei eu, amputada de um pedao da alma que vai levar. Depois de voc no h
nada. Quem vai me amar o corpo e me far ver as estrelas de olhos fechados? No se v sem meus carinhos, no aceite de outra o que eu aprendi a te dar com devoo. Estou entre voc e eu e no posso escolher os dois. Voc abraa a bandeira, a sua farda a sua misso e deixa seu rastro para eu seguir, mas eu no quero caminhar na tua sombra, voc sabe que no mais profundo de minha alma h a dor do que me pedes. Quem me vai cobrir nas noites que fizer frio, quem vai me cuidar, quando voc partir? No vai, meu amor, no sem mim. Voc entrou na minha vida como uma tinta que entranha na carne e no adianta esfregar, voc no sai, est aqui em mim, da cabea s entranhas. Por que me quis para agora me pedir um preo to alto? Por que me escolheu para ser sua, por que me deu esta misso, que jogo esse, digame?" Meu telefone do quarto tocou, parei de escrever para atender. Era Caio: _Amor, as vagas saram. _ disse-me ele. Eu preferia que a frase fosse: Eu fiquei punido esse fim de semana, Estou preso no prximo, Eu no vou poder sair no feriado... _E? _ perguntei, apoiando minhas mos na escrivaninha, onde ficava o telefone, abaixei a cabea, me preparando para a notcia. Fechei os olhos.
Cap 87: Deciso _ Amor, eu vou para o sul do pas. _ disse com uma voz feliz. Aquilo foi uma faca entrando no meu peito. _ Diz alguma coisa. _ pediu. _Que bom que sua carreira vai seguir os rumos que voc queria e... _Voc vem comigo? _ perguntou. _Temos que sentar e analisar melhor tudo direitinho... _ foi o mximo que consegui dizer-lhe. _Claro, esse fim de semana eu vou para a. Preciso desligar, te amo. _Tambm te amo. _ desliguei. Fiquei em p, parada, como se meu mundo tivesse parado de girar. As lgrimas desceram fartas pelos meus olhos. Dei trs passos de costas e ca sentada na cama, escorreguei junto com o edredom e fiquei no cho. As minhas mos protegeram meu rosto e eu chorei um soluo sufocado, triste, profundo. O telefone tocou mais uma vez. Peguei-o e atendi. _Bela! a Dbi! _Oi. _ respondi. _Saram as vagas! O Ribeiro vai para o norte! Quero dizer, ns vamos para o norte. Estamos felizes, era o que ele queria e o que ele quer o que quero tambm. _ sua
voz era to animada e cheia de gritinhos que me fez at sorrir. _Que bom... _E Caio, ligou? _No, ainda no. _ menti. _ Mas, vai ligar. _Est tudo bem? _Est sim. _Bela, eu te conheo. _J disse que est. Tenho que desligar. Desliguei. Aquele momento era s meu, no queria dividir com ningum, nem estragar a felicidade dela. Chorei sem medida e, no dia seguinte, meu rosto estava desfigurado. Como eu poderia trabalhar daquela maneira? Cortei algumas rodelas de batata com um pouco de sal e coloquei no meu rosto. Fiquei deitada na minha cama. Sem foras para me mexer. Mas, era preciso trabalhar. Fiz um sacrifcio e me vesti. Era preciso correr para deixar tudo pronto para o casamento de Dbi. Havia muitos preparativos a serem arranjados. *** Os olhos de Caio s esperavam uma resposta, logo aquela que eu no poderia lhe dar: _Caio, eu vou ser muito sincera com voc. E gostaria que me escutasse primeiro. _T. _ ele sorriu e segurou minha mo. Estvamos no meu quarto, sentados em minha cama. _Eu amo demais voc, descobri que aquele meu amigo de segundo grau era o meu verdadeiro amor. Por voc suportei mil coisas... Mas, eu no vou poder largar tudo agora e ir para o sul do Brasil. No agora. Eu estou terminando minha faculdade, tenho os meus pais, o meu trabalho, minha vida aqui. _... _ os olhos dele se encheram de lgrimas. _No faz isso _ pedi, passando a mo no seu rosto. _A minha carreira no ter significado nenhum sem voc do meu lado. _ disse ele. _Eu sei. Mas acha justo eu jogar tudo para o alto agora? _... _ ele no respondeu, mas pelo que eu o conhecia aquele era o seu no. _Eu pensei, repensei e achei melhor no tomar nenhuma atitude por impulso. Se voc me ama de verdade, vai entender meu lado. _A maioria das namoradas dos meus amigos vo com eles, esto felizes e...
_Caio?! Cada um sabe o tanto que tem a perder e eu tenho muito. _E me perder? _Ns passamos tanto tempo separados e no nos perdemos. _ lembrei-o. _E quanto tempo mais eu terei que esperar para voc estar preparada? _ perguntou-me. _Eu no tenho essa resposta para voc. _ disse. Ele abaixou a cabea. Meu celular tocou, era do trabalho. Revirei os olhos, era s o que me faltava agora... Atendi. _Dona Isabela? O DJ acabou de ligar, o pai sofreu um acidente e ele no vem tocar. E agora? _Calma, para tudo se d um jeito. _ fiquei de p, andei pelo quarto e pensei. _ J sei, vou ligar para um outro que tenho aqui na minha agenda e... _ abri minha bolsa. _ Droga, deixei ela a. _ coloquei meu cabelo atrs da orelha e equilibrei o telefone entre a bochecha e o ombro. _ E o resto, est tudo certo? _Sim, est caminhando. _ disse minha assistente. _Tudo bem, estou chegando a. Vou arrumar um DJ, nem que eu mesma tenha que controlar uma mesa de som pela primeira vez. _ desliguei o telefone e olhei para Caio. Ele balanou a cabea para os lados com desdm e saiu do quarto. _Caio, vem aqui, desculpe, eram problemas do trabalho... _ fui atrs dele. Caio pegou a mala que a pouco tinha deixado no cho da sala. _Aonde vai? Voc acabou de chegar de Resende. _Vou embarcar para So Paulo. _Qu? Como assim, meu amor? Caio, no pode fazer pirraa agora, as coisas no se resolvem assim, eu tenho que resolver os problemas do trabalho. _Tudo bem, Bela. Eu j entendi, voc tem que resolver os problemas do trabalho, no precisa repetir. _ entregou-me o convite da festa. _ A est. _ pegou a mala. _No, por favor, no vai embora. _ implorei. _Me deixa. _ ele pediu e abriu a porta do apartamento. _T, se voc quer ir, ao menos deixe eu te levar de carro. _ ofereci. _No quero que perca seu tempo precioso para achar um DJ. _ lembrou-me. Ele estava certo, se eu fosse, no teria como conseguir um DJ e a festa sairia um fiasco, muito dinheiro e responsabilidade estavam envolvidos nisso.
_Caio, eu te amo. _ eu falei, antes da porta do elevador se fechar. A ltima imagem que tive dele era de seu rosto duro e amargurado. _Droga! _ gritei e minha vizinha apareceu na porta, assustada. No lhe dei nenhuma satisfao e bati a porta do meu apartamento. Fui buscar minha bolsa. Que droga, droga, droga, meu mundo estava comeando a vir abaixo!
Cap 88: 000 dias. Eu te dei o melhor de mim Trilha sonora da cena (clique aqui) _Voc tem certeza disso? _ Dbi segurou minha mo e falou baixinho. _Tenho... Eu tenho que tentar... Estvamos no quarto de hotel. Parece que o tempo no passou, que ontem foi o Espadim e estvamos as duas com esperanas e expectativas sobre tudo que iria acontecer. Mas, amadurecemos e mudamos muito. Foi um duro trajeto e l estvamos para o grande dia do aspirantado. 000 dias. _Ele no quer falar comigo, mas eu no posso perd-lo. _ mordi o lbio inferior e olhei para o alto para as lgrimas no correrem. _Eu o entendo. _ Dbi disse com a voz hesitante. _ Ele est sendo um pouco egosta, eu sei... Mas ele s quer sua ateno. O Caio precisa de voc e voc s tem tempo e dedicao para o seu trabalho... _No verdade... _Bela, voc que no est conseguindo ver isso. _Mas, eu preciso trabalhar. Ele no tem que se dedicar ao trabalho dele? Esse o meu. _Voc no veio ao culto ecumnico, nem a colao de grau, nem a entrega da espada por causa do seu trabalho. _Mas, eu vim ao baile! Eu s consegui sair de l agora de tarde e vim correndo, estou cansada. _Eu te entendo, mas ele sente sua falta. _Eu tambm senti, Dbi. Porque, nos meus melhores momentos, ele no esteve l e nem por isso eu fiz jogo duro e deixei de falar com ele. _... _ ela suspirou. _ complicado. _Dbi, voc sabe de alguma coisa que eu no sei?
_No. _ ela levantou-se e deu as costas. _ Seu vestido lindo, deve ter sido uma fortuna. _Um pequeno pecado. _ sorri. O meu vestido era lindo, rosa escuro de um pano bem malevel. Sem brilhos, muito clean, com as costas nuas e um decote maravilhoso nos seios. Fiz maquiagem e cabelo em um salo prximo ao hotel e, noite, eu cheguei com Dbi e Ribeiro na festa. Estava tudo mais lindo que no Espadim. Uma noite fabulosa. Meu corao estava batendo muito forte e minhas mos suavam. Encontramos Caio com seus familiares. Ele virou-se e me olhou. Sorri e dei uma voltinha tmida. _Voc veio... _ ele sorriu tambm. _Nunca perderia esse dia. Ele me pegou pela mo e fomos danar na pista. _Voc est lindo... _ disse em seu ouvido. Ele, realmente, estava muito bonito de roupa cinza, gravata, cala tambm cinza... Aspirante. Enfim. Eu sentia tanto orgulho porque eu tinha sido parte daquela conquista que era como minha tambm. _Bela, preciso falar com voc. _ ele novamente me pegou pela mo e me levou para fora do salo. Ficamos afastados do barulho da msica e das pessoas. Procuramos um lugar bem reservado. _O que houve? _ perguntei. Caio respirou fundo, coou a testa. Eu o conhecia, ele estava se preparando demais para falar algo importante. _Bela, eu pensei muito... _Caio, se voc continuar com esse suspense eu vou ter um filho. _ ri e tentei manter o humor. _Bela, eu vou para o sul, como voc j sabe. Eu pensei e pensei. Voc tem razo, tem que seguir com sua vida, eu no tenho o direito de atrapalhar nada. _Voc no atrapalha. _ tentei toc-lo, mas ele se afastou. _Por favor, me deixa terminar, no est sendo fcil para mim. _ pediu. _ Bela, eu acho melhor voc ficar aqui e eu ir. E... se um dia a vida nos unir de novo... _Isso significa o fim? _No o fim, como eu falei, quem sabe um dia... _Caio, voc est terminando comigo? Voc est tomando essa deciso por ns dois,
isso mesmo? _Bela, no vai ser fcil... e... eu prefiro as coisas assim. _Ah! Voc prefere assim? _ as lgrimas comearam a cair do meu rosto. _No que gostaria que tudo acabasse desse modo, mas depois vai ver que vai ser melhor, voc vai ficar livre... _Ou voc quer ficar livre para encontrar alguma guria na terra da Gisele Bndchen? _ fui irnica, aquilo no estava acontecendo comigo! _Bela, por favor, vamos manter o nvel da amizade. _Caio, sai daqui, seno eu vou bater em voc, sai. _ pedi, fechando os olhos. _Eu s... _Sai! _ pedi mais uma vez, mas enftica agora. Ele foi embora. Agora eu vou contar a vocs uma histria que pouco se fala porque quem perde no conta sua histria, esquece-a, rasga todas as pginas do livro da vida e queima os arquivos. S ficam as verses felizes. Eu vou contar a vocs o que acontece com aquelas que no tem um happy end neste conto de fadas. Levei as mos ao rosto e comecei a soluar sozinha. Procurei uma escadaria que havia longe do salo e sentei. As lgrimas desciam negras por causa do lpis de olho e manchavam meu rosto. Eu te dei o melhor de mim. Eu abdiquei dos abraos e beijos e voc desistiu. Eu briguei com o orelho toda vez que ningum atendeu o telefone na ala e voc desistiu. Eu fiquei sozinha em nossos aniversrios de namoro e voc desistiu. Eu enfrentei a crtica dos meus familiares e voc desistiu. Eu te vi partir a cada fim de semana, levando meu corao contigo e voc desistiu. Eu entendi seus servios e voc desistiu. Eu entendi suas punies e voc desistiu. Eu entendi seus campos e voc desistiu. Eu enlouqueci e voltei a ficar bem e voc desistiu. Eu engordei e emagreci e voc desistiu. Eu enfrentei sua me e voc desistiu. Eu juntei dinheiro para viajar e te ver e voc desistiu. Eu agentei as piadinhas dos falsos amigos e voc desistiu. Eu te ajudei na sua monografia e voc desistiu. Eu te acolhi na minha casa e voc desistiu. Eu esperei 4 anos e voc desistiu. Eu sofri noites de insnia e voc desistiu. Eu senti sua falta e, mesmo assim, esperei e voc desistiu. Eu morri e voltei e voc desistiu. Como pode fazer isso comigo? Como pode acabar comigo desta forma? Vamos
voltar no tempo. Deixe-me sozinha na beira daquele rio e nunca aparea para aquele encontro. No me beije, nem me diga nada. Voc segue seu curso e eu, o meu. Mas agora, depois de tudo que fiz por voc, no pode desistir, porque eu te dei o melhor de mim. _Bela?_ ouvi a voz de Dbi, que correu at mim. Suspendeu o vestido e subiu os degraus aos pulinhos. _Voc j sabia, no ? _ perguntei. _Suspeitava _ passou a mo no meu rosto. _ Estou aqui... _ abraou-me. _Isso no est acontecendo. _deneguei. _Calma... Calma... Vou te levar de volta para o hotel. _No precisa. _ disse-lhe, respirei fundo e levantei. Ela, ainda agachada, olhou-me de baixo. _Eu s preciso chamar um txi. _ abri minha bolsa e procurei o celular, havia anotado o nmero de um motorista. _Tem certeza? Eu no quero te deixar sozinha. _Essa a sua noite. _ disse-lhe. Depois de ligar, ela segurou minhas mos e no soube o que dizer. _Nem imagino o que estar no seu lugar. _No pode imaginar mesmo... _Aonde vai? _ ela perguntou-me. _Eu vou esperar na entrada de frente para o reto. _Eu vou com voc. _No precisa, eu quero ir sozinha. _ pedi. _ No diz a ningum que me viu chorando. _Pode deixar. uma pena. Combinamos um encontro com as meninas 1 hora da manh, lembra? _Lembro. Deixa meu beijo para elas. Melhor, no deixa nada. Eu s quero encontrar uma pessoa, a Bela. Preciso me reencontrar, ainda estou fora de mim. _Por isso quero ir com voc. _No, eu vou sozinha. Caminhei lentamente e esperei o txi em p, s, na noite quente e iluminada por uma linda lua.
O carro chegou e, antes de entrar, olhei para o prdio atrs de mim e pensei se tudo tinha valido a pena para ter terminado daquela forma, separando Caio de mim. _Eu j vi muitas meninas como voc chorarem assim, todo ano. _ disse-me o taxista. _ por isso que minha filha no namora cadete, se namorar eu expulso de casa. _Se no se importa, eu no quero ouvir nada. _disse-lhe. _Desculpe.
Cap 89: Casamento da minha melhor amiga Trilha sonora da cena (clique aqui) Eu tinha preparado aquela festa como se fosse minha, afinal, era nada menos que o casamento da minha melhor amiga. Cheguei bem cedo no salo e conferi tudo. Dos docinhos s mesas. No admitiria que nada sasse errado. Provei cada comida da cozinha, olhei com meus prprios olhos todos os detalhes. O tempo passou muito rpido. Assim que eu cheguei de manh, senti a ateno das pessoas sobre mim. Algum descobrira que eu tinha terminado meu relacionamento com Caio. J at sabia que lngua havia se soltado: a do tio Paulo. Como eu era madrinha do casamento, precisei pedir seu auxlio noite para que eu pudesse coordenar a festa e ao mesmo tempo participar dela. Expliquei-lhe o grau de delicadeza da cerimnia, j que Caio estaria presente. Nem eu, nem ele, desistimos do convite que nos fizeram, porm, continuvamos sem nos falar desde o baile. Os funcionrios olhavam-me com pena, como se eu fosse o ser mais infeliz do mundo e a todo o momento tentavam me agradar ou me vigiavam para ver se conseguiam pescar algum sinal de tristeza. Mas, eu era extremamente profissional e consegui desempenhar muito bem o meu trabalho, de maneira fria e o mais imparcial possvel. S pude relaxar mesmo, quando vi aqueles dois no altar, prontos para dizerem sim. A presena de Caio perto de mim me trouxe um grande desconforto. No havia como colocar uma pedra em cima de tudo com ele ao alcance dos meus olhos. Passado o baque inicial, eu racionalizei toda a nossa situao. Quem olhasse de fora poderia consider-lo o vilo. Mas, no havia vilo naquela histria. Se eu abdicara de muita coisa por ele, Caio tambm se privara de muitas outras para estar comigo, dividido sua ateno entre mim e sua famlia. Mas, por mais que meu amor por ele fosse uma fora imutvel dentro de mim, eu estava certa de que no queria me mudar, nem largar tudo para segu-lo. Eu amava aquele homem, mas no o seu destino. No podia medir ainda o quanto estava perdendo ou me arrependeria, mas no me
sentia um monstro como as pessoas me pintavam. Ouvi de muitas amigas que conheci na Internet que eu era egosta e s pensava em mim, ou que era uma patricinha mal resolvida. Ribeiro e Dbi passaram por debaixo do teto de ao formado pelas espadas dos aspirantes amigos deles. A chuva de ptalas de rosas vermelhas que programei emocionou a todos. Quando a ateno estava voltada para o casal e comearam a cumpriment-los, eu fugi para respirar. Estava sentindo um ligeiro estado de sufocamento. Passei a mo no peito. Levantei o meu vestido azul claro para andar mais rpido e no pisar na sua barra. Encontrei um garom no meio do caminho e peguei uma taa de champanhe. Fechei a porta da minha sala atrs de mim. Sentei no sof sozinha e olhei a taa molhando meus dedos com o suor do lquido gelado no vidro. Bebi de um gole s e fiz uma careta. Larguei a taa no cho e deitei-me encolhida, em posio fetal. Lembrei da frase do meu tio, quando me delegou a primeira tarefa de ficar no banheiro auxiliando os convidados da festa. Ele me dizia para cham-lo no rdio quando precisasse de sua ajuda. Peguei o rdio que trouxera comigo e apertei o boto. Ele atendeu. Eu fiquei muda. _Bela, voc? _ perguntou. _... Eu estou precisando de ajuda. _ falei baixinho. _Onde voc est? _Na sala. _ respondi. _Fique a. _ desligou. Tio Paulo entrou na sala um minuto depois, fechou a porta e se agachou na minha frente. _Acho que voc j agentou demais... _ passou os dedos no meu cabelo e fez um afago. Fechei os olhos e duas lgrimas caram. _Est na hora de voc tirar uns dias. _ disse-me. _ Isso no um pedido, uma ordem. Fiz que sim com a cabea e ele beijou minha mo. _Vou chamar um txi para te levar para casa. Deixe o seu carro estacionado aqui. _ falou e foi at o telefone. _Eu tenho que me despedir dos meus amigos... _ disse-lhe, sentando. _Agora hora de pensar em voc. _ anunciou e me pegou pela cintura, eu me senti fraca. _ Vamos passar por dentro da cozinha e sair pelos fundos, tente fazer isso o
mais rpido possvel, sem que percebam. _Tudo bem... _ sequei as lgrimas com as costas das mos e fiz que sim com a cabea. Tio Paulo colocou-me dentro de um txi e, antes de bater a porta, disse: _Fique o tempo que precisar. _Obrigada. _ sorri um sorriso triste. Cheguei em casa e minha me perguntou por que eu havia voltado to cedo. Faleilhe de uma maneira maquinal que o trabalho havia acabado antes da hora e fechei a porta do meu quarto. Abri o zper do vestido e deitei debaixo do meu edredom, sem roupa. Eu podia agora comear a hibernar e s acordar quando a avalanche que me assolara tivesse derretido. Fechei os olhos e dormi um sono pesado e escuro.
Cap 90: Vida nova, casa nova Trilha sonora da cena (clique aqui) (6 meses depois...) _O apartamento o melhor que temos para alugar. Vista ampla da sacada, uma sala em L espaosa e os dois quartos j esto com armrios modulados. _ avisoume o corretor por telefone. Mesmo assim preferi conferir tudo de perto. Queria ver com meus prprios olhos o meu futuro canto. Seria uma espcie de quarto em grandes propores, a minha casa, o meu lugar onde posso fazer o que quiser e ser dona de mim, independente. Era a realizao de um grande sono. Realmente era como eu queria. Muito aconchegante. Levei algum tempo para decor-lo, pois queria cuidar com muito carinho de cada detalhe. Sempre fui de me empenhar em tudo que fao, gosto de pesquisar antes para ter uma gama de escolhas. Comprei revistas de decorao, entrei em sites e fui montando meu estilo. Para comear, a sala. Coloquei dois sofs brancos muito fofos e com almofadas aconchegantes. Um era de cinco lugares, timo para eu me esticar e ler um livro. Sobre ele, coloquei uma manta mostarda bem chique. Em uma das paredes, fiz uma textura em vinho escuro e coloquei quadros de tons claros para contrastar. Fui, pessoalmente, escolher uma planta grande para colocar em um dos cantos, ela seria tima para absorver as energias do ambiente. Que dia delicioso aquele passeando pela floricultura. Eu no queria nada caro... Eu queria sofisticao. Fui em um antiqurio e consegui um aparador antigo, com um design maravilhoso. Coloquei-o encostado na parede vermelha e, em cima, um vaso com folhagem seca e dos dois lados deste alguns porta-retratos de pessoas queridas: Dbi, minha me, meu pai e irmo, os amigos da faculdade, meu tio, os profissionais da empresa.
No havia foto dele, estavam todas junto com as coisas que eu ainda tinha dele na casa dos meus pais. No trouxe comigo. Eu decretara que comearia uma vida nova, no podia traz-lo para dentro de casa, por mais que ele cismasse em me seguir dentro do meu corao. Ento, como eu ia dizendo, a sala era meu ninho. Coloquei um tapete bege claro e em cima uma mesa de centro grande de madeira decorada com livros e umas velas coloridas que comprei em uma casa esotrica. Eram aromticas e coloridas. Ao invs de comprar um estante, fiz diferente. Coloquei uma enorme prateleira de ponta a ponta de uma parede e duas menores embaixo, pegando de um canto at um espao no meio, de maneira que a televiso ficou encaixada entre elas. Um pouco mais abaixo, mandei fazer uma pequena estante pequena, s com portas, para eu guardar coisas que eu teria no futuro, j que era s o comeo da minha vida de solteira independente. Na varanda, uma rede, claro. E uma cortina estilo romntica, salmo, maravilhosa, que faz sentir-me em uma casinha de bonecas. O meu quarto era amplo, com uma cama de casal para eu me espalhar entre oito almofadas e travesseiros muito fofos. Apenas coloquei uma mesa para comportar meu computador novo e cadernos da faculdade. Queria uma coisa clean mesmo, sem muitos mveis. A cozinha j estava com armrios, s tive mesmo que comprar o basico dos eletrodomsticos. Mas, no queria que fosse um lugar frio. Coloquei quadros pequenos na parede, enfeitei com potes de vidros, flores e coisas que me fizesse lembrar de que aquele era um lugar acolhedor. Podem ficar pasmos, mas aprendi a cozinhar. Claro, s custas da pacincia das cozinheiras do salo de festas que me aturavam em seus ombros, fazendo mil perguntas e apontando para as panelas. Acho que at engordei um pouquinho de tanto provar os pratos. Minha rotina era faculdade, trabalho e minha casa. Mas, logo vi que precisava de mais flego e decidi, ento, me matricular na academia. Finalmente, eu estava em equilbrio de corpo, mente e corao. Pode parecer muito estranho eu dizer isso, mas eu sobrevivi separao. No princpio, parecia que o mundo ia acabar, eu no conseguia parar de chorar e me sentia algum muito ruim, como muita gente me fazia crer que eu era. Mas depois, voltei a lembrar do que sou de verdade, focalizei minha ateno nas coisas que eu gostava e segui meu rumo. Ele no algo que eu possa esquecer, simplesmente vem em meu pensamento para onde quer que eu siga, mas agora sem me atrapalhar. Simplesmente, est ali quieto em meu corao, sem trazer turbulncias. s vezes, me perguntam como ele est, mas eu digo o que de fato aconteceu: no procurei saber. Eu queria ficar bem e esforcei-me para isso. No posso dizer que no me sinto solitria em certos momentos, mas isso tambm no me faz infeliz. Vivo rindo, de alto astral, tentando passar coisas boas para as pessoas, no posso amargar um rompimento do passado e tornar a vida de todos um inferno.
Ao mesmo tempo que estou terminando minha graduao, estou estudando para a prova do mestrado, que espero passar. Por isso, hoje, na hora do almoo, eu tinha duas tarefas, alm de comer no shopping, comprar umas roupas legais para malhar e passar na livraria. Sentei-me em uma mesa e pedi um pedao de torta. Seria minha sobremesa, eu amava comer doces e guloseimas naquela parte da livraria. Era to aconchegante! Luz baixa, fotos antigas da cidade do Rio de Janeiro nas paredes, um ambiente acolhedor que tocava mpb e jazz. Era quase teraputica aquela sesso de caf com bolinhos e livros. Nem sempre eu vinha para comprar, s queria me sentir naquela deliciosa atmosfera. Abri minha bolsa e tirei uma carta. Era de Dbi. Dbora fora morar no norte com Ribeiro e viver sua vida de casada, mas nem tudo saiu como ela sonhava. Semanalmente quase me escrevia. Eu tentava responder sem interferir muito em suas decises, pois no queria ser a amiga que a coloca a perder, eu j estava suficientemente mal vista por no ter querido seguir com meu ex para o sul. J estava bom de inimigos. Aos poucos, as cartas comearam a me fazer mal, pois elas a todo momento relembravam-me de uma agonia que eu s queria esquecer, porm, por amizade, eu as abria e lia com pacincia. O meu blog j havia sido fechado h muito tempo e ela, por no ter computador em casa, tambm desistira. Era duro saber que minha amiga no se adaptara a nova vida. Eu achei que era s um pnico inicial de estar longe de tudo, mas cada carta reiterava a sua infelicidade diante das circunstncias. Hoje fora uma das vezes em que adiei a leitura da carta que pegara no correio de manh. Pensei que, talvez, o ambiente gostoso da livraria proporcionaria boa paz de esprito que eu pudesse acolh-la. Bela. Fiquei muito feliz por saber que voc est firme e forte estudando para a prova do mestrado. Muito bom para voc. Eu ainda no consegui retomar os estudos. Achei que seria tudo muito simples, chegaria aqui, ingressaria em uma faculdade e pronto. Mas, no estamos podendo ainda porque os mveis foram muito caros, gastamos bastante com tanta coisa... que meus estudos tiveram que esperar. Isso me deixa mal, sabe? Fico com aquela sensao de que tudo est passando por mim e eu estou no mesmo lugar. O Ribeiro vive em misses, no trabalho... e eu? Sozinha em casa. Eu tento sair, fazer amizades, mas a vontade que d s voltar para meu quarto e ficar deitada na cama. Como lhe falei, comecei a ir a psicloga. Ela me passou uns remdios. Nunca pensei que eu precisaria disso. Eu tive a idia de dar aulas, procurei uma escola particular aqui perto, mas o diretor disse que no podia me dar preferncia, j que eu no tinha estabilidade, que daqui a pouco iria embora e o dinheiro que investiria em mim seria perdido. Aquilo contribuiu para uma crise que fez a minha psicloga entrar com os remdios. Vejo as fotos da formatura do fim do ano passado. A maioria daquelas meninas no esto mais com seus namorados, sabia? Talvez voc no saiba, pois preferiu se afastar... mas a vida dura, encarar isso no brincadeira. No como eu pensei,
eu tinha sonhos, castelos construdos em minha mente. Agora as que esto aqui esto bem felizes. A maioria no trabalha, fica em casa fazendo artesanato, tentando contribuir de alguma forma com a renda. Mas elas parecem que tem a vida que pediram a Deus, d para ver em seus olhos a alegria que eu no vejo nos meus. O Ribeiro fica triste com isso... Ele sabe que eu no estou bem, pois tirou a arma de casa. Imagino que tenha sido um pedido da psicloga... Algo me diz que foi ela. Eu queria poder dizer para algumas meninas que ainda esto achando que a melhor coisa jogar a sua vida para o alto para pensar melhor, porque pode no ser ainda a hora. Eu disse isso a minha psicloga e ela falou que se as pessoas que eu conheo so felizes, eu no precisaria dizer isso a elas, mas s a uma pessoa: a mim mesma. Exatamente isso... Eu queria poder voltar no passado e dizer a mim mesma para pensar melhor. Porque, agora, eu no posso abandonar o meu marido. Mas eu no estou bem, Bela. Eu sinto falta de tudo e nada daqui me satisfaz. As pessoas amam esse lugar, perfeito para elas, mas no tem nada a ver comigo, no me reconheo em nada. E isto est se refletindo no meu fsico, emagreci 10 quilos. Bela, o que devo fazer? Me ajuda. Dbi. Realmente, nem o ambiente, a msica ou os bolinhos da livraria me faziam digerir o soco no estmago que eram aquelas palavras da pessoa que eu tanto amava. Dbi era quase parte de mim. Respirei fundo e guardei a carta. Eu tinha a resposta que ela queria, mas no podia d-la. No seria justo com Ribeiro, mas foi ele mesmo que me permitiu ajud-la. noite, o telefone tocou e eu, que j estava debaixo das cobertas, assistindo um filme que alugara, tive que levantar para ir at a sala. Eu tinha que, urgentemente, providenciar uma extenso, nem que improvisar uma com um fio muito grande para carregar o telefone pela casa. Atendi, sentando-me no sof com a perna dobrada. _Ribeiro? _ franzi a testa. _ Aconteceu alguma coisa...? _Bela, voc deve saber que a Dbi no est bem, eu vejo que voc manda cartas para ela. _O que aconteceu? _Calma, ela no fez nada ainda. Mas eu temo que seja "ainda". _ a voz dele era de quem estava relutando para no chorar. _ s vezes, eu acho que fiz errado em traz-la para c, eu estou feliz, mas ela no consegue ser feliz ao meu lado... _Ribeiro, ela te ama muito, ela s no gosta do lugar... _Bela, ela est muito mal, no consegue comer. Ela est no hospital tomando soro. Vou convenc-la a voltar para a casa da me. Ela no quer, mas eu vou obrig-la
porque eu estou com medo de ela estar enlouquecendo aqui... _Ribeiro, escuta. Eu vou mandar o dinheiro da passagem dela, vou esper-la no aeroporto e diz para ela que ela vai ficar na minha casa, aos meus cuidados. _Voc faria isso? Acho que s voc conseguiria traz-la de volta quela Dbi de antes porque eu estou detonado com tudo isso... _Ela s precisa voltar para as fontes de referncia dela. Voltar a estudar, a trabalhar, a sair, a viver como antes. _Bela, eu amo tanto essa mulher que, se for para ela estar a, feliz, e s me ver uma vez nas frias, eu vou estar bem, eu s quero v-la feliz, no importa o preo da distncia que eu pague. Aquilo para mim foi muito tocante de ouvir porque era justamente esse sentimento de desprendimento que esperei de Caio. _Mesmo que ela queira arrumar outro... _ prosseguiu com seu desabafo. _ Eu vou superar, eu s quero saber que em algum lugar ela voltou a sorrir, mesmo que no seja por minha causa. Mas, eu tenho medo de chegar um dia em casa e ver que ela cometeu alguma besteira... Bela, me ajuda, eu estou desesperado. _Calma, Ribeiro. Faz o que lhe falei. Vou depositar na sua conta o dinheiro e o resto aqui comigo. _Obrigado. Vou voltar para o hospital. Nossa, estou sem dormir acho que h dois dias. Isso est fazendo mal para mim tambm. No entendo por que conosco deu tudo errado. _No deu tudo errado. Apenas, quem sabe, foi fora de hora. Ela no estava pronta para isso. _Foi assim com voc e Caio? _Prefiro no falar dele. _ pedi. _Como voc sabia que no era sua hora? _Ribeiro, a Dbi e eu somos pessoas diferentes. A questo que ningum sabe como ser at meter a cara. Cada um ter uma reao. Uns vo e, mesmo dando errado, no abandonam o barco. Outros preferem no ir. Outros vo e voltam para se preparar melhor... _Acho que esse ser o caso dela. _Vamos ver... Desliguei e mais uma vez me senti mal, com aquela carga pesada. Essa coisa toda de se sacrificar tinha um qu de intoxicante. S de relembrar me tirava o flego. Mesmo assim, eu me odiava por ainda ter uma absurda vontade de rever o Caio. Detestava-me por ter saudade de algum que eu comecei a sentir raiva. Tudo se misturava. Basta! Larguei o telefone, balancei a cabea para os lados e respirei muito fundo, fechando os olhos. Eu voltaria para o meu filminho de comdia, meu edredom e minha paz.
*** Quando fui buscar Dbi no aeroporto, estava muito ansiosa para rev-la. Mas meu sorriso de felicidade se desfez quando reconheci aquela garota de cabelo preso, magrela e cheia de olheiras, vindo a mim de cabea baixa. Eu simplesmente abri os braos e ela se encolheu como quem, finalmente, encontra um porto e desatou em um choro desmedido. _Eu no consegui, eu no consegui... _ repetia isso. Olhei para as pessoas ao redor nos observando. _Dbi, olha para mim? _ levantei seu rosto. _ A Bela, lembra? Sua amiga de todas as horas. Ela engoliu o choro. _O Rio de Janeiro maravilhoso. _ sorri. _ E os cariocas tirando todos os casacos bregussimos do armrio para no sentirem frio! Ela riu. _Voc est de volta, garota! _ pisquei. Ela mal imaginava o que a esperava no meu apartamento. Eu consegui reunir sua famlia, os nossos amigos em comum e fiz uma pequena festa de boas vindas com bales coloridos, comidas, bebidas. _Bem vinda! _ todos gritaram quando eu acendi a luz. Dbi comeou a chorar, ela ainda estava muito frgil para fortes emoes. _Obrigada, obrigada. _ repetiu de longe e eu li seus lbios. Naquela noite, ela dormiu na minha cama e eu a obriguei a comer todos os doces e salgadinhos deliciosos que encomendara. Era o fim da sua falta de apetite! _Como ser que meu marido est? _Ele est bem! Ele um guerreiro da selva! _E o seu cavaleiro? _ perguntou. _Eu no tenho mais cavaleiro. Estou vendo que daqui a pouco vou ter que me contentar com um motorista de nibus ou um taxista. Quem sabe um motoboy? _ franzi a testa, bati no travesseiro e o arrumei para deitar. _ Mas se me aparecer um Jama eu aceito. _Jama? _ ela riu. _Se aparecer um jamaicano bem grande com um... _ fiz o tamanho com a mo. _ bem grande, eu gamo! Ela deu uma gargalhada longa com minhas palhaadas e eu senti que estava comeando a cumprir minha promessa de salvar a mulher da vida de Ribeiro.
_Estou cansada... Amanh vamos sair para comprar uma cama de solteiro para voc e ir faculdade para reabrirmos sua matrcula! _Tudo bem... _ ela sorriu e fechou os olhos.
Cap 91: Eterno Retorno Trilha sonora da cena (clique aqui) Dbi se recuperou bem. Acho que o melhor remdio foi o retorno ao seu lugar de origem. Ela quis morar comigo, ao invs de voltar para casa da me. Isso corresponderia a ser, outra vez, a filhinha da mame. Entendi sua posio. Afinal, agora ela era uma mulher casada. Mas, precisei estabelecer algumas regras. Usar um anel no dedo no lhe dava alguns miolos a mais, suas atitudes ainda eram, em boa parte, as de uma estudante sem muitas responsabilidades. Primeiramente, incentivei-a para arrumar um emprego a fim de ocupar seu tempo e, tambm, ajudar nos custos da manuteno da casa: aluguel, gua, luz, telefone, internet banda larga, comida. No que eu realmente precisasse financeiramente do seu apoio, mas ela tinha que sentir a sensao de sustentar-se e no de que recebia um favor. A ltima coisa que eu fiz foi ratificar o papel de pobrezinha. Depois, falei-lhe que o assunto mundo militar dentro daquele apartamento deveria ser evitado, em considerao a mim. Dbi, no incio, s sabia falar a mesma ladainha de que as mulheres conseguiram se adaptar muito bem e ela, no. Eu at queria dar-lhe ouvido, mas sinceramente, esse tema trazia-me sensaes ruins. Dbi compreendeu e parou de bater na mesma tecla. Nesse tempo de mudana, ela ganhou peso, uma cor bronzeada e um belo sorriso no rosto. A saudade do marido era saciada no msn, skype e telefone todos os dias. Por isso, foi tambm preciso colocar o computador no quarto dela, j que no dava para todo dia ficar ouvindo aqueles dois enquanto eu tentava dormir. Minha amiga adquiriu, dessa maneira, uma nova rotina: trabalhar, estudar muito, colaborar com as tarefas domsticas e se divertir. Aproveitamos para ver peas de teatros, alugar todos os filmes que ela tinha perdido e ficar horas ouvindo as msicas das paradas de sucesso. Tinha muita coisa a tirar o atraso. Era isso que ela tanto sentia falta, o cheiro de cultura que o Rio de Janeiro tinha no ar. A faculdade estava de vento em popa e seus trabalhos, muito reconhecidos no meio acadmico. Pelo menos, os livros continham sua fome de recuperar o tempo perdido e dava-me uma brecha para respirar e cuidar das minhas coisas. Eu tinha minhas manias de, antes de dormir, tomar banho de cremes, passar leo no corpo enquanto tomava banho, enfim, era o meu momento sagrado comigo mesma, noite. Mas, acho que no deixei a regra clara quanto ao horrio da manh. Ela entendera que, ao chegar do trabalho, eu no gostava de desperdiar meu tempo de relaxar com qualquer assunto ou problema. Contudo, ao acordar, eu tambm no queria ser empurrada da cama, isso me despertava um humor do co. _Bela, Bela! _ ela pulou em cima da minha cama, quase me matando do corao.
Sentei-me e afastei o cabelo do rosto: _Que aconteceu? Ficou maluca!? _ reclamei irada por ver em seu sorriso que no era nada srio. Alis, sua cara era de travessura, ento, eu s tinha a temer. _Adivinha quem vem ao Rio de Janeiro? _ Dbi abriu as cortinas, deixando o sol entrar e iluminar meu rosto. Eu respirei fundo e tentei no ter um ataque. _No, eu no sei. _O Caio! _Qu?! _ Quase dei um grito, controlei-me e fingi que no foi nada, coloquei o cabelo atrs da orelha e cruzei os braos. _ E da? _Como E da? Aloooou? _ ela estalou os dedos e ficou de joelhos na cama. _ Belinha, o amor da sua vida est desembarcando hoje, no Rio de Janeiro e... _Que "amor da sua vida"?! _ franzi a testa. _ Voc est louca? Ele foi embora... _Ento, por que seu corao est disparado? _Meu corao no est disparado! _Deixa eu ver? _Dbi, isso ridculo. _Deixa? _T. _ revirei os olhos e ela colocou a mo no meu peito. _Bela, querida, voc est tendo um ataque cardaco, eu vou ligar para o Caio para vir fazer uma respirao boca a boca. _ Dbi me empurrou na cama e eu ca de costas. Ela estava se matando de rir da minha situao. _Presta ateno! _ Sentei-me outra vez, tentando recuperar a moral. _ Eu s estou assim porque... voc... _ apontei para ela. _ ... entrou no quarto feito uma louca e me deu um susto. _Humhum. T bom. _ Ela ficou olhando o teto. _E sabe quem vem junto? _Essa fcil: Ribeiro! _ respondi. _Isso mesmo! Parabns, menina esperta! _ riu. _ No o mximo? Ele conseguiu uma passagem de 50 reais na Internet, se cadastrou no site e comprou! um milagre mesmo. As coisas tinham que acontecer assim. E, ah! O Caio tambm conseguiu pegar um avio da FAB e vir para c. Bom, os dois no vo poder ficar aqui at a hora que quiserem porque no depende deles o retorno... _ Dbi falava tudo to rpido como se estivesse ligada em uma tomada, fazendo gestos amplos com as mos. _ Eu sinto que no por acaso! Jpiter deve ter se aliado com Vnus, com o sol e a lua...
_Dbi? Voc confundiu aquele pote que fica ao lado do de acar e colocou p de guaran no seu caf? _No! _ ela se matou de rir, parecia em transe. _ Bela, o Ribeiro me disse que o Caio disse que... Eu no sei se digo o que disse... _Disse, disse, disse o qu, criatura? _ interrompi-a, j aflita. _Ah! Voc no queria saber mesmo. _ ela pulou da cama, calou o chinelo e saiu do quarto. _Dbora, volta a aqui! O que ele disse? Eu vou contar... 1, 2 e... _T bom, eu conto. _ ela voltou correndo e pulou sentada na cama, fazendo-me quicar no colcho de molas. _ O Caio disse para o Ribeiro que vem te ver. _nh? _ fiz uma careta, agora sim eu precisava de uma respirao boca a boca! _Humhum, queridinha, ou voc acha que eu vim te acordar para qu? Precisa fazer as unhas, se arrumar... Parece que esqueceu como isso. Bela, tudo vai voltar a ser como nos velhos tempos! _Dbi, eu acho que voc no est entendendo... _ eu ri da situao toda e tentei mostrar-lhe que no era to simples assim. Talvez eu estivesse ficando pragmtica demais. _ ... O Caio e eu perdemos contato h 6 meses porque ELE terminou comigo. Agora, do nada, ele vem aqui ME ver? _, pura e simplesmente assim! Bela, voc complica demais a vida... Iiiiih, me cansa a beleza. _Ento, deixa eu entender. O Caio estava sonmbulo todo esse tempo. Ai, na manh de ontem, bateu com a testa no box do banheiro e pl! Acordou e se deu conta: Caramba, a Bela no est aqui comigo?!. _Eu no sei onde ele bateu a testa, mas o seu gatinho est a caminho! _ esfregou uma mo na outra. Gatinho? Eu estava fazendo uma terapia comigo mesma para no pensar em Caio e ela me pula na minha cama e me faz sentir como no dia que ele me beijou pela primeira vez, cheia de medos, expectativas e com friozinho na barriga?! Isso era colocar por gua baixo toda a transformao lenta e gradual em questo de segundos. _E onde o Ribeiro vai ficar? _Tem algum problema dele ficar aqui? s por um ou dois dias. _Tudo bem. Mas, e o Caio? _Bom, a contigo. O homem teu! _ deu de ombros. _ Bela, eu tenho que correr para a faculdade. Se cuida amiga porque... _ colocou as mos no meu ombro. _ voc est feia. Vai por mim. Horrorosa! _ falou, se agentando para no rir. _Eu fiz a unha ontem! _Deixa eu ver! _ pediu, desacreditando.
_Aqui . _ mostrei com as mos estendidas no ar. _Querida, para uma domstica, est tima. Esse branquinho cru e sem graa fica perfeito. Pe um vermelho nisso, um ruge nessa cara... _ ela apertou os seios e fez uma cara de tara divertidssima. _ ... e joga todo esse sex appeal para fora! _ balanou o cabelo no ar, teatralizando. Depois, piscou o olho para mim e saiu. Eu fiquei ainda meio zonza, sentada na minha cama. Nem com Lexotan eu conseguiria dormir depois dessa notcia.Respirei fundo e fui at o banheiro fazer xixi. Olhei-me no espelho e, em seguida, verifiquei minhas unhas. Dbi talvez estivesse certa, eu merecia um cuidado especial. Mas, tinha tanto medo de estar criando um monte de expectativas para depois me frustrar. S que no podia negar que a alegria explosiva dela me entusiasmara. Minha amiga conseguiu trazer-me de volta quela Bela alegre, feliz e adolescente. Acho que a vida permitiu que ela e eu nos reencontrssemos porque, no fundo, eu estava precisando de ajuda tambm. *** Trilha sonora da cena (clique aqui) _Dona Isabela. _ o rdio tocou na minha mesa, eram seis horas da tarde. _Pode falar, Cristvo. _ reconheci sua voz. Continuei escrevendo no computador o e-mail para uma cliente que queria contratar nossos servios. _O senhor Caio quer falar com a senhora, posso deixar subir? Meus dedos travaram no teclado e meu corpo inteiro parou, at me corao estancou. Parecia que tinham derrubado um balde de cera sobre mim e eu mumificara. _Dona Bela? _Oi, na escuta. _ peguei o rdio. _ Pode mandar subir. _ autorizei e desliguei. Era verdade, a Dbi estava certa, ele viera me ver. _Ai, meu Deus! Ai, meu Deus! _ fiquei de p, dei uma volta na sala, estava absurdamente sem ar, com calafrios, os plos da nuca, dos braos, do corpo todinho arrepiados, tudo em p de tanta excitao. _ Ai, socorro!!! _ corri para minha mesa e sentei novamente. No podia aparentar desespero. O que ele ia pensar? Que eu tinha ficado todo aquele tempo sua espera! Ouvi trs toques na porta. Fechei os olhos e respirei profundamente. Seis meses e ele estava minha porta. _Pode entrar... _ falei, pegando uma caneta e fingindo escrever alguma coisa sem
noo no primeiro papel que achei na mesa para dar uma de mulher super ocupada e que no est nem a para sua chegada. S vi aquele vulto entrar pela minha esquerda e ficar bem na minha frente. Meus olhos se levantaram do papel e senti a veia pulando no meu pescoo. Lentamente, fui visualizando sua figura, como um scanner que faz a leitura gradual da imagem de baixo para cima. Ele estava de cala jeans e uma blusa azul clara. Aquilo para mim significou muito mais tempo do que realmente foi, o mundo parecia ter parado de girar. Mordi a parte interna dos lbios e meus olhos se encontraram com os seus, brilhantes, profundos, fitados em mim. _Oi. _ disse-me e sua voz nos meus ouvidos despertaram-me alma. Seis meses no foram suficientes para deixar-me imune sua voz grave e familiar. Nem a eternidade, creio eu, seria capaz. _Oi, voc estava andando pela rua e pensou: "puxa, vou virar aquela esquina e dar um pulo l na Bela"? _ perguntei, sem deixar nada fcil para o lado dele. _No, na verdade eu estava andando na rua e pensei: "puxa, vou pegar aquele avio, atravessar o Brasil e ver a Bela". _ foi rpido tambm. _E... o que te motivou a dar um pulo acol no Brasil? _ recostei-me na cadeira, em posio de defesa. _Eu j disse: ver a Bela. _E...? _ franzi a testa. _Eu senti sua falta. _Caramba! Demorou um pouquinho, hen? _ alfinetei. _Bela, eu estive pensando... _Engraado.. _ levantei-me e fui para perto dele. Ficamos frente a frente. _ A ltima vez que nos falamos voc me disse exatamente isso, acho que foi no baile. Vem c, voc est pensando at agora? Que pensamento colossal. Escreve uma tese sobre isso! Falo srio! Agora eu estou tentando a prova para o mestrado e estou vendo que no importa o tema, se voc tem uma boa idia e embasamento... tudo se resolve. Embasamento no vai te faltar, eu acho... _Pelo visto, tudo que voc guarda de mim rancor. _ sua voz saiu triste e, por um triz, aquilo quase me quebrou. _Rancor? _ eu no conseguia sair da linha sarcstica-cida. _ Por que eu teria motivos? Eu te esperei por quatro anos e quando achei que voc podia pensar em uma maneira de ficarmos juntos, voc decidiu por ns dois que era melhor seguir sem mim. timo, Caio. Mas como v, eu no morri, estou bem, sobrevivi. Caio riu sozinho, olhou para o lado e balanou a cabea. _Como eu sou um idiota. _Aonde vai? _ perguntei, quando ele caminhou para porta.
_Eu vim para conversar com voc, no para ficar a tarde toda em um estratagema verbal. No gosto muito desses RPG's com meus sentimentos. Voc sempre soube disso, alis, voc deve ter esquecido tudo sobre mim, grande mulher bem sucedida. _ ele tirou do bolso de trs da cala jeans um envelope branco e jogou em cima da minha mesa. Aquela cena lembrou-me uma vez no colgio, quando ele fizera um trabalho de casa para mim e jogara na minha carteira. _ L e depois joga fora, se quiser. Caio saiu. Eu ainda dei trs passos, mas a porta se fechou na minha frente. Droga! Como eu podia ter deixado a raiva me dominar? Era muita coisa acumulada na garganta! Peguei o envelope e sentei no sof. Aos cuidados de Isabela, dizia unicamente no verso do envelope. Abri-o, tendo que rasgar a parte lateral. Era uma folha digitada no computador. _Bela, so onze horas da madrugada e eu estou aqui em casa tentando te escrever. J gastei meio caderno, mas percebi que estava devastando as pobres rvores na tentativa de fazer um comeo decente, ento parti para a tela do computador, onde posso apagar e ainda ser ecologicamente responsvel... (Aquele seu tom de amigo j fazia o meu corpo aquecer e as lgrimas virem aos olhos, no importava a continuao daquele primeiro pargrafo). _"Voc pode se perguntar porque est com essa folha nas mos e no lhe enviei por e-mail. Mas eu vou me propor entreg-la em suas mos eu mesmo, no por intermdio do correio. Nem que eu deixe com algum da portaria do seu trabalho, s quero que saiba que vim trazer o meu corao de volta para voc dentro desse envelope pessoalmente. " (Levei a mo boca e tentei no chorar.) "_Eu sei que voc deve estar se perguntando o que deu em mim agora. E eu vou ser muito franco com voc e contar tudo exatamente como aconteceu. Eu estava muito cheio de expectativas no aspirantado. Achava que tudo tinha que ser daquele jeito: voc vir comigo, largar tudo e pronto, porque a minha carreira era mais importante. Eu pensava ainda assim at antes de ontem. Aqui no quartel tnhamos um sargento muito amigo, que morreu em um acidente e nosso capito Ruan tentou de tudo para salv-lo. Eu acabei passando por todo esse transtorno ao lado dele e em um dado momento, comeamos a conversar sobre a vida. Contei um pouco da minha, ele um pouco da dele. Foi a que ele me perguntou: _Se estivssemos na guerra agora e o seu melhor amigo se ferisse, voc o largaria no meio do caminho, sabendo que ele teria chance de sobreviver se o carregasse nos ombros? Eu respondi que lgico que daria minha vida para traz-lo nos ombros. Foi a que o que ele me disse me atingiu como um soco na boca do estmago. _Voc j foi mandado para guerra faz muito tempo, meu caro. S que abandonou a pessoa mais importante para trs e s pensou na sua vida. Pode ser que ela tenha
sobrevivido, mas ser que voc merece dela o mesmo respeito, depois de t-la abandonado prpria sorte? Eu entendi naquele momento que a pessoa a qual ele se referia era voc e me senti a pessoa mais burra e incompetente do mundo. _Para que serve tudo que aprendeu? Onde esperava aplicar? No front? Olha a sua volta? No est vendo as minas? Elas esto armadas para te pegar, s que o colorido da paisagem ilude, deturpa. Voc ainda no enxergou que as decises que tem que tomar so essas minas? Eu fiquei sem palavras e ele percebeu isso e s me deu um conselho: _Filho, vai atrs do "seu soldado", pode ser que ele ainda no tenha morrido. por isso que estou escrevendo essa carta, eu quero voc de volta para mim. Vi por aqui dezenas de casos diferentes. O comandante dessa unidade tem uma esposa que desembargadora em So Paulo, ela nunca largou a vida dela e nem por isso eles deixaram de casar e ter filhos. So muitos e muitos casos de maneiras diferentes de se viver esse amor. Eu queria descobrir a nossa maneira, mas dessa vez, sem que ela te faa abdicar dos seus sonhos para seguir o meu. Eu s quero estar em alguma misso bem longe e saber que o seu corao s meu. Bela, nada teve sentindo sem voc. Pode no acreditar, fiz tudo isso pensando no seu bem e s fiz mal a mim mesmo. " (A mim tambm, falei baixinho.) "_Se quiser me dar essa chance, a est o meu telefone. " Eu limpei as lgrimas do rosto e pensei na maneira horrvel que o tratei. _Dona Bela. _ era a voz de Cristvo de novo. Ser que era Caio outra vez na portaria? Ser que voltara arrependido de no ter dito pessoalmente o contedo da carta... e...? _Dona Bela, a noiva do casamento no quer sair do carro, ela est em prantos... vem para c. Revirei os olhos, eu, louca para cuidar da minha vida e me aparece uma noiva em fuga? Deixei a carta na minha mesa e corri para ver qual era o problema dela. No podamos deixar que os convidados percebessem a situao. Entrei no carro pela outra porta e passei-lhe a taa de champanhe que eu havia pegado na cozinha. Eu j era profissional em resolver situaes crticas. _Beba. Vai te fazer bem. Toda noiva passa por isso. _? _ ela engoliu o choro. _Teve uma que precisou de uma garrafa de conhaque. _ disse-lhe. _Obrigada. _ ela bebeu tudo e respirou fundo. _ A me dele me odeia e diz que no vou faz-lo feliz, estou morrendo de medo e...
_Ei... _ coloquei as mos no seu rosto e o acariciei. _ Ningum est preparada... Mas, quando surgirem os problemas, voc mesma vai descobrir a fora que tinha em voc e no sabia. Voc no o ama? Ento, lute por isso. V e suba naquele altar. Nunca vi uma noiva to linda como voc! Imagina o quanto todos esto curiosos para te ver, nh? Ela sorriu e eu retoquei sua maquiagem com um p que eu trouxera. J tinha passado por aquilo algumas vezes para ter meu prprio kit desespero de noiva. Bati a porta do carro e sai de dentro. Respirei fundo. Ufa, ela no ia jogar por gua a baixo toda a big festa que eu preparara. Nem que eu precisasse hipnotiz-la para ela s acordar na lua de mel. _Pode mandar tocar a msica para a noiva entrar. _ ordenei pelo rdio minha assistente e voltei para minha sala. Peguei a carta. Respirei fundo. Lute por isso, era a vez de eu falar para mim mesma. Disquei o nmero. Comeou a chamar. Cap 92: Voc tem dois segundos Trilha sonora da cena (clique aqui) O telefone chamou por mais trs vezes e Caio atendeu do outro lado. Nesse momento, dei-me conta de que no sabia por onde comear. Eu havia dito tantas indelicadezas que no tinha palavras para estabelecer qualquer dilogo amistoso. _Oi, a Bela. _Hum. Esqueceu alguma coisa para dizer? _ perguntou. Pelo barulho ao fundo deveria estar no trnsito dirigindo. _Li sua carta. _ disse-lhe na esperana de que entendesse ser aquela a minha rendio. _E a? _ perguntou, agora na posio de quem est no direito de fazer jogo duro. _Eu... _ passei a mo na nuca, pensei por alguns segundos. _ Queria marcar para a gente conversar. Pode ser hoje? _Que horas? _ perguntou. _Hum. _ Olhei o relgio e ri. _ Voc vai estar fazendo alguma coisa importante a uma e meia da madrugada? _ perguntei em tom de brincadeira. _Bom, talvez eu esteja indo pegar gua na geladeira ou, no sei, indo ao banheiro. _Eu sei que muito tarde. Mas, a hora que eu saio do trabalho, tenho uma vida noturna de morcega. Tudo bem, deixa...
_No foi essa a Bela que eu conheci. Voc no costumava entregar os pontos to fcil. Revirei os olhos. Santa pacincia! _ que eu sei que voc no gosta de joguinhos. Bom, ento, deixa eu desligar porque tem algumas pessoas aqui me chamando e... _T, ento. Desligamos. _Ai! _ fiz uma careta olhando para o telefone ainda na minha mo. _ Como voc me irrita, garoto! Expirei e os fios do meu cabelo voaram no ar e depois caram de volta na testa. Levantei-me para esticar as pernas, eu parecia pensar as coisas melhor em p. Pus as mos na cintura. O telefone tocou mais uma vez. _Eu sabia! _ ri, mas no atendi de imediato. No terceiro toque apertei o boto. _ Al? _Ok, uma e meia eu passo a. _ disse-me ele. _Te espero. _ dei um soquinho silencioso no ar em comemorao. Desligamos. E a noiva demorou para querer casar, no parecia nem um pouco com pressa para acabar a festa. Quando, finalmente, o pessoal da limpeza entrou em ao, eu vesti o meu sobretudo e pequei minha bolsa. O frio de julho estava pouco convidativo para esperar l fora, mas fiquei na porta, aguardando Caio chegar. Olhei o relgio cravando uma e meia por baixo da manga. Caio estacionou o carro na frente do salo e saiu. Estava com uma outra camisa, agora preta e muito cheiroso. O cabelo molhado com gel mostrava que tinha tomado banho recentemente. Tudo isso era para mim? _Boa noite, Cristvo. _ eu disse ao porteiro, desci os dois degraus que davam para a sada. Pus as mos dentro dos bolsos do sobretudo e encolhi os ombros. _Oi. _ cumprimentei-o com um simples sorriso tmido. _Suas bochechas ficam coradas com o frio. _ comentou. Abaixei a cabea e a levantei de lado. A luz do poste dava um colorido no seu rosto prximo ao meu agora. Nossas respiraes formavam leves nuvens de fumaa branca.
_Eu estou com fome, pensei em sair para comer alguma coisa. _ sugeri. _Com fome aqui? _ apontou para o salo. Olhei para trs e sorri: _... No falta comida, mas se eu viver base de salgadinhos, vou terminar no formato de uma coxinha, fina em cima e bojuda na barriga. _Trocar salgadinhos por pizza melhora bastante tambm... _ ponderou. _T bom, voc me venceu! _ ri e toquei no seu brao. Foi o nosso primeiro contato, depois de 6 meses separados. Ele pegou minha mo entre seus dedos e dedilhou-a, at que esta soltou-se no ar. _Ento, onde voc prope a gente comer um p de alface? _Bom, j que no tem p de alface, vai de pizza mesmo. Eu, particularmente, ... _ colocou a mo em seu peito irnico. _ ... no trocaria um p de alface por iguaria nenhuma nesse mundo, mas j que no tem, vou fazer esse sacrificiozinho e comer pizza. _Puxa, obrigada! _ dramatizei tambm. _Onde pode estar aberto a essa hora? _ perguntou. _Parece que j esqueceu que morou por aqui. _ comentei. Ele ficou me olhando e eu senti uma pontada de tristeza por isso. Do que mais ele teria se esquecido? _Vamos Pizza da casa, l perto da casa da Cris. Ele abriu a porta do carro para eu entrar. _O meu est ali. _ apontei. _ Voc pode vir atrs de mim. _Claro, eu esqueci que voc uma mulher independente. _ senti um tom de ironia em sua voz. _Pensei que j tivssemos selado o acordo de paz. _Selado como? _ ele olhou em cheio para os meus lbios. _A gente pode brindar daqui a pouco. _ sugeri e abri a porta do meu carro. *** _O que vocs vo pedir? _ perguntou a balconista da pizzaria. _O de sempre? _ ele olhou-me, buscando minha opinio. Era como se nada tivesse acontecido e aquele fosse mais um encontro. Por mim,
qualquer coisa servia, at pizza de jil e suco de boldo, mas era melhor eu demonstrar rapidinho que no tinha esquecido de nossos hbitos e gostos: _Metade quatro queijos, metade frango com catupiry. Uma Coca-Cola de 500 ml pra ele e para mim, guaran. _Mais alguma coisa? _ ela perguntou. _Uma pizza mini de chocolate para sobremesa. _ ele acrescentou para me indicar que no havia esquecido minha tara por pizza de chocolate com morangos. _Ns vamos fechar daqui a quarenta minutos. _ avisou. _ Preferem levar para a viagem? Caio olhou-me, a resposta dependeria de um convite meu. _Bom, podemos ir para o meu apartamento. _ falei baixinho para ele. _ A Dbi e o Ribeiro esto l. _ comentei, para que ele no pensasse que a mudana de planos significava um convite ntimo. Sentamos para esperar que o pedido ficasse pronto. _No telefone, voc disse que leu a carta. _ puxou o assunto. _, li. _ olhei para o lado e depois para ele. _Eu acho que j falei tudo o que sinto ali. Bela, eu sei que errei em ter me precipitado em acabar o namoro. Quem sabe, eu tinha medo do golpe de voc fazer isso... _ ele tirou uns fios de cabelo do meu rosto, colocou atrs da orelha, mas estes resistiram e caram outra vez. _ Bela, voc me esqueceu? _Esqueci. Fiz uma pausa e expliquei: _Todo santo dia eu te esqueo. _Isso significa que eu ainda tenho uma chance? _Pizza da mesa nove! _ gritou a balconista. Levantamos para receber o pedido e Caio adiantou-se, pegou a caixa de papelo e equilibrou os dois copos em cima. *** Senti seus olhos percorrendo todos os cantos do apartamento quando abri a porta da sala. _Parece que todos esto dormindo. _ eu sussurrei. Ele olhou para os porta-retratos e tenho certeza que sentiu falta de alguma foto sua no mvel. _Vem... _ convidei-o para entrar na cozinha. Sentamos mesa e eu distribui pratos e talheres. Coloquei o guardanapo
disposio. _Isso aqui tudo que voc sonhou, lembro de como voc vivia contando que sua casa seria assim, assado... _ ele serviu-se da pizza. _Eu pensei que nunca tive escutado o que eu falava... _Eu sempre escutei, s que tudo isso me dava muito medo. _ confessou. _Mas est tudo aqui como eu sonhei, conquistado com muito suor. Meu trabalho incrvel. Amo lidar com pessoas, com festas, com... Desculpe, no me deixe falar s de trabalho... _ bebi um gole do refrigerante. _Continue. Voc escutou anos eu falando da Academia, por que no te ouvir agora? _Eu estou estudando para o mestrado agora, quero seguir aprendendo, me aprofundando. _ comentei. _Muito bom! O que mais? _ perguntou, antes de morder mais um pedao. _ No vai comer? _Vou! que te ver comer me d gosto. _ sorri e apoiei o queixo no meu ombro, vendo-o de lado. _Nossos amigos ficaram com meu quarto e s restou o outro da Dbi com uma cama de solteiro, mas acho que consigo te alojar na sala... _ lembrei-me deste detalhe. _Qualquer pedao de cho para mim est bom. Voc sabe que eu no tenho dificuldade de dormir. _Eu vou ver o que fao... Aproveita a pizza. _Voc tem certeza disso? _Claro, pode comer. _ sorri e me levantei. Passei pela sala, liguei o som e coloquei um CD que eu havia gravado com msicas que gostava. Volume baixinho para ficar um som ambiente. _Olha aqui/ Preste ateno/ Essa a nossa cano/ Vou cant-la seja aonde for/ Para nunca esquecer o nosso amor/ Nosso amor Veja bem Foi voc/ a razo e o por qu/ De nascer esta cano assim/ Pois voc o amor que existe em mim... Senti a presena de Caio. Virei o rosto para o lado e o vi escorado na porta da cozinha, com as mos no bolso. _ Voc partiu e me deixou/ Nunca mais voc voltou/ Pra me tirar da solido/ E at voc voltar/ Meu bem eu vou cantar/ essa nossa cano. Desliguei o boto. _Pode deixar. _ ele pediu. Eu apertei o boto outra vez. _... _ no sabia onde colocar minhas mos. _ Eu preciso tomar um banho. _ retirei o sobretudo e o deixei em cima do sof. _ Voc pode dormir no sof. Vou
trazer um cobertor... Caio no falou nada, s me olhava. Fui para o banheiro e senti seus passos atrs de mim. Quando fechei a porta, sua mo a forou. Ele olhou-me e no estava mais com pacincia para resistir. Meu corao disparou e eu dei dois passos para trs. Caio segurou meu rosto e encostou sua testa na minha. Sua respirao estava ofegante e seu cheiro maravilhoso tirou-me a lgica do pensamento. Minhas mos se seguraram na borda da pia atrs de mim. _Voc tem dois segundos para me mandar embora. _ disse ele. Fechei os olhos e meus lbios se entreabriram para receber os dele em resposta. Caio inclinou o rosto para o lado e beijou-me. Senti sua lngua, os lbios entre os meus. Minhas mos procuraram seu cabelo. Ele fechou a porta do banheiro e voltou a beijar-me, agora o pescoo, o colo dos seios, abriu os botes da minha blusa e eu puxei a sua. Beijamo-nos com uma saudade explosiva e o doce reencontro dos corpos sedentos. Deixamos a gua quente cair sobre ns e esquecemos o tempo, imersos na fumaa branca que nos envolvia. No importa o tempo que ficamos separados, no paramos de nos querer, de sentir esse ardor de vida. A prova disso era a vontade cada vez mais forte de abra-lo, pux-lo todo, como uma onda que engole e traga tudo para si, eu o queria inteiro, entre os limites da epiderme e do plo, completo. Minhas mos apoiadas no azulejo embaado escorregaram, deixando um rastro de meus dedos midos, quando sentimo-nos finalmente um s. Depois, descobrimos que no precisvamos de sof porque a cama de solteiro da Dbi era suficiente. Ele acariciou meu corpo debaixo do edredom, enquanto seus lbios no desgrudavam-se dos meus. Segurei seu rosto com uma das mos para ver melhor seus olhos lindos e sorri: _Eu te amo, Caio. _Eu tambm te amo, Bela. _ ele me beijou mais uma vez, como se cada beijo quisesse saciar a lembrana de um desejo j contido no fim do anterior. O dia amanhecia quando nossos corpos j estavam fadigados de se amar. Deitei-me contra seu peito e encaixei-me na concha do seu corpo. Senti a sonolncia chegar com toda fora. _Bela? _ ouvi sua voz doce a me chamar perto do ouvido. _Hum. _ mantive os olhos fechados.
Cap 93: Final Trilha sonora da cena (clique aqui) (6 meses depois...) Abri a porta do meu carro e olhei para o salo de festas. Respirei fundo, hoje seria um dia to cheio! Teramos muitas coisas para fazer. Aprendi a ser extremamente exigente com todos os detalhes. _Eu quero ver isso tudo pronto antes das quatro! Pe essa panela para ferver, pessoal! _ bati palmas na cozinha e, como de costume, cumprimentei um por um. Todos os meus funcionrios deveriam ter o prazer de trabalhar para mim, nunca uma obrigao. Verifiquei os outros itens marcados na minha agenda e isso levou at as trs horas, momento em que parei para comer alguma coisa, seno ia desmaiar. Essa compulso por trabalho me fazia esquecer das necessidades vitais, s vezes. Respirei fundo. Todo o ambiente estava iluminado, repleto de flores e vus por toda parte. _Gente, nada pode sair errado hoje, essa noiva merece! _ repeti a frase para cada um. Alguns riam e repetiam comigo, antes de eu terminar. Esse bordo virou piada entre ns! Para alguns, eu s piscava o olho e fazia um sinal de ok com o dedo. Pensei em Caio, senti saudade, eu lembrava dele toda hora. Mas eu tinha que me concentrar no trabalho, nada de misturar com o corao! *** _ Os msicos esto a postos? _ perguntei no rdio. _Sim senhora! _ respondeu do outro lado minha assistente. _Eu acho que isso fica comigo agora... _ uma mo tomou o rdio de mim. _Tio Paulo!_ senti um alvio por v-lo. _Se no me deixar fazer isso, vou ficar intil aqui! _Que isso... _ ri. _S estou um pouquinho nervosa... _ sorri. _ coisa de noiva. _ me passou uma taa. Bebi o lquido em um gole s. _Que isso?! _ fiz uma careta. _ Guaran?
_No quero voc de pilequinho. _ riu. _Como estou? _ perguntei. Ele olhou-me de baixo a cima. Eu estava com um vestido branco tomara que caia, todo bordado em prolas e com rendas. Usava luvas brancas at os cotovelos e segurava um buqu de rosas vermelhas. No meu cabelo um vu muito comprido. Aquele no era um casamento qualquer, era a minha vez. Eu era a pea principal daquela grande noite e por isso Tio Paulo estava ali para assumir o controle da festa por mim. _Voc est lindssima! _ beijou-me a testa. Meu pai me ofereceu o brao e sorriu orgulhoso. _Pode comear a msica. _ o tio ordenou pelo rdio. Quando entrei, todos se levantaram e viraram para trs. Caio olhou-me apaixonado e feliz do altar. Estava perfeito em sua roupa de oficial. Meu corao disparou e meus olhos se encheram de lgrimas. Me veio a cabea tudo como um filme em flash: Ns demos o melhor de ns. Eu abdiquei dos abraos e beijos e ns vencemos Eu briguei com o orelho toda vez que ningum atendeu o telefone na ala e ns vencemos Eu fiquei sozinha em nossos aniversrios de namoro e ns vencemos Eu enfrentei a crtica dos meus familiares e ns vencemos Eu te vi partir a cada fim de semana, levando meu corao contigo e ns vencemos. Eu entendi seus servios e ns vencemos. Eu entendi suas punies e ns vencemos. Eu entendi seus campos e ns vencemos. Eu enlouqueci e voltei a ficar bem e ns vencemos. Eu engordei e emagreci e ns vencemos. Eu enfrentei sua me e ns vencemos. Eu juntei dinheiro para viajar e te ver e ns vencemos. Eu agentei as piadinhas dos falsos amigos e ns vencemos. Eu te ajudei na sua monografia e ns vencemos. Eu te acolhi na minha casa e ns vencemos. Eu esperei 4 anos e ns vencemos. Eu sofri noites de insnia e ns vencemos. Eu senti sua falta e, mesmo assim, esperei e ns vencemos. Havia ali tantos rostos familiares, amigos, parentes, conhecidos de Caio me admirando. Sua me e av estavam emocionadssimas, pois faziam muito gosto com nosso casamento. Meu pai entregou-me para Caio, que beijou minha testa. Sorrimos e fizemos o juramento de cuidaramos um do outro em quaisquer circunstncias. Passamos pelo teto de ao, recebemos a chuva de arroz e brindamos nossa felicidade com muito champanhe. Enquanto nossos amigos se divertiam, Caio me puxou para um canto do salo:
_Eu nem acredito que eu, aquele menino desengonado e feio... _Voc no era feio! _ briguei. _Que eu, aquele menino desengonado e ajeitadinho... _Caio! _Ok, que eu, seu amigo, iria ganhar a menina mais linda de toda a escola. Que eu, que fui capaz de quase acabar com nosso amor, tive foras para voltar e lutar por voc... E agora voc est aqui to linda... _ acariciou o meu rosto e me beijou. Meu celular comeou a tocar. _Bela... _Desculpa, amor!_ tirei o meu minsculo celular entre os seios, de dentro do vestido. _ Al? Caio tomou delicadamente o telefone da minha mo: _Al? _ atendeu ele. _Caio! _Quem fala? Ah! Voc um vendedor. Entendi, olha, aqui quem est falando o marido da Bela. Sabe o que , ela no vai poder atender agora, est em Lua de Mel. Pois , justo, justo, voc ligou na hora em que o noivo beija a noiva. Obrigado pelos votos de felicidade, obrigado, tchau. Eu olhei para ele de bico. _Pronto, eu sou mais rpido. _Me d o meu celular. _Para qu? Voc acabou de entrar em Lua de Mel. _ colocou-o no bolso. Comecei a rir e ele riu tambm e me beijou. _Oooohhh, que lindo! _ouvimos alguns amigos, que estavam prestando ateno em ns. Eu abracei Caio e eles tiraram vrias fotos nossas. Uma delas acabou ao lado dos porta-retratos no meu apartamento. A minha vida era perfeita. Eu tinha meu trabalho e um homem que me amava. Caio ficou ainda por mais um ano no sul e depois veio para c. Chegamos a um acordo de que nenhum dos dois deixaria de fazer o que gostava e que nosso amor lutaria para ficar sempre aceso, apesar de qualquer distncia. Ah! Dbi? Ela se formou e seguiu com Ribeiro. Eles finalmente descobriram o ponto de equilbrio e maturidade. _Amor? Cheguei. _ ouvi a voz de Caio, que acabara de abrir a porta.
_Oi. _ recebi seu beijo. _Eu estava sentindo o cheiro do seu macarro l do quartel e vim correndo. _? Mentiroso voc... _ ri. Ele deixou sua boina ao lado do porta-retrato e foi tomar banho. Aquele era um dos meus dias de folga, nesses momentos sagrados, ns aproveitvamos cada segundo. Eu no era a mulher convencional, pelo contrrio, no tinha tanto tempo para viver ao lado dele cada formatura. Mas ns fazamos um esforo dirio de tolerar a vida profissional um do outro. Ele brigava, como eu tambm brigada por ateno, mas de monotonia a gente no vivia por certo. Esse no o caminho certo, ou errado. o meu caminho e cada um descobre a melhor maneira de ser feliz. No h um mapa, nem guia, ou manual de instrues. A nica coisa que inviolvel a nossa unio, porque para mim Caio ser o meu amor eterno, alm da vida. Publicado originalmente em http://umcoracaoemguerra.blogspot.com