História Da Literatura Portuguesa - Tófilo Braga
História Da Literatura Portuguesa - Tófilo Braga
História Da Literatura Portuguesa - Tófilo Braga
RE CAPITULAO
DA
EDADE MDIA
IEdade Mdia. Porto. 1909. In-8 de VIII-524p. 1 IIRenascena (Em publicao). IIIRomantismo (Em preparao).
T H E O P H I L O BRAGA
HISTORIA
DA
LITTERATURA PORTUGUEZA
EDADE MDIA
PORTO 1909 Editores: LIVRARIA CHARDRON, de Lei-- & Irmo Rua das Carmelitas, 144
O accordo assignado no Rio de Janeiro, em 9 de Setembro de 1889, entre o Brasil e Portugal, assegurou o direito de propriedade literaria e artistica em. ambos os paizes.
A presente edio est devidamente registada nas Bibliothecas Nacionas, de Lisboa e Rio de Janeiro.
Quando se faz um resumo sem a preparao prvia de trabalhos especiaes, fica sempre um apanhado concretamente mesquinho; se provm da condensao necessaria de monographiag exhaustivas, constitue uma synthese, pondo em evidencia o systema em que assenta a obra. J por trez vezes o vasto corpo da Historia da Litteratura portugueza tem sido submettido a (ineste processo de condensao: em 1875 no Manual de Historia da Litteratura portuguesa 8. de v I I - 4 7 4 p.), destinado s lies oraes. Em breve ficou atrazado, pela publicao dos Cancioneiros trobadorescos, e pelo aperfeioamento do methodo histrico e toria da filosofico, dando logar (in-8. grande, remodelao do plano em 1885 no Curso da HisLitteratura portuguesa
de 412 p.)
campo da Litteratura portugueza da Edade mdia tem sido desvendado por insignes romanista francezes, allemes, italianos, XIII a xv. espanhoes e americanos, e foram publicados numerosos. textos dos sculos Urgia incorporar esses subsidios dispersos. Emquanto no realisamos de'Gaula, Poetas
esse empenho na reimpresso dos Trovadores portugueses, Formao do Amadis palacianos e Os Historiadores' portugueses, supprimos esta deficincia de tempo com a promettida Recapitulao da Historia da Litteratura portuguesa da Edade mdia, como a summula da primeira' poca, tratada aesses quatro livros. A vastido do corpo da Historia da Litteratura portuguesa corresponde importncia d'esta
viva manifestao do genio e s t e t i c o d'este povo,, to notvel como a sua energia activa na iniciativa das Navegaes e Descobrimentos geografiicos. A sua extenso impe uma recapitulaoclara para os estrangeiros que desejam conhecer esta ignorada Litteratura romanica, e para os n a cionaes que procuram um guia para o seu estudo. Os titulos de nobreza de Portugal no consistem exclusivamente em ter iniciado os grandes Descobrimentos e o c u p a d o o primeiro plano na actividade d'essa extraordinria r a ; embora pequeno no seu numero, a par da ocupao de vastssimos domnios, creou o Povo portuguez uma das. mais bellas lnguas romanicas, e n'ella os seus E s c r i t o r e s , Poetas, Historiadores, Viajantes e filosofos produziram uma opulenta Littera-
tura que seguiu a par e com brilhantismo a evoluo das Litteraturas meridionaes. Essa lingua ainda hoje se fala em novos estados, authenticando a extenso que teve o domnio portuguez; e essa Litteratura foi e ainda hoje uma das foras moraes que sustentam a nacionalidade e autonomia de Portugal. Se est para este paiz terminada a empreza dos Descobrimentos, mantem-se fecundas as suas faculdades artsticas, scientificas e filosoficas, suscitadas pela comparticipao no concurso mental europeu, em que acima de cada Nao se afirma o ideal da Humanidade.
HISTORIA
DA
L1TTERTURA PORTUGUEZA
O pequeno povo, que o c u p a a faixa Occidental da Hespanha, constituindo-se em nacionalidade autonoma entre os novos Estados peninsulares formados no seculo X I I , que se foram unificando at completa absorpo castelhana, assinalou pela energia da sua raa a a o mundial, realisada nos grandes Descobrimentos martimos, que deram inicio E r a moderna da Civilisao da Europa. A individualidade ethnica, que o tornou inconfundvel com o Ibero, e a aco historica inolvidavel pelo seu influxo social, levam a considerar o genio caracterstico d'este povo, o ethos, expresso nas creaes artsticas, nas formas litterarias, reflectindo a sentimentalidade, o espirito de aventura, e a resignada esperana nunca extincta na alma portugueza. To importante a historia dos Descobrimentos martimos dos Portuguezes, como a da sua litteratura; este poder de aco e de creao esthetica explica o phenomeno sociologico da sua
autonomia politica atravs das crises das nacionalidades peninsulares, das conflagraes europas, e do empirismo boal dos seus prprios governantes. O povo portuguez, cuja raa foi caracterisada por Frederico Edwards e Deniker como das' l mais puras da Europa; e cuja nacionalidade Pi y Margall apontou como a de mais logica formao entre os varios Estados peninsulares, conserva as suas Tradies poeticas com uma inteireza archaica. destacando-se entre o Folk-Lore Occidental pela sua riqueza e vitalidade, como observou Jeanroy. Com estes elementos fundamentaes ou. organicos, a elaborao da Litteratura portugueza o producto do ethos da raa, do sentimento da nacionalidade e da consciencia historica, acompanhando solidariamente a evoluo esthetica das Litteraturas romanicas, na Edade mdia, na Renascena e na poca do Romantismo, seguindo a aco hegemnica de cada uma d'ellas, e por seu turno influindo tambm na creao da Novella de Cavalleria e na corrente do Humanismo. O estudo historico d'este producto superior do genio portuguez, acompanhando-o nas suas relaes com as Litteraturas modernas, atravs dos movimentos sociaes e politicos da peninsula hispanica, presta-se applicao de processos crticos. que s pdem realisar-se comprehendendo a psychologia collectiva e o ponto de vista sociologico.
PROLEGOMENOS
Elaborao organica da Litteratura A palavra escripta, quando por ella se d expresso s emoes e concepes subjectivas, ou se representam actos e aspectos da natureza objectivamente, torna-se pelos recursos estyiisticos a mais elevada frma da Arte, a que na srie esthetica se chama Litteratura. muitos povos que alcanaram adiantadas formas sociaes e conseguiram poderosas cpndies de existencia politica, no chegaram a crear uma Litteratura; por que este phenomeno, resultante da estabilidade social em que se fixam os Costumes que tm de ser idealisados, desenvolve-se pela comprehenso individual que lhe d o relvo synthetico. E' extremamente complexa esta transformao. Para que uma Litteratura se forme necessrio que uma raa fixe os seus caracteres anthropologicos pela prolongada hereditariedade, que funde a aggregao ou consenso moral de. Nacionalidade, tendo o estimulo de resistencia na sua Tradio e na unidade da Lingua disciplinada pela escripta, universalisando a relao psychologica das emoes populares com as manifestaes concebidas pelos genios artisticos. Comprehendida assim a Litteratura uma synthese completa, o quadro do estado moral de uma nacionalidade representando os aspectos da
sua evoluo secular e historica. O valor de qualquer Litteratura patenta-se nas condies do seu desenvolvimento, definindo os factores sociaes que a motivam e de que ella .a expresso consciente. Na marcha histrica de qualquer povo existe um trabalho constante de synthese ou coordenao' espontanea de todas as suas energias, conformando os actos com os sentimentos e ideias dominantes. No estado presente da civilisao, a Politica geral tende a exercer-se como Synthese activa; a Philosophia, ratificando as concepes subjectivas pelos dados objectivos e experimentaes das Scien-cias, determinando a ordem physica, a ordem organica e a ordem social, constitue na sua integralidade a Synthese especulativa; a Litteratura e Arte, cooperam para a urgente Synthese affectiva, em que a vida emotiva e a tradio, partindo das manifestaes da autonomia nacional recebem o relvo da solidariedade humana, esboando o ideal da concordia a que se aspira. Subordinada ao meio social pela sua origem e destino, a Litteratura reflecte todas as successivas modificaes d'esse meio, achando-se, como todos os outros phenomenos sociologicos, sujeita a leis naturaes de ordem statica ou de conservao, e de aco dynamica ou de progresso. Desconhecendo os elementos staticos das Litteraturas, impossvel comprehender a sua origem e modode formao; sem a apreciao das condies.dynamicas mal se avaliar o que pertence influencia individual dos escriptores de gnio. As Epocas litterarias de esplendor ou decadencia, de inveno ou de imitao s pdem ser bem
ELABORAO ORGANICA
caracterisadas pela dependencia mutua entre os factores staticos e dynamicos. Bacon, esboando genialmente as bases da historia litteraria (De augmcntis Scicntiarum, l i v , c a p . 4,) indica os factores staticos e dynamicos: Antes de tudo o historiador das Artes c das Lettras, deve preoccupar-se... da natureza do paiz e da raa, sua aptido ingenita ou ao contrario sua incapacidade para as diversas sciencias, as circumstancias historicas favoraveis ou desfavoraveis, (factores dynamicos) as influencias religiosas, aquellas que provm das leis politicas, emfim, o merito eminente e a aco fecunda dos individuos para o progresso das letras... E indicando do modo mais ntido o methodo a seguir, assenta o ponto de vista francamente historico, e como synthese evocar d'entre os mortos, como por uma especie de prestigio, o genio litterario d'essa epoca... Todo o progresso realisado at hoje na historia das Litteraturas comprova a suprema concepo de Bacon. Como orgos subtrahidos vontade individual, mas pelos quaes se exercem os processos da concepo artstica, constituem os elementos staticos das Litteraturas: a Raa, a Tradio, a Lngua e a Nacionalidade. Quando uma sociedade no conseguiu dar a estes factores staticos uma feio individual, a Litteratura no passa de um documento ethnographico, que por vezes suppre a deficiencia de monumentos historicos; as Litteraturas orientaes, importantssimas como documentos psychologicos e de reconstruco historica, s casualmente attin-
gem a expresso consciente de uma emoo, que se transmitte intencionalmente. A Litteratura grega, na evoluo organica do seu Lyrisnio, da sua Epopa e do seu Theatro, deriva da relao harmonica d'estes elementos com a elaborao individual, sendo por isso o modelo perfeito de todas as Litteraturas, a nrma do gosto, servindo de typo classico de imitao pelo relvo ideal que as tradies hellencas receberam na expresso universalista das altas individualidades. A Litteratura latina abandonando os seus elementos staticos ou generativos, cahiu em uma imitao artificiosa e no mechanismo rhetorico, ficando inferior ao caracter social e funco historica da nacionalidade que a produziu. Com este criterio apreciaremos o grupo das Litteraturas da Edade mdia, ou romanicas, em que a Litteratura portugueza a derradeira representante; explica-nos o gro de originalidade de cada uma. a raso dos accidentes que as differenciaram nas suas pocas diversas, e a fecundidade correlativa do seu vigor nacional. Novas nacionalidades se constituram na Eda. de mdia depois da ruina da unidade imperial romana; essas Nacionalidades, dando togar ao desenvolvimento dos dialectos vulgares em Linguas, ento, pela expresso das suas Tradies oraes fixadas na escripta, formaram Litteraturas, as quaes cooperaram directamente n'esta transio affectiva do conflicto das raas para a sociedade moderna. Conforme os escriptores se aproximaram da cultura greco-romana, ou se inspiraram das tradies da Edade medieval, assim as modernas
ELABORAO ORGANICA
Litteraturas tiveram um desenvolvimento artificial ou organico, resultando d aqui as differenas dos seus caracteres, embora pertencendo todas mesma corrente da civilisao. D'entre essas Litteraturas, umas foram elaboradas sobre elementos tradicionaes antes do conhecimento dos modelos greco-romanos ou classicos, como a provenal, que se extingue por falta do estimulo de uma nacionalidade, sendo por essa causa substituda pela francesa; outras foram dominadas pelo prestigio das obras primas classicas, como a italiana, que se vivifica exprimindo a aspirao vindoura unidade nacional. Entre as Litteraturas hispanicas, duas correspondem s duas raas, a ibrica e a lusitana, que subsistem differenciadas desde as epocas remotas at s mais recentes crises historicas, e basta esta correspondencia para descobrir o seu caracter tradicional e popular por vezes modificado pelo pedantismo erudito. Em quanto as Litteraturas castelhana e portugueza avanam para a perfeio esthetica, outras, como a aragonesa, valenciana e catal, que floresceram, extinguiramse, porque o apoio da nacionalidade reduziu-se a um regionalismo em revolta contra uma incorporao politica e administrativa, como se confirma pela gallesiana. As Litteraturas modernas, como observou Frederico Schlegel, oscillam n'este dualismo, entre os elementos organicos tradicionaes e populares, e os modelos classicos segundo a influencia erudita dominante.
I Factores staticos O estudo da raa, reconhecido como revelador das condies da vida nacional, o preliminar para a comprehenso da Litteratura; com a sua grande auctoridade escreveu Spencer: a Litteratura e as Bellas Artes no podem existir seno em virtude das actividades, que fazem que a vida nacional exista; e manifesto que a cousa tornada possvel consequencia d'aquillo que a torna possvel. E' este influxo persistente da raa que se reconhece penetrando os seus caracteres anthro. pologicos. Uma das grandes concluses scientificas em que assenta a Anthropologia a presistencia das Raas, nos seus typos ainda os mais remotos, e a conservao dos seus costumes atravs dos mais continuados cruzamentos, dando a revivescencia dos typos mais numerosos e mais fortes. Por estes resultados a Anthropologia torna-se um preliminar verdadeiramente reconstructivo da historia primitiva. As concepes mentaes, a intensidade emotiva, as formas de actividade, e mesmo as instituies sociaes e religiosas, differenciam-se pelas capacidades de cada raa. Como deixar de considerar as Litteraturas como reflectindo este e thos? r. A Raa. Segundo Prichard, a designao .de raa comprehende todas os agrupamentos de individuos que appresentam mais ou menos ca-
FACTORES STATICOS
cacteres communs transmittidos pela hereditariedade, deixando de parte e de reserva a origem d'esses caracteres. Precisando esses caracteres atravs das manifestaes de uma Litteratura e explicando o porei qu das suas formas, no isto um abuso do critrio das sciencias biologicas applicado a um phenomeno psychico e social. As Litteraturas distinguem-se entre si pelas tradies elaboradas em lingitas escriptas e pelo modo de sentir de uma nacionalidade; consequencia d'estes factores de ordem moral, nem por isso esto independentes do. determinismo biologico, que em anthropologia so as persistncias atvicas ou hereditariedade dos caracteres. Em uma mesma nacionalidade, que unifica politicamente diversos elementos ethnicos, os caractersticos especiaes d'esses elementos transparecem na Litteratura, como tem confirmado a critica : na Grecia, sob a unidade atheniense, distingue-se o genio dos Dorios e o dos Jonios, em arte, em politica e em poesia, como o reconheceu Ottfried Muller. Sob a unidade romana, as tradies lucerenses e ticienses identificam-se com a historia, e penetrando de um modo incompleto na litteratura adstricta imitao da cultura hellenica, tomam o seu maior desenvolvimento nas frmas sacramentaes e symbolicas da Jurisprudencia, essa severa poesia, como lhe chamara Vico. Na unidade nacional da Frana, os cantos picos das Gestas correspondem ao norte occupado pela raa franka, em que preponderava a instituio feudal e monarchica; as novllas da
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Tavola Redunda deseuvolvem-se onde a raa bret se confinou conservando os vestgios mythicos do seu druidismo: ao sul o elemento gaulez, com as instituies municipaes, em que se expande sobre um fundo popular o Lyrismo troback)resco, que irradia da Provena por todo o Occidente europeu, pela contiguidade das populaes aqutanicas com as fluas pennsulas da Italia e da Hespanha. Este mesmo criterio foi applicado por Taine Litteratura ingleza, em que o elemento saxo conserva o genio e as tradies germanicas, ao passo que o normanda submette-se disciplina da imitao, como se manifesta na dupla influencia de um Shakespeare e de um Pope. Na Litteratura allem, Heinsius determina-lhe os seus perodos pela preponderncia successiva dos aspectos d a raa: gtico, at a o sculo v , franko at ao advento dos Hohenstaufen no seculo X I I ; suabio, ou dos Minnesingcr, rhenano ou saxonio, da erudio e das Universidades do seculo x i v a xvi ; o silcsio e sitisso, em que impera a influencia franceza, e por fim a integrao allem, em que a pliada dos grandes genios se inspira nas tradies germnicas. Na Litteratura russa, o genio slavo, sob a presso da ideia asiatica realisada na soberania autocrtica, e das importaes occidentaes da administrao, ha um antagonismo em que o gehio nacional se revela na exaltao mystica, no illuminismo religioso, politico e humanitarista. Mesmo, os velhos monumentos litterarios e artsticos tm prestado dados etimolgicos para se discriminarem raas que no era possvel distinguir physiologicamente.
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Sob este criterio, ha um outro importante phenomeno a considerar: o encontro e fuso de duas raas determina uma revivescencia de tradies hierologicas ou poeticas, como se v na Grecia, com os elementos semitas dos cultos orgiasticos e antthropopathicos nas Epopas; egual crise na Europa medieval com as invases germanicas, que determinam a elaborao das Cantilenas em Geifas ao norte, e com as invases arabes ao sul, que favorecem com intuito social a propagao do lyrismo trobadoresco meridional. E" pois o estudo da raa na historia de qualquer litteratura o meio de descobrir a base tradicional sobre que se desenvolveu, e d'ella deduzir o que tenha de originalidade e feio nacional. Portugal, desde que se constituiu em nacionalidade no seculo X I I , occirpa o territorio da faixa occidental da pennsula hispanica desde o rio Minho at ao Algarve; este territorio ainda o que foi occupado pelas tribus lusitanas, tendo a menos a Galliza e a Andalusia, que formavam, segundo Strabo, no seu conjuncto a E U S I T A N I A dos antigos. Tratando de Portugal, o problema da raa, do mais alto interesse. Existe de facto uma raa portuguesa? A esta pergunta, respondeu Alexandra Herculano negativamente, considerando a 'Lusitnia um territrio differente do cie Portugal, e o lu sos umas tribus barbaras, com quem o povo portuguez nada tinha de commum, por ser um elemento adventicio, transplantado das Asturias e do reino de Leo; que pretender relacionar os da-
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dos de Strabo sobre os Lusitanos com os portuguezes, era uma preoccupao herldica dos humanistas do seculo x v i . Como poderia o historiador comprehender o individualismo ethnico de Portugal ? Peior do que Herculano, veiu o phrasista Oliveira Martins, considerando Portugal essa horda de adventcios asturo-leonezes submettendo-se aggregao de uma nacionalidade pelas ambies e esforos continuados dos polticos dirigentes. Assim, os dois historographos, desnacionalisando Portugal, como favorecidos pela dynastia dos Braganas consideravam ainda um beneficio providencial que ella explorasse isto na irresponsabilidade. Outra desnaturao do typo portuguez feita pelos eruditos que compilam factos, que identificam Portugal com um paiz de Celtas, sem conhecerem nem a chronologia desta raa, nem os seus caracteres anthropologicos em antthese com os dos portuguezes. E, j favor; por que, para os nossos visinhos castelhanos no ha differena alguma entre Hespanhoes e Portuguezes, so um povo unico! A eterna divortia, definida por Silio Itlico, na sua Punica, entre Iberos e Sceltos, ainda hoje implacavelmente mantida nas duas nacionalidades hispnicas. No obra da politica, nem completamente devida aco mesologica, mas s, differenas anthropologicas de duas raas, a ibrica e a lusitana, evolucionando nas situaes primitivas. A Pennsula da Hespanha est dividida pelos Pyreneos em duas vertentes, a oriental, occupada pelos Iberos, e a occidental pelos Lusitanos, mantendo atravs de todos os cataclysmos so-
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ciaes e historicos as suas individualidades ethnicas, mani estando-se ao fim de tantos seculos a Nacionalidade castelhana e a Nacionalidade portugueza, sempre inconfundveis. Ha aqui alguma cousa acima das vontades individuaes e das ambies transitorias. Pela situao d'estas duas raas deduz-se a sua differente proveniencia. A Epigraphia e a Linguistica pem em evidencia o desenvolvimento de um povo emigrante, revelado pela toponymia e pelas inscripes votivas a deuses ainda hoje adorados entre tribus de raa mongoloide; os escriptores antigos chamaram a esse povo que occupou a vertente oriental da Pennsula Iberos, empregados na explorao dos jazigos metalliferos, principalmente o estanho (aber). Segundo Bergmann, pertencem a essa raa da alta Asia, que faz a transio entre a raa amarella e a ariana. Pertencem a este grupo ethnico o Berber, o africano branco, os Ethiopes ou Lybios, espalhando-se pelo Mediterraneo e occupando as suas ilhas; estendendo-se Italia, Frana e Inglaterra, constituindo um fundo ethnico commum, que se revela nos monumentos archeologicos, nos vestgios de niythos religiosos, supersties e recorrencia dos costumes. Na vertente Occidental estabeleceu-se o Luso, ramo de uma raa navegadora que fazia o coramercio do ambar, do mar do Norte, os Ligures. Distingue-se esta raa pela sua estatura mediana, e cabea redonda; pela cr trigueira da pelle, cabellos e olhos castanhos, e leptorhinia. Pde-se considerar o encontro de Iberos e Lusos na Hes-
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panha como a unificao d'aquella grande raa sociologica de que falia Ephoro, seguindo a geographia hesiodica e phenicio-grega, conforme a qual a Europa era occupada: na regio do Norte pelos Hyperboreos, Cimmerios ou propriamente; -os Scythas; na regio occidental, pelos Ligures, tanlbem denominados Skeltos e Atlantes; e na regio do Sul, pelos Ethiopes ou Lybios, os Hamitas que propagam ao Egypto e Chalda a sua cultura. Este quadro, conservado por Ephoro, comprehende verdadeiramente a grande Civilisao occidental ou Bronzifera, que precedeu as civilisaes arianas, e que se deve designar pelo nome de Turaniana, por que assim a denominou o mundo avestico oriental. E este titulo de Turan, de uma grande extenso geographica, proveiu rio seu Zodiaco, levado America, ndia e ao Egypto, em que o curso do anno estival comeava sob o apparecimento da Conslellao do Touro. Como factores d'esta Civilisao occidental, Iberos e Lusos no eram incompatveis; as circumstancias porm foram fortificando o elemento ibrico pelas migraes do Eusk, do norte da Europa, do LybioPhenicio, vindo da Africa, e mais tarde pela sua fuso com os Celtas errantes no vi seculo antes da nossa era. O Luso foi comprimido na regio da vertente occidental da Hespanha mas no assimilado ; o Ibero nunca perdeu a sua tendencia absorvente, como o mostra desde a epoca historica o unitarismo castelhanista. Esta primitiva extenso do territorio mostranos como a populao lusitana pde contrabalanar-se com a populao iberica, cujos caracteres
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so nitidamente differenciados pelos geographos regos e romanos. Embora diminuido o territorio ellas divises administrativas romanas, e pelas inporaes neo-goticas, o pequeno Portugal de e nunca perdeu a populao lusitana que o occ ava, podendo affirmar-se pelos recursos da c provao anthropologica, que no ha soluo de ontinuidade do typo luso para o portuguez act, Herculano errou quando affirmou gratuitaniv e a discontinuidade. As differenas do Ibero e do so ainda hoje se impem observao no antag smo politico, intellectual e moral; no os separa fronteiras materiaes, nem to pouco institui eligiosas ou sociaes, mas prevalece uma immane antinomia. E' na raa que ella se hade enco rar. O Lus um ramo da grande raa dos Ligures, ou pre tica; Hesiodo assim chamava aos Povos do Occidente, IX seculos antes da nossa ra; este mesmo n e de Ligures era dado por Eschylo (VI seculo a poderosa gente que occupava o Occidente; o. povos que occupavam a peninsula hispanica e a lia meridional eram chamados por Herodoto L. res, nome que Strabo diz que no IV seculo (a. C. ) designava, segundo Eratosthenes, os povos do Mediterraneo. Plutarcho acha Iberos em coexistencia com os Ligures na bacia do Mediterraneo. Das migraes liguricas das bordas do Baltico, em frente da Scandinavia, como estabelece Martins Sarmento, chegaram peninsula hispanica as tribus lusitanas, que occuparam a orla maritima occidental, encontrando j estabelecidas mais para leste as tribus ibericas. Custou
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muito a destacar este substratum ligurico confundido com os povos Celticos, aquelle ainda na civilisao bronzifera, estes j possuidores do ferro. Belloguet demonstrou esta camada ethnica para a Frana, Celesia e Molon para a Italia, e Martin: Sarmento para o pequeno estado fragmentaria de Portugal. Os Gallos, os Ombrios (veteres Galli), os Callaici ou Gallaici da Hespanha so anteriores aos Celtas e differentes d'elles em typo anthropologico, e caracters ethnicos. Foi Strabo o que consignou este substratum, com que se reconstitue a extenso da Lusitania dos antigos; diz-nos (III, I I I , 6, 7) que os Lusitanos, os Gallezianos, os Asturianos e os Cantabros tinham todos os mesmos usos e costumes, e no acha analogia alguma com os costumes e usos dos Celtas. Quando fixa analogias com os Ligures, e com os Gregos," nome dado a colonias do norte. A esta Lusitania pertencia pela raa a Tartessida, ou Turdetania, Betica ou moderna Andalusia. Como era um povo aguerrido e de instincto de independencia, os Romanos trataram de desmembrar o seu territorio, dividil-o administrativamente; segundo Strabo, a Lusitania abrangia toda a faixa occidental da Hespanha desde o Tejo at ao mar Cantabrico; mas j no tempo de Plinio, estava fora a Gallecia, comeando a Lusitnia no rio Douro e acabando no litoral do Algarve. Por este tracto de territorio, em que veiu a consti-
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tuir-se um dia o Estado de Portugal, v-se que essa nova nacionalidade appareceu no seculo xII como uma revivescencia ethnica. Sobre a importncia das povoaes liguricas escreve Lemire: ((Enfim, era preciso que os indgenas da Iberia martima fossem muito realmente Ligures, para que um geographo to instrudo como Erastothenes allando das tres grandes Peninsulas da Europa meridional, a que chama promontrios, entendesse poder designar com o nome de Ligustico a que formava a Iberia. T Por esta importancia se explica como a invao dos Celtas na Hespanha actuou divrsamente obre os Iberos, e sobre os Lusitanos. Martins Sarmento, ao par de todos os trabalhos dos aniropologistas modernos, define o Celta: raa uramente septemtrional e radicalmente distincta iysica e moralmente das populaes occidentaes meridionaes da Europa; uma onda de brbaros i entre o vIII-vII sculo rebenta d'alm do Bal sobre o continente, espraiando-se em bandos ' ou menos numerosos por diff erentes diree perdendo-se por fim, mesmo como raa rstica, salvo n'um ou n'outro ponto, no povos com os quaes acabou por se funDesde que os geographos e historiadores mo diz Vivien de Saint Martin, desi' o nome de Celticas as naes indisas regies ao norte do Ister (Ger-
e sur les Celtes et las Gaulois, p. 71. is na Lusitnia '(Revista scientifica, pag. 80).
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mania ) e ao oeste do Rheno compre bem a Hispania, facil foi fazer a < buindo aos Celtas usos, costumes outros povos; e lidos esses livros s tico, diffundiu-se o enigma celtico, perturbado a intelligencia da histo: philologia. l Em que condies s vaso dos Celtas louros e corpulen nha? Sarmento escreve: A turba, caminho do Rhodano tem-se emp de entrar na Hespanha com os de dos pelas invases da bacia do P , o do litoral dos Pyreneus, onde j uma parte considervel... 2 Em Iberos tiveram de afroixar na vic que, e, como observa Sarmento, d historico: ((As hostilidades acabam aco amigvel; Celtas e Iberos foram o mixta os Celtiberos, uma verdad onde no ha dominadores nem do cto que parece esquecerem os que dominao cltica na Hespanha. Em frente dos Lusitanos a inva: mesquinha, pela inferioridade do da sua cultura; os Celtas do A pelos Turdetanos, so-lhes intelle feriores, como observa Strabo; mos, que se estabelecem no pro rio, quatro tribus ((So os unicos < na Lnsitania.y> (Ib.) A obsesso dos
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tos eruditos a vr no onomastico' da Lusitania nomes celticos, e tiraram da sua hypothese argumento decisivo; contra este argumento oppe Sarmento: a Ora maritima menciona nas Ilhas Britanicas e no Occidente da Hespanha nomes taes como Albiones, Hierni, Ana, que como se v no podem pertencer onomastica celtica, tendo alis uma physionomia celtica muito pronunciada. Existe pois uma lingua pre-celtica que pde explicar alguns nomes pseudos-celticos. Porque no hade explicar todos os outros que forem da mesma natureza? (Ib., p. 300.) Mas a Celtomania do tempo de Bullet reappareceu com apparatos philologicos submettendo a processos phoneticos comparativos com os dialectos preceltios existentes na Escocia, Irlanda e Bretanha franceza todas as palavras pretendidas celticas. Escreve Roisel, mostrando que as lnguas impropriamente chamadas Celticas, o irlandez, o gadhlico, erse e o manx (ramo gaelico) e o welche, o idioma de Cornnwald, o armoricano ou baixo breto, pertenceram a esse povo primitivo bronzifero, que desceu do norte da Europa, e que hoje se reconhece como Ligure, aponta um dialecto, o antigo moriniano, fallado ainda em um recanto do noroeste d Frana entre o Lys e o mar. Les Atlantes, p. I06.) Quando nos poemas homricos se falia nos Hyperboreos, citam-se os Campos Elysios, no extremo da terra; e Virglio colloca esse extremo no paiz dos Morinios, e a dupla embocadura do Rheno. Para os escriptores antigos, como Solino, o cabo do mundo era a costa maritima das Glrrlias. (Op. cit., p. I36).
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A invaso dos Celtas na Europa foi a ruina da Civilisao occidental ou bronzifera; esta raa corpulenta e nomada, de olhos azues e cornada (Gualt), possuindo armas de ferro, vinha depradao cie um mundo rico pelo commercio martimo e fluvial e pelas produces da agricultura. Os Celtas-iniciaram a lucta ainda hoje persistente "dos homens corpulentos do Norte contra os homens medianos do Sul. No seculo v da nossa ra, os Germanos continuaram essa devastao, descendo para o sul e destruindo a civilisao romana, pelas hordas de Lombardos, Frankos, Saxes, Godos e Suevos; ainda hoje mantm o mesmo espirito de occupao militar e de espoliao. Mas a ruina da Civilisao bronzifera ou atlantica durou desde o seculo v i u para vII antes da ra moderna, at que os Romanos dirigindo a sua conquista militar para o Occidente, na Hespanba, nas Galhas e nas Bretanhas, influram pela sua organisao administrativa, fundada no reconhecimento das garantias locaes, que se operasse a revivescencia .d'essa antiga Civilisao ou o renascimento li gurico. Historiadores modernos, ainda desvairados pelo prestigio de Roma, consideram este phenomeno extraordinario para quem desconhecer os antecedentes, como assimilao da cultura latina. No era era dois seculos que povos t barbaros, como pintaram os Iberos, Lusitanos, Gaulezes e Bretes, podiam assimilar a alta civilisao dando a Roma philosophos, jurisconsultos, rhetoricos, poetas lyricos. epicos e tragicos, e at imperadores. Tudo isto na essencia um renascimento ligurico.
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Nem a invaso j enfraquecida dos Celtas, na Hespanha; nem os Romanos pela sua falta de numero entre os mercenarios das suas legies, nem os Phenicios pela sua incommunicabilidade semita, se mestiaram com os Lusitanos, conservando-se, como observaram Frederico Edwards e Deniker, a raa mais pura da Europa. O estado de pureza das tribus Lusitanas que as fez resistir a outros invasores, conservando caracteres proprios cuidadosamente descriptos por Strabo; mesmo certas analogias com costumes gregos so explicaveis pelo contacto com colonias mercantis dos Jonios do sul da Frana e da Hespanha; os Jonios tinham seguido a explorao do Mediterraneo para oste, vindo encontrar-se na Pennsula hispanica com os Phenicios. A superioridade d'este ramo semita no commercio pacifico, no actuou na populao lusitana, embora sejam phenicias muitas designaes topologicas, nem nos dialectos precelticos peninsulares, embora a sua influencia fosse continuada por colonia lybio-phenicias, dominio carthaginez e colonisaes judaicas. O conflicto das navegaes e emporios dos Jonios e dos Phenicios fez com que aquelles chamassem os Romanos para os substiturem na lucta, dando em resultado a ruina da raa semita no occidente at ao apparecimento e invaso dos Arabes. Na sua lucta contra os Romanos, os Carthaginezes, colonia phenicia do norte da Africa, exploraram as povoaes Celtibericas acordando-lhes o espirito de autonomia para resistirem contra as legies romanas. Roma ia fixando o seu dominio em Hespanha
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pela concesso de garantias politicas, estendendo o direito italico s novas provncias, vindo sob o Imperio a realisar-se a primeira unificao hispanica. Todas as luctas foram sustentadas contra Roma pelos Lusitanos, e Viriatho, o guerrilheiro que derrotava os Proconsules, fortificava-se pelas allianas federativas, que tornariam a Hespanha livre. E' esse vulto extraordinario que representa esplendidamente a raa; cau pelo assassinato da traio romana, e com elle a independencia. A cultura romana facilmente assimilada, como se v pela biographia de Sertorio, em nada actuou na raa lusa; os soldados com que Roma combatia e mantinha a occupao eram de ordinario mercenarios germanicos, bem como o seu colonato. Dada a quasi semelhana do typo celta e do germanico, como observou Strabo, dizendo que podiam passar por irmos, com costumes identicos, pde distiguir-se a sua influencia na mestiagem com as populaes celtibericas determinando uma regresso ao typo celtico, loiro, ao passo que na Lusitania no se modificou o typo trigueiro e me estatura. Escreve J. J. Ampere, na sua Histoire litteraire de la France avant Charlemagne, (II, 9 7 ) : ' O uso imprudente de recrutar os exercitos romanos entre os brbaros fez progressos bastante rapidos. Probo deu o exemplo de uma reserva prudencial, que deixou mais tarde de ser imitada; elle determinou o numero de barbaros que poderia admittir-se n'uma legio; apesar d'isso houve legies inteiras exclusivamente de barbaros.' D'este erro politico resultaram duas consequen-
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cias: a facilidade da queda do Imperio no seculo v, diante das invases germanicas, e a facil assimilao da cultura latina pelos Visigodos emquanto unidade imperial e emprego da lingua dos Codigos e nos tribunaes. A Egreja, adoptando para a sua liturgia a lingua latina, e espalhando a traduco da Vulgata, cooperava tambem no desenvolvimento dos dialectos hispanicos com um vasto vocabulario latino. D'aqui a illuso de um latim rustico dando logar creao das Lnguas vulgares chamadas novo-latinas. Outra illuso a de chamar povos romanicos ou raa latina s modernas nacionalidades, que pela restaurao da tradio imperial nas monarchias germanicas, e pelo processo civil romano nos tribunaes durante a Edade mdia, chegaram no Occidente da Europa a dar uma certa unidade civilisao moderna. A raa germanica, continuando a lucta dos homens corpulentos do Norte contra os homens meos do Sul, apparece egualmente na Italia com a i n v a so dos Ostrogodos e Lombardos; em Frana com a dos Frankos e Borguinhes; na Inglaterra com os Anglos e Saxes; na Hespanha com Visigodos, Suevos, e Alanos. Dava-se esta calamidade no seculo v da nossa ra. Esta similaridade de elementos ia actuar sobre as instituies sociaes, determinando os dois typos do Estatuto pessoal e do Estatuto territorial, fundados na tribu e no canto ; mas em quanto mestiagem da raa pouca transformao podia produzir, por isso que essas raas do norte rapidamente se extinguiram nos paizes quentes em que estacionaram. Pela ex-
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tenso da LusitAnia a dos antigos, espalharam-se as tribus germanicas, os Suevos e depois os Visigodos na Galliza; os Vandalos occuparam a Betica, e na parte central lusitanica os Alanos, tribus que passaram para a Africa do norte, dando logar ultima e mais forte invaso dos Visigodos, que se tinham fixado na Aquitania. Se a historia da Hespanha comea com o dominio dos Romanos, a formao da sociedade moderna comea com o imperio visigotico. E' esta propriamente a importancia do elemento germanico. A continuidade das invases fez com que a banda guerreira e a banda agrcola eguaes como homens livres (werh-man) se differenciassem, prevalecendo .os homens de armas sobre a decadencia da outra classe, que se foi misturando com as populaes vencidas, do colonato romano, os lidi, leude, lazzi ou Lige. N'esta separao estabelecese um antagonismo mais profundo, em que a nobreza militar (os duques, condes, marquezes e bares) adoptam as leis imperiaes romanas do Codigo theodosiano, abandonam o culto de Odin pelo catholicism de Roma; a classe dos lites, (os aldios, lazzi e vassus,) alliam as suas crenas de Hertha com o christianismo tradicional, conservam os seus costumes e symbolos jurdicos, e numerosas tradies poticas, que se transmittiam oralmente, e se confundiam com as das preexistentes raas. O orgulho aristocrtico cada vez separava mais a classe guerreira ou senhorial; e a decadencia das garantias do antigo homem-livre cada vez syncretisava mais os lites com as populaes lusibricas, que nunca tinham sido destrudas, nem es-
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cravisadas. Era n'esta populao numerosa, que procurava a estabilidade territorial e a revivescencia das suas garantias (a fava) que havia de organisar-se a sociedade moderna da Hespanha. Uma circumstancia determina esse grande phenomeno: a invaso dos rabes em 7II. Se uma s batalha, a de Guadelete, destruiu o imperio visigotico, por que elle se achava sem apoio, e s sustentado por uma diminuta classe privilegiada. E' essa a que constitue os refugiados das Asturias, e que fortificando-se na unificao catholica, tentam, ao passo qne avanam na reconquista, restabelecer os velhos privilegios aristocrticos com leis aprocryphas e romanas formando o Codigo visigotico. Mas sob o poder dos rabes, tolerantes em quanto crena, garantias locaes e actividade, as populaes sedentarias deixaram-se ficar, e foram evolucionando em um progresso social que as levou a restabelecerem as suas primitivas liberdades cantonaes, elevando-se aos pactos federativos das Behctrias, para as quaes mais tarde formulariam os pequenos estatutos territoriaes, ou Cartas pueblas e Foraes. Do seculo vi r 1 at ao seculo xI que se opra esta transformao de classes servas e decahidas de liberdade em povos livres que ho estabelecer novas nacionalidades. Designa-se esta populao numerosa e complexa nos seus elementos pelo nome de Mosarabc, que significa aquelle que estando em convivncia com o Arabe o imita nas maneiras exteriores da existencia (most,arabe), mas conservava-se na religio christ; e as populaes agrcolas e fabris, que para obterem uma diminuio
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dos impostos adoptavam o culto do Islam, por esta proteco eram chamados Mulladies (do arabe mauias, cliente.) Tal era a vitalidade d'estes elementos sociaes, que a nobreza dos Asturo-leonezes debalde tentou na reconquista do solo hispanico restabelecer as instituies senhoriaes; ao passo que a realeza teve de reconhecer nas Cartas pucblas e Poraes as garantias locaes dos Mosarabes e Mulladies. Muhoz y Romero viu admiravelmente a organisao d'estes factores sociaes, em que as formas civis e politicas appareciam nos Concelhos e nos processos como uma revivescencia do germanismo, mas fortificando a cultura luso-iberica. I Quando se constituiu a nacionalidade portugueza, no seculo x II, foi essa populao dos Mosarabes a matria prima; era ella que estava no territrio da obliterada Lusitnia. Escreve Herculano: Dos territorios da Hespanha, nenhum talvez mudou mais vezes de senhores durante a lucta, do que os districtos de entre Douro e Tejo, sobretudo nas proximidades do oceano, e por ventura em nenhum ficaram mais vestigios da existencia da sociedade mosarabica, da sua civilisao material, das suas paixes, dos seus interesses encontrados, e at dos seus crimes.)) 2 Por um feliz lapso de penna, Herculano chega a chamar-lhe raa mosarabe. Era a intuio inconsciente da
i Foii sobre esta these que trabalhmos desde 1867 nos Poraes, e em 1871 nas popas da Raa mosarabe, mas sempre incomprehendido. 2 Hist. de Portugal, v.
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persistencia do antigo typo lusitano, que tinha muitas vezes mudado de dominadores, mas que conservava o seu modo de ser, paixes e interesses. Depois de dominada a invaso dos Arabes pelos neo-godos, a separao entre o Ibero e o Lusitano ficou ainda mais accentuada. A occupao dos arabes ez-se principalmente com tribus de Mouros e Berberes; e operando-se o cruzamento com os hispano-godos estabelecia-se uma certa recorrencia de caracteres ethnicos do Ibero: na reconquista as colonias maurescas e berberes preferiram ficar no solo hispanico. Todas as luctas dos Emirados arabes, e todas as dissidencias que embaraaram a consolidao do Imperio arabe na Hespanha, foram devidas s luctas permanentes d'esse elemento berbere e mauresco, cujo typo physico e feio moral de impetuosidade e sombrio fatalismo transparece no hespanhol moderno. O Lusitano, realisando o ideal de povo livre, entrou na historia pelo caracter da raa ligurica, o genio das expedies martimas, que o fez iniciar a E'ra das grandes Descobertas; pela sua tenacidade, resistiu a todos os desvarios dos que o governaram atraioando-o, desde o castelhanismo, dos casamentos reaes at sua desmembrao territorial pela dynastia bragantina; e pela vitalidade das suas tradies e sensibilidade affectiva creou uma bella Litteratura nacional. 2.0 A Tradio. Emquanto as Nacionalidades peninsulares se separam em organismos autonomicos, pela aco mesologica cooperando com a independencia politica, os dialectos locaes cor-
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respondem a essa dfferenciao; no se apagam as primitivas unidades ethnicas, que subsistem na Tradio, transmittida inconscientemente. Assim nos cantos populares, musicas e costumes da regio Galecio-Asturo-Portugueza e ExtremenhoBetico-Algarvia nas suas similhanas reflecte-se aquelle ambito geograpbico da Lusitania dos antigos descripta por Strabo. Pde-se estabelecer a continuidade entre essas tradies poeticas e consuetudinarias dos povos hispanicos e as populaes actuaes. Strabo, citando o testemunho de Asclepias de Mirleo, que vivera na Andalusia, diz que os Turdetanos possuiam Poemas e Leis ryyhimicas com mais de seis mil annos. O P. Sarmiento propondo a leitura de e ton, que significa anno, pelo quasi homophono epon, verso, inteiramente plausivel, nota: sin error, entederemos por Turdetanos a los Portuguezes e Andaluces, mas meridionales... l Na Irlanda, o vate, (fils) era conjunctamente juiz; e como observa Summer Maine, eram tambem em verso as leis de Moelmud. As formas metrificadas dos anexins populares, certas frmulas tautologicas e aliteradas praxes juridicas so ainda vestgios d'esta phase emocional. As formas fundamentaes da Poesia, o Lyrismo, Epopa e o Drama ainda apparecem vivificadas pelos actos quotidianos do povo; so como que uma maneira da sua expresso, uma natural relao da vida domestica com a vida publica. O casamento, acompanhado de cerimonias
Memoria, v. 4I
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immensamete dramticas, como o rapto, a coemptio, a cohabitao simulada, restos de outros estados sociaes, era o thema de certos cantos lyricos, que j no tempo da occupao visigotica eram to persistentes no povo, que a Egreja os condemnava como pagos no concilio ilerdense do vI seculo. Santo Isidoro hispalense no livro das Etyinologias aponta os cantos epithalamicos cantados pelos escholares em louvor dos noivos, que foram regularisados pela legislao neo-gothica. D'estes 'mesmos cantos die Vodas e TornaVodas explorados pelos escholares vagabundos falia por experiencia o Arcipreste de Hita; e em uma disposio do Tombo do Aro de Lamego, de 1346, que vem citado no Elucidario de Viterbo, estabelecesse que no Tamo, ou festa nupcial, se no podia tanger adufe no mez de fevereiro, e que a melhor fogaa pertencia ao mordomo. A disposio prohibitiva referia-se aos ritos dos cultos chthonianos, que se praticavam j inconscientemente. As Rcgueifas da Galliza so ainda esses cantos de vodas, communs tambem a Portugal. As cerimonias funeraes eram acompanhadas de cantos ou endechas dos mortos, a que os romanos referindo-se Pennsula hispanica chamaram Nenias, equiparando-as s suas Laudes; esses cantos eram acompanhados de dansas lugubres com um caracter local, e Tito Livio (Liv. X X V I I . 17.) cbamava-lhe tripudus hispanonorum. Silio Itlico reconhece este caracter primitivo da Endecha nacional, chamando-lhe barbara carmina; no funeral dos Scipies a cerimonia constava tambm dos funebres ludi. Diodoro Siculo (v, 34)
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allude aos hymnos guerreiros dos Lusitanos, antes de entrarem em batalha, analogos ao barritum dos Germanos; e depois da batalha, no funeral dos guerreiros cantavam-se as narrativas dos seus feitos, como conta Appiano do funeral de Viriatho. Strabo refere que os Cantabros repetiam, os seus hymnos de guerra, quando estavam pregados em cruzes pelos vencedores, onde morriam vociferando insultos. Esse g-enero de cantos funebres era commum a todo occidente da Europa, e ainda hoje denotam o substratum ethnico da raa ligurica: conhecem-se em Npoles com o nome de Lamenti e Triboli, na Sardenha com o nome.de Attitidos, na Co"rsega com o de Voceros no Bearn com o de Aurust, na Vascongadas com no de Arirrajo, e entre os Tupis da America com o de Areytos. A sua revivescencia na pennsula attrihuida por D. Joaquin Costa (Poes. pop-, p. 280) poca visigotica; em Portugal foram estes cantos funebres conhecidos pelo titulo de Clamores, e um alvar de D. Joo I prohibia o bradar sobre finados. Na litteratura conservamse documentos d'este genero na sua phase tradicional, taes so as Seguidilhas cantadas por dansantes sobre a sepultura do Condestavel D. Nuno Alvares Pereira, e o Romance tambm cantado sobre a morte do prncipe D. Affonso; a forma litteraria chamava-se Lamentao, que se encontra no Cancioneiro de Resende, commum aos poetas cultos hespanhoes e italianos. O concilio III de Toledo sob o nome de funebre Carmen prohibia estes cantos ou oraes e ensalmos propiciatorios, de que o povo portuguez conserva
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um typo j satrico, nas Maravilhas do meu velho. As crenas religiosas e suas formas cutuaes foram themas essenciaes ou organicos de manifestaes poeticas.' que ainda hoje sobrevivem; Strabo cita algumas dansas dos Celtiberos, pelo plenilunio acompanhadas de cantares (liv. II, 4, I6.) Este costume passou para as viglias dos Santos, prohibidas pelo Concilio toledano ( x v I , can. 23.), mas conservadas na Bretanha, e em Portugal, nas romarias a sanctuarios distantes. As Salvas, as Chacotas, as Alvoradas e Serenadas so vestgios de uma herana de tradies, que explicando o processo de elaborao das Litteraturas, nos restabelece pelos dados comparativos se fundo commum, ou substratum ethnico da ivilisao occidental. As formas lyricas das Serranilhas, Muinheiras, e Baylias galecio-portuguezas, as Bailatas, e Ballets francezes, derivam de um typo tradicional commum s diversas populaes romanicas como observaram Paul Mayer, Costantino Nigra, Gaston Paris, Jeanroy; a determinao d'esse typo tem conduzido a hypotheses provisorias, como a origem celtica apontada por Nigra, ou a origem franka proposta por Gaston Paris e Jeanroy. Mas no trama anthropologico da Europa, a raa dos Ligures, trigueiros e brachycephalos, precedeu em occupao e em civilisao todas essas outras, que fram destructivas. Alm do impulso da raa, os costumes sociaes que impem as frmas artsticas, segundo os sentimentos e concepes dominantes. Um povo que teve a comprehenso do Anno solar, e que usou essa diviso
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chronologica na sua vida social, relacionou os actos civis-com estes dois periodos fundamentaes : do comeo do anno, ou Solsticio estival, e do fim. determinado pelo Solsticio hibernal. Da alegria da natureza que se rejuvenesce na vegetao, resultaram as festas ao r livre, da Entrada da Primavera, a representao das Maias, as dansas em roda da arvore reflorida, entre moos e raparigas, as cantigas chamadas pelos francezes Maierolles, e tambem uma variedade enorme de Cantos lyricos simultaneos com a dansa e o canto, que em toda a tradio popular europa conservam o mesmo typo morphologico. E' immensamente interessante seguir estas formas populares nos seus reflexos litterarios nas Canes jogralescas e trobadorescas, que abundam nos Cancioneiros portuguezes da Ajuda, Vaticana e Coloci-Brancuti; e inversamente, reconhecer nos cantos populares oraes da Galliza ou Traz-os-Montes, a vitalidade d'essas formas medievaes. Das festas do Solsticio hibernal, ou a Entrada da Inverno, resultaram formas dos cultos orgiasticos primitivos da morte do Joven heroe, cado prematuramente e chorado pela natureza inteira, que vem desde o*s mythos syro-phenicios e helleno-italicos at ao christianismo. As nacionalidades semitas, phenicias e carthaginezas, communicaram-nos cultos orgiasticos de que subsistem restos importantes nas supersties e praticas cultuaes das Deusas-Mes. Com estas explicaes confundem-se mais ou menos as exploraes e estabelecimentos dos Jonios, na pennsula, espalhando-se para o extremo occidente uma civili-
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saco hellenica pela aco da confederao mediterranea cujo centro era Marselha. D'aqui a illuso dos geographos gregos considerarem a civilisao ligurica, que encontravam, como sendo grega. N'esta poca estavam em elaborao as Rhapsodias da Achilleida, a Pequena Iliada, a Destruio de Troya, a Dolonia, as Peregrinaes de Ulysses, a Tclemachia, o Regresso de Ulysses, que os ados hellenos levavam por todo o domnio dos Jonios, Rhapsodias que vieram a constituir os Poemas homericos. E' por isso que Strabo, referindo-se vulgarisao das tradies troyanas e dos Errores de Ulysses, diz: No s na Itlia se conservam passagens d'essas historias, se no tambm na Iberia existem vestgios de taes expedies, assim como da guerra de Troya. (Liv. III, c. 2, 13.) Strabo, notando o facto, deixava inconscientemente consignada uma outra, que os Turdetanos, que o mesmo que Lusitanos, possuam poemas com mais de seis mil versos, em que continham rythmicamente as suas Leis. No careciam de apoderar-se das tradies gregas: os modernos estudos das lendas odyssaicas, por Cailleux, desde 1878 chegaram concluso, que as navegaes mediterrneas do poema odyssaico no condizem com as referencias geographicas, nem com as distancias apontadas nem com os aspectos da natureza. Trata deste importante problema na obra: Poesias de Homero feitas na Iberia e descrevendo no o Mediterraneo mas o Atlantico, sustentando a these: Os dois Poemas de Homero so inteiramente extranhos ao Mediterraneo: a Iliada relata uma
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antiga guerra feita na Bretanha pelos povos do continente; a Odyssa uma descripo do paiz e da religio dos antigos Celtas. N'esta these importa reparar na illuso celtica, a que ainda obedece Cailleux, porque fram os Ligures o povo navegador que iniciou as exploraes do Oceano Atlantico. Cailleux, em outro livro Paizes atlanticos descriptos por Homero, conclue tambem, que esses paizes so a Bretanha, a Gallia, a Iberia, e todos os Archipelagos do Atlantico (Ares, Madeira e Cabo V e r d e ) ; a religio que referem os seus poemas perpetuou-se nas nossas regies e encontra-se nas nossas crenas. Todos estes paizes indicados so aquelles em que os Ligures precederam os Celtas, que nada fundaram, sendo assimilados pelos povos preexistentes. E como para reforar a verdade da these de Cailleux, o insigne archeologo portuguez Martins Sarmento publicou em 1887 a obra Os Argonautas, na qual recompondo a lenda original primitiva pelos vestgios dos poemas orphicos e do de Apollonio Rhodio com a epopa homerica, reconstitue o periplo de uma navegao atlantica, cuja tradio foi plagiada pelos gregos para uma situao mediterranea sem a realidade correspondente. Sarmento no conhecia a obra de Cailleux. e chegando aos mesmos resultados, attribue esse periplo primitivo aos Phenicios, que so muito posteriores aos Ligures. Estavam ambos os crticos a uma linha da verdade, mas interceptada pela miragem celtica e pela phenicia. que no tem menos complicado a historia antiga. V-se que a affirmativa de Strabo fundava-se n'uma realida-
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de, que elle invertia; os historiadores da Renascena obedeceram miragem hellenica, quando attribuiram a fundao dos estados modernos da Europa aos Chefes gregos, depois que se dispersaram do cerco de Troya; assim Ulysses fundava Lisboa: a Frana, como refere Warnefried, e a Escossia como afirmava Eduardo III , provinham dos heroes troyanos, fices que foram depois propagadas pelo celebre falsificador Anio de Viterbo, dominicano, e que reproduziu com ingenuidade o chronista Er. Bernardo de Brito. Nos Cantos populares existem os vestgios ou rudimentos epicos dessas lendas odyssaicas; segundo Ampre, o romance da Bella Infanta ou a volta do Cruzado tem essa origem do regresso de um heroe ao seu lar, e para comprovar a sua antiguidade basta indicar a sua extensa vulgarisao, que o colloca em um fundo ethnico commum ao occidente da Europa; trazem verses castelhanas, D. Agustin Duran; catals, Mil y fontanals, e Pelay Briz; asturianas, Amador de los Rios e Menendez Pidal; f rancezas, Tarb, De Puymaigre, e Beaurepaire; brets, Luzel; italianas, Erraro, Wister e Wolf, Bernoni e na Grecia moderna Marcellus. A situao primordial, a vida errante nos mares, e a scena tremenda da anthropophagia, que se descreve na No Catherineta, accentua mais o caracter d'esse cyclo odyssaico; e este romance popular portuguez tambem commum aos povos occidentaes, como se pde verificar pelas verses populares da Catalunha, publicadas por Fontanals, da Provena por D. Arbaud, da Bretanha por De Puymaigre, de Bordeus por Rathery, da
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Frana por Smith, e das Astrias por Menendez Pidal. Quando regressa repentinamente o here teve a fortuna de se appresentar a tempo para sal var do casamento a que obedecia a sua namorada; tal o thema da Noiva arraiaria, publicada por Garrett, que se encontra na verso catal com o titulo La boda interrompida; na asturiana com o de La Hsposa de D. Garcia, na franceza Le retour du Mari, e na Grecia moderna, o Rapto. Perguntam os crticos qual o paiz d'onde dif fluram estas tradies? Julgando assim explicar a sua similaridade assombrosa, uns diziam da Provena; outros do norte da Frana; outros da alta Italia, ou da Siclia. No do territorio, mas da raa que ahi estacionou que derivam as tradies, e portanto a resposta decisiva s se attinge quando bem se define o substratum ethnico commum a essas regies e povos actuaes. Vejamos como na Pennsula as duas raas persistiram em contacto com os povos historicos. As luctas dos Romanos contra os Carthaginezes no solo hispanico, e a longa resistncia das tribus Celtibericas e principalmente dos Lusitanos contra a incorporao romana, influram na persistencia dos Cantos heroicos, que se foram adaptando como acontece com as homoplasias s novas situaes e acontecimentos. A vida historica na Pennsula hispanica comea com o domnio romano conformando o seu municipalismo com os costumes das cidades livres e introduzindo uma administrao centralista, que err nada influa nas tradies, mais avivadas entre c povo pelo systema do colonato, das tribus que antes das -'invases germanicas se entregavam ao: Romanos,
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Depois da invaso, na pennsula, os Visigodos, pretendidos continuadores do Imperio romanisaram-se, prevalecendo a banda guerreira sobre os h omens-livres, estes decahindo das suas garantias quasi a uma servido dos liti ou lazzi, e quelles constituindo uma aristocracia militar, imitando os costumes romanos e traduzindo-lhes os Codigos. Esta duplicidade aggrava-se no percurso historico, e da sua dissidencia resulta a constituio da moderna sociedade hispanica. A sociedade aristocraica convertida ao Catholicismo romano sob Rekaredo, soffreu uma profunda desnaturao pela decadencia da lngua gotica e desprezo das suas tradies nacionaes, como observou Jacob Grimm. A classe popular, cada vez mais comprimida, s pde evolucionar socialmente no principio do seculo v i u , quando a invaso dos Arabes pela tolerancia politica e religiosa lhe perrnittin a sua livre actividade e expresso das suas crenas. lv preciso distinguir esta dupla influencia, a aristocrtica ecclesiastica, ou erudita, a qual pela circumstancia da resistencia contra os Arabes se chama Asturo-Leoneza, e a popular, desde o seculo xi conhecida pelo nome de Mosarabe.
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Os Visigodos mantendo a unidade imperial romana acceitaram a unidade religiosa do catholicismo, que exerceu uma aco absorvente, dominando nas Cortes, impondo-se politicamente nos Conclios, dissolvendo a sociedade politica pela jurisprudencia canonica, pela immobilisao da propriedade territorial, praticando o obscurantismo systematico do povo, alimentando pela intolerancia religiosa sanguinarios conflictos dynasticos,
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animando na reconquista contra os Arabes a devastao como meio de ataque, e por fim estabelecendo a Inquisio com os Autos da F, a subserviencia a todas as auctoridades temporaes e a negao do espirito scientifico. No longo perodo' que vae do seculo v i u ao seculo X I I , a sociedade popular visigotica, integrada por todos os elementos do colonato e das raas hispanicas nunca destrudas, foi convertendo os seus Costumes em Leis, que vieram a constituir as Cartas Pueblas e os Foraes, como lucidamente explica Muoz y Romero, que estudou esses documentos; symbolos jurdicos, cantos lyricos e picos, supersties que apparentemente nos apparecem como germanicas, so-no como coexistindo com as revivescencias provocadas pelas incorporaes ethnicas ante as novas formas sociaes. O canto popular e a lingua, segundo Gregorovius, conservam esse caracter a que os latinos chamavam i ndoles; pelos cantos populares, simultneos com a creao das lnguas vulgares da Hespanha, que se determina a ndole, que atravz das transformaes politicas e histricas nos revela essa unidade Galecio-Asturo-Portugueza e E xtremenho-Betico-Algarvia, que constituram a primitiva Lusitania. E' no perodo de formao da sociedade mosarabe que devem comear as investigaes dos elementos tradicionaes que vieram a prestar materiaes para a elaborao litteraria. A tradio popuJar_no propriamente Litteratuxa; mas a idealisao_iadiyidual que se no apoia no sentimento collectivo, fica uma aberrao mental, incommunicavel, sem sentido, e de mro
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artificio academico. A intima relao entre a tradio nacional e a interpretao artstica, o que sem abstraces metaphysicas, constitue o Bello. O phenomeno da tradio adquire uma importncia extraordinaria observando as analogias dos costumes, crenas, supersties, actos cultuaes, cantos poeticos, recitaes heroicas, jogos dramatisados, que subsistem entre os povos que formaram a grande Civilisao Occidental, e que se continua nas nacionalidades modernas. As_frmas lyricas da Provena, as Gestas frankas de Frana, os themas novellescos da Bretanha, os typos populares do theatro medieval derivam de_bases tradicionaes, elaborada artisticamente desde q u e o s novos dialectos se tornaram Xinguas litterarias E da maior ou menor approximao do elemento tradicional se deduzem as caractersticas que destacam as differentes pocas de qualquer Litteratura. 3.0 A Lingua. As manifestaes mais completas da linguagem, na sua forma, escripta, constituem a Litteratura, tornando-se assim um orgo de desenvolvimento social, um estimulo e apoio da independencia nacional. Se a lingua no recebe a fixao pela escripta, ha a incerteza dos sons, e das formas da derivao, nunca se estabelece a disciplina grammatical, e a synonimia torna-se uma excrecencia embaraosa, confundindo-se em um rude polysynthetismo, consequencia do estacionamento de um povo. P o r esta relao da linguagem oral para a escripta, observa E g g e r : A Litteratura no se deve separar da Philologiu e da
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Historia, ou melhor, a historia das lnguas,, das instituies e dos costumes, forma a verdadeira base sobre que assenta o juizo acerca das obras do espirito. l Seguiremos este critrio no seu duplo aspecto. A lingua potuqueza pertence ao grupo das lnguas chamadas por Schleicher romanisadas, por Diez romanicas, ou geralmente novolatinas; estudada na sua filiao e relaes com esta grande creao da cultura meridional, comprehende-se o espirito da Litteratura, reflectindo o conflicto permanente entre a auctoridade do Latim classico, e o genio popular, que representa de um modo vulgar, espontaneo, a tradio e a feio nacional. Conforme essa corrente tradicional prevaleceu nos povos occidentaes, assim as Lnguas romanicas se foram desenvolvendo pela construco analytica, e dando ao sentimento nacional a originalidade de expresso, moderna e viva. No exame da lngua comea propriamente a comprei.enso das transformaes da litteratura, como por estas se discriminam as phases da decadencia ou epocas do progresso da linguagem.
A) FORMAO DAS L N G U A S ROMANICAS
A creao das Lnguas romanicas, em que se encontram elementos dos vocabularios latino, britonico, grego, germanico e arabe, levou os crticos sem a direco do methodo comparativo a
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consideral-as como um producto da mistup. dos povos romanisados e germanicos,"depois jias invases; ao que Diez, em 1827 na sua obra Da Poesia dos Trovadores, contrapoz a seguinte base fundamental: Protestamos contra a influencia creadora attribuida a essa confuso, considerando que nos paizes romanisados, como o testificam esses novos dialectos, a sua formao operou-se conforme a princpios analogos, que nos conduzem a um typo commum... (Ib., p. 277). Para definir este typo commum devanearam os philologos antigos da renascena sobre a filiao immediata das lnguas vulgares do Latim, explicando por este as suas grammaticas; a esta hypothese succedeu a de uma origem do Celta, fundados em comparaes de vocabulos dos dialectos chamados neo-celticos; seguiu-se a theoria do Raynouard, derivando-as de um dialeto commum popular chamado o Romance de que o Provenal era a frma litteraria. A theoria foi combatida por Schlegel; mas Frederico Diez, em 1827, acceitava como o typo commum: antigo romance, muito bem caractcnsado em si para ser producto do cabos, acrescentando que n'elle existiam vestgios de unia grammatica fortemente constituda'. (Ib., p. 278). Esse organismo proprio, que Diez observa n'esses caracteres communs, eram a dissoluo das flexes do Latim, lingua synthetica, e o desenvolvimento progressivo da syntaxe analytica. Tocava a essencia do problema; depois, estudando no seu conjuncto este grupo de Linguas pelo exame dos seus processos de derivao e morphologia, e pelas construces
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syntacticas, systematisou todos esses materiaes na Grammatica das Lnguas romanicas, publicada de 1836 a 1844. Ficou considerado como o fundador da plhilologia romanica, e domina no ensino official. Na successo das investigaes a sua doutrina tem soffrido graves objeces, deduzidas dos exclusivos pontos de vista. Escreve Diez: Seis lnguas romanicas attrem a nossa atteno, quer pela sua originalidade, quer pela sua importancia litteraria: duas a leste, a italiana e a valacha; duas ao sudoste, a hespanhola e a portuguesa; duas ao nordeste, a provenal e a francesa... Todas estas lnguas tem no Latim a sua primeira e natural origem). Partindo d'este ponto, affirmava Schleicher: o Latim deu o sr s lnguas filhas, chamadas Lnguas romanicas...)), : e apontava como processo mais scientifico Deduzir as lnguas occidentaes do Latim classico, sem intermedio da lngua chamada italica, vulgar ou rustica. (Ib., p. 195). Isto se pratica por meio de processos phoneticos explicando como os vocabulos do latim classico se modificaram nas lnguas romanicas; assim o processo formativo era por Schleicher explicado como o idioma latino acclimado aos diversos orgos phonetico-acusticos das diversas naes para entre as quaes foi transportado. (Ib , p. 210). Depois d'estas affirmaes exclusivas, ha ne-
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cessidade de recorrer lngua romana rustica, dos escriptores da Edade media, e Diez escreve: Porm, no do Latim classico, empregado pelos auctores, que essas lnguas derivam, mas sim da lngua popular dos Romanos, usada ao lado do Latim classico. E quando via n'esse antigo romance vestgios de uma grammatica fortemente constituda, d'onde por princpios analogos se elaboravam as lnguas novo-latinas, define essa lngua popular, usada nas classes inferiores com caracteres que consistiam em uma pronuncia descurada, na tendencia para libertar-se das regras grammatcaes...)) E querendo explicar o accordo de todos os dialectos romanicos no emprego das palavras, das formas e sentidos, diz que isso a mais segura prova da sua unidade originaria; esta unidade s a podemos suppr no idioma popular dos Romanos...)) Pelo seu lado Schleicher tambem reconhece, que: na regio phonetica das lnguas romanisadas. quando se trata de formar palavras, todas ellas seguem effectivamente um caminho differente do seguido pelo Latim. (Ib., p. 208.) E attribue a essa lngua rstica todas as palavras eommuns s lnguas romanisadas, que nunca pertenceram ao Latim clssico. (Ib., 2 I I ) . Tambem o grande glotologo Max Muller escrevia em volta d'esta mesma ideia: Ns sabemos, que o italiano, o francez, o hespanhol e o portuguez devem ter uma mesma origem, porque elles tm em commum formas grammaticaes que nenhum d'estes dialectos poderia ter creado com os seus proprios recursos, e que n'elles no tm
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mais significao, nem em certo modo vida. E querendo indicar essa fonte commum, avana: Ainda que seja possvel de uma maneira geral fazer remontar ao Latim estes seis idiomas romanicos, j fizemos observar que o Latim classico no nos poderia dar a explicao completa da sua origem. (Ib., p. 242). Para determinar fora do latim o phenomeno diz, que os dialectos romanicos so o latim de provncia fallado ou passado por boccas germanicas. (Ib., 243.) Todas estas vacillaes e affirmaes vagas dos grandes philologos, resultaram de comearem a applcao do methodo comparativo pela Phonologia, analysando as transformaes dos sons nos vocbulos classicos, e pela reaco contra a celtomania phantasista. E' por isso que escrevia Scbleicher: uma lngua flexionai, que abranja todas as modificaes phoneticas e synctaticas das Lnguas romanicas em geral... s existe na ima. ginao dos etymologistas. (Ib., p. 197.) Partindo do grande numero de vocabulos latinos nas lnguas romanicas, concluram que era o Latim a fonte das lnguas vulgares; e pelas palavras communs a ellas, que no vem no lexico classico, que um Latim popular se substitura ao urbano, que se deturpava na decadencia das suas flexes. Eis o problema, que constitue a illuso romanica. Considerado o problema sob o aspecto syntaxico, reconhece-se que o Latim uma lngua synthetica, em que pela importancia significativa das
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flexes, a ordem logica prevalece sobre a ordem grammatical, conseguindo pelas relaes casuaes e verbetes seguir uma construco indirecta, elliptica e de uma belleza litteraria; as Lnguas vulgares ou romanicas, so analyticas, mantendo a ordem grammatical antes da ordem logica, as relaes so expressas por preposies e pronomes, ficando o substantivo absolutamente independente de todas as relaes da phrase, e o adjectivo verbalisa-se facilmente pelos auxiliares. Posto isto, este processo analytico fundamental anterior decadencia do Latim, na deturpao das suas flexes casuaes e verbaes, e mesmo sem dependencia da lngua synthetica. Diez considerava esta transformao devida aos povos entre quem se implantou o Latim: mas, em rigor, nunca uma lngua synthetica se. transmuda em lingua analytica, como se hade verificar: A lingua germanica, levada pelos barbaros do norte para a Frana, Italia e Hispania, no passou de synthetica para analytica, e apenas actuou nas lnguas preexistentes pelo vocabulario em relao a elementos sociaes. Os Arabes invadiram e oceuparam a Pennsula hispanica, e a sua lingua synthetica no deu lagar creao de um dialecto arabe analytico. O mesmo se deu com o hebreu. E para mais comprovar esta impossibilidade temos o Grego moderno, que se chama hellenista, byzantino e romaico, o qual, provindo do grego classico, appresenta uma separao muito vaga do antigo, sem attingir o caracter analytico: a Declinao grega, ao contrario do que se v nas linguas romanisadas, conservou-se; a Conjugao,
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perdido o dual e o optativo, approxima-se do grego antigo, salvo certos tempos auxiliados, e conservou o verbo passivo. Nos processos de derivao nos neologismos volta-se s antigas formas das flexes; e na linguagem escripta a construco mais proxima do grego antigo, do que a frma culta romanica do Latim. Diante de um principio philologico to capital, como se-poder considerar o Latim como fonte das lnguas romanicas ? Por meio de um Latim popular, lngua romana rustica ? D-se a mesma antinomia, porque em nenhuma das lnguas syntheticas da Europa actual, ha uma divergencia popular creando e usando uma linguagem analytica. Nem mesmo o Latim classico, escripto, teve uma antiguidade to grande de cultura, que o separasse da lngua popular; escreve Witney, na Vida da Linguagem: O Latim, nos seus mais velhos monumentos, no data mais de tres seculos antes da nossa era, mostrando-se n'elles sob uma frma estranha e pouco intelligivel para aquelles que estudaram a lingua cultivada no ultimo seculo antes de Christo. (p. 152.) Tres seculos pouco para se destacar e prevalecer sobre os dialectos italicos como synthetica, e pouco os dois seculos da Egreja para dar logar a lnguas analyticas ou novo latinas. Esta incongruencia j tinha sido notada: Dominando Roma na Grecia conquistada mais tempo do que na Hespanha, porque no implantou ahi o La-
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tim? Fixando-se numerosas colonias romanas na Illyria, no se adopta o Latim entre esses povos slavos, ao passo que se d o contrario, alastrando-se nos Alpes suissos por via de uma occupao de Engadina que durou poucos seculos. O philologo italiano Gubernatis pergunta: No tendo os Romanos occupado certos valles alpinos distantes, apparece ahi o Latim substitudo aos dialectos locaes ? E tendo os Romanos occupado a Bretanha franceza e ingleza, ainda ahi se conservam os seus dialectos galico e kimrico. A theoria de Diez, exaggerada pelos seus discpulos confinados em processos phoneticos sobre o lexico tende a ser modificada. Eliminada a hypothese de Raynouard, a hypothese de Diez caduca por fundar-se exclusivamente no exame do Vocabulario desconhecendo as condies das pocas da historia. Como responder ento a este problema da origem das lnguas romanisadas? Escreve Edelestand du Mril: ((Os estudos que s considerarem a frma das palavras, no chegam a resultado algum; em logar de procurarem a origem das lnguas exclusivamente no seu vocabulario, preciso investigal-a pela historia, e na influencia que exerce cada
i Do processo phonetico escreve Brunot: ((a regularidade absoluta, que a eschola contempornea pretende introduzir nas alteraes phoneticas, parece-me chimerica e desmentida pelos factos conhecidos e certos. E' provavel que se abandone brevemente esta concepo mechanica dos factos, por uma intelligencia mais exacta e mais historica da realidade." (Histoire de Ia Cangue et de la Litterature franase, p. vi, nota.)
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nao sobre o desenvolvimento e civilisao das outras. Raynouard recorria lingua geral, o Romance (a Lingua Romanitatis, titulo empregado por Lambertus Ardensis; ap. Du Cange, t. v, col. 1488.); mas no provou a sua realidade e aco histrica. Du Mril oppe-lhe as seguintes consideraes, que abrangem perfeitamente a hypothese de Diez: Esta universalidade de um idioma, teria necessariamente uma causa, e no se pde ligar a um facto que a explique: nenhuma conquista a impoz pela fora das armas, nenhuma colonisao a transportou por toda a Europa; nenhuma preponderancia politica ou litteraria a tornou de um uso geral. Uma tal uniformidade no seria possvel seno, que uma lingua, alterada em cada paiz pela mistura de diversos idiomas, soffresse por toda a parte as mesmas mudanas: se corrupes produzidas por causas cada dia mais differentes, se elementos cada vez mais contrarios formassem com o tempo novot idiomas que conservassem sempre a sua unidade primeira. l Depois d'este enunciado, conclue Edelestand. du Mril: Enunciar as condies de uma tal hypothese, tornar supeflua a sua discusso. Com certeza a hypothese de Raynouard no sa tisfaz aos dados d'este problema; mas a verifi cao de um grande facto historico explica o que foi essa Lngua romanitatis: Existiu no Occidente da Europa urna famlia
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de Lnguas analyticas, a que correspondeu uma Civilisao ligurica ou pre-celtica, que actuou no desenvolvimento d'essa grammatica danido unidade aos differentes grupos dialectaes d'esse povo A civilisao ligurica apagou-se sob as invases barbaras dos Celtas, mas sob a conquista romana pde revivescer assimilando facilmente a cultura latina, apropriando-se do seu vocabulario. Quando por seu turno a cultura latina foi abafada pelas invases dos Germanos, a decadencia 'do latim no a tornou lngua analytica, mas sob este typo linguistico preexistente constituiram-se as lnguas nacionaes, differenciadas pelos seus elementos primitivos, dando-se a illuso ulterior de que essa unidade grammatologica lhes proviera da origem latina. Na obra posthuma de Darmesteter, Curso de Grammatica historica, sustenta o insigne philologo cerca do Latim popular uma unidade quasi completa nas Gallias, na Hespanha e na Africa: Essa unidade, consistia na mesma grammatica e na mesma syntaxe, sem duvida no mesmo lxico, que dominavam do Mar do Norte ao Atlntico, e das margens do Rheno ao Atlas. . Uma tal unidade no provinha dos diversos processos de dissoluo do Latim em to variados meios; mas de uma Lingua analytica, que antecedeu a extenso do latim pela aco historica dos que a fallaram. Ora, n'essa vastissifna regio manifestou-se a cultura dos Hyperboreos, (Scythas) Ligures e Lybios (africanos brancos). Quando a denominaram Romancium exprimindo a sua unidade linguistica, foi como protesto contra as lin-
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guas barbaras dos germanos ou Gothia; pois, como observa Mackel, at ao seculo v I todos os dialectos germnicos tinham uma physionomia uniforme. Na Sociedade para o estudo das Lnguas romanicas, em sesso de 17 de Abril de 1869, Mr. Boucherie, combatendo a opinio de ter sido substituda a lngua dos Gaulezes pela lngua latina, fundamenta: Antes de tudo, quasi que se no comprehende como um povo intelligentissimo (solertissima gens, Cesar, Bell. gall.) um povo compacto de sete milhes de homens pudesse renunciar to repentina e completamente sua lngua. Est verificado que o gaulez subsistia ainda no seculo I I I (Lampridio, Vida d'Alexandre Severo, Ulp.), no seculo iv (Sulpicio Severo), no comeo do seculo v (S. Jeronymo.) Se o gaulez cede o logar ao latim, isso s podia ser depois do seculo v; ora precisamente n'esta epoca que a Gallia passa dos Romanos para os Germanos. Como suppr que a Gallia escolheu este momento para renunciar de repente sua lngua e apropriar-se da lingua dos seus antigos dominadores? Como suppr tambem que os Gaulezes do Occidente poderam esquecer a sua lingua em alguns annos, quando os seus irmos do Oriente conservavam ainda a sua na poca em que ns falamos (Iv a v seculo, S. Jeronymo,) e isto na Asia Menor, a setecentas leguas da me patria e apoz um intervallo de setecentos annos? Mr. Boucherie faz notar, que onde quer que s.e encontra a lingua latina fra da Italia, mos-
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tra a historia uma emigrao gauleza anterior: em Portugal, na Hespanha, sobre as bordas do Danubio. O facto torna-se claro, desde que o nome de Gaulez se identifique com o possuidor da Civilisao bronzifera, que no seu apostolado espalhou o Zodaco e a linha extraordinaria dos Tumuli. Os dialectos de norte da Italia, principalmente o milanes, o veneziano e o genoves, reflectem os caracteres da Lingua d'Oc, sendo chamados pelos philologos italianos gallo-ifalicos. A differena da Lingua torna-se explicavel pela invaso e incorporao dos Celtas; essas qualidades da lingua occitanica, revelaram-se por um renascimento do genio meridional na poca trobadoresca. Essa dualidade encontra-se no s no Francez e Provenal, mas no Hespanhol e Portuguez, e nos dialectos da Italia do Norte com os do sul. As Lnguas romanisadas, ou vulgares tem uma Phonetica differente do Latim, qual submetterani os vocabulos latinos com que alargaram o seu lexico. No Latim o accento barytonico oppese intonao da ultima syllaba; d-se o rigor do accento por causa da flexo de consoantes, ou a quantidade prosodica. Nas lnguas romanicas ha o desconhecimento da quantidade, e a preponderancia exclusiva do accento, que pde ser agudo, grave ou exdrxulo, sendo esta colloca co na phrase a causa de uma nova frma efepoesia e versificao. As lnguas romnicas tendem para a contraco dos sons e abbreviao das palavras, e por isso as palavras latinas, tanto
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como as germnicas ou arabes, soffreram a mesma adaptao ao entrarem nos lexicos vulgares. E' lei geral das lnguas romanicas a persistencia da vogal accentuada, atravs de todas as obliteraes flexionaes syntheticas, e modificaes consonantaes; exemplo: quadragesima, no portuguez quaresma, no francez carme; rotundus, no francez rond; canalicula, no portuguez quelha. Outra lei de adaptao phonetica: a suppresso da vogal breve, mostra-nos como as syllabas latinas sem accentuao desappareciam, convertendo os .pronomes em artigos, fazendo dos adverbios um circumloquio com o sufflixo mente, e dos superlativos uma redundancia. No era um processo de decadencia, mas de vigor organico. Se a suppresso da vogal breve actuou na ruina da flexo latina por que os povos modernos no careciam d'esse meio de expresso synthetica, quando empregavam o vocabulo na sua construco analytica. Uma terceira lei, egualmente natural e resultante do caracter das lnguas romanicas, essencialmente contrahidas: a queda da consoante medial. N'uma palavra se exemplifica: o adverbio Metipsissimus, que no italiano d medesimo, no portuguez antigo medes, e meesmo, mesmo, e no francez mme. Quando estas lnguas comearam a ser escriptas, os eruditos recorreram ao vocabulario latino, e esses neologismos, no tendo recebido as modificaes populares, appresentam frmas duplas, e derivaes de tbemas latinos que nunca existiram na linguagem do povo. Estas leis phoneticas communs a povos affas-
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tados e sem accordo, e em antinomia com a phonetica do Latim, por certo que provieram de uma Lingua flexionai analytica, de uma extenso territorial mais vasta do que o Latim. Basta vr o domnio geographico em que as lnguas romanisadas subsistem, para avanar pelos resultados da anthropologia para a soluo do problema. Terminando o exame na morphologia, o caso da flexo nominal latina que apparece nas lnguas romanicas, o obliquo, um duplo sem designar relao : na conjugao o participio torna-se adjectivo, e a forma passiva desapparece como inexpressiva diante do auxiliar sr. Em quanto Semeiologia, no Latim as palavras conservam uma significao inalteravel, d'ahi a importancia da lingua na Jurisprudencia e na Egreja, durante a Edade media; nas lnguas vulgares a palavra toma sentidos figurados, e muitas tornam-se pejorativas. Diez tinha visto claro, quando disse, que as novas lnguas no podiam provir da confuso, porque revelavam uma fonte que possua uma grammatica fortemente constituda, A hypothese celtica foi appresentada antes de se conhecer bem a raa dos Celtas, que os romanos confundiram com os Gaulezes. D'esta confuso, em que os anthropologistas s tarde fizeram luz, resultou a deploravel illuso celtica, que hoje impe com os fros de methodo philologico comparativo, e que ainda perturba o problema das origens nacionaes. A raa brachycephala, de estatura mediana, trigueira e de olhos castanhos, precedeu na Europa, e excedeu em civihsao essa outra raa dolichocephala corpulen-
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ta, loira, e errante. Broca foi um dos primeiro que conseguiu fazer esta separao do typo antbropologico. Pela gradao dos indices cephali cos chegou-se a determinar a marcha de uma populao brachycephala, partindo de leste para c centro da Gallia, Ilhas britanicas, Italia e Hespanha, soffrendo invases dos dolichocephalo.loiros. E' esta raa brachycephala que hoje se reconhece pelo nome de Ligure, pelos trabalhos de Belloguet, de Celesia, de Martins Sarmento, e geralmente denominada pre-celtica. Aonde estacionaram essas povoaes liguricas ahi se formaram as lnguas chamadas romanicas, ou persistem as lnguas erradamente chamadas neo-celticas. Diz Zaboronwski: Estas linguas (se. celticas) parece com effeito terem sido falladas em uma regio para alm da Gallia Belgica, aonde o typo dos Celtas (dos anthropologistas) nunca existiu. I A raa brachycephala, como observa Hovelacque, existe a leste dos Alpes e mesmo na Romania actual; os Ligures acham-se na Provena, ao sul do Garona; as populaes centraes desde o alto Danubio at Armorica, passando pela Saboya e Auvergne, pertencem tambem raa brachycephala, de estatura mediana e de olhos castanhos; e na populao actual da Inglaterra, como observa Deniker, o typo dolichocephalo pertence s regies oceupadas pelos conquistadores germanos e scandinavos, destacando-se os brachycephalos de estatura pequena e
Dictionaire d'Anthropologie.
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olhos castanhos em uma percentagem importante, E entre estes povos que no so Celtas (anthropologicamente dolichocephalos, corpulentos e loiros) que se conservam as linguas a que se d o nome de neo-celticas, as quaes se dividem em dois grupos: o hibernico ou gaelico, e o breto ou kymrico. comprehendendo o primeiro o irlandes, com inscripes do seculo v, o rse, ou gaelico da Escossia, e o Manx; o segundo grupo, contem o gaiullois e comico e o breto ou armoricano. Pelo estudo systeniatico feito por Edwards sobre este grupo de linguas, chegou-se ao conhecimento que ellas eram analyticas; e por isso pde-se inferir, que essa vasta populao ligurica, entre a qual se encontram as Linguas romanicas analyticasj no abandonou ou esqueceu as suas linguas, romanisou-as apropriando-se do vocabulario latino para a expresso da sua cultura, que fora perturbada pelas invases dos Celtas. Hovelacque nota nas linguas chamadas neo-celtas phenomenos caractersticos das romanicas: uma grande tenden cia para a concentrao; no consonantismo muita affinidade com as linguas italicas; o vocalismo, no irlandez (seculo v a vIII) muito analogo ao do Latim; a Declinao no irlandez e breto, as desinencias casuaes obliteradas e o artigo perdendo a diversidade; a Conjugao gaelica e bret com o mesmo systema dos auxiliares. A chamada lingua rustica ou sermo vulgaris, em que se desenvolvem as linguas romanicas analyticas, era a lingua analytica, de que subsistem ainda, no tendo soffrido a romanisao, os dois grupos impropriamente chamados neo-celticos. Roma teve
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de transigir com _ a vitalidade d'essas lnguas, como se v pela lei de Alexandre Severo de 230, permittindo fazer fideicomissos em lnguas vulgares. Vejamos como foram romanisadas; a politica romana acceitava para o servio das armas mercenrios recrutados em todas as provncias do Imprio, especialmente tribus germnicas, clticas e liguricas; nas expedies e guarnies militares longnquas tinha de transigir com o emprego.de uma gria commum, mais facil pelas suas formas analyticas. Depois de reconhecer os perigos do mercenarismo, Roma recorreu ao expediente do colonato, concedendo terras a varias tribus, coadjuvando a sua organisao municipal, e dependncia administrativa, com regulamentos de direito escripto. E' pelas relaes jurdicas e pelas frmulas do processo judicirio que o Latim se impe s novas populaes, s provncias itlicas, galezas, brets e hispnicas, espalhando o seu vocabulrio, facil de adoptar quando as palavras provinham de uma origem commum rica. As classes elevadas, que as havia, reconheciam a superioridade da cultura romana, e admiravam o seu prestigio militar e administrativo, e por moda affectavam abandonar as lnguas e mesmo os costumes das raas a que pertenciam, para escreverem como os poetas e prosadores de Roma, e faltarem como os seus rhetoricos. Pela unidade legislativa, expressa em latim, os dialectos hispnicos unificavam-se no mesmo vocabulrio. Essa cultura tornou-se de facil assimilao; Sertrio fundou um centro de estudos em Osca, e Roma
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teve como continuadores da sua Litteratura os cordovezes Sextilio Henna, Lucano, Porcio Latro, os dois Senecas, Annio Mela, os gaditanos Cornelio Balbo e Columella, Marcial natural de Catatayud, e o rhetorico Quintiliano de Calahorra. Authenticam esta assimilao os escriptores hispanicos Claudio Apollinario, Felix, Marco Licnio, Pomponio Mela, Lucio de Tuy, Allio Januario, Cordio Sinforo, Silio Italico, Floro, Hygino, e os imperadores Trajano e Adriano. A propagao do Catholicismo, pela traduco da Vulgata, homilias e liturgia ecclesiastica, facilitou um largo emprego do Latim; ainda no ultimo sculo do Imperio empregavam o latim na litteratura ecclesiastica os bispos Osio de Cordova; Porciano e Olympio, de Barcelona; Gregorio Betico de Granada; Potamo de Lisboa e o papa Sam Damaso; Dextro, Juvenco, Idacio, Paulo Orosio, Prudencio, Elpidio e outros muitos. E' natural que tentassem reproduzir a urbanidade latina, como os Chrysostomos e os Basilios tentavam, na sua apologetica, restaurar o atticismo do grego que decahia em dialecto commum. Depois da queda do Imperio a tradio romana fica representada pela Egreja, que impe a lingua latina para os seus diplomas e canones, separando-se do povo, fechando-se em uma hierarchia aristocratica e n u m a isolada erudio claustral. Comea a separao entre o povo, que elabora as suas tradies, e as classes aristocraticas, que se romanisam e se submettem erudio latino-ecclesiastica. Essa separao, que se observa na litteratura em Santo Isidoro, Paulo Orosio, Idacio,
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Viciara, Santo Ildefonso, Isidoro de Beja, Maximo, em Draconcio, poeta, Florentino, Eugenio, Commancio, e Valerio, torna-se mais flagrante na condemnao dos Conclios de Toledo contra as tradies populares, que se transmittiram oralmente at formarem os poemas do Cid e os Romanceiros. " A invao germanica_na Hespanha fez-se por aquelles povos que mais se tinham apropriado da cultura romana,osVisigotos. Ao tentarem substituir a unidade imperial,acceitaram e os costumes romanos: com relao lingua latina, que os Visigodos adoptaram por_casa da sua converso ao Catholicismo, bandonando o Arianismo, a religio e a politica estavam de accordo para a sua manuteno official. Diez attribue a decadencia da lingua gotica a esse facto da converso de Rekaredo ao Catholicismo em 587, uniformisando os direitos entre os hispano-romanos e os visigodos; n'esta fuso social entram elementos germanicos nos dialectos vulgares, mas no soffrem nenhuma perturbao essencial no seu organismo; o grupo romanico escapou quasi completamente influencia da grammatica allem. Diez assim o manifesta, observando: que ha na formao das suas palavras algumas derivaes e composies germanicas na syntaxe vestgios de allemo, porm estas particularidades perdemse na totalidade da lingua. O facto capital, que a lingua gotica, que excedera em desenvolvimento o franciko e o lombardo, na grande classe popular, que se formava, no se transformou de lingua synthetica, que era, em lingua analytica;
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e pela romanisao crescente dos dialectos vulgares em nada perturbou o seu organismo definido. Apenas lhes enriqueceu o lexico com os recursos de instituies sociaes e de objectos technologicos. A invaso dos dos arabes,__outra grande experiencia glottologica; por que a sua lingua synthetica tambem na sua propagao na pennsula nunca produziu uni dialecto popular analytico. Os latinistas ecclesiasticos, Isidoro de Beja, Sebastio de Salamanca, Sampiro, o Silense, Lucas de Tuy e Alvaro de Cordova descreveram com cores pessimistas o domnio dos Arabes como uma tremenda calamidade. Os factos historicos de tolerancia e liberdade contradictam essas narrativas; mediante uma capitao, o djizyeh, o hispano-godo tinha garantido a sua propriedade, a . famlia, a crena, e industria. Facil foi a harmonia moral entre a populao existente e o invasor, que se apropriara da civilisao hellenica, abrindo novos focos de revivescencia do genio grego em Damasco e Bagdad. Os hispano-godos imitaram o viver dos arabes, conservando as suas crenas christs, e formaram a populao dos Mosarabes; as classes trabalhadoras, para se aproveitarem da attenuao dos impostos concedida aos que abraassem o islamismo, formaram os 'mulladis ou os clientes. Foi com estes elementos que se constituiu o povo moderno da Hespanha, desde o seculo vIII at ao seculo xI,I em que se definem os organismos nacionaes dos Estados peninsulares. A extenso do domnio da lngua arabe no Occidente tem sido investigada
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na Italia por Narducci, na Frana por Mareei Devic, em Hespanha por Simonet, em Portugal por Fr. Joo de Sousa, Engelmann e Dozy; vse que o vocabulario romanico enriqueceu-se com termos technicos, umas vezes subsistindo o latim a par do arabe, como sator, sastre e alfaiate; outras vindo do arabe, esquecida a forma anterior latina, como anfio, de aphium, que vem de opiurn. Muitas palavras rabes so admittidas em sentido pejorativo, taes como Cachich (o sacerdote christo) que se tornou uma interjeio de repugnancia: Cochicha! As palavras Azambrado, Madrao, Leria, Chia e outras muitas arabes decahiram na giria popular, pela animadverso catholica. Na larga lueta da reconquista christ, as povoaes sedentarias ficaram indifferentes sorte das batalhas; a penetrao da cultura do arabe levava ao emprego das letras rabes na escripta, ou a aljainia, fallava-se um dialecto chamado aravia, mas as lnguas romnicas nada tomaram da syntaxe arabe, avanando, por causa da transformao social, para o momento de se tornarem as lnguas escnptas, que deram expresso a novas litteraturas. O triumpho da reconquista christ pretendeu restaurar integralmente as atrazadas instituies senhoriaes visigoticas; mas foi impotente diante de grande classe popular, a dos Mosarabes, que tinham creado os Concelhos, as Behetrias e redigiam em vulgar as suas Cartas pueblas e Foraes; a aristocracia tambm punha em vulgar no Fueraes jusgo privilgios antigos mas irrealisaveis. E' n'este antagonismo que se desenvolve a sociedade
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moderna da Hespanha, em que a realeza exerceu uma funco coordenadora; as lnguas romanicas na pennsula, orgos de novas nacionalidades, por este phenomeno politico, attingiram o mais intenso desenvolvimento.
B) FILIAO DA LINGUA PORTUGUEZA E SUAS_ EPOCAS HISTORICAS
O pensamento da unidade imperial romana realisado entre os Frankos porCarlos Magno, que fixa uma epoca de estabilidade para a Europa, inicio da civilisao moderna; collocado no centro do Occidente, na Gallia, elle susteve as invases das tribus barbaras do norte, romanisando a Allemanha e pondo um dique invaso dos Arabes no sul. Na creao de novas formas sociaes organisaram-se Nacionalidades, e o Occidente, por uma crena comnium, chega aco commum das Cruzadas, cria uma mesma Arte, uma mesma Poesia, e funda a liberdade civil com as mesmas revoltas communaes. Todos estes factos tornaram escriptas as Einguas romanicas empregadas em dar expresso a esta grande synthese affectiva. A' evoluo social e historica, que simultaneamente com a reconquista neo-gotica ia desmembrando o territorio e povoaes tomadas aos Arabes em pequenas nacionalidades independentes, corresponde a seguinte diviso dialectal: o Portugues, o Catalo e o Castelhano. So trez nacionalidades, as que mais profundamente se constituram, achando-se ainda no seculo xvII Portugal e a Catalunha em lucta con-
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tra a unificao iberica castelhana. Diez considera a lngua portugueza com caracteres proprios; no Poema de Alexandre e no Poema do Cid encontro os typos formativos do castelhano.; nos versos de Berceo, em que se conhece a influencia dos trovadores, destacam-se j as feies peculiares do catalo. Os outros dialectos, como o gallego, o valenciano, o malhorquino e o andaluz estacionam por falta de estimulo nacional. Entre o Portugues e o Castelhano continua-se a differena do Lusitano e do Ibero; escreve Schleicher: cada um d'estes povos tem uma averso profunda por certas combinaes de vogaes e consoantes... Esta diversidade phonetico-acustica baseada sobre uma diversidade physiologica. (Ib., p. 221.) Q u e m , por exemplo, ousar explicar porque que o portuguez no gosta dos diphthongos hespanhoes ie e u., e em geral dos diphthongos tendo o accento sobre a segunda parte? O portuguez conserva fielmente o u e e breves, taes como os tomou do latim. Desconhece o som guttural rigorosamente aspirado dos Hespanhes ; substitutue-o por um som sibilante desconhecido a estes. (Ib., 22I.) Ha porm formas communs ao Portuguez antigo e ao Castelhano, que no so explicaveis pelo latim, como os participios em udo; e na lingua portugueza a flexo cie infinitivo conjugavel com relaes pessoaes, que lhe peculiar. A differenciao do Portuguez, resultou de ter a Galliza perdido as condies de vida nacional, e de ter o pequeno Condado Portuculense attingido a autonomia politica no seculo XII.
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a) Separao do Portugues do Gallego. Desde Fernando Magno a Galliza estendia-se at ao Mondego; ainda em I065 pertenciam-lhe as conquistas ao norte do Mondego e do Alva; em I093 as suas fronteiras estendiam-se at foz do Tejo, depois da tomada de Santarem e de Lisboa aos sarracenos. Affonso vI, de Leo. querendo fortalecer a administrao d'este vasto domnio tia Galliza, encarregou do seu governo a Raymundo, seu genro, que viera com os cavalleiros frankos ajudar o monarcha Ieonez em 1083 na batalha de Zalaka. Por estes factos se deprehende, como se generalisou a lingua faliada em todo este territrio, dando uma certa unidade aos dialectos locaes. Nas invases germanicas do seculo v, a Galliza fora occupada pelos Suevos, Alanos e Silingos, incorporados estes ultimos aos primeiros quando Walia os forou a abandonarem a Betica e a Lusitania; mais tarde os Suevos estenderam o seu domnio sobre a Betica e a Lusitania at serem submettidos por Leovigildo unidade visigtica. Um mesmo influxo germanico na differenciao de um dialecto vulgar; observam Helfrich e Declermont: Comparando a vocalisao do dialecto suabio actual do portuguez, julga-se ter achado a soluo do problema. Foram os Suevos, que primeiro que todas as outras tribus germanicas, se estabeleceram na Galliza, e admittindo que a lingua allem recebesse na bocca dos Suevos, desde a sua primeira appario historica, uma vocalisao distincta da do gotico, no custar a attribuir a intonao nasal, particular ao dialecto suabio, e que se
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encontra de uma maneira surprehendente no portuguez, influencia da lingua dos Suevos sobre o novo-latino que acabava de se formar unicamente na Galliza. Unia_ maior estabilidade, durante o dominio dos arabes ejno meio_das suas algaradas, fez com que a Galliza se tornasse um centro de cultura, e que a sua lingua podasse ser escripta, influindo isso na prioridade do lyrismo trobadoresco ao norte e ao oeste na peninsula Territrio e raa tudo influa para a unidade do Galleziano. Na separao do Condado de Portugal, de que Henrique de Borgonha toma posse em I096, e de que resultou a formao da Nacionalidade portugueza, a Galliza, que tanto hirtara pela sua independencia reduziu-se condio de provncia, decahindo a lingua no dialecto gallego, que deixa de ser escripto, depois de ter sido empregado artificialmente na litteratura de crte, como nas Cantigas___de Santa Maria de Affonso Sabio, e na Chronica de Troya e apesar dos esforos de renascimento pelos poetas Villasandino e Juan Rodriguez del Padron. A lingua portugueza, como factor nacional evoluciona com aspecto menos archaico. Para que o territorio das margens do Minho at ao Tejo se desmembrasse do Condado da Galliza e" se emancipasse da unificao iberica da monarchia asturo-leoneza, no bastavam as ambies de Henrique de Borgonha, de sua viuva D. Thereza, ou
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do seu filho ,13?",Affonso Henriques; os Concelhos. ein que as cidades livres no seu desenvolvimento jurdico se fortaleciam na associao de Behetria, avanavam para a organisao nacional, que foi verdadeiramente uma revisvescencia do lusismo. A vida nacional era suscitada pela aco geographica: a proximidade do mar no era simples barreira defensiva, mas um estimulo de actividade; pelo mar vinham as armadas que coadjuvaram a reconquista, pelo mar se fizeram as incurses na costa do Algarve e se entrou depois" da integrao do territrio no perodo dos grandes Descobrimentos geographicos. A lingua portugueza seguiu esta differenciao alargando o seu vocabulrio pelos neologismos latinistas impostos pela cultura litteraria da Corte, da Egreja. e das Escholas. Deu-se assim uma aproximao forada do latim clssico, levando illuso de um maior parentesco originrio d'essa lingua. como o acreditavam os eruditos da Renascena. Na linguagem popular conservaram-se muitas formas gallegas, que chegaram a manifestarse nos escriptores; e o gallego por seu turno recebeu a influencia do portuguez. D) Modificaes por via do francs. Tomando conta do Condado Portucalense, o cavalleiro borgonhez fixou no territrio os homens de arMas que o acompanharam, deu frankias s colnias que chamou do seu paiz, e para as dioceses vieram bispos francezes, como S. Geraldo, D- Maurcio, D. Hugo, D. Bernardo. Havia uma causa permanente para que o francez influsse na nossa lingua nacional; desde o sculo X I I era a 5
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lingua franceza a vulgarisadora de todas as tradies poticas da Edade media; na Italia avalia-se o seu prestigio pelas palavras de Brunetto Latini: ida parleurc franaise est la plus gracieuse et delictable de tous les autres languages... Dante no De vulgari Eloquio reconhece esta superioridade; na Inglaterra, no seculo xIII as proclamaes de reis, o ensino nas escholas e as bailadas do povo eram em francez; nos velhos romances allemes acham-se versos inteiros em francez, como no Tristam de Gottfried. Os portuguezes iam estudar a Frana, como D. Joo Peculiar, Gil Rodrigues; as lendas e Gestas carlingias formavam a Nova mestria, vulgarisada pelos jograes. A corrente franceza continuou na epoca das luetas dos fidalgos contra D. Sancho n, refugiando-se os emigrados na corte de Sam Luiz, d'onde acompanharam depois para Portugal D. Affonso III, que depoz o irmo. D. Diniz foi educado pelo francez Emeric d'Ebrard, de Cahors, e nas canes dos trovadores portuguezes ha alm de dois versos francezes, alluses aos poemas mais queridos da Materia de Frana e de Bretanha. Seguindo as primeiras composies litterarias em portuguez este prestigio universal dos poemas francezes, a lingua receberia uma influencia que se contrabalanava com a latinisao forada dos eruditos ecclesiasticos. A Civilisao occidental tinha achado o seu novo centro hegemonico, suscitando o desenvolvimento da lingua portugueza na expresso da litteratura. c) O portuguez comea a ser escripto. Debaixo da inflexo alatinada d'essa lingua conven-
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cional e barbara dos documentos juridicos, taes como o Livro dos Testamentos de Lorvo, ou o Livro preto da S de Coimbra, existem as palavras vulgares que mais tarde apparecem com forma propria nos textos litterarios. Joo Pedro Ribeiro, nas suas Dissertaes chronologicas e criticas l transcreve documentos redigidos em portuguez no reinado de D. Sancho i, em II92, e deduz que no reinado de D. Affonso I I I , a comear em I273 que apparecem com mais frequncia os documentos em portuguez, tornandose geral o seu uso de 1334 em diante. Estes factos so importantes para se reconhecer que existia uma lingua popular que se impoz ao uso official ainda no seculo xII, e lucta com o exclusivismo do latim d Egreja e da cria. 2 O uso litterario do portuguez comeou pelas formas poticas, sob D. Sancho 1 ( I I 5 4 - I 2 I I ) e principalmente quando os fidalgos que regressaram de Frana com D. Affonso III, reproduziram como moda da corte o lyrismo trobadoresco, que Dom Diniz aproximou da tradio popular. A redaco em prosa comeou pelos latinistas ecclesiasticos, traduzindo em portuguez os Evangelhos e alguns livros moralistas dos Padres da Egreja. A Livraria de Alcobaa era riqussima d'essas traduces de livros asceticos, compilados para uso dos clerigos que ignoravam
1 Op. cit., 1, 60, 61, 62-68 e 184. 2 O testamento de D. AffonsoII, de I2I4 (( o mais antigo diploma escripto em lngua portugueza.'5. (Rev, Lusit., vol. V I I I , p. 82.)
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o latim. A erudio claustral absorvendo para si o exclusivismo da instruco e banindo os cantos vulgares da liturgia, tornou o latim a giria das escholas e da poesia dos goliardos. A renascena do Direito romano, nas Universidades, fez com que da parte do Poder real se impozesse o latim nos tribunaes, allegaes jurdicas e postillas doutoraes. Assim se enriquecia o vocabulario portuguez pelos neologismos, abandonandose as formas populares no meio d'esta exuberancia de elementos eruditos. Raros foram os escriptores que se libertaram do prestigio da imitao latina, favorecida pelas auctoridades catholica e academica, que afastaram a litteratura portugueza das condies organicas da sua originalidade. Mas a lingua portugueza, que differenciava uma raa, era meio de expresso do sentimento de uma nacionalidade. A escripta fixa-a, d-lhe a norma de analogia nas suas derivaes, e modificando-a artisticamente pelo estylo litterario, torna-a pelo genio dos seus escriptores, um meio de coheso da propria nacionalidade. Terminada a epoca dos Descobrimentos, os Quinhentistas fortificavam a vida da nao proclamando a cultura da lingua: so profundamente sentidos estes vertsos do Dr. Antonio Ferreira:
Florea, falle, cante, oua-se, e viva A Portuguesa lingua, e j onde fr, Senhora v de si, soberba e altiva. Se 'tqui esteve baixa e sem louvor, Culpa dos que a mal exercitaram, Esquecimento nosso e desamor.
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E os que depois de ns vierem, vejam Quanto se trabalhou por seu proveito, Porque elles para os outros assim sejam. (Cart. I I I . )
Este pensamento dos Quinhentistas no era ignorado pelos escriptores estrangeiros, que nos apontavam para exemplo. Na Carta de D. Diego de Mendoza, censurando o uso dos termos antiquados na traduco do Orlando, de Urrea, allude-se a este facto: Mas vos le debeis hacer por imitacion los Portugueses, que han hecho ley, en que defienden, que ninguno hable vocablo castellano ni estranjero, si no solamente puro y neto. Cames, servindo o sentimento nacional na epopa dos Lusadas, unificou a lingua popular Icom a erudita, que a que se falia e que se escreve em todo o paiz. Fra da Litteratura a lingua portugueza teve uni largo desdobramento de dialectos, devido ao forte individualismo do povo, e em consequencia da expanso historica em um vastssimo domnio colonial. No seculo xvi escrevia Joo de Barros em um dos seus Dialog'os: As armas e os padres portuguezes postos em Africa e Asia, e em tantas mi! ilhas fora da repartiam das tres partes da terra, matrias so e pde-as o tempo gastar; pero, no gastar doutrina, costumes, linguagem, que os portuguezes n'estas terras deixaram. A verdade d'esta affirmaao do nosso vigor nacional bem evidente ainda ao fim de tres seculos; temos o dialecto Crioulo nas possesses
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da Africa e Cabo Verde, o Matuto, no Brasil, o Reinol ou Indo-portuguez, em Columbo, capital de Ceylo, em Malaca. Escreve Radau, referindo-se a Malaca: O idioma que ahi se falia hoje ao lado do inglez uma especie de phenomeno philologico: o portuguez despojado das suas terminaes, e por assim dizer reduzido a raizes. Os verbos no tm tempos nem modos, nem numeros e- pessoas; os adjectivos perderam o feminino e o plural. Eu vai, significa eu vou, eu tenho ido, eu irei, segundo as circumstancias. Algumas palavras do malaio completam esta lingua, que appresenta um curioso exemplo de retrocesso ao estado primitivo. OS dialectos do portuguez so numerosos e tem sido estudados proficientemente por philologos estrangeiros e nacionaes; so um documento do poder de assimilao e de resistencia do povo portuguez. Durante os quarenta annos da unificao iberica (I580-I640) a lingua portugueza trocada pela castelhana pela aristocracia e homens cultos, era usada pela gente do povo, como o ultimo vestgio da nacionalidade, e foi ella tambem o estimulo da sua revivescncia. d) A Versificao portuguesa: Syllabismo. Quando os povos criam as suas lnguas, os sons com que as faliam so tambem os mesmos com que pela intensidade as cantam. D'esta elevao das intonaes verbaes, deduziu Rousseau,
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que se no pde fixar onde acaba a palavra fallada e comea o canto. A mesma lingua, quando constitue a expresso grammatical, cria simultaneamente a sua versificao; o accento prosodico da palavra, coincidindo com o accento melodico da phrase, determina o rythnlo, em que se funda a accentuao metrica. Uma lingua tem sempre um systema de Versificao que lhe propria. A poetica das Litteraturas romanicas tm uma similaridade, por que deriva do genio das Lnguas vulgares ou romanisadas, unificadas pela sua natureza analytica. Como os philologos da eschola de Diez quizeram explicar a origem d e s sas lnguas meridionaes como uma degradao do Latim, laboraram no prolongado equivoco, de que a sua Versificao tambem proviera da metrica latina! Nunca conseguiram provar como uma Versificao baseada sobre a quantidade, podia transformar-se em uma base incompatvel com essa forma prosodica, a accentuao. Bastava este facto para reconhecer-se o vicio do problema respondido pela degradao do latim. Hoje j ha a tendencia para abandonar o esforo de fazer confrontos entre a Versificao vulgar com a latina. I Na metrica da quantidade, a cadencia oratoria ou declamatoria suppria a falta de coincidencia do accento prosodico com o accento rythmico, com o ictus, uma nova belleza ligada
1 Procurava-se no verso adonico, o pentasyllabo vulgar; no pherecratiano o heptasyllabo; no glyconio ou jambo dimetro, o octosyllabo; no dactylo trimetro o decasyllabo; e no asclepiade o alexandrino.
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intonao do Radical da palavra e ao logar da construco syntaxica determinado pelas flexes. Em lnguas analyticas, em que se perdeu a noo cio radical, e a construco syntaxica directa e por meio de preposies, predominou o accento, graduando o numero certo das syllabas dentro da pausa metrica, ou o verso, e dando ainda mais relevo sua expresso pittoresca pela rima. A Versificao vulgar produzida pelo Syllabismo: syllabas contadas, que do a estructura do verso. Para que dentro de cada verso, ou no seu ambito caibam as phrases, preciso que os sons voclicos se absorvam eliminando syllabas, ou ampliando-as por meio das chamadas figuras de dico; taes so as cesuras, as ellipses, ecthlipses, syncopes, apheresis, apocopes, que antes de serem admittidas pelos rhetoricos j estavam creadas pela phonetica popular. A palavra que entra na construco do verso, tambem pela varia disposio do sen accento prosodico, se colloca ou usa para alcanar a sua coincidencia com o accento metrico: tal a oxytona (aguda, tronchi) a paroxytona (grave, piam) e a proparoxyiona (esdruxula, sdruccioli). E' ainda pela influencia do Canto, que se estabelece a Estrophe ou o numero certo de versos, e as suas repeties ou Refrem, e os versos metabolicos. Do systema das consoantes, por onde se distinguem os radicaes nas palavras, apenas se conserva o artificio da aliterao, sem logar definido no verso. E' effeito sonoro, que distingue a rima perfeita (simul desinens) da assonancia (simul cadens.) O verso, na sua extenso, com-
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pe-se de dois trechos, ou hemistychios, ou quebrados : so arsis e thesis, como o alevantamento e abaixamento da respirao. E' ainda o canto que infiue nos versos de ambito curto, da sexta syllaba para traz, (redondilha) ou da sexta syllaha at decima (endecasyllabo, ou endecha). Por meio dos hemistychios ou quebrados se variam indefinidamente as formas estrophicas, quasi sempre designadas pelo numero dos seus versos : terceto, quadra, quintilha, sextilha, outava, decima. Como que entrou na mente dos eruditos derivar um systema to peculiar de Versificao de Lnguas analyticas, d'essa mal comprehendida metrica da quantidade da litteratura latina? Vse que o saber erudito nem sempre intelligente. Com estes recursos, lnguas prosaicas, pelas suas palavras immoveis (variando as relaes por preposies) conseguiram realisar a incomparavel expresso da Poesia moderna, em tudo superior poesia classica. A similaridade das leis poeticas fez com que as Litteraturas modernas exercessem entre si uma mutua influencia ou aco hegemonica, levando muito longe o espirito de imitao das suas obras primas, cooperando todas na elaborao perfeita dos generos litterarios, e da cultura estylistica. Pelas suas transformaes morphologicas estylisticas, a lngua portugueza appresenta as seguintes pocas histricas : ( S E C U L O S v i u A X I I ) : Perodo oral e de elaborao popular, at unificao nacional. N'estes quatro seculos modificam-se os sons luso-ibericos, latinos, germanicos e arabes, estabe-
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tecendo o caracter da phonetica galleziana. Dos vocAbulos d'essas varias proveniEncias amplia-se o lexico vulgar, e este transparece sob a inflexo alatinada dos documentos juridicos. Pelo concurso do nacionalismo; o portuguez destaca-se do gallego reflectindo o progresso social. I I . ( S E C U L O S X I I I A x v ) : Perodo de divergencia erudita. Modificaes produzidas pela aco da cultura latina; separao entre os escriptores e o povo, occupados nas traduces latino-ecclesiasticas. Muitas derivaes fazem-se de themas latinos que no entraram na corrente cia linguagem popular. Conformao da syntaxe com a latina, dando-se na legislao a necessidade de redigil-a em linguagem mais moderna, como se manifestou na reforma dos Foraes. III. (SECULO X V I ) : Perodo de disciplina graimmatical. D-se n'este seculo a preponderancia das classes cultas, ou a Egreja e a Crte sob o prestigio do humanismo. Ferno de Oliveira e Joo de Barros, publicam as primeiras Grammaticas portuguezas imitadas das grammaticas medievaes. A centralisao da capital actua na decadencia dos dialectos provinciaes, ou fallar de Entre Douro e Minho, da Beira e Alemtejo. O ensino dos Jesutas imprime grammatica portugueza a disciplina da grammatica latina nos seculos XVT e X V I I , confundindo-a com a rhetorica. Iv. ( S E C U L O S X V I I A x i x . ) : Unificao da lingua portuguesa popular e escripta, em uma lingua commum a toda a nao. Opera-se um exame historico e critico da lingua por Duarte
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Nunes de Leo, mas decae este estudo na divagao rhetorica at ao apparecimento de um Vocabulario portugues por Bluteau, que serviu de base ao Diccionario de' Moraes e Silva e a todas as outras compilaes. A Arcadia lusitana sustenta o purismo da lingua com os archaismos quinhentistas; prolonga-se o pedantismo grammatical at ao apparecimento do criterio historicocomparativo, coincidindo este processo com o restabelecimento das bases tradicionaes na Litteratura, ou o Romantismo. 4.0 A Nacionalidade. Depois de quebrada a unidade do Imperio gothico pela invaso dos Arabes em Hespanha, e antes de comear o esforo da reconquista dos refugiados das Asturias, manifestaram-se as resistencias locaes e ethnicas, revelando os esbos de futuras nacionalidades peninsulares. As cidades da Lusitania que tinham resistido tenazmente contra as legies romanas, e que haviam conservado as suas garantias territoriaes contra a absorpo germanica do estatuto pessoal, foram as que apresentaram a lucta mais implacavel contra a absorpo dos Arabes, que aspiravam ao unitarismo do kalifado. Tres focos combateram para a realisao da reconquista christ: a regio lusitana ao occidente, a regio catal ao oriente, e a regio asturocantabrico-gallega. Estes tres focos esboam as nacionalidades que se haviam de constituir com a libertao da Hespanha; d-se esse grande phenomeno historico desde o seculo vIII at ao estabelecimento das monarchias do seculo X I I .
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A resistEncia lusa altamente significativa: segundo a Chronica do mouro Rasis, 1 a povoao da vertente occidental da pennsula era a mais irrequieta sob o jugo de Abderaman I, o qual com o seu furor submetteu a gente de Beja, Evora, Santarem e Lisboa e todo o Algarve. Esta expedio feroz, feita no anno de 763 a 764, foi motivada pelo auxilio que estas povoaes indgenas propriamente lusitanas deram ao caudilho Alaf-ben-Magarit, o qual, como escreve Simonet, na sua importante Historia de los Mosarabes (p. 250) quasi poz em perig"o o novo imperio arabe. Continuava esta populao occidental o mesmo mpeto de resistencia com que combateu Roma auxiliando Sertorio. Foram violentas as revolues de Merida, e graas a esta vitalidade da raa lusa, o domnio dos Arabes no passou a cima da Villa da Feira, fazendo apenas rapidas incurses Galliza. O Territorio portucalense, assim libertado pelos lusitanos do sul, manteve as condies para revindicar a sua autonomia da absorpo unitarista asturo-leoneza, e constituir no seculo xII a nao portugueza. P o r isto se reconhece o caracter resistente e persistente da raa lusitana, que sem o auxilio dos reis leonezes luetava pela sua independencia, por frma que os arabes a reconheciam como a gente mais irrequieta da parte occidental da Hespanha. Nas divises ecclesiasticas da Lusitania, em 780, que se encontram no
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codice Ovetense do Escurial, enumeram-se as seo-uintes ss: Emerita, Pace, Olissipona, Ossonoba, Egitana, Conimbria, Beseo, Lamego, Calabria, Salamantica, Abelo, Ebbora. Caurio; e na regio da Galliza, Bracara, Dumio e Portocale. Dois arcebispados dividem o novo territorio; o de Mrida, (Lusitania) e o de Braga (Galicia) no qual entra Portocale. No foi o territorio portuguez repovoado por colonias de asturo-leonezes, como pretendia Herculano; numerosas cidades se ligavam em Behetrias, desenvolvendo-se a sua populao agrcola e fabril: nem a autonomia de Portugal foi obra exclusiva do Conde D. Henrique e de seu filho D. Affonso Henriques, porque obedeceram ao impulso da autonomia comeado por Sisnando. Nas cartas geographicas publicadas pelo Visconde de Santarem, encontra-se sempre representada a Lusitania, com. este nome desde o seculo vII at ao seculo XII. E' uma realidade, e no uma designao rhetorica dos eruditos da Renascena, como affirmava Herculano. A par da lucta contra os sarracenos da banda de oeste, surgem os esforos da Restaurao pirenaica a leste, na republica montanheza da Catalunha, que precedeu na historia a resistencia gotica das Asturias. O primeiro chronista christo Isidoro Menor, o Pacense (Bejense) e os chronistas arabes, assignalam grandes combates nas montanhas do norte e diante dos Pireneos, onde os generaes arabes se achavam pessoalmente frente dos seus exercitos. E apesar de todo esse esforo dos sarracenos, os Estados Pi-
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renaicos (formados de antigas tribus ibericas e dos povos que se lhes foram aggregando) reconquistaram aos Arabes parte da Vasconia, Arago, Navarra, Catalunha, Valencia, Murcia e as Baleares. Fundaram uma monarchia ou unificao politica de uma frma moderadamente absoluta e sem luctas dynasticas. Sem esta reconquista, que fez sustar as incurses dos Arabes, a reconquista empenhada pelos refugiados Asturo-Cantabricos no poderia ter-se realisado com exito. A Restaurao Asturo-Cantabrica comeou mais tarde, depois da lusitana e da catal. Terminada a Chronica do Pacense em 754, ainda elle no falia do levantamento da gente das Asturias e Cantabria; nem tampouco os Chronistas arabes (citados por Antonio Jos Conde) faliam dos Asturo-Cantabricos, at ao anno de 765, quando referem os combates com os Estados Pi renaicos. Os chronistas christos do seculo ix chamam revoltosos aos Vascos. Formaram-se, portanto, os reinos de Asturias, Cantabria e Galliza, por que os arabes invasores foram distrahidos e at envolvidos em grandes combates pela gente mais irrequieta da regio occidental lusitana, e da republica montanheza da Catalunha. A restaurao Neo-gotica, alliando a ferrenha unidade catholica ao renascimento do velho imperialismo germanico, foi sempre um elemento perturbador da organisao normal dos Estados peninsulares. O estado dos Asturo-cantabricos impoz-se, a pretexto da unidade catholica, pelo mais audaz absolutismo, dando sempre o espectaculo odioso de
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crimes e usurpaes dynasticas, accumulando as varias coroas com o intuito de restabelecer a unidade do extincto imperio gotico, pela unio das Asturias e Leo a Castella, que absorve tambem Arago no fim do seculo xv. E' d'este momento em diante, que o germanismo da Casa da Austria, realisa a unidade iberica por violencias e casamentos regios pela preponderancia exclusiva do Castelhanismo. Os Reis de Castella possuam todo o norte da Hespanha: Leo, Galliza, Provindas Bascas, duas Castellas, Murcia, Extremadura, e grande parte da Andaluzia: e ao sul, desde a embocadura do Guadiana at Tarifa. Fa!tava-lbes s incorporar Granada, o que se conseguiu em 1482, e unificar Portugal, o que se realisou em I580 por casamentos regios e traies do unitarismo catholico. A historia da formao da Nacionalidade portugueza, e das suas revolues para manter a sua autonomia em I380, I640 e I820, synthetisa-se na resistencia da raa lusitana contra a absorpo iberica, sustentada pelo Castclhanis-mo. A nacionalidade portugueza constitue-se nos principios do seculo xII, como consequencia da agitao separatista das quatro Monarchias, Leo, Castella, Navarra e Arago. Em II09 organisado o Condado Portucalense; em II28 torna-se estado independente, sendo reconhecido como a quinta Monarchia em II43. A comparao chronologica eloquente como revelao d'este phenomeno sociologico. Em II34 d-se a reconstituio da autonomia da Navarra; em II26 o Arago readquire a sua independencia
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de Castella: em II70 Castella readquire outra vez a sua autonomia; em II97 estabelece-se a independencia de Leo. Emquanto estes Estados livres eram violentamente annexados uns aos outros por conquista, usurpao e por casamentos, e desmembrados por testamentos dos seus monarchas e revoltas cantonaes, o Condado Portucalense aproveitou-se d'esta corrente separatista, tornando-se independente do reino de Leo. Em II28 d-se a revolta contra a regencia de D. Thereza, viuva do Conde D. Henrique, e na batalha de Guimares annullada a dependencia da monarchia leoneza, o joven D. Affonso Henriques torna-se o instrumento da revivescencia do lusismo no territorio portucalense. Emquanto os outros Estados se anuexam e se unificam nos dois centros de Arago e de Castella, que por seu turno se integram no Castelhanismo em I469 e I504, Portugal conserva sempre a sua autonomia nacional atravs de todos os cataclysmos historicos da Hespanha. A raso d'este facto constitue toda a trama da historia social, politica e mesmo mental d'este pequeno povo, que conseguiu assignalar-se na marcha da civilisao humana. A creao de uma nacionalidade um phenomeno de ordem statica, independente da interveno da vontade individual; uma integrao das Patrias locaes, quando uma aspirao ou um pensamento commum as une. E' pela synthese dos interesses, ou o Direito, pela synthese dos sentimentos, ou a Arte e a Moral, que este orgo collectivo se eleva at consciencia, que
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feni cada individuo no ia alm do ideal de Patria. A Litteratura d expresso a esta tendencia para a unificao politica, embora no realisada como aconteceu na Grecia ou procurada desde um longo passado como aconteceu com a Italia. A relao da Litteratura com a Nacionalidade immediata; as diversas instituies sociaes, como a Religio, o Direito, a Politica, a Industria fortemente dominadas pela paixo exclusiva das crenas ou dos interesses egostas no representam completamente o genio nacional; somente as creaes estheticas, tomando por base as tradies da collectividade e recebendo o sentido novo a que se elevaram as capacidades superiores, esto sempre em uma intima relao com o vigor da nacionalidade que as fecunda. A Nacionalidade portugueza, constituda no seculo X I I , pela autonomia do Condado Portucalense, sob D. Affonso Henriques, no seu territrio era uma parte minima da antiga Lusitania, que abrangia da Galliza at ao Algarve; com a conquista sobre os Sarracenos, at Coimbra, Santarem e Lisboa, foi-se reunindo grande parte do primitivo territorio, e por assim dizer, tornando o facto da Nacionalidade uma verdadeira revivescencia do Lusismo. E' a Anthropologia, nos seus processos de differenciao dos ndices cephalicos, e a Etimologia, estabelecendo as sobrevivencias dos costumes, que hoje explicam a persistencia dos caracteres do Luso no mesmo territrio hoje oceupado por Portugal. Esse facto mysterioso para o historiador Scheffer, da formao de uma Nacionalidade sem ruido, e da sua resis6
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tencia atravs de grandes conflictos historicos, no obra dos polticos, mas de uma tradio,' de uma aspirao instinctiva abafada desde o domnio dos romanos. Desde o seculo X I I o Lusismo, ou o genio da independencia dos pequenos estados achou-se em frente do Iberismo unitarista pelo pensamento imperial romano, germanico e pelo catholicismo; a historia de Portugal concentra-se toda na resistencia contra esta absorpo iberica. Pela conquista do Algarve sob D. Afonso I I I , Portugal estende-se sobre esse extremo da Lusitania, mas a Monarchia, moldada sobre o typo da Realeza da Frana, trabalhava para a concentrao pessoal do poder soberano absoluto. Acabava em D. Affonso I I I o estabelecimento de Poraes, mas generalisava-se o Direito romano imperial; o genio nacional, comprimido pela auctoridade real e ecclesiastica, parecia amortecido, ou desconhecido, como um simples aggregado provincial. Foi a revoluo de Lisboa o primeiro symptoma de vida consciente; em I380 a soberania popular, avocando o poder supremo, delega-o no Mestre de Avis, elegendo-o era 38I nas cortes de Coimbra. E' o comeo da existencia historica de Portugal; porque essa pequena nacionalidade triumpha em Aljubarrota como digna da sua independencia, e reconhecendo, que pela sua situao entre o continente e o mar, fortifica a sua autonomia, iniciava a Era dos grandes Descobrimentos martimos. Era o genio ligurico, das primitivas exploraes atlanticas, que levava o portuguez navegao do Mar Tenebroso, determinao do caminho martimo da
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ndia, e volta do mundo. O genio lusitano realisava esta misso historica, em quanto a tendencia iberica era servida pelos seus monarchas, que por meio de casamentos dynasticos pretendiam reunir em uma s cabea a coroa das Hespanhas. O espirito popular, que se manifestara na revoluo de Lisboa, estava animado de uma profunda poesia, idealisando o Condestavel como o Cid portuguez, e elaborando o seu vasto Romanceiro, como se v pela riqueza das tradies dos Archipelagos da Madeira e dos Aores, alli confinadas desde o seculo xv, e trazidas s colleces impressas ao fim de quatrocentos annos de transmisso oral. Embora os poetas palacianos se afastassem das fontes tradicionaes, e da communicao com o povo, n'esse seculo apparecem os trez grandes historiadores Ferno Lopes, Eannes de Azurara e Ruy de Pina. O impulso das Navegaes d ao genio lusitano o maximo do seu relevo; depois que Vasco da Gama em 1498 realisa a viagem da ndia, e Pedro Alvares Cabral em I500 descobre o Brazil, opra-se uma transformao na sociedade portugueza com a preponderncia de uma classe mdia que pelo trabalho cria a riqueza publica; com essa burguezia apparece a creao do theatro popular por Gil Vicente, como fazendo da scena o meio de dar expresso opinio publica; cria-se uma Arte portugueza, na Pintura, como se v pela obra de Gro Vasco, e na Architectura como se patentea nos Jeronymos por Joo de Castilho, na Ourivesaria, como o documenta a Custodia de Belem por Gil Vicente, primo co-irmo do poeta. A lngua
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portugueza recebe a sua disciplina definitiva nas Grammaticas de Ferno de Oliveira e de Joo de Barros, e torna-se classica nas Decadas de Barros e na epopa de Cames; a propria Jurisprudencia, sempre romanista, procura regressar aos costumes do reino. A vida portugueza era uma arrojada aventura, como se observa nos extraordinarios viajantes Ferno Mendes Pinto e Francisco Alvares, excedendo nas suas narrativas as maravilhas de Marco Polo e Mandeville. E n'essa poca do humanismo, Portugal deu Europa os primeiros pedagogistas, taes como Diogo de Gouva e Andr de Gouva, principaes dos Collegios de Santa Barbara e de Bordeus, e mestres de Rabelais, de Montaigne, de Ignacio de Loyola e Calvino. Entre os humanistas da Renascena figuram dignamente Ayres Barbosa, Andr de Resende, Achilles Estaco, Diogo de Teive, Damio de Goes, e tantos outros que floresceram pelas Universidades estrangeiras. O genio de Cames, sob o influxo da Renascena, soube alliar o enthusiasmo pelas obras primas da civilisao greco-romana com o sentimento nacional, formando a sua Epopa no sobre um beroe individual mas no Peito lusitano pela intuio genial de todos os elementos tradicionaes e lendarios da historia portugueza, exactamente como Virglio na Eneida reyivescera as tradies do Latium por meio das formas da poesia hellenica. Os escriptores conheceram esse sentimento to caracteristico do portuguez, a saudade, que desde Dom Duarte, que o analysara psychologicamente no Leal Conselheiro at
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invocao de Garrett em I824, inspirou todos os nossos poetas desde a emoo pessoal at viso da Patria,, que suscitou os feitos de tantos heroes. O pensamento de uma Epopa nacional, na poca da descoberta do Oriente, foi proclamado por muitos escriptores, como Castanheda, Joo de Barros, pelos poetas Antonio Ferreira, Caminha, Jorge de Monte-Mr e Pero da Costa Perestrello; mas s Cames, dominando o perstigio da erudio humanista, e tendo, como elle diz, repartido pelo mundo a sua vida em pedaos, percorrendo todo o domnio portuguez na Africa, na ndia, nas costas da Arabia, e em Malaca at Maco, exposto aos combates e naufragios, s elle achou a expresso ideal do Prego do ninho seu paterno, e no verso immortal: Esta a ditosa patria minha amada. Repentinamente, como o escreveu Cames em I572, Portugal caiu em uma austera, apagada e vil tristeza, e o poeta no sobreviveu incorporao cia sua patria autonoma na unidade iberica do Castelhanismo, em I580. Como se deu to estupendo phenomeno? Dispersa a energia nacional nas grandes Navegaes e conquistas, e enfraquecida a vida local pelo centralismo da Corte, os reis como Carlos v e D. Manoel por casamentos dynasticos trabalharam egoistamente para a unificao iberica; e meste mesmo sentido, D. Joo I I I , servindo a unidade catholica, deu entrada em Portugal Inquisio em I536, e _Companhia de Jesus em I542, que comeando por extinguir a liberdade de conscincia, e atrophiando as intelligencias, apagaram o sentimento da
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patria, obliteraram diante das grandes catastrophes, como a de Alcacer-Kibir, a raso de sr da nacionalidade. Isto explica como Portugal recebeu Philippe II com arcos triumphaes e a egreja portugueza o consagrou com tdeums, tal como o repetiu na invaso napoleonica em I807. Em trinta annos de educao jesutica (I550-I580) operou-se na mocidade portugueza' uma desnacionalisao to profunda, que os homens mais honrados, como D. Joo de Mascarenhas, entregavam-se sinceramente a Philippe II. Restaurou-se a Nacionalidade portugueza, quando a Frana pde dividir o poder da Casa de Austria. O sentimento nacional apenas se revelava pelo prophetismo, na esperana de um Salvador, e o lusismo tornava-se o Sonho do Quinto Imperio do mundo. A nova dynastia de Bragana, de conivencia com os Jesutas, poz em jogo, para a sua segurana pessoal, a nao que lhe delegara a soberania.' No abandonou D. Joo Iv a Bahia e Pernambuco aos Hollandezes, porque o Desembargo do Pao se oppoz a esse piano .do jesuta P. e Vieira; projectou o casamento do prncipe D. Theodosio com a filha do Duque de Longueville, vindo o Conde governar Portugal, e indo D. Joo v ser rei no Brasil, mas no se realisou este plano por (que a noiva appareceu clandestinamente casada com Lauzan; modificouse o plano para Mademoiselle de Montpensier, mas seu pae, o Duque de Orleans, vendo os negocios de Portugal instaveis, recusou-se a isso. Tratou-se do casamento da infanta D. Catherina com o Duque de Beaufort, mas falhando
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tambem, realisou-se o casamento com Carlos II de Inglaterra, levando em dote Bombaim, e cahindo successivamente Portugal sob o vido protectorado da Inglaterra. Portugal voltava ao domnio da Hespanha se Carlos 11 de Hespanha consentisse no casamento do prncipe D. Theodosio com sua irm, em 1649. No acabam aqui os planos em que era sacrificada a nacionalidade portugueza unificao ibrica, extensamente descriptos por Joo Francisco Lisboa na Vida do Padre Vieira. O abandono de Portugal sua sorte foi um expediente de salvao para Dona Luiza de Gusmo, para Dom Jos por occasio do terremoto de 1755, e foi levado pratica em 1807 quando D. Joo vi fugiu de Portugal por Imposio do embaixador inglez Strangford com a sna fidalguia e criadagem para o Brasil diante do destroado exercito de Junot. A obliterao do sentimento nacional permittiu todas estas tropelias praticadas impunemente pela Dynastia nefasta dos Braganas, que procuraram o seu apoio no estrangeiro, a Inglaterra, que determinou a desmembrao do Brasil de Portugal, que oceupava militarmente pelo seu general Beresford, com o terror das forcas do Campo de Santa Anna. Os que conspiravam contra a occupao ingleza, desde I8I8, foram-se refugiando em Frana; um sentimento de nacionalidade revivesceu entre a classe media de jurisconsultos, magistrados e negociantes ; determinando essa crise fecunda da Revoluo de I820, que esboou todas as liberdades civis e politicas, contra as quaes se oppoz sempre a dynastia bragantina em 1823 com a
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restaurao do absolutismo, e em I826 com o sophisma cia Carta outorgada, imposta sempre soberania nacional em I842, I847, e I85I, por interveno armada estrangeira e por sophismas parlamentares, burlas eleitoraes, e sangrentas dictaduras. D'essas emigraes para o estrangeiro em I823 e em I829 regressaram individualidades que sentiram a saudade, a intuio da vida nacional, e tendo-se batido pela liberdade na Ilha Terceira e no Crco do Porto, de I83I a 1834, realisaram a renovao da Litteratura portugueza, do Romantismo, iniciando uma nova poesia lyrica, um theatro original, o romance histrico e a historia critica, e a eloquencia da tribuna. Todas as vezes que os escriptores se retemperam nas tradies e consagram a aspirao nacional, a Litteratura ser mais vigorosa, fecunda e original. . A decadencia que Portugal accusa n'este momento resulta da obnubilao do sentimento de nacionalidade estolidamente combatido por espritos negativistas mais ou menos inconscientemente. Na situao presente a misso da Arte, da Litteratura, da Politica e mesmo da sciencia, consiste em revigorar Portugal, restitnindo-lhe a consciencia do seu lusismo.
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I As Epocas historicas e o meio social actuando nas Litteraturas
Antes da concepo mechanica dos phenonienos do universo systematisando a astronomia, teve Blainville a ideia luminosa de applicar aos phenonienos biologicos a distinco em staticos e dynamicos como a expresso mais completa das condies da existencia: o orgo apto para exercer-se um elemento statico, sendo a funco o estado dynamico da sua energia. Comte, applicando esta mesma distinco aos phenonienos sociaes, considerou a ordem como a base statica da existencia social, como o progresso nas suas mltiplas transformaes o effeito dynamico na evoluo histrica. D'esta concepo de Comte, escreveu Alexandre Bain: Mill tinha admittido a grande distinco estabelecida por Comte entre a statica social e a dynamica social, e adoptara-a para a sua Logica, Eu tambem fiquei maravilhado como elle, considerando qual seria o valor d'esta distinco como podendo servir para a analyse... A exemplo de Mill, pode este criterio ser applicado Literatura, que, como producto social, participa d'esta dupla condico de existencia; ella tem uma parte statica, persistente, e alheia
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interveno individual, que so a Raa, a L i n guagem, a Tradio e a Nacionalidade. So, por assim dizer, o organismo, em que se elaboram as funees ou creaoes litterarias. O genio da raa, os themas da tradio, as formas da linguagem, a aggregao nacional escapam s modificaes das mais poderosas individualidades; d'ellas vem a emoo commum a que os escriptores e artistas do a expresso synthetica, que acharam pelo seu modo de sentir individual reflectindo a marcha da corrente historica. Os maiores genios, so os que mais profundamente representam uma civilisao; os poemas homericos representam integralmente a cultura hellenica na edade de bronze; Virglio condensa o mundo romano na sua altura e destino social, paris imponere morem, no poema da Eneida; Dante mostra-nos em toda a sua luz a Edade mdia na grande lucta do poder espiritual e do temporal, emergindo a libertao da conscincia, no julgamento da Divina Comedia; Cames faz sentir a Renascena n'esta lucta nova do homem contra as foras da natureza, impondo-lhe o seu imperio consciente. Na historia litteraria imprescindvel a luz philosophica para determinar as correntes historicas que caracterisam as pocas do desenvolvimento mental, derivando d'ahi a critica da actividade individual. Todo o grande percurso da Civilisao moderna, que abrange o quadro das transformaes historicas do seculo xII at ao presente, acha-se perfeitamente caracterisado em tres pocas fundamentaes, a Edade mdia, a Renascena e o Romantismo. A Litteratura, como
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um producto social, s pde ser bem conhecida atravs das modificaes historicas d'estas tres crises da civilisao que reflectiram. Sem esta luz sobre a marcha evolutiva, tudo quanto produziu a Edade mdia foi considerado como barbaro, e somente os modelos classicos ou Greco-romanos merecem admirao e se impem imitao; e assim, individualidades geniaes como Gil Vicente, Rabelais, Montaigne, Shakespeare, Hans Sachs, so aleijes litterarios comparados a qualquer correcta banalidade academica. O genio de Cames, sob o influxo da Renascena, soube alliar o enthuziasmo pelas obras primas da civilisao grecoromana com o sentimento nacional, formando a epopa dos Lusadas com todos os elementos tradicionaes e lendarios da historia portuguesa, tal como Virglio na Eneida fazia reviver as tradies do Latium por meio das formas bellas da poesia hellenica. As grandes individualidades litterarias iniciam as transformaes estheticas, e pelo dom da universalidade relacionam o seu tempo com a marcha da humanidade. Como orgo da grande Civilisao Occidental, Portugal conservou sempre uma forte solidariedade com as Litteraturas romanicas da Edade mdia at ao Romantismo; por essas relaes, que no significam uma imitao banal mas uma cooperao, se demarcam as pocas capitaes do seu desenvolvimento litterario, comprehendendo-se-lhe o espirito pela sua solidariedade.
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E D A D E MDIA
A transio da Antiguidade para o mundo moderno effectuou-se em um perodo de dez seculos, denominando-se por isso Edade mdia. N'este perodo, crearam-se novas classes sociaes, como o proletariado, novas frmas de trabalho dignificado na industria das Jurandas, outras concepes religiosas pelo sentimento popular ou christandade, o direito territorial das Communas, a Arte gotica, a poesia lyrica dos Trovadores, as Epopas das gestas feudaes, o grupo das lnguas romani sadas tornando-se escriptas, creando-se novas nacionalidades, e a Europa reconstituindose pela estabilidade dos costumes, terminadas as guerras mantidas pelas invases germanicas e 'arabes. A Edade mdia, nos seus complicados aspectos, appresenta uma pha.se de dissidencia, ou do conflicto das differentes raas, que se assimilaram em unificaes nacionaes; uma phase de concorrencis, em que os estados polticos procuram continuar a supremacia imperial romana, travando-se a lucta dos dois Poderes, o Sacerdocio e o Imperio; por ultimo uma phase de convergencia, em que as naes europeas obedecem, pela vaga noo da sua occidentalidade a uma aco commum, pela primeira vez, nas guerras das Cruzadas, normalmente substitudas pela actividade industrial. A Edade mdia foi considerada pelos historiadores at ao seculo xv III, como uma edade de trvas e de anarchia, vendo-a apenas n'essa demorada phase de dissidencia; os historiadores ca-
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tholicos, observando que a Europa obedecera n'esse perodo anarchico disciplina moral da Egreja, que implantara de um modo absoluto o seu Poder espiritual pela organisao do Papado, exaltaram o periodo da concorrencia, reclamando por isso para a Egreja o prolongamento da sua interveno temporal. Smente alguns escriptores philosophicos que souberam determinar pelo periodo de convergencia a continuidade da Civilisao Occidental, de que as naes da Europa so orgos solidarios, que puderam assignar Edade mdia o seu caracter progressivo, explicando-a historicamente como uma transio affectiva. Sem esta comprehenso fundamental da Edade mdia, como relacionar factos to incongruentes como o antagonismo do Poder espiritual da Egreja e o Poder temporal das Monarchias; entre a classe senhorial da sociedade feudal ou guerreira e o Proletariado que se fortifica pela industria, constituindo a nova classe da burguezi?; pela lucta do direito territorial dos Municpios entre o privilegio pessoal mantido nas Dynastias; pelo abandono da lingua latina, imposta pela auctoridade dos eruditos ecclesiasticos e jurisconsultos, reagindo com toda a vitalidade os dialectos vulgares, que se tornam lnguas nacionaes? Os historiadores que no penetraram o espirito renovador d'esta fecunda poca da humanidade, desorientaram-se n'essa por elles chamada noite da Edade mdia, perdendo o fio conductor com que se estabelece a logica dos successos da historia moderna e contemporanea.
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Uma phrase luminosa de Augusto Comte, condensa nos seus elementos principaes todas as foras activas da grande elaborao social, religiosa, politica, economica e artstica da Edade mdia: Sob qualquer aspecto que se examine o regimen proprio da Edade mdia, v-se sempre emanar ou da separao dos dois Poderes, ou da transformao da actividade militar.)) (Polit. posit., I I I , 459.) Desdobremos esta frmula nitidissima. A separao dos dois Poderes essa longa lucta entre o domnio espiritual da Egreja, procurando conservar como theocracia o poder temporal, que se destaca e exerce pelo summo imperio das Monarchias. O desenvolvimento do Poder real realisa-se pela elevao do proletariado independencia da burguezia, que actividade guerreira contrape a actividade industrial, tornando-se o poder militar meramente defensivo e estipendiado. Criam-se tres meios sociaes em que as Litteraturas modernas encontram condies especiaes para o seu desenvolvimento: a E greja, a Crte, e a Burguezia. I. A Egreja. Emquanto a Egreja confundiu na sua aco os dois poderes, a Europa medieval esteve em certa frma sob um regimen theocratico, cujo espirito dominou na politica dos estados at paz de Westphalia. A Egreja fundou uma disciplina moral e um systema de educao popular nas Scholae das suas Collegiadas; na sua hierarchia apropriou-se da organisao administrativa romana, conservando as autono-
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mias locaes, pela transformao das lendas pags em santificaes patronaes; serviu-se dos Contos do povo para os Exemplos da sua prdica, em que teve de empregar a linguagem rustica ou vulgar para a propaganda doutrinaria, e as Canes populares como Prosas e Sequencias para a sua liturgia. Muitas supersties so conservadas como festas ecclesiasticas; e a vida collectiva do proletariado, sentindo a sociabilidade pela unificao da crena, construe as bellas Cathedraes, na mais espantosa florao do genio esthetico. E' na Egreja, que o Drama moderno encontra o meio adaptado para o seu apparecimento e desenvolvimento dos Ludi liturgicos: scenario esplendido diante de uma multido ingenua, e actos cultuaes solemnes representando em forma poetica as lendas evangelicas. Emfim o thema primitivo de Armo estival e hibernal, do joven Deus, que morre e resuscita nas cerimonias da Paixo e do Natal, revivescia nas imaginaes crdulas com toda a poesia dos mythos decahidos das velhas raas. Escreve Bonloew, no Ensaio sobre o espirito das Litteraturas: Deparam-se os primeiros elementos do Drama novo na propria liturgia da Egreja, no smente nos dialagos alternados entre o presbytero, o sacerdote e o povo nas Antiphonas e responsos, mas sobretudo n'este cyclo de festas que glorificavam universalmente a vida, as obras miraculosas e a morte de Christo. Mas era principalmente a tragedia grandiosa da Paixo, a sua representao nos dias da Paschoa (com certeza a festa mais sagrada e mais antiga dos christos)
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que devia emocionar e abalar a alma dos fieis congregados no templo. Este espectaculo deve ser considerado como o primeiro veio, como o primeiro ponto de apoio a que se ligam as tentativas to numerosas e informes da Edade mdia. Como o u t r o r a na Grecia, a lenda de Baccho dera origem Tragedia e Comedia antigas, a morte e o triumpho final de Christo foram o ponto de partida da Tragedia e da Comedia modernas. A Tragedia saiu como j se viu (homilia de Eusebius Enisennus, m. em 359), do mysterio da Paixo; foi nas chamadas Moralidades ou Diabruras, que se reconhecem os princpios da Comedia. Na lucta contra Deus, contra Christo e todas, as potencias santas, sempre vencido, repellido, castigado com grande gaudio dos espectadores, torna-se ridculo. Sempre assim batido, torna-se por fim inoffensivo e fica o bbo da scena christ com as suas parouvelas e sarcasmos. (Op. cit, p. 210.) Por fim a Egreja prohibiu nas Constituies dos Bispados estas representaes populares; separava-se do povo, aristocratisava-se. A preoccupao de manter o poder temporal levou a Egreja a centralisar-se subordinando diante do Bispo de Roma as Egrejas nacionaes; oppondo ao Direito civil o Direito canonico; submettendo a soberania da realeza sagrao do direito divino, e condemnando como heresia toda a liberdade do pensamento. No perodo mais intenso da aco da Egreja, ella condemna a leitura das obras dos escriptores da Antiguidade como profanas, substituindo as especulaes dos
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philosophos gregos e romanos pelas homilias theologicas; o Concilio de Roma (II3I) prohibiu aos monges o estudo do Direito romano e da Medicina, e o papa Honorio, em I220 estendeu a prohibio a todo o clero. Cria-se o antagonismo entre a exclusivismo clerical e espirito secular. Este antagonismo era to inconciliavel, que em uma inscripo da egreja de San Martinho de Worms se proclamava ser mais facil seccar-se o mar, ou ir o diabo para o co do que o clerigo e o leigo entenderem-se como amigos. A mutua animadverso explosiu em satiras violentas contra o clercois, descrevendo a sua vida desenvolta com as agapetas, parodiando-lhe as cerimonias liturgicas pelos goliardos, fazendo a farsiture das oraes latinas e dramatisando os mysterios da religio. Todas as Litteraturas da Edade mdia reflectiram este espirito sarcastico e irreverente contra o elemento clerical, apesar da quasi unanimidade do sentimento christo. No seu desprezo pelo secular, o clerigo, empregando no culto a lingua latina, fazia da palavra latino synonimo de intelligente (ladino, ainda hoje corrente em giria v u l g a r ) ; o nome de romano empregava-o continuando a sua contraposio ao de barbaro; a lingua do vulgo ou inculta, no litteraria, era chamada romance, 2 e ainda na lin-
Cum mare sicatur, et daemon ad astra levatur, Tunc primo laicus fit clero fidus amicus. (Ap. Comparetti, Virglio nel Medio Evo, t. 1, 243.) No Isopet, rns. do seculo xrv, demarca-se nitida-
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guagem do seculo xv II romancista era o analphabeto, sem estudos. No perodo em que se constituram as novas nacionalidades europas, a cultura latina apparece imposta pelos eruditos ecclesiasticos e pelos humanistas da primeira Renascena. 2.o A Corte. O conrlicto dos dois Poderes, que preponderou em toda a Edade mdia, actuou na constituio das Nacionalidades modernas, no pensamento politico da unidade imperial romana do Occidente, sob a aco dos Papas (minor Deo, major hominej ou pela auctoridade temporal dos Imperadores. Cada um d'estes Poderes, procurando restabelecer a tradio de Roma, apoiavase no prestigio do passado: assim as letras latinas eram estudadas nos claustros, e os poetas christos metrificando em latim imitavam os poemas didaticos da decadencia, ou compunham sobre os mysterios da Egreja poemas com centcs virgilianos. Pelo seu lado a auctoridade monarchica mantinha todas as frmulas do direito romano, e fundamentava o absoluto poder real com a letra dos codigos imperiaes. A tradio greco-romana ten-
mente o espirito culto do latinista e a tradio conservada entre o vulgo ou romance: Un clerc de grant science et de grant sapience le fist prmierement; et je le mis en romans por entendre aus enfans et la laye gent.
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dia a renovar-se na primeira Renascena; as escholas ecclesiasticas transformavam-se nos Estudos Geraes, e a realeza, apropriando-se d'essa nova disciplina pedagogica fundava as Universidades, em uma rivalidade na concesso da faculdade ubique docendi, em que se envolvia a Theologia. A realeza, na sua frma imperial e dynastica, n'esta lucta para concentrar m si o poder temporal, apoia-se no restabelecimento da tradio do unitarismo do Imperio romano, pondo em vigor o Digesto, onde estava definida a esphera dos direitos reaes, criando um ensino secular ou leigo nas Universidades que comeam no seculo X I I , para o estudo das Leis, da Medicina e da Mathematica. N'esta organisao da Monarchia, a realeza avoca a si o privilegio de conferir nobreza, sustando o desenvolvimento da classe senhorial ou feudal pelo cadastro dos Nobiliarios, e favorece as revolues communaes contra a prepotencia dos Bares, chegando a converter os seus Maires du Palais em poder ministerial, e mais tarde as Guardas do corpo nos exErcitos permanentes. Tal foi a marcha para o poder absoluto. Cria-se a Justia de rei ou o Ministerio publico contra o arbtrio feudal e estatuto local, e o summo imperio teve de ir abdicando nos ministros, no generalato e nos parlamentos. das za, da se As condies que determinaram as frmas Monarchias germAnica, ingleza e francen'estas luctas do poder temporal, vieram situao da classe senhorial, medida' que operava a transformao da actividade mi-
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litar. A propria classe feudal, que conservava os habitos guerreiros das bandas germanicas, entrava em um perodo de guerras defensivas, como se v pela organisao da Cavalleria para a proteco dos fracos contra os fortes (redresser les torts) e pelo amor da mulher praticando todos os feitos de valor. As guerras das Cruzadas foram um esforo do Monotheismo Occidental tornado defensivo, contra o monotheismo oriental que invadia a Europa; as luctas dos grandes vassallos converteram-se em guerras privadas, destacandose na tradio popular e poetica os typos nacionaes. como o Cid, Arthur, Guilherme Tell, por servirem os interesses da collectividade. Foi este herosmo socialisado que motivou a mais completa idealisao do typo de Carlos Magno, centro de todas as Gestas medievaes; admiravel pela sua aco unificadora do Occidente, defendendo-o das invases germanicas do norte, e dos arabes ao sul pela sua superior capacidade militar e politica. As condies que determinaram o predomnio do Poder temporal favoreceram a livre communicao com os monumentos da antiguidade greco-romana, n'essa Renascena do seculo X I I I , abafada at revivescer nos philologos do seculo xv. Os Reis tornaram-se protectores das Universidades ; oppozeram nobreza das armas a nobreza da toga, (cedant arma togae) vindo-se por este exagerado prestigio da segunda Renascena, no seculo x v I , a desprezar a tradio da Edade mdia e a renegal-a na sua continuidade historica. Chegou-se mesmo a perder o conhe-
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cimento da Edade mdia, explicada pelos eruditos da Renascena como uma deturpao da cultura greco-romana; assim, para os Jurisconsultos do seculo xv, os Feudos eram uma frma bastarda da Euphyteuse e do Usofructo romanos; para os historiadores os modernos Estados foram fundados por heroes foragidos do cerco de Troya; para os artistas as ordens gregas existiam syncreticameute implcitas na' architectura gotica, como considerava Cesar Cicerano explicando a cathedral de Milo pelas regras de Vitruvio; para os theologos as doutrinas evangelicas eram sustentadas pela Dialctica de Aristoteles. A par da grande poesia pica da Edade mdia os versejadores desenvolveram o Cyclo troyano e de Rome la grant; como tambem os Goliardos espalhavam entre o povo as Canes bacchicas em latim, como se v em Gautier Maps, ou nas canonetas escholarescas, do Carmina Burana. Nas Crtes, em que a convivencia com as Damas impunha a correco de maneiras e a galanteria, as festas e os passatempos usuaes mantinham o espirito espontaneo da Edade media, nos Torneios, nas Dansas e nas Canes melodicas. Essa modificao dos costumes barbaros dos homens de armas em agradavel sociabilidade, tornando affaveis as redaes pessoaes, recebeu o nome caracterstico, que ainda persiste de Cortesia. Foi nas crtes reaes e senhoriaes, que a Cano do povo recebeu a sua frma litteraria, e que da sua melodia espontanea nasceu a Musica moderna. N'esses fcos da mais delicada sociabilidade
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que floresceu a poesia lyrica dos Trovadores e se cantaram os bellos Lais bretos, convertendo-se pelo interesse feminino em complicadas e apaixonadas Novellas de Cavalleria. A propria subalternidade dos bares diante do rei, formando a parada da sua Crte, veiu dar a esta litteratura courtois um desenvolvimento quasi exclusivo, que a par da corrente erudita da Renascena operava uma separao constante entre os escriptores e o povo. Foi por isso que as Litteraturas da Edade mdia, tendo abandonado os seus fecundos esboos ou frmas rudimentares, cahiraim successivamente no culteranismo acadmico, at se afundarem na frivolidade. O erudito Luiz Vives, no livro De institutionc Foemince christiance condemnava todos os poemas da Hespanha, Frana e Flandres, todas as Novellas d'elles derivados, e todas as obras que ainda na Renascena continuavam a tradio medieval, como a'Celestina, e as Facecias de Poggio. As Litteraturas romanicas, foram umas mais do que outras assim afastadas do seu espirito nacional. 3. A Btg-guezia. A actividade industrial e mercantil coadjuvada pelos Descobrimentos martimos estimulados pelas especulaes scientificas, comea nos burgos ou cidades livres, e desenvolve-se pelas federaes ou ligas, como a das cidades hanseaticas. A' idealisao dos typos guerreiros, representantes da vida publica ou nacional, contrape-se uma nova idealisao da vida domestica e das emoes pessoaes; a estabilidade social pela paz inspira sentimentos benignos de
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amor, em uma extraordinaria efflorescencia de Canes ou Bailadas que se succederam poca trobadoresca, ainda hoje persistentes nas verses oraes do povo. A satisfao do bem-estar era expressa pela graa dos Gontos e Fabliaux, que se desenvolveram no Romance moderno. O estabelecimento de um poder moral, a Opinio publica, leva a crear um orgo, o Theatro moderno, resolvendo na aco do drama como synthese a colliso dos interesses e deveres. Segundo Guizot, o imperio romano dissolveu-se por falta de uma classe media; nas Naes modernas a sua fora, riqueza e capacidade creadora est na Burguezia ou propriamente a classe mdia, em que predomina o bom senso pratico, a disciplina moral e costumes idealisaveis. E' d'ella que surgem as altas individualidades.
B) RENASCENA
Toda essa insurreio mental, que appareceu no fim da Edade mdia, como a aurora de um renascimento da sociedade moderna, que se fixa no sculo xIII, apagou-se subitamente; todas essas doutrinas philosophicas foram perseguidas como heresias, todas essas aspiraes politicas foram abafadas pela realeza como revolues, em guerras religiosas e devastaes tremendas. Operava-se a separao dos dois Poderes; a Egreja tornava-se intolerante e a Realeza absoluta; uma queria submetter aos dogmas theologicos a raso, a outra, na transformao da actividade militar, organisava o exercito. Deu-se este tremendo re-
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trocesso, que durou por todo o seculo xIv e xv, porque essa insurreio mental no se apoiava sobre conhecimentos positivos ou scientificos. Dissolvida a synthese catholica, a intelligencia achava-se em um interregno theorico. Nos phenomenos sociaes predomina a complexidade dos effeitos; no seculo xv trez descobertas vieram suscitar uma extraordinaria actividade mental e social: foram a Buss,ula, a Polvora e a Imprensa. Pelo emprego da [Bussula pde estabelecer-se a grande navegao, pela iniciativa dos Portuguezes, que desde o como do seculo xv encetaram as expedies martimas no Atlantico; pela Polvora acabou a valentia individual do cavalleiro, tornando-se accessivel essa fora material ao brao do proletario, que se ia impondo pelo seu numero, auxiliando a realeza contra o feudalismo : pela Imprensa revivesceu o humanismo, iniciado por Petrarcha e as obras primas da Antiguidade vulgarisaram-se entre os eruditos revelando que fra das doutrinas da Egreja existiu uma sabedoria moral imperecvel, e incomparaveis obras bellas bem dignas de imitao. Estes inesperados impulsos convergiram no principio do seculo x v i inaugurando a Epoca da grande Renascena, que enche o denominado maior seculo da Historia. Peschel chama ao sexv I, a era dos descobrimento Foram os Portuguezes, que depois da explorao dos Archipelagos atlanticos e reconhecimento da costa africana, realisaram os descobrimentos da rta martima da ndia, da America boreal, equatorial e austral, e os descobrimentos no Pacifico, depois
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de terem conseguido a viagem da circumduco da Terra. Tudo isto trouxe extraordinarias consequencias constituio social e politica da Civilisao da Europa, cujas naes entravam em um novo equilbrio. Pela corrente humanista, a Renascena tomou tambem conhecimento do primeiro par scientifico, constitudo pelo genio grego, a Mathematica e a Astronomia; estas disciplinas positivas vinham inaugurar a systematisao do interregno theorico. Por seguras deduces mathematicas pode Copernico demonstrar a redondeza da terra movendo-se no espao em volta do sol; mas como podia essa demonstrao impr-se ao vulgo e aos preconceitos theologicos, acostumados ao velho erro geocentrico? Para Copernico os Descobrimentos maritimos dos Portuguezes foram a prova verificavel da verdade .demonstrada racionalmente. Este accordo entre a realidade objectiva e a noo subjectiva, que constituiu o triumpho inabalavel do espirito ou a raso moderna. Na transio da Edade mdia, em que se operava a separao dos dois Poderes, o espirito critico ou o Livre-Pensamento exerceuse sempre por um dissolvente negativismo. Os novos descobrimentos geographicos e scientificos, contradictando a. auctoridade da Bblia e os dogmas da Egreja, davam elementos para completar a synthese natural ou propriamente physica; era este o scopo da transio medieval, reatar a continuidade historica, restabelecendo e proseguindo a cultura greco-romana. De novo os velhos Poderes, para resistirem corrente de renovao, tornaram-se ainda mais retrogrados; a
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Egreja, pela organisao da Companhia de Jesus, tentou restaurar a Theocracia; e a Realeza, tendo reduzido a aristocracia feudal a sequito do apparato da sua Corte, conseguia, pela creao do exercito permanente, sustentar-se em um imperialismo absoluto. Nasceu esta tendencia monarchica do reapparecimento do Germanismo, no seculo x v I , quando Carlos v, atraioando a causa da nacionalidade allem, para se tornar o representante do Imperio Romano se serviu do uni tarismo catholico coadjuvando a Egreja na reaco contra a Reforma. O humanismo vivificava a tradio do Santo Imperio; todos os monarchas obedeciam utopia de uma Monarchia universal, formada pela incorporao de todos os Estados, ou por via dos casamentos dynasticos ou pelas invases militares. Por via dos casamentos, a Casa de Austria quasi avassalava a Europa, tornando-se esse perigo o principal objectivo da politica franceza; Carlos v, Erancisco I, D. Manoel, Henrique v I I , obedeceram a o desvairamento d a Monarchia Universal; as novas nacionalidades foram envolvidas nas guerras dynasticas, vendose a Frana e a Hespanha invadindo a Italia, a Hespanha invadindo os Paizes Baixos e a Inglaterra, occupando esta uma parte do Territorio da Frana, e desapparecendo a autonomia de Portugal, .reduzido em I580 a provincia castelha. N'estas luctas, manifestam-se as altas individuaalidades estheticas e especulativas, criando r se o ethos ou os caracteres nacionaes, representados nas Litteraturas. O curso da Renascena prolonga-se pelo se-
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bulo X V I I , em que se constitue o segundo par scientifico, a Physica e a Chimica, dando logar a uma nova actividade mental tornada mais intensa nas Academias, dando logar synthese physica ou matheseologica por Descartes e systematisao moral em Bacon. O desenvolvimento do Terceiro estado, constituindo a totalidade da nao no povo, funda-se no trabalho productivo colonial e financial, resultante dos Descobrimentos martimos, comeando-se desde ento a resolverem-se os conflictos internacionaes pelos recursos suasorios da Diplomacia e creao do Direito das Gentes. A originalidade do genio esthetico moderno emancipa-se da subserviente imitao das obras greco-romanas, e fora das Crtes que se criam as bellas idealisaes da sociedade moderna. A celebre Querella dos Antigos c Modernos veiu pr em fco a importancia das novas Litteraturas occidentaes. Ainda a transio da Edade mdia se reflectiu no seculo X V I I I , quando essa insurreio mental das heresias se transformou no mais audacioso racionalismo, e quando a renascena scientifica foi continuada no par scientifico, que na sua frma geral e abstracta veiu a constituir a Biologia e a Sociologia. A esse espirito critico, depressivo do seculo xv III deu-se o nome do Encyclopedismo, sendo os Literatos os que universalisaram as doutrinas, que depois da exploso temporal da Revoluo franceza, reorganisaram a sociedade europea. Esse espirito critico, como negativista, era essencial-; mente destructivo, por lhe faltar o sentimento da solidariedade historica; procurando bases natu-
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raes para o direito, para a moral, para a politica, para a arte, renegou a Antiguidade classica a Edade mdia, desconhecendo a sua continuidade na civilisao moderna. As phrases de Helvetius, e Revnal sobre a Edade Mdia, denominando-a trevas sem nome e esteril barbarie, que tomaram curso nas opinies , vulgares, mostram a completa ausencia do senso historico. Foi este novo criterio da comprehenso da historia, que abriu s intelligencias mais largos horisonts demarcando uma poca de verdadeira reconstruco.
c) ROMANTISMO
O grande periodo do interregno theorico do fim da Edade mdia, quasi ao fechar-se nos esforos para a constituio do par scientifico da Biologia e Sociologia, complicou-se com a phase social, cuja exploso temporal caracterisa o fim do sculo xvIII, a Revoluo franceza. A sua vasta repercusso em todos os estados da Europa, torna evidente que esse phenomeno local proveiu de causas geraes profundas. Em todas as manifestaes do espirito e da actividade moderna indispensavel a orientao d'este ponto de partida; por que essa crise violenta determina o momento em que impulsos accumuiados de ideias e sentimentos do passado produziram o movimento social procurando um novo equilbrio. Definem-se na sua generalidade esses impulsos ou factos em que se accentua a longa decomposio do regimen catholico-feudal, que principiou pelas heresias religiosas e terminou pelas revolues
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politicas. Desde a Paz de Westphalia, que na politica europea prevaleceu o espirito secular; as Egrejas nacionaes foram subordinadas ao poder dos reis, e com a queda dos Jesuitas o regimen catholico soffreu a sua plena destituio como poder destinado a dirigir a sociedade humana. O regimen feudal, representado ainda nos privilegios e distinces da nobreza estava concentrado com todos os seus antigos abusos nas Monarchias absolutas. A queda dos Jesutas, significando a separao final dos dois poderes, o espiritual e o temporal, por que foram reis catholicos que decretaram a sua extinco, veiu deixar a realeza em uma situao isolada, sem a subordinao passiva mantida nos costumes, que a sua feio medieval exigia. A soberania absoluta foi discutida, compararam-se as instituies politicas dos differentes povos, e o vasto cosmopolitismo provocado pela circulao dos productos do trabalho livre, fez reconhecer a necessidade de uma veorganisao social sobre outras bases de concordia, que no vetustas hostilidades militares. Isto levara annos antes da Revoluo franceza, a presagial-a como inevitavel. Pela fatalidade dos acontecimentos a realeza feudal foi executada na pessoa de Luiz x v i ; e os privilegios das classes aristocraticas, representantes das bandas guerreiras das invases germanicas, derrogados ante os principios da egualdade perante a lei, e da lei egual para todos. As longas perturbaes da epoca revolucionaria provieram dos esforos para substituir os Poderes decahidos : o poder espiritual foi genialmente esbo-
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ado nas reformas pedagogicas da Conveno, mas deturpado pelo deismo robespierrista; o poder temporal, provisoriamente substitudo pela Republica democratica fi afastado da sua frma definitiva pelo terror, que provocou a restaurao da monarchia e da egreja, pelo Consulado e Imperio, explorando uma execranda retrogradao da' Orgia militar napoleonica, sobre que se enxertou o sophisma das Cartas outorgadas, patrocinado pela Inglaterra. Estes grandes abalos sociaes fizeram-se reflectir nas idealisaes das Litteraturas modernas; chamaram a essa crise esthetica ou affectiva Romantismo. Tem esta palavra dois sentidos, um puramente sentimental e o outro historico. Como o romance, cultivado no seculo X V I I , nas litteraturas hespanhola e ingleza, representava a existencia pelo seu lado imaginoso e phantastico, como typos individuaes contrastando com a realidade vulgar, deu-se o nome de Romantismo exagerada sensibilidade do fim do seculo x v I I , s tendencias melancholicas e contemplativas com que era idealisada a natureza physica para representar a vaga anciedade moral, e ainda aos protestos de um fino gosto em contraposio com o utilitarismo preconisado pelos Economistas e com o bom senso pratico das classes burguezas. Como o romance designou as lnguas vulgares dos povos que na Edade mdia continuaram a cultura romana, reconhecendo esse espirito de unidade pela erudio historica, o Romantismo exprimiu bellamente este movimento litterario e artstico da Edade mdia filiando n'essa epoca fecunda os elementos nacionaes da tradio
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de cada litteratura. Por estes dois caracteres, que ainda, coexistem, v-se que antes da epoca do Romantismo, iniciada pela Allemanha, foi antecedido pelas Litteraturas hespanhola e ingleza, que conservando na sua organisao social as frmas da Edade mdia, mantiveram a sua originalidade nacional atravs da auctoridade e das imitaes classicas da Renascena. A este phenomeno chama-se propriamente Proto-Romantismo. Reconheceu-se que uma caracterstica fundamental separava a arte moderna da arte antiga: a idealisao da vida domestica em vez da vida publica, como observou o genio luminoso de Comte. De facto na litteratura hespanhola, seculos antes da epoca romantica, tem todos os caracteres do Romantismo obras como a Celestina de Rojas e Lazarillo de D. Diego de Mendoza, o Gil Blas de Lesage', Gustnan d'Alfarache, Picara Justina, e todos os romances picarescos; na litteratura iningleza o Tom Jones de Fielding, Clarisse Harlow de Richardson, toda a obra portentosa de Shakespeare. Mesmo na litteratura franceza, rompeu a inexpressiva banalidade do pseudo-classicismo o Tartufo de Molire. a Manon Lcscaut. de Prvost, a Princesa de Cleves de Mad. de Lafayette, a Marianna de Marivaux, a Religiosa de Diderot. Reconhecia-se a necessidade de renovar a expresso do sentimento pela vulgarisao e imitao das obras estrangeiras; chamou-se exostismo a este alargamento para a renovao da Litteratura franceza, tentado por Voltaire, que constitue verdadeiramente uma phase proto-romantica. rio sculo XV III.
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A sensibilidade, que se tinha revelado na aspirao s grandes refrmas das leis penaes por Beccaria, na sanificao dos carceres, na propaganda por sacrifcios pessoaes para o emprego da vacina, essa sensibilidade imprime linguagem um maior relvo nas imagens e tropos dando alma s cousas materiaes, como se v pelo novo estylo de Chateaubriand. Tudo conduzia para a renovao esthetica, provocada pela rigidez da auctoridade dos modelos classicos impostos como normas de gosto. Na transio do seculo, xvI para o xv II operou-se uma reaco espontanea em todas as litteraturas modernas contra esse excesso da imitao classica da Renascena sol a hegemonia da Italia; chamou-se a nova doutrina litteraria o Culteranismo (Concettismo, Buphuismo, Preciosismo) mas como no provinha de uma noo historica ou phenomeno social, os modos de sentir individuaes degeneraram em uma intemperana de rhetorica, em agudezas de engenho, conceitos frvolos, peiores do que as banalidades pelo seu absurdo. O que houve de positivo n'este esforo de reorganisao esthetica foi a polemica critica conhecida na historia pelo titulo de Querella dos Antigos e Modernos.' A reaco contra esses destempros rhetoricos das Academias ou Tertlias foi a causa da prolongao da influencia greco-romana sob o nome de classicismo francez, durante todo o seculo X V I I I em todas as litteraturas da Europa. A reaco contra o exagerado influxo da Litteratura franceza da epoca de Luiz x I v , partiu do norte, da Allemanha; Bodmer, Lessing, Wie-
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land desbravam o caminho trilhado gloriosamente por Goethe e Schiller. Este phenomeno, que determinado por causas accidentaes, como a Guerra dos Sete annos, que aproxima os escriptores alle'mes do conhecimento da poesia ingleza, e a crte de Weimar, denominada a Athenas da Thringe, sob a regencia pacifica de Anna Amelia de Brunswich, onde se reunem Goethe, Schiller, Wieland, Herder: Schlegel, fulgurando a Era dos Genios; porm na essencia, a transformao litteraria do Romantismo acompanhava o movimento social da Revoluo franceza, desde o negativismo critico dos Encyclopedistas at transio ou alta provisoria das Cartas outorgadas. O Romantismo foi sempre solidario com a agitao politica; na Allemanha este impulso de renovao litteraria era mais do que uma reaco - contra os modelos francezes sustentados por Gottsched, era uma continuao d'esse sentimento do natural e do individualismo germanico que fez a Reforma-, que seguindo o espirito anarchico, francez, que prepara a Revoluo, iniciava a emancipao sentimental com o Romantismo. Lessing imita Diderot no theatro: Goethe admira o creador do Neveu de Rameau; Wieland reelabora as gestas francezas, como no poema Oberon; Schiller continua a tragedia philosophica e proclamado cidado francez pela Conveno; Kant apropria-se da doutrina philosophica de Rousseau dando-lhe deduco, e Fichte define a funco historica da Revoluo franceza. Gervinus denomina com imparcialidade este periodo da litteratura franceza Proto-Romantismo, estabelecendo 8
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a sua connexo com a nova poca. A instabilidade social pelas luctas da Revoluo e pelo regimen da devastao militar da retrogradao napoleonica e reaco da Santa Alliana, embaraaram a Litteratura franceza de proseguir n'esta evoluo normal, vindo Allemanha a competir essa misso de crear as frmas litterarias em relao com os organismos nacionaes e o espirito moderno. O Romantismo appresentou os dois aspectos sentimentalista e tradicional nas Litteraturas allem e ingleza; o sentimento, que provoca uma actividade philosophica e a creao da Esthetica representado na Allemanha pelos irmos Schlegel, Novalis, Schleiermacher. Tieck, Schelling, systematisando Hegel a phase romantica como a ultima da sua tricotomia esthetica; a parte tradicional, conduzindo comprehenso scientifica da historia, quer nacional e universal, representada por Herder, pelos irmos Grimm e por Uhland. Na Litteratura ingleza, o sentimentalismo, que fra suscitado pelas falsificaes ossianescas de MacPherson, toma a expresso melancholica dos idealisadores dos lagos de Cumberland e Westmoreland, os poetas Wordsworth, Coleridge, Southey e Wilson, denominados os Lakistas; d-se a resurreio das velhas Bailadas tradicionaes por Percy, e Walter Scott cria o romance historico reconstruindo a Edade mdia nos seus costumes e crenas. Em Byron apparecia a impetuosidade do saxo no mais revoltado individualismo, e o genio do Shakespeare aprecia-se como a mais genuna expresso do cthos da raa.
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A designao de Romantismo tinha um sentido verdadeiro, obtendo por isso curso unanime ; Frederico Schlegel applicava-a Poesia da Edade mdia nas suas crenas religiosas e costumes cavalherescos, mas abrangia a noo da unidade de civilisao das modernas nacionalidades creadas depois da dissoluo do Imperio romano. Caminhava-se para esta comprehenso. A Egreja, na sua direco espiritual, renegara as obras primas da Antiguidade greco-romana, durante o largo perodo da Edade mdia; a Renascena negara por seu turno a importancia das creaes da edade medivica, copiando servilmente as instituies e os productos estheticos da edade polytheica; vem por fim o seculo excepcional, o X V I I I , que tudo discutira no seu negativismo critico, desligando-se de todas as relaes com as duas Antiguidades, a classica e a medieval, retemperando-se na fonte viva do estado natural entrevisto pela raso pura. Esta falta de comprehenso da continuidade historica, ou do concurso suecessivo viciava todas as concepes, desviando-as da realidade para o domnio da utopia, aggravando assim a agitao anarchica da violenta crise Occidental. A superioridade da poca moderna comeou pelo conhecimento progressivo da intima connexo historica entre o mundo greco-romano e a ra feudal; comeou-se por comprehender a historia no seu conjuncto, como fizeram Condorcet, Kant, Herdeie Augusto Comsympathia tanto da erudio classica, renovadate. Investigadores especimes occuparam-se com pelo genio de Ottfried
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Muller, como dos monumentos medievaes, estudados por Jacob Grimm. Aps a rehabilitao sentimental da Edade mdia, pelos poetas, seguiuse o trabalho de erudio, que a investigou e esclareceu em todas as suas creaes; estudou-se o grande problema das origens do proletariado das classes servas, operarias e agrcolas, conheceu-se a organisao do trabalho livre das Jurandas, investigaram-se as Catacumbas de Roma e as lendas populares que to claramente explicam a propagao do Christianismo no Occidente precedido pelo Mithriacismo; o Direito territorial das Communas foi explicado pelos documentos e pela aproximao das fontes municipaes, publicaram-se as Canes de Gesta, as Canes lyricas dos T r o vadores e as Novellas da Tavola Redonda; a Architectura gotica, longo tempo desprezada, reconhece-se como uma das creaes mais bellas de uma civilisao nova, digna de competir com as ordens gregas; as lnguas romanisadas, chamadas novo-latinas, foram tambem analysadas no seu conjuncto, e quando todos estes elementos precisavam systematisar-se em uma construco synthetica, o estudo do sanskrito e do zend, dos hieroglyphos egypcios e dos cuneiformes na Chalda, vieram prestar todos os materiaes para a constituio positiva da Sociologia. Os monumentos litterarios dos perodos vdico, avestico, brahmanico e buddhico, revelando-nos a continuidade das frmas poeticas universaes, conduzindo a uma melhor comprehenso do polytheismo helleno-italico, e simultaneamente as Gestas carlingias faziam penetrar no problema da formao dos poe-
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mas homericos. A historia tornou-se um criterio methodologico, considerando-se o preliminar de todas as sciencias cosmologicas e sociaes. Depois de ter atravessado as phases religiosa ou emanuelica, liberal, nacional e ultra-romantica, os genios estheticos superiores comprehenderam a Litteratura universalista, idealisando a Humanidade, e dando aos themas da tradio collectiva o relvo definitivo das altas individualidades.
II Successo das Lltteraturas modernas, aco hegemnica e mutua
O domnio romano incorporou na sua unidade politica imperial o occidente da Europa, a Italia, a Hespanha, as Gallias e a Bretanha; actividade social e mental d'estas raas, que immediatamente deram a Roma imperadores, philosophos, poetas, rhetoricos, com que ella ainda dourou a sua decadencia, chamou-se-lhe romanisao. O imprio apenas explorou estes povos com a sua absorvente fiscalidade, reconhecendo por urgencia as suas instituies consuetudinarias : simplesmente esta tolerancia politica facilitou a revivescncia da antiga Civilisao occidental ou ligurica, que fra apagada pelas invases dos Celtas, os homens louros de grande estatura na sua descenso do norte da Europa. Quando cessara esse tremendo retrocesso, e a civilisao dos Italiotas, Hispanos, Gaulezes e Bretes, revivescia com o seu caracter de occidentalidade, a que se chamou romanisao, outra vez se repetiu a invaso dos homens corpulentos e louros do
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Norte, as tribus germanicas, que se apoderaram de todos os domnios do Imperio. A Edade mdia na sua phase germanica foi verdadeiramente de trevas sem nome e de esteril barbarie, como lhe chamaram Helvetius e Raynal; mas o fundo de cultura dos povos subjugados absorveu essas tribus 'barbaras, constituindo-se as modernas Nacionalidades da Europa. Apesar de todas as differenas e antagonismos, um consenso tacito unificava moralmente estes povos, diante da tradio do Imperio e do Direito romano, e pela universalidade da lngua latina aproximando pelo seu lexico os dialectos populares. O catholicismo, copiando na sua hierarchia a organisao municipal, aproveitou-se para fundar a unidade de sentimento (a christandade) apropriando-se dos riqussimos elementos -tradicionaes, vestgios das crenas dos Scythas, Scandinavos, Ligures e Gaulezes, Celtas e Germanos, com que formou as suas Legendas religiosas. As invases dos Arabes no sul da Europa vieram provocar no seculo vIII esta unificao affectiva da crena commum, que se elevou manifestao mental da primeira Renascena, quando das escholas arabes reflectiram os progressos das Sciencias da Grecia, a Mathematica, a Astronomia e a Medicina. Assim se elevou a civilisao da Europa affirmao consciente da sua occidentalidade. Entre os povos do Occidente, como a Italia, a Frana meridional, a Hespanha, essa unidade ethnica fez-se sentir muito cedo pela tradio do mesmo lyrismo, que irradiou da Provena, de eguaes rudimentos picos, como os Romanceiros,
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e de costumes sociaes e domesticos, que se transformaram nas mesmas creaes dramaticas. Sobre este fundo commum, que sobre a Gotia refloriu a Romania. Assim como nos estados da Grecia todos os elementos tradicionaes conservados com intenso affrro pelos Dorios, receberam dos Jonios em Athenas, o livre desenvolvimento das formas artsticas, ao fixarem-se as Nacionalidades da Edade mdia a estabilidade social e a idealisao dos costumes realisou esta passagem das tradies para as frmas conscientes de esthetica individual. O syncretismo das tradies das diversas raas produziu uma extraordinaria riqueza de elementos poeticos. A unidade affectiva do Occidente no fim da Edade mdia realisou-se pela Poesia.
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As raas germanicas deveram a sua incorporao na Civilisao occidental propaganda catholica: os seus mythos polytheicos perdendo o sentido religioso persistiram como themas poeticos, elaborando-se as Lendas em Cantilenas, que vieram a formar o cyclo germanico dos Niebelungen e o cyclo franko das Gestas Carlingias. O gnio saxo, luctando para submetter a decahida raa britonica, provoca a revivescencia das tradies do vencido no brilhante cyclo da Tavola Redonda e do Santo Graal. As Litteraturas modernas, creando-se na elaborao de to variados elementos tradicionaes, definem nas suas origens e progressos a suecesso das Nacionalidades, que ao constituirem-se tornaram escriptas as suas lnguas. O grupo do meio Dia da Europa foi o primeiro a continuar a Civilisao occidental, inter-
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rompida depois da queda de Roma; o grupo do Norte s entrou na civilisao moderna no seculo x v I , desviando as energias guerreiras para o trabalho constitutivo da nacionalidade allem. Com o desenvolvimento da Civilisao em concurso simultaneo, foram-se accentuando as similaridades ethnicas dos ramos da grande raa rica na Europa, e as proprias instituies sociaes hellenicas, romanicas, germanicas e mesmo slavas, foram unificadas em typos communs derivados da constituio primordial ariana, como o provou scientificamente Freeman. A Frana foi, entre os novos estados, o centro hegemonico medieval, que imprimia impulso e direco a esta corrente que hoje a civilisao da Europa. a) Litteratura da Frana. A hegemonia da Frana na Edade mdia uma expanso da cultura de genio gaulez, que desde o Iv seculo, antes da nossa era, se revelara pelos estudos cosmographicos de Pytheas e Euthymenes de Marselha, e de Erastothenes da Narboneza, de que tanto se aproveitaram Strabo e os geographos gregos. Esse mesmo genio gaulez actuou no norte da Italia sobre Roma, pelo grande numero dos seus poetas, historiadores nascidos na Gallia Cisalpina, contrabalanando-se com a influencia do meio dia ou da Grande Grecia. Cesar foi discpulo do gaulez Gnyphon, Cicero foi dirigido pelo gaulez Roscio, Tacito discpulo de Marcus Apes. Foram gaulezes os creadores do theatro romano; e desde que a Gallia foi reduzida a provncia romana, um
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novo esplendor se reflecte nos productos de genio romano. Junto de Trajano e de Adriano era exercida a influencia da cultura gauleza por Favorinus, e junto de Marco Aurelio por Frontonio. Esses philosophos, polticos e oradores, pela sua moral encontram-se com os Stoicos, e preparam, pelo contacto com o genio grego, o estabelecimento de uma nova sociedade religiosa, em que a confraternidade gauleza se tornaria em breve o fco do Christianismo. So das Galhas os grandes Padres da Egreja, como: Santo Ireneu, Santo Ambrosio, Santo Hilario, San Martinho, S. Paulino, Sulpicio Severo, Santo Honorato e Vicente de Lerins. Toda a sua grande cultura resistiu depresso das invases germanicas, que foram submettidas pela propaganda moral ao christianismo, atacando pelo apostolado religioso a Germania. E' em volta de Carlos Magno, que se reunem os claros espritos dedicados ao renascimento litterario, historico e philosophico, como Alcuino, Walfried Strabo, Raban Maur, S. Prudencio, Hincmar, Joo Scot. A cultura grega, cujo centro fra Marselha, e a cultura romana mantida em Tolosa e em quasi toda a Gallia meridional, integradas pelo genio gaulez, alm das condies mesologicas, deram Frana (j incorporado o elemento barbaro) a misso civilisadora hegemonica sobre todos os povos da Edade mdia. Pela regio da Aquitania, propagava-se Italia e Hespanha a poesia trabadoresca da Provena que encontrava as mesmas tradies pre-celticas e os mesmos estmulos de contacto com os rabes. Pela fuso com o elemento franko, tinha a Fran-
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a as condies para influir directamente sobre as raas germanicas da Inglaterra pelos Normandos, e da A l l m a n h a pela communicao das Canes lyricas, da propagao das suas Universidades, dos seus dogmas theologicos e doutrinas politicas. Como a nacionalidade franceza foi a primeira que se formou, assim mais cedo se creou a sua Litteratura, vindo a ser imitada por todos os outros povos da Europa. Dizia Martin de Carrale, em I275, justificando-se de escrever a historia de Veneza em francez: (( Parce que la langue franaisc cort parmi te monde, et est la plus delitable lirc et oif que nulle autre) Desde a Edade mdia at ao nosso sculo, a hegemonia da Frana foi reconhecida pelos mais elevados espritos, como Dante e Brunetto Latini e Aldobrandini de Sena. Observa Charriere.; formada dos restos das nacionalidades feudaes a Frana chegou a esta homogeneidade perfeita que faz viver um povo como um s homem. Que seria ella hoje se as nacionalidades das suas provncias se tivessem desenvolvido fra do centro commum com as mil barreiras levantadas pelos interesses de cada localidade, em logar do solido feixe que reuniu em uma mesma aco todas as variedades da sua natureza? Foi a ella que a Frana deveu esta sociabilidade to facil, que faz d'ella em todos os tempos a nao civilisadora por excellencia, e que lhe revela por toda a parte, mesmo para os organismos mais rebeldes e antipathicos um lado intelligivel e apreciavel, e que reproduziu na sua litteratura as feies especiaes de cada provncia sob uma physionomia geral: em Corneille, a ener-
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gia rude e ousada da raa normanda, em Montaigne e Montesquieu a vivacidade do espirito gasco, em Voltaire o atticismo do espirito parisiense, etc.; concerto de intelligencias semelhante harmonia das cres que as facetas do prisma separam, e que condensadas em um raio unico formam a luz que allumia o mundo. (Politique de FHist., II , 408.) Esta fuso de raas reproduz os seus caracteres nas creaes do espirito: o elemento Galloromano da Frana meridional, depois da primeira cruzada desenvolve os germens tradicionaes do seu Lyrismo, das alvoradas, das serenadas, das tenes, dos Puy ou ajuntamentos poeticos, nas Canes escriptas dos Trovadores occitanicos, que se propagam e so imitadas no norte da Frana, na Italia, Portugal e Hespanha, na Allemanha, onde apparecem os Minn-esingers reproduzindo todos os artifcios da Gaya Sciencia. O elemento Gallo-Franko que apoiou a unificao nacional da Frana, desde Carlos Magno at Joanna d'Arc, idealisou o grande typo imperial nas Epopas ou Gestas carlingias e na lucta dos grandes vassallos feudaes contra a unificao monarchica. E' extraordinria e verdadeiramente assombrosa a diffuso d'esta efflorescencia pica: na Allemanha, do seculo X I I traduzida a gesta de Roland, e reelaborada no principio do seculo X I I I por Striker; Aliscans imitado por Wolfram d'Eschenbach com o titulo de Wilhelalm. Na Neerlandia so conhecidas as gestas de Roncesvaux, Guitechin, Floovant, Ogier, Renaud, Aiol, e os Lorrains. Na Scandinavia, a compilao do Karlamagna'
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Saga, abrange o Couromment de Charles, Doon de la Rache, Ogier, Aspremont, Otinel, Roncesvaux, Moniage Guillanme. Na Inglaterra so conhecidos Fierabras, (Sir Ferumbras), Otinel. Na Italia, como escreve Lon Gauthier: (( Roland, Ogier e Renaud acham uma segunda patria. Na regio lombarda, veneziana que esta feliz popularidade teve como, e jograes francezes ahi primeiro os cantaram. Nos Reali di Francia, de Andrea da Barberini, se condensaram Fioravante, Beuves de Hanslonne, Enfances de Charlemagne e de Roland. Sobre este cyclo gallo-franco trabalharam dando-lhe frma artstica Pulci, Boiardo e Ariosto, fazendo a transio para a epopa histrica. Na Hespanha foi conhecida a Gesta de Gerars de Viane (nica de que ficou manuscripto), Fierabras, Historia de Carlos Magno s de tos Pares de Francia; em Portugal conheceu-se a gesta de Roland, os Dose Pares e a g-esta de Jean de Lanson, e muitos dos themas carlingios entraram na elaborao dos romances populares. O elemento Gallo-breto propaga os poemas de amor e de aventuras, da Tavola Redonda, do Santo Graal, de Tristo e Yseult, de Flores e Brancaflor, de Percival, de Lancelot do Lago, de Merlin, sympathicos a todos os povos do norte a sul e at ao Oriente, confundindo-se com o espirito messianico da Cavalleria celeste, e sustentando-se no gosto atravs da Renascena nas Novellas de Cavalleria escriptas na prosa das Chronicas nacionaes. O elemento latino e ecclesiastico, presta litteratura f ranceza as interessantes Lendas agiologicas, os poemas de Troie la grant, de Alexan-
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(dre: as Canes latinas dos escholares e goliardos, os Eabliaux e as Novellas desenvoltas, as Soties e Parcas, em que se elabora o theatro moderno. A cultura clssica recebida em Paris e Tolosa, para onde convergem os principaes espritos, como Dante, Brunetto Latini, Boccacio, Petrarcha, nessas Universidades mes onde os alumnos se agrupam por naes. Sem conhecer estes aspectos fundamentaes da Litteratura franceza no podero ser bem apreciadas as Litteraturas romanicas em quanto ao desdobramento similar das suas origens. Pde-se dizer que at ao fim do seculo xv a Litteratura franceza na evoluo organica dos seus elementos tradicionaes nas formas lyrica, pica e dramatica, exerceu uma incomparavel aco hegemonica. b) Hegemonia da Italia. A Renascena da Antiguidade classica iniciada pela Italia veiu imprimir uma direco uniforme s Litteraturas romanicas, desviando-as do elemento organico e fecundo das suas tradies; renegando a Edade mdia pela rudeza dos seus esbos litterarios, incutiu o esmero das frmas pela imitao dos modelos greco-romanos. E esse culto exaltado dos poetas e humanistas chegou por vezes a fazer o syncretismo do symbolismo polytheico com os dogmas e representaes catholicas. A Italia achou-se em condies especiaes para a obra da Renascena: nunca o conhecimento da antiguidade se perdeu alli completamente. As suas escholas de jurisprudencia eram to reputadas como as antigas de Labeo e Capito; os
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seus monumentos e ruinas foram educando os novos genios, para os quaes quando a Italia se viu occupada pela Allemanha, invadida pela Frana, conquistada pela Hespanha, atraioada pelo Papado, desgostados da vida publica e sem esperana no futuro da sua patria, esse mundo sereno do passado e da arte foi um refugio, consolando-se na reproduco d'esse antigo ideal que tanto os alentava no meio das catastrophes. Emquanto os exercitos francezes talavam o solo italiano, os sebios discutiam o platonismo, e os pintores e poetas, como outr'ora Archimedes, no sentiam o estrepito das armas invasoras. Os que conquistavam a Italia, admiravam a sua cultura intellectual, e a Italia exercia o seu prestigio sobre o vencedor, tal como a Grecia subjugada pelos romanos, e mesmo Roma subsistindo apoz a sua ruina pelo imperio das Leis. A actividade especulativa era o que restava a essas altas individualidades nascidas em um paiz sem liberdade. Por esta actividade que se exerceu no Humanismo, estudando e publicando os monumentos litterarios scientiicos e philosophicos da Grecia e de Roma, a Italia estava destinada, alm dos seus antecedentes historicos, a ser o centro dos estudos das lettras humanas na Renascena do seculo x v I , influindo directamente na Frana sob Carlos vi e Francisco i, na Inglaterra desde Chaucer a Shakespeare, em Hespanha pelos lyricos da Eschola poetica sevilhana, e em Portugal desde D. Joo II at suprema belleza do lyrismo de Cames. Assim as Litteraturas romnicas foram-se reciprocamente influenciando, unificando-se pela sua
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intima embora mal conhecida solidariedade. O que era o lyrismo italiano, o dolce stil nuovo, na sua belleza de frma e profundidade philosophica? O aperfeioamento definitivo das Canes imperfeitas dos Trovadores, a que desde Dante a Petrarcha, o genio italiano deu a expresso amorosa com o relvo das especulaes das cscholas neo-platonicas renovadas na Italia. A Epopa era o esbo das Gestas medievaes aprimorado pela frma pura virgiliana, deixando livre phantasia a creao das situaes romanticas ligadas para produzirem a emoo de agradaveis surprezas. Pelo estudo da Litteratura grega do perodo alexandrino, que servira de modelo Litteratura latina, pde a Italia appresentar elaborao esthetica a Epopa historica, e a Tragedia philosophica, sobre que foram moldadas as obras primas da arte moderna. Os themas novellescos dos Fabliaux perderam a frma metrificada, e foram redigidos em prosa, em Contos, em que se descreviam as situaes da vida burgueza, se desenhavam os typos e caracteres, e as peripecias imprevistas, d'onde provm por ampliao a nova frma das litteraturas o Romance. Sobretudo em um povo em que a vida civil era sustentada por uma forte organisao e independencia municipalista, era natural o desenvolvimento da frma da Novella, creada por Franco Saccheti, Fiorentino, Boccacio; e em que a frma pica das Gestas carlingias era antipathica parodiando grotescamente esses quadros da sociedade feudal, e chamando com desdem Ciarlatini aos cantores das praas, os jograes que re-
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citavam as Gestas de Carlos Magno. O prestigio da Italia litteraria e artistica era absoluto; em Frana vimos Carlos vIII chamar para a sua crte os sabios italianos; Luiz X I I enriquece com as bibliothecas da Italia as livrarias francezas; Francisco I educado por um pedagogo italiano, e inscreve-se como cidado no Livro de Ouro de Veneza. Na Inglaterra, sob Henrique v I I I , o espirito da Renascena -lhe communicado pela Italia, inspirando os lyricos Wyat e Surrey.' Escrevia em 1592 o critico de Puttenham, referindo-se a estes reformadores: Tendo viajado na Italia, iniciaram-se no metro harmonioso e no estylo magestoso da poesia italiana. O prurido latinista que dominou em Inglaterra na eschola dos Bnphuistas era semelhante ao da Pleiade franceza. Uma grande parte dos themas historicos das tragedias de Shakespeare tirado dos Vares illustres de Plutarcho e dos Novellistas italianos como Boccacio, Geraldo Cynthio, Luigi da Porto, Belleforest, e Bandello. Em Hespanha a influencia da Italia data do principio do seculo xv, quando Miccr Francisco Imperial tornou conhecidas as poesias de Dante. O Cancioneiro de Stuniga a cada pagina revela que foi escripto por poetas que estiveram na conquista de Napoles. Essa hegemonia litteraria impe-se no primeiro quartel do seculo xvI quando em I524 Andrea Navagero foi enviado como embaixador de Veneza a Carlos v. Durante seis mezes que esteve em Granada, encontrou-se Navagero com Boscan, e nas suas largas conversas sobre litteratura trouxe observao do poeta os
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caracteres particulares do metro endecasyllabo italiano pedindo que o experimentasse na metrificao castelhana. Boscan, satisfeito com o exito da tentativa; continuou a exercitar-se, mas teria desf allecido na sua 'empreza sob os rudes ataques dos apaixonados dos metros de redondilha, se Garcilasso, j ento conhecido como um eminente lyrico, o no viesse fortalecer com a sua franca adheso. A questo do emprgo do verso endecasyllabo foi o facto contra o qual se feriram aceradas pugnas embaraando a introduco do gosto italiano. Accusavam o endecasyllabo de no ser nacional, equiparando-o ao verso alcaico; mas era um verso usado pelos trovadores e portanto romanico. Tambem depois de terem sido frequentadas as escholas de Italia, na primeira Renascena, no fim do seculo xv a aristocracia portugueza seguiu o caminho da Italia a fim de se lhe formarem os costumes, serem instruidos nas boas lettras e aprenderem todas as artes liberaes,)) como se l em uma carta do humanista Angelo Policiano a D. Joo I I . A Renascena italiana, com os seus aspectos artstico e philologico propagou-se a Portugal influindo na grande poca dos Quinhentistas. Deu-se aqui como na Hespanha, o conflicto entre a tradio medieval e a auctoridade classica ou italiana. S de Miranda teve essa gloriosa iniciativa, dando-se em Cames a admiravel conciliao dos dois espritos, fechando a edade de ouro da Litteratura portugueza. S de Miranda conheceu a relao evolutiva dos esboos provenaes com as frmas definitivas e bellas do petrarchismo'; era um consciente 9
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renovador.. Cames excedeu os modelos italianos, dando expresso das emoes pessoaes o relevo philosophico d'esse idealismo platonico que dera o maximo fulgor ao genio artstico da Toscana. A influencia italiana exerceu-se tambem na Architectura e na Pintura, mas sem apagar a feio nacional que prevalece no estylo manuelino, e na eschola de Gram Vasco. c) Hcspanha e Portugal. As duas raas peninsulares, iberica e lusitana, somaticamente clifferenciadas nos seus typos, eram, pelas tendencias sociologicas, ainda mais divorciadas: o ibero unificava em si todos os povos adventcios, alargando o seu poder, e conformando-se com a unidade politica fosse ella imposta pelos conquistadores romanos, germanicos e arabes, ou pela auctoridade religiosa da intolerancia catholica em uma quasi theocracia; o luso, sempre apoiado nas suas liberdades locaes, nas garantias municipalistas, embora se enfraquecesse pelo isolamento, tirava da pureza da sua raa a resistencia, com que persistiu atravs de todas as invases, que soffreu a Hespanha, conservando todos os seus caracteres ethmicos. Esse fundo iberico, persistente nas populaes hispanicas e verificavel nos costumes, nas tradies e supersties do vulgo, achou-se syncretisado com as invases dos Celtas, formando o typo mixto ou Celtibcrico: tornando-se adaptavel a cohabitao das colonias jonicas e da occupao romana; desnaturando-se com os abundantes accrescimentos semitas de phenicios, carthaginezes e arabes; com regresses ao typo africano branco
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de berberes e mouros. Toda esta mistura de sangues deu ao ibero varios typos somaticos, mas ainda mais essas contradies profundas de caracter. que confunde, o heroe com o salteador, n'essa antithese assombrosa de D. Quixote e Sancho Pansa. Essa tendencia para o imperialismo ou unidade iberica, foi-lhe suscitada pela unidade catholica no fim da lucta contra o imperio mussulmano; tal o Castelhanismo, absorvendo em si todos os estados livres e nacionalidades da Hespanha, com a extinco das suas esplendidas energias creadoras. A unificao nacional da Hespanha, realisada smente no fim do seculo xv, foi um phenomeno laborioso, violento e deprimente, operado por interesses egostas de familias dynasticas, fundindo-se Arago com Castella sob Fernando e Isabel, at Philippe II, (que servindo-se da intolerancia da Inquisio, e presidindo Liga Catholica, consegue incorporar no Castclhanismo Portugal. Durou pouco mais de meio seculo (I580 a I640) essa ambicionada unidade ibrica, regressando as duas raas ao seu eterno divorcio. As duas Litteraturas, hespanhola e portuguesa, encerram revelaes extraordinarias do ethos d estes dois povos. Sob o nome de Hespanha entende-se desde o fim do seculo xv a unidade politica e linguistica castelhana, tendo absorvido em si a Cora de Arago (com o Principado da Catalunha e reinos de Valencia e Arago), Leo, com as Asturias, Galliza, reino de Navarra e provncias Vascongadas; o reino de Murcia. a Extremadura com os quatro reinos Arabes da An-
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dalusia (Granada, Jaen, Cordova e Sevilha). Todas estas nacionalidades peninsulares estavam castelhanisadas em I482; smente ao fim de um seculo que pela rde dos casamentos da Casa de Austria hespanhola, Philippe II se apoderou de Portugal, castelhanisado na sua aristocracia fanatisada, como herdeiro dynastico. Sob o nome de Portugal entende-se esse fragmento da vertente occidental dos Pyrenneos, cujo territorio era occupado pela grande raa lusonia, chamada a Lusitania dos antigos, na phrase de Strabo. Como resistiu Portugal, a este constante esforo de absorpo e incorporao castelhana? E' to assombrosa a formao da nacionalidale portugueza, se fr desconhecido este problema da raa, como tambem incomprehensivel a sua resistencia contra o unitarismo iberico sem o apoio das suas navegaes e descobrimentos. A L i t e ratura portugueza nasceu dos germens da tradio da raa e do ideal da aco historica. A comprehenso sociologica dos Descobrimentos sobre a autonomia de Portugal, -nos dada pelo phenomeno da perda da autonomia da Catalunha sob a unidade castelhana. E' preciso relembrar como as trez Nacionalidades de Castella, Catalunha e Portugal se definiram no esforo da resistencia de seculos para a expulso dos Arabes da Hespanha. Emquanto o elemento aristocratico, fugindo diante da invaso dos Arabes, foi crear no norte da peninsula esse centro de resistencia dos Galecio-Asturo-Cantabros, na extremidade oriental dos Pyreneos a republica da Catalunha, isto , as suas cidades livres faziam
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sustar as incurses sarracenas. E d'essa poca de lucta incessante foi essa caracterstica da Catalunha formulada por Madoz, que toda a sua historia se reduz s luctas para a sua liberdade. Na vertente do Oeste, confessam os chronistas arabes que os Lusitanos, eram os mais indomaveis e sempre irrequietos, no podendo estenderse por causa d'elles o domnio mussulmano para o Norte da pennsula. Quando esses refugiados das Asturias vm reconquista das cidades do sul, apoderando-se d'ellas pela unidade catholica a titulo de libertal-as dos infieis, visam logo a restaurar a unidade imperial neo-gotica, isto o absolutismo da monarchia germanica! As quatro Monarchias que se estabeleceram nos quatro planaltos dos Pyreneos, Leo, Arago, Navarra e Castella, dispendem as suas energias nas luctas dynasticas de unificaes e separaes, segundo esses estados eram conquistados ou herdados em testamentos. A esta incorporao castelhana, veiu tambm a Catalunha por uma imprevista fatalidade; a sua autonomia assentava sobre a sua actividade economica, exercida na navegao do Mediterraneo. O descobrimento da America em I492, deslocou toda a actividade para o oceano Atlantico. Succedeu-lhe como a Veneza, na sua decadencia. Esse facto do engrandecimento de Castella pelo descobrimento do novo imperio colonial, identificou o sentimento da patria com o imperialismo castelhano. Portugal teria succumbido mesma fatalidade historica, se depois da descoberta da America,
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no realisasse pouco depois o descobrimento do caminho martimo da ndia e do Brasil. Hegel, na sua Philosophia da Historia, explica a separao da Hollanda da Allemanha pela sua visinhana do mar. E' tambem a situao de Portugal ; o mar tornou-se um campo de aco e uma condio economica da nacionalidade. No seu livro De la Neerlande, Alfonso Esquiros, faltando do individualismo nacional da Hollanda, faz-nos comprehender a independencia de Portugal : Os povos so o que as influencias exteriores os fazem ser, o que crelles fazem a agua, o co e a terra. O valor d'estas causas augmenta mais, quando a nao se acha collocada em condies unicas de posio, entre o continente e o mar. A geographia d'este povo ento o prefacio da sua historia, a origem dos seus costumes, das suas instituies, e do seu genio. (Op. cit., I , p. 4.) Em um outro estudo expendemos sobre este cyclo das grandes navegaes, desde Zarco a Vasco da Gama, que tornaram Portugal o iniciador da Civilisao moderna: A vida historica de Portugal coincide com o periodo das expedies e descobertas martimas quando comprehendemos a nossa situao junto do mar, reagindo assim contra a presso do continente. Fomos um povo de mareantes; o sentimento d'esta phase da vida nacional, as incertezas da navegao, o acaso das descobertas, a consciencia da nossa fora e riqueza, a distancia fazendo comprehender pela saudade o ideal da patria, tudo isto se reflectiu na nossa pequena litteratura, convergindo para produzir uma obra unica, em que
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mais accentuadamente se determina este caracter, os Lusadas, que, apesar da sua origem individual satisfaz as exigencias moraes da nacionalidade. Extingam-se todos os vestgios da civilisao, todos os monumentos, os stios que occupamos, e o espirito superior ir recompr a vida historica dos portuguezes pelos Lusadas, como o fizeram j o naturalista Humboldt, Schlegel e Quinet, e comprehender a sua alma aventureira nas Relaes dos naufragios, nos romances tradicionaes e na architectura. (Thcor. da Jiist. litt., p. 23). A autonomia das duas raas, ibrica e lusa, manifestou-se ainda mais nitidamente n'esta grande crise, em que o commercio passou do Mediterraneo para os estados occidentaes com a navegao do Atlantico. Da actividade dos hespanhoes n'este perodo escreve Heeren, no manual historico do Systema politico dos Estados da Europa, desde a descoberta das duas ndias: Como o novo mundo no lhes appresentou logo outros productos de grande importancia, o ouro e a prata, para desgraa dos naturaes dos territorios, tornar amse o objectivo unico dos estabelecimentos que emprehenderam ahi fundar. Contrape-lhes os estabelecimentos coloniaes dos Portuguezes: A maneira como foram feitos os descobrimentos dos Portuguezes, e a natureza das terras por elles descobertas, tornaram os seus estabelecimentos coloniaes essencialmente differentes dos dos hespanhoes. Como tinham chegado s ndias por uma marcha de progressos successivos e regulares, as suas ideias em muitos pontos tiveram tempo de se formarem, e a natureza do paiz no lhes dra
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ensejo para estabelecer ahi colonias para explorao de minas, mas unicamente feitorias de commercio, no frmaram grandes possesses, mas estabeleceram-se solidamente sobre alguns pontos principaes, proprios para as suas relaes mercantis. Essas riquezas fabulosas do Mexico e Per, esses thezouros phantasticos hallucinaram os fidalgos, cuja disciplina de guerra tinha terminado com a conquista de Granada, e o povo perdera a noo da riqueza produzida pelo trabalho livre. D-se a flagrante dissoluo dos costumes, e a represso religiosa da Inquisio servindo de policia do estado germanisado. Os grandes genios da lyitteratura que do todo o brilhantismo lngua castelhana, pertencem aos fcos nacionaes apagados, Galliza, a Arago, Andalusia, dando a illuso aos escriptores reaccionarios,' que esse esplendor foi devido ao influxo da Casa de Austria! Mas esse esplendor em breve se transformou em um espirito sarcastico, de quem no tem a f patriotica. Os velhos Romances tradicionaes, a mais pura expresso do genio pico da Hespanha, so parodiados nas Xacaras ou narrativas dos crimes dos Guapos e Temerones nos feitos audaciosos dos contrabandistas. O romance novellesco, idealisando a vida domestica, foge das situaes naturaes para a aberrao moral e psychologica, na forma picaresca da Losana Andalusa, de Gnsman d' Alfarrache, da Picara-Justina, de Marcos de Obregon, do Lazarillo. A propria Novella de Cavalleria, que tanto apaixonava o genio hespanhol, por este intuito de parodia do
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espirito em revolta, elaborada por um sarcasmo sincero, como no Dom Quixote, e na simulao de Lupercio Argensola (Avelaneda). A falta de liberdade civil e politica, aggravada pela censura ecclesiastica das obras escriptas, foi compensada pela paixo do theatro, que no pde ser eliminado. Escreveu-se para a scena hespanhola, para servir esta avidez do vulgo. Os themas dos antigos Romances heroicos foram passados da frma narrativa para a aco dramatica, dando logar creao esthetica da Comedia famosa, de capa e espada. Tornou-se facil essa transformao, em que se mantinha o verso octonario assonantado dos velhos romances, em tres jornadas ou actos, com enredo duplo, sendo um baseado no ponto de honra e outro no contraste em um typo popular. Da multiplicidade dos themas dos Romances proveiu a infinidade das Comedias famosas com que a Litteratura hespanhola exerceu por sua vez a hegemonia nas litteraturas franceza, italiana e ingleza. Basta notar como Corneille e Molire souberam elevar a Comedia famosa altura das perfeitas tragedias e da comedia de caracter, tomando esses typos hespanhoes do Cid e de Don Juan. A mesma hegemonia exercida pela Novella picaresca, estimulando o genio gaulez como no Gil Blas de Santillana, o Diabo Coxo, o Bacharel de Salamanca. O apagamento do genio hespanhol no seculo xvI foi a consequencia irrefragavel do seu absorvente e material castelhanismo. Portugal. Ao passo que as outras litteraturas hispanicas, como a gallesiana, a aragonesa, a
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valenciana e catalan se extinguiam com a absorpo das suas nacionalidades, desde que a Terra Portucalense se constituiu na Quinta Monarchia, o seu individualismo ethnico fortaleceu-se pelo desenvolvimento da lngua portugueza na creao duma bella Litteratura. ' na raa lusitana (Portugal e Galliza) que se revela o genio lyrico trobadoresco, influindo nas outras crtes peninsulares, como ainda no seculo xv o reconheceu o Marquez de Santilhana, celebrado poeta castelhano. Na Crte de Dom Diniz, onde eram acolhidos todos os jograes, segreis e trovadores aragonezes, valencianos, castelhanos e gallegos, a lyrica teve tal desenvolvimento, que n'essa poca este centro de cultura aristocratica exerceu uma aco hegemonica em todas as outras Crtes hespanholas em que se elaboravam as novas litteraturas. Na evoluo do gosto provenalesco, depois da morte do rei D. Diniz, prevaleceu o gosto pelos Lais bretos; em Portugal esses Lais narrativos receberam a frma em prosa, ampliada na Novella do Amadis de Gania, o typo primario do genero da Novella de Cavalleria. Foi essa a obra com que o genio portuguez, no obliterado sob a crusta rhetorica da amplificao castelhana, exerceu um influxo hegemonico em todas as litteraturas modernas, que tanto a imitaram e desenvolveram. No seculo xv I, quando a cultura portugueza se amoldou aos canones classicos impostos pelos eruditos da Renascena, os Humanistas portuguezes professaram largamente nas Escho-' las da Italia, e em Frana os Gouveas, sustentando a disciplina pedagogica em Paris e Bor-
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dos, foram os mestres de Montaigne, de Rabelais, de Ignacio de Eoyola, de Calvino, e tantos outros vultos do grandioso seculo. E no esforo para crear-se a Epopa moderna, digna de contrapr-se s epopas homericas e virgiliana, smente o genio portuguez soube descobrir a verdadeira Tradio pica occidental das rhapsodias atlanticas creando sobre o mais decisivo facto da historia moderna a Epopa dos Lusadas.
EPOCAS HISTORICAS DA LITTERATURA PORTUGUEZA
Da marcha completa da Edade mdia e das crises sociaes e politicas da nacionalidade tiram-se os topicos com que se caracterisam de um modo ntido as modificaes d'esta litteratura. Pela filiao historica reconhece-se immediatamente o que a Litteratura portugueza recebeu das outras litteraturas romanicas, e por que formas influiu nas mesmas litteraturas embora mais fecundas, completando assim o quadro da sua mutua solidariedade. PRIMEIRA EPOCA: EDADE M D I A . Preponderancia dos elementos tradicionais sob o influxo dos esbos estheticos franceses; como da transio para o estudo da Antiguidade classica. 1.0 Perodo. (Sculo xII a x I v . ) Predomina o Lyrismo trobadoresco em todas as cortes europas, e essa corrente propaga-se a Portugal, primeiramente, acordando os latentes germens po-
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pulares, depois pelas relaes da crte portugueza com a de Leo, qual convergiam os trovadores italianos, como Sordello e Bonifacio Calvo, referidos e imitados nos nossos Cancioneiros; e por fim, pela emigrao de alguns fidalgos portuguezes, que acompanharam D. Affonso I I I , quando Conde de Bolonha, durante a sua permanencia na crte de S. Luiz, que era ento o meio activo da imitao da poesia provenalesca modificada pelo norte da Frana. Uma phase nova de desenvolvimento lyrico comea com o rei D. Diniz, que imita directamente a poetica provenal, elaborando ao mesmo tempo as frmas tradicionaes populares dos Cantares de amigo, das Serranas e Dizeres gallezianos. Por ultimo, a poesia provenalesca decae do gosto da crte, sendo preferidos os Lais bretos, que pelo seu desenvolvimento narrativo levaram creao da Novella em prosa do Amadis de Gaula. Os Lais narrativos tinham dado thema aos poemas g'allo-bretos de Tristo e de Flores c Brancaflor, muito lidos na crte portugueza. que tambm influia na corte castelhana de Affonso xi, depois da batalha do Salado. Na grande poca da primeira Renascena, reflectiu-se em Portugal a cultura das Escholas de Paris, onde iam estudar os conegos de Santa Cruz de Coimbra. Figuram n'essa poca os grandes luminares Pedro Hispano, cujas Summulas logicas dominaram at ao seculo xvI em todas as escholas da Europa; o mystico S. Antnio de Padua, e Frei Gil de Santarem, que antes de entrar na ordem dominicana se entregou aos estudos
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medicos. A cultura latina coadjuva o desenvolvimento da independencia do Poder real; cria-se a Universidade de Lisboa-Coimbra, e a lingua portugueza, que se mostra na sua belleza nas narrativas episodicas dos Nobiliarios-, enriquece-se por um grande numero de traducoes do latim da Biblia, dos Santos Padres e tratados dos Moralistas. 2. 0 Perodo, (Sculo xv.) N o se contina o desenvolvimento da Poesia provenal, como succedeu na Italia, com Petrarcha, e na Hespanha j secundariamente por Micer Imperial. Ouando sob a Regencia do Infante D. Pedro se reconciliam as Crtes de Portugal e Castella, o lyrismo castelhano da eschola de Juan de Mena imitado pelo proprio Infante D. Pedro, por seu filho o Condestavel de Portugal, e em Portugal so imitadas e por vezes traduzidas as poesias do Arcipreste de Hita, do Marquez de Santilhana, de Jorge Manrique e de H e r n a n Perez de Gusman, predominando essa fascinao do castelhanismo no Cancioneiro geral de Garcia de Resende. Ainda a influencia gallo-bret se manifesta na predileco das Novellas da Tavola-Redonda, na Demanda do Santo Graal, no Joseph ab Arimatha, e em outras que o rei D. Duarte colligira na sua magnifica bibliotheca. A predileco pelas obras da antiguidade classica, j se revela em obras compiladas ou traduzidas de livros latinos, como Seneca, Tito-Livio, tambem colligidas na bibliotheca do rei D. Duarte. A Historia recebe a sua frma litteraria sob o influxo do poder real, nos
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chronistas Ferno Lopes, Gomes Eannes de Azurara e Ruy de Pina, atravs das tentativas da redaco latina definitiva da historia nacional. Introduz-se a Imprensa; a mocidade portugueza vae a Italia frequentar as escholas dos humanistas da Renascena. Comea a Era dos grandes Descobrimentos. S E G U N D A E P O C A : RENASCENA. P r e domina a imitao da Antiguidade classica; renegada a Edadc mdia, chegando-se ao esquecimento das Tradies nacionaes. I.o Perodo: Os Quinhentistas (Seculo x v I . ) Corresponde ao perodo de maior actividade da nao portugueza: a elaborao litteraria dos Quinhentistas simultanea com as grandes navegaes e descobrimentos da ndia e Brasil. Constitue-se a Grammatica da Lingua portugueza por Ferno de Oliveira e Joo de Barros; funda-se o lheatro nacional, por Gil Vicente, sobre as frmas hieraticas populares; a poesia lyrica mantm a frma medieval a par do Dolce stil miovo da Italia, propagado por S de Miranda, n'esse conflicto dos Poetas da medida velha com os Petrarchistas. A poesia pica, esboada na outava castelhana em endechas, recebe a frma italiana da ottava rima de Ariosto moldada sobre o poema virgiliano por Cames. A litteratura portugueza do seculo xvI deriva d'estes tres poetas por uma relao muito clara. Gil Vicente o que representa de um modo completo e exclusivo as frmas da litteratura medieval; imitado por Antonio
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Prestes, por Antonio Ribeiro Chiado e at por Cames e outros na frma do Auto. S de Miranda oppe s suas primeiras composies em rcdondilhas, os novos endecasyllabos, com que introduz a eschola italiana em Portugal, sendo imitado pelo Dr. Antonio Ferreira, Pedro de Andrade Caminha, Diogo Bernardes, D. Manoel de Portugal, Falco de Resende,. Francisco de S de Menezes. Os seus versos em rcdondilhas, que prevaleceram na imitao do seculo x v I I ; verdadeiramente a medida velha tinha a sustentar-lhe o influxo as Eclogas apaixonadas de Bernardim Ribeiro e de Christovam Falco, e a predileco da crte de Dom Joo I I I . no gosto feminino. Cames, pela superioridade do seu genio, funde, estes dois elementos medieval e classico nos Lusadas, da mesma frma que Shakespeare em Inglaterra ; os seus versos lyricos foram largamente plagiados, nascendo tambem depois do seu impulso todas as Epopas historicas. A justa relao entre os elementos medievaes e classicos foi quebrada pelo predominio dos Jesutas no ensino publico, em Coimbra, em que a Universidade fica dependente do Collegio das Artes, e pela censura dos livros estabelecidos pela execrando cardeal D. Henrique. O castelhanismo, que tanto predominou na crte portugueza, pelos casamentos dos reis D. Manoel, D. Joo III e principe D. Joo (pae de D. Sebastio) apparece escripto por todos os poetas quinhentistas, que transigiam com a moda palaciana, mesmo apesar do seu consciente nacionalismo, como Gil Vicente e Cames. Mas ope-
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rava-se um esforo para mantr o uso da lingua portugueza na litteratura, como o proclama Ferreira na sua Carta I I I , accusando o esquecimento e desamor dos que mal o exercitavam. A bella prosa portugueza d frma Historia, cultivada por Joo de Barros, Castanheda, Damio de Goes e Diogo do Couto, uns perseguidos, outros pobres, e todos elles sem a liberdade para exercerem a critica. Ao fim de trinta annos o ensino jesutico exerceu nas novas geraes uma forte desnacionalisao, que augmentando o influxo castelhano, servido pela reaco catholica, de que era chefe Philippe II, levou ao espectaculo vergonhoso de os proprios Governadores do Reino em I580 reconhecerem o direito do Demonio do Meio dia para incorporar Portugal na unidade iberica. 2.0 P e r o d o : Culteranistas (Seculo x v I I . ) Portugal no acompanha o movimento scientifico que levou creao das Academias na Europa. Sob a forte compresso catholica, estas corporaes foram exclusivamente rhetoricas, maneira das Tertulias hespanholas. Toda a actividade dos poetas dispende-se em engrandecer o reportorio castelhano com Comedias famosas de capa e espada. No emtanto brilham Francisco Rodrigues Lobo com as suas Novellas pastoraes e D. Francisco Manoel de Mello, como h/ricos continuando o impulso de S de Miranda e de Cames. A Revoluo de I 6 4 0 em que Portugal revindica a sua autonomia, como um movimento resultante do plano politico para a sciso da Casa de Austria da
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Hespanha, no inspirou o sentimento nacional, apesar das numerosas Epopas historicas seiscentistas. 3.0 P e r o d o : Arcadistas. (Seculo X V I I I . ) O que fizeram os Jurisconsultos da Edade mdia para a emancipao da sociedade civil, continuaram-no os Litteratos ,no seculo excepcional, procurando pelas emoes artsticas proclamar a liberdade politica. Em Portugal os escriptores estavam totalmente separados do povo, isto , da nao, confinados nas suas Academias (Arcadia lusitana, Nova Arcadia, Academia dos Occultos, Academia de Humanidades, e t c ) , imitando desenfadadamente Horacio e promovendo o gosto da cultura latina e a auctoridade dos modelos quinhentistas, contra qualquer liberdade de elocuo da phantasia culteranista. N'esta inconsciencia da misso das lettras, acceitavam o despotismo como uma ventura do governo paternal, e todas as suas idealisaes, eram panegyricos regios das mais emphaticas e inexpressivas exageraes. Destacam-se n'estes numerosos poetas, os quatro superiores arcadistas Garo, Diniz, Quita e Manoel de Figueiredo. O genio lyrico irrompe nos poetas portuguezes nascidos no Brasil; e as ideias revolucionarias do seculo X V I I I , apparecem nos versos de. Jos Anastacio da Cunha e de Bocage, que por isso se viram nas garras da Inquisio. O espirito scientifico do seculo entra em Portugal, pela inciativa do Duque de Lafes e de Corra da Serra, fundando em I779 a Academia das Sciencias de Lisboa, chegando-se ahi a lr o Elogio
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de D'Alembert. Por essa obra se operou a fecunda tentativa do resurgimento de Portugal, relacionando-se este paiz com o movimento scientifico europeu. T E R C E I R A P O C A : R O M A N T I S M O . Revivescencia das Tradies nacionaes pela idealisao c rcliabilitao da Edade mdia, reconhecendo a solidariedade histrica da Antiguidade classica. O contacto de Portugal com a civilisao, estabeleceu-se depois de um terrvel crco da Intendencia geral da Policia, e m . I 8 I 7 , quando fugindo ao canibalismo de Beresford, se refugiaram em Frana o Morgado de Matheus, Mascarenhas Neto, Felix de Avellar Brotero, Domingos Antnio Sequeira, Domingos Bomtempo, e outros espritos cultos subtrahindo-se perseguio contra os inculpados de jacobinos. Sob a presso do governo militar de Beresford mantido em Portugal pelo gabinete conservador inglez, rompeu a Revoluo de I820, em que se manifestou a fora e a cultura da classe mdia. Todas as energias da nao foram acordadas, iniciadas todas as reformas da sociedade moderna nas suas Constituintes; n'esse movimento, que surge o genio de Garrett, cuja obra seria a propria nacionalidade revivescendo. Pela reaco do absolutismo apostolico senado por Dom Joo vI, rasgada a Constituio de I822, e comea em I823 a segunda emigrao, seguindo-se a de I824, e a de I828 depois de abolida a Carta outorgada de
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I826, fugindo aos carceres e forcas miguelinas. Assim se viu o espirito portuguez forado a prse em contacto com os progressos intellectuaes e artsticos da Europa. Depois do triumpho da causa liberal da transio inglesa, o regresso dos emigrados fez-se sentir na Litteratura, iniciando as normas do gosto romantico. Pela primeira vez, depois da poca dos Quinhentistas, a Litteratura se ligou elaborao das lendas nacionaes e nasceu o interesse pela poesia das tradies populares. Tal foi a misso de Garrett ensaiando todas as frmas litterarias, lyricas, picas e dramaticas, e realisando o mais bello estylo da prosa portugueza; Herculano, reconhecendo-se mais erudito do que artista, n'esta misso considerava-se junto de Garrett como Thierry junto de Victor Hugo. A poca constitucional-parlamentar surgiu fecunda ; as ambies politicas absorveram todos os talentos, que era preciso corromper em pr da simulao liberal, e a Litteratura cahiu em uma symptomatica innanidade, iressa esteril phase do Ultra-Romantismo, contra a qual reagiu indisciplinadamente a chamada E schola de Coimbra.
i "A litteratura portugueza, no seu conjuncto, tem uma physionomia p a r t e ; posto que ella tenha por vezes imitado as litteratucas visinhas, por seu turno em certas epocas exerceu certa influencia sobre estas litteraturas. D'ahi a importancia que ella tem na historia geral. O caracter essencial da litteratura portugueza original, que lyrica, inteiramente penetrada de doura elegaca, e de sentimentalidade enthusiasta. Em portuguez que escreveram as Canes de amor no s os Portuguezes e os Gallegos. mas os poetas de toda a Hespanha, durante a primeira poca da Litteratura. De Portugal que proveiu o prototypo dos
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d) Inglaterra e Allemanha. Resta-nos o grupo das Litteraturas do Norte nas suas relaes com as Litteraturas meridionaes ou romanicas; sem o conhecimento d'estas relaes no se avalia a aco reflexa exercida pelo Romantismo. Ainda aqui a Frana exerce a sua aco hegemonica; assim como os dialectos da Frana meridional, do Languedoc, da Provena, Delphinado, Leonez, Auvergne, Limousin e Gasconha pela latinisao facilitavam a communicao com o Occidente europeu, tambem os dialectos da Frana septentrional, como o normando, o picardo, o flamengo e o wallon tornavam a Frana commtunicavel a todos os povos que fallassem qualquer dialecto teutonico. A primeira influencia da Frana exerceu-se na civilisao da Inglaterra pela conquista normanda: ao passo que Guilherme o Bastardo promulgava as suas leis em francez, ordenando que n'esta lngua se fizessem as rezas e os sermes, em Frana somente sob Francisco I que os actos judiciarios deixaram de ser escriptos em latim. A lingua ingleza constituiu-se sobre um fundo anglo-saxo pelo vocabulario franko-normando, que era a linguagem da Crte e do governo, fallada durante tres seculos,
heroes dos romances de cavalleria em prosa, o virtuoso Amadis. Os primeiros modelos do romance pastoral, taes como a Diana de Monte-Mr so portuguezes. Bastantes escriptores portuguezes, que se serviram da lingua de Cervantes, contriburam para enriquecer-se o theatro e o romance castelhano.9 D. Carolina Michae lis, La grande Bncyclopedie moderne, vb. PORTUGAL.
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mesmo depois dos reis de Inglaterra terem perdido a Normandia. Os alumnos de Oxford, ainda em 1328 eram obrigados a faliarem latim ou francez. O emprego da lingua ingleza nas escholas ( 3 5 E NOSACTOS officiaes ( I 3 6 2 ) coadjuvou a independencia da nao ingleza nas suas luctas contra a Frana. Na litteratura preponderam estas duas correntes, a normanda, que representa o elemento latino ou classico, e a anglo-sax, conservadora das tradies germanicas e medievaes. O vigor da nacionalidade ingleza affirmavase no concurso de todas as suas energias sociaes; a propria dissidencia religiosa, sob Henrique vII separando a Inglaterra da auctoridade de Roma, no se limitou polemica theologica, foi a consciencia nacional manifestando o seu individualismo de raa; por que o Protestantismo foi na essencia um abalo germanico sob a presso romana. Representante d'este momento historico, Shakespeare cria a tragedia moderna, na qual synthetisa o grande quadro de uma civilisao que decae em uma mina inevitavel e outra que surge imponente pelas suas energias sociaes. As tragedias idealisando os vultos historicos de Roma, como Cesar e Coriolano, e as que vivificam os reis de Inglaterra, encerram a lio profunda d'este impressionante contraste. Fra da Inglaterra Shakespeare, pelo seu extremo nacionalismo, no podia ser comprehendido seno em uma poca remota, em que o espirito universal soubesse apreciar as suas revelaes do drama subjectivo dos caracteres e estados de consciencia. Foi por isso que a comprehenso de Shakespeare, a sua reha-
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bilitao esthetica moderna definiu um dos mais ntidos aspectos do Romantismo. Mas a aco hegemonica da Litteratura ingleza sobre as litteraturas no seculo xvII no foi exercida pela obra d'aquelle genio incomparavel, e incomprehendido; escriptores burguezes, absorvidos nos conflictos da concorrencia social, industriaes e magistrados, fazendo d'essas situaes vulgares da vida domestica quadros emocionantes, crearam a forma do Romance moderno, em que a magestade da Epopa ou a fatalidade tremenda da Tragedia antiga ficam abaixo das collises sociaes e moraes em que figuram typos anonymos, at ao momento indifferentes para toda a gente. No eram eruditos os creadores do Romance moderno: eram espritos temperados pela dura realidade da vida, que a sabiam representar nas suas fatdicas cruezas: Daniel de Foe, Fielding, Smollett, Richardson, Goldsmith, e ainda Swift e Sterne, criam maravilhas em extraordinarios Romances lidos e imitados em todas as litteraturas. O Robinson Crusoe de Foe, a idealisao da lucta do homem isolado diante da natureza, cujo realismo lhe foi suscitado pelo caso do marinheiro escossez Selkirk; o Tom Joncs de Fielding, o variadssimo quadro da vida accidentada de um filho natural. N'esses romances de Smollett, Rodcrick Random, Humphry Clinker, nos de Richardson, como Pamela, Clarisse Harlow e Sir Charles Grandissoii, a minuciosidade descriptiva do meio e das circumstancias, que deviam produzir o enfado, chegam a representar to viva a realidade, que a aco se torna
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de um interesse invencvel. Por isso dizia Diderot, que se estivesse em um carcere ou no exilio, bastavam trez livros para lhe occuparem o espirito : Homero, a Bblia e Clarisse Harlow. Goethe com o seu poder esthetico, realisou no poema Herman e Dorothea esta transformao de uma situao vulgar da vida popular em uma impressionante Epopa. Os Romances inglezes foram traduzidos, e alguns ainda, passados dois seculos, exercem uma intensa fascinao. Alm da hegemonia da litteratura ingleza, no seculo x v I I , os seus escriptores fizeram valer a sua aco social, ascendendo interveno na vida publica; era um esboo do poder espiritual, que ainda no est normalisado. Pode tambem considerar-se como expresso d'esse influxo hegemonico, a creao das Revistas, de que Daniel de Foe foi um dos iniciadores. Pelo seu caracter inteiramente nacional, a Litteratura ingleza foi acordar no genio germanico o sentimento individualista da raa, dando-se o assombroso phenomeno da creao da Litteratura allem com obras primas verdadeiramente geniaes, iniciando a poca do Romantismo. Pelo catholicismo e pelas Universidades, a Allemanha recebeu a cultura greco-romana, quando o Humanismo obedecia ao movimento do Protestantismo, no podendo o prestigio da auctoridade classica abafar o individualismo germanico que se revelava no sentimento da nacionalidade. A influencia do pseudo-classicismo francez sustentava-se pelo prestigio da moda nas crtes absolutistas : e essa imitao deu Allemanha uma serie de. escriptores banaes, inexpressivos, como
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Opitz, Gryphius, Kley, Lohenstein, e Gottsched. Essa influencia deleteria vinha desde o fim da Guerra dos Trinta-annos (I646) at aos fins do seculo x v i I I I , quando, por occasio da Guerra dos Sete annos, Allemanha, pela communicao com a poesia ingleza antiga, se lhe revelou a tradio germanica obliterada, o elemento latente da vigorosa Edacle mdia. A comprehenso d'este germen levou uma gerao nova a dar-lhe forma artstica, como expresso do espirito nacional. A volta ao passado no era um retrocesso, mas uma orientao ; foi iniciada essa nova corrente litteraria por Lessing, Wieland, Gleim, Haller, Mathisson, Voss e Hoelty; Goethe e Schiller deram-lhe o nome de Romantismo, abrindo-se para a Allemanha a Era dos Genios, em eme figuram Herder, Joo Paulo Richter, Uhland, os Schlegel e Tieck. E' no primeiro quartel do seculo x I x , que a Allemanha pela sua litteratura exerceu nas litteraturas meridionaes a sua hegemonia, pelo novo gosto e disciplina critica do Romantismo. Deram-se as fortes luctas doutrinarias entre Classicos e Romanticos; mas o problema foi complicado pelo antagonismo politico entre a reaco do partido catholico-feudal e o negativismo revolucionario, que se debatiam na transio ou alta provisoria das Cartas outorgadas. Mas o que era o Romantismo? Disse-o Stendhal com uma clara simplicidade: Eis aqui a theoria do Romantismo: preciso que cada povo tenha a sua litteratura propria e modelada sobre o seu caracter particular, como cada um de ns traz o fato talhado para o seu corpo. No basta o sentimento nacional no seu exclusivismo,
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preciso dar-lhe o relevo da humanidade, para que uma, litteratura passe alm das fronteiras nacionaes e das edades; no por simples exotismo, mas pela consciencia philosophica da solidariedade humana. A renovao dos estudos da Historia, e a creao da philosophia da Arte, ou a Esthetica, em que a Allemanha foi uma iniciadora, vieram completar esta hegemonia Itteraria, cuja direco final presentiu Goethe na phase universalista das litteraturas modernas, que Edgar Quinei definiu esplendidamente: Racine, Molire e Shakespeare, Voltaire e Goethe, Corneille e Calderon so irmos. E' preciso elevar, ampliar as nossas theorias, para que haja ahi logar para todos... Dominando as rivalidades, as inimizades, as antipathias dos climas, dos tempos, dos logares, aspiremos ao espirito universalmente uno, que est implcito nas obras inspiradas de cada povo. At hoje o genero humano esteve em guerra comsigo mesmo, e n'estas regies supremas da poesia, em que parece deveria reinar a paz perpetua, ahi foi o conflicto mais obstinado. Se a poca em que vivemos tem alguma valia, ser seguramente por que ella acabar de pr em plena luz esta unidade do genio dos modernos. Emquanto a critica continuava em tudo dividir, as obras, mais intelligentes, aproximavam j os instinctos dos povos. Por seu turno a critica tornou-se philosophica, alargando a comprehenso das litteraturas: relacionando-as com a sociedade, de que ellas so a expresso (Villemain); recompondo por ellas a psychologia do temperamento individual, cuja vida vale tanto ou mais do que a
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obra de arte (Sainte Beuve); e determinando por ellas o meio em que actuam as grandes correntes da civilisao (Taine). Tudo converge para a integrao actual das bases da critica na historia litteraria.
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P R I M E I R A EPOCA
EDADE MDIA
(SECULO XII a xv)
I.o Perodo: Trovadores portuguezes A litteratura portugueza um phenomeno social simultaneo com o estabelecimento da nacionalidade; para ser comprehendida nas suas manifestaes do gosto, que carecterisam as suas pocas historicas, nas creaes geniaes das altas individualidades, preciso conhecer as raizes ethnicas d'este povo, que mantm todas as feies de uma raa pura, e a sua aco de concurso na marcha da civilisao humana. Formada no seculo xII com a .nacionalidade, a litteratura portugueza trouxe todos os caracteres d'essa poca fecunda do desenvolvimento das Litteraturas romanicas : a lingua escripta exerce-se nas Canes subjectivas do lyrism trobadoresco, que viera acordar os germens de uma poesia tradicional, e ao mesmo tempo o predominio da cultura latina
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ecclesiastica desviou a actividade litteraria das suas fontes organicas para as traduces de lendas agiologicas e erudio escholastica. Estas duas correntes, a tradicional e a erudita apparecem em conflieto permanente em todas as litteraturas da Edade mdia, variando o seu predomnio conforme a vitalidade de cada povo em frente da auctoridade da cultura greco romana, que se vae restabelecendo pela civilisao moderna. Pela riqueza dos seus elementos tradicionaes ou organicos, e pela estremada cultura senhorial e ecclesiastica, coube Frana a hegemonia na formao de todas as itteraturas modernas Historicamente se verifica, que todas as itteraturas romanicas e germanicas no seu perodo originario, imitaram as Canes de um exagerado subjectivismo e de requintado artificio poetico escriptas na lngua d'oc, que se faliava na parte meridional da Frana. Em quanto se estudou esta poesia separada das suas origens populares, a Provena apontava-se como iniciadora da renascena mental da Europa. Determinados esses germens tradicionaes, que evolucionaram na prioridade do desenvolvimento do lyrismo provenal, explica-se a sua prompta irradiao para a Frana do Norte, para a. Italia, Hespanha, In glaterra e Allemanha, suscitando essa imitao a revivescencia dos seus elementos nacionaes. Quanto mais vigorosos fossem esses elementos tradicionaes, mais rapidas e orig-inaes seriam as mani. festaes nas outras itteraturas. Assim se observa na Litteratura portugueza: Foi entre I I 9 0 ' e I253, que a Arte provenal, attingindo o seu auge.
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se expandiu nas Crtes directamente visinhas da Catalunha. Italia, Norte da Frana e da Allemanha, Inglaterra e Siclia, e no nosso Portugal, fructi ficando em toda a parte na segunda gerao, a contar de 1275. l No influencia directa dos trovadores ocitanicos, mas importancia que ligaram aos cantos populares dando-lhes frma litteraria, que em Portugal floriu no meado do seculo xII essa extraordinaria actividade poetica. I Influencia do sul da Frana ou Gallo-romana A zona geographica em que se iniciou esta elaborao poetica, abrange desde o norte do Loire, passando pela ponta do lago de Genebra, da Svres niorteza para oste, ducado da Aquitania, Auvergne, Rodez, Tolosa, Provena e Vienne. Foi justamente n'esta zona, que a raa gauleza ficou submettida conquista romana; ao fixar o seu domnio; no se cruzava com o vencido, e deixava-lhe o livre exerccio das crenas religiosas, dos seus costumes e lingua, comtanto que se submettessem ao seu systema de administrao, chegando no perodo imperial a fomentar o desenvolvimento da instituio municipal. O sul da Frana deveu liberdade democratica do municipalismo a conservao das suas tradies e o vigor da sua cultura. Sulpicio Severo
1 D. Carolina Michalis, Cancioneiro da Ajuda, II, p.
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escreve nos seus Dialogos, fazendo o contraste d'essa cultura meridional com a rudeza franka. quando se dirigia aos que lhe pediam que tratasse de Sam Martinho: quando eu penso que sou gaulez, e que a Aquitanios que cu vou fallar, tenho receio de offender os seus ouvidos muito polidos com a minha linguagem rustica: vs me ouvireis como a um labrego cuja linguagem desconhece ornatos e a emphase. E esses que faliavam a lngua d'oc. insistiram: Fallae celtico, com tanto que seja de Martinho. Os Aquitanios eram essa raa de cabellos pretos que os celtas encontraram na sua invaso, mas que se conservou intacta mestiagem n'essa regio comprehendida entre os Pyreneos, o Garona e o golfo de Gasconha. Nas suas Memorias de Anthropologia escreve Paul Broca: Tudo induz a crr, que os Aquitanios pertencem a esta raa de cabellos pretos, cujo typo se conserva quasi sem mistura entre os Bascos actuaes. (Op. cit., I, 282.) E Jorge Philipps, define esta populao occidental: Muito mais tarde, isto , no tempo de Cesar, os Iberos possuam ainda na Gallia a maior parte do territorio situado entre o Garona, o Oceano e os Pyreneos; elles se conservaram neste triangulo, apesar da conquista dos Ligures primeiramente, e depois, de um inimigo terrvel, a raa cltica. A' persistencia da raa corresponde a dos costumes; Belloguet, na Bthnogcnia gaulesa (III, 329) considera as Crtes 'de Amor, comp uma sobrevivncia do costume gaulez na interveno da mulher nos negocios publicos: Crr-se-ha que a tradio d'estas mulheres juzas e diplomatas, desco-
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nhecida no norte da Gallia, nunca se extinguiu completamente no Meio Dia. aonde os seus tribunaes. com uma differente competencia, certo, passaram por terem reapparecido quinze seculos mais tarde sob o nome potico de Cartes de Amor. As assembleias poticas ou os Puy (os Outeiros, portuguezes) foram a persistencia popular d'essa antiga instituio renovada. Os Jograes e menestreis eram os representantes dos antigos Bardos decahidos das suas funees sociaes de poetas sacerdotes; Belloguet, faliando dos Bardos das crtes, observa: esta instituio atravessou seculos e tornou-se uma feio caracterstica dos costumes gaulezes e irlandezes da Edade mdia. (Ib., III, 335.) A rota, ou o instrumento de corda a que se acompanhava o trovador, a croud gauleza, que Venncio Fortunato denominava a Chrota britana. Certos cantos conservavam o seu antigo caracter, como a Sirvente, a satira com que os bardos gaulezes verberavam as aces indignas. As vacaes nocturnas, provocadas pelo clima agradavel da zona gallo-romana, motivavam as formas provenalescas da Aubade e Serena, as alvoradas e serenadas das usanas populares; das dansas falia Santo Isidoro hispalense alludindo ao canto das Balliniastia (Ballimachia dansa.guerreira?) e que durante a Edacle mdia apparecem nas Baylata, Baylia e Ballet, no sul da Frana, Italia e Portugal ligadas poesia amorosa. Os cantos gaulezes eram exclusivamente oraes, por que uma prohibio religiosa impedira de serem escriptos. J sob a disciplina da Egreja catholica continuou essa
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prohibio em varios Conclios, como o de Auxerre de 578, contra os cantares das donzellas, e as cantigas satricas, dando nomes infamantes aos que os cantavam, taes como Joculatores (jograes) Ministrales (Menestreis), Histriones, Mimi e Jocistae. Sob estas maldies que se degradou a poesia popular meridional, emfim, a tradio poetica da Occidentalidade, at ao momento em que rio seculo xI a estabilidade da vida burgueza fez brilhar essa poesia, que suscitou a imitao de Guilherme Ix, conde de Poitiers e Duque de Aquitania (I087) apontado como o primeiro Trovador. O phenomeno da Poesia provenal foi este resurgimento de uma tradio apagada, que penetrou nas Crtes senhoriaes e reaes, onde se desenvolveu como planta agreste a Cano do povo, que se tornou artstica. A esse typo popular se referem os trovadores nas suas canes subjectivas : Guilherme de Bergadan faz uma cano em um son veill antic; Cercamons considerado pelos outros trovadores como auctor de Pastorellas no gosto antigo. E como a Cano do povo era simultaneamente cantada e bailada, os trovadores distinguiam-se no s pela arte de trovar, como de cantar e bailar a la provenalesca. Jaufre Rudal fez bons vers el ab bons sons; Peire d'AIvergne fez //' meiller sons de vers; Pons de Capduel trobava, viulava c cantava ben; Peire Rogier trobava e cantava ben. Pela entrada da poesia trobadoresca nas crtes, e imitada por prncipes e reis, nem por isso esses cantores do lyrismo occitanico perderam a sua origem plebeia. D'entre a g-rande lista dos trovadores provenaes, vinte
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so conhecidos como Jograes de officio, quinze fram burguezes dados ao commercio ou filhos de commerciantes; quinze eram escribas (clercs) e mesteiraes; assim Elias Cairel era ourives, Guilhem Figueira alfaiate, Peire Vidal filho de um peliteiro, Perdigon filho de pescador, Bernard de Ventadour filho de um forneiro, Albert e Elias de Fonsalada descendentes de jograes. Pde-se inferir, que uma das causas que actuaram na revivescencia da tradio lyrica occidental foi o desafogo da vida burgueza durante a poca das Cruzadas.' A primeira Cruzada publicada em I095 fez com que a classe senhorial se ausentasse dos seus castellos para a conquista do Sepulchro; a estabilidade civil desenvolveu pacificamente as suas garantias, em um bem estar que levava, a idealisar os velhos costumes. Este esplendor poetico ou efflorescencia da Poesia provenal dava-se no perodo intermediario das Cruzadas: da primeira (I095) at ultima ( I 2 6 8 ) que o lyrismo occitanico se esboa litterariamente. Como se espalhou por todas as crtes da Europa esta nova poesia do amor? No foi smente pelas viagens aventureiras dos trovadores meridionaes, mas pelo gosto que elles acordaram ligando-se interesse aos cantos lyricos populares em uma fecunda crise social. Canes lyricas, que pareciam originarias da Provena appresentavam smiles em Italia, na Galliza e Portugal, em Valencia, Arago e Castella, taes como as Pastorellas, as Bailadas, as Serranas e Cantares de Amigo. Extraordinario problema litterario, por que no provindo de uma imitao directa, revelava um typo primordial con-
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servado em um fundo anthropologico persistente das populaes meridionaes. Paul Meyer considerando as analogias com as antigas Bailadas provenaes chegou concluso, que foram concebidas segundo um typo tradicional, que devera ter sido commum a diversas populaes romanicas, sem que se possa determinar em qual d'ellas fra cneado. (Romania, n. 6, p. 265.) O problema assim proposto explica-se por esse fundo ethnico da Aquitania, a que pertenceu a Gallecia; esse typo lyrico ainda persiste na poesia popular dos povos romanicos colligida com interesse pelos folkloristas. Fauriel foi o primeiro que, apesar de reconhecer a poesia trobadoresca como uma florao do espirito da cavalleria, teve a intuio que ella provinha de uma raiz popular, que a antecedera. Desde esta affirmao at sua plena prova, foi longo o trabalho critico para a sua comprehenso. E comtudo no se tinha perdido completamente a noo d'esta proveniencia, que se definia nos dois estylos dos trovadores : empregava-se o estylo plan, leu ou legier, ao alcance do vulgo; e o estylo car, clus, requintado na frma e requintado nas argucias do sentimento. Era este o que se desenvolvia nas frmulas da cortezania que exprimiam as theorias do Amor. Essas frmas populares, de que foram typo as Villanellas da Gasconha, : eram reproduzidas pelos
1 Montaigne conheceu o valor artstico (festas Canes populares da Gasconha: ''La poesie populaire et purement naturelle a des naifvetez et graces, par ou elle se compare la principale beaut de la poesie parfaite, selon
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trez mais antigos trovadores da primeira metade do seculo x, depois do duque da Aquitania, Guilherme de Poitiers, todos trez nascidos na Gasconha, para l do Garona: Cercamons, Marcabrus e Peire de Valeira, escrevendo embora em um dialecto que no o de sua terra. Na segunda metade do seculo xII, propriamente na edade de ouro dos trovadores, quando povo e burguezes rivalisam com a nobreza, o trovador Giraud de Borneil, que se sentia vaidoso por lhe cantarem as suas Canes pelas crtes, mostra que o seu desejo seria que ellas fossem cantadas pelas raparigas, as filhas do povo quando vo fonte. E' aqui que surge o problema litterario da origem d'estas canes populares do estylo plan ou Iegier, que attribuem Frana do norte Gaston Paris e o seu discpulo Jeanroy, por ventura fundados na affirmativa de Raymond Vidal, do seculo X I I I : La parladura francesa vai mais et es plus avinenz a. far romanz et pasturelles; mas cella de Lemosin vai mais per far vers, et cansons et serventes. Concilia-se bem esta affirmativa com a situao da origem meridional; o reino da Aquitania, fra fundado por Carlos Magno para defender das invases mussulmanas as fronteiras do seu imprio. Essas luctas contra o Andaluz inspiraram poemas como o de Giiilhaume
1 art; coinme il se veod es Villanelles de Gascoigne, et aux chansons qui n'ont coignoissance d'aulcune science, n'y meme d'escripture.s Essais, liv. i, cap. 35. Miguel Leito de Andrade, no fim do sculo xvi tambm dava este nome de Villanellas s Canes populares portuguezas.
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au court nez, e os cantos populares, que ento Carlos Magno mandava colligir revelam que n'esse tempo algumas melodias meridionaes passaram para a tradio lyrica germanica. A eschola trobadoresca mais brilhante foi a de Tolosa, entre a Gasconha e o Auvergne, o fco mais antigo e natural da poesia meridional, como observou Fortoul, notando que a Provena, entre o Rhodano e os Alpes foi a eschola menos fecunda e menos celebre. O titulo de poesia provenal, torna-rse, pela sua extrema generalidade, uma designao falsa, apesar do brilhantismo das suas crtes aristocraticas. A poesia trobadoresca teve differentes fcos, ou centros de cultura: no fim do seculo xI Poitou, Saintonge e Guienne, em que a nobreza, apoz Guilherme de Poitiers cultiva a Cano de amor; no como do seculo xII, o fco da Gasconha e Auvergne. em que o gosto popular apparece simultaneo com o enthusiasmo da nobreza; em que Cercamons, . Marcabrus, e Peire de Valeira revelam a dependencia da tradio poetica, e Pierre de Auvergne a preoccupao litteraria: entre a zona oriental e a occidental ha o fco do Limousin, Perigord e Quercy, em que o povo e a burguezia rivalisam com a nobreza na arte e espirito; e abaixo d'estes limites' nas margens esquerda e direita do Rhodano, a P r o vena e o Languedoc (Tolosa e Montpellier). Pela determinao d'estes fcos que se caracterisam as correntes do lyrismo, como as migraes dos trovadores, levando para as diversas crtes o interesse ou a moda do gai saber. A propagao do lyrismo Italia simulta-
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nea com a da Allemanha ; no meado do seculo X I I e principio do seculo X I I I os imperadores Frederico I e II, no s imitaram a poesia trobadoresca, como a favoreceram e animaram em Aries, revindicada ao seu domnio, como em toda a Lombardia, onde faziam expedies militares e tinham a base da sua politica. Na Italia as principaes cidades do norte, como Genova. Massa,' Casal, Mantua, Ferrara, Veneza, apresentavam trovadores naturaes que rivalisavam com os de Marselha e Tolosa. Estas correntes lombarda e italiana, foram conhecidas em Hespanha. A Inglaterra recebeu o influxo da poesia trobadoresca, na segunda metade do seculo X I I I , quando a sua crte estava no meio dia da Frana, relacionando os poetas anglo-normandos com os liniosinos. Em Hespanha a corrente dos trovadores entra no s pela relao politica dos Condes de Barcelona com a Provena, como pelas cruzadas contra os mussulmanos, mais sympathicas a esses cantores do que as expedies da Terra santa. Os Condes de Barcelona eram senhores de Narbona, Ca rcasonne e Bearn; pelo casamento de Ramon Beranger I I I , (III2) com Dulce, Condessa de Provena, liga-se a pennsula italica Hespanha; e Ramon Beranger Iv, incorpora ao seu estado Arago ficando constituda a unidade catal. Ha um esforo para acclimar a poesia provenal no sul dos Pyreneus, chegando ao seu esplendor sob Jayme I, emulo do castelhano Affonso o Sabio. A Castella propaga-se essa nova poesia desde o casamento do Conde de Barcelona Ramon Beranger Iv, com uma filha do Cid, como tambem
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pelo casamento da formosa Berenguella, irm do conde de Barcelona Ramon Beranger Iv, com Affonso V I I (imperador) II28. E' d'aqui que data a cultura provenal em Castella, encontrando-se n'essa crte os trovadores Marcabrus, Pierre de Auvergne, Geraldo Calansa, Gavaudan, Peire Vidal, Rambaud de Vaqueiras; assim tambem junto de San Fernando e Affonso x, Bonifazio Calvo, Nat de Mons, Giraud Riquier, Guilherme de Bergada e Hugo de San Cyr. As crtes de Arago e de Castella abriram-se aos trovadores provenaes perseguidos pelas guerras de extermnio contra os pobres sectarios albigenses; operou-se ahi uma como restaurao da poesia provenal.' Referem-se corte de Castella e de Affonso o Sabio os trovadores Galceran de San Didier, Bertrand Carbonell, Ramon Lator, Bartholom Zorgi, Paulet de Marselha, Bertrand de Rovenhac, Bertrand de Born, filho; Aymeric, de Belenoi, H u g o de la Escura, Elias Fonsalada, Arnaldo Palagus, Ramon de Castelnau, Guilhelm de Montagnanout, Fulquet de Lunel. Na crte de Leo, antes de estar unida Castella, Affonso Ix protege os trovadores, que exaltam a sua cortezia e liberalidade; entre elles destacam-se Hugo de San Cyr, Guilherme de Adhemar e Elias Cairel. E quando unida a Castella, sob Fernando III, o Santo, brilham ahi Bertrand de Almansor, Sordello mantuano, Azemar o Negro. Adhemar. e Giraud de Borneil, denominado o Mestre dos Trovadores. E tinham estes trovadores visitado a crte de Leo e Castella, por que Fernando III pagabase de ornes de crte
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que sabian bien de trovar et cantar, et de joglares que sobiesen bien de tocar estrumentos, ca de esto se pagaba et entendia mucho, et entendia quien lo facia bien et quien no. Seguindo esta corrente de Catalunha (Condado de Barcelona) Arago, Navarra, Castella e Leo, que a Poesia provenalesca chegou a Portugal. Como pois que o lyrismo trobadores portuguez se propagou inicialmente a todas as crtes peninsulares, como o affirmou na sua celebre Carta o Marquez de Santillana? Este facto, que s modernamente se explica, d uma feio excepcional e unica Eschola trobadoresca portugueza. Ella estabeleceu-se fra de toda a influencia directa ou immediata dos trovadores occitanicos. Os modernos estudos sobre a litteratura portugueza levaram concluso de que se no descobrira prova manifesta de qualquer trovador, mesmo dos que frequentaram as crtes de Leo, Arago e Castella, visitarem a crte de Portugal. Determinada a poca em' que floresceu a poesia trobadoresca do meio dia da Frana, o lyrismo portuguez foi synchronico, desenvolvendo-se sobre os elementos tradicionaes populares, quando a vida nova da Nacionalidade que se affirmava autonoma se expandia por essa energia organica e profunda. No estudo A Poesia provenal na Edade mdia Jeanroy apresenta esta situao excepcional do lyrismo portuguez, que pela sua linguagem se impz s outras crtes peninsulares: No facil de explicar como Portugal exerceu este influxo que parecia competir ao Arago ou a Castella.
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Effectivamente as suas relaes politicas com o Meio Dia da Frana eram muito raras, e restricto o numero dos trovadores que a visitaram (isto , que alludem a Portugal.) O que certo , que desde o inicio d'esse seculo, a poesia provenal era conhecida em Portugal, e que durante uma centena de annos pelo menos, todas as frmas fram apaixonadamente imitadas pelos fidalgos das crtes de Sancho I I , Affonso I I I e Diniz, que foi elle mesmo um dos mais habeis d'esses imitadores: Esta florao foi mais rica do que original: os trovadores gallezianos, como os troveiros do Norte, foram simples traductores, e nas innumeras Canes que nos deixaram, por ventura no haver uma que no seja um cento. Ha evidentemente aqui um absurdo. Como, em uma to crassa imitao, poderiam exercer nas crtes peninsulares frequentadas pelos mais brilhantes trovadores occitanicos, uma influencia deslumbrante os trovadores gallezianos? Jeanroy prosegue, precisando uma causa, que elle aponta sem comprehender: Mas estes poetas, embora impregnados de frmas estudadas, tiveram a ideia original e encantadora de penderem para a poesia popular, e de salvarem do esquecimento, remodelando-a por litteratos, alguns dos generos que ahi subsistiam desde muitos seculos. Alguma cousa de analogo tinha sido tentado no Norte da Frana, mas com esmeros litterarios cujo excesso desnaturou completamente os generos, em que s podia tocar uma mo leve e respeitosa: as nossas pastorellas, as nossas canes de alvorada, da Malmaridada, a
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mais das vezes requintadas ou licenciosas, no so seno aldes 'de opereta, tergeiteiras e provocantes. Em Portugal, pelo contrario, estas Cantigas de Amigo, que os poetas cortezanescos collocavam na bocca das ingenuas raparigas do povo, Canes de dansa, de romarias e de despedida, so por vezes maravilhosas pela ingenuidade ou travessura; bem parece em algumas, que nos achamos to perto, quanto possvel da fonte popular, e no uma pequena surpreza o encontrar nestes enormes ramalhetes de flores artificiaes, que so os Cancioneiros, algumas frescas primaveras, cujo brilho nos parece, graas a este contraste, mais vivo ainda e o perfume mais suave. Mas isto no era mais do que um feliz accidente. Em Portugal, como na Frana do Norte, a poesia cortez. no tem, por assim dizer, existencia propria; ella no seno um reflexo de uma luz j de si bem pallida. Esse caracter de ingenuidade popular proveiu de uma existencia propria e no de uma imitao servil. O lyrismo trobadoresco portuguez serviuse de uma lngua nacional, que tornou Portugal o Poitou das crtes peninsulares, e exprimiu sentimentos do ethos luso, que no se confundem com os que se repetem nas Canes dos provenaes. Henry Lang, no prologo da sua edio do Cancioneiro de Dom Diniz define este caracter original, que notou pelos seus estudos: O servio que os Provenaes prestaram a Portugal resume-se no
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exemplo que deram, abrindo caminho lyrica popular pelo acto de penetrarem nos regios sales... S sobre a base ampla de uma lyrica nacional, e graas ao talento poetico e indole sentimental de gallegos e portuguezes, que a lyrica palaciana trobadoresca pde desenvolver-se viosa e com aquella originalidade e graa que lhe assegura um logar parte na historia da Poesia meridional. (Op. cit., p. c x l I v . ) E' o que se chama aco de presena, nos phenomenos catalyticos; a essa critica esthetica falta dar-lhe a base historica.
E s C H O I . A TROBADORESCA PORTUQUEZA
0 governo de Dom Affonso Henriques, (nascido em II09, e batalhando desde os dezenove annos para manter a autonomia de Portugal e alargar-lhe o seu territorio para o sul, em uma actividade herica que se prolongou por cincoenta e sete annos at sua morte provecta em II85,) no parecia prestar-se s galanterias de uma crte, enaltecida por apparatosas festas, e a attrahir os trovadores que prgavam a cruzada contra os Sarracenos. Mas esta mesma situao fazia com que elles se lhe dirigissem nas suas Canes, incitando-o para a lucta. Fauriel aponta o trovador Marcabrus, do ramo da Gasconha, da Aquitania, como tendo visitado as crtes christs de quem dos Pyrenneos nomeadamente a de Portugal, e o unico dos trovadores positivamente conhecido por ter visitado esta ultima. Marcabrus inci-
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tava-o a ligar-se com as pequenas potencias do Mediterraneo para a lucta contra os Almohades, ajudando Affonso v i l :
Al lavador de Portegal E dei Navar atretal, Al sol que Barsalona i a vir. Ver Toleta l'emperial, Segur poirem cri T r reial E paians gen desconnr. (Raynouard, Choix, t. v, p. 130-150.
Um outro trovador, Gavaudan o Velho, incitando por uma cano os monarchas da Pennsula contra a invaso de Mohamed ai Nassir, que chegara a Sevilha com cento e sessenta mil homens, allude a Portugal, exclamando ironicamente:
Portugales, Gallicx, Castellas, Navarrs, Aragons, Ferraz, Lura ven eu barra sequitz Qu'els au rahuzatz et unitz. (Raynouard, Choix, t. iv, p. 36, 87).
Segundo Baret, as Canes de Cercamons e Peire de Valeira foram tambem conhecidas em Portugal, (Trob., p. II9) assim como do desvairado Peire Vidal. O conhecimento das Canes trobadorescas tornou-se mais directo, desde que D. Affonso Henriques casou em II46 com a princeza Mahaut (Mafalda, de Saboya e Mau-
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r i a n a ) ; este casamento seria motivado pelas relaes do Conde Borgonhez, por que ento a Saboya formava parte da Borgonha. Mafalda era bisneta de Raymundo Beranger, o Velho; assim estava relacionado com os Condes de Barcelona. Pelos casamentos de seu filho, D. Sancho I, com Dulce, de Arago, e de Mafalda com esponsaes com Raymundo Beranger de Arago, e Urraca com o rei Fernando II de Leo, a fidalguia portugueza entrava no convvio faustoso d'essas duas crtes, pondo-se em contacto com os trovadores provenaes e italianos que as frequentavam. Na Crte de Guimares no havia logar para festas que attrahissem os trovadores; D. Affonso Henriques andava absorvido no esforo da integrao do territorio lusitano, reconquistando-o sobre os Arabes, e no desenvolvimento das cidades que ia resgatando, e ainda com as allianas defensivas com as outras monarchias hispanas. Os trovadores occitanicos proclamavam a necessidade da unio iberica imperial, e no teriam por isso grande sympathia por este pequeno estado autonomo e altivo, em que na cultura ecclesiastica predominava a influencia da Frana do Norte. Mas, apesar d'esta omisso da presena de trovadores, Guimares foi o centro vital da primeira elaborao poetica: dentro dos limites portuguezes, Guimares foi o primeiro centro de Artes. ' Fundamentemos. O centro politico da recente nacionalidade portugueza estabeleceu-se em GuimaI D. Carolina Michalis, Cancioneiro da Ajuda, II, p. 766.
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res, um burgo populoso, que se desenvolvera pelo acolhimento proteco do Mosteiro duplex, fundado pela viuva Mumadona, pelo meado do seculo x, e pela segurana do Castello fundado sobre a montanha fronteira para defender o Mosteiro do perigo das incurses dos Normandos. Sob D. Affonso Henriques ahi se estabeleceu a sua Crte; tambem ahi que um Sanctuario venerado attrae os crentes e as generosas offertas; ahi que uma populao agrcola, mas essencialmente industrial e fabril, se reune como elementos organicos de uma sociedade nova e fecunda. Essa povoao alegre, segura e rica tem o prazer do canto e da dansa, como ainda hoje em todo o Minho; e essa Crte e o venerando Sanctuario vo ser os meios onde as Cantigas de amigo e as Bailias vo transformar-se artisticamente nas Canes e Sirventes da Crte, e nas Sequencias das festas ecclesiasticas. O burgo cujas liberdades e costumes foram garantidos pelo Foral do Conde D. Henrique em I095, em breve o ponto em que se reunem em Crtes os proceres ou fidalgos, e os bispos; ahi que junto ao Castello se edificam os Paos reaes, e Guimares torna-se o fco de toda a resistencia de D. Affonso Henriques defendendo a autonomia Portucalense. Longe dos assaltos dos Sarracenos, a populao vimaranense exerce a sua actividade na fiao do linho, na serralheria e curtimento dos couros. A vida burgueza vivifica a Cano tradicional, que acompanha os bailes de terreiro e as romarias distantes. O caracter burguez dos trovadores occitanicos ajuda-nos a comprehender esta expanso da poesia
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lyrica. Ondas de poesia brotavam d'este centro, que encantava os fidalgos, que no hesitavam a tomar conhecimento d'ella e exhibil-a nas crtes de Leo, Arago e Castella. A Galliza estava ento decahida da sua autonomia, escravisada na incorporao leoneza; e afastada das relaes de Portugal, desde as luctas contra D. Thereza e os fidalgos Gallegos. Era uma efflorescencia inteiramente portugueza. A populao de Guimares differenava-se segundo a sua situao: a superior, junto do Casteilo de San Mamede, pelo seu desenvolvimento frma a freguezia (filius ecclesice) de San Miguel, qual D. Affonso Henriques confere privilegios e jurisdico propria; a inferior agrupa-se em volta da Egreja e mosteiro de Santa Maria. Eram os dois Concelhos rivaes, tendendo a absorverem-se, luctando pela imposio dos seus privilegios ou murando-se para segurarem a sua independencia. Esta rivalidade dos dois Concelhos s veiu a terminar sob D. Joo I, trazendo estimulada as duas povoaes em uma energia social, em espirito de independencia, que suscitava o enthuziasmo pela tradio poetica semi-apagada em outros concelhos distantes. A villa velha e a villa do Casteilo criaram a energia popular da laboriosa e rica Guimares unificada nas suas magistraturas locaes, quando a Crte portugueza teve de deslocar-se para o sul, para Coimbra, e pelos progressos da reconquista at Santarem e Lisboa. Reconhecendo o extraordinario valor d'esta efflorescencia da poesia popular, escreve D. Carolina Michaelis. accentuando a sua importancia: a
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preexistencia de uma poesia nacional rustica sacra e profana especialmente na Galliza para o problema das origens, os contactos com os representantes das diversas naes latinas com a Galliza d'quem e de alm Minho, e com o reino Asturoleonez nos seculos xI e X I I , (digamos at I 2 I 3 ) so de valia incontestavelmente superior aos que tiveram logar nos seculos X I I I e x i v : a estada de D. Affonso I I I , na crte de S. Luiz, e a sua longa demora em Bolonha, assim como a educao de D. Diniz por Aimeric d'Ebrard de Cahors. Destacamos esta preexistncia, n'este primordio historico na Gallisa de quem Minho, onde actuava o impeto de uma nao recentemente constituda. A Galliza, apesar dos seus antecedentes ethnicos persistentes e das tradies lyricas populares oraes pouco podia influir na expanso e florescencia do Lyrismo gallecio portuguez. Pouco durou a sua independencia como Condado livre em 863, sendo como consequencia do espirito unitarista da reconquista christ, annexada a Leo em 885; no lhe valeu a resistencia de vinte e cinco annos para recuperar a sua autonomia, caindo outra vez n'essa unificao forada em 9 8 I ; e sob a aco imperialista de Affonso vI, foi incorporada para sempre a Castella em I073. E medida que a Galliza foi perdendo o espirito da liberdade e a esperana de independencia, a sua lingua foi
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abandonada pelas pessoas cultas, mantendo-se no simples uso popular, n'uma atrazada rusticidade, tornando-se por isso muito raros os seus monumentos escriptos ou litterarios. N'esta situao miseranda, que influencia poderia exercer a Galliza messe phenomeno brilhante do apparecimento do Lyrismo peninsular, que irradiou do norte da Hespanha, da regio galecio portugueza ? Nenhuma. E comtudo o facto deu-se; reconheceu-o ainda no meado do sEculo xv o Marquez de Santillana, mas sem explical-o. O mesmo succede ainda aos modernos crticos, ao prem em evidencia a extraordinaria importancia d'esta renovao iniciadora ; escreve D. Carolina Michalis: ondas de poesia popular, sahidas do corao palpitante da Galliza, haviam attingido ao mesmo tempo o sul (Portugal) e o leste (Leo) despertando em ambos os reinos o proposito de, procedendo como os provenaes, catales e francezes, darem vida aulica um nimbo poetico de intellectualidade e de arte por meio da cultura da Poesia, da musica e da dansa, aperfeioada segundo o" gosto ento dominante da Provena. (Canc. d'Aj., II 765.) Para explicar esta influencia da Galliza, morta para a autonomia politica na poca da expanso do lyrismo trobadoresco, ( I I 5 0 a I 2 I 3 ) Menendez y Pelavo recorre ao seguinte argumento: O grande feito da Peregrinao compostellana o que d mais luz sobre as origens da poesia nova. ...Foi disposio providencial... que ...incessantes ondas de peregrinos, vindo de todas as regies do Centro e Norte da Europa, trouxsessem a
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Santiago, ao som do Canto de Ultra, os germens da sciencia jurdica e escholastica e as sementes da Poesia nova. (Antol., III, p. xIII.) Menendez v Pelayo faz a Galliza apenas o reflector de "uma extranha poesia, sem attender aos seus vigorosos germens tradicionaes; D. Carolina abraa este influxo das peregrinaes a Compostella, sem reparar que a fragmentao da Galliza, constitudo o Condado Portucalense que se tornou nao independente ( I I 3 9 ) , deslocara as energias organicas para Portugal ou a Galliza do Sul. A decadencia successiva do galleziano e o uso escripto da lngua portugueza, ficando aquelle um simples dialecto, proveiu d'e$te facto decisivo, o da formao de uma nacionalidade com condies de resistencia e de aco historica. E medida que Portugal foi estendendo o seu domnio, incorporando at D. Affonso III cidades lusitanas do sul, a lingua fallada por essas povoaes veiu differenciar a lingua portugueza, que se exercia, da lingua gallega, que estacionava. No foi propriamente illuso a affirmativa do P. e Sarmiento, que via na linguagem das Cantigas do rei Affonso o Sabio o ugalleguo antiguo, ai qual se parece mucho el portuguez. Affonso o Sabio no ia estudar uma lingua archaica e sem cultura, quando estava em relao intima de interesses e parentesco com a Crte portugueza. E no errou Argote y de Molina, quando observara que na lingua portugueza, se escreviam todas as coplas, desde D. Henrique III at D. Juan I. (Nobl. d'Andai., cap. 148.) Agora comprehender-se-ha melhor o texto da I2
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Carta ao Condestavel de Portugal, em que o Marquez de Santillana accentua a prioridade do lyrismo trobadoresco no norte da Hespanha: E depois acharam esta Arte, que Maior se chama, e Arte commum, creio, nos reinos da Galliza e Portugal, aonde no ha que duvidar que o exerccio d'estas sciencias mais do que em nenhumas outras regies e provncias da Hespanha se acostumou ; em tanto gro, que no ha muito tempo quaesquer Dizidores ou Trovadores d'estas partes, ou fossem castelhanos, andaluzes ou da Extremadura, todas as suas obras compunham em lingua gallega ou portugueza. E ainda certo que recebemos os nomes de arte, como Maestria Maior e menor, encadenados, lexaprem e mansobre. ( xv.) Quando este phenomeno se operou j de longos annos no existia o reino da Galliza, reduzida a provncia castelhana; trovadores portuguezes frequentavam as cortes de Leo, de Castella e Arago, onde exhibiam os seus versos em lingua portugueza; : quando Santillana notava o facto que no ha muito tempo referia-se a essa revivescencia do gallego do seculo xv, memorando Macias, Vasco Pires de Cames, e ainda o Arcediago de Toro, Villasandino e D. Diego de Mendoza. Por tudo isto se destaca a independencia da Eschola trobadoresca portuguesa, que andou anachronicamente confundida com o elemento gallego. As referencias que se fazem ao genio e lingua gallega. no seculo X I I I , correspondem a uma poca adiantada da Eschola trobadoresca portugueza. quando os Jograes gallegos concorreram Crte de Guimares. No Planeta, de Diego de Campo
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( I 2 I 8 ) dirigido ao arcebispo D. Rodrigo, exalta: Galaecos in loquela; e nas Regras de Trobar, de Jofre de Foxa (I288 a I327), a par da eschola franceza, provenal e siciliana, cita o gallego, isto quando florescia o cyclo dionisio, em cuja crte viviam fidalgos e jograes gallegos compondo as suas canes em portuguez, renovando as melodias e as cantigas populares. Este caracter popular do lyrismo que d todo D realce Eschola trobadoresca portuguesa. No seculo xII deu-se o phenomeno da creao da musica moderna pela harmonia dos sons simultaneos, que a antiguidade no conheceu; eram principalmente as mulheres que cantavam, alterandose o acompanhamento para grave, em que o Descante se fazia com terceiras. Este phenomeno ainda se observa nas, povoaes do Minho, e j fra notado no seculo xvII pelo Marquez de Montebello: Com grande destreza se exercita a musica, que to natural em seus moradores esta arte, que succede muitas vezes aos forasteiros que passam pelas ruas, especialmente nas tardes de vero, parar e suspenderem-se ouvindo as trovas que cantam em cros, com fugas e repeties as raparigas, que para exercitar o trabalho de que vivem, lhes permittido. Nas Cantigas de amigo, dos Cancioneiros portuguezes so as raparigas que faliam de amor, das ausncias e da chegada dos seus namorados: so ellas que fazem as bailias. <>u'dansas coreadas, e as que cantavam nas egrejas os psalmos compositos et vulgares a que allude um canon de San Martinho de Braga. Fixando este aspecto da Eschola trobadoresca portuguesa.
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nota D. Carolina Michaelis: Em Portugal so meninas em cabello as que os peninsulares celebram nos seus versos de amor, as introduzem como figuras dramaticas em Cantares de amigo. Por isso so tratadas com muito mais cerimonia e recato. D'aqui tira a differena entre os trovadores portuguezes e os provenaes : N'esta parte os de Portugal talvez lhes levem vantagem : na sinceridade dos sentimentos e na ingenuidade com que os exprimem. Mas de que vale isso, se esses sentimentos so sempre os mesmos, de uma delicadeza e mesmo to perfeita que chega a desesperar? - Nos Dizeres de escarneo, por ventura a palma deve ser conferida aos peninsulares. E egualmente nos Cantares de amigo, de caracter popular, que constituem o seu mais valioso patrimonio. (Canc. d'Ajud., n, 682.) O illustre Mil y Eontanals, que estudou os Trovadores catales reconheceu os caracteres que destacam a Eschola trobadoresca portugiteza: Pela poca em que esta comea a florescer e pelo tom que n'ella domina, pela ausencia de erudio escholastica e tambem pela gerarchia da maior parte dos que a cultivaram. entre as poesias lyricas da Hespanlia, aquella que com mais exactido se pde denominar Eschola de Trovadores, e se as suas composies offerecem alguma analogia com as dos provenaes que mais se distinguem pela naturalidade e pelo caracter affecrivo, a esphera das ideias n'aquelles todavia mais limitada, o estylo mais simples e menos ambicioso, o que, apesar da grande mono-
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tonia, no deixa de offerecer certo attractivo. Essa simplicidade natural e apparente monotonia, uma caracterstica do genio portuguez, uma das suas feies inconfundveis, to difficilmente apprehendidas pelos estrangeiros ao primeiro encontro. Sobre este fundo organico e preexistente que a Eschola trobadoresca portugueza evoluciona em um perodo que vae de Dom Sancho I at Dom Pedro I, representadas pelas frmas do seu Lyrismo as trez Nacionalidades hispani-, cas: a Asturo-Galecio-Portugueza, tendo corno chefe o rei Dom Diniz, a Catalana-Aragoneza com Jayme I, e a Castelhana, com Affonso o Sabio. Foi n'este concurso do genio esthetico que competiu a Portugal a reconhecida hegemonia. Determinada a existencia de um fundo tradicional e popular do Lyrismo portuguez, foi na Crte que elle teve o pleno desenvolvimento artstico, conservando o seu caracter original a par das imitaes trobadorescas e persistindo na litteratura pela revivescencia nos mais vigorosos genios poeticos. Como entrou e prevaleceu na Crte este rudimento da Cano popular? Como resistiu e se impoz s manifestaes artificiosas de uma poesia allegorica com que os trovadores ocitanicos exprimiam as doutrinas do Amor? Pelo conhecimento do meio courtois, nas suas relaes com as Crtes peninsulares, no s pelos casamentos reaes, mas ainda pelos conflictos que foraram por vezes muitos fidalgos de Portugal a refugiarem-se n'esOs Trovadores em Hespanha, p. 533.
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sas Crtes, que se pde comprehender este phenomeno excepcional: a originalidade da Eschola trobadoresca portugueza, e esse outro facto extraordinario de ser a lngua portuguesa a preferida nas Crtes peninsulares para a expresso do nascente lyrismo. Sobordinada a Eschola trobadoresca portugueza, na sua evoluo, s modificaes por que passou a Crte nas suas phases historicas, e em frente dos documentos litterarios chronologicamente agrupados, ella constitue estadios : Cyclo pre-Affonsino ( I I 8 5 a I 2 4 8 ) : que abrange os tres reinados de D. Sancho I, D. Affonso II e D. Sancho II. Cyclo Affonsino (I248 a I279) em que durante o reinado de D. Affonso III a poesia lyrica cultivada principalmente pelos fidalgos que estiveram com elle na crte franceza. Cyclo Dionsio (I279 a I385) em que o rei D. Diniz, como o mais fecundo e mais talentoso trovador portuguez cultiva e protege a lyrica artstica e ao mesmo tempo os que conservam a sympathia pelas cantigas populares. Cyclo post-Dionisio (I325 a I357) em que as Canes provenalescas so substitudas pela imitao dos Lais bretos,que tornando-se narrativos determinam a frma da Novella. a) Cyclo pre-Affonsino: As luctas incessantes de D. Affonso Henriques para manter a autonomia do estado de Portugal contra a absorpo castelhano-leoneza, e as campanhas contra os. Arabes para estender o domnio d'esta quinta Monar-
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chia para o sul, encheram o seu longo reinado, no dando logar aos ocios da crte e s festas palacianas, que attrahiam os mais celebrados trovadores. Nos seus perseverantes estudos sobre esta poca, chegou D. Carolina Michaelis a esta concluso negativa, mas importante nas suas consequencias: Da vinda de Trovadores a Guimares, Porto, Coimbra, Lisboa, Santarem, nada de positivo consta todavia, apesar das relaes de parentesco, das allianas, da influencia das colnias frankas, quer antes quer depois de I200. (Canc. Aj., II, 723.) Isto revela como os germens tradicionaes no foram abafados por uma imitao banal das frmas provenalescas. Mas o gosto pelo lyrismo foi suscitado pelo que se passava nas outras crtes. A filha do primeiro rei de Portugal, D. Urraca, casada com Fernando II, rei de Leo, (divorciado por imposio do papa a pretexto de parentesco); d'este casamento nasceu D. Affonso v, pae de Fernando III, o Santo, esse que tanto protegeu os trovadores que frequentaram a sua crte, e que reuniu Cora de Leo a Cora de Castella. Pelas relaes intimas com a Crte de Leo, poderam os fidalgos portuguezes conhecer os trovadores provenaes que a frequentavam e apreciar as suas Canes. Sob a impresso dos cantares de Hugo de San Cyr, Guilherme de Adhemar, Elias Cairel, de Beltran de Almanon, Sordello de Mantua, Azemar o Negro, e do grande mestre dos Trovadores Giraud de Borneil, os trovadores portuguezes adaptaram a lingua nacional expresso do sentimento amoroso, na sua frma metrica, vindo assim a tornar a lingua portugueza exclu-
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siva da, nova poetica nas_Crtes peninsulares. No seu esforo para manter a autonomia de Portugal contra a absorpo castelhana, D. Affonso Henriques allia-se com a monarchia catalano-aragonesa, vindo seu filho D. Sancho I a casar com D . Dulce, ou Aldona, irm de Ramon Beranger Iv; outra irm d'este, D. Berenguella, casa com Affonso vII (o Imperador) primo do primeiro rei de Portugal. As festas d'este ultimo consorcio foram celebradas por tomarem parte muitos trovadores e jograes. A rainha Berenguella introduziu na crte de Castella a civilisao provenal, e ahi nos apparecem os trovadores Marcabrus, Gavaudan o Velho e Peire Vidal, os unicos que nas suas Canes se referem directamente a Portuga]: ahi dois trovadores Rambaud de Vaqueiras e Bonifazio Calvo compozeram Canes na lngua portugueza! Por estas relaes com as crtes de Leo, Arago e Castella, alargavam-se as visitas dos fidalgos portuguezes, tendo de competir com os mais afamados trovadores, que ahi concorriam atrahidos pela cruzada contra os sarracenos, ou pela proteco dos reis de Arago soberanos antigos da Provena. O rei D. Sancho I, que s occupou o throno depois dos trinta e um annos de edade, foi tambem trovador, como outros soberanos peninsulares; antes de estudar a Cano de amigo, que ainda se conserva, importa accentuar estas relaes de parentesco, que tanto actuaram n'este cyclo poetico. Pelo casamento de seus filhos, fixaram-se mais intimamente as relaes com estas tres crtes poeticas: o seu primogenito, D. Af-
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fonso II casa com D. Urraca, rilha de D. Affonso de Castella; o infante D. Pedro, que fra perigrinar, casa em Arago, onde foi Conde de Urgel; e sua filha D. Thereza, casa com Affonso Ix de Leo (divorciada depois por imposio do papa.) Estas trez Crtes estavam abertas para a fidalguia portugueza, onde cultivava o gosto provenalesco, longe das perturbaes guerreiras de Portugal, em uma lingua que era a que se fallava no alto Minho e Douro. O critico Menendez y Pelayo aponta imparcialmente em que consiste essa imitao: O unico resultado, o merito grande e positivo d'esta imitao provenal consiste na parte technica, na gymnastica das rimas, na dura aprendizagem que converteu a lingua gallaica no mais antigo typo dos dialectos lyricos da Pennsula. ! Este aperfeioamento artstico deu-se na lingua portugueza, cujos documentos coevos em prosa contrastam pela sua rudeza morphologica e syntaxica. O lyrismo portuguez apropriando-se d''essas frmulas cultas variadssimas, conservava o seu espirito originrio, o sentimento nosso, delicado, ingenuo, e por vezes o reproduziram conscientemente adoptando a expresso portugueza os proprios trovadores occitanicos. A Eschola trobadoresca portugueza teve duas frtes manifestaes : a ef florescencia de Canes de amor e de escarneo, nas crtes de Leo, Arago e de Castella, onde fram colligidos os cadernos ou rlos avulsos que se juntaram ao Grande Cancioneiro portuguez, e o desenvolvi-
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mento organico na crte de Portugal at ao regresso de D. Affonso I I I de Frana, em que o lyrismo no reflecte um contacto directo com os trovadores provenaes. Lang observando a ausencia de trovadores provenaes em Portugal, assenta sobre essa omisso uma das causas da independencia da Eschola lyrica portugueza. E por que no vinham esses cantores a Portugal ? O mesmo critico attribue-o instabilidade da nova Monarchia. E' certo que alguns d'elles se mostravam hostis a Portugal, como o jogral Perdigon, satirisando D. Sancho I (Canc. Ajud., II, 733 not.) e Guilherme de Tudela motejando D. Affonso II. O equilbrio politico da Hespanha firmava-se na existencia das quatro Monarchias, Leo, Arago, Navarra e Castella; Portugal, constituindo a quinta Monarchia, era um obstaculo para realisar-se a unificao politica tendo por centro Arago ou Castella. O trovador Peire Vidal ( I I 7 5 - I 2 I 5 ) elogiando os Reis de Hespanha falia determinadamente nas quatro Monarchias, omittindo a mais recente que era a de Portugal:
Ais quatro reis cTEspaign estai mont mal quar no valen aver patz entre lorl (Ap. Bartsch., 364)
A existencia da quinta Monarchia- era ainda instavel; em II58 fra combinado em Sahagun. entre os reis de Leo e de Castella a suppresso do reino de Portugal, plano ainda proseguido por 1). Fernando II. As condies de independencia impunham-se pela incorporao da faixa de oeste
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conquistada aos sarracenos; e esse espirito portucuez nas cortes peninsulares era tambem uma forca. O trovador Peire Guilhem, j falia em uma cano nos Cinco Reinos de Espanha (Ap. Mil, Trov., p. I97.) As circumstancias occorrentes afastavam os Trovadores de Portugal; pela tomada de Jerusalm em II87, recrudesceu o delrio da Cruzada, e armadas transportavam cavalleiros de Dinamarca, Flandres, Hollanda e Frisia. O rei D. Sancho I, aproveitou esta passagem dos cruzados para tentar a tomada de Silves, em uma expedio commandada por seu cunhado D. Mendo Gonalves de Sousa, o principal rico-homem. mais conhecido pelo titulo de Conde Souso. Essas campanhas longnquas, no permittiam os ocios palacianos, a que os trovadores concorriam. Mas a vida da guerra contra a mourisma no era incompatvel com as praxes da galanteria, como se formulara, consagrando o uso, nas Leis de Partidas : E aun porque se esforasen mas, tenian por cosa guisada que los que oviesen amigas que las nomeassen eu las lides por que les creciesen los corazones tuviesen verguenza de errar. O rei 1). Sancho I cumprira risca o dictame; depois dos amores com D. Maria Aires de Fornellos, andava loucamente apaixonado pela estonteante D. Maria Paes da Ribeira, a celebrada Ribeirinha a quem fazia Canes para ella e as suas damas cantarem. Esta paixo pela mulher fatdica, de quem teve muitos filhos, durou at morte do rei desde II86 at I2II. Eis a Cano que resta', colligida no Cancioneiro Colocci-Brancuti, n. 45:
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Ay! eu, cuitada Como vivo Em gram cuidado Por meu amigo, Que hei alongado! Muito me tarda O meu amigo Na Guarda!
Ay! eu cuitada Como vivo Em gram desejo Por meu amigo, Que tarda e no vejo! Muito me tarda O meu amigo Na Guarda.
Dona Carolina Michalis fundamenta a authenticidade da Cano com a nota de Colocci a fl. 100 : (( .Registo: outro Rtulo das Cantigas que fez o mui nobre Rei Don Sancho de Portugal, e dia: Ai, eu coitada como vivo. (Ed. Molteni, p. I48.) E interpretra o refren: Foi no anno de II99, que D. Sancho I deu em Coimbra Foral Guarda que acabava de fundar e povoar, como que em resposta fundao leoneza de Ciudad-Rodrigo... N'este mesmo anno, ou durante os trabalhos da fundao, creio foi escripto pelo filho de D. Affonso Henriques o mais antigo entre todos os Cantares de amigo em dsticos... o qual ao mesmo tempo uma das mais archaicas poesias portuguezas. (Canc. da Aj., t. II, 393-) D. Carolina Michalis d-lhe a forma de distico segundo o rythmo da dansa de untineira:
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Ai, eu cuitada, como vivo Em gram cuidado por meu amigo, Que hei alongado! Muito me tarda O meu amigo na Guarda. Ai, eu cuitada, como vivo Em gram desejo por meu amigo, Que tarda e nem vejo! Muito me tarda O meu amigo na Guarda!
Preferimos o crte estrophico pelas cadencias da melodia, indicado pelas mudanas da rima. Apoz este Cantar de amigo, segue a rubrica El Rey Dom Affonso de Leon; julgamos ser affonso Ix, sobrinho de D. Sancho I, que tambem cultivou a poesia, e que se destaca de Affonso o Sabio, que, dez Canes adiante tem uma Cano religiosa (N. 359) com a rubrica: El Rey Dom Affonso de Castella e de Leon. So um extraordinario documento do uso da lingua portugueza nas duas crtes de Leo e de Castella; quanto crte de Portugal bem digno de considerao o predomnio da frma popular da Cantiga de amigo, muito antes da corrente jogralesca que irrompeu no Cyclo dionisio, e d'essas Serranilhas que reflectiram as Pastorellas francezas, das quaes escreve Menendez y Pelayo: Nota-se na Serranilba artstica e provenalisada, um giro mais abstracto, impessoal e vago, menos intimidade lyrica, menor enlevo de poesia e mysterio e tambem menos soltura de versificao. (Antolog., III, p. x x x I v . ) Essas Cantigas de amigo, compostas por trovadores do cyclo pre-Affonsino, reflectiam a pura tradio conservada no povo portuguez. E' diante d'este facto, que antecedeu a concorrencia dos jograes gallegos, que surge o problema no
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j da origem mas da sua maior intensidade em Portugal. Menendez y Pelayo escreve: Quem poder chegar at s mais reconditas raizes d'este lyrismo? Quem poder surprehender seus primeiros passos infantis? Trata-se de um fundo ethnico commum a todos os povos do Meio Dia da Europa, ou de algum proprio e caracterstico do povo gallego? Porque alvoreceu alli a poesia lyrica com caracter mais popular do que na Provena, e com certo fundo de melancholia vaga, mysteriosa e devaneadora? A todas estas perguntas tem-se procurado dar resposta, porm at agora com mais fora de engenho e agudeza do que de critica. (Antologia, t. I I I , p. X V I I . ) O fundo ethnico ou substratum commum Occidental est comprovado pelos cantares narrativos, colligidos pelos folkloristas; nos canto lyrico a melodia que persiste, sendo a letra instavel, mas ainda assim as similaridades subsistem. Para esta sobrevivencia a regio gallaica ou propriamente portugueza tem um caracter privativo, fundamentalmente sociologico. O reino de Portugal ou a Quinta Monarchia constituiu-se por aggregao de Cidades livres ou municipalistas, em que o Presidente (ou Podcstat, maneira de Italia) da Behetria foi reconhecido por um pacto politico, como Rei. Os innumeros Foraes dados por D. Affonso Henriques e D. Sancho I s Cidades lusas reconquistadas aos sarracenos, so esses pactos bilateraes, em que os soberanos ou chefes militares no apagaram a autonomia municipalista ou independencia civil. A lucta na reconquista enrista at D. Af fonso III manteve a energia d'esta
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forte populao civil, cujo poder democratico prevaleceu no desenvolvimento das Crtes com o titulo de Brao popular. Os seus Cantos tradicionaes eram uma alegria viva, que animara a crte do nionarcha e os solares dos fidalgos. Emquanto no sul da Frana e na Italia apenas se conservaram raros vestgios dos germens populares elaborados artisticamente pelos trovadores occitanicos, em Portugal o fundo lyrico todo de caracter popular, por que este elemento social era organico' e exclusivo da nacionalidade, constituda pelo pendor da poca em Monarchia. E' preciso ter sempre em atteno esse facto historico das Behetrias, para comprehender o caracter social, politico e artstico ou litterario de Portugal, em qualquer poca. O Doutor Joo Pinto Ribeiro, o homem de I640, no seu tratado das Injustas successes de Castella, pretende provar que, quando os Portuguezes acclamaram Affonso Henriques; a maior parte das povoaes do reino eram Behetrias, isto , no sugeitas a senhorio algum, podendo eleger seus chefes, e governadores. D'onde conclue, que no tempo da acclamao de Ourique, e no da sua confirmao em Lamego pelos prelados, magnatas e procuradores, no se commetteu acto algum de rebellio contra os reis de Castella, que de facto no eram senhores do reino de Portugal; pois as suas povoaes gosavam dos fros de Behetrias, como fica dito. Ainda depois de constituda a monarchia, houve terras que no perderam esta qualificao; e, sobre reconhecerem o dominio geral do rei. no mais conservavam a prerogativa de
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eleger o seu governador, e de no poderem ser dadas em senhorios a ninguem. Nos paizes em que predominaram as instituies municipalistas, como na Alta Italia e em Portugal, existiu uma vigorosa poesia popular, e consequentemente um florente lyrismo artstico relacionado com as suas origens organicas. Na Lombardia, com o fim dos Ottes, em I002, estabeleceram-se as Republicas italianas, de Milo, Como, Novara, Pavia, Lodi, Cremona e Bergamo; n'essa vida civil, activa e livre que se criam todos os germens artsticos e capacidades estheticas em que o genio italiano se revela na primeira Renascena. E ainda depois de terem cahido essas Republicas no seculo X I I sob Frederico Barba-Roxa. ellas bem conheceram onde residia a sua fora confederando-se para a resistencia na Liga Lombarda. No admira que os trovadores occitanicos adiassem na Italia sympathia pela arte, e que muitos dos principaes trovadores do seculo X I I e xI TI sejam italianos. As relaes da Italia com Portugal datam do comeo de seu estabelecimento em Estado autonomo; esse influxo manifesto na cultura mental jurdica e theologica, coadjuvava a intensidade poetica dos costumes populares, cujas canes amorosas se escutavam e imitavam na crte de D. Sancho I, prevalecendo sobre os refinamentos cultos do provenalismo. Este facto capital das Behctrias ou Cidades confederadas sob a fr-
I Dialogo dos Mortos, Interlocutores Padre Macedo Padre Amaro. Pag. I7. Londres. In-8.' (I830, sem data)
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ma monarchia, com as suas garantias reconhecidas em Cartas de Foral, alm do genio da raa e da persistencia da tradio, explica o vigor d'esse fundo popular, que tanto caracterisa o Lyrismo portuguez, mo grado a influencia que tinham de exercer os Trovadores occitanicos que frequentaram as Crtes de Leo, de Arago e de Castella, intimamente relacionadas com a de Portugal pelos enlaces matrimoniaes e parentescos. Na poca em que as Cantigas de amigo eram imitadas na crte de D. Sancho I, dava-se o conflicto com a monarchia de Leo, por motivo do monarcha portuguez ter occupado Tuy, Pontevedra e Sampaio de Lombe; a tradio popular gallega, n'esta hostilidade internacional, no teve o acolhimento que se deu mais tarde no cyclo dionsio, sendo smente ahi verdadeiro o facto proclamado pelo marquez de Santillana: que nas Crtes peninsulares era em gallego ou portuguez, que se tratava a poesia. A sympathia de D. Sancho I pela frma das Cantigas de amigo revela o espirito do seu governo, procedendo ao desenvolvimento e defeza das cidades, depois de arrancadas do jugo sarraceno, dando-lhes foraes, fazendo o arroteamento dos terrenos incultos, fundando novas povoaes, defendendo-as com fortalezas, e resistindo s terrveis crises de novas incurses dos Arabes, de que lhe resultou a perda de Silves e de Alcacer do Sal, e s perturbaes de fomes e de peste. A poesia lyrica da Eschola trobadoresca portugueza adquire em frente dos trovadores occitanicos esse caracter que a destaca na sua originalidade: a Arte commum,
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partindo da metrica popular ou o Doble menor, para as Canes de amor, e a Arte maior ou Gram Mestria para as Canes de maldizer, que tm tambem uma feio caracterstica: as luctas politicas do fim do reinado de D. Sancho I, de D. Affonso II e D. Sancho I I , actuaram no desenvolvimento da poesia satrica ou' de escarne o. Da alluso historica Guarda deduziu D. Carolina Michalis que a Cano de D. Sancho I era inspirada pela Ribeirinha, a formosa Dona Maria Paes Ribeiro, tambem celebrada pelos trovadores portuguezes palacianos. Segundo as referencias dos Nobiliarios, era filha de D. Payo Moniz e D. Urraca Nunes: ouvea el rei D. Sancho, o velho, por barregan e fez en ella semel; depois que morreu este Rey D. Sancho, casou com Joo Fernandes de Lima. Foi a ella, quando estava no auge do seu favoritismo, que o trovador Payo Soares de Taveirs escreveu a Cano n. 38, do Cancioneiro da Ajuda:
e vs, filha de Don Pay Moniz, e bem vos semelha d'aver eu por vos guarvaya; pois eu, mia senhor, d'alfaya nunca de vs houve, nen hei valia de uma corra.
A palavra guarvaya apparece empregada na pragmatica de I340, onde se falia em pannos de solia, tabardo, redondel e guarvaya, e permittida ao rei e aos princepes. Parece referir-se a uma veste de arminho ou de pelles, - m o se deprehende do verso:
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Este -D. Payo Moniz foi um dos que confirmaram o Foral da Guarda de II99. Dos amores com a Ribeirinha nasceram D. Gil Sanches, que foi, trovador, e D. Rodrigo Sanches, que morreu na Lide do Porto, denominado um outro Rotulandus, e duas filhas, todos opulentamente dotados pelo rei. No Cancioneiro da Ajuda, n. 332 vem uma Cano de D. Gil Sanches, no gosto popular, paralletistica e de refrem; comea:
Tu que ora veens de Monte-mayor, Digas-me mandado de mia senhor. Tu que ora viste os olhos seus, Digas-me mandado d'ella, por Deus.
Pelo Livro velho das Linhagens sabe-se que era clerigo dos mais considerados de Hespanha, vivendo em mancebia com D. Maria Gomes de Sousa, uma das Netas do Conde, do maior rico homem de Portugal, o Souso. Por este enlace, D. Gil Sanches era como genro de D. Garcia Mendes de Eixo, o primeiro trovador da famlia Souso, cunhado de outro trovador D. Fernando Garcia Esgaravunha. As netas do Conde eram conhecidas pelos apodos dos trovadores pelas suas aventuras amorosas, reveladas pelos Nobiliarios e por algumas Canes do Cancioneiro da Ajuda, como a de Martins Soares, n.o 398. Figuram as outras netas do Conde, filhas de D. Guiomar Mendes de Sousa e D. Joo Peres da Maia: D. Thereza Gil, favorita de Sancho o Bravo, filho de Affonso o Sabio, D. Elvira Annes, que
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foi roussada pelo infano-trovador Ruy Gomes de Briteiros, depois nobilitado; e Mari'Annes, que casou com D. Gil Martins, partidario de D. Sancho II. O trovador Martin Soares celebrou em uma Cano as netas do Conde, e em especial o caso de D. Elvira, como o indica na rubrica : Esta Cantiga de cima fez Martin Soares a Ruy Gomes de Briteiros, que era Infanon (e depois fez-lo el-rei) Ricomem, por que roussou Dona Elvira Annes, filha de D. Joo Peres da Maia e de D. Guiomar Mendes, filha del Conde Mendo.)) Comea:
Pois boas donas son desemparadas e nulho omem n nas quer defender, no n'as quer' eu deixar estar quedadas, mais quer'eu duas por fora prender, ou tres ou quatro, quaes m'eu escolher! Pois non an j per quem sejam vengadas, netas do Conde quer' eu cometer, que me seran mais pouc' acosmiadas.
Na segunda estrophe allude ao facto das emigraes de fidalgos portuguezes por luctas partidarias e conflictos de familia de se deitar a Castella. A Cano 396, que uma teno entre dois trovadores Payo Soares e Martin Soares, tem uma preciosa rubrica: Esta Cantiga fez Martin Soares em maneira de Tenon com Paay Soares, e descarnho. Este Martin Soares foi de Riba de Limia ,cm Portugal, e trobou melhor ca todol'os que trobaram, e assi foi julgado antr os outros trobadores. Em uma das suas sirventas contra hum cavalleyro que cuidava que trobava muy ben,
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Soeiro Eannes, revela-nos Martin Soares conhecimento das Cantigas populares r pondo-as em contraste com as produces artsticas:
Os aldeyos e os concelhos todol'os avedes per pagados... por estes cantares que fazedes de amor em que lhis acham as filhas sabor... Bem quisto sodes dos alfayates dos peliteiros e dos moedores, do vosso bando son os trompeiros e os jograes dos atambores por que lhes cabe ns trompas vosso son, para atambores ar dizen que non acham no mundo outros sons melhores. (Canc. Vat., n. 965.)
D. Carolina Michaelis, na biographia d'este trovador, resume as concluses de Lang, que d Martin Soares como tendo conhecido as poesias dos trovadores Uc de Saint Cir, de Aimeric de Pegulhan, e ainda as de Peire Cardinal e Raimbaut d'Arenga, e accrescenta: realmente as relaes j apontadas com Affonso Eannes de Coton e Pero da Ponte tornam incontestavel a sua sahida de Portugal, reinando aqui Sancho o Capello e nos reinos visinhos Fernando o Santo. Foi ao contacto com a pleiada dos trovadores occitanicos e italianos, nas Crtes de Leo, Arago e Castella que os trovadores portuguezes se apoderaram de todos os segredos da technica da
1 O jogral cantava para o povo; assim Guilhems Figueira: mont se fez grazir ais arlots... et ais hostes tavernies...
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poetica provenal e adaptaram a lingua portugueza-no s aos effeitos das combinaes da rima, como expresso dos mais delicados sentimentos do amor. Era um torneio de que se colligiram esses numerosos Rtulos ou cadernos de composies individuaes que foram mais tarde, trazidos a Portugal para serem incorporados em um vasto Cancioneiro. A morte de D. Sancho I veiu dar largas s malevolencias contra os seus bastardos, e anarchisar a crte de D. Affonso II, que no se prestava a cumprir o testamento do pae, surgindo a lucta armada dos partidarios de suas irms. Dom Affonso II herdou tambem as diffaculdades da Cora com a Curia romana, e pelo grande desenvolvimento que deu s povoaes concedendo-lhes Foraes, v-se que no firmava a sua soberania na confiana da nobreza. O seu curto reinado deixou de p todos os conflictos que pezaram cruamente no seu successor Dom Sancho II. Todas estas causas fizeram que muitos fidalgos se deitassem a Leo, a Arago e Castella. O trovador D. Garcia Mendes de Eixo, estava homisiaclo em Leo, e na Cano n. 346, (Colocci) emprega versos em provenal dirigindo-se a Ruy de Spanha. Mas apesar d'este exodo frequente, as Canes de amor acharam cultores na crte de D. Affonso II, sobretudo em Santarem quando ahi estacionou por algum tempo, ou no perodo dos seus amores com D. Mor Martins, de Riba de Vizella. No Cancioneiro da Ajuda encontra-se um grupo de Canes anonymas, que se referem com enlevo a essa temporada da Crte em Santarem:
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A mais fremosa de quantas vejo en Santarm, e que mais desejo, e en que sempre cuidando sejo, non ch'a direi, mais direi-ch' amigo; Ai Santirgo ! ay Santirigo ! Al e Alfanx' e ai Sesserigo! (Cano n." 278.) Pero eu vejo aqui trobadores, senhor e lume d'estes olhos meus, que troban d'amor por sas senhores; non vejo aqui trobador, por Deus, que m'entenda o por que digo: Al e Alfanx' e ai Sesserigo! (Can. n. 279.) Amigos, des que me parti de mia senhor e a non vi, nunca fui ledo, nen dormi, nen me paguei de nulha ren. Todo este mal soffro e soffri des que me vin de Santarm. (Can. n. 280.)
No ha inconveniente em considerar o refren Al e Alfanx' e al Sesserigo! um grito de guerra tradicional, que se tivesse conservado desde a tomada definitiva de Santarem em I5 de Maro de II47, por D. Affonso Henriques. O casamento de D. Affonso II com D. Urraca, filha de Alfonso Ix de Castella, obedecera nova corrente politica que deslocava o centro da unificao nacional de Leo. Castella era o ponto de convergencia dos trovadores occitanicos, e os fidalgos portuguezes que sabiam trovar encontravam alli uma crte florente onde eram admirados e imitados. O curto reinado de D. Affonso II, e as perturbaes que o fizeram morrer amargurado
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em 23 de Maro de 223, afastaram da sua crte todos os trovadores que tinham achado favor junto de D. Sancho I. A attraco da Crte de Castella, tornou-se mais forte sob o seu successor D. Sancho II casando com D. Mecia, filha do potentado biscainho D. Lopo Dias de Haro, o maior favorito do monarcha castelhano, celebrado na sua morte em I236 em uma cano de Pero da Ponte. Na crte de D. Sancho I I , no meio das perturbaes herdadas do governo de seu pae, a poesia tomou um caracter satrico, destacandose entre os trovadores Ayras Peres de Vuyturon, com o latego de fogo contra os adversarios do monarcha. E' n'esta crise violenta, que termina pela Lide do Porto em I245, em que as faces dos fidalgos se conflagraram, que se deu a emigrao dos vencidos fixando-se na crte de Branca de Castella, em Paris. Martin Soares, um dos mais interessantes trovadores da crte de D. Affonso I e D. Sancho II, um d'aquelles que sahiram de Portugal, e segundo Henry Lang, conferenciou pessoalmente com trovadores occitanicos, como se deprehende pelas ideias e modismos que apresenta, encontrando-os nas crtes peninsulares. Reconhece-se que sahiu de Portugal, pelas suas relaes com Affonso Eannes de Coton e Pero da Ponte. Attendendo epoca, observa D. Carolina Michaelis: Teria por tanto occasio de vr e ouvir Adhemar o Negro, Elias Cairel, Giraut de Borneil, Quilhem Adhemar, e talvez Sordelo, o Mantuano. (Canc. Aj., II , 335.) O jogral Picandon cantava as Canes de Sordello, esse tro-
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vador italiano consagrado por Dante, como protesto contra os que abandonavam a lingua italiana trovando em provenal, lamentando no Convito a morte politica da Frana meridional. O trovador Joo Soares Coelho apodava-o:
Vedes, Picandon, soo maravilhado eu d'En Sordel que ouo en tenes muytas e boas, ey mui boos soes como fui en teu preyto tan errado; pois sabedes jograria fazer, porque vos fez per crte guarecer ou vs ou el dad'ende bon recado. (Canc. Aj., i, n. 371. Vat., n. I02I.)
A vida aventureira de Sordello nas crtes de Italia e Frana, onde era bastante estimado, aqui apontada por Joo Soares Coelho, notando o contraste d'esses uomini di crte, que se faziam valer pelos seus versos, com o jogral que repete as canes de outrem. Sordello era considerado como um grande mestre do gai saber, e Aimeric de Peguilhon terminava uma cano com este cabo ou fiida: Este mensageiro leva o meu fabliau Marche, a Dom Sordello, para que d o seu leal juzo, segundo o seu costume. As composies mais celebres de Sordello eram Tenses, coplas ou canes amorosas e sirventes, que o faziam temido. Em lucta com o trovador Pedro Bermont. replicava-lhe Sordello: E' falsamente que me chamam jogral: jogral o que vae atraz de outrem; eu levo alguem atraz de mim; eu nada recebo, e dou; elle, nada d e recebe; tudo o que traz em cima de si, recebeu-o da compaixo; eu no acceito cousa que me faa crar; vivo do que
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meu, recusando tudo quanto salario, e no acceito seno o que presente de amisade. l Vse que os trovadores j luctavam com a invaso da classe interesseira dos jograes, que exploravam as crtes; elles se viram forados na crte de Castella a estabelecer estas distinces.A's relaes dos trovadores portuguezes com os occitanicos e italianos, deveram elles o conhecimento dos requintes da metrica provenal, que facilmente imitaram nas suas canes; mas os proprios provenaes e italianos empregaram por vezes a lngua portugueza para comprem os seus versos. O trovador Bonifacio Calvo, de Genova (Bonifaz de Jenoa) deixou duas canes em portuguez, que foram colligidas no Cancioneiro da Ajuda, n. 265 e 266, e que apparecendo citadas no ndice do Cancioneiro de Colocci, n. 449 e 450, foram depois encontradas no Cancioneiro Brancuti, n. 34I e 342. Citaremos a primeira estrophe de cada u m a :
Mui gram poder a sobre mi amor poys que mi faz amar de coraon a ren do mundo, que me faz mayor coyta soffrer; e por todo esto non ouso pensar sol de me queixar en, tan gran pavor ey que mui gran ben me Ih' i fizesse por meu mal querer.
I Fauriel, Dante et les origines de la Langue et de la Litterature italienne, t. I, p. 529. De Lollis, no seu livro Vita e Poesie di Sordello di Goito (Italle, I896) considera que este trovador mantuano viajara pela peninsula hispanica antes de I230. (Rev. crit. de Historia e Litteratura, Ann. m (I899) p. 304.
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Ora nen moyro, nen vivo, nen sey como mi vay, nen ren de mi senon a tanto que ey no meu coraon coyta d'amor qual vos ora direy, tan grande que mi faz perder o sen e mha senhor sol non sab'ende ren.
No admira que por estes contactos se encontrem alguns italianismos nas canes portuguezas, taes como: afan, aquesto, aquisto, aval, besonha, cajon, cambhar, color, cr, dolor, guarra, guirlanda, ledo, mensonha, toste. Outros trovadores occitanicos empregaram a lingua portugueza, para lisongear as crtes peninsulares que frequentavam, onde essa lingua era ouvida com encanto. Ramon Vidal de Bazoudun introduziu em uma novella versificada (a 2 das Crtes de Amor) alguns versos em portuguez:
Tal dona non quero servir per me non si denhe preiar j non queren lo sien prendir.
Ramon Vidal floresceu entre II75 e I2I5, sendo muito estimado na corte de Affonso vIII de Castella, e na de Affonso II de Arago; (Canc. A]-, II, 734.) foi n'essas crtes que ouviu trovar e cantar em lingua portugueza. Um outro trovador, Rambaut de Vaqueiras, em um Descort escripto por II95-I202, entre as cinco lnguas que emprega, mette este trecho em portuguez:
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Mas tan temo vostro pleito todo soi escarmentado; per vos ei pena e maltreito mei corpo lazerado; la nueit quant jatz en mei leito soi moitas vez espertado, per vos, creo non profeito falhir ei en mei cuydado. Mon corass m' avetz treito E mont con afan l'an furtado.
Rambaut de Vaqueiras esteve na crte de Affonso v i u . As Canes dos trovadores portuguezes eram pela sua ternura imitadas pelos occitanicos. O proprio D. Af fonso x, o Sabio, no se dedignava de compr canes intercalando como centes versos dos trovadores portuguezes que frequentavam a crte de Castella; elle serviu-se do ref ren da Cano de Joo Soares Coelho:
De mui bon grado queria a um logar ir, e nunca m'end'ar viir. (Can. I60. Ajuda.)
E na Cantiga de Dom Affonso rei de Castella e Leo (n. 469. Colocci) vem assim apropriado :
De mui bon grado queria hir logo e nunca vir.
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os versos d'este outro refren da Cano de Joo Coelho (n. 17 S d Canc. Aj.):
Moir'eu, e mais per alguen! E nunca vus mais direi en.
Ainda n'esta Cantiga emprega o monarcha castelhano o refren da Cano de Joo de Guilhade (n. 228 A j . ) :
porque moir! e quer 'eu dizer quanto s'ende pois saberon: Moir' eu porque non vej'aqui a dona que non vejo aqui.
O proprio rei castelhano D. Affonso o Sabio adoptou para as poucas canes profanas, da sua mocidade, a lingua portugueza como se v pelo grupo das que foram colligidas no Cancioneiro da Vaticana, n. 6I a 79, e no Cancioneiro Colocci, n. 359 a 478 (srie seguida no ndice ms. de Colocci n . o 467 a 478 e 479 a 496.) A lingua gallega estava em um grande despreso, desde que decahira o fco da cultura leoneza; e essa decadencia continuou-se, como observa Saralegui y Medina: Posteriormente, desde a anarchia feudal do seculo x I v , a Galliza no teve j poesia original distincta e propria; a sua voz extinguiu-se no vacuo com os ultimos eccos do Cancioneiro;... Submettida dura e cruel servido, debaixo do despotico jugo de uma nobreza possuidora de direitos dominicaes to extensos a Galliza deixou de existir na realidade para a poesia, como no existia tampouco para a Architectura, Arte e industrias, envolta na commum e total rui-
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na... 1 A lingua portugueza, que segundo Aldrete, ainda no tempo de D. Enrique III se empregava geralmente na poesia, deveu esse prestigio ao seu predomnio no lyrismo nas crtes de Leo, Arago e de Castella, usada como um dialecto intermediario facilmente catalanisavel, (como se v pela Cano de D. Garcia Mendes d'Eix n. 346, Colocci), ou castelhanisavel como na Cano de Alfonso xI. Este phenomeno litterario deu-se tambem com o dialecto do Poitou, (o poitevin) que serviu de communicao do lyrismo provenal para o norte da Frana e para Inglaterra. Os 48 trovadores gallegos que figuram nos Cancioneiros da Vaticana e Colocci Brancuti apontados por D. Manoel Murguia, so quasi todos do fim do cyclo Affonsino. Notou-o Menendez y Pelayo: A irupo da poesia popular na arte culta tem de referir-se principalmente ao reinado de D. Diniz, em que por gala e bizarria se entregaram princepes e fidalgos a arremedar os candidos accentos das Canes de romarias, de pescadores e aldeos, adaptando sem duvida novas palavras maneira antiga. (Antol, III, p. XVII.) A importancia do Cyclo pre-Affonsino est na facilidade com que os trovadores portuguezes de I200 a I245, se apoderaram de todos os artifcios da poetica provenalesca sem perderem as caractersticas do genio nacional, revelado no seu lyrismo. Observou D. Carolina Michalis, com a intuio da sua feminilidade: Tanto
Um Trovador ferrollano, p. 5.
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nas adaptaes dos modelos estrangeiros, como na dos generos populares, o genio patrio se manifesta. O sentimento da saudade j era familiar aos coevos de D. Diniz. Em I200 morrer de amor j era costume dos mimosos de alma atormentada: os grandes olhos de criana das damas portuguezas inspiravam pela sua meiga e dorida expresso, ao mesmo tempo sensual e soberanamente espiritual e casta amores apaixonados, mais vezes de perdio do que de salvao. Sob a phraseologia convencional de cortezos mensurados escondem-se frequentemente sentimentos fervorosos. Mesmo a monotomia ou uniformidade dos protestos e queixumes de amor significativa e attrahente. (Carnc. Aj., I , p. Ix.) No precioso Cancioneiro da Ajuda encontram-se os trovadores do Cyclo preAffonsino que poetaram da ultima decada do seculo xII at 1245, supprindo-se pelo Cancioneiro Colocci Brancuti os trovadores que oceupavam as folhas perdidas do cdice membranaceo. (D. Car. Michaelis, op. cit., II, 322.) Vinte e dois trovadores encantaram a Crte de Guimares, Coimbra e Santarem, e inflammaram com a sua ternura sentimental as Crtes esplendorosas de Leo, Arago e Castella, competindo com os trovadores mais afamados da Provena e da Italia.
Vasco Praga de Sandim Joo Soares Somesso Pay Soares Martim Soares Ruy Gomes de Briteiros Ayras Carpancho Nuno Rodrigues de Gandarey Ayras Moniz d'Asme Diego Moniz Osoir'Eannes Monio Fernandes de Mirapeixe Fernan Rodrigues de Lemos
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b) Cyclo Affonsino (I248 a I279). No estudo dos Cancioneiros trobadorescos portuguezes a observao estatstica leva a considerar como edade mais fertil da arte trobadoresca ou pelo menos da Cano palaciana de amor a edade affonsina de I245 a I280 (respectivamente de I252 a I284.) D. Carolina Michaelis chegou a este resultado pela comparao dos grupos de trovadores dos trez Cancioneiros da Ajuda, Vaticana e Colocci. (Canc. Aj.; II, 600.) E' este o caracter mais brilhante da crte de D. Affonso III, em que a influencia do norte da Frana se fez sentir atravs da corrente castelhana que se generalisava. A sahida do prncipe D. Affonso, irmo de D. Sancho II, em 1229, por occasio do casamento de sua irm D. Leonor com o princepe Waldemar da Dinamarca, deu ensejo a que se demorasse percorrendo a Europa, entrasse em varias batalhas, vindo assistir uma temporada na crte de San Luiz, onde sua tia Branca de Castella, exercia a laboriosa regencia, na menoridade de seu filho. Fra isto em 1238. A rainha regente, muito nova e muito bella, era assediada pelos bares prepotentes, destacando-se entre todos pelo seu talento poetico Thibaut, Conde de Champagne. N'essa crte de uma rainha formosa e viuva desD. Gil Sanches D. Garcia Mendes de Eixo Ruy Gomes o Freire F e r n o Rodrigues Calheiros D. Ferno Peres de Talamancos Nunes Eannes Cerzeo Pro Velho de Taveiroz D. Joo Soares de Paiva D. Rodrigo Dias da Camar Abril Peres Pro da Ponte Ayras Perez Vuyturon D. Diego Lopes de H a r o Bernaldo de Bonaval Affonso Eannes do Cotom.
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cnvolveu-se a galanteria e o lyrismo erotico; era um meio de revelaes affectivas. Por esta mesma poca Guillaume de Lorris elaborava o seu poema allegorico Ronian de la Rose, cuja chave est na interpretao das aventuras numerosas da crte, algumas das quaes foram definidas como honieuse eonnivence; n'essas intrigas a rainha fez o casamento do garboso prncipe D. Af fonso com sua sobrinha Mathilde, a viuva Condessa de Boulogne. Ahi n'essa crte beata e apaixonada dominavam as Canonetas lyricas em lingua d'oil c especialmente em provenal, os sons poetevins, as Canes de refren do Auvergne e da Gasconha, ahi postas em moela por Alianor de Poitou. (Canc. Aj.,IIi. 7I9.) N'este deslumbramento cortezanesco estava enleiado o princepe D. Affonso, quando, nos conflictos e resistencias dos fidalgos portuguezes contra a administrao de D. Sancho II, vieram s mos com os partidarios do rei em 1245, na Lide do Porto. Os bispos foram preparar junto do Papa a deposio de D. Sancho II, e os principaes fidalgos vencidos emigraram para Frana, aproximando-se do princepe D. Affonso, que era apontado pela sua extremada bravura; ahi se encontraram n'esse fco de cultura e elegancia fidalgos da famlia dos Bayes, dos Porto-Carreros, Valladares, Nobregas, Alvins, Mellos, Sousas e Raymundos; so estes os appellidos dos principaes trovadores, que figuraram na crte de D. Affonso I I I , depois de deposto o irmo. D. Affonso veiu a Portugal simuladamente e obteve a homenagem dos principaes Alcaides por veniagas que fram objecto de satiras candentes. 14
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Alfonso o Sabio, quando considerava as suas proprias desventuras, comparava-se ao rei de Portugal :
Nunca asy foi vendudo Rey Don Sanch' en Portugal. (Cant. Santa Maria, 235.)
A satira do trovador Ayras Perez Veyturon {Canc. Vat., n. I088) sangrenta, estampando o nome d'esses Alcaides, e fazendo a farsisture com Versos latinos com que o papa absolveu os traidores; tem a rubrica: ((.Esta outra Cantiga de maldizer dos que deron os Castellos como non deviam ai rey don Affonso. Os favoritos do novo rei retorquiam tambem com satiras parcialidade vencida; e assim, pelo estimulo politico e pela curiosidade das canes de maldizer e de escarneo, se acordou o interesse pela poesia lyrica e como imitao e lembrana dos dias passados na crte franceza. Martim Moxa atacava-os:
Vs que soedes em crte morar, d'estes privados queria saber, se lhes ha a privana mttyto durar, c os non vejo dar nem despender; antes os vejo tomar e pedir, e o que lhes non quer dar ou servir non pde rem com el rey adubar. (Canc. Vat., n. 472.)
O genero mais cultivado era o da satira, tambem em moda na Crte de Castella; mas n'este cyclo affonsino o lyrismo expressava-se nas mais frescas e deliciosas Pastorellas, verdadeiramente uma reminiscencia da crte franceza que assimilara os sons poetevins.
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II
Influencia do Norte da Frana ou Gallo-frank
Attribuia-se influencia exclusiva dos trovadores occitanicos o desenvolvimento do lyrismo nas modernas litteraturas, reservando ao genio franko ou Frana do norte a creao das Epopas feudaes, ou as grandes Canes de Gesta, que idealisaram como centro de toda a aco heroica a figura preponderante de Carlos Magno: mas considerados os factos, a Frana do norte possua tambem as formosas canes lyricas das Pastorellas, e a Frana meridional assim elaborou Canes de Gesta, dos heroes da lucta contra as invases sarracenas. A verdadeira critica consiste em descriminar estas influencias nos seus momentos historicos, abandonando as affirmaes absolutas. A influencia do lyrismo do Norte da Frana sobre as Naes meridionaes, como pretende Gaston Paris e o seu discpulo Jeanroy, no se pde fixar na poca provenal, quando a Frana meridional era incorporada violentamente na unidade monarchica. D'essa poca no se encontram Canes lyricas em lingua d'oil; e Jeanroy v-se forado a recompl-as pelas canes portuguezas e italianas tornando-as como reflexo d'ellas. Essas Canes de caracter objectivo ou de toile, do norte da Frana smente se vulgarisaram no seculo xv, pelo meio indirecto das melodias francezas, como vmos com Gil Vicente introduzindo uma d'essas cantigas vindas de Frana no Auto dos Quatro
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Tempos, cuja melodia se encontra no Cancioneiro musical do seculo xv, de Barbieri. Quando D. Affonso I I I assistia na crte de Frana com os fidalgos portuguezes que ahi se refugiaram conspirando contra D. Sancho I I , estavam em moda as letrilhas e canonetas em lingua d'oil, que eram compostas sob o influxo das Villanelas da Gasconha, dos refrens do Auvergne, mais conhecidos ahi pelo titulo de Sons poitevins. Foi esta frma, a Pastorella franceza, que D. Joo de Aboim e outros fidalgos reproduziram com certa arte na crte de D. Affonso I I I em Santarem e em Lisboa. Sem attender ao elemento mais organico ou tradicional do lyrismo dos Cantares de amigo, a illustre romanista D. Carolina Michalis affirma: no a Frana meridional, mas sim do Norte qu: foi a verdadeira corrente, e at certo ponto, mestra e guia. (Canc. Af., n, 683.) No ponto de vista restricto, essa corrente determina-se no Cyclo Affonsino, com a imitao das Pastorellas, que se identificaram com as Bailadas, Barcarolas e Cantigas de amigo, tratando themas de predileco pertencentes ao fundo ethnico da Europa occidental. Com este criterio que a eruditssima romanista avalia a these de Jeanroy da origem franceza dos Cantares no Norte na lyrica portugueza: O distincto investigador ,:francez que tentou derivar todos os com caracter popular de moldes franceses hoje perdidos, mas por elle engenhosamente reconstrudos por deduces das Cantigas portuguezas, conheceu insufficientemente a raa peninsular, a historia da sua civilisao, os seus costumes, sua indole, suas cantigas e
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bailados. Como nos Cancioneiros modernos da Galliza e de Portugal se lhe deparasse muitas banalidades e grosserias, sem vislumbre de poesia, as quaes comparou com a assombrosa fecundidade e ligeireza da musa gauleza, no quiz acreditar que, outrora opulenta e inspirada a musa indgena podesse ter actuado nos poetas cultos, proporcionando-lhes typos, moldes e modelos. Argumentando assim esqueceu porm as suas proprias theorias, a poesia popular archaica e da nao inteira, tinha collaborado em todas as classes. (Cone. Aj., II, 940.) E d'esses moldes da poesia popular diz: vigentes no primeiro perodo, serviram de fonte de inspirao aos imitadores palacianos, e se perpetuaram na memoria do povo at ao dia de hoje n'alguns recantos de Traz os Montes, da Galliza e das Asturias... (Ib., p. 924.) Paul Meyer reconheceu na lyrica franceza a corrente meridional, comprehendendo melhor a phase portugueza: a poesia lyrica franceza formada por duas correntes, uma propriamente nacional, a outra meridional. Estas duas correntes so representadas nos nossos velhos Cancioneiros francezes do seculo X I I I x I v , e tm toda a apparencia que as Canes de fiandeiras, canes de damas, que formavam a parte mais preciosa da nossa antiga poesia popular, nunca teria sido colligida se o exito da poesia do Meio Dia no viesse pl-as em considerao. O mesmo aconteceu em Portugal. (Romania, I 876, p. 267.) A Pastorella franceza, reflectindo o espirito meridional, veiu vivificar as nossas Baylias, dentro das condies do nacionalismo. Este sentimento da tradio que fez
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I (<N'esta poca (sculo xIII) no era facil passar os Pireneos e chegar so e salvo a Santhiago, apesar dos Conegos de Santo Eloy de Compostella, terem emprehendido entre si a policia dos caminhos e de conduzirem e reconduzirem com segurana os peregrinos, vindos pelo grande caminho frances, que elles chamam ainda a presente, que vem das Landes, de Bordos a Leo.'' Francisque Michel transcreve esta passagem da Historia da Navarra de Andr Favyn, (p. 2 2 I ) : e acrescenta: ((Por todo o caminho entre Bordos e S. Thiago, existiam hospcios destinados a estes piedosos viajantes, nomeadamente em Barp, Belin, Saint Esprit, S. Joo da Luz.'' (Le Pays Basque, p. 338.)
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O trovador affonsino encaixilhou no quadro da Pastorella o Cantar de amigo; transcrevemos uma estrophe typica de pastorella franceza, para verificar esse influxo:
l / a u t r e jour je chevachoie Sor mon palefroi amblait, Et trovai en mi mai voie Pastorelle agniaus guardant Et chaipial faixant Partit muguet Je lui dit: Marguet Bargeronette, Trs douce compaignete, Doneis moi vostre chaipelet, Doneis moi vostre chaipelet. I
O clerigo Ayras Nunes (Canc. Vat., n. 454) cultivou o genero com uma singular belleza:
Oy' o j ' eu ha pastor cantar, d'hu cavalgava per ha ribeira, e a pastor estava senlheira, e ascondi-me pola ascuytar; e dizia muy ben este c a n t a r : Sol-o ramo verde frolido vodas fazen ao meu amigo; e choram olhos de amor.
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E a pastor parecia muy ben, e chorava e estava cantando, e eu muy passo fuy-m' achegando pol-a oyr, e sol non faley ren; e dizia este cantar muy ben: Ay, estorninho do avelanedo, Cantades vs, e moir' eu c peno; d'amores ey mal.
Seguem-se mais trez estrophes delicadamente bellas; comparavel Pastorella x do ms. de Paul Meyer:
L/autrier un lundi matin, M'an aloie ambaniant; J'antrai en un biau jardin Trouvai nonete seant. Celle chansonette Dixoit la nonette: Longue demore faites Franz moines loialz! Se plui sui nonette Ains ke soit li vespres Je morrai des jolis mal, etc.
A poesia lyrica franceza era directamente conhecida pelos trovadores portuguezes, que intercalavam como centes versos em lingua d'oil nas suas Canes; comprova-o a Cano de Ferno Garcia Esgaravunha, querendo por uma alluso aos costumes feudaes exprimir o sentimento de fidelidade sua dama:
Dizer-vos quer' eu uma ren, Sefior que sempre ben quige: Or sachies veroyamen que ie soy votre orne lige. I (Canc. Aj., 126.) 1 Laboulaye, na Histoire du Droit de proprite fonc:cre en Occident, (p. 448) : (< Reparando para a affinidade
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Dom Af fonso Lopes de Baio, reproduzindo a frma pica da Gesta de Roland, transforma-a em uma sirvente ou satira pessoal como uma parodia contrafazendo o portuguez archaico. A Eschola trobadoresca portuguesa completa os seus caracteres proprios, alm dos germens tradicionaes e de um sentimento nacional, appresentando uma morphologia poetica, que lhe serviu de expresso. Examinando materialmente a metrica dos nossos trovadores, nota-se o emprego quasi exclusivo dos versos em rimas agudas, e raramente os versos so quebrados; a estrophe termina quasi sempre com refren ou estribilho, e pelas exigencias da musica a Cano tripartira. Nos tempos em que Dom Affonso I I I com os seus partidarios assistiu na crte de Frana, que os trovadores do Cyclo Affonsino tomaram conhecimento de todos os artifcios da poetica trobadoresca, mais dominante, que era a Eschola de Limoges. O Marquez de Santillana, accusava esta influencia, na sua Carta ao Condestavel de Portugal : Usaron el Decir en coplas de dez sillabas, a la manera de los limosis... Chamava-se Arte maior em contraposio s redondilhas ou Arte menor. E n'essa mesma carta accrescenta: Estenderam-se, creio, d'aquellas terras e comarcas dos Limosinos esta Arte aos Gallaicos...
da condio do lite com o colonato, affinidade to estreita que leva a explicar a origem da instituio romana por imitao dos usos barbaros, facil de comprehender como estas duas condies se confundiram; o nome de >ite foi mais usado no Norte, o de colono ao Meio Dia, mas a tenencia foi mais ou menos a mesma..."
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Entrava-se em uma phase de disciplina; e effectivamente encontrou-se junto ao Cancioneiro Colocci-Brancuti o fragmento de uma Poetica trobadoresca portugueza, da mesma poca em que D. Joo, sobrinho de Affonso o Sabio, escreveu uma Arte de trovar, que se no acha entre as suas obras. 1 E' um documento de valor historico, como inferiu Menendez y Pelayo: Havia certamente na Poesia gallega uma disciplina de Bschola, e a exemplo e imitao das Poeticas provenaes, chegou muito cedo a uma Poetica propria, um verdadeiro tratado doutrinal, que deveria ter sido algo extenso, a julgar pelos preciosos fragmentos que nos restam no Cancioneiro Colocci-Brancuti, que abragem 3 livros inteiros e parte de outro. (Antol., III, p. X V I I I . ) Essa Poetica, quasi illegivel, e restituida plausivelmente, constava de seis capitulos, comeando o fragmento em uma boa parte do terceiro. N'este se definem os generos lyricos, taes como a Cantiga de amor e a Cantiga do amigo, a Cantiga de escarneo, de Meestria ou de refren e de Joguete certeyro. Define depois o genero das Tenes, feitas por dois trovadores ao mesmo tempo: per raaneyra de razon que hun aja contra o outro em quaes diga que por bem tever na prima cobra et o outro" responda-lhes na outra dizendo o contrario- Tambem vem indicando um genero popular, cujo titulo o aproxima das Villanelas da
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Gasconha: Outras Cantigas fazem os trovadores a que chamam de Villo. Estas Cantigas se pdem fazer d'Amor ou d'Amigo sem mal algum, nen son per arrabis, porque as no estimam muito. No Cancioneiro da Vatcana vem um bello exemplo, n. I043, caracterisado pela rubrica: ((Diz uma Cantiga de Villo:
O' pee d'uma torre bayla, corpo' e giolo; Vedel-o cs, ay cavalleiro."
Sobre este molde compoz Joo de Gaia uma cano por aquella de cima de Villos, que diz a refren Vedei o cs, ay cavalleyro;e feze-a a hun villo que foy alfayate do bispo don Domingos Jardo. A' simplicidade popular contrapunham-se os artifcios complicadissimos das trovas de se grei. L-se na poetica alludida: E este segrer de maior sabedoria, por que toma cada uma das palavras da Cantiga que segue.- Pde-se inferir que este nome de Segrel, dado a determinados trovadores, proveiu da especial capacidade de seguir em improviso ou estudadamente umas determinadas palavras, ou repeties de rima e de versos. Quando uma estrophe se contina ou segue no seu sentido grammatical na estrophe immediata, chama-se-lhes atehudas; explica o genero de doble, em que a palavra se repete duas vezes na estrophe, e o mr doble, em que as mesmas palavras mudam de tempo. O Marquez de Santillana caracterisou a lyrica do noroeste da Hespanha por este artificio dos versos encadenados, lexapren e mansobre. A Can-
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o redonda designava o artificio em que o ultimo verso da copla se repetia como comeo da seguinte; competia-lhe a designao da encadenada, quando a rima que finalisava a estrophe era a primeira palavra da estancia seguinte. Diez cita a rubrica de uma Cano de Giraud Riquier; Canson redonda et encadenada de notz e de son. No Cancioneiro da Ajuda frequente o cncadenado, sendo a primeira rima repetida no primeiro verso das demais estrophes; ou a ultima rima repetida sempre mas no como refren. O segundo artificio da poetica trobadoresca portugueza o lexapren, consistindo em repetir o ultimo verso da estrophe como primeiro da que se lhe seguia. A terceira frma apontada por Santillana o Mansobre, que consistia na rima repetida ora no meio e fim do verso, e ento se chamava mansobre doble, ora no meio do verso, e era o mansobre sencillo ou menor. No Cancioneiro de Baena, o verso: Sin doble mansobr.e, sencillo menor mostra-nos que s no seculo xv que se empregou esta frma na poesia castelhana, sendo o mansobre menor ainda usado por S de Miranda. De Mansobre doble encontra-se um curioso exemplo no Cancioneiro da Ajuda, n. I 6 0 :
Vi eu viver coitados, mas nunca tan coitado Viveu com o j ' eu vivo, nem o viu ome nado Des quando fui u fui, e a que vol-o recado: De muy bon grado querria a un logar ir E nunca m'ende ar viir.
Tambem se faz ahi a distineo das rimas agudas e graves, empregando-as para effeito artisti-
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As Cantigas com' eu disse fazeren en rico: mas longas ou breves ou em todas misturadas. As rimas em e c c o apparecem apontadas no Fragmento, reproduzindo ainda no seculo xvI esta frma Gil Vicente e Bernardim Ribeiro, representante d'esta tradio bem definida por S de Miranda. Os jograes que frequentaram a crte de D. Affonso III, mostrando-se conhecedores d'estes artifcios da metrica, pretendiam acobertar-se com o nome de segrel; assim Picandon retorquia a uma teno do trovador Joo Soares Coelho:
Joh Soares, logo vos dado e mostrar-vol-o-ey em poucas rases; gran dereyfey de ganhar des e de ser en crte tan preado como Segrel que digo, mui ben vs, en Canes e Cobras e Sirventes, e que seja de falimento guardado.
A crte de D. Affonso III foi assaltada por todos os Cantores vagabundos, quando D. Affonso o Sabio tentou na crte de Castella um renascimento da poesia provenalesca; e deu-se isto, depois que D. Affonso I I I , desposou uma filha bastarda de Affonso x, em cuja crte Giraud de Riquier em uma cano distinguia esta classe de cantores:
E ditz ais trobadors Scgries per tetas corts.
No Regimento da Casa real de 1258, D. Affonso I I I estabeleceu: El rei aia tres jograres en sa casa e nom mais, e o jogral que veher de
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cavallo d'outra terra, ou Segrel, d-lhe el rei ataa cem (maravedis?) ao que chus der, e non mais se lhe dar quizer. l O titulo de Segrel era um gro acima de jogral; Bernaldo de Bonaval, que apparece citado no Cancioneiro da Vaticano- como Primeiro trovador, diz da sua pessoa em uma Cano a D. Abril Perez:
Ca bem sabemos, Don Bernal, qual senhor sol sempre a servir segrel. (Can. n. 663.)
E em uma teno com Pero da Ponte referiase Affonso Eanes de Coton a esta qualidade de cantor:
em nossa terra, se deus me perdon', a todo o escudeyro que pede don, as mays das gentes lhe chamam segrel. (Can. n. 556.)
O titulo de Trovador dado exclusivamente quelle que canta e compe por amor, desinteresI Portuglia Monumento, hist., Lges, I, 193. Sobre a etymologia da palavra: sculo na sua frma popular antiga era segre, contrapondo-se ao que e religioso ou sagrado. Na teno do trovador Joo Soares e o jogral Picandou, este replica-lhe: Joo Soares, por me doestardes non perc' eu por esso mia jograria; e a vs, senhor, melhor estaria d'a tod' orne de segre bem buscardes, ca eu sei canon muita e canto bem e guardo-me de todo fallimen, e cantarei cada que me mandardes. (Canc. Vai., n. 1021.)
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sadamente, e por isso apparece como uma aistinco nobiliarchica dos velhos livros de Linhagens: que trobou ben, trobador e mui saboroso. No Livro velho das Linhagens vem citado como trovador Joo Soares de Paiva, (Port. Mon., I 6 6 . ) ; no Fragmento do Nobiliario do Conde D. Pedro, distinguem-se nas sries genealogicas pelo seu titulo de trovadores Ferno Garcia Esgaravunha, (Ib., p. I92 a 2 0 0 ) ; Estevam Annes de Valladares (p. 199.) Joo Soares de Panha (p. 208); no Nobilirio do Conde D. Pedro, destacam-se com esse caracterstico Joo de Gaia (p. 272); Vasco Fernandes de Praga (p. 349), Joo Martins (p. 302), e Joo Soares (p. 352.) A Eschola trobadoresca portugueza, afastando-se pelo artificio e prurido aristocratico das fontes populares ia esgotar-se na actividade banal das Canes de escarneo, suscitadas pelas dissidencias politicas. O que se passava na crte de Affonso x, de Castella, reflectia-se na crte portugueza, n'essa abundancia de Cantigas de maldizer. Era costume velho na fidalguia peninsular, como se l nas Partidas, que condemnam as Cantigas Rimos Deytados maios de los que han sabor de infamar... deitavam-se nas casas dos fidalgos, egrejas e nas praas das cidades... Entre as satiras do cylo affonsino destaca-se a Gesta de Maldizer, que fez Dom Affonso Lopes de Baiam, a Dom Mendo e a seus vassallos; em verso alexandrino imperfeitamente metrificado, em tres estrophes monorrimas, separadas pela celebre neuma com que terminam as deixas flaisse) da ^hanson de Ralaud, AoI. Torna-se
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pelo titulo de Gesta, e pela sua frma uma prova de que essa grandiosa epopa franka era conhecida em Portugal. A satira de D. Affonso Lopes de Baiam, um dos mais validos ricos homens da crte de D. Affonso I I I , visava o valimento d'esse infano Ruy Gomes de Briteiros que por ter seduzido a gentil D. Elvira Annes da Maia foi elevado a rico-homem pela roca, conforme a linguagem pittoresca medieval. Ruy Gomes de Briteiros achou-se na Lide do Porto e esteve em Frana junto do Princepe D. Affonso, a quem acompanhou a Portugal, quando veiu desthronar o irmo. Pela referencia ao seu solar de Longos, e ao nome de Dom Meendo, seu filho, que se desvenda o sentido da Gesta, que motejava das pretenes heraldicas, do descendente de um Pero, natural da localidade de Longos-Valles em que os frades Cruzios tinham um convento. Tanto Ruy Gomes de Briteiros como seu filho Dom Meem Rodrigues de Briteiros foram tambem trovadores, de que restam algumas canes, tendo talvez por qualquer copla provocado os chascos do poderoso rico-homem, que no via com bons olhos o seu favoritismo junto de D. Affonso I I I . O nome de Belpelho e Velpelho (diminutivo de Vulpes, a pequena raposa) alludia indole ardilosa d'esses oriundos de Longos; d'esta inferioridade de solar fere-os a copla:
Deu ora el rey seus dinheiros a Belpelho, que mostrasse en alardo cavalleiros e por ric' omen ficasse e pareceu a cavallo con sa sela de badana:
Qual Ric' omen tal vassalo, Qual Concelho tal campana. (Canc. Vat., n. 1082.)
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A Gesta de mal dizer (ib. n. I080) descreve esse alardo, feito por D. Mendo Rodrigues de Briteiros, com toda a pompa pica, verdadeira parodia quixotesca:
Sedia-se don Velpelho en hunha .sa mayson que chaman Longos, onde eiies todos son: per porta lh'entra Martin de Farazon, escud' a colo en qu' senha un capon que foy j pol'-eyr' en outra sazon. cavai' agudo que semelha foron, en cima d'el un velho selegon, sen estrebeyras, e con roto bardon, nen porta loriga, nen porta lorigon, nen geolheiras quaes de ferro son.
E' quanto basta para conhecer a frma da Gesta e os chascos da parodia; o que interessa determinar at que ponto se communicou a Portuga! a corrente pica do norte da Frana. No Livro das Linhagens apparecem citados os Dose Pares, agrupamento heroico divulgado alm da Chanson ae Roland pelas antigas Gestas da Matria de Frana, a Viagem o Jerusalem e Reynaua de Montauban; eis a referencia: muytos ricos liomeens, que iam para lhes acorrerem disseram a el rey Don Fernando que nunca viram cavalleiros, nem ouviram fallar que tam soffredores fossem, e fizeram-nos em par dos doze pares. (Mon. hist., Script, 283.) No epitaphio de D. Rodrigo lanches, bastardo de Dom Sancho I, morto na Lide do Porto em I245, na revolta contra D. San15
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cho I I , elle comparado a Roland, no verso: Laudibus ex dignis, alter fuit hic Rotulandus. A frma Rotulandus foi empregada por Radulphus Tortarius alatinando a frma germanica Hruodland, usada por Eghinard; e o trovador Guerau de Cabrera, traz em uma cano Rotlon, d'onde a frma Roldan, que se tornou popular. Na Cano de Joo Baveca (Vat. n. I066) encontra-se:
e ora per Roncesvales passou e tornou-se de Poio de Roldan.
Muitas das referencias a Carlos Magno nos Nobiliarios derivaram do Pseudo Turpin do Codex de San Thiago de Compostella, que no livro Iv consigna invenes fabulosas e reminiscencias dos Cantares de Gesta, (Canc. Aj., II, 8I2) que foram tambem elaboradas no romanceiro peninsular com caracter proprio, como provou Nigra em relao cantilena de Vifarius ou de Dom Gayfciros. Nos paizes onde o feudalismo no chegou a estabelecer-se, as Gestas frankas, que em geral idealisavam as luctas dos grandes vassallos contra o poder monarchico, no acharam
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sympathia. Os jograes, que no seculo xIv e xv, cantavam pela Italia os feitos heroicos de Carlos Magno eram com crescente despreso chamados Ciartalani; em Portugal, o nome de Roldo tornou-se designativo de valento grosseiro, e Valdevinos, um tunante ou vagabundo. No seculo xv citava a faulse Geste do Duque Jean de Lanson, Azurara como digno de memoria, desconhecendo o seu typo odioso. Quando os trovadores comeavam a alludir s Gestas francas, entravam na crte as Novellas amorosas do Cyclo da Tavola Redonda, que se apossaram do gosto e do enthusiasmo. Era uma renovao das Canes lyricas, que vinha acordar a paixo pelos poemas narrativos da Materia de Bretanha. O Cyclo Affonsino tocava o seu termo, quando a crte portugueza acompanhava o recolhimento do rei pela sua prolongada doena. Para resistir s exigencias dos seus privados e do clero que lhe deram o throno, D. Affonso I I I , affectou como valetudinario crises de soffrimento, dizendo os documentos contemporaneos que avia bem catorze (annos) que jazia em hunia cama, e que se nom podia levantar. Serviu-lhe esta situao para mandar colligir um grande Cancioneiro trobadoresco, obtendo pela sua situao especial, os cadernos das trovas que existiam por mos dos fidalgos, nas crtes de Castella e Arago, e em Portugal; e isso quando ao mesmo tempo dava a seu filho D. Diniz uma esmerada educao litteraria. Na Livraria do Rei Dom Duarte guardou-se um codice com o titulo: Livro das Trovas del Rey Dom Affonso,
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encadernado em couro, o qual compilou F. de Montemr novo. Na mesma Bibliotheca se guardou o Livro das Trovas de Bl-rei Dom Diniz. Naturalmente se estabelece a relao historica entre os dois cancioneiros. D. Carolina Michaelis formulou essa plausivel hypothese, que se fundamenta com segurana; e descreve o plano de D. Affonso n i : Espectador das festas brilhantes da crte de S. Luiz, conhecedor das emprezas de seu tio-av Alfonso I I , de Arago, que incumbira um monge do mosteiro de St. Honorat de ajuntar em um volume obras poeticas em lingua d'oc; sciente do esmero com que seu sogro, o Sabio de Castella, eternisava os seus Canticos, e tambem da actividade poetica de Thibaut .de Champagne e Navarra (servidor mais ou menos authentico de Blanca de Castella e herdeiro de seu tio Sancho Sanches, o Forte) o rei de Portugal no s publicou decretos sobre a posio dos jograes na sua crte, mas concebeu tambem, se no me engano, o plano de reunir em volume os rotulos com versos dos seus vassallos e as relquias que restavam dos reinados anteriores. (Canc. Aj., n, 233.) D. Carolina Michaelis que estudou fundamentalmente o Cancioneiro da Ajuda, reconstituindo-o nas partes truncadas e fragmentadas pelos logares communs nos dois Cancioneiros da Vaticana e Colocci-Brancuti, completando as sries das canes, pde pelo estudo biographico e dados chronologicos d'esses trovadores, determinar os cyclos atilicos a que pertencem. Sobre estas bases chegou concluso, que o Cancioneiro da Ajuda: uma
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colleco anterior independente de versos pre-dionisiacos, um nucleo primordial, que serviu de ponto de partida aos collectores subsequentes. (Ib., II , 224.) No principio do velho pergaminho, figuram sem excepo, os pre-Affonsinos, de I200 a I 2 4 5 ; e prosegue: Estudando as biographias dos poetas, cujas obras de amor o Cancioneiro da Ajuda nos conservou, apura-se que a maioria dos que materialmente apparecem antepostos aos Alfonsos de Castella e Leo e a D. Diniz de Portugal, pertencem, de facto' ao reinado anterior, de D. Affonso III, o Bolonhez (I245-I279,); e so ricos-homens e cavalleiros da sua crte. Alguns ainda alcanaram o tempo do filho e successor, ou em Castella o de Sancho Iv, que herdou a cora do Sabio. A vida dos dois prolongou-se depois de I300. (Ib., p. 322.) Das 310 Canes de que se compe o Cancioneiro da Ajuda, 246 existem repetidas com variantes nos dois Cancioneiros da Vaticana e Colocci; isto nos define com segurana o que seria o contedo do Livro das Trovas de el rei Dom Affonso. So trinta os trovadores que pertencem a este cyclo, alguns dos quaes frequentaram a crte de Affonso o Sabio. I
1 Apontaremos alguns: Dom Joo de Aboim D. Affonso Lopes de Baiam 1 Ruy Gomes de Briteiros Joo Soares Coelho Ferno Fernandes Cogominho D. Ferno Garcia Esgaravunha Rodrigo Eannes de Vasconcelos Rodrigo Eanes Redondo D . Garcia Mendes de Eixo Pro Gomes Barroso D. Vasco Gil Ferno Velho. Gonalo Eanes de VinhalAffonso Eanes do Loton Ruy Paes de Ribela Pero da Ponte Bernaldo
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c) Cyclo Dionsio (1279 a 1325.) Justamente no perodo em que a poesia provenal decahia, entre 1250 e 1290, que ella appresentava uma florao artificial, uma como revivescencia culta. Escreve Paul Meyer: Na Frana do norte, na Italia e na crte do joven Frederico II, na Toscana, na Galliza, na crte do rei D. Diniz, compunha-se em maneira de provenal.)) Esta crise do gosto litterario reflectia os movimentos sociaes, religiosos e polticos. Paul Meyer resume-os: A edade de ouro da poesia dos Trovadores no foi longa: durou um seculo pouco mais ou menos; dos primeiros annos do seculo xII Cruzada albigense. A maior parte dos Trovadores emigraram para Arago, para Castella, para a Italia, e a poesia provenal lanou ahi o seu ultimo fulgor, emquanto se extinguia lentamente nos paizes em que nasceu.)) (Romania, 1876, p. 263 e 265.) A crte de Dom Diniz tornou-se o centro de convergencia dos trovadores gallegos, castelhanos, aragonezes e andaluzes, que alli vinham encontrar o applauso e o premio dos seus talentos, no esclarecido rei. Dom Diniz era uma organisao excepcionalmente constituda, que fra habilmente dirigida, revelando-se por uma aco historica progressiva e consciente. D. Affonso III, receiando que fosse perturbada a sua
de Bonaval Payo Gomes Charrinho Joo de Guilliade 1 Martin Soares Ruy Queimado'Vasco Peres Pardal Joo VasquesPedro AmigoPedro d'Ambra Vasco Praga de Sandim Pero Velho de Taveiroz Ruy Gomes o Freire Vasco Rodrigues de Calvelos.
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successo ao throno, por ter nascido quando ainda no estava divorciado da condessa Mathilde, (1261) nomeou-o expressamente corno seu successor, e associou-o ao seu governo. Dom Diniz, receiando sempre que se levantasse como pretendente o irmo nascido j em condies canonicas, (1263) manteve-se na linha de uma pratica da justia, da ordem e do bem publico, tornando-se uma verdadeira manifestao do poder temporal. Nos dias descuidados da mocidade teve por seu mestre Aymeric d'Ebrard que lhe fez conhecer a poesia franceza; viu-se cercado pelos fidalgos que estiveram homiziados na crte de Sam Luiz e de l trouxeram o gosto das Pastorellas; conhecia a supremacia mental de Affonso o Sabio, seu av, que tanto se empenhava pela restaurao da Poesia provenal, e mandava traduzir a sua Cronica general de Espana; e foi na crte de Arago, que elle procurou para esposa D. Isabel, filha de Pedro III, que tambem cultivava a poesia, e nas suas Ordenaes estabelecera a admisso dos jograes nas casas principescas, cor iur offiei done alegria. Foi-lhe muito cedo estabelecida casa apartada; e os fidalgos nomeados para o seu servio eram trovadores affonsinos, como Joo Martins e Martim Perez, o celebrado Dom Joo de Aboim, que depois da morte de D. Affonso III assistiu com a rainha em uma especie de conselho de regencia. Dom Diniz deu largas s suas predileces, cultivando como seu av e seu sogro, a poesia com um talento excepcional, tornando-se o principal trovador portuguez pela sua fecundidade, (138 Canes conhe-
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cidas) e pelo sentimento delicado e finamente artstico. Devia exercer espontaneamente um grande influxo litterario, n'essa poca de intensa actividade mental, l e ao passo que alentava o desenvolvimento do lyrismo, fundava a Universidade de Lisboa, quando a de Salamnca, fundada por Affonso o Sabio, parecia estacionaria. A sua influencia n'esta phase do lyrismo moderno, acha-se assim caracterisada por D. Carolina Michaelis: Considerando como apogeu da lyrica palaciana os annos de 1275 a 1280, em que o joven Dom Diniz, rodeado dos melhores trovadores de seu pae, dos veteranos do av castelhano e de alguns artistas vindos da terra do seu sogro aragonez, manifestava o excepcional talento que possua, penso que o plano do Bolonhez de reunir os productos da Gaia Sciencia hispanica, tambem foi iniciado e continuado at 1325 pelo filho. (Canc. Aj., 11, 288.) A creao do Consistrio Tolosano em 1323 revela a importancia com que era estudado o lyrismo occitanico, que, como observa Paul Meyer revivesia fra da sua patria sob formas novas. E' este saber technico que se manifesta no cyclo dionisio. O rei-trovador alardea
I Uma filha bastarda de Affonso x, D. Beatriz casou com D. Affonso I I I ; alm do rei D. Diniz nasceu d'este casamento a Infanta D. Branca, a quem Sancho Iv, em data de 25 de Abril de 1295, deu o senhorio das Huelgas; para ella Mestre Affonso de Valladolid (Rabbi Abner que se converteu ao christianismo,) que pertencia casa da Infanta traduzia em castelhano o Libro de las Batalhas de Dios. D'aqui essa litteratura da Crte Imperial, Orto do Esposo, etc.
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o seu conhecimento das fontes puras do lyrismo, e separa a funco mercenaria dos jograes. Na Cano X L I I I (Vat., n. 123) proclama:
Quer' eu en maneira de provenal fazer agora um cantar de amor, e querrei muit' i loar m h a senhor a que prez nem fremosura nom fal, nem bondade; e mais vos direi en; tanto a fez deus comprida de bem, que mais que todas las do mundo vai.
Na Cano X I V I I (Vat., n. 127) confirma a superioridade dos trovadores Provenaes pela doutrina do Amor que professam e os inspira, distinguindo-os da inconsciencia dos Jograes que vo cantando em dadas pocas do anno, no tempo da frol ou da reverdie:
Proenas soem mui ben de trobar, e dizem elles que com a m o r ; mais os que trobam no tempo da frol e nom en outro, sei eu bem que nom am tam gr coita no seu coraon qual m'eu por mha senhor vejo levar. Pero que trobam e sabem loar sas senhores o mais e melhor que elles podem, so sabedor que os que trobam quand' a frol sazon a, e non ante, se Deus mi perdon' nom am tal coita qual eu ei sem par. C os que trobam e que s' alegrar vam em o tempo que tem a calor a frol comsigu' e tanto que se for aque! tempo, logu' en trobar razon nom am. nen vivem em qual perdiom oj' eu vivo, que pois m' a de matar.
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A razo de amor era a doutrina philosophica com que os trovadores explicavam o seu sentimento affectivo e apaixonado, que vem desde Arnald de Merveil at Dante, appresentando a frma mystica do ideal da Virgem, e a cortezanesca da Dama, que se eleva representao allegorica das Beatrizes e Lauras. O rei Dom Diniz conheceu a doutrina do amor ento recebida da philosophia platonica. Como determinar essa via? O Tezoro de Bruneto Latini foi conhecido em Hespanha e estudado por Affonso o Sabio; Bruneto Latini que communicou a Dante e lhe explicou a philosophia platonica: Foi elle tambem o mestre do grande poeta Guido Cavalcanti, elegaco e por vezes pathetico, outras sensual, um dos mais francos modelos do circulo epicurista da Florena. I Dante memorou o Rei Dom Diniz na sua Divina Comedia; 2 e a proteco dada por este monarcha aos Templarios, garantindo-lhes os seus bens e conservando-os com o nome de Cavelleiros de Christo, mostram-nos que elle estava no conhecimento das doutrinas do amor at no seu aspecto mystico e heterodoxo. O ideal do Amor, vinha no fim do seculo xII completar o individualismo heroico da Honra, e inspira uma nova poesia lyrica cortezanesca: Traz comsigo esta concepo, grande em si, que o amor deve ser a fonte das virtudes sociaes. Determina uma fora nobilitante. O amante deve tornar-se digno do sr amado, pelo duplo exeri Gebhart, Ultalie mystique, p. 304. 2 Del Paradiso, canto xix, V 130.
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cicio da Valentia e Cortesia, e o Amor s deve entregar-se por este preo; por que tem por fim o realisar a perfeio cavalheiresca. Mas esta ideia vem da Provena, j velha e exagerada. O principio inspirador da poesia provenal que o amor uma arte; e os trovadores aperfeioaram esta arte at minucia. Revelaram bruscamente aos troveiros uma completa rhetorica e uma casustica de amor, uma dialectica das paixes, um codigo de cortezania. Os sentimentos acham-se ahi catalogados e classificados, to cuidadosamente como os generos lyricos, sujeitos a leis to rgidas como a sirvente, a teno ou o jocparti. Os poetas provenaes ensinam uma etiqueta cerimoniosa de crte, uma estrategia galante cujas manobras so reguladas como os passos d'armas dos torneios. Visto que o dever do amante merecer o ser amado e de valer pela sua cortesia, esta a regra da estricta observancia que elle deve praticar. Deve viver vista de sua dama em uma perpetua tremolencia, como um sr inferior e submisso, humildemente suspirando, habil, como um mestre de cerimonias, em exercer a propsito as virtudes de salo. Deve estar diante d'ella como o unicrnio, que aterrador para os homens, se humilha e se doma ao p de uma donzella; ou como a phenix, que se lana na labareda ; ou como o marinheiro, que guia a estrella polar, immovel, serena e fria. E' um longo cortejo de banidos, de doentes que amam a sua doena e de esperantes desesperados. O amor j no uma paixo, uma arte, peior ainda, um cerimonial; vem a parar em um sentimentalismo
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de romance para guitarra, e os troveiros passam sem transio das paixes rudimentares das canes de Gestas s peores chatezas do trobadorismo. Indubitavelmente, a poesia da Edade mdia ter-se-ia rapidamente mirrado em uma galanteria preciosa e formalista, se a influencia celtica (melhor, bret) no tivesse occorrido logo servindo de contrapezo dos trovadores. Ao sensualismo innocente e barbaro das velhas canes de gesta, galanteria da poesia provenal, os cantos bretos oppem um puro idealismo. Aqui no se trata de bem fallar, nem de saber combinar rimas, nem de brilhar nos torneios. Nenhuma rhetorica de sentimentos. No se trata mais de valer. Por que Tristo amado por Yseult? Por sua elegancia?... No; por que elle, e por que ella. A sua paixo acha em si mesmo a sua causa e o seu fim. O amor, n'estas lendas, desprovido de todo o alcance mais geral: a ideia do merito e do demerito moral -lhes inteiramente ausente. Concepo a mais ingenua e bastante primitiva, mas profunda. A dama j no , como nos poemas lyricos imitados dos trovadores, uma especie de idolo impassvel, que reclama prozas de torneios ou o incenso das bailadas e das canes tripartitas. A' submisso do amante amante, succede a egualdade diante da paixo. I E' esta nova corrente que inspira a expanso lyrica de Dom Diniz na cano xvI (Vat., 95.) :
1 Joseph Bdier, Les Lais de Marie de France, (Revue des Deux-Mondes, 1891, t. v, p. 852.)
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Pois que vos fez Deus, mha senhor, fazer do bem sempre o melhor, e vos em fez tam sabedor, unha verdade vos direi, se mi valha nostro s e n h o r : erades ba pra rei.
E' este refrem que d um effeito peculiar estrophe. E para representar a paixo que o domina e submette passividade, compara-se aos typos que ento synthetisavam a fatalidade do amor, na Cano xxxvI (Vat. II 5):
Qual mayor ppss', e o mais encoberto que eu poss', e sei de Brancafrol que lhi no ouve Flores tal amor qual vos eu ei; e pro so certo que mi queredes peior d'outra ren pro, senhor, quero-vos eu tal bem. Qual maior poss'; e o mui namorado Tristam sei bem que non amou Iseu quant' eu vos amo, esto certo sei eu; e com todo esto sei, mao pecado, que mi queredes peior d'outra r e n ; pro, senhor, quero-vos eu tal bem.
Estes amores tornaram-se fortes realidades, de que so testemunhos os seus bastardos, e como seu pae, tambem trovadores, o Conde D. Pedro, nascido dos amores com D. Gracia, senhora da Ribeira de Santarem, e o Conde D. Affonso Sanches, nascido da vehemente paixo por D. Aldona Rodrigues da Telha. J Mas estes delrios,
1 A estes amores allude o trovador Pero Barroso, na Cano a Ruy Gomes da Telha, (Vat., n. 1051 a 1057; tambm na cano 1052 allude aos amores de D. Affon-
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que tanto sanctifcaram a rainha Isabel de Arago, no impediam as especulaes da casustica amorosa, que eram o objecto das celebradas Crtes de Amor, em que as damas sentenciavam, estabelecendo pelas suas resolues os Arresta Amorum. No Cancioneiro da Vaticano, a Cano 597 refere-se a este genero de festa palaciana :
O meu amigo novas sabe j (Taquestas Cortes que s'ora faram, ricas e nobres dizem que seram, e meu amigo bem sei que far hum cantar em que dir de mi bem, ou far ou j o feito tem. Em aquestas Crtes que faz El-rei loar-mi e meu parecer, e dir quanto bem poder dizer de mim, amigos, e far bem sei hum cantar em que dir de mi bem, ou far ou j o feito tem.
O cunhado do rei D. Diniz, D. Pedro de Arago (bastardo de Pedro III) visitava a sua crte, e trovava tambem no novo genero lyrico dos Lais de Bretanha; l-se na Cano 1147 da Vaticana:
Dom Pedro est cunhado dei rei, que chegou ora aqui d'Aragon, com l.tt espeto grande de leitom; e pro que vol-o perlongarei, d'eu por vassalo, de si a senhor, faz sempre nojo, non vistes mayor.
so 11 com D. Mr Martins, mulher de D. Pono de Baiam, falecido por qualquer caso extraordinrio: Moir' eu do que en Portugal morreu Dom Pono de Baiam. D. Carolina Michaelis indica sugestivamente suicdio como resultante de cime. (Canc. A}., I I , 399.)
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Todas as correntes lyricas, occitanicas, francezas, brets e populares brilhavam na crte de Dom Diniz, em que elle occupava a situao primacial pelo seu talento. Nas cento e trinta e oito. Canes que formam o seu Cancioneiro, reflectem-se estas phases poeticas na sua actividade: primeiramente prevalece o emprego do verso limosino ou endecasyllabo em que as Canes tm por assumpto essa vaga casustica sentimental da superioridade da creatura amada, da necessidade do segredo absoluto, da severidade implacavel da sua dama; quebrando esta estructura de um subjectivismo convencional, brilham os quadros objectivos das Pastorellas no gosto francez, nas bellas e deliciosas Canes n. X X I I I , L V I I e Lxx, e por fim predomina o gnero nacional das frmas parallelisticas dos Cantares de Amigo, de uma graciosidade e ingenuidade commovente pela pureza emotiva. O recopilador do Cancioneiro do Rei Dom Diniz destacou esse genero na compilao: Mm esta folha adiante se comeam as Cantigas d'amigo, que o mui respeitabre Dom Dinis, rei de Portugal fez. O fundador da philologia romanica Frederico Diez foi o primeiro que soube avaliar esta frma do Iyrismo de caracter popular determinando a sua origem tradicional pela sobrevivencia nas canonetas de Gil Vicente e em outras pocas litterarias. i Era um problema de um alto valor esI P100. Ueber die erst portugiesische Kunst und Hofpoesie,
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thetico. Paul Meyer esboa-o: No ponto de vista do historiador litterario, esta adopo do genero popular, que no caso presente chega at a conservar a assonancia, um facto interessantssimo. Revela-nos os poetas da crte de D. Diniz dotados de um sentimento de poesia natural, que honra o seu gosto. Souberam alguns de entre elles imitar os trovadores, como o provou Diez amplamente, mas ao mesmo tempo souberam dar prova de uma effectiva originalidade. Biles tem um logar inteiramente independente na poesia da Edade mdia, e se lhes no do at hoje um maior, a culpa dos eruditos, que se no empenharam em trazer publicidade as suas obras. (Romania, I, p. 121.) Essa originalidade e esse logar independente que nos compete na poesia da Edade mdia fundamenta o titulo da Eschola trobadoresca portuguesa, que ficar admittido. A expresso natural, espontanea e ingnua do lyrismo portuguez, no est exclusivamente na frma popular, que os trovadores palacianos souberam imitar delicadamente; o sentimento, expresso nas cantigas soltas do vulgo, revelando o genio da raa, comprehende ou tem implicita uma doutrina completa de amor. Byron ao desembarcar em Lisboa fixou uma cantiga do povo, que elle traduziu como verdadeira synthese amorosa da alma portugueza, cujos poetas morrem de amor; a cantiga a vibrao d'essa passividade:
Tu chamas-me tua vida, Eu tua alma quero ser; Que a vida acaba com a morte E a alma eterna hade ser.
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Foi esta profunda emotividade que trouxe os trovadores fidalgos e o rei Dom Diniz reproduco das frmas tradicionaes da poesia popular: e essas frmas nunca mais foram esquecidas pelos grandes lyricos portuguezes, como Gil Vicente, Bernardim Ribeiro, Christovam Falco, Cames, D. Francisco Manoel de Mello, Thomaz Antonio Gonzaga, e mesmo Garrett. E desde que nos aproximamos da tradio, o que se perde em originalidade individual, ganha-se em profundidade de energia vital, em fecundidade organica. A critica eleva-se mais alto; escreve D. Carolina Michaelis: A concordancia de certos themas populares com outros estrangeiros, notadas por Jeanroy, explicam-se pelas origens communs da civilisao neo-latina, e em parte tambem pela identidade das influencias ecclesiasticas; as divergencias pela evoluo diversa de cada povo, em conformidade com a sua indole e costumes. O mesmo vale das formaes rythmicas e estrophicas. Verdade , que nem mesmo as Cantigas em distichos ou tristichos com repeties ou concatenaes de duas verses parallelas, so privativas da Galliza. Ha vestgios isolados do systema na Frana, na Italia e na Catalunha; semelhanas muito ao longe, entre Malaios e Chinezes. Mesmo o parallelismo de hymnos espirituaes vindos do Oriente e psalmodiados nas primitivas egrejas christs maneira de modelos hebraicos, offerece pontos de contacto dignos de estudo. E como fundamentando a vitalidade da raa portugueza no seu ethos accrescenta: Em parte alguma as Cantigas parallelisticas
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tomaram todavia no meio do povo um desenvolvimento robusto como aqui. E o que importa mais que em parte alguma as creaes rusticas entraram nos paos de el rei, desassombradas na sua desataviada elegancia, servindo ali de modelos a reis, magnates, e enxames de poetas de cathegoria menor. (Canc. Aj., 938.) Entre esses cantores villos e populares que assignam canes de amor junto com os fidalgos figuram mais de vinte constituindo uma eschola jogralesrca, mantendo o contacto vivificador com a multido. I E' esta a phase galleziana, reconhecida por Menendez y Pelayo, um lampejo subito e deslumbrante, a que se succedeu a obnubilao completa de um povo. Reconheceram os jograes esse favor com que os accolhera o rei D. Diniz. O jogral leonez Joham, celebrando em uma planh a morte d'este monarca, refere a sua protectora influencia:
Os namorados que trobam d'amor todos deviam gram doo fazer, et nom tomar em si nenhum prazer, por que perderem tam bo senhor, com' el rey Dom Diniz de Portugal de que nom pode dizer nenhum mal homem, pero seja profaador. Os trovadores que poys ficrom en o seu regno e no de Leon,
I Citaremos os nomes de : Ayras, o Engeitado Ayras Vaz Fernam P a d r a m Meendinho Joo Zorro Martim Campina Pro Meogo Martin de Caldas P e r 0 de Dardia N u n o Peres Payo Calvo Golparro Martin de Ginoza J o o de Cangas Martim Codax Fernam de Lugo Joo do Requeyxo.
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no de Castella et no de Aragon nunca poys de sa morte trobarom; et dos jograres vos quero dizer nunca cobraram panos nem aver, et o seu bem muyto desejarom. (Canc. Vai., n. 708.)
Como cultor e apreciador da poesia, o rei Dom Diniz era julgado como um arbitro; e os jograes que procuravam a sua crte, no eram attranidos tanto pela generosidade como pela sua mestria. Depois da sua morte, diz a planh, os trovadores de Leo, de Castella e de Arago no mais trovaram. E' uma verdade historica: terminado o Cyclo Dionsio acabou tambem a poesia provenalesca. Desthronaram-a os L,ais bretos. O bastardo de Pedro III de Arago, que assistira na crte do seu cunhado D. Diniz, fra um dos introductores d'esta novidade. Os filhos bastardos de D. Diniz, o Conde de Albuquerque e o Conde de Barcellos, tambem fram esmerados cultores da poesia trobadoresca. D. Affonso Sanches, nascido em 1286, era amado loucamente pelo rei, provocando grandes dissidencias da parte do princepe herdeiro. L-se no Nobiliario: por que se dizia, que el rei Dom Diniz queria fazer rei Dom Affonso Sanches, seu filho de ganhadia, que trazia comsigo e que elle muito amava. 1 Os dios continuaram depois de ser rei seu irmo D. Affonso iv. No Cancioneiro da Vaticana existem quinze Canes de D. Affonso Sanches, extremamente deturpadas; ainda as-
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sim conhece-se que tinha um elevado sentimento poetico e que comprehendia a belleza das frmas populares. E' bella esta estrophe da Cano n.o 367:
Quando, amigos, meu amigo veher, emquanto Ih' eu perguntar hu tardou, falade vos nas donelas entom; e no sembrant', amigo, que fezer, veeremos bem se tem no coraom a donzella por quem sempre trobou.
O outro bastardo do rei Dom Diniz, feito Conde de Barcellos em I de Marp de 1304, soube vencer os odios da fidalguia contra estes bastardos, que redundavam em dissenes politicas; organisou um cadastro das linhagens, e cultivando a lyrica provenalesca compilava tambem um Livro de Cantigas. Esta relao entre as noticias genealogicas e as colleces de cantares era conhecida pelos trovadores; N'Ucs de la Pena sabia las generaciones deis grans honvs de aquella contrada. O mesmo se dava em D. Pedro. Circumstancia apreciavel; o Cancioneiro da Ajuda conservou-se fazendo parte dos Nobiliarios, por ventura por se caracterisarem ahi como trovadores alguns fidalgos. Existia effectivamente uma intima relao historica entre estes dois extraordinrios documentos, completando-se historicamente. Escreve imparcialmente D. Carolina Michaelis: Livro de Linhagens e o Cancioneiro, duas obras muito diversas, mas que se completam e explicam de um modo feliz com relao historia da Civilisao patria, tanto para poder editar os cadernos da fidalguia nos Monumentos historicos
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de Portugal... e ainda para desenhar os quadros da historia nacional at 1279. Herculano teve de arrancar os seus mais intimos arcanos a ambas as obras, compenetrando-se do espirito da Edade mdia, que n'ellas respira e falia. I Depois da morte de Dom Diniz foi o Conde D. Pedro perseguido e desherdado por sen irmo D. Affonso Iv, indo refugiar-se por algum tempo junto de Affonso xi de Castella, casado com a formosssima Maria, filha do monarcha portuguez. O Jogral Joham diz na Cano 707: E al do Conde faliemos que irmo tio de El rei. Foi por um sentimento de gratido, que o Conde de Barcellos deixou por testamento, feito em 30 de Maro de 1350 o seu Livro das Cantigas a Affonso x I . 2 Por esta circumstancia saiu de Portugal to singular monumento. Da sua actividade potica conhecem-se apenas dez Canes amorosas, "specialisadamente satricas ou de maldizer; d'aqui deduzimos que o seu Livro das Cantigas, endo em vista a sua aptido de compilador e as elaes pessoaes com a fidalguia portugueza conteria as composies dos trovadores das crtes de D. Diniz e de Affonso xI de Castella, em. grande parte perdidas. Representaria esse Livro das Cantigas do Conde de Barcellos a realisao do pensamento
1 Responde ao manhoso Parecer de Gama Barros, apresentado Academia real das Sciencias, embaraando a incorporao dos Cancioneiros nos Portugalia Monumento, historica (Scriptores.) (24 de Fevereiro de 1898.) 2 Sousa, Provas da Hist. Genealgica, t. 1, p. 138.
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iniciado no Cancioneiro da Ajuda sob D. Affonso I I I , organisando em um corpo systematico o Grande Cancioneiro gallecio-portuguez, de que se dispersaram fragmentos por Hespanha e Italia? Pelos grupos de Canes d'esses varios fragmentos em que predominam certos generos lyricos, infere-se qual a disposio do grande Cancioneiro, que assim se recompe nas suas divises:
I {Cantares de Amor (Gram Mestria.) {Cantigas de Amigo (Mestria menor.) II {Cantigas de Maldizer e de Escamho. { Coplas de burlas e Joguetes certeiros. III {Cantigas sagraes (Marial e Santoral.)
As 2019 Canes, que possumos (descontando as 310 Canes repetidas) so uma parte das composies lyricas que andaram dispersas nas seguintes colleces de que ha apenas noticia e nas que se conservam:
1 Pequenos Cancioneiros individuaes: Livro dos Sons do Dayam de Cales. Os Cadernos de Affonso Eannes de Coton. Cantares de Loureno Jogral; de Picandon, etc. 2 Livro das Trovas de El Rei D. Affonso: Cancioneiro da Ajuda. II Libro di Portoghesi. Codice de Bembo. Codice lemosino. Libro spagnuolo di Romanze 3 Livro das Trovas de El-Rei D. Diniz. 4 Livro das Cantigas do Conde de Barcellos: Cancioneiro da Bibl. do Vaticano.
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Cantigas, Serranas e Dizeres portugueses, de D. Mecia Cisneros. I Cancioneiro de um Grande de Hespanha (dos Duques do Infantado, segundo Sarmiento?) Cancioneiro, apographo de Angelo Colocci. 5 Cantigas de Santa Maria. Milagres de Nossa Senhora. 2
I A'cerca do volume de Cantigas, Serranas e Dizeres portugueses e gallegos, que existia em casa de D. Mecia de Cisneiros, escreve Sarmiento: (<Se hoje existisse aquelle volume, codice ou Cancioneiro, teramos um thezouro para discernir os Poetas hespanhoes mui anteriores ao anno de 1400. Ouvi dizer que os Senhores Duques do Infantado, descendentes do Marquez de Santillana possuem em Guadalajara uma preciosa Livraria de manuscriptos e de impressos, que foram do Cardeal Mendoza, filho do dito Marquez. Acaso se achar alli o desejado Codice e outros semelhantes? 9 (Mem. para la Historia de la Poesia e Poetas espanoles, n. 562.) O Cancioneiro visto por Varnhagem em Madrid, em poder de um grande de Hespanha, cujo nome occultou, no ser d'esta proveniencia indicada por Sarmiento? Varnhagem confrontou-o com o codice da Vaticana e eram eguaes. No n." 833 Sarmiento falia outra vez da Livraria do Duque do Infantado; ''si supiesse que en el se conservaba an aquel Cancioneiro antiguo... se me haria suave qualquer trabajo, unicamente por verle y registrale.'' 2 Em 1754 escrevia Francisco de Pina e de Mello nos prolegomenos do seu Poema Triumpho da Religio: t ( Hoje existe na Livraria do Escurial um livro de versos seus (do rei D. Diniz) que elle mandou a seu av, a quem chamaram o Sabio Cantares de loor de Santa Maria, offerecido a neros, de cujas composies disse o Marquez de Santilhana: ''de las quales la mayor parte eram de el rei D. Dinis de Portugal... O Codice, que segundo Duarte Nunes de Leo (Chron. P- 1, t. 11, p. 76) se guardava na T o r r e do Tombo intitulado Loores de Nossa Senhora, seria o volume do rei Affonso 0 Sabio Cantares de loores de Santa Maria, offerecido a seu neto o rei D. Diniz. , No Inventario dos Livros da Rainha Isabel de Castella, feito em 1503, vem apontado:
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No testamento do rei Affonso o Sabio, de 22 de Janeiro de 1284 elle chama a esta sua colleco Cantares de loor de Santa Maria, e tambem Cantares de Sancta Maria. Sobre a lingua em que esto escriptos estes Cantares diz o Marquez de Valmar ser mais culta do que a usada pela gente da Galliza; por demais o mesmo idioma empregado na prosa portugueza d'aquelles tempos, como pde ver-se na Poetica portugueza (incompleta) junto ao Canc. Colocci, do seculo xIv. (Cantigas de Santa Maria, I, 172.) Estes quatro Cancioneiros, da Ajuda, da Vaticano, Colocci, e Cantigas de Santa Maria, so, como observa o illustre Marquez de Valmar, singularissimos monumentos romanicos, so a revelao de uma lingua e de uma litteratura, que, ainda que evidentemente nascida da cultura litteraria provenal, chegaram a ter vida propria e subsistiram mais de dois seculos quanto era possvel que subsistissem n'aquelles tempos de transformao e de progresso historico. (Tb., p. 17.) Essa transformao operava-se na poesia pela revelao do lyrismo italiano, e enthusiasmo pelos Lais bretos desenvolvendo-se na frma narrativa em prosa em Novellas de Cavallaria. Quando a Eschola trobadoresca portugueza, por causas geraes e historicas se extingue fusionando-se com novas correntes litterarias, synthe-
Otro libro de marca mayor, en romance cn pergamino en lingua portuguesa, que son los Milagres de Nuestra Seiiora, con unas coberturas de cuero... apontado de canto llano. (Ap. Barbieri, Canc. Musical, p. 14.)
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tisemos os seus caracteres fundamentaes reconhecidos pelos grandes crticos. Frederico Diez, no estudo Sobre a antiga Poesia artstica cortesanesca portuguesa, aprecia assim a sua morphologia: Os seus ultimos cultores (da poesia artstica provenalesca) procuraram nacionalisal-a, aproximando a nova Arte dos generos e da maneira indgena do povo. D'ahi a predileco pelo refren, a forma dialogistica, e o que da maxima importancia, a imitao do estylo vulgar. D'ahi tambem a renuncia a pensamentos peregrinos e a todas as especies que no tivessem correspondido a qualquer realidade na vida da nao. Por excluses negativas que Diez chegou a este decisivo julgamento. Em quanto ao sentimento poetico da Eschola, Bellermann, que residiu algum tempo em Portugal, e que pde aperceber o ethos d'este povo, no seu estudo Os antigos Cancioneiros portugueses, define com verdade a sua esthesia: os seus versos parecem nascer de sentimentos reaes... Apesar de uma grande monotonia, ha ahi verdadeira e intima poesia affectiva, que brota de um corao commovido, o que lhes d certa vehemencia que se impe, um valor duradoiro, e a primazia sobre as composies lyricas colligidas nos Cancioneiros impressos na Pennsula. Essa monotonia, que uma feio ethnica do povo portuguez contrasta profundamente e d um realce extremo intensidade do sentimento. d) Cyclo post-Dionisio (1325 a 1357). Dom Aftonso Iv, em antagonismo com os seus irmos bastardos, que cultivaram o lvrismo trobadoresco,
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nem por isso era indifferente s invenes poeticas que appareciam na crte, como se confirma pela anedocta do Princepe D. Affonso de Portugal mandando modificar o caso de Briolanja na primeira redaco do Amadis. No ser absurda a inferencia de que tambem versificasse, como os outros reis, como fundamenta o Catalogo di Antori portoghesi, Ms. junto ao Codice n. 3217, da Bibliotheca do Vaticano, onde se apontam, sob os n. o s 1323 a 1326, quatro Canes d'este monarcha. Infelizmente o Cancioneiro Colocci, achado depois na livraria do conde Brancuti, no contm, todos os poetas apontados no Catalogo di Autori. A actividade dos trovadores portuguezes e principalmente a sua Eschola expandiu-se em Castella, na crte do rei trovador Affonso xI; talvez pelo influxo d'este, o Conde D. Pedro realisasse a grande compilao do seu Livro das Cantigas, abrangendo todo o Cyclo Dionisio. Escreve D. Carolina Michalis: E sendo D. Diniz o ultimo entre os reis de Portugal, que exerceu c protegeu efficazmente a Arte trobadoresca mais, que quando depois do seu falecimento o rapido declinar se annunciou; esse plano foi completado reinando D. Affonso Iv (1325-1357) pelo Conde de Barcellos, a quem movia o duplo interesse de propagar os versos do pae e os seus proprios. Cada gerao, cada Cancioneiro. (Canc. Aj., II, 228.) Teria sido auxiliado n'este empenho pelo trovador Estevam da Guarda. (Ih., 11, 282.) A lingua portugueza era empregada ainda nos fins do seculo xIv pelos poetas castelhanos; reconheceu-o Mil y Fontanals, limitando a sua opi-
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nio ao genero lyrico, segundo o P . Sarmiento. Ha aqui um equivoco1, confundindo a revivescencia da lngua gallega, que se dava no fim do seculo x I v , com os germens tradicionaes do lyrismo elaborados pelos trovadores portuguezes. Acclarado o equivoco, resumbra a luz nova nas palavras de Menendez y Pelayo: Assim se ha explicado satisfatoriamente a genese das Cantigas de serrana do Arcipreste de Hita, das Serranilhas do Marquez de Santilhana, de Bocanegra, de Carvajal e de tantos outros poetas do seculo xv, buscando no na Provena, nem na Frana, como at hoje Se havia feito, se no na fonte immediata, isto , na Galliza. (Antologia, I I I , p. xI, Iv.) A Galliza estava em completa lethargia sob o poder senhorial. Essa fonte immediata era Portugal, que no seculo xIv era o refugio dos fidalgos gallegos, e mantinha ainda a fascinao do seu lyrismo e o uso da lingua portugueza. De um Cancioneiro que pertenceu ex-rainha Isabel, transcreveu Amador de los Rios, uma Cano com que exemplifica o caracter das composies amorosas do gosto dominante:
Bien dir d'amor pues que m'el fez quedar esta vez por seu servidor. Eu ten' vontade d'amor me partir, et tal en verdade nunca- o servir, sin aver gaardon de minha senhor.
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Ho amor me dizia un dia falando, si me plazeria amar de seu bando gentil graciosa de fina color, I
. Rocaberti, auctor da Comedia de la gloria de Amor, cuja frma em tercetos e estylo denuncia a primeira influencia de Dante na poesia catal, cita o poeta portuguez Loren de Cuyna (Loureno da Cunha.) l Este fidalgo portuguez fugira para Castella, quando o rei D. Fernando lhe tomou para si a mulher, D. Leonor Telles. Chegou a vulgarisar-se uma Cano por elle composta sobre a sua situao, de que as memorias coevas conservaram o verso: Ai, donas, porque tristura. Nos Cancioneiros musicaes do seculo xv e x v I , ainda ligadas melodia, apparecem poesias lyricas portuguezas; quando a poesia castelhana avanava para a sua independencia em Joo de Mena, ainda o primitivo prestigio do lyrismo portuguez se reconhecia, como se v por uma nota marginal primitiva junto da Cano 232 do Cancioneiro da Ajuda, do trovador Joo de Guilhade: e d'este aprendeu joani de Mena.)) Esse influxo identificando-se no fim do seculo xIv com o renascimento galleziano, est representado no Cancioneiro de Baena, em Canes do Arcediago de Toro, de Affonso Alvares de Villasandino, de
1 Na Hist. critica de la Litt. espan, t. v i l , p. 74. 1 Mil y Fontanals, De los Trovadores en Espana, p. 516.
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D. Diego de Mendoza, de Macias e Rodrigues da Camara. As duas crtes de Portugal e de Castella afastadas por dissenes de familia, congraaram-se intimamente, depois da estrondosa victoria do Salado em 1340. O encontro dos cavalleiros portuguezes com os poetas castelhanos e leonezes, n'esse momento de um perigo commum e de herosmo, teve uma aco caracterstica na poesia palaciana. A Epopa castelhana que se elaborara no predomnio da legislao foral sobre o Codigo visigotico, e buscou naturalmente os seus heroes no entre os monarchas leonezes, mas entre os grandes vassallos rebeldes, turbulentos ou dscolos de Burgos : era pela influencia portugueza elaborada sobre o grande facto historico a batalha do Salado, ganha pela liga passageira dos Estados christos dissidentes. D. Affonso Iv, pelo seu desinteresse dos despojos da campanha, tornou-se o exemplar do heroe. Em uma Cano de Joham jograr, morador de Leo, so-lhe endereados louvores:
A sa vida seja muyta (Teste rey de Portugal que cada ano m' ha por f ruyta; per o que eu canto mal... Os rex mouros, christos mentre viver Ih' ajan medo, que el ha muy ben as maos, et o Infante Dom Pedro
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seu filho, que s' aventura, a hu grand' usso matar, et desi et sempre cura d'el rei seu padre guardar. (Canc. Vai., n. 707.)
Os poetas portuguezes e castelhanos celebraram a victoria do Salado em Poemas narrativos, tomando a frma de Chronicas rimadas. Faria e Sousa, no Bpitome e na Asia portuguesa, citou um poema que tinha por assumpto a batalha do Salado, escripto por um contemporaneo do successo Affonso Giraldes. D'elle se serviu como subsidio historico o chronista Frei Antonio Brando na Monarchia lusitana ( P . III, liv. I0, cap. 45.) Tambem na Bibiotheca do Escurial se conservou manuscripta at 1863 uma Cronica en coplas de redondilhas de Alfonso Onceno, escripta por um contemporaneo que tomara parte na batalha do Salado, Rodrigo Yanes, a qual fra achada em Granada em 1573 por Diego Hurtado de Mendoza. O texto portuguez apenas conhecido pelas estrophes transcriptas pelos dois Brandes, na Monarchia Lusitana, por Blateau e por Soares Toscano nos Parallelos de Princepes; no se sabe actualmente onde pra o Poema em que se descreve o Successo da Batalha do Salado por Affonso Giraldes. Publicado o Poema castelhano de
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Rodrigo Yanes, encontram-se estrophes eguaes, certas rimas deformadas que se tornam perfeitas restituida a palavra portugueza, os modismos portuguezes e a mesma frma estrophica em quadras octosyllabicas, rimando o primeiro verso com o terceiro e o segundo com o quarto. Ticknor, historiador critico da litteratura hespanhola, pelo caracter de modernidade no castelhano da Cronica en coplas de redondilhas de Alfonso Onceno considerava o poema como elaborado no seculo xv: Lo cierto es que son tan faciles y tan desnudos de archaismos que no podemos consideralos escritos con anterioridade los romances del siglo xv. O senso critico de Ticknor, embora errasse na data, revelou-lhe um gro da verdade: por que as redondilhas da Cronica de Alfonso Onceno, foram traduzidas da lingua portugueza, que contrastava pelo seu desenvolvimento com o estado archaico do castelhano, como se observa em outros monumentos litterarios. A lingua portugueza estava no seculo xIv no estado a que s nos fins do seculo xv chegaram os Romances populares castelhanos. O poema de Rodrigo Yanes est cheio de portuguezismos; versos errados na metrificao e na rima ficam perfeitos restituindo-os frma portugueza. O professor de philologia romanica Dr. Julio Cornu chegou concluso pelo exame linguistico que o poema de Alfonso Onceno conservava os vestgios de um original portuguez. Pelos pequenos fragmentos que nos restam, esse original portuguez o poema do Successo da batalha do Salado, de Affonso Giraldes. O chro-
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nista Fr. Antonio Brando consultou-o pela sua veracidade historica: Um romance tenho, que trata da batalha do Salado, composto por Af fonso Giraldes, d'aquelle tempo, em principio do qual, entre outras guerras que se apontam, se faz meno d'esta que o Abbade Joo teve com os mouros e seu capito Almanzor. (Mon. lusit., P. III, liv. I0, c. 45.) Amador de los Rios, na sua Historia da Litteratura hespanhola, transcreve uma estrophe (d'esse poema que condiz com a referencia de Brando:
Outros faliam de gram razo De Bistoris grata sabedor, E do Abbade Dom Joo Que venceu rei Almanzor.
Teria o erudito hespanhol algum fragmento do poema inedito? Depois de transcrever essaquadra, continua: Guarda a historia por ventura alguma parte, ainda que no da extenso que de-, sejaramos, das rimas de Affonso Giraldes, fidalgo portuguez, que se achou na memoravel batalha cio Salado. (Op. cit., Iv, 715.) Inferimos que um fragmento do poema se conserva em Hespanha. A alluso a Bistoris uma reminiscencia bblica dos desfiladeiros de Betzachrah, onde Eleazar praticou feitos heroicos; a lenda da degolao das mulheres e crianas, por ordem do Abbade Joo, antes do ataque contra os mouros, uma tradio gauleza, referida por Belloguet, que revivescia nas luctas da reconquista christ. No poema castelhano de Rodrigo Yanes, faltam tam-
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bem as primeiras estrophes. Apontemos as similaridades do poema castelhano publicado por Tener em 1863 com os fragmentos portuguezes. Na estrophe 335 da Cronica en redondillas:
E diles grandes franquias Por Castella mas valer; Todas estas cortesias El buen rey hiso fazer.
No trecho com que Bluteau, no Vocabulario da Lngua portugneza (1712) exemplifica a palavra ALMIEXIA, escreve." Como aco propria d'este regno, cantou Affonso Giraldes esta distinco nas rimas que fez da Batalha do Salado, com os versos que seguem:
E fez bem aos criados seus, gran honra aos privados; fez a todos os judeus Trazer signaes divizados. E os Mouros almexias, Que os pudessem conhecer; Todas estas cortesias Este Rey mandou fazer.
Ainda assim de dois versos continuao da liv. 16, c. 13,) transcripta esta
poderia parecer esta semelhana uma phrase estylistica; mas na Monarchia lusitana (lb., P. v. por Frei Francisco Brando vem quadra:
Gonalo Gomes de Azevedo Alferes dei Rey de Portugal, Entrava aos Mouros sem medo Como fidalgo leal.
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Todos yvan muy sin medo para complir su perdon, E Gonalo Gomes de Azevedo Levava el su pendon.
(Est. 1326.)
Semelhana de frma metrica e estrophica, de versos e de rimas, revelam que um poeta teve presente o poema do outro, traduzindo-o. No castelhano de Rodrigo Yanes, j estranho para Ticknor, ha o portuguesismo, que tanto actuara na expresso da poesia lyrica. Affonso Giraldes escrevera sob a impresso immediata do grande successo; d'ahi a sua prioridade e originalidade. Escreve Fr. Antonio Brando: Affonso Giraldes, que escreveu em rimas portuguezas a batalha do Salado, no proprio anno em que succedeu....) Os vestgios da original portuguez apparecem nas rimas da Cronica en redondillas de Alfonso Onceno, retocando as consoantes imperfeitas do texto castelhano:
Non ayades que temer Estes moros que son poos, Con vusco cuido vencer Este dragon de Marrucos.
(Est. 1019.)
No ajades que temer Estes mouros que so pcos, Con vosco cuido vencer Este drago de Marrocos. La reyna vuestra fija Vos demanda que le dedes La vuestra muy real frota Vos gela embiedes.
(Est. 1020.)
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A rainha vossa filha Vos demanda que lhe dedes A vossa real flotilha, Vs que lh'a enviedes. Bos, buen rey, non lo buscastes E por bos cobrar corona, E pois me bien comenastes La sinia sea muy bucna agora. (Est. 1825.) Vs, bom rei, no o buscastes E por vs cobrarei cora E pois mui ben comeastes Seja agora a cima boa, Si entramos en torneo Plase-me, c es derecho, Pongo Dios en el comedio Que sea juez dei fecho. (Est. 1408.) Se entramos em torneo Apraz-me, c direito; Ponho a Deus em o meio, Que seja juiz do feito. D i x o : Sennor, si bos pias En la buestra tienda folgade Dormide e avede paz, Non vos temades de nady. (Est. 1491.) D i x e : Senhor, se vos praz, Em vossa tenda folgada, Dormide e avede paz No vos temades de nada. Fallla sobre a Algesira Con su hueste e su pendon, El buen rey quando lo biera Alegr el corapn, ( E s t 2231.)
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Achou-a sobre Algesira Con sua hoste e seu pendo, O bom rei quando o vira Alegrou o corao.
Evidentemente as rimas castelhanas imperfeitas restabelecem-se na frma portugueza. O mesmo com relao ao significado de certas palavras que Yanes no comprehendeu, como cima, termo, feicho, remate. O poema de Rodrigo Yanes, allude ao Leo Dormente, que declara ser D. Affonso Iv, moroso em acudir ao seu genro Alfonso xI, e o Porco selvagem, symbolisando o poder dos Mouros vencidos no Salado; isto nos mostra conhecimento da Prophecia de Merlin, que se tornou popular em Portugal apparecendo no principio do seculo xvI nas Trovas de Bandarra. O poema narrativo foi escripto sob o influxo das tradies brets, que se manifestavam no lyrismo dos Lais, nos Contos e Novella cavalheiresca ; esta nova corrente foi iniciada em Portugal no Cyclo post-Dionisio. Na decadencia do lyrismo provenalesco tanto em Portugal como na Hespanha, actuava principalmente o grande desenvolvimento da poesia narrativa, a que Affonso o Sabio ligara a importancia de dissolver alguns d'esses cantares tradicionaes na prosa da Historia geral de Hespanha. Na Cronica en rcdondillas allude-se a esses cantares :
E bien asy los reys godos Vuestros antecessores Deixaron por su testigo Romances muy bien escriptos. (Est. 147.)
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O Chanceller Pero Lopez de Ayala chamou a estes cantares narrativos em redondilha assonantada: Versetes de antiguo rimar, em redondilha menor de cinco syllabas. Tambem na litteratura portugueza que se encontra um typo unico d'este genero reproduzindo a frma pica tradicional popular, na Cano de Ayras Nunes (Canc. Vat, n. 466):
Desfiar enviarom ora de Tudela filhos de Dom Fernando ai rei de Castella; e disse el rei logo: Hide a l Don Vela Desfiade, e mostrade por min esta razon, si quizerem per cambio do reino de Leon, filhem porm Navarra ou o reino de Aragon.
Na Crnica de D. Sancho IV encontrou D. Carolina Michalis a narrativa desenvolvida sobre f jue versa este romance. 1 N'este genero de ro1
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mance narrativo vem no Cancioneiro Colocci uma Satira de Affonso o Sabio tambem em sextilhas; comea:
Don Gonalo pois queredes ir d'aqui para Sevilha por veerdes voss' amiga (nem o tenho a maravilha,) contar vos ei as jornadas legua a legua, milha a milha. Ir podedes a Lebrija e torceredes j quanto, e depois ir a Alcal sem pavor e sem espanto, que ajades de perder a garnacha nem o manto. Eu porn eu vol'o rogo e vol-o dou en conselho, que quand' entrardes Sevilha vus catedes no espelho, e non dedes nemigalha por min nem por Joo Coelho.
Referia-se o Rei Sabio ao trovador portuguez D. Joo Soares Coelho, o mais fecundo depois do rei D. Diniz; correu terras de Hespanha e faliou com o trovador Sordelo. Aqui temos trez typos de redondilha de cantares narrativos, em volta do Romance popular, que no seculo xv ia prevalecer nas litteraturas peninsulares pelo seu caracter archaico ou velho. Menendez y Pelayo, faliando da Cronica de Alfonso Onceno, diz: prova a influencia dos Cantares do vulgo na pica historial dos versejadores cultos. (Antol., xI, p. 9.) E d'este octosyllabo no popular mas artstico que existia no seculo xiv, acrescenta: puramente lyrico, procede da poesia galaico portuguesa como as
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outras combinaes metricas usadas pelos trovadores e que se encontra nas Cantigas do Rei Sabio. (Ib., P. 98.) A elaborao dos Romances populares do seculo xIv consistiu na fuso ou syncretismo dos varios themas tradicionaes, fixando-se os quadros mais emocionantes, sendo as frmas mais nitidas colligidas no seculo xv sob o titulo de Romances velhos. Escreve Menendez y Pelayo: na segunda metade da decima quarta Centuria tinham comeado a esgalhar-se da arvore pica muitos ramos, e comeava a formar-se a epopa fragmentaria, cujos ultimos resduos so os Romances.)) (Ib. p. 9.) As Gestas Carlingias e os Poemas arthurianos e mesmo as reminiscencias classicas e lendas nacionaes tomavam a frma narrativa do romance, laconica, dialogada e incisiva. Na Cronica de Alfonso Onceno vem o primeiro verso de um dos romances velhos mais populares: Mal le passaron francezes. (V. 2285.) O Romance lyrico ou subjectivo destacase da musica a.que eram cantados os Lais bretos, tambem em moda no seculo xIv, como se l na Cronica em redondilhas :
La gayta que s sotil Con que todos plaser han, Otros estrumentos mil La farpa de Don Tristan. Que de los puntos doblados Con que falaga ai loano, Todos los enamorados En el tiempo de verano. (Est. 409 e seg.)
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III
Influencia armoricana ou Gallo-bretan
Nos fins do seculo X I I I , o lyrismo trobadoresco, pelo seu intenso subjectivismo e tendencia allegorica desligava-se da musica para a idealisao philosophica. No era uma decadencia, mas uma renovao; realisou-a o genio italiano. A creao da Musica moderna era simultanea com esta crise; e o desenvolvimento das Melodias populares veiu provocar uma renovao poetica. Espalharam-se pelas crtes os Lais bretos, de amor e novellescos. O trovador aristocrata Guerau de Cabrera da crte de Affonso II de Arago, em uma cano posterior a 1170, acoima o jogral Cabra, por no saber tocar na viola e cantar, nem terminar com a cadencia ou tempradura bret:
Mal saps viular E pietz chantar Del cap tro en la fenizon, Non sabz finir Al mieu albir A tempradura de Breton.
O trovador enumera todos os Cyclos poeticos que interessavam a imaginao d'esse tempo,
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Enumera em seguida os poemas de amor que foram conhecidos em Portugal, de Flores e Brancaflor e de Tristan, citados pelo rei Dom Diniz.
Ni de Tristan Q' armva Yceut a lairon Ni de Gualvaing...
Pelo casamento de D. Diniz com D. Isabel, filha de Pedro III de Arago, e pela vinda do seu cunhado D. Pedro crte portugueza, que se propagaram os cantos lyricos dos Lais bretos, e os cantares narrativos, que eram j conhecidos na frma de Novellas. O conhecimento directo das fices bretans deu-se no primeiro quartel do seculo x I v , n'esse perodo de syncretismo em que as Gestas frankas se convertiam em Chronicas histricas, e as narrativas poeticas eram prosificadas. O Conde de Barcellos no seu Nobilirio tit. II, segue a Historia Britonuni de Geoffroy de Monmouth; a genealogia do Rey Arthur conforme os poemas da Tavola Redonda, citando como individualidades reaes Lanarote do Lago, Galvan (Gauvain) a Ilha de Avalon (Islavalon;) seguindo o Roman de Brut, descreve as aventuras tragicas do Rei Lear (Eeyr) e do propheta ou bardo Merlin. Esboando estas correntes tradicionaes, chegamos ao phenomeno capital da formao da Novella portugueza do Ainadis de Gania, que to profundamente actuou na litteratura novellesca
da Europa at ao seculo X V I I .
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a) Os Lais amorosos. As melodias e os instrumentos musicos britonicos apparecem conhecidos na crte dos Merovingios, como se v pela referencia de Venancio Fortunato rhota britana, percorrendo a Europa desde o seculo vI ao X I I , cantores vagabundos, como o descreve Villemarqu. No poema de Guilhaume au Cour-nez, achase um vestgio do fervor com que nas crtes eram ouvidos os Lais, citando-se entre os grandes prazeres da vida, a par do bom vinho e da caa, o ouvir os cantos britonicos, que eram especialmente agradveis s mulheres. Dil-o Denys Pyramus: ((Lais soulent as dames plaire. No Lai de l'Epinc de Marie de France, confirma-se o caracter britonico d'esta frma potica, referindo-se ao irlandez, que com ten:ura cantava na rhota o Lai de Aielis:
Le Lais ecoutent d'Aielis Que uns yrois doucement note Mont le some en sa rote.
A rota a chrota britana, que deu o nome ao gnero lyrico da Rotuenges; a rota era equiparada cithara ou luti (Leu, lou, luz), o que leva a derivar o nome do Lai, como proveniente da designao do iilstrumento musico. E' frequente este processo como no gnero da Lira, em que o instrumento d o nome Cano especial. Do caracter musical dos Lais, l-se no Roman de Brut:
II avait apris chanter Et Lais e notes harper.
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E cita os differentes generos ou estylos dos Lais segundo os instrumentos musicos que se foram empregando:
Lais de vieles, Lais de notes Lais de harpe et de fretiax.
Os themas poeticos das tradies britonicas comearam a servir de pretexto ou letra d'essas melodias, e assim os Lais se foram tornando narrativos ; Marie de France, no Lai de Chevrefeil, o manifesta:
Por les paroles remembrer Tristan ki bien saveit harper En aveit feit un nouvel lai. (Poes., i, 398.)
Em Portugal no fim do Cyclo-Affonsino o descredito das Gestas francezas apparece na parodia satrica da Cano de mal-dizer de D. Affonso Lopes de Baio, e o enthuziasmo crescente pelas novellas brets de Tristo e Yseut, de Flores e Brancaflor, em uma evoluo completa. Em uma Cano de Gonalo Eannes do Vinhal os Cantares de Cormvall merecem-lhe uma referencia como a de Guerau de Cabrera ao jogral:
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Maestre, todolos vossos cantares j que filham sempre d'um a razom, e outrosi ar filhan a mi son, e nom seguades outros milhares; se non aquestes de Comoalha, mays estes seguides ben sem falha, e nom vi trobar por tantos logares. (Canc. Vat., n. 1007.) Nas Cantigas de Santa Maria, D. Affonso o Sbio memora um jogral, que entoava Lais Virgem, conforme as melodias britonicas: Un jograr que seu nome era Pedro de Sigrar que mui ben cantar sabia e mui melhor violar, et en todalas eigreijas da Virgen que non a par, un seu lais sempre dizia aquell lais que el cantava era da Madre de Deus. (Cant, 8.) Em uma Cano de Fernan Rodrigues Redondo chasqueado D. Pedro de Arago, o bastardo cunhado do rei D. Diniz, que residiu em Portugal de 1297 a 1325: Dom Pedro, o cunhado d'El-rei. que chegou ora aqui d'Aragon, com um espelho grande de leitom e pra que vol-o perlongarei... Muy ledo seend' hu cantara seus lays a sa lidice pouco lhi durou... iCanc. Vat, n. 1147.) Pero da Ponte (ib. can., n. 1170) chasqua de Soeyro Eannes, mostrando a imperfeio com que imita os lais:
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E por esto no sei no mundo tal home que lh'a el devess 'a dizer, de nom Jhi dar mui ben seu aver, ca Suer' Eanes nunca Ihi fal razon des qu'el despagado vay em que lhi troba tan mal e tan lai, porque o outro sempre lhi quer mal.
No Poema de Rodrigo Yanes sobre a Batalha do Salado, fazem-se referencias ao fervor que produziam os cantares de Tristan; e o Arcipreste de Hita (1342) leva-nos a determinar a transformao que se estava operando nos Lais lyricos para narrativos:
c nunca fue tan leal Brancaflor a Flores 11 in es agora Tristan con todos sus amores.
Corresponde esta indicao chronologica ao facto de se estar elaborando o thema de Tristo em frma novellesca. E' do primeiro tero do seculo xIv o fragmento de Tristo em, castelhano, cm prosa, achado por Monaci em um codice da bibliotheca do Vaticano, e publicado em fac-simile. Outro fragmento foi achado por Bonilla na bibliotheca de Madrid, nas guardas de um manuscripto d'essa poca mas aproximado do texto impresso de 1528. (Men. y Pelayo.) N'este processo de desenvolvimento do thema novellesco em prosa desciuptiva e dialogada, exageradamente discursiva, os Lais lyricos receberam uma transformao objectivando-se para matizarem as situaes em que eram intercalados. Deuse este phenomeno nas Novellas francezas. No Cancioneiro de Colocci acham-se colligidos cinco Lais, importantssimos, cuja frma franceza, se
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conservou entre a prosa de novellas ineditas. Referem-se a situaes das aventuras amorosas de Tristo. Como vieram estes Lais a ser incorporados no Cancioneiro de Colocci? Pde-se inferir que elles pertenceram a essa redaco em prosa da Novella do Tristan, de que appareceram os dois fragmentos do seculo xIv em castelhano. O mesmo aconteceu com o lai de Joo Lobeira, que apparece em parte no Cancioneiro Colocci e em parte no texto castelhano do Amadis de Gaula, transformado por Montalvo com amplificaes rhetoricas. Um caso explicar o outro. b) Os Lais novellescos. E' positivo o conhecimento das Novellas da Tavola Redonda r.a corte do rei D. Diniz, alludindo em uma Cano aos Poemas de Flores e Brancaflor e de Tristo e Yseidt. Tambm o trovador Joo de Guylhade, na cano n. 358 emprega as mesmas alluses:
Os grandes vossos amores que mi e vs sempre ouvemos nunca Ihi cima fizemos com 'a Branchafrol c Flores.
O trovador Estevan da Guarda, escrivo da puridade de D. Diniz, em uma Cano (Vat., n. 930) faz referencias lenda da morte de Merlin pela perfdia da fada Viviana:
Com 'aveo a Merlin de morrer, per un gram saber que el foy mostrar a tal molher, que o soub 'enganar; por esta guisa se foy confonder Martim Vasques, per quanto lh'eu o que o tem morto uma molher assi, a que mostrou por seu mal saber.
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Sei que Ih' muyto grave de teer per aquello que Ih' el foy mostrar, com quem sabe que o pd'ensarrar en tal logar hu conven d'atender a tal morte de qual morreu Merlin, hu dar vozes fazendo sa fim, ca non pod 'el tal morte escaecer.
Na Cano 1140 do Cancioneiro portuguez da Vaticana, Fernand' Esquio, allude ao monstro produzido por um incesto, a Besta ladrador, da Novella do Graal:
Disse hun infante ante sa companha que me daria besta na fronteyra, e non ser j murzela, nen veyra, nen branca nen vermelha nen castanha; pois amarella, nem parda non fr a pram ser a Besta ladrador que Ih' aduzam do Reyno de Bretanha.
O Conde D. Pedro, traz no seu Nobiliario a lenda do Rei Lear, colligida da Chronica britonica de Geoffroy de Monmouth, resumindo-a nos traos capites; T para fundamentar a origem maravilhosa da Casa de H a r o traz a lenda do Coouro da Biscava, e do Cavallo-fada Pardallo (nome grego Pardalis, dado panthera, na Hist. nat. de Aristoteles, liv. vI, cap. 6.) E como o conhecimento das obras de Aristoteles fra revelado Europa por via dos Arabes, pela corrente arabe vieram tambem Contos e Fabulas orientaes, figurando 110 Nobiliario a lenda de Gaya, e as Ra1 Portug. Mo., Scriptores, fasc II, p. 228. Transcrevemol-a e discutimos na Historia da Poesia popular portuguesa, t. 11, p. 161 a 164
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postas vulgarisadas com Varios Exemplos, que sahiram de Kalila e Dimna para a transmisso oral. A obra de D. Joo Manoel, o Conde de Lucanor, o documento d'esta nova corrente litteraria que veiu fortincar o castelhanismo pela revivescencia dos seus elementos ethnicos resultantes da occupao sarracena. E emquanto o genio iberico se compraz com os Fabularios orientaes pelo intuito moral coadjuvando a propaganda catholica, o genio lusitano foi attrahido para as galanterias do mais exaltado e desinteressado amor, dos poemas como o de Antar, de Medjmm e Lcila, Jussuf e Zoleika. Esta corrente affectiva do amor mystico, entrra na Egreja na doutrina do Pastor de Hernias, e renovava-se pela interpretao allegorica dos amores da Sulamite do Cantico dos Canticos, recebendo todo o relvo religioso 110 culto da Virgem. Em quanto o genio castelhano se exerce nas Cantigas de Santa Maria, em Portugal esse amor idealisa a mulher elevando-a acima do desejo sensual e da paixo invencvel dos poemas britonicos; transformando os amores de Tristo, de Lancelot e Percival na adorao de Amadis. Foi assim que o genio portuguez renovou esses themas, que se syncretisavam em soporiferas amplificaes. Todos estes factos dispersos, por onde se reconstitue o estado das fices novellescas na transio do seculo xIII para o x I v , so indispensaveis para reduzir a uma consequencia natural esse extraordinario producco da Crte de D. Diniz, a Novella do Amadis de Gaula. Esse cataclysmo que se deu na civilisao por. tugueza, que lhe fez perder e esquecer as gran-
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des riquezas da sua Poesia lyrica trobadoresca, abrangeu tambem a quasi totalidade das creaes das suas Novellas em prosa, que a critica moderna est reconstituindo. O Marquez de Santillana, na sua celebre Carta ao Condestavel de Portugal, afirmando que a lngua portuguesa era a empregada nas Canes lyricas, no estendeu esta affirmativa s Novellas em prosa, por no entrar esse assumpto no seu quadro historico. A esta omisso observa D. Carolina Michaelis, com justia: se foram os gallego-portuguezes que exploraram e nacionalisaram as Pastorellas, a Boleta e os Lais de Bretanha, por que no se havia de explorar e nacionalisar tambem poemas diludos em prosa? Se no reinado de Affonso x e Affonso I I I os Cantares de Cornoalhas estavam vulgarisados na pennsula a ponto de um trovador se poder apropriar do seu son, sendo imitado por outros, como o mestre cujos seguires D. Gonalo Eannes do Vinhal agride na cantiga 1007, no ha motivo para se chamar arrojada a conjectura, que no mesmo reinado to litterariamente fecundo, houvesse quem juntamente com os sons britonicos tentasse senhorear-se da Matire de Bretagne, traduzindo os Lais e a Novella em prosa. (Canc. Aj., 11, 5I9.) No Cancioneiro apographo de Colocci foram colligidos cinco Lais, de uma extraordinaria importancia historico-litteraria: esto acompanhados de rubricas explicativas das situaes novellescas a que se referiam e em que foram intercalados. D. Carolina Michaelis, pelo seu tino critico, descobriu entre os manuscriptos francezes da No18
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vella de Tristan, o texto poetico de que foram paraphrasticamente vertidos trez dos Lais do Cancioneiro de Colocci, e determinou as situaes novellescas para que foram versificados; so o i., 2.o e 5. 0 . O 4. 0 Lai, apresenta a sua musica primitiva na obra sobre a frma dos Lais, por F, Wolf. (p. 240.) Esta descoberta um triumpho da critica. : O facto irrefragavel da traduco versificada d'esses tres Lais, leva a inferir pela frma liberrima da verso, que esse trabalho era concomitante de uma adaptao portugueza da prosa da Novella do Tristo, tal como se achava na sua phase cyclica. O estudo d'esses cinco Lais, conduz concluso de que existiu um texto portuguez de Tristo, em que elles estavam intercalados. Seria esse Tristan em portuguez o que se guardava na livraria do rei Dom Duarte: e o fragmento em prosa castelhana de Tristan no resultaria da apropriao do texto portuguez, como se deu com o texto de Amadis? Estas provas fazem-se por conjuncto de factos.
1 "Sendo conhecido o facto de varias Novellas francezas sobre Matire de Bretagne e especialmente os romances de Tristan, encerrarem Lais lyricos, a necessidade de ahi procurarmos no s os assumptos mas os proprios modelos dos Lais portuguezes impunha-se desde o momento da puhlicao de Molteni (1880)...'' (( Desde que um dos discpulos de Gaston Paris (Loseth) nos deu em 1891 a analyse comparada dos romances de Tristan, a nossa empreza se tornou comtudo viavel. Por ora conduziu descoberta de trez entre os cinco Lais, que serviram de fonte ao adaptador peninsular, assim como ao achado das scenas todas a que as rubricas alludem... 8 D. Carolina Michalis. Lais de Bretanha, p. 2. Td. Canc. Vat. 11, 479.
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Vejamos como os Lais portuguezes do Cancioneiro levam ao reconhecimento da novela Portugueza de Tristan. No Cancioneiro ColocciBrancuti acha-se um como de rubrica com 0 primeiro verso de um Lai, cuja cpia interrompida se completa no segundo Lai: Esta Cantiga a primeira que achamos que foi feita, e feseron-a quatro donzellas en el tempo de Rey Artur a Maraot d'Irlanda por la (trayonf) e tomada en lenguage palavra por palavra e diz assi: A Cantiga foi transcripta em segundo logar, com esta nova rubrica,, pela qual se descobre a situao da Novella: Esta Cantiga fezeron quatro donzellas a Marote d'Irlanda en. tempo de Rey Artur, por que Manrut filhava todalas- donzelas que achava em guarda dos cavaleiros, se as pedia conquerer d'eles; e enviava-as pera Irlanda pera seeren en servidon da terra. E esto fazia el per que fora morto seu padre per razon d'ha donzela que levava en guarda. Discutindo a forma da Cantiga ou Bailada, que esta rubrica explica, concilie D. Carolina Micliaelis: segundo a chronolog-ia da Novella, devia occupar o primeiro logar... Nenhum dos versos analysados por Lseth e novamente examinados a meu pedido em Paris e Vienna conin esta Cantiga. E nenhum conta os acontecimentos de que ella parece derivar, pelo modo indicado na rubrica, comquanto o Morhout figure em todos (os versos) de maneira bem saliente u pertena no s verso primitiva e s secun-
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darias, mas tambem aos poemas que a precederam. Este facto, estranhavel em si, mais singular se torna em vista de uma informao do velho compilador portuguez, o qual classifica exactamente esta Cantiga e s esta como traduzida verso a verso. (Lais de Bretanha, p. 10.) A confisso do poeta: tornada em linguagem palavra por palavra encobre a originalidade e independencia do adaptador. Achada a situao alludida no Lai, observou D. Carolina Michaelis : As divergencias nos dizeres do Portuguez so bem notaveis. Trata-se da libertao de um Tributo de Donzellas. Mais tarde, quando este (Tristan) feito cavalleiro, vive na crte de Marc de Cornoalha, o Morhout passa o mar e vem exigir certas preas, j pagas aos soberanos da Irlanda durante dois seculos*. Informado de que o reino podia ser livrado do horrvel treuage, composto de 100 donzellas, 100 mancebos e outros tantos cavallos de preo, se alguem vencesse o Irlandez, Tristan vae reptal-o. Na ilha de Saint Sanson, onde os dois abordam sem acompanhamento e no proprio dia consagrado ao santo, que a lide... O Morhout succumbe mortalmente ferido... com um estilhao da espada de Tristan no cerebro. Tristan ferido egualmente de uma seta envenenada, leva comsigo alm da arma com que ferira o Morhout, a harpa e rota... A situao a que corresponde o lai portuguez diverge: Donzellas conquistadas uma a uma e mandadas em servido ao reino do vencedor, substituem as do tributo, com quanto essas tambem
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fossem emmenes en servage. E a motivao do costume? O pae de Morhout? A donzella a que este havia servido de guarda. De nada d'isso ha o menor vestgio nos textos francezes. (Ib., p. I I . ) Conclue-se sem violencia, que existia um Tristan em portuguez nos princpios do seculo x I v ; comprova-o a existencia de uma outra bailada no gosto do estavillar asturiano, em que se celebra a libertao do Tributo das Donzellas, que os estados christos pagavam a Mauregato (Morhout,) sobre que se fez a lenda genealogica do Peito Burdclo, e se fundamenta o censo dos Votos de Santhiago. Appareceu esta lenda pela primeira vez no sculo x I I I , em Lucas de Tuy e no Arcebispo D. Rodrigo Ximenez; a data danos a corrente tradicional em que estavam no maior prestigio as aventuras de Tristan. Facil foi dar-lhe sua popularidade o sentido religioso, para a Egreja exigir a prestao dos Votos de Santhiago que na batalha de Clavijo apparecera em um cavallo branco, libertando os estados christos do criminoso tributo do Mauregato. r E' a bem conhecida Cano do Pigueiral, compilada no Cancioneiro do Conde de Marialva, d'onde Soriano Fuertes transcreveu a melodia popular, 2 ligada ao seu texto. Nas canes portuguezas do seculo x I v , Morhout, o Mouro, (Morhaus, cod. de Vienna) que tem prezas as donzellas:
i Historia da Poesia popular portuguesa, t, u, p.
IOI a 139.
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Mouro que las guarda cerca lo achey; mal las 'meara eu mal me anogey; troncon desgalhara... Todolos machuquei...
A situao da novella de Tristan que produziu o Lai, tornou-se popular e ainda hoje celebrada no romance do Algarve Dom Almendo (Amoroldo, no italiano) incorporado no Romanceiro geral portuguez:
Para ella avana o Mouro, Pensando a deteria; Ao puchar pela infanta A mo aos ps lhe cahia...
Dona Carolina Michaelis escreve: Notarei que uma frma com a (Marlot, Marolte por Morholt) se emprega tambem no Amadis (liv, I, cap. 10) onde j encontramos Sansonha (ilha de Sainf-Sanson) e os louvores tradicionaes ao poder sublimante do Amor. (Lais, p. 12.) No romance de Dom Gaifciros tambem se indica Sansonha, e nos romances do Conde Nino ou Olino, elle canta um cantar com que se denuncia princeza; e quando os dois amantes morrem das suas sepulturas nascem ramos que se entrelaam no r; no romance de D. Anscnda (Ausa, de Yseult) ha a erva fadada ou a fonte cuja agua tm o poder genesico, como o philtro que desvairou os dois apaixonados, como o comprehendeu o rei Marcos. Como se poderiam tornar populares estes episodios, que receberam a frma de romances velhos, se no proviessem de uma redaco portugueza do Tristan?
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O designado primeiro Lai no Cancioneiro de Colocci, tem esta rubrica: Este lais fez Elias o Bao que foi duc de Sansonha, quando passou a gran Bretanha, que ora chamam Inglaterra. E passou l no tempo do Rei Artur, pera se combater con Tristan, por que lhe matara o padre en ua batalha. E andando un dia en sa busca, foi pela Joysa Guarda u era a Rainha Yseu de Cornoalha, E viu-a tan fremosa que adar lhe poderia no mundo achar par. Enamorou-se enton d'ela e fez por ela este laix:
Amor, des que m'a vos cheguei bem me posso de vos loar, ca mui pouc', ant, a meu cuidar valia; mais, pois enmentei...
Seguem-se mais nove quadras, na frma britonica (a b b a); em um dos mss. de Paris achou o original francez:
Amor, de vostre acointement me lou le molt, se dex mament! quant a vos ving premierement petit valoie voirement...
Dona Carolina resume a situao da novella manuscripta franceza, concluindo tambem pela divergencia da redaco portugueza alludida na rubrica do Lai de Elis: As particularidades que distinguem a rubrica portugueza so a alcunha O Bao (Le Brun) apposta a Helys; e a substituio da Cornoalha, como paiz invadido pela GramBretanha. Com relao a esta particularidade, no esqueo que segundo Gaston Paris, um dos traos caracteristicos da verso rimada ingleza ou
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anglo-normanda, o representar a Marc como rei da Inglaterra inteira, e no exclusivamente da Cornoalha;... A formula alis vulgarissima a Grani Bretanha, que ora chamam Inglaterra, encontra-se tambem no Livro de Linhagens do Conde de Barcellos em paragraphos extractados da Historia Britonum. A palavra duc, posteriormente nacionalisada em duque, ahi se acha egualmente, assim como no lais de Troia... Nem falta no Nobiliario o gallicismo Soisnes, nem tampouco Sansonha, forma nasalisada de Saxonia. Esta passou tambem para alguns romances pico-lyricos de Castella, e para o Amadis, o que significativo. N'este livro de cavalleria, em cuja primeira parte ha numerosos trechos que parecem derivar do Cancioneiro gallaico-portuguez e cuja relao de parentesco com as Novellas britonicas no posso deixar de apontar aqui, encontro um elogio do Amor, n'um monologo de Amadis, que muito se parece com as primeiras coplas do nosso Lais. E diz: Amor, amor, mucho tengo que vos gradecer por el bien que de vos me vienc... (Liv. n, c. 3.) O terceiro lai tem a rubrica: Don Tristan o Namorado fez esta Cantiga. A ilustre romanista achou o texto em um dos manuscriptos francezes; a frma portugueza de uma das tenes mais bellas do cyclo dionisio, superior ao tornei da novella:
Mui gran temp'a, por Deus, que eu nom vi quen de bondade vence todo ren!... Grant temps a que ie ne vi ceie qui tote reiz vaint de biaut...
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O trovador portuguez desenvolveu a estrophe unica em uma bella cano tripartita, ou de mestria. A situao a que allude logo depois da batalha contra Helys, o de Sansonha, que Tristan atravessa uma floresta primaverilmente engalanada, onde o canto das aves evoca a saudosa memoria de Iseut, longe da qual vivera mais de um anno como cavalleiro errante. (Lais de Bret., p. 14.) O quarto Lai de Tristan (Colocci) o Lai de pior, nos manuscriptos francezes, de que Wolf publicou a musica. Transcrevemos uma estrophe:
Dom Amor, cu cant' e choro, e todo me ven dali, da por que eu cant' e choro e por me mal' dia vi. Damor vient mon chant et mon pior e diluec prettdent naissement ceie fait que orendroit pior qui mera fait chanter sovent...
A situao novellesca, quando Tristan mal restabelecido segue caminho da Cornoalha, e ouviu de noite uma donzella cantar o lai composto por Yseult, o Lai du Boivre amoureux. E' depois, que Tristan compoz o Lais de Plour. O quinto Lai tem esta rubrica: Bsfe laix jezeron donzelas a don Anaroth quando estava na Insoa da Lidia quando a rainha Geneura achou con a filha do rei Peles e Ihi defendeo que non parecesse anfela. Escreve D. Carolina Michaelis: Tambem d'esta vez a redaco franceza falta nas novellas de Tristan, com quanto os nomes todos e os factos a que a rubrica allude, occorram em algu-
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mas das verses cyclicas. E occorrem ainda na novella de Lancelot e na Demanda do Santo Graal, visto o heroe do canto ser o Cavalleiro do Lago. Em volta de seu escudo donzelas dansam c cantam jubilosas por elle ter alcanado qualquer victoria. Depois de ter resumido este quadro de dois manuscriptos parisienses, da Isle de joie, conclue: E' depois da victoria sobre Albano, que imagino dever collocar a balleta. O successo romantico que motivou a desgraa e loucura de Lancelot a que se allude na rubrica, como se fra simultaneo bailada, uma aventura nocturna, passada um decennio antes, na crte do rei Artur, a que o heroe da Demanda e modelo de Amadis, o casto Galaaz, deveu o seu sr, e que por isso mesmo frma o ponto de ligao entre o Lancelot e o Graal. Enganado por... um philtro... Lancelot julgando-se em presena da Rainha Geneura, abraa a filha do rei Pelles, deslealdade de que em seguida se penitencia, magoadissimo, meio louco e esquecido, vivendo longos annos afastado da rem do mundo que el mais queria.)) (Ib., p. 17 e 18.) Entre os romances velhos do Romanceiro castelhano ha esta situao de Lancelot, no seu regresso de Bretanha, em que as damas o servem com regosijo; por certo que estas aventuras no foram vulg-arisadas pelas narrativas francezas. Diz D. Carolina Michalis: Sem que a niatire de Bretagne tivesse penetrado nas crtes peninsulares, quem se teria lembrado de compor ou de traduzir essas novidades, levado por mero interesse litterario ou musical? A existencia dos
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cinco Lais , a meu Ver, indicio no s forte mas irrespondivel da existencia de romances de Tristan e Lcmcelot em prosa. Pde ser que o traductor da prosa, resolvido a apropriar-se os intermezzos lyricos todos, desistisse a meio do caminho... Ou ainda, que o collector do Cancioneiro escolhesse apenas as amostras, que mais lhe agradavam, por motivos que impossvel adivinhar. (lb., p. 20.) Este ultimo caso o que se repete no Cancioneiro Colocci com a Cano de Joo Lobeira, que andava ligada a um episodio da novella do Amadis de Gaula, a primeira e principal imitao das novellas de Tristan, Lancelot e Graal. Pelo caracter lyrico d'esta Cano ou Lai de Lconoreta, determina-se a poca em que foi composta qual pertence a primeira redaco da novella portugueza. A publicao do Cancioneiro Colocci em 1880 trouxe sob os n. os 230 e 232 dois fragmentos de uma Cano de Joo Lobeira, que so um documento decisivo para demonstrar a origem portugueza do Amadis de Gaula, e dar realidade a um certo numero de tradies acerca d'esta novella cavalheiresca. Comea a Cano pelo refren:
Lonoreta Sin roseta, Bella sobre toda flor, Sin roseta Non me meta Em tal coita vosso amor.
Este estribilho ou tornei, como se lhe chama na Poetica trobadoresca portugueza, conserva-se tambem nos versos da Cano intercalada no tex-
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to castelhano do Amadis de Gaula (liv. II, cap. 11) na paraphrase rhetorica de Garci Ordones de Montalvo. Sobre a frma poetica, nota D. Carolina Michaelis: esse lais-ballada de Lobeira cinge-se rythmicamente a dois cantares de Af fonso x, ou ento aos modelos da litteratura provenal com a estrophe cou,:, que o rei seguia. E essa frma foi transmittida (aabaab) aos trovadores gallaico-castelhanos da 2. a poca lyrica, que a empregaram (vid. Cancioneiro de Baena e congeneres) exactamente nos gneros denominados lais e descordos, evocando assim a suspeita de o A m a dis primitivo. (Ib., p.- 26.) De facto, o proprio Montalvo revelou a existencia de uma redaco primitiva na sigla da emenda por ordem do princepe D. Affonso de Portugal no episodio dos amores de Briolanja. A primeira redaco do Amadis citado por poetas do Cancioneiro de Baena constava de tres livros; seriam estes escriptos pelo trovador Joo Lobeira, pertencendo o quarto remodelao de seu filho Vasco de Lobeira, que Azurara deu como vivendo no tempo do rei D. Fernando. A erudio do chronista Azurara no permittia um engano tam capital, distanciando-o do Lobeira trovador do cyclo Dionsio. Eis a Cano de Joo Lobeira, reconstruda dos dois fragmentos:
Senhor genta Mi tormenta Voss 'amor en guisa tal; Que torrmenta Que eu senta Outro nom m' ben nem mal, Mais la vossa m' mortal.
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Leonoreta Sin roseta, Bela sobre todo fror, Sin roseta Non me meta Em tal coita vosso amor. Das que vejo Non desejo Outra senhor se vns nom; E desejo Tan sobejo Mataria un leon, Senhor do meu coraom. Leonoreta Sin roseta, etc. Mha ventura En loucura Me meteu de vos a m a r ; E' loucura Que me dura Que me non posso quitar. Ay fremesura sem p a r ! Leonoreta Sin roseta, Bela sobre toda fror, Sin roseta Nom me meta Em tal coita vosso amor.
I Monaci, editor do Cancioneiro de Colocci escrevianos em carta de 13 de agosto de 1880, dando noticia d'este facto: ''Vi troverai in esso (Canc. Colocci) un documento molto interessante per la questione dei Amadigi. E la poesia dei Lobeira Leonoreta sin roseta, chi se retrova m una forma molto piu corretta ed autentica che non nella dei Romanzo di Amadigi, e quindi offre un bell' argumento in favore delia opinione sustenuta da te."
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Importa comparar as frmas da Cano intercalada na prosa castelhana do Amadis de Gania, reconhecendo-se que o traductor Montalvo conservou inconscientemente os vestgios de um texto primitivo portuguez. No comprehendeu a estructura estrophica, nem o lexapren da rima, encontrando mais estancias, que faltam no Cancioneiro, em que se verifica o estado de interpolao (n. o s 230 e 232.) V-se que a necessidade da traduco o obrigou a alterar o typo poetico; e conservando a ((Cano que por vuestro amor Amadis fiso sicndo vurstro caballero deixou a prova irrefragavel de um texto elaborado na crte do rei D. Diniz, onde florescia Joo Lobeira, na menoridade do princepe D. Affonso (o I v ) , como se confirma pela declarao da emenda do caso de Briolanja. (liv. I, cap. 40.) Eis a verso castelhana por Montalvo:
Leonoreta sin roseta, Blanca sobre toda flor. Sin roseta no me meta En tal cuita vuestro amor. Sin ventura yo eu locura Me meti de vos amar, Es locura que me dura Sin me poder apartar. Oh hermosura sin par, Que me d pena y dolor. Sin roseta no me meta En tal cuita vuestro amor. De las que yo veo no deseo Otra si no a vos servir; Bien veo que es devaneo Do no me puedo partir; Pues que no puedo huir De ser vuestro servidor, No me meta sin roseta En tal cuita vuestro amor.
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Aunque mi queja parece Referir-se vos, senor, Que mi vida desfallece, Otro s la vencedor, Otra s la matador, Blanca sobre toda flor; Sin roseta no me meta En tal cuita vuestro amor. De me hacer toda guerra Aquesta tiene el poder, Que muerto vive so tierra Aquesta puede hacer Sin yo gelo merecer; Blanca sobre toda flor, Sin roseta no me meta En tal cuita vuestro amor.
No transcrevemos aqui a frma deturpada do texto castelhano, isto , versos transpostos e mal cortados, que mostram a apropriao de um texto primitivo; ha o typo estrophico de Joo Lobeira, mas sem seguir o encadeado da rima; no tem a estrophe n. 230 da lio de Colocci, mas apresenta mais duas estrophes que faltam ao Cancioneiro. D'estas omisses mutuas entre o Cancioneiro e a Novella, infere-se que a Cano de Amadis andou na tradio oral, d'onde foi colligida por causa da melodia para o Cancioneiro trobadoresco, sendo a verso da Novella mais completa por provir de um texto litterario, de que fazia parte. Este encontro dos dois textos, escriptos como prosa e mal cortados os versos nos seus hemistichios, um facto decisivo e irrefutavel para fundamentar a elaborao novellesca portugueza do Amadis. Depois dos primeiros crticos hespanhoes, Mil y Fontanals e Menendez y Pelayo terem accei-
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tado as concluses sobre a prioridade do texto portuguez da Novella do Amadis de Gaula por Vasco de Lobeira, dois novos argumentos foram trazidos discusso recentemente, em sentido contrario. Pelo facto de ter sido encontrada por Ernesto Monaci na Bibliotheca do Vaticano uma folha solta de uma traduco castelhana do seculo xIv da novella do Tristan, quiz concluir o professor Gottf ried Baist, no seu estudo do Quadro das Litteraturas romanicas, que mesma corrente deve pertencer ,um texto castelhano do Amadis de Gania; sendo em 1342 citado o Tristan como recente na voga (agora), pelo Arcipreste de Hita, collocada a elaborao da novella do Amadis em meados do seculo x I v . E avanando nas suas deduces. Baist reconhece a superioridade lyrica dos portuguezes, mas nega-lhes toda a prioridade de textos em prosa, incluindo n'esta negao o Amadis de Gaula, e at quer que a Demanda do 'Santo Graal fosse traduzida de textos castelhanos. Diante do facto de apparecer na redaco castelhana de Amadis de Montalvo intercalada uma Cano de Joo Lobeira, entendeu Baist invalidar esse argumento a favor cia prioridade portugueza por uma supposio capciosa: que o traductor castelhano se cingira moda do tempo, escolhendo para textos lyricos o idioma gallego-portuguez e que o Lai de Leonoreta fora uma interpollao tardia e espuria se no do seculo xIv , pelo menos no texto do Montalvo. Todos os esforos de Baist visam a provar que a redaco em prosa do Amadis de Gaula data da mocidade do chanceller Ayala, isto do meado do sculo x I v .
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Pelo seu lado, D. Carolina Michaelis (Canc. da Ajuda, t. II) attenuando as affirmativas de Baist, que caracterisa como singelas e seductoras, sente a necessidade de collocar a elaborao da Novella de Amadas tambem no seculo x I v , relacionada como est com o Lai de Joo Lobeira: (Com respeito edade dos Lais e da Novella em prosa a que pertencem, eu adoptaria de boamente a data do primeiro decennio do seculo x I v . Bem desejava consideral-os como remate da poca galhico-portugueza, transio para o perodo dos Romances de Cavalleria, epilogo (e no falso preambulo) dos Cancioneiros trobadorescos. Que facto se oppe a que to justa concluso critica se no verifique e se torne effectiva? Respondera-se: um anachronismo. Como existiu na crte portugueza um Joo Lobeira, que figura em documentos officiaes de 1258 a 1285, filho illegitimo de Pero Soares Alvim, e que, segundo Brando, na Monarchia lusitana, assigna Joo Pires Lobeira, acceitou-se que esse individuo era o trovador Joo Lobeira, auctor do Lai que se acha incluso no Amadis. Assim recuava para os princpios do reinado de D. Affonso I I I o conhecimento dos Lais bretos, e o como da elaborao em prosa do Amadis; d ahi as contradictas sensatas de Baist, e a verdade das observaes de D. Carolina Michalis. Comparando a frma da Cano de Joo Lobeira, chega a insigne romanista a este resultado: esse Lais-bailada de Lobeira cinge-se rythmicamente a dois cantares de Affonso x, frma transmittida aos trovadores gallaico-castelhanos da 2. a 19
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epoca lyrica, que a empregaram exactamente nas especies que denominam Lais e Descordos. (Op. cit. I I , 515.) Depois da deduco d'estes caracteres poeicos, e apesar de admittir as datas anachronicas de 1258 a 1285 referentes a Joo Lobeira, chega lucidamente a reconhecer: o A m a dis de Lobeira pertenceria ao primeiro quartel do seculo xIv (ao I. do seguinte)... E esse facto obrigaria a collocar o primeiro Tristam peninsular 110 reinado de 1). Affonso III e Affonso x. E na necessidade de conciliar as datas anachronicas do supposto Joo Lobeira com o Lai, que est intensamente ligado ao episodio de Leonoreta no Amadis, D. Carolina Michaelis recorre hypothcse. que espritos avanados, influenciados por contacto directo com auctores francezes, prepararam intrepidamente, no reinado do Bolonhez e do Sabio, o advento do novo gosto por Novellas em prosa. (Op. cit., 11, 516.) E sentindo a necessidade de aproximar a data do Lai lyrico de Joo Lobeira da data da elaborao da Novella do Amadis, continua D. Carolina Michaelis: Se as apparencias no mentem, a Cantiga que graciosamente principia com o refren Leonoreta... foi ideada como intermezzo lyrico da primeira e principal imitao peninsular das novella de Tristan, Lancelot e Graal. Dirigindo-a ostensivamente pequena irm da amada segundo o systema tantas vezes recommendado pelos trovadores, Amadis falia no texto: sub rosa com Oriana a sem par, que amava a furto. No Amadis, de Montalvo ( H . II), onde surge em verso castelhana, a poesia
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cantada por um cro de Donzellas, que dansam coroadas de rosas e capitaneadas pela Infantinha. O episodio muito secundario, e no se v por que motivo teria tido maior desenvolvimento na redaco primittiva... (Can. d'Aj., II. 5 I I . ) E como o professor Baist entende, que da existencia dos Lais se no podia inferir um conhecimento cabal das Novellas brets e muito menos da sua nacionalisao pelos trovadores portuguezes, responde-lhe D. Carolina Michaelis: ((Se foram os gallegos-portuguezes que exploraram e nacionalisaram as Pastorellas, a Bailada e os Lais lyricos de Bretanha, porque no haviam de explorar e nacionalisar tambem poemas diludos em prosa? No poderemos considerar Novellas de Amor como pertencentes Gaia Sciencia? (Ib., 11, 519). E atacando de frente as objeces de Baist, escreve a eminente romanista : A existencia de um Tristan castelhano antes de 1342 (epoca em que o Arcipreste de Hita allude) e a de um Amadis em tempo de Pero Lopez de Ayala, implica necessariameote a no existencia de um Tristan e Amadis gallego-portuguez anterior? (Ib., II , 547.) Do portuguez foram transpostas para castelhano numerosas poesias lyricas dos epigones, que encontramos estropeadas nos Cancioneiros do seculo xv. (Ib., pag. 518.) Todas as negativas de Baist e laboriosas conciliaes de D. Carolina Michalis recebem uma nova luz diante da existencia de um Joo de Lobeira pae de Vasco de Lobeira, cujo testamento datado de 1386, collocando-nos assim no seculo xIv a simul-
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taneidade dos Lais lyricos com as narrativas novellescas. Quando se tornava difficil coordenar estes dois elementos, o chronologico e o artstico, foram achados em Elvas valiosos documentos que authenticam a individualidade de Joo Lobeira e de seu filho Vasco de Lobeira; coube essa gloria aos perseverantes esforos do grande folk-lorista da provincia do Alemtejo, o nosso amigo Antonio Thomaz Pires. P o r occasio do seu feliz achado, escrevia-nos em 24 de Novembro de 1903, entrevendo logo a parte essencial do problema: Est absolutamente averiguado que Vasco de Lobeira, auctor do Amadis de Gemia, floresceu no reinado de D. Diniz? Se no est, ter ento valor, e grande, um pergaminho que tenho presente, e que se refere a um Joo de Lobeira, pae de um Vasco de Lobeira o qual Joo de Lobeira em 1386 (ra de Cesar) instituiu por seu testamento uma capella chamada de Santa Suzana, na egreja de Santa Maria dos Aougues, da (ento) villa d Elvas. O pergaminho enorme e contm uma sentena cerca da Capella instituda. Eis um trecho d'elle, em linguagem corrente para a trasladao me ser menos trabalhosa, e visto no me sobrar agora tempo: que em a dita villa de Elvas houvera um mercador por nome chamado Joo de Lobeira, que foi casado com uma mulher que chamavam Maria Domingues. Esta lhe morrera e casara depois com Aldona Annes, filha de Domingos Joannes Cabea: estando assim ca-
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sado com ella fizera um testamento na ra de m i l e trezentos e oitenta e seis annos, no qual tomara certos bens seus... e da dita Maria Domingues, sua primeira mulher, cujo testamento disse que fizera, e mandara que o enterrassem em a dita Capella de Santa Suzana, que fizera o dito Domingos Joannes Cabea, seu sogro. E por os ditos bens que a isso tomara, mandara que lhe cantassem dois capelles para sempre, deixando a cada um certa quantia de... em cada um anno por sua soldada; e isto fizera sem fazendo annexamento algum, mandando que a dita Aldona Atines sua derradeira mulher fosse administradora da dita Capella se se no casasse, e casando-se dera poder aos Juizes e Procurador do concelho de Elvas que logo a desapoderassem de todo, e que deixem a seu filho maior a dita administrao. E a dita Aldona Annes se casara logo com Miguel Sanchez, cavalleiro castello, morador em Badajoz. E o dito Concelho e Juizes e procurador tomaram a dita administrao e a deram ao seu filho maior por nome chamado Vasco de Lobeira, o qual possuir at o tempo de sua morte, etc. O documento pela relao com esse dois nomes histricos e data de 1386, patenteou-se de uma importncia capital para o problema pendente. Em carta de 18 de maro de 1904, escrevia-nos Antonio Thomaz Pires: Durante o trabalho da copia da sentena, occorreu-me o seguinte: No seria o Amadis composto por Vasco de Lobeira na lingua castelhana? Ou, se o compoz em portuguez. no o passaria elle prprio para o castelhano? E' que a
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sado com ella fizera um testamento na era de mil e trezentos e oitenta e seis annos, no qual tomara certos bens seus... e da dita Maria Domingues, sua primeira mulher, cujo testamento disse que fizera, e mandara que o enterrassem em a dita Capella de Santa Suzana, que fizera o dito Domingos Joannes Cabea, seu sogro. E por os ditos bens que a isso tomara, mandara que lhe cantassem dois capelles para sempre, deixando a cada um certa quantia de em cada um anno por sua soldada; e isto fizera sem fazendo annexamento algum, mandando que a dita Aldona Annes sua derradeira mulher fosse administradora da dita Capella se se no casasse, e casando-se dera poder aos Juizes e Procurador do concelho de Elvas que logo a desapoderassem de todo, e que deixem a seu filho maior a dita administrao. E a dita Aldona Annes se casara logo com Miguel Sanchez, cavalleiro castello, morador em Badajoz. E o dito Concelho e Juizes e procurador tomaram a dita administrao e a deram ao seu filho maior por nome chamado Vasco de Lobeira, o qual possuir at o tempo de sua morte, etc. O documento pela relao com esse dois nomes historicos e data de 1386, patenteou-se de uma importncia capital para o problema pendente. Em carta de 18 de maro de 1904, escrevia-nos Antonio Thomaz Pires: Durante o trabalho da copia da sentena, occorreu-me o seguinte: No seria o Amadis composto por Vasco de Lobeira na lingua castelhana? Ou, se o compoz em portuguez, no o passaria elle proprio para o castelhano ? E' que a
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lingua castelhana devia ser-lhe bastante familiar. Como se v na sentena, a me d'elle Aldona Annes, logo depois de viuvar de Joo de Lobeira, casou com Miguel Sanchez, cavalleiro castelhano, morador em Badajoz, e se bem que Vasco de Lobeira era obrigado pela instituio do morgado a viver em Elvas, no passaria grande parte da sua existencia junto de sua me e seu padastro, attenta a pequena distancia que ha entre Elvas e Badajoz? Outro caso._ Joo de Lobeira ou Joo Lobeira, e ainda Joo Delobeira diz a sentena, que era mercador em Elvas; ser o trovador do Cancioneiro? Mercador e troveiro?! Verdade que esse mercador tinha como concunhado nada menos que Alvaro Gonalves, mordomo-mr de D. Affonso Iv, como a mesma sentena diz. Interessado no valor historico d'este documento, Antonio Thomaz Pires no cessou nas suas investigaes; pelo pergaminho da camara municipal de Elvas, descobriu que o testamento de Joo de Lobeira estava transcripto no Tombo I. da Provedoria de Elvas, actualmente depositado no governo civil de Portalegre. Foram extraordinarios os esforos empregados para poder consultar esse Tombo I. A final, em carta de 25 de outubro de 1904, escrevia-nos jubiloso: At que consegui do governo civil de Portalegre o emprestimo do Tombo I. da Provedoria da camara de Elvas, onde est trasladado na integra o testamento de Joo de Lobeira, e onde tambem est trasladado o testamento (com codicillo) do sogro d'elle o Domingos Joannes Cabea
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testamento do anno 1374. So enormes, mas interessantssimos a varios respeitos, estes documentos. Abrangem 17 folhas do Tombo, que de grande formato. Vale muito a pena publical-os; e a esse respeito vou consultar o meu bom amigo... ' Que Vasco de Lobeira estava ligado a Elvas pela tradio histrica, dil-o Barbosa Machado na sua Bibliotheca lusitana, ao biographar o auctor do Amadis de Gaula: a maior parte de sua vida assistiu em Elvas, onde instituiu um morgado que depois veiu aos Abreus de Alcarapinha. Tambem Jorge Cardoso, no Agiologio lusitano, attribuindo a composio do Amadis de Gaula a Pedro Lobeira, d-o como tabellio em Elvas, (t. 1, 410.) D'onde proviria esta tradio, espalhada nos sculos xvII e xvIII? Jorge Cardoso aponta como seu informador de antiguidades a Manuel Severim de Faria; e Barbosa Machado referindo-se ao Morgado de Alcarapinha leva-nos inferencia derivada do mesmo informador, porque um dos possuidores do morgado foi D. Christovam Manuel, que casou em segundas nupcias
1 Com o mais extraordinario desinteresse, Antonio Thomaz Pires entregava-me esses documentos para entrarem na segunda edio do livro Formao do Amadis de Gaula. Mas essa nova remodelao do meu estudo vem longe, o que prejudicava o conhecimento de to extraordinario descobrimento. Assim, a bem dos que estudam, acabam de apparecer luz no fascculo vII dos Estudos e Notas Elvenses, de que editor o benemerito escriptor Antonio Jos Torres de Carvalho. Acompanhou estes documentos Antonio Thomaz Pires com algumas notas que muito o esclarecem.
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com D. Joanna de Faria, filha de Gaspar Severim de Faria; e esse morgado foi herdado por D. Sancho Manuel, I. Conde de Villa Flr, que casou com uma sua sobrinha, filha de Gaspar Gil Severim. V-se pois que a tradio do auctor do Amadis de Gaula ser esse possuidor do morgado e assistir ou ser natural d'Elvas, era conhecida pelo antiquario Manuel Severim de Faria. Os documentos achados e agora publicados por Antonio Thomaz Pires referem-se irrefragavelmente ao novellista e a seu pae, authenticando com toda a luz a epoca em que viveram. Como veiu o seu morgado e capella de Santa Suzana aos Abreus de Alcarapinha? Pelos documentos v-se, que Vasco de Lobeira, pelo casamento de sua me Aldona Annes com o castelhano Miguel Sanchez, entrou na posse do morgado, deixando-o por sua morte a um filho illegitimo Martim de Lobeira. Por esta circumstancia foi a herana impugnada, obtendo sentena a seu favor Gonalo Cerveira, que morrendo em 1425, o deixou a um seu primo Gonalo Brando. Como este Cerveira, primo de Vasco de Lobeira, era-o por parte da me e no dos Lobeiras, veiu em 1427 a ser o morgado dado a Martim de Abreu. Tambem se julgava o appellido de Lobeira derivado de uma terra da Galliza; mas este nome vem em documentos de Elvas de 1343 das grandes propriedades no Valle de Lobeira e Herdade de Lobeira no termo do Redondo. Este facto exclue toda a ideia de um trovador gallego de appellido Lobeira, que emigrasse para Portugal no tempo de D, Fernando.
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Diante dos documentos achados e publicados por Antonio Thomaz Pires, apura-se, que o Joo Lobeira, que assignou como testemunha o testamento do Bispo de Lisboa D. Ayres Vaz em I258, e que como filho bastardo de Pedro Soares Alvim, foi legitimado por D. Affonso III em 6 de maio de 1272, e que assigna em 1321, no instrumento de compromisso entre o Rei D. Diniz e a Camara de Lisboa, no o poeta da Cano de Leonoreta, cuja imitao dos Lais bretes accusa tambem uma poca muito ulterior. Frei Antonio Brando escreve na Monarchia lusitana: D'este Joo Lobeira descendem, ao que entendo, os que h em Portugal d'este appellido.)) Os documentos actualmente descobertos justificam esta inferncia; e o facto de Joo Lobeira ser mercador em Elvas, e no querer que na posse do Morgado entre cavalleiro', revela o orgulho da sua estirpe burgueza, que se continuou em seu filho Vasco de Lobeira, armado cavalleiro depois dos sessenta annos, como se interpreta pelo episodio de Mocandon, em 1384, (N. 1324 + 1403, 79 annos.) A epoca da morte de Vasco1 de Lobeira, fixada em 1403, por Barbosa Machado, poder confirmar-se pelo litigio demorado, em que seu primo Gonalo Cerveira entra na posse do morgado de Santa Suzana, excluindo Martim de Lobeira, como illegitimo. Por morte de Gonalo Cerveira, que este deixou a um seu primo Gonalo Brando, em 1425, o morgado, que foi sentenciado vago, por falta de representantes de Joo de Lobeira, vindo em 1427 aos Abreus de Alcarapinha.
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E' depois de 1404, que se torna muito faliado o Amadis de Gaula pelos poetas do Cancioneiro de Baena e por Pedro Lopez Ayala; no se acha por elles reconhecida uma redaco castelhana. Essa verso fez-se pois sobre o texto portuguez, remodelando-se j com um quarto livro que no estava no plano, realisado smente em tres livros. A descoberta de Antonio Thomaz Pires vem dar s objeces do professor Gottfried Baist uma resposta decisiva. Por ella temos datas que precisam a epoca em que Joo de Lobeira e Vasco de Lobeira, seguiram a corrente do gosto breto, realisando uma evoluo completa do Lai lyrico para o narrativo e sua evoluo em Novella em prosa. E, apparecendo no Cancioneiro ColocciBrancuti os Lais lyricos do Tristo em portuguez, tambem plausvel que essa folha da Novella do Tristo em lingua castelhana fosse resultante de uma primitiva frma portugueza, que se justifica pelas relaes de Vasco de Lobeira com cavalleiros castelhanos pelos laos de famlia. l
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Todos os grandes poemas da Tavola Redonda tinham terminado a sua evoluo desde o desenvolvimento dos Lais narrativos em que primeiro foram esboados, como o Tristan e Lanceiot, e transformando-se em prosa agruparam-se cyclicamente, constituindo em 1250 o que se chamou a Matria de Bretanha. Portugal no ficou extranho a este enorme trabalho de idealisao, em que Chrtien de Troies teve uma parte preponderante desde o Tristan e Lancelot ao Percival, cujo assumpto tomou de um poema que de Inglaterra lhe trouxera Filippe de Flandres, Conde de Alsacia, marido de Thereza de Portugal. No podiam estes poemas ser desconhecidos na crte de D. Affonso III; a existencia da novella da Demanda do Santo Graal em prosa portugueza do seculo xIv o fundamenta. A revivescencia do lyrismo provenal sob Dom Diniz, absorveu um pouco o interesse dos poetas da crte; mas o gosto das Novellas, pelos, seus quadros de aventuras maravilhosas e de amores hallucinantes prevaleceu sobre a casustica passional dos trovadores; a livre imaginao tomava os personagens secundarios, como Sagramor, como Ivain, como Amadas, e bordava-lhes uma biographia ideal, em que enquadrava todas as situaes mais bellas dos melhores poemas da Materia de Bretanha. Gastou Paris, d-nos o conjuncto da biographia poetica de um d'esses heroes: Um joven cavalleiro desconhecido, as mais das vezes sem famlia, acaba de chegar crte de Arthur, quando uma aven-
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tura qualquer, considerada por toda a gente como irrealisavel, lhe estimula a sua coragem; deixa a crte, vae correr a aventura, triumphar em muitas outras, e acaba por desposar a donzella n'isso envolvida, e que em dote lhe traz um reino. (Litt. fran. au Moyen-age, 58.) Com leves modificaes este o typo e o thema do Amadis de Gaula: accrescentando situaes episodicas, a loucura por amor, como no Lai da Folie de Tristan reproduzida no poema do Amadas, ou a tradio do morto reconhecido, de Richard le B.eau, no poema inglez do Sir Atnadace, . chega-se da Chanson d'histoire formao cyclica da grande Novella em prosa. O valor moral da fidelidade inquebrantavel do amor, atravs de todas as suggestes, e tirando d'esse amor a energia para realisar as emprezas quasi impossveis, eis o thema que se destaca de todos os poemas e Lais narrativos, e que deu ao Amadis de Gaula a primazia sobre todas as Novellas de Cavalleria. Na poca em que foi cornposto o Amadis de Gaula, na crte de Dom Diniz, j as Novellas cia Tavola Redonda estavam transformadas em ' prosa. Gaston Paris assentou este principio critico para o conhecimento d'essas novellas: que os textos em verso as precederam e so mais antigos. Com o Amadis de Gaula deu-se este phenomeno: antes da sua redaco em prosa no seculo x I v , foi precedido de poemas em verso no seculo xIII. taes como o Amadas et Ydoine, em francez, e Sir Amadace, em inglez. No Discurso sobre o Estado das Lettras no Seculo xIv, Victor Le Clerc, fallando do rei
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D. Diniz, corno fundador da Universidade de Coimbra, censura seu filho D. Affonso Iv: trabalhou tambem para aperfeioar a sua lingua nacional, e assignalar-se-ia j agora nos annaes das lettras, se podesse attribuir-se com certeza a Vasco de Lobeira, morto segundo dizem em 1403, a primeira redaco do famoso Amadis de Gania, que todavia, no , como se v pelo texto mais antigo hoje conhecido o hespanhol, seno uma imitao prolixa dos poemas da Tavola Redonda e dos romances de Aventuras, taes como o nosso romance de Amadas. I O grande critico esboava uma direco para o estudo da novella. Littr com seguro senso nota: ((Amadas lembra o cyclo dos Amadises, que certamente hespanhol no seculo xv, tem por ventura ligaes com as mais antigas composies francezas. 2 Para determinar essas origens e formao importa conhecer os processos litterarios da Edade mdia, na evoluo das formas, e no syncretismo dos variados poemas na amplificaes cyclicas. E no bastando ainda estes recursos contra a falta de documentos, o senso esthetico revelar as harmonias organicas ou as incongruncias : assim o comprehende Du Mril, no prefacio de Blanchefleur: Os hbitos litterarios da Edade mdia complicam desgraadamente todas as questes de origens com difficuldades insoluveis, se se no deixar ao sentimento tirar as concluses, quando, escaceando os dados preci-
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Seguindo as phases da evoluo do plano poetico do Auiadis, cheg'aremos ao apparecimento lo gico c histo rico da Novella portugueza, constituindo-se com os elementos dominantes na sua poca, ou os poemas que entraram na sua construco cyclica; e caracterisando pelo sentimento a sua nacionalidade litteraria revelada no ethos portuguez. I.a Phase: Lenda agiologica.A tendencia para a personificao, faz com que muitas palavras qualificativas se convertam em entidades; uma das bases da Iegendogonia. Assim a palavra lonke, a lana, tornou-se a individualidade de lonquinhos. o designativo vera icon, estampado no sudario, anthropomorphisou-se em Veronica. Foi assim que Amatos, um qualquer designativo foi personificado por San Jeronymo como um discpulo do eremita Anto. l D'aqui a crear a legenda aurea de um Santo evoluo espontanea em uma poca de credulidade e de fecunda sanctificao popular. Como as grandes Epopas derivam as suas legendas heroicas de uma origem mythica, tambem algumas Canes de Gesta da Edade mdia foram a transformao de lendas agiologicas: a Cano de Aiol derivou-se da legenda latina de Santo Agiulpho, 2 o santo Abbade de Lerins, do seculo v i I , torna-se na Ges-
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ta um estrenuo cavalleiro, que defende o imperador Luiz, filho de Carlos Magno, da revolta dos seus bares, e se retira para o claustro, aonde expira. em_sautidade. Guilhaumc au Court-nez, cujas faanhas so celebradas em dezoito Gestas, a transformao heroica do typo devoto de Saint Guilhaumc de Gellone, da legenda do seculo x, colligida pelos Bollandistas. [ O mesmo processo tradicional se d com a Gesta de Miles et Amiles, tendo por base uma lenda agiologica. 2 O que todo o Cyclo do Santo Graal, seno o desenvolvimento pico-novellesco do Evangelho apocrypho de Nicodemus? Na Novella do Amadis dei Gaula encontra-se o fio tradicional que liga o cavalleiro typo da fidelidade ao prototypo de um Sancto; l-se na redaco castelhana: Este es Amadis... y este nombre era alli muy preciado. por que asi s: llamaba un Santo quien la doncella lo encomendo. Nas Actas dos Bollandistas encontra-se a legenda de um Sancfus Amandius Gallesinus. 3 No Isoprt II traduzido de um texto inglez do seculo XII de Walter l'Anglais, vem na fabula da cigarra a exclamao: Par Saint Amaud! E no poema de Amadas et Idoync, (V 3092): Venez, dame, par Saint Amant.nt.)) Era este o Santo mais popular e querido na poca da elaborao d'estes poemas, como se l na Historia litteraria da Frana; que na Edade mdia as
1 Acta SS. Mai, t. vI, p. 809. 2 L,on Gautier, Les Bpopes franaiscs, t I, p. 89. 3 Acta SS. Febr., p. 816.
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vidas dos Santos eram muitas vezes tratadas em verso: Outras vidas de Santos em versos provenaes parecem remontar ao seculo xI, como a de Santo Amandius bispo de Rodhez... (t. x x I I , p. 240.) No catalogo de uma bibliotheca monastica do sculo X I I , junto com o poema de Miles et Amiles: Milo unus, cuni S. Amcmdisvita metrice composita. 1 As relaes d'esta lenda agiologica com a Novella so importantes: Santo Amandio foge da casa de seus paes, e esconde-se na Ilha Ogia; no poema, Amadas tambem se ausenta da casa paterna, e na novella, refugia-se na Ilha da Penha pobre, aonde faz vida eremitica. As relaes entre o poema e a Novella so mais interessantes: tanto Amadis como Amadas servem na crte de um rei, por cuja filha Oriana ou Idoine se apaixonam, e para merecerem-na vo nobilitar-se pelas armas, correr aventuras, at receberem o gro de cavalleiros. N'este largo decurso de provas, os dois amantes do o exemplo de uma inquebrantavel fidelidade; depois de terem salvado as suas amantes de perigosos encantamentos, casam a final e herdam o reino do pae, que se oppozera a este enlace. Paulin Paris e Leon Gautier consideram como excepcional a transformao de uma lenda agiologica em uma Gesta heroica; no caso de Santo Amandius Gallesinus, bastava a sua muita popularidade, para esse nome entrar na corrente da idealisao cavalheiresca, como tan-
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tos nomes mythologicos e de personagens gregos e romanos, que serviram de thema a muitas Chansons d'histoire. Quando comearam a elaborar-se os Lais narrativos ou poemas sobre o Amadis? Pde determinar-se essa data por um processo negativo: de II70 a celebre Cano de Guerau de Cabrera, J que ennumera todos os poemas que andavam na transmisso oral, do cyclo Carlingio e da Tavola Redonda, da mythologia classica e da biblia, e entre essas preciosas referencias nada se encontra allusivo ao Amadis. Comtudo ahi se apontam Tristan e Lanceiot, que animariam o thema novo que ia ser elaborado em Lais narrativos. Nos fins do seculo X I I , que se espalham as Chansons de toile sobre o Amadis. 2. a Phase : Lais narrativos- No poema f rancez de Amadas et Ydoine refere-se a extenso immensa que as suas aventuras tinham na Europa, nos princpios do seculo X I I I , a que pertence esse poema:
Tout droitement par Alemaigne, Puis fait son tour parmi Bretaignc Espandtie est j por Bourgoigne De lui la haut renomm. Qu'il n'a dusqu' as pars 'Espagne Dont si grans est la renomme De lui par tuit le mont ale Que d' Angleterre jusqu' a Rome...
1 Publicou-a com valiosas notas interpretativas Mil y Fontanals, nos Trovadores en Bspana, p. 273 a 284. 20
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De facto, em todos estes pontos indicados no poema francez encontram-se vestgios da tradio poetica de Amadas. O poeta Maerlant, reformador da poesia neerlandeza, e falecido em 1291, faz uma referencia ao Amadis; l n'essa lingua andavam j os poemas de Tristan, e Lancelot, qu lhe serviam de modelo. Do seu conhecimento em Inglaterra, temos a cantilena de Sir Amadac:, do seculo x I v , e em Frana o Roman d'Amadas et Ydoonc, acabado de copiar por Joo de Mados. Foi grande a popularidade d'este thema, cujas Canes narrativas apparecem mencionadas em numerosos poemas da Edade mdia e em catalogos de eruditos. No Donat d:s Amants, vem citado o Amadis como o prototypo da fidelidade:
Que fist Didoum par Eneas, E Ydoine par Amadqs.
E no pequeno poema romanesco Gauti?r d'Anpais, na frma das Gestas, vem apontado; no poema de Gower, Confessio Amantis, (liv. v I , ) de que existiu uma traduco portugueza na Bibliotheca do rei D. Duarte:
Is fed with redynge of romance Of Idoytte and Amadas.
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p. 161.
2 Edio de 1842. Pertence, este poema ao seculo xIy, segundo o prof. Brandi. (Gundriss der germanischen Philologie, t. 11, p. 665.) No Archiv der romanischen Philologie, t. LXXXI, p. 141, vem um estudo do Dr. Hipp, mostrando que o poema do Sir Amadacc o thema oriental do Morto agradecido. O prof. Breuster traduziu-nos do velho inglez este poema, illegivel para quem no fosse um philologo.
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No manuscripto de Guido de Colnmna, Regimento de Prncipes, traduzido por Joo Garcia de Castroreges, por 1350, vem citado o Amadas, junto com Tristan e Cifar. No legado de Jean de Sares em 1365 ao capitulo de Clervaux, junto com os livros da Tavola Redonda vae tambem um Amadas. 1 Foi uma d'estas verses, que no seculo xvI Herberay des Essarts, ao traduzir do castelhano a novella de Montalvo, declara ter visto escripta em lngua picarda; Du Tressan, no seculo X V I I I , ao fazer o resumo da verso franceza, confessa tel-a encontrado na bibliotheca do Vaticano no fundo doado pela rainha Christina da Suecia. 2 Estas duas affirmaes ficaram provadas desde que veiu luz publicado por Hippeau, em 1863, o poema de Amadas et Ydoine. Publi-
1 Victor Leclerc, Histoire litteraire de la France, t. I. 3332 Durante uma assistencia de quatro mezes que o autor... fez em Roma, S. E. o Cardeal Querini honrou-o com a sua amisade c a Bibliotheca do Vaticano foi-lhe aberta... A' parte direita guarda-se a bibliotheca da celebre rainha Christina... Esta rainha altiva e instruda, tinha reunido durante a sua estada em Frana uma prodigiosa quantidade de antigas edies e de manuscriptos f rancezes. Foi alli que se lembra ter visto o Amadis de Gaula em uma antiquadssima linguagem, que Herberay caracterisa denominando-a langue picarde, fundado em que o dialecto picrdo ainda o mesmo dos romancistas do fim do reinado de Filippe Augusto e dos reinados de Luiz vIII e de S.
Luiz. (T. I, p. X X I I . )
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cado desde 1810 o poema de Sir Amadace, e conhecido o romance de Audefroi le Bastar, Belle Idoyne, que um episodio de Pleur et Blanchefleur reconhecia-se a necessidade de explicar por elles o processo formativo da novella em prosa do Amadis de Gaula. No seu discurso Bstado das Lcttras no seculo XIV, escrevia Leclerc: Quando o poema francez de Amadas, que em 1365 fazia parte dos livros de um conego de Langres, e que ainda subsiste, tiver sido vulgarisado, quando o poderem comparar ao Amadace inglez, quelle bravo, que os fragmentos publicados em 1840 e 1842, segundo differentes textos manuscriptos, concordam em represental-o como o mais brilhante modelo de lealdade, de bravura e de respeito cavalheiresco; quando principalmente se fizer uma ideia mais justa e mais completa da alluvio dos romances em prosa, que nos primeiros cento e cincoenta annos da imprensa, para corresponder, tanto em Hespanha como em Frana, ao enthusiasmo da moda, multiplicaram compita os nossos antigos poemas, alongando-os com digresses importunas, conversas alambicadas, com uma ampla brigada de gigantes, de fadas, encantadores, ser occasio ento de perguntar, se foi sem fundamento ou se com raso que o velho traducto francez do Amadis hespanhol, Herberay des Essarts, nos disse que descobrira alguns fragmentos escriptos mo em lngua picarda, e decidir se este romance de aventuras, cujo plano pouco se prestava aos embellecos do perfeito amor, por isso que comea por onde os outros acabam, nasceu em Portugal, em Hespanha ou em qualquer
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outra parte. O problema est- magistralmente posto, indicando Victor Leclerc ainda o espirito critico: Nos Amadises, os quaes so derivados dos Lancclot e dos Tristan, e nos quaes se tem querido vr o ideal do amor cavalheiresco, a bella Oriana concede tudo antes do tempo to esperado em que os imperadores e os reis ho de vir assistir s nupcias. (lb., p. 483.) D'este processo critico chega-se ao conhecimento que o thema do Amadis era generalisado na poesia medieval, na Europa no seculo xIII; e que entre esses poemas de toile, em lingua picarda, inglez e neerlandez, e a redaco castelhana do fim do seculo xv, houve uma elaborao intermediaria, em lingua portugueza nos comos do seculo x I v . Tendo-se operado no seculo X I I I a transformao dos poemas versificados para a frma novellesca em prosa, as analogias entre o Amadas et Idoinc e o Amadis de Gaula no devem procurar-se na frma mas nas situaes do thema tradicional : ambos so egualmente inspirados pelo mesmo sentimento da fidelidade no amor. Tanto Amadas como o Amadis servem na crte de um rei, por cuja filha Idoine ou Oriana se apaixonam, e para merecem-as vo ambos nobilitar-se nas armas para serem armados cavalleiros. E' durante as suas longas e arriscadas aventuras, que tanto o donzel como a filha do rei se mostram animados de uma absoluta fidelidade, terminando a aco pela posse merecida que sonhavam. Eis a situao que fez nascer esse amor, que pelo sentimento da fidelidade encantou a Edade mdia; o
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Duque de Borgonha dera um grande festim, e o Senescal n'esse dia veiu servil-o mesa como lhe competia; a seu lado ia-o ajudando seu filho A m a das, se no quando o duque mandou o Donzel servir sua filha Idoine.
Et Amadas devant son pre Devant son pre, la table ere, Ctti puis avint- maint aventure. Li dus 1'apela droiture, Le mes li commande porter Sa belle filie et presenter, *Qui tint une part sa feste. Com pucele haut geste. Li damoisiaz bien ensengnis, Comme courtois et afailis. De cest message se fist prest. ( T . 209 a 219.) En 1'esgarder de la pucede Li saut au cuer une estincelle. Qui de fine amor l'a espris ; J en est tos mas e souspris, Et entres en si grant effroi, Qu' il ne set nul conseil de soi; Ne set s'il a joie ou doleur Ou amertume, ou douceur; Ne set se il la vit ou non Par songe ou par avision... (V. 243 a 252.) 1
Agora a mesma situao com Amadis; apesar do seu alto nascimento, teve uma infncia obscura,
1 Amadas et Ydoine. Edio de Hippeau. Paris. 1863. No Zcitschrift far romanischc Philologie, vol. x i n , p. 85, vem mais 286 versos de 2 folhas de um pergaminho de Guettingue. Romania vol. x v i i r , p. 197. No Amadas et Ydoine encontra-se a primeira ideia da scena do tumulo, que faz o desenlace de Romeu e Julieta de Shakespeare. L. Cladat, UBpope courtoise (Hist. de la litt. fran. 1, 332.)
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e s pelo seu garbo e gentileza que foi tomado pelo rei Languins de Escossia para a sua crte. Foi na chegada de Oriana, vinda da Dinamarca, na festa que na sua crte lhe deu o rei Eanguins, que Amadis viu e se apaixonou pela filha do rei Lisuarte. L-se na novella: Amadis tinha ento doze annos, mas pelo seu corpo e pelos seus membros bem parecia ter quinze; servia a Rainha e era muito amacio d'ella e de todas as damas e donzellas; mas logo que alli chegou Oriana, filha do rei Lisuarte, a rainha deu-lhe o donzel do mar para a servir, dizendo: Amiga, eis aqui um garo que vos servir. Ella respondeu: que do seu agrado era. Esta palavra penetrou de tal forma o corao do donzel, que d'alli em diante nunca mais lhe sahiu da lembrana. E nunca, como esta historia o contar, em dias de sua vida se enfadou de a servir, e seu corao lhe foi sempre dedicado, e este amor durou tanto quanto ambos viveram. T Nas redaces em prosa, que se succederam tanto pela corrente cyclica como peto gosto do tempo, os innumeros episodios, as historias genealgicas e os longos discursos, fazem esquecer o simples trama, no deixando determinar as relaes com o texto poetico originario d'onde proveiu. 3. a Phase : Novella cyclica em prosa. No seculo xIv encontram-se nos poetas hespanhoes numerosas referencias novella do Amadis, e este nome torna-se um symbolo e uma designao sym-
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pathica. O rei D. Joo I, de Castella, poz a dois dos seus ces os nomes de Ogier e de Amadis; I e symbolsando a fidelidade instinctiva do co com este nome representado nos monumentos sepulchraes. Don Aurelian Fernandez Guerra descobriu em um sepulchro da egreja da Universidade de Sevilha, onde est representado um cavalleiro estendido com os ps encostados a um co, um signal da vasta popularidade do Amadis em Hespanha; o cavalleiro representa D. Lorenzo Soares de Figneira, av do Marquez de Santillana, que fra Mestre de Sauthiago e servira nas armas sob Henrique I I I , D. Joo I e II e faleceu em 1409; tem aos ps o co com o nome de Amadis, duas vezes inscripto na colleira. 2 Era esta mesma predileco que fazia, como conta Pablo de Cspedes, que o Amadis fosse o assumpto de muitas telas pintadas no seculo xv. No Nobilirio do Conde D. Pedro, bastardo do rei D. Diniz, o nome de Oriana j apparece muito usado na fidalguia portugueza, como prova histrica da influencia do Amadis em Portugal no principio do seculo x I v . O descobrimento da Cano de Leonoreta pelo trovador Joo Lobeira, que foi intercalada na redaco castelhana, fundamenta a realidade historica de uma primeira redaco portugueza em prosa na crte de D. Diniz, como o affirmara Miguel Leite Ferreira, dando noticia
1 Mil y Fontanals, Trovadores en Espana, p. 501. not. 6. 2 Amador de los Rios, Scvilla Pintoresca, p. 236.
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do texto portuguez na casa do Duque de Aveiro: na linguagem que se costumava neste reyno em tempo del Rcy D. Dinis, que he a mesma em que foi composta a historia de Amadis de Gania cujo original anda na Casa de Aveiro. Ha ainda um outro facto, que leva a precisar esta primeira redaco portugueza, que constava apenas de tres livros, como o declara o poeta do Cancioneiro de Baena, Pero Ferrs, que em 1379 escrevera um Dizer morte de Enrique I I . I.a Redaco portugueza (de Joo Lobeira). Montalvo, explicando o movei da sua paraphrase castelhana do Amadis de Gaida, falia de los antiguos originales que estaban corruptos y compuestos en antiguo estilo por falta de los differentes escriptores... Logo adiante confirma a existncia de um texto do Amadis em tres livros, como revelara Pero Ferrs: E' yo esto considerando, y deseando que de mi alguna sombra de memoria quedasse, no me atreviendo poner mi flaco ingenio en aquello que los mas cuerdos sabios se ocuparan, quiselo juntar con estes postrimeros que las cosas mas livianas y de menor sustancia escribieron, por ser el, segun su flaqueza, mas conformes, corrigiendo estes tres libras de Amadis, que por falta de los maios escriptores componedorcs muy corruptos viciosos se leian... y trasladando y emendando el libro cuarto... que hasta aqui no es memoria de ninguno ser visto, etc. Authenticada essa primeira redaco em tres livros, que eram entremeados de Canes maneira das Novellas da Materia de Bretanha, o trovador do Lai de Leonoreta, Joo Lobeira, pae de Vasco
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de Lobeira como se sabe pelo seu testamento de 1386, torna-se assim o auctor do texto em prosa do Amadis. Do estado do episodio de Leonoreta na redaco castelhana, D. Carolina Michaelis tira uma concluso: O episodio muito secundario. Mas por ventura teria mais desenvolvimento na redaco primitiva, cuja perda obriga a tantas conjecturas e discusses. (Lais de Bret., p. 26.) O que se deu com este episodio, tornou-se mais patente com o episodio da princeza Briolanja; na logica da aco, Amadis para no quebrar a lealdade que sustentava pela princeza Oriana, tinha de no acceder ternura de Briolanja, que se lhe entregara por gratido. Isto determinou uma remodelao da novella, por determinao do Infante D. Affonso de Portugal. No texto castelhano de Montalvo ficou intercalada uma sigla com essa declarao interessante. E' uma ntula, que encerra um poderoso argumento historico para authenticar a origem portugueza do Amadis de Gaula: aunque el senor Infante Don Alfonso de Portugal, habiendo piedad d'esta fermosa donzella (Briolanja) de outra guisa lo mandase poner. Bn esto hiso Io que su merc fu, mas no aquello que en effecto de sus amores se esribia. Este Infante D. Affonso de Portugal, que mandou modificar o episodio era o herdeiro do throno de Dom Diniz, que teve muito cedo casa apartada (1297), e que dizia, segundo a Chronica de Nunes de Leo:
Para amores e revezes Ningum melhor que os portuguezes.
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Na edio dos Poemas lusitanos do Dr. Antonio Ferreira, seu filho affirma que esse infante de Portugal era effectivamente o successor do rei D. Diniz. De Puymaigre, reconheceu que a alluso era a um princepe que foi rei sob o nome de Affonso Iv, e que nasceu em Coimbra em 1290. Este infante devia contar vinte annos em 1310, e estava em edade de poder interessar-se pela Briolanja. r O princepe D. Affonso veiu a reinar em 1325; por tanto desde 1304, entrado na puberdade, podia ter compaixo da formosa donzella, e mandar fazer o retoque na Novella. Podia muito bem Joo Lobeira ir escrevendo os cadernos do Amadis,,da mesma frma que fez Joo de Barros com a novella do Clarimundo, escripta aos cadernos para comprazer com o princepe que foi rei com o nome de D. Joo I I I . D'aqui se infere que j em 1367 podia o Chanceller Pero Lopez de Ayala citar o Amadis no seu Rimado de Palacio, mesmo como reminiscencia da sua mocidade, (1355) sem comtudo dar-se esse anachronismo imaginado por D. Pascoal de Gayangos. . No reinado de D. Affonso IV apagou-se o interesse pelo lyrismo trobadoresco; quanto elle seguia o espirito cavalheiresco das Novellas, que dominavam no gosto, v-se no modo desinteressado como procedeu na batalha do Salado. O seu caracter va1 Vienx Auteurs castillans, II, 183; corrige o erro intencional de D. Pascoal de Gayangos, pretendendo invalidar a ntula com dizer gratuitamente que j era conhecido em Hespanha o Amadis em 1359, e que D. Affonso de Portugal ainda no era nascido em 1370! (Libros de Caballerias, p. X X I I I . )
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ronil e forte, quando infante, andando sempre em lucta contra seu pae, revela-se na emenda que mandou fazer em contrario do que dos amores de Briolanja se escrevia: onde Amadis recusava a offerta do seu corpo excusando-se com muitas lagrimas choradas por Oriana, manda que lhe faa dois filhos de um s ventre! Amador de los Rios, deduz d'esta modificao ter existido uma redaco anterior e mais pura: E' pois evidente que Montalvo conheceu uma redaco em que interviera D. Affonso de Portugal, por ventura a attribuida a Lobeira; porm tambem parece ter tido noticia de outra, em que se conservava mais fielmente o caracter cavalleiresco do Amadis, que reconhecia por base capital a fidelidade dos seus amores por Oriana; pois s com este conhecimento podia rejeitar como contradictorio, superfluo e vo, o episodio dos amores da donzella Briolanja, introduzido na verso portugueza. 1 Esta primeira redaco tinha a singeleza da ingenuidade; a aco no era compHcada, seguindo directamente para o seu natural desenlace, subordinada aos modelos conhecidos da crte de D. Diniz, os poemas de Piores e Brancaflor, e de Tristan; notou Amador de los Rios esta feio, destacando-a da redaco ulterior: A ideia geradora do Amadis a fidelidade do amor que se professam por toda a vida os amantes, fidelidade que serve de purificao e de talisman para vencer todos os obstaculos e encantamentos, como
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acontece na Ilha Firme; esta ideia levada assim ao extremo, deriva indubitavelmente da historia de Trislan, e por ventura com mais exactido de Flores c Brancaflor, espelhos de enamorados; e to clara a semelhana, que no ha poeta do seculo xIv que ao louvar a constancia e verdadeira ternura de amor, deixe de citar egualmente, como modelos aquelles formosssimos pares. Por estes caracteres separa Amador de los Rios os tres livros do Amadis como pertencendo a uma primeira redaco: A singeleza, a excessiva candura e infantil credulidade que se revela na narrao dos maravilhosos impossveis que n'ella se accumulam, a ingenuidade nativa das descripes, e o vigoroso e s vezes aprazvel colorido que anima "a suas romanescas scenas... o sabor archaico dos meios expositivos, da dico e da phrase, especialmente nos tres primeiros livros, bastante differentes n'este ponto do ultimo, que no seria extranho a Garci Ordofiez de Montalvo a antiga Historia de Amadis, conhecida e com tanta frequencia mencionada pelos mais notaveis poetas da segunda metade do seculo x I v . O poeta Pero Ferrs, em um Dizer dirigido a Pero Lopez de Ayala, allegando-lhe o exemplo do cavalleiro Amadis na resistencia resignada, falia nos tres livros da celebrada novejla:
Amadis, el muy fermoso, las lluvias y las ventiscas nunca las fallo ariscas 1 Historia crit. de la Lit. espanola, t. v, p. 85, nota. 2 Ibid., t. v, p. 94
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por leal ser famoso: sus proezas fallaredes cn tres libros, e diredes que le Dios de santo poso. (Canc. Baeua, i, p, 322.)
Alm da redaco das proezas do Amadis em tres livros, aqui authenticada, tambem se infere pelo Dizer do Pero Ferrs, que a aco do Amadis de Gania no estava terminada, andando o posta: Que le Dios de santo poso. Como observa Amador de los Rios, a situao achava-se no resgate de Oriana do poder dos Romanos, sendo entregue por Lisuarte a Amadis, que vae a caminho da Ilha Firme esperar o termo d'aqueila aventura: de maneira que estava muito distanciado Amadis do santo repouso, a que Ferrs alludia. (Ih., p. 93, not.) A materia dos tres livros primitivos acha-se tambem destacando pela sua unidade esta primeira redaco da Novella. Reconhece Amador de los Rios, que Amadis, Galaor, Florestan, com o intimo Agrajes, revelam uma impresso da Gesta dos Quatro Filhos d'Aymon, formando uma trama principal: Na historia dos tres paladinos de Gaula cuja unidade assenta principalmente n'aquelle lao do sangue (os tres filhos do rei Perion) liga-se de Agrajes modelo de fidelidade quelles tres irmos votados gloria da famlia por um proximo parentesco. Estes quatro personagens nos quaes insiste a aco da Novella, pertenceram primeira redaco como bases indispensaveis da mesma. (Op. cit, p. 85.) E ainda discrimina os tres livros do Amadis de Gaula, pela confisso do proprio Montalvo, que
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diz que os corrigiu e emendou, e declarando ter traduzido o quarto livro. V-se d'aqui que ainda se no tinha entrado na grande elaborao cyclica, encadeando episodios colhidos das variadas Novellas, para complicar as aventuras cavalheirescas; essa phase litteraria que determinou a remodelao e ampliao do quarto Livro do Amadis de Gaula. 2. Redaco portuguesa (Vasco de Lobeira.) Seute-se atravs das ingenuas narrativas um prurido de apropriao e de referencias s novellas do grande cyclo da Tavola Redonda. Observa Amador de los Rios este caracter que a Novella appresenta principalmente no quarto livro do Amadis: as citaes e allusoes expressas que encontramos no Amadis, taes como as que se referem ao Santo Graal, a Tristo e Lanceiot, contidas no quarto livro, accrescentado... d-nos o auctor conhecimento desde as primeiras paginas, de que era familiar da historia = do muy virtuoso Rei Arthur, que foi o melhor rei dos que alli (em Bretanha) reinaram = reflectindo-se no pensamento e composio de toda a obra o mesmo conhecimento dos outros livros cavalheirescos. A crte do Rei Lisuarte remodelada segundo a do bom Rei Arthur; Archelo, o maligno Encantador como Tablante de Ricamonte no poema de Jofre y Brunesinda; o episodio de Briolamja mui semelhante ao da rainha Conduiramor no Percival, J
1 L-se na Romania, vol. VII, p. 151, dando conta da critica allem: "O episodio de Briolanja tomado do romance francez de Agravain?
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assim como o reconhecimento de Amadis e Galaor egual ao de Feravis e Percival. (Ib., p. 86.) Era este o processo cyclico, que foi geral na litteratura novellesca, a que pertence a elaborao determinada pela alterao dos amores de Briolanja, feita por Vasco de Lobeira no esbo de seu pae. Foi este texto o que Montalvo conheceu e ampliou no fim do seculo xv, notando a sua incongruencia, condemnando-o como alheio ao plano da Novella: Todo lo que mas desto en este libro primero se dice de los amores de Amadis y d'esta hermosa reyna (Briolanja) fu acrecentado, como ya se os dijo; por esso, como superfluo c vano se dejar de recontar, pues no hace ai caso; antes esto no verdadero contradiria danaria lo que cou mas razon esta grande historia adelante contar. (Libr. de Caball., p. 103.) Como que Montalvo poderia condemnar este episodio de Briolanja, expungil-o, e ao mesmo tempo prometter desenvolvel-o no quarto livro, como declara: Esto lleva mas rason de ser creida, porque esta fremosa reyna (Briolanja) casada fu con Galaor, como el quarto libro lo cuenta.? Como que*o rhetorico Montalvo podia reprovar este episodio e tornar a alludir a elle no fim do livro segundo, na scena em que Oriana e Briolanja conversam cerca de Amadis, e em que esta lhe d conta como teve d'elle dois filhos ? D'aqui se v que Montalvo no pde apagar completamente na sua redaco castelhana o caracter do antigo texto portuguez, que os poetas do Cancioneiro de Baena conheceram nos primeiros annos do seculo xv, na frma que lhe deu Vasco de Lobeira. Transparecendo atra-
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vs d'estas contradices, Montalvo, preoccupado com a amplificao rhetorica, to caracteristica do fim do seculo xv, no comprehendeu o nexo entre a mesma situao, do primeiro e do segundo livro. Braunfels n'um pretendido Estudo critico sobre o Amadis de Gaula, (Leipzig 1876) para negar a origem portugueza d'esta novella, diz que no achou no fim do livro segundo a situao da confisso dos amores de Briolanja, de que nasceram os dois filhos. Mas l est o sentido, implcito n'estas palavras: Assi estuvieron ambas de consu110 con mucho plazer hablando en las cosas que mas le agradaban, contando Briolanja entre otras cosas por mas principal lo que Amadis per ella feciera, como le amaba de coraon. O que Briolanja contou era de natureza que exigia um inviolvel segredo: Mas quiero que vejais lo que en esto me acontecio, guardadlo en puridad, como tal seora guardalo debe; que yo lo acometi esto que agora dejistes, prob de lo haber pera mi en casamiento, de que sempre -me occurrc verguensa citando la memoria me torna. (Ed. Rib., p. 151.) Que segredo era este, e que motivo de vergonha tinha Briolanja ao reconhecer que Amadis pela sua fidelidade a Oriana a no quiz desposar, se no o facto de haver o cavalleiro accedido aos desejos d'ella, de que resultaram dois filhos. \ refutao de Braunfels capciosa, por que cingindo-se materialmente letra, exime-se intelligencia do texto. O episodio de Briolanja, impressionando os poetas do seculo x v I , em Portugal, deu azo a que se conservasse uma positiva affirmao historica
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da origem portugueza do Amadis de Gaula. O Dr. Antonio Ferreira, tendo comeado a coordenar os seus Sonetos em 1557 na colleco intitulada Poemas lusitanos, no Soneto 34 do I. livro escripto em linguagem antiga, trata da anecdota dos amores de Briolanja:
Bom Vasco de Lobeira e de gram sen De pram que vs avedes bem tratado O feito de Amadis, o namorado Sem quedar ende per contar hi rem
O nome de Vasco de Lobeira, como auctor do Amadis de Gaula apparece pela primeira vez citado por Azurara, na Chronica do Conde D. Pedro de Menezes, que ficou indita at 1792; e tambem nas Antiguidades de Antre Douro e Minho pelo Dr. Joo de Barros, que ainda esto ineditas; por tanto o Dr. Antonio Ferreira leu o texto portuguez. Pela sua morte na peste grande de 1569. ficaram os Poemas lusitanos ineditos at 1598, em que seu filho Miguel Leite Ferreira lhes deu publicidade. No verso do frontispcio, entre algumas linhas de erratas, accrescentou o filho do poeta esta explicao: ((Os dous Sonetos, que vo a fl. 24 fez meu pae na linguagem que se costumava neste reyno em tempo del R,ey D. Dinis, que he a mesma em que foi composta a historia de AMADIS DE GAULA por Vasco de Lobeira, natural da cidade do Porto, cujo original anda na Casa de Aveiro. Divulgaram-se em nome do Infante D. Affonso, filho primogenito del Rey D. Diniz, por quam mal este princepe recebera (como se v
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da mesma historia) ser a fermosa Briolanja em seus amores maltratada. A importancia d'este documento capital. O pae do poeta quinhentista, Martim Ferreira, era vdor da fazenda de Dom Jorge, Duque de Coimbra, cujo titulo fra mudado pelo rei D. Manoel para o de Duque de Aveiro. Era facil ao poeta vr esse manuscripto do Amadis original, conservado na Casa de Aveiro; o Dr. Antonio Ferreira era amigo intimo do Duque, para ter facil accesso sua livraria; bastava o herdeiro do duque ser tambem poeta, como se v pelos Poemas lusitanos, para se communicarem estas amenidades litterarias. Na Ode I I I , na Ecloga X I I , na Carta v e Ix, v-se quo intimo amigo foi o Dr. Antonio Ferreira de D. Joo de Lencastre, filho do Duque de Aveiro; o seu poema de Santa Comba dos Valies dedicado a D. Jorge, Marquez de Torres Novas e a seu irmo D. Diniz, filhos do velho Duque. Viviam era perfeita communho intellectual; isto justifica como Miguel Leite Ferreira, sempre estimado na Casa de Aveiro podia, ainda em 1598, affirmar de visu que o original do Amadis andava na Casa de Aveiro. Contra este documento positivo, D. Pascual de Gayangos no seu Discurso sobre as Novellas de Cavalleria, para refutar a origem portugueza s teve um meio a negao da existencia da nota de Miguel Leite Ferreira no exemplar dos Poemas lusitanos de 1598! Demais, D. Nicolo Antonio, (em 1684) na sua Bibliotlieca, referindo-se ao original conservado na Casa de Aveiro, confessa ter visto a nota dos Poemas lusitanos: Hujus autographum nsita-
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num extare penes Dynastas Aveirenses notatum inveni in quadam notula, quae post Antonii Ferreira; Lusitani poete opera edita est. ' Como refuta Gayangos a auctoridade do celebre bibliographo ? Considerando a affirmativa como alludindo a uma sigla manuscripta de um qualquer curioso! Eis as proprias palavras, que sero sempre uma vergonha contra o criterio de Gayangos: La nota attribuida al hijo de Ferreira, con que se pretende probar la existencia dei manuscripto original en el palacio de los Duques de Aveiro, y la que se asegura puso igualmente ai Soneto relativo ai incidente de Briolanja no se hallan en la edicion de 1598, unica antigua que se conoce de los Poemas lusitanos. Ahadidas posteriormente en la reimpresion de los Poemas hecha en 1772, son obra de Editor moderno y no dei hijo de Ferreira. El testimonio queda pues, reducido la simples asercion de Don Nicolas Antonio, quien sin duda vi algun ejemplar con una nota marginal y manuscripta de lector ocioso y autor desconocido, puesto que, ser hijo de Ferreira, este la hubiese intercalado en el texto impresso. No ha n'isto s a impudencia da m f, ha tambem a ignorancia voluntaria: Gayangos imaginou duas notas, e ao mesmo tempo que uma d'ellas devia estar junto dos Sonetos archaicos, e 'que a outra era manuscripta escripta margem por um curioso. Isto que elle inventa, o que refuta, com um argumento da inintelligencia do
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prologo escripto pelo erudito academico Pedro Jos da Fonseca edio dos Poemas lusitanos de 1772. onde no seu estudo biographico transcreve as linhas das erratas do exemplar de 1598 com a informao historica do filho do Dr. Antonio Ferreira. : O documento mais antigo que cita o nome de Vasco de Lobcira como auctor do Amadis de Gania, de 1454, a Chronica do Conde D. Pedro de Menezes (cap. 63) escripta pelo chronista do reyno Gomes Eannes de Azurara. Eis o texto authentico: Estas cousas, diz o Commentador, que primeiramente esta Istoria ajuntou e escreveo, vo assy escriptas pela mais ch maneira que elle pde, ainda (que muitas leixou, de que se outros feitos menores que aquestos poderam fornecer...; ou seja que muitos auctores cubiosos de alargar suas obras, forneciam seus livros relatando tempos que os Princepes passavam em convites, e assy festas e jogos, e tempos alegres, de que se nom seguia outra cousa se nom a deleitaam d'elles mesmos assi como sam os primeiros feitos de Ingraterra que se chamava Gram Bretanha, e assi o L I V R O D ' A MADIS, como que smente este fosse feito a prazer de um homem que se chamava Vasco de Lo-
1 A bronca comprehenso de D. Pascual de Gayangos deu a seguirtte concluso logica de Amador de los R i o s : 'pro como observa Don Pascual de Gayangos, no existiendo la dcha nota en la edicion de 1598, y hallandose en Ia reimpression hecha en 1772, hay razon para creer que fu posta despus y carece por tanto de la autoridad que se le ha attribuido." Hist. crit. de la Litteratura espanola, t. v, P. 8.1
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beira, em tempo d'El Rei Don Fernando, sendo todalas cousas do dito Livro fingidas do Auctor... I Azurara referia-se ao grande Cyclo Arthuriano, quasi todo conhecido pelos exemplares guardadas na Bibliotheca do rei D. Duarte, e ao texto unico do Amadis de Gaula, que devera existir na Livraria de D. Affonso v, de quem o chro-
I Braunfels, no Kritischcr Versuch uber dcn Roman Amadis von Gallieit. pretendeu invalidar o texto de Azurara, esforando-se com subtilezas para provar que esta parte do capitulo 63 cm que Azurara se refere ao Livro Ac Amadis interpolada e apocrypha ! E o critico D. Juan Valera, como bom castelhano acceita como ouro de lei esse lato germanico: <(E1 principal esfuerzo y trabajo dei Dr. Braunfels tira a demonstrar que todo el passaje parrafo que dicha noticia era includa fue nota marginal en algun Cdice de Zurara, interpolada luego adrede, per descuido en el texto de la obra." (La Academia, vol. II, p. 34.) Braunfels desconhece a historia externa do texto da Chronica do Conde -D. Pedro de Menezes, que a Academia real ilas Scieilcias imprimiu em 1792 no seu estado authentico, sem interpolaes, e em uma epoca em que o Amadis de Gaula estava totalmente esquecido. Braunfels tambm ignora, que Azurara escrevendo essa hronica se serviu de memorias particulares, a que segundo a erudio do seculo xv se chamavam Commentarios. Assim as phrases: "Estas cousas diz o Commentador, que primeiramente esta historia ajuntou... 9 querem dizer, que servindo-se Azurara de memorias particulares, quando trata das qualidades domesticas do Conde D. Pedro de Menezes, pouco encontrou, porque esses Commentarios estavam escriptos de uma maneira ch, narrando apenas feitos gloriosos no se occupando com as descripes de festins e outras sumptuosidades principescas. Braunfels imaginou que Commentador significa um annotador ou glosador de um texto definitivo, e por isso julgou invalidar o texto de Azurara pela phantastica fuso com um glossa! Eemke considera como um grave erro de Braunfels a negao da existencia de um texto portuguez do Amadis. (Romania, vol. vi, p. 475.)
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nista era bibliothecario; l e infere-se isto, por que o original da Novella veiu posse da Casa de Aveiro, do Duque D. Jorge de Lencastre, bastardo de D. Joo II, ao qual foi dedicado um dos ramos cyclicos do Amadis de Gaula, intitulado Lisuarte de Grecia. Ha no testemunho de Azurara um dado chronologico, quando diz que Vasco de Lobeira florescera ((em tempo del Rey Dom Fernando. Precisa perfeitamente a epoca de 1367 a 1383, em completa concordancia com a sua filiao do trovador Joo Lobeira, e em condies de transformar e ampliar o plano da Novella cyclicamente; e concilia-se admiravelmente com o que escreve Duarte Nunes de Leo trazendo o nome de Vasco de Lobeira na lista dos que foram feitos cavalleiros depois da batalha de Aljubarrota em 1384. Fixada essa epoca por Azurara, temos tambem restituda a comprehenso historica das referencias Novella do Amadis de Gaula pelos poetas hespanhoes do fim do seculo x I v . Comecemos pelo Chanceller Pero Lopez de Ayala, que esteve prisioneiro em Portugal com os vencidos de Aljubarrota; refere elle, no seu Rimado de Palacio, escripto no seu desterro em Inglaterra em 1367, que o deliciava na sua mocidade :
oyr muchas vegadas Libros de devaneos et mentiras probadas, Amadis, Lanarote et burlas assacadas...
1 O insigne cosmographo Visconde de Santarem considerou que todas as obras citadas por Azurara nas suas Chronicas pertenciam Livraria real, de que elle era bibliothecario.
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A sua mocidade coincide com a epoca em que o lyrismo trobadoresco estava destitudo pela paixo das Novellas de aventuras; e n'esta transformao litteraria ainda a lingua portugueza era cultivada em Castella, podendo ser lido o Livro de Amadis, na redaco de Joo Lobeira ou na remodelao de seu filho Vasco de Lobeira, desde 1360, em que Ayala j toma parte nos disturbios de Castella. A Pero Lopez de Ayala se dirigiu o poeta Pero Perrs. apontando-lhe a abnegao de Amadis, como se conta nos tres livros das suas proezas. Mas este poeta, alludia nos seus versos s faanhas de Enrique II e as suas victorias em Portugal sobre el-rei D. Fernando:
No dex per lavajal de llegar hasta Lisbona, onrr. la sua corona trs veces en Portugal. (Canc Baena, I, 323.)
Referia-se Pero Perrs morte de Enrique II em 1379, e por tanto a sua poesia ao Chanceller Ayala morto em 1407, precisa-nos bem quando fui escripta. Por tanto a alluso ao Amadis entre 1379 e 1407, concorda plenamente com a epoca da vulgarisao da Novella portugueza em Hespanha. Gayangos servindo-se das referencias d'esses trovadores do Cancioneiro de Baena, fra a verdade recuando a data das suas composies, que mais simples leitura se verifica que foram escriptas depois de 1406. Julgava
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Na rubrica que acompanha esta poesia l-se a sua data de 1406: Este Dezir fizo fray Miguel de la Orden de Sant Jeronymo, capellan de onrrado obispo de Segovia Don Juan de Tordesyllas, quando fin el dicho senor rey Don Enrique en Toledo...)) Em uma poesia de Affonso Alvares de Villasandino, em uma rubrica determina com rigor esta data do Dizer de Fray Miguel: quando el dicho senor rey don Enrryque fino en Toledo, el domingo de navidat l dei ano de mil e quatro cientos syete.)) (Ib., 1, p. 38.) O trovador Micer Francisco Imperial, cantando o nascimento de D. Juan I T , desejava-lhe mais felizes amores:
Que los de Paris et los de Vyana, Et de Amadis et los de Oriana Kt que los rle Blancaflor et Flores. (Canc. Baena, 1, 204.)
A rubrica inicial que acompanha esta poesia declara que fra escripta em 1405. Este Decir fizo orden micer Francisco Imperial... al nas1 Como o anno novo se contava da noite de natal em diante, conclue-se que o rei Henrique 111 morreu ainda em 1406.
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cimiento de nostro senor el rey Don Juan, quando nasci en la cuidat de Toro, ano de MCCCCV0... Por occasio d'este nascimento, a rainha D. Caterina mandou fazer um torneio em Valladolid, e n'elle entraram alguns cavalleiros portuguezes, como se v por este Dizer de Ferrant Manoel de Lando:
De dentro de Portugal vino un noWe cavallero Fernando Portocarrero...
Estas communicaes indicam como as Novellas portuguezas passavam a Castella. No Mar de Historias de Fernan Perez de Gusman, apontase a Demanda do Santo Graal como no estando ainda em castelhano: Esta historia non se falia en latiu, sinon en frances, dizese que algunos nobles la escrivieron. (Cap. x c v I . ) N'este fim do seculo xIv j se achava paraphraseada em portuguez a Demanda do Santo Graal, achada em Viena ao fim de cinco seculos da ruina do nosso grande espolio medivico. Em outra passagem de Micer Imperial refere-se aos elementos generativos do Amadis:
Et otrosy de Tristan Que fenesci por amores, De Amadis, et Blanca et Flores...
O poeta Villasandino aponta o rei Lisuarte, pae de Oriana, como o espelho de cavalleiros:
si le complc sufrir Fasta que el grant Lisuarte Se faga rey le farte.
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Ainda se encontra uma outra referencia a um personagem da Novella de Amadis; em um Dizer de Ferrant Manoel de Latido declarando a la dicha coronacion en Saragoa: (1414.)
Pues que tengo otro-sentir quiso ser con gran razon el segundo Mocandon...
Como se l pela lista dos Cavalleiros armados em Aljubarrota, em que Vasco de Lobeira figura sendo j muito velho, quiz-se vr no personagem de Mocandon armado cavalleiro em provecta edade, uma representao do novellista a si proprio; as noticias biographicas apontam a sua morte por 1403. O trabalho de Vasco de Lobeira no ficara terminado 110 quarto livro do Amadis de Gaula; alii, quando Amadis gosava os seus amores na Ilha Firme com Oriana e seu filho Esplandian, chega a noticia da terrivel aventura do Rei Lisuarte ter cahido debaixo do poder do Encantador Archelaus. Os amigos e alliados que vo Ilha Firme levar a sinistra nova offerecem-se a Oriana para lhe irem libertar o rei seu pae; mas Esplandian armado cavalleiro para ir iniciar as suas emprezas heroicas pelo resgate do seu av. V-se que o quarto livro no continha o quadro completo da Novella, promettendo o auctor continuar essas faanhas alludindo s aventuras de Leonorina, filha do Imperador da Grecia. Por certo a novella ficou interrompida no quarto livro pelo falecimento de Vasco de Lobeira em 1403. Gayangos e Vedia, nas notas sua traduco
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da Historia da Litteratura hespanhola de Ticknor, escrevem: ha rasoes muito poderosas para crr que o quarto livro foi accrescentado posteriormente obra, se no pelo mesmo Montalvo, ao menos por algum escnptor cujos originaes vieram a parar s mos d'este. (Op. cit, t. I, p. 520.) Reconhecem as differenas: o caracter e assumpto do quarto livro, no nosso modo de vr, mui diverso dos tres livros primeiros, embora n'elle se pinte Amadis mais como um rei sabio governando com justia os seus estados e recebendo embaixadas dos outros reis, do que um cavalleiro andante. (Ib.) Tambem Ticknor reconheceu no quarto livro do Amadis um facto, que lhe serve de differenciao: lamenta-se o auctor no quarto livro, capitulo 53, das perturbaes sociaes que se estavam passando. Observa o historiador americano, que esta circumstancia no podia referir-se ao reinado dos reis catholicos Fernando e Isabel; (Hist. litt. csp., t. 1, p. 239) e effectivamente essas prolongadas perturbaes deram-se entre o rei D. Diniz e seu filho o princepe D. Affonso; entre este quando rei com seu filho Dom Pedro I, cujo reinado foi de incertezas e violencias; e ainda os tempos de D. Fernando em lucta com Enrique <le Trastamara, at a revoluo de Lisboa e batalha de Aljubarrota, em que Vasco de Lobeira tomara parte. E esta alluso vem revelar-nos essa fcula tenebrosa, que decorre do fim do reinado de D. Affonso Iv at ao de D. Joo II, de uma esterilidade na litteratura portugueza. 3.a Terceira redaco portugueza (Pedro Lobeira.) Sem alterar o plano fundamental da no-
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vella, o conhecimento de outras composies cavalheirescas obrigava a incorporar-lhe os surprehendentes episodios que mais suscitavam a imaginao. Montalvo no prologo da sua paraphrase castelhana falia de los antigtuos originales... de los differentes >escriptores... Isto leva a considerar essa tradio conservada por Jorge Cardoso, no Agiologio lusitano (t. I, 410) de que o Infante D. Pedro, o que correu as Sete partidas do mundo, pedira a Pedro Lobeira, escrivo em Elvas, para fazer algumas modificaes no Amadis de Gania. : Pde a tradio ser rejeitada como facto concreto, mas certo que na crte de D. Joo I foram conhecidas as novellas inglezas como o revela a Confisso do Amante de Gower, traduzida para portuguez por Roberto Payno, e que foi parar Bibliotheca do Escurial; e essas fontes at ahi ignoradas vieram avivar os estmulos esgotados das Novellas francezas, taes como as Viagens de San Brendan, que Azurara cita na Chronica da Conquista da Guin como aproveitadas pelos nossos primeiros navegadores; a ilha encantada de Barontus, as prophecias do sbio Mcrlin, ou as Fabulas de Ysopct 11 de Walter o Inglez. Houve uma
1 Sc ha algum fundamento na interpretao do Amadis de Gaula, achando ahi alluses s luctas dos Plantagenetas e morte do arcebispo Thomaz de Cantorbery, em que oceupara Jos Gomes Monteiro os seus processos comparativos, seria esta parte da historia da Inglaterra introduzida n'esta terceira redaco portugueza da novella pelo influxo do Infante D. Pedro. Bernardo Tasso, que traduziu o Amadis de Gaula da redaco castelhana, considerava-o de origem ingleza.
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recrudescencia de enthuziasmo cavalheiresco na crte de D. Joo I. As tradies britonicas conservadas at ao seculo X I I no seu confinamento insular, estimulo d'essa raa vencida contra a raa invasora dos Saxes, tinham-se diffundido na Europa por via do successo historico do triumpho dos Normandos sobre os Saxes odiados; esta corrente, veiu reflexamente acordar as tradies da Bretanha continental, combatida tambem pela intolerancia dos dogmas catholicos, fortificando-se pelo enthuziasmo das lendas insulares. A redaco litteraria de Robert Wace, no Roman de Brut, suppriu a transmisso oral, sendo lido na vida sedentaria das crtes com a predileco crescente que ia faltando s Gestas Carlingias. A importancia social da mulher, exaltada pelo lyrismo trobadoresco, radicava o interesse pelas novellas de aventuras da Tavola Redonda, servindo de elemento historico para a redaco synthetica das Chronicas e para as hallucinaes religiosas do cyclo da Cavalleria celeste da Demanda do Santo Graal. Na poca de D. Joo I. Portugal luctando pela sua independencia era uma pequena Bretanha sob a ameaa do invasor; era o enthuziasmo cavalheiresco o que multiplicava o valor dos que formavam a Ala dos Namorados e a phalange dos Cavalleiros da Madre Silva, e a imitao das virtudes do cavalleiro parthenio, que levava o Condestavel D. Nuno Alvares Pereira a imitar a virgindade de Galaaz, como relata a sua Chronica anonyma. Ferno Lopes, na Chronica de Dom Joo I, cita esta significativa anecdota passada entre o
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monarcha e os seus cavalleiros no crco de Coria: Gram mingoa nos fizeram hoje este dia os boos cavalleiros da Tavola Redonda, c certamente elles foram, ns tomaramos este logar. Estas palavras nom pode ouvir com pacincia Mem Rodrigues de Vasconcellos, que logo nom respondesse e disse : Senhor, nom fizeram aqui mingoa os Cavalleiros da Tavola Redonda; que aqui est Mem Vasques da Cunha que tam bom como Dom Galaaz, e Gonalo Vasques Coutinho, que tam bom como Dom Tristam; e ex aqui Johan Fernandes Pacheco, que he tam bom como Lanarote; (e de outros que viu estar cerca;) e exme eu aqui, que valho tanto como Dom Quea; assi que nom fizeram aqui mingoa estes Cavalleiros que vs dizeis; mas feeze-nos a ns aqui gram mingoa o bom Rey Arthur, flor de lis, senhor d'elles, que conhecia os bons servidores: fazendo-lhes mercs por que aviam desejo de o bem servir. El rey vendo que o haviam por injuria, respondeu entonce e d i s s e : N e m eu esse nom tirava a fra, c assi era companheiro da Tavola Redonda, como cada um dos outros. (Op. cit., II, cap. 76.) O fervor pelas tradies britnicas, desde a crte de Dom Diniz at a epoca de D. Joo I correspondia situao da nacionalidade portugueza. Desde Dom Affonso I I I estavam terminadas as guerras de conquista; as povoaes organisadas em concelhos governavam-se pelas suas Cartas de Foral; pelo uso do direito romano iam-se regulando as prepotencias senhoriaes submettendo os ricos-homens auctoridade real. As
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Gestas feudaes no tinham uma relao vital com a sociedade portugueza; a Materia de Bretanha lisonjeava a sentimentalidade de um povo onde os seus poetas morriam de amor como o apaixonado Tristan. Nenhuma crte peninsular tinha ento a estabilidade para a cultura artstica, para a galanteria das damas, para os passatempos litterarios das Crtes de Amor. Esta situao moral, que suscitou essa extraordinaria efflorescencia lyrica dos Cancioneiros da Ajuda, Vaticana e Colocci; pela tendencia da poca e pelo impulso do genio da raa lusa, pela assimilao dos Lais narrativos e dos mais saboreados poemas amorosos da Tavola Redonda, conduziu a uma synthese poetica a inveno singular do Amadis de Gaula. Passava-se o contrario na Hespanha iberica, aonde a guerra da reconquista christ smente acabou no fim do seculo xv, e as luctas contra os grande vassallos s levaram o poder real a fundar muito tarde a unidade monarchica na concentrao absorvente do castelhanismo. A disposio da Lei de Partidas, que impunha aos fidalgos, que s ouvissem Cantares que fossem de feitos de armas, correspondia elaborao que se estava passando das Epopas hespanholas, sobre heroes nacionaes de perfeita realidade historica. Menendez y Pelayo, reconhecendo a origem portugueza do Amadis de Gania, confessa esta antinomia: todos os heroes das Gestas hespanholas so eminentemente realistas. Vivem na atmosphera do seu tempo e d'ella recebem a sua grandeza. Suas emprezas at quando so fabulosas, qugdram com a realidade historica, e sem
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grande difficuldade identificam-se com a historia documentada. No preciso amontoar exemplos : lembremo-nos de todos os nossos typos picos : Bernardo del Carpio, Fernan Gonsales e seus successores; os Infantes de Lara e seu vingador Mudarra; finalmente sobre todos o Cid... Pois bem, o Amadis a negao de tudo isto, appresenta os caracteres mais directamente oppostos genuna epopa castelhana. Havia na Pennsula hispanica alguma raa mais preparada do que a de Castella para receber o influxo do Amadis de Gaula? S uma existia, afastada nas regies occidentaes, celtica (britonica) sem duvida alguma de origem... O Amadis de Gaula teve por typo os Poemas da Tavola Redonda... Aonde devia pegar esta semente seno nas regies da Hespanha unicas que alimentavam crenas, supersties e costumes analogos aos dos bretes, e unicas portanto que' podiam comprehender e sentir aquella poesia que resa to exotica a ouvidos castelhanos, aragouezes e catales ? Em these geral, pois, parece mui verosmil a opinio que colloca o bero do Amadis de Gaula na regio galaico-portugueza, cujos poetas deram carta de naturalisao pela primeira vez entre ns aos nomes de Tristan Yseult e de Lanarote, e cujos cavalleiros gostavam, no fim do seculo x I v . de honrar-se e distnguir-se com sobrenomes tirados dos poemas do Cvclo breto, a ausencia de todo o elemento tradicional e historico na Novella, phenomeno inexplicavel se tivesse nascido em Castella, e mui' verosimil pelo contrario em Portugal, que foi das22
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nacionalidades ibericas a mais tardia a formar-se, e a que careceu da base pica, porque chegou 4 vida em tempos inteiramente historicos; e por ultimo o facto mesmo da tradio continuada e imperturbavel em Portugal e ausencia em Castella de todos os antecedentes a respeito do auctor ou da epoca das primeiras redaces do Amadis, levamnos se no a crr a suspeitar que os portuguezes tiveram grande parte na creao d'esta rarssima Novella. O antagonismo entre os genios luso e iberico posto em evidencia pela creao do Amadis, foi notado por Mil y Fontanals: Foi tardia em Castella a introduco do Cyclo breto ou do Rei Arthur e da Tavola Redonda. Enlaado com uma nova cavalleria menos heroica e mais refinada do que a do Cyclo Carlingio, no se comprazia com o caracter grave da Castelhana. Menendez y Pelayo conclue deliberadamente por essa differenciao: Assim como em Castella, povo heroicamente enamorado das grandezas da aco e das realidades da vida pegou facilmente a semente das narraes do Cyclo Carlingio, tambem no povo galaico, inclinado por temperamento... saudade, melancholia e ao devanear inquieto e phantastico, arreigaram-se mais do que em outra parte as historias e os lais do Cyclo breto. ' Seguindo este mesmo criterio, Amador de los Rios, que adoptara os resultados de Gayangos sobre o castclhanisnio do Amadis de Gaula, v-se
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forado a pl-o em contraste com o genio hespanhol: para os lieroes reaes da poesia nacional taes como Fernan Gonzales e o Cid Campeador, lei suprema a palavra empenhada; para os paladinos do Amadis o juramento o mais firme lao da vida. (Ib., p. 87.) No era por mra religiosidade este juramento, mas pelo costume da garantia dos Foraes das Cidades livres de Portugal, e da prova judicial dos Juratores nas defezas criminaes, pelo direito foraleiro. Em relao mulher, ainda Amador de los Rios appresenta inconscientemente egual contraste : as damas que figuram no Amadis, embora idealisadas pe!a exaltada imaginao dos cavalleiros, ainda que acatadas com um respeito que tocava pela idolatria, so demasiado faceis para os seus amantes; e no s acontece isto com as donzellas das encruzilhadas que vo em procura de aventuras se no com as mais esclarecidas princezas, com Elisena e Aldava, com Olinda, Brandueta e Oriana. Satisfeitas com a fama de invencveis que gosam Perion e Agrajes, Galaor e Amadis, alm de corresponderem benevolamente aos seus amores, chegam tambem a provocal-os; circumstancia que as separa da mulher historica c poetica de Castella, confrontando-as com as damas heroicas romanescas. (Ib., p. 88.) Fernando Wolf considera o Amadis de Gania: uma composio meramente artstica e totalmente fictcia, sem base historico-tradicional, nascida sem duvida em um paiz aonde, como em Portugal, estavam em vog"a os livros de Cavallerias de origem franceza ou ingleza, j de todo prosificados.
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no s nas suas frmas seno tambem no seu espirito, j desvairados e extravagantes; nascida sem duvida em uma poca em que, como na segunda metade do seculo x I v , o espirito creador do cavalheirismo ideal j se havia extinguido, quando as ideias que o dirigiam passaram a ser frmas cas sem vida real, e como sempre em tal caso, a caricatura de um ser que foi. Por tanto, nem o Amadis, nem as suas imitaes, nem mesmo os romances tirados d'ellas, poderam ser populares em Hespanha... (Introduco Primavera y Flor de Romances.) E accentuando esta carencia de toda a base nacional ou historico-tradicional, e como arremdo dos modelos j de si bastante alterados e disfigurados, considera os Livros de Tirant il Blanco e do Amadis de Gaula, sem a mnima duvida, puras fices e com toda a probabilidade de origem portugueza. (Nota 28, Primavera.) Tambem D. Agustin Duran, no Romancero general (p. x x ) mostra que o Amadis de Gaula no podia ser hespanhol: Que pocas, que circumstancias retratavam os Amadises? Que typo necessario e popular existiu d'elles entre ns ? O cavalheirismo exagerado e inutil dos Amadises s podia representar-se a homens de crte cuja caricatura foi o Don Quixote. De mais, prova que as referidas fabulas no tinham o selo da nossa verdadeira e arreigaria civilisao. Amador de los Rios teve informaes de Fernando J. Wolf de que vira uma verso hebraica do Amadis de Gania na escolhida livraria de Oppenheimer; e observa: se esta edio se fez antes da
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de Montalvo (1508 e 1510) a sua importancia de muito vulto nas nossas lettras. Lastima que \VoIf no desse um extracto do seu argumento para avaliar se constava dos trez livros que indicou Pero Ferrs, ou dos quatro hoje conhecidos. (Op. cit., V, 90.) E' possvel mesmo que por essa traduco feita por algum judeu portuguez se podesse reconstruir o primitivo texto do Amadis. Nos Cantos populares dos Judeus do Levante, quasi todos sahidos de Portugal, acha-se com frequencia o nome de Amadi, reminiscencia de um typo de namorado, e Conde Amadi. l Nunca na tradio portugueza se obliterou o conhecimento d'esta creao bella do seu g"enio. Antes de ser escripta a traduco castelhana por 1492, ainda a tradio do Amadis de Gania era vivssima na crte de Dom Joo II: no celebre certame poetico do Cuydar e Suspirar, invocaram o nome de Oriana a apar de Iseut, o velho Coudel mr e Nuno Pereira:
Alegaes-me vs Iseu, Oriana com ella... Se o dissesse Oriana E Iseu, alegar posso...
E a aristocracia portugueza usava os nomes civis de Briolanja e Oriana, de IJsuarte, personagens da Novella portugueza, como tambem os nomes dos apaixonados que lhes serviram de mo1 Menendez y Pelayo, Antologia, vol. x, p. 309.
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delo como Iseu e Tristau, Genebra e Lancelof, Percival e Arthur. Em Hespanha antes da verso de Montalvo, vulgarisada em 1508, era do Amadis de Gaula portuguez que se faziam as referencias, taes como a de Urganda a desconhecida, que vem na novella catalan de Martorell, o Tirant il Blanch, dedicado al serenssimo Princepe dou Fernando de Portugal (irmo do rei D. Affonso v ) , escripto em 1460 e impresso em 1490. : D'aqui tambem a referencia de D. Luiz Zapata, embaixador de Carlos v, em Portugal, por 1550: ((era fama en aquel reyno, que el Infante Dpn Fernando, hija (irmo) de D. Alfonso, habia compuesto el Libro de Amadis. (Memoria de los Zapatas. Ms. de Bibl. nac. de Madrid. Gayangos, Op. cit., p. x x I I . ) D. Fernando era phantastico vaporoso e poeta, o que justifica esta relao com as duas novellas. Em umas trovas de D. Alfonso de.Cartagena tambem apparece o nome de Oriana designando o ideal da namorada:
E' es tan cruel sin medida La belleza de Oriana, Que si dos mil prezos gana, No torna ninguno vida.
1 L-se no fim de Tirant il Blanch a declarao: "Lo qual fou traduit de Anglcs cn lengua portuguesa e apres en volgar lengua valenciana." D'aqui a falsa attribuio ao infante portugucz d'essa imaginaria traduco.
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Nas Coplas de disparates, glosando o romance Oh Belerma! oh Belerma, do Cancioneiro de Ixar, tambem se allude aos amores de Oriana:
No fu discreto en murir.se, Si muri de mala gana, No menos pude sofrirse, Que quedar sin escribirse Los amores de Oriana.
Don Pascual de Gayangos, que to contrario se mostrou origem portugueza do Amadis de Gania na introduco aos Libros de Caballerias, na nota traduco de Ticknor, acceita como provado, que a primeira redaco do Amadis constava smente de tres livros; que o quarto livro foi accrescentado posteriormente, isto depois de 1379, em que s os tres livros eram citados pelos poetas d'essa epoca; concluindo: que todas as probabilidades so que Montalvo reunira os tres livros... com o quarto de auctor desconhecido, e os traduzira para castelhano formando um corpo e corrigindo, como elle declara, os antigos originaes, tirando muitas palavras superfluas e pondo outras de mais polido e elegante estilo. S (Teste modo se conciliam aquellas tres palavras, ajuntando, trasladando e emendando.)-) (Hist. de la Litt. espan., t. , p. 522, notas.) 4.0 A redaco paraphrastica castelhana. (1492). E' facto assente que o texto unico conhecido pela impresso (1508) do Amadis de Gaula, em lingua castelhana, sob o nome de um certo Garci Ordonez de Montalvo, que a si mesmo se chama Regidor de la noble villa de
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Medina dei Campo. A epoca em que comeou o seu trabalho de adaptao ao estylo dominante de amplificao rhetorica pde fixar-se em 1492 e 1504 por que allude tomada de Granada sol) Fernando e Isabel, i quando diz no prologo: pues si en el tiempo de estos oradores, que mas en la fama que de intereses ocupaban sus juicios y atigaban sus espiritus, acaescera aquella conquista que el nuestro muy esforzado y catholico rey D. Fernando hiso dei reino de Granada, cuntas flores, cuntas rosas, asi en lo tocante ai esfuerzo de los caballeros... Para corresponder a este espirito novo da hegemonia do castelhanismo. que ia impr-se a toda a pennsula tambm pelo descobrimento da America, que Ordoez de Montalvo foi renovar os antigos originales do Amadis de Gania, sob o influxo do pedantismo rhetorico, que tanto viciei* humanismo hespanhol no fim do sculo xv. 2 Essa verso caste-
1 Falecida em 1504. 2 A inferioridade das Sergas de Esplandian, em que Montalvo continua o Amadis de Gaula, pe em evidencia, que as duas Novellas no foram escriptas pelo mesmo auetor. Cervantes o reconheceu; quando na celebre scena do Cura e o Babeiro, condemna fogueira o Esplandian "no salvando o filho a bondade do pae. Ticknor de opinio, que Montalvo antes de ter feito a traduco castelhana do Amadis, j tinha composto a sua continuao. (Hist. da Litt. espan.. 1, 241.) E aponta a irreverncia com que trata a idealisao que lhe no pertencia: "Nos feitos hericos de Esplandian procura offuscar as faanhas esplendorosas de Amadis; no conserva aos personagens da novella-me os seus typos consagrados, alterando-os absurdamente, a encantadora e bella Urganda transforma-a em uma bruxa selvagem e feroz; assim tambm o sbio e
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lhana chegou muito cedo a Portugal; no Catalogo da livraria do Rei Dom Manoel apparece apontado o Amadis de Gaula, que, pelas suas relaes com a crte de Fernando e Isabel seus sogros, evidentemente se reconhece ser um exemplar impresso. Foi sobre essa leitura que Gil Vicente fez e representou na crte a tragi-comedia do Amadis de Gaula; e foi como protesto contra essa preponderancia que adquiriu a redaco castelhana, que o Dr. Joo de Barros protestou, quando no seu livro Antiguidades c causas notaveis de Antre Doura c Minho, referindo-se cidade do Porto, escreveu: E d'aqui foi natural VASCO DE; L O BEIRA, que fez os primeiros quatro livros de Ama' dis, obra certo muito util e graciosa e aprovada de todos os galantes; mas como estas cousas se secam em nossas mos, os Castelhanos lhe mudaram a linguagem e attribuiram a obra a si. A tradio portugueza no se perdia, e em 1589 o filho do Dr. Antnio Ferreira, authenticava a existencia da historia do Amadis de Gaula, por VASCO DE L O B E I R A , cujo original anda na Casa de Aveiro.)) Resta determinar, pela persistencia d'estas tradies quando se perdeu a noticia do original portuguez do Amadis. Na Conta dada pelo Conde
mestre Elizabad. Nenhum dos caracteres j conhecidos nem dos inventados, est traado com tino e habilidade. J) (Ib-, p. 243.) "No tem a eloquencia que brilha em muitas passagens do Amadis... o argumento em verso de cada capitulo, tudo quanto ha de mais prosaico, e muito inferior aos versos esparsos pelo Amadis?' (Ib.)
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da Ericeira Academia de Historia portugueza em 31 de Maio de 1726, appresentando extracto do catalogo das riquezas da Livraria do Conde de Vimeiro, que a esse tempo estava entregue guarda de um velho creado, cita sob o N. 19, um Catalogo d'essa Livraria que traz apontado como existente ali em 18 de Maro de 1686, o Amadis de Gania em Portugues. Na sua Conta Academia diz o Conde: Servindo esta memoria para que se vejam os que faltam com tam justo sentimento de curiosos e para que a boa f os restitua a este Archivo litterario. Pela corrente geral das Litteraturas modernas determina-se tambem a origem portugueza do Amadis de Gaula. Emquanto as Epopas francezas eram assimiladas pelas litteraturas romanicas, a Hespanha elaborava activamente as suas Epopas nacionaes historicas. A Italia fez o syncretismo das Gestas Carlingias nos Reali di Prancia, Buovo d'Antona, Spagna, e Regina Ancroja, chegando s bellas formas artsticas de Pulei, Boiardo e Ariosto. Portugal identificou-se com o sentimento das Novellas amorosas e de aventuras do Cyclo arthuriano da Tavola Redonda, e fez a synthese esthetica do Amadis de Gaula, com que exerceu nas litteraturas modernas uma plena hegemonia. T
1 Formulou-a Cervantes, no D. Quixote: "es el mejor de todos los libros que de ..sto gnero se han compuesto, y asi, como unico en su arte, se debe perdonar." (P. 1, cap. 6.J
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IV
Cultura latino-ecclesiastica
Desde Carlos Magno em que se fizera a integrao politica da Europa, que se revelava a intuio entre uma grande parte dos estados modernos de uma unidade de ideias e aspiraes prevalecendo sobre as diversidades nacionaes. Sob.o ponto de vista religioso era a synthese affectiva da Chiristandadc; no seu aspecto social era a auctoridade da Lei civil, definida pelos Codigos romanos, com que o Poder real se impunha ao Feudalismo e Theocracia. Este antagonismo dos dois Poderes, nos confictos do Sacerdocio e Imperio, abre a era da grande revoluo Occidental, em que se inicia a edade moderna, pela dissoluo successiva do regimen theocratico-feudal. Preparada a sociabilidade moderna pela transio romana (activa) e medieval, (affectiva) os povos europeus alcanaram as condies para se continuar a elaborao especulativa da Grecia. E' esta orientao que suscita e caracterisa essa assombrosa primeira Renascena da Antiguidade classica, em que a Revoluo moderna se appresenta mais como intellectua! do que social. Na fervente anarchia theorica o Scholaticismo dissolve-se no Realismo, no Nominalismo, no Conceptualismo, e nas idealisaes mysticas, e a audacia individual decompe pela dialcctica os dogmas e discute a lei, avanando at s heresias e s revoltas. E' a revivescencia da cultura greco-
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breto, e o greco-romano, que chegou a syncretisar-se por via da eschola dos falsos Chronices com as nossas origens historicas. Mas, da Antiguidade classica, como observou Joly, s procuravam apprehender a frma, o lado romanesco: o espirito era-lhes completamente fechado, e em vez do lado esthetico consideravam o problema moral do paganismo. Popularisando essas frmas bellas pelas parodias goliardescas e imitaes scholarescas, a Antiguidade classica aproximava os dois elementos Clercois e Courtois, nos conflictos doutrinarios da Theologia e da Philosophia, das Escholas Geraes e das Universidades.
A ) O S E S T U D O S QUADRIVIAES
Junto das Collegiadas existiram Escholas destinadas ao ensino ecclesiastico; eram regidas pelo Cabiscol (Caput Scholae) e frequentavam-as os Mouzinhos ou Mozinhos (os Mocinhos) para os quaes o Bispo D. Paterno fundou em 1086 em Coimbra, junto s um Collegio. O Abbade de Alcobaa fundara em 1269 no mosteiro de Santa Maria os estudos da Grammatica, Logica e Theologia, no s para os monges, como para quantos quizessem frequental-os. O Bispo D, Domingos Jardo, admittia no Hospital de Sam Paulo em 1266 ao estudo de Latim, Grego, Theologia e Canones seis escholares. Porm a corrente dominante attrahia os espritos para as Escholas Geraes ou leigas, e os estudos em vez de um fim ecclesiastico faziam-se com um fim humanista. Nas Li-
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vrarias dos Bispos do Porto D. Vasco (1331) e D. Vicente (1334) predominavam os livros de direito civil e canonico, mais do que as obras liturgicas e moraes. Em um livro traduzido por Fr. Roque de Thomar, se l que feito apara os Clerigos minguados de sciencia, c por que he assi como mendigado e apanhado dos Livros do Direito c da Sagrada Theologia.)) (Cod. C C L I I . ) Alargava-se o quadro dos estudos. 1.0 Philosophia e Theologia. As Escholas das Collegiadas, Abbaciaes e Episcopaes, em que se ensinavam as disciplinas da Grammatica, Rhetorica e Dialectica, ou o Trivium, foram alargadas no seu quadro pedagogico, facultando a Egreja o ensino de outras sciencias, como a Theologia, a Philosophia, esboando assim o organismo universitario. Foi uma consequencia da crise mental do seculo X I I I . Durante este rapido momento de fervor os dois Poderes, espiritual e temporal, acharam-se de accrdo para favorecerem a renovao dos Estudos, embora a Egreja preferisse a cultura da Theologia e da Philosophia, e a Realeza ligasse a maxima importancia s Escholas de Jurisprudencia. E' n'este momento transitorio de um accrdo que ia quebrar-se pela antinomia entre o dogma e a raso, que apparecem os sabios pontifices, como Urbano Iv, dando em Roma uma cathedra a San Thomaz de Aquino para ensinar Moral e Physica, Clemente Iv protegendo o g'enio innovador de Rogerio Bacon, Innocencio v elevando-se ao papado pelos seus talentos de orador, canonista e
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metaphysico. e Joo xxI (o nosso Pedro Julio, mais conhecido pelo nome de Pedro Hispano) que dota as Escholas da Europa com as Summulas logicales, o primeiro compendio que prevaleceu com auctoridade at ao fim da Edade mdia. l A cultura theolog'ica degenerava na dialectica, criando-se as rivalidades das Escholas; Dominicanos e Franciscanos, aos quaes os papas confiaram o ensino da Theologia, eram inconciliaveis no seu antagonismo doutrinario, seguindo embora a Philosophia de Aristoteles. Os Dominicanos eram thomistas, por que San Thomaz conciliara os processos crticos dos Nominalistas com a Theologia especulativa; os Franciscanos entregavam-se ao subjectivismo dos Realistas, defendendo as opinies de Alexandre de Hals, por que lhes auctorisava os devaneios do Mysticismo. Como observa Haurau, na sua obra Da Philosophia Scholastica: A paixo do seculo X I I I a Philosophia; os chefes dos partidos belligerantes so commeitadores de Aristoteles; os problemas cuja soluo agita as consciencias, pertencem ao domnio das cousas abstractas. Estas duas correntes, como se l na Historia da Universidade de Coimbra, dominicana e franciscana, foram superiormente representadas por portuguezes fra .de Portugal: a thomista pelo afamado Pedro Hispano, e a mystica pelo no menos e immortalisado Santo Antonio de Lisboa, que professou em Montpellier, em Padua e Tolosa.
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Entre os grandes Doutores da Edade mdia, Pedro Hispano teve a singular gloria de ficar memorado por Dante, na sublime Epopa da Divina Comedia:
Ugo da San Vittore, qui con elli
E Pietro Mangiator, e P I E T R O H I S P A N O
Dante referia-se s Swmmulas logicales, celebres em todas as Escholas, as quaes se dividiam em doze tratados: I. Da enunciao (das Perihermeneis, de Aristoteles); 2. Dos cinco universaes (dos Predicaveis de Porphyrio); 3. 0 Dos Predicamentos (Predicamenta, de Aristoteles); 4. Do Syllogismo simpliciter (Liber Prioruin, de Aristteles) ; 5. e 6. Das Falacias (Elencos, d e Aristoteles). A estes seis tratados seguiamse os outros seis conhecidos pelo titulo geral De parvis logicalibns, divididos arbitrariamente nas Escholas: 7. Da Supposio; 8. Da Relao; 9. Da Amplificao: io. Da Appellao; n . Da Restrico; I2. Da Distribuio. As Summulas logicales de Pedro Hispano eram um claro resumo do Orgauon de Aristoteles, que Haurau, o erudito critico da Philosophia Scholastica considera: feito com gosto e intelligencia, e que mereceu tornar-se o manual dos professores e dos estudantes. Kaebler, nas Noticias sobre o Papa Joo xxI, celebre medico c philosopho sob o nome de Pedro Hispano, (Gotting, 1760) escreve: a elle que pertence sem
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duvida o engenhoso quadro das diversas especies de Argumentos, reproduzido frequentemente d'ali em diante.)) Allude s frmas em Baralipton, Baroco, Datisis, etc, que systematisaram os processos dialecticos em todo o ensino europeu. Pedro Julio era natural de Lisboa, do appellido do orago da sua freguezia, arcediago de Vermoim, Dom Prior da Collegiada de Guimares e figura como Bispo de Braga sob D. Affonso I I I ; foi nomeado Cardeal pelo. papa Gregrio x, no Concilio de Leo em 1274, succedendo no pontificado a Adriano v, em 1276. eleito em Viterbo, em 15 de Septembro. Um dos primeiros actos d'este Clcricus universalis, assim chamado por ser graduado em todas as Faculdades, foi estabelecer a concordia entre Philippe, rei de Frana e Alfonso o Sabio de Castella; em uma das Canes d'este Rei-trovador, allude a elle, e a um Canonista compostellano chamado Garcia Bernardo:
Pero que ey ora mengoa de companha, Nen*Pero Garcia, nem Pro d'Espanha Nen Pro galego Non iran comego. E ben volo juro por Santa Maria, Que Pero d'Bspanha, nem Pro Garcia Nen Pero galego Non iran comego... Canc. Col., n. 365.
Paro Hispano, que seguia o aristotelismo averroista, adoptara o mesmo auctor rabe nos seus estudos medicos, Canones medicinales e Thesaurus Pauperum. Martinho de Fulda faliando d'esta obra, escreve: FUIT magnns medicas. Da23
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remberg, na Historia das Sciencicis medicas, (vol. i, 282) aponta-o como um dos continuadores de Bartholomaeus, de Cophon, de Maurus e dos outros mestres da Eschola de Salerno, em que prevalecia o caracter menos individual, com um methodo dialcctico. Ainda depois da sua morte, alguns dos seus tratados foram traduzidos em grego. As relaes de Pedro Hispano com Affonso o Sabio, actuariam no empenho de Dom Diniz em fundar a Universidade de Lisboa. A corrente mystica representada pelos Franciscanos, no seculo xIv brilha com a excelsa figura de Antonio de Lisboa, sanctificado nas poeticas lendas populares, pela influencia da sua prdica, e finando-se aos trinta e sete annos. San Francisco de Assis mandara-o seguir os cursos de Artes (Grammatica, Logica e Rhetorica) e de Theologia no mosteiro em Vercelli, onde ensinava Thomaz Gaulez, vindo depois ensinar Theologia em Bolonha, junto de Rolando Bandinelli (papa Alexandre III) e como suppe Tiraboschi, ao lado de S. Thomaz de Aquino. Um bello documento litterario apparece restitudo a Santo Antonio; escreve Renan, que o Cantico delle Crcature, de San Francisco de Assis, fra posto em verso pelo nosso insigne portuguez: O texto italiano que se possue, uma traduco de uma verso portugueza, que tambem fra traduzido do hespanhol.)) l N'esta poca a lingua castelhana (s modernamente chamada hespanhol) no
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era empregada no lyrismo, tendo o prprio rei de Castella Affonso o Sbio adoptado o portuguez. Para italiano traduziu-o rimando-o Frei Pacifico. Essa corrente mystica da Edade mdia appresenta. a par da ortodoxa representada por Joachim <le Flores no Evangelho Eterno, uma outra heterodoxa ou materialista, resumida no livro imaginado dos Tres Impostores, que foi memorado em Portugal por um tal Thomaz Scot, prezo em Lisboa por ter ousado repetir por toda a parte, que houve no mundo Tres Impostores (Tres fitisse in mundo deceptoresj. Colhendo esta noticia de um manuscripto intitulado Collyrium Fidei contra haereseos, escreve Victor Le Clerc: Como que esta impiedade to antiga, e que Gabriel Barlette no seu sermo sobre Santo Andr attribue por antecipao a Prophyrio, teria chegado a Lisboa? Explica-se perfeitamente pelo aristotelismo averroista, que dominava em Portugal; Renan no seu admiravel estudo sobre Averroes, escreve: V-se que no foi sem alguma raso que a opinio attribuiu a Averroes o pensamento criminoso do parallelo das religies e do titulo dos Tres Impostores. Este pensamento que perseguia como um pezadello todo o seculo xIII, era em parte o fructo dos estudos arabes... Pela cultura dos Arabes que se generalisou a Philosophia de Aristoteles em Portugal modificando a corrente dialectica que considerava a Philosophia ancilla Theologice. No Nobiliario do Conde D. Pedro cita-se a auctoridade do stagirita: Esto diz Aristotilles, que sse os homeens onvessem antre si
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amisade verdadeira nom averiam mester rreys nen justias, c amisade os faria viver seguramente... (Mon. hist. Scriptores, I, 230.) Um outro corypheo do aristotelismo averroista em Portugal foi Gil de Roma, o auctor do De Regimine Principum, que Dom Joo I citava aos seus cavalleiros durante o crco de Ceuta, e que o Infante D. Pedro traduzia para portuguez. 2.0 As Traduces latinas. O exame dos catalogos das Livrarias claustraes, episcopaes e reaes revelam-nos as fontes eruditas e tradicionaes, que exerceram o desenvolvimento litterario das modernas lnguas nacionaes e suscitaram novas idealrsaes poeticas. Predominavam as obras de jurisprudencia canonica e cesrea nas Livrarias dos bispos do1 Porto, D. Vasco de Sousa, (1331) de Dom Vicente (1334); os nossos bispos, como observa Villa-Nova Portugal, que andaram sempre no caminho de Roma, traziam de Frana e da Italia as Compilaes, principalmente de Graciano, as obras de Durant chamado o Speculator, de Alberico de Rosate, de Guido Papa, que todos escreveram por 1280 at 1300 e de outros. A Livraria do Mosteiro de Alcobaa (hoje em grande parte guardada na Torre do Tombo e na Bibliotheca nacional) era riquissima de traduces em lngua portuguez, que vem do seculo xI ao seculo x I v . O erudito Visconde de Santarem que visitou essa opulenta Livraria antes da extinco das Ordens religiosas, em notas addicionaes carta ao Baro de Mielle, aponta um documento do seculo xI, a traduco da Re-
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gra de San Bento; dez do seculo xII; setenta e dois do seculo X I I I : notando especialmente dois Diccionarios geographicos latinos do monge Bartholomeu; um Vocabulario latino por Fr. Af fonso do Lourial; e um exemplar das Confisses de Santo Agostinho, copiado por Frei Antonio de Condeixa; do seculo x I v , setenta; e vinte e cinco do seculo xv. D'estas enormes riquezas philologicas e litterarias em portuguez est publicada uma diminuta parte. Frei Fortunato de S. Boaventura publicou a traduco dos Actos dos Apostolos, os Dez Mandamentos, fragmento da Regra de San Bento, e as Historias d'abreviado Testamento Velho, segundo o merstre das historias scolasticas e segundo outro que as abreviaram, e com dezeres dalguns doctores e sabedores. 1 Aponta esta parte pelo menos do seculo x I v , foi trasladada do latim de Pedro chamado Comestor, e que sendo tecida pela maior parte das palavras formaes do texto sagrado, e na parte da historia, que falta n'este, seguindo litterariamente a Flavio Josepho... Na Bibliotheca dos Bispos de Lamego existia uma copia d'esta traduco do Velho Testamento, que pertenceu a Francisco de S e Miranda. Com estas tradces do seculo x I v , com a dos Actos dos Apostolos do seculo xv, com as traduces integraes do P. Joo Ferreira de Almeida do seculo X V I I , e Antonio Pereira de Fi-
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gueiredo temos documentadas todas as modificaes morphologicas porque passou a lingua portugueza. O mais antigo documento que reproduz Frei Fortunato de S. Boaventura a Regra de San Bento, que pertenceu ao Convento de S. Paulo de Almaziva a par de Coimbra. Transcrevo as suas primeiras linhas: Filho, ascuita os preceptos do mestre, e inclina a orelha de teu coraom e recibe de boamente o amoestamento do padre piadoso, e afficadamente o comple, por que te tornes per trabalho de obediencia a aquel do qual te partiste per priguia de desobediencia. (Ined., I. 249.) O Codice n.o 37 (CCLVI ), in-4.0 magno do fim do seculo x I v , traz os seguintes textos em portuguez: Vida angelica do Avenir, rei indiano. 1 infante Josafat, filho de
1 Publicado em 1898 nas Memorias da Academia real das Sciencias: Lenda dos Santos Barlao e Josafat, (O texto foi copiado pelo paleographo Aires de S.) No Ms. tem o nome do traductor Frei Hilario da Lourinh, em letras do seculo xvI 11. E' a celebre lenda budhica extrahida do Latita Vistam, como o prova M a x Muller (Essais de Mythologie comparte, p. 451 a 467.) O nome de Josaphat, empregado pelos christos orientaes na frma de Joasaf, apparece alterado em Budaf, por falta dos pontos diacriticos de Bododhisathva. (Renan, Btudes d'Hist. relig., p. I33-) Attribuiu-se esta verso primitiva a S. Joo Damasceno, mas pertence ao monge Joo de Damasco, anterior a Mahomet a sua vulgarisao em grego, e a Surio em latim. Os Bollandistas acceitaram esta vida lendaria de Budha nas Acta Santtorum de 27 de Novembro. O tra-
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Vida de Santa Euphrosina, filha de Panucio. Vida de Santa Maria Egypciaca. Vida de Santa Tarsis. I Vida de Santo Aleixo, Confessor. Vida de certo Monge. Exposio do Decalogo, segundo a Doutrina da Egreja, Narrao da morte de S. Jeronymo. O Conto de Amaro. 2 Historia do Mouro que desejou ir ao Paraso. Historia do Cavalleiro Tubuli (Tundal.) No Codice 11. 244 da Bibliotheca nacional, de H. 90 a 104 vem uma outra verso:
TUNGULO,
Estoria d'hum Cavalleyro a que chamava ao qual foram mostradas visivelmente e n per outra revela todas as penas do inferno e do purgatrio. E outrosi todos os bcs e glorias que ha no santo parayso, andando sempre h angeo e el. Esto lhe foy demostrado por tal que
ductor portuguez termina com a seguinte declarao: "Ora diz Joh de maceno que esta estorya screpveo em lingugem grego: Eu escrepvi este serm segundo meu poder, assy como apprendy de mui honrrados e verdadeyros baroes que m'o assy contar. E dos que vyra que este recontamento escrevia a proveyto das almas de nos outros que o leemos tal guisa que merecemos seer contados a parte dos Santos Barlao e Josaphat bem aventurados amigos de nosso senhor.* 1 Publicadas pelo Dr. Jules Cornu, na Romanin, vol. xvI (1887I de pag. 357 e 390. Tambm publicou 110 vol. xi da Romania, sob o titulo de Anciens Textes portugais. excerptos do Orfo de Esposo. 2 Publicado na Romania, vol. xxx. por Otto Klob. Paris. 1901.
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contm:
Orto do Esposo de varios logares da Escriptura, dos Prophetas e Santos Padres, dividido em diversos captulos com muitos Exemplos. Por Frei Hermenegildo de Tancos. No codice seguinte vem outra verso do Orto do Esposo. 2 So numerosos os Exemplos ou Contos moraes, que formavam a elaborao originalssima das Literaturas modernas: Exemplo das tres Donzellas (fl. 16); Trajan e a Viuva (fl. 20); assumpto de um panno de raz do tempo de D. Joo II; o Avarento (fl. 48); O rei que anda de noite (fl. 54); O homem beberro (fl. 55 V); O que se faz pelo melhor (fl. 63 V); O rei Alburno (fl. 97); 0 criado que casa com a ama (fl. 89 V); Os dois irmos (fl. 90 V); A Papisa Joanna (fl. 99) ; Os Ladres (fl. 105); O Cavalleiro que empobreceu (fl. 120); Os esposos piedosos (fl. 125); O Imperador e o filho (fl. 122 V) ; Os dois Irmos (fl. 127); A arte das mulheres, (fl. 139.) 3
1 A traduco do Cod. C C L V I I , FL. 124 a 137, est publicada na Revista Lusitana, vol. V I I I , , p. 249, por J. J. Nunes. Esta outra redaco do Cod. CCXLIV, fl. 90 a 104, foi tambm publicada na Revista Lusitana, vol. 111, p. 101, por Esteves Pereira. Attribue-se a primeira traduco a Frei Hilrio da Lourinh, e a segunda a Fr. Hermenegildo de Payopelle. Apontam-se muitas verses d'esta lenda nos mosteiros da peninsula. Mussafia. SuIIa Visione di Tundalo. 2 O Dr. Jules Cornu copiou estes dois textos, e prepara uma edio critica do Orlo do Esposo. 3 Alguns d'estes Contos e Exemplos foram publica-
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Outros Codices da Livraria de Alcobaa, so verses portguezes de livros asceticos, como o Liuro ascetico intitulado Castello perigoso; a Vida de San Bernardo, traduzida por Fr. Francisco de Melgao, e o Espelho de Monges, pelo mesmo. A Lenda de Santo Bloy. I Vida de S. Nicolau. 2 Vida da Rainha Santa Isabel. Apparece este documento pela primeira vez referido no testamento do Infante D. Fernando, o Santo, feito antes da partida para Tanger: Item, o Livro da Rainha Santa Elisabet. Este livro veiu parar ao Mosteiro de Santa Clara, de Coimbra, d'onde o copiou Frei Francisco Brando em 1751. (Monarch. Lusit., P. v i . ) Uma copia existe no Vaticano como documento para o processo da sua canonisao. O codice de Santa Clara, Relao da Vida gloriosa de Santa Isabel Rainha de Portugal tem no principio a sua imagem vestida com habito, cordo, manto e vo da ordem; na mo direita um crucifixo e na cabea uma cora de espinhos; a seus ps a cora e sceptro, com a letra: Crux et spinea corona Domini mei, sceptrum et corona mea. Um pequeno excerpto far conhecer a antiguidade do seu texto: Em sa casa se criavam filhas de muitos nobres homens, e filhos de cavalleiros e d'outros homens, e dos que eram de edade, e achavam casamentos a si eguaes, casados nos Contos traadionaes do Povo portugues, vol. I I , P. 38 a 60. 1 Impressa por Hincker, em 1900; comeou a publicao no Instituto, de Coimbra, vol. X L V I I . 2 Dois fragmentos publicados por P. A. de Azevedo. 1905.
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va-os, e outros punha em ordem a cada uma Deus procurava, e dava a elle de seu haver, segundo a pessoa que era e o estado que filhava. Outros muitos e muitas que non eram de sa casa, que o a ella demandavam, fazia ella ajuda para casarem seus filhos ou para necessidades outras que houvessem:... E per hu ella hia non ficavam emparedadas, nem gafos, nem prezos, que sa esmola non recebessem parte. As lendas poeticas que envolvem a vida de Santa Isabel, como a do pagem lanado ao forno, ou como a das esmolas convertidas em rosas, acham-se nos cantos populares portuguezes; a primeira apparece na sua frma mais antiga em um Fableau, publicado por Legrand Aussy, na Gesta Romanorum, nas Cento Novelle antiche, e nas de Geraldo Cynthio, e ainda na Cantiga L x x x v I I r das Cantigas de Santa Maria de Affonso o Sabio; a das rosas figura tambem na Vie de Saintc Elisabeth de Hitngrie.
B) O P O D E R REAI, PROTEGE O HUMANISMO
A sociedade civil no seculo xI estabelecia pela aco dos Jurisconsultos e do proletariado, apoiados no poder temporal da realeza, as condies da sua secularisao e independencia. Tal o sentido da divisa: As Universidades seroem para ensinar, em contraposio com o ensino clerical das Collegiadas; as Jnrandas servem para edificar, em contraposio actividade guerreira dos bares, fortificando-se a classe obreira com espirito e disciplina da associao; e na ordem politica, os Estados servem para governar, contraba-
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]anando-se assim a vontade popular com a prepotencia senhorial em um accrdo de que resultou o reconhecimento do principio supremo da soberania nacional definida pelos Jurisconsultos. A', sombra d'este impulso de reorganisao, procurou o Poder real estabelecer a sua independencia, submettendo lei escripta, estabelecimento, codigo geral ou ordenao a arbitrariedade dos bares. Para isso tratou de coadjuvar a emancipao das classes servas, de garantir as franquias communaes das Cartas pueblas ou dos Foraes, fixadas pelo costume ou direito consuetudinario; assim se realisou a elevao do terceiro estado, defrontando com os estados clerical e aristocratico. Pela proteco aos estudos humanistas atacou o poder espiritual da Egreja, que se impunha pelo ensino das Collegiadas, o unico que ento existia na Europa; e fazendo, renascer o ensino e o uso do Direito romano, em que estava definida a esphera dos direitos reaes, atacou a classe senhorial, avocando a si o direito de levantar hoste, de bater moeda, de ter justias proprias, e o privilegio de conferir nobreza. O emprego da lingua vulgar para as obras litterarias e jurdicas, a fundao de uma Universidade, e a coordenao dos Nobiliarios ou Livros de Linhagens so factos capitaes que nos relacionam com a marcha da civilisao moderna n'esta phase ephemera mas fulgurante da primeira Renascena. I.0 Fontes poeticas da Antiguidade classica. Libertado o sentimento poetico da Edade mdia da obsesso religiosa das Lendas agiologicas
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e das Gestas guerreiras do Feudalismo, o genio esthetico foi encontrar novos themas para a idealisao nos poemas gregos, romanos e orientaes. Remodelaram-se n'essa livre phantasia dos trovistas a Illiada de Homero, a Eneida de Virglio, a Thebaida de Stacio, a Pharsadia de Lucano, as Metamorphoses e os Amores de Ovdio. Era, como observa Constans uma escliola em que se apropriava a materia antiga ao gosto e aos costumes do seculo xv, tomando da Epopa classica e da Historia lendaria os assumptos novos mais apropriados do que as antigas Gestas a um estado de civilisao j menos rude, graas influencia crescente do Meio Dia e da sua brilhante poesia. l No Roman de Plamenca, vem enumeradas as Gestas eruditas que constituam este cyclo dos poemas greco-romanos, uns que ficaram na forma rudimentar do Lai narrativo e outros deram grandes poemas, como a Historia de Troya, o romance de Thebas, Bneas, Julio Cesar e Alexandre: Um canta de Priamo, outro de Piramo; outro, da bella Hellena, como Paris foi sua procura e depois a trouxe: outro canta de Ulysses, outro de Heitor e de Achilles. Outro cantava de Enas e de Dido e como por elle ficou triste e desolada; outro cantava de Lavinia... de Appollonice, de Tideu, de Btidiocles... Um canta de Alexandre, outro de Leandro e de Hero. Um de Cadmo e sua fuga, e de Thebas como se edificou.
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Outro cantava de Jason e do Drago que desconhecia o somno; outro cantava de Hercules e da sua valentia; outro, como Philis attenta contra si pelo amor de Demophonte. Um diz como o bello Narciso se afogou na fonte onde se mirava. Um diz de Pluto como roubou a Orpheo a sua bella esposa... Um canta de Jidio Cesar, como passou ssinho o mar, por que no sabia o que era o medo... Joly, no vasto estudo critico que acompanha o poema da Historia de Troya de Benoit de Sainte More, d-nos a concluso critica sobre este grande cyclo poetico: Sabe-se o que fizeram os velhos troveiros da Epopa classica. Na realidade a sua obra nada tem de antigo, nem litteraria nem moralmente. Das qualidades litterarias das obras primas da Grecia e de Roma nada tm; nem a sciencia da composio, nem o sentimento da unidade, nem a largueza dos desenvolvimentos, nem a perfeio da frma, nada emfim do que constitue o artista. E mesmo por isso, estes poemas appresentam um interesse que os excede, por assim dizer, lanam uma viva luz na poesia da Edade mdia inteira. J Benoit de Sainte More, no conheceu directamente a Illiada de H o mero; como lhe chegaram as tradies troyanas? Desde o seculo I I I , que ellas eram conhecidas por Aeliano, no seculo Ix por Macelas, no x por Constantino Prophyrogeneta. no xI por Suidas, e no seculo xIII por Isac Prophyrogeneta, Constan-
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tino Manasss, Joo e Isac Tzetzs. E' por tanto explicavel como pela tradio scholaresca veiu esta corrente fecundar a poesia medieval jogralesca. O pedantismo erudito fez com que essas relaes imaginosas da ruina de Troia se convertessem em factos historicos. O Conde Dom Pedro, o que legou a D. Affonso xI de Castella o seu Livro das Cantigas, transcreve no seu Nobiliario grandes peripecias da Historia de Troya, Isto nos explica o facto de Affonso xI mandar traduzir da lingua portugueza para o castelhano uma Historia de Troya. O archivista Andr Martinez Salazar, que publicou este monumento considerado como escripto em gallego, observa : O Codice acha-se em bom estado de conservao. Tem guardas de pergaminho, e capa de chagrin verde com ferros
lendo-se: CRONICA. T R O I A N A , E M P O R T U G U E S .
Formou parte da Bibliotheca do Marquez de Santillana. Sobre a lingua da Historia de Troia, impressa como gallega, escreve o consciencioso editor: No tem unidade linguistica, contendo frmas de todos os dialectos da regio, umas litterarias, e outras populares, que so as que ainda se conservam na linguagem fallada actualmente: (p. x I v . ) E em nota: A lingua portuguesa concorreu mais ou menos para estas frmas litterarias archaicas.)) Accrescentando em seguida: Nos escriptos portuguezes do seculo xv difficil quando no impossvel distinguir o gallego do portugues, a no ser pelas frmas dialectaes e locaes e pela ortographia... mas no negaremos a possibilidade de que esta verso gallega tenha pas-
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sado por outra portugueza... (p. xv.) V-se que o copista gallego pelas simples alteraes graphicas naturalisou o texto, que em tudo ficou portuguez do seculo x I v ; d'esta Historia de Troya mandou Affonso xI fazer uma traduco castelhana. l Para formar-se ideia do texto portuguez da Historia de Troya, basta um excerpto do Nobiliario do Conde D. Pedro: O primeiro rrey que pobrou a Troya ouve nome Dardanus, e por esto as gentes da terra forom chamadas dardanides. Esto foy no tempo d'Abraham. quando sayo das cidades dos caldeus. Depois de Dardanus ouue hi outro rrey Ilius; aquelle fez o catello de Troya. E por este rrey Ilius ouve o castello nome Ylom. E depois do rrey Ylius, rreynou Leomedon. Este Leomedon, per a maa colhena que fez a Jason, neto de Peltus, quando veneo Tarson, do ouro que.era na Ilha de Calcus. E por esta rrasom quando se tornou Jason, rrogou seus amigos e parentes. E veerom com grande oste sobre a Troya, e cercou-a e tomou-a, e matou rrey Leomedon. e tomou huma sa filha que avia nome Esiona, levoua cativa e foy a cidade destroyda. Este rrey Leomedon avia hum filho que avia nome Priamo,
1 Escreve Menendez Pidal: "Creio que a castelhana, que est no Escurial, ainda que feita tambem na crte de Alfonso xl e de Pedro I, se fez sobre a gallcga, contra o que affirma Amador de los Rios. Digo isto por que alguns galleguismos descobri na do Escurial. 8 Carta ao dr. Rennert. Revista gallega, anuo v i u , n. 361. (1901.) A anterioridade da verso gallaico-portugueza sobre a castelhana est provada pela chronologia litteraria d'essa epoca.
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e era ido com grande hoste sobre seus emiigos, e nom foy no destroimento da idade. E quando tornou achou seu padre morto e cidade destroida, e pobroua outra vez. E cercoua outra vez darredor de boom muro e fezea a mais forte que pode pera se defender de seus emiigos. Este rrey Priamo ouve cinquo filhos de sua mulher, que foram muy boons cavalleiros, hum ouve nome Eytor, e outro Paris, e o terceiro Troillos, e o quarto Deifebus, e o quinto Elenus. E consselhou-se rrey Priamo com seus filhos e seus amigos, e enviou Paris seu filho a Greia per clamar o torto que lhe aviam feito os rreys, de Leomedon e de seu padre que lhe matarem, e de sua irma Esiona, que tinham cativa. E Paris foy Greia, e levou xII naaos e duzentos cavalleiros e grandes gentes de pee e asy veo a Greia. E entom avia pervemtuira que era hi ajuntada toda a gente da terra a humma festa que hi faziom. E era hi Elena a mulher de rrey Menelaos irmo de Gamenon, que era a mais fremosa dona de toda a terra. Paris quebrantou todo o templo e destroyu toda a gente que hi era e cativou os que quizerom. te, filhou a rainha Elena e levoua a Troya para ssa molher. . E per esta rrazon moveromsse todas as gentes das terras, e veerom sobre Troya e teverom a ercada dez annos. E ouve hi grandes fazendas e mortes grandes cavallarias assy como falia na ssa cstoria. E a cabo de dez annos foy preza a idade per gram arte e per grande engano de traiom que hi ouve feita. E todos os que ouve na idade forom mortos, e a idade foy destroyda e queimada.
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Depois do conhecimento da Estoria de Troya, de Benoit de Sainte More, revela o Conde Dom Pedro conhecimento do Romance de Eneas, elaborado sobre o poema de Virgilio: Avia hi h u u n ricomem em a cidade que avia nome Eneas e avia per molher a filha del rrey Priamo, que avia nome Aquilea. E prendeu esta molher em a prisom da cidade. Este Eneas escapou do destroimento da idade de Troya. E ouve trezentos cavalleiros e noue naaos e meteosse no mar e trabalhou hi muito tanto que chegou a Cartago. E avia hi humma rainha que avia nome Dido. E rreebeo muy bem e amouo muito e deu-lhe seu corpo em poder e foy senhor de ssa terra. E a cabo de tempo partiosse Eneas delia a furto, assy que ella nom o soube e leixoua. E depois que ella o soube de pesar que ouue matousse com humma espada que Eneas lhe ava dado. Eneas aportou en Italia, bonde ora he Roma... J Os eruditos do seculo xIv explicavam a Antiguidade classica identificando-a com a sociedade feudal: Troya era um castello; os filhos de Priamo boons cavalleiros, Helena uma fremosa dona, Eneas um ricomem. Observa Joly no seu estudo sobre Benoit de Sainte M o r e : Nos seculos xII e X I I I a Edade mdia era ainda impenetravel ao espirito da Antiguidade como tambem s suas qualidades litterarias. Tinha muita juventude e uma individualidade bastante forte para poder ser ou.tra cousa a no ser ella propria. Immediatamente
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instinctivamente, inconscientemente imprimia-lhe a sua original e forte feio, transformava na sua propria substancia tudo quanto tocava. (Op. cit., II, 393-) No fim da Edade mdia cessou esta viso phantastica da Antiguidade classica, mas as fices poeticas foram reelaboradas como documentos historicos, postos era circulao pelo dominicano Anio de Viterbo, que considerava como de origem troyana todas as nacionalidades modernas. J os velhos chronistas Fredegario, Roricon, e Paulo Warnefried consideravam os Frankos de origem troyana, e em documento de Dagoberto se l: Ex nobilssimo et antiqua Trojanorum reliqitiarum sanguine nati. Em uma carta de Eduardo I I I ao papa, mostrando-lhe a superioridade da Inglaterra sobre a Escossia, allega as suas origens troyanas. Um bairro de Veneza povoneava-se por povoado pelos foragidos de T r o y a ; e no Bdda de Snorre confundem-se as origens scandinavas com as lendas troyanas. Os estudos humanistas da Renascena, j quando a crena christa estava abalada pelo protestantismo, e o regimen feudal substitudo pela realeza absoluta, determinaram a negao da Edade mdia, transitando da lenda de Troya para a da grandeza de Roma, elaborando a fico politica da Monarchia universal. Estas duas tradies eruditas reflectiramse em Cames, quando nos Lusadas canta:
Ulysses o que fez a santa casa A' deusa que lhe d lngua facunda, Que se l na sia Troya insigne abrasa. C na Europa Lisboa ingente funda. (Cant. v i l , est. 5.)
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2.0 Fundao da Universidade de Lisboa. A cultura greco-romana, que a Egreja renegara, appareceu no Occidente nas Escholas arabes; em 529, Justiniano mandara fechar as escholas philosophicas, e Damascio, Simplcio, Eulamio, Prisciano, Isidoro de Gaza, Hermias e Diogenes de Phenicia refugiaram-se na crte dos Sassanides. Tal foi o ponto de partida da communicao das sciencias da Grecia aos Arabes, por via dos quaes se tornaram conhecidas as obras mathematicas de Euclides, o Almagesto de Ptolomeu, as obras medicas de Hipocrates, o Organon de Aristoteles, o Phedon, o Cratylo e as Leis de Plato. Esta influencia das Escholas Arabes considerada por J. J. Ampre como uma primeira Renascena. Os que haviam frequentado as escholas arabes eram procurados individualmente, e em volta da sua cathedra, em um logar isolado agrupavam os espritos sequiosos de saber. A organisao das Universidades foi o reconhecimento d'este novo modo de ensino, de que tanto a Egreja como a Realeza trataram de se apoderar. A influencia e o conflicto do poder papal e real transparece nos dois ttulos Universidade e Estudo Geral, no cargo de Cancellario, representando o antigo inspector das Collegiadas, a par do Rector escolhido pelos estudantes ou nomeado pelo rei; na interveno cios bispos nos gros doutoraes, e na transferencia das aulas para onde residia a Crte. A este perodo da creao das Universidades no seculo x I I r , chamou Ampre a segunda Renascena. Os reis fundavam Universidades para centralisarem o ensino, evitando assim que os estudiosos
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fossem frequentar as Universidades estrangeiras, de Bolonha ou de Paris. Quando Dom Diniz fundou em 1291 a Universidade de Lisboa, j muitos portuguezes se tinham distinguido nas Universidades italianas e francezas. A Universidade de Lisboa foi dotada pelos Abbades de Alcobaa, de San Bento, e do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, e Reitores de certas egrejas seculares. Pela bulia do Nicolao Iv, approvando a applicao dos subsidios aos estudos de certa faculdade permittida, limitava-se a conceder aos lentes e escholares o privilegio de fro ecclesiastico, sugeitando os gros confirmao do bispo de Lisboa: que os escholares nas Artes e nos Direitos canonico e civil, e na Medicina, possam ser licenciados na sobredita sciencia pelo bispo de Lisboa que n'esse tempo o fr, e quando estiver sde vacante por meio do vigario capitular. As differenas de fro e os privilegios dos escholares produziram dissenes com os habitantes de Lisboa, tendo o rei sob esse pretexto de transferir a Universidade para Coimbra em 1307. Prevalecia uma razo mais funda; no era permittido o ensino da Theologia na Universidade de Lisboa, e para incorporar n'ella essa disciplina, que se cultivava no Mosteiro de Santa Cruz, por mestres que iam estudar a Paris, mudou-se para Coimbra a Universidade, considerando-se esse facto como sendo inaugurado radicalmente o Estudo Geral. Os primeiros Estatutos foram dados por Dom Diniz em 1309, soffrendo novas modificaes em 1347Para manter o seu caracter real, foi reinando D. Pedro I, transferida a Universidade para Lis-
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boa, por estar ahi a crte, negando-se por isso os Abbades e Priores a contriburem com o subsidio da quota parte dos seus rendimentos. Por carta de 16 de Agosto de 1338, que mudava a Universidade de Coimbra para Lisboa, fundamentase, pela ((assistncia que n'esta cidade fazia El Rei a maior parte do atino. Outra vez em 1354 trasladada a Universidade para Coimbra em virtude dos privilegios que ento o papa lhe concede do jus ubique docendi, que como observa Denifle, era muito raramente obtido pelas Universidades. Tendo de contractar mestres no estrangeiro era difficil trazel-os para a vida confinada da provncia; para vencer esse obice, o rei D. Fernando' em 1379 transfere-a outra vez por causa dos Pentes estrangeiros quererem residir em Lisboa. Sob o governo de D. Joo I, e quando a crte teve estabilidade, que em 1384 este monarcha ordenou que para sempre a Universidade ficasse em Lisboa, sendo estabelecida a porta de Santo Andr da parte de fra, contra o arrabalde dos mouros. E assim se manteve em uma vida apagada durante todo o seculo xv, at reforma de D. Joo I I I , que a transferiu definitivamente para Coimbra em 1537. 3. 0 Nobiliarios. No seculo xIv a organisao dos Livros de Linhagens correspondia a uma necessidade social. O Poder real definindo a esphera dos seus direitos soberanos, avocava a si o direito de conferir nobreza. Nas Leis de Partidas, que foram traduzidas em portuguez, impese aos fidalgos, que escrivian sus nomes, e el
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linage onde venian e los logares onde eran naturales en el Libro que estavan escritos los nomes de los otros caballeros. 1 Em uma lei portugueza encorporada na Ordenao Affonsina (Liv. I, tit. 63) explica-se mais claramente, impondo a nobreza por fro de el rei: nenhum homem dos concelios de sua terra no pdem ser cavalleiros se nom por mim ou per meu mandado. O phenomeno foi geral em todos os estados da Europa. Este trabalho suscitou uma certa actividade litteraria e historica. Quatro so os monumentos conhecidos: c Livro velho das Linhagens, com um fragmento, publicado por D. Antonio Caetano de Sousa, 2 Fragmento de Nobiliario que andava junto ao Cancioneiro da Ajuda, e o Nobiliario do Conde D. Pedro, que se guarda na Torre do Tombo, achando-se todavia encorporados em edio paleographica nos Portugalia Monumenta (Scriptores, p. 230 a 390) sob a direco de Alexandre Herculano. O velho linhagista d a razo da sua obra: Porm eu Dom Pedro, filho do muy nobre rey Dom Dinis, ouve de catar por gram trabalho por muytas terras escripturas que fallavam das linhagens. E veendo as escripturas com grande estudo e em como fallavam de outros grandes feitos, compuje este livro por gaanhar o seu amor e por meter amor e amisade antre os nobres fidalgos de Hespanha... E enumerando as razes que fundamentam um tal trabalho, aponta: por os reys
1 Partida 11, tit. 20, liv. 22. 2 Provas da Historia genealogica, t. 1, p. 145.
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averem de conhecer aos vivos com mercs por os merecimentos e trabalhos e grandes lazeiras que receberam os seus avos em se gaanhar esta terra de Espanha, por elles. E referindo-se aos impedimentos canonicos at ao sexto gro, que faziam a instabilidade dos casamentos: pera saberem como podem casar, sem peccado segundo os casamentos da Egreja. V-se que atravs dos motivos, era o principal o fixar o cadastro das famlias de nobreza reconhecida, para d'ahi em diante admittir smente a nobreza de fro do rei. Apesar das listas fatigantes dos nomes, apparecem entremeadas tradies maravilhosas da origem dos Solares como da Casa de Haro, dos Marinhos, as grandes prepotencias da arbitrariedade senhorial como o incendio de castellos, o rapto e violao de mulheres, como o da decantada Ribeirinha, D. Maria Paes da Ribeira; a cegueira infligida por vindicta particular, a herana do crime e a vindicta pessoal e o odio inveterado entre familias. Ahi se allude penalidade symbolica, como a da burrella, e os factos historicos como o Lide do Porto, no conflicto decisivo entre os partidarios de D. Sancho u e os de seu irmo, e os appellidos caractersticos de alguns fidalgos: o trobador, o que trobou bem. trobador e muy saboroso, referencias, que revelavam uma ignorada actividade poetica na epoca pre-dionisia, em que floresceram. Essas relaes do parentesco fixadas pelos Nobiliarios espalham uma intensa luz sobre a realidade das situaes idealisadas nos Cancioneiros trobadorescos portuguezes. Para a philologia e para a historia litteraria estes livros so preciosos pelas
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frmas archaicas da linguagem, pelos excerptos histricos que lhe servem de introduco, e se intercalaram accidentalmente. No Fragmento do Nobiliario, que anda junto ao Cancioneiro da Ajuda encontra-se uma extensa relao da Batalha do Solado, tambem celebrada em redondilhas por Affonso Giraldes. Pode-se dizer que a pagina historica mais perfeita a que chegou a litteratura portugueza no seculo x I v . O genealogista bem conhece que aquella narrao historica no pertence a essa ordem de escriptos genealogicos: e se alguns ouvesse contar as maravilhas e > bondadas que faziam, seeria o livro tan grande que os que o lessem com a grande escriptura se anojariam e os outros de que aqui nom falassem ficariam repreheudidos. Des i por que este livro he de linhagens nom faz mester de en el falar de todo salvo de algumas cousas maravilhosas... (op. cit. p. 190.) O genealogista colloca na bocca dos seus personagens allocues, como no estylo de Tito Livio, pouco depois tornado conhecido pelo chan celler Lopez de Ayala. Eis como falia de D. Affonso Iv, o heroe do Salado: E el-rei Dom Affonso de Portugal era de grandes feitos, e quanto mais olhava poios mouros, tanto lhi mais e mais crecia e esforava o coraom como home que era de grandes dias e tinha que deus lhi fezera gram merc en o chegar quel tempo hu podia fazer emmenda de seus peccados per salvaom de sa alma e receber morte por Jhesu Christo. El de todo boom contenente falou ali com os seus e disselhes assi: Meus naturaes e meus vassallos, sabede bem en como esta terra da Espa-
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nha foy perdida por rei Rodrigo e ganhada pelos mouros, e em como outra vez entrou Almanor, e em como os nossos avoos donde descendedes por gram seu trabalho e por mortes e lazeiras ganharom o reino de Portugal, en como el rei dom Affonso Anriquez com que a eles ganharom lhis deu ouras e coutos e liberdades e contias por que vivessem honrados, e nom tam solamente fez esto a eles, mais por a sua onra dava os maravedis aos filhos que jaziam nos beros e os padres serviam por eles. Em como os reys que despois el veerom aguardarom esto. Eu despois que vim a este logo fiz aquello que estes reis fezerom, e se alguma cousa hy a pera emendar eu a corregerei se me deus d'aqui tira. Olhade por estes mouros que nos querem ganhar a Espanha de que dizem, que estam esforados e oie este dia a entendem de cobrar se ns no formos vencedores. Poede em vossos coraes de usardes do que usarom aquelles donde viides como nom percades vossas mulheres nem vossos filhos, e o em que ande viver aqueles que despois de ns veerem, os que hy morreren e viverem seerom salvos e nomeados pera sempre. Os fidalgos portugueses lhi responde rom : Senhor, os que aqui estam oie este dia vos farom vencer ou hi todos prenderemos morte. Elrei foi desto muyto ledo. (Ib., p. i85.) Seriam estas as tradies ou Estoreas, que Ferno Lopes poz em Caronica? Assim a Historia como forma litteraria tem uma origem e desenvolvimento simultaneo e analogo ao da Poesia. A sua differena est no modo de tratar a fonte commum a tradio.
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4.0 Chronicas e Relaes historicas. Nas Memorias para Ia Historia de la Poesia espanola, escreveu o P. e Sarmiento: Este siglo decimo quarto, que con razon se poder llamar el siglu de las Cronicas verdaderas, se poder llamar tambien de las Cronicas fingidas. (Op. cit., p. 330.) Estas duas formas litterarias apparecem dignamente tratadas pelo genio portuguez n'este periodo fecundo. Das Chronicas phantasiosas deixmos um monumento que seria bello em extremo se conservassemos a sua frma primitiva o texto portuguez do Amadis de Gaula; das Chronicas historicas restam documentos, que se destacam dos registos latinos ou Obituarios e Dietarios, que se usavam nos claustros. O apparecimento subito do grande chronista Ferno Lopes no inicio do seculo xv, e a srie das Chronicas dos Reis de Portugal, que apographos e plagiarios lhe desmembraram, no se comprehende sem determinar a filiao d'essas narrativas que elle integrou em uma forma da historia como a comprehendeu Froissart e os grandes chronistas da sua epoca. A Chronica mais antiga, escripta em lingua vulgar, que temos, anonyma, e trata desde a fundao da monarchia at Dom Diniz. Acha-se publicada em o titulo de Chronica breve do Archivo nacional, e est intercalada no livro Iv, ,fl. 6 das Inquisies de D. Affonso III. Foi trasladada em 1429 da ra moderna: ata a presente ra que ora corre do nacimento de nosso sennor Jeshu Christo de mil quatro centos e vynte e nove annosj) Explica a sua inteno: A qual rremenbrana serve a proll porque muytas vezes mos-
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trarn perante El Rey nosso sennor e perante os seus juizes algumas doaes e outras escripturas, que fazem em prejuzo dos direitos e cousas da cora dos Regnos, fazendo taaes cartas de doaes e escripturas menoin que forom outorgadas per hum Rey o qual segundo a data d'essa escriptura j era finado: E pera tirar estas duvidas aproveitam muito estas ras. A Chronica, confessa o auctor para justificar o seu laconismo: faz menoin quando cada hum Rey comeou de rregnar, e quando se-finou, e onde jaz sepultado. Traz um trao pittoresco acerca de Dom Sancho I: E entom filhou El Rey huma dona de que se non pode saber o nome... E filhou Dona Maria Paes da Ribeira, a que elle deu Villa do Conde... A linguagem da Chronica no muito antiga; apenas se encontra uma palavra franceza daprs da cidade de Lisboa. Segundo a auctoridade indiscutvel do colleccionador dos Portuglia Monumento historica, a chronica em vulgar mais antiga que nos resta. A Chronica ou Relao da Conquista do Algarve, descoberta por Fr. Joaquim de Santo Agostinho na Camara municipal de Tavira em 1788 (Tomos velhos, I, p. 207 a 213), embora esteja retocada por um copista do seculo xv, foi escripta por quem no estava muito afastado da data d'essa conquista. O narrador allude s ossadas que existiam no sitio das Antas: e quando chegou s Antas e vio os cavalleiros mortos comeou com os mouros muy dura pelleya, e morreu tanta gente d'elles, que ainda hoje em dia jaz alli a ossada d'elles, e desde que os venceo seguiu ho alcance
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fazendo grande estrago em elles... T A tendencia para a forma historica no ultimo quartel do seculo xIv uma prova da data d'esta narrativa. Era conhecida em Portugal a Cronica general de Espana; este livro mandado traduzir por Dom Diniz do original castelhano foi um dos primeiros ensaios e um grandioso modelo em que se exerceu a lngua portugueza para fixar as frmas severas da Historia. Ferno de Oliveira, na sua Grammatica portugueza refere-se a esta tradu-' co: As dices velhas so as que foram usadas, mas agora so esquecidas, como... ruo, que diz cidado, segundo eu julguei em um livro antigo, o qual foi trasladado em tempo do mui esforado rei Dom Joo de boa memoria, o primeiro d'este nome em Portugal: por seu mandado foi o livro que digo escripto, e est no mosteiro de Peralonga e se chama Estorea Geral, no qual achei estas com outras anteguidades de falar... Da Cronica general, escreveu Menendez Pidal, considerando-a como obra de Alfonso o Sabio: Ella marca o despertar de uma ra na historiographia, pois para ella couverge uma multido de imitaes, que seguindo a eschola do Rei Sabio no mesmo plano e criterio formam uma rica litteratura historial, anonyma e inteiramente popular que se renovava continuamente. 2 A uma circumstancia allude, que nos revela a importancia
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da traduco mandada fazer pelo rei D. Diniz: 0 grande numero de Manuscriptos da Cronica general no permitte fixar qual tosse a sua frma mais primitiva e authentica; pois admissvel, que o texto portuguez, d'etitre esses trinta e um manuscriptos, provindo directamente do monarcha castelhano como offerta a seu neto, tenha excepcional importancia para determinar-lhe a authenticidade. Com egual titulo se conservou na Bibliotheca do Rei Dom Duarte (n. 24) ; e na Bibliotheca nacional de Paris o manuscripto portuguez: Historia geral de Hespanha, composta em castelhano por El Rei de Leo e Castella, Dom Affonso o Sabio, trasladada em portugues por rei Dom Diniz ou por seu mandado. A esta traduco foram ajuntando os copistas os successos da historia de Portuga!, vindo por isso ampliado o titulo: e continuada na parte que diz respeito a Portugal at ao anno de 1455 no reinado de Dom Affonso v. E r a uma traduco reduzida da Cronica de Alfonso o Sabio; pertencera ao Condestavel de Portuga] Dom Pedro, primitivamente. Na Bibliotheca da Academia real das Sciencias de Lisboa existe um codice pergaminaceo d'esta Chronica geral; ahi se l: E despois per tempo arribarom onde agora chama o Porto huas gentes en naves, que eram degradados de sua terra, os quaaes er chamados Galascs; e estes pobrar hu grande parte da Galliza, que era herma, e esta era antre dois rryos a que chama a h doyro e o outro mynho; e enton poserom nome aa terra composto de duas partes, convem a saber Portu-
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gales:s, mas despoys o encurtarom e peseromlhe nome Portugal.- No seculo xv nas Memorias breves de Santa Cruz de Coimbra citava-se como fonte historica a Chronica de Espanha. No admira que Ferno Lopes revelasse a sua justa comprehenso da Historia.
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Elaborao do Lyrismo provenal pelo genio italiano (Phase allegorica)
Os trovadores occitanicos tinham encontrado sympathia nas cidades italianas, que constituam pequenas republicas; a Cano amorosa idealisava situaes da vida domestica, que ia ser o thema fundamental das litteraturas modernas. Os burguezes opulentos que transformaram algumas d'essas republicas em Principados, attraam para as suas festas e palacios os trovadores que transpunham os Alpes. A poesia lyrica italiana comeou a ser elaborada por esta imitao e impulso social; e quando a Poesia trobadoresca se extinguiu sob as violencias sangrentas da cruzada contra os Albigenses, ou da realeza do norte contra o municipalismo do sul, esse lyrismo occitanico
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renascia pelo genio italiano, que dos esbos poeticos soube tirar as frmas bellas, definitivas da Cano, do Soneto, da Elegia, e insuflar-lhes o sentimento pelo idealismo platonico da Primeira Renascena e pela exaltao mystica christan, que davam todo o relevo emoo do Amor. Os trovadores italianos foram considerados os grandes mestres do Amor; souberam interpretar allegoricamente as indefinidas emoes da alma moderna, na consagrao da mulher. Elles crearam a lngua nacional, avanando para a unificao synthetica das suas diversidades dialectaes: Sordelo, na Italia do Norte cria uma linguagem poetica com os fallares de Cremona, de Brescia, de Verona, cidades convisinhas de Mantua, sua terra natal; Dante, e os cortezos de Frederico II, criam pela unificao d'esses dialectos da vertente direita e esquerda do Apenino a lingua toscana, que pela aco politica e pela litteratura se torna a lingua nacional, seculos antes da Italia realisar a sua unificao politica. A eschola toscana era representada por Guido Guinicelli, que Dante immortalisou nos .seus versos, imitando ao mesmo tempo Arnaldo Daniello, Guido Cavalcanti e Dante de Maiano, que subordinados ainda aos trovadores lhes compete a gloria de terem fecundado o seu g'enio. Dante foi o primeiro epigone d'esta renovao esthetica, elevando-se dos esboos provenalescos aos admiraveis Sonetos e Canes do mais puro idealismo. Por Dante se exerceu a influencia do Lyrismo italiano fra da Italia, em todo o seculo xv; a phase allegorica.. Petrarcha era ento exclusivamente estudado como moralista e eru-
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dito. e smente no como do seculo xvI que o seu Canzoniere communicou s Litteraturas da Renascena as frmas definitivas do Lyrsmo. A poesia italiana em Dante e nos Fieis do Amor, e depois em Petrarcha destacou-se dos modelos provenaes pelo idealismo recebido em as doutrinas platonicas, que se desenvolveram mais tarde na Academia florentina dos Medcis. Dante conheceu essas doutrinas em Cicero, Boecio, Ricardo de Sam Victor, Sam Boaventura e Sam Thomaz; como moralista Petrarcha, depois reagindo contra o aristotelismo, seguia no seu estudo Plato, Santo Agostinho, San Bernardo e imitava Boecio. Esta nova poesia, de um vago subjectivismo, era pelas suas origens eruditas sympathica aos espritos superiores que seguiam a corrente do humanismo do seculo xv. A Hespanha abraou muito cedo o lyrismo italiano, na sua phase allegorica; Micer Francisco Imperial introduziu em Sevilha o conhecimento de Dante e da Divina Comedia, no fim do seculo x I v , e querendo o Marquez de Santillana prestar ao seu talento a homenagem devida, empregou uma designao erudita, que bem caracterisa o seculo do humanismo: al qual yo no llamaria decidor trovador, mas poeta. O influxo crescente da corrente italiana fez com que a Poesia castelhana prevalecesse no seculo xv sobre as outras litteraturas peninsulares, a gallega, a aragoneza e a portugueza. Porque no actuou a Poesia italiana directamente em Portugal, continuando a evoluo trobadoresca? Por que esgotadas as frmas proven25
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alescas, o genio portuguez, pela facil assimilao, apoderou-se da corrente novellesca, que lisongeando-lhe o espirito de aventura o impelliu aco historica. Nas luctas entre Pedro Cruel e seu irmo bastardo Enrique de Trastamara, interveiu o aventureiro breto Bertrand Duguesclin, dando assim s fices brets uma realidade suggestiva; as relaes com a crte ingleza vieram accentuar mais o interesse pelas novellas brets. Tudo nos afastava da passividade lyrica; e conquistada Ceuta por D. Joo I, como a chave do imperio de Fez, seguiu essa srie de feitos na occupao do norte da Africa, dando um sentido real e verdadeiramente historico ao espirito aventureiro, nascido das fices cavalheirescas, emprehendendo-se e levando-se a cabo outras no menos afortunadas emprezas... A explorao da costa Occidental africana e as navegaes atlanticas imprimiram sociedade portugueza uma vida em que a actividade intensa a afastava das idealisaes do lyrismo. De 1350 a 1445, observa-se uma grande falha na produco litteraria portugueza; ainda assim a sua antiga influencia em Castella continuou-se at aos reinados de Don Juan II e Enrique Iv, como o reconheceu Menendez y Pelayo. Pelo seu lado Amador de los Rios tambem observa : o dialecto gallaico-lusitano, tradicionalmente conservado entre ambos os paizes, escre1 Amador de los Rios, Hist. crit. de la Litteratura espan., vI, p. 22.
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vem n'esse dialecto P e r o Gonzalez de Mendoza, o Arcediago de Toro, Affonso de Villasandino e outros tantos, que n'aquella edade (seculo x I v ) illustram o parnaso castelhano.)) (Hist. litt. esp., vi, 23.) O Cancioneiro de Baena suppre essa falha que se determina na litteratura portugueza; achamse alli poetas que floresceram desde 1368, em que nasceu Pedro Cruel, at 1406 em que comea o reinado de D. Juan I I , que foi, como notou Menendez y Pelayo, uma florente crte poetica. Representam esse elemento gallaico, Pero Gonzalez de Mendoza, av do Marquez de Santillana, que conservou a tradio lyrica das Serranillas, o chanceller Lopez de Ayala, micer Francisco Imperial, Pero Ferrs, Garci-Fernandes de Jerena, Affonso Alvares de Villasandino. O facto de se encontrarem n'este Cancioneiro versos de Vasco Pires de Cames respondendo a outros que lhe so dirigidos, define bem o espirito de revivescencia do genio gallego, n'essas luctas politicas, em que Portugal e Galliza se aproximavam. O rei D. Fernando, de Portugal, acobertando as suas pretenes ao throno de Castella com o pretexto de vingar a morte de Pedro Cruel, achou apoio em muitas cidades da Galliza, como Ciudad Rodrigo, Fedesma, Alcantara, Valencia d'Alcantara, Zamora, Tuy, Coruna, Santhiago, Lugo, Orense, Padron e Salvaterra. N'esta lucta de ambies, D. Fernando mostrou-se menos habil do que Enrique de Trastamara, que chegou a invadir Portugal. Incapaz de sustentar-se na lucta, o monarcha portuguez offereceu azylo no seu reino
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aos fidalgos gallegos que se comprometteram pela sua causa. D'esta emigrao resultou a vinda de Vasco Pires de Cames, o terceiro av do grande pico, para Portugal; vieram outras famlias de que descendem os poetas S de Miranda e Andrade Caminha, que brilhando na renascena italiana no abandonaram as frmas da medida velha, do lyrismo tradicional. Vasco Pires de Cames, tendo-se declarado em 1384 pelo partido de D. Fernando, refugiou-se em Portugal, obtendo numerosas doaes regias, que o faziam considerado como favorito do monarcha, comparando-o n'isto a Joo de Mena, o poeta favorito de D. Juan II , de Castella. O fidalgo Manoel Machado de Azevedo fallava d'esse favoritismo, dizendo como se podia ser mais medrado, que Cames e Joo de Mena, O Marquez de Santillana, na sua Carta ao Condestavel de Portugal, de 1448, depois de indicar muitos trovadores portuguezes da eschola provenalesca, aponta os que pertenceram a esta phase galleziana: despues destos venieron Basco Peres de Cames e Ferrant Casquicio, aquel gran enamorado Macias...)) Mas no era s o Marquez de Santillana, que pelas tradies domesticas conhecia estes monumentos gallaico-portuguezes; os trez grandes poetas da crte de D. Juan II, Joo de Mena, Fernan Perez de Gusman e elle proprio, mantinham atravs da cultura castelhana ainda a impresso da poesia gallaicoportugueza. Joo de Mena conserva a endecha, a que se chama de gaita gallega, de preferencia ao endecasyllabo italiano; Ferno Perez seguiu na sua primeira epoca a tradio dos trovadores
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gallegos (isto portuguezes). E de SantilIana, escreve o mesmo critico: Na poesia lyrica grande mestre; por elle se acclima ao parnaso castelhano a Serranilha gallega; se teve predecessores na sua famlia, elle os excedeu' n'isto, como em tudo... E recapitulando as influencias litterarias que actuaram na crte castelhana de D. Juan II, aponta antes das formas allegoricas de Dante combinadas com reminiscncias de Petrarcha, especialmente nos Triumphos, a tradio litteraria dos antigos Cancioneiros gallegos, visvel nas Serranilhas, Villancicos, Esparsas, Canes e Motes, em geral em todas as poesias ligeiras e cantaveis. Isto nos explica o facto de figurarem nos Cancioneiros castelhanos do seculo xv muitos poetas portuguezes, achando-se ahi uma coplilha do Infante D. Pedro; na bibliotheca do Escurial apparece uma traduco de Juan de Cuenca da vergo portugueza da Confisso do Amante, do poeta inglez Joo Gower, pelo cnego de Lisboa Roberto Payn. - Mas todo este influxo teve de ceder diante da florescencia do castelhanismo, nas trez crtes de D. Joo I I , Enrique Iv, e dos Reis catholicos, em que se manifestaram genios primaciaes, e em que a politica da unificao ibrica era a preoccupao dos casamentos regios. I. A influencia castelhano-aragoneza. Quando a poesia provenalesca decahira em Eran-
Antologia, t. v, p. LXV; p. L X X I X .
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a, em Tolosa procurou-se sustentar a sua cultura pela organisao da Sobregaya companhia deis sept Trovadores de Tolosa, em 1323; para Barcelona, onde era a crte habitual dos Reis de Arago, passaram estas instituies trobadorescas, que os monarchas protegiam como um meio de resistencia contra a penetrao da lngua e poesia castelhanas. Em 1388, o rei de Arago D. Joo I pediu a Carlos vI de Frana para os trovadores tolosanos virem a Barcelona fundar um Consistorio poetico, effectivamnte creado em 1390. Mas o castelhanismo comeou em Arago desde o compromisso de Caspe em 1411, admittindo como rei um principe castelhano, o Infante de Antequera (1416) D. Fernando. O que se conservou dos Provenaes, como observa Menendez y Pelayo, era a tradio metrica mais ou menos degenerada em mos dos trovadores do Consistorio. Era preciso vivificar estas formas pela idealisao allegorica-dantesca. Sob Eernando o Justo a eschola trobadoresca teve novo impulso. D. Enrique de Villena, que foi director do Consistorio, traduz a Divina Comedia (1427) e as composies em dialecto catalo e valenciano eram applaud i d a s e apreciadas. O Marquez de Santillana elogiava no seu poemeto La Coronacion, os poetas lyricos catales Ausias March e Jordi, intimamente italianisados. E' este novo gosto allegorico-dantesco o que irmana litterariamente com Castella, que se torna um centro hegemonico da poesia peninsular no seculo xv. O centro da actividade de Castella foi a corte de D. Joo 11 (1407 a T 454) no s pelas altas
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individualidades que floresceram n'ella, mas pela propria personalidade do rei, que recebera uma excellente cultura litteraia dirigida pelo chanceller Pablo de Santa Maria, e alm da Moral philosophica, lingua latina, e arte oratoria e poetica, segundo o testemunho de Mossen Diego de Valera, sabia musica, cantava e tocava, ouvia com agrado Dizeres rimados e apreciava a historia, como o revelou o celebrado poeta Hernan Perez de Gusman. l Apezar das grandes luctas dos Infantes de Arago, e do seu privado D. Alvaro de Luna, esse esplendor litterario' tornou essa epoca a mais gloriosa da lingua e da litteratura castelhana, vindo a produzir os seus effeitos polticos no tempo dos Reis Catholicos. Em Arago, D. Affonso v, primo de D. Juan II, assim como seu irmo rei da Navarra, receberam no menos esmerada cultura, competindo com o centro castelhano. D. Affonso v, no seu governo de Italia, cercou-se de todos os grandes humanistas, que preparavam a Renascena. O que se passava na regio central da Hespanha (Castella) e com egual fervor na. regio oriental (Arago), reflectiu-se inevitavelmente em Portugal, pela sua dupla influencia. Pelo receio da absorpo castelhana, que levara os poetas aragonezes a sustentarem em composies litterarias a sua lingua nacional, tambem depois da victoria de Aljubarrota (1385) os portuguezes afastaram-se politica e litterariamente de Castella. O
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rei D. Duarte casa com D. Leonor, filha de D. Fernando de Antequera, rei de Arago; para sua mulher escreveu a sua encyclopedia moral do Leal Conselheiro, e na sua Livraria existiam um exemplar de Valerio Maximo em aragoez, uma Historia de Troya per aragoez, e a seu filho D. Fernando dedicou Martorell a novella de Tirant il Blanch. O Infante D. Pedro, duque cie Coimbra, casou com D. Isabel, primogenita de D. Jayme o Desditoso, ultimo Conde de Urgel, que segundo Belaguer, tambem cultivava a Gaya sciencia. Como principal herdeiro dos direitos do Conde de Urgel, o Condestavel D. Pedro de Portugal, acceitou a cora de Arago, offerecida por uma deputao catal, em 1464. Na celebre carta-Proemio, que lhe dirigiu o Marquez de Santillana, citava com louvor os poetas aragonezes, como grandes officiaes d'esta arte, como Jorde de Sant Jordi, e Ausias March, grande trovador e homem de asss elevado espirito.)) O Condestavel de Portugal conheceu esta poesia aragoneza que revivificara a tradio da mtrica provenal com o subjectivismo italiano, e d'ella recebeu a expresso' allegorica que to bem se quadrava com a sua melancholica sentimentalidade. No Cancioneiro geral de Garcia de Resende, apezar do seu extremo castelhanismo, appareeem por vezes as allegorias amorosas do gosto aragonez. A influencia castelhana na poesia portugueza, no s pela importncia litteraria, como pelos enlaces matrimoniaes, tinha de predominar inteiramente. Em quanto o esplendor litterario da Cr-
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te de D. Juan II sustentado pelos talentos superiores de Juan de Mena, Fernan Perez de Gusman e Marquez de Santillana, Alvaro de Luna faz o casamento do rei castelhano com a Infanta portugueza D. Isabel, sobrinha do Infante D. Pedro. O mesmo esplendor litterario continua-se na crte de Enrique Iv, (1455-1474) casado com D. Joanna, irm do rei de Portugal D. Af fonso v; n'este perodo que brilham os lyricos gallegos Juan Rodriguez del Padron e Macias el Enamorado, que tanto so memorados pelos poetas palacianos portuguezes. Dado o conflicto transitorio do roubo dos direitos de successo de D. Joanna (a Beltraneja) por sua tia Isabel de Castella, foram to intimas depois as relaes da Crte dos Reis Catholicos (1474 a 1504), que D. Joo II de Portugal casou o prncipe herdeiro D. Af fonso com uma filha de Fernando e Isabel, tendo em vista a futura incorporao iberica a que falta esta parte da Hespanha occidental. N'esta epoca litteraria dos Reis Catholicos, em que o apparecimento do Amadis de Gaula symbolisa a absorpo castelhana, brilham Gomes Manrique e seu sobrinho Jorge Manrique, e Garci Sanchez de Badajoz accende esse fogo da paixo amorosa que se propaga em Portugal a Bernardim Ribeiro, e Juan de Enema acorda o genio dramatico de Gil Vicente. Para chegar clareza d'estas trez phases castelhanas, foi preciso que os eruditos hespanhoes Amador de los Rios e Menendez y Pelayo desembrulhassem dos anachronismos dos vastos Can-
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cioneiros manuscriptos do seculo xv o fio conductor que nos d o encadeamento historico. N'este perodo do seculo xv, ou dos Poetas palacianos, a influencia castelhana mascra com o gosto da imitao da poesia esta penetrao que se estava exercendo pelas relaes politicas que deram o exito ambicionado pela Casa de Austria. Entre a Italia do seculo x I v , em que brilha a eschola toscana, e a Hespanha do seculo xv, em que floresce o lyrismo castelhano, ha uma verdadeira similaridade de condies do meio social; esclarece-a a sympathia pela obra de Dante. Gidel, no seu estudo Os Trovadores e Petrarcha, notou: A Italia sugeita a vidos conquistadores ; a ardentes inimigos destruindo a sua liberdade; a crimes e a aces heroicas; no esforo de cidades para fundarem uma independencia gloriosa ; as artes nascendo no meio das conflagraes politicas, taes foram os grandes trabalhos com que foi ferida a imaginao do poeta. (p. 83.) Ainda n'este meio em que vibrava a consciencia nacional, Dante apontava os trovadores que eram dignos de serem imitados, Bertrand de Born para as Canes marciaes, Arnaldo Daniello para as Canes de amor, e Giraud de Borneilh para os encomios da virtude. Em Castella as perturbaes sociaes no foram menos profundas e calamitosas no seculo xv: n'esse fragor de traies de fidalgos, de insurreio de potentados senhoraes, de conflictos de famlias dynasticas, que se cria a bella poesia classica de Castella, e a litteratura, que se tornou o titulo glorioso d'essa epoca. Antigos trovadores
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italianos como Sordello, de Mantua, e Bonifacio Calvo, de Genova, frequentaram as crtes de Arago e Castella, deixando aqui esses germens que' determinaram nas duas crtes o interesse pela obra de Dante e dos Fieis de Amor. Em Castella, que se tornava um centro de preponderancia politica, a nova poesia italiana era communicada pelas traduces e imitaes dos poetas aragonezes, e por directas relaes dos seus homens cultos com a Italia. Teve Castella, no meio das prolongadas perturbaes do reinado de D. Juan I I , poetas primaciaes como Juan de Mena, Hernan Perez de Gusman e o Marquez de Santillana, que, continuando a antiga influencia gallaico-portugueza, souberam vivificar as esgotadas formas trobadorescas com a belleza litteraria suscitada pelo conhecimento ds creaes do genio italiano. Joo de Mena foi o chefe prestigioso d'esta reforma poetica, no seu Labynntlw, ou as Trezentas outavas de synthese historica e moral; elle mesmo traduz do latim a Ilada. Diz Menendez y Pelayo: Com Joo de Mena compartilha o Marquez de Santillana o primado da Eschola allegorica derivada de Dante, e naturalisada em Castella por Micer Francisco Imperial. (Ant., v, p. LXXX.) Foi um grande discpulo dos Italianos o Marquez de Santillana, e um dos mais qualificados precursores de Boscan. Elle introduzia o metro endecasyllabo, como o reconheceu primeiramente Hernando de Herrera,. Os quarenta e dois Sonetos que escreveu o Marquez de Santillana so como elle mesmo indica al modo italiano; e na Dedicatoria confessa a origem: Esta
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arte fall primeramente en Italia Guydo Cavalgante, despus usaron d'ella Checo d'Ascoli Dante, mucho mas que todos Francisco Petrarca, poeta laureado. Como observa Menendez y Pelayo: No tinha chegado a Castella a epoca da dominao poetica de Petrarcha; mas em compensao, o Petrarcha humanista e moralista era um dos auctores mais lidos e mais frequentemente allegados. (Ib., v, p. v I v . ) E definindo as influencias que actuaram na litteratura castelhana do seculo xv, depois das tradies do lyrismo dos Cancioneiros galaico-portuguezes, mostra o citado critico como prevaleceu a frma allegorica de Dante combinada por vezes com reminiscencias de Petrarcha, especialmente nos Triumphos, e de algum outro poeta italiano... (Ib., x x I I . ) E' tambem forte o influxo de Boccacio, traduzido integralmente em castelhano, destacando-se o poema de Fiameta que d origem s Novellas sentimentaes, do Siervo libre de Amor, do apaixonado Joo Rodriguez de Padron, que tanto encantou na crte de Enrique Iv, e Carcel de Amor de Diego de San Pedro. Recebem a cultura italiana alm do Marquez de Villena, Juan de Lucena, Alonso de Palencia, Pedro Dias de Toledo, Cardeal Mendoza; Juan del Encima assistira em Roma, onde esteve tambem Joo de Mena, sendo no seu regresso nomeado secretario das cartas latinas. O conhecimento da poesia castelhana em Portugal no seculo xv foi introduzido pelo Infante D. Pedro, amigo e admirador de Joo de Mena: seu filho o Condestavel D. Pedro tambem me-
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receu a amisade do Marquez de Santillana a quem pediu as suas obras poeticas. Se no fossem as grandes desgraas que cahiram sobre a famlia do Infante D. Pedro, esta iniciao litteraria teria tornado mais fecundo este perodo dos Poetas palacianos. O Infante D. Pedro, que acompanhou seu pae na tomada de Ceuta, em 21 de Agosto de 1415, foi no como do anno seguinte feito Duque de Coimbra, emprehendendo depois as suas viagens longnquas e demoradas por vrios paizes da Europa. No livro da Tragedia da insigne Rainha Dona Isabel, allude o Condestavel seu filho a esse cyclo de Viagens d' aquel que passando la grande Bretanha y las galhas e germanicas regiones a las de Hugria, de Bohemia e de Boria partes pervino, guerreando contra los exercitos del grand Turco por tiempo estuvo, e retornando por la maravilhosa ibdat de Venecia, venido a las ytalicas e esperias provncias, escodrih vido las insignes magnificas cosas, e llegando a la ibdat de Querino tanj las relquias respeitando honor grandssimas glorias de todos los princepes e reynos que vido. : No allude o Condestavel D. Pedro s viagens de seu pae ao Oriente, Jerusalem, Crtes do Soldo de Babylonia; foram apontadas na tradio que se idealisou sob o titulo das Sete Partidas do Infante D. Pedro, vulgarisada no folheto de cordel attribuido a Gomes de Santo Estevam. No seculo xvII D. Erancisco
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Manoel de Mello faz uma referencia jocosa s Sete Partidas, e Gongora pelo seu lado escreve no mesmo espirito:
os envio ese inventario de las partidas que os debo; que es como se os enviara las dei Infante Don Pedro.
Quando o Infante tugal, esteve na crte amisade com Joo de allucle s suas viagens
D. Pedro regressou a Porde D. Joo II, onde tomou Mena, que em umas coplas de estudo:
Nunca fu despues ni ante quyen vyesse los atavios, e secretos de Levante, sus montes, insuas y ryos, sus calores y sus frios, como vs, sefior Ifante. (Canc. geral, t. n, 72.)
Na sua passagem por Veneza a Senhoria offereceu-lhe a copia das Viagens de MarcoPolo, que em Portugal muito suscitaram a empreza dos Descobrimentos geographicos. Quando se achava em Bruges escreveu a seu irmo D. Duarte em T428, aconselhando certas reformas na Universidade de Lisboa, qual convinha agregar Collegios, como se usava em Paris e Oxonia. Era animado do espirito da erudio humanista e moralista do seculo xv, cultivando tambem a poesia, e so d'elle apenas conhecidas as coplas que enviou a Joo de Mena, chronista do rei D. Joo II, (de 1429 a 1445) chamando-lhe acoronysta abastante. Pelo seu lado, Joo de Mena allude s suas funces soberanas de Regente do reino
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na menoridade do seu sobrinho D. Affonso v (1440): por serdes byen regidodios vos fizo su regente.)) O Duque de Bragana, seu irmo bastardo que elle dignificara, tomou-lhe um odio mortal depois que as Crtes de 1441 auctorisaram os esponsaes de D. Isabel, filha do Infante, com seu primo o rei D. Affonso v; esse odio tornouse uma complicada intriga que determinou o assassinato do Infante D. Pedro em 20 de Maio de 1449, quando vinha justificar-se perante o monarcha. Um poeta do Cancioneiro de Resende, Luiz de Azevedo, em uma Elegia em nome do 10: illustre princepe, conta este lance quasi parricidi
Eu andei por muitas partes e por muitas boas terras, muita paz e tambem guerras vi tratar por muitas artes. Mas aquelle dia maries foi infeliz para mim; o meu sangue me deu fim e rompeu meus estandartes.
Dom Affonso v decretou perseguies at ao quarto gro a todos aquelles que acompanharam seu tio o Infante D. Pedro; crivei que isto actuasse no desapparecimento das suas obras poeticas. A esta phase das relaes litteranas com a crte de D. Joo II de Castella, .sob o influxo do Infante D. Pedro, podemos attribuir varias traduces para portuguez de poetas castelhanos. Na Bibliotheca do rei D. Duarte guardava-se um exemplar das composies do Arcipreste de. Hita; e na bibliotheca municipal do Porto guarda-se uma folha avulsa de pergaminho com de-
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zoito coplas escriptas a duas columnas, em que as quadras castelhanas em endechas esto reduzidas a outavas em redondilha. Esse fragmento, em portuguez, corresponde s estrophes 90 a 93, 95 a Ioo, e 113 a 120 dos exemplares do Arcipreste de Hita. De Hernan Perez de Gusmn, publicou Frei Fortunato de Sam Boaventura (attribuindo-as ao Dr. Frei Joo Claro, da Universidade de Lisboa) a verso do Te Deum laudamus e as paraphrases de Padre nosso e Ave-Maria, que no Cancionero general de Castillo vem em nome do ilustre procere castelhano. Nos Ineditos de Caminha, vem em nome de Ayres Telles de Menezes fragmentos vertidos de uma Cano do Marquez de Santillana, que iniciava o joven Condestavel de Portugal no conhecimento historico das differentes escholas poeticas peninsulares. D. Pedro de Portugal, filho do Infante D. Pedro, nasceu em 1429; foi nomeado Condestavel em 1443, sob a regencia de seu pae, do que se originou o odio implacavel do duque de Bragana, que pretendia que esse cargo fosse hereditario na sua famlia por ter casado com uma filha de D. Nuno Alvares Pereira. Aos dezeseis annos foi commandar uma expedio de dois mil infantes e seiscentos cavallos, a Castella, em 1445em auxilio de D. Alvaro de Luna, contra os Infantes de Arago; esteve na batalha de Olmedo, onde conheceu pessoalmente o Marquez de Santillana, ao qual mandou pedir, em 1449, a colleco das suas obras Canciones Decires. O Marquez enviou-as para Portugal, com um Proemio
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ou Carta do mais alto valor historico. Por esta epoca da expedio, o Regente contractou o casamento de D. Isabel, sua sobrinha, com o rei D. Joo II de Castella, pensando assim abrandar o odio do Bragana que pretendia casar esta sua neta com o joven rei D. Affonso v. A estes factos allude o Condestavel D. Pedro na Tragedia da insigne Rainha, fallando de seu pae: Aquel que al rey Johan de Castella sostuvo la real corona en la cabea e Ia moneda de Portugal en los exercitos por el embiados, de los quales t fuerte duque e conductor, hizo tomar a los Castellanos al precio de la propria tierra e casou a la reyna dona Ysabel su sobrina con el rey Don Johan de Castella e a su fija con el rey de Portugal. (p. 58. Ed. Mich.) Esta rainha, que deveu o seu casamento influencia de D. Alvaro de Luna, actuou fortemente na perda do seu favoritismo e ruina. D'ella escreveu o Marquez de Santillana:
Dios vos rizo sin enmienda, De gentil persona cara, E somando su contienda, Qual Gioto no vos pintara.
O Condestavel D. Pedro, durante a Regencia de seu pae, vivia nos seus castellos de Elvas e Ma rvo, no Mestrado de Christo, entregue aos seus estudos litterarios. Teve repentinamente em Maro de 1449 de abandonar Portugal, pelo desastre de Alfarrobeira, onde foi assasinado seu pae pela parcialidade do duque de Bragana e do Conde de Barcellos. D. Affonso v, seu primo, destituiu-o de todos os seus cargos, entregando o 26
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Mestrado de Christo ao Infante D. Henrique. Nas prosas da Tragedia da insigne Rainha, allude situao do Regente: Aquel que con tanta reverenia e lealtad, con tanto acatamiento,con tanta humanidat despues de puesto las sus manos prprias al su pequeno rey Alfonso en la real silla, por nove anos lo crio, en tanta alteza, entre tantas e buenas doctrinas... (p. 58.) Aquel que regio los reynos de los Portuguezes por tanto tiempo con tanta sabieza, con tanta justiia e clemencia. Tudo isto foi pago pela execranda emboscada de Alfarrobeira, a que succedeu o requinte da lei malvada de I0 de Outubro de 1449, perseguindo at quarta gerao aquelles que acompanhavam o Infante. Toda a sua famlia foi desmembrada. Durante os nove annos de desterro o Condestavel de Portugal procurou consolao das desgraas de seus irmos, escrevendo varias composies poeticas, que traduzia para castelhano seguindo o gosto allegorico, imitando o Labyrinto de Juan de Mena e a Comedieta de Ponsa do Marquez de Santillana. A sua irm, a rainha D. Isabel, esposa de D. Affonso v, dirigiu a composio allegorica intitulada Satira de felice e in~ felice vida, que declara, na carta que serve de dedicatoria ser el primero fructo de seus estudios. Fra primeiramente escripta em portuguez, mas durante o desterro traduziu-a para castelhano mas costrehido de la necessidad que de la vo-, luntad. D'esta obra, guardada na Bibliotheca nacional de Madrid, deu extensa noticia Amador de los Rios, e Octavio de Toledo, achando-se hoje
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publicada por Paz y Melia. l Por 1457 escreveu outra composio allegorica entremeiada de'prosa e verso, Tragedia de la insigne Rainha D. Isabel, dirigida a seu irmo D. Jayme, que morreu em Florena, sendo Cardeal-Bispo de Pafos em 1457. Esta obra existe actualmente publicada e commentada pela sapiente romanista D. Carolina Michaelis. 2 Foi ainda do seu desterro de Castella, quando a rainha D. Isabel, sua irm, procurava reconcilial-o com D. Affonso v, que elle dirigiu ao monarcha, seu cunhado, as Outavas castelhanas Del menosprecio contempto de Ias cosas formosas del mundo. Na dedicatoria diz ao rei: que con graiosos e amigables oios tu leas los mil versos mios acompanados de algunas glosas: los quales yo caminando por deportar passar tiempo a la feria pasada de Medina, en mi viaje hove la introduion e la invencion dellos feriado... No Catalogo da Bibliotheca do Condestavel de Portugal, publicado por Belaguer y Merino, n. 82, vem indicado um livro intitulai en la cuberta, ab letres dor, Safira de contento del inundo: reservat en un stoig de cuyre forrat de drap negre. Estas cento e vinte e cinco outavas foram duas vezes impressas no fim do seculo xv, sem data, apparecendo nos exemplares
1 Bibliofilos Espanoles, vol. x x I x : Opsculos literrios de los Siglos x l v a xv. 2 Na Homenage Menendes y Pelayo en el ano vigesimo de su professorado, com uma introduco: Uma obra inedita do Condestavel D. Pedro de Portugal. Madrid, 1899.
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vistos por Jos Soares da Silva e por Hain, rubricas manuscriptas, dando-as como impressas aseis annos depois que foi achada em Basila a Arte da impresso e nove annos depois de inventada a famosa Arte. Quando Garcia de Resende no primeiro quinquennio do seculo x v I , publicou o seu Cancioneiro geral, n'elle incorporou estas Outavas, attribuindo-as ao Infante D. Pedro, e supprimindo-lhe os corrimentos em prosa, em que se revela o verdadeiro auctor. Esta errada attribuio prevaleceu na litteratura; e Amador de los Rios justificava-a por uma referencia isolada mostrando que ahi era chamado D. Alvaro de Luna el Maestre, Sehor d'Esaclona, sendo-lhe dado este titulo em 1445, depois da morte do Infante D. Enrique pelos ferimentos da batalha de Olmedo. (Hist., vil, 75.) Mas em seguida a esta alluso, o poeta falia na morte desgraada de D. Alvaro de Luna em 1453:
Mirad el Maestre si vivio penando Mirad niego juncto su acabamiento. (Est. 12.)
Por este facto o critico Octavio de Toledo poz em evidencia que o Infante D. Pedro, morto em 1449, no podia ser o auctor das estancias em que se commemorava um acontecimento de 1453- Os corrimentos em prosa authenticam a composio do Condestavel de Portugal escripta nas frmas generalisadas por Juan de Mena, e segnindo-lhe o mesmo espirito da historia. D. Affonso v restituiu ao Condestavel D. Pedro o seu mestrado de Christo, e este acompanhou-o expedio afri-
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cana, achando-se com o rei em Ceuta em 1463. Novas fatalidades surgiam, para lhe atormentar a sua existencia contemplativa. Falecido em 1463 o Prncipe D. Carlos de Viana, tambem como elle grande apaixonado da litteratura, foi-lhe offerecido por uma deputao de Catales o Principado e Cora de Arago. O Condestavel acceitou, partindo logo para Barcelona, vendo-se immediatamente empenhado na lucta que lhe promovia o Princepe Fernando, sendo vencido em Prados d'El rey. Refug'iou-se na Catalunha, falecendo em I469 em Granallers, com quarenta annos de edade. A sua livraria (de 96 volumes) continha obras classicas, poemas italianos e francezes e tratados de moralistas. Era um dos mais illustres espritos do seu seculo. O desenvolvimento da poesia palaciana seria um facto inexplicavel, se a creao definitiva do poder monarchico no reduzisse a aristocracia a uma posio subalterna e parasita. Deu-se este phenomeno social no typo da Monarchia franceza, que prevaleceu em Hespanha e Portugal. Depois de atacada a nobreza no seu fro, primeiramente pelo estabelecimento dos Livros de Linhagens, em seguida pela adopo de um Codigo ou Ordenao commum; atacada na sua parte vital a propriedade pela revogabilidade das doaes regias, pela necessidade das confirmaes geraes, e ainda por essa fico romana, a empliyteuse; reduzida inactividade por ter acabado a reconquista sobre o poder mussulmano; e privada da aco individual por que a sua justia arbitraria tomara um caracter abstracto na instituio do Ministerio p-
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blico, n'estas condies em que se occuparia a Nobreza? Esgotada nas revoltas contra o poder real ou lactando pelo favoritismo, acercou-se do rei, fez-se palaciana, inventou festas, torneios, divisas, brazes, e para encher os ocios tediosos dos seres do pao fez-se tambem poeta. O Coudel-mr, dando instruces a um sobrinho para tratar o pao, recommenda-lhe: .Apupar alto lhe rima... E bom ser rifador... Passava-se este phenomeno nas crtes peninsulares; nas crtes de D. Joo II, de Castella, de Enrique Iv e na dos Reis catholicos floresceram os grandes fidalgos e grandes poetas, como os Marquezes de Vilhena e de Santillana, Hernan Perez de Gusman, os dois Manriques. Em Portugal, nas crtes de D. Affonso v e D. Joo II, agrupam-se o Coudel-mr Ferno da Silveira, o Conde de Marialva, Alvaro de Brito, D. Joo de Menezes. As duas crtes aproximando-se pelos casamentos reaes, poetas portuguezes figuram com numerosas composies nos Cancioneiros castelhanos; e um grande numero d'elles escreve em castelhano os seus versos. A poesia palaciana, parte algumas composies allegoricas de um melancholico idealismo, tornou-se exclusivamente pessoal, anecdotica e satrica, procurando, pela erudio, o uso da mythologia classica para dar algum colorido s apagadas expresses convencionaes. Este genero de poesia, tanto em Hespartha como em Portugal, deu logar formao dos numerosos Cancioneiros manuscriptos, sendo os principaes o de Ixar. de Stuniga, o Palatino, o de Gallardo e o da Bibliotheca de Paris, vindo o de Hernan
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de Castillo por via da impresso a influir no trabalho de Garcia de Resende do Cancioneiro geral portuguez, publicado em 1516. 2. Formao do Cancioneiro geral. Ouando Garcia de Resende comeou a colligir as poesias da fidalguia portugueza do seculo xv, escrevia, como justificao do seu trabalho: muytas cousas de folguar e gentylezas ssam perdidas ssem aver d'elas noticia. E sse as que ssam perdidas dos nossos passados se poderam aver, e dos presentes s'escreveram, creo que esses grandes poetas, que per tantas partes ssam espalhados, nam teveram tanta fama como tem. Referia-se, como homem erudito, poesia castelhana, italiana e franceza, cujos exemplares enriqueceram as livrarias de D. Duarte, do Condestavel D. Pedro c de D. Affonso v. Resende accusa essa grande fcula na litteratura portugueza na transio do seculo xIv para o xv. Os desastres da invaso castelhana sob D. Fernando, a que succedeu, sob D. Joo I, o triumpho de Aljubarrota, a empreza guerreira no norte da Africa iniciada pela conquista de Ceuta, as desgraas da crte do rei D. Duarte, que no pde libertar seu irmo D. Fernando morto no cativeiro em Fez, o assassinato do Infante D. Pedro, em Alfarrobeira, e a morte mysteriosa de seus filhos D. Isabel, esposa de D. Affonso v, e D. Joo, rei de Chypre; a perseguio contra o Condestavel D. Pedro, e contra seu irmo D. Jayme, do-nos um quadro bem sombrio para fundamentar o descui-
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do por essas muytas cousas de folguar e gentylezas, a cuja perda allude Resende. Para emprehender a compilao do Cancioneiro geral achava-se Garcia de Resende em uma situao privilegiada; entrara muito criana para moo da camara de D. Joo I I , que comeou a reinar em 1481. Brilhava a poesia palaciana na crte dos reis catholicos; a grande importancia que elle via dar no pao poesia, que formava a parte mais interessante dos seres, levou Garcia de Resende a cultivar tambem a poesia e a sabel-a julgar. O seu talento de musico e desenhador deu-lhe a sympathia do monarcha. D. Joo II confessara-lhe que a poesia era uma singular manha. Na chronica de D. Joo I I , descreve elle este quadro intimo: E estando uma noite na cama j despejado, me perguntou se sabia as trovas de Jorge Manrique, que comeam: Recuerd el alma dormida, etc, e eu lhe disse, que sim; fez-m'as dizer de cr, e depois de ditas me disse que folgava muito de m'as vr saber, e que to necessario era em um homem sabel-as, como saber o Pater noster, e gabou muito o trovar de singular manha, e isto por que eu fiz vontade de o aprender e fazer saber. (Cap. cc.) Com um caracter jovial fleugmatico, com que respondia aos apodos contra a sua obesidade, estimado pelo monarcha que apreciava as suas variadas prendas, tudo o collocava em condies para obter os pequenos Cancioneiros particulares, os cadernos ou rlos de coplas avulsas, e constituir com elles um grande Cancioneiro geral. Alguns fidalgos, como Jorge de Vasconcellos, pro-
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vedor dos Armazens, excusavam-se, no podendo a final resistir sua insistencia; ou como o Abbade d'Alcobaa, a quem enviara um emissario. A colleco portugueza, que encerra composies de trezentos e cincoenta e um fidalgos, foi iormada ao acaso, sem ordem chronologica, nem de generos poeticos, salvo a parte final reservada a Cousas de folgar. Pde comtudo estabelecer-se uma coordenao, localisando pelos Livros das Moradias os poetas palacianos que pertenceram s crtes de D. Affonso v, D. Joo II e que ainda figuraram na crte de D. Manoel. Os nobilirios manuscriptos tambem esclarecem os elementos biographicos d'esses fidalgos e as suas frequentes homonymias. Importante para o conhecimento da vida intima da crte, o Cancioneiro tem alto valor pelas referencias historicas d'esta laboriosa epoca da transformao social que se inicia. Provavelmente determinou esta colleccionao o certme poetico que se deu na crte entre varios poetas que debatiam a questo subjectiva do Cuydar e o Suspirar, em 1483. A estima que Resende encontrava em D. Joo II, fez com que pudesse alcanar da Livraria de D. Affonso V ou de D. Philippa de Lencastre as poucas obras que restavam do Infante D. Pedro, seu pae, e do Condestavel de Portugal, seu irmo. Descrevem-se n'ressas composies os grandes successos do tempo, taes como as festas da Imperatriz, por occasio do casamento da Infanta D. Leonor com o Imperador da Allemanha em 1451; os ricos Momos que o Infante D. Fernando fez ento;
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descobre-se ahi o regresso do Condestavel D. Pedro crte de D. Affonso v em 1464, nos versos do Coudel-mr a el Rei Dom Pedro, que chegando crte se mostrou servidor d'uma senhora a quem elle servia. 1 Alludem tambem descoberta da Mina em 1459 e batalha de Toro em 1474; s celebres Crtes de Monte-mr em 1477; morte de D. Affonso v em 1481, e morte do Duque de Bragana executado em 1483: amas isto veo no tempo da morte do Duque- N'este anno se fez o certame do Cuydar e Suspirar, imitando as Cortes de Amor. Em uns versos refere Pero de Sousa Ribeiro a grande festa de 1490: aquando el rei nosso senhor veo de Santyago, que fez o singular Mmo de Santos... O torneio e as Divisas por occasio do casamento do princepe D. Affonso com uma filha de Fernando e Isabel, em 1491, e a lamentao de Alvaro de Brito pela sua morte desastrosa; o enterro e trasladao de D. Joo II em 1495, tudo alli pulsa na corda plangente ou chistosa, fazendo do Cancioneiro geral um verdadeiro monumento, da vida moral da sociedade aristocratica portugueza, no seculo xv. J n'este Cancioneiro figura Mestre Gil Vicente, (Mestre, titulo do graduado em Artes) que entrou no pao como mestre de Rhetorica de D. Manoel. E como na historia tudo evolutivo, os Momos, Crisautos, Entremezes e Dansas de retorta, da crte de D. Joo II, tudo
I So os versos d'este rei D. Pedro (de Arago) os que se attrbuiram irreflectidamente ao amante de D. Ignez de Castro.
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vem integrar-se no genio dramatico de Gil Vicente, como as recordaes dos faliados Seres d Portugal acordaram o genio lyrico. de S de Miranda e de Bernardim Ribeiro. - Considerado como obra de litteratura, o Cancioneiro essencialmente lyrico, de ordinario satirico nos improvisos provocados nos accidentes dos seroes do pao. Empregam-se as Voltas, Villaricetes, Esparsas, Apodos, Canes e Endechas; nas composies elegacas emprega-se a forma estrophica das celebres Coplas de Jorge Manrique. Ha 110 Cancioneiro Poemetos narrativos ou historicos, endecasyllabos ou endechas, morte do Princepe D. Affonso, e de D. Joo I I , e tomada de Azamor. Eram puras imitaes da forma das Trezentas de Joo de Mena, constituindo um genero usado tambem por Santillana sob titulo de Lamentaes. Os versos de Garcia de Resende em frma de Romance morte de D. Ignez-de Castro, so to bellos, que se no existisse o episodio dos Lusadas, seriam a expresso artstica d'essa grandiosa tradio affectiva. Da forma dramatica contm apenas um rapido esboo no Mmo do Anjo, feito pelo Conde de Vimioso, quando namorado. A maior parte das composies do Cancioneiro eram improvisos sobre qualquer pretexto para animar os Seres do pao: um poeta propunha um thema em frma de Pergunta, sobre qualquer descuido de uma dama, qualquer trajo menos galante de um cavalleiro, como aconteceu com as ceroulas do chanialote de Manoel de Noronha, ou com a gangorra de solya. ou com os pombos que uma dama atirou
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de uma janella; os poetas que entravam no Apodo vinham em Ajuda, e destacavam-se em duas parcialidades, atacando e defendendo s vezes em seres successivos. Outras vezes tomava a feio de um processo forense simulado, em que a propria rainha D. Leonor vinha dar a sentena, como succedeu com o apodo feito a Vasco Abul. Resende tambem foi alvo de enormes cargas satricas a que elle proprio deu publicidade e em que Se fixam alguns traos da sua vida. Esta ordem de composies entrou to profundamente nos costumes palacianos, que difficil foi a introduco dos novos metros da Eschola italiana petrarchista, no principio do seculo x v I , oppondo-se obstinadamente ao dolce stil nuovo as trovas em redondilhas ou da medida velha. Tambem foi essa a primeira maneira dos grandes poetas quinhentistas, ensaiando as azas n'esse estylo de Cancioneiro. Entre aquella alluvio de poetas que metrificaram por feio aristocratica, alguns se destacaram, representando com altura esta epoca, como Alvaro Barreto, Alvaro de Brito, Ferno Brando e Diogo Brando, Garcia de Resende, e Joo Rodrigues de S, que nas suas Heroides, traduzidas de Ovdio, accentua a tendencia erudita dominante. Embora a principal actividade poetica do seculo xv esteja colligida no Cancioneiro geral, muitos Cancioneiros particulares existiram, uns CQmpletamente perdidos e outros no esquecimento dos manuscriptos. Alm das obras poeticas do Condestavel D. Pedro j estudadas, ha apenas noticia d o :
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a) Livro das Trovas de El Rei D. Duarte. - Sabe-se, pelo Catalogo dos seus Livros de uso. achado na Cartuxa de Evora, da existencia d'este Cancioneiro. O rei D. Duarte sabia trovar, como a maior parte dos reis peninsulares, e as suas composies apresentariam pela seu caracter, uma feio didactica, moralista, cor imitaes dos Triumphos de Petrarcha, e verses dos hymnos ecclesiasticos, como fizera Fernan Perez de Gnsman. Perdido o Livro das Trovas de El Rey. podemos fazer ideia da sua aptido poetica, pela verso de um hymno ecclesiastico do seculo x feita a pedido da rainha D. Leonor, sua mulher: E por que por vosso requerimento tornei em linguagem simplesmente rimada de seis ps de um consoante a Oraon do Justo Juiz Jesu Christo, vol-a fiz aqui screver, a qual pera fazer consoar nom pude compridamente dar sua linguagem, nem a fiz em outra melhor forma por concordar "com a maneira e tenon que era feita em latim. J Transcrevemos duas estrophes para conhecer-se a metrificao do poeta :
1 Leal Conselheiro, p. 477. Diz o editor: ''Fizemos grande diligencia por descobrir esta Orao latina, mas com pesar nosso a no pudemos enconseguir; etc.-" Tivemos ns essa ventura; um hymno latino do seculo x do Ms. n." 30 da Academia de Historia de Madrid, publicado Por Helffricb e de Clermont, no Aperu de VHistore des Langues Neolatincs en Espagnc, p. 48. Joo de Barros, na Compilao de Obras varias, p. 55, traz uma verso em Prosa.
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Justo Juiz Jesu Christo Rey dos Rex e boo Senhor, Que com Padre regnas sempre Ha he d'ambos hun a m o r ; Praza-te de me ouvir, Pois me sento peccador. Tu, que do ceeo descendiste En o ventre virginal, Hu tomando logo carne Livraste o segre de mal Por teu sangue precioso De perdiom eternal... I
Tambem existem algumas Outavas em endechas, na forma castelhana, com Preceitos contra a peste. Dominava nas litteraturas o fervor das traduces dos poetas gregos, latinos, italianos, inglezes e francezes; de presumir, que a tendencia erudita de D. Duarte o levasse a exercer n'este campo a sua percia metrica. Existiriam n'esse Livro das Trovas composies lyricas de seu irmo o Infante D. Pedro, de que mui pouco resta, e que elle tanto admirava. b) Cancioneiro portuguez Falia d'este livro Gil Vicente, citando composies que se no encontram no Cancioneiro geral; o que leva a inferir ser uma colleco independente. N'este Cancioneiro escreveu um poeta de Thomar, chamado Affonso Lopes Sampaio, este rifo:
I Eis a primitiva forma latina: Justus judex Jesu Christe, regum rex et domine, .Qui cum Patre regnas semper, et cum sancto flamine Te digneris preces mes clemente suscipere. Qui de ccelis descendisti Virginis in uterum, Inde summens veram carnem visitasti SEeculum, Tuum plasma redimendo sanguinem per proprium...
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Matou-me moura e no mouro, E quem m'a lanada deu Moura ella e mouro eu.
Trovando sobre este versos, traz Gil Vicente a rubrica: Affonso Lopes Sampaio, christo novo que vivia em Thomar, fez um rifo, que andava no Cancioneiro portuguez; ao rifo se fizeram muitas trovas e boas. Pediu o Conde do Vimioso a Gil Vicente que fizesse tambem e elle fez esta trova. c) Cancioneiro portugues da Bibliotheca de Madrid. Fez o hespanhol D. Jos T h o m z , em 1790, descripo d'este codice, contendo: obras burlescas na lingua portugueza, recopiladas segundo parece no seculo decimo quinto. Comprehende 96 folhas de folio, e ainda maior o numero dos auctores de poesias n'elle contedas, as quaes so todas coplas reaes, compostas de duas redondilhas de cinco versos cada uma, outra de quatro: algumas mixtas; poucos villancicos e redondilhas de quatro versos com alguns tercetos. A maior parte dos versos so dos que chamamos de redondilha menor ou de seis syllabas, e se encontra frequentemente o verso quebrado. Ser este Cancioneiro esse referido por Gil Vicente. Bem merecia ser copiado para a Bibliotheca nacional ou para a Academia real das sciencias. d) Cancioneiro do Abbade D. Martinho. Quando Garcia de Resende colligia materiaes para o Cancioneiro geral, soube d'esta compilao e desejou exanimal-a para extractar algumas composies. Assim o revela Resende em uma: Trova sua a Diogo de Mello, que partia
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de Alcobaa, e havia-lhe de trazer de l um Cancioneiro d'um Abbade que chamam Frey Martinho :
Decoray pelo caminho t chegardes Mosteiro, qu' hade vir o Cancioneiro do Abbade frey Martinho. (Can. ger.
III,
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e) Cancioneiro de D. Francisco Coutinho, Conde de Marialva. No fim do seculo xvI apparece pela primeira vez uma referencia a este Cancioneiro, por Frei Bernardo de Brito, a proposito da transcripo das trovas ou Cano do Figueiral: E porque em materias onde faltam auctores vale muito a tradio vulgar, e as cousas que antigos traziam entre si como authenticas e verdadeiras e as ensinavam a seus descendentes nos Romances e Cantares que ento costumavam, porei parte d'aquelle cantar velho que vi escripto em um Cancioneiro de mo, que foi de Dom Francisco Coutinho, Conde de Marialva, o qual veiu mo de quem o estimava em bem pouco... (Monarch. Lusit., fl. 296, 1609.) E accrescenta: 2 depois ouvi cantar na Beira a lauradores antigos com alguma corrupo... De facto essa melodia foi transcripta no Cancioneiro, d'onde a extrahiu em 1855 em Barcelona, D. Marianno Soriano Fuertes, publicando-a na sua Historia de la Musica en Espana. Em que consistiria a corrupo notada na tradio oral? Da sua forma dansada em cro de estavillar, passou para a cantilena em verso de redondilha maior assonantada, que
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como ainda hoje se repete no Algarve. Concorda com o que d'esta Cano escreveu no fim do seculo xvI Miguel Leito de Andrade, na sua Miscellanea: A qual me lembra a mim ouvil-a cantar muito sentida, a uma velha de muita edade natural do Algarve, sendo eu muito' menino. (Nascera em 1555.) Alm das Trovas dos Figueiredos, publicou Miguel Leito na Miscellanea (p. 458 e 460) duas Cartas de Egas Moniz Coelho a sua dama, e as Outavas da Perda de Hespanha (ib., p. 456) sem declarar que eram extrahidas do Cancioneiro de D. Francisco Coutinho, quando as intercalou no meio de uma novella. Frei Bernardo de Brito, publicou na Chronica de Cister (Liv. vI, c. 1) os Versos a Ouroana, tambem sem tornar a referir-se ao Cancioneiro do Conde de Marialva. Como verificar este contedo? O Cancioneiro s torna a apparecer citado no fim do seculo X V I I I pelo erudito academico Dr. Antnio Ribeiro dos Santos, Hlpino Duriense, referindo-se s supra-mencionadas composies: Cancioneiro do Doutor Gualter Antunes. Vimos em tempos passados um Cancioneiro Ms., que parece letra do seculo xv, em que se tratavam Louvores da Lngua portuguesa, em que vinha esta Cano de Hermingues (a Oriana), o fragmento do Poema da perda da Hespanha, e as duas Cartas de Egas Moniz, com as Cantigas de Goesto Ansures (Figueiral), e com variantes em alguns termos que iremos notando em seus logares competentes; este codice era da escolhida livraria do Doutor Gualter Antunes, erudito cidado da cidade do Porto, que nol-o mostrou e d'e]le 27
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copiamos as ditas obras. As variantes foram notadas confrontando as lies conhecidas pelos textos do seculo x v I I , de Fr. Bernardo de Brito e Leito de Andrade. Por este processo' ficou identificado o Cancioneiro do Dr. Gualter Antunes, ms. do seculo xv, com o Cancioneiro de D. Francisco Coutinho pelo sabio philologo Dr. Antonio Ribeiro dos Santos. I Contra esta identificao oppe D. Carolina Michalis um reparo infundado: Mas esse volume (Ms. Gualter) era um opusculo em prosa portugueza, entremeado de documentos illustrativos, entre os quaes avultava uma d'essas cinco relquias. Encontravam-se ahi as cinco peas vulgarisadas no seculo x v I I , e outras composies em verso, com transcripo de musica, o que bastava para denominar esse manuscripto do seculo xv um Cancioneiro1. Como se pode affirmar isto, depois d'este dado fornecido pelo Dr. Ribeiro dos Santos: Por morte do Doutor Gualter Antunes no sabemos onde foi parar com os mais Mss., livros e preciosidades do seu precioso gabinete. Em 1855, D. Marianno Soriano Fuertes, publicando a sua Historia de la Musica en Espana, indicava a pista d'este Cancioneiro: Para dar alguma ideia da poesia portugueza no seculo xII (!) e princpios do seculo X I I I , copiaremos uma Cano extractada de um Cancioneiro antigo, que foi de D. Francisco Coutinho, Conde de Marialva. E a Cano que transcreve effectiva-
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mente em velho portuguez, e acompanhada' de musica; comea: A Reyna groriosa tan de gran santidade, que con esto nos defende do demonio de sa maldade; e tal razon com'esta um miragre contar quero, que fez a Santa Maria, aposto e grande e fero, que nom foi feito tan grande ben des lo tempo de Nero, que emperador de Roma foi d'aquella gran cidade...'' Esta cantiga foi apontada por Amador de los Rios como pertencente a Affonso o Sabio; e de facto no livro das Cantigas de Santa Maria, publicado pelo Marquez de Valmar tem o numero L X V I I . Soriano Fuertes ignorava a sua preciosa e authentica origem, o que mais valorisa a transcripo, bem como a sua melodia. 1 D'esse mesmo Cancioneiro, que tinha mais do que os Louvores da lngua portugueza, transcreveu a Cano do 1 D. Carolina Michalis, querendo invalidar esta descoberta do Cancioneiro de D. Francisco Coutinho, fra a nota ironica: "Parece todavia que resurgiu no nosso seculo, momentaneamente em Barcelona apparecendo a um musicographo privilegiado. Creio que em sonhos! Soriano, cujos juizos em materia litteraria so de uma leveza inaudita, diz ter colhido no Cancioneiro do Conde de Marialva uma cantiga do seculo xII ou xIII. E communicou-a com a notao egual que se v nas Cantigas de Affonso o Sabio. Isto no admira visto ser de facto obra do proprio rei, colhida em qualquer apographo secundario.'' Em 1855 ainda no estavam publicadas as Cantigas de Santa Maria, e Soriano transcreveu essa de um apographo, que era o Cancioneiro de D. Francisco Coutinho.
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Figueira!, tambem com a musica que ahi estava notada; este facto identificava decisivamente o Cancioneiro do Dr. Gualter Antunes com o de D. Francisco Coutinho. Para invalidar este facto, oppe D. Carolina Michaehs, depois de ter dito que Soriano Fuertes vira em sonhos o Cancioneiro, uma hypothese gratuita: O texto tirou-o evidentemente da Monarchia lusitana. E a musica que acompanhava a Cano? Convencida de que o Cancioneiro foi visto em sonhos pelo musicographo hespanhol, condemna os textos do Codice do fim do seculo xv como fabricao litteraria do seculo x v I I : O romance (do apparecimento) emparelha provavelmente com as mesmas relquias da arte nacional, em prosa e verso, que appareceram no tempo das mudanas maravilhosamente a ponto para fornecer certas patranhas e doutrinas histricas, genealogicas e litterarias, ento em moda. (Canc. Aj., r i , 268.) Quer referir-se ao tempo das alteraes, depois da perda de Alcacer-kibir, em que se simularam satiras e prophecias, em um fervoroso apocryphismo. Nos fins do seculo xv que irrompeu o apocryphismo litterario, iniciado por Anio de Viterbo revelando Annaes egypcios. e chaldeus, e dando logar em Hespanha eschola pseudo-erudita dos falsos Chronices, com um syncretismo de lendas do cyclo troyano e de poemas arabes. O Cancioneiro de D. Francisco Coutinho no era trobadoresco. mas uma miscellanea, como reconheceu a illustre critica; isto explica o apocryphismo de algumas das composies colligidas, cujo valor consiste n'esta caracterstica do seculo xv. O que M-
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acceitavel por absurdo, anachronico e estpido, so as crcumstancias que revestem essas composies, marcando-lhes phantasiosamente pocas, personagens, auctores e situaes histricas. Joo Pedro Ribeiro, o fundador da diplomtica portugueza, rejeitou em bloco tudo isso, envolvendo as composies, sem lhes determinar a forma litteraria, que revelaria um apocryphismo do sculo xv, com certo valor artstico. Ribeiro dos Santos fez o exame dos vocbulos, para determinar o seu valor archaico, sem notar que se simula antiguidade com palavras obsoletas. No era esse o verdadeiro critrio para apreciar as cinco composies do Cancioneiro de D. Francisco Coutinho, que se vulgarisaram avulsas no sculo x v i i , apenas pelo espirito de compilao curiosa. Consideremol-as luz do apocryphismo do sculo xv, que immediatamente se verifica: Fragmento do Poema da perda de Hespanha. So quatro outavas em endechas, ou de gaita gallega, forma j usada por Af fonso o Sbio, mas posta em voga por Joo de Mena, no meado do sculo xv, nas suas Trezentas em bellas narrativas histricas. Esta forma foi empregada nas narrativas histricas do Cancioneiro de Resende, e ainda pelo chronista Joo de Barros, fazendo um esboo da Epopa portugueza. O thema da invaso de Hespanha vulgarisou-se com todo o impressionismo da lenda potica, desde que Pedro dei Corral, publicou em 1443 a Crnica Sarracina, e a Crnica dei Rey D. Pedro con la Destrncion de Espana; elle emprega tiradas da Cronyca Troyana, e lances tomados do Amadis. O
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nome de Cava, (do arabe Cabha, rameira) filha de D. Faldrina, irm de D. Opas, muda-se no de Florinda na Verdadeira historia de D. Rodrigo, por Miguel de Luna. I O nome de Miramolim (Emir el mumenin) s foi usado do seculo xII por diante. Essas quatro Outavas eram uma Lamentao da perda de Hespanha, segundo o genero de Lamentao, de que falia o Marquez de Santillana, das luctas politicas do reinado de D. Juan II e Enrique Iv. Cano do Figueiral. Desprezadas as circumstancias de que Frei Bernardo de Brito cercou este cantar velho, e o nome de Goesto Augures, fica uma Cano bailada, ligada a um episodio da lenda de Tristo da novella do seculo X I I I e x I v . E podemos mesmo consideral-a um Eai primitivo do perdido texto do Tristo portugues. Outros Lais de Tristo, foram colligidos muito deturpados no Cancioneiro Collocci Brancuti. No ser o do Figueiral um d'esses que pela melodia tradicional se conservou por seu turno no Cancioneiro de D. Francisco' Coutinho? A lenda do Tributo das Donsellas, pago a Morhouet da Irlanda, foi transformada no Peyto burdelo que recebia Mauregato, servindo o milagre da sua libertao para fundamento do
I Estas Chronicas so paraphrases da Cronica de D. Rodrigo anonyma, onde se a g l o m e r a r a m as tradies da Torre ou Cova encantada de Toledo, os amores da Cava e a Penitencia do Rei Rodrigo. Pedro dei Corral tambem se serviu amplamente da Chronica do Mouro Rasis (AhmedAr-Rasi) na "traduco castelhana do seculo x l v fundada sobre outra portuguesa feita pelo mestre Mohamed e o clerigo Gil Pires. 8 (Pelayo, Origines, p. CCCLv.)
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Censo ou Votos de San Thiago. Antes da Novella de Tristo, a lenda do Tributo das Donzellas derivava do mytho dos Drages, a quem se pagavam Donzellas, que os heroes, como personificao solar, resgatavam. O mytho dissolveu-se em lenda pica e novellesca, e tambem agiologica. Vemos.esta transio no Lai de Guingamor, a que Affonso o Sabio deu forma de lenda, conhecida em Portugal no enlevo de um monge de Villar de Frades. Tambem o Lai do Figueira] apparece na lenda agiologica de San Thiago libertando' as Donzellas, na tradio de Simancas, Veiga de Carrion, lenda heraldica dos Queiroz, de Betanos ou Peito Burdelo, em Hespanha; e em Portugal, Figueiredo das Donas, em Vizeu, Alfandega da F, Castro Vicente, Chacim e Balsemo. Foi o interesse clerical que propagou a tradio novellesca dando-lhe feio agiologica. E' absurdo desprezar uma Cano novellesca propagada 110 fim do seculo x I v , e que mo piedosa colligiu, a par de uma Cantiga de Affonso o Sabio, em um Cancioneiro do fim do seculo xv. As duas Canes de Egas Moniz. Appareceram pela primeira vez publicadas por Leito de Andrade, attribuindo-as gratuitamente a um cavalleiro da crte de D. Affonso Henriques; pela frma poetica, v-se que essas quadras com dois versos de redondilha maior, com quebrados de redondilha menor, foram empregadas pelo Arcediago de Toro no fim do seculo x I v , no apparecendo nos Cancioneiros trobadorescos portuguezes dos seculos X I I a x I v ; pela linguagem intencionalmente de uma rudeza archaica, conhece-se uma
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inteno satrica (como na Gesta de mal dizer). Esse Egas Moniz, em nome do qual se fez a Cano, um fidalgo do fim do seculo xIv, que atraioou D. Joo I, passando-se para Castella, como diz a Cantilena: Cambiastes a Portugal Por Castilla... Pela Pedatura lusitana ( I I I , fl. 7.) era filho de Pero Coelho; casara com D. Maria Gonalves Coutinho, filha de Gonalo Vaz Coutinho, d'onde procedem os Condes de Marialva. Restitudas as circumstancias lendarias aos seus resduos de verdade, as duas Canes, como do seculo xv, certo que Joo Pedro Ribeiro com todo o seu rigor diplomatico as apreciaria como documento litterario da Eschola gallaico-portugueza, em que escreviam Pero Gonzalez de Mendoza e Gomez Manrique. A Cano de Ouroana. Publicada por Frei Bernardo de Brito na Chronica de Cister (p. 713) acceitamol-a por existir no Cancioneiro do Dr. Gualter Antunes, onde a leu o Dr. Antonio Ribeiro dos Santos em grande estado de deturpao. Desprezemos todas as circumstancias e attribuies phantasiosas do chronista, que sendo bom poeta, poderia, com o seu intuito apocryphista dar-nos uma Cano legvel. Mas d'essa mesma deturpao se tira uma certa luz. A Cano dirige-se a Ouroana, nome da amante de Amadis de Gaula, celebrada no seculo xv por D. Alonso de Cartagena, e sendo thema de melodias ou Chacones. I O rapto de Oriana salva
1 No Catalogo da Bibl. de Musica de D. Joo tv, cita-se: Triumpho de Oriana, a 5 e 6 vezzes, de Michel Est, e outros.
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por Amadis do poder do Magico Archelo teria sido o thema de uma das Canes perdidas da novella na sua forma portugueza. A Cano de Joo Lobeira explica estas perdas. At aonde se degradam os versos intercalados na musica, v-se no Cancioneiro de Barbieri, do seculo xv. Na Cano a Ouroana cita-se a frma da Chacone, ainda no seculo xvI commum Italia e Hespanha, e em Portugal existe a Chacoina no povo de Friellas, e a Chacoula no Alemtejo. Dos Cancioneiros trobadorescos portuguezes at ao Cancioneiro geral de Garcia de Resende vae um grande hiato, um vacuo, que em parte pode ser preenchido pela ennumerao dos poetas portuguezes que figuram nos vastos Cancioneiros hespanhoes, e pela somm espantosa de Motes velhos, Cantigas, Esparsas, Dizeres, que passaram para a gerao quinhentista, e que lhe suscitaram a delicada sentimentalidade, ou sustentando a resistencia dos poetas da medida velha. 3. 0 Existencia de um elemento popular. No seculo xv, como observou Gaston Paris, floresceu subitamente na Europa a poesia popular na sua forma lyrica e pica; so os Romances velhos em Hespanha, as Aravias em Portugal, as Cansone e Stramboti italianas, os Gwerziou na Bretanha, as Ballads na Inglaterra e Escocia, os Volkslieder na Allemanha, as Chansons toile na Frana, e os Kampviser scandinavos. Correspondia este facto a uma transformao social, em que as classes servas da Edade mdia eram um terceiro estado que se integrava entre os po-
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deres da nao, tal como escrevia um embaixador de Veneza: vche per voce commime si puo chiamare popolo. E emquanto a aristocracia ou o elemento courtois e a Egreja ou o elemento clercois, se confinavam em uma erudio morta, em um separatismo degenerescente, o elemento popular, constituindo a classe mdia productora e numerosa, inspirava-se da realidade da vida, que lhe sorria, aspirava a uma nova ordem social. O desenvolvimento litterario da lingua portugueza e a exagerada cultura latina dos seus escriptores determinam o afastamento do povo; a litteratura, como a planta fra do humus fecundo, desde que se no alenta na tradio nacional estiola-se procurando 1 a luz nas correntes do gosto por uma imitao submissa. Assim nos aconteceu com o castelhanismo. O povo portuguez, que pela sua organisao social em Behetrias se elevou muito cedo unificao nacional, possua caracteres accentuados de individualidade, tinha costumes idealisaveis, festas, cantos e tradies maravilhosas, como a das Ilhas encantadas. Tudo nos indica, que essa crena veiu excitar a imaginao dos navegadores portuguezes no seculo xv, levando-os explorao do oceano' Atlantico, do Mar Tenebroso dos antigos. Nas celebres viagens do Baro de Rosmital, de 1465 a 1467, vem descripta a sua digresso em Portugal, e ahi aponta a narrativa de uma Ilha encantada a que aportaram os navegadores portuguezes: que um dos reis de Portugal mandara construir navios e os enchera de todas as cousas necessarias, e puzera em cada navio doze escreventes, provendo-os
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de viveres para quatro annos, para que d'aquelle logar navegassem pelo espao de quatro annos at o mais longe possivel, e lhes mandou escrever 0 que vissem, os paizes desertos a que chegassem, e finalmente os contratempos que no mar experimentassem. Estes, portanto, segundo nos foi contado, tendo sulcado o mar pelo espao de dois annos completos, chegaram a umas certas trevas, das quaes sahindo, passado o espao de duas semanas aportaram a uma ilha. Alli, chegados os navios praia, tendo desembarcado, encontraram debaixo da terra casas construdas, abundantes de ouro e prata, das quaes comtudo no se atreveram a tirar nada. A lenda contada pelo viajante Rosmital, muito dramatica e extensa, tendo recebido outras redaces curiosas em differentes epocas. A crena popular das Ilhas empoadas (Ilhas brancas) alludida por Gil Vicente e D. Francisco Manoel de Mello, e segundo os crdulos ainda se avistam dos Aores e das Canarias. Refere-se tambem Rosmital s Endechas, ou Clamores e brados sobre finados, que se prohibirm no tempo de D. Joo I: Ha tambem alli certa costumeira: morrendo alguem, levam para a egreja vinho, carne, po e outras comidas; os parentes do morto acompanham o funeral vestidos de roupas brancas proprias dos enterros, com capuzes maneira dos monges, com o qual se vestem de um modo admiravel. Aquelles porm, que so assalariados para carpirem o defuncto vo vestidos com roupa preta, e fazem um pranto como o d'aquelles que entre ns pulam de con-
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tentes ou esto alegres por terem bebido. Instes costumes denunciam a vitalidade de uma poesia popular semelhante aos Aurusta de Bearn, aos Areytos hispanicos, aos Tribuli e Vocero da Italia e da Corsega. Encontram-se na Chronica dos Carmelitas do P. e Pereira de Santa Anna, as Cantigas que o povo de Lisboa entoava na sepultura do Condestavel D. Nuno Alvares Pereira, com que perpetuavam a memoria do santo guerreiro na tradio nacional; pela Paschoa florida vinham as mulheres cantar-lhe varias seguidilhas sobre a sua sepultura; e os moradores do Restello pela segunda outava do Espirito Santo, e os moradores de Sacavem pelo seu anniversario. J em vida, porta do Convento onde o Condestavel se recolhera, vinham os pobres saudal-o como santo em sinceras cantilenas. Por differentes chronicas se encontram intercaladas cantigas do povo, pelo seu esprito epigrammatico, e grande parte d'ellas serviram como Motes velhos nas trovas dos Cancioneiros, e foram glosadas pelos genios Iyricos do seculo x v I , salvando-se algumas entre as composies melodicas dos contrapontistas. Contra a Cano popular no seculo xv prevalecia a Cano allegorica dos poetas palacianos; contra o Romance ou cano narrativa deblaterava com desprezo a erudio dos humanistas. Assim o Marquez de Santillana, na sua Carta ao Condestavel de Portugal, com a auctoridade do seu talento e grande saber, soltava esta condemnao: nfimos son aquelles poetas, que sin regia ni cuento facen aquelles Cantares e Romances de que la gente baja e de servil con-
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dicion se alegra. E r a o grito de separao entre os escriptores e o povo, que ia caracterisar a Renascena no seculo x v I . Mas apesar de todo esse desprezo os Romances tradicionaes tinham razes fundas, e mesmo nas Crtes foram glosados e reelaborados. No Cancioneiro de Resende allude-se a dois romances Nunca fue pena maior, e a Bella mal. mandada. No seculo xv cantava-se o romance dos amores do rei D. Fernando com a mulher de Joo Loureno da Cunha, conservado entre os Judeus do Levante; romances populares sobre os amores de D. Ignez de Castro foram assimilados por Garcia de Resende e accommodados em varios romances anonymos castelhanos e catales: as aventuras verdicas dos amores de D. Pedro Nino com a princeza D. Beatriz deram motivo para o romance do Conde Ninho (Olino); existem colligidos os romances morte do princepe herdeiro de Castella, D. Joo, e do Princepe D. Affonso de Portugal, em 1491, com toda a energia pathetica da alma popular. Observa Menendez'y Pelayo, sobre a transformao dos Romances populares: E' certo que quasi todos os Romances que chamamos velhos, adquiriram no seculo xv a frma que ainda conservam, ou como mais proxima a ella; porm rarssimo, principalmente os historicos (que so o nervo da nossa poesia popular e o mais caracteristico d'ella) aquelle que no tenha origens muito mais remotas e possa suppr-se ento composto pela primeira vez. (Antol., v. p. X V I I . ) Nos romances tradicionaes portuguezes notam-se duas frmas de versificao: o metro qui-
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nario, de redondilha menor, que prevaleceu at ao seculo xv, emquanto o romance foi dansado cantado, a que o Chanceller Ayala chamava Versetes de antiguo rimar; e o metro octonario ou de redondilha maior, que prevaleceu do seculo xv em diante, quando os romances separados da dansa e da musica, como exclusivamente narrativos eram resados (recitados). Esta forma facil e espontanea facultou aos eruditos a transformao dos romances velhos no thema, mas actualisaclos ao seculo xv, glosados e parodiados, at se tornarem subjectivos. O nome de Romance, que para os eruditos significava a linguagem vulgar, tambem designava esses Cantares sn regia ni (Mento, deprimidos por Santillana; o povo, que conservava oralmente o seu thezouro tradicional, dava-lhe o nome de Aravias. As populaes portuguezas confinadas nos Archipelagos da Madeira e dos Aores desde o meado do seculo xv, conservaram na mais estupenda integridade o grande romanceiro tradicional tal como existia na pennsula hispanica n'essa epoca; basta vr os mais completos paradigmas dos Aores e Traz-os-Montes, com os fcos tradicionaes das Asturias e da Catalunha, estendendo as comparaes para os cantos da Frana meridional e da Alta Italia, E este fundo poetico portuguez ainda se enriquece com os Cantos tradicionaes dos Judeus portuguezes, que se refugiaram no Levante. Nas Memorias avulsas de Santa Cruz de Coimbra, l-se: E este Mem Moniz era muy ardido cavalleiro e sabia mui bem falar a ara-
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via.... No seculo xv os poetas do Cancioneiro de Resende empregavam a palavra aravia para designar a falia do vulgo, nos seus ditos e chascos: D'estas novas nom dou mais,
porque ser demasia, querer falar aravia com vos que a ensinaes. (Canc. ger., I I , 300.) Dois pontinhos de aravia. (Tb., 130.) E falia mil aravias... (Ib., I I I , 186.) Pareceys por aravia, grande couvo de vesugos... (Ib., I I I , 617.)
Coincide o emprego d'esta palavra com a designao aoriana de Aravia; nas colonias hespanholas de Mexico tambem se encontra o nome de Yaravi designando cantares heroicos em versos octosyllabicos assonantados. O missionrio Acosta, na Historia natural da ndia, referindo o gosto dos mexicanos pela musica, e da vantagem que d'isto se tirava para a catechese, diz: Tambien han puesto en su lingua composiciones y tonadas nuestras, como de Cauciones, de Romances de redondilhas; y es maravilla quan bien los toman los indios y cuanto gustan. (Op. cit., p. 47.) Eis aqui uma evidente connexo entre a Aravia aoriana e a Yaravi mexicana, reportando-nos a um fundo ethnico commum a Portugal e Hespanha entre a populao mosarabe. O romance po1 Pi.rt. Mon. (Scriptores) I, p.
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pular chegou a ser desconhecido pelos escriptores, mas no se obliterou na tradio portugueza considerada pelos folk-loristas como a mais ar~ chaica e bella da Europa. E' para notar, que na invaso do castelhanismo na litteratura portugueza do seculo x v I , os. escriptores que crearam os Autos populares, nacionalisando o theatro pela representao dos costumes, intercalaram com significativa graa muitos romances tradicionaes que andavam na verso oral antes da publicao das colleces castelhanas. O theatro portuguez esboava-se no seculo XV sobre os elementos sociaes da Edade mdia. Uma grande parte dos costumes portuguezes ainda hoje nos apresenta frmas dramaticas, como os Descantes das Janeiras, das Maias, dos Colloquios da Lapinha ou Presepios, e muitos actos da vida usual, como as malhadas do centeio no Minho, a apanha da azeitona no Alemtejo, e o enterro das Sestas, a festana da obra nova ou po de fileira, terminando com paradas e apdos satricos. No seculo xv encontram-se muitas referencias a divertimentos theatraes: l-se no Leal Conselheiro do rei D. Duarte : em ta! maneira que nom parea que os alhardaes teem mais sabedoria que ns, porque elles nom se trabalham d'arremedar as estorias melhores, mas que lhe som mais convenientes. Pois estas cousas taes esguardar o albardam na zombaria, e nom as veer o homem sabedor en sua vida... (Op. cit., p. 321.) Esta palavra empregada pelo Arcipreste de Hita, por Gil Vicente transformada para exprimir a sua predileco pelos divertimentos dramaticos, dando-se
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figuradamente por filho de um albardeiro. No Cancioneiro geral Alvaro de Brito, em 1496, allude a uma forma theatral:
Estudantes pregadores metem Santas Escrituras em Sermes; derivados em amores, fazem de falsas feguras tentaes. (Canc. ger., 1, 189.)
Em uma carta de perdo de D. Joo I I , de 23 de abril de 1482, esclarece-se este costume de que fra accusado o estudante pregador Rodrigo Alves, escollar de Artes, morador em Setubal, tendo sido prezo por andar ((pregando como o italio, e remedava Judeus em maneira de capello e arrabi, e dezia Da-lhe, a que respondia o Juiz e tabellies e alcayde em som de missa, e que dezia uma paixom de um Frade e de uma Freira e um Veredyno (vre dignurn) de um Crerigo que roubaram em um caminho, e se acabava em uma voce: Bibamus... E' um completo repertorio bazochiano. Gil Vicente, que se graduou Mestre em Artes, pertencera na epoca dos seus estudos a este elemento escholaresco. Tudo o impellia para a creao do theatro nacional. A forma aristocratica do theatro estava tambem esboada no seculo xv. No Archivo da Camara do Porto acham-se os recibos da despeza feita pelo Concelho da Cidade para o Tablado c com os que tangeram nas Matinadas, por occasio do baptisnio do Infante D. Henrique de 20 a 22 de Outubro e de 7 a 8 de Novembro da era de 1432.
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(Perg. Liv. 3.0, da fl. 40.) Nas festas do pao tambem se usavam Momos e Entremezes; pelo casamento da Infanta D. Leonor ficaram na memoria os que ento se fizeram:
Eram vossos tempos Autos nas festas da Imperatriz. (Canc. ger., fl. 47 V.)
Duarte de Resende e Alvaro de Brito faliam nos novos entremezes; no casamento do princepe D. Affonso, em 1491, fizeram-se em Evora Momos, em que tomou parte D. Joo II envencionado em Cavalleiro do Cisne. No Cancioneiro geral ha referencia ao singular Momo de Santos. O theatro hieratico era tambem dramaticamente suggestivo; certas commemoraes historicas foram celebradas com Procisses, como as quatro de Corpo de Deus, ordenadas por D. Joo II, alm da instituio da Eucharistia no dia do milagre da cra, em vespera de Santa Maria de Agosto pelo vencimento da batalha real, e no dia da victoria de Toro e Samora. Para se vr definida a frma dramatica basta transcrever do regimento d'essa procisso: Os homens d'armas, estes todos bem armados sem nenhuma cobertura, e com as espadas nuas nas mos, e levaro San Jorge muy bem armado com page e uma Donzella, para matar o Drago. Os grandes descobrimentos martimos do fim do seculo xv crearam uma effectiva riqueza publica, que, ampliando as relaes da vida civil, proporcionaram o desenvolvimento da arte e litteratura no grandioso seculo quinhentista.
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(Perg. Liv. 3. 0 , dam lhe garantirem o throno. tambem se usa neste calaram a Conveno, casamento da Pelas Poedera de Rymer, pela qual moria os que Pensamento politico proseguido por stardos seus descende ntes. No s pela de uma realeza recente como pelo casacom uma filha do D.uque de Lencastre, . Joo 1 deu todo o rel vo sua crte por exagerao de frmulas cavalheirescas. As Norelias cavalheirescas, como em um pre-quixotL1110. pautavam a vida palaciana. O Infante D. Pedro, mandando compilar as Ordenaes Affonsinas, fez ahi introduzir o Regimento de Guerra, em que minuciosamente se reproduzem as cerimonias da investidura dos gros da Cavalleria com o ritual da epoca das cruzadas. Os Poemas da Tavola Redonda, communicados pelo squito de D. Phillippa de Lencastre e relaes com a crte ingleza, eram lidos com fervor pelos cavalleiros dedicados nova dynastia e o proprio D. Joo I tratava os cavalleiros no crco de Coria, pelos nomes dos companheiros do bom Rei Arthur, que com elle se sentavam Meza Redonda. O prurido cavalheiresco era extemporaneo, mas acirrado pelas Novellas de cortezania; o Condestavel D. Nuno Alvarez Pereira imitava a virgindade heroica de Galaaz que tomava para modelo das suas aces. Esta phase (las Novellas de Cavalleria, com os seus sentimentos fictcios, penetraram nos costumes da sociedade portugueza, apparecendo empregados na aristocracia como nomes civis os nomes dos principaes heroes dos poemas arthurianos. Percorrendo documentos do
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seculo xv. acham-se no onomstico usual, Dona Iscu Perestrello, Dona Iseu Pacheco de Lima; so vulgares os nomes de Genebra, Oriana e Viviana; figuram Tristo Teixeira, Tristo Fogaa, Tristo da Silva; Lanarote Teixeira, Lanarote de Mello, Lanarote de Seixas, Lanarote Fuas; Lisuarte de Andrade, Lisuarte de Liz; Percival Machado; Arthur de Brito, Arthur da Cunha. Os Fotos denodados, e as aventuras galantes da Ala dos Namorados, dos Cavalleiros da Madre Silva, dos Dose de Inglaterra resultam de uma moda cortezanesca estimulada pelo genero litterario dominante. Nas Bibliothecas portuguezas do seculo xv, como as de D. Duarte, Infante Santo, Condestavel D. Pedro abundam os poemas da Tavola Redonda em lucta com o elemento erudito, moralista e historico. Operava-se um syncretismo dos themas da Tavola Redonda com os do cyclo do Santo Graal; isto exaltou mais as imaginaes em que a emoo mystica acordava a apagada paixo amorosa. Este o caracter com que se elaboraram as Novellas portuguezas do seculo xv. O Cyclo da Tavola Redonda abrangeu as tradies britonicas da lucta contra a invaso dos Saxes, sendo o Rey Arthur o heroe em que se encarnara toda essa resistencia e a inextinguvel esperana de resurgimento e triumpho. Para se vivificarem estas tradies guerreiras, ligaram-se na credulidade popular ao espirito religioso das lendas da introduco do Christianismo em Inglaterra (Egreja proto-cathdrica) pelo discpulo de Jesus, Joseph ab Arimatha. que trouxe o Calix (o Santo Graal) ou escudela por onde o Salvador
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bebera na ultima ceia com os apostolos. Para. a busca d'este Calix, perdido desde o incendio do mosteiro de Glastombury, instituiu-se a Ordem da Cavalleria celeste entre os Cavalleiros da Tavola Redonda. Assim se fundiram os dois themas poeticos em uma nova elaborao artstica. Charles d'Hericault, determina uma phase em que os dois themas foram independentes: E' verosmil que nos dados primitivos, anteriores aos romances que chegaram at ns, estas duas ordens de poemas eram bem distinctas. Pde-se inferir, segundo o grande numero de traos abafados no conjuncto, que a Cavalleria do Santo Graal representava uma ideia puramente religiosa; ella queria mostrar-nos o ideal do guerreiro christo na lucta contra as paixes e contra o inimigo exterior da Egreja de Deus Mas esta preoccupao appareceu nitidamente s nos poemas allemes. Na Epopa franceza, o poema do Santo Graal e o de Percival le Gallois, so os nicos que appresentam uma theoria mystica e que se preoccupam sinceramente do santo Calix. Nos outros poemas Arthur o personagem preponderante, e vem-se brilhar os aspectos mundanos da Cavalleria, a guerra e o amor, ou antes o habito da guerra e a galanteria do amor. Os cavalleiros, companheiros do Rei breto, partem demanda do Santo Graal; foram investidos para estas emprezas, mas parecem sempre esquecer o seu projecto e fim da sua instituio no meio de mil aventuras que surgem na sua passagem. l
i Essai sur 1'origine de 1'Bpope franaise, p. 49-
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. No comeo do seculo X I I I Robert de Boron emprehendeu narrar em prosa toda a historia do Santo Graal, tomando de Gautier a tradio de que esse Calix pertencera a Joseph de Arimatha, o apostolo da Bretanha. Esta primeira parte, tem por fonte o Evangelho apocrypho de Nicodemus. Todo este vasto Cyclo prosificado e ampliado por Boron, existiu adaptado lingua portugueza. D'esta primeira parte intitulada Livro de Josep ab Arimatha, achamos uma referencia no Cancioneiro geral, em uns versos de Alvaro de Brito morte do Infante D. Pedro em 1449:
Do comprido Mestre Escolla ou Josep Baramatya. (Canc. ger., II, 278.)
No manuscripto n. 643 da Torre de Tombo, tem esta Novella, no fim do volume, esta declarao: Este Livro mandou fazer Joo Sanches, mestre escolla de Astorga, no quinto armo que o estudo de Coimbra foy feito e no tempo do papa Clemente que destruiu a ordem del Templo e fez Concilio geral em Viana, e posto o entredito em Castella, e n'este anno se finou a rainha D. Constana em So Fagundo, e casou o Infante D. Philippe com a filha de D. A. anno de 13 bij anno. Foi este texto do Mestre Eschola de Artorga, conhecido em Portugal por 1449; podemos descrevel-o com as palavras de um copista do meado do seculo x v I : O qual Livro segundo por elle parece he scripto em pergaminho e illuminado e a caise de duzentos annos que foi scripto, trata de muitas anteguidades e materias boas e saboro-
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sas. Este livro ficou perdido at princpios do seculo x v I , em que foi achado pelo Dr. Manoel Alvares, do qual fez uma copia que offerecu a D. Joo III, ficando esta mesma tambem desconhecida at 1846 em que Varnhagem tomara nota d'ella em Lisboa. Eis o seu titulo com a parte da Dedicatria mais interessante: Livro de Josep ah Aramatia. intitulado : A primeira parte da Demandando Santo Greal at a presente idade nunca vista./ Treladada do proprio original por ho Doutor Manoel Alvarez Corregedor da Ilha de S Miguel. Derigida ao muy alto e poderoso princepe el Rei D. Joo ho 3. 0 d'este nome, El Rei nosso Seor. I Na Dedicatria fixa-se a data da offerta: E de quantos mosteiros e casas piadosas por vossa gloriosa memoria ajais edificado e nas da Unwersidade de Coimbra per V. A. principiada e acabada, e com vossos nestoreos annos ser mui acabada. Allude s reformas de 1537 e 1549. Depois, justificando a offerta, d estas noticias litterarias: fora muy estranha cousa e por certo dina de grande castigo ser o presente Livro en vosso Reino achado, e dar-se a Princepe extranho, e ainda que n menos de estranhar parea em mim esta ousadia e de emprehender a trasladao da presente obra... E com esta ousadia comecei a trasladao do presente Livro, que a V. A. offereo, o qual eu achey em Riba Dancora (he uma
1 Fol. em papel de linho, com 3II folhas, e cxIx Captulos, com diversas letras do seculo xvI. Ms. n. 043 da Torre do Tombo.
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freguesia) em poder de uma velha de muy antiga idade no t' mpo que meu paay C.r de vossa Crte, servia V A. de C. o r Dantre Douro e Minho. E dizejido que era em pergaminho com i Iluminuras, revela-nos uma obra principesca. Continua : E porm a letra a muyta antiguidade na ser tam legivel e asi por muitos vocabulos irem na antiguidade d'aquelle tempo que agora inintelligiveis nos parecem, tomei d'isto por escudo vossa muita clemencia e beninidade, que d'este temor me defendero... d'elle no mudei seno hs vocabulos inintelligiveis. que se podem entender na antiguidade (Vaquelle tempo os leixei hir. Este apographo. perdido da crte de D. Joo III, tem a nota: Livro da Cartuxa de Scala Cceli, do qual o 111."10 Rev. m 0 Snr. D. Theotonio de Bragana Arcebispo1 de Evora e fundador da mesma Casa fez doao. ' [A segunda parte da Demanda do Santo Graal contem a historia de Merlim^ inspirando-se Bpron da Fita Mcrlni de Geoffroy de Monmouth. Esta parte foi desenvolvida na litteratura peninsular, achando-se hoje publicado texto castelhano de 1498, Baladro do Sabio Merlim, sendo uma amplificao do Tristan com o nome de Bret de Luce de Gast. Na Bibliotheca do rei D. Duarte vem apontado um Mcrli; na da rainha Isabel a Catho-
] D'esta Primeira parte da Demanda do Santo Graal, est publicado o cap. LXVI : Dos grandes trabalhos que Mordain na pena passou e das tentaes que o diabo lhe fez e do que lhe Deus disse, fl. 105. (Na Chrestomatia archaica de J. J. Nunes, p. 56 a 62. Lisboa, 1906.)
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lia, um caderno manuscripto en romance que se dice de Merlin con cobertura de papel de cuero blancas, habla de Josef ab Ar. natha. D'este livro restam ainda na tradio portugueza algumas estrophes propleticas nas rovas do Bandarra. Na Hespanha, em vez de tomar os Saxes como os inimigos da f, substituiram-lhes os Sarracenos nas prophecias merlinicas; e desde as victorias de D. Affonso Iv, na batalha do Salado, e de D. Affonso v em Arzilla, at D. Sebastio e D. Joo Iv no se apagaram as esperanas do acordar do Leo dormente. Ainda nos costumes populares persistiram reminiscencias da novella de Merlin; no regimento da Procisso do Corpo de Deus em Lisboa, como se v em um apontamento da Camara municipal de 1493, indicando as figuraes de cada mister, lse: Peliteiro com o Guato pautt. E r a a cath Palay, felino monstruoso do Lago de Genebra celebrado em muitas variantes de Merlin. Na novella de Cifar ha uma referencia a este Gato paull: viu-se o rei Arthur em maior aperto com o Gato Paus, que nos vemos ns outros com aquelles malditos. Escreve Menendez y Pelayo, nas Origines de la Novella. sobre os vestgios d'este cyclo em Portugal: E o que so as proprias Trovas do sapateiro Bandarra, estranho apocalypse dos Sebastianistas, se no uma sobrevivencia das de Merlin? (Op. cit., p. C L x x v I I . ) A terceira parte da Demanda do Santo Graal, ainda existe na lingua portugueza, no esplendido manuscripto n. 2594 da Bibliotheca de Vienna,
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do fim do seculo xIv com o titulo de: A historia ilos Cavalleiros da Mesa Redonda e da Demanda do Santo Graal. Consta de 199 folhas de pergam i n h o ] 1 O texto francez, que foi liberrimamente paraphraseado em portuguez, intitula-se La tierce partic de Lancelot du Lac avec la Queste du Sainte Graal et la dernire partie de la Table Ronde. Na Livraria de Isabel a Catholica,- n. 143, existia tambem a Torcera parte de la Demanda del Santo Grial en romance; e na do Princepe de Viana, de 1461, tambm um manuscripto del Sangreal em francez. Na folha 129 do texto' portuguez fazse referencia ao texto latino romanceado por Roberto de Boron: ca o nom achei em francez nem Boron no diz, que eu mais achei na grande storia do latim, de quanto' vos eu conto. Seria alluso ao Liber Gradalis, contendo a lenda da vinda de Joseph ab Arimatha Bretanha, feita por um monge do seculo vIII e amplificada por Geoffroy de Monmouth. A parte secreta d'essa lenda, era a preteno da Egreja da Bretanha independencia da Egreja de Roma, por ser tambem proto-cathdrica. A isto allude na fl. 2 1 : Mas esto nom ousou mudar Roberte de Boron, do francez em latim, porque as paridades da santa egreja nom os quiz elle descobrir; ca. nom convm que os saiba home leigo.)) Na redaco portugueza d'esta terceira parte da Demanda do Santo Graal deu-se uma alterao
1 Esto publicadas at fl. 70 pelo Dr. Karl von Reinhardstoettner. Berlin. 1887. O Dr. Wechssler, considera-a uma traduco do texto francez. Na Revista lusitana, vol. v, est publicado um excerpto da parte indita.
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profunda em que Lancelot, por causa do seu amor adultero, substitudo por Galaaz, o Cavalleiro parthenio. I Predominava em Portugal a tendencia para separar os dois Cyclos, tratando no de Santo Graal a theoria mystica. em que a sua empreza era realisada pelo poder da perfeio moral do Cavalleiro. Cledat, no estudo sobre a Epopa cortez, observa: Tem-se reparado quanto extravagante, que a lenda do Santo Graal ou o triumpho da castidade a mais perfeita se enxertasse na lenda arthuriana, que a glorificao do amor o mais sensual e o mais apaixonado. Esta opposio das duas lendas est indicada nitidamente e a sua fuso engenhosamente explicada pelo auctor do Lancelot em prosa no episodio da concepo de Galaaz. 2 O Condestavel D. Nuno Alvares Pereira, imitando a virgindade heroica de Galaaz, como refere a sua Chronica anonyma, lra na sua mocidade este desfecho da grande novella em prosa, que vae do nascimento de Lancelot at a sua morte, s aventuras de Percival, mas em que a gloria da conquista do Graal compete a Galaad. Eis o trecho da Chronica do Condestavel: E com esto avia gram sabor de leer livros de estorias, especialmente usava leer a esloria de Galaaz, em que se continha a somma da Tavola Redonda. E por que em ella achava que per vertude de virgindade que em elle ouve, e em que perseverou Galaaz, acabara muy notaveis feytos, que outros nom poderam acabar. E elle dei Menendez y Pelayo, Origines de las Norcllas; p.
CLXXXII.
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sejava muito de o parecer em alguma guisa, e muitas vezes em sy cuidava de ser virgem... (Cap. m . ) No Catalogo dos Livros de uso do rei D. Duarte, vem apontado 0 Livro de Galaaz; d'onde se pode inferir, que teve um desenvolvimento importante para substituir o de Lanccloi. Tudo revela que existiram em portuguez todas as Novellas cortezanescas do Cyclo do Souto Graal, que soffreram essa calamidade que dispersou, quando no destruiu, o nosso opulento espolio litterario. Na novella manuscripta de Josep ab Arimatha, trata-se por vezes da lenda do Imperador Vespasiano: basta apontar a summula de alguns captulos: Como o Emperador perguntou se J. C. creia nos idolos (cap. 4.) C o m o o Emperador enviou buscar as relquias de J. C. pelo seu mestre sala (cap. 5 . ) C o m o Vespasiano foi gafo (cap. 21.) Como a Vernica veio a Roma, e como Vespasiano foi so... (cap.-23.) Vespasiano havendo promettido no queimar nem enforcar a Caifs, o manda metter em uma barca ventura, (cap. 27.) Algumas d'estas summulas so eguaes de captulos da Historia de Vespasiano, impressa em Lisboa por Valentim de Moravia em 1496. Pertencendo esta novella ao Cyclo do Santo Graal, pelo seu desenvolvimento contamina-se com o Cyclo greco-romano e as lendas apocryphas dos Actos de Pilatos. T O moderno editor d'esta rari1 Edio de 1905, por Esteves Pereira. In-8. de 114 pag. comprehendendo prologo, texto, e appensos.
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dade bibliographica d-nos preciosas indicaes sobre a origem d'esta novella historica. A forma mais antiga d'esta narrao parece encontrarse em um apocrypho, de que ha duas redaces: uma publicada por Tischendorf, com o titulo Vindicta Salvatoris, e outra publicada por Mansi com o titulo Cura sanitatis Tiberii Ccesaris Augusti, por que n'esta redaco o imperador Tiberio, que, atacado da doena, foi sarado. Em uma segunda frma da mesma redaco, muito mais vulgar na Edade mdia, o imperador Vespasiano que foi atacado de lepra e miraculosamente sarado, e emprehende a vingana de Jesus Christo...; esta forma da narrao... teve um successo immenso e foi traduzida em quasi todas as lnguas faliadas na Europa central e Occidental. Embora no tenha sido encontrada esta redaco latina, determina-se a sua existencia porque diversas redaces em prosa feitas em provenal, francez, catalo e castelhano, presuppem um texto original commum, tanto pela egual disposio da narrao, como tambem pelo modo de dizer. Attribue-se segunda metade do seculo xII a redaco latina: as relaes entre Josep ab Arimatha e a Historia de V espasiano. a primeira mais extensa, remontando ao seculo x I v , e texto differente, assentam sobre esse originai latino, sendo a do seculo xv derivada da redaco franceza La destruction de Jerusalem ou La vengeance de Jesus Christ, de 1491. Existe uma traduco castelhana, impressa in-4. 0 , sem data, de que d noticia o Catalogo da Livraria de Fernando Colombo, filho do Almirante das In-
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dias, e que elle comprara em Sevilha por outo maravedis. I Ser uma edio de Juan Vasquez, de Toledo, cujas impresses terminam em 1486, ou uma outra de 1490. Esteves Pereira conclue: que a redaco portugueza, posto que conforme com a franceza na sua disposio geral, differe comtudo d'ella em pequenos accidentes; emquanto que ella concorda com a redaco castelhana, no s na sua disposio geral mas tambem nas menores particularidades, de modo que uma parece ser traduco verbal da outra. A edio castelhana da Historia de Vespasano de I499, pela sua grande conformidade do texto e das estampas da nossa impresso de I496, como o affirma Esteves Pereira: permittem conjecturar, que o texto da impresso castelhana de I499 uma retraduco da redaco portugueza, como as estampas so uma copia com ligeiras modificaes das estampas da impresso portugueza As relaes intimas da crte portugueza com a de Castella determinavam estas communicaes litterarias; pelo casamento de D. Joanna, irm de D. Affonso v, com Enrique Iv de Castella, quando o prurido da erudio humanista abafava o lyrismo allegorico, a galanteria da crte, com as suas intrigas amorosas, provocou o enthuziasmo pelas Novellas cavalheirescas. O Amadis de Gaula, ainda na sua redaco portugueza, era lido com predileco, dando-nos noticia do seu auctor o chronista Gomes Eanes de Azurara,
Gallardo,
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como quem o tinha diante dos olhos. A novella estava em uma nova elaborao cyclica, e em Castella, encabeavam nas narraes dos feitos do Amadis os de seu irmo Florestem; allude a este ramo o poeta Joo Affonso a D. Juan II, por
Jo lei del Capitan et grand duque de Bailou, de Narciso e de Jason, de Ercoles e de Roldan, Carlo-Mano et Florestan, de Amadis e Lanarote Valdevinos camelote de Galas et de Tristan. (Cod. Gellardo, Fl. 34 v.)
Gayangos considera a mais antiga novella castelhana El Caballcro Cifar como uma das imitaes do Amadis; Menendez y Pelayo, reconhecendo que esta novella pode ser mais antiga como fico, affirma que no tm relaes entre si. Baist enteflde que Cifar mais antiga, mas o syncretismo dos elementos agiographico, cavalheiresco e didactico provam o contrario, porque o effeito moral que se procura, sacrificando-lhe o processo artstico, j uma degenerescencia. Os novellistas tinham sempre diante de si como typos de imitao os personagens da novella do Amadis; na novella catalan do seculo xv, Curial y Guelfa (p. 498) citam-se entre os mais celebrados amantes Amadis e Oriana. (Pelayo, Orig., p. c e I I I . ) Os poetas castelhanos, como Fernan Perez de Gusman, referiam-se sempre a esse ideal feminino:
Ginebra e Oriana E la bella reyna Iseo. (Canc. Baena, n.
572.)
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A influencia do Amadis apparece reflectida no Tirant il Blanch, que Martorell, vivendo na crte de D. Affonso v, por 1460, escreveu na lngua portugueza, traduzindo-o depois para catalo, como reconhece Menendez y Pelayo. Apparece tambem essa influencia na novella do poeta gallaico da crte de Enrique Iv, Joo Rodfi guez del Padron; na sua novella Siervo libre de Amor, o episodio da Historia de los amores de Ardenlier Liessa foi o germen que suscitou mais tarde Bernardim Ribeiro a crear a sua novella autobiographica. Tambem na Cronica Sarracina, de Pedro del Curral, as aventuras de Amadis so adaptadas s narrativas lendarias da Perda de Hespanha pelo rei D. Rodrigo. r Porventura este processo litterario suscitou Garci-Ordonez de Montalvo a reelaborar o Amadis de Gaula, para consagrar a conquista de Granada como termo do domnio sarraceno em Hespanha. A recente introduco da Imprensa na pennsula, universalisando as novellas typicas de Cifar e Amadis de Gaula, deu vigor a esta representao do genio medieval atravs da corrente fascinadora dos estudos classicos da epoca da Renascena. Mas a corrente humanista, como se v pela Confectio Catoniana, manuscripto do seculo xv, considerava j uma leitura inutil as volumosas historias de Tristo, de Lancelot ou do A madis, Fallando das poucas referencias dos poetas portuguezes do seculo xv ao Amadis de Gaula.
1 Menendez y Pelayo, Origines de la Novella, p. ccIv.
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Menendez y Pelayo relaciona o facto: considerando que; quasi todo o cabedal poetico da primeira metade do seculo xv desappareceu, ficando uma grande lacuna entre os Cancioneiros da eschola gallaica, que propriamente termina no reinado de D. Affonso Iv e o Cancioneiro de Resende, compilado nos primeiros annos do seculo xvI com obras de auctores que floresceram os mais, depois de 1450, e appareceram inteiramente dominados pela influencia de Castella. 1 D'esta obra em que se revela o genio de um povo, diz o critico Menendez y Pelayo: obra capital nos annaes da fico humana, e uma das que por mais tempo e mais profundamente imprimiram o seu sello no s no dominio da phantasia como tambem nos habitos sociaes. (Ibid., p. c x c i x . ) III
Predomnio da Erudio latina
O seculo xv continuou a primeira Renascena interrompida iniciando a epoca da erudio, pelos moralistas, jurisconsultos e humanistas. Desponta por toda a parte a Renascena sob o aspecto philologico e artstico. No se opra de um modo brusco a negao da Edade mdia; os espritos cultos ao passo que se apaixonam pelas obras da Antiguidade greco-romana, afastam-se do contacto com o povo, confimando-se nas escholas e na
Origines de la Novella, p. c c I v .
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curia, na crte e na egreja, desprezando o elemento tradicional da litteratura. A coexistencia das duas correntes, a medieval e a classica, apparece de um modo nitido nas transformaes que recebe a lngua portugueza escripta, e na escolha das obras das bibliothecas principescas, antes da vulgarisao da Imprensa. I.o Estado da lngua portugueza: Frmas populares e eruditas. Como a litteratura, a lngua nacional recebeu tambem um desenvolvimento erudito, modificando-a e mprimindo-lhe um caracter differente d'aquelle que teria, se os escriptores do seculo xv, em vez de augmentarem o lexico com palavras tomadas directamente do latim ciceroniano, se reconhecessem obrigados a escrever para o povo, em uma linguagem vernacula que elle entendesse. Se a lngua portugueza seguisse uma evoluo natural, chegaria organicamente a essa contraco das palavras, que tanto se exerceu na lngua franceza, submettida smente no seculo xvI auctoridade dos eruditos, quando j no podiam alterar a sua morphologia, no obstante as innovaes do seu lexico. A lingua portugueza desde que comeou a ser escripta foi fixando as suas frmas ao arbtrio dos traductores; por isso as duas leis phoneticas suppresso das vogaes mudas e queda das consoantes mediaes, exerceram-se. continuamente na linguagem oral, mas foram modificadas na linguagem escripta. Sob esta divergencia os vocabulos appresentam frmas duplas, conforme a palavra proveiu do fundo popular modificada pela lei das
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alteraes phoneticas, ou introduzida immediatamente do latim dando-lhe os eruditos a simples terminao portugueza; alm d'isso as diversidades de accepo ou sentido, pelo processo semeiologico, augmentam a duplicidade da mesma palavra. I As frmas populares, em que prevalece o archaismo, s foram introduzidas accidentalmente nos textos como vicio de escripta; as frmas eruditas introduzidas com preteno culta, tornaram a lingua litteraria convencional, qual o rei D. Duarte chamava lingua ladina ou ladinha; lin
1 Eis
POPULAR:
alguns
exemplos
do
phenomeno:
LATIM:
ERUDITO:
Ancho ...................................... Amplo .................................... Amplus Almalho ............................... .. Animal ...................................Animalis Amendoa ................................ Amygdala ..............................Amygdala Bodega .................................... Botica .................................... Apotheca Bago ...................................... Baculo .................................. Baculo Caldo ................................. .... . Calido ...................................... Calidus Couto ................................. .... . Covado .................................... C ubitus Combro ................................. .. Comoro ................................... Comorus Delgado ................................. Delicado ................................ Dellcatus Deo ....................................... Decano ................................... Decanus Enxabido .............................. . Insipido ................................ Insipidus E i r a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Area . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A rea Froixo .................................... Flacido .................................. Flacidus F r i o ...................................... Frigido ................................ Frigidus Freima .................................. Fleuma .................................Flegma Grude ..................................... Gluten .................................... Gluten Insosso .................................. Insulso ..................................Insulsus Lidimo................................... Legitimo ............................... Legitimus Lobrego ................................. Lugubre ................................. Lugubre Meolo .......................... .......... . Medula .................................... Medula Mezinha ....................... .......... Medicina ................................. Medicina Nedio ..................................... Nitido .................................... Nitidus Olho ........................................ Oculo ....................................... Occulus Pao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Palacio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . P a l a t i u n P a r d o ................ ................. Palido ................................. Palidus P............. ......................... Polvora ............................... Pulvis P a r o l a ..... .......................... P a l a v r a (Parabola) ................ Parabola Quedo ..... ............................. Quieto ................................... Quietus Rlha .... .............................. Regra .................................... Regula Sstro ................................ Sinistro ............................... Sinisirus Telha .. ............................... Tcla .................................... Tegula Vedro ..... ............................... Velho ..................................... Vetulus
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miagem que se tornou de uso corrente entre as classes illustradas, a ponto de j no fim do seculo xv se julgar a linguagem popular de tal modo archaica que se tornou necessario traduzir para a linguagem corrente os documentos officiaes antiquados, o que motivou a refrma dos Foraes ainda no tempo de D. Joo II. Quando se colligem do dictado popular as cantigas, romances e contos c que se nota quanto hoje mesmo a phonologia, a morphologia e a syntaxe da lingua do povo se affastam da linguagem escripta. Na morphologia (listinguem-se os substantivos pelo suffixo mento em vez de o; ha incerteza nas frmas em om e um; emprega-se o pronome ornem e homem como indefinido; formas verbaes em ades (aes)J participios em udo (ido), e toma-se directamente do latim o suffixo issimo para a formao dos superlativos, que antes do seculo xv eram compostos com o adverbio mui, muito e mui muito. No Leal Conselheiro do rei D. Duarte fixa-se a introduco d'este superlativo litterario: porque nos Senhores esta virtude antre todas muyto recebe grande louvor, onde por especial d'ella som chamados illustrissimos e serenssimos, mostrando que som assy claros em verdade... (p. 213.) E' d'esta mesma epoca o documento sobre Behetrias, onde se l: Conde de Barcellos, filho do muito virtuoso e zntorissimo rey D. Joham. I Nas crtes de Evora de 1481 apparecem os seguintes superlativos santssima, christianissimo, grandssima. A
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natureza d'estes ultimos documentos revela-nos, que tambem os jurisconsultos na traduco das leis romanas imprimiram certo cunho litterario linguagem vulgar; na phraseologia jurdica o archaismo popular por vezes encontra-se como neologismo, assim na frmula tedo e mantedo; nascituro, novimestre, etc. As traducges do latim. A actividade dos traductores das lendas medievaes e dos patrologistas, no seculo x I v , revelada pelos codices de Alcobaa, foi continuada no reinado de D. Joo I com mais fervor e enthusiasmo pelos moralistas e cultores da erudio classica. Influiu este facto no augmento do lexico pelos neologismos eruditos, e nas construces classicas que se foram tornando ellipticas. Egual phenomeno actuava nas lnguas romanisadas. Pedro de Bercheure traduzindo Tito Livio, introduziu nas linguas modernas as palavras auguro, auspicio, cohorte, colonia, faco, fastos, inaugurao, magistrado, senado, transfuga, triumpho; Oresme traduzindo Aristoteles introduz os novos vocbulos: aristocracia, demagogia, democracia, despota, insurreio, monarchia, oligarchia, sedio, tyrannia, O poeta castelhano Joo de Mena. ampliando pela boa cultura humanista a linguagem poetica, introduz no seu Labyrinto, as palavras compostas: armigero, belgero, evitemo, nubifero; e os neologismos dulcido, exilio, ficto, funereo, minas,, mendacia, pigro, superno, tabido, turbido, ultriz; e os verbos : insuflar, prestigiar, trucidar. Em Portugal o Infante D. Pedro, ao fazer a compilao dos sete livros de Seneca, usa d'esta mesma liberdade neolo-
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gica. desculpando-se: E os que menos letrados foreru do que eu sou, nem se anojen d'algumas palavras latinadas e termos scuros, que en taes obras se nam podem escusar. l Do secretario do Infante D. Fernando, Frei Joo Alvares, abbade de Pao de Sousa: E que no fez o alis erudito Frei Joo Alvares?Parece quiz trasladar todas as palavras latinas para o nosso idioma. 2 A abundancia e a facilidade dos neoterismos, actuava sobre o estudo da synonimia; assim observa o Infante 1 D. Pedro, na Virtuosa Bemfeituria: A taes prazeres como este chamam-se em latim Juainditates. E ns por no termos em nossa linguagem vocabulo apropriado, podemol-os chamar Sobreavondante e extremada alegria. O rei D. Duarte tambem se entrega a estas consideraes synonimicas : aDa yra, seu proprio nome em nossa linugagem sanha. (Leal Cons., p. 96.) J com caracter philosophico procura estabelecer a synonimia da lingua: Antre nojo e tnsteza eu fao tal diferena; por que a tristeza, por qualquer parte que venha, assy embarga sempre contynuadamente o coraom, que nom d spao de poder em al bem pensar nem folgar; e o nojo a tempos, assy como se vee na morte de alguns parentes e amigos, onde aquel tempo que per justa falia ou lembrana se sente, o sentymento muito rijo; porm taaes hi ha que passado o dia logo riim, faliam, e despachadamente no que lhes praz pen-
1 Ms. da Virtuosa Bemfeituria, liv. I, cap. 2. 2 J. Pedro Ribeiro, Reflexes philologicas, N, 4, p. 42.
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sam. E a tristeza nom consente fazer assy, por que he ha door e continuado gastamento como apertamento de coraom; e o nojo nom continuadamente, salvo se tanto se acrecenta que derriba em tristesa. E tal deferena se faz antre nojo e o pesar; porque o nojo no spao que o sentem faz em aquel que o ha grande alterao, mostrando manyfestos sygnaes em chorar, sospirar, e outras mudanas de contenena, o que nora mostra o pesar solamente, ca bem veemos que das mortes de alguns nos pesa muyto, e nom nos derriba tanto que faamos o que o nojo nos constrange fazer, e menos caymos em tristesa, nem d'elles a vemos sanha, mas propriamente sentimos no coraom um pesar com asss de sentido... O desprazer he j menos, porque toda cousa que se faz, de que nos nom praz, podemos dizer com verdade que nos despraz, aynda que seja tam ligeira que pouco sintamos.E o avorrecimento avemos de algumas pessoas que desamamos, ou de que avemos enveja, posto que seja em nossa secreta camara do coraom, e dos desgraciados, enxabidos ou sensabores, e aquesto do que fazen que a ns nom pertena nem nos torve;... E a suydade nom descende de cada ha d'estas partes, mas he hum sentido de coraom que vem de sensualidade c nom de razom, e faz sentir aas vezes os sentidos da tristesa e do nojo. (Ib., cap. xxv.) Os processos que assim actuaram sobre a degenerescencia da lingua portugueza, reduzem-se innovao dos traductores, e influencia do meio litterano em que os escriptores pensavam e viviam. O bom saber consistia na arte de bem traduzir, em que
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predominava a frma paraphrastica. O rei D. Duarte expe as regras: Da maneyra para bem tornar alguma leitura em nossa linguagem: Primeiro, conhecer bem a sentena do que a tomar, e poella enteiramente, nom mudando, acrecentando, nem minguando alguma cousa do que est escripto. O segundo, que nom ponha palavras latinadas, nem d'outra linguagem, mas todo seja em nossa lngua scripta, mais achegadamente ao geeral boo costume de nosso fallar que se podr fazer. O terceiro, que sempre se ponham palavras que sejam direita linguagem, respondente ao latim, nom mudando umas por outras, assy onde desser per latin scorregar, nom ponha afastar, e assy en outra semelhante, entendendo que tanto monta uma como outra, porque grande deferena faz para se bem entender serem estas palavras propriamente escriptas. O quarto, que nom ponha palavras, que segundo o nosso costume de fallar sejam havidas por deshonestas. O quinto, que se guarde aquella ordem que egualmente deve guardar em qualquer cousa que se escrever deva, scilicet, que escrevam cousas de boa sustancia claramente para se bem poder entender, e fremoso o mais que elle poder, e curtamente quando for necessario, e para esto aproveita muito paragraphar e pautar bem. Se um rasoar tornando do latim em linguagem, e outro escrever, achar melhoria de todo juntamente per hum s feito. (Ib., p. 476.) O sabio monarcha exemplificou estas regras vertendo em redondilhas o hymno Juste Judex. Sob a influencia do rei D. Duarte, fez o sabio bispo de Burgos, D. Affonso de Cartagena, quan-
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do esteve como enviado na corte portugueza, a traduco da Rhetorica de Cicero: Fablando con vos, princepe esclarecido, en materias da sciencia en que vos sabedes fablar, en algunos dias de aquel tiempo en que la vuestra crte, por mandado del rey catholico mi senor, estaba, viuvos a voluntad de haber de la Arte de la Retorica, en claro linguage, por conocer algo de las doctrinas de los antiguos dieron para fermoso fablar. Et mandasteme, pues yo a esta sazon parecia haber alguno espacio para me occupar en cosas estudiosas, que tomase un pequeno trabajo, e pasase de latin en nuestra lengua la Retorica que Tulio compuso. J Para o rei D. Duarte, quando princepe, compilou dos moralistas antigos um Tratado de Virtud; n'elle se l: Porque las cosas nobles e provechosas, mientras mas se extienden al pro comun. non solamente mas nobles, mas aun divinas se facen, segund que lo escribio Aristoteles en el tomo de las Ethicas. Commigo pensando determine trasladar en nuestra comun lengua castellana, un gracioso e noble tratado que de virtudes fall, el cual de los dichos de los Morales filosofos compuso el de loable memoria D. Alfonso de Santa Maria, obispo de Burgos, al muy illustre muy nclito sr. D. Duarte, rey de Portugal, seyendo primero princepe, al cual Memorial de Virtudes intitulo. 2
i Fl. 45, v do Libro de Marcho tulio ieron, que se llama de la Retrica, trasladado de latin en romance, por el muy reverendo D. Affonso.de Cartagena, obispo de Burgos a ynstancia dei muy esclarecido Princepe D. Eduarte Rey de Portugal. (Bibl. do Escurial.) 2 Ap. Gallardo, Biblioteca, t. n, p. 255.
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A rainha D. Isabel, filha do Infante D. Pedro, mandara tambem traduzir a Vita Christi, de Ludolpho Cartusiano; este livro andava na Casa real desde D. Duarte, que traduzira o capitulo septimo da primeira parte que intercalou no Leal Conselheiro, (cap. 28.) No tempo d'este monarcha era ainda essa obra considerada de auctor anonymo: aquel livro Vita Xp, que fez segundo dizem, que per el nom se noma, hu freire da ordem dos Cartuxos. (Tb., cap. 85.) A rainha D. Isabel, me de D. Joo II, mandou trasladar de latim em linguagem portuguez, ao muy pobre de vertudes dom Abbade do moesteiro de S. Paulo. A rainha D. Leonor encarregou da impresso d'esta obra a Valentim de Moravia e Nicolo de Saxonia a sua estampa; e como em 1495 a linguagem parecesse muito antiquada, encarregou o seu pregador Frei Andr, franciscano, da reviso do texto. Os philologos portuguezes do seculo xv I reconheceram este extraordinario phenomeno; escreve Duarte Nunes de Leo: Do tempo da rainha D. Philippa e de seus filhos para c, houve er Portugal, na policia e tratamento das pessoas reaes muita differena e bons estylos e muita differencana linguagem e nos conceitos.-!) l Tambem Fr. Manoel do Sepulchro assignala o mesmo facto: E no ha duvida, que maior mudana fez a lingua portugueza nos primeiros vinte annos do reinado de D. Manoel: como vmos pelos escriptos em verso e prosa de uns e outros tempos. 2 A carta
1 Chron. D. Joo 1, cap. 86. 2 Refeio espiritual, 2, n. 3.
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regia de 22 de Novembro de 1497 reconheceu a necessidade de modernisar o texto dos Foraes. Esta rapida transformao no se operou na lngua castelhana no fim do seculo x v ; e quando Garci Ordonez de Montalvo corrigiu o Amadis de Gania, em 1492, de los antiguos originales, que estaban corruptos compuestos en antiguo estilo, era sobre um texto portuguez que praticava esta modernisao na linguagem e nos conceitos. Bibliothecas. Smente os reis e princepes e que podiam possuir livros, antes da descoberta da Imprensa, por causa dos seus preos extraordinarios segundo o esmero dos copistas e illuminadores e das luxuosas encadernaes. Os livros que se facultavam aos estudiosos eram concatenati, prezos por cadeias estante, como bem se declara no testamento do Doutor Mangancha, de 1448: e que os meus livros se pozessem en hutna Livraria per cadeas.)) Entre esses livros cita-se um Chino, o celebrado Commentario de Cino da Pistola aos nove primeiros livros do Codigo, ponto de resistencia dos civilistas contra os decretalistas. Encontram-se os nomes dos varios copistas que trabalharam nas livrarias regias e principescas; em documento de 2 de Novembro de 1451, fallase en Johan Gonsalves, scripvam que foe dos livros do ifanfe D. Pedro; Domingos Vicente apparece aposentado do cargo de escrivo dos livros do rei D. Duarte, em 25 de Janeiro de 1446; o rei D. Affonso v tinha um illuminador Vasco, e em 3 de julho de 1452 d uma tena a Gonalo Eanes, creliguo, capellam, nosso illuminador
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dos livros... I Conhece-se a Bibliotheca do rei D. Duarte pelo Catalogo dos seus livros de uso encontrado na Cartuxa de Evora; n'ella, como nas dos seus contemporaneos, acham-se promiscuamente representados o elemento medieval, e o grecoromano e humanista, tendendo a prevalecer este ultimo, a ponto de no seculo xvI os poemas da Edade mdia serem desprezados e at esquecidos. Na bibliotheca do rei D. Duarte guardava-se a Dialectica de Aristoteles, um Valerio Maximo, Seneca commentado, Cicero, Vegecio, Tito Livio, Julio Cesar, as obras dos Santos Padres e moralistas ecclesiasticos. O elemento medieval tambem se achava brilhantemente representado, figurando o Livro de Tristo, o Amante (Confessio Amantis) de Gower, Merlin, o Livro de Galaaz, a Historia de Troya em aragonez, traduco de Jacques Coresa do francez de Benoit de Sainte More; o Livro do Conde de Lueanor de D. Joo Manoel, a Gran Conquista de Ultramar, as obras do Arcipreste de Fysa (Hita), o Livro das Trovas do Rei D. Dinis, e o das Trovas do Rei D. Affonso. Pelo caracter austero e estudos philosophicos do rei D. Duarte, deve considerar-se esta parte da sua livraria como nucleo da Livraria real de D. Joo I Outros livros da Edade mdia eram lidos na corte de D. Duarte, taes como o Ovidio da Velha (De Vetula) traduzido por Richard de Furnival, que apparece citado no maI Documentos publicados pelo Dr. Sousa Viterbo, na sua memoria A Livraria real, especialmente no reinado de D. Manoel.
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nuscrito da Crte Imperial: bem sabedes que hu grande poeta muy genhoso e mui sotil antre os outros poetas foi o que ouve nome Ovidio Naso e foi gintil. E este fez muitos livros., o qual antes de sua morte compoz hu livro que cham Ouvidio da velha, e este livro foy achado em no muymento... Este poema exemplifica o syncretismo das duas correntes medieval e classica, que o seculo xv ia separar implacavelmente. A pequena livraria do Infante D. Fernando acha-se apontada no testamento que fez antes da expedio de Tanger; n'essa lista destacam-se entre as obras mysticas: um livro de linguagem chamado Rosal d'Amor. Item, outro livro que chamam Isac, em linguagem... Item o livro da Rainha D. Ilizabeth... Item, o livro de linguagem que chamam Hermo espiritual. Predominavam na sua livraria as obras dos Santos padres. A Bibliotheca do Condestavel D. Pedro, como se v pelo seu catalogo de 30 de junho de 1466, constava de noventa numeros, contendo obras extremamente raras e com as mais esplendidas encadernaes. N'esta livraria tem egual importancia o elemento medieval e o classico com a erudio humanista; apontaremos o poema de Alexandre en ffrances, Deis fets de la Cavallerie en ffrances, Boecio de Consolacion en vidgar cas'tell, Conquestas de Ultramar en vulgar castella, Sidracho lo philosopho, Les Cent balades, Troyn en leti, Joan Bocaci. Entre os livros da corrente greco-romana destacam-se o Sonho de Scipio, as obras de Aristteles, Bthica, Politica e Economica; Suetonio, a Vida de Cesar, Tullio, De
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Officiis, Valerio Maximo en vulgar francez, as Epistolas de Seneca en vulgar francez, Plutarcho, Lber de Viris illustribus; Virglio, Les Bnehides, Tito Livio, de secundo bello punico; Josepho, De bello judayco; Plinio, de la natural istoria; Cornelio Tacito; Commentarios de Cesar, Justino; Declamaes de Seneca; Ovidio, Metamorphoseos; Liber Ysopetis, etc. Da Livraria de D. Affonso v falia o chronista Ruy de Pina, dizendo: que ajuntou bos livros e fez Livraria en seus paos. Em uma quitao passada a Ferno Dias, almoxarife do Castello e pao de Lisboa, l-se em data de I de janeiro de 1452: Item, deu e pagou cinquenta e cinquo ri. a Symon carpinteiro do feitio de duas mezas, que fez para a casa honde est a nossa livraria, que foram postas em ella. No existe um Catalogo da Livraria de D. Affonso v; mas pelas varias e eruditas citaes do chronista Gomes Eanes de Azurara, na Chronica da Conquista de Guin reconstitue-se em parte, pelo que se l no fim d'essa obra, terminada em 1453 : E acabou-se esta obra na livraria que este rey fes em Lisboa... Oita successivamente S. Thomaz e S. Gregorio, Orosio, Marco Polo; as Metamorphoses de Ovidio; as tragedias de Seneca, Phedra e Hypolito; Lucas de Tuy, continuador da Chronica de Isidoro de Sevilla; Cicero, S. Jeronymo; a Bthica de Aristoteles, Lucano, S. Chrysostomo, as Viagens de S. Brendan, de Civitate Dei de Santo Agostinho. Decadas de Tito Livio. Valrio Maximo, Summa da Historia romana; Rodrigo de Toledo, Flavio Josepho, das Antiguidades dos judeus, Gualter,
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das geraes de No; as obras dos Romos (Gesta Rmanorum) Vegecio, De re militari, a Biblia, Bernardo, Regimento da casa de Ricardo, Frei 'Gil de Roma, Regimento de Princepes, Tolomeu, Homero, Esiodo, Mestre Joo o Ingres (Duns. Scoto) Hermas, o Pastor; Pedro Lombardo, Alberto Magno; e a Gesta do Duque Jean de Lanson a par da Chronica do Condestavel. Na outra obra, Chronica do Conde D. Pedro de Meneses, cita: aquejle famoso poeta Dante, na sua primeira Cantica, etc. Por esta enumerao se comprehende o sentido da phrase de Ruy de Pina ajuntou bos livros, comprando-os aos livreiros estrangeiros; a descoberta da Imprensa veiu satisfazer esta anciedade de possuir os livros raros, mas nem por isso D. Affonso v e o seu successor deixaram de occupar os seus calligraphos e illuminadores. Vieram para Portugal impressores estrangeiros, e livreiros, como se v pela carta de privilegio de D. Affonso v de 19 de Maio de 1483, passada a Guilherme e Francisco de Montrete, e a Guido estantes em a nossa cidade de Ivixboa, teemos por bem e queremos e nos praz que de todolos livros de fornia que elles em a dita nossa cidade teveren e trouverem ou mandarem trazer de fra da terra a estes ditos nossos regnos nom paguem d'ello nenhuma sissa de sy e das partes a que os venderem... l A Imprensa em Portugal. Sobre a data do estabelecimento da Imprensa em Portugal encon1 Ap. Dr. Sousa Viterbo, A. Livraria real, p. 6. Lisboa, 1901.
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tra-se uma noticia que se fundamenta pelo que j era sabido da iniciativa do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Escreve Buckmann: Em 1460 alguns negociantes d'esta cidade de Nuremberg informaram o governo real de Portugal da descoberta e utilidade da Imprensa, feita por Gutemberg e Faust em Mayena. Um cardeal ou o Prior de um grande Convento de Coimbra mandou vir em 1465 os primeiros typographos de Nuremberg para Portugal, onde elles imprimiram de 1465 a 1473 em um convento', os auctores gregos e latinos e muitos livros ecclesiasticos, como por exemplo Thomaz de Aquino, etc. Segundo uma velha chronica, estes impressores que vieram para Portugal eram Emanuel Semons (Simes) e Christophe Soll, de Altdorf, um burgo proximo de Nuremberg, ensinaram muitos discpulos, e immediatamente a typographia espalhou-se por todo o reino de Portugal. l No Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra que se estabeleceu uma imprensa para 1 reproduco de livros gregos e latinos e grammaticas para uso dos seus escholares. Um dos primeiros trabalhos dos prlos portuguezes foi o opusculo sobre o Menosprecio do Mundo do Condestavel D. Pedro; apesar de terem sido impressas sem data essas Coplas, certas notas manuscriptas coevas apontam aproximadamente o anno da sua publicao. Segundo o academico Jos Soares da Silva, existia um exemplar d'este rarssimo monumento na Livraria que foi do Cardeal Sousa,
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e existe na Casa dos Duques de Lafes, Marquezes de Arronches. Descrevendo o exemplar declara trazer no fim a sigla de que fra estampado nove anuos depois de inventada a famosa Arte de Impreso. Tambem o Conde da Ericeira, relatando Academia de Historia portugueza o estado da livraria do Conde de Vimeiro, escreve: Tambem entre os impressos permanecem muitos exquisitos, e entre elles as obras do Infante D. Pedro (alis do Condestavel, seu filho), com esta declarao no fim: = Este livro se imprimiu seis armas depois que em Basilea foy achada a famosa Arte de Impresso. O que serve muito para averiguar a epoca d'este admiravel invento, e disputar a gloria a Moguncia, e mostrar a brevidade com que se introduziu em Portugal. Sendo a Imprensa introduzida em Basilea em 1474 facil de inferir que em 1480 foram estampadas as Coplas do Condestavel D. Pedro. I Os judeus portuguezes tambm empregaram muito cedo a Imprensa para a reproduco' dos livros bblicos; em 1489, os judeus Samuel Zora e Rubem, imprimiram o Commentario sobre o Pentateuco, e em 1491 fizeram a edio do Pentateuco em caracteres hebraicos. Os trabalhos esplendidos da Imprensa portugueza foram protegidos pela
i Houve duas edies sem data, que se podem determinar por essas duas notas manuscriptas. Fixada a descoberta da Imprensa em 1456, nove annos depois foi impresso o opsculo do Condestavel em 1465; tomando a data de 1474 como aquella em que se estabeleceu a Imprensa em Basilea, temos seis annos depois uma nova edio das Coplas do Condestavel em 1480.
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rainlia D. Leonor, esposa de D. Joo I I , a mesma illustre senhora que foi em Portugal a instituidora das Misericordias, a que soube conhecer o talento de Gil Vicente, o ourives seu lavrante, e que actuou no outro Gil Vicente, mestre de rhetorica de D. Manoel, com directcs instancias para que escrevesse novos Autos para os Seres do Pao e para as festas religiosas. O livro da Vila Christi foi por ella mandado imprimir a Valentim de Moravia e Nicolo de Saxonia, sendo esse esplendido trabalho terminado em 1495. Valentim de Moravia figura at 1514 em Portugal com o nome de Valentim Fernandes; em 1496 imprime a Istoria do muy nobre Vespasiano; em 1500, as obras de Cataldo Siculo, servindo j a corrente do humanismo, Aquel Siculo elegante, que por estes reinos vino, como aponta Fray Juan d''Avila, apodando os eruditos; em 1501 imprime as Coplas de Jorge Manrique, de que tanto gostava D. Joo II, circumstancia que leva a presumir a interveno da rainha D. Leonor; em I502 imprime as Viagens de Marco Polo, trazidas para Portugal pelo Infante D. Pedro e se guardaram na livraria do rei D. Duarte. O interesse por essas Viagens de Marco Milho, como lhe chamavam na Italia, apparece revelado no seu aspecto maravilhoso no Cancioneiro de Resende:
Outros metem mais Mylham do mesmo pontificado... (Bd. Stutt., 1, 141.)
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a realidade dos conhecimentos levava-nos s narrativas historicas em vez das aventuras novellescas. 2. Humanistas, Moralistas e Philosophos. No Catalogo dos Livros de uso do rei D. Duarte cita-se Alexandre, que era a frma laconica de designar o Doutrinal de Alexandre de Villa Dei, em que se achavam compilados os tratados grammaticaes de Servio, Varro e Prisciano, que se estudava com grande arruido; em 1494 j se mencionam mestres de grammatica da Arte velha e da nova. Era a corrente dos novos estudos humanistas, que penetravam em Portugal, quando Ayres Barbosa, cooperando com Nebrija, imprimiam aos estudos de Humanidades a frma e organisao definitiva que haviam de conservar no glorioso seculo x v I . . . 1 Cataldo Siculo, que ensinara rhetorica em Padua, veiu a Portugal para educar D. Jorge, bastardo de D. Joo I I , e D. Manoel, desenvolvendo-se ento na crte a educao obrigatoria dos mos fidalgos, inscriptos nas Moradias aos doze annos. Durante a Edade mdia a litteratura epistolar teve uma importancia especial, sendo cultivada com o titulo de Ars dictandi; na epoca da Renascena a carta era um pretexto para os humanistas brilharem pela imitao do estylo ciceroniano, que se tornou uma monomania. No f aliando das Cartas de D. Duarte, do Infante D. Pedro, do Marquez de Santil-
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lana e de Angelo Policiano, nas suas relaes com Portugal, destacam-se por um notavel vigor de pittoresco realismo as Cartas de Lopo de Almeida, escriptas da Allemanha em 1451, dirigidas a D. Affonso v, contando-lhe a jornada e as festas do casamento da imperatriz D. Leonor, irm do monarcha. l A preoccupao rhetorica do seculo xv fez que o Magister dictaminis, se tornasse na crte o mo da escrivaninha, como Garcia de Resende junto de D. Joo II, ou Bernardim Ribeiro secretario da camara de D. Joo I I I . Pertence a esta phase humanista o manuscripto do Livro de Esopo, traduco portugueza do seculo xv da colleco medieval intitulada Romulus vulgaris ou ordinarius, derivado das Fabulas de Phedro; nas 48 folhas de um texto publicadas pelo Dr. Leite de Vasconcellos, 2 comprehendem-se as seguintes fabulas, a que a linguagem archaica d um pittoresco relvo: O gallo e a pedra preciosa, O lobo e o cordeiro, O rato, a r e o minhoto, O co que cita o carneiro em juizo, O co e a posta de carne, O leo que vae com outros animaes caa, O casamento do ladro e do sol, O lobo e o grou, A cadella que pediu a casa a outra, O villo que recolhe a serpente, O rato da cidade e da aldeia, A guia que arrebata o filho da raposa, A aguia e o cgado, O corvo e a aguia, O leo velho, o asno, o touro e o porco, O branchote, o seu senhor e o amo, O
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calvo e a mosca, A raposa e a cegonha, O lobo e a cabea do homem morto, O corvo enfeitado com as pennas do pavo. D'entre estas fabulas merece destacar-se como um excellente trecho litterario a lenda da Matrona de Epheso, que ahi tem o titulo A viuva e o alcaide (Fab. x x x I v . ) Os Exemplos da Edade mdia renovavam-se pelas Fabulas da litteratura classica, que se prendiam s preoccupaes dos moralistas e das especulaes philosophicas. Segundo a velha classificao das Sciencias por S. Boaventura, remodelada por Lullo, a Grammatica, Rhetorica e Logica formavam a Philosophia racional, e a Phy, sica, a Mathematica e a Metaphysica constituiam a Philosophia natural, como a Monastica, Economia e Politica a Philosophia moral. O interesse por este quadro de estudos fez com que o rei D. Duarte, conhecedor das doutrinas raymonistas, /mandasse traduzir a Rhetorica de Cicero e a Ethica de Aristoteles, cujo Canon dominava em Portugal sob a frma do averroismo. Os livros philosophicos d'esta epoca tem o caracter de compilaes encyclopedicas, prevalecendo sempre o dogmatismo moral sobre as suas concluses; d'estas obras, escriptas em portuguez no seculo xv, apenas se acha impresso o Leal Conselheiro do rei D. Duarte; a Virtuosa Bemfeituria do Infante D. Pedro, e a Crte Imperial jazem ineditas nas bibliothecas municipal do Porto e da Academia real das Sciencias. O rei D. Duarte, cultivando os estudos litterarios, tinha o exemplo de grande numero de mo-
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uarchas da Europa; em casa, o rei D. Diniz e seus bastardos Conde D. Pedro, e D. Affonso Sanches depois D. Joo I, e Infante D. Pedro, pae e irmo, impelliam-no ao esmerado estudo das boas lettras. Elle proprio confessa este motivo da sua determinao: E semelhante o muy excellente e virtuoso Rey, meu Senhor e Padre, cuja alma Deus aja, fez hu livro das Horas de Santa Maria, e Salmos certos pera os finados, e outro de Montaria; e o Iffante D. Pedro, meu sobre todos presado e amado irmo, de cujos feitos e vida som contente, conipoz o livro da Virtuosa Bemfeituna, e as Horas da confissom; e aquel honrado Rey D. Affonso estrollogo, quantas multides fez de lecturas ? E assy Rey Sallamon, e outros da ley antiga e d'outras crenas, seendo en real estado, filharam desejo e folgana em screver seus livros de que lhes prouve, os quaaes me dam para semelhante fazer nom pequena autoridade. (Cap. X X V I I . ) No livro da. Ensinana de bem cavalgar, confessa que a exemplo de Julio Cesar escreve como elle no desenfado dos negocios graves: E sentyndo esto o vallente emperador Jullyo Cesar, por guardar e reter seu cuydado, por muyto que ouvesse de fazer, sempre quando avia spao, seguya o estudo, e algunas obras de novo screvya. E veendo que meu coraom nom pode sempre cuydar no que, segundo meu estado seria melhor e mais proveitoso; alguns dias por andar a monte, caa e camynhos, ou desembargadores nom chegarem a mim tam cedo, estar como ocioso, ainda que o corpo trabalhe por nom filhar em tal tempo algum cuidado que em-
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pecimento me possa trazer, e por tirar outros de que me nom praz, achey por boo e proveitoso remedio alguas vezes pensar, e de minha mo screver em esto por requerymento da vontade, e folgana que em ello sento, ca doutra guysa nunca o faria, por que bem sey quanto para mym prestu fazello ou leixallo de fazer. (Prol., p. 498.) Quem l o Catalogo dos livros de uso do rei D. Duarte, reconstitue a historia intellectual do seculo xv, e entrever o contedo do Leal Conselheiro, vasta encyclopedia da Theologia, Moral, Medicina, Logica, Pedagogia e Grammatica de envolta com rapidas memorias pessoaes, ainda com a ingenuidade mdievica, tempi delia virtu sconochiuta. A compilao era o processo habitual com que o rei D. Duarte exercia a sua aptido calligraphica, prenda rara no seculo xv entre os altos personagens. A coordenao d'esses elementos proveiu da vontade de comprazer com a rainha. Com o Leal Conselheiro d-se o facto que tanto caracterisa a litteratura do seculo xv, a separao entre os sabios e o povo: E tal trautado me parece que principalmente deve pertencer para os homens da crte, que alguma cousa saibam de semelhante sciencia, e desejam viver virtuosamente, porque aos outros bem penso que nom muyto lhes praza de o ler nem de ouvir. Apesar de escripto sob o regimen da importuna erudio, o Leal Conselheiro pela sua origem familiar e domestica mostra na sua redaco esta ordem de escrever na geral maneira de nosso fallar natural. Sob este aspecto um importante documento philologico para a historia da lingua portugueza.
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O livro da Virtuosa Bemfeituria, que se guardava na bibliotheca do rei D. Duarte, um tratado de moral em frma de compilao, escripto por seu irmo o Infante D. Pedro. No Leal Conselheiro cita-o como auctoridade: e o Infante D. Pedro, meu sobre todos presado e amado irmo... compoz o livro da Virtuosa Bemfeituria... O chronista Ruy de Pina caracterisa-o: foi bem latinado e asss mstico (encyclopedico) em sciencias e doutrinas de letras, e dado muito ao estudo; elle tirou de latim em lingagen o Regimento de Princepes, que Erey Gil Correado compoz, e assim tirou o Livro dos Officios de T-ullio, e Vegecio De Re militari, e compoz o livro que se diz da Virtuosa Bemfeituria.i) l E' uma compilao dos sete tratados de Sneca; existem dois apographos na Academia real das Sciencias e bibliotheca municipal do Porto. O rei D. Duarte possuia um outro livro intitulado Crte Imperial; existe ainda hoje na bibliotheca do Porto; 2 eis como explica o seu titulo: e tal nome lhe he feyto,. porque asy como na crte do Rey ou do emperador ou d'outro alto princepe sso a seer trautados os grandes negocios e os altos feytos, e as arduas questes deter-
Chron. de D. Affonso V, cap. 125. Manuscripto em pergaminho de 134 folhas: (Bste livro he chamado Corte emperial, o qual livro he dafons Vasques de Calvos morador na cidade do Portou Sahe-se pelos livros de linhagens, que este Calvos foi creado do duque de Bragana em 1442, e que em 1446 alcanou o ser isento por privilegio de servir de vereador nem ter algum officio da cidade.
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minadas, asy este livro tracta de grandes cousas e de muy altas questes asy como a essencia de Deus e da trindade e da encarnao divinal e d'outras materias proveitosas para conhecer e entender o senhor deus, segundo o poder da fraqueza humanai, provando tudo por auctoridades da santa escriptura c declaraes e exposies de doutores e per rases evidentes e dizeres de bares sabedores declarados de latim em linguagem portuguez... Por esta obra se pde saber o estado do conhecimento dos livros arabes em Portugal em uma epoca em que nos paizes mais civilisados da Europa eram desconhecidos. Vejamos algumas citaes: segundo podedes veer por seus livros antre os quaes fuy hu que houve nome hermoge., em hu livro que chamam logosteleos... (cap. xII) C a mafamede en seu livro alcar em que he escripto a vosa ley e preceptos que vos ele deu, o qual livro he principal e authentico antre vs. (Ib.) 3.0 Universidade de Lisboa; Jurisconsultos; Codificao. O espirito de secularisao subsiste no desenvolvimento da Universidade no seculo xv. Como no tempo de D. Joo I se fixou a crte em Lisboa, assim quiz este monarcha, em 1384, que a Universidade fosse para sempre em Lisboa, como ligada ao poder real. Havia classes de estudantes ricos, medianos e pobres. Durante as suas viagens o Infante D. Pedro escreveu extensamente ao rei D. Duarte, seu irmo, lembrando-lhe a reforma da Universidade, fundando junto d'ella Collegios a exemplo dos de Oxonia e
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Paris. O Infante D. Henrique collocou a Universidade em casa propria em 1431 para as sete artes liberaes, grammatica, logica, rhetorica, aresmetica, musica, geometria e astrologia... Em 1442 o Infante D. Pedro fundava em Coimbra uma Universidade, como uma prerogativa regia; d'aqui talvez os odios e intrigas que o victimaram na cilada de Alfarrobeira. Para estudantes pobres instituiu o Dr. Mangancha um Collegio, no seu testamento de 3 de dezembro de 1447. O Infante D. Henrique no seu testamento de 1460 instituiu um cadeira de Theologia dotada com doze marcos de prata. Prevaleceu o espirito clerical na Universidade, entregando D. Affonso v em 1476 o governo e proteco do Estudo Geral ao bispo D. Rodrigo de Noronha. A Universidade de Lisboa ficou eseril at primeira refrma de 1504, envolvida nos conflictos scholasticos de Scotistas e Thomistas. A necessidade de irem frequentar as escholas humanistas da Italia os filhos das famlias fidalgas portuguezas, prova a insufficiencia do quadro dos nossos estudos. Por 1489 os filhos do chanceller Joo Teixeira frequentavam os cursos humanistas de Angelo Policiano, e Henrique Caiado attribue s lies de Cataldo Siculo a sua cultura litteraria. Os estudantes de Theologia dirigiam-se especialmente para a Universidade de 'Paris. O sculo xv tambem a epoca dos Jurisconsultos, que preparavam a independencia do Poder real; o Doutor Diogo Affonso de Mangancha, que se fizera notado em Bolonha pela sua erudio, quando foi por Adjunto embaixada que o rei
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D. Duarte mandou ao Concilio de Basila, era Regedor da Casa da Supplicao; e j no reinado de D . A f f o r n o v, figura Vasco Fernandes de Lucena, Desembargador do Pao, Chanceller da Casa do Civel, tendo desempenhado trez embaixadas. Nas crtes de 1481 e 1482 convocadas para Evora, elle fez a orao de abertura. Os Jurisconsultos foram os primeiros humanistas da Renascena; conhecedores do systema das leis romanas, trataram de codificar as differentes ordenaes especiaes, formando um corpo geral que veiu a destruir a legislao foral. Com o titulo de Leis antigas, achou o escrivo Jorge da Cunha entre o lixo da Torre do Tombo um pergaminho de 168 folhas, em 1633, que procurado seis annos depois pelo Procurador da Cora Thom Pinheiro da Veiga j no foi encontrado. Em uma certido do Mosteiro d S. Joo de Tarouca da ra de 1459, cita-se o Livro das Ordenaes que anda na Chancellaria; crivei que fosse o codigo mandado organisar por D. Joo I ao seu jurisconsulto Joo Mendes Cavalleiro. Na bibliotheca do Rei D. Duarte que en sendo Infante foi Regedor da Casa da Supplicao encontra-se designado o Livro das Ordenaes dos Reis; e no codigo affonsino cita-se o Livro das Ordenaes do Reino e tambem o Livro das Leis que anda na Casa do Civel. (Liv. III, tit. 6, 1; e tit. 15, 29.) As occupaes de D. Duarte quando Infante levaram-o a emprehender uma nova codificao das leis. Uma copia das Ordenaes de D. Duarte chegou ao poder do ministro Jos de Seabra da
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Silva, vindo outra copia do desembargador Joaquim Pedro Ouintella a pertencer a seu filho o baro de Quintella; constavam de 450 folhas numeradas, segundo a descripo que fez Joo Pedro Ribeiro. Acham-se hoje publicadas as Ordenaes de D. Duarte pela Academia real das Sciencias na colleco Portugalice Monumenta historica, Durante a Regencia do Infante D. Pedro, na menoridade de D. Affonso v, elle mandou codificar sob o titulo de Ordenaes Affonsinas as leis dispersas dos diversos reis ainda da primeira dynastia; cada um dos seus ttulos precedido de um preambulo litterario, com ideias dos moralistas greco-romanos, misturando com ellas o symbolismo pittoresco da Edade mdia, no Regimento de Guerra, (Tit. 5I.) Como obra de litteratura as Ordenaes Affonsinas so um vasto repositorio de locues e costumes populares, da vida social no seculo xv. Predomina n'ellas a eschola bartholista, que impe acima de todas as leis privilegiadas, ecclesiasticas, locaes e senhoriaes o fro do rei, frma transitoria da unificao civil. No seculo xv os Jurisconsultos eram homens de letras, cuja disciplina se continuou no espirito de Cujacio e da eschola historica do direito. Os Jurisconsultos encarregados de codificarem as leis portuguezas, como Joo Mendes Cavalleiro por D. Joo I, e Doutor Ruy Fernandes por D. Duarte e D. Affonso v, devem considerar-se como representantes da cultura humanista.
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IV
Desenvolvimento da frma historica
A realeza travou a sua ultima lucta contra o poder senhorial; o movimento realisado por Luiz xI contra o Duque de Borgonha, teve tambem em Portugal e Castella repercuso analoga, na execuo do Duque de Bragana, e na de D. Alvaro de Lima. O seculo xv, d'estas poderosas conspiraes da aristocracia e da sangrenta raso de Estado, legou-nos Memorias particulares e pessoaes. A velha Chronica ingenua e destacando-se da tradio da Epopa, veiu encontrar nos factos da vida social, nos interesses da ordem politica, na transformao das relaes civis o objecto das suas pittorescas narrativas. As nacionalidades recentemente constitudas reclamaram dos eruditos a inveno das suas g-enealogias historicas, indo os graves eruditos filial-as nos heroes de Troya foragidos em Frana, Veneza, em Hespanha e Portugal. Os estados geraes ou Crtes queriam que se fixassem authenticamente as rases das refrmas que estatuam, e os Chronistas eram lisongeados pela realeza para justificarem os seus arbtrios e crimes; conta Damio de Ges, que Affonso de Albuquerque presenteava com joias a Ruy de Pina para lhe ser favoravel nas Chronicas. No meio d'estas pretenes de uma vaidade erudita, appareceram os Comines, os Platina, os Olivier de la Marche; Froissart viaja por Frana para colligir os successos do seu tempo: Faltava-lhe alguma cousa a di-
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zer sobre as guerras de Hespanha, e precisava para isso o testemunho dos portuguezes. Asseguraram-lhe que muitos cavalleiros d'esta nao estavam em Bruges. O cavalleiro andante da Historia parte para Bruges; alli sabe que um outro portuguez valente e sabio estava na Zelandia; eil-o a caminho para a Zelandia para saber dos acontecimentos de Portugal. Alli encontra o seu homem gracieux et accointable, e com elle est durante seis dias fazendo-lhe contar as historias e anecdotas, que vae reduzido a escripto. Depois de ter exhaurido a memoria d'este cavalleiro, parte para outra investigao. I Com este mesmo espirito Ferno Lopes percorre Portugal para escrever a historia de cada reinado, e Azurara visita as conquistas do norte da Africa. A realeza preoccupava-se com a organisao das Chronicas do reino, e convidava latinistas italianos como Matheus Pisano, Frei Justo Balduino, e Angelo Policiano para traduzirem para latim as memorias nacionaes. De D. Joo I I , escreveu Damio de Ges: era to curioso de fazer vir em luz todos os feitos d'este Conde D. Duarte e do Conde D. Pedro seu pae, e hos dos Reys passados, que para se divulgarem em lngua latina, mandou vir de Italia D. Justo, frade da ordem de S. Domingos, a quem por este respeito fez Bispo de Septa... 2 Veiu-nos d'este frade a perda incalculavel dos melhores materiaes colligidos para a
i Lefranc, Hist. crit. de la Litterature franaise Moyen-Age p. 395. 2 Chron. de D. Manoel, P. vi, 38, fl. 49.
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nossa historia, por causa do seu falecimento repentino. Angelo Policiano no accedeu ao convite de D. Joo I I . No seculo xv propala-se a tradio das Quinas, das Armas nacionaes, explicando-as pela lenda do milagre de Ourique, referida por Olivier de la Marche; o Bispo D. Garcia, orando diante do Papa, emprega no seu discurso humanista o nome de Lusitania identificando-o com o de Portugal; Herculano motejou d'esta designao ethnica desconhecendo os Mappas do seculo vI a X I I , em que o nome de Lusitania designa sempre a regio que veiu a ter o nome de Portugal. Apesar do exagerado respeito pelos latinistas estrangeiros no seculo xv que apparecem os grandes historiadores portuguezes escrevendo na lingua nacional, com um admiravel relvo pittoresco e com um elevado bom senso. A redaco portugueza julgar-se-hia ento provisoria, sendo destinada amplificao do latim ciceroniano, como se pde inferir da despreoccupao do estylo em Ferno Lopes, e dos variados plagios que d'este chronista fizeram outros que lhe succederam. A fundao de um Archivo nacional (Torre do Tombo), e a creao do cargo de Chronista do Reino, inherente aos guardas d'esse Archivo, actuaram directamente sobre o desenvolvimento da frma historica, determinando as capacidades de Ferno Lopes, Gomes Fanes de Azurara e Ruy de Pina. I.o Converso das Estorias em Caronicas. Na carta escripta pelo rei D. Duarte, de San-
tarem em 19 de mao encarregava-o de poer em caronica as estoreas dos Reys que antigamente em Portugal foram; etc. Herculano ligou a estas duas palavras sentidos differentes: a estoria designava as memorias tradicionaes, os registos latinos, os obituarios, as legendas mesmo oraes. De facto no syncretismo da Edade mdia os cantores narrativos foram chamados histriones, e Gesta a historia de feitos heroicos; como ainda hoje na ilha da Madeira os romances populares so chamados Estorias. A Chronica era a ephemride palaciana com o caracter de um registo; os seus redactores eram como os Logographos gregos. Para se chegar s formas bellas e superiores das chronicas do seculo xv, convm indicar os esbos isolados em que as narraes eram ainda moldadas pela concepo limitada do seculo x I v . a) A Chronica da fundao do Moesteyro de S. Vicente. No principio do seculo xv fez-se uma traduco da relao latina intitulada Indiculum fundationis Monasterii Sancti Vicentii, escripto no reinado de D. Affonso ; l guardavase esta traduco com o mais rigoroso affrro na livraria do Mosteiro de S. Vicente, em Lisboa. Na Chronica dos Br emitas de Santo Agostinho (t. I, fl. 993) refere Frei Antonio da Purificao : tambem me admira o notavel cuidado que se tem no Convento de S. Vicente sobre a guarda d'aquella escriptura latina da sua fundao, e do
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tarem em 19 de Maro de 1434, a Ferno Lopes, encarregava-o ((de poer em caronica as estoreas dos Reys que antigamente em Portugal foram; etc. Herculano ligou a estas duas palavras sentidos differentes: a estaria designava as memorias tradicionaes, os registos latinos, os obituarios, as legendas mesmo oraes. De facto no syncretismo da Edade mdia os cantores narrativos foram chamados histriones, e Gesta a historia de feitos heroicos; como ainda hoje na ilha da Madeira os romances populares so chamados E storias. A Chronica era a ephemride palaciana com o caracter de um registo; os seus redactores eram como os Logographos gregos. Para se chegar s formas bellas e superiores das chronicas do seculo xv, convm indicar os esbos isolados em que as narraes eram ainda moldadas pela concepo limitada do seculo x I v . a) A Chronica da fundao do Moesteyro de S. Vicente. No principio do seculo xv fez-se uma traduco da relao latina intitulada Indiculum fundationis Monasterii Sancfi Vicentii, escripto no reinado de D. Affonso II; I guardavase esta traduco com o mais rigoroso affrro na livraria do Mosteiro de S. Vicente, em Lisboa. Na Chronica dos Eremitas de Santo Agostinho (t. 1, fl. 993) refere Frei Antonio da Purificao : tambem me admira o notavel cuidado que se tem no Convento de S. Vicente sobre a guarda d'aquella escriptura latina da sua fundao, e do
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Ordinario de S. Rufo, no consentindo que pessoa alguma as tome na mo para as lr... Porque as escondem no s a ns, mas at aos outros historiadores e Chronistas do Reino. Em 1538 mandou D. Joo III imprimir este vedado manuscripto traduzido .em a prpria lingua antigua em que foi achado. Diverge este texto do que existe na Torre do Tombo e foi em 1861 publicado nos Monumentos historicos. l Sobre a Chronica dos Vicentes falia Herculano: Tem-se offerecido algumas duvidas sobre a sua authenticidade. O que se pode ter por certo que no foi escripta nos primeiros annos do 'reinado de D. Sancho I, como ahi se indica; ou que copia tirada posteriormente... A letra porm do manuscripto de S. Vicente semelhante em grandeza, em frma, em tudo de um volume de Chancellaria de D. Affonso II (Mao de Foraes antigos, n. 3.) 2 A Chronica dos Vicentes, alm de ser um valioso documento do estado da lingua portugueza no seculo xv inapreciavel para o estudo historico dos primeiros annos da nao portugueza; alli se encontram tradies poeticas ligadas memoria dos francezes que ajudaram conquista de Lisboa, como a sentidssima lenda do cavalleiro Henrique e da fidelidade do seu pagem, que com tanta arte idealisou Cames nos Lusadas alludindo palma que nascera sobre a sepultura do Cavalleiro.
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b) Fida de D. Tello. E' a historia no seu elemento biographico: a vida d'este arcediago de Santa Cruz de Coimbra foi escripta em latim no seculo xII, e encerra muitas circumstancias da historia nacional no referidas em outros monumentos. Traduziu-a para portuguez mestre Alvaro da Mota, dominicano, o nomeado reitor da Universidade de Coimbra fundada pelo Infante D. Pedro; l-se no seu prologo: Aqui se comea a obra que fala do fundamento do moesteiro de Santa Cruz de Coimbra e quaes foram aquellas pessoas que este ordenaram, e fala mais da vida de D. Tello e d'outros homens seus companheiros. Esta obra est em latim no livro do erdamento de Santa Cruz, e foi tornado em linguagem por que o entendessem muitos, a requerimento de Pedr'eanes, prior de podentes, irmo de Affonso annes, conigo de santa cruz. E esto foy em tempo de dom gomes, prior de santa cruz, homem de santa vida, que primeiro foi abbade de frorena. E esta trasladaam fez do latim em linguagem mestre Alvaro da Mota, da ordem dos pregadores, o maior letrado da ordem, estando em santa cruz com o prior dom gomes no anno lv, 110 mez de Novembro. A linguagem da Vida de D. Tello appresenta frmas j no empregadas por escriptores seus contemporaneos; ahi se l: Vinham muitos velhos caos fazendo grande chanto por D. Tello... A frma vulgar de coos (canos ou encanecidos) desappareceu por causa da homonymia com co, conservando-se a frma feminina can por no ter esse inconveniente. Chanto era a frma vulgar de planctus, que desappa-
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receu diante da frma erudita de pranto, ficando a frma chantar proveniente de plantare. O trabalho da erudio ia reconhecendo estas homonymias e homophonias, avanando para a disciplina da lngua pela escripta. c) Chronica do Condestabre. O auctor anonymo d'esta chronica classifica-a no seu pequeno prologo como estoria; Azurara compara-a sob o aspecto biographico Gesta do Duque Joo de Lanson: Antigamente foi costume fazerem memoria das cousas que se faziam, assi erradas, como dos valentes e nobres feitios. Dos erros, porque d'elles se soubessem guardar; e dos valentes e nobres feitos aos boos fezessem cobia aver pera as semelhantes cousas fazerem. E' com este intuito que exemplifica os feitos errados com a faulse geste, e os nobres feitos com a Chronica do Condestavel D. Nuno Alvares Pereira. O elemento tradicional predomina n'este importante quadro em que nos mostra o Condestavel apaixonado pela leitura dos poemas da Tavola Redonda: (( avia gram sabor de leer estorias.)) Alli tambem se encontra a lenda da Espada encantada que lhe entregara o alfageme de Santarem (cap. x v I I ) sobre a qual Garrett fundou um drama nacional. d) Cronica do Santo e virtuoso Infante D. Fernando, por Erei Joo Alvares. Foi publicada em Lisboa em I527, na imprensa de German Galharde. Na Bibliotheca nacional de Madrid existe um texto manuscripto em portuguez do seculo xv, com o titulo: Fernando Infante, filho de D. Joo I de Portugal. Sua vida. N'elle se declara o auctor: Joh alvares, cavalleiro de Avis
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e da casa do S. o r Infante D. Anrique, que foi creado e secretario do muito virtuoso S .or Yfante D. Fernando. Joo Pedro Ribeiro caracterisou esta Chronica como um continuado neologismo latino. Quanto narrativa historica, escreveu Fray Hieronymo Roman na Historia do los religiosos Infantes de Portugal, criticando tambem a remodelao de Fr. Jeronymo Ramos de 1577: todos quedaron cortos, por que no vieron los papeies de la Torre de Tombo Archivo de Lisboa ni los del. Convento de Avis, ni otros memoriales que vinieron mis manos. 2. 0 Fundao do Archivo Nacional (Torre do Tombo.) Nas Chronicas de D. Pedro I e de D. Fernando, falia Ferno Lopes da Torre alvar ou do aver, construda primitivamente para se guardar o Thezouro real. (Cap. 12; e cap. 48.) A cargo do Vdor da Fazenda, j no tempo do rei D. Fernando (1367-1383) ahi se depositavam como em archivo estavel os livros findos das Chancellarias, na Torre de Menagem do Castello de Lisboa. D'aqui o nome de Torre do Tombo, (tomo) de Recabedo Regni, inventario dos bens proprios nacionaes, e direitos. Tinha um escrivo privativo, que se tornou depois Guarda-mr, Contador da Fazenda, que authenticava os diplomas das provises e certides, em nome do soberano e bem assim as allegaes dos ttulos e documentos. Os primeiros Guardas da Torre do Tombo ainda no estavam separados nas suas attribuies dos empregados do thezouro; assim foram Joo Annes, vdor da Fazenda por I373; Gonalo Es-
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teves, Contador dos Contos de Lisboa, encarregado do servio da Torre em 1403, vencendo o mantimento e vestir, posto que no trabalhasse nos Contos, o que leva a fixar a separao do cargo de Archivista do de Thezoureiro em 1403; seguiu-se-lhe Gonalo Gonalves, Contador dos Almoxarifados de Setubal e Obidos, incumbido do servio do Archivo em 1414 e exercendo-o at 1418. Em Outubro d'este anno estava j de posse d'este logar Ferno Lopes, o fundador da historia portugueza. O facto de apparecer nomeado em vida de Gonalo Gonalves leva a induzir que as attribuies de archivista e de thezoureiro foram completamente separadas e tornadas com esta nomeao independentes. A competencia de Ferno Lopes seria reconhecida durante o exerccio de secretario do princepe U. Duarte e infante D. Fernando. Desde 1418 at 1420 ha bas-. tantes documentos assignados por Ferno Lopes a que d'esto he dado seu especial-encarrego de guardar as chaves das dictas escripturas e o traslado d'ellas. Ferno Lopes exerceu durante trinta e seis annos este cargo, pedindo a sua exonerao j tam velho c placo, que per si no pode bem servir o dito officio... A nomeao do novo archivista recahiu em Gomes Eanes de Azurara, indigitado pelo prprio Ferno Lopes: per seu prazimento, c per jazer a ellc merc, como he razom de se dar aos boos servidores.)) Sobreviveu Ferno Lopes ainda cinco annos sua aposentao. Azurara preencheu o seu encargo at 1490, em que
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lhe succede Ruy de Pina, severo na critic torica em que serve intuitos polticos, sob a preso official. Erradas comprehenses fizeram que as Chancellarias dos primeiros reinados fossem destruidas e muitos documentos originaes se substitussem por resumos e ndices summarios, e se reduzissem a leitura nova (1495-1557) tratando do luxo exterior da calligraphia e illuminuras inando essas copias de erros palmares.
OS GRANDES CHRONISTAS DO SECULO XV
Depois de Portugal ter affirmado conscientemente a sua autonomia nacional, e iniciado as navegaes modernas, que haviam de determinar a ra pacifica da actividade industrial, revelou-se o genio historico nos seus grandes chronistas, como uma consequencia logica d'esse individualismo heroico. Formulou Frederico Schlegel com notavel tino: Feitos memoraveis, grandes successos e largos destinos no bastam para nos prender a atteno e determinar o juizo da posteridade. Para que um povo tenha este privilegio, preciso que elle possa dar conta das suas aces c dos seus destinos. Isto nos mostra que a frma litteraria da Historia no foi um producto da erudio e do influxo official, mas um producto organico, que no seculo xv competiu dignamente com as obras historicas dos grandes chronistas europeus, seguindo a evoluo completa d'este genero, que pela Grecia fra realisado na sua integralidade. Para apreciar os Chronistas portugue-
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zes do seculo xv, basta observar como elles se elevaram na evoluo ascendente d'este genero litterario. O chronista Ferno Lopes, pelo realismo das suas narrativas destacando-se pelo bom senso das tradies poeticas mas conservando-lhes o sentido do ethos nacional, comparavel a Herodoto, e a quantos seguiram esta frma ingenua e pittoresca da objectividade das pessoas e dramatisao dos factos anecdoticos, pondo-se a par de Froissart, e de Joinville. O chronista Gomes Eannes de Azurara, j se serve do processo subjectivo, dando-nos os discursos dos personagens e o aspecto politico do meio social, auctorisando-se com antigos exemplos, aproximando-se das frmas narrativas de Thucydides, embora no fosse geralmente conhecido o historiador grego. Em Ruy de Pina ha a consciencia do poder do julgamento da historia sobre os factos occorridos, cuja relao os narradores no accentuam, mas que conduzem o espirito critico formao da noo synthetica. E' o grande mestre d'esta phase pragmatica da historia Polybio, o primeiro modelo, que s podia ser seguido quando a Civilisao moderna se revelasse no seu conjuncto, aos Ranke, aos Michelet, Bukle, Thierry. A aco mundial exercida pela nao portugueza, exige ser tratada na sua Historia pelas formas syntheticas de Polybio, para a sua verdadeira comprehenso. At hoje ainda no foi escripta por este processo, apezar dos seus factos estarem j esclarecidos no vasto quadro da civilisao moderna. Merece um interesse vivssimo, como na marcha da nao portugueza para
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os grandes feitos mundiaes, se vae affirmando a consciencia historica dos seus Chronistas: I.0 Ferno Lopes. E' o verdadeiro fundador da Historia de Portugal; para elle o narrar os factos, e julgal-os como achar-se investido da misso grave e conscienciosa de proferir uma sentena perante a posteridade; assim tendo de referir um acto indigno do rei D. Pedro I, declara : O fruito principal da alma he a verdade, e ella hade ser clara e nom fingida, mrmente nos Reys e senhores. e posto que escrito achamos d'el-Rey de Portugal que a toda a gente era manteedor da verdade, nossa tenon he nom o louvar mais; pois contra seu juramento foi consentidor em tam fea cousa como esta. Refere-se troca dos castelhanos refugiados em Portugal pelos assassinos de D. Ignez de Castro. E r a este sentimento da verdade que o dirigia na sua investigao com uma incansavel actividade, esgotando todas as fontes de consulta; diz-nos elle no como da Chronica de Dom Joo I; que: com cuidado e diligencia vira grandes volumes de livros e desvairadas linguagens e terras, e esse mesmo, muitas escripturas de muitos cartorios e outros Jogares, nos quaes, depois de longas viglias e grandes trabalhos, mais certidam aver nam pode do contedo em esta obra. O chronista Eannes de Azurara caracterisa de egual frma o trabalho do venerando mestre: em andar pelos Moesteiros e Igrejas buscando cartorios e os letreiros d'ellas, para aver sua informao; e no s em este Reync, mas ainda no Reyno de Castella mandou el
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rei D. Duarte buscar muitas escripturas, que esto pertenciam. I Todo este trabalho era accumulado para a formao da Chronica de Portugal, que existiu na Livraria do rei D. Duarte. Conhecendo a sua excepcional competencia, o rei D. Duarte, por carta de 19 de Maro de 1434, deu: o carrego a Ferno Lopes seu escripvam, de poer em caronyca as estorias dps Reys que antigamente em Portugal foram; esso meesmo os grandes feitos e altos do mui vertuoso e de grandes vertudes el Rey seu senhor e padre, cuja alma deos aja; e per quanto em tal obra elle ha assas trabalho e ha muito de trabalhar; porm querendo-lhe agallardoar e fazer graa e merc, mando que el aja de teena em cada hum anno em todollos dias da sua vyda, des primeiro dia do mez de janeyro que ora foy da ra d'esta carta em diante, pera seu mantimento quatorze mil libras em cada hum anno, pagadas aos quartees do anno. Vem esta carta inclusa em uma outra datada de 3 de junho de 1449 com accordo do Yjante Bom Pedro, sen tyo defensor por el (D. Affonso v) dos ditos Reg"nos e senhorios... A capacidade superior de Ferno Lopes, reconhecida pelos dois mais illustres filhos de D. Joo I, acha-se proclamada por Azurara, faliando com profundo respeito do seu caracter: notavel pessoa, homem de communl sciencia e grande auctoridade: escrivo da puridade do Infante D. Fernando: ao qual Fl Rei D. Duarte, em sendo
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Infante, commeteo o cargo de apanhar os avisamentos que pertenciam a todos aquelles feitos (guerra entre Portugal e Castella) e os ajuntar e ordenar segundo pertencia grandeza d'elles, e authoridade dos princepes e outras notaveis pessoas que os fizeram. Tanto pela carta do rei D. Duarte como por esta citao da Chronica de Azurara, se v que Ferno Lopes escreveu uma Chronica geral do Reino; allude a esta a carta de merc de D. Affonso v, feita em Lisboa em II de janeiro de 1449: pelos grandes trabalhos que elle ha tomado e ainda hade tomar em fazer a Chronica dos feitos dos Reys de Portugal... Tanto Jos Soares da Silva como Mendo Trigoso, seguiram a auctoridade de Damio de Ges, que transcreveu a merc de D. Affonso v; assim nas Memorias de D. Joo 1, escreve Soares da Silva: Gomes Annes, no ultimo capitulo da Chronica do Conde D. Pedro, primeiro capito de Ceuta, que elle compoz, na qual para verificar a jornada dos Infantes a Tanger, cita a Ferno Lopes, na Chronica geral do Reino, assim como o allega em partes; ciando d'ella testemunho no principio do segundo capitulo da sua historia de Ceuta... Ferno Lopes completou este vasto trabalho com a Chronica de Dom Joo 1, encommendada pelo rei D. Duarte. Por fatalidade injustificada esse monumento foi roubado e fragmentado em Chronicas especiaes, conservando-se apenas, com o nome de Ferno Lopes as Chronicas de D. Pedro 1 e de Dom Fernando, e a de Dom Joo I, incompleta; todos os outros livros, passando por copias ou alteraes continuadas, appareceram em nome de outros auctores.
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Damio de Ges, na Chronica de Dom Manoel restituiu pela primeira vez por um processo critico a Ferno Lopes, desde o Conde D. Henrique at D. Affonso Iv, as Chronicas dos Reis que antigamente em Portugal foram.)} Confirmando' a auctoridade de Damio de Ges, escreve cerca d'estes plagios: E ainda que algumas d'estas Chronicas se acham accrescentadas ou recopiladas, como so a de D. Affonso Henriques por Duarte Galvo (a quem o grande Joo de Barros na terceira Decada, liv. I, cap. 4, chama seu apurador,) a de D. Duarte por Gomes Annes ou Ruy de Pina, as dos nove reis por Duarte Nunes de Deo; sempre as substancias e o principal d'ellas de Ferno Lopes.)) As summulas feitas por Acenheiro roam pela imbecilidade. A tendencia dos chronistas das primeiras duas dynastias em plagiarem Ferno Lopes, provem de ter esse espirito iniciador esgotado as fontes docummentaes.. Apesar de terem conservado o seu nome, as trez Chronicas hoje' impressas sobre apographos, essas mesmas se perderam, restando traslados modernisados, summariados ou ampliados. O confronto d'esses differentes textos revela por vezes os subsdios de que o chronista se servia, ou tambem como os plagiarios se iam appropriando das suas narrativas ou mesmo fazendo-lhes continuaes at ao fim do seculo x v I . Examinando os manuscriptos das Chronicas dos Reys de Portugal, Dom Pedro o I. d'este nome e dos Reys o vIII, e del Rey Fernando, o I. de nome e dos reis o IX, que se guardam na bibliotheca nacional de Madrid, o illustre lusita-
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nophilo Sanchez Moguel, fez varias observae s sobre a importancia d'estes textos, no s da influencia que no criterio historico de Ferno Lopes exerceu o grande chronista Pero Lopez de Ayala, como a revelao de factos da historia de Hespanha que so omissos em Ayala e que se encontram referidos por Ferno Lopes. A edio da Chronica de D. Pedro I feita pelo P. e Bayam, considerada pelas deturpaes, pareceu ao sabio academico que a reimprimiu em 1816 nos Ineditos da, Historia portuguesa, absolutamente necessario consideral-a- ainda como realmente inedita. Apesar de se ter seguido o texto manuscripto da Torre do Tombo com o maior escrupulo, Sanchez Moguel, conhecendo outros codices portuguezes e o madrileno, chegou concluso: Falta pois uma verdadeira edio de ambas s Chronicas, tal como se entendem hoje estes trabalhos, tendo em conta todos os codices e todas as variantes, e o que mais importa, estudando o contedo, comparando estas Chronicas com as peninsulares e estrangeiras d'aquelles tempos ou que aos mesmos feitos se referem, enriquecendo-as com os documentos, illustraes e notas correspondentes; etc. Sanchez Moguel, encetando este estudo, chegou s concluses: Que a Chronica de Dom Pedro 1 se serviu de fontes hespanholas anteriores ; e que se narram n'ella feitos importantes puramente hespanhoes, que nas Chronicas de Hespanha foram omittidos, ou incompletamente se relatam. l Na Chronica em que Ferno Lopes
1 Reparaciones historicas, 1, p. 43. 1894.
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ata da grande guerra e muito cra antre el Rei D. Pedro de Aragom, seguiu passo a passo, compendiando-a fielmente, at ao ponto de reproduzir as mesmas phrases e locues, quasi sempre traduzidas letra, a Cronica dei Rey D. Pedro de Castella, do Chanceller Lpez de Ayala. Fundamenta-o com o schema dos captulos communs s duas Chronicas, e determinando que o texto seguido pelo escriptor portuguez foi o da Chronica abreviada, ou vulgar de Ayala. Mas na Chronica de Ferno Lopes acham-se tratados largamente factos apenas alludidos por Ayala; escreve Moguel: Das relaes que mediaram entre os dois Pedros, rei e sobrinho, pouco, e apenas o essencial, o que nos refere Ayala; muito, em comparao, o que o chronista portuguez nos conta. Refere Ayala o iniquo facto pelo qual ambos os monarchas se obrigaram, o castelhano a entregar a seu tio os assassinos de D. Ignez de Castro, refugiados em Castella, e o portuguez em troca, a seu sobrinho, os cavalleiros castelhanos que tinham ido para Portugal fugindo das suas crueldades; o chronista portuguez, conforme no essencial, accrescenta narrativa castelhana factos e noticias importantes, como, por exemplo, a fuga de Diogo Lopes Pacheco, com todos os seus poeticos pormenores. Falla-nos Ayala do projectado casamento de D. Beatriz, filha do castelhano D. Pedro cota D. Fernando, filho do de Portugal; e a Chronica d'este rei, estende-s sobre a materia, dando-nos a conhecer negociaes e contractos celebrados no s sobre este matrimonio, como no tocante
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a outros, de filhas do rei de Castella com filhos do monarcha portuguez, dos quaes nada disse o Chanceller na sua Chronica. N'esta pouco se l relativo ida de D. Pedro de Castella a Portugal, fugindo do seu victorioso irmo, e antes de sahir para Bayona e, pr sua causa em mos dos inglezes. Pelo contrario, a Chronica portugueza nos relata com mais riqueza de noticias a sahida de D. Pedro de Sevilha, os thezouros que possuia e tentou tirar de Castella, as negociaes e desaccordos que se deram logo entre os reis castelhano e portuguez, e a carta que este escreveu ao Princepe de Gales apor se desculpar do que el Rei Don Pedro dizia. Para concluir: na Chronica portugueza achamos referidos factos importantes da historia de D. Pedro de Castella que o seu chronista passa em silencio, que tem sido imperfeitamente conhecidos, e que s pdem ser claramente apreciados pelo que na Chronica portugueza se contm. N'este rapido estudo da Chronica de D. Pedro I por Ferno Lopes conclue Sanchez Moguel a superior influencia que o chanceller Pero Lopez de Ayala exerceu sobre o fundador da Historia portugueza: entre o que o chronista portuguez e o castelhano relatam no ha contradio que se note, o que abona altamente ambos os chronistas, e prova mais eloquentssima da gravidade historica do Thucidydes hespanhol, mestre e guia do chronista portuguez na narrao e no senso critico, como o foi mais tarde do maior dos histo-, riadores aragonezes, o gro Zurita, tambem seu discpulo. (Op. cit., p. 53.)
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Da Chronica de Dom Joo I impressa pela Academia real das Sciencias nos Ineditos da Historia portugueza, pde-se dizer que o texto manuscripto da Torre do Tombo e um apographo mais moderno do que esse de Pero Vaz Soares, .que foi estrebeiro mr da Excellente Senhora, I que existe na Casa de Tarouca, que nos restitue quanto possvel a sua frma authentica. D'este texto, faz uma interessante e nitida descripo o Dr. Jos de Arriaga, que elaborou o Catalogo d'aquella rica bibliotheca. Transcrevemos as suas palavras de uma communicao Academia real das Sciencias: Escripto em estylo mui antigo, quasi contemporaneo dos factos, de incontestavel valor. Fazendo uma relao mui desenvolvida dos fidalgos que na batalha de Aljubarrota acompanharam a D. Joo I, e referndo-se aos que sahiram do reino, accrescenta o chronista: = dos quaes allgs j morrer assy como ho allmirante e o conde de Viana, Aires Gomes da Sylva, etc. = Donde se conclue que ainda no tempo d'elle existiam alguns dos que entraram na guerra. Ha mais provas d'isto. ((A obra parece composta de'trez partes. A primeira trata da conspirao contra o Conde de Andeiro, de que o auctor faz principal protagonista a Rui Pereira. A segunda abrange o perodo desde
I L-se no testamento da Excellente Senhora. Iten, seyscentas dobras a Pero Vaz Soares, que foi meu estribeira mr em galardo de seus servios. (Archivo hst. portugues, t. I, p. 10.)
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a acclamao de D. Joo at paz com Hespanha. E' a que existe. A terceira abrangeria, talvez, o periodo importante desde a paz de Hespanha at morte do rei. E' mui importante o que o auctor narra da batalha de Aljubarrota. Combatendo os exageros dos auctores portuguezes e hespanhoes, pretende fazer um calculo imparcial das foras que entraram em lucta. Diz que esse o dever do chronista. O Dr. Jos de Arriaga foi confrontar este texto trasladado por Pero Vaz Soares com os codices da Torre do Tombo, e com a edio da Academia real das Sciencias: ((Resultou d'este estudo a convico de que todas as Chronicas de D. Joo 1 at agora encontradas, so copias mais 'ou menos infleis da de Ferno Lopes, cujos autographos desappareceram, talvez por cumplicidade de alguns dos que desejaram passar por auctores. Desgraadamente os originaes face de que se fez a impresso, so das copias mais recentes e infieis. A' sua escolha no presidiu bom criterio. Basta apontar o facto estranho de o portuguez e ortographia da primeira parte serem de uma poca posterior da segunda. N'aquella j se usa o o da ultima reforma da ortographia portugueza; n'esta ultima emprega-se o antigo on. N'uma e n'outro so frequentes os desleixos e at as alteraes dos copiadores. As copias mais antigas, por ns conhecidas, so a de Couto de Vasconcellos e a d'este archivo (de Pero Vaz Soares.) Uma e outra so escriptas em caracteres da poca, como os manuscriptos
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das Chronicas de D. Pedro e de D. Fernando. N'elle usam-se geral e invariavelmente as vogaes e consoantes duplas; o artigo o vem sempre com h, bem como as palavras comeadas por vogaes. Ainda costume antepr-se a letra a a muitos vocabulos. No manuscripto de Couto de Vasconcellos tudo isto desappareceu. S em casos excepcionaes se empregam as vogaes duplas, e se antepe o h a algumas palavras. Se a copia de Couto de Vasconcellos mostra ser mais moderna do que a de Pero Vaz Soares, o que diremos da que serviu de autographo para a edio: Couto de Vasconcellos teve empenho em fazer divergir a segunda parte da primeira; o editor, ao contrario, quiz harmonisal-as. Conservou as mutilaes d'aquelle copiador que lhe convinham e metteu excerptos de sua casa... Em nossa humilde opinio a copia (de Pero Vaz Soares) mais antiga e mais fiel at hoje conhecida. Este manuscripto pode abrir caminho a novas investigaes e derramar luz sobre cousas at agora no suspeitas. 1 As Chronicas de Ferno Lopes so intensamente dramaticas; os ditos e apdos populares, que definem um typo ou uma situao, cruzam-se por entre as reflexes sensatas do narrador, que os vae acareando com os documentos; os costumes publicos formam o fundo d'este quadro ani-
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mado, em que a linguagem ingenua e quasi vulgar em uma construco francamente clara, n'essa justa proporo que s o bom senso natural sabe encontrar. O espirito de um Froissart educado por um Montaigne, que nos daria o equivalente da superioridade de Ferno Lopes no s em Portugal, mas a par dos grandes Chronistas do seculo xv. Ouando em uma boa edio critica das suas Chronicas se restituir este vulto civilisao europa? 2.0 Gomes Eannes de Azurara. A prasimento de Ferno Lopes, que j pela muita edade no podia continuar as investigaes historicas, succedeu-lhe Azurara, compondo a Tomada de Ceuta, que frma a terceira parte da Chronica de D. Joo I, escripta trinta e quatro annos depois da interrupo de Ferno Lopes. D. Affonso v encarregara d'este trabalho a Azurara, sfeu bibliothecario, posio que lhe facilitou essa affectao de citaes eruditas, que foi um prurido do humanismo do seculo x v ; mas a erudio no destruiu de todo a ingenuidade do seu estylo; como Ferno Lopes, elle tambem procurava a impresso local dos acontecimentos, visitando o campo da aco. Para descrever as guerras no norte de de Africa, Azurara residiu bastante tempo em Alcacer Ceguer podendo assim descrever com forte relvo a tomada de Alcacer, de Arzilla e de Tanger; transcreve um ditado popular, que disse Gomes Freire, um dos que lanaram a escada ao muro da fortaleza;
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Escreveu as Chronicas de Dom Pedro de Menezes e de Dom Duarte seu filho, e uma Chronica de Dom Affonso V at morte do Infante D. Pedro, da qual se apropriou depois Ruy de Pina ampliando-a e continuando-a. Por que faria Ruy de Pina este plagio? Podemos inferir que o fez por ordem superior; Azurara escrevera sob o patronato de D. Affonso v, tratando de o justificar da iniquidade e ingratido com que procedeu contra o Regente, o Infante D. Pedro seu tio. Ruy de Pina, escrevendo sob a auctoridade de D. Joo II, que reconhecera esse attentado suggestionado pela intriga do Bragana, teve d modificar essa chronica, ampliando-a e continuando-a. Damio de Ges tratou lucidamente este facto de ser o trabalho de Azurara aproveitado pelo chronista Ruy de Pina. (Chr. D. Manoel, P. Iv, cap. 38.) Para a Chronica da Conquista de Guin servin-se Azurara de uma Relao escripta por Affonso Cerveira; teve n'esta narrativa o intuito de constituir uma vida do Infante D. Henrique dando-lhe a exclusiva iniciativa dos Descobrimentos martimos. D'este proposito de bajulao, proveiu a len-
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da dos Infantistas, calando os esforos das Parcerias do Algarve que o Infante com os rendimentos do Mestrado de Christo auxiliava para a participao dos lucros, e phantasiando uma Eschola cosmographica de Sagres. Na Historia de Ceuta, confessa Azurara ter accrescentado Chronica de D. Joo I de Ferno Lopes varios successos da guerra de Portugal e Castella. Escrevendo na opulenta biblioteca do rei D. Affonso v, matiza as suas narrativas com sentenas tiradas de Aristoteles, de Valerio Maximo, Tito Livio. Ovidio, Lucano, Seneca, e dos Santos padres, para fundamentar o seu juzo. Apesar de tanta capacidade, o prestigio da erudio fez que fosse chamado o frade italiano Frei Justo para escrever as chronicas em latim. 3.0 Ruy de Pina. Nos officios de guardamr da Torre do Tombo e Chronista mr do eino succedeu a Azurara Ruy de Pina, que floresceu desde o reinado de D. Affonso v at ao comeo do de D. Joo I I I . Ruy de Pina era escrivo da camara de D. Joo II, e bastante considerado pelo implacavel monarcha; em carta datada de Evora, de 16 de Fevereiro de 1490, noma-lhe um amanuense para o ajudar ano carrego e negocio de escrever em nossos feitos famosos e de nossos Reynos. Com egual data lhe manda D. Joo II passar uma carta de tena de nove mil quinhentos e sessenta reis. Ruy de Pina achava-se em uma situao delicada: tinha de historiar toda a conspirao dos Braganas desde a morte do Infante D. Pedro traioeiramente em Alfarrobeira, e en-
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venenamento da joven rainha D. Isabel, sua filha, at traio castigada com a degolao do duque em 1483. Ruy de Pina achou-se de posse das Chronicas dos Reis, que formavam o corpo da Chronica geral do Reino, como o relata Joo Rodrigues de S de Menezes a Damio de Ges em Novembro de 1558, tendo ento mais de oitenta annos. Transcrevmos um trecho d'essa carta do velho poeta do Cancioneiro geral e Alcaide mrdo Porto, pela qual se pde fazer uma ideia do estado dos trabalhos historicos n'este periodo da actividade de Ruy de Pina: Damio de Ges achava-se ento encarregado de escrever a Chronica de D. Manoel: Folguo muito de lhe darem o carguo da Chronica dei rei dom Emanoel, quomo me escreve, por que sei que a far muito bem por a devoam, e amor que teve a seu servio e s suas cousas, e parece esta conta que d de quomo andou de mo e mo esta Chronica o que se escreve das Rhapsodias de Homero, e assi foram as Chronicas dos Reis passados de Portugal, que se perderam em poder de Frei Justo, Bispo de Septa, italiano, que El rei D. Affonso mandou buscar a Italia pera lh'as escrever em latim, e elle morreu da peste em Almada, e a se perderam. Ruy de Pina, em tempo de D. Joo I, houve a mo, por mandado de el rei, umas Chronicas dos Reis antiguos, que mingoavam, de hum homem d'esta cidade mui principal, que se chamava Fernam Novaes, e um seu filho que se chamava Fernam Novaes como elle, me mostrou a carta de el-rei, com o conhecimento de Ruy de Pina; e regnando el-rei
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D. Emanoel, elle ou por ter estas Chronicas ou tambem por estar em seu poder o Tombo, em que estavam as cousas d'aquelles tempos, e por Chronicas de Castella, se offereceu a el Rei a lhe fazer as Chronicas que faleciam, e a isso veo da Guarda a Lisboa, e as fez com grande gosto de el rei, e com lhe fazer muita merc por isso. Depois de acabadas, muitas pessoas vi descontentar-se d'elias, minha vontade sem raso, posto que o estylo de Ruy de Pina, pelos muitos adjectivos e epithetos que se usavam n'aquelle tempo, he muito afeitado^ I Em carta dada em Evora em 24 de Junho de 1497, D. Manoel concedeu a Ruy de Pina uma tena de doze mil reis annuaes, e nomeando-o Coronista Moor das Coronicas e das cousas passadas e presentes e por vir de nossos Regnos e Senhorios; e tambem o nomeou seu bibliothecario com o carrego e a chave da nosa Livraria, que est nos nossos paos da cidade de Lisboa, o qual officio e carrego queremos que o dito Ruy de Pina aja assy e pela guisa que ho tinha o doutor Vasquo Fernandes do nosso conselho e nosso chanceller en a casa do Civel que no lo deixou pera o darmos ao dito Ruy de Pina por satisfao que lhe delle demos de que foy contente, e como o tiveram outros coronystas d'ante elle. Sobre este trabalho da historia acham-se interessantes noticias em uma petio de seu filho Ferno de Pina a D. Joo I I I , para succeder nos
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officios de guarda-mr da Torre do Tombo e de Chronista mr do reino, desempenhados por seu pae. Esse documento dos fins de 1522, ou do comeo de 1523, porque Ferno de Pina foi nomeado Chronista Mr do Reino por carta de 23 de Abril de 1523. Na sua petio dizia que desde a mocidade se creara para servir estes cargos, dando-se ao latim e ao grego; e pediu tambem a tena de vinte mil reaes, resto dos trinta mil reaes que D. Manoel dera para seu pae fazer a Chronica de El rei Dom Affonso V, a de Dom Manoel, allegando mais, que elle e seu cunhado Fernam Brando acabaram a Chronica do rei D, Manoel, que est por fazer (talvez redigir?); accrescenta ainda na petio, que o rei D. Manoel, dra sessenta mil reaes de ouro para seu pae fazer a Chronica de Elrei Dom Sancho 1 at Blrei Dom Dinis; e pela de El Rei Dom Duarte lhe deu mil cruzados de ouro, e pela de Dom Affonso V e de seu filho (Princepe D. Joo) os trinta mil acima ditos da tena. I Ruy de Pina frequentava os seres do pao; em uns apodos e chistes feitos em 1498 a Manoel de Noronha, filho do Capito donatario da Ilha da Madeira, por que mandara fazer umas ceroulas de chamalote, lem-se estes versos de Anrique Corra:
1 Archivo histrico portugues, vol. vI, p. 312. Braancamp Freire fixa o falecimento de Ruy de Pina pouco antes de 18 de Novembro de 1522, por que em documento desta data se diz: Ruy de Pina que Deus perdoe.
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Esta cousa he muito dina para rio Tombo jazer; aa mister qu'a Ruy de Pina se faa logo saber, por ficar d'ella memoria he razani, que s'escreva esta envenam. (Canc. ger., I I I , 137).
Em carta de 24 de junho de 1497 fra nomeado Ruy de Pina Chronista-mr do reino. Pelas suas relaes na crte, casou sua filha Isabel de Pina com o poeta palaciano Fernam Brando, filho do Contador do Porto Joo Brando; seu filho Fernam de Pina era tambem poeta dos seres manoelinos, restando d'elle um apodo a Simo de Sousa d'Ocem, por que veiu ao terreiro de Almeirim em uma mula com largas esporas da gineta esmaltadas e com chapins:
Eu como homem teu amigo, quiz saber tua praneta, e achey que na gineta te vya hum gram perigo. E como te,vi aqui metido n'essas esporas, logo disse, essas horas, ex aqui o perigo que .lhe vi. (Canc. geral, III, 252.)
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N'este tempo Garcia de Resende, que fra moo da escrivaninha de D. Joo II, era estimado na crte manoelina, e na intimidade com o chronista e bibliothecario de D. Manoel achou occasio para trasladar a Chronica do Princepe D. Joo, que publicou em seu nome em 1554, fiado em que ficaria inedita a Chronica de Ruy de Pina. Seria esse plagio imposio official, para eliminar qualquer affirmativa com que Ruy de Pina justificava o rei D. Joo II. No seculo xvI foi eliminada de vez a liberdade da historia. Em Ruy de Pina termina o cyclo dos grandes Chronistas do seculo xv, individualidades que em qualquer das litteraturas da Europa teriam fundado a sciencia da historia, e qual dram todo o relevo que j tinha n'essa poca.
Os extraordinarios successos do seculo xv, como a inveno da Imprensa, favorecendo repentinamente a corrente do Humanismo: da Polvora, immediatamente influindo no imperio da fora material nos conflictos polticos do novo equilbrio europeu; e a applicao da Bussola, actuando definitivamente nos assombrosos Descobrimentos geographicos, accumularam novas condies que determinaram uma Era nova da Humanidade, desde logo considerada como Renascimento. Esse culto da civilisao greco-romana, que se impoz pelo seu deslumbrante prestigio; essa actividade que se expandia na occupao da terra, contrastavam com a apathia da Edade mdia, o cosmopolitismo com o isolamento do ascetismo christo.
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N'esse enthuziasmo da nova Era, a Edade mdia foi menosprezada, esquecida, quebrando-se a continuidade at ao seculo x I x , que pela critica scientifica soube reconhecer questi tempi delia virtu sconoschiuta. O perodo medieval ou organico das Litteraturas modernas ficou obliterado e esquecido. A Litteratura da Edade mdia to' fecunda e nacionalmente original, foi uma das mais truncadas ficando totalmente ignorada at ao momento em que a critica philosophica vivificou a erudio moderna. Grandes thezouros litterarios esto hoje perdidos irreparavelmente; obras preciosas e inestimaveis foram descobertas nas colleces manuscriptas pelas bibliothecas europas; e um espolio valioso est actualmente publicado. I Urgia com1 Perdas de monumentos da Litteratura portugueza do seculo X I I a xv; e enumeraes d'aquelles que foram encontrados ou esto publicados: Canes de D. Sancho i e D. Affonso iv. Livro das Trovas de Bi Rei Dom Diniz. Cancioneiro de Nossa Senhora. Cancioneiro da Ajuda. Livro das Trovas do Conde de Barcellos. Livro velho das Linhagens, c Nobilirio do Conde De Pedro. Cancioneiro de D. Maria de Cisneros. Amadis de Gaula. Historia de Troya (traduzida em gallego). Tristo. Historia geral de Hespanha. As Partidas, em portuguez. Chronica do Mouro Rasis (Ahmed-Ar-Rasi) traduzida em portuguez por Gil Pirez, e d'esta lngua para castelhano. Traduco das Obras do Arcipreste de Hita. Demanda do Santo Graal. Baladro de Merlin. Livro de Josep ab Ariniathia.
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pendiar todo esse material, vestgio de um vasto inventario desbaratado, construindo o quadro da primeira Epoca da Litteratura portugueza, em que se fundamenta com eloquentes documentos o individualismo e fecundidade do nosso genio nacional. E' o que se intenta n'este livro.
Poesias do Infante D. Pedro, e varias traduces dos Moralistas. Leal Conselheiro de D. Duarte. Livro das Trovas de El-rei D. Duarte. Satira de felice e infelice vida do Condestavel D. Pedro. Tragedia da insigne rainha D. Isabel pelo mesmo. O Amante de Gower, traduco de Roberto Payno. Baarlam e Josaphat; Amaro e Viso de Tundal. Livro de Esopo. Illiada de Homero, 6 cantos. Vida da rainha santa Blisabett. Traduces da Bblia (Livraria de Alcobaa). Chronica dos Vicentes. Ordenaes de Dom Duarte. Cbronica geral do Reino, por Ferno Lopes. Azurara, Chronica da Guin; Chronica do Conde D. Pedro de Menezes. Chronicas de Ruy de Pina. Obras de Frei Joo Claro. Poesias portuguezas nos Cancioneiros castelhanos. Cancioneiro portuguez da Bibliotheca de Madrid. Sonetos sagrados de D. Joo da Silva (Beato Amadeo.) Obras ineditas da Livraria de Alcobaa; e obras da Bibliotheca do rei D. Duarte, do Condestavel de Portugal, e de D. Affonso v, que se dispersaram.
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Hxplicativa O ethos expresso na litteratura PROLEGOMENOS Elaborao orgnica da Litteratura Creao das Litteraturas Consideradas como Synthese affeetiva Concepo de Bacon sobre as influencias litterarias... A littevatura grega exemplo completo da evoluo orgar) As litteraturas modernas e o dualismo tradicional e clssico I
Factores staticos
\. A Rafa.'Seu caracter atravs da Litteratura... Na Litteratura grega, segundo Ottfried Mller "% Litteratura franceza e allem Existe uma raa portuguesa sua diff crena do typo ibrico A grande 'Confederao Occidental e o elemento ligurico /58 169 Extenso da Lusitnia dos antigos .160 Tardia e dbil invaso dos Celtos na Pennsula
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Ttuina (la Civilisao bronzifera E s t a d o de pureza das tribus lusHanas As invases germanicas continuam a aco dos homens corpulentos do Norte ,.. Persistncia do elemento popular A invaso dos Arabes e a populao dos Mulladis e Mosarabes A aspirao nacional de um povo livre 2." A Tradio. Mantm as p r i m i t i v a s unidades etbnicas Continuidade das tradies poticas n a s populaes actuaes F o r m a s tradieionaes do Lyrismo As Maias e Maierolles O thema pico odyssaico Os romances da Bella Infanta e No Gatherineta A Noiva arraiaria O imperialismo germnico e a unidade eatholiea F o r m a o da sociedade mosarabe 3." A Lngua. Actua no desenvolvimento social e independncia nacional
20 21 28 24 25 20 27 28 31 32 33 35' 36 37 38 39
A)
FORMAO
DAS
LNGUAS
ROMNICAS
Sob princpios anlogos, que conduzem a um typo cornaram Conservam vestgios de uma Grammatica fortemente constituda Diez deriva-as da lingua popular dos romanos . ... Segundo Schleiger, seguem flierente caminho do que o do latim P a r a Max Muller, o latim clssico n o explica completamente a sua origem Impossibilidade de uma lingua synthetica produzir lnguas analyticas O latim pela sua vida de trez sculos n o prevaleceu sobre os dialectos itlicos O que foi a Tngua romanitatis Famlia de linguas analyticas Unidade determinada por Da>-mesteter 1'honetica das lnguas romansadas O domnio geographico Aco l i t t e r a r i a do latim n a s classes cultas Os germnicos que invadiram a H e s p a n h a tinham a cultura irmana A oceupa dos rabes no produziu um dialecto popular
40 41 43 43 44 45 46 48 49 49 51 53 56 58 59
B) s
Obi portugues Catalo cie D. e Castelhano correspondem Analidades a ' trez ... 61
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a) Separao o Portugus e do Oa.llego A Galliza deeae na situao da provncia A a,utonomia nacional a c t u a no desenvolvimento d lingua "portugueza 1)) Modificaes por via do Influencia litteraria da F r a n a c) 0 porttir/iicz comea a ser escripto Documentos de 1192 e 1214 Os dialectos portuguezes d) A. Versificao porttigueza: Syllabismo Nenhuma relao com a mtrica de quantidade Epocas historicas da lngua portugueza 4. A Nacionalidade. Os trez focos de resistencia contra os rabes A resistncia lusa, segundo Rasis As divises ecclcsiasticas da Lusitnia no seculo VIII so as actuaes A restaurao lusitana precede a aslturo-cantabra A T e r r a Portucalense torna-se estado independente em .1128 RccOnstitue-se p a r t e da antiga Lusonia at'*Bo Algarve... A vida histrica da Nacionalidade A expresso do gnio nacional por Cames As consequncias do novo equilbrio europeu da Casa de ustria Obliterao do sentimento nacional sob os B r a g a n a s . . . frances 63 64 65 65 66 66 66 69 70 71 73 75 76 77 78 79 81 82 84 85 87
II Factores dynamicos
- As pocas histricas e o meio social actuando nas Litteraturas A Concepo do Comte, seguida por S t u a r t Mill e B a i n . . . As trez phases da c u l t u r a moderna 89 90
A) EDADE MDIA 157 Caracter complexo d'esta epoca.......................................................... 158 Contlicto do Podev espiri........................................................................... 159
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1. A E g r e j a . A educao p o p u l a r n a s Collegiadas... Exemplos e Contos populares Moralidades e Diabruras P a r o d i a s golir.rdeseas 2. A Crte. Contrape as Escholas as Universidades... Os typos das Monarchias A Cavalleria e os typos ideaes .' Focos de sociabilidade S. A B u r g u e z i a . A actividade pacifica... Creao de uma classe mdia
B)
RENASCENA
A insurreio mental no seculo X I I I A ra dos Descobrimentos A Monarchia Universal A diplomacia e a Querella dos Antigos e Modernos Caracter do Sculo excepcional
c)
ROMANTISMO
Fim da crise revolucionaria A sensibilidade romntica O Proto-romantismo A E r a dos Genios, na Allemanha Influencias da Allemanlia no Romantismo lehabiiitao da Edade mdia A historia com criterio methodologico...
II Successo das L i t t e r a t u r a s modernas, e mutua aco hegemnica Revivescncia da antiga Civilisao occidental. O grupo do Meio Dia da E u r o p a a) Litteratura- da 'i'ana Sua aco sobre as l i t t e r a t u r a s medievaes... Hegemonia da Itlia 117 119 120 121 125 130
Hespanha e Portugal b t t e r a t u r a s differenciadas pelo ethos d'estes dois.......... 131 Ob. 132 Portabsorpo do Castelhanismo 138 bliotheca .smez. Cataio Cataiao e Castda r e c o r r e s ; e u lyrismo... Cie D. Analidades
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EPOCAS
HISTORICAS
DA LITTERATURA PORTUGUEZA
Primeira Epoca: Eae mdia 1. Periodo (Seculo X I I a X I V ) Predomnio do Lyrismo trobadoreseo 2.o Perodo (Seculo xv) Influencia do Lyrismo castelhano e a erudio l a t i n a Segunda Epoca: Renascena 1.* Periodo: Os Quinhentistas (Seculo XVI) Quadro da maior actividade da nao portugueza 2." Periodo: Oulteranistas: (Seculo X V I I ) As Tertulias e Comedias famosas 3." Periodo: Arcaistas (Seculo X V I I I ) O pseudo-classicismo francez Terceira Epoca: Romantismo (Seculo das Tradies nacionaes C a r a c t e r da l i t t e r a t u r a portugueza XIX) Revivescencia
139 139 141 142 142 144 145 146 147 148 150 151 153
PRIMEIRA EPOCA E D A D E M D I A
(Seculo X I I a XV)
Influencia do sul da Frana ou Gallo-romana A liberdade democratica e a c u l t u r a do sul da F r a n a . . . AS Crtes de Amor Aubade e Serena As Pastorellas no gosto a n t i g o 157 158 159 160
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Unidade das Canes lyricas da Provena, Itlia, Galliza, Portugal. Valencia. Arago e Oastella .' Sua origem meridional Eschola de Tolosa Propagao do lyrismo Itlia ..'. em H e s p a n h a Trovadores na Corte do Leo Como se propagou o lyrismo portuguez s Cortes peninsulares Preponderncia do elemento popular A ESCHOLA TROBADORESCA PORTUGUEZA
Mareabrus visitou Portugal 170 Gavaudan o Velho, Cercamons e Peire Vidal refcrem-se a Portugal 171 A Crte de Guimares - 172 As Cantigas de Amigo e a pequena burguezia do Minho 178 A Galliza d'quem Minho 175 E r r a d a importncia attribuida Galliza do Norte por Men e n d e y Pelayo 170 Comprehenso do texto de Marquez de Santillana .' 178 As mulheres cantoras no lyrismo portuguez 179 Naturalidade e caracter affectivo 180 F u n d o tradicional do lyrismo portuguez 181 P h a s e s historicas da Eschola trobadoresca portugueza ... 182 Cyclo pre AJfonsino (1185 a 1248) O gosto do Lyrismo trobadoreseo suscitado pela c r t e de Leo e Arago D. Sancho I, trovador A Quinta Monarchia Os amores de D. Sancho I Cano Ribeirinha no gosto popular A Serranilha artstica precedeu os Jograes gallegos Fontes sociaes d'este lyrismo As Cidades livres ou Behetrias '. O trovador Payo Soares de Taveir As Netas do Conde apodadas pelos trovadores O trovador Martim Soares Trovadores portuguezes que emigram p a r a Leo, Arago e Castella Na crte de Santarem Martim Soares, da crte de D. Sancho II Joo Soares Coelho e Sordello de M a n t u a Canes de Boniazio Calvo em portuguez Ramon Vidal e Rambant de Vaqueiras trovam em portuguez Affonso o_ Sabio centonisa versos de J o o de Cuilhade e de J o o Coelho A a n a r c h i a feudal actua na degradao da Galliza O sentimento caracterstico do lyrismo portugu".: Trovadores pre-Afonsinos h) C yclo Afjonsmo (.1248 a 1279) A edade mais fertil da A r t e trobadoresca Assistencia de D. Affonso I I I na crte de F r a n a a)
182 184 185 187 188 189 190 191 194 195 196 198 199 200 201 202 203 205 205 207 207 .208 208
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Fidalgos portu!,uezes que a h i se refugiaram depois da Lide do P o r t o ... A S a t i r a contra os Alcaides traidores por Ayres Perez Veytura
209 210
5 II
influencia do Norte da Frana ou GalIo=franka As Canes lyrieas da lingua d'oil D. .Joo de Aboim e as P a s t o r e l l a s francezas E s g a r a v u n h a emprega um retornello em francez Aftonso Lopes de Baio parodia a Gesta de Rolan Potica trobadoresca portugueza O Segrel Gesta de Maldizer contra E u y Gomes de Briteiros Conhecimento das Canes de Gesta em P o r t u g a l Seria D. Affonso I I I tambm t r o v a d o r ? O Cancioneiro da Ajuda contm a maioria dos trovadores que pertenceram corte de D. Affonso I I I c) CIclo Dionsio (1279 a 1325) A corte do rei D. Diniz centro de convergncia dos trovadores gallegos, castelhanos, aragonezes e andaluzes A.vmerie d'Ebrard, de Cahors. mestre de D. Diniz Apogeu da lyrica palaciana levivescencia do lyrismo provenal A rano rle amor, ou a d o u t r i n a philosophica dos trovadores Os amores de D. Diniz .' Rua imitao do lyrismo popular O sentimento aproximou os trovadores d'esta origem popular Convergncia de trovadores e jograes de Leo, Castella e Arago Relao e n t r e os Cancioneiros e os Nobilirios.. Livro das Cantigas do Conde de Barcellos Systematisao do Grande Cancioneiro trobadoresco ... Os quatro Cancioneiros fundamentaes dl Cy clo post-Dionliio 1325 a 1357) Na crte de D. Affonso IV A lingua portugueza usada pelos trovadores castelhanos Cano do Infante D. P e d r o O Poema da B a t a l h a de Salado Relaes com a Crnica de Affonso Onceno Formas portuguezas sob o t e s t o castelhano Versetes de antiguo rimar Os romances velhos 211 212 216 217 218 219 224 225 228 229
230 231 232 233 234 236 239 241 242 244 245 246 248 249 250 251 253 255 258 261 263
I
Influencia armoricana ou Gallo-bretan Os Lais bretos no fim do seculo X I I I As tradies bretans em P o r t u g a l 264 265
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a) Os Lais amorosos Referencias nos trovadores portuguezes b) Os Lais novellescos O amor ideal e desinteressado C a n t a r e s d Cornoalhas Os Lais de Tristo intercallados n a s Novellas Lai do Tributo das Donzellas O original rancez dos Lais de T r i s t o Lai de Leonoreta da Novella de Amadis Restituio da sua forma estrophica Confronto com a apropriao castelhana Chronologia da forma do Lai Joo Lobeira, pae de Vasco de Lobeira 266 269 270 272 273 274 277 279 283 284 286 288 292
O R I G E M PORTUGUEZA DO A M A D I S DE GAULA
Prosificao dos poemas bretos O t b e m a do Amadis de Gaula 1." Pliase: Lenda agiologica... F a c t o s similares de outros poemas 2. a Phase: Lais narrativos Vulgarisago dos Lais do Amadis Elementos do Lai de Amadis communs ao Poema Novella
299 300 302 303 305 306 e 309 311 312 313 314 317 319 320 322 322 325 328 331 332 335 337 338 343 344 345
3.* Phase: Novella cyoUca em prosa Forma portugueza do fim do sculo XIV ... 1." Redaco portuguesa, em t r s livros (de J o o Lobeira) Retoque do episodio de Brolanja Blleza d'esses trs livros na tradico castelhana 2. Redaco portuguesa (Vasco de Lobeira) Elementos accrescentados Referencias a este texto nos fins do sculo X I V O Livro de Amadis de Gaula na Casa do Duque de Aveiro Testemunho de A z u r a r a . . . ' Referencias dos poetas do Cancioneiro de B a e n a Trabalho de Vasco ue Lobeira 3 . a Terceira redaco portuguesa (Pedro Lobeira) E n t h u z i a s m o pelas tradies britonicas O ethos portuguez reflectido na Nox*ella de Amadis Os crticos hespanhoes e allemes reconhecem o seu car a c t e r portuguez 4. A redaco paraphrastica castelhana (1492) Inferioridade das Sergas e Esplandiaii At quando ha noticia do texto portuguez
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IV
Cultura latino-cclesiastica ...
QUADRIVIAES
As E s c u d a s das Coliegiadas ................................................ l. Philosophia e Theologia Pedro Hispano e Antnio de Lisboa. A corrente mystiea O Aristotelismo averroista 2. As tradies l a t i n a s . . . liariam e Josaphat Viso de Tunal ... Orto do Esposo
B) O PODER REAL PROTEGE O HUMANISMO
A divisa do estado social 1." Fontes poticas da Antiguidade clssica As lendas do Cyelo troyano Historia de Troya em portuguez 2. Fundao da Universidade de Lisboa Os primeiros E s t a t u t o s 3." Nobilirios F a c t o social que os originou Seus elementos histricos 4. Chronicas e Relaes histricas Chronica da Conquista do Algarve A Chronica geral de H e s p a n h a 2. Perodo: Os Poetas Palacianos
362 363 365 366 371 372 373 374 375 378 379 380
(Sculo XV) I Elaborao do Lyrismo provenal pelo gnio italiano ( P h a s e allegorica) Depois da extino da Poesia frobadoresca... Dante inicia a nova elaborao esthetica... Sua influencia em Hespanha 388 384 385
INDICE .ncia castehano= iragoneza politica da corte de D. J u a n II amora D P e d r o e J u a n Oe Mena _ondestaveI de P o r t u g a l Pragedia da insigne Rainha Stira e felice e infeliee Vida. Coplas de Contento dei mundo
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2. Formao do Cancioneiro geral Elemento histrico no Cancioneiro a) Livro das trovas dei El Bei Dom Duarte b) Cancioneiro portugus c) Cancioneiro portuguez a Biblotheca e Madrid. d) Cancioneiro do Abbade D. Martinho e) Cancioneiro e D.. Francisco Coutinho Conde e Marialva... * Como se identifica com o Cancioneiro do Dr. G u a l t e r Antunes Manuseripto do seculo XV Documenta o apoerypbismo l i t t e r a r i o d'essa epoca Analyse morphologica o t b e m a t i c a d a s cinco composies 3. Existencia de um elemento popular Expanso da poesia popular no seculo XV Ilhas encantadas Romances velhos sobre J o o Loureno da Cunha e Princepe D. Affonso Centros poeticos de Aores e Madeira Rudimento do t h e a t r o popular T h e a t r o hiertico
II
As Novellas portuguezas da Tavola Redonda e do Santo Gr O Amor e Cortezia bases das Novellas cavalheirescas .... 4 Transformao d'estes Cyclos em P o r t u g a l.......4 Livro e Josep ab Arimatha...............4 Demanda do Santo Graal.............4 Merlin Gato Paul e Prophecias do B a n d a r r a.......4 Galaaz substitue Lancelot..................4 Historia de Vespasiano.................4 O texto portuguez de Arnais em Castella......4 Florestam ... 4 As imitaes do Aniadis de Gaula 4 Sua influencia social 4
III
Predominio da Erudio latina Transio p a r a a grande Renascena 45
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PA-C
-ncia castelhano= iragoneza . politica da corte Je D. J u a n I I . . . Pedro e J u a n de Mena a) Os lais . .undestavel de P o r t u g a l Referencias tragedia (ia insigne Rainha Stira de felice e infelice Yia b) Os, Coplas de Contento dei mundo O amo _2. Formao do Cancioneiro geral Canta/ Elemento histrico no Cancioneiro Os Li a). Livro das trovas dei l Bei Dom Duarte Lai j b) Cancioneiro portuguez cj Cancioneiro portugus da BibHotheca de Madrid... O or/ d) Cancioneiro do Abbade D. Martinho Lai I e) -Cancioneiro de D. Francisco Coutinho Conde e Ma Eestj rialva * Cor Como se identifica com o Cancioneiro do Dr. Gualter Antunes Manuscrpto do seculo XV ..( Documenta o apocryphismo l i t t e r a r i o d'essa poca... Analyse niorphologica e t b e m a t i c a d a s cinco composies 3. Existncia de um elemento popular Expanso da poesia popular no sculo XV Ilhas encantadas Romances relhos sobre J o o Loureno da Cunha e Princepe D. Affonso Centros poticos de Aores e Madeira Rudimento do t h e a t r o popular T h e a t r o hiertico
38 39 39: 40' 40: 40: 40i 401! 409 413 414 415 415 416 417 418 420 421 425 425 426 429 431 433 434
II
s Novellas portiguezas da Tavola Redonda e do Santo Graal Amor e Cortozia bases das Novellas cavalheirescas Transformao d'estes Cyclos em P o r t u g a l Livro de Josep ah Arimatha Demanda do Santo Graal Merlin Gato Paul e Prophecias do B a n d a r r a . . . Galaac substitue Lancelot Historia de Vespasiano \ O texto portuguez de Amadis em Castella Florestam ... As imitaes do Amadis de Gauia Sua influencia social 435 437439 441 442 444 445 447 448 449 450
III
Predomnio da Erudio latina Transio p a r a a grande Renascena 1." Os Estado da eruditas) duplos lingua portuguez (Formas populares e 450 451 452
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fluencia do Rei D. D u a r t e rso da Vita Ohnsti ... diothecas do rei D. D u a r t e do Condestavel D. Pedro de D. Affonso V Imprensa em P o r t u g a l . . . Humanistas, Moralistas e Philosophos te velha e n o v a ... Vro de Esopo, traducco portugueza... rei D. D u a r t e e o Leal Conselheiro... rtvosa Bemfeitwria Universidade de Lisboa; J u r i s c o n s u l t o s ; Codificao llegios j u n t o da Universidade Jurisconsultos eram h u m a n i s t a s denaes de D. Duarte e Affonsinas
454 457 459 460 461 462 463 468 468 469 471 473 474 474 476 477
IV
Desenvolvimento da frma historica aeponderancia social da Realeza ...
' Converso das Estorias em Caronicas Chronica da- fundao do Moesteyro de San Vicente. Vida de D. Tello Chronica do Condestabre Cronica do santo e virtuoso Infante D. Fernando... |- Fundao do Archivo nacional (Torre do Tombo) eparao do cargo de Archlvlsta do de Thezourelro Os GRANDES ClIRONISTAS DO SECULO XV lomo se acordou o genlo historico ..
487 489 490 491 493 496 497 .... 499 500 ... 501 502 503 504 506 506 507
. Ferno Lopes /ormao da Chronica de P o r t u g a l tomo se desmembrou a sua Chronica geral do [elaes com o Chronista Ayala is textos da Chronica de D. Joo 1 [ copia de P e r o Vaz Soares , I Gomes Eanes de Azurara i e u caracter l i t t e r a r l o I a Ruy de Pina Yfluencia de D. .joao II mtratado p a r a escrever a Chronica de D. Manoel orno forain plagiadas as suas Chronleas ecadencia da forma historica ynthese do seculo xv As grandes p e r d a s da L l t t e r a t u r a portugueza
Reino...