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Clusters

os distritos industriais dos pases em desenvolvimento

Beatriz Azevedo1

Resumo
Os clusters constituem um fenmeno freqente nos pases em desenvolvimento (PEDs), embora bastante heterogneos em termos de origem, de estrutura, de princpios de organizao, assim como em termos de trajetrias e perspectivas de crescimento. Apesar de sua importncia nestes pases, os estudos so poucos e relativamente recentes. O objetivo deste texto apresentar algumas caractersticas mais globais dos clusters em termos de mercado de trabalho, estratgias de funcionamento e de instituies locais de apoio, assinalando suas conexes com a dinmica dos sistemas produtivos locais (SPL) europeus. Mostramos tambm em que sentido o quadro de anlise do SPL pode ser til para abordar pontos importantes do desenvolvimento dos PEDs e apresentamos algumas sugestes de aspectos importantes a investigar em pesquisas futuras sobre os clusters. Palavras-chave: clusters, sistemas produtivos locais, desenvolvimento local.

Abstract
Clusters are a frequent phenomenon in developing countries, although extremely heterogeneous in terms of origin, structure, and principles of organization, performance and growth expectations. Despite its importance in these countries, studies analysing clusters are quite few and recent. The objective of this paper is to present some general characteristics of clusters related to job market, working strategies and local support organizations, emphasizing their relation with the dynamic of the European Local Production Systems (LPS). We also show in what sense the analysis of the LPS can be useful to address important issues related to the development of developing countries and present some suggestions for future research related to clusters. Keywords: clusters, local production systems, local development.

Doutora pela Universit Pierre Mends France, Grenoble II, pesquisadora do Groupe de Recherche em Sciences Sociales Sur lAmrique Latina (Gresal) de Grenoble, Frana. ([email protected]).

DESENVOLVIMENTO EM QUESTO Editora Uniju ano 1 n. 2 jul./dez. 2003

p. 99-121

Beatriz Azevedo

O ponto de partida das reflexes sobre distritos industriais tem por base os trabalhos de socilogos e economistas regionais italianos (Bagnasco, 1977; Becattini, 1979; Garofoli, 1981; Brusco, 1982; Fu; Zachia, 1983). Retomando o conceito de Marshall (1919)2 eles explicam o forte crescimento econmico da Terceira Itlia, a partir da dcada de 70 do sculo XX, pelos efeitos positivos decorrentes da proximidade geogrfica e setorial entre pequenas empresas. Na verdade a industrializao desta zona teve sua origem no processo de descentralizao de grandes empresas, que passaram a subcontratar tarefas de pequenas empresas localizadas em zonas perifricas. O objetivo era no somente reduzir deseconomias metropolitanas, mas especialmente contornar problemas resultantes da rigidez de salrios e da fraca mobilidade dos trabalhadores. Se nesta primeira fase da industrializao o setor informal desempenhou um papel importante na dinmica industrial desta regio, em um segundo momento as pequenas empresas passaram a cooperar entre si e se tornaram, finalmente, mais ativas e dinmicas que as grandes empresas. Hoje, a regio da Terceira Itlia abriga verdadeiros sistemas industriais autnomos, que se caracterizam por uma produo especializada, em pequenas sries e de alta qualidade destinada exportao3 . Segundo os autores italianos, essa evoluo se explica por um conjunto de circunstncias histricas, culturais e socioeconmicas particulares daquela regio.

A noo clssica de distrito industrial faz referncia ao fenmeno de concentrao de empresas especializadas em um ramo de produo, no sculo XIX, em certas comunidades (Birmingham, Sheffield, Lyon, SaintEtienne, Soligen, etc), que levou a uma diviso de trabalho entre pequenos produtores, baseada em laos de solidariedade. Marshall explica este fenmeno pela existncia de economias externas s empresas individuais, mas internas ao ramo de produo. Isto , tratam-se de economias que no emanam diretamente de empresas, mas sim do territrio onde elas se localizam, em funo da proximidade dos produtores, tais como: difuso de know-how, aprendizagem difusa da profisso, invenes e inovaes, desenvolvimento do comrcio e dos transportes, contatos estreitos entre fornecedores e compradores, redes de subcontratao de servios, mercado de mo-de-obra qualificada, etc. Mas, segundo Marshall, esta cooperao econmica explica somente em parte as vantagens de um distrito industrial. O interesse de Marshall pelos distritos industriais vai alm dos aspectos econmicos, pois seu quadro de anlise integra a dinmica sociocultural das regies. Ele chama assim a ateno a valores imateriais da localizao (as relaes sociais, a cultura local) para mostrar que a dinmica industrial no pode ser reduzida a seu aspecto mercantil. Em suma, pela expresso atmosfera industrial, Marshall designa o meio ambiente favorvel dos distritos industriais: concentrao de recursos humanos (e a grande importncia do sistema educativo), herana social de especializaes, trocas de informao e competncias... Um dos mais importantes distritos industriais italianos o da regio de Prato, habitada por 30.000 pessoas, vivendo em dez cidades em um espao relativamente reduzido, e cuja indstria txtil responsvel por 60.000 empregos e 10% das exportaes italianas de produtos de moda.

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Clusters: uma nova categoria de anlise de concentraes industriais


Com base nesta experincia italiana o conceito de distrito industrial comea a ser utilizado como instrumento de anlise das estruturas industriais, na medida em que o territrio passa a ser considerado como uma dimenso importante da dinmica industrial. Isso significa que o territrio no mais visto como um suporte passivo, mas como um agente ativo que capaz de estimular seu prprio desenvolvimento. Esta nova perspectiva terica d origem a vrios conceitos: sistema produtivo local (SPL), sistemas industriais localizados (SIL), reas de especializao, etc, que procuram explicar o dinamismo industrial de certas regies dos pases industrializados. De fato, so regies que apresentam nveis elevados de especializao industrial e de flexibilidade produtiva, tecnologia de ponta, grande capacidade de inovao, mo-de-obra qualificada, lucros elevados, relaes complexas de concorrncia e de cooperao entre firmas, etc.4. Experincias locais de industrializao, porm, so tambm observadas nos pases em desenvolvimento (PEDs). A bibliografia disponvel sobre o tema mostra que clusters5 constituem um fenmeno freqente nesses pases e em setores industriais dos mais variados. Ela mostra tambm que os clusters so bastante heterogneos em termos de origem, de estrutura, de

Em uma viso prospectiva, Piore e Sabel (1984) interpretam esta nova reorganizao industrial-espacial como um modelo alternativo quele baseado na grande indstria e na produo de massa e expresso geogrfica de um novo modo de acumulao flexvel: fabricao de produtos variados por meio de equipamentos e operrios polivalentes. Adotamos aqui o conceito de cluster (Schmitz, 1994) para designar as concentraes setoriais e geogrficas de pequenas empresas nos PEDs, pois elas apresentam caractersticas particulares que as distinguem dos SPL europeus. Ver especialmente a anlise de clusters africanos e latino-americanos em Nadvi e Schmitz (1994, 1999), baseada nos clusters de Lima (Takora e Gamarra), Peru (Trujillo), Costa Rica (Sarchi), Equador (Ambato), Argentina (Rafaela), Mxico (Lon e Guadalajara) e Brasil (Franca e Vale dos Sinos), assim como naqueles do sul da sia e da ndia (Ludhiana, Tiruppur, Sialkot). Se este texto se baseia nesses estudos empricos sobre clusters, foram aqui tambm incorporados os resultados de estudos sobre o setor informal nos PEDs, em particular os que se referem realidade latino-americana e africana. Mesmo se faltam a estes estudos reflexes sobre a influncia do ambiente sociocultural e econmico na dinmica de funcionamento das atividades informais, eles fornecem, antes de tudo, uma viso do modo de funcionamento da indstria de pequena escala nos PEDs.

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princpios de organizao, assim como em termos de trajetrias e perspectivas de crescimento. Esta diversidade se explica pelos modelos de desenvolvimento adotados pelos diferentes pases, bem como pela histria e conjuntura poltica e econmica de cada um deles. Trs tipos de clusters foram identificados (Altenburg; Meyer-Stamer, 1999). O primeiro tipo e que inclui o maior nmero de casos, inclui os clusters formados de micro e pequenas empresas, em boa parte informais, localizados em regies onde o desemprego particularmente elevado; sua origem se explica pela busca de estratgias de subsistncia: em geral tratam-se de indivduos desempregados que aproveitam as fracas barreiras de entrada em setores de produo de baixo nvel tecnolgico para fabricar produtos tradicionais (calados, vestimentas, mveis, etc.) de baixa qualidade e destinados a mercados domsticos de baixa renda. O segundo tipo inclui os clusters de produo de massa, os mais avanados e de produo mais diversificada e cujo surgimento se deve conjuntura econmica favorvel do perodo de substituio de importaes; eles englobam empresas de tamanhos diferentes, desde micro-unidades de produo a grandes empresas fordistas6 . Os clusters do terceiro tipo, finalmente, so aqueles formados por empresas multinacionais, com poucas relaes com as empresas e instituies locais e que desenvolvem atividades complexas de produo, tais como a eletrnica e a automao, cujos produtos se destinam ao mercado mundial; sua localizao nos PEDs se explica pelo baixo custo do trabalho e pelas vantagens fiscais. Apesar da importncia dos clusters nos PEDs, os estudos so, entretanto, relativamente recentes e no permitem chegar a concluses definitivas e completas. Alm disso, falta nestes estudos uma certa harmonia em termos de conceitos, devido aplicao de metodologias diversas de pesquisa. Tendo em vista estas limitaes, este texto se limita a reunir informaes

Entre estas, uma ateno especial ser dada ao cluster do Vale dos Sinos (Brasil), considerado como um super cluster (Schmitz, 1993). Concentrao industrial de origem centenria e de uma vitalidade histrica notvel, o Vale dos Sinos constitui hoje um dos principais plos de fabricao de calados do Brasil. Os elementos detalhados de anlise que dispomos sobre esta regio industrial (Azevedo, 1996; 1998) permitiro tambm ilustrar aspectos mais qualitativos relativos ao funcionamento de um cluster.

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sobre os clusters mais conhecidos. O objetivo maior relacionar as especificidades dos clusters realidade socioeconmica dos PEDs, fazendo um paralelo entre as principais caractersticas dos clusters e aquelas do modelo standard dos Sistemas de Produo Localizados (SPL).

Especificidades de funcionamento dos clusters e SPL


Os trabalhos sobre os SPL mostram a influncia da proximidade fsica de empresas de um mesmo setor produtivo sobre os mecanismos de aprendizagem da profisso, o funcionamento do mercado de trabalho e de produtos, assim como a evoluo tecnolgica das empresas.

A aprendizagem da profisso
Em um SPL um mesmo modelo de cultura industrial, de tradio histrica, a origem de uma importante acumulao e difuso de experincias profissionais e know-how industrial. A aquisio de competncias profissionais supe uma trajetria profissional que combina aprendizagem by doing e formao tcnica oferecida por instituies locais. Alguns clusters tambm se caracterizam por uma produo de tradio antiga: o caso dos clusters mais bem-sucedidos (Mxico, Brasil, Paquisto e ndia), que se desenvolveram em torno de uma especialidade produtiva artesanal, transmitida de uma gerao outra. A experincia profissional nos clusters, porm, se situa em um contexto local. Ao contrrio do caso dos SPL a aprendizagem prtica que predomina, dada ausncia de centros tcnicos de formao ou sua pouca importncia (ou inadaptao) ao nvel local. O que primeiro ressalta nos clusters a importncia da famlia no sentido de socializar o indivduo na cultura tcnica local; segundo, o autodidatismo do trabalhador com base em contatos profissionais informais. Alm disso, nos clusters onde empresas de maior porte esto presentes, os operrios aproveitam sua experincia profissional nestas empresas para 103

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acumular competncias tcnicas que lhes sero teis, mais tarde, caso se instalem como produtores independentes. Isto se explica pela fraca modernizao das indstrias dos clusters, fazendo que a interveno do operrio nas operaes produtivas continue sendo importante e a organizao tradicional do trabalho destas empresas dependam, estreitamente, das habilidades dos trabalhadores. Enfim, todos estes fatores permitem aos trabalhadores dos clusters adquirir, localmente, qualificaes tcnicas que parecem compensar seu baixo grau de escolaridade7.

O mercado local de trabalho


Um SPL conta com uma oferta abundante de trabalho graas concentrao de trabalhadores especializados, o que favorece a diviso do trabalho e confere uma grande flexibilidade de funcionamento s pequenas empresas. A expresso qualidade domstica da mo-de-obra (Rerat, 1992) faz justamente referncia a estas relaes profissionais com base territorial, que permitem s empresas utilizar uma variedade de formas e relaes de emprego (Garofoli, 1985). Da porque um relativo relaxamento das normas locais de trabalho, o mercado sendo governado por um conjunto de regras e prticas especficas de gesto da mo de obra8. Nos clusters a flexibilidade produtiva das empresas se explica igualmente pela disponibilidade de uma mo-de-obra de origem local, mesmo que no muito especializada. A diferena maior em relao aos SPL, entretanto, que, nos clusters, a flexibilidade produtiva est profundamente associada flexibilidade social: trabalho a domiclio, recrutamento de menores,
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Sabendo-se que somente 40% dos pequenos patres do Vale dos Sinos concluram apenas o primeiro ciclo escolar, estamos em presena de um empresrio que pode ser definido como self-made man. Por isso, em nvel de suas representaes, eles se estimam suficientemente qualificados para se instalarem como independentes e no valorizam muito a formao escolar (Azevedo, 1998). Os produtores de um distrito industrial constituem um trabalhador de uma nova espcie, pois eles apresentam caractersticas muito particulares: diante de condies de trabalho freqentemente piores que as dos operrios das grandes fbricas, eles adotam uma grande flexibilidade enquanto mtodo de trabalho e estilo de vida. De qualquer modo, as condies flexveis de trabalho dos distritos permitem aos operrios viver e sobreviver nos perodos de crise e reduzir assim as tenses no mercado de trabalho (Ricoveri et al 1991).

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longas jornadas de trabalho, instabilidade no emprego e fraudes legislao trabalhista. Isto se deve situao do mercado de trabalho nos PEDs, cuja caracterstica principal um forte excedente de mo-de-obra. Este excedente resulta de um expressivo crescimento demogrfico que no se faz acompanhar de uma criao proporcional de empregos, pois o setor manufatureiro tem um papel modesto no emprego da populao ativa dos PEDs9. Da a presena importante de uma economia informal que ocupa grande parte dos ativos urbanos e, em particular, daqueles originrios de camadas sociais modestas10.

A mo de obra familiar
Em um SPL as empresas familiares so dominantes. Os estudos sobre os distritos industriais italianos mostram, de fato, que a famlia constitui uma instituio central na vida econmica e social destas regies: uma vez que no prevalece uma lgica de trabalho individual, as flutuaes econmicas tendem a ser menos traumticas para os indivduos (Paci, 1980). A participao da famlia mais importante ainda nas pequenas empresas dos clusters. Estudos empricos indicam que a famlia forma uma rede solidria em torno do proprietrio no momento da instalao da empresa (quando ela constitui a primeira mo-de-obra e/ou fornece os recursos finan-

Isto porque o desenvolvimento industrial destes pases, planejado de uma forma voluntarista e prematura, foi dirigido por empresas de capital estrangeiro que se integraram de modo marginal no tecido socioeconmico destes pases. o caso da industrializao latino-americana que foi pilotada pelas elites dominantes e sustentada por governos autoritrios, e o da frica, dominada pelos interesses comerciais das potncias coloniais. Note-se tambm a atuao insignificante do setor pblico dos PEDs na esfera social assim como sua interveno reduzida no plano econmico em funo da adoo de planos sucessivos de ajustamento estrutural impostos, nos ltimos anos, pelo FMI e o Banco Mundial. Isto particularmente vlido no caso da Amrica Latina, onde o setor informal se relaciona a um fenmeno mais geral, que a forte mobilidade intersetorial (entre os setores formal e informal) da mo-de-obra. A trajetria profissional dos trabalhadores latino-americanos indica ainda que o trabalho assalariado deixou de representar um ideal social (Cacciamali de Souza, 1983). De fato, a condio de operrio na Amrica Latina no constitui mais, em muitos casos, um estatuto profissional privilegiado, tendo em vista as condies de trabalho e os salrios em vigor no mercado formal de emprego. J nos pases desenvolvidos a legitimao da sociedade salarial se baseou em dois mecanismos principais: primeiro, na mobilidade social dos indivduos, para a qual o sistema escolar e a ideologia da igualdade de chances desempenham um papel importante; segundo, nos mecanismos de proteo social oferecidos pelo Estado-providncia.

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ceiros iniciais) e ao longo de sua existncia. A importncia econmica estratgica do trabalho gratuito ou pouco remunerado dos membros da famlia tem aqui um senso de conjugao de esforos visando garantir a subsistncia domstica. De outro lado, a famlia constitui o principal recurso para assegurar a flexibilidade de funcionamento de uma unidade de produo. Em nome da solidariedade familiar, a mo de obra mais flexvel, aceitando longas jornadas de trabalho e remuneraes irrisrias em conjunturas mais difceis. Esta participao da famlia nos clusters no , entretanto, expresso de uma tradio arcaica, mas uma resposta racional s condies de trabalho nos PEDs, uma vez que ela constitui uma espcie de garantia face instabilidade da conjuntura econmica. Alm disso, nos clusters, o modelo familiar de empresa no necessariamente sinnimo de ineficincia ou de clientelismo, tendo em vista as competncias tcnicas adquiridas localmente pelos membros da famlia.

A participao produtiva das mulheres


Nos SPL observa-se um emprego bastante flexvel da mo-de-obra feminina. Os estudos sobre os distritos industriais italianos indicam que esta flexibilidade se baseia, de um lado, em uma separao estrita, segundo o sexo do trabalhador, de funes no interior das empresas, onde tarefas produtivas mais qualificadas e/ou cargos de maior responsabilidade so reservados quase exclusivamente aos homens. De outro lado, ela se manifesta pela participao intermitente das mulheres no mercado de trabalho formal, que aumenta e diminui ao ritmo da economia local (Ricoveri et al, 1991). Esta participao desigual das mulheres ainda mais acentuada nos clusters em que a cultura patriarcal (de tradio crist ou muulmana) dos PEDs contribui para a sua marginalizao na vida econmica e social. A situao tradicional das mulheres nestas sociedades explica tanto suas dificuldades para ter acesso educao e a uma formao profissional, como sua posio subalterna nas estruturas familiares e na hierarquia poltica nestes 106

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pases. Assim, nos clusters, as mulheres tendem a ocupar as posies profissionais mais desvantajosas, alm de constiturem a maior parte da mo de obra local de reserva. Note-se, porm, que se nos PEDs as mulheres so as mais afetadas pelas demisses nos perodos de crise, isto leva, paradoxalmente, a um aumento da taxa de atividade feminina, pois as condies de vida da classe operria as obriga a se engajarem em qualquer tipo de trabalho, de modo a complementar a renda familiar. De fato as pesquisas mostram que, expulsas do mercado formal de trabalho, a reinsero produtiva das mulheres nos clusters se efetua, geralmente, no contexto de um trabalho informal e familiar, ou seja, enquanto esposa de um pequeno produtor ou trabalhador a domiclio. Enquanto esposa de um pequeno patro, a mulher contribui de maneira fundamental atividade da pequena empresa, onde ela constitui uma mode-obra gratuita, extremamente adaptvel e capaz de executar uma grande parte das tarefas produtivas. As trabalhadoras a domiclio so tambm numerosas nos clusters: a subcontratao de servios pouco qualificados supe, via-de-regra, o uso de uma mo de obra feminina barata11.

Os aprendizes
Nos SPL o status de aprendiz permite ao jovem adquirir uma qualificao assim que se integrar, pouco a pouco, na cultura tcnica local. Trata-se de uma aprendizagem aleatria que no pode, por isso, ser definida por patamares de conhecimento ou de durao e que pode ser aprimorada, mais tarde, em escolas tcnicas.

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A este propsito interessante sublinhar que, se a escolha das mulheres pela atividade independente nos distritos industriais italianos se explica geralmente pela flexibilidade de tempo que esta lhes confere (permitindo conciliar obrigaes familiares e atividade profissional), nos PEDs a realidade bem outra. Nesses pases, considerar o trabalho a domiclio como um status profissional ideal em termos de conciliao entre vida familiar e atividade remunerada significa desconhecer a baixa remunerao e a rotina fastidiosa, intermitente e instvel que caracteriza esta forma de trabalho. Uma pesquisa mais aprofundada sobre esta categoria de trabalhadoras no cluster do Vale dos Sinos permitiu estabelecer inclusive que, muitas delas, se pudessem escolher, prefeririam trabalhar nas fbricas, onde elas se iniciaram profissionalmente na juventude e que, mais tarde, abandonaram voluntariamente (casamento, filhos) ou no (Azevedo, 1988).

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Nos clusters a figura do aprendiz (embora sem status formal, como no caso dos SPL) tem uma importncia ainda maior, tendo em vista os nveis reduzidos de formao escolar e tcnica dos trabalhadores nos PEDs. Para muitos indivduos o trabalho exercido na juventude lhes permite no somente estabelecer um primeiro contato com a profisso, mas, tambm, dominar um conhecimento tcnico qualquer, mesmo se rudimentar. Observa-se, porm, nos clusters, diferenas importantes nesta competncia de base. Estas se devem origem social do indivduo. Segundo as pesquisas, grosso modo, dois casos podem se apresentar. De um lado temos os indivduos de origem mais modesta que se ocupam, desde a infncia, das tarefas mais elementares nos ateliers da famlia e/ou da vizinhana, de modo a subsidiar a renda familiar, em geral insuficiente; a aprendizagem se resume aqui aquisio de conhecimentos banais e constitui, assim, uma formao tcnica sumria. De outro lado temos os indivduos originrios de famlias de renda um pouco mais elevada, cuja aprendizagem se efetua na empresa familiar relativamente prspera. Neste tipo de situao, na qual a herana um dado preponderante, os jovens adquirem no s competncias tcnicas, mas, tambm, capacidades na gesto da empresa que eles tendem, futuramente, a assumir.

Mercado de produtos
O trao mais marcante dos clusters a aplicao de uma estratgia de diversificao produtiva (baseada na cpia de modelos fabricados nos pases desenvolvidos), ao invs de investirem em uma produo especializada, de qualidade e em pequenas sries, como o caso de muitos SPL. De fato, se muitos clusters se tornaram competitivos no mercado de exportao (mesmo se bastante vulnerveis) porque fabricam produtos de consumo de massa, em geral de baixa ou mdia qualidade, o baixo preo de seus produtos constituindo sua principal vantagem competitiva nos mercados mundiais12 .

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o caso dos clusters do Vale dos Sinos (Brasil), El Porvenir (Peru), Rafaela (Argentina) e Suame (Gana) (Nadvi; Schmitz, 1994).

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Quanto aos pequenos produtores dos clusters, a tendncia fabricar produtos simples, condizentes com sua capacidade tcnica e financeira. Estes produtos se destinam fundamentalmente a um mercado local, em que muitos pequenos produtores encontram sua primeira clientela por meio da venda a domiclio. Somente depois de ter conquistado uma certa estabilidade no mercado da regio que as unidades de produo podem ganhar maior autonomia pela diversificao progressiva de seus produtos

Equipamentos e tecnologia
Em um SPL muito importante a contribuio das inovaes tecnolgicas em termos de utilizao de mquinas, da microeletrnica e de servios de informtica na fabricao de produtos de maior valor adicionado. Quanto aos clusters, o emprego de tcnicas tradicionais intensivas em mo-de-obra mostra que flexibilidade no sinnimo de inovao. Em muitos deles observa-se que a industrializao repousa, ao mesmo tempo, em prticas artesanais e no uso de tecnologias mais avanadas. Mesmo nas empresas fordistas observa-se a aplicao simultnea de tecnologias modernas em certas fases do ciclo de produo e de mtodos tradicionais em outras. De fato, a inovao nestas empresas se limita introduo de novos equipamentos, em geral importados dos pases desenvolvidos. Se o nvel das inovaes fraco nas empresas de maior porte, nas microunidades de produo ele praticamente nulo em razo principalmente da escassez de recursos financeiros. O atraso tecnolgico dos clusters se explica principalmente pela presena de uma mo-de-obra abundante, barata e pouco reivindicativa, o que no estimula inovaes e faz com que as empresas privilegiem o custo de mo-de-obra enquanto fator de competitividade. A fraca modernizao nos clusters se explica tambm pela mentalidade dos empresrios. As pesquisas mostram que so raros aqueles que julgam que a inovao tecnolgica importante para a evoluo de suas empresas. Eles argumentam que as mquinas tradicionais podem ser utilizadas em vrias etapas do processo produtivo e que, em conseqncia, os ganhos que possam resultar de uma even109

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tual introduo de equipamentos mais modernos no justificam economicamente tal investimento. Alm disso, eles no se interessam em investir em materiais novos e sofisticados porque estes podem se revelar inadaptados s habilidades de seus trabalhadores, que no sabero, provavelmente, nem utiliz-los, nem conserv-los. Os estudos sobre os clusters chamam a ateno para a astcia dos seus produtores, que so capazes de adaptar suas mquinas s necessidades produtivas sem precisar renunciar ao uso de tcnicas e de instrumentos mais simples de trabalho. De qualquer modo, se existe pouca inovao nos clusters, tal como se observa nos SPL, a proximidade entre produtores gera dois efeitos importantes. Primeiro, ela permite a difuso de certas tecnologias e a imitao de novas prticas produtivas. Por uma espcie de osmose (pela imitao de seus concorrentes), os produtores podem aperfeioar gradualmente seus instrumentos e mtodos de trabalho. Segundo, a grande disponibilidade local em termos de equipamentos facilita a compra de mquinas usadas, deixadas de lado pelas empresas de maior porte. A precariedade material do pequeno produtor pode ser assim compensada pela possibilidade de reciclar seus equipamentos.

O meio-ambiente local
Por meio ambiente local entende-se as relaes locais entre empresas e entre estas e seus fornecedores e compradores, assim como com instituies da regio.

As relaes entre empresas


Um SPL leva as empresas a cooperarem em domnios diversos, como na rea de formao dos trabalhadores, financiamento das empresas, desenvolvimento tecnolgico ou, ainda, no que se refere concepo dos produtos. Esta cooperao baseada em relaes de confiana entre empresas (Bagnasco, 1988) e em um sistema de instituies e de regras transmitidas de uma gerao outra (Becattini, 1989). 110

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Se os clusters repousam, tambm, em sociedades que se tecem em torno da empresa, dois tipos de relaes so dominantes. De um lado, as relaes entre iguais que supem a troca recproca, baseada em laos pessoais, de bens, de servios e de informaes entre pequenos produtores; e de outro, as relaes assimtricas, baseadas em trocas hierarquizadas, que se estabelecem entre grandes e pequenas unidades de produo por meio da subcontratao de servios.

As relaes entre pequenos produtores: relaes entre iguais


A intensidade da cooperao entre produtores varia segundo os clusters, mas as pesquisas mostram que as relaes se baseiam, em geral, em trocas de conhecimento, de equipamentos, de informaes sobre o mercado e, principalmente, na prestao recproca de servios13. Esta cooperao, em geral de carter informal, se relaciona estreitamente com a vida social e a proximidade fsica dos indivduos, mas as relaes entre pequenos produtores se fundam, principalmente, em sua proximidade socioeconmica, isto , em solidariedades de classe, dada a ausncia de apoios institucionais. Esta cooperao, entretanto, no exclui a rivalidade. No cotidiano, esta pode se manifestar no sigilo que cobre certas informaes, por exemplo, sobre o modelo dos produtos, a clientela, etc. Esta rivalidade se explica, principalmente, pelo excedente de produo e a forte cultura de imitao que caracterizam os clusters, assim como pela ausncia de barreiras entrada no setor. Ela se justifica tambm pelo fato de que muitos pequenos produtores encaram sua atividade produtiva como uma estratgia provisria de subsistncia, enquanto uma oportunidade de emprego no se apresenta. Da o comportamento oportunista e predador de produtores que no tm interesse em investir em relaes durveis de cooperao ou em uma boa reputao no mercado. Esta rivalidade se acentua ainda em perodos de crise, quando a concorrncia coloca as empresas em intensa competio no mercado local. De fato, quanto mais modestos so os produtores (e mais fracas as barreiras
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Em certos clusters mais desenvolvidos pequenas empresas se reagrupam para desenvolver novos produtos e estratgias de marketing.

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instalao), mais severa a concorrncia entre eles. notvel observar, porm, que, mesmo enfrentando condies de funcionamento particularmente difceis, freqentemente ilegais e baseadas em estratgias individuais de sobrevivncia, algumas formas elementares de ajuda proliferam, assim mesmo, no dia-a-dia desses produtores, em particular no que se refere repartio do trabalho. Em geral a reciprocidade em termos de prestao de servios uma prtica corrente em muitos clusters, especialmente em situaes de embarao (demandas urgentes ou em grande quantidade). Tendo em vista suas limitaes em termos de equipamentos e de mercado (instvel), os pequenos produtores preferem contratar os servios de terceiros, evitando, assim, aumentar a capacidade de produo de suas empresas. A subcontratao informal de servios assegura uma grande flexibilidade do emprego: os subcontratados so utilizados quando o volume de produo ou a quantidade de encomendas exigem uma capacidade elevada de produo e so licenciados nos perodos de menor atividade14. Graas a esta flexibilidade de funcionamento na gesto do pessoal, os pequenos produtores se tornam capazes de propor preos competitivos e de ter acesso a certos mercados. Note-se que mesmo os trabalhadores subcontratados se valem do trabalho a baixo custo de seus concorrentes para multiplicar sua capacidade de produo. o caso das mulheres, trabalhadoras a domicilio que repartem tarefas com vizinhos e conhecidos. O recurso subcontratao de servios adquire aqui um sentido de ajuda comunitria (entre amigos, ex-colegas de fabrica, vizinhos) e compensa, em parte, o fraco papel social do Estado nos PEDs.

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A literatura sobre o setor informal nos ensina que pequenos produtores so prudentes e evitam investimentos de longo prazo tendo em vista o clima de insegurana econmica que caracteriza as economias dos PEDs e que impede uma planificao a mdio prazo da empresa. Para diversificar seus riscos eles optam, s vezes, por uma estratgia de crescimento baseada na multiplicao de pequenas unidades de produo paralelas, dirigidas por membros da famlia ou conhecidos.

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As relaes entre grandes e pequenas empresas: relaes assimtricas


A flexibilidade produtiva dos SPL europeus se baseia na cooperao horizontal entre empresas: diferentes tarefas, tradicionalmente reagrupadas no seio de uma mesma empresa, so exteriorizadas por meio de uma diviso de trabalho, que mobiliza inmeras pequenas empresas. As firmas contratantes transmitem a seus subcontratados informaes sobre inovaes tecnolgicas, o que favorece a especializao e a evoluo da pequena empresa. Quanto aos clusters, onde a presena de grandes empresas freqente, o cenrio bem diferente, pois o predomnio de relaes verticais de subcontratao leva a uma forte dominao de grandes fabricantes sobre seus subcontratados. Aqui, a subcontratao de servios , antes de mais nada, um meio de contornar as leis trabalhistas por meio do uso de uma mode-obra pouco qualificada e de baixo custo e no leva especializao tcnica dos sub-contratados15. De qualquer forma, se a subcontratao nos clusters consiste em uma forma de explorao da mo-de-obra e exprime a precariedade de emprego nos PEDS, ela contribui para ocupar uma mo-de-obra excedente ou at mesmo para favorecer a evoluo de pequenas empresas. Do ponto de vista dos trabalhadores pagos por pea e sem contrato de trabalho, levando-se em conta a modstia dos capitais investidos em um atelier, sua situao pode ser menos dramtica que aquela dos desempregados destes pases.

As relaes com comerciantes e fornecedores


As anlises sobre os SPL mostram que as relaes comunitrias favorecem as relaes dos pequenos produtores com fornecedores e comerciantes locais. Nos clusters, estes podem tambm se abastecer da maior parte de

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Apesar das proibies legais, mesmo o grande porte de algumas empresas no as impede de fazer uso de uma subcontratao rpida e clandestina de servios (Azevedo, 1988).

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recursos necessrios atividade produtiva (matrias-primas, instrumentos de trabalho, mquinas e equipamentos) junto a fornecedores locais com os quais eles tendem a manter relaes duradouras16. Quanto s suas relaes com os comerciantes, estas dependem do segmento de mercado ao qual se destina a produo: quando se trata de um mercado de baixa qualidade/preo dos produtos (seja mercado domstico, seja mercado estrangeiro), as relaes entre os comerciantes e os produtores so geralmente impessoais, hierrquicas e implicam poucas trocas de informao. Por outro lado, se existe uma preocupao com a qualidade dos produtos, as relaes entre eles tendem a ser mais cooperativas, envolvendo, ento, troca de informaes visando a melhoria da qualidade dos produtos (Nadvi; Schmitz, 1994). De qualquer modo, a proximidade entre produtores e consumidores permite manter uma clientela fiel no mercado local e regional, o que pode compensar certos efeitos perversos de mercado. Este um fator de competitividade importante para o pequeno produtor, cuja atividade produtiva intensiva no lhe permite prospectar regularmente novos mercados. Quanto aos subcontratados, por um efeito de proximidade, podem manter relaes numerosas no mercado e alimentar assim uma agenda de clientes potenciais. As relaes pessoais interferem, tambm, na fixao dos preos dos produtos: mesmo se a tendncia aplicar preos de mercado, pequenos ajustamentos no preo final (e facilidades de pagamento) so sempre possveis graas aos contatos pessoais com clientes tradicionais.

As relaes com as instituies locais


Finalmente, uma ltima caracterstica do modelo de SPL o papel das instituies locais (sindicatos, associaes, institutos de pesquisa e de inovao) na ativao de mecanismos de cooperao entre produtores. Um SPL se caracteriza por uma taxa elevada de participao dos produtores em organizaes profissionais, que estimulam o desenvolvimento das empresas.

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Por exemplo, nos clusters de Gana e do Peru as relaes entre produtores e fornecedores de equipamentos favorecem a aprendizagem tcnica e o desenvolvimento tecnolgico local (Nadvi; Schmitz, 1994).

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Associaes setoriais, mesmo tendo graus diversos de solidez e de eficincia, encontram-se presentes tambm em alguns clusters (Paquisto, ndia, Argentina, Peru, Indonsia e Brasil). Na realidade as entidades setoriais so um reflexo da estrutura dos clusters: um cluster que se caracteriza por relaes frgeis e ineficazes ter tambm associaes setoriais sem muitos recursos e com pouca influncia sobre o meio ambiente (Schmitz, 1993). De qualquer forma, pequenos produtores mantm poucas relaes com estas instituies, porque eles consideram que os servios propostos no so adaptados as suas necessidades produtivas. Eles argumentam que estas instituies representam os interesses de grandes grupos de empresas, cuja dominao local impede uma conciliao de objetivos diferentes17. A participao dos pequenos produtores em organismos de classe tambm reduzida, haja vista que geralmente eles so reticentes a toda forma de associao. Quanto presena dos sindicatos, ela vista, muitas vezes, como uma ameaa pequena empresa, que tende a funcionar, sob vrios aspectos, de modo informal. No tocante s relaes com o poder pblico, elas tambm no so importantes. Na verdade os pequenos produtores dos PEDs tm uma viso geralmente negativa do Estado, pois estimam que este, alm de no apoi-los, ainda coloca entraves ao funcionamento de suas empresas. Alm disso, criticam a lentido e a complexidade dos procedimentos burocrticos da administrao pblica. Esta desconfiana em relao ao Estado no infundada, pois a forma discriminatria com que o poder pblico trata o pequeno produtor uma regra quase geral nos PEDs. Em suma, quase impossvel se referir a um ambiente institucional nos clusters, tal como aquele que predomina nos SPL. Nos clusters estaramos em presena de um ambiente social abstrato (esprito social mais generalizado) e no de um ambiente social concreto, baseado em normas e instituies (Nadvi, 1992). A ausncia de instituies e de polticas formais de
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Por exemplo, no cluster do Vale dos Sinos, apesar da presena de instituies variadas (relativos exportao, treinamento da mo-de-obra, assistncia tcnica, etc.), os pequenos produtores no mobilizam seus servios, no porque desconheam sua existncia, mas porque consideram que eles so mais adaptados s grandes empresas da regio (Azevedo, 1998).

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cooperao entre os produtores dos clusters, contudo no deve levar a pensar que as relaes entre estes so limitadas, pois relaes espontneas e informais (principalmente no que se refere cooperao produtiva) so numerosas. Na verdade os estudos mostram que existe um tipo de solidariedade entre pequenos produtores que no obedece a nenhuma injuno externa e que parece funcionar quase independentemente da vontade de cada um deles. Alm disso, note-se que, nos PEDs, o pequeno empresrio no uma categoria socialmente afastada da categoria dos produtores mais precrios, alm do fato que as fronteiras entre estas so instveis, o que significa que cada um pode um dia estar na posio do outro. Assim, se um SPL ilustra mecanismos de cooperao (geralmente formais), promovidos por instituies locais, a riqueza maior dos clusters reside em suas relaes familiares e laos comunitrios, cujos valores influenciam a vida do dia-a-dia de cada indivduo. A solidariedade observada nos clusters reflete motivaes muito mais complexas e relacionadas necessidade que sentem os pequenos produtores de se apoiarem reciprocamente para compensar a fragilidade econmica e institucional dos PEDs.

Consideraes finais
Com base no material examinado pode-se destacar alguns aspectos particulares das estruturas dos clusters, que tratam de aspectos caractersticos do seu funcionamento e, geralmente, no so tratados nos estudos do SPL, dada a sua pouca relevncia no contexto dos pases desenvolvidos. Nos PEDs observa-se uma profunda heterogeneidade em termos de organizao dos clusters. De um lado tm-se os clusters formados principalmente por pequenos produtores inseridos em atividades econmicas precrias, relacionadas a estratgias de subsistncia. No se deve assim excluir os estudos sobre o setor informal, pois os clusters constituem um terreno propcio emergncia de todas as formas de produo informal. Mais do que isto, as pesquisas mostram que estas so importantes na reproduo dos clusters (Azevedo, 1998). A categoria das grandes empresas tambm deve ser incor116

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porada nos estudos sobre clusters, pois elas desempenham um papel crucial no emprego da populao local, quer atravs do emprego direto, quer pela subcontratao de servios. preciso tambm levar em conta a importncia da famlia enquanto mediadora de estratgias profissionais individuais. Para isto preciso examinar a participao da populao ativa na atividade econmica, no pelas relaes entre o indivduo e o mercado de trabalho, mas por intermdio do grupo familiar. Ao contrrio de motivaes individualistas que regem as relaes de trabalho nos pases desenvolvidos, a dinmica familiar que influi nas estratgias profissionais nos PEDs. A participao produtiva de mulheres e jovens tambm uma tendncia geral observada nos clusters. Eles contribuem de modo importante na atividade produtiva, mesmo executando tarefas rudimentares. Apesar disso pouca meno se faz a esta mo-de-obra nos estudos. Esta lacuna particularmente grave no caso da mo-de-obra feminina, sabendo-se do aumento do nmero de mulheres chefes de famlia nas sociedades modernas e, no caso dos PEDS, da importncia da contribuio financeira das mulheres no oramento familiar. Quanto aos jovens, existem, tambm, poucas estatsticas sobre sua contribuio produtiva nos clusters, mesmo se o trabalho precoce constitui quase uma regra geral nos PEDs. Assim, se a categoria de aprendiz freqentemente associada a um meio de extorquir um trabalho quase gratuito, ela adquire uma relevncia bem particular nos clusters. Primeiro, porque este tipo de aprendizagem compensa de alguma forma a insuficincia do ensino tcnico e mesmo escolar nos PEDs. Segundo, porque ele permite ocupar uma mo-de-obra jovem, cuja proporo abundante na pirmide de idades nos PEDs faz com que ela represente um forte potencial de populao ativa. Da mesma forma deve-se salientar a importncia do estudo da longa histria dos clusters, na medida em que ela constitui uma referncia na construo da identidade cultural do trabalhador e de suas mobilidades socioprofissionais. A idia de base evoluir de uma anlise esttica a uma 117

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anlise dinmica dos clusters em um longo perodo de tempo, de modo a identificar seu tipo de reao ante as crises e as conjunturas favorveis (Nadvi; Schmitz, 1994). Conhecer a evoluo dos clusters no passado permite avaliar sua capacidade em criar e/ou reajustar suas estratgias produtivas no presente e no futuro. Alm disso, sabe-se que a trajetria de pequenas empresas extremamente instvel, em particular nos clusters, onde elas emergem, se transformam ou desaparecem, de uma conjuntura econmica outra (Azevedo, 1998). Tendo isso em vista, dados macroeconmicos (relativos a polticas fiscais, monetrias, de emprego industrial), freqentemente ausentes nas analises dos SPL, deveriam ser includos nos estudos sobre os clusters, pois eles afetam fortemente as condies locais de produo nos PEDs. Para abordar todos estes pontos as pesquisas devem privilegiar um enfoque qualitativo baseado em informaes de campo. Este procedimento permite, primeiro, avaliar a interao das dimenses socioculturais, econmicas e identificar, assim, os acordos tcitos e informais que regem as relaes entre produtores dos clusters. Segundo, ele oportuniza acrescentar novas questes pesquisa a partir da experincia especfica dos produtores de cada regio: tratar os conceitos tericos a partir da perspectiva dos atores locais ajuda a evitar algumas ambigidades resultantes da aplicao de conceitos ditos universais e que no se aplicam necessariamente aos PEDs. Terceiro, esta metodologia de pesquisa pode levar elaborao de estatsticas especficas sobre a realidade de cada cluster. Isto parece fundamental nos PEDs, tendo em vista as importantes lacunas em termos de informaes sobre o conjunto de suas atividades econmicas, bastante pobres se comparadas aos dados disponveis nos pases industrializados.

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