Indice Chronologico Das Navegações, Viagens, Descobrimentos, e Conquistas Dos Portugueses Nos Paises Ultramarinos Desde o Principio Do Século XV, Por Francisco de S. Luis

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INDICE CHRONOLOGICO

DAS
NAVEGAEs, VIAGENS,
E CONQUISTAS
DOS
PORTUGUEZES
NOS
PAIZES ULTRAMARINOS
. DESDE O PRINCIPIO DO SECULO XV.
'l
LISEO.A
N"A Il\fl:'RENSA NACIONAL..
1841.
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III
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P AMos luz p_blica neste es
1
cripto o
hronQlogicQ das viagens,
descobrimentos, e QQl Portug!Je-
zes nos ultramarinos, desde os princi-
pios do seculo XV. i
,
1
Este titulo n N.o inculca, po.r .certo, obra
de gra 1de valor e importapcia, neq1 ns oe.s-
crevemos esse intento : mas pareceo-nos
o ma!s accommodado :i natureza fins do
nosso tra'Qalho, e o mais proprio das circuns-
tancias qu_y o p;ttivro. .
1 1
.
,Muit tevpo haya que ns
r procuravamos puma ida geral, mas fiel
exacta, das grandes e
:ultramaripas d9s cqmpatriotas, que
n'aquel1e tempo derq tf'Hlto. pJeQ.ito e (m;na
pprtugueza ' e .for.o qe, e .to
re on}lecida o mpndo
em todos os ramos do seu e _civi-
lisao. Ma,s aind3; que para p no
nenhum meios, que
ao nosso alcance , a cada passo comtudo
*
IV
vamos ou embaraados no nosso estudo, ou
frustrados nas nossas diligencias.
Os escriptores nacionaes, que podiamos
consultar ero poucos, incompletos, s vezes
discrepantes em suas narraes, e sempre di-
minutos nas particulares noticias do seculo XV,
que mais convinha indagar e apurar.
Dos Roteiros, Relaes e Memorias, que
necessariamente se havio de escrever logo
n'aquelle tempo de nossas primeiras navega-
es e descobrimentos, mui pouco nos resta
hoje, salvo as Relaes de Cadamosto, e
essas mesmas impressas hum seculo depois
em ltalia, e em lingua italiana, e no de
todo isentas de imperfeies e erros ( * ).
' He natural que o prudente e cautelso
segredo, em que os nossos Prncipes, ao
principio, reserva vo aquellas Memorias, e
Relaes; a perda de muitas dellas nas mos
dos chronistas, ou nos proprios gabinetes dos
Prncipes por occasio da sua morte; o des-
cuido de recolher estes e outros documentos
ao Archivo geral do Reino; a difficuldade de
multiplicar as copias, por no haver ainda a
Arte Typographica, ou por no ter chegado
(I
( ) Quando isto cscreviamos ainda no tinha .pparccido
a edio da Obra de Azurara , ha pouco publicada cm Pars
pelo Sr. Visconde de Santarem.
v
a Portugal , logo nos primeiros annos da sua
inveno; he natural, digo, que estas ou ou-
tras semelhantes causas produzissem a falta,
que depois se experimentou, logo que se
q uiz escrever em corpo de historia a sene
de nossas emprezas ultramarinas.
O certo he. que o i Ilustre Barros, quando
tomou sobre si esta difficil incumbencia, j
se queixava da falta de memorias antigas; e
bem mostrou, que as no tinha, pois to
breve e imperfeitamente fallou d o ~ successos,
que precedro expedio do grande V asco
da Gama.
Castanheda comeou a sua Historia da
lndia por essa mesma expedio , e nada diz
dos tempos anteriores.
Nos outros nossos escriptores (pela maior
parte mais modernos) acho-se na verdade
algumas noticias do objecto de que tratamos;
mas so e\las to dispersas por ditferentes
o.bras, to apoucadas em suas circunstancias,
e assim mesmo escriptas com tanta falta de
coherencia, exaco e alinho, que he de mui
difficil, e impertinente trabalho reduzi-las a
alguma ordem , e tirar dellas hum resulta-
do, qual se deseja, liquido, seguro, e acei-
tavel.
Nos escriptores estrangeiros no ha que
procurar neste assumpto nem a conveniente
VI
miudeza e exaco, ne n (as mais das vezes)
a devida imparcialidade. Omittem factos, e
circunstancias substanciaes; altero datas; er-
ro ou desfiguro nomes; e alguns deixo-se
dominar de to desarrazoado ciume, que pa:.
rece que ainda hoje lhe fazem sombra os re.:
levantes servios, que os Portuguezes fizero
a mundo n'aquelles antigos tempos, e o im-
menso louvor, que por elles merecro, e
lhes he d e v i d o ~ E no se tenha por apaixo-
ilado este nosso juizo; porque muito teramos
com que o justificar se tanto fosse neces-
sano.
Em tal estado de cousas resolvemos co-
mear a escrever, para nosso uso particular,
o Indice Chronologico, que agora damos-
luz, apontando nelle mui S';Jmmariamente os
factos que nos parecro mais importantes,
e 'collocando-os na sua o ~ d e m puramente chro-
nologica , corno para nos servirem de guia ,
quando quizessemos dar maior extenso ao
nosso estudo, ou instruir-nos mais amplamente
neste ramo da nossa historia, que reputamos
de tanto interesse para o publico litterato,
quanto glorioso p'ara. os Portuguezes.
Com este intuito lemo's as obras , escri-
ptos , melnorias , 011 documentos, nacionaes ,
011 estrangeiros, que se offerecro nossa
indagao, combinando (quando nos parecco
VII
necessario) hu ns com outros , comparando o ~
gros de credito que cada hum podia mere-
cer , e tirando de todos , no sem grande tra-
balho, aquelles resultados, que tivemos por
bem assentados , ou que pelo menos se nos
representro fundados em maiores , e mais
certas razes. Artigo ha no Indice, que con-
tendo-se em poucas linhas, nos levou algu-
mas horas de leitura, e talvez alguns esfor-
os de reflexo : e nem por isso nos gloriamos
de haver evitado erros e defeitos, hoje inevi-
taveis em semelhante materia.
Decorrro os tempos , e a nossa situa-
o pessoal soffreo por vezes graves e peno-
sas mudanas, privando-nos de alguns dos
meios, que podio concorrer para que o nosso
trabalho fosse menos imperfeito. Por fim pa-
receo-nos, ou nos persuadro , que assim
mesmo seria util a sua publicao, j por
no se perder de todo o tempo que nisto t i ~
nhamos consumido, j porque o nosso traba-
lho poderia aproveitar a quem com o mesmo
intento, e zelo, e com mais meios e capaci-
dade quizesse levantar gloria nacional, e
ao seculo XV portuguez hum monumento
unico na historia das naes modernas.
Comemos a escrever o Indice em 1832.
e fizemos-lhe depois retoques, correces , e
additamentos. A Memoria sobre as viagens
VIII
por terra foi escripta posteriormente. Hoje,
ser-nos-hia impossivel rever estes trabalhos;
e dar-lhes mais algum aperfeioamento. O
Publico medir pelo nosso zelo, e amor da
patria, a sua benif;na e favoravel indulgencia.
1
.
NNO DE 1412.
s nossos escriptores , que tratro
dos descobrimentos, e emprezas martimas,
de que foi primeiro autor o grande e inclito
Infante D. Henrique, filho de elRei D. Joo
I, noto commummente este anno de 1412
como principio de seus uteis e gloriosos tra-
balhos; e dizem que ento comeou este sa-
bio Prncipe a mandar alguns navios ao des-
cobrimento da costa africana, desde o cabo
Nam para as 'partes do Sul, e plo antarctico.
.f Joo de Barros nas suas Decadas, e Fa-
ria e Souza, tanto na Azia Portugueza, aon-
de faz o extracto dellas , como na Relao das
armadas , que collegio de listas, e memorias
antjgas, assigno a referida poca. O mesmo
seguro muitos escriptores nossos; e muitos
outros o suppem, quando dizem, que depois
da conquista de Ceuta (em 1415) , e das in-
formaes , que o Infante ahi houvera dos
Mouros, viera muito mais animado a prose-
guir os seus projectos.
Assim, posto que no tenhamos indivi-
dual noticia dos uavios, que ento sahro ao
I *
4
descobrimento, nem dos capites, ou pilotos
que os governro , no Julgamos dever por
isso alterar a poca estabelecida; antes have-
mos por mui provavel, que por aquelles an-
nos he que os nossos navegadores pass:.(ro o
cabo Nam, que era at ento o termo das
navegaes europas , e chegro ao Bojador,
aonde por muito tempo encontrro depois
obstaculo a seus repetidos esforos.
Se alguem comtudo duvidar de que
Infante, j no referido anno de 1412 come-
asse a executar os seus particulares proje-
ctos, ainda assim se pode , e deve sustentar
a mesma poca; reflectindo-se que nesse anno
se deo principio aos preparativos para a gran-
de expedio de Ceuta , que foi sem dvida
hum passo importntissimo para os descobri-
mentos, no s pela ampla informao, que
ahi se houve das terras , costas , e gentes de
Africa, mas tambem e especialmente, por-
que sendo a praa de Ceuta como chave dos
mares adjacentes, e a brigo das armadas ber-
berescas, mal podio os nossos navios fre-
quentar com segurana as costas, visitar os
portos , e_ navegar para as partes do sul , em
quanto Ceuta estivesse em poder dos Mouros.
No temos ainda mais , que na Bulia d ~
NicoMo V. do anno de 1455, de que em ou-
tro lugar fallaremos, se diz que o Infante co-
5
mera de mui pequena idade ( ab 9us ineunte
aetate) as suas em prezas : e esta fraze mais
convm ao anno 1412 , em que elle tinha 18
annos, do que ao de 1417, em que j con-
tava 23.
6
ANNO DE 1415.
NESTE anno foi a gloriosa expugnao
de Ceuta, concluida por elRei D. Joo I.
acompanhado dos Infantes seus Filhos, em
hum s dia , a 21 de Agosto.
Alguns dos nossos escriptores se equivo-
cro , assignalando a esta conquista o dia 14
de Agosto. Outros muitos porm , mais bem
informados , a posero em 21 , e este he o
dia, que se collige do epitafio de elRei , gra-
vado sobre o seu tumulo em tempo de elRei
D. Duarte seu filho, e successor, aonde se
nota, que elRei depois de tomada a praa de
Ceuta , a presidira por 18 annos , menos oito
dias, e que fallecera a 14 de Agosto de 1433 ;
por onde se v que os 18 annos serio com-
pletos , se elle vivesse mais oito dias , isto
he , at 21 de Agosto.
Em Ceuta procurou o Infante D. Henri-
que, c alcanou dos Mouros, algumas impor-
tantes informaes para a execuo dos seus
desgnios, e teve mais certo e individual co-
nhecimento do deserto, que os arabes cha-
mo ahar, dos pvos Azenegues , confinan-
tes pelo. sul com os Gelqfos, do commercio
que d'aqui se fazia para a costa septemtrio-
7
nal, e de muitas circunstancias d'aquellas
terras , costas , e gentef? , com o que se ani-
mou muito mais (como j dissemos) e de todo
se resolveo a proseguir a em preza, que o seu
gTande espirito , auxiliado dos conhecimentos
cosmograficos, lhe havia inspirado.- r
1
A armada, que elRei levou expedio
de Ceuta, constava de 220 vasos de guerra e
transporte, a saber 33 nos, 59 galeras, e
varios galees, caravelas, e outros baixeis de
differentes grandezas, em nuciero de 128.
Logo depois desta conquista tomou elRei
o titulo de "Rei de Portugal e do Algarve, e
Senhor de Cepta. "
~ I
)( 11 ;.J '
. '
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l't
8
NNO DE 1416 E 1417.
_poR estes annos , logo depois da con-
quista de Ceuta, comero as tentativas,
que o Infante mandava fazer para dobrar o
cabo Bojador, e passar avante para o sul, as
quaes foro continuadas, mas sem fructo, por
alguns annos.
O grande lanamento que o Cabo fazia
ao mar, as correntes impetuosas das agoas ~
a sua apparente effervescencia , e outras se-
melhantes circunstancias , foro causa de se
mallograrem por muito tempo estas tentati-
vas , temendo os ainda ento inexpertos na-
vegantes , que os mares os engolissem , ou
que as correntes os no deixassem voltar ao
rumo de norte.
9
NNO DE 1418.
NESTE anno f o i ~ mandado . Bartolo-
meu Perestrello , Cavalleiro da Casa do In-
fante D. Joo, empreza de dobrar o BoJa-
dor; mas sendo asaltado da tempestade, per-
deo a derrota que levava, e foi arrojado a
huma ilha desconhecida , a que deo o nome
de Porto Santo, por ter achado nella abrigo,
e descano de sua trabalhosa navegao.
Damio de Goes, e Soares da Silva pem
este descobrimento no anno seguinte de 1419.
_ Alguns nego que Perestrello fosse o
descobridor desta ilha' e somente dizem que
o Infante lhe dera a Capitania della : mas a
pratica geral d'aquelle tempo nos parece per-
suadir o contrario.
10
NNO DE 1419 E 1420.
No anno seguinte de 1419 voltou Pe-
restrello com os outros dous navegantes Joo
Gonsalves Zarco, e Tristo Vaz , Cavalleiros
do Infante D. Henrique, cada um em seu na-
vio ilha de Porto Santo, levando Perestrello
ordem , e alguns preparos para comear a sua
cultura.
Dizem os escriptores antigos, que lan-
ando-se na ilha uma coelha , que no mar ha-
via parido , fora a criao destes animaes em
tanto augmento, que destruio as searas, e
por algum tempo retardro, ou embararo
o projecto da colonisao da ilha.
O Perestrello voltou a Portugal : mas
Joo Gonsalves, e Tristo Vaz, tendo obser-
vado huma especie de nevoeiro , que cons-
tantemente se lhes offerecia no mar , e sem-
pre no mesmo sitio , e direco, suspeitro
o que poderia ser , e dirigindo-se para aquel-
la parte, descobrro a ilha da Madeira, a
que dero este nome pelo alto e basto arvo-
redo, de que a achro coberta.
antigas memorias dizem que
Francisco Alcoforado, Cavalleiro da Casa do
Infante D. Henrique, fra neste descobri-
II
mento, e o descrevera em huma exacta Re-
lao.
De Joo Gonsalves Zarco se diz que foi
o primeiro Portuguez , que usou da polvora,
e artilharia nos navios. Manoel Thomaz, na
Insulan. I. I." est. 83 fallando delle diz
"Bem he verdade, que este o Lusitano .
P
. . fi . 1
rHnezro m , no 'mar com norne eterno o
Que usou da dura fruta de Vulcano.
E o sahtrado aljifnr do inferno ; "
..
..
12
_t\NNO DE 1425.
Cl;;t
POR estes annos comeou o Infante a
mandar povoar as ilhas da Madeire, e Porto
Santo, e tambem a Dezerta, que sem dvida
foi descoberta com as primeiras.
Elle mesmo na doao que fez do espi-
ritual destas ilhas ordem de Christo. em 18
de Setembro de 1460, quasi dous mezes antes
do seu fallecimento, diz "comecei de povorar
a minha ilha da Madeira, haver ora trinta
e cinco annos , e isso mesmo a do Porto Santo,
e deshi, proseguindo , a Dezerta " por onde
parece fazer-se verosmil , ao menos em par-
te , o que uniformemente referem os nossos
escriptores, que lanando-se fogo aos bos-
ques da ilha da Madeira, este se atera de
tal modo, que por alguns annos no fra pos-
svel povoa-la. Os annos devem neste caso
contar-se desde 1419, anno do descobrimen-
to, at 1425. E dizemos, ao menos em parte,
porque algum tempo era preciso para se pre-
pararem as famlias, e os mais objectos ne-
cessarios povoao e cultura d' aquellas
ilhas.
O Infante dividio a ilha da Madeira en-
tre os seus dous descobridores. Mandou vir
13
da ilha de Candia a preciosa planta da mal-
vazia, que tanto ali prosperou, e to util tem
sido ao commercio , e riqueza da Madeita.
Mandou tambem vir da Sicilia a anna do
asnear, e mestres, que a ensinassem a plan-
tar e cultivar, e a fabricar o asnear. E foi
esta cultura to bem recebida do terreno,
que em 1501 se participava a el-Rei D. Ma-
noel haverem-se fabricado , nesse anno, na
ilha 63:800 arrobas de asnear. Quando Bar-
ros escrevia as suas Decadas, diz elle, que
huma poro de terra de tres leguas dava ao
quinto mais de 60:000 arrobas. E Bluteau,
nos principios do seculo passado , escrevia
que na ilha houvera algum tempo 150 enge-
nhos de asnear os quaes rendio 400:000 ar-
robas.
Da ilha da Madei'ra sahiro depois os
mestres, que foro introduzir o fabrico do
asnear na ilha de S. Thome, e de ambas es-
t ~ s ilhas se propagou mais depois no Brasil,
por industria dos Portuguezes , tanto a cultu-
ra da canna, como a factura do asnear.
O grande .Infante D. Henrique, posto
que applicado povoao e cultura da Ma-
deira, Porto Santo , e Dezerta , nem por isso
se esquecia de continuar, e promover a sua
primeira, e principal empreza, da qual porm
sabem os, que por espao de doze a unos se
14
uo tirou fructo algum, no' se conseguindo
f ~ m todo este tempo dobrar o Cabo Bojador.
(
.
,.
15
NNO DE 1429 E 1430.
GIL Eannes , natural de Lagos , do-
brou em fim o formidavel Bojador. ,
Dizem os antigos escriptores portugue-
zes, que esta passagem do .cabo fra ento
reputada como huma faanha igual a algum
dos trabalhos d'Hercules: expresso, que hoje
parece nimiamente exagerada, mas que o no
era tanto naquelles tempos, vistas as difficul-
dades, os medos, e os perigos , que ou se ti-
nham experimentado, o ~ se imagina vo e so-
punho na mesma passagem , e que pot tan-
to tempo a havio retardado. 1 1 rl
Parece-nos no se ter ainda determinado
com bastante preciso, e certeza a poca des-
te notavel acontecimento. Muitos dos nossos
escriptores a referem ao anno de. 1433 : alguns .
ao de 1432: outros ao de 1434: e outros fi-
nalmente ao de 1423. )
Se nesta materia pde haver lugar a con-
jecturas, ns temos por mui verosmil, que
a passagem do Bojador se executou em 1429,
ou quando mais tarde em 1430. As razes,
em que n>s fundamos, so as seguintes: t
11:{ Primeira: que os nossos antigos unifor-
memente dizem, que o Infante D. Henrique;
16
por mais de doze annos, fizera tentativas para
dobrar este cabo, mandando a elle frequen-
temente os seus navios. E como estas tenta-
tivas comero logo depois da expedio de
Ceuta, isto he , em 1416 , ou ao mais tardar
em 1417 , parece que a passagem do cabo
seria em 1429 ou em 1430.
Segunda: que o Papa Martinho V. per-
mittio por huma sua bulla , que se podesse
contractar e commerciar com os infieis. Esta
permisso, cuja verdadeira data ignoramos,
no podia ser posterior a 20 de Fevereiro de
1431, em que aquelle santo Padre falleceo.
Tinha pois sido pedi.da, e pde ser que con-
cedida pelo menos em 1430. Por outra parte
he de presumir, que o Infante smente a-pe-
diria depois de se ter vencido a grande diffi-
culdade do Bojador; porque at ento nem
sabemos que os nossos navegadores sahissem
em terra a negociar, ou procurassem ter com-
municao e commercio com os habitantes;
nem he verosimil que o intentassem a respei-
to dos Mouros , com que os Portuguezes es-
tavo em a c t u a l ~ e contnua guerra. Donde
se collige, que antes de 1430, ou quando
muito nesse mesmo anno, j se tinha venci..-
do o Bojador.
Terceira : que na bulia do Papa Nicolo
V. (j< citada) dos princpios de Janeiro do
17
anuo da Encarnao de 1454, que he anno
vulgar de 1455 , ~ se diz que o lnfarite havi
vinte .e cinco annos (a:viginti quinque,annis
citra, isto he ;, ha. vinte' _e cinco anns esta
parte) no cessava de mandar navio 'a() des-
cobrimento das terras, e costas do Bojador
para as partes do sul. Logo o Bojador j ti-
nha sido dobrado, e j se navegava alm del-
le para o sul vinte e cinco annos antes da data
da bulia, o que vem a dar em Janeiro de
1430 , e mui provavelmente no anno antece-
dente de 1429.
Pareceo-nos aqui lugar proprio para no-
tar em geral, que algumas das differenas .
que se encontro nos antigos escriptores a
respeito de datas, e que talvez parece que
embarao a chronologia dos descobrimentos,
se devem attribuir, segundo o nosso juizo , a
que huns tomavo por poca de tal, ou tal
expedio e descobrimento o anno em que os
navegantes sahio de Portugal: outros o an-
no em que chegavo costa de Africa, c ef-
fectivamente tocavo o ponto descoberto, o
que muitas vezes succedia no anno seguinte
ao da sahida : e outros finalmente o anno em
que voltavo ao reino, e se divulgava a noti-
cia. Por onde entendemos, que quando a dif-
2
18
datas he pequena , e de annos
iJnmedirtos, se no deve fazer conta com
ella para;. d'ahi arguir alguma incerteza no
acontecimento , ou alguma variao essencial
na sua poca. 1 1 ,1 \
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ANNO DE 1431 E 1432 .
....
. INFANTE D. Henrique. mandou no
anno de 1431 , ;que o Commendador de AI
mouro} na O. de Chr. Fr. Gonalo Velho.Ca-
bral fosse correr os mares a. Oeste , em
manda de novas terras. O navegante encontrou
os baixos das Formigas, situados entre as ilhas
de Santa A-laria, e S. Miguel, mas no deo
f de nenhuma deli as , e voltou a Portugal a
informar o Infante do que tinha observado.
. Foi outra vz mandado no anno seguinte
de 1432 a explorar os mares, em que existio
aquelles baixos , e ento com melhor fortuna
. descobrio a' ilha de Santa Mana, primeira
descoberta no archipelago dos Ares a 15
de Agosto; e pela circunstancia da festivi-
dade do dia lhe de o aquelle nome. J 3 I.c '
O Infante fez a Gonalo Velho Capito-
donatario da ilha, e elle a comeou logo
povoar, e cultivar com grande proveito e m-
teresse. .. 1 , ) , t
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20
NN DE 1434 E 1435 .
.....
T Q MEsMo Gil Eannes, que dobrra o
cabo Bojador, voltou em 1434 quellas pa-
-ragens' com Affono Gonsalves Baldaya, Co-
peiro do,lnfante. Passro obra de 30 leguas
adiante do cabo, e descobrro huma ang
ou bahia; a que posro nome ngra de.rui-
vos por acharem ali muitos dos peixes, a que
os Portuguezes chamo ruivos. r , H 1
.o No atino seguinte ou estavo ainda n'ls
mesmas paragens, ou a ellas voltro: 1\dian-
tro mais 12. leguas pela costa, e sahindo.
em terra Heitor Homem , e Diogo Lopes de
Almeida, encontrro alguns barbaros, que
vista dos nossos se :posero em fugida.
1
:
-1 i.i Passro ainda depois hum pouco mais
adiante , e chegro, <: de hufn..rio , aQnde
nrt{ro m1,ltos lobos lnarinhos .(especie de
phocas segundo parece) cpjas pelles
r'o a Portugal. 1 1 1..1 ., J
0
Este lugar he o que nas antigas relaes
se ficou denominando o posto dos lobos mari-
nhos : e o rio tomou logo depois o nome de Rio
do ouro pelo resgate que ahi se fez (leste metal.
Sobre o Rio do ouro, segundo a obser-
vao de hum antigo piloto portuguez , corre
21
a li11ha tropico de ancro , pelo que .se v
que denotava o rio a 23 e 3o'tsepten1tr. , que
era a posio que algu_mas antigas cartas da-
vo linha do tropico.
- l'l ' _1 J ' , ; I , :li . I< \ ' l
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NN(f DE 1437 ~ . ~ . ~ . 3 ~ ~ :
{ ' (. ;
IQI;il"
. . .. ,.
E
) l{J . "
..:..M 1437 foi a infeliz expedio de Tan-
gere, em que esteve o Infante D. Henrique.
E como alm do desgosto que ella cauzou no
reino, se seguisse logo em 1438 o falleci-
mento do sabio, e virtuoso Rei D. Duarte,
e apz elle sobreviessem as perturbaes pu-
blicas, occasionadas da tutoria da Rainha D.
Leonor ; no parece verosmil que se tentasse
nestes annos cousa alguma importante para
adiantar os descobrimentos. Comtud.o o In-
fante nunca deixava de mandar os seus na-
vios costa de Africa.
Ao mesmo anno de 1438 attribuem alguns
a vinda de Mestre Jacome de Maiorca para
Portugal, chamado pelo Infante para dar re-
gular idade e direco sua Escola de Sagres.
Delle diz hum douto Geografo moderno, que
era versadissimo na navegao, e na arte de
fabricar instrumentos e de projectar Cartas
nauticas, e que o immortal Infante o posera
frente da Academia, que havia fundado, com
o .fim de propagar to uteis conhecimentos.
23
NNO DE 1439 OU 1440 .
....
ti . DINIZ Fernandes, Escudeiro do Infante
o. _Joo' chegou em alguni destes annos- a
hum grande ro, "que os nattiraes da costa
chama vo Quedec, ( *) e a que os nossos de-
ro o nome de Sanag, do nome de hum s e ~
nhor da terra, com queni fallro, arrumando
a sua fz a 1 6 ~ de latit. septeintrJ flb "\"\o
. Cadamosto que fez a sua primeira via-
gem. em 1445 , diz expressamente que o Be-
negal tinha .sido descoberto 1cinco annos antes.
Liv ,! ( . )'i'JC .V u rL < 11 ) t , ~ ~
(Navegaes de Caaniosto, Relao I.")
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,I I) (_ l ,},
() Damio de Goes na Chron. do Princip. D . loa'fi,
edio de 1724, em lugar de Quedec escreve Sonedcch" -
M anoel Corra, nos Commentarios a CamE's, escreve Quedec ,
e diz que he o nome qutl os Mouros do ao rio na entrarla do
mar. E Barros I. 1. 13 , diz que o verdadeiro nome do rio ,
ali na sua Jz , he Ouedech segundo a lngua dos negros
que habito o paiz ; e que subindo por elle acima toma diffe-
rentes nomes.
24
ANNO DE 1440 . E 1441.
f J. ; N.uNo Tristo, e Anto Gonsalves, cria-
dos do Infante D. Henrique, hindo ao posto
dos lobos marinhos, tomro alguns barbaros:
Anto Gonsalves, que ainda era mance-
bo, foj .ali armado, cavalleiro, e por esta cir
cunstancia _se deo quelle lugar o .no.ine de
Porto do Cavalleiro, .que parece'ser o 'inesmo,
que Ortelio em suas .Ta boas designa. P. de
cavalli" alterando o como faz outras
muitas vezes, ou . por. ignorancia do idio na
portuguez, ou por se ter j perdido de vista
o facto ,-'que motivra .a denomina. -
O Gonsalves voltou a Portugal , e Nuno
Tristo, proseguindo, chegou ao Cabo-branco,
que os nossos arrumavo a 20" septemtr., e
lhe deo o nome.
l>''\. .('. :r; ., ... ,\J u t> .cim (f (
> rn' '1--.. ll tl''lJI rn , t- \' h :
" ' I ,. f) J J > or ' r I U1 , . 1'lt ,. r nn"
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25
NNO DE }442.
A
T
,; i_- NT o Gonsalves depois de armado c a-
vali e iro no posto dos Lobos_ marinhos voltando
a Portl.lgal , como dissemos ,
harbaros que ali .captivra, dos o In-
fante no cessava de tirar novas informaes
sobre as costas, terras, e gentes que por .ali
habitavo. > .r. 110< .., J lo r. I'
)\\ Como estes Mou'ros promettessem dar al-
guns negros de Gui._ri, em seu resgate,- cousa
que o Infante muito dezejava ; pelo que o vulgo
fabulava daquellas terras, voltou o Gonsalves
com elles a Africa neste anno de 1442.
Os Mouros cumprro a promessa , e de-
ro em preo da sua liberdade algum ouro, e
dez negros de differentes. terras.
Este (dizem os nossos escriptores) foi o
primeiro ouro que veio daquellas partes, assim
como os negros foro os primeiros escravos,
que da Costa occidental de Africa viero a Por-
tugal.
26
NNO DE 1443.
N
J T. .. h d ' '
UNO nstao, a quem a pouco eiXa-
mos no Cabo-branco, proseguindo as suas ex-
ploraes, descobrio a ilha de Adeger, e a
das Garas (no golfo de, Arguim) segunda
das quaes deo o nome das muitas aves ass.im
chamadas , que ali achou. , .
Depois voltou a Portugal, trazendo mais
de quarenta negros captivos, que c se estim-
ro muito (diz hum antigo escriptor portu-;
guez) por. sua .figura. " ,
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ANNO DE 1443 ou 1444.
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ClliiiP
DINIZ Fernandes (de quem fallamos ao
a:ri. 1439) descobrio o cabo, que frma o ponto
mais occidental de Africa, denominado pelos
antigos geografos gregos " hesperion keras
(occidentale cornu)" e arrumado pelos antigos
navegadores portuguezes em pouco mais de
14 septemtr. (hoje em 14 48
1
).
A este cabo dero o nome de Cabo-verde,
pelo aspecto, que mostrava, todo coberto de
verdura: e parece que era ornado, na sua
maior elevao , da grande arvore baobab , a
que alguns naturalistas chamo colosso do rei-
no vegetal: a qual extendendo ao largo seus
grandes ramos , desce com as folhas at
superficie da terra, e a cobre de verdura mui
agradavel. O seu tronco cavernoso serve tal-
v e ~ de sala de assembla a huma povoao
inteira.
Os nossos escriptores vario sobre a poca
deste descobrimento entre os annos 1440 e
1446. Ns adoptamos os annos de 1443 ou
1444 , porque Cadamosto diz que o cabo fra
descoberto por Portuguezes hum anno antes
da sua primeira viagem , e como esta foi em
1445 , vem o descobrimento do Cabo-verde a
28
cahir em algum dos ditos dous annos , confr-
\ . . . .
me o maior, ou menor rigr, em que tomar-
mos as palavras de Cadamosto.
o' . o (Cordeiro, na. Hist. lnsulan. ass1gna o
10 , anno de 1443) Vej. o liv. 2,. cap. H.
(r, "pag.r 57. e liv .. 6. cap. 1. -pag.; .241'
.. _.\. diz as ilhas de_ Cabo-verde
o t.i; _ for_o descobertas ent 1443, e muito
, , mais em 1445, .. ,11 ; 1
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d- N .. , a t . ,) -, ,; ' o r c ( o .r,,
' o anno de 1 444 orgamzou , e es"'
tabeleceo com autoridade, e aprazimento do
Infante a Companhia de Lagos, destinada a
continuar os descobrimento!' , e o commercio
de Africa, debaixo da direco do illustre
Prncipe, e com certas condies, que elle
lhe prescreveo.
Esta Companhia aprestou logo lgumas
caravelas, em que sahro ao mar Lanarote,
Gil Eannes, Estevo Affono, Rodrigo Alva-
rez, Joo Dias, Martim Vicente, Joo Vas-
quez &c. os quaes descobrr.o a. ilha de Nar,
a de Tider, e outras.
(Barros: Faria e Souza: Vid. do Inf. D.
Henr. g.c.)
PARECE que neste anno o Com-
mendador Gonalo Velho Cabral mandado pelo
Infante continuar os descobrimentos nos ma-
res de Oeste , descobrio a segunda ilha do
archipelago dos Ares, a que pz o nome
de S. Miguel pela ter tocado a 8 de Maio,
30
dia da appario do Santo Archanjo. E como
obtivesse do Infante a capitania desta nova
ilha, assim como j tinha a de Santa Maria,
passou no anno seguinte de 1445 a povoa-la,
e cultiva-la , como j tinha feito primeira.
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NNO 'nE 1445 .
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.....
-' Maro s:hio de Por-
tugal ao descobrimento de novas terras em
Africa huma- caravela do Infante D. Henrique,
de que era Patro Vicente Dias de Lagos, e
nella, com licena, e aprazimento do Infante,
se embarcou o Veneziano Luiz de Cadamosto,
que para isso se offerecera: \H ' 0
o Abordou ilha de Porto Santo, que diz
ter sido descoberta haveria vinte e sete ann.os.
1 ;Passou ilha da Jltladeir(J,, da qual 'diz
que o Infante a fizera povoar ha .vinte e qua-
tro annos para c. ,. r 'f
s D'ahi foi s Canarias, e destas ilhas pas-
sou ao Cabo-branco; j descoberto pelos Por-
tuguezes. , .u.
o Entrou no golfo de Arguim , aonde diz
elle, _que ero j. conhecidas 4 ilhas: a saber,
a l. .. chamada de i.A.rgu m, que deo nome. ao
golfo : a 2. a que os Portuguezes tinho deno-
minado ilha Branca ,por ser toda arenosa : a
a. a das Garas : e a 4. a que elle diz tfir sido
denominada dos Coraes, todas pequenas, are-
nosas, deshabitadas, e sem agoa doce , exce-
pto a l.a ,J fi,,. ' tf
Continuando a navegar chegou ao Sene-
32
gal, que segundo elle diz , tinha sido desco-
, . .
berto cinco aniws antes por tres caravelas do
Infante, que entrro por elle acima.
D'ahi passou terra de Budornel, tam-
bem j conhecida dos Portuguezes , aonde es-
teve em terra muitos dias, tratando, e com-
merciando com os senhores do lugar' e com
os negros que li concorrio . ., t:r :1 p
. rn.Estando d'aqui ,; e navegar
vante ,
1
o encontrO de duas caravelas,
em que hio Antonio de Nola, grnde nave-
gador e gentil homem genovz , e alguns Por-
tuguezes criados do Infante : e acordando-se
todos' "resolver-O hir. em conserva adiantar os
.. hl\h. 1" sll ,. ht\i tl o .f..
Chegro ao Cabo-verde; que
. diz haver sido descoberto 'pelos Portguezes
h:um anno antes, que elle fosse quellas partes.
Correndo pela costa para o sul , desco.;.
bruo a bca <!e hum rio, a que dero o
nome de: rio IBarbacim a 60 fi1lhas do Cabo-
verde: 1 e ceste foi ,o primeir dscobrimeilto
que fizero tres caravel:S; : o1[o'<}
: :Passando ainda a diante avistro !outro
rio, que lhes'pareceo".no menor ;que o S;.
negal;. mas no se rido bem rece'bidos dos n-
gros, -navegrito mais ao sul, des'cobrro
o paiz de Gambia, e o rio do mesmo nome,
pelo qual entrrilo algum espao. Este era o
33
paiz, que dcterminadamente buscavo por ex-
pressa ordem do Infante, que delle tinha in-
formaes pelos negros que j havia em Por-
tugal.
Os navegantes quizero entrar mais aci-
ma pelo rio ; mas como a gente do mar repu-
gnasse a este intento , resolvro voltar ao
remo.
( Relao 1. a de Cadamosto)
'Iiii ...
Neste mesmo anno hum criado do In-
fante, por nome Gonal.o de Cintra, descobrio
adiante do rio do Ouro a angra , que do seu
nome se ficou chamando Angra de Gonalo
de Cintra , notada nas taboas de Ortelio co1
as palavras "G. de Goncintra" querendo dizer,
segundo parece, "golfo de Gonalo de Cintra. "
Este infeliz navegante, entrando por hum
esteiro na ilh de Arguim, e ficando em scco
~ a s a n t e da mar ' foi accommettido pelos
barbaros , e morto com alguns seus compa-
nheiros.
34
NNO DE 1446.
NEsTE anno fez Luiz de Cadamosto 3
sua segunda viagem em huma caravela, acom
panhado de outra em que hiaAntonio deNola,
e de outra do Infante D. Henrique, tudo com
licena, e aprazimento deste Prncipe. Sah-
ro de Lagos no principio de Maio.
Na altura de Cabo-verde descobrro qua-
tro das ilhas , que do mesmo cabo se deno-
mino, e diz Cadamosto, que outros, que de-
pois ali foro, as teconhecero , e acharo se-.
rem dez, entre grandes , e pequenas , e todas
deshabitadas .
: Das quatro que agora se descobrro ~
dero primeira o nome da Boa-vista por
ter sido a primeira que naquelles mares avis-
tro ; a outra (que lhes pareceo a melhor das
quatro), chamro de Santiago. As outras duas,
a que .Cadamosto aqui no d nome, serio
provavelmente a de S. Felippe, e de S. Chris-
lovo, que tambem se chamou do Sal. Parece
que todas foro descobertas no dia 25 de
Julho.
D ~ i x a d a s estas ilhas, viero em demanda
do Cabo-verde. Tocro o lugar das duas pal-
mas (entre o Senegal e o Cabo), assim cha-
35
chamado das que ali collocou ou designou
Diniz Fernandes, como marco para denotar
o sitio em que os povos Azenegues, se apar-
to dos negros idolatras. Foro ao Gambia, e
entrro por elle mais de 60 milhas, at o
senhprio de Battimanza, aonde estivro 11
dias, permutando as que leva vo,
por ouro , e escravos.
Do Gambia, navegando ao sul, desco-
brro o rio que chamro de Caramanza,
do nome do senhor, que ali governava, o qual
ficava 25 leg_uas ou cem milhas, alm do Gam-
bia. O seu nome, segundo Damio de Goes,
era Rha.
D'aqui correndo sempre a costa no rumo
do sul, descbrro, a cousa de 20 milhas de
distancia, hum cabo a que dero o nome de
Cabo-vermelho, pela apparencia da cr da
terra (ou Cabo-roxo).
Pouco adiante chegro a hum rio, que
denominro de Snta-Anna.
D'aqui navegando descobrro outro rio,
a que dero o nome de S. Domingos, e por
estimativa julgro distar do Cabo-vermelho
obra de 55 a 60 milhas.
Continuando a navegar mais huma jor-
nada pela costa, descobrro outro rio gran-
dssimo, que tinha na bocca mais de 20 mi-
lhas de largura. Este se ficou chamando o Rio
3 *
36
Grande. Defronte delle avistro ao mar a l g u ~
mas ilhas, que estari:1o a cousa de 30 milhas
de distancia da terra.
Desta paragem voltando ao reino fizero
caminho por aquellas ilhas, e observro que
duas dellas er.io grandes, e habitadas de ne-
gros, e as outras duas, mais pequenas; mas
no se podendo entender com os habitantes,
continuro viagem para Portugal.
V-se pois , que nas duas viagens , em
que foi Cadamosto, se descobrio a costa des-
de o rio Barbacim, 60 milhas ao sul de Cabo-
verde, at o Rio Grande, e no mar as quatro
ilhas de Cabo-verde, e as outras quatro, de
que acabamos de fallar, e que so sem du-
vida as que formo o archipelago dos Bis-
sangos.
Os nossos navegadores denotavo a em-
bocadura do Rio Grande em II de lat. se-
ptemtr., e parece que o remontro por es-
pao de algumas 90 leguas at chegarem a
huma cataracta, que os no deixou hir vante.
Pelo tempo adiante se fundro nas suas mar-
gens alguns estabelecimentos portuguezes.
(2.a Relao das navegaes de Cadamosto
-Cordeiro H1:st. Insulan. !J"c.
3i
NNO DE 1446 E 1447.
No anno de I 446 achamos menciOna-
da a expedio de tres navios , em quer foro
Anto Gonsalves, Diogo Affonso, e Gomes
Perez, encarregados de propr. aos habitantes
do rio do Ouro a sua converso ao christia-
nismo, e alliana de commercio com os Por-
tuguezes.
N e ~ t a occasio veio hum daquelles habi-
tantes , por sua propria vontade , a Portugal ;
e l quiz ficar, tambem espontaneamente.,
hum Portuguez , por nome Joo Fernandes,
que aprende a lingua do paiz, observou os
costumes dos pvos , e veio depois informar
de tudo o Infante D. Henrique, com inexpli-
cavel gosto e satisfao deste grande Prin-
cpe .
. Em 1447, entrando Nuno Tristo pelo
Rio Grande, e sendo accommettido de grande
numero de barbaros , foi morto no conflicto.
Alvaro Fernandes, que tinha descoberto
o Cabo dos mastos , passou adiante do Rio
Grand , e descobrio o rio de Tabite.
J a navegao dos Portuguezes para
.aquellas partes era to frequente, que por
estes annos chegro a achar-ile l reunidos ,
38
alguns 27 navios, sabidos de Portugal, e da
ilha da Madeira.
No mesmo anno em que Nuno Tristo
foi morto no Rio Gra?Jde , ou no antecedente
de 1446, descobrio elle o rio, que se ficou
Rio de Nuno, a poucas leguas do
Rio Grande ao sueste.
39
ANNO DE 1448.
NESTE a ~ n o foi mandado Fernando ;_f_
fonso como embaixador a hum Rei chamado
Farim, na costa , ao sul de Cabo-verde , con-
vidando-o a abraar a religio christa , e
assentar commercio com os Portuguezes.
Noto os antigos escriptores, que d'aqui
viero a Portugal os primeiros dentes d' ele-
fante, trazidos dquellas regies.
No to tambem, que Diogo Gil Homem,
encarregado de estabelecer commercio com
os Mouros, passando alm do Cabo de Gu,
trouxera a Lisboa o .primeiro leo, que veio
d'Africa.
40
NNO DE 1449 .
....

Mendes foi neste anno de 1449
lanar os fundamentos ao castello de Arguim,
de que ficou sendo capito, ou governador.
Foi o primeiro castello , que levantamos na-
quellas conquistas, para segurana do com-
mercio e da navegao.
41.

- A. ESTE -anno se attribue com grande
probabilidade o descobrimento da ilha Ter-
ceira, que no anno seguinte de 1450 se dizia
ter sido descoberta pouco tempo antes. O n01ue
que se lhe deo ao principio foi o de ilha de
Jesu-Christo; mas pelo tempo adiante tomou,
e hoje conserva, o de Terceira,. que parece
allusivo ordem do descobrimento.
A capitania esta ilha foi dada pelo In-
fante em 1450 a Jacome de Bruges, caval-
leiro Flamengo, que tendo vindo para Portu-
gal , entrou no servio do Infante , e cazou
com huma dama da Infanta D. Brites. Elle a
povoou. com alguns cazaes que levou do rei-
no', e da 1\'ladeira, e assim comeou a sua
cultura.
41
A este Jacome de Bruges, e a este m e ~
mo anno de 1449, se attribue tambem o des-
cobrimel!to da ilha de S. Jorge, que se julga
ser a quarta que se descobrio no archipelago
dos A6res, posto que alguns do a preferen-
cia do descobrimento Graciosa.
A do Corvo, he fra de duvida que estava
descoberta em 1453; porque nesse anno a
doou elRei D. Affonso V. ao Duque de Bra-
gana por Carta d ~ 20 de Janeiro, dada em
Evora. E parece verosmil , que ao mesmo
tempo se descobrio a das Flores, situada a
to pequena distancia.
Das duas que resto, e pertencem a este
archipelago, chamadas do Fayal, e do Pico,
no temos noticia exact.a de quando fossem
descobertas ; mas parece provavel que o se-
rio dentro do perodo em que foro achadas
todas as mais.
lTOll.'I.A.
Neste proprio anno em que estamos, de
1449, succedeo a fatal catastrofe de Alfarro-
beira,, em que perdeo a v i d ~ o illustre e in-
feliz Infante D. Pedro, Duque de Coimbra,
irmo do nosso Infante D. Henrique. He na-
tural que os desgostos, de que foi acompa-
nhado, e seguido este infausto successo, cau-
zassem alguma interrupo no progresso dos
42
descobrimentos, maiormente attendendo-se
idade j adiantada do Infante , aos seus assi-
duos e incessantes trabalhos, e aos _ m u i t ~ s e
variados objectos que dividio, e demandavo
a sua atteno, j para os estabelecimentos do
commercio ; j para a colonisao , povoao
e cultura das ilhas novamente descobertas,
j para o seu bom governo , e administra-
o, &c.
43
NNO DE 1458.
EM 1458 conquistou elRei D. Affonso V.
a praa de Alcacer-ceguer, na Mauritania Tin-
gitana, levando a esta faco huma armada
de mais de 200 baixeis de todos os portes.
Em consequencia desta conquista tomou
logo o dictado de "Rei de Portugal e do Al-
garve, Senhm de Cepta, e de Alcacer em Afri-
c." ( Dissert. Chron. e Crit. tom. 2. pag. 207).
44
ANNO DE 1460 .

NESTE anno , a 13 de Novembro, fal-
leceo o nclito, immortal Infante D. Henri-
que autor destes descobrimentos, na sua villa
"Villa nova do Infante" por elle mesmo fun"j
dada no promontorio de Sagres, aonde fizera
sua ordiniuia habitao.
Alguns escriptores, e entre elles Joo de
Barros , alargro a vida deste grande Prn-
cipe at o anno de 1463, mas com manifesta
equivocao, como se poderia provar (se ne-
cessario fosse) por documentos authenticos.
Bastar porm lembrar aqui smente a ~ l o a
o, que elRei D. Affonso V. fez a seu irmo
o Infante D. Fernando, de varias ilhas, que
tinho sido de D. Henrique , a qual doao o
suppe j fallecido, e he datada de 3 de De-
zembro de 1460, como adiante notaremos.
Alm dos grandes servios, que o Infante
D. Henrique fez Cora de Portugal, prin-
cipalmente na expugnao de Ceuta, e nas
guerras d' Africa, trabalhou incessantemente,
e com admiravel perseverana, por mais de
40 annos contnuos, na gTande e gloriosa em-
preza dos descobrimentos martimos, deixando
descoberta em seu tempo toda a costa occi-
45
dental de Africa desde o cabo Bojador em
26" e 23
1
, quazi at Serra Lea em 8" se-
ptemtr. , e alm disso as muitas ilhas, que
deixamos referidas, cuja povoao, cultura,
e commercio fundou , e promoveo com gran-
de intelligencia, e com incri veis despezas da
sua fazenda.
Fundou t a ~ m b e m a Escla mathematica,
cosmografica e nautica de Sagres , aonde se
fazio as observaes astronomicas uteis e ap-
plicaveis navegao ; se projectavo Cartas
hydrograficas; se fabrica vo instrumentos pro-
prios para observar o sol e os astros; se tra-
balhava em aperfeioar a construco naval,
&c. : e donde sahro os habeis navegadores
portuguezes, que neste e no seguinte seculo
admirro a Europa, e levro o nome por-
tuguez at s mais remotas extremidades do
mundo.
He muito para sentir , que os nossos an-
tigos nos no conservassem escripto algum
deste grande Prncipe, nem os commentarios,
que necessariamente havia de fazer, cerca
do resultado de seus utilissimos trabalhos , e
sabias fadigas.
O elegante chronista dominicano Fr. Luiz
de Souza diz que vira em Valena de Arago
"hum livro dos descobrimentos do Infante D.
Henrique que parecia ser obra sua, mandado
46
pelo Infante a hum Rei de Napoles, d'onde
passra ao poder do Duque de Calabria , ul-
timo descendente da linha masculina d'aquel-
les Principes, e v ice-Rei de Valena de Ara-
go. Na portada (contina ainda o chronista)
se vio debuxadas humas pyrarnides , e a co-
nheda letra do Infante "talent de bien faire"
letra que este heroico Prncipe to com ple-
tamente desempenhou. Esta preciosa obra
perdeo-se como muitas outras, que servirio
para illustrar as pocas de nossos primeiros
descobrimentos, firmar, e augmentar a gloria
da Nao, e arguir o affectado e ingrato si-
lencio dos estrangeiros.
Apezar disso no se poder jmais negar,
que todas as viagens l!rocedidas do descobri-
mento de huma boa parte de Africa, e das ln-
dias Oriental e Occidental, e todas as que dellas
se derivarem ate' ao fim dos seculos, bem como
os progressos da Geografia , das Sciencias , e
das Artes, e em fim o estado actual da civi-
lisao europa se deve em grande parte ao
genio deste Prncipe, e sua infatigavel di-
ligencia, e constancia.
lJlcrio b o 2:
DESDE O ANNO DE 1460 AT AO DE 1495
CoMPREHENDE o RESTo Do REINADo DE ELREr D. AFFoNso V.
DESDE O FALLECIMENTO DO INFANTE D. HENRIQUE,
E ToDo o REINADO DE ELREI D. Joo II.
:OE ELREI D. AFFOUSO V.
AT AO ANNO DE 1481.
48
NNO DE 1460 .
....
N o anno de 14-60, a 3 de Dezembro,
estando elRei D. Affonso V. em Evora, fez
doao a seu irmo o Infante D. Fernando,
para elle , e para o seu filho maior baro , de
varias ilhas para as possuir (diz elRei) do
mesmo modo, como as de ns ~ a v i a o Infante
D. Henrique meu Tio, que Deos haja.
Fazemos aqui lembrana deste documen-
to, para noticia das ilhas , que nelle vem ex-
pressamente nomeadas, e so pela ordem do
texto, as seguintes.
1 Madeira.
2 Porto-Santo.
a Dezerta.
4 S. Luiz.
5 S. Diniz.
6 S Jorge.
7 S. Thomaz.
8 Santa Eyra.
9 Jesu-Christu.
1 o Graciosa.
I 1 S. _Miguel.
12 Santa Maria.
13 S. Jacobe.
14 S. Filippe. _
15 De las .IJ-Iayaes.
I 6 S. Christovo.
17 Ilha Lana.
Aqui achamos as tres ilhas primeiro des-
cobertas, Madeira, Porto-Santo, e Dezerta.
Aqui achamos cinco das do archipelago
dos Adres " S. Jor,qe, Jesu-Christo, Graciosa,
S. Migttel, e Santa Maria.

49
qui achamos quatro das de Cabo-_verde,
a saber: S. Jacobe; & F1:Zippe; ds Mayaes,
(de Maio) e S. Christovo (ou do Sal).
E achamos finamente algumas outras,
cuja situao no temos podido averiguar,
como so: S. Luiz (que pde ser a do S e n e ~
gal),. S. Diniz, S. Thomaz, Santa Eyra, e.
Ilha Lana. ,
(Veja,se documento que Citamos, no
tom. l. das Prov . . da Hist. Genealog.
da Casa Real Portugueza.)
4
50
NNO DE 1460 OU 1461 .
....
DE os da morte do Infante D. Henri-
-que, despachou elRei D. Affonso V. a Pedro
:de. Cintra, dando-lhe por regimento correr a
costa dos negros, e descobrir novas terras. __
O primeiro descobrimento deste navega-
dor foi o Rio de Bessegue, a 40 milhas do Rio
. G ande por costa.
D'ahi almais 140 milhas descobrio o Cabo,
que se chamou da Verga.
D'ahi a 80 milhas descobrio outro cabo
muito alto , e coberto de arvores viosas ,
a que deo o nome de Cabo de Sagres de
'
Guin.
Defronte deste cabo ao mar descobrio
duas ilhas, deshabitadas , e sem nome.
Do mesmo cabo a 40 milhas descobrio o
rio , que se chamou de S. Vicente : e mais
adiante 5 milhas o rio que se denominou Rio-
verde.
A 24 milhas do Rio-verde achou o cabo
J, que deo o nome de Cabo-ledo por ser mui
VIOSO.
Por esta costa se extende em longura
de mais de 50 milhas huma altssima monta-
nha cheia de verde e copado arvoredo, a que
51
s deo o nome de Serra-Ieda, pelo grande
rugido, que continuamente fazem as trovoa-
as , de ql)e est cercado o seu cume.
Defronte da extremidade merjdional desta
serra estavo tres ilhotas, que os nave ntes
d'enominro Selvagens.
A 30 milhas adiante ria ponta da monta-
nha descobrro o Rio-vermelho (ou roxo) , a
que de r o. este nome, porque a sua agoa,
. orrendo por terreno twermelhado, mostrava
. a mesma cr.
Aln1 deste rio est hum Cabo, que
bem denominro verr .elho; e defronte delle
. ao mar huma ilhota deshabitada que igual-
mente ficou com o nome de Ilha-ve1melha.
Passado o Cabo-vermelho descobrro
hum rio grande, que chamro de Santa Ma-
ria das Neves, pelo avistarem a 5 de Agosto.
Alm deste rio est huma ponta, e de-
fronte della a ilha que cham<ro dos Bancos,
pelos muitos que ali faz a ar.a.
Alm desta ilha descobrJ:.o hum cabo
.. grande que chainro Cabo de Santa Anna,
pelo .avistarem a 30 de Julho.
Do Cabo de Santa Anna a 6 o milhas, des-
hun rio , a qJJe dero o nome das
Palmas, por haver ali' muitas.
Navegando ainda outras 60 milhas,
o o rio, .. a que pozro o nome dos Fumos,
4 *
52
por verem mutos na costa quando a1i
sro.
Mais adiante 24 milhas descobrro o
Cabo do Monte, assim denominado porque o
cabo entrando muito- ao mar mostra hum ele-
vado monte.
D'ahi a' 60 milhas a:chro outro cbo, e
outro monte mais pequeno , a que por iss
chamro Cabo Mesurado.
Navegando ainda mais 16 milhas notro
hum bosque grande com arvores mui verdes
que vinho t ao mar, e lhe chamro o
Bosque de Santa Maria.
D'aqui voltou Pedro de Cintra ao
trazendo da ultima hum negro ,' confor--
me a ordem de elRei, que depois o mandou
restituir ao seu paiz.
A Relao desta viagem foi escripta por
Cadamosto , e della se v :
}.
0
Que Pedro de Cintra, .passando alrri
dos ultimos descobrimentos, explorou mais
de 629 milhas de costa para o sul.
. 2.
0
Que asna viagem foi executada logo
depois da morte do Infante D. Henrique, e
provavelmente no anno de 1461 , ou quando
mais tarde em 1462, porque Cadamosto,' con-
. cluindo. a narrao diz " E deste ultimo lugar
(que era o Bosque, ou Matta de Santa frlaria)
no tinha passado navio algum at a minha
53
partida de H e ~ p a n h a , que foi no primeiro dia
do mez de Fevereiro de -1463. "
(Vej. Navegao do Capito Pedro de Cin-
,tra -escripta po.r Cadamosto, impressa
na colleco de noticias para a hist. e
geograf- dns nae8 ultramarinas da
Academia R. das Scienc. de Li&boa ;
.tom. 2. n. o J.)
54
ANNO DE 1469.
NEsTE anno de 1469 mandou elRei ar-
rendar o commercio da costa d' Africa a Fer-
nam Gomes por cinco annos, e por 500 cru-
zados em cada anno , ficando reservado para
a Cora o marfim, e impondo-se ao arrenda-
tario a obrigao de descobrir cada anno cem
leguas de costa.
Fernam Gomes encarregou o descobri-
mento a Joo de Santarm , e Pedro de Es-
cobar, criados de elRei, os quaes partro
em dous navios, levando hum delles por pi-
loto Martim Fernandes de Lisboa, e o otltro
Alvaro Esteves de Lagos , hum dos homens
mais entendidos e acreditados em sua arte por
aquelles tempos.
Estes navegantes descobrro o resgate
do o u r ~ , a que chamro a Mina, e dizem
alguns escriptores, que chegro ao Cabo de
Santa Catharina, que os nossos antigos pu-
nho a 2 de lat. austr. Outros porm dizem
que o cabo fra descoberto por hum N. Se-
queira, hum pouco mais tarde em 1471.
Fernam Gomes, por conta do qual se fa-
zio estf's desbobrimentos, teve depois o ap-
pellido da JI!Iina, e por armas hum escudo em
55
campo de com tres mews f_O'f'pos de
Ethiopes , ornados de collares de ouro ao pes-
coo, e arrecadas nas e narizes. Esti-
ma vo ento os Portuguezes este genero de
premios, com que os Principes honra vo e
perpetua vo o seu nome, e a memoria de.
seus servios , e por isso ero to frequentes
entre elles as aces generosas , grandes , e ,
uteis.
8 ,.
t
,.
. I ;
( ..
'--
56
.ANNQ DE 1469 E 1471.
P A.RECE , que a algum destes annos ,
com pouca differena, se deve referir o des-
cobrimento do Cabo, que do notJ?e do seu
se chamotJ de Lopo Gonsalves, o
qual fica norte de Santa Catharina,
a pouco menos de 1 o austr. , bca do rio
Gabam.
alguns pem no anno de
e outros em 1171 o descobrimento da ilha,
que se chamou Formosa , no golfo de Guin ;
e que tomou o nome de ilha de
nando q.ue foi; o _
Finalmente as outras ilhas do Corisco ,
S. Thom, e Principe, na-:
tural terem siq.o pelos mesmos
tempos, serem situadas ma-
res, to eni'o dos navegantes
portuguezes. He certo porm, que
em D, Affonso V:
N. B. As duas ilhas de Fernando P, e
foro 'castella pelo Art.
13 da Conveno ou Tractado de J 1 de Maro
57
de 1778, e parece que o Gabinete de Madrid
tinha em vista, por este meio, livrar-se da
dependencia dos estrangeiros , que , por os
Castelhanos no terem possesso alguma na
costa d' Africa, erq <;JS qlJ.e fornecio de ne
7
gros as colonias h,espanhola_s
58
NNO DE 1471 .
.....
NESTE anno conquistou elRei D. Af-
fonso V. Arz1:Zla e Tangere na Mauritania,
levando a esta expedio mais de 300- v azos
de todos os portes, e cousa de 30:000 homens
de g4erra , e marinhagem.
Depois destas conquistas alterou elRei o
seu dictado , e se intitulou " Rei de Portu-
gal e dos Algarves d' a quem e d' alm mar em
Africa " ( * ).
Este Prncipe entretido nas conquistas
da Mauritania, e embaraado depois com a
mal fadada guerra de Castella, e com os ou-
tros pouco felizes successos que della se_ ori-
ginro, no adianto? 1nais os descobrimen-
tos. Os nossos escriptores dizem uniforme-
mente que no seu tempo se no passou do
Cabo de Santa Catharina.
ElRei falleceo em 1481 , e em seu lugar .
subio ao throno seu filho, D. Joo II., cujo
reinado se pde reputar como huma das pocas
mais gloriosas dos nossos descobrimentos, e
sem dvida a mais gloriosa deste Perodo.
( *) V. as Dissert. Chronol. e Criticas do Sr. Joo Pedro
Ribeiro, aonde tracta dos Ttulos ou Dictados dos Soberanos
de Portugal, tom. 2. pag. !207, e Ruy de Pina, ahi citado,
Chronica de elRei D. Affonso Y. cap. 167.
-' '
REINADO DE ELREI D. JOO II.
DESDE 1481 AT 0UTUBRO DE 1495.
.60
ANNO DE 1481 E
... ii'
ELREI D. Joo II. (denomipado com
razo pelos Porluguezes o Prncipe Perfeito)
concebeo toda a extenso, e grandeza das
idas e prjectos de seu Tio, o immortal In-
fante Henrique, e conheceo a fundo as
graHdes vantagens, que Portugal, e o mundo
inteiro havia de tirar da sua execuo. Assim,
foi este hum dos principaes cuidados e em
penhas do seu saudozo , posto que infeliz-:-
IHente pouco dilatado , governo.
Logo no anno_ de 1481,' em que subio ao
throno , mandou costa d' Africa Diogo de
Azambuja, commendador de Castello de Vide
na Ordem de Aviz: o qual sahindo de Portu-
gal em 12 de com I o caravelas e
2 urcas, apartou em Guin a de Janeiro
do anno seguinte de 1482.
Sahio em terra a 20, e comeou logo a
levantar o Castello, que elRei quiz se deno-
minasse de S. Jorge da Mina, cujos materiaes
hio apparelhados de Portugal.
Em roda deste Castello se logo
huma povoao notavel, .a que elRei deo o
nome ; e foro de cidade , por Carta de 15 de
Maro de 1486.
61
O Azambuja assentou paz e commercio
com Ctramanza, Rei d'aquella costa, e ten-
tou (posto que sem effeito) persuadi-lo a abra-
ar o christianismo.
(Garcia de Resend. Chron. di: elRei D.
Joo IL)
62
NNO DE 1485.
NESTE anno despachou elRei a Diogo
Cam aos .. descobrimentos da costa .d' Africa,
aonde j<t tinha hido outra vez de seu mandado,
no anno anterior de 1484, ou pouco antes.
O illustre navegador chegou na primeira
viagem aos 13" lat. austr., descobria o grande
rio Zaire , e o reino de Congo , e collocou
nessa paragem hum dos padres que para
isso levava preparados.
Na segunda viagem adiantou at os 22
austr. e collocou segundo padro no longe
do Cabo Negro.
Os padres ero delineados por elRei.
Constava cada hum de huma columna de pe-
dra com 14 ou 15 palmos de altura, e em cima
della huma cruz : tinha esculpidas as armas
de Portugal, e dons letreiros, hum em lingua
portugueza , e outro em latim , nos quaes se
declarava o nome de elRei, a data do desco-
brimento, e o Capito que o fizera, e ali
collocra aquelle padro.
Diogo Cam e os Portuguezes que o acom-
panha':o, e com elle sahro em terra no
Congo, houvero-se de tal modo com o }\ei
que governava aquellas terras, que elle no
63
s ficou inclinado a favorecer a 1eligio chris-
ta, m s tambem quiz que logo viessem a
Portugal alguns dos seus para se instruirem ,
e doutrinarem na lngua, nos costumes, e nas
artes dos Portuguezes: e pedia a elRei, que
lhe mandasse ministros da religio , officiaes
de algumas artes mecanicas, lav.radores que
l ensinassem a amansar os bois, e a cul.tivar, _
e aproveitar as terras, mulheres que ensinas-
sem a arte de amassar, e fabricar o po, &c.
Os moos Conguezes, que o Rei mandou,
chegro a Portugal, e a aprender
as primeiras letras na Casa de Santo Eloy at
Dezembro de 1490, em que volt<ro ao Congo,
hindo juntamente alguns religiosos, varios of-
ficiaes para .a construco de huma igreja, e
para os exerccios de algumas artes , muitos
ornamentos , e vasos sagrados, livros, &c.
Esta misso chegou ao Congo a 29 de
.Maro de 149 I. O Rei, a Rainha , e muitos
dos grandes, e povo recebro o baptismo.
Lanro-se os fundamentos igreja a 6 de
1\Iaio de 1491. Hum dos negros que tinha
vindo a Portugal comeou logo a ensinar a
lr, e escrever, &c. Finalmente a armada
Portugueza voltou ao reino em 1492 , ficando
l muitos Portuguezes, huns para o tracto do
commercio , e para a defenso da fortaleza,
que se levantra no paiz; e outros destinados
64
particularmente por elRei para descobrirem
o interior das terras ; passarem , se possvel
fosse, at o Preste Joo (de que aqui pareci
terem-se achado novos indcios); indagarem
os caminhos daquelle imperio, &c:
Por estes tempos, ou pouco depois, a c c r e s ~
centou elRei ao seu dictado o de " Senhor
de Guin" intitulando-se " Rei de Portugal li
dos Algarves d' aquem e d' alm mar em Africa;
Senhor de Guin.
(Veja-se a respeito deste Titulo, ou Di.::
ctado o que diz o Sr. Joo Pedro Ri-
beiro , nas Dissert. Chronol. e Criticas ,
tom. 2. pag . .: 207 :)
65
NNO DE 1486.
No anno de 1486 descobrio Joo Af-
fonso de A v e iro o reino , e terras de Benin,
subindo pelo rio Formoso. D'ahi veio a pri-
meira pimenta de Guin, que sendo levada
pelos Portuguezes a Flandres, foi muito bem
acolhida, e estimada no commercio.
Os governadores, e habitantes de Azamor
na Mauritania, se mandro submetter obe-
diencia de elRei de Portugal, obrigando-se
a hum tributo annual.
'
6.

NNO DE 1486 ..
'IIi I &r
NESTE mesmo anno de 1486 sahio do
l'jo a fausta,. e feliz expedio mandada a
descobrimento do grande cabo, que termin
a Africa ao sul , arrumado por alguns dos-
nossos antigos em 350,' e por outros em 34 e
30
1
lat. austr: Da qual expedio diz hum mo:..
derno geografo estrangeiro, que foi "a mais
delicada , e a mais dffficil que se tem tentado
nos tempos modernos.,
Encarregou o grande Rei D. Joo II.
esta to importante-, como arriscada emprez
a Barthotomeu Djas; em 'cuja companhia fo:..
ro ~ e u irmo Pedro :Dias, e Lopo hfante
(que alguns chamo Joo Infante) cada hum
em seu naviO.
Corrro os illustres e ousados navega-
dores a costa occidental d'esde O' Cabo Negro,
aonde tinha chegado Diogo Cam , (como ha
pouco dissemos) para o suL-
Aos 24 assentro o padro Santiago no
lugar chamado Serra Parda.
A 29 descobrro a .Angra das Voltas,
assim denominada das muitas voltas que os
navegantes andro , dando nessa paragem
por espa.o de cinco dias.
67
Apartados deste lugar navegro ao s u ~
treze dias : e como comeassem a sentir gran ...
des frios, e tivessem j corrido. por tanto
tempo n'aquelle rumo; mandou Bartholomeu
Dias demandar a terra pelo rumo de leste ,
Cl!dando que a costa ainda ali correria norte-
sul.
Passados dias, e no se encontrando ter-,
ra, _mandou velejar ao norte, e nesta direco
foi ter Angra dos Vaqueiros, a que deo este
nome pelos . que ahi viro pastoreando seus
gdos. J os _navegantes estavo alem do
grande cabo, que hio buscando, e quf:l muito
por largo tinho rodeado s e ~ o avistarem ..
orrendo ainda vante, pela costa na
mesma direco , chegro a hum ilho , que
denominro dq, Cruz, pelo padro que nelle
collocro a :33 e 45
1
austr.
Bartholomeu Dias mandou ainda navegar
;vante, obra de 25 leguas, e chegro com
effeito ao Rio do Infante, a que dero este
nome do appellido de hum dos navegadores.
Os nossos antigos marinheiros arrumavo este
rio em 32 e 20' austr.
Nesta paragem foi Bartholomeu Dias
obrigado (com grande magoa sua) a retroce-
der, por a isso o forarem os clamores da
gente dos navios.
Retrocedeo com effeito; ayistou o grande
5 *
68
Cabo, a que chamou das Tormentas, pelas
que nelle experimentra, e ahi collocou o
padro S.r Fili'ppe.
Entrou finalmente em Portugal em De-
zembro de 1487, havendo 16 mezes e J7 dias
que tinha sahido.
Dando conta da sua viagem a elRei, este
grande Prncipe, com admiravel penetrao
de espirito, quasi presagiando o futuro, quiz
que o Cabo se chamasse da Boa Esperana,
nome que conserva at ao dia d-e hoJe; e que
ser em todas as idades, para o Monarca Por-
tuguez, e para toda a nao, hum titulo.in-
contestavel de gloria, superior ao despeito ,
ao baixo ciume , inveja dos estrangeiros.
ANNO DE 1487.
QUANDO elRei D. Joo -II. mandava por
ntar descobrir o Cabo da Boa Esperana, des-
pachava iambem por terra, e por differentes
vias, varios descbridores, que tentassem che-
gar India, penetrar at os estados do Preste
Joo, indagar .a possibilidade de navegar para
aquellas partes, e?'aminar os caminhos por
onde vinho as especiarias , e drogas orien-
taes ; informar--se de alguma passagem pelo
interior de Africa para a costa oriental , &c ..
Entre estes viajantes descobridores so
dignos de especial memoria os dous Joo Pe,-
. res da Covilha, e Affonso de Paiva.
Pelo mesmo tempo, e annos seguintes
entretinha elRei correspondencia com alguns
Prncipes e Senhores de Africa, e !flandava
feitoria Portugueza em l:luadem.
Entre os descobridores, que foro ao in-
terior, e viro reinos e gentes at_ento desco-
nhecidas, ficro em lembrana da Historia
os nomes de Pedro de Evora , e Gonalo
Annes mandados a Tucurol, e Tombucutu;
Rodrigo RebeHo, Pedro Reynel, e Joo Coi-
lao a Mandimanza, a Tamala dos Fulos, .ao
Rei de Songo , e dos JJ.foses ,
70
Em huma Nota particular ajuntaremos
as noticias que se conservo nos escriptores,
cerca destas viagens.
71
- ........
No mesmo anno de 1487, estando al-
guns Portuguezes na fz do Sanag (Senegal)
por elles ma1 dou Bemvhi, Rei negro de Ge-
lofo, embaixada a elRei, com h u ~ rico p r ~
sente, de q_ue fazio parte cem escravos n-egros.
No anno seguinte de 1488 veio o mesmo
Prncipe em pessoa r Portugal, implorar o
auxilio de elRei D. Jo9 II. contra -alguiis
seus vassallos rebeldes. Em Lisboa recebeo
o baptismo, elle e outros senhores , que o
acompanha vo; e quando quiz voltar a Africa,
mandou elRei huma frota, que o -escoltasse,
auxiliasse , e restituisse aos seus estados , e
nella ecclesiasticos , que ensinassem e pr-
gassem ,p evangelho, e .a doutrina christa;
obreiros, que edificassem hum templo, &c.
E o_rdenou ao mesmo tempo , que na fz do
Sanag se levantasse huma fortaleza, por ser
informado, que este rio passava por Tamhu-
cutum e Momharce que ero as maiores feiras
do interior, de que toda a Berberia de le-
vante e poente se provia, e abastecia.
Como elRei tinha em diversas partes do
levante pessoas encarregadas d.e o informa-
rem, e avisarem de tudo quanto podesse ser
72
conducente execuo das suas vastas idas,
o S. P. lnnocencio VIII. lhe enviou por estes
annos hum Sacerdote Ethiope , recem-chega-
do da Ethiopia, e residente no Collegio de
Santo Estevo dos Indianos. em R o ~ ~ para
dar informao a elRei das cousas do Preste
Joo, de que tanto desejava noticias. Este
Sacerdote se chamava Lucas Marcos, e tinha
vindo a Roma de mandado do Imperador da
Ethiopia sobre o Egypto, isto he, do proprio
Principe a quem se applicava o nome de
Preste Joo. ElRei o recebeo, e acolheo com
grande prazer, e depois de haver delle muitas
importantes noticias, o despedio contente, e
lhe deo cartas suas para o Imperador.
NNO DE 1490.
EM 1490 chegou Joo Peres da Covi-
lha (v. anno de l487) . crte da Abyssinia,
sendo Imperador Escander (Alexandre) a quem
entregou as cartas de elRei de Portugal.
ElRei , logo que teve noticias certas
d'aquellas partes, comeou a preparar huma
armada para hir ao descobrimento da India;
ordenou o Regimento por que ella havia de
governar-se; e designou para Capito-mr da
expedio o g-rande V asco da Gama, como
refere o "seu chronista Garcia de Rezende. A
morte prevenio este Prncipe no meio de seus
gloriosos trabalhos, e o descobrimento ficou
reservado para o se11 successor.
No mesmo anno foro expugnadas na
1\ilauri.tania as villas de Targa, e Carnice.
i4
NNO DE 1491_.
A ~ s T E anno, e aos nove seguintes,
41t o de 1500 , se devem referir as grandes
viagens do Dr. Martim Lopes, Jurisconsulto,
Filosofo , e Medico , pelas terras do norte da
Europa, at aos confins desta parte do mundo,
aonde confronta com a Asia. Destas viagens
d elle mesmo succinta noticia a elRei D.
-- -
Manoel em carta que lh escreveo de Roma
no 1.
0
de Fevereiro de 1500, e que existe
original no Archivo da Torre do TOI!lbo-,
Corp. Chronol. P. I. mao 3.
0
Docum. 5.
0
.\
75
NNO DE J-493.
-- . AiO_._.
NESTE anno a portou a Lisboa Christo-
vo Colombo, j -de volta,. do seu primeiro
descobrimento, a que fra debaixo dos ausp-
cios dos Reis Catholicos.
Foi opinio mui corrente entre os no.ssos
antigos, e referida por muitos escriptores na-
cionaes e estrangeiros, que o primeiro des-
cobrimento do Novo Mundo fra feito por
hum piloto Portuguez, arrojado pelo tempo-
ral at s terras occidentaes, o qual commu-
nicra a Colombo as suas cartas, notas, e
derrota.
Pareceo-nos pois que esta memoria se
devia aqui conservar tal como a recebemos
dos antigos , sem comtudo ser nosso animo
roubar ao navegador Genovz a sua gloria ,
ou .diminuir hum s ponto da honrosa fama,
e nome illustre, que to justamente adquirio,
e a Historia lhe conserva.
No mesmo anno de 1493 mandou elRei
povoar a ilha de S. Thom, dando a capitania
della de juro e herdade a Alvaro de Caminha,
cavalleiro da sua Casa.
76
NNO DE 1494 .

A 7 de Junho deste anno se assignou
o celebre Tractado de Tordesilhas entre elRei
de Portugal, e os Reis Ca.tholicos, pelo qual
se ajustou, que contando 370 leguas desde
as ilhas de Cabo-verde para o occidente , e ti-
rando por esse ponto huma linha imaginaria,
que passasse pelos plos da Terra, e dividisse
o globo em dois hemisferios, ficasse o occi-
dental pertencendo aos Reis Catholicos, e o
oriental aos Portuguezes , para nelles conti-
nuarem livremente os seus descobrimentos.
77
NNO DE 1495.
A 25 de Outubro deste anno de 1;496
falleceo elRei D. Joo '1. com o que termi-
namos o 2.
0
Periodo do lndice dos nossos des-
cobrimentos.
No he aqui lugar proprio para fazer o
elogio deste Soberano, a quem os Portugue-
zes, mui avisadamente, denominro " o Gran-
de, e dero a qualificao de "Principe Per-
feito." Lembraremos to smente pelo que
toca ao nosso assumpto.
Que em seu tempo se descobrio toda a
costa occidental de Africa desde o Cabo de
Santa Catharina para o sul; se dobrou o gran-
de Cabo da Boa Esperana, e se passou ainda
alm delle at o rio do Infante.
Que no seu reinado se fundou o castello
e cidade de S. Jorge da Mina, e se lanro
os primeiros fundamentos aos estabelecimen-
tos do Congo, plantando-se ali a religio ca-
tholica, que depois foi em tanto crescimento,
e introduzindo-se n'aquelles barbaros paizes
as artes , os officios, e huma parte da civili-
sao
Que este grande Rei no poupou diligen-
78
cias algumas , nem despezas para obter por
meio de viagens terrestres o conhecimento
dos paizes orientaes, e das terras do interior
da Africa , deixando por este modo ao seu
successor as informaes, e planos que to
uteis lhe foro para o progresso do nossas em-
prezas.
Que no tempo deste Prncipe, por sua
ordem , e com auxilio de suas proprias luzes
e instruco, os dous Astronomos Portuguezes
l\lestre Rodrigo, e Mestre Jos Hebreo, e o
4"Jutro tambem habil Astronomo Martim Be-
melhorar o instrumento nau-
tico' de que uso os navegantes para rtomar
a altura do sol, com o que se facilitou muito
a navegao pelo alto mar, e os na-
vios desviar-'se das costas, que at ent se-
guio com grandes delongas-, e inconve-
nientes. J
Que elle mesmo, com a grande intelli-
gencia que tinha em todos os o.fficios, e em
particular nas artillterias (como se 'explica
R ezende) achou e inventou o modo de trazer
mui grQSsas hombardas em pequenas caravelas,
cousa . at ento desconhecida , conseguindo
COlll isto defender as costas, . e a navegao
dos seus navios com. menos e mais
segurana. 8
- .l:- Que fQi eU e o primeiro que. po2 .no mar
79
huma no de mil toneladas, a maior, mais
forte,. e mais bem "cabada, que at quelle
tempo se havia construido, armada de g r o s s a ~
bombardas, e outras artilherias, e de to forte,
e basta liana , e to grosso taboado , que a ar-
tilheria a no podl:a passar (Rezende ).
Tambem no parecer improprio deste
lugar referir, como este illustre Prncipe , j
pelos annos de 1483, ordenra que seu primo
D. Manoel, ainda ento muito moo, e ape-
nas com direito muito eventual ao throno
portuguez, a que depois subio, tomasse por
diviza a Esfera do mundo, que com effeito
comeou logo a usar, e conservou ainda de-
pois de Rei. O que nos parece ser grande
prova da perspicacia e penetrao de elRei,
das suas vastas idas, e esperanas, e do
presentimento que tinha dos futuros gloriosos
feitos dos Portuguezes.
Este principe, diz hum geografo estran-
geiro modermo, fixou a soberania de Portu-
gal em Guin, regio fecunda em ouro, mar-
fim , e outras ricas produces; e legou <
sua nao huma grande herana de gloria,
abrindo caminho s ace& heroicas que de-
pois delle se praticro na conquista martima
das lndias Orientaes.
Finalmente ao tempo do seu fallecimento
deixou quasi prompta a armada que havia
80
de hir ao descobrimento da India (como j
dissemos) e muitas importantes memorias
para ulterior execuo de seus vastos pro-
jectos.-
DESDE O ANNO DE 1495 AT AO :DE 1578
CoMPREHENDE os li.EINADos DE ELREI D. MANOEL-
DE ELREI D. Joo III.- E DE ELREI
D. SEBASTIO
~ E I : N A:CO :CE E L ~ E I :C. KA:NOEL.
1495-1521.
82
NNO DE 1497.
ELREI D. Manoel, achando quasi prom-.
pta a armada, que seu antecessor appare-
lhra para o descobrimento da India, cuidou
logo em expedi-la, tendo em pouco os obsta-
cuJos, que a ignorancia, e o timido receio lhe
quizero oppr.
Constava a armada de tres nos, a saber:
1."' a no S. Gabriel, capitania, em que
foi V asco da Gama
1
. Capito-mr da expedi-
o. Piloto, Pedro. de Alemq uer, o mesmo
que tinha hido com Bartholomeu Dias ao
descobrimento do Cabo- da Boa Esperana.
2."' a no S. Rafael: Capito, Paulo da
Gama irmo de V asco da Gama. Piloto, Joo
de Coimbra.
3."' a no Berrio: Capito, Nicolo Coelho.
Piloto, Pedro de Escobar.
Hia mais huma barca com mantimentos:
Capito, Gonalo Nunes.
Todos estes vasos levavo no mais que
I 60 , ou 170 homens, tanto de armas, como
de marinhagem, entre os quaes se nomo
Martins e Martim Affon_so, lnguas,
e tam bem pilotos.
Esta pouco numerosa , mas ousada e :filiz
83
- companha sahio d<f Tjo em hum sabbado B
de Julho de 1497.
Ao quinto mez de sua navegao, a 4
de Novembro, tambem dia de sabbado, des-
cobrro h uma que denominro Angr'!
de Santa Helena, situada ainda na costa occi- '
dental, pouco antes de se chegar ao rosto do
cabo. Aqui se demorro 12 dias, e 'na quinta
feita 16 de Novembro continuro viagem.
A 22 de Novembro dobrr o Cabo da
Boa Esperana.
A 25, dia de Santa Catharina, chegro
ao lugar, a q 1.le se deo o nome de Agoada de
S. Braz, d'onde partro a 8 de Dezembro.
A 25 de Dezembro avistro a terra, a
que se deo o nome de terra de Natal, com
respeito festividade do nascimento de Jesu-
Christo. As antigas cartas portuguezas punho
o principio desta terra de Natal em 32 e !
austr.
A 10 de Janeiro de 1498 descobrro o
Rio dos Reis, a que dero este nome, por
ser ento o oitavario da festa da Epiphania.
Este rio se chamou tam bein Rio do Cobre , e
terra se deo o nome de terra da boa gente.
Os antigos a denotavo a 25. O Gama deixou
neste lugar dous degradados dos que levava
para exploradores das terras barbaras e
tinuou:viagem a Hi de Janeiro.
6 *
84
A pouca distancia do Rio dos Reis deno-
tro a Agoada da boa paz em 24 e ~ austr.
A 25 de Janeiro descobrro hum rio
grande, que denominro dos bons signaes,
pelos bons auspcios que o Gama tirou de al-
gumas circunstancias favoraveis sua em-
preza. Aqui se deo pendr aos navios, e se
collocou o padro S. Rafael, e teve o Gama
o desgosto . de lhe morrer alguma gente por
effeito de huma terrvel, e ascorosa doena.
Passados 32 dias, e deixando em terra outros
dons degradados, continuro a navegar a 24
de Fevereiro.
No 1. de Maro descobrro 4 ilhas, e
tomro terra na de Moambique, aonde col-
1 ocro o padro S. Jorge. Levantro ferro
a I 3 de Maro, tera feira.
No 1. de Abril, hindo em demanda de
C!uila, a no podro tomar, pelo que na-
vegando vante, chegro a Momhaa a 7 de
Abril, vespera de Ramos, e lanro ferro
sua entrada. D'aqui sahro a 13.
No dia 15 de Abril, que foi nesse anno
dia de Pascoa , fundero em Melinde, aonde
assentro o padro Santo Espirito. Est esta
cidade em 3 austr.
:Oe JI;Ielinde, tomando piloto da terra,
navegro a 24 de Abril no rumo de nordeste,
atravessando aquelle grande golfo.
85
A 20 de Maio de 1498 surgro a duas
Ieguas da cidade de Calecut, termo de sua
navegao, e logo depois passro ao proprio
surgidouro da cidade , aonde collocro o pa-
dro S. Gabriel.
. A 29 de Maio se avistou o grande Gama
com o amori, entregou as cartas de elRei ,
e deo a sua em baixada.
A' volta de Calecut descobrro ainda a
ilha de An.chediva, e os ilhos de Santa Ma-
ria, assim denominados do padro que ahi
se collocou. -
A 5 de Outubro d ~ 1498 sahro de An-
cbediva para Melinde; mas experimentando
grandes calmarias , smente chegro a Ma-
gadaxo a 2 de Fevereiro, e a .7 surgro .em
Melinde , anno de 14 9 9.
A 20 de Maro de I 499 dobrro o Cabo
da Boa Esperana.
A 29 de Julho (alguns dizem de Agosto)
entrou Vasco da Gama no Tjo, aonde j o
esperava Nicolo Coelho, que tinha chegado
a lO de Julho .. P ~ m l o da Gama ficou sepultad.o
na ilha 'J'e1ceira.
Foi o tempo da viagem e ausencia desta
companhia de heroes dons annos e vinte e hum
dias; e smente chegro vivos 55 homens.
O grandioso templo e mosteiro de Relem,
erigido por elRei D. Manoel em aco de
86
graas ao Co pela felicidade do descobri-
mento da lndia, he hum monumento immor-
tal da piedade do Monarca , e da gloria da
Nao Portugueza. Foi levantado no proprio
lugar, em que o inclito D. Henrique
havia fundado huma ermida para d'ahi se
administrarem os sacramentos aos mareantes,
e hum hospital para o tractamento dos enfer,..
mos. Ainda hoje se v a estatua do illustre
Infante sobre a porta principal, e as de elRei
D. Manoel e da Rainha D. Maria em lugares
mais secundarias.
EJRei, logo que o Gama entrou em Lis-
boa, accrescentou o seu Dictado, e deno-
Ininou-se " Rei de Portugal e dos Algarves
d' aguem e d' alm mar em Africa , Senhor de
Guin, e da Conquista, e Conmer-
cio da Ethiopia, Ambia, e India, g"c. "
Titulo to honroso (diz Dam. de Goes) quanto
o he .a mesma cQnquista! Com elle se acho
lavrados doc!lmentos posteriores a Agosto de
1499. E nesse mesmo anno mandou elRei la:-
vrar os portuguezes de ouro com a legenda :
Emanuel Re:: Portugaliae, AZ,qarbiorurn
citra el ultra in Africa, et Gui:-
nae.
E ao redor das armas :
Conquista, Nave_qaam, Commero,
piae, Arabiae, Persiae, Indine.
. 87
ANNO DE 15()0.
PEDRO Alvares Cabral , mandado ln-
dia com huma grande armada de 13 nos, sa-
hio de Lisboa a 9 de Maro deste anno: e
eugolfando-se muito com o fim (ao que pa-
rPce) de se desviar da costa de Africa, e evi-
tar as calmarias de Guin, foi arrojado a huma
costa desconhecida ao sudoeste, a qual avis-
tou a 22 de Abril, quarta feira da oitava da
Pascoa, e nesse dia surg-io a cousa de 6 le-
guas da terra. Ahi deo o nome de monte pas-
coal a hum alto monte que se avistava, e .
terra chamou a terra da Vera-Cru.:.
A 23 navegou para a terra, e lanou an-
cora em frente de hum pequeno rio, que Ni-
colo Coelho foi examinar, achando gente
mansa e tractavel.
A 24 corrro a costa para o norte em
busca de alguma boa abrigada, e achando
lugar seguro para nos , ahi an-
cora. Este he o que depois se chamou Porto
Segum, arrumado pelos nossos navegadores
em 16" e 30
1
austr. ou eni 16" e 40'.
A 26 de domingo, oitava da Pas:..
coa, fez Cabral que houvesse missa, e pr-
gao em terra, a que elle assistio com a
88
gente da e muitos dos naturaes, que
fizero grandes_festas, e folias ao seu modo:
e para esta solemnidade mandou levantar na
"}Jraia huma grande cruz de madeira.
Estando aqui alguns dias, em que a
mada se proveo de agoa e lenha, despachou
Cabral hum dos seus navios , capito Gaspar
de Lemos, para vir trazer a- elRei a noticia
d'aquelle novo descobrimento, e pondo em
terra dous homens, que no reino tinho sido
condemnados morte, e que levava para ex.,.
ploradores , seguio viagem para a lndia a 2
de Maio.
No Cabo da Boa Esperana soffreo a ar-:-
mada subita e horrvel tempestade, peden-
do-se logo 'quatro nos, huma das quaes era
commandada pelo, illustre Bartholomeu Dias,.
que descobrra, e dobrra o mesmo cabo, e
n'aquelles mares ficou sepultado: verificando-
se risca a profetica ameaa do fero .1\.damas:-
tor, quando disse:
"Aqui espero torrtf!r, se rto me
De quem me descobrio Slfmma vingana. "
Na costa oriental de Africa , esteve a
armada em Moambique , Quila , e ]Jtlelinde;
e na costa da Arabia e Persia observou ftfa-
gada.xo, Socotora , Julfar, Ormuz, 9c. Che-
gado India sahio em Anchediva, passou a
89
Calecut, entrou em Cochim e Cananor, a
voltando a Portugal em 1501 trouxe embai-
xadores destes dCius ultimos reinos.
A' volta lanou em Melinde dous portu-
guezes, que trabalhassem por penetrar at
Abyssinia, e encarregou a Sancho de Toar
de reconhecer ofala , e informar-se do res-
gate do ouro, que ali se fazia.
Em Besenegue, junto a Cabo-verde encon-
trou a expedio de tres navios, em que
Americo Vespucio fazia a sua primeira via-
gem terra de Santa Cruz por ordem de
elRei D. Manoel.
A Relao. desta viagem de Cabral, es-
_pripta por hum piloto Portuguez, que nella
hia , foi traduzida em latim por Archangelo
Madrignano , e inserida no orbis regio-
ac insularum, de Grineo, tendo sido
vertida em italiano, e mettida na colleco
de Ramusio com o titulo " Navegao do Ca-
pito Pedro Alvares Cabral, escripta por hum
piloto Portuguez."
(Veja-se esta Relao na Colleco de Nd-
ticias para a hist. geograf. das naes
ultramar. da .Academ. R. das Scienc. de
.
Lisboa tom. 2. num. 3., e a carta de
Pedro Vaz Caminh.a-aelRei D. Manoel
na mesma Colleco tom. 4. num. 3.)
90
NNO DE 1500.
NESTE mesmo anno ele 1500 , Gaspar
Crte Real , nobre Portuguez, tentou inves-
tigar o ultimo termo da America septemtrio-
nal, e descobrir caminho para a India pelo
plo arctico.
Sahio do Tjo, na primavera, com dous
navios, e chegou em sua navegao ainda
alm dos 60 de latitude norte. Descobria e
correo toda a terra de Labrador, que tambem
se ficou chamando terra de Crte Real, e aci-
~ n a della a costa, que corre at o Rio das
Malvas: descobria tambem a que chamou
terra, ou ilha dos Bacalhos, e algumas outras
a ella proximas, que os antigos elenominro
Crtes Reaes, e mui provavelmente a pequena
ilha entrada do estreito de Hudson, que se
chamou de Caramilo, corrompido este nome
elo portuguez caramlo (neve congelada).
O illustre navegante, voltando ao reino,
repetio a mesma viagem a 15 ele Maio de
1501 , e como no houvesse n"oticia deli e, foi
no anno seguinte de 1502 seu irmo Miguel
ele Crte Real em busca delle, mas aconte-
ceo-lhe a mesma m fortuna.
Em 1503 despachou elRei D. Manoel
91
duas nos em busca de ambos, as quaes vol-
tro sem resultado algum.
Preparava-se ainda para repetir a mesma
diligencia outro irmo mais velho, que os
dous , por nome Vasco Eannes Crte Real,
do. Conselho de elRei, Alcaide-mr de Ta-
vira , e Governador das ilhas de S. Jorge e
Terceira; mas elRei no consentia que elle
cumprisse o seu pio e fraternal proposito.
Vasco Eannes, comtudo, teve o senhorio
da Terra Nova, ou o titulo de Capito
tario da Terra l'lova de Crtes Reaes, o qual
passou a D. Margarida Crte Real, herdeira
da Casa, e por ella a seu marido D. Christo-
vo de Moura, Conde, e depois Marquez de
Castello Rodrigo, que tambem se chamou,
e seus descendentes , senhor da Terra Nova.
As cartas geograficas modernas, no tem
querido conservar a memoria do illustre Por-
no nome de Crte Real, dado s terras
por elle descobertas: mas Pinkerton, no seu
Conip. de geograf. modern .. , edio de 1811 ,
no s diz, que no anno de 1500, Crte Real,
Capito Portuguez , buscou huma passagem ao
norte, e descobria o Labrador; mas accres-
centa em outro lugar, que "a vasta extenso
das costas, comprehendidas entre os 57 e 77 de
longit. Oeste de Pars, e entre os 52 e 62 de
lat. septemtr. , foi chamada terra do Labrador
92
por Crte Real, navegador Portuguez, que a
descf)brio em 1500." E Malte Brun, Hist. de
la Geograf. liv. 32, no duvda dizer, que a
ida de hum estreito ao norte da Ame1ica , pa-
rece ter tido 01'1"gem nas Relaes , ainda mal
conhecidas , de Gaspar Crte Real, navegador
Portuguez.
93
NNO DE 1501.
NESTE anno, Joo da Nova, mandado
a. lndia por Capito de quatro nos, e par-
tindo de Lisboa a 5 de Maro, descobrio a
ilha da Ascenso a 20 e ! austr., e a cousa '
de 120 leguas da costa do Brazil, e a outra
, que se ficou chamando ilha de Joo da Nova
ao oriente da Africa.- Barros. 1. 5. 1 o. edio
de 1628, diz que Joo da Nova; passados 8
alm da linha para o sul , achara huma ilha
a que pozero nome de Concepo.
Voltando a Portugal, j no anno seguinte
de 1502, descobrio a ilha de Santa Helena (to
famosa nos nossos dias) a 16, ou 16 ~ de lat.
austr., a 450 leguas do Cabo Negro em Africa,
e a 7 50 do Cabo de Santo Agostinho, ponto
mais oriental do Brazil, segundo Malte Brun.
Os Portuguezes nunca povo.ro esta ilha;
mas hum Portuguez, por nome Fernam Lo-
pes, que por especial graa obteve viver ali
em desterro , a povoou de varios animes do-
mesticos, como porcos, cabras, coelhos, per-
dizes , &c. , e fez algumas plantaes. A' cerca
deste Fernam Lopes, e suas circunstancias,
pde "e r-se Castanheda , na Hiit. da India ,
liv. 3. cap. 69. e cap. 94.
94
NNO DE 1501.
NEsTE mesmo anno de 150 I foi a pri
meira viagem; que Americo Vespucio, floren-
tino, fez ,por, mandado de elRei de PortugaL
Sahio de Lisboa a I o de Maio; correo a
costa de Africa at Cabo-verde, e passando
d'ahi a reconhecer as costas da Terra de Santa
Cruz, que era o seu particular destino, na ...
v.egou por ellas at ao Rio da Prata , che.-
gando ainda terra, que depois se chamou
dos Patages, d; onde voltou a Lisboa em Se,..
tembro de 1502.
' .
(Veja..:se a l.a Carta de Americo Vespucio,
na Colleco de Notioias para a hist. e
geo,qraf das naes ultramar. da Aca-
. dem. R. das Scienc. de L1'shoa, tom. 2.
num. 4.)
';: ......
95
ANNO DE 1502.
GRAN\E D. Vasco cla Gama voltou
segunda vez Inclia com huma armacla cons-
tante cle 20 nos em tres divises, parte das -
qnaes havio de l ficar em guarda dos mares.
Na sua passagem pela costa oriental de
Africa fez tributario o Rei de Quila, pri-
~ e i r o principe d'aqucllas regies, que pagou
preas a elRei de Portugal.
Na Inclia assentou tractos de commercio
com os Reis de Cochim , e Cananor, aonde
j havia feitorias portuguezas: e em Cochim
recebeo embaixada dos christos cle Manga-
lar, e cle muitos outros lugares, que espon-
taneamente quizero render vassalagem a el-
Rei de Portugal, e se pozero debaixo da
sua proteco, dizenclo que haveria em toclos
os rl,itos lugares 30:000 christos, regiclos por
hum senhor.
Castigou severamente a perfidia, e tracto
doble do Imperauor cle Calecut, e voltando ao
reino m l503 , apresentou a elRei em acto
solemne, o ouro clo tributo de Quila, que o
pio Monarca cleclicou a N. Senhora cle Belem
n'uma rica costodia.
Hum Portuguez, por nome Thom Lopes,
96
que Barbosa diz ser natural da cidade do
Porto, escreveo esta viagem com o titulo
" Navegao s Indias Orientaes" de que foi
parte e testemunha ocular.
'
(V ejo-se Noticias para a hist. e geograf.
das naes ultramar. da Academ. R. das
Scienc. tom. 2. num. 5.)
97
NNO DE 1503 .

. ANTONIO de Saldanha, hindo neste anno
para' a lndia, deixou o seu nome .Agoada
do Saldanha, proxima ao Cabo da Boa Espe-
rana, tendo ahi pelejado com os barbaros.
Neste mesmo lugar foi depois morto por elles
o illustre Almeida, primeiro Vice-Rei da ln-
dia, como em seu lugar notaremos (an. ll'lO.)
No mesmo anno navegro para a ln dia
duas armadas , commandadas pelos dous Al-
buquerques, Francisco, e Affonso.
Na primeira hia Anto Lopes, mandado
por elRei com embaixada ao Rei, ou Impe-
rador dos Abexins ; mas perdendo-se a n:.io ,
em que hia, ficou a embaixada sem effeito.
Francisco de Albuquerque restituio elRei
de Cochim aos seus estados, de que h via
sido expulso pelas armas de Calecut: fundou
fortaleza em Cochim , e foi a primeira que
levantmos na lndia; e quando d'ali se reti-
rou, deixou em defeza d'aquelle reino o in-
victo heroe Duarte Pacheco Pereira, cujas
espantosas faanhas so -bem conhecidas na
Historia.
7
gs
A segunda armada, commandada por Af-
fonso de Albuquerque, teve hum successo
similhante ao de Pedro Alvares Cabral; por-
que de Cabo-verde," engolfando-se ao mar,
avistou ,a ilha da. Ascenso, e" tocou a costa
da Terra de Santa Cruz.
. '
Chegado India, entrou em Coularn, ci-
dade ainda no conhecida dos. Portuguezes,
assentou paz, e amizade com o Rei, estabe-
leceo feitoria , e tracto de commercio , e fez
alguns ajustes em beneficio, e para proteco
dos numerosos christos que ali habitavo.
C I &a
Neste mesmo anno despachou ainda el-
Rei D. Manoel outra armada de ,seis nos, e
nella fez sua .segunda viagem Americo_ Ves-
pucw.
-: - ~ . As nos navegro a .Cabo-verde, e logo
depois fazendo-se ao largo' pelo rumo de su-
doeste, aos .a" da equinoccial para o sul, avis-
tro huma ilha qual foi mandada a no,
em que hia Americo, com o fim de exami-
nar, se -nella haveria porto, em que a armada-
ancorasse' e neste meio tempo soobrou a
mo capitania, salvando-se a gente.
A .armada dividio-se nesta paragem, e
Americo, que se mostra na sua Relao mui
descontente do capito Portuguez, acaso por-
99
que este se no sujeitava sua orgulhosa
presump.o, nada mais diz do resto das nos.
Elle porm na sua:, __ co_m outra de conserva,
navegou em demanda da Terra de Santa Cruz.
. No fim de 17 dias descobri o hum porto a
que pdz o nome de Bahia de todos os
aonde sahio em terra, e esteve 64 dias.
D'aqui resolvro estas duas nos correr
a costa, e chegro a hum porto em 18 austr.
- Neste lugar estivero cinco mezes fun-
dro huma fortaleza , e a deixro guarne-
cida com 24 homens-,- armas, 12 bombardas,
e mantimento para seis mezes. E diz Ame-
rico, que neste e ac01npanhado -ae ao
homens , entrra pelo serto a distancia 'de
40 leguas da costa.
D'aqui voltou a Lisboa, e entrou no Tejo
em Junho de 1504.

li
7 *
100
,, .... .., '\ ,..
NNO" DE 1504.

Ruv Loureno Ravasco, que fra na
armada do Saldanha , fez tributarios a Portu-
gal os Reis de Zanzibar, e de Mombaa.
Diogo 'Fernandes Peteira (ou Pereira)
que da mesma armada se desgarrou , foi in-.
vernar a ocotor aonde ainda no tinh o hido
os Portuguezes. '
. j . \ J 1 t' ' . S'P ..
l', ElRei D. Manoel mandou ao Congo ho-
mf::ms letrados; niestres de lr', e escrever,
musicos, livros de doutrina christa, para.,
sagrdos ; ,e. outras cousas necessarias
para se continuar a instruco religiosa, e a
civilisao d'aquelles povos. De l viero
tambem muitos moos nobres a Lisboa para
estudarem a religio, as letras, e os costu-
mes portuguezes. (Osorio, Maffei., !}c.)
.....
Por estes tempos o Soldo do Egypto
comeou a publicar que havia de destruir a
casa santa de Jerusalem, o sepulchro de Jesu-
Christo, e o mosteiro do monte Sinay, e obri-
'101
gar os christos dos seus estados a se fazerem
Mahumetanos, se os Portuguezes no desis-
tissem de suas emprezas na lndia. Estas amea-
as viero a ter o resultado' que se ver no
-nnno de 1 513. - ~
-,
1
r
J._
1
102
NNO. DE 1505.
ELREI D. Manoel i ~ f o r ~ a d o das ma.,.
quinaes occultas , e pouco leaes da Repu-
blica de Veneza , e da manifesta opposio
do Soldo do Egypto, ligado com <?S Reis de
Calecut e de Cambaya, resolveo mandar
India hum grande capito, que com o. titulo
de Vice-Rei dirigisse, promovesse, e defen-
desse os negocios da navegao, e commer-
cio d'aquellas partes. E escolheo para este
importante cargo o iHustre D. Francisco de
Almeida, o qual , acompanhado de huma po-
derosa armada de 22 velas, sahio do Tejo em
.Maro deste anno.
Na sua passagem pela costa oriental de
Africa expugnou Quilda; desthronisou o Rei
que recusava pagar as preas estipuladas, e
se mostrava inimigo dos Portuguezes; deo
cidade novo Rei, que elle mesmo coroou com
grande solemnidade ; e fundou a fortaleza a
que deo o nome de Santiago. EIRei D. Ma-
noel mandou depois debuxar o acto da cora-
o em ricas tapearias, que por muito tempo
se conserv<ro.
Chegado . lndia fundou as fortalezas de
Anchediva e Cananor. Coroou solemnemente
103
o Rei de- Cocltim a quem elRei D. 1\'lanoel
mandava huma rica cora de ouro. Recebeo
embaixadores do Rei de Narsinga, e de ou-
tros prncipes, e a s s e ~ i o u com elles pa ' ami-
zade, e alliana:
Seu valeroso filho D. Loureno de "AI*
meida descobrio Ceilo ( q e Goes escreve
Zeiland) de que os.Portuguezes j tinho no-
ticia. Entrou no porto de Gale, e prometteo ~ o
Rei defenso e protee.o-, com elle se obri-
gar ao tributo annual de 400 bahares de ca-
nella para elRei de Portugal.
Y-
104
NNO DE 1505.
P
. ~
EDRO de Anhaya fez vassallo e trihu
tario de Portugal o Rei de ofala , e lanou
ahi os fundamentos de huma fortaleza aos 21
de Setembro deste anno. (Castanh. l i v ~ 2.
cap. II.) ,. f
Gllil'
No mesmo anno se lanro os funda-
mentos ao castello de Santa Cruz, no Cabo
de Aguer, na Mauritania, aonde logo se for-
mou huma notave) villa, que se denominou
"Villa de Santa Cruz no Cabo de Aguer."
105
ANNO DE 1506 .
....
Joo Homem, capito de huma cara-
vela, pertencente armada do Vice-Rei D.
Francisco de Almeida, descobrio, antes de
c h ~ a r ao Cabo da Boa Esperana , tres ilhas,
a dez leguas humas das outras , a que pdz no-
mes Santa Maria da Graa , S. Jorge , e S.
Joo. ( Dam. de Goes, Chron. de elRet' D.
Manoel, part. 2. cap. 3.)
Tristo da Cunha, hindo para a ln dia ,
e tomando muito ao sul para dobrar o Cabo
da Boa Esperana, descobrio humas ilhas
despovoadas, que do seu nome se ficro cha-
mando " as ilhas de Tristo da Cunha. "
Ruy Pereira Coutinho descobrio pela
parte de dentro ( occidental) a grande ilha de
Madagascar, ~ pz o nome de Bahia formosa,
.bahia em que primeiro entrou. Dando parte
do descobrimento a Tristo da Cunha, partio
este a reconhecer a terra. Tocou varios pon-
tos da costa occidental, e chegando ao cabo
da ilha em dia de Natal, lhe deo esse nome.
A no de Joo Gomes de Abreu dobrou este
cabo, e correndo peJa costa oriental foi dar
na bca d ~ hum rio , na provncia de Mata-
tana , aonde descendo em terra , e sendo ne-
106
cessario apartar-s(:l a no, ficro alguns Portu-
guezes em terra. (Casianh.liv. 2. cap. 30 e 31.)
Ao mesmo tempo que as nos do com-
mando de Tristo d-Cunha descobrio Ma-
dagascar pela o_cidentaJ , : outras nos
que vi thQ em f ta para o reino, _cap'tito
Fernam Soares, a descobrio pela parte orien- _
tal, avistando,:-a no I." de Fevereiro. Corrro.
-vista della 17 dias, e tendo feito agoada e
lenha, ;;t passro a 18 do mesmo mez. A esta :
ilha qe Q nO!llt} qe $.. Loureno, por ser _
achada a lO de Agosto pelos descobridore$ _
da parte occidentaL
A 6 de Fevereiro del507 escreviaAffon.so
de Albuque que a elRei D. Manoel col)l da a
de Moambique, j lhe f lll\YJ do descobri-
mento da ilha de S. Loureno. (R. Archiv. __
Corp. Chronolog. P. L, mao 6.", num.
. f
,,-.
' l
_,
107
NNO DE 1506 .
... .,
.AFFONso de Albuquerq.l)e yoltou neste
anno lndia' encarregadol de tomar o. cargo
de Governador, logo que D. Francisco de
Almeida acabasse o ..... .tempo do seu vice-rei-
nado. Na passagem para a lndia embocou o
E treito do golfo arabico. . . .
) .
....
'.
-_, -
No mesmo anno sahio da India para.
tugal o primeiro elefante que de l veio,
dado a elRei pelo illustre Almeida. ,
"41 ..
. No mesmo anno finalmente-fundou Diogo:
de' Azambuja, por ordem de elRei, o Casllo
Real (Mazago) na Mauritania.
1
)
....___ . .,_
' .
.. '-"
.r'
-' .._. _, ..
108
NNO DE 1507.
NESTE anno descobri D. Loureno de
Almeida as ilhas JYialdivas.

Tristo da Cunha pz em Melinde hum
portuguez, por nome Fernam Gomes o Sardo
(Castanh. diz Joo Gomes-ho jarda) hum mou-
risco christo, chamado Joo Sanches, e hum
mouro de Tunes , por nome Cide Maha-
mede, mandados por elRei D: Manoel- com.
cartas suas ao l;nper Qor Abexi. O bom Rei
de Melinde encarregou-se de lhes dar avia-
mento para a viagem ; mas como o no po-
desse fazer com a segurana, que desejava,
ficou a viagem sem effeito por aquelle ca-
minho.
Tristo da Cunha , correndo a co&t de
Ajan, expugnou e destruio Oja e Brava, e fez
tributaria Lamo. Em Brava foi armado ca-
valleiro pelo grande Albuquerque , que o
nestas expedies. D'ahi pas-
sou a ocotor, cuja fortaleza tomou, e re-
formou , dando-lhe o nome de S. ft'liguel, e
109
deixando-a guarnecida de Portuguezes, e ten-
do ordenado o governo da ilha , partio para a
India. (Castanh. liv. 2. cap. 36. e 38. - Goes.
Chron. de elRei D. lJtlan.)
.....
Duarte de MeUo fundou a fortaleza de
Moambique , e nella huma igreja , e hum
hospital.
Affonso de Albuquerque correo a costa
da .A.rabia e Persia: assentou paz com Ca-
laiate : expugnou Cun'ate e Mascate : fez tri-
butaria Soar: mandou saquear Orfaam, que
achou despejada de habitantes : e entrando
cm Ormuz fez o seu Rei vassallo , e tributa-
rio de Portugal, e comeou a 24 de Outubro
a levantar ali a fortaleza , a que pz o nome
"Nossa Senhora da Victoria." (Castanh. liv. 2.
cap. 63. e segg. Goes, Chron. de elRei D.
JJfan.)
.....
No mesmo anno de 1607 os Portuguezes,
commandados por Diogo de Azambuja, en-
trro na cidade de .A.zaafi (que ns chama-
mos afim) na Mauritania Tingitana, da qual
110
se assenhorero completamente no anno se-
guinte de .1508 ..
Guerra que o Rei de Cananor faz aos
nossos. Cerco da nossa fortaleza , defendi-
da valerosamente pelos Portuguezes, capito
Loureno de Brito. (Castanlt. liv. 2. cap. 45
e 52.) "
-. .
:. ? ~ _ ... _,
J
I
-'-
111
NNO DE 1508 E 1509 .
......
No anno de 1508 foi Diogo Lopes de
Sequeira m a n d ~ d o pqr elRei a reconhecer a
ilha de Madagascar, e a descobrir Malaca.
Chegou ilha a 4 de Agosto. A lO avis-
tou, n ~ parte oriental, hum cabo, a que pz
-nome de S. Loureno. Tocou algumas ilhas,
aonde achou Portuguezes, que ali tinho nau-
fragado. Entrou no porto de Turumbaia, aonde
se vio com o senhor da terra , e achou outro
Portuguez. D'aqui navegou a outras ilhas,
que denominou de Santa Clara, e nellas fez
provises. Passou ao reino de .lYiatatana; aon-
de sahio em terra , e chegando ao rio que
tem o mesmo nome, tambem ahi achou Por-
tuguezes. Correo ainda ao longo da costa, por
onde vio muitas povoaes, at chegar a hu-
ma .grande bahia, que denominou 'de S. Se-
bastio, pola ter descoberto a 20 de Janeiro
de.J 509. D'aqui partio paraa lndia, e chegou
a Cochim a 21 de Abril de 1509.
Em Agosto do mesmo anno de 1509 na-
vegou ao descobrimento de Malaca, confor-
me as ordens que tinha de elRei D. Manoel.
Passadas as ilhas de Niuar, foi ter a Pedir,
e a Pacm , na ilha de amatra, e em arn bas
112
cidades levantou padres, depois de ter assen-
tado capitulaes de paz com os ses Reis.
D'ahi navegando foi surgir a II de Setembro
em ft'Ialaca, cidade principal da peninsula do
mesmo nome, e grande emporio de todo o
oriente, arrumada pelos escriptores Portugue-
zes em 2 e ! lat. septemtr. Em JJtlalaca as-
sentou artigos de paz, e commercio com o
Rei, e estabeleceo feitoria. Nesta expedio
hia Fernam de
1- .,
.. I
113
NNO DE 1508 E 1509.
s tres mensageiros de elRei, que
Tristo da Cunha pz em Melinde para pas-
sarem Abyssinia, e que por ali no podro
penetrar (v. an. de I 507) foro em I 508 ter
com Albuquerque , que andava no cabo de
Guarda/ui. Elle os pz em hum lugar a 3
leguas do cabo, donde, levando tambem car-
tas de Albuquerque, penetrro com effeito
at crte do Ahexi, aonde reinaya David,
e por sua menoridade governava sua Av He-
lena. Desde ento resolvro estes prncipes
mandar hum embaixador a Portugal, e dero
este cargo ao Armenio Mattheus, de que a
seu tempo se dir (an. 1514.) (Castanh. liv. 2.
cap. 85.)
Em dia de S. Braz 3 de Fevereiro de
1509 foi a grande batalha naval, em que o
insigne Vice-Rei D. Francisco de Almeida
venceo a armada do Soldo do Egypto , com-
binada com a de Calecut e de Cambaya, e
afugentou da I n ~ i a , os Rumes destroados. As-
sentou ento pazes com Melique-As, senhor de
Diu : confirmou as que tnhamos com o Rei d:>
8
114
Chaul, de quem recebeo as preas, dando-lhe
) ' :
carta de vassallagem : avistou-se com o Rei de
Onr, e augmentou tributo, que j pagava
a Portugal : fez vassallo de Portugal o Rei de
Baticala, e lhe impz tambem tributo. Final-
mente a Coclm, e depoi-s
entregou o governo da- lndia a Affonso de
Albuquerque, que para elle fra 'nomeado,
como j indicamos 'ao anno de 150'6.
D volta para Portugal , j no anno de
151 o ; e no I. o de Maro , foi este insigne
pito morto cruelmente pelos barbaros ria
' . . r . .
Agoda do Saldanha , . aonde 'sahira em terra :
verific:mdo-se 'nelle tambem. aquella terrivel
ameaa do implaavel Adamastor:
I
" E_ do primeiro illustre-, que a ventura
i ' . .
'"Com fama alta .fizer tocar os Cs .
" Serei eterna , e nova sepultura. " .: :
( . . : l
:ll.,_b'ttcuntnto.
Em 1508 parti o Tristo da cunha: de
Moambiqe, de volta para Portugal, a 17 de
Janeiro, e de descobrio a ilha da As-
diz liv. 2. cap. 84.
N. B. Duas ilhas tem o mesmo nome
da!Asce'nso huma em 20 e sul; a '120 "Ie-
115
guas da costa do Brazil, descoberta por Joo
da Nova em 1601, de_ qll,.e a esse
anno. Outra no mar da Ethiopia a s sul, e a
6. 48' long. da ilha do Ferro, que deve ser
esta de q1,Ie fall.a ( P.irnentel, Art.
de. Naveg.)
. ' . )
\
\ .
.) .
. . ) {
I'
\ .
'
6 *
116
NNO, DE 1510.
1;1.
MANDOU elRei tres armadas ao oriente,
constantes todas tres de 14 nos.
Huma destas armadas, de que era capi-
to Joo Sermo, hia encarregada de assentar
paz , e amizade eom os Reis de Matatana , e
Torurnbaia na ilha de S. Loureno ( JJtiadagas-
car) e fazer ajustes de commercio.
Joo Serro entrou no porto de Antepara,
no reino . de Torumhma ; foi aos ilhos de
Santa Clara, entrou no rio de JJ!Ionaiho, e to-
mou outros portos da ilha: mas no achando
as especwnas que buscava (diz Goes) Jartio
pata a India.
117
NNO DE
. '

NESTE anno, a 2 5 de Novembro , dia
de Santa Catharina, expugnou, e conquistou
Affonso de Albuquerque a cidade de Gda, na
costa occidental da India quem do Ganges,
reino do .Dekham. (Castanh. , Barros, Goes,

Ahi levantou logo fortaleza: bateo moeda
de ouro, prata, e cobre : casou muitos Por-
tuguezes com moas naturaes da terra, fa-
zendo a todos , e distribuindo-lhes
terras, e palmares: organisou o governo mu-
nicipal; e deo sabias providencias para con-
servao, augmento, povoao, e policia de
huma cidade, que no seu pensamento era 'j
destinada para assento do governo Portuguez,
e capital do imperio lusitano oriental.
Os Reis de Baiicala , de_ Chaul, de Nar-
singa , o amori de Calecut, o Rei de Cam-
haya, e outros prncipes lhe mandro por
seus embaixadores os emboras da victoria.
No muro da nova fortaleza mandava o
inclito capito metter huma lapida , em que
fizera gravar os nomes dos capites, que fo-
ro com elle na empreza d'aquella conquista.
Como porm os proprios capites entrassem
118
em discordias , e ciumes sobre .as preferen-
cias dos nomes, Albuquerque mandou voltar
a face da pedra para o interior da muralha,
e ordenou que na face exterior se gravassem
T
aquellas palavras: ,
'' Lapidem, quem reprobaverunt adi.ficanies.;,
reprovada' pelos edificadores.;;
\ \ .. ' - l
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I
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... DE
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15 I.
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"{
"!L\!!!1 ...
N de anno expu;
gnu, e conquistout_Affonso de Albuquerque
grapde de llfalaa, cujo, via
intentado ,dar a Diogo
de Sequeira, depois de ter assenta,do
cpm elle pr_ , . , COJlll"!len_;jo, , mo dissemos
ao aimo de 1509.
Levan!ou, lpgo fortl}leza ; bateo de
ouro, prata, e e_stanhp; e ordep.ou
do e pblica com
gular prydef!cia, e discrio.
lm!.nediata,mente despacl}OU e!n?aixaqg..,
res, . e para differentes partes
d'aquelle remoto 9riep.te, para Sio,
feg, Jah'l:la,
} .. I',_ ara r o e Jjt alupa
t.re.s e. hum jum;o. no$
h.io ,A t io AbreJ. , da ar-
Francisco e
no junc'? hja por capito ,Q,um 1<?1,1ro,
,costuwava navegar M l.tfO, f ,era va -
sallo de Po trigal. Hum se perd.eo .
_atravs ie Jao. As mais foro ter ilha de
Ba da onde estivero quatro voltando
- ._ .,...-' . . -r . - - .. - - '
120
a Malaca, sem hirem ao seu destino , tanto
pela demora da mono, como porque ali
mesmo de JJtialuco cravo, com que
se carregro as nos , e ali mesmo tomro
maa, e nz. Abreu porm enviou ao Rei de
Maluco as cartas de Albuquerque.
Nesta viagem, e j no anno de 1512 des.:
Antonio de Abreu a ilha de Ambomo,
e Francisco Serro passou a Ternate , huma
das Malucas.
2.
0
Ao Rei de Siam mandou Albuquer-
que cartas , e recados seus por Duarte Fer-
nandes: e como o Rei recebesse bem o cum-
e mandasse embaixada a Albuquer-
que com ricos presentes , e com carta para
elRei de Portugal, Albuquerque lhe corres-
pondeo , enviando a Hodi, crte de Siam ,
por embaixadores Antonio de Miranda de
Azevedo , e Duarte Coelho.
3.
0
Ao Peg foi mandado Ruy da Cu-
nha (que outros chamo Gomes da Cunha) o
qual assentou ajustes de paz com o Rei, &c.
Pelo mesmo tempo recebia Albuquerque
em Malaca embaixadores de hum Rei da Jahua,
do Rei de Campar, de hum dos Reis da ilha
de amatra, e de outros Reis, e senhores do
serto., e das ilhas visinhas , parte dos q uaes
se fizero vassallos, e parte amigos e confe-
derados de elRei de Portugal. (Castanh. liv. 3.
121
da Hist. da India, e Goes na Chron. de elRei
D. Manoel.)
r-
Ao tempo que Albuquerque sahio de Ma-
laca p ~ u a a lndia, encommendou muito ao
capito que ali deixou, e depois ao seu suc-
cessor, que no partisse navio de mercadores
d' aquella cidade , onde no fosse hum Portu-,
guez homem de bom esprito, e discrio, para
trazer informao do que visse, e o'!!visse d' aquel-
las regies, e tantas mil ilhas como aquelle mar
oriental tem. (Barros. 3. 2. 6., &c.)
\
; .
122
.NNO .DE 1512 E 1513.
'A .
LJ3UQUERQUE voltando lndia, r e.
heo embaixadores do Rei de Visapor (ou Vi-
gapor) , do abaimdalkan , do Rei de
baya, &c. .
. tambem o Armenio .lJ!fq.Uheus:
embaixador do Abexi, que vinha P.ara
a Portugal com. cartas, e recados d'aquelle
prncipe: e outro mbaixador do Rei de or:.
muz que vinh.a com o mesmo destino.
Nos-fins de 1512, e princpios de 1513
ajustou capitulaes de paz com o amori de
Calecut, o qual consentio que ali fundassernos
logo fortaleza, e despachou dous embaixado-
res seus a Lisboa.
Restituio o Rei das Maldivas posse de
algumas ilhas, que lhe andavo usurpadas, e
o RPi se fez vassallo, e tributario de Por-
tugal.
Navegou depois para o golfo ara bico, e
entrou as suas portas pela parte da Arabia:
tomou a ilha de Camaram: collocou hum pa-
dro na ilha de Mehum s portas do Estreito,
com a denominao de Vera-Cruz; e mandou
Ruy Gaivam, e Joo Gomes a descobrirZeila.
No mesmo anno de 1513 foi enviado ao
123
Albuquerque hum Judeo po.rtuguez do Cair(,),
morador em Jerusalem, inaridado pelo- Gur-
dio do convento de S. Francisco da Santa
Cidade, para o avisar das ameaas que fazia
o Soldo do Egypto, das q u a e ~ j fallms
no anno de 1504. Albuquerque dirigiti este
mensageiro a Portugal, aonde elRei recebeo,
ou tinha recebido outros similhantes avisos
por via de Roma," e.por cartas do S. Padre,
que parecia rriui assustado 'aquellas amea-
as. ElRei D. Manoel respondeo com a di-
gnidade que devia, desprezando os feros ,'re
ameaas do Soldo. Dizia ao Papa que sentia
muito no ter dado ao Soldo n1ais, e maio-
res motivos: de seu desgosto, e queixumes;
&c. E foi continuando em seu plano. (Goes ,
Chron. de elRei D. Manoel. part. I. cap. _93.,
&c.) . . -
A este anno de 1513 reduzimos o desco-
brimento da ilha de Mascarenhas, a ste de
Madagascar: porque constando que ella fra
descoberta por Pedro de Mascarenhas, de
cujo appellido tomou o nome, no sabemos
que este fidalgo passasse India seno em
15II; chegando a Moambique em 1512, pelo
que ou nesse mesmo anno, ou no de 1513 a
descobriria, segundo nossa conjectura. Com-
124
tudo alguns geografo estrangeiros a suppem
descoberta em 1505, e Malte Brun assigna
ao descobrimento o anno de 1545, no que
parece haver manifesto engano.
Esta ilha he a mesma que os Francezes
chamro de Bourbon , quando della se apos-
sro: mudana de nome, que smente pde
servir para escurecer a memoria do descobri
dor : mas no nos admiremos. Esta mesma
ilha a que os Francezes tirro o nome de
Mascarenhas, e. dero o de Bourbon, foi por
elles mesmos , e po espao de poucos annos ,
chamada ilha da Reunio; logo depois 1:lha Bo-
naparte; mais depois outra vez ilha de Bour
bon ; e ao presente dever admirar, que se
lhe no tenha dado o nome de ilha de Orleans!.
Os Portuguezes a povoro de
mesticos, e muitas hio ali as nos pro-
ver-se de refresco.
125
NNO DE 1513 .
.....
s Portuguezes commandados pelo Du-
que de Bragana D. Jayme, conquistro
neste anno Azamor, Tite, e .Almedina, na
Mauritania Tingitana, sobre a costa do Atlan-
tico. r
Diz Dam. de Goes, que a armada cons-
tava de mais de 400 velas de todos os portes,
e que hio nella 18:000 infantes, e 2:500 ca-
vallos , alm da gente da manobra e servio
do mar. Esta grande armada apromptou-se
em quatro mezes e meio.
')
''
126
ANNO DE 1514.
M4ND .u elR.ei ao oriente duas nos,
es Luiz Figl,leira, e Pedro Saiies .Fran-
com o determinado intento de concerta-
rem ajustes de corrunercQ com os habitantes
da ilha de S. .Loureno , e levantarem forta-
leza em M (atana .. Os dous capites estiyero
de 6 1Jlezes neste p.orto ;. mas retiraro
se sem outro. effeito. (
.... . - . . . . . . - ' - -
f
- ...__ ,,
Em Fevereiro deste anno recebeo elRei
em Lisboa o Armenio Mattheus, embaixador
de David Rei da Ethiopia sobre o Egypto,
com cartas deste prncipe, e de sua Av He-
lena. Mattheus tinha precedentemente chega-
do a Ga para d'ali vir a Portugal, e dava no-
ticia de tres Portuguezes , que estavo na
Ethiopia, hum, por nome Joo, que havia
muito tempo tinha sido mandado por hum Rei
d Portugal, e os outros dous que de pouco
tempo tinho l chegado.
Recebeo tambem elRei o embaixador do
Rei de Ormuz.
Veio a Lisboa hum Naire mandado a
elRei pelo amori de Calecut para aprender
127
a portugue .a, e andar na crte , e
os costumes. portuguezes. Este N aire recebeo
o baptismo, e tomou o nome de D. Joo.
Neste mesmo anno , em hum domingo ,
t2 .de Maro foi apresentado ao Papa Leo X.,
em nome deelRei de Portgal, hum riquis- >
simo presente (insolita ac prorsu, magnifica
munera) em que hio muitas c.ousas ricas e
preciosas_ da Azia, e algumas curiosidades-
d'aquellas terras, c.omo era, por exemplo, hum
elefante govetnad por hum Indio, e -hum .
persio com sua ona de caa, da.diva
do Rei de Ormuz, &c. Foi embaixador- de
elR_ei a Roma Tristo da Cunha,. -
dos Doutores Diogo Pacheco., e Joo .de Fa-
ria, e levando por 'Secretario .da embaixada
Garcia de Rezende.
i.
l I
11
128
NNO DE 1515 .
....
NESTE anno o g;ande Albuquerque pz
definitivamente obediencia de elRei de Por'-
tugal a importante cidade de Ormuz: rece-
beo nella com grande solemnidade o embai-
xador. do Schach Ismael, Rei da Persia: e
mandou com o mesmo caracter crte de
Ispahan. Fernam Gomes de Lemos, se hor
da Trofa.
Fernam Gomes j estava de volta na ln-
dia em 151 7, e 'de Cochim" mandou a elRei
hum Livro em que dava conta da sua embai-
xada , e do caminho que fizera. -
Neste mesmo anno, o grande Affonso de
Albuquerque, este no menos homem de es-
tado, que insigne capito, vindo de Ormuz
para Ga , falleceo no mar vista de Ga,
em domingo 16 de Dezembro, aos 63 annos
de sua idade.
Nos seis annos do seu governo fundou ,
e firmou o imperio portuguez do oriente pela
conquista dos tres importantes pontos de Ga,
Jl;lalaca, e Ormuz, que na sua vasta ida
abrangio todo o commercio do oriente, e
129
faEio os Portuguezes senhores de seus mares,
e de suas ricas e variadas produces.
Malaca era o emporio geral a que con-
corria o cravo das Malucas, a nz de Banda,
o $andalo de Timo;, a canfora de Borneo, o
ouro 'de amatra, e do Lequi, e as gommas,
aromas, e mais mercadorias preciosas da Chi-
na, do Japo, de Siam, de Peg, 9'c.
Ga reunia ao que lhe vinha de lJ;[alaca
os estofos de Bengala, as perolas de Kalckar,
os diamantes de Narsinga, a canella e rubis
de Ceililo, a pimenta, gengibre, e outras es-
peciarias do Malabar, que at ento enrique-
cio Calecut, Cambaya, e Ormuz.
Ormuz finalmente era como entreposto,
aonde se todas as produces da
lndia, e mais paizes orientaes para d'ahi pas-
pelo golfo persico a Bassora, e logo
em caravanas Armenia, Trebonda, Alepo,
Damasco, 9'c.
J dissemos muito em summa, este
grande homem extendeo, e ampliou em todo
o oriente o nome Portuguez, mandando em-
baixadores, e descobridores aos paizes mais
remotos, ajustando pazes, e commercio com
muitos prncipes, e recebendo de todos elles
testemunhos de respeito. Muitos delles dero
mosti:as de grande sentimento pela sua mor-
te,. e alguns tornro lucto por ella ... Nunca
9
130
-
a inveja e a ingratido sacrificro mais illus-
tre victima!
Albuquerque era mui douto nos estudos
astronomicos, cosmograficos, e nauticos, c o ~
mo educado que fra na escla portugueza
d'aquelles felices, e saudosos tempos: e fre-
quentes vezes propunha difficeis problemas
nestas sciencias ao grande geometra portu-
guez Pedro Nunes. '
Alguns escriptores estrangeiros lhe attri-
buem o pensamento e projecto de derivar o
Nilo para o golfo arabico , com o fim de rlar
hum grande golpe no poder do Soldo do
Egypto.
Hum filho deste illustre capito, por no-
me Braz de Albuquerque, a quem e l R ~ i D.
Manoel mandou tomar o nome de A.ffonso em
memoria de seu Pai, escreveo " Com menta-
rios de A.ffonso de Albuquerque " que se Im-
primro em Lisboa em 1576, em foi.
131
NNO DE 1516.
liiiiD ..
PRIMEIRO Portuguez (diz hum escri-
ptor antigo) que descobri o o reino da Cau-
chinchz"na foi Duarte Coelho, aos J 8 annos da
nossa entrada na lndia , deixando em memo-
ria disso hum padro com o seu nome , e
tempo do descobrimento. Este fidalgo teve
depois em remunerao dos seus servios da
lndia as terras da capitania de Pernambuco
no Brazil, que comeou a povoar,_ quando se
resolveo a colonisao d'aquelle grande con-
tinente' como em seu lugar tocaremos.
Neste anno de 1516 acabou de escrever
o seu Livro Duarte Barbosa , descrevendo
nelle a maior parte de nossos descobrimen-
tos, e s lugares e portos desde o cabo de
S. Sebastio at aos Lequios, &c. (Vej. a
edio da Academ. R. das Scienc. que o Im-
primio em 1813.)
No se nos estranhar, que faamos aqui
meno dP tres nobres Sarmatas, que movidos
9 *
132
da grande fama, que corria do nome de elRei
D. Manoel entre aquelles pvos, viero a
Lisboa com o unico intento de verem hum
to grande principe, e de receberem delle a
Ordem da Cavallaria. EIRei os armou caval-
leiros neste anno de 1516 , e c o ~ 1 generosas
dadivas os despedio contentes. Isto prova (a
nosso parecer) o brado que davo pela Eu-
ropa os nossos descobrimentos, e navegaes,
que os escriptores estrangeiros trato hoje
com tanto desdm , e quasi desprezo. (Goes,
Chron. de elRei D. Man.)
133
DE 1517. .
F ERNAM Peres de Andrade, mandado
China, tocou Pacm na ilha de amatra, onde
os Portuguezes j tinho. commercio;
tou com o Rei de Patane, e neste anno
de 1517 passou . China , aportando primeiro
ilha de Tamou, a pouca distancia do conti-
nente d'aquelle grande imperio. Chegando ao
continente , fez ajustes de paz e commercio
com os Cantam, e lanou
em terra o embaixador que levava com esse
destino, por nome Thom Pires, o qual de-
pois de quatro mezes de entrou na
crte de Nanquim. Fernam Mendes Pinto
ainda encontrou na China huma filha deste
embaixador, e hum Vasco Calvo, que o tinha
acompanhado na sua infeliz misso. (Vej. as
Peregrinaes de Fern. Mend. Pinto cap. 91.
e ll6.) Fernam Peres de Andrade voltou "da
China com S,imo de Alc;1ova, e J orge 1\ias-
carenhas, e lndia em 1519. (Vej.
Castanh. liv. 4. cap. 27. e _segg., e liv. 5.
cap. 80., &c.) (
o;;; e &;o
Neste mesmo anno foi expugnada e des-
trui da a cidade de Zeila s portas estreito
134
do golfo arabico , da parte de Africa. ( Livt".
de Duarte Barbosa, art. Zeila.)
O Sch da Persia mandou embaixador a
Portugal pedin.do a elRei a sua amisade , e
a.nnunciando as disposies, em que estava,
de ligar-se com S. Alteza contra os Turcos
inimigos de ambos. Pelo mesmo tempo che-
gavo avisos dos cavalleiros de Rhodes, pre-
venindo a elRei da armada, que se aprestava
no Egypto contra os Portuguezes da India.
No mesmo anno falleceo na ilha de Ga-
maram, dentro do golfo arabico, Duarte- Gal-
vo, mandado .por elRei D. Manoel como
seu embaixador Abyssinia, onde no che-
gou a entrar.
Depois de Fernam Peres estar em Can-
tam, foi Jorge Mascarenhas, de seu mandado,
descobrir huma terra mui grande ao sueste,
que se chamava Lequia. (Castanh., Hist. da
India liv. 4. cap. 40.) (Vej. adiante anno de
1544.)
. 135
ANNO DE 1518.

DuARTE Coelho de Albuquerque (de
quem j fallmos aos annos 1511 e J 5 J 6) as,..
sentou paz, e commercio com ,o Rei de Siam,
e levantou na c6rte de l/odi hmn
com as quinas portuguezas. (Barros. 3. 'l. 1.)
Passou depois ao reino de Pam, cujo
Rei se fez tributario a Portugal, como d'antes
o era ao Rei de ./Jtlalaca. ( Ihl.)
Fundou-se em Co!umbo fortaleza. (Cas-
tanh. li v. 4. cap. 42. e 43.)
O Papa Leo X. concedeo por hum seu
Breve, que se podessem ordenar de Sacerdo-
tes os Ethiopes, e Indios, que concorrio
em Lisboa; a fim de serem uteis Religio,
quando vol ,Assern a suas patrias.
Em deste anno Q.e 1518 foi
despachado D. Tristo de .Menezes a Maluco
com cartas e presentes de elRei de Portugal
para os Reis d'aquellas ilhas, e para assentar
com elles o trato do cravo. {Castanh. liv. 4.
cap. 47.
136
ANNO DE 1519.
ANTONIO Corra ajustou paz, e amiza-
de com o Rei de Peg. (Breve Discurs. em
que se conta a Conquista de Pegtt pelos Portu-
guezes, edio de 1829. 12.)
A I o de Agosto deste anno comeou a
sua famosa viagem o illustre cavalleiro Por-
tuguez Fernam de Magalhes, que por des-
gosto se desnaturalisou de Portugal, e foi of-
ferecer seus servios a Cas'tella.
A derrota e os varios successos ar-
mada pdem vr-se no Roteiro, ha pouco im-
press-o na" Colleco de Noticias para a histo-
ria , e geografia das naes ultramarinas " da
Academ. R. das Scienc. de Lisboa, vol. 4."
num. 2. que nos dispensa de aqui repetirmos
a sua descripo.
Das cinco nos , de que constava a ar-
mada, h uma s voltou Europa, e a Sevi-
lha , a no a primeira que fez hum
giro inteiro roda do globo da terra. O insi-
gne , e -intrepido capito foi morto em h uma
das Filipinas, sem ter o gosto de vr o fim
sua arrojada empreza.
137
Duarte Resende, que ento servia de fei.,.
tor de Portugal em Ternate, e que teve em
sua mo os papeis' e roteiros da viagem ' es-
creveo hum " Tratado da navegau de Fer-
nam de Magalhes" que offereceo a .Joo de
Barros.
138
NNO DE 1520.
()GovERNADOR da India, hindo ao golfo
ambico, sondou e medio o porto e ilha de
JJlau, aonde elRei mandava levantar forta-
leza. Ajustou e amizade com o Barna-
gaes, que pelo Abexi governava aquella pro-
vncia, e entregou o embaixador de Ethiopia
l\1attheus, que em 1515 tinha sabido de Lisboa
em companhia de Duarte Gaivo, e que s
agora pde ser restitudo Abyssinia no porto
de Arquico.
Ahi mesmo sahio em terra D. Rodrigo
de Lima, mandado embaixador de eiR:ei
Ahyssinia, por ter fallecido Duarte Gaivo ,
como notmos ao anno de 151 7.
Com D. Rodrigo foi, entre outros Por-
tuguezes, o P. Alvares, que havia
sabido de Portugal com Gaivo, como Capei-
Io da embaixada, e depois escreveo " Ver-
dadeira informao das terras do Preste Joo
das Indias" Obra que se imprimio em Lisboa
em 1540, e se traduzio em varias lnguas.
139
ANNO DE 1521 . .
NESTE a ~ n o despachou elRei tres nos,
capito-mr Sebastio de Sousa de Elvas com
ordem de hir ilha de S. Loureno, e levan-
tar fortaleza no porto de Matatana. Este proje-
cto no teve 'execuo, por se haver desgar-
rado o navio, que levava os materiaes da o b ~ a .
O Rei de Pacm, restitudo pelas armas
portuguezas aos seus estados, que lhe anda-
vo usurpados, fez-se tributario a Portugal,
e consentio que os Portuguezes levantassem
fortaleza no seu porto. Foi capito desta ex-
pedio Jorge de Albuquerque.
Antonio Corra, com alguns Portugue-
zes, restituio a ilha de Baharem, no golfo
persico, vassallagem do Rei de Ormuz, ma-
tando em guerra o Rei usurpador. Por esta
expedio teve Antonio Corra o appellido
de Baharem, e no seu escudo de armas huma
cabea de mouro coroada , cortada em verme-
lho, com cora de ouro. (Castanh. Jiv. 5. cap.
59. Goes, 9-'c.)
Fundou-se a fortaleza de Chaul .

Neste mesmo anno de J 521, querendo
elRei D. Manoel executar hum projecto, que
140
muito d'antes tinha meditado, mandou ao Con-
go Gregorio de Quadra com ordem de inves-
tigar o caminho de Congo para Abyssinia,
atravessando a Africa. O Quadra achou no
Congo embaraos ordidos pela inveja e male-
volencia, e. como voltasse a Portugal para os
remover, soube que elRei tinha fallecido, e
o projecto desvarieceo-se. (Goes, Chron. de
elR D. JYian. r. 4. cap. 54.)
141
NNO DE 1521 ..
. NESTE anno de 1521 a 13 de Dezem-
bro falleceo elRei D. Manoel, appellidado
entre ns o Venturoso. Delle dizem alguns
escriptores que deixra de sua propria compo-
sio " Commentarios dos successos da India. "
Succedeo-lhe no throno elRei D. Joo III.
seu filho.
Ao tempo do fallecimento deste feliz Mo-
narca, ero tributarios Cora de Portugal
muitos Reis, e Principes do oriente, e tinha-
mos fundado na India muitas fortalezas em
differentes portos.
Em Africa na Mauritania , s cidades e
fortalezas ganhadas por seus antecessores ,
accrescentou ajim, Azamor, e outras, e fez
tributarias algumas provincias at alm de
Marrocos.
N B. Nas primeiras ordens de elRei
D. Joo III. que chegro India, mandava .
elle, que nenhuma fortaleza, das que e IRei seu
Pm: mandava fazer de novo, se .fizesse; porm
que as que estivessem comeadas se acabassem
(Castanh. Hist. da India liv. 5. cap. 79:)
REI:NA:CO :CE ELREI :C. JOO. III. ,
1521-1557.
144
NNO DE 1522.
NESTE armo lanro os Portuguezes
os primeiros fundamentos cidade de S. Tho-
m, a pouca distancia da antiga Meliapdr,
na costa de Coromandel, aonde j tinho al-
gum commercio desde o anuo de 1514.
Antonio de Brito fundou a fortaleza de
Ternate nas Molucas, e ajustou artigos de
paz, e commercio com a Rainha que por seu
filho menor governava a ilha. Comeou-se a
fortaleza a 24 de Junho de 1522. (Castanh.
liv. 6. cap. 12.)
-
N. B. Antes deste anno, e depois delle,
j os Portuguezes tinho descoberto e conti-
nmro a descobrir muitas das ilhas d'aquelle
vastssimo archipelago, p ~ s t o que ignoramos
as datas precisas de muitos dos descobrimen-
tos. Estes porm faro em tanto numero, que
j<. hum antigo escriptor portuguez queria que
se lhes dsse o nome de Asia Insulm, e que
se distribussem em cinco provncias , a s ~
ber wprovincia de ]}faluco, de Amboino, do
Moro, dos Papus, e das Celebes, ou Macas-
sar. , Pelo que no parece de todo original a
1
145
lembrana dos modernos geografos, que tem
feito de todas aquellas terras , e mares huma
quinta parte do mundo, a que do o nome de
Oceania, dividindo-a em Austmlasia, Polinesia,
e Asia Insular.
. '
. '
lil* .
A este mesmo anno se deve referir o
principio das Viagens de Antonio Tenreiro.
Sahio este Portuguez de Ormuz em compa-
nhia de Balthazar Pessoa, que de
do governador. da India D. Duarte de
zes hia por embaixador Persia. Esteve na
Persia, passou < .Armenia, veio Syria, ao
Cairo , a Alexandria, ilha de De
Chipre voltou ao continente, e logo a Ormuz
por terra, e ficando ahi ci_nco, ou seis annos,
(como elle mesmo diz) tornou a sahir para
vir por terra a Portugal, com recados a elRei,
sobre a armada do Turco, sendo governador
da ltidia Lopo Vaz de Sampaio, e capito de
Ormuz Christovo de Mendoa. Sahio de
Ormuz nos fins de Setembro de 1628, e che-
gou a Portugal no anno seguinte, com alguns
mezes de viagem. Elle escreveo o seu
Itinerario, que se imprimio em Coimbra em
1560, e depois de outras reimpresses, sahio
novamente luz em Lisboa, em 1829.
10
146
NNO PE
,,
elRei D. Joo III. doao do reino
de Ormuz a Mahumee Xaa, filho mais velho
de elRei afadim Abanader, em 19 de Agosto
de&.te anpo de 1623, e na carta de doao usa
do dictado " Rei de . Portugal e dos Algarves
d' aquem e d' aln mar em Africa , Senhor de
Guin e da Conquista, Navegao e Commercio
Ethiopia, Arabia, Persia, e India, e Senhor
do reino e senhorio de Malaca, e do reino e se-
nhorio de Ga , e do reino. e senhorio de Or-
muz, ( Dissert. Chronol. e Crit., tom 3.
part. 2. pag. 203.)
Expugnro os Portuguezes a cidade ..de
Xael ..
l \.
147
NNO DE 1524 ..
IIi
. . F 01 terceira vez lndia com o titulo
de Vice-Rei o Almirante D. Vasco da Gama,
j ento Conde da Vidigeira; porm aos tres
.mezes e vinte dias da sua estada na lndia ,
falleceo em Cochim a 25 de Dezembro deste
anno. Os seus ossos viero para Portugal, e
foro sepultados no convento carmelitano da
Vidigueira, na igreja, ao lado do Evangelho.
Heitor da Silveira ajustou pazes com o
Rei de Adem, que se fez tributario a Por-
tugal. Estas pazes no durro muito
_,.
lO *
148
.ANNO DE 1525.
ANTONIO de Brito, capito de
armou hum a fusta com 2 5 Portuguezes, piloto
Gomes de e a mandou com fazen-
das s ilhas Celebes, aonde se dizia .que havia
muito ouro. Os Portuguezes foro ao princi-
pio bem recebidos dos insulares; mas sendo
depois obrigados a sahir d'ali, e navegando
com. grandes tormentas, _foi_ a fusta arrojada
a hum mar largo, e desconhecido, e havendo
corrido obra de 300 leguas a lste, achou-se
em frente de huma grande , e formos_a ilha,
que do nome do piloto (diz a Relao que se-
guimos) se ficou chamando ilha de Gomes de
Sequeira , e aonde os Portuguezes achro
bom acolhimento.
Aqui (diz a mesma Relao) achro ho-
nuns mais alvos que mme1ws , cabellos corre-
dz'os , barbas extendidas , presena agradavel ,
corpos enxutos , e grande candura , e simplici-
dade no trato , de maneira, que a ilha se pode-
ria bem chamar " ilha da- simplicidade , pela
mansido, e bondade de seus habitantes. V es-
tio humas tunicas interiores de esteira mui
fina , e outras sobre-vestes tecidas em tranas
mais grossas , sem talho algum , e cobrindo to
149
smente da cintu1a at aos pe's. Sustentavo-se
de inhames , legu-mes , cocos , banan's , &c.
Os Portuguezes clemorro-se quatro me-
zes nesta bella ilha , e o piloto a demarcou
na sua carta; mas logo que tivero mono,
sahro della (a 20 de Janeiro de 1526) e vol-
tro a Ternate.
Parece-nos haver alguma analogia entre
o caracter, costumes , e usos destes insula-
res, e os da ilha, que os castelhanos depois
denominro ilha da hella nao, situada a
13 austr., e descripla na Relao de Fer-
nando de Queir<;>z, citada por Buffon, na Hist.
natur. de l' homme. (V ej. Andrade , Chron. de
elRei D. Joo III. P. I. cap. 92. , e o Oriente
Conquist. do P. Sousa: e veja-se tambem Cas-
tanheda' liv. 6. cap. 127.)
.Alguns escriptores estrangeiros dizem,
CJIIe neste anno , ou ainda antes , fra desco-
berta pelos Portuguezes a grande terra, que
depois se chamou Nova Hollanda: a qual fi-
cando por ento em esquecimento , fra de-
pois reconhecida pelos Hollandezes desde 1616
em diante por varias vezes. Pde v ~ r - s e o que
diz a este respeito o illustre geografo Malte
Brun no liv. 23. da liiston:a da Geograf. pag.
150
630 , aonde no duvda affirmar que os di1ei-
tos dos Portuguezes honra deste descobrimen-
to vem de receber nova luz por duas antigas
cartas, que se ach"'o no Museu Britannico, ~ c .
151
NNO DE 1526. v
NESTE anno hindo D. Jorge de Mene-:
zes para Maluco, foi mandado tomar o cami-
nho de Borneo, e descobrir esta navegaQ
1
como mais commoda, que a que se costumava
fazer p_or Banda.
Com este desgnio foi dar a travs das
ilhas do Moro, e em huma noite, que o vento
foi calma, escorreo tanto com as grandes cor-
rentes que ha por entre aquellas ilhas, que
foi parar ao grande golfo do estreito de Jl!Iaga-
lhes' aonde com rijo temporal foi arrojado
terra dos Papus. Aqui, forado dos ventos
de oeste, invernou, e demorou-se tanto tempo
que s pde chegar a Maluco em lV(aio de
1527. (Andrade, Chron. de D. Joo III. P. 2.
cap. 19. Veja-se Barros, Dec. 4.liv. I. cap. 16.)
Neste mesmo anno entrou effectivamente
em Borneo Vasco Loureno, achando j nesta
ilha outro capito Portuguez.
No golfo ara bico se fizero tributarias a
Portugal as ilhas de Mau, e de Dalaca.
Sahio da _EtMopia D. Rodrigo de Lima
152
(v. armo de 1520): e o imperador David en-
viou a e IRei por seu embaixador Ziigata-Ab,
sacerdote, e bispo ( que-os nossos escriptores
commummente chamo Zagazabo) com cartas
para elRei D. Joo III., e para o Papa Cle-
mente VII. , datadas do anno de 1524. Com
este embaixador voltou ao reino o P. Fran-
cisco Alvarez, de quem fizemos meno ao
referido anno de 152.0.
153
NNO DE 1527 ..
NESTE anno Diogo Garcia, Portuguez,
que andava no servio de Castella, navegando
para o sul, aportou hum pouco afastado da
bca do Uruguay: e achando ali os navios de
Sebastio Caboto, e sabendo qne este tinha
subido pelo Paraguay, subio tampem com as
suas lanchas at muito acima da confiuencia
do Parann, aonde o encontrou acabando de
construir o Fortim de Santa Anna, e ahi de-
ro ambos ao Paraguay o nome de Rio da
Prata , por verem alguns pedaos deste me-
tal nas mos dos indigenas. (Gaeth, Herre-
ra, gc.)
Henrique Gomes Leme entrou na ilha da
Sunda, cujo Rei offereceo lugar para huma
fortaleza, e dar de tributo 350 quintaes de
pimenta em cada anno. Este ajuste porm
no' teve effeito.
'iiill;a
O Rei de Binto restituido pelas armas
portuguezas aos seus estados, fez-se tributa-
rio a Portugal.
Nuno da -Cunha fez tributario o Rei de
Mombaa. (Barros 4. 3. 5.)
154
Belchior de Sousa Tavares foi em auxi-
lio do Rei de Baor contra o de Gizaira, e
(oi o primeiro Portuguez, que entrou pelos
e Eufrates.
)
.- ,,
.1
155
A.NNO DE 1529.
NESTE anno a 22 de Abril foi celebra-
da a Capitulao de Saragoa entre Portugal
e Hespanha, pela qual o Imperador Carlos V.
Rei de Castella vendeo a elRei de Portugal
o domnio, propriedade, posse, ou quasi posse
das Molucas por 350:000 ducados de ouro,
com condio que pagando elRei de CastelJa
integrahnente esta quantia, ficario as partes
contratantes cada huma com o direito e aco
que ao tempo do contracto tinha, ou preten-
dia ter naquelJas ilhas. Vem este notavel Con-
1
tracto por integra na Colleco das Viagens_e
Descobrimentos dos Hespanhoes por D. M. F._
de Navarrete, tom 4. pag. 389.
156
NNO DE 1530.
--
A 20 de Novembro deste anno so da-
tadas as Cartas Regias, pelas quaes elRei
mandou, que Martim Affonso de Sousa sa-
hisse com_ huma armada a investigar as cos-
tas e. ~ e r r a s do Brazil, autorisando-o para re-
partir terrenos quelles que nellas quizessem
habitar. (Veja-se o Diario desta navegao,
ha pouco publicado pelo Sr. Francisco Adolfo
de Varnhagen com nui eruditas e interessan-
tes Notas.)
Aqui se deve fixar (a nosso parecer) a
poca da Colonisao do Brazil, que logo de-
pois se. continuou com regularidade.
Martim Affonso reconheceo nesta viagem
o Rio de Janeiro, chegou ao Rio da Prata ,
descobrio a 30 austr. o rio que do seu nome
se ficou chamando Rio de Martim Alfonso; e
a 22 de Janeiro de 1532, dia de S. Vicente,
surgio no porto de S. V1nte, aonde lanou
os fundamentos primeira Colonia Portugueza
do Brazil.
15i
NNO DE 1533.
Nos principios deste anno foi Nuno da
Cunha com huma armada de cousa de 80 ve-
las sobre Baaim, e alcanando gloriosa vi-
ctoria, tomou e destruio a fortaleza que ali
tinha levantado o Rei de Cam baya. ( Castanh.
liv. 8. cap. 59. e 62.)
158
NNO DE, 1534 E 1535.
RE.I de Cambaya implorando o auxi-
lio das armas portuguezas contra os Magores,
cedeo a Portugal Baaim com todas as suas
terras , e portos martimos.
Permittio tambem que os Portuguezes
fundassem em Diu a fortaleza, que tanto de-
sejavo, e que depois lhes foi to pertinaz-
mente disputada. Fundou-a o governador da
lndia Nuno da Cunha. E como todos sabio
quanto elRei de Portugal era empenhado em
ter ali fortaleza, hum Diogo Botelho, que-
rendo adiantar-se a lhe trazer to grata noti-
cia, veio, quasi furtivamente, da India a Lis-
boa em huma fusta de 18 ps de comprido, 6
de largo, e 4 de alto, trazendo a elRei a
planta de Diu , e os artigos da capitulao:
viagem que maravilhou a todos, e que certa-
mente merece esta memoria. ( Annaes da Ma-
rinh. Portugueza ao anno de 1535.)
'Em 1534 navegou para a lndia Garcia
de Horta, Portuguez, que l escreveo, e im-
primio em Ga em 1563 o Colloquio sobre as
159
drogas e simp ices do Oriente, obra que deve
ser dos naturalistas. -

No mesmo anno de 1534 chegou India
1.\'Iartim 'Affonso de Sousa com o cargo de ca-
pito-mr do mar da India levando armada
em que tamb!3m hia Diogo Lopes de Sousa
seu irmo. (Barros 4. 4.' 27.) Mandou arrazar
. a fortaleza de Damam , e correo a costa at
Diu, fazendo grande guerra a Cambaya .
. _
'

160
NNO DE 1536.
FRANcisco de Castro, mandado pelo ii-
lustre capito das Molucas Antonio Gaivo a
JYiacassar-, foi levado pelos ventos I o o leguas
ao norte das Molucas, e a portou ilha. San-
tigano, d'onde passou s outras ilhas Soligano,
ftft:ndano, Buticano, Pimilar-ano, e Camizino.
Desta viagem resultou fazerem-se muitos
christos por aq uellas ilhas : e como concor-
ressem a Ternate em grande numero, pedindo
o baptismo, fundou o insigne e virtuoso Gal-
vo ahi hum seminario , em que se recolhes-
sem e instrussem os meninos, que d'aqellas
diversas gentes viessem a doutrinar-se na re-
. ligio christa. Fundao memoravel! que foi
a primeira de nossas conquistas, e honrar
em todo o tempo a memoria do fundador .

161
NNO DE 1537.
o celebre Fernam Mendes
Pinto as suas extensas peregriq.aes, cm qu
desde a salla at volta de Portu-
gal 21 annos, reolhando-se ao reino em 1559.
Imprimiro-s estas Pe'regrinaes em Lisboa
em 1614, e depois de varias reimpresses,
sahro novamente luz em Lisboa, 1829, 4
vol. 12.
Fernam Mendes, sendo mandado a Ca:..
:.
inatra, pelos annos de 1540 ou I 541; e vol-
tando a Malaca, informou o capito Portu-
guez de tudo que lhe succedra na viagem,
tratand miudamente do descobrimento dos
rios, porto8, e angras, que novamente achra
na ilha amatra, assim da parte do mar me-
diterraneo, como d oceano, e do trato da
gente que habitava aque]Jas terras. E arru-
mou. por suas alturas toda aquella costa, com
seus portos' e rios, &c:. (Vej. Peregn"naes,
cap. 20.)
I1
;
162
NNO DE 1538 .
......
POR este tempo viero a Lisboa quatro
prin-cipaes Malabares, ou Paravs da costa da
Pescaria com o fim de aprenderem a lingua
portugueza, e poderem ser melhor instruidos
na doutrina da religio.- ElRei os mandou re-
colher na Casa de Santo Eloy; com os Ethio-
pes nobres do Congo, que nella tambem es-
tudavo. Para elles compz Joo de Barros a
sua " Grammatica_ da Lingua Portugueza "
que s imprimio em 1539.
No mesmo anuo de 1538 foi o primeiro
cerco da fortaleza de Diu, defendida heroi-
camente por Antonio da Silveira contra as
forcas reunidas dos Guzarates
1
e Turcos.
> -
Quando o illustre capito chegou a Lisboa
recebeo o parabem de alguns Soberanos da
Europa por seus embaixadores, e refere a_
historia, que elRei de Frana Francisco I.
tnandou tirar o retrato do heroe, e o fez coi-
locar em huma sala do seu palacio entre ou-.
tros de famosos vares; que tinho merecido
a mesma honra. Lopo de Sousa Coutinho es-
creveo a historia deste cerco, que se impri-
mio em Coimbra, em 1556, e he obra rara.
163 .
NNO DE 1540.
A EsTE anno referem Diogo de Couto,
e Lucena o ,descobrimento das ilhas Celcbes
pelos Portuguezes: o que se deve entender
de hum mais largo conhecimento ou trato
d'aquellas ilhas, porque os Portuguezes j as
tinho achado , e tocado em 152 5 , como dis..:
semos a esse anno.
O Rei de Cota em Ceilo, no tendo filho
que lhe succedesse, mandou embaixadores
a elRei D. Joo III. rogando-lhe houvesse
por bem que a successo passasse ao neto.
Os embaixadores trazio a estatua deste fu-
turo successor, de ouro; e elRei o coroou so..:
lemnemente em Lisboa, impondo huma pre..:
ciosa cora sbre a cabea da estatua.
Fundou Fr. Vicente de Lagos, frade me-
nor de S. Francisco , o C o l l e g ~ o de Santiago
de Cranganor, para nelle serem educados 80
mancebos, filhos de gentios convertidos. Este
Collegio foi depois dotado por elRei de Por-
tugal.
11 i!t
16--J:
NNO DE 1541.
F 01 neste anno a expedio, em que o
governador da India D. Estevo da Gama
navegou com huma grande armada todo o
' golfo arabico ate' Sue's, com o intento de des-
truir a armada dos Turcos que ali estava an-
corada:
Em frente do monte Sinai sahio em t e r ~
ra, e armou alguns cavalleiros, entre elles
D. Alvaro de Castro, filho de D. Joo de
Castro, e D. Luiz de Ataide, que depois foi
Vice-Rei da India: A isto alludia o letreiro,
que se escreveo sbre- a sepultura de D. Es-
tevo da Gama:
" O que armou cavalleiros no monte
'' Sinai veio acabar aqui. "
O grande D. Joo de Castro, que hia na
expedio por capito de hum dos navios da
armada, sondou, examinou, e arrumou os por-
tos, enseadas, rios, costas, e lugares d'aquelle
mar , e escreveo o Roteiro do mar vermelho,
com huma exaco, miudeza, e verdade, que
no tem sido excedida dos modernos. Este
Roteiro imprimio-se em Pars no anno de
1833. 8.
0
165
No mesmo anno foi a outra expedio de
D. Christovo da Gama com 500 Portuguezes
em auxilio do Abexi, os quaes D. Estevo da
Gama lanou em terra no porto de Mau.
Miguel de Castanhoso que hia nesta expedi-
o, escreveo os successos della, dos quaes
tambem tratou D. Joo Bermudes patriarcha
da Etltiopia n:l sua Relao offerecida a elRei
de Portugal D. Sebastio.
Fundou-se neste mesmo anno o Semina-
rio de Santa F de Ga, para nelle serem
educados e instruidos os neofitos gentios, e
os meninos christos , filhos de gentios con-
vertidos dos varios reinos d'aquelle Oriente.
Nos papeis primitivos da fundao se nome-
vo. os meninos dos Canarins , Decanis do
n o r t ~ , ft'Ialabares, Chingalas, Bengalas, Pe-
gs, ft'Ialaios, Jos, Chinas, e Abexis, por onde
se v quantas, e quam vastas regies, e p-
vos tinhp j ento trato com os Portuguezes.
166
NNO DE 1542.
ANTONIO da Motta, Francisco Zeimo-
to, e Antonip Peixoto, navegando para a Chi-
na, foro arrojados pelo temporal s costas
do Japo, onde tomro porto. Pelo mesmo
~ e m p o aportro tambem a Japo Fernam
Mendes Pinto, Christovo Borralho, e Diogq
Zeimoto.
Neste mesmo anno entrou na lndia o
Santo Xavier, appellidado o novo apostolo do
Oriente.
EIRei D. Joo III. mandava ao desco-
brimento da ilha do Ouro, qqe se dizia estar
no oceano oriental a 5o lat. austr. , e a 150 le-
guas de amatra. Esta expedio no chegou
a effetuar-se.
Por este tempo tinho j os Portuguezes
hum consideravel estabelecimento, a que da-
vo o ~ o me de cidade, em Liamp (ou Limp,
ou aQtes Nim-p) na costa oriental da China
167
a '30 septemtr. J!'aqui passro a fazer outro
estabelecimento em Chincho pelos annos 1549,
e ultimamente viero ,a fundar o de Maco,
na ponta do sul da ilha de Gaoxam (ou Yan-
. .xan) em 1557, de que adiante se.fallar.
168
ANNO DE 1544.
ANTONIO de Paiva entrou na de
Macass, e passou de Sian (ou Siang) aonde
se flzero muitas converses ao christianismo.
Fernam Mendes Pinto , e outros Portu-
guezes aportro s ilhas Lquias (de Lieu-
kieu) ao nordeste da ilha Formosa, e ao
te da costa da China. Dellas falia o mesmo
Fernam Mendes em suas Peregrinaes cap.
l
138., e 143.
. ...
O Rei de .Ternate Tabarija (que depois
do baptismo se chamou D. Manoel) fallecendo
em Malaca, deixou os seus estados a elRei
(le Portugal.
' .
Martim Affonso de Sousa fez tributarias
a Portugal os Reis de Jafanapatm , e de
Travancor.
169
-
NNO DE 1545.
PASSANDO neste anno o illustre D. Joo
de Castro a governar a India, escreveo de
Moambique a eli\ei , e lhe annunciava o re-
ente descobrimento da bahia, e rios, que do
seu descobridor se ficro chamando de Lou-
reno JJfarques. O principal rio tinha a sua
entrada no mar, segundo as c a r t ~ s portugue-
~ a s , a 25 e J 5
1
lat. sul. As cartas modernas
demarco a bahia a _26 na costa _oriental de
Africa.
EIRei respondendo a D. Joo de Castro
po anno seguinte de 1546, recommendava a
continuao do mesmo descobrimento. (Col-
,Zec.o de Cartas originaes.)
170
A.NNO DE 1546.
li; O Iiii
A 13 e 15 de Maro deste anno so
datadas duas cartas de elRei D. Joo III.,
huma para o Rei dos Abexis, e, outra para os
Portuguezes, que ainda l estavo, e tinho
ficado da expedio de D. Christovo da Ga-
ma. Nellas recommendava elRei com muito
encarecimento , que por pessoas para isso
idoneas se mandasse indagar, e descobrir hum
caminho, que da Abyssima viesse ter costa
de Melinde , ou a alguma outra parte d' aquella
banda': E porque pde. ser (diz elRei) que a
terra do Abexi venha tanto para oeste , e -a do
Manicongo v tanto para o lste, que no seja
grande distancia de huma terra a outra: que-
ria que tambem se tentasse este caminho do
Abexi para Manicon.qo , ou para qualquer ou-
tro rio, do cabo da Boa Esperana para c,
~ c . (Carta original, na minha colleco.)
Neste anno de 1546 foi"o segundo cerco
de Diu, defendido heroicamente por D. Joo
Mascarenhas, e ultimamente rematado com
huma assignalada victoria por D. Joo de
Castro.
Este grande homem falleceo em Ga e1p
1548, tendo recebido pouco antes a nerc
171
do titulo de Vice-Rei da India para com elle
continuar a governa-la. Delle dfz hum escri-
ptor, que er-a no mar- soldado, piloto, e geo-
grafo, como mostro seus escriptos . . Ns. s-
mente accrescentaremos, que foi no mar,
e na terra hum exemplar das grandes virtu-
des, e eminentes qualidades, que constituem
o verdadeiro heroismo, e fazem o homem di-
gno da immortalidade. (V ejo-se as historias
do cerco , .e a V.ida de Castro.)
172
4-;NNO DE 1549!'
T HOM de Sousa lanou os fundamentos
cidade de S. Salvador da Bahia , na Terra
de Santa Cruz (Brazil), a qual cidade mandava
elRei fundar para capital de todo aquelle Es-
tado. Ordenou o governo da justia, e faz{m-
da, fundou igr.eja, fortificou o lugar, &c.
Neste anno navegou o S. Xavier para
Japo, aonde j as nos portuguezas hio
commerciar. Entrou em Cangoxima, Exiando,
Pirando , Amanguchi, Meaco , e Figem ,. de-
morando-se nesta sua apostolica expedio
dous annos, e quatro mezes. Em I 5 5 ~ falle-
ceo na ilha de Sanchoan, s porias da China,
aonde se dirigia. ' . .
173
NNO DE 1551.
T oMRo s Portuguezes a cidade de
Geillo, capital da ilha do mesmo nome no
archipelago das Molucas. O Rei ficou conti.:.
nuando o governo com o titulo de Sangage
(governador) sujeito' e tributaria a Portugal.
( Hist. da India no tempo de D. Luiz de Atai-
de por Antonio Pinto Pereira, li v. l. cap. 31.)
174
NNO DE 1552 A 1556.
--
EM 1552 no galeo, em que naufragou
Sepulveda vinho a elRei de Portugal cartas
de Nautaquim principe de Tanixumaa, ilha
do Japo, pedindo o auxilio de 500 Portugue-
zes para conquistar a ilha Lequia (de Lieu-
kieu) e offerecendo em reconhecimento o tri-
buto annl)al de 5:000 quintaes de cobre, e
I :o o o de lato.
Em 1554 teve o Vice-Rei da lndia car-
tas dos Reis Japonezes _de Pirando, Aman-
9'/fchi, e Bungo.
Em 1556 fundro os Portuguezes em
Funay, capital do Bungo no [apo, hum hos-
pital para os leprosos, que aquella gente cos-
tumava abandonar, como feridos do Co, e
para meninos, que muitos pais engeitavo,
e talvez matavo por pobreza, ou por outros
similhantes motivos. O Rei de Bungo com-
movido desta humanidade dos Portuguezes,
favoreco o estabelecimento, e prohibio que
d'ahi em diante os pais matassem, ou ex-
175
pozessem os filhos. O estabelecimento teve
consideraveis progressos, e elRei D. Sebas-
tio mandava concorrer para as suas des-
pezas.
Neste mesmo anno de 1556 prgava a
f christa na China, o dominicano Fr. Gas-
par da Cruz que tinha passado lndia em,
154 8 , e que depois escreveo " Tratado das
cousas da China com suas particularidades, _e
assi do reino de Ormuz, !fc., que se impri-
mio em Evora em 1570, e ha pouco se r e i m ~
primio em Lisboa em 1829.
176
NNO DE 1557.
PoR este tempo alcanro os Portu-
guezes, que os mandarins de Canto lhe con-
cedessem o porto da pennsula de Maco,
para nelle viverem commerciarem. (Veja-se
o anno de 1542.) Ahi fundro huma colonia
independente, qe por tempo cresceo, e che-
gou a constar de algumas 700 famlias portu-
guezas, quasi todas ricas com o trato da Chi-
na, Japo, Manilha, e outros reinos, e ter-
ras orientaes. Pelos annos de 1622 c o m e ~
ando a ser inquietados pelas esquadras hol-
landezas, pedro soccor!o,, e defeza ao Vice-
Rei da India, e ento se sujeitro s leis de
Portugal, ti vero governador portuguez, e a
colonia teve o nome de cidade, que se cha-
mou do Nome de Deos de Maco.
Falleceo elRei D. Joo III: a Ii de J u-
nho de 1557, e succedeo-lhe no throno seu
neto elRei D. Sebastio ainda muito menino.
REI:N.A:OO DE ELREI :0.
1557-1578.
12
178
NNO DE 1559 E 1560.
VIcE-REI D. Constantino de Bra-
gana tomou em I 559 a cidade de Damam,
e em 1560 a ilha de Manar principal pesca-
ria das perolas de Ceilo, aonde levantou for-
taleza.
Em I 560 navegando a no S. Paulo (que
depois vei naufragar em amatra) pelos
mares do sul, em que chegou aos 42 austr.,
avistou em 37 e 45'. huma formosa ilha, que
os mareantes desenhro, encantados da sua
bella apparencia. O piloto lhe quiz dar o seu
nome , chamando-lhe ilha de Antonio Dias;
mas hoje a achamos denotada nas cartas com
o nome de ilha de S. Paulo. E diz a Relao
do naufragio, que estava norte-sul com a dos
Romeiros, e as Sete l1mas.
Iiii Iii
No mesmo anno foi a misso do P. Gon-
alo da Silveira Cafraria. Entrou por In-
hambane at ctlrte de Otongue : veio aos
rios de Cuama , entrou pelo Quilimane at
Giloa,. bca do Zambeze, a Inharnoi, crte
de Simbaoe, 9-c. No anno seguinte de 1561
foi morto pelos barbaros.
179
Duarte de Albuquerque Coelho donata-
rio da capitania de Parnambuco no Brazil,
com Jorge de Albuquerque Coelho seu irmo,
andando na conquista, e defeza das terras da
capitania, descobrro o rio de S. Francisco.
lZ *
180
NNO DE 1562 A 1566.
('
_ : ~ - E M i562 tomando o Cardeal Infante
D. Henrique a. tutoria. de elRei D. Sebastio,
ainda. menor, lhe apresentou Loureno Pires
de Ta.vora. huns apontamentos sbre va.rios
objectos do governo. Em hum delles recom-
menda.va. o descobrimento de Tombuctu, no
interior de Africa. , e a. escoiha. de pessoas
aptas para. esta. em preza..
Iii iii'
Entrro os Portuguezes nas ilhas de Goto
as mais occidentaes de Japo em 1566: e
elRei de Portugal mandou hum rico presente
a. D. Ba.rtholomeu, Rei de Omur no mesmo
Japo.
Achamos escripto que a. celebre mina. de
mercurio de Guanca-Velica, a. ao leguas ao
norte de Guamanga no Per fra. descoberta.
pelo Portuguez Henrique Garcs, ao qual se
attribue tambem o descobrimento de outra
mina do mesmo metal em Paraz em 1564.
181
...
NNO DE 1566 .
QuANDO Gonalo Pereira hia
ta. de Amboino em' 1566, sabendo da estada
dos castelhanos em Cebu, e determinando hir
em busca delles ; como os seus pilotos . no t'i-
nho muita noticia d' aquellas partes , no pas-
sou da ponta de huma ilha, que chamo terra
dos negros, 2 5 leguas atraz de Cebu , aonde fi-
cou bordejando em 9 da banda do norte, man-
dando d' ali navios a descobrir por todas as par-
tes, g.c. ( Hist. da India no tempo do Vice-Rei
D. Luiz de Ataide, por Ant. Pint. Pereira,
liv. I. cap. 29.)
182
NNO DE 1567 .
. .1\fEM e S governador geral do Brazil,
lanou os fundamentos cidade do Rio de
Janeiro, da qual foi primeiro capito Salvador
Corra de S. Deo-lhe o nome de cidade de
S. Sebastio em meQJo.ria de elRei.
183
NNO DE 1569.
--
T e IRei D. Sebastio dividido o
imper lusitano-oriental em ti:es governos,
o l de de o cabo das Correntes at o de Guar-
daju; o 2. desde Guardafui ate Ceilo; e o
_ 3." desde Ceilo at China: deo o governo
da primeira diviso a Francisco Barreto , que
neste anno partio para a costa oriental de
D'ahi capitaneou a expedio ao Mo-
nomotapa, e minas de qfala: ajustou pazes
com os Reis de Chicanga, e C!uiteve: -passou
a Sene capital das possesses portuguezas na
Cafraria: e mandando embaixadores a Sim-
baoe, obteve do imperador as minas de prata
de Chicova, de Rutroque, e de Mocars. Foi
a Chicova, e vindo a Tete, estabelecimento
portuguez, ahi falleceo em 1573. O seu suc-
cess'or Vasco Fernandes Homem ainda conti-
nuou a commandar a expedio, e penetrou
at s minas de Chicanga, de Manhica,
No Malabar rendro-se s armas portu-
guezas Onr, e Baralor: e Gonalo Pereira
Marramaque fundou fortaleza em Amboino,
184
e descobrio n'aquelle mar algumas ilhas, ainda
no conhecidas dos Portuguezes. Hist. da
India no Governo de D. Luiz de Ataide por
Antonio Pinto Pereira, liv. L cap. 30.
Parece-nos digno de louvada memoria o
honrado desinteresse do insigne capito D.
Luiz de Ataide, o qual sahindo da lndia para
o reino a 6 de Janeiro de 15 72 , quiz trazer
quatro vasilhas com agoa dos rios Indo , Gan-
yes, Tigre, e Eufrates, as quaes deposi-
tou , e se conservro por muito tempo no
seu castello de Peniche, como testemunho
das unicas riquezas, que trouxera d'aquelles
Estados.
Antonio Pinto Pereira escreveo a Histo-
ria da lndia no tempo em que a governou D.
Luiz de Ataide, offerecida a elRei D. Sebas-
t i o , ~ impressa em Coimbra em 1616. folh .
...
185
NNO DE 1570.
No mez de Setembro comeou a desen-
volver-se a grande liga dos Reis da India con-
tra os Portuguezes , favorecida pelo Turco e
Persa.-Notavel defeza de Chaul e de Ga,
e outras fortalezas do Malabar contra o Niza-
maluco, Hidalkan, e outros Reis e Prncipe&.._
colligados.
186
NNO DE 1574 E 1575.
H:AVENDO-SE j em 1559 e 1560 feito
as primeiras tentativas para a fundao do es-
. tabelecimento portuguez em ngo a, mandou
elRei D. Sebastio renova-las neste anno de
1674. Foi o capito da empreza, e fundador,
conq istador, e governador d'aquelle nascente
reino Paulo Dias de Novaes, neto, e digno
descendente de Bartholomeu Dias, descobri-
dor do ~ a b o da Boa Esperana. Sahio de Lis-.
boa em 1574, e chegou a Africa em 1575.
Construio logo o forte de S. Miguel, fundou
a primeira povoao , e igreja , ordenou as
cousas do governo civil, e intitulava-se " ca-
pito , e governador do novo 1eino de Sebaste ,
na conquista da Ethiopia" dando-lhe o nome
de Sebaste em memoria de elRei de Portugal.
Este nome foi logo esquecido , como era de
presumir, e o reino tomou o nome de Angola,
que era o de hum Rei do paiz, a cujas ins-
. tancias se tinha emprehendido ao principio
aquelle estabelecimento.
Pelos annos adiante , e por differentes
circunstancias se foro os Portuguezes alar-
gando pela costa, e pelo serto: e em 1784
ero pertenas do reino de Angola.
187
O presidio de Massangano, fundado em 1583
----de Mu;ima ....... ?
----de Camhambe ......... 1603
---- de Arnbaca . . . . . . . . . . . . . . 1614
---- de Benguella. . . . . . . . . 1617
----das Pedras dePungo andongo 1671
---- de Caconda ............ 1682
----de Novo Redurzdo ....... ?
-----..- de Encoge . . . . . 17 59
&c.
188
'
N ~ O DE 1578 E 1579.
EM J 578 concorrio pescaria dos ma-
res da Terra nova, pelo menos, 50 navios por-
tuguezes, que importavo cousa de 3:000 to-
neladas. Os navios hespanhoes que ahi con-
corrio ao mesmo tempo ero 100; os fran-
cezes 150 ; os inglezes 30 !
....
Em 1579 se entregou ao capito Portu-
guez de .Amboino a ilha do Bouro grande, no
archipelago das Molucas.
DESDE O ANNO DE 1578 .A.'I' AO .B.ESEN'I'E.
- I .
190
NNO DE 1580 A 1599 .
.....
EM 1580 o Rei de Ceilo Prea Pandar
fez doao de seus estados a elRei e Portu-
gal D. Henrique por no ter filhos que lhe
succedessem.
Em 1582 se submetteo aos Portuguezes,
acceitando a religio christa , a ilha de La-
bua, situada no archipelago das Molucas a
pouca distancia de Ternate.
Em 1583 o Rei de Chale, se fez tributa-
rio, e os Portuguezes levantro ali fortaleza.
Em 1587 ou 1588 levantro os Portu-
guezes fortaleza em Mascate. D. Paulo de
Lima expugnou a cidade de Jor, e entrou
triunfante em Malaca.
Em 1590 foi tomada pelos Portuguezes
Candia, capital do reino do mesmo n)me em
Ceilo. .
191
Em 15 9 5 levantro os Portuguezes for-
taleza em Soldr (v. anno de 1509.)
... .,
Em 1697 por fallecimento do Rei de Co-
.Jumbo sem successo foi acclamado Rei o de
. Portugal, a quem elle dora os seus estados.
Em 1599, D. Fr. Aleixo de Menezes,
Arcebispo de Ga, visitou a christandade das
Serras do .IJ-Ialabar, e celebrou Synodo. Fr.
Antonio de Gouva , augustiniano , escreveo
"Jornada do Arcebispo de Ga, !1-c. " Coim-
bra, 1606.
. 192
NNO' DE 1600 .
.....
I ,
CELEBRE Portuguez Salvador Ribeiro
de Sousa fundou neste anno huma casa forte
no Peg; na fz de Serio, e depois de varios
casos , e extraordinarias faanhas, chegou a
ser acclamado Rei de Peg em 1603. Acha-se
a Relao deste notavel facto impressa com
o Itinerario de Tenreiro em algumas edies
de Fernam Mendes Pinto, e determinada-
mente na ultima de 1829.
:
193
NNO DE 1602.
BENTO de Goes, Jesuta Portuguez,
que tinha bom conhecimento da lngua
siana, e de outras orientaes , foi mandado ao
d,scobrimento do Gra??--Cataio. Viajou rnais
de tres annos pelos sertes da Asia, cami-
nhando sempre pelo norte do imperio do
gol, desde o paiz dos Usbegs para o oriente
at China, tirando em resultado que o
Gran-Cataio era o proprio im perio da China.
Na China falleceo em 1607.
No mesmo an.no de 1602 passou da India
Persia o augustiniana Fr. Antonio de Gou-
mandado pelo governador da India como
embaixador ao Schach-Abbas. Este prncipe
'
o enviou, em companhia de outro embaixa- .
dor seu , a Roma e a Hespanha. Voltou
Persia, e d'ahi Europa, atravessando os
desertos da Arabia. Chegado a Alepo; e em-
barcando para Marselha, foi tomado por Cor-
sarios Argelinos, e esteve captivo em Ar-
gel, &c.
l:.l
194
NNO DE 1606.
GOVERNADOR de Angola D. Manoel
Pereira Forjaz, intentando a communicao
. com a contra-costa, nomeou para o descobri-
mento deste caminho a Balthazar Rebello
(ou Pereira) de Arago, homem capacissimo
para a empreza, assim pelo valor, como pelos
conhecimentos que tinha do serto.- Come-
ou, e tinha j penetrado no interior do paiz,
q u a ~ d o se vio obrigado a retroceder, para
acudir fortaleza de Cambambe,. sitiada por
hum Sova visinho, e pelos negros do .ftfosseque.
195
NNO DE E 1607.
N ICOL.io D' orta, natural de Santo An-
do Tojal, shio de Ga em 1606 com
destino de vir a Portugal por terra. Nos prin-
cipias de Agosto estava na fortaleza de Co.:..
moram: d'ahi partia para Lara, Xirs, Ro-
rnus, Bagadet, Ana, Taihe, -e Alepo, aonde
entrou a I 6 de Janeiro de 1607 ; d' ahi veio
por Alexandreta, e por fim chegou a Mars-
lha, e logo a Madrid, d'onde elRei D. Filippe
o mandou de novo India. Escreveo o seu
que deo a Pedro de Mendoa Furta-
do, e do qual existe huma cpia incompleta (de
que falia Barbosa Machado) na Bihli?theca
publica de Lisboa (B- 4- s- numerao
provisoria.) Parece que seguia o mesmo ca-
minho que trouxe Fr. Gaspar de S. Bernar-
dino, e he provavel que o mesmo trouxesse
D. Alvaro da Costa em l6ll por ser o das
caravanas, que tinho roteiro determinado.
196
NNO DE 1607.
IMPERADOR Monomotapa, tendo sido
auxiliado pelos Portuguezes, fez doao a el-
Rei de Portugal das minas de ouro, prata,
cobre, &c., que houvesse nos seus estados.
Esta doao foi acceitada, em nome de elRei
pelo capito de Tte Diogo Simes Madeira.
D. Estevo de Ataide foi no anno se-
guinte de 1608 ao exame, e posse destas mi-
nas, e especialmente das de ouro e prata de
Chicova. E escreveo a Relao do seu traba-
lho, e exame.
Por occasio da explorao destas -minas
se fundro em 1614 as fortalezas de J.lf.as-
sapa , e Chicova.
197
ANNO DE 1609.
CoNQUISTRO os Portuguezes a ilha
de Sundiva, a pouca distancia da terra firme
de Bengala, e dependente do reino de Arra
can. Sebastio Gonsalves Tibao a governou
com poder independente; tomou ao Rei de
Bacal as ilhas de Xavapur, e Patelavanga,
e a outros prncipes varias terras n'aquellas
paragens.
198
NNO DE 1610 A 1612.
EM 1610 publicou Pedro Teixeira as
suas "Relaciones orgen, descendencia, y
de los Rcys de la Persia, y de Flor-
muz, y de un viage hecho -'des de la India
Oriental hasta Italia por terra. " Amberes,
161 o. 8." Este celebre Portuguez passou de
Lisboa India, veio a Ormuz, correo a Per-
sia , esteve nas. Filipinas, e nova Hespanha ,
e a portou a S. Lucar em 160 I. Voltou depois
Ind1:a, e de Ga veio a Baor, Ba_gdad,
Alepo, D'ahi passou a Veneza, e de Ve-
neza a Anvers, aonde residio e fallece.
Em 1612 apossaro-se os Portuguezes de
Bender-abasi (Gornroun), entre Ormuz e Kis-
mish, celebre porto no golfo Persico , aonde
levantro dous fortes para defeza. (Godinho
"Bandel Abassi- e Cornororn. ")
199
NNO DE 1613 A 1620.
EM 1613, e nos annos seguintes man-
o Vice-Rei da India algumas expedies
ilha de S. Lourenco com o fim de examina-
.. .
rem os seus portos, e se informarem da gen-
te, costumes, e produces da teua, e de
indagarem se por ali existio alguns dos Por-
tuguezes, que por vezes havio naufragado
n 'aq uellas costas.
Em huma des.tas expedies tocou hum
dos pilotos a bella ilha do Cirne, descoberta
em outro tempo pelos Portuguezes. Esta ilha
he a que os Hollandezes depois denominro
ilha e os Francezes ilha de Frana.
"Desta jornada de explorao, ordenada
pelo Vice-Rei D. Jeronymo de Azevedo, nos
ficou huma Relao manuscripta por Paulo Ro-
drigues da Costa."
Em 1614 e 1615-Jeronymo de Albuquer-
que Coelho expelio do Maranho os France-
zes, que ali estavo havia perto de tres annos '
com grandes foras : e fundou a nova colonia,
IJUe deo principio quelle Estado. Teve gran-
de parte nesta honrada faco o Sargento-mr
do Estado do Brazil Diogo de Campos Mo-
200
.reno, que escreve_o a relao do successo
com o titulo " Jornada do Maranho por or-
dem de Sua Jl,fagestade feita o anno de 1614. "
Em J 615 e 161 6 se comeou a povoao
do Par , sendo fundador da cidade , e seu
primeiro Capito-mr Franciso Caldeira de
CasteJlo Branco.
O Rei de Siam mandou fazer proposies
de alliana ao Vice-Rei da India, offerecendo
lugar para a fundao de ~ u m a fortaleza no
porto de lJ!Iartavam.
O porto e fortaleza de Soar, na costa da
4rabia foi expugnado, e tomado pelos Portu-
guezes.
Pelos annos de 1619 e 1620 avassallro
os Portuguezes o Rei de Don_qo, no serto
de Angola, ficando elle tributario a Portugal
com o reco.J).hecimento de I o o escravos cada
anno.
201
NNO DE 1622.
EM 1622 chegQu a Ga o P. Jeronymo
Lobo Jesuita Portuguez, mandado s misses
da India. Veio a Moambique em 1624, e
entrando no paiz dos Galas passou Abyssi-
nia, aonde viveo mujtos annos. Depois de -
largos, e perigosos successos voltou a Portu,.
gal aonde falleceo em 1658. Escreveo o seu
Itinerario geralmente estimado dos eruditos.
202
ANNO DE 1623.
EsTABELECIMENTO do Governo do Es-
tado do JJ;Iaranho, e Gran-Par como sepa-
rado do Governo Geral do Estado do Brazil.
He seu primeiro governador, e Capito Ge-
neral Francisco Coelho de Carvalho, que t o m ~
posse, e realisa a separao em Setembro de
]626.
203
NNO DE 1624.
PoR estes annos.. sahio do Dely o P.
Antonio de Andrade .Jesuta Portuguez, com
o intento de descobrir a christandade do Ti-
bel. Conseguio com effeito, depois de h uma
longa e trabalhosa peregrinao , chegar
crte de Caparanga, capital do reino. Reco-
lhendo-se a Ga, fez ainda segunda viagem ,
levando em sua companhia o P. Gonalo de
Sousa: e quiz fazer terceira, que os seus su-
periores lhe no permittro. De ambas ha
Relaes impressas, que se traduzro em va-
rias lnguas. O epitafio da sepultura do P. An-
drade o denomina "primus missionis Thihe-
tensis explorator et fundator." Ealleceo em
1634.
204
NNO DE 1629.
D. FR .. Miguel Rangel , Bispo de Co-
chim, visitando a ilha de Solor habitada por
Portuguezes, fez reparar a muralha, e melho-
rou a povoao, deixando ahi por governador
o valeroso Nuno Alvares Botelho. (Memoria
romtempo'l'anea.)
205
NNO DE 1635.
D E P O I ~ da morte do P. Andrade (v. anno
ls24) foi mandauo misso do Tibet o P.
Joo Cabral, tambem Jesuita, natural de Ce-
lorico da Beira , que escreveo " J. dao co-
piosa dos trabalhos , que padeceo na misso do
Tibet." (V. Barb. Mach. Bihliothec. Lusit.)
206
_ NNO DE 1637 A 1639.
PEDRO Teixeira, Portuguez , fez neste
anno por ordem do Governo do Par, a gran-
de v i a g ~ m desde o Par at Quito. Remontou
o rio lYiaranham, ou das Amazonas, at onde
se lhe ajunto as agoas do rin Napo. Entrou
pelo Napo, que mais acima tem o nome de
Coca, e navegou por elle at mui perto de
Quito, aonde finalmente chegou por terra.
Sahio Teixeira dos confins do Par a 28
de Outubro de 1637, com 47 canas de bom
porte, levando 2:000 pessoas, entre ellas 70
soldados todos Portuguezes, 1:200 Indios, e
os mais mulheres, e rapazes. Commandava
huma vanguarda o Coronel Bento Rodrigues
de Oliveira, nascido no Brazil. Chegou a Qui-
to em fins de Setembro de 1638. Voltou ao
Par em Dezembro de 1639.
(Veja-se Nuevo descubrimiento del gran
Rio de las Amazonas : por el P. Chris-
toval de Acun. Madrid, 1641. 4.
0
)
Em_I639, o capito Pedro da Costa Fa-
vella, Portuguez, he. o primeiro, que Pntra
no Rio Negro.
207
NNO DE 1645 A 1648.
PELos annos de 1645 e seguintes
vo na crte de Portugal dous prncipes orien-
taes, vassallos de elRei. HLn era o Rei das
llfaldivas, que linha vindo pedir auxilio con-
hum seu irmo que lhe usurpra o throno.
Este prncipe servio na campanha de Al-m-
Tejo. O outro era D. Martinho prncipe_ de
Arr can, que tendo sido baptisado; e creado
em Ga , e tendo servido nas armadas portu-
guezas da India, obteve de elRei a capitania
de Ga por Alvar do anno de 1646.
:Bm 1647 sahio de S. Luiz do Maranho
Bartholomeu Barreiros de Ataide, mandado
por elRei ao descobrimento das minas do rio
Aguarico, ou do Ouro, e foi acompanhado do
religioso Carmelitano Fr. Jo.s de Santa Te-
que por ter sido muitos annos captivo
do gentio sabia a lingua de varias naes
d'aquelle sPrto. Desta expedio parece que
no houve resultado algum.
Em 1648 se recobrro os Estados de
Angola do poder dos Hollandezes. Foi o illus-
208
tre fidalgo Salvador Corra de S e Benavi-
des, governador que ento_ era do I{io de Ja ....
neiro' o que executou esta gloriosa empreza
com poucos meios, mas _com grande valor,
industria, e ardideza. Todas as dependencias
de Angola ao sul e ao norte ficro limpas de
to perniciosos inimigos. O Rei de Congo,
que com elles se tinha alliado, obteve a paz,
cedendo Cora de Portugal a ilha de Loanda.
209
NNO DE 1651.
P RINCIPios da povoao da ilha dos Pa-
tos (hoje ilha de Santa Catharina) sbre a
costa do Brazil por Francisco Dias Velho
Monteiro, com a sua famlia , e 500 Indios
domesticados. ( Rezum. Histor. de Santa Ca-
tharina pelo Visconde de S. Leopoldo. Pars
839.)
210
NNO DE 1660.
--
A ESTE anno se faz memoria de hum
fortnguez appellidado Jl;[elgueiro, que send<Y
mestre, e piloto de hum navio hollandez, sa-
hio do Japo em Maro; dirigio-se aos mares
do plo arctico
1
subindo at 84"; passou en-
tre a antiga Groenlandia , e Spitzberg , e dei-
xando esquerda a Scotia_, viera a PortugaL
O escriptot que nos subministrou esta
noticia, cita Mr. de Buache, no Parallie des
Fleuves, Hist. da Academ. das Scienc. de Pa-
rs, an. 17 53 , e Memorias da mesma Acade-
mia pag. 885. E accrescenta por testemunho
de Mr. de Buache, que os Bata vos tinho, e
occultavo com recato o Diario desta nave-
gao, unica at quelle tempo.
O mesmo escriptor nos d ainda outra
- noticia, que diz ser sabida "Noturn etiarn est
(diz elle) Marf'inurn Chack Lusitanurn ... 9'c."
isto he, que hum Portuguez por nome Martim
Chack, governando huma no em conserva de
outras duas pelo mar pacifico, fra correndo
os mares, arrojado por huma violenta tem-
pestade , e ventos occidentaes , achando-se
por fim parte meridional da Irlanda, d'onde
viera a Lisboa.
211
NNO DE }663.
() p. MANOEL Godinho natural da vill
de Montalvo, egresso da companhia de Jesus,
Prior de S. Nicol:o de Lisboa, e depois de
Loures , estando nas misses da lndia , veio
por trra a Portugal , de mandado do Vice-
. Rei Antonio de Mello de Castro, e segundo
parece com alguma secreta, e importante
commisso. Escreveo " Relao do novo cami-
nho que fez por terra, e mar, vindo da India
para Portugal no anno de 1663" impressa em
Lisboa em 1665.
14
212
ANNO DE 1668 E 1669.
SoBRE o descobrimento do
na America portugueza deve vr-se o Diario
da Viagem que fez pela capitania de S. Jos
do Rio-negro, Francisco Xavier Ribeiro de
Sampaio, impressa pela Academ. R. das Scienc.
de Lisboa em 132&.
1.\'Iandou elRei de Portugal embaixador
China, o qual foi recebido do imperador
com grandes mostras de benevolencia, e obte-
ve algumas liberdades para a religio para
o commerc10.
213
NNO DE 1676 A 1680.
A YRES de Saldanha, que por estes an- ,
nos governava Angola, intentou abrir com-
municao por: terra .a Benguella, e d'ahi
contra-costa de Sena. Offereceo-se para esta
empreza o .capito Jos da Rosa, mas sahindo
de Massanganr, a poucas jornadas encontrou
tantas difficnldades, e tanta opposio em
muitos Sovas, que lhe impedio a passagem;
que se vio forado a retroceder.
214
NNO DE 1682.
EM 1682 pouco mais ou menos, Bar;
Boeno da Silva natural de Perna-
hiba, cQm hum seu filho do. mesmo nome
a Goiazes; O filho foi pouco depois
o principal descobridor das terras d'aquella
capitania. (Veja-se a Memoria sobre o desco-
brimento, governo, pop'ulao , e cousas mais
notaveis da de Goiaz (no Jornal de
Coimbra, Num. 76. Part. 1. Art. I.) pelo P.
Luiz Antonio da Silva e Sousa , natural do
Serro do Frio, caP,itania de Minas Geraes.)
Parece que em 1726 que se fez ali-esta-
belecimento de povoao Portugueza, de que,
foi primeiro governador o de. S. Paulo

drigo Cezar de Menezes at 1728.
' 1 ;
:215
4-NNO DE 1696.
POR estes annos descobrro os Portu-
guezes o aljQ{ar, e as perolas nos mares de
Q{ala, a cousa de ao leguas da barra de
Luabo,
Tambem se descobrro as minas de pra-
ta no rein de Mocranga, na terra chamada
Nhanace, q uasi confinante com as nossas ter-
ras de Tete junto do Z ~ m b e z e .
216
NNO DE 1719,

NOTAREMos aqui, que, segundo hum
antigo escriptor Portuguez, atf: os ultimas an-
nos de elRei D. Sebastio no se tinho desco-
berto no Brazil minas de ouro, nem de prata,
nem outras riquezas, e perolas , g.c.
Em 1659 achamos a primeira noticia
(ainda duvidosa) de huma 1-ica mina desco-
berta ha pouco tempo no Brazil.
Em tempo de elRei D. Pedro Il. se co-:-
mero a descobrir as minas do ouro , sendo
governador do Rio de Janeiro Artur de S.
Nas exequias que se fizero a este
em Roma, se lia, entre outras letras, que
adornavo o tumulo, esta:
" Novis in Braslia invent1:s aurifodinis
"1nunijicentice Petri II. servit Natura."
Em 1719 se descobrro as novas minas
de ouro de Cuiab, Goiazes, e outros distri-
ctos , sendo a mais preciosa a do Serro do
Fr-io, por della sahirem tambem diamantes.
Em 1727 e 17213 se descobrro os dia
montes no Brazil, e achamos em memoria,
que a flota, que viera do Rio de Janeiro em
1730, a Portugal 1146 on.as.

217
NNO DE 1722 A
EM 1722 viero a. Portugal em baixado-
res de hum Rei poderoso da ilha de S. Lou-
reno, offerecendo a os portos do seu
remo para nelles mandar fortalezas .
... ;i'
Em 1723 foi despachado pelo Governo
po Par o capito Francisco de Mello Palhe-
ta com huma tropa de explorao a correr e
examinar o rio Madeira no Brazil , aonde j
tinha hido em 1716 outra expedio portu-
gueza.
::o ...
Em 1725 mandou elRei embaixador <
China a cumprimentar o Imperador pela sua
exaltao ao throno. O embaixador Alexandre
Metello entrou em Pekin em 1727.
Em 1726 ; pnmmro estabelecimento de
povoao portugueza em Gm:az. (V. o anno
1682.)
Em 1729 recebeo o Vice-Rei da India
huma do Prncipe de Agra, e ou-

218
tra do Raja de Amher que pedia que de Por-
tugal lhe fosse enviado algum habil mathe-
matico, com qum podesse conferir certos
pontos astronomicos. Este embaixador veio a
Lisboa com cartas ~ presentes do mesmo
Principe, e do Gran-Mogol Mahamad Shea,
que se int.itulava Imperador do lndostan.
219
ANNO DE 1735 A 1737.
ANTONIO Sanches, sabio Por-
tug'uez, primeiro medico dos exerci tos da
Russia , correo nestes annos , por ordem
d'aquelle governo, a Ukrania, as
do Don at ao mar de Zabache , e os confins
po Cuban at Azoff: atravessou os desertos
.entre a Crima, e Bacfr-mut: visitou os Cal-:
mucos desde o reino de Cazan at s margens
do Don : e os Tartaros da Crima , e de No-
gai, e os 'fartaros de Kergissi, e Tcheremissi
ao norte de Astracan desde 50 at 68" de lat.,
I I
&c. Hist. natur. de l'homme.)
Nos mesmos annos foi povoado no Bra-
pelos moradores de Cuiab.
220
NNO DE l741 A 1743.
F 01 neste anno _a primeira explorao
do rio Apor e do celebre sitio do Corumbi.,.
jara por alguns moradores de Mato-grosso.
(Veja-se Navegao desde o Par at Mato-
grosso, impressa pela Academ. R. das Scienc.
e.m 1826.)
221
NNO DE 17 49.
Iii.
N EisTE anno sahio do Gran-Par por
ordem de eiRei de Portugal huma escolta,
que navegou pelo Amazonas at ao M a d e i r a ~
seu confluente. Comeou-se a viagem a 14
de Julho, e a 25 de Setembro chegou a es-
colta embocadura do Madeira. Navegou
por este rio at 17 de Dezembro, em que
chegou s Cachoeiras. Vencidas 19 cachoeiras,
navegou pelo Apor, que os Hespanhoes cha-
mo Ithenes, e a 14 de Abril de 17 50 chegou
s minas de fofato-.qrosso, que era o seu des-
tino, com 9 mezes completos de viagem. Es-
creveo a Relao della Jos Gonsalves da Fon
sei:a, e a Academ. R. das Scienc. de Lisboa
a imprimio em 1826.
- .
222
NNO DE 1768 A 1775.
ENTRE os annos de 1768 e 1774 foi es-
cripto o Roteiro da Viagem da cidade do Pa-
r at s ultimas colonias dos domnios portu-
guezes , em os rios Amazonas , e Negro, illus..:
trado com algumas noticias, que .podem inte-
ressar a curiosidade dos navegantes, e dar mais
claro conhecimento das duas capitanias do Par;
e S. Jos do Rio-negro. Escreveo-o o Reve-
rendo Jos Monteiro de Noronha.
Em I 774 e 1775 foi a viagem pelo Aina-
:J'nas, e Rio-negro, feita por Francisco Xa-
vier Ribeiro de Sampaio, ou-ridot da capita-
:flia de S. Jos do Rio-negro , impressa pela
Academ. R. das Scienc. de Lisboa, em 1826.
223
NNO DE 1783.
ORDENANDo a Rainha D. Maria I. que
se despachassem viajantes aos sertes da
America para collegirem noticias dos varios
productos da natureza, foi hum delles o Dou-
tor Alexandre Rodrigues Ferreira, levando
por desenhadores a Joaquim Jos do Cabo,
e a Jos Joaquim Freire. (1Jfemor. da Academ.
R. das Scienc. de Lisboa tom. 5. pag. 65.) O
gravador Manoel Marques de Aguilar, ten-
do hido a Inglaterra aperfeioar-se na sua
arte, foi depois pelos annos de 1794 pouco
mais ou menos, encarregado de abrir as es-
tampas pertencentes quellas viagens.
O naturalista Manoel Gaivo da Silva foi
mandado para .JJfoambique em execuo das
mesmas Ordens Regias, e para o mesmo fim,
l e v ~ n d o em sua companhia o desenhador An-
tonio Gomes. ( Ib. pag. 63.)
224
NNO DE 1787.
TENENTE Coronel Manoel da Gama
visitou neste anno o Rio Branco por ordem
da crte , e o descreveo com prolixa investi-
gao, fazendo levantar a carta respectiva
pelo Engenheiro Doutor em Mathematica Jos
Simes de Carvalho.
225
NNO DE 1796 A 1798.
v ICENTE Ferreira Pires, natural da Ba-
hia, partio desta cidade . a 29 de Dezembro
de 1796 como enviado de S. A. o Prncipe
Regente, em companhia de D. Joo Carlos
de Bragana , embaixador Ethiope do Rei de
Dahom. Foi a Dahom, e voltou Bahia,
aonde chegou a 5 de Fevereiro de 1798. E s ~
creveo, e offereceo ao Prncipe em 1800 a
" Viagem de' Africa em o reino de Dahom"
manriscripta, em 4.", que est na Bibliotheca
R. da Ajuda.
Em 1797 partio o Major Francisco Nu-
nez com huma expedio ao descobrimento
da communicao do rio Capim para o Piau
hy. Voltou, e deo conta da viagem em 1798.
i5
226
NNO DE 1798.
EsTANDO D. Rodrigo de Sousa Couti-
nho (depois Conde de Linhares) no ministe-
riu dos negocios da 1\tlarinha e domnios Ul-
tramarinos, <JUiz renovar a empreza (outras
vezes tentada) da communicao entre as
duas costas occidental e oriental de Africa
por terra. Designou para isto a Francisco
Jos de Lacerda e Almeida, Doutor em Ma-
thematica , nomeando-o, com este intento ,
governador dos Rios de Sena , d' onde havia
de partir a expedio. Lacerda partio para o
seu g-overno, munido de instrumentos e meios
adequados; procurou informaes e noticias;
e pz-se a caminho para o interior. Chegando
s terras do Rei Cazembre (que parece ser o
ponto central entre as duas costas) ahi falle-
ceo. Os seus companheiros, a quem elle,
hora da morte, recommendou a continuao
da em preza, no annuro a esta recommen-
dao, e a empreza ficou sem o seu completo
effeito.
(Vejo-se os Extractos da Obra publica-
da Pm Londres, na lngua ingleza, em
1824 com o titulo "Relao dos desco-
227
brimentosfeitos pelos Portu,quezes no in-
terior de An,qola e Moambique , tirada
de manuscriptos ongmaes por F. E.
Borvdich.)
15 li<
228
NNO DE 1799.
..
Ao mesmo tempo que da parte orien-
tal de se tentava a empreza da com-
das duas costas pelo interior, de
que fallamos no artigo antecedente, tentava-
se tambem da parte occidental, por ordem do
Capito General de Angola D. Fernando de
Noronha , que encarregou deste descobri-
mento o Tenente Coronel , Commandante e
Director da Feira de Casange Francisco Ho-
norato da Costa.
Os exploradores chegro ao sitio de Ca-
zernbe, aonde tinha fallecido o Doutor Lcer-
da; mas ahi achro embaraos, que por al-
guns annos os detivero.
Em 1807, sendo Governador o Capito
General de Angola Antonio de Saldanha da
Gama (depois Conde de Porto Santo, e h a
pouco fallecido) renovou este a mesma ten-
tativa, mandando h uma expedio contra-
osta' a qual com effeito se executou' vol-
tando a Loanda em 1809, e trazendo embai-
xada dos Molluas, nao que j commerciava
com Moambique.
Enviou ainda o mesmo Governador e Ca-
pito General segunda expedio com ordem
J
229
expressa de hir at Moambique, a qual vol-
tou a Loanda estando j no governo de An-
gola Jos de Oliveira Barbosa, e trazendo
cartas do Governador de Moambique.
230
NNO DE 1810 E 1811.
EM 18 I o levantou o Capito Tenente
Jos Joaquim da Silva a carta hydrographica
da costa do Par at o Maranho.
Em 181 I sahro da capital do Brazil por
ordem do governo 'exploradores da navegao
do Guapor, Mamor, Madeira, Arinos, Ta-
pajz, e Xingu, rios que todos entro no
Amazonas.
FIM DO INDICE CHRONOLOGICO.
MEMORIA
SOBRE
AS VIAGENS DOS PORTUGUEZES
INDIA POR TERRA , E AO INTERIOR
DE AFRICA.
DESDE OS PRINCIPIOS DO SECULO 15.
Sunt quorum ingeniurn nova tantum crustula promit ,
Nequaquam satis in re una consumere curam.
Horat. L. 2. Sat. 4.

233

ELREI D. Joo "II., inspirado pelo seu
grande animo , e no vulgar instruco, e
munido dos planos, informaes e notas de
seu tio o immortal Infante D. Henrique,
logo que su bio ao throno de Portugal em
1481 , tomou tanto a peito o
da India e terras orientaes, como he cons-
tante da historia do seu reinado : e no se
contentando de continuar as emprezas mar-
timas na costa occidenial de Africa, que ori-
ginariamente se dirigio quelle fim, resolveo
mandar por terra viajantes exploradores, que
trabalhassem por descobrir aquellas apartadas
regies, .e por se instruir da situao das ter-
ras, das suas produces, do seu commercio,
e caminhos por onde os Portuguezes po-
derio a ellas conduzir-se , e finalmente de
tudo quanto fosse em utilidade do plano ge-
ral, cuja execuo se havia emprehendido, e
elle desejava concluir.
Havia na Europa desde o seculo 12 a
ida 'vaga .e confusa de hum prncipe mui
poderoso d'aquelle oriente, que seguia e pro-
fessava a religio christa, e que se designa-
234
va commummente com o nome de "Preste-
Joo.,
O primeiro, que parece haver trazido
Europa a noticia deste foi hum
Bispo da Syria, que vindo pelos annos de
ll45 implorar a proteco do papa Euge-
nio III., fallava de hum principe christo, nes-
toriana, chamado Preste-Joo, que reinava no
oriente, o qual tinha alcanado algumas vi-
ctorias contra os Persas, e no duvidaria vir
em dos christos de Jerusalem contra
os infieis (I).
No seculo seguinte, e no anno de 1237,
escrevia o prior dos frades prgadores da Ter-
ra-santa ao papa Gregorio IX., referindo-lhe
os servios , que os seus religiosos tinho
feito ao christianismo em differentes regies
da Asia, e nesta carta dizia entre outras cou-
sas " Temos recebido muitas cartas do.patriar-
cha nestoriana, a quem obedece a 9rande ln-
dia , o reino do Preste-Joo , e as terras visi-
nhas do oriente" onde vemos o nome do Pres-
(1) Fleuri, Ilist. Eccles. liv. 69 . 10 ao an. 1145.
Natal Alexandl'e lambem menciona huma carta do papa Ale-
xandre III., 'escripta cm 1177, e dirigida !cillustri et magni-
fico Indorum Regi, sacerdotum sanctissimo, lfc." e diz o his-
toriador que era endereada u ao Rei dos Ethioprs, a quem
chamamos l'reste-.Too " esta carla vem na Colleco de Con-
cilios do P. Lahhe, no tom. 10.
235
te-Joo unido ao da grande India, e descobri-
mos a razo, provavel porque depois se foi
dando quelle to nomeado e to inculcado
prncipe a denominao de Preste-Joo das
Indias.
No seculo 1 4 foro muitas as expedies
de missionarios christos , mandados pelos
summos pontfices Persia, Tartaria,
China, e a outras terras orientaes, os quaes
todos fizero no pequenos servios ao chris-
tianismo n'aquellas remotas regies, chegan-
do a fundar estabelecimentos religiosos em
Cambalu, e Caiton na China septemtrional,
-. em Usbeck, em Sultania , em Ceilo, na Java,
9-c. E posto que nas relaes destes missio-
narios, ou nas memorias, que delles, e dos
seus trabalhos nos tem d ~ d o os escriptores
ecclesiasticos , no achamos expressamente
repetido o nome de Preste-Joo, he comtudo
verosmil, que elle se conservasse junto com
a lembrana das primeiras e mais antigas no-
ticias; e como por outra parte constava, que
em alguns d'aquelles paizes se encontravo
christos da seita , ou rito nestoriana, facil
era ligar e confundir estas idas, que a igno-
rancia da geografia no permittia ainda recti-
ficar, e apurar (2).
(2) No Atlas em lingua catala, delineado, e cscriplo
em 1374, e publicado de hum exemplar da Bibliotheca do
236
Ainda no seculo 15, pelos annos de 1461,
se faz meno de certos legados orientaes,
que tendo vindo a ltalia solicitar do santo
padre Pio II. auxilio contra os Turcos, pas-
sro a Frana a empenhar o Rei Carlos VII.
em seu favor, sendo aconpanhados de hum,
que se dizia dos frades menores, e
talvez tomava o titulo de patriarcha de An-
tioquia , nomeando-se orador, ou legado do
Preste-Joo. A enfermidade de Carlos VII. ,
de que logo falleceo, no permittio que estes
legados fossem por elle ouvidos; e o _santo
padre tendo entretanto podido averiguar, que
ero insignes impostores, mandava reter em
Veneza o falso patriarcha, que houve por bem
retirar-se a tempo com os seus companheiros.
Este facto, bem como os precedentes,
mostra quanto na Europa era acreditada des-
Rei de Frana pelo Sr. J. A. C. Buchon no anno passado de
1838, v e!ltre as duas palavras "Affricha " e Nubia >>
a figura de hum imperador coroado , com sceptro na mo, e
ao lado a legenda .... de Sarrayns, ciutat do . .. est . ..
de Nubia. Est tos temps en guerra e armes C0'/1 crestians de
Nuhia, qui son so srynoria de l' empt'rador de Etiopia de la
terra do preste Johan isto he .... ele Sanacenos , cidade
do . . . est ... da Nubia: Est sempre em guerra e armas com
christos da Nubia, que esto debaixo do senhorio do impera-
dor de Ethiopia, da do Preste-Joo. >> Nova prova do
que vamos dizendo sobre a antiguidade do nome do Preste-
Joo na Europa.
237
de antigos tempos a existencia do Preste-Joo,
isto he, de hum prncipe christo, muito po-
deroso, que reinaya na India, ou nos paizes
orientaes: crena que no nasceo da ignoran-
cia dos Portuguezes, como dizem alguns igno-
rantes, ou mal intencionados escriptores es-
trangeiros; mas que tinha tido a sua primeira
origem nas antigas relaes, e que foi rece-
bida em outros paizes antes que chegasse a
Portugal. . ,
ElRei D. Joo II. pois, dirigido nesta
parte pelas idas, que ero communs em to-
da a e sempre possudo do grande
pensamento de descobrir a India, desejava
muito abrir alguma communicao com
le prncipe , -confiando que elle, pela quali-
dade de christo ' se prestaria a huma facil e
amigavel correspondencia; e como senhor de
grandes estados na India, no s traria con-
sidera veis interesses ao commercio dos Por-
tuguezes, mas tambem concorreria para que
elles viessem a conhecer o melhor, mais bre-
ve, e mais seguro caminho martimo para
aquellas partes, que ha tantos annos busca-
vo om e despezas, e
no menor constancia. e perseverena.
Quando elRei volvia em seu esprito es-
tes pensamentos occorreo hum accidente ,
que parecia confirma-los P favorec-los.
238
acuta, ou Zacuta ~ mandado a Lisboa
como embaixador do Rei de Beni, informou
a elRei, que alm do seu paiz, cousa de 250
leguas para o oriente, havia hum prncipe
mui poderoso, denominado Ogane', de cuja
Suzerania era dependente o Rei de Beni: e
taes circunstancias acrescentava , e de tal
01odo descrevia os ritos, e o ceremonial, de
que usava aquelle potentado, que elRei com-
binando tudo isto com as idas, que havia
do Preste-Joo , facilmente comeou a pre-
sumir que poderia ser este o proprio princi-
pe, e resolveo no poupar diligencia alguma
para verificar a sua conjectura, ou presenti-
mento (3).
(3) Huma das circunstancias, com que acuta descrevia
o ceremonial d'aquelle misterioso prncipe, era que no se
deixava ver dos seus vassallos , ouvindo-os de dentro de corti-
nas, e amostrando-lhes, quantJo muito, hum p. (Barros, 1,
3. 4.) Esta mesma circunstancia notou muito depois, como
propria do Rei dos ALexis, o illustre Castro , no Roteiro do
mar roxo, aonde tratando dos costumes d'aquelles povos diz
" he ordenana dos Re'l.jes nam se a verem de amostrar a seu
povo, e passam muitos annos, que nam sam dstos. Quando
quer que t'o guerra , ou caminham , levam pe1 derrador de
si taes impedimentos, que nam podem ser notados de alguma
pessoa. " O que porm nos parece ainrla mais nolavel a este
respeito he o que lemos na viagem do douto c celebre via-
. jante Arabe Ben-Batuta, que visitando as terras interiores de
Africa pelo meio do seculo 14, e fallando do paiz de Barnu,
cujos habitantes ero musulmanos, diz que tinho hum Rei,
239
No anuo pois de 1486, ao mesmo tempo
que mandava o illustre e intrepido navegador
Bartholomeu Dias ao descobrimento do gran-
de cabo meridional de Africa, lhe dava or-
dem, que nas terras, que fosse descobrindo,
lanasse certos negros e negras , que com sigo
levava , j industriados, para que por elles
chegasse noticia do Preste-Joo este desejo,
que elRei tinha de o conhecer, e ter com elle
amizade. (Barros, l. 3. 4.) E no contente o
grande prncipe com estas providencias, que
mal satisfazio a sua incessante e ardente cu-
riosidade, despachava tambem por terra va-
rios outros viajantes, ordenando-lhes, que por
via do Cairo ou de Jerusalem, que ero pon-
tos ento mui conhecidos e frequentados ,
tentassem penetrar at crte do Preste-Joo,
por nome Edrs, o qual no apparecia gente, nem {aliava
seno por lletraz de huma cortina. Aproveitaremos ainda esta
nota. para dizer que o prncipe Ogan, assim denominado nas
relaes portuguezas , segundo a informao do embaixador
de Bcni , nos parece ter alguma similhana com o Rei de
rgana , de que faz meno o Atlas Catalo , acima citado.
Nelle se denota no interior de Africa hum rio, a que chama
Nilo (o Nger?) : por baixo se l Nubia Organa e abaixo
da palavra Organa esta nota aqui reina o rei de Organa,
sarracerw , que tem continua guerra corn os sarracenos m a r i t i ~
mos, e corn outros alarabes (alarahps), 'ou occidentaes. Vej.
Notice sur ttn atlas en langue catalane, !(c. por Mr. Buchon,
Pars. 1R:l8, em 4."
240
-e haver as informaes e noticias, que tanto
se desejavo.
Hum escri ptor nosso antigo menciona co-
mo primeiro entre estes viajantes hum reli-
gioso por nome Fr. Antonio de Lisboa, acom-
panhado de outro frade leigo; mas logo adver-
te, que elles no chegro a passar de Jeru-
salem , por no fallarem a lngua arabica. E
Damio de Goes, na Chronica de elRei D.
Manoel, part. 3. cap. 58., depois de dizer,
que elRei D. Joo II. mandra por algumas
vezes, e cm diversos tempos, homens que sa-
bio a lingua ara bica, smente refere por
seus nomes Alfonso de Paiva, natural de Cas-
tello Branco, e Joo Perez da Covilha (4),
que so com effeito os que mais famosos se
fizero nestas expedies-terrestres , destina-
das a explorar os paizes orientaes, e a se in-
formarem do Preste-Joo das Indias.
Ainda que os nossos escriptores no so
perfeitamente uniformes em designar o anno,
em que .os viajantes sahro de Portugal para
esta importante commisso, temos comtudo
( 4) Alguns escriptores do a este segundo viajante o no-
me de Pero , ou Pedro da Covilha ; mas ha nisto equivoca-
o , segundo parece ; porque Rezcndc , autor comtcmpora-
neo , Goes, e outros o chamo Joo , ou Joo Perez , e he
provavel que o sobrenome patronmico Pe1ez dssc occasio
ao erro.
241
po1 quasi certo, que elRei os despachou, es-
tando em Santarm, a 7 de Maio de 1487,
sendo ento presente ao despacho o ])uque
de Beja ]), que depois foi Rei. Esta
a data seguida por Castanheda, Barros, e
outros.
Os viajantes foro por terra at N apoies,
e embarcando ahi a 24 de Junho, dia de S.
Joo Baptista, .navegro para Rhodes, aonde
foro bem acolhidos de Fr. Fernando, e Fr.
Gonalo (que alguns nomo Fernam Gon-
salves, e Gonalo P1'menta) cavalleiros Portu-
guezes, da Ordem de S. Joo de Jerusalem,
que ao tempo residio n:aquella ilha.
])e Rhodes passro a Alexandria, e logo
ao Cairo; e como achassem oportuna compa-
nhia nas cafilas de Fez e Tremecm, assen-
tro aproveitar-se della, e viajro como '
mercadores para Tor sobre o golfo arabico,
d'onde passro a uaqurn, na costa da Ethio-
pia- sob o Egypto, c ultimamente a Adm,
havendo ahi por conveniente, na conformi-
dade de suas instruces, separar-se, e tomar
cada hum delles differente direco.
Resoivro por tanto, que Paiva se diri-
gisse Ethiopia, que parecia ser a regifo de-
signada pelas informaes de Beni e Congo,
e aonde se di?ia existir hum grande Rei chris-
to, que poderia ser o prncipe que procura-
I 6
'
242
vo; e que Covilha partisse em direitura ;(ln-
dia, ajustando por ultimo que se reunirio no
Cairo depois de certo tempo determinado.
Affonso de Paiva chegou c ~ m effeito a
entrar em terras da Ethiopia. O Covilha pas-
sou ao golfo persico, d'onde navegando para
a costa da India, visitou Cananor, Calecut,
Ga, e toda a costa Malabarica. Veio a o-
fala, voltou a Adm, e recolhendo-se ao Cairo
no tempo aprazado, achou a noticia de ter
ali fallecido o seu companheiro Paiva, quando
j voltava da Abyssinia.
Em quanto estes dous viajantes procura-
vo desempenha r a sua ardua commisso, no
cessava elRei de empregar novos e oportunos
meios de assegurar cada vez mais o seu effei-
to: e com este presupposto, despachou os
dons hebreus Rabbi Abraham de Beja, e Jos
de Lamego com cartas suas para Paiva eCo-
vilha, endereadas ao Cairo. Covilha os veio
effectivamente encontrar ahi, e recebendo as
cartas de elRei, lhe respondeu logo por Jos
de Lamego , referindo tudo o que at ento
tinha visto e observado; participando a noti-
cia da morte do seu companheiro; e dizendo,
que se podia navegar para a lndia pelo O c ~ a
no, e que o Preste-Joo no podia ser outro
que o imperador da _Ethiopia, segundo as in-
forma9es que tinha podido colligir: e ainda
243
alguns acrescento (no sem verosimilhana)
que elle mandra a elRei huma carta d'aquel-
les mares orientaes entre a lndia e a costa
africana. Como porm elRei ordenava que de
nenhum modo voltassem a Portugal sem vi-
sitar Ormuz, e sem haver alguma certeza do
Preste, o Covilha se pz de novo a caminho
com Rabbi Abraham para Adm: d'ahi p ~ s
sou a Ormuz, voltou ao golfo ara bico, visi-
tou Mecca, Monte Sinai, Thor, e depois
Zeila.; d'onde por terra penetrou em fim at
crte do Ahexi (1490), e entregou ao prin-
. cipe, que ento ali reinava, e se chamava
Escander (Alexandre) as cartas de elRei D.
Joo, e hum mappa, em que estav!lo deli-
, neadas as nossas navegaes. Em Ormuz se
tinha. Covilha apartado do seu companheiro
Rabbi Abraham, confiando-lhes segundas car-
tas para el Rei.
Parece que a fortuna se comprazia de
favorecer os projectos, e animar as esperan
as de elRei de Portugal! Como elle tinha
no mediterraneo , em differentes portos de
Levante , pessoas encarregadas de lhe parti-
ciparem quaesquer noticias, que se podessem
obter do Preste-Joo, e das terras da India,
aconteceo, que vindo por aquelle mesmo tem-
po a Roma , e estando no collegio de Slnto
Estevo dos Indianos hum sacerdote ethiope,
16 '"'
244
por nome Lucas .Marcos , o santo padre In-
nocencio VIII. o enviou a elRei, o qual no
s o recebeo e ouvio com grande contenta-
mento, e alvoroo , mas tambem por elle es-
creveo novas cartas ao imperador Abexi, fa-
zendo que elle mesmo escrevesse outras por
quatro differentes vias, nas quaes todas se
annunciava quelle principe o ardente desejo
_ que elRei de Portugal tinha da sua amizade
e communicao; se lhe t:ecommendava e pe-
dia que recebesse benignamente o embaixa-
dor que de Portugal lhe tinha sido enviado ;
e se lhe indicava a via do Cairo, Jerusalem;
ou Roma para reciproca correspondencia, at
que Deos abrisse outro mais directo, e mais fa-
cil caminho. -
O Paiva falleceo no Cairo, como j vimos.
O Covilha no voltou a Portugal ; porque
estando j para isso despachado por Escan-
der, e fallecendo este antes que Covilha po-
desse realisar a sahida, Nau, ou Naut, que
succedeo no throno , lhe denegou constante-
mente licena para sahir do impcrio, e o
mesmo fez David , que succedco a Naut,
adoando comtudo a Covilha as saudades da
patria' com lhe fazer amplas mercs e donati-
vos. Pelo que, cazou-se Com:Zha na Ahyssinia
(diz Goes) e teve filhos, e filhas.
Com effeito pelos n o s s ~ s escriptores nos
245
consta, que quando o grande
embocou o estreito do golfo arabico em 1506,
ainda o Covilha vivia "nas terras d'aquelle
imperio: e quando o embaixador do Abexi,
Mattheus , chegou a Ga no anno de 1512
para vir a Portugal , dizia, que na Abyssinia
existio tres Portuguezes, hum chamado Joo,
que havia muito tempo tinha sido mandado por
hum Rei de Portugal C e este era sem duvida
o Joo Perez da Covilha , mandado
por elRe! D. Joo II. vinte e seis annos an-
tes) , e outros dous que de pouco tinlto l che-
gado, e serio certamente alguns d'aquelles,
que os capites Portuguezes lanavo em ter-
ra em certas paragens, com ordem de pene-
trarem ao interior, qunto lhes fosse poss-
vel, a fim de poderem depois dar informao
do que tivessem observado. Ainda no anno de
1526, em que o P. Francisco Alvarez sa-
hio da Ethiopia com D. Rodrigo de Lima,
que l existia o Covilha; e finalmente
-no anno de 1559 achamos meno de hum
Alvaro da Costa Covilha, que vivia na Abys-
sinia, e seria provavelmente algum dos filhos
do nosso viajante.
Taes so as noticias que desta impor-
tante viagem C 6) ficro em nossas historias ,
( 5) No podemos escusar-nos satisfao de copiar nesta
nota as palavras de hum douto e sincero escriptor franccz a
246
e que aqui quizemos ajuntar para commodi-
dade dos leitores, confiando que se nos rele-
var descermos talvez a miudezas e particu-
laridades, que podem hoje parecer de pouco
interesse, mas que acredito, e recommen-
respeito da viagem, de que temos tratado. He Mr. Pouque-
ville, que na lJfamm. histor. e diplomat. sobre o commercio e
estabelecimentos fmncezes t.o Levante, ffc. an. 1827, fallando
da poca da tomada de Constantinopla por l\lahomet n. diz
assim At ento tinha o mediterraneo sido o cmtro da na-
vegao do mundo ; mas a providencia permittio em fim ,
que os homens descobrissem mais vasto campo, em que po-
" dessem dar ala ao seu genio , sua coragem. Os estados ,
que com mais perseverana se havio dado s viagens lon-
" ginquas, he que devio obter a gloria de abrir e franquear
<<o caminho. Os Portuguezes merecto esta ll(Yflra , dobra_!ldo
o cabo da Boa Esperana. Hum anno depois deste memo-
" ravel descobrimento , Pedro de Covilha e Alfonso de Paiva
mandados por e! Rei de Portugal a reconhecer, hum, os es-
'' tados do Preste-Joo , que se chamavo lndia , e o outro as
<< terras donde vinlla a especiaria., parlro a executar huma
das misses mais vastas , que jmais se ltavio concebido. Le-
vavo elles ordem de se informarem , se era possvel a na-
vegao desde o cabo da Boa Esperana at s lndias orien-
<< taes , e de se instruir de tudo o que pudesse ser util ao
"commercio. Chegados a Tor, aonde se separro, Covilha
embarcou, e foi o primeiro Portuguez que navegou os ma-
res da India, ao mesmo tempo que Paiva se dirigia Ethio-
<< pia, tendo ambos ajustado entre si reunirem-se no Cairo de
<<volta de suas viagens. Em quanto estes exploradores desem-
penhavo a sua perigosa commisso, Christovo Colombo
a descobria a America . &c.
247
do o discernimento, ~ zelo, e a constancia,
com que os Reis Portuguezes procurro lan-
ar os fundamentos ao magnifico edificio de
gloria e de grandeza, a que depois se elevou
o imperio lusitano-oriental.
. ElRei D. Jo9 II. ao mesmo passo que
com tanta diligencia e grandes despezas da
sua fazenda (6) mandava explorar as t e r r a ~
oricntaes, tambem se no descuidava de fa-
zer examinar o interior de Africa, tanto para
adquirir conhecimento das produces do paiz,
e dos costumes das gentes, como para apro-
veitar as utilidades do commercio, e levar
quelles povos rudes e barbaros a luz do evan-
gelho, e com ella os beneficias da civili-
sao.
Alguns escriptores estrangeiros, que igno-
ro, ou fingem ignorar os factos da nossa his-
toria, atrevero-se a dizer que os Portugue-
zes nunca tivero o pensarnento de inspirar
aos Africanos alguma ide moral. Esta pro-
posio he huma insigne, e calumniosa falsi-
dade, desmentida por toda a historia dos nos-
sos descobrimentos e conquistas, e filha, ao
que parece, do baixo ciume, com que os
estrangeiros , em geral , tem considerado , e
(6) Rezende, na Yid. de Joo II. cap. 60, fallando da
viagem do Paiva e Covilha, acrescenta e depois delles foro
outros, com muitas despezas, que elRei nisso fez.
248
ainda hoje considero a superior gloria, que
n'aqueHes tempos adquirimos. Ns refutare-
mos em outra nota a injuriosa accusao, que
nisto se nos quer fazer. Aqui smente trata-
mos de recolher as escassas idas que ainda
achamos nos escriptores nacionaes sobre as
indagaes dos nossos antigos no interior de
Africa, para que por ellas se veja, que as
tentativas, feitas pelos modernos com o mes-
mo fim , foro precedidas pelos Portuguezes
tres seculos antes, e que se os Portuguezes
no tirro dellas maiores proveitos , nem
para si, nem para os povos africanos, tamhem
os modernos no tem sido at o presente
muito mais felices, apezar da grande aptido
e capacidade de que se prezo e jacto-, e
apezar dos multiplicados meios de que hoje
podem ajudar-se nesta em preza, e de que os
Portuguezes totalmente, ou quasi totalmente
carecio no seculo I 5.
Bem natural parece que o illustre Infante
D. Henrique se no esquecesse de lanar
mfo de hum arbtrio to proprio para levar
ao fim os seu.s intentos, como era o das via-
gens ao interior de Africa. Os fins principaes
a que elle se dirigia, que consistio em tra-
zer os povos barbaros religio christa, e
ampliar o mesmo tempo as relaes, e os
interesses commerciaes do reino, aconselha-

249
vo este meio corno opportuno. O Infante ti-
nha noticia, pelas informaes dos Mouros,
das grandes feiras, que se fazio em differen-
tes lugares da Africa central, e no ignorava
o extenso cornmercio, que os seus habitantes
entretinho com os das costas septerntrionaes,
assentadas sobre o rnediterraneo. Pelo que
no podemos prudentemente duvidar de que
intentasse examinar estes objectos com todo
o cuidado e empenho, e assim parece per-
suadi-lo tanto a embaixada que mandou a Fa-
rim, Rei de Cabo-verde, e a funrlao da
fortaleza de Arguim, como os estabelecimen-
tos que ordenou se fizessem nas margens do
Rio-grande.
Com tudo , pelo que mais directamente
respeita ao nosso particular assumpto, a his-
toria smente nos conservou lembrana do
ousado Portuguez Joo Fernandes, homem de_
honra e confiana e j instruido na lngua
d' aquelles povos, que voluntariamente se offe-
receo ao infante para hir investigar o interior
do paiz dos A.zenegues. Este animoso aventu-
reiro ficou com cfreito no Rio do Ouro , pe-
netrou o serto, inq uirio o trafico, ritos, e
costu!JleS dos habitantes, e depois de sete
rnezes de peregrinao n'aquellas terras, man-
dou o infante que Anto Gonsalves o fosse
buscar, e conduzir ao reino, aonde com grau-
250
tlc attento e gosto ouvia as informaes ,
que elle dava de to estranhas gentes.
ElRei D. Joilo II. foi o que depois pro-
seguio com mais constancia o desempenho
d'aquclle plano. Delle nos consta que entre-
tinha frequente correspondencia com alguns
Reis e grandes senhores do interior, e que
por via do castello de Arguim mandava esta-
belecer feitoria portugueza em Huadem (7)
despachando para feitor Rodrigo Reinei, para
escrivo Diogo Borges, e para homem da
feitoria Gonalo d' Antes.
Sendo o mesmo prncipe informado que
o Senegal corria por Tentboctu e Mombarce,
principaes feiras dos sertes africanos, man-
dava' igualmente hurna fortaleza na
bca d'aquelle rio. Nas que se fundro na
Mina , e no Congo no s tinha a gente ne-
cessaria para defeza, e os feitores que havio
do tratar do comrnercio; mas tarnbem desi-
gnava certas pessoas, particularmente desti-
nadas a fazer excurses s terras do serto
para se informarem das gentes que as habi-
f.avo, dos seus usos, costumes, e linguagem,
das produces da terra, dos seus commer-
cios, &c. (8) Por outra parte os ecclesiasticos
(7) Em arabc Udn, ou Oudtln, ou llodfn.
(8) lllal'iz, dialog. 4. cap. 11. E era elRci D. Joo to
bumano. qtH' se carlcaYa (com os Prncipes africanos) e os
251
que tinho a seu cargo a converso dos in-
fieis, fazio tambem para isso, por mandado
de elRei , entradas nas terras , com o que se
augmentava o numero, e a certeza das noti-
cias, que progressivamente se hio adquirindo
d'aquelles vastos paizes (9).
Entre as muitas pessoas encarregadas
destas viagens e indagaes,. faremos aqui
meno das que o illustre Barros noma nas
suas Decadas, segundo os documentos origi-
naes, que em sen tempo existio na casa de
Guin e India. So pois Pero de Evora e Gon-
tratava particularmente, tudo porm para descobrir o estado
do Preste-Joo, e com elle as Jndias, de que tantas grande-
zas se publicavo pelo mundo. E para este seu desejo man-.
dava tambcm por terra, c serto dentro da Ethiopia muitos
christos , assim portuguezes , como naturaes da terra , em o
qual tanto se occupa,a, e com tanto fervor o solicitava,
principalmente depois que vio e gostou de muitas cousas, de
que os escriptores antigos no tivero noticia , que no lhe
repousava o esprito, commettcndo muitas vezes por l'arias
parles esta grande balsa de Guin, que at hoje se no dei-
xou penetrar.>>
(9) Sm.tsa, Hi.t. de s. Domingos, part. 2. liv. 6. cap. 6.,
fallando da misso de Beni em 1486 diz as m('morias de
nossa Ordem dizem que. elllei eseolhco ndla sujeitos, que
alm das sagradas letras , ero entendidos nas mathl'maticas,
para que, nas horas que lhe vagassem da prgao, fossem
inquirindo alguma noticia da Jndia pelo serto d' arptellas
protincias , e do grande Hei do Abcxim , que o vulgo cha-
mava Preste-Joo, e havendo-a, procurassem chegar a elle.
252
<;alo Eanes, mandados, por elRei aos Reis de
Tucurol e de Tunbugutu. Rodrigo R.ehello,
escudeiro da casa de elRei e Pero Reinei
sea moo de esporas, e Joo Collao besteiro
da camara, despachados com outros homens,
em numero de oito, por via de Cantor, a
Mandi-mansa, hum dos mais poderosos prn-
cipes da provncia de Mandinga (lo). Mem
Rodriguez, e Pero de Astuniga a Twzbugutu,
e a Temalla dos Fullos: Rodrigo Rebello, e
Joo Loureno criados de elRei, e Vicente
Annes, e Joo Bispo, linguas, a varios ou-
tros reinos e gentes. Por hum Abexi chamado
Lucas, escreveo tambem elRei ao prncipe,
ou senhor dos Moses, nome mui celebrado
entre os negros, e que se julgava ser vi-
sinho, ou vassallo do Preste, ou da gente dos
(10) Barro.Y, 1. 3. 12. "E assi ficou desta, c doutras
idas , que ellley l mandou , tanta amizade entre os nossos e
este Rei l\:landi-mansa, que enviando eu, por razo do meu
cargo de feitor destas cazas de Guin c lndias , o anno de
1531., a hum l'ero J<'crnandrs a este reyno de l\Iandi-mansa,
t'm nome de clRcy dom Joo o terceiro nosso senhor, que
ora reina , por razo do rrsgate de Cantor, estimou o Rey
muito (s1e Fccao, que lhe- foi dado da parte de e!Rci, di-
zendo que a\ ia cm boa,-entura ser-lhe enviado este mensa-
geiro , porque a seu av , que tinha o seu proprio nome ,
fdra enviado outro mensageiro doutro Rey dom Joo de Por-
tugal. Tanta memoria, srm trrcm letras, avia entre estes
h a r h a r o ~ rias cousas de lUci dom Joo.
253
- .
Nobis ( ll): c pelo fort da Mina enviou men-
sageiros a Mahamed-ben-Manzugul, neto de
Mussa: Rei de Songo. "E no s por seus na-
turaes (diz Barros) mas ainda por estrangeiros,
assi como A bexis e alguns alarbes que vinho
ao castello de Arguim , commettia este des-
cobrimento do serto, por lhe no ficar cousa
alguma por tentar. To occupado e solicito o
trazia este negoci ! principalmente depois .,
-que vio e gostou de muitas cousas, de que os
antigos escriptores no tivero noticia, fal-
lando desta parte de Africa , que no lhe re-
pousava o esprito! E bem como hum leo fa-
minto, a quem a caa se esconde, com temol'
delle, em meio de alguma grande e espinhosa
balsa, a qual elle r o d ~ a e commett per mui-
tas partes , e ferido e espinhado das entradas
e sabidas, j canado se lana com o sentido
e tento posto na p r ~ a escondida , assi elRey
commettendo per muitas partes e vezes esta
gran balsa de Guin, que t ~ hoje se no lei-
xou penetrar, canado desta continuao , e
despeza de sua fazenda, e assi de grandes
cuidados que lhe dero os negocias do reyno,
principalmente no tempo das traies? se lei-
xou algum tanto repousar ... , &c. "
Depois do fallecimento de elRei D. Joo
( 11) Este senhor dos llluses parece ser o mesmo, que no
Atlas Catalo acima citado se diz "lllitssa Rei de Melly."
254
II., e quando j os Portuguezes conhecio e
pratica vo o caminho martimo da lndia, e
os diversos portos da costa oriental de Afri-
ca , nem por isso afrouxro , antes mais in-
sistro, e se empenhro em haver conheci-
mento dos paizes interiores d'aquella parte
do mundo.
Os primeiros capites, mandados ln-
dia, leva vo homens criminosos e condemna-
dos a graves penas, os quaes, por commuta-
o dellas, ero lanados em terra em diver-
sas paragens, com ordem de penetrarem ,
quanto lhes fosse possvel, ao interior, para
depois informarem do que tivessem visto e
observado. No rio dos Reis, a 25 meridio-
naes , deixou o grande V asco da Gama dous
destes exploradores, e pouco adiante outros
dous no rio dos bons sinaes. Cabral, sua
volta da lndia, lanou outros dous em JYie-
linde, recommendando-lhes que trabalhassem
por penetrar at Abyssinia, de que ainda
no havia bem miudas, e exactas informa-
es. Joo da Nova (em 1501) achou e11 Qui-
la hum Antonio Fernandes , carpinteiro de
nos, degradado, lanado em terra pelo mes-
mo Cabral. Cyde Barbudo, e Pero Quares-
ma, ma!Jdados a indagar por toda a terra do
-cabo da Boa Esperana ate qfala o lugar, e
as circunstancias da perdio de Francisco de
255
.Albuquerque e Pedro de Mendoa, lanro
em terra (em 1505) dous degradados na agoa-
da de S. Braz . com ordem de correrem ao
longo da costa da Cafraria. Tristo da Cunha
(em J 507) pz em Melinde tres homens, a
saber, hum portuguez, por nome Fernam
Gomes o Sardo (ou Joo Gomes o jardo , se-
gundo a ultima edio de Castanheda), hum
mourisco christo, chamado Joo Sanches,
e hum mouro de Tunes por nome Cyde Ma-
hamede, mandados par elRei D. Manoel com
cartas suas ao imperador Abexi: aos quaes o
bom Rei de Melinde se encarregou de dar
aviamento para a viagem, que comtudo se
no chegou ento a executar por embaraos
supervenientes. Estes mesmos homens porm
faro depois (em 1508) postos por Affonso de
Albuquerque em terra, a 3 leguas do cabo
de Guardafui, com cartas suas, e por ali che-
gro finalmente crte de David, aonde na
menoridade deste prncipe governava por elle
sua av Helena; sendo acaso esta h uma das
. causas, que deter-minro os Abexis a man-
dar o embaixador Mattheus, que com effeito
veio pouco d e p ~ i s a Portugal "trazendo carta
de Helena , av de David, Precioso Joo , Im-
perador dos Ethiopes a D. Manoel Rei dos
Portugu.ezes, escripta em 1509." (Goes.)
Seria longa esta nossa escriptura, se qui-
256
zessemos mencionar todas as tentativas, to
das as diligencias, todos os esforos, que
n'aquelle tempo se empregro para hwer-
mos conhecimento dos paizes sertanejos das
vastas regies africanas : e he por certo bem
para lamentar, que, em parte, algum des-
cuido dos nossos antigos , e em parte a ty-
rannia do tempo, e as revolues ordinarias
do mundo nos privassem de memorias mais
individuaes, com as q uaes responderamos
hoje vaidosa, e no menos invejosa, pre-
sumpo dos estrangeiros, que aproveitando-
se por ventura dos trabalhos e escriptos dos
antigos Portuguezes (que elles busco, e guar-
do, e arrecado melhor do que ns) vem de-
pois lanarnos em rosto a nossa suppost in-
curiosidade, e fazer ostentao dos seus scien-
tificos trabalhos.
Faremos porm ainda meno de hum
projecto, ou tentativa, que foi a ultima do
reinado de elRei D. Manoel, e que infeliz-
mente veio a malograr-se pela prematura mor-
te deste Soberano. Castanheda , e Goes nos .
subministrro esta noticia.
Hum cavalleiro Portuguez , por nome
Gregorio de Quadra, que fra criado do mar-
quez d ~ Villa Real, e andava por capito de
hum bargantim na armada de Duarte de Le-
mos, na costa oriental de Africa, pelos annos
257
de 1508 e 1509, estando em frente de Maga-
daxo, e cortando-se-lhe de noute , por m
a amarra do bargantim, foi levado com
o baixel :.( discrio das ondas at o cabo
de Guardafui, e d'ahi a Zeila, onde sendo
captivado com a sua gente, passou ao poder
do Rei de Adm, que o teve prezo por alguns
annos.
Posto depois em liberdade, como tivesse
bem aprendido a lingua arabica, e se fingisse
devoto religioso mahumetano , o proprio Rei
de Adm o levou a Medina, d'onde passou
Persia, e custa de gravissimos incommo-
dos visitou a Babylonia, Baor, Ormuz , e
India, voltando ultimamente a Portugal em
1520.
Deo este eapito to boa conta a elRei
D. Manoel de tudo o que tinha visto e obser-
vado, e de tudo o que sabia da Arabia, da
Ethiopia, e do grande lago, que se reputava
ser a origem do Nilo, do Zaire, e de outros
grandes rios de Africa , que elRei o
capaz de executar o que desde muito tempo fa-
zia objecto de seus pensamentos e meditaes,
que era descobrir o caminho do Congo para
Ethiopia por terra, esperando tirar grandes
proveitos da communicao, que se abrisse
entre os dous principes christos seus allia-
dos, cujos estados tinho portos martimos
17
258
em ambas as costas occidental e oriental de
Africa.
Despachou pois o capito Quadra, <: lhe
deo cartas de credito para o Rei de Congo,
e Instruces sobre o que devia tratar com
o Abexi cerca da guerra com os Turcos, e
das fortalezas que elRei queria fundar nas
costas do mar da Arabia e da Ethiopia.
Quadra partio , e chegando ao Congo
entregou as cartas de elRei: mas logo se lhe
oppozero embaraos, ordidos pela in-
veja e malevolencia dos seus proprios natu-
raes, que elle, para os remover, se vio obri-
gado a voltar a Portugal, aonde achou elRei
fallecido, concebendo d' aqui tal desgosto,_ que
se resolveo a entrar em religio, aonde aca-
bou seus dias em exerccios de piedade.
ElRei D. Joo III., no obstante ver-se
obrigado a dividir os cuidados para Afri-
ca, Asia, e America, segundo a excessiva
extenso,, que havio tomado os domnios, e
as emprezas portuguezas nestas diversas par-
tes do mundo, no se esqueceo comtudo da
explorao da Africa interior , e no anno de
1546, escrevendo ao imperador da
e aos Portuguezes, que ainda l e:iistio, e
tinho feito parte da expedio de D. Chris-
tovo da Gama, recommendava com encare-
cidas palavras, que por pessoas idoneas se
259
mandasse indagar e descobrir hum caminho,
que da Ahyssinia viesse ter costa de Melin-
de , ou a alguma outra parte d' aquella banda:
E pon}_ue pde ser (dizia elRei) que a terra do
Ahexi venha tanto para oeste, e a de Mani-
congo v tanto para leste, que no stja grande
distancia de huma terra a outra, queria, e
ordenava, que tambem se tentasse este ca-
minho do Abex1: para llfanicongo, ou para
qualquer outro rio do cabo da Boa Esperana
para c (12).
Ainda em tempo de elRei D.
e no anno de 1562, tomando o cardeal infante
D. Henrique a tutoria de elRei menor, e a
regencia do reino, lhe apresentou Loureno
Pirez de Tavora huns apontamentos sobre
varios objectos do governo, em hum dos quaes
(12) A carta que elRei escreveo ao Rei da Abyssinia he
datada de Almeirim a 13 de 1\laro de 1M6, e a que S. A.
escreveo aos fidalguos, e seus criados , e gente de armas , que
estato nas terras do Preste, he de 15 do mesmo mez e anno.
Ambas foro remeltidas por copia a D. Joo de Castro, a
quem e IRei dizia porque poder ser que para virem demandar
as costas , que vereis pelo trelado da carta ; que escre'IJO aos
Portugtte::es, lhes ser necessario algus instrumentos, e agu-
lhas , e cartas de marear, c estrelabios , lhos , e assy
htum regimento do modo que teram em descobrir, e escrever as
derrotas e alturas do que caminharem. >> (Existe a carta origi-
nal de elRei a D. Joo de Castro, c as copias que a acom
panharo , na minha Colleco.)
17 *
260
~ e recommendava o descobrimento de Tornbu-
ctu, e a escolha de pessoas aptas para esta
em preza.
No mesmo reinado (anno de 1569) se
fez notavel a expedio de Francisco Barre-
to, e de seu successor Vasco Fernandes Ho-
mem s terras de JI;Ionomotapa, e s minas
de Chicova, Rutroque, Chican.qa, Mocms,
g.c. Nem foi menos util para o conhecimento
de huma parte da Africa a importante expe-
dio (em 1574 e 1575) a que foi mandado
Paulo Dias de Novaes, digno descendente
do intrepido Bartholomeu Dias , para o des-
cobrimento das terras de Angola, e fundao
deste reino portuguez, a que logo depois, e
pelos tempos adiante acrescro as terras de
Benguela (em 1617) e os varios outros Pres-
dios, e Districtos nos respectivos sertes, re-
sultando de tudo isto os conhecimentos e in-
formaes, que hoje temos d'aquella parte
de Africa.
Finalmente a explorao dos sertes afri-
canos, e o descobrimento de hum caminho
para communicao da costa occidental com
a oriental, estava de tal modo, e esteve sem-
pre no animo, e no intento dos Portuguezes,
como mostro os factos, que havemos indica-
do, e os mais de que agora fazemos meno.
No anno de 1606 o governador de Angola
261
D. Manoel Pereira Forjaz; intentando realt-
sar aquella communicao, nomeou para a
execuo do projecto a Baltazar Rebello (ou
Pessoa) de Arago, homem capacissimo para
a em preza, tanto pelo seu valor, como pe-
los conhecimentos que tinha do serto. Elle
com effeito comeou a viagem, e tinha j-
penetrado ao interior, quando se vio obrigado
a retroceder, para acudir <. fortaleza de Cam-
bmbe, pouco antes fundada (em 1603) e ora
sitiada por hum Sova visinho, colligado com
os negros da provncia do J\!Iosseque.
No mesmo seculo 17, no anno de 1648,
sendo Angola libertada, e limpa de Hollan-
dezes pelo illustre capito Salvador Corra
de S, se offerecia este a elRei D. Pedro II.
para hir reduzir obediencia de Portugal o
reino de Pate na baixa Ethiopia oriental, que
se tinha re bellado, e para abrir communica-
o desde Cuam e Jl;fonomolapa at Angola
por terra: projecto e offerecimento que a in-
e a in,qratido da crte frustrou, como ou-
tras vezes tinha feito ao que podia parecer glo-
rioso a este benemerito fidalgo. diz hum escri-
ptor judicioso e contemporaneo (13).
(13) aqui a proposito, pela ordem chronologica,
notar o facto que nos refere Mr. Jomard nas suas Remarques
et recherches gografiques sur le voyage de Mr. Cailli,
Se exceptuarmos (diz clle) Leo , m011ro nascido Granada
262
Entre os annos de 1676 . a 1680, tendn
Ayres de Saldanha de Menezes e Sousa o go-
verno de Angola, intentou abrir communica-
o por terra at Benguela, e de Benguela :i
contra-costa de Sena. E posto que para esta
empreza se offereceo o capito Jos da Roza,
que logo sahio de Massangano com esse des-
tino , encontrou tantas e taes diiliculdades , e
tanta opposio nos Sovas que dominavo as
. terras da sua passagem, que se vw obrigado
a wtroceder ( 14 ).
e os Portuguezes de que s temos noticia8 incertas! transmitti-
das por lJiarmol , e Barros , o primeiro europo , que eh egou a.
Temboctu , foi o francez Paulo lmbert , nascido cm Sablcs-
d' Olonne , isto lte , na mesma provncia que Renato Cailli. A
sua viagem he anterior a 1670. Elle acompanhava seu amo,
portu,quez ?'enegado, enviado a 1'emboctu pelo governador de
Ta[i.let: aonde achamas notavcl, que o douto cscriptor no-
me o (rancez lmbert como pr.imeiro europ-.!o , que chegou a
Temboctu, sem advertir que o portuguez, alll.() de lmbert, na-
turalmente hiria adiante do seu criado , e entraria primeiro
na cidade!
(H) Seja-nos permiltido copiar aqui o que no anuo de
1663 escrevia o P. l\Ianocl Godinho, na importante R e l a ~
tio novo caminho, que fez por terra e mar, vindo da India
para Portugal, impressa em Lisboa em 1665. O caminho
de Angola (diz elle) por terra India no he ainda desco-
berto , mas no deixa de ser sabido, e ser fac ii em sendo
cursado : porque de Angola laga Zachaf (que fka no ser-
to da Ethiopia, c tem de largo 15 lcguas, sem at agora
se lhe saber o comprimento) so menos de 250 leguas. Esta
laga pem os cosmografos em 15" c 50
1
; e segundo hum
263
Em 1798, estando D. Rodrigo de Sousa
Coutinho (que depois foi Conde de Linhares)
no Ministerio dos Negocios da Marinha e-do
Ultramar, quiz este illustre Ministro renovar
a antiga_, e tantas vezes intentada empreza
da abertura da commnnicao por terra entre
as duas costas occidental e oriental de Africa l
para cuja designou a Francisco Jos
de Lacerda e Almeida, Doutor em .Mathe-
matica, nomeando-o para governador dos Rios
mappa que vi , feito por hum portuguez , que andou muitos an-
nos pelos reinos de llforwmotapa , Manica , Butua , e outros
d' aquella Cafraria , fica esta laga no muito longe do. Zim-
bau, quer dizer, crte de Mesura, ou Marabia. Sahe della
o rio A mui , que por cima do nosso forte de Tte se mette
no rio Zambeze. E lambem o rio Cftire, que cortando por
muitas terras , e ultimamente pelas do Rondo , se vai ajuntar
com o rio de Cuam para baixo do Sena. Isto supposto digo
agora : quem pertender fazer este caminho de Angola a 1\Io-
ambique., e d' aqui lndia , atravessando o serto da Cafra-_
ria, deve demandar a sobredita alaga Zachaf, e em a
achando descer pelos rios aos nossos fortes de Tte e Sena ;
destes barra de Quilimane; de Quilimane a Moambique ,
&c. Que haja a tal alaga dizem-no no s os Cafrcs, seno
Portuguezes, que j l chegro, navegando pelos rios acima,
e por falta de premio se no tem descoberto at agora este
caminho. As condies que devem concorrer cm seu desco-
bridor , o poder que ha de levar, o modo com que se deve
haver pelas terras porque passar , disse j em outro papel ,
que se me pedio para bem do de1cob1imento. >> (Dita Relaro,
cap. 25.)
264 ..
de Sena, d'onde devia partir a expedio. La-
cerda foi tomar o seu governo , e havendo-se
munido dos meios , e instrumentos necessa-
rios, e tomadas as possveis informaes e
noticias dos paizes que hia percorrer, se pz
a caminho para o interior. Chegando porm
s terras do Rei Cazembe C que parece serem
o ponto central entre as duas costas) ahi fal-
leceo: e posto que n-os ultimos momentos da
vida encommendou a seus companheiros a
continuao da em preza, elles comtudo no
annuro a esta recommendao, e o desco-
brimento ficou sem ulterior effeito C J 5).
Finalmente no anno de I 80 7, sendo Go-
vernador e Capito General do reino de An-
gola o illustre, douto, e zeloso fidalgo Anto-
nio de Saldanha da Gama, hoje Conde de
Porto Santo, se realisou, de mandado delle ,
a primeira expedio de Loanda contra-
costa, a qual voltou no anno de 1809 trazendo
a embaixada dos Molluas, nao que j com-
merciava com Moambique. Immediatamente
(15) Temos por noticia fidedigna, que na livraria do Sr.
Conde de Linhares e:x;iste a Relao circunstanciada desta
viagem com os planos , instruces , e documentos a e lia re-
lativos. Pde porm entretanto ver-se a obra intitulada << Con-
sideraes politicas, e cmnmerciaes sobre os descobrimentos e
possesses dos Portuguezes na frica e na Asia , por Jos CCN1'-
sia das Neves,. Lisboa. 1813, em 12
265
enviou o digno Governador outra expedio
com ordem expressa de hir at Moambique,
o que effectivamente se executou, voltando
esta segunda expedio a Loanda com cartas
.de Moambique, estando j a governar An-
gola Jos de Oliveira Barbosa (16) (*)
Dir por ventura alguetn que todas estas
noticias, que aqui temos ajuntado, so de
pouco valor, e interesse, porque em fim ainda
se no conseguro grandes adiantamentos na
geografia de Africa, ne.m no conhecimento
dos povos que a habito, nem nos outros
muitos objectos, que deverio concorrer para
a civilisao de tantas naes barbaras, e de
hum to extenso continente. Ns o confessa-
mos com mgoa; mas perguntamos ao mesmo
tempo aos sabios estrangeiros, que nos lan-
o em rosto a nossa ignorancia, e a nossa
incapacidade do seculo 15 , perguntamos,
go, se elles , que desde o fim do seculo 16
comero a apossar-se de nossas conquistas,
e a despojar-nos do dos nossos traba-
(16) Veja-se a lllemoria do Sr. Visconde da Carreira pu-
blicada no Observador Lusitano , impresso em Pars no anno
de 1814.
( .. ) Na Historia da navegao de J. H. de Linschot lwl-
landez s lndias orientaes, Amsterdam, 1619, no cap. 4.,
fanando o utor de llloambique diz que das minas de o{ala
no disto as de Angola na contra-costa mais de 300 leguas ,
e qu os negros de Angola vo muitas vezes a ofala por terra.
266
lhos ,. tem sido mais felices , e tem adiantado
muito mais que ns no conhecimento da Afri-
ca interior? Elles apenas ha poucos
podro ver essa misteriosa cidade de Tom-
boctu to procurada, to requestada, e tq
fatal aos seus indagadores. Mungo-Parck no
chegou a entrar nella: a pintura que elle faz
do orgulho, perfidia, e barbaridade dos Mou-
ros das visinhauas explica bem huma das
razes porque as emprezas ao interior de Afri-
ca so to difficeis, e arriscadas. O Major
Laing que em 1826 penetrou at Tombuctu
com a proteco do Bach de Tripoli, foi
obrigado a sahir logo occultamente, e pouco
depois foi assassinado pelos Fellaus, horda
potente e bellicosa, que reina quasi exclusi-
vamente nos immensos desertos da Afca
centraL O capito Clapperton, que empre-
hendeo a mesma viagem , teve igual sorte
antes de chegar a ver Tombuctu. Mr. Jomard,
no lugar que acima citamos, faz huma lista
de quarenta e dons viajantes, que desde 1583
intentro os paizes da Africa in-
terior, e reflecte que s hum pequeno (e bem
pequeno) numero delles deixou de succum bir
no meio da sua carreira, sendo victimas da
em preza .a que se havio arrojado.
Concluiremos este assumpto das viagens
de Africa com as palavras de hum escriptor
267
uo suspeito " Os Portu.9uezes (diz Pinkerton)
estahelecro a oeste em Africa diversas feito-
tias .. .. as relaes dos missionarias augmen-
tro os conhecimentos da .geografia africana:
comtudo por hum concurso de circunstancias
particulares, estes conhecimentos tem sempre
sido mui limitados, e o seu aperfeioamento
tem at o presente experimentado obstaculos
quast msuperaveis. "
E:>tes obstaculos, estas difficuldades que
o escriptor chama, com razo , quasi insupe-
raveis, tem por ca,usas principaes a vasta ex-
tensito dos desertos de ara; a altura das ca-
. das de montanhas; as guerras quasi conti-
nuas, que fazem entre si as pequenas tribus
africanas, mais animosas e mais feroces que
as da Ameri"ca, e menos faceis de se intimi-
darem vista das armas curopas; a falta' de
mares interiores, ou de gTandes rios navega-
veis, que offereo facilidade de levar ao cen-
tro do paiz os beneficias da industria , e do
commercio, &c. De mais: os habitantes
d'aquellas vastssimas regies so extrema-
mente supersticiosos c tenacissimos de suas
praticas religiosas ; e nos lugares aonde o ma-
humetismo tem chegado, e se tem misturado
com as grosseiras supersties do paiz, parti-
cipo os miseraveis habitantes dos vcios in-
natos dos seus mestres, e no deixo de mos-
268
trar por todos os modos o odio e extrema
averso que elles lhes tem inspirado aos eu-
ropos. Acresce ainda em geral, que os ho-
mens selvagens e barbaros de quasi todos os
paizes do mundo mostro constantemente hu-
ma quasi invencivel repugnancia a alterarem
o seu modo de viver, e a adoptarem a nossa
civilisao. O Christianismo inspirado pelos
missionarias das differentes naes da Euro-
pa, tem feito na verdade muitos chistos,
mas pde dizer-se que no tem feito hum s
homem civilisado, que adopte os nossos cos-
tumes, e que viva a<? nosso modo. " Os esta-
belecimentos Portuguezes (diz hum illustre Por-
tuguez, em huma Memoria manuscripta fal-
lando dos nossos estabelecimentos de Africa.)
Os estabelecimentos Portuguezes, que ali exis-
tem ha seculos, no tendo in:fluido seno im-
perceptivelmente nas povoaes visinhas , 'ja-
zem desconfiar da possibilidade de civilisao ...
n' aqttella parte do globo , que parece destinada
a ser o domicilio eterno da barbaridade" ( * ).
Em verdade, que se no fossem tantas ,
to fortes, e to invenciveis as causas da
ignorancia, em que ainda laboramos a res-
peito das terras da Africa central, e das dif.
que se tem encontrado na sua ci-
vilisao, parece natural que os estrangeiros_,
() Memoria manuscripta dQ Sr. Conde de Jlorto Santo.
269
no espao de dons seculos e meio, tivessem
j supprido a incapacidade dos Portuguezes ,
e dado grandes passos na obra da civilisao
dos Africanos. E comtudo ella se conserva
quasi estacionaria, e tal (com pequenas dif-
ferenas) qual a deixro os Portuguezes pe-
los fins do seculo 16.
Lancem-se os olhos a huma carta de
Africa, e se conhecer logo o mui pouco que
se tem adiantado na geografia desta parte do
mundo .. Os estabelecimentos hollndezes , in-
glezes, francezes, e dinamarquezes na costa
occidental tem na verdade dado a estas na-
es, em differentes tempos, grandes inte-
resses commerciaes. Com esse intento he
. que ellas se lanro porfia humas sobre
outras, e todas sobre os Portuguezes, cuja
riqueza desafiava o seu ciume e a sua cobia.
A civilisao dos povos indgenas do interior
era ento objecto mui secundaria para os go-
vernos dessas naes : e quando ha pouco
mais de meio seculo comero a tomar mais
a peito esse objecto, encontrro logo, e tem
continuado a encontrar as grandes difficulda-
des , que oppem a natureza do }:>aiz, o ca-
racter e costumes dos povos, e as outras c i r ~
cunstancias que deixamos indicadas.
O grande estabelecimento do cabo da
Boa Esperana termina ao norte a huma dis-
270
tncia, (rue se pde chamar insignificante ,
com respeito grande extenso do conti-
nente africano : e no conhecimento da Cafra-
ria, e de toda a costa oriental bem pouco se
tem adiantado alm do que deixro escripto
os Portuguezes nas relaes de seus nume-
rosos naufragios, e na descripo dos paizes
em que tem e conservo domnio, e estabe-
lecimentos permanentes.
Finalmente a Abyssinia he ainda hoje
em gral).de parte conhecida tambem pelas
Relaes dos Portuguezes, que a frequent<-
ro, visitro, e habitro por muitos annos,
como he sabido, e o que os modernos viajan-
tes de outras naes tem pretendido acres-
centar, ou he tomado dos escriptos portu-
guezes , ou consiste em algumas noticias d9
estado moderno d'aquelles vastos paizes, ou
finalmente -!la indagao da historia natural
da sua constituio fisica, e dos seus produ-
ctos, objectos, que no seculo 16 ero to no-
vos para os Portuguezes como para quaesquer
outras naes da Europa.
Agora que temos referido o que ainda
nos consta das nossas antigas viagens por
terra India, e das tentativas que fizemos
para o conhecimento das terras e povos do
interior de Africa, pediria o nosso assumpto,
que dessemos tambem noticia das viagens

271
por terra executadas pelos Portuguezes , vin-
dos da lndia at Europa. Mas para satisfa-
zermos cabalmente a este intento seria ne-
cessario escrever obra mais volumosa, e tal-
vez repetir o que os proprios viajantes dei-
xro escripto em suas Relaes impressas,
_ ou manuscriptas, das quaes todavia seria con-
veniente fazer huma colleco ordenada , e
quanto podesse ser completa.
Limitar-nos-hemos pois, por agora, a dar
huma breve ida das principaes viagens de
que temos achado memoria nos nossos escri-
ptores, e isto bastar para satisfazer ao in-
tento que levamos em colligir estas noticias,
que he mostrar que no somos ns os Portu-
guezes to incurio!ios , ou to ineptos, como
nos querem fazer os estrangeiros.
.!S.cculo
I
16.
1515.-Tendo o grande Albuquerque pos-
. to obediencia de Portugal a rica cidade de
Ormuz, e recebido nella com grande solemni-
dade a embaixada do Schach Ismael Rei da
Persia , despachou com o mesmo caracter de
embaixador crte de Hispahan a Fernam
Gomes de Lemos, senhor da Trofa, o qual
272
tendo concludo a sua misso, se achava j
<le volta em Cochim no mez de Janeiro de
15 I 7, e tl' ahi escreveo a elRei D. Manoel ,
mandando-lhe hum Livro, em que dava conta
da sua embm:xada , e do caminho que .fizera ,
como consta da propria carta por elle diri-
gida a elRei com a data de 4 de Janeiro de
1517, q u se conserva no Ar chi v o da Torre
do Tombo, no Corpo Chrmwl. part. I. mao 2 J.
num. 4. (Vej. Goes, Chron. de e/Rei D. Ma-
noel part. 4. cap. 9. e 11.) Do livro porm,
que continha a relao da embaixada e ca-
minho no sabemos que exista.
1520.- Neste armo, entrando na Abyssi-
nia D. Rodrigo de Lima embaixador de elRei
D. Manoel quelle imperio, entrou com elle
entre outros Portuguezes o P. Francisco Al-
varez, natural de Coimbra, que de Portugal
havia sahido como capello da embaixaQa de
Duarte Gaivo. Este ecclesiastico residio na
Abyssinia cousa de 6 annos at o de 1526, e
escreveo " Verdadeira informao das terras
do Preste-Joo" .obra rara, que se imprimi o
em Lisboa no anno de 1540 em foi., e que
foi traduzida em varias lnguas, e inserida por
Ramuzio na sua Colleco, em Veneza 1550
com o titulo " Viagem Ethiopia por Fran-
cisco Alvares, ~ c .
Pelo mesmo tempo VIaJava por diversos
273
paizes da Asia o capito Gregorio de Quadra,
de que acima fizemos meno.
J 522.-A este anno se deve referir o prin-
cipio das viagens de Antonio Tenreiro, se-
gundo o que eile mesmo escreve na sua bem
conhecida Relao , ou Itinerario. Sahio elle
de Ormuz em c mpanhia de Balthazar Pes-
soa, que de mandado do Governador da lndia
D. Duarte de Menezes hia por embaixador
Persia. Esteve Tenreiro na Persia, d'onde
passou Armenia , veio Syria, ao Cairo , a
Alexandria, e d'ahi ilha de Chipre. De
Chipre voltou ao continente, e logo a Ormuz
por terra , e ficando ahi cinco ou seis annos
{como elle mesmo refere no cap. 58) tornou
a sahir para vir por terra a Portugal , com
recados a elRei sobre a armada do Turco,
se to governador da lndia Lopo Vaz de Sam-
paio, e capito de Ormuz Christovo de Men-
doa (a). Sahio de Ormuz pelos fins de Setem-
bro de 1528, e chegou a Portugal em Maio do
anuo seguinte. He mui curioso o seu Itinera-
rio, que se imprimio em 1560, e depois por
varias vezes, sendo a ultima em 1829, junto
(a) De memorias contemporaneas consta que Tenreiro,
chegando da lndia , esteve a ponto de ser assassinado por
hum F .. Mello, de Castello de Vide, por ter trazido cartas
a elRei contra seu pai. -Tenreiro teve huma penso de
30$000 ris mensaes.
18
274
com a Peregrinao de Fernam Mends l'mto.
(Vej. Castanheda liv. 7. cap. 71., Andrade,
Chron. de D. Joo IIL part. 2. cap. 49. , e os
Annaes da .JI;larinha Portugueza publicados
no presente anno de 1839. pag. 394.)
A morte do Conde Almirante Vice-Rei
da lndia veio annunciada a elRei D. Joo III.
por hum expresso enviado da India por terra
de mandado de D. Henrique de Menezes,
como refere Quintella , Annaes da Marinha
Portugueza ao anno de 1626.
1637.-So mui conhecidas de nacionaes
e estrangeiros as viagens, ou (como elle mes-
mo lhe chama) as peregrinaes d ~ Fernam
Mendes Pinto, comeadas em 1537 e conti-
nuadas por 21 annos at o de 1558, com t"nta
e to miuda e variada relao de casos e
successos; com to curiosas descripes de
lugares e regies ; de povos , e costumes ; e
com tantas e to importantes noticias uteis
navegao e ao commercio, que mereceria
huma particular e extensa meno , se a pro-
pria historia destas viagens no tivesse sido
muitas vezes impressa, e recentemente em
1829 na lngua portugueza, em que foi escri-
pta; e se no se achasse ha muito tempo
traduzida em algumas lnguas estrangeiras ,
e publicada nas Colleces de Viagens. A
multiplicidade ~ singularidade das aventuras,
275
que este escriptor refere, a estranheza dos
povos e naes que vi o , e dos seus ritos,
costumes, crenas, opinies e linguagens, os
incommodos e riscos que correo e de que es-
capou so e salvo, fizero com que alguns
leitores e escriptores desconfiassem da vera-
cidade das suas relaes. Hoje porm est
mais desvanecida esta desconfiana , e as in-
dagaes dos mais ousados viajantes moder-
nos tem verificado muitos dos factos,. que ao
principio parecio mais estranhos e duvidosos.
1540.- Veio da India por terra Anto-
nio de Sousa, mandado por D. Estevam da
Gama. (Couto, Dec. 5. liv. 7. cap. 1.)
1548.-Neste anno passou lndia Fr.
Gaspar da Cruz, religioso dominicano, natu-
ral de Evora. O zelo da religio o levou
China, e foi o primeiro, ou hum dos primei-
ros missionarios portuguezes , que entniro
n'aquelle imperio. Te.mos delle huma Relao
da China, e de suas partt"cularidades, que se
imprimio em Evora no anno de 1570, e se-
gunda vez em Lisboa em 1829 com as Pere-
grinaes de Fernam Mendes Pinto , de que
acabamos de fazer memoria.
No Codice 840 da Bibliotheca Publica
Portuense conserva-se o "Itinerario da ilha
de Ormuz at Tripoli de Betberia , e d' ahi at
a Rochella de Frana , de ./Ylartim Affonso. "
13 *
276
Este viajante era medico: partio de
muz a 25 de Junho de .1565 e veio a Por-
tugal atravz da Persia e Asia menor com
cartas importantes. Sua derrota foi de muito
circuito por causa da guerra que havia entre
Turcos e Persas, a qual o obrigou a deixar
o curso regular das caravanas, sem que nun-
ca fosse conhecido, nem delle se desconfiasse.
Descreve largamente os lugares por onde pas-
sou, com bom conhecimento da Geografia.
Falia de Risco, Jarde, Benvit, Adistan,
Mahabad, Chaltabad, Caixam, Com, Sava,
Caslui, Soltania, Mean, Turquina, Condi,
Tabris, Sufian, Van, Vastan, Sory, Taduan,
Orf, Halep , &c .
. ? Na Historia da India no governo do
Vice-Rei D. Luiz de Ataide, escripta por An-
tonio Pinto Pereira pelos annos de 1570, e
impressa em 1616, no liv. 2. cap. 13. faz o
escriptor meno de hum Isaque do Cairo,
Judeo, que da India tinha vindo duas vezes por
terra a Portugal. Nada mais sabemos destas
viagens, nem temos achado noticia da sua
verdadeira data , que sem duvida pertence
ao seculo 16 (b ).
(b) do c IRei D. Joo 111. cm AhnPirim cm Janeiro
de 151.1 , veio da lndia por terra hum Judco, trazendo re-
cado a ciRci, como o Yiso-Rci D. Gnrcia de Noronha fallc-
cra em de Pascoela do anno anterior de 15t0,
277 .
. ? O mesmo diremos de outra viagem,
de que nos d noticia o P. Fernam Guerreiro
na sua Relao Annal, 9-'c. li v. I. cap. I: .
pag. 3. , dizendo, que hum Andr Pereira,
hindo de Portugal India por terra, e pas-
sando por aquella parte da Calda que corre
de Babylonia para o estreito de Baor , onde
o Eufrates e o Tigre entro no mar da Persia,
1
ahi tratra com os christos d'aquellas partes;
e ainda depois voltra a ellas para acompa-
nhar hum bispo, que elles querio mandar
ao Papa, e a elRei de Portugal.
1593.-Neste anno passou India o do-,
minicano Fr. Manoel dos Santos, o qual vol-
tando a Portugal por terra, escreveo a sua
viagem com o titulo de Curioso Itinerario,
9-'c. manuscripto, de que faz meno a Bi-
bliotheca Historica Portugueza, pag. 33. da
2.a edio.
j;
~ rculo 1 7 .
J I
O seculo 17 no he menos notavel que
o precedente na historia das nossas viagens.
. .
succedendo-lhe D. Estevo da Gama que hia na segunda sue-
. ..
cesso, por ter j vindo para o reino Martim Alfonso de
Sousa, que era o nomeado na primeira , &c. (Relae6 ~
Pero de Alcaova Carneiro-manuscriptas.
18 **
.
fi
278
Logo no anno de 1602 o"ccorre a importante,
e, 1para aquelle tempo, diflicil viagem do Je-
suta Portuguez Bento de Goes. Era este re-
ligioso varo natural de Villa Franca na ilha
derS. Miguel; e como tivesse conhecimento
dast lingu)as orientaes, e especialmente da
Persiana, pertendeo e consegui? de seus su-
periores ser. mandado ao descobrimento do
Gran-Catayo, paiz que ento desafiava a cu-
riosidade dos Europos. com effeito da
crte do Mogol, e1l. cuj<c s provncias tinha
pr gado o evangelho , . e viajou mais de tres
annos pelos sertes da Asia, hindo sempre
pelo norte do imperio do Mogol; desde o paiz
dos Usbeks para o oriente at China, e
vindo a conhecer em resultado da sua traba-
lhosa; e -dilatada viagem, que o chamado
Gran-Catayo era o proprio imperio da
e no hum paiz diverso , como mui- geral-
mente se acreditava. Na China falleceo Goes
em Vem a sua viagem inserta na Rela-
o do P. 'e faze:n meno fre-
quente os escriptores Portuguezes.
'l No mesmo anno de 1602 fazia a sua via-
gem -Persia o douto' augustiniana Fr. An-
tonio de Gouv_a -;-que depo_is de ter acompa-
nha:do '<s 'st'fs do o Arcebispo D.r
o \(J n d 1 11. 1 a . 1
Fr. t'\l i. o ma-gd do ftqu
1
elle co-
mo embaixador do governador da India Ayres
1.
279
de Saldanha. Ali adquiria a estimao do Sha-
Abbas, que o enviou em companhia de hum
embaixador seu, que mandava a Roma, e
crte de Hespanha. Voltou Persia, e d'ahi
Europa, atravessando os temerosos e arris-
cados desertos da Arabia. Chegado que foi a
Alepo, embarcou para Marselha, e sendo to-
mado por corsarios, ou piratas argelinos es-
teve captivo em poder d'aquelles barbaros.
Destas viagens e trabalhos falia elle mesmo
na Relao da Jornada do Arcebispo D. Fr.
Aleixo de llfenezes s serras do Afalabar, im-
pressa em Coimbra em 1606 em fol., aonde
tamhem se lem curiosas e importantes no-
ticias sobre os povos que habito aquellas
serras, e sobre os seus costumes, e ritos re-
ligiosos, &c.
1 Em 1606 e 1607 temos noticia da viagem
de N icolo d'Orta, natural de Santo Antonio
do Tojal , que sahio de Ga com destino de
vit a por terra .. Nos princpios de
Agosto de 1606 estava na fortaleza de Como-
rom d'onde passou a L r a , Xiras, Romus,
Bagadet, Ana,. Tabe e Alepo-, aonde entrou
a 16 de Janeiro de 1607. D'ahi vindo por
Alexandreta, chegou por mar a Marselha , e
logo' a .Madrid, d'onde elRei D. Filippe o
tornou a mandar India. Escreveo o seu Iti-
"l
nerario, do qual existe na Bibliotheca Pnbli-
280
ca ut:: . L l ~ u u a num exemplar mcompleto. (Vej.
Barbosa Machado , Biblioth. Lusit.)
Por esses mesmos tempos viajava por
terra para Europa Fr. Gaspar de S. Bernar-
dino missionaria na lndia, o qual naufragando
na ilha de S. Loureno, passou a Mombaa,
cabo de Rosalgate, e Ormuz; d'onde resol-
vendo continuar sua viagem por terra, visitou
a Persia, Calda, e Syria at Chipre. D'ahi
foi ver os Lugares Santos , e voltando a Chi-
pre, Candia, Zante, Cephalonia, e Corfu,
se recolheo por ultimo a Hespanha e logo a
Portugal. Escreveo o seu Itinerario, cuja pri-
meira parte se imprimio em Lisboa em 1611
em 4.
0
Temos noticia que neste mesmo anno de
1611 veio da lndia a Portugal por terra D.
Alvaro da Costa, de cuja pessoa e viagem
no alcanmos individual informao (c).
Os annos de 1624 e 1626 so notaveis na
historia da Geografia, e das Viagens portu-
guezas, pelas duas que fez o P. Antonio de
Andrade Jesuta ao descobrimento do Tibet,
(c) O Codice 482 da Bibliotheca Publica Pcrrtuense he
copia da viagem de D. Alvaro da Costa, com este titulo
Tratado da viagem , que fez da lndia oriental Europa nos
annos de 1610 e 1611 por via da l'ersia e da Turquia . ..
com relao . . . da Terra Santa . . e geral descrip'o da
Jndia oriental, e navegao dos Portugue:;es.
281
estabelecendo ali misso christa , c catho-
lica. Na segunda destas viagens ( anno de
1626) em que foi acompanhado do P. Gonalo
de Sousa, e cuja Relao se imprimio em
Lisboa em 1628 falia elle expressamente da
cidade de Caparangua, aonde residia o Rei
de Tibet, e aonde estes padres tinho che-
gado em menos de dous mezes e meio, par-
tindo de Agm (no Dehli) e passando por Si-
rinagar. Falia igualmente do paiz de Ussan-
.que, ou Ussang, do qual diz que dista 40
jornadas de Caparangua, e 20 da China, &c .
. (Devem ver-se as proprias Relaes, e a
Nouvelle Relation de la Chine do P. Maga-
lhes, traduzida em francez, e impressa em
1690, de que mais adiante fallaremos.)
Pertence ao mesmo anno de 1624 a via-
gem, e residencia na Abyssinia do P. Jero-
nymo Lobo Jesuta Portuguez. Foi elle man-
dado s misses da India , para onde parti o,
e chegou a Ga em 1622: e vindo no dito
anno de 1624 a l\1oambique, d'ahi entrou
no paiz dos Galas, penetrando at Ahyssi-
nia aonde viveo muitos annos no sem gran-
des trabalhos e perseguies. A serie das suas
posteriores aventuras, os naufragios que fez,
os grandes incommodos que soffreo, cm fim
a sua vida at o anno de 1653, em que ficou
em Portugal, so e o u ~ a s dignas de curiosa
282
reflexo. Escreveo o seu Itinerario, que tem
merecido a atteno dos sabios, e eruditos ,
principalmente na parte que diz respeito s
cousas da Abyssinia, e que se acha traduzido
em inglez, em francez duas vezes, e em italiano.
Em 1635 foi mandado misso do Ti-
bet o P. Joo Cabral, outro Jesuta Portu-
guez, natural de Celorico da Beira, o qual
fez caminho por Bengala, evitando a difficil
passagem da serra, por onde o P. Andrade
tinha entrado na Tartaria. Escreveo tambem
a Relao copiosa dos trabalhos que padeceo
na misso do Tibet. Obra, que segundo Bar-
bosa Machado foi mandada a Rruna no refe-
rido anno de 1635.
He digno de mui particular commemo-
rao nest!- nossa breve memoria o P. Ga-
tambem Jesuta Portu-
gez, que depois de estar por alguns annos
nas misses do Japo, passou China, e a
corre o q uasi toda desde o anuo de 1640 at
1648 em que se estabeleceo em Pekin, resi-
dindo ahi por quasi 29 annos at o seu falle-
cimento, e deixando-nos huma Relao da Chi-
na das mais exactas que se havio escripto
at o seu tempo. Esta Relao foi traduzida
Pm francez com notas , e explicaes , e im-
pressa em 1690 em 4."
Alguns annos antes destes, em que va-
283
mos, missionou na Abyssinia o P. Manoel de
Almeida Jesuta Portuguez. Das cartas, que
elle annualmente escrevia ao seu Geral im-
pressas em Roma, em italiano, no anno de
1629, e de outras memorias de muitos Je-
sutas, he que o P. Tellez compilou a Histo-
ria Geral da Ethiopia alta ou Preste-Joo ,
impressa em Coimbra em 1660 em folh., aon-
de se v ~ o largo conhecimento que os Por-
tuguezes tinho d'aquelle imperio por elles
to frequentemente praticado.
Em 1663, o P. Manoel Godinho, natu-
ral da Villa de Montalvo , e religioso da
Companhia, (depois secularisado, Prior de S.
Nicolo de Lisboa, e por ultimo de Loures)
tendo sido mandado s misses da India, veio
por terra a Portugal de mandado do Vice-Rei
Antonio de Mello de Castro, e segundo pa-
rece com alguma secreta e importante com-
misso. Escreveo " Relao do oovo caminho
que fez por terra e mar vindo da India para
Portugal no anno de 1663" impressa em Lis-
boa em 1665. 4.
0
Obra cunosa, que merece
s e r ~ lida dos eruditos.
FIM.

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