O documento descreve a prisão de Antonio Serrão de Castro, boticário e poeta, pela Inquisição Portuguesa em 1672. Serrão era acusado de judaísmo e sua botica era vista como um foco de cristãos-novos. Vários frequentadores e familiares de Serrão também foram presos, incluindo suas irmãs Francisca e Paula de Castro. O texto fornece detalhes sobre os interrogatórios e antecedentes familiares de Serrão que estavam ligados à Inquisição.
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Episódios Dramáticos Da Inquisição Portuguesa - António Baião
O documento descreve a prisão de Antonio Serrão de Castro, boticário e poeta, pela Inquisição Portuguesa em 1672. Serrão era acusado de judaísmo e sua botica era vista como um foco de cristãos-novos. Vários frequentadores e familiares de Serrão também foram presos, incluindo suas irmãs Francisca e Paula de Castro. O texto fornece detalhes sobre os interrogatórios e antecedentes familiares de Serrão que estavam ligados à Inquisição.
Descrição original:
volume 2
Título original
Episódios dramáticos da Inquisição Portuguesa - António Baião
O documento descreve a prisão de Antonio Serrão de Castro, boticário e poeta, pela Inquisição Portuguesa em 1672. Serrão era acusado de judaísmo e sua botica era vista como um foco de cristãos-novos. Vários frequentadores e familiares de Serrão também foram presos, incluindo suas irmãs Francisca e Paula de Castro. O texto fornece detalhes sobre os interrogatórios e antecedentes familiares de Serrão que estavam ligados à Inquisição.
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Episódios Dramáticos Da Inquisição Portuguesa - António Baião
O documento descreve a prisão de Antonio Serrão de Castro, boticário e poeta, pela Inquisição Portuguesa em 1672. Serrão era acusado de judaísmo e sua botica era vista como um foco de cristãos-novos. Vários frequentadores e familiares de Serrão também foram presos, incluindo suas irmãs Francisca e Paula de Castro. O texto fornece detalhes sobre os interrogatórios e antecedentes familiares de Serrão que estavam ligados à Inquisição.
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ANTONIO BAIO
Sc.10 EffECTIVO DA AcADEMIA DAS SCIENCIAS DE LISBOA
DIRECTOR DO ARCHIVO DA TORRE DO TOMBO EPISODIOS DRAMTICOS DA INQUISIO PoRTUGUESA VoLUME II HOMENS DE LETRAS E DE SCIENCIAS POR ELA CONDENADOS- VARIA ALVARO .PINTO, EDITOR (ANNUARIO DO BRASIL) RIO DE jANEIRO PRIMEIRA PARTE HOMENS DE LETRAS E DE SCIENCIA' POR ELA CONDENADOS. . 1 O POETA DOS RATOS DA INQUISIO, SERRO DE CASTRO 1672 a 1682 A BOTICA DA RUA DOS ESCUDEIROS - A CUL- TURA DAS MUSAS NO OCIO DAS RETORTAS E ALMOFARIZES. P OR meiados do seculo XVII, quem. penetras- se no emaranhado de ruas da parte baixa de Lisboa e entrasse na dos Escudeiros, cujo no:ne e local o terremoto de 1755 fez desa- parecer-se, por mal dos seus pecados, tivesse ne- cessidade d'alguma xaropada ou cordial poderia ir de prnto avia-lo botica de Antonio Serro de Castro. Botica pobre, como pobre era o seu dono. Penetremos-lhe indiscretamente em casa. Ahi veremos: um contador de po preto de Moam- bique com oito gavetas e alguns escudetes de prata; um bufete grande com duas gavetas de po ordinario; quatro caixes da India, um gran- de e os trez pequenos; uma cama de damasco 10 EPISDIOS DRAMTICOS azul; uma banca d'estrado de matizes e uma tri- pea tambem de estrado de damasco verde; seis cadeiras atamaradas com pregaria meda, j usa- das; alguns livros de humanidades e medicina; dois escritorios pequenos de estrado; cinco pai- neis de paizagens vulgares. N'isto se resumia a sua mobilia. No emtanto a esperana sorria ao proprieta- rio. O av fra cirurgio, boticario fra o pae e para medico andava estudando em Coimbra o filho Luiz. A irm, Francisca Serro, casara tambem com um m'edico, o que tudo concorria para a farmacia Serro de Castro - como hoje lhe chamariamos - gozar no sitio de creditio e clientella especiaes. Era, verdade seja, o dono meio christo novo, facto no destituido de importancia em tempos to santos e devotos. Mas no era tam- bem tesoureiro da irmandade do Sanctissimo da freguezia de S. Nicolo e at procurador da mesma? No tinha um filho, Pedro Serro, estudante de teologia Moral e muito querido na Congregao do Oratorio? No era pontualissi- mo sempre em acompanhar o Santo Sacram'ento? Depois, se alguem curiosamente penetrasse na sua casa havia de ver oratorio de bordo pinta- do recheado com um crucifixo e aos lados as imagens de Nossa Senhora e S. Jos; uma Se- nhora do Rosario e S. Francisco, de barro; um menino Bom Pastor, de marfim; um Santo Ono- fre e um Santo Antonio, de madeira e um menino Jesus ensinando a ler S. Joo, tambem de barro. Na parte de baixo do oratorio veria um Senhor atado coluna, um Ecce Homo,, de barro, um tumulo de madeira pintado de ouro e branco onde Christo repousava o ultimo sono e uma .I.;. ,. .'.' . .~ . . ~ - ' < - ~ ~ ~ if DA INQUISIO PORTUGUESA 11 O Padre Bartolomeu do Quental Testemunha de defeza de Pedro Serro: de Castro duzia de jarras de po dourado, com os respecti- vos ramalhetes. E, se ievantasse os olhos para as paredes, veria os paineis de Nossa Senhnra da Graa, S. Jos, Nossa Senhora da Conceio e Santo Antonio. 12 EPISDIOS DRAMTICOS Ali estava tudo., como resposta muda a quem se lembrasse de duvidar da crena do nosso bo- ticario. Era evidentemente o seu arsenal de- fensivo. No se pense porm que na botica de Serro de Castro smente se manipulavam tisanas. No. De vez em quando havia animadas sesses de conversa a que o boticario dava especial realce com a sua lngua essencialmente caustica e mor- daz. Entre os trequentadores podemos apontar os ourives Jorge Ribeiro e Luiz Alvares, o corretor de cambios Joo da Costa Caceres e Pedro Ri- beiro. Este ultimo foi durante certo tempo empre- zario das Comedias, de cujos camarotes o se- gundo recebia o dinheiro. No foi todavia sem- pre feliz na escolha de actores, comediantes, co- mo ento lhe chamavam e por isso; d'uma .vez que trouxe de Hespanha uma companhia inferior, foi victima das ironias de Serro de Castro, que contra elle chegou a publicar uns versos de troa e de zombaria. Tal era o feitio especial da veia poetica do Presidente da Academia dos Sin- gulares. A D 1 NCI A NQUISIO Felizes lhe foram correndo os annos at que, no dia 18 de junho de 1671, quando contava j 61 de edade, o coronel Ferno Peres o veio expressamente denunciar c_omo judaisante. Antonio Serro de Castro era um grande scelerado: vestia camisa lavada aos sabbados !. .. . A ordem de priso demorou-se perto de um anno, mas ela abrangeu grande parte dos fre- DA INQUISIO PORTUGUESA 13 quentadores da botica da Rua dos Escudeiros, considerada pelo visto um perigoso fco de chris- tos novos, e alguns dos visinhos do boticario pertencentes familia Pestana. E. por isso que successivamerte vemos des- lisar perante os inquisidores: Jorge Ribeiro, Luiz Alvares, Manoel da Costa Martins, Antonio Pes- tana, Filipa Pestana, Joo da Costa Caceres e Pedro Ribeiro. A estes acresceram as suas 'irms, Paula de Castro e Francisca Serro, presas depois do Poe- ta, a 15 de julho de 1673. E. bastante curiosa a frma como a Inquisi- sio procedeu com esta ultima. A principio ne- gou as suas culpas, mas depois d'um anno de clausura, decidio-se a fazer as suas confisses e denuncias. Francisca Serro accusou primeira- mente pessoas indifferentes, e, como Antonio Serro tinha sido j preso, logo na segunda au- diencia o denunciou, nada dizendo porm acerca dos sobrinhos, ento ainda em liberdade, nem sobre o seu filho Luiz de Bulho. Este silencio porm no agradava aos inquisidores e por isso sujeitaram-n'a a tormento, fazendo-a sentar no escabello. No nos dizem os documentos os gri- tos lancinantes que soltou e sabemos apenas que no poude a pobre velhinha resistir, e for- ~ a d a pelas dores denunciou as pe:;;soas, cujas cul- pas at ahi occultara. Nem por isso deixou de ser condenada a carcere perpetuo e habito peni- tencial tambem perpetuo e ouvio ler a sentena no auto celebrado no Terreiro do Pao a 10 de Maio de 1682. No mesmo auto sahio a outra irm do Poeta: Paula de Castro. Essa foi mais incontinente de lingua e por isso no foi preciso 14 EPISDIOS DRAMTICOS sujeitai-a a tormento. Como porm no carcere ti- vesse a imprudencia de iudaisar, carregaram-lhe, alm da pena que coube irm, com tres annos de degredo para o Brazil. Mais tarde veremos como ella a cumpria .. OS INTERROGATORIOS - NETO DUM PERSE- GUIDO PELA INQUISIO. Foi a 28 de junho de 1672 o primeiro in- terrogatorio em que Antonio Serro de Castro declarou no ter culpas para confessar. Descendente d'uma famlia de christos no- vos, s sabia que o seu av materno, E s ~ e v o Rodrigues, fra justiado pelo Santo Officio. Com effeito este deu entrada nos carceres da Inquisio um seculo antes: em 16 de junho de 1570. Tinha vinte e cinco annos de edade, era ainda solteiro. Accusado de judasmo, con- fessou as suas culpas e por isso foi condenado confiscao de bens e a carcere e habito pe- nitencial ad arbitrium, indo ao auto da f de 11 de maro de 1571. No sabemos se Serro de Castro conheceria estes pormenores, mas certamente ficaria bem surprehendido ao saber que nesse mesmo dia 16 de junho deram tambem entrada nos carceres inquisitoriaes a sua bisav Ins Fernandes e as filhas d'esta Antonia Fernandes e Branca Fer- nandes. Ainda mais surprehendido haveria de ficar quando soubesse que o culpado d'estas prises fra o seu tio av Manoel Fernandes, tosador, que em Beja se deixou cahir nas garras da Inquisio e se no soube calar, talvez mes- mo para se vingar da oposio ao seu casamento. DA INQUISIO PORTUGUESA 15 De sorte que podemos fundadamente con- cluir a p:ouca limpeza de sangue da familia do nosso Poeta e que a fatalidade que represen- tava para sua familia esse ms de junho. de 15 70 se repetia um seculo a poz, em 16 72. Emquanto os inquisidores iam por seu lado acumulando provas sobre provas contra o preso, este mantinha-se na negativa mais formal. - Vestira porventura camisa lavada aos sabba- dos, cumprindo assim uma ceremonia do rito moysaico? Nunca fizera tal. Praticara o jejum do dia grande que vem ho mez de setembro, comendo s ao romper da esirella d'alva? Nunca fizera tal. Ento nunca se apartara da f christ? Certa- mente que no, e para prova d'isso ahi estava o elegerem-no por duas vezes tesoureiro da ir- mandade do Santissimo da freguezia de S. Ni- colo e por duas outras procurador da mesma; ahi estava a sua pontualidade em acompanhar o Santssimo, em ir missa e em se confessar. UMA CONDENAO A FINGIR - A TORTURA DO ESPIRITO E A TORTURA DO CORPO CONFISSOES. Como no era possvel arrancar a confisso de Serro de Castro, os inquisidores, em 17 de abril de 1676, condenaram-no como pertiuaz e negati.vo a ser entregue justia secular, o que na linguagem inquisitorial equivalia a ser con- denado fogueira. Em 15 de maio o Conselho Geral confirmou sentena to radical; apesar de ficar assim com todos os sacramentos, no se cumpria. Evidente- 16 EPISDIOS DRAMTICOS mente no foi mais que um ardil destinado a amedrontar o pobre sexagenario. E que o leitor imagine o desalentado estado d'alma de quem se via preso havia quatro annos pa triste espectativa sempre de que o alvorecer d'aquelle dia fosse o ultimo; de quem espe, rava a todo o instante o carcereiro a anunciar- lhe que eram chegados os seus derradeiros ins- tantes. Que sentidas e amarissimas confidencias no faria elle a uma ameixieira, sua visinha, que melancolicamente baloiava os ramos e de vez em quando os metia pelas grades da sua priso! Onze vezes de folhas revestida, Onze vezes de flres adornada, Onze vezes de fructos carregada, Te vi, ameixieira, aqui nascida. Outras tantas tambem te vi despida, De folhas, flres, fructos despojada, Pelo rigor do inverno saqueada, E a seco tronco toda reduzida: Tambem a mim me vi j .. revestido, De folhas, flres, fructos adornado, De amigos\ e parentes assistido. De todos eis-me aqui to despresado.; Mas tu voltas a ter o que has perdido, E eu no terei jamais o antigo estado! Desgraado Poeta! Os seis annos posterio- res _ sua fingida condemnao deviam-lhe cor- rer bem penosos e longos. Afinal, em 2 de Abril de 1682, cedendo DA INQISIO PORTUGUESA 17 depresso moral da edade e da carceragem e qui a vagas esperanas de misericordia, Anto- O Padre BartD!omeu do Quental (outro retrato) nio Serro de Castro decidiu-se a fazer as suas confisses. Sim, era verdade tudo o de que o accusavam; sim, crera durante cincoenta e dois annos que a salvao estava smente na lei de Moyss e por esse motivo se apartara da f 18 EPISDIOS DRAMTICOS christ, mas ali estava contricto e arrependido, pedindo perdo e misericordia e acreditando fir- memente nesse Christo de quem os iuquisidores se diziam apenas delegados e representantes. Porm estas declaraes no satisfizeram por completo. Na mesa do Santo Officio sabia-se com effeito, em virtude d'outras declaraes, que os filhos do Serro tinham egualmente judaisado, e a todo o custo era preciso arrancar to preciosa denuncia. Por isso, em 7 de Abril, se determi- na que elle seja posto a tormento e o Conselho Geral trez dias depois confirmava aconselhando expressamente para o pobre velhinho lzu trato esperto... . Efetivamente no dia 11 foi o ro admo- estado para acabar de confessar as suas culpas e, como nada mais dissesse, foi mandado casa do tormento. Seriam oito horas e meia da manh, chilrea- riam talvez os passarinhos na ameixieira, sua confidente, quando Serro de Castro dava entra- da na funebre casa dos tormentos. Despojado do fato ficaram-lhe mostra os descarnados e esqueleticos membros, to descarnados e to esqueleticos que o medico e cirurgio no con- sentiram que elle soffresse o t o r m ~ n t o de pol. Foi por isso estendido n.o potro e atado de ps e mos, foi-lhe protestado pelo notario que se elle ro morresse no tormento, quebrasse algum membro, perdesse algum sentido, a culpa seria sua e no dos Senhores Inquisidores que o ;ul- garam ao dito tormento, segundo o merecimento do seu processo. Santos inquisidores! A sua maldade egua- lava a sua hypocrisia! Se o pobre velhinho ti- vesse ido parar a uma fogueira, no era a ln- DA INQUISI -:ia::uoUESA E Abjoralo io form ... v #ruL> . ,..._,.._... ------ peranre Vos lnqUIIidOt,jurooeltnCm8:os cm q n:ilho ::nnhas m.\O>,q dc.m.oha "'l pila,& anuhcmuizo,& aparto de mim to da 1 c(peC'e de hcrdiJ q for,ou fc levur coorra notfa S. f Cathohu,& S A potlolica;efpeci:llmecc elbs cm q cahy,& que manha fcnrcna me foro hdas,u quaucy por r ,ltti E juro de fem- prcter.& guardara S.F Cotholca,q tem &enfina a S. Madre de Roma, & que fcretlempre rouitoobi- dentc ao no!fo muyflnl:o Padre o Papa _...t;.,-u""'""'"' 19 .,..--- notfo Senhor Prdidente na IgreJa de Ocos,& a fcus ficcelfores: & confctio,qu to os q contracila S. F Catholica vierem, fa dignos de condrnao: & JUro de nunca com dlcs me ljums.r. & de .os pcrfcgUir,& dcfcobrir as hereliasque dellcs fou- bcr Jos lnquiftdorcs,ou Prc:IJdos da S. Madre lgrej.t: &; iuro, & prometo qoto cm mim for de 'prir a pc:nit que me hc,ou for 1mpoh,& fr: tornar a clhiroeles crros,ou em outra qualquer fpccie de hcrclil, quero&; me praz que fcja avido por rclapfo,& ca(bgado coo for me a direito, & fc em alg tempo confiar o ctrariodo q tenho cfeffado ante volTas mcr..:s por meu juramen ro,qutro q dh abfolvilo me valhJ,&ID( fometo l fevcridade,& dos SJgudosCaoOftCS. Erequei ro Noranos do S.Otficio, q di11o p1fcm cltromcn- ros,& aos que ell:io prdc:nccs f.:Jarn tdlcmunh.1s, & af lioem 3quicomigo. .tl ;:.- .: . -:: . /j;
Auto de abjurao de Antonio Serro de Castro com a sua assinatura muito trmula por ter sido j atormentado. 20 EPISDIOS DRAMTICOS quisio que o matava, eram as justias secula- res; se morresse na tortura ou se deformasse, tambem nenhuma culpa tinha a Inquisio e s- mente elle que no. queria acusar os proprios filhos ... Durante um quarto de hora os seus gritos cortaram. lancinantemente as abobadas da sinistra casa de torturas. Baldadamente chamou por S. Domingos e Nossa Senhora do Rosario, mas as apetecidas denuncia3es no vieram. Alguns dias' depois, a 23 de Abril, novamen- te o admoestaram a que confessasse a verda- de toda, 'mas nada mais lhe conseguiram arran- O mesmo aconteceu no dia seguinte. Todavia, passaos dois dias, no se sabe por que mysteriosa sugesto, mas talvez por lhe darem conhecimento das confisses do seu fi- lho Luiz, Antonio Serro de Castro quiz 'fazer mais confisses. O dia 26 de Abril no deveria ter existido para elle. Denunciou tudo; denunciou todos! pertinacia e com que, durante dez annos soube resistir s investidas inquisito- riaes e at ao proprio tormento segtiio-se um quebramento de foras de tal ordem que logo na cabea do rol denunciou os proprios filhos!! A PERSEGUIO AOS FILHOS DO POETA - A MORTE D'UM E A CONDENAO DOS OU- TROS - O PADRE BARTOLOMEU DO QUEN- TAL DADO COMO TESTEMUNHA. Quatro foram os filhos de Antonio Serro de Castro: Luiz, nascido em 1649, seguia a carreira de medicina; Pedro nascido em 1650, segui o a carreira de theologia; Duarte, nascido DA INQUISIO PORTUGUESA 21 em 1654, no chegou a passar dos primeiros estudos e finalmente Thereza Maria de Jesus, nascida ou na mesma occasio de Duarte, ou 'penas com diferena de mezes . . Quando o pai os denunciou ha muito Ja que estavam presos, pois tinham dado entrada nos carceres do Santo Oficio no dia 20 de setembro de 1673. * . ~ fac-simile da assinatura de Antonio Serro de Castro - Luiz Serro era a esse tempo j formado em medicina pela universidade de Salamanca. Tinha abandonado a universidade de Coimbra, onde frequentava aquela faculdade, logo que lhe chegou a infausta noticia da priso do pae, e retirou para Salamanca, onde seu primo, Bento Bravo da Silva, lhe ia fornecendo mesadas, at que, em -certa altura, lh'as retirou. Quando o prenderam, encontraram-lhe umas Horas de Nos- sa Senhora e um livrinho de S. Francisco Xa- vier, frageis armas com que provavelmente pre- tendia demonstrar a sua intima devoo I Du- rante nove annos persistia, como o pae, na ne- gativa mais formal, no mutismo mais absoluto, mas no soube como elle resistir ao tormento, 22 EPISDIOS DRAM TJCOS No dia 21 de abril de 1682, dez dias depois do pae, era tambem o seu corpo atado ao potro, e to fortes eram as dres, que a corag,em, de que at ahi dera provas, faltou-lhe e denunciou pae, irmos, tias e primos. Sahio no auto a f de 10 de Maio, abjurando ento dos seus erros e ouvindo ler a sentena que o condenava a carcere e habito penitencial perpetuas. Muito outro foi o proceder de Pedro Serro e por conseguinte muito outro foi o resultado! de sua priso. Se ao irmo tinham encontrado dois livros mysticos, a elle no s encontraram, quando foi preso, umas Horas de Nossa Senhora e um li- vro de Meditaes da Paixo de C!zristo, como tambem uns bentinhos da Trindade e S. Fran- cisco, um cilicio e disciplinas de ao. Com taes armas no conseguia entretanto escapar o es- tudante de teologia, que nesse tempo no tinha ainda ordens algumas. No emtanto christianissima tinha sido a fr- ma do seu proceder. Aos nossos olhos d'hoje chamar-lhe-hiamos mesmo excessivamente fana- tica. Vejamo-la. Com outros condiscipulos da congregao do padre Bartholomeu do Quental todas as sex- tas-feiras ia ao Hospital dos Entrevados de Nossa Senhora do Amparo, fazendo-lhes as ca- mas, varrendo-lhes o hospital, dando-lhes esmo- las e resando com elles as ladainhas de Nossa Senhora e perguntando-lhes a doutrina christan. Quantas vezes no iam ao Hosnital Real dar doces aos enfermos, ensinando-lhes o acto de contrico e aos que sabiam ler deixando-lho por escrito I Quantas outras no iam levar de jantar aos presos do Tronco, jantar comprado Despacho determinando que Pedro Serro de Ca>Jtro 5eja submetido a tonnento. 24 EPISDIOS DRAMTICOS com as esmolas que pediam! D'esta fnna dava elle cumprimento s obras de rnisericordia e, se no acreditava em ganhar com elas a manso celestial, supunha pelo menos livrar-se -das sus- peitas inquisitoriaes e da correlativa chama das fogueiras. Pura illuso I Debalde Pedro Serro persistia na mais for- mal e terminante negativa. Debalde apresentou os testemunhos dos pintores Felix da Costa e Braz d' Almeida, seu irmo, o primeiro dos quaes disse que elle muito se entregava leitura da vida de Christo, e o segundo declarou que to bom christo era que at para Hespanha lhe escrevera a recommendar-lhe viver limpa e cas- famenbe (1). Debalde o bom do padre Bartolo- meu do Quental declarou t-lo na melhor conta. Para os inquisidores, senhores como esta- vam, de segredos que elles no possuam, isto tudo no passava de disfarces. (1) No devemos passar adeante sem fazer no- tar que os dois pintores Felix da osta e Braz d' Almeida teem tido a sua biographia muito envolta em mvsterios. Do ultimo escreveu Barbosa Machado, Bibliotheca Lusitana, tomo 4.o pagina 82, que era professor de pintura i_ e escultura, e que tinha es- cripto em 1695; estas indicaes foram transcriptas por Raczinski, Dicfionaire Historico-Artisti(}ue du Por- tugal, pagina 14. Do primeiro escreveu Raczinski. a pagina 57, dizendo-nos apenas, quanto sua bio- grafia, que fazia parte da irmandade .de S. Lucas em 1705 e morreu em 1712. Podemos acrescentar os seguintes dados extrahidos dos seus depoimentos: Eram irmos e moravam, em 1677, na rua dos Ca- lafates; Felix da Costa nasceu em .1642 e Braz d' Al- meida em 1649. Tambem do depoimento do padre Bartolomeu do Quental se ,deduz que elle nasceu em 1628 e no em 1626, como diz I nocencio. DA INQUISIO PORTUGUESA 25 Debalde alegou o odio que lhe votavam os Pestanas, sendo at Antonia Pestana sua ini- miga capital porque pretendeu casar com elle. Para os inquisidores isto tudo no passava de embustes, e por isso, a 17 de Maro de 1682, foi mandado pr a tormento, que se effec- tuou no dia 1 d' Abril. Pelas nove horas da manh sentaram-no no escabello, mas apezar das dores horrorosas que sentia, apezar de gritar de- sesperadamente pelo nome de jesus, nada lhe conseguiram arrancar. Mais firme e pertinaz que o irmo foi quei- mado no Terreiro do Pao, no dia 10 de Maio de 1682, por causa dos testemunhos de seu pae, irmo e tios. Simplesmente horroroso I Denotou tambem grande coragem a unica filha de Antonio Serro de Castro, Thereza Ma- ria de jesus. Mas coragem smente at ao pon- to em que a enganaram dizendo-a condenada morte. Ento, a pobre rapariga sucumbi o e acusou a famlia toda. Fez at acusaes de que, como adeante veremos, bem depressa se arre- pendeu. No decurso do processo lanou suspeitas sobre toda a famlia Pestana, que considerava como inimiga da sua e sobre as .mas tres tias que queriam dar ordens na casa do pae. Thereza de jesus tinha dezoito annos quan- do seu pae cahio sob as garras do Santo Officio, Indigente como ficara, foi viver para casa de seu primo Luiz de Bulho; dois mezes foi co- mer a casa da sua prima lzabel de Balboa, mas ficou escandalisada com ella desde que o marido faltou com' mesaaas ao seu irmo Luiz, estudante ento em Salamanca, como dissmos. 26 EPISDIOS DRAMTICOS Bonita, talvez, pois que, a darmos-lhe cre- dito, o banqueiro Gaspar da Costa de Mesqui- ta (I) tentou violenta-la, e Martim Pestana bas- tantes diligencias fez para a namorar, bem cedo se fanariam as rosas d'aquelle rosto, encerrada durante nove longos annos num carcere, tendo como companheiras duas mulheres culpadas como ella, Maria Francisca e Paula de Moura. Para mais pouca saude logrou l dentro; sangrias levou mais de duzentas e de sangue-sugas nem se falia I Condenada, em 1 de Maio de 1682, a ser relaxada justia secular, no se executou, como j vimos, a sentena por ella ter feito as suas confisses. E assim foi ao auto da f de 1 O de Maio de 1682, ouvindo ento ler a sentena pela qual era condenada a carcere e habito pe- nitencial perpetuos com insignias de fogo e de- gredo para o Brazil. No entretanto tinha-se arrependido d'algu- ms cnfisses que fizera. Como natural, pe- savam-lhe na consciencia as acusaes a pessoas ainda no presas e que em virtude d'ellas o po- deriam ser. Thereza de Jesus resolveu por isso retratar-se, mas o caso ia-lhe sahindo mais caro do que supunha porque os inquisidores perce- beram que ella pretendia apenas salvar essas (1) Este banqueiro no escap:m sanha inqui- sitorial. Razo tinha para proferir a frase que lhe atriburam de que s em Roma se podia viver, por- que s ahi estavam sem o susto de lhe baterem porl:la e eram senhores do que era seu. Preso em 25 de Abril de 1682. foi condenada. a carcerlf! e habito penitencial p e r p e t u o ~ Foi ao auto da f de 8 de Agosto de 1683. DA INQUISIO PORTUGUESA 27 pessoas, e, por muito favor foi apenas reprchen- dida asperamente na mesa inquisitorial. O seu estado fisico no podia s ~ r peior; to mo era que nem fora lhe encontravam para ser transferida do carcere da penitencia para o Limoeiro e por isso lhe foi dispen:sada . a pena de degredo. De Duarte de Castro nada mais sabemos, alm do pouco que j dissemos. SENTENA FINAL CONTRA O POETA - COMO UJ\'1 ACADEM!CO IRONISTA DEGENERA NUM MENDIGO - DESENLACE TRAGICO DA SUA FAMILIA. No dia 17 de abril de 1682, foi finalmente, pelos inquisidores de Lisba proferida uma sen- tena em que, por lhes parecer que Serro de Castro tinha dito bastante de si, de suas irms e filhos e at de pessoas ainda no indicadas, por satisfazer a maior parte da informao da justia e assentar na crena dos seus erros, so de opinio que seja recebido a-o gremio e unio da Santa Madre Igreja com carcere e habito pe- nitencial perpetuais e v ao auto publioo da f na frma costumada, ali oia a sentena e abjure publicamente dos seus erros, sendo-lhe confisca- dos os bens. Em 2 de maio confirmou o Conse- lho Geral esta sentena e em 10 ia finalmente ao auto da f. Conta-se que nesse dia, ao recolher-se a procisso j de noite, um rapaz o reconheceu entre os penitenciados que iam com as vellas acesas. DA INQUISIO PORTUGUESA 29 -A IIi vae o Serro disse elle; e o Poe- ta olhando para o familiar respondeu: -Pescaram-me ao candeio. Nem em occasio to tragica perdeu a pro- verbial agudeza! Pouco tempo demorou a sua instruco nos mysterios da religio catholica. No dia 21 d'este mesmo mez foi chamado para lhe dizerem que neste primeiro ano se devia confessar nas quatro festas principaes, isto , na Assumpo de Nossa Senhora, Natal, Pas- coa e Esprito Sancto; cada semana devia re- zar um rosario Virgem e cada sexta-feira cinco Padre Nossos e cinco Ave Marias s cinco chagas de Christo. Assinaram-lhe ento por car- cere a cidade de Lisboa d'onde no podia sahir sem licena do Santo Officio, devendo assistir na igreja de S. Loureno todos os domingos e dias sanctos missa e prga5es com o habito penitencial que de resto devia trazer sempre so- bre o fato. Este habito amaldioado atrahia-lhe as atten6es da turba que o rodeava, cobrindo-o de doestos e injurias. Nem ao menos podia em paz e socego estender mo caridade pu- blica ... A Inquisio compadeceu-se d'esta vez. E generosa com quem estava beira da sepultura, consentia, em 25 de Maio de 1682, que a sua filha e irm Paula fossem viver com elle e em 2 de novembro de 1683 foi-lhe finalmente ti- rado o habito penitencial. O misero velho tinha 73 annos, estava cego e os seus dois filhos, que escaparami fogueira, tinham perdido. o juizo e estavam dementes 1... Assim to tragicamente se extinguia uma famlia. 30 EPISDIOS DRAMTICOS ANTONIO SERRAO DE CASTRO E CAMILLO CASTELLO BRANCO- RECTIFICAO S INE- XACTIDOES D'ESTE. Foi Camillo Castelio Branco quem, em 1883, publicou o poema Os Ratos da Inquisio de Antonio Serro de Castw, inedito at ahi. Pre- cedeu-o d'um extenso Prefacio biograplzico. O poeta era pouco oonhecido. Barbosa Machado, Costr, e Silva e o proprio Innocencio poucas palavras lhe dedicaram, dizendo-se ignorantes do seu modo de vida e d'outras circumstancias da sua biografia. Camillo invectiva-os por tal motivo. E ajuda- do dos seus discursos publicados na Acad1'mia dos Singulares, das suas poesias e da sentena do filho publicada por Ayres de Campos no Ins- tituto de Coimbra, volume 9, adeantou bastante na biografia do Poeta, mas fantasiou muito, por no conhecer os processos da Inquisio contra eiles. Assim diz que Antonio Serro foi preso no dia 8 de maio de 1672, quando a ordem de priso, cujo original est no processo, datada de 24 e nesse mesmo dia deu entrada nos car- ceres do Santo officio. Depois apresenta-nos como origem da pri- so da familia Serro o facto do seu filho Pedro ter tido a desgraada lembrana de escrever uma satyra, fantasiando torneios que ciebravam uma festividade universitaria no recebimento de um reitor tambem imaginado. D'esta frma envol- veu na sua chacota a fradaria toda de Coimbra e todos os collegios monacaes, sem exceptuar, ao menos, os dominicanos. Ora dos processos no DA INQUISIO PORTUGUESA 31 consta que Pedro Serro frequentasse alguma vez a Universidade de Coimbra e uem a mnima aluso se faz sua musa ironica e maldizente. A origem da priso foi, a nosso ver, muito outra. A famlia Serro era, isso evidente, cumpridora dos preceitos moysaicos; tambem o era a fa- milia Pestana com quem viviam de paredes meias e com quem faziam ceremonias em comum. Um belo dia desavieram-se, e como um dos Pes- tanas {:ahisse na rede do Santo Officio apressou- se a denunciar os seus ento inimigos Serres. D'estes as velhotas, irms do Poeta, foram as primeiras a fazer confisses; depois, vendo-se perdidos, denunciaram-se uns aos outros, e s Pedro Serro soube pertinazmente resistir e por isso foi victimado no Terreiro do Pao. No j citado Prefacio biugraphico diz Ca,- millo no saber o nome do irmo. Pois agora se fica sabendo, como tambem as tragicas con- sequencias do malfadado auto da f de 10 de maio de 1682. Cami!Io diz-nos ainda que .:> filho, cujo nome ignoro, de Antonio Serro, morreu na tor- tura ou pereceu pelo suicdio no carcere; Pe- dro Serro, o. da Satyra, e seu pae estiveram espera da sua sentena dez annos menos dois dias a contar de 8 de maio de 1682, dia em que sahiram no auto da f. tudo inexacto, como vimos. Luiz Serro endoideceu depois de sahir do. carcere do Santo Officio, e Pedro Serro s foi preso em 20 de setembro de 1673 .. UMA POESIA INDITA DE SERRO DE CASTRO No findaremos o estudo do Serro sem publicar um producto da sua musa faceta e cho- 32 EPISDIOS DRAMTICOS carreira tal qual o encontramos num manuscrito seiscentista, { 1 ) ao qual smente actualismos a grafia. Camilo no o publica nos Ratos da ltzqai- sio. Ei-lo, com titulo e tudo: Decimas qae fs o Serro depois de ir no aalio da f a am negro que foi taberna de ama mallter chamada P. dos Santos e lhe co- mea peixe, p!io e lhe bebea maifo vinho e se foi sem pagar. Hontem taberna da Santos Veio um negro dos diabos E comeu nella a dois cabos De peixes tantos e quantos Mas com comer ento tantos Quantidade de po No me fs admirao Tivesse nesta runa Um negro fome canina Porque. a tal fome de co. Dous contrarias num sujeib O negro unio neste trato Pois a um tempo co e gab Mostrou ser em o seu feito Depois de bem satisfeito Pedio vinho taberneira Elia lh'o deu mui ligeira Mas o negro nesse dia Qual perro fs perraria. E qual gato usou gateira (1) Torre do Tombo, n.o 1149, da Livraria: DA INQUISIO PORTUGUESA Como uma pulga comia Com tal pressa e de maneira Que era vivente frieira E uma sarna parecia Pois quando o vinho. bebia Era sanguesuga o co Que como nesta ocasio Tanta fome e sde tinha . Deixou o prato na espinha Ps m sco o cangiro. J Vinha o perro perdigueiro De fome galgo esganado E bebeu como um danado E comeu como um rafeiro Quando a mulher o dinheiro Do gasto ao negro pedia Em branco a pobre se vio Que como o vinho era branco E levantou o co branco Em branco a sorte sahio. De peixe e po se fartou Sem fastio o negro feio Porque comer do alheio A ninguem enfastiou Depois que o prato limpou E secou o cangiro. Disse a taberneira ento Vendo do negro a m trta Mancaverunt the galheta Lampiatus est meu pam. Foi-se o negro sem pagar E comeu tripa frra Que o bom filho da cachrra A caa apanha no ar A taberneira a gritar 33 3 '34 EPISDIOS D I ~ A M TICOS Comeou e o negro absrto Como tinha bom confrto Correu oom passo esquisito E como era perro vivo Deu mulher perro morto. As trovas fotografam bem o Poeta e do- nos ideia exacta do tempo em que viveu. F , , ~ . ' .. ... - ,., II O ENGENHEIRO E INVENTOR BENTO DE MOURA PORTUGAL 1743 a 1748 'h : .. Bento de Moura Portugal, informa Ino- . encio ( Dir. Bib., vol. I) foi fidalgo cavalei- .ro da Casa Real, por alvar de 24 de maro de 175.0 e cavaleiro professo na. ordem de .Cristo. Nasceu em Moimenta da Beira a 21 de maro de 1702 e, tendo viajado oito anos, foi preso por suspeito de incoufidencia em 1760 e lanado no forte da Junqueira -com outros pre- sos que ahi permaneceram at o falecimento de O. Jos. No fim de 16 anos de priso morreu . a 27 de janeiro de. 1776. Figura no Dicionario de lnocencio por ter escrito: :) lnvent.()s e varios planos de melhora'I'Jentos para este reilz.o, escriptos nas prises da Jun- . queira, pequena amostra de ~ 8 cadernos de pa- pel onde estavam escritos os seus projectos e descobertas. :. 36 EPISDIOS DRAMTICOS Apezar de formado em Direito em 11 de maio de 1731 poz de lado as Ordenaes e o Digesto para se entregar s matematicas, sua vocao natural, especialmente a mecanica e a hidraulica. Mandaram-no viajar pelos paizes es- trangeiros e regressando a Portugal foi ocupado !sucessivamente na abertura dos paes de Villa Nova de Magos, Juncal e Tresoito, do que re- sultou grande utilidade agricultura do Ribatejo. Preso em 1760 por suspe-ito de inconfidcn- cia no carcere permaneceu at sua morte ocorri- da em 27 de janeiro de 1776. Numa carta que escreveu ao conde de S. Loureno, seu com- panheiro de infortunio, fez Moura Portugal a resenha dos seus servios e inventos, cujo su- mario o seguinte: 1. 0 Descoberta de um artefacto por modo de navio para 'Conduzir madeiras do pinhal real de Leiria e talvez mesmo do Par e Maranho, com o que produziria a utilida- lidade de 500 mil cruzados anuaes; 2.o modo de provar que nas terras alagadias que 'Correm ao longo dos rios ha ouro; 3.o modo de embara- ar com um dique engenhoso na serra de. Vila Velha a corrente do Tejo nas cheias, de sorte que continue sua corrente para o mar sem alagar e prejudicar os campos, do que resultava no faltar po em Lisboa; 4.o o mesmo invento para o Mondego com ainda maior utilidade do cam- po e da salubridade de Coimbra; S. o a apli- cao de remos aos navios de porte na ocasio de calmarias fazendo-os navegar meia legua por hora; 6.o a roda hidraulica inventada em 1761 no pal de Foja para enxugar as terras ala- gadas e que no curto periodo decorrido at ao tempo em que o autor escrevia j tinha dado ao DA INQUISIO PORTUGUESA 37 reino utilidade de milhes de cruzados; 7.o a n,ovidade da barca de Sacavem, cuja f.np,a se usava j nas praias estrangeiras mas era des- conhecida em Portugal; S.o A reforma da lei para a capitao das quintas com a qual, segundo diz Bento de Moura, o rei e o povo recuperaram muitos centos de mil cruzados; 9.o os paes di- secados e apertados de que sabem as mesmas pessoas reaes (dizia o autor) com to pouco custo e despsa que no o podia crer o povo seno quando os viu dar fructo. 10.o o modo de aproveitar os demais paes de que teve no- ticia desde Alcacer at ao Mondego, trabalho este composto no carcere e escripto pelo Pe. Joao Matos, seu companheiro. Fala ainda em outros inventos, mas at agora era totalmente desconhecido que tivesse tido o.; seus dares e tomares com a Inquisio. Como so interessan- tes ei-los. ! Fac-simile da assinatura de Bento de Moura Portugal. . Em 12 de julho de 17 43 fr. Francisco de Jesus Maria do convento de Jesus, dos Cardeaes, dirigio-se aos inquisidores a de- n,unciar .- palavras suas - hf sogeito secular, por nome Bento de Moura Portugal, natural (me parece) de Moimenta da Serra da Estrella, que tem officio de engenheiro 1 e por. cujo. respeito 38 EPISDIOS DRAMTICOS lhe d S. Magestade carruagem pra andar nes- ta 'Corte, aonde assiste em hiias casas, que esto defronte de hum oratorio no meyo de hua tra-. vessa., que vai ter do Chiado s casas do Vis- conde de Barbacena. Em conversa com ele Bento de Moura afir- mou o seguinte: que lhe no parecia justo corresponder culpa mortal eterna pena; que. no havia na Igreja 'Catolica mlagre actual que com a sua evidencia causasse admirao, nem convencesse os herejes. Falando-lhe a este proposito fr. Fran- cisco de Jesus Maria nos milagres do corpo inteiro de Santa Catharina de Bononia e da ln- gua incorruta de Sto. Antonio, Bento de Moura replicou que elle vira huma e outra cousa, porque viajou a mayor parte da Europa e que o corpo da santa era, sem mais diferena; como o de hum esqueleto de qualquer mirrado; e a lngua de Santo Antonio estava to longe de introduzir devoo que, parecendo de po preto, causava horror. Apreciando Bento de Moura acrescentava fr. Francisco que O tal sojeito por ser bastante subtil, e ao mesmo passo muito amante da sua opinio, causar damno e pre- juzo s almas, continuando semelha_utes dispu- tas; como sei de certo praticou j na presena do Serenssimo Senhor Infante D. Antonio que lhe he affeioado, pela sua grande viveza. A esta denuncia acresceu a de Pedro Men., des Loureno, sacerdote do habit de S. Pedro, que ouvio acusaes varias a pessoas discretas do Sardoal, onde elle costuma ir passar algum t_empo, em ::asa do capito-mr Franciso Xavier de Menda. Em consequencia d'isto ;promo:- tor da 1nquisio requereu a inquirio das DA INQUISIO PORTUOUI:SA 39' r,espectivas testemunhas, o que os inquisidores despacharam :-em 20 . de dezembro de 17 45. Com efeito, no Sardoal, 26 de janeiro de 174p fazia-:se o. interrogatorio . . . ; Primeiramente de jadntho Serro da Mota, solteiro, da. nobreza da vila. Declarou .ter-lhe ouvido proposies hereticas, que depois sal- vava, . atribuindo-as a. jocosidades e entre elas a de que os turcos ero mais observantes . da. sua ley do. que os mesmos christams e que Deos havia de uzar com elles de mizericordia, pois no creara aquellas almas para. as entregar ao diabo. Alm d'isso Bento de Moura no dava cre- dito aos milagres. . . . , . Segunda testemunha foi o capelo de Fran- cisco xer. de Mendona, o p"' Manoel Alvares, que, por ser teologo, fez acusa3es mais precisas: dizia Bento de Moura que no havia possessos; que todos se haviam de. salvar, comprazendo-se nas conversas contra a f. Terceira testemunha Manoel Freire Peixo- to, cavaleiro professo na ordem de Christo e dos principaes do Sardoal; o qual ouvio Bento de Moura afirmar que as relaes sexuaes s eram pecaminosas senlo com me ou irms. . Quarta testemunha: Ambrosio Custodio Fer- reira de' Miranda; filho do B"' 1 Estevo Ferreira, a quem Bento de Moura deu a entender que no havia demonios. : Quinta testemunha: Bento Manoel de Mou- ra, fidalgo da Casa Real, cavaleiro de Christo e familiar do Sto .. oficio. e filho do capito-mr em cuja asa Bento de Moura , !;je .. hospedava, no Sardoal. Atribua-lhe o duvidar de Herodes mandar matar os inocentes; admirava-se de, nos 40 EPISDIOS DRAMTICOS anaes de Roma, se no falar na morte de Christo; duvidava dos milagres dos santos e das. revela- es que tiveram. , Sexta testemunha: Francisco Xavier de M ~ n dona, pae do antecedente, cavaleiro de Christo como. ele e familiar do Santo oficio. 1 Confirmou os ,depoimentos anteriores. , Eram no ha duvida,. discretos hospedei- ros! Setima testemunha: Antonio Brando de Cordes Pina e Almeida, fidalgo da casa real, senhor do Alcaide e familiar d.:> S 10 oficio. Confirmou os depoimentos anteriores. Remetendo esta inquirio ponderava o co- missario de Abrantes, que a ela viera presidir . .... Que todas as questes e duvidas que altercava nas suas praticas e conversas sobre lu:.. gares da Sagrada Escriptura o dito Bento de Moura Portugal ero nascidas de ter andado e assistido nos reynos estrangeiros como "Ingla- terra e Olanda onde reyna a herezia calviniana e lutherana, e estes disputario com elle seme- lhantes' duvidas e quest5es por ser philozopho formado pela Universidade de Coimbra corit vi- veza de juizo e discursos, como me constou, e assim se fs ve'rosimil o publicar elle agora aos catholios o que ouvio aos hereges, o que to b ~ m d 'a entender a testemunha Antonio Brando de Cordes Pina e Almeyda, mas no se livra da prezumpo. de outras o viver o dito Bento de Moura: Portugal de algua sorte vacilante e pouco firme na fee catholica porque reglar- mente todas as suas conversaes e praticas ero' em inaterias pertencentes a ella e s a pode deSculpar o' no persistir na que dizia mal soante aos fieis catholcos e piorum aurium offensivas, DA INQUISIO PORTUGUESA 41 porque tanto que se lhe dizia encontravo a fee catholica se submitia e calava dizendo: - Miserere mei Deus. No deichei de reparar na primeira testemu- nha Jacintho Serro da Motta diz que o que dizia e altercava nas suas praticas e conversas o dito Bento de Moura Portugal era por modo de jocosidade e mostrar delgadeza do seo juizo e experimentar os alheyos, no lhe gabo a ga- lantaria em materia to gravssima, porque della pode rezultar aos que o ouvirem o vacilarem na nossa santa fee, e os que forem de vida licen- ciosa vivererri com muita mais liberdade, pouco temor de Deos e menos observancia dos pre- ceytos divinos. - Isto era escrito a 30 de janeiro de 1746. Apareceu mais tarde novo denunciante: Gas- par Affonso da Costa Brando, ministro, sub- diacono do prelatcio da Sta. Igreja Pa- triarchal. Por duas vezes, por escrito, se dirigio Inquisio: em 4 de novembro de 1 7 -t6 e seis dias depois. Referia disputas sobre assuntos reli- frases hereticas lanadas porventura irre- fletidamente e para mais em logar to publico como era' o mosteiro de S. Vicente de Fra. Iam-se pois acumulando os testemunhos con- tra Bento de Moura e tantos que o Promotor re- quereu a sua priso sem sequestro de bens ao que os inquisidores porm no deferiram e, em 28 de dezembro de 1746, ordenaram que uma das testemunhas fosse novamente interrogada e fr. Francisco de jesus Maria Sarmento chamado egualrriente a esclarecer a sua denuncia. Com efeito, em 8 de fevereiro de 1747; no Sardoal, era interrogado jadntho Serro de Mota que no aumentou a culpabilidade de Ben- 42 EPISDIOS DRAMTICOS to de Moura Portugal: O mesmo no aconteceu com o comissario- de .Abrantes- que referindo-se ao ru escrevia textualmente: ... No posso deixar de expr a V. S.a a averso que este Bento de Moura tem ao Santo oficio .. No fim deste vero proximo passado pas- sou por estas partes e foi pernoitar no lugar de Alvcga, termo desta vila, em uma quinta de Luiz .Francisco de Mendona onde se achava o Abbade de Sylva Escura, o Pe. Jos Leandro,. natural d'esta vila e dois irmos do dito Luiz Francisco e estando todos mesa trouxe o dito Bento de Moura colao as diferenas que havia entre alguns senhores bispos com o Santo Oficio e disse que os srs. inquisidores haviam de estar contentes porque qualquer- dia haviam de ter ordem para mandarem aoutar os bispos, e se ,tinham eles visto as varias obras que neste particular se tinham feito por parte do Santo Oficio, principalmente de um letrado toleiro da Crte em chamar ao Santo Oficio propugnaculum inc.ontrasbile fidei conheceram todos a displicen..:. cia e desprezo com que falav no Santo Tribunal e lhe disse, o abbade: - --:- Pois voc no ll.cha que est bem dito e bem dado ao Tribunal da f o propug11acalum inc.ontfasbile fidei?! Calou-se porque conhece a grande venera- o e respeito que todos geralmente, grandes e pequenos, tm ao Sto. Tribunal e respondeo: -C por fra no pode um homem falar com largueza, o que seria se estivesse ria Era natural que taes rumores fossem chegan- do aos ouvidos de . Bento de Moura e por isso, em 5 de fevereiro de 1768, ele dirigia-se -com um oficial _do Sto. oficio a casa do inquisidr DA INQUISIO PORTUGUESA 43 d primeira cadeira, a quem entregou a seguinte retratao: L. ~ r . i .. CONFISSO E RETRATAO _ DE BENTO .DE, .. . MOURA PORTUGAL_ . C:- j,- J ~ - . < ' ... Depois que entrei neste Reyno, costumado liberdade com que n"Os do Norte se fala em materias de religio, tenho tido algumas praticas ou questes que pudra escusar e suposto que nunca nellas pretendi nem entendi violar a pu-. reza da Sta .. Religio Catolica romai;a em que p"Or graa de Deus nasci e na' qual e pela qual protesto e protestei sempre morrer e dar a vida se necessario fr; poderia dar algum escandalo por mal me explicar ou por mal me entendem, ou porque a fora do argumento me faria irri:.. ta r e dizer alguma cousa que no dev!sse su posto que segundo minha lembrana sempre em semelhantes ocasies me reportei dizendo que se alguma cousa contra a f ou bons costumes dissera o havia por no dito na falta do qu, o que afirmo no' podia ser de proposito por que sempre o meu animo foi e crer tudo o que 'Cr ensina a Sta; Madre Igreja Catolica Romana e todas as suas definies ainda no caso de serem contrarias ao tneu juiw pelas conside- rar sUperiores a ele e saber que sou obrig-ado a cr-Ias e respeit-las como reg-ras infalveis sem' embargo da dita minha cautela e credencia se em alguma. coisa faltei ou pareci faltar peo a V. S.as me perdoem e lhe prometo nunca mais falar em taes materias porque ainda que me parece que se a V. S.as lhe chegassem como eu as altercava e entendia as no reprovariam, sem- 44 EPISDIOS DRAMTICOS pre acho que fiz mal em falar no que me no pertence nem bem entendo porque no sou teo- logo nem versado na Escritura Sagrada. As ditas questes rolavam comumente sobre as materias seguintes: Se so mais os que se salvam ou os que se perdem, sobre o que algumas vezes disse que suposto que o numero ~ d o s catolicos romanos seja muito menor que o dos que o. nam so pode haver alguma esperana de que sejam mais os que se salvem porque aos mesmos turcos .e gentios que procederem bem poder Deus na hora da morte aclarar em termos que reconhe- am a verdade da nossa santa religio e dese- jando-a .ardentemente se podero salvar,por meio do baptismo flaminis. Se se devi dar inteiro credito s confisses que as bruxas 'ou feiticeiras fazem neste santo tribunal ;obre o que algumas vezes disse que como eram pessoas costumadas a mentir e a fingir cousas que as fizessem temer: afim de lhes acudirem as suas necessidades c emportarem no mundo alguma cousa poderiam confessar cou- sas que no fizeram e smente fingiram tinham feito e considerando que das mesmas mentiras que fizeram crer por verdades as tinham as confessariam sem as terem feito e a este mes-. mo respeito disse muitas vezes que se algum de V. S.as dissesse. que lhe tinha visto fazer alguma ~ u s a ,pas que eles confessam eu acreditaria mas que emquanto , fosse smente pella con- fisso delas me no. certificava de todo, A res- peito das endemoninhadas tambem algumas vezes disse. que emquanto no fizessem ou dissessem ousa sobrenatural me no considerava Qbr.igado, a da_r-lhe inteiro credito. , r .. DA INQUISIO PORTUGUESA 45 As muitas muletas e outros sinaes de mila- gres que se vem na ermida do Sen.hor da Pedra e m otras tambem algumas vezes me ocasio- naram dizer que poucos daqueles milagres ou talvez nenhums seriam certos e que se eu via que Deus no. sarava milagrosamente a El-Rey por quem tantos servos seus lhe pedem entre os quaes me parece ha-de haver alguns justos como hei-de supr que faz tantos milagres a tantos pobretes que talvez passariam inelhor aleijados e talvez que pelo assim suporem se fingiram taes e depois por se no adiarem to bem como esperavam se valeram do pretexto do milagre para tornarem ao estado antigo. Isto, senhores, parece-me facil "de suceder mais de uma pessoa me tem dito fizera falar mudos e eu mes- mo o fiz deante de tres testemunhas que todas vivas e respondeu e confessou se tinha fingido tal para lhe darem mais esmolas. Tam- bem sobre o mesmo assunto me lembro disse lgumas vezes que para o milagre da reproduo de Sto. Antoriio houvra justo motivo e que sem elle me no parecia que Deus os fizesse sem embargo de que conheo e reconheo que no posso julgar se ha ou no necessidade de mi- lagre e .assim o tenho dito em semelhantes oca- sies as quaes d'aqtii por diante evitarei como j de alguns mezes. a esta parte tenho evitado. O meu juizo, senhores, engana-me muitas vezes em cousas materiaes e seria eu louco se lhe con- fiasse a deciso das espirituaes. Eu :!m to- dos os milagres que .a. Igreja aprova e que houve endemoninhados e pode a presente haver alguns e s duvido que todas quantas mulheres se fin- gem ou imaginam taes o sejam, como tambem qe sejam milagres todos quantos o povo tem 46 EPISDIOS DRAMTICOS por taes. Nem me lembro ter afirmado ou dito cousa contraria nossa santa f .e bons costumes e smente repetido o que nos reinos estrangei- ros ouvi poderia escandalisar. os circunstantes como por exemplo algumas vezes disse que ouvia dizer a muitos estrangeiros que .o Sto. Moyss fra mais politico que .outra cousa e ao mesmo tempo zombar das estipulaes que o dito santo e David .faziam com Deus, dizendo que a infi- nidade d'este lhe . no consentia defender mas sempre disse que emquanto a mim os tinha por santos visto mand-lo assim a Sta. Madre Igreja e ser cousa de f que a tudo superior. ,Emfim, Senhores, em semelhantes ocasies ou tempo algum tive animo de ofender a pureza da nossa santa religio como j fica expressado sem embargo do que se entende que tenho dito alguma cousa mal soante ou de: que se possa seguir escandalo e assim se determinar pr este :santo tribunal eu a retrto e detesto de todo o meu corao e protesto seguir tudo o que nelle " ~ determinar. Espero da benignidade de V. S.as recebam esta minha apresentao como filha do arrependimento do escandalo que possa ter dado e de me meter a falar em materias alheias da minha profisso o que nunca mais farei. Lisboa, 5 de fevereiro de 17 48. Benfo de Moura Portugal. -f O Promotor da Inquisio porm no achou . suficiente esta retratao e argumentava: Mas porque fama publica que o delato no s continua a falar, com. errada e, escanda- DA INQUISIO PORTUGUESA . 47 Josa liberdade em po'ntos de f, negando o ha- ver pecados; porque afirma que Deus que tem a culpa dos homens obrarem mal, pois, lho permite; mas :tambem que o mesmo delato con- serva grande amizade com Alexandre de Gus- mo, o qual, sem contradio de pessoa alguma, uniformemente se reputa por origem principal dos escandalos que ao presente perturbam este reino com gesto dos hereges de que, com razo se temem perniciosissimas consequencias. E por- que juntamente quero mostrar que a dita apre- sentao no deve valer ao delato para deixar de se proceder contra ele, continuano-se a sua causa at final concluso. Requeria por 'fim va- rias interrogatorios que se no chegaram a de- tuar e o processo foi arquivado. ~ - Para alguma coisa serviram as boas rela- es e protees do ilustre engenheiro que, pas- sados anos, viria a cahir prisioneiro por motivos politicas. Lngua slta, escapou das suas irreverencias contra a religio, mas no, como j.i vimos contra a politica dominante. (1). Estimado egualmente por dois soberanos, O. Joo V e O. Jos I, bem visto da rainha O. Mariana Victoria de Bourbon, escreve o sr. Alberto Telles numa Memoria acrca de Bento de Moura Portugal publicada pela Aca demia em 1890, e venerado dos contemporaneos ilustres, assim no reino como fra d'ele, est hoje quasi de tod esquecido Bento de Moura Portugal. (1) Inquisio de Lisba, proc. n.o 6.193. 48 EPISDIOS DRAMTICOS Nas paginas que acabam de ler-se fica um valiso e at aqui ignorado elemento para a biografia do homem que teve a infelicidade de ser alvo dos ciumes do onipotente marqus de Pombal. lfl .:> . I ., r III O CAVALEIRO D'OLIVEIRA (OVTUBRO DE 1756 A SETEMBRO DE 1761) Assistia em Londres Francisco Xavier d'Oli- veira, que ento se enfeitava com o gru de ca- valeiro professo da de Christo, do Inquisio de Lisboa constou que em In- glaterra se imprimira certo livro, cujo autr satirisava o Santo Oficio, reprovava a publica- o da Biblia em lingua vulgar, impugnava o culto ou adorao das imagens e queria alfim convencer os seus leitores de que tudo isso nri- ginara o castigo de Deus manifestado no terri- vel terremoto de 1755! De tal maneira, se- melhana do que se passou com' o de 1536, se aproveitaram d'este fenomeno natural para d'ele tirarem efeitos politicas ou religiosos! No se fez por isso tardar o respectivo su- mario de testemunhas. E successivamente de- puzeram perante os inquisidores, nas audiencias da manh: 4 50 EPISDIOS DRAMTICOS l.o O padre Jos Thoms Borges; conhecia a obra, dividida em tres livros e cujo fim prin- cipal era convencer El-Rei que o terremoto vie- ra em c.astigo dos pecados publicos da nao, os quaes eram na primeira parle a idolatria co- no culto das imagens a que se dava adorao ... e a conservao do tribunal da ln- quisi1o neste Reino; o exemplar referido pela testemunha veio de presente a Joaquim Perei- ra da Silva Leal e julga-o muito prejudicial Egreja pois o seu intento convencer El-Rei de que vir .outro castigo se no tirar os convenientes que se .pe pelas causas acima referidas como se mostr.a de ires cartas encor- ,poradas no proemio do sobredi.,o livro, escri- tas uma Rainha de Espanha, outra ao infante D. Manoel e a terceira Academia Real da Historia 2.o Fr. Francisco da Visitao Massarelos: no vio o livro mas sabe-o escrito em cs e que o seu autr, Francisco Xavier d'Oli- veira, seguia a seita de Lutero; 3.o Joaquim Pereira Leal contou como, por ser da Academia de Historia, e por intermedio do ingls Lucas Fmeman, lhe chegra mo um exemplar da obra do Cavaleiro d'Oliveira cujo titulo era: Discours pathetique au suiet des calamits presenies arrives en Portugal adress mes compatriofes ef en parficulier Sa Magesf trs Fidle Joseph I Roy de Portugal par le cha- valier d'Oliveira Londres 1756. Na opinio d'este academico o escrito parece-lhe heretico, blasfemo e petulantissimo contra o Supremo Tribunal da Santa Inquisio. 4.o Fr. Bernardo do Desterro; DA INQUISIO PORTUGUESA 51 5.o Fr. Domingos da Encarnao que de- clarou o livro to cheio de impiedades, blas- femias e calunias contra o Tribunal do Santo Oficio e seu rectissimo procedimento que mi- nha limitarz comprehenso pareceram hereticas, mal soantes e horrorosas. 6.o Fr. Jos Malaquias, qualificador do santo Oficio, como o anterior. 7.o Fr. Nicolu da Assumpo Sequer, egual- mente qualificador; 8.o Padre Antonio Xavier Godinho, nota- rio aposto li ao; 9.o Jos Caetano, mestre de gramatica; 1 O.o Salvador Soares Cotrim, familiar do Santo Oficio: se no conheceu a obra, conheceu e muito bem o seu autr, Francisco Xavier de Oliveira e Sousa, com quem teve traio de ami- zade durante 43 anos, at ele se ausentar como secretario da embaixada do conde de Tarouca, Joo Gomes da Silva; 11.o Joo Pereira da Costa, cura da Igre- ja da Pena, em cuja freguezia, na travessa da Horta, residio Francisco Xavier d'Oiiveira; 12.o Padre Jos Agostinho Franco, coad- jutor na freguezia de S. Jos e ainda outras pessoas que conheceram sim o autr incrimina- do mas. nada mais. Em vista d'esta grande carga contra quem estava a tantas leguas de distancia, em 16 de outubro de 1756, era o Ru citado para se apresentar dentro de cento e vinte dias, mas como se no apres-=ntou - nessa no cahi.a ele! - correu revelia a sua causa. O cavalleiro d'Oliveira, em Londres, rir- se-hia "de certo da excomunho maior que sobre ele pesava ameaadora. 52 EPISDIOS DRAMTICOS CARTAS FAMILIARES, HISTORICAS POLITICAS, e CRITICAS. DISCURSOS SER IOS E JOCOSOS. Dedicados ao Exccllcntiffimo Senhor. ANTONIO GUEDES PEREYRA Comn12ndador da Ordem de N. S. j ~ ( m Cbrifto, lnviado Extraordinario que foi de Sua Mageflade na Corte de Madrid, Secretaria de Ejtado do Reyno lk Portugal. &c. &c. &c. Por FRANCISCO XAVIER DE OLIVEYRA , Cavalleyro Prophe1To da Ordem de N. S. Jefus Cbrifio. TOM O JI. Hd'rd MDCCXLIJ Rosto da primeira edio de um livro do Cavaleiro de Oliveira. DA INQUISIO PORTUGUESA 53 Entretanto o promotor do Santo Ofici.o apre- sentava o seu libelo; .o porteiro da Mesa apre- goava-o e dava a sua f como no aparecia nem outrem por ele, revelba tudo ia correndo e revelia foi sentenceado e condenado como convicto, negaiivo, perlinax, revel e contums. A sua obra foi qualificada como heretica, sds- maiica, sediciosa, erronea, in}uriosa lgre;a Ca- tholica Romana e contraria aos dogmas da nos- sa Santa F. E a sua estatua bonita es- tatua devia ser - na falta do original, assistia impassvel leitura da sentena no auto da f celebrado no claustro do convento de S. Do- mingos, a vinte de Setembro de 1761. foi relaxada Justia Secular mas no houve perigo do que to humanamente a In- quisio pedia... que no houvesse efuso de sangue. No. A Justia secular, no ha duvida, houve-se neste caso oom o ro, benigna e piedosamente. E ele continuou rindo-se em Londres, rin- do-se a bom rir... (1) (1) O proc<'sso exrste na Biblioteca de Evora e foi publicado no Arquivo Historico PortuguDs, voi. II, e o Discours patlztique foi ultimamente reeditado pela Imprensa da Universidade de Coimbra e seguido de uma notavel noticia bibliografica pelo dr. Joaquim de Carvalho. IV O POETA FRANCISCO MANUEL DO NASCIMENTO ( 1778) Ocupmo-nos de Filinto, o gro cantr. Em 22 de junho de 1 778 enviou o be- neficiado Florencio da Costa Pereira, notaria do Santo oficio, noticia de que o presbtero se- cular Jos Manuel de Leiva, morador ao arco do Carvalho, lhe viera referir ter ouvido a Joo da Silva, em cuja casa assistia, o se- guinte: Estando este Joo da Silva, em conversa com o padre Francisco Manoel, o nosso Filinto Elysio, prosaicamente proprietario da thesoura- ria da igreja das Chagas de Christo e sobri- nho de Joo Manoel, j falecido, que foi pa- tro-mr, estando em casa de um letrado por nome Luiz da Silva de Almeida, morador na Praa do Comercio, nas casas de Anselmo DA INQUISIO PORTUGUESA 55 Jos da Cruz, o padre Francisco Manoel disse o seguinte: - Que no dessem credito a que o Padre Eterno houvsse de ter mandado ao mundo o seu unigenito filho para remir o genero hu- mano. Falando-se d'este assunto afirmou o pa- dre Francisco Manoel o seguinte: - Para que esto vocs canand-se, nem quebrando a sua cabea com isso? Pois poss- vel? E seno digam: Suponham vo-cs que era um homem rico e que tnha uma quinta ou fa- zenda onde tinha, por exemplo, uma noguei- ra, na qual, depois de mandar ao caseiro da quinta no bulisse, ele, quebrandio o preceito, e ordem de seu dono, tirara della uma noz e a comeu; era possvel que o dono da quinta mandasse castigar seu filho pelo delicto que cometeu o caseiro? Cara lhe custou a alegoria, como v a ~ ver-se. Em vista de tal depoimento, no dia 1 de julho, foi chamado Inquisio o padre Jos Manoel de Leiva, de 33 para 34 anos e con- firmou a denuncia remetida pelo notario ao San- to Ofido. No mesmo dia foi tambem inquirido Joo da Silva, familiar d Santo Oficio, cava- leiro professo da ordem de Christo, em cuja casa estava o padre Leiva e depoz o seguinte: Disse, que elle por ter conhecimento, e amizade com o Padre Francisco Manoel, sa- cerdote do habito de So Pedro, que morou em alguns tempos em casa do Patro mr da Ribeira das Naos que era seu Tio, e que hoje mora ao Bairro Alto, segundo tem ouvido di- zer, conversava frequentemente com elle, e nes- tas occasioens observou, que elle falava com 56 EPISDIOS DRAMTICOS muita liberdade contra a nossa Santa F Ca- tholica; e entre outras est lembrado que uma vez, falando-se sobre a Religio dos Mouros e dizendo elle testemunha que esta ceita era en- tre todati a peor, a mais mal fundada_, por con- ter muitos despropositas e parvo ices; respon- dera o dito padre: Cale-se l que assim como ns entende- mos1 que s a Religio Catholica Romana, he a verdadeira, e em que ha Salvao e a mes- ma :sorte, 10s mouros e os chinos crem, e en- tendem que s a sua he a verdadeira, e que s nella h a Salvao: que cada hum a de lias fora fundada por hum Profeta, asim como a nossa por Jesus Christo, que he hum Profeta como os outros, e por isso todas ero boas, e nelas havia Salvao e espantando-se elle tes- temunha de lhe ouvir proferir esta barbarida- de, elle persistio sempre no seu mesmo concei- to e acrescentou: Se entendia elle testemunha por cousa jus- ta, boa e radonavel, que hum homem rico que tinha um pomar e nelle posto hum caseiro para o seu trato e custodia, dando-lhe liberdade para usar e comer de todos os frutos que p r o d u ~ zisse o dito pomar, exceptuando-lhe smente por exemplo huma nogueira, e prohbindo-lhe expressamente que no tocasse em huma s noz e obrando o dito pomareiro pelo contrario de sorte que o senhor do pomar o veyo a saber, se lhe parecia, disse, cousa boa, justa, e racionavel, que o senhor do pomar em lugar de castigar o dito pomareiro pela culpa que commeteo em tocar na fruta prohbida, casti- gasse antes e dsse a morte a seu filho primo- genito innocente, e totalmente livre daquella Filinto Elysio de trajo secular:. aparenta cincoenta annos de idade. 1 58 EPISODIOS DRAMTICOS culpa; dando-lhe a entender com isto que o que se ensinava na nossa Santa Religio Catholica, d que o Nosso Deos permittisse, que seu uni- genito filho, nosso Senhor jesus Christo, livre e innocente 'de toda a culpa, morresse pelo ge- nero humano em lugar de Adam, que foi o que peccou e faltou ao preceito, que o mesmo senhor lhe tinha posto de no comer do fructo prohibido, era o mesmo e em tudo semehante ao caso acima proposto do Senhor do pomar a respeito do seu caseiro, que no observou o preceito de que no tocasse no fructo, ou na nz prohibida: de que tudo ficou elle teste- munha entendendo, que o dito Padre Francisco Manuel tinha maos principios, e seguia erros a respeito da nossa Santa f Catholica. Disse mais que esta conversao passara entre ele e o dito Padre haver anno e meyo pouco mais ou menos, em caza do Doutor Luiz da Silva e Abmeida, advogado nos auditorios des- ta cidade, morador na Praa do Commercio no primeiro andar das cazas de Anselmo Jos da Cruz, andando passeando com elle em huma das ditas casas, na qual se achava smente pre- sente o dito advogado Luiz da Silva e Almeida, que lhe parece percebeo todas, ou muita parte das cousas, que nessa occasio lhe disse o dito Padre Francisco Manuel. Disse mais, que em outra occasio, tendo hido com o dito padre ao convento do Sobral, junto da villa da Alhandra, dos Religiosos An- tonioos, entrando em huma noite em conversa- o com alguns padres do dito , convento, e outras mais pessoas que estavo presentes, en- tre outras cousas que pareciam contrarias ver- dadeira doutrina da nossa Santa Religio Ca- DA INQUISIO PORTUGUESA 59 tholica Romana, dissera que no tinha havido hum Diluvio Universal, porque se no podia dar razo, donde estava de antes, e onde se recolhera depois tanta quantidade de agua quan- ta era necessaria, para causar hum diluvio Uni- versal, to grande, como referem as escrituras e replicando-lhe alguns dos ditos padres, que para assim o crermos bastava que o dissesse a Escriptura Sagrada o dito Padre respondera que se elles fugiam da razo, e se acolhio Escriptura Sagrada, isso era o mesmo que me- ter-se em hum bcco que no tinha sah ida. Disse mais, que na mesma occasio fallra com a mesma Liberdade em outros pontos da nossa Religio que presentemente lhe no lem- bro, mostrando em tudo que elle dava pouco, ou nenhum credito s Escripturas Sagradas; e que tudO' queria mostrar com razes naturaes e Philosophicas. Disse mais, que em outra occastao ouvira dizer ao mesmo Padre Francisco Manoel, que elle tinha um livro impresso em Olanda, no qual se mostrava clara e evidentemente, que o tribunal de Santo Officio no procedia com recti- do e justia nas prizoens e castigos, que dava aos Reos porque sen-do os crimes destes ptiblicos devio tambem ser publicamente processados e defendidos, mostrando com isto que o proce- dimento do Santo Officio no era justo e recto, e lhe offerecia o dito livro para por elle se convencer melhor desta verdade; offerecimento que elle testemunha no quiz acceitar. Disse mais, que em outra occasio succe- dendo falar com o di-to padre no Santo Sacrifi- 60 EPISDIOS DRAMA TJCOS cio da Missa, lhe dissera este que isto da missa era um officio que tinho, e exercitavo os Sacerd'Otes, da mesma sorte que os apa- teiros e carpinteiros exercitavo os seus, mos- trando com isto que elle no tinha sobre o Santo Sacrifcio da missa a mesma doutrina, e os mesmos sentimentos que tem e ensina a San- ta Madre Igreja Catholica Romana. Disse mais que elle testemunha em muitos tempos tivera amisade e trato frequente com o dito padre pelo achar, e por lhe parecer muito curioso, e bem instruido na Historia; mas por- que com este mesmo hato foi conhecendo que elle no era seguro, sobre as cousas, que per- tencem Religio, e observou demais que nas jornadas que fazia no levava Breviario nem vio nunca rezar por elle, e que aos Livrinhos de oraoens chamava Besbelhos espirituaes se foi pouco a pouco afastando delle, e abominando a sua communicao; e entrando por esta cauza a fazer reflexo sobre as cousas, que deixa re- feridas, e outras mais miudas que presentemente lhe no lembro. Consultou com o Padre Jos Manoel de Leiva, seu capello, morador na casa della tes- temunha, se tinha obrigao de as vir delatar ao ''Santo Officio, o qual lhe respondeo, que lhe parecia, que sim mas que para maior segurana se aconselhasse oom alguns padres doutos, dos quaes acharia por exemplo muitos no conven- to de So Domingoo; o que succedeo h'aver.i. couza de cinco dias, pouco mais ou menos, e estando elle testemunha na resoluo de o fazer assim, succedeo ser hoje chamadO a esta meza na qual confessa que elle no tinha dado na mesma esta conta porque pelas suas occupaes DA INQUISIO PORTUGUESA 61 no tivera ainda lugar de consultar aos ditos Padres de So Domingos, como lhe tinha acon- selhado o dito seu Padre e cappelo, e por ter tambem estado molesto. Dos depoimentos das restantes testemunhas, que alis nada adeantaram ao anterior, s des- tacaremos varte do feito por Antonio Felix Men- des. Disse mais que s a b ~ , pelo conhecimento que tem com o dito padre Francisco Manoel, por ser seu mestre da latinidade, que elle mui- to bem instruido nela, como tambem na filosofia e na historia eclesiastica e geralmente re- putado por homem douto e que por esta razo muito procurado por varias pessoas para con ferirem com ele algumas obras que compem, principalmente em verso, em sermes e outras quaesquer duvidas que lhes ocorrem; e entre outras pessoas frequentemente visitado por alguns religiosos do convento de Jesus, maior- mente por um religiJOso por sobrenome Bar- roco, ou Marrocos e que, pela razo da sua boa instruco era estimado pelo bispo de Beja ... As acusaes no podiam ser mais esma- gadras contra Filinto. Eclesiastico, blasfmo e cheio de inimigos, quem o poderia salvar em to calamitosos tempos? Se negasse a ps jun- tos esperava-o a fogueira e, se confessasse, ti- nha a ignominia,, o vexame e a miseria, com o habito penitencial. Por isso preferio o po amargo do exilio. Vejamos como, porque no foi destituido de ro- mantismo. 62 EPISDIOS DRAMTICOS A FUGA DE FRANCISCO MANOEL DO NASCI..MENTO No dia 13 de julho de 1778 despachavam os inquisidores de Lisba um requerimento do Promotr em que este, por constar geralmente que o padre Francisco Manoel se absenira d'es- ta cidade de Lisboa no paquete de Inglaterra, requer que se proceda a uma diligencia que chama sumario de fuga. . Com effeito, em 17, era chamado o. fami,.. liar Manoel Caetano de Melo, encarregado de acompanhr o conde de Rezende na priso por parte do SantO oficio) do padre Francisco Ma- noel. Contava efetua-la no dia 4 de julho. Com- binadas as cinco da manh para realisar tal diligencia adiantou-se elle de.poente a entrar nas mesmas casas, para o (Francisco Manoel) ter seguro e e ~ i t a r que no fugisse, sucedeu que aparecendo-lhe o mesma Padre mal vestido, sem meias nem cales, embrulhado smente em um capote, como elle depoente o no conhecia, ima- ginando que seria algum creado da casa, lhe perguntou pelo dito padre, dizendo-lhe queria falar sobre uns negocios que l/te tinham sido encomendados de Oa, cujos papeis se acha vam em poder do Patro-mr j defunto, tio do mesmo padre e respondendo-l/te que o dito padre ainda est,ava recolhido mas que elle lhe iria dar parte do negocio em que falava; e en- trando com efeito em um quarto em que fin- gia estar o dito padre vio elle depoente que logo abrira utr.a papeleira, da qual tirou uns papeis que lhe veio entregar, dizendo que aquel- DA INQUISIO PORTUGUESA 63 les eram os papeis que procurava e que os po- dia ver muito sua vontade e receb'endo-os elle depoente e entrando a examin-los, descon- fiando- que o dito sujeito que lhos entregara era o proprio que procurava lhe disse, sem lhe dar comtudo a parte do Santo Oficio, se fosse ves- tir, porque andava por aquelle modo indecente e entrando por efeito d'este recado para o re- ferido quart.o, dando a entender que se ia ves- tir, observando elle depoente que tardava e no sentindo :movimento algum, nem aciio de se estar vestindo entrou em o dito quarto para se afirmar e ento conheceu que o mesmo su- geito niio estava no quarto e tinha descido por umas escadas que davam serv.entia para outros quarlos inferiores e d'ahi para a porta da rua por cuja causa correu logo a mesma porta na qual tinha deixado um creado seu e pergun- tando-lhe se por ella tinha sahido algum'a pes- soa da casa lhe respondeu este que tinha sa- hido um homem embrulhado em um capote ai- vadio com uma cabeleira na cabea e enten- dendo elle depoente que era o mesmo que pro- curava por lhe ter aparecido lambem com um capote a/vadio partio imediatamente com o mes- mo criado em busca d'elle mas j o no po- deram encontrar, de sorte que quando d'ahi a pouco chegou o dito Excelentissimo Conde de Rezende, elle depoente lhe contou tudo o que tinha passado e se certificara que a di- ligencia estava perdida e que j no podia ter elfeito. Que triste papel nesta conjuntura o d'um fidalgo da categoria heraldica do conde de Re- zende! Com que cara ficaria ento? 64 EPISDIOS DRAMTICOS Um sapateiro, visinho do padre Francisco Manoel, acrescentou o seguinte: .. . Passados dois ou ires dias veiu um sar- gento da artilharia que dizem mra em Belem, ao qual nio sabe o nome, s mesmas casas e fez meter em uma sege ao pae e me do dito padre que se achavam doentes e muito ve- lhos e os conduzio para o sitio de Belm e no dia seguini.e fez da mesma sorte conduzir por uns galegos todos os trastes e fato que se achavam nas mesmas casas do padre Francisco Manoel a elle pertencentes que eram bastantes e alguns preciosos e ricos tomo dois espelhos grandes de vestir, placas, papeleira, cravo, ca- deiras, mesa de ;ogo e outras mais cousas, fi- cando smente nas mesmas casas um homem que iulga se chama Joaquim com sua familia que presentemente ainda nas mesmas casas as- siste. Finda esta diligencia veio o Promotor com novo requerimento. INQUIRIAO DE NOVAS TESTEMUNHAS Em virtude d'esse requerimento, apurada a forma como os esbirros da Inquisio ficaram ludibri;ados, em 4 de julho d ~ 1778, foram in,.. terrogados dois frades do convento de Santo An- tonio, do Jogar do Sobral, junto a Alhandra. O guardio s tinha ouvido acusar o padre Francisco Manoel, que no seu convento pernoi- tra, de ser um pouco libertino. O padre frei Simo da Conceio foi mais explicito e declarou que, com efeito quando veio pernoitar ao convento do Sobral, na companhia DA INQUISIO PORTUGUESA 65 do doutor Luiz da Silva, ouvidr da Casa da Mo da, moradr ao Arco do Carvalho; Joo da Silva, n fabrica do biscouto, ao arco do Carvalho; Joaquim Jos de Souza, escrivo do civel, moradr na rua nova da Rainha, defronte da casa do Risco, nessa ocasio pois no lhe ouvio proposio alguma contra a nossa f. Po- rm, em sua propria casa, em varias ocasies lhe. ouvio dizer que eram desnecessarias as pintu- ras do EspirMo Santo e An;os; em outra oca- sio olhando para uma pintura de Ado disse que era son!to de Moyss, em outra, ven- do uma pessoa do sexo feminino, em casa do dito Joaquim Jos de Sousa, ol!tou para uma imagem de N. S. com a ao de dar de mamar a seu bento fil/to, olhou para a sobredita. -mu-. l/ter por nome Mariana Rosa, mul!ter do sobre- dito escrivo, como quem fazia escarneo: - Ol!te p.ara aquella s.enlwra q'l-e esl dando de mamar a seu fil/to, disse da mesma mulher, est celebre pintura, de sorte que provocou a riso os circunstantes e permitte a lgre;a isto! ... E que em outras occasies l!te ouviu di- zer sobre varias conversas: -Estamos em um reino que no . pode a gente escrever por amor deste Santo Oficio. Em outra ocasi,o ac!tando-o basfaniemente melancolico l/te perguntou ele testemunha que finita, respondeu que tendo umas historias com dous padres de Rilltafoles, em casa de um li- vreiro, cu;as !tisforias n.o quis relatar, s disse que os padres de Rillwfoles tin!tam amisade com o Santo Oficio, que i d'ali o iam denunciar e que indo ao outro dia a ter com elle testemunha e acltando-o i muito alegre l!te perguntou em que tin!ta parado o se'l. dissabr, 5 66 EPISDIOS DRAMTICOS -Fui ter com o meu bispo de Beia, nar- rei-lhe a lzistoria e disse-me nio fizesse caso d'isso e no ficando eu descanado fui ter com o meu amigo Francisco Xavier de Mendonca e narrando-lhe o caso respondeu o mesmo, que nio fizesse caso disso e Jlo ficando descanado fui ter co.ml o meu amigo Paulo de Carvalho ( 1 ) narratulo-llze o caso me respondeu: - Descance padre Francisco Manoel, o San- to Oficio no est hoie como estava algum dia. Outrosim ao dito padre Francisco Mmwel ouvio dizer e vio estar assentado ao p dll dita Mariana Rosa, puxar por um livro da vida de S. Francisco d'Assis, que tendo suas estam- pas das aes da sua vida em que algumas se manifesta etitre silvas e em oulras n, pelo muito amor qtM i/lO seu peito ardia, se ma nifesta na estampa, sahir-lhe 'do peito a ima- gem {/e Christo crucificado e ;provocando o riso aos circumstantes dizia por escarneo dita mu- llzer do escrivo: Quer ver o senhor S. Francisco com a sua bolinha? Quer ver ao senhor S. Francisco parindo a N. S. Jesus Cluisto, por uma ita? e ouiras cousas mais que a elle testemuulw lhe no leml;lra e ,depois d'isso soube elle festemuttha que o dito livro, tendo a vidll 'de S. Francisco de Assis, com suas estamp1as, tittlta por baixo das estampas notas de Lutero. E pelo terceiro disse elle testemunha que a vida do dito padre Francisco Manoel nio era (1) Paulo de Carvalho e ;Mendona, irmo do marques de Pomb?.l; do conselho geral do Santo Oficio desde 13 de maro de 1759 e inquisidor da crte desde 28 de janf'iro de 1766. DA INQUISIO POIHUOUESA 67 muito ajustada nem conforme ao seu estado,. viveffdo lu,ruriosamenie, que no falto de juizo nem o vio 1zunca inebriado. e que quando lhe. ouvio as palavras tr...al soantes e o 'que tem d e ~ posto julgou elle testemunha estava em seu juizo. . Tambem na inquisio de Coimbra se depoz oontra Francisco Manoel do Nascimento, em- bora tal acusao visse por incidente. Foi em 8 de agosto de 1 778 que D. Rodrigo da Cunha Manoel Henriques Mello e Castro, de 27 anos de edade ao tempo e morador na sua quinta do Almegue, chamado Inquisio, declarou; Que elle declarante contrahiu amizade com Jos Anastacio da Cunha acima referido e com. elle teve comunicao frequente, indo a sua casa. onde praticavam publicamente sobre poesias, elo- quencias e bellas letras, e como nesst! tempo, que foi, haver dois anos, estavam infestadas as conversaes pela corruo da epoclw, que admitia tratar-se de pontos de disciplina de dog- ma de materias tocantes nossa religio ca- tholica, ainda que elle declarante aptes de ter entrada na dita casa ignorava tudo o que era pernicioso, sem embargo de que, por miseri- cordia de Deus, jmais seu coraro se confa- mil'i.ou.... Disse mais que as pessoas que coma- mente frequentavam a dita assembleia eram o dito Jos Anastacio, Joo Paulo Bezerra, seu companheiro que natural de Lisboa, filw de uma senhora, que casd.d.a com o Rubim, o dr. Jos Francisco Leal, lente de medicina nes- ta Universidade, os filhos do morgado de Ma- theus D. Luiz de Sousa, os fillws de D. Fran- cisco lnocencio de Sousa, embaixador em Ma- drid, o padre Apolinario Jos V i ~ a da Silva,. 68 EPISDIOS DRAMTICOS natural de Lisboa d'onde 1norador, e_ o dt. Luiz Sec!zi, lente de Anatomia, os quaes se jun- tavam para fim !zoaeslo e indiferente, qual o. do passeio e do passatempo e a nenhuma d'el- las vi o cousa que o fizesse persuadir de que ellas viviam apartadas da nossa santa f ca- tolica .. Disse mais que elle declarante .no tem livro algum de seu prohibido, mas leu o R 1 Y.s- s?, sem ordem de alguns como o Candid - Dicionario Filosophico ---, e do Evangelho do Dia, que andava por cim'a das mesas na casa do dito Jos Anastacio, n.o sabe se eram seus, nem se tinha mais, nem tambe'm se lembra se- lodos ou se alguns teve em casa d'elle decla- rante por algum tempo emprestados. Disse mais que em outra vez, que se tratou, de. atheisnto, no Jardim das Necessidades, estan- do presentes o dito Jos Anastacio, o dito Joo Paulo Bezerra e um francs chamado monsieur Vachi, cirurgio-mr no regimento de Valena e o doufr Cechi, onde o francez se ralava; e o Cechi no sabe que partido tomou. Jos Anas.;. tacio, Joo Paulo Bezerr.a, seguiam a verdade dos deistas, isto que ha um Deus, elle de:.:. clarante porm (conservando de todo o seu cd- rao a religio catholica) ps argumentos so- bre a formao e combinao da materia s- mente para mostrar que sabia e no para osten- tar que elles eram verdadeiros .... Disse mais que em outras vezes se achou; em Lisba com o padre Francisco M.anoel, sobri- nho do patro-mo r da Ribeira das Nos, com o qual ainda que elle declarante lhe produzia es DA INQUISIO PORTUGUESA 69 mesmos afguinenfos, elle sobredito nio s os no contradizia, mas at lhos apontava e anunciava. Disse mais que em outras vezes tratou as ditas materias, com o doutr Leal, em outras, com Jos Anastacio e Joo Paulo Bezerra e outras pessoas que lhe no lembram, indo de passeio ;unto a Santo Auionio dos Olivaes e . em uma 'estas est certo elle declarante que acerrimamente defendeu o partido da nossa re ligio dizendo que seria infeliz uma republica de atheus, que no poderia subsistir por lhe faltar o temor :do Inferno e esperana do pre- mio .eterno da Olaria, pois que estes eram os dois princpios de cohibi,o dos vcios dos lw- mens que por isso os faziam amar a virtude e que sem religio no estavam seguros os 'prin .. cipes no trno; Jos Anastacio ento-- defendeu o contrario o que talvez faria poi genio de dis- puta. ,_-. No capitulo seguinte se ver a sorte de Jos Anastacio da Cunha. Em- 26 de agsto de 1 778 novo depoimento contra Francisco Manuel. Este foi do capito engenheiro Manoel de Sousa, que disse consi- derar o roo como. atheu pelo. seguinte: Os. motivos eram os que veio a entender do trato e co.municao que com elle (f'rancisco Manoel) teve por alguns anos, observando em geral que tratava tudo o que pertencia a re- ligio, como um ponto politico e necessario para a .sua conservao, porque sempre conheceu nelle, que neste mundo nenhuma cousa lhe impor- tava mais que a su pessoa; preferindo-a a tudo, que nelle havia; observando em geral que elle 70 EPISDIOS DRAMTICOS nenhuma religio seguia em particular porque via, que pelo que pertence nossa caiolica romana, diza fMquentemente missa sem se con- fessar antecedentemente, ao mesmo tempo que suspeitava que elle tinha a sua consciencia bas- tantemente embaraada pela liberdade com que falava do credito e riputaiio das pessoas nuus autorisadas e principalmente do recto procedi- mento d'este tribunal. E em uma ocasio lhe ouvia dizer que elle se confessara com certa pessoa smente para o desabusar de mo con- ceito, que julgava fazia d'elle, do que ficou entendendo que elle no usava d'este sacra- mento, como manda e prescreve a nossa re- ligio. Via mais que elle nenhum preceito obser- vara da nossa lei, nem da santa madre igreja, do que tudo fez conceito que elle, smente no exterior, para escapar dos castigos, que lhe po diam ser dados, mostrava ser cailwlico; porm que n interior no tinha absolutamente religio alguma, mofando de todas com indilferena. Disse mais que nenhuns outros motivos em particular tem para formar o conceito que dita tem do referido padre Francisco Manoel do Nas cimento; porque como a maior comunicao que com elle teve era sobre pontos de belas letras s por acaso, e incidentemente tocavam em al guns de religio e como percebia que' nelles estava totalmente apartado dos verdadeiros sen- timentos e dQgmas da sartfa madre igreja ca- tholica por isso assim em geral formou o con- ceito de que elle em nenhum era seguro e um verdadeiro atheu. Mariana Rosa de Amorim e Sousa, mulher do escrivo do cvel Joaquim Jos de Sousa, foi DA INQUISIO PORTUGUESA 71 interrogada a 25 de fevereiro de 1 779. Disse que muito bem conhece Francisco Manoel do Nascimento e sabia que era thesoureiro da egre ;a das Chagas e morador na ribeira das Nos em casa do .pair.o-mr a quem sempre tratou por seu tio _e sabe, pelo ouvir dizer, que :fi lho de Maria Manoel, casada com Manoel Si mes, mas .voz .publica que o dito padre Fran cisco Manoel era filho do .patr.o-mr defunto, Jo.o Manoel, que se diz o tivera da sobredita Maria Manoel, mas que ella nunca ouvio nem vw que o sobredito padre dissesse ou fizesse cou- sa alguma contra nossa santa f caiholica e que nas repetidas vezes que vinha a casa d'ella testemunha e com ella e seu marido conversava, consistia pela maior parte a sua conversa em co medias, versos amaiorios e sonetos e que nas vezes que o dito vinha a sua casa era quasi sempre de levante e raras vezes se sen'tava por ser seu genio ;ovial e de pouco assento. No dia 8 de julho de- 1 779 foi chamado o padre mestre frei Filipe de Sant'Iago Travas- sos, professo na congregao de S. Paulo e morador no colegio de Evora. Disse que haver quatro anos teve co- nhecimento e amizade com algumas pessoas que sabia tinham uso e lio ,de alguns livros pro- hibidos como .s.o Voltaire, Rousseau, e outros semelhantes, s quaes ouvio por vezes algumas proposies suspeitosas contra alguns da religi.o que elles deduziam dos principias errados dos mesmos livros e que elle se ;ulgou sem obrigao de os vir denunciar a esta msa por dois motivos: primeiro porque ainda que nesse tempo estivsse a parta d'este tribunal aberta para receber as denuncias, sabia elle tes- 72 temunha que eram menos bem olhadas do m i ~ 'nisterio as pessoas que intentavam as referidas denuncias, como ouvio dizer a estes e a outros seus conhecidos sobre uma disputa havida entre o capito Manoel de Sousa, o padre Francisco Manoel e dois religiosos de R.ilhafoles, os quaes por susterem o partido da religio contra os -sobreditos, dizem, foram perseguidos. O segundo, porque nunca elle deprehendera pertinacia ou teima no proferir das ditas pro posies mas antes facilimamente cediam fora dos argumentos da verdade pelo que nunca se convenceu que elles eram here;es. . . INFORMAOES DA FAMILIA DE FRANCISCO MANOEL DO NASCIMENTO Eis o que a tal respeito informava o c o m ~ mi-ssario Mathias de Andrade e Almeida em '27 de maro de 1779: Procedendo. na diligencia que V. S.as foram -s.etvidos cometer-me, s9bre o contedo na mes- ma, pertencente ao Padre Francisco Manoel do Nascimento, me informei metlamente das pes soas referidas no fim d'esta, fidedignas, "legaes, noticiosas e antigas; e das mesmas consta que "conheceram sempre ao dito padr(j, com o nome, sobrenome e apelidp e assim nomeado e que em 'nenhum teinpo souberam, fra conhecido com al lerao ou de.lltljnaio nelles. Ouviram' umas e outras entendem su o difo padre, natural da freguesia de S. Julio d'esta 'cidade e uma disse ser natural da dita fregue- sia; que o dito padr.e thesoureiro colado da igre;a das Chagas e morador, quando se ausen- DA INQUISIO PORTUGUESA 73 tou, em umas casas de 'Monsieur Pedro, marce- neiro, quasi defronte do palacio do Calluzriz, com seus paes e com Joaquim Jos Perei,ra de Sousa. Ouviram algumas dizer qu.e o dito padre se em- barcara no paquete para Londres e muitas ouvi- ram que s.e acha em Paris, de Frana e que se corres,poide com o ito Joaquim Jos Pereira de Sousa, morador presentemente ao caes do Sodr, rua do Arsenal e que lambem escrevera ao Padre Mesir.e, frei Filipe de Sant'lago, do conventode S. Paulo, d'esta cidade. Conhecem seus paes, Manoel Simes e Maria Manola, elle foi fraga feiro e teve sua fragata, ella vendeu pelas ruas peixe e outras cousas comestveis. Foram mora dores, antes do terremoto, com o dito padre e Joo Ma.noel, que morreu patro-mr e ento era mestre das fragatas reaes na rua .da Ferra- ria, freguesia de S. Julio, nas casas de Jos Rodrigues Torres, informante nesta diligencia e lambem na rua dos mercadores da dita freguesia. Depois do terremoto foram todos assistir em uma barraca Cotovia e na rua do Vale, freguesia de N. S. das Merds. Quando o dito Joo /Yfa- noel saltio palro-mr levou todos comsigo para as casas da ribeira das nus que lhe d El-Rei. Os ditos paes, Manoel Simes e Maria Ma nola, s.o vivos, elle se aclta cgo e pedindo esmola . e se recolhe pelo amor de Deus em casa de um barbeiro do Chiado, junto igre ja de N. S. da Ba Hra e a mie est com pouco juizo em casa de uma sua afilhada, ca sada com Maximiliano Gomes, carpinteiro da ri beira das nus, ao terreirinho, freguesia de San ta Catarina. Ouviram muitas pessoas informantes . dizer que o pae cerllo do dito padre era J o.o 'Manoel, que morreu pairo:.mr. 74 EPISDIOS DRAM TICOS O reitor da igre;a da Conceio Nova diz que o dii.o padre lhe dissera que era filho do referido palr,o-mr. O cura da igre;a das Cha- gas dlz que o dito padre l/z.e dissera que elle era filho do mencionado patro-mr e sua m'.e Maria Manola era naquelle tempo amiga d'elle e ca- sada ao mesmo tempo com Manoel Simes; o dito cura tirou do sentido ao Padr,e Francisco Manoel do Nascimento qu.e queria, pela mrte do referido patro-mr, ;untar papeis em que mostrasse ser filho d'elle para herdar os bens que ficaram, alegando-lhe o dito cura que no fizesse isso, por ser mulher casada. Tambem Francisco da Silva de Carvalho ouvio dizer qu.e. o dito padre proferira, sou filho de Joo 'Manoel, palro-mr. Este. teve in- tento de ordenar ao dilo padre, como seu fi lho, e como vio que no podia consegui-lo, o fs ordenar filho de Manoel Simes e lhe alcanou a thesouraria da igre;a das Chagas. O dito patro-mr t sua morte tratou e cha- mou sua irmfi a Maria Manula. O dito padre chamava em casa mano ao referido patro-mr e por fra tio. Comprou o dito padre, em vida do patro-mr, uma quinta em Camarote e lambem umas casas com um quintalo defronte da igre;a de Camarate, alm de outras propriearles em Lisboa, na rua do Val e do Telhai a S. Jos e em ama d'ellas tem o seu patrimonio e dizem que o referido patro-mr lhe deu o dinheiro para estas compras. O mesmo padre, e Manoel Simes, seu intitulado pae, e Maria Manula, sua me, por morte do patro-mr tomaram posse dos seus bens; porm dizem que pela ausencia do dito padre apareceu em iuizo um procurador com Filinto Elysio de habito falar: aparenta uns setenta annos de edade. 76 EPISDIOS ORAMTICOS.-.,.- .. ..... .. -:._. . t ....... . . . -.. .. .- -_,. - procurao de uma sobrinha legitima do mes- mo palro-mr e tem tomado posse de tudo que ficou por morte do referido patro-mr e o Padre Sebastio Jos da Piedade, informante, que disse, escrevera ao Padre Francisco Manoel do Nascitr..cnfro, a Paris, de Frana por via do ' referido Joaquim Jos Pereira de Sousa, avi- sando-o d'esta posse e que, se quizesse lhe mandasse procurao para se opr a isto e t agora no lhe deu resposta. Procurei a certidi.o do baptism'o do dito padre na freguesia de S. JuUo e no achei porque os livros todos queimaram no in- ceJul.io successivo ao terremoto de 1755, como f.antbem procurei os que servem depois do dito terremoto e no se acha reformado o assento e passando ao cariaria da camara eclesiastica do pairiarchao para tirar a dila certido dos autos da sua habilitao disse-me o oficial da mesma c amara que os mandara em Fevereiro proximo passado para este santo tribunal por ordem que levei do mesmo. Com efeito o notaria do Santo Oficio mente Jos da Cunha certificou em face dos autos de habilitao de genere o seu assento do batismo do qual consta que a 2 de janeiro de 1 735 foi de batisad e tinha nascido a 21 de dezembro de 1734, filho de Manoel Si- mes, natural de Ilhavo, e de Maria Manula, sendo padrinhos Oregorio Mendes Pinto e Dona Catarina de Ares ( 1 ). (1) Pn.c. n.o 14:048 da inquisio de Lisboa. Sousa Monteiro publicou_ no da _segundfl; da Academia, vol. I, um interessante estudo acerca de Filinto. Publicou algumas peas do processo, p::>uo<>, DA INQUISIO PORTUGUESA 77 Ligada intimamente perseguio que os in- quisidores lhe moveram est a seguinte poesia em que desalmadamente fustiga os que o fi- zeram exilar. transcrita das suas Obras: ODE Paris, 4 de julho /806. N'um dia, qual o de hje (ha vinte e oito annos) Vinha da Inquisio um sbirro, Porque os Clrigos tristes, a seu gsto, Comigo palhetassem. E que, mis Reos do que eu, depois de haver-me Consumido, e ralado a paciencia, Com perguntas, .com c:ce!es, tratos, Me envtassem a mguetra. Mas hje, Que diff'rena! O dia o mesmo, Dia quatro de Julho. Em vez de shirro, Vem Damas, vem saudar-me, E festejar comigo. A beiia escapatoria; e retinnindo Os cpos uns nos outros, apuparem O infme Tribunal - a dar-lhe as vaias. E a dar-me a mim os vivas. - O Sanches (1), longes trras, f'oragido da Ptria, que o persgue, mas estudou a .permanencia do Poeta em Paris atravs da curiosa correspondencia do temp3 entre a secre- taria dos neg-ocias estrangeiros e a embaixada por- tugusa em Paris. (1) Vid. Elogio do Dr. Antonio Nunes Sanches, composto em Francez por Mr. Visq. vertido em Portuguez pr Filinto Elysio, Ribeiro d'Azyr, . 78 EPISDIOS DRAMTICOS Que lhe afflige os Parentes e Amigos, Com fogos, com torturas; Sentado mesa, com mais dous proscriptos ( 1) Do inquo Tribunal, labo da Europa, Tomado de celste cnthusiasmo, Assim rompia a brados (2) : dnda vive, inda reina, para injuria, Dos Reis. que o no confundem, para escrneo Dos Pvos allumiados, e despeito Dos Sabios, e Homens prbos, Esse antro de assasslnos tonsurados, Que, nvos Polyphcmos (a), despedao As carnes nn<Jcentes das Donzellas? (4) Que ao. saber pem mordaas? (5) <\'Quando vir um Hrcules, que alimpe Cavalharices de brutaes Augias, E as lave s nas oorrentes crystallinas <<Das profcuas Sciencias? Quando vir um Hrcules, que affoito Os Queimadores queime? Que as serpentes De mais podrida Lrva, em duros braos Suffque vingativo? (1) F. j. d'Avelar Brotero, e Filinto. (2) Tal, pouco mais ou menos, f.oi a conversa- o, qne comnosco teve nesse dia. (a) leio Virg. no Uvr. 3.o (4) Donzellas, casados, viuvos, velhos, mos, crianas, todos, ero pasto d'esses Polyphemos, Min<J- tauros, Crberos, e peior ainda. (5) Digo-no quantos estudo por bons livros. DA INQUISIO PORTUGUESA Vingue o Anastacio (I) , vingue o bom Loureno, E Sanches, e Filinto,, e Vares tantos (2), <<Que a Ptria illustrario, se essa Ptria <;No salariasse os crimes? crimes dos que a pnvao de tes astros; <<Dos que adrde ennoitecem tes ingenhos, Para encruar melhor o c;eu imprio <<Na boal ignorancia (s). Venha, venha, em meus dias um Rei justo Que 'Valente Razo d fausto ouvido: <<Que adite o Reino, assoberbando os Monstros Que o que o avilto (4). <<Contente mo-rrerei, se antes da mrte Me ria a nva, que atupiro ldos, <<A Caverna de Cco os Portuguezes, E lhe danso em rda. 79 (1) Joz Anastacio, honra da Universidade, hon- ra do exrcito, a queml curto todo o Elogio. ( 2) Bartholomeu Loureno, por alcunha da ln quisio, o Voador. (s) A lngua Portugueza mal conhecida na Eu- ropa, porque os Sbios Pprtuguezes, que podio es- crever obras, que a fizessem conhecida, como ella merece, so atalhados em seus arrjos, pelas cen- suras dos frades, a quem nada assusta mis, que o claro das Sciencias. ( 4) Podem replicar-se os devotos e da lgnorancia, que a Inquisio tem hje pouco poder, e faz pouco mal. - Como so mentecaptos! (lhes respondo). Considerai bem que a Inquisio uma serpente, que est por ora como amadorrada mas que apenas, por desgraa de Portugal, subir ao throno um Rei, a quem os frades fanatizam, subito a madorrada serpente acrda, espreguia-se, e toman- do novas fras, remoada devorar o Reino, qU;e a no matou. Considerai que sopita um tanto no Rei- 80 t:PISDIOS DRAMTICOS Pobre Filinto! Exilado da patria durante dezenas d'anos, quasi sem ter leitura portugu- sa, na miseria vivendo, nunca esquecia a chus- ma dos farelos, aquelas pessoas muito faceis na critica e muito dificeis na obra. nado de D. Joo IV, apenas elle mon'eo, com que devastadora crueldade no se ensopou ella no san- gue das infelizes victimas do seu ciume, e da sua cubia, at que o Marquez de Pombal a aaimou, bem que por descuido politic:> e no acab:>u de todo. Para a historia das suas odes julgamos final- mente oportuno e interess:mte o seguinte fragmento d'uma carta que nos chega s mos: 1819 -OUTUBRO 16 CARTA DE JOS DA FONSECA A JOS THEOTO- NIO CANUTO DE FORJO (Cartorio dos Viscondes de Souto d'El Rei) ... V. m. aponta-me na sua carta se tenho noticia da Ode, que este (Filinto) fez p.a o dia dos seus annos? tanto a conheo, q. posso affouto blasonar de \Ser o ;primeil'd a q.m elle a mostrou e lo: possuo-a autografa. Fallecem-me as expresses p.a lhe poder referir o jubilo de respeitavel Ancio. Durante a comida cravava em ns os olhos, e com a bocca che1a de. riso asseverava-nos no haver cousa alguma q. mais cara lhe fosse neste mundo do q. as douras da vera amizade, mormente quand:> esta lhe provinha de conterraneos. No cabe no limitado espao de huma carta tudo o que eu podera dizer-lhe a seu respeito. Conversando com os am.os, produzia essas bellas Odes; que tanto acredito a Nao e o idioma; tal era a sua estupenda facilidade em poetar! A parca no-lo rou-> bou no dia 25 de fevereiro s 4 horas da tarde. Con-: DA INQUISIO PORTUGUESA 81 Morreu a clamar pela falta que lhe faziam os classioos que para comer havia vendido, Deus sabe se ao desbara1x:>! seno, alem da l.a edio das suas obras, alguns pequenos manuscritos com que elle me brindou. Os 10 volumes da 2.a j esto impressos, mas falta ainda hum que lhe serve de additamento. He ella a s ~ a z decente quanto a tip:>grafia, mas pelo que toca a limpeza de texto no a abono. A impresso dos Lusadas annunciada por Francisco Manoel no teve logar: a do Morgado de Matheus he magnifica, e o Oidot deo estampa outra em S.o inteiramente con- forme a primeira. Vende-se em sua casa e custa 1 O cru:mdos. Dou-lhe os parabens cerca da verso do. Tacito ..... . Estou certo de que nella se deparar com aquella extreme linguagem, conciso, valentia, e atticismo, que tanto se admira nos nossos maiores ... 6 v JOS ANAST ACIO DA CUNHA (JULHO DE I 778 A OUTUBRO DO MESMO ANO) O Lente de Geometria na Universidade de Coimbra, Jos Anastacio da Cunha, solteiro e filho de Loureno da Cunha foi pela primeira vez denunciado Inquisio de Coimbra, em 17 de janeiro de 1778, pelo tenente de artilha- ria do Porto, aquartelado ento em Valena, Jos Leandro Milicani da Cruz, preso por cul- pas de libertinismo. Acusou-o de que, haveria dez anos, quando Anastacio da Cunha era sim- ples tenente de bombeiros e assistia em Va.; lena tinha grande amizade com o brigadeiro escocs Diogo Ferrier, protestante, de quem re- cebeu o pedido da traduo em verso rx>rtu- gus de versos inglses e francses repletos de impiedades. Essas tradues passavam de mo em mo pelos ofciaes e pessoas gradas de Va- lena e, como nessa praa havia bastantes ofi- ciaes protestantes, nas suas conversas com Anas- tacio, proferiam-se blasphemias. DA INQUISIO PORTUOUESA 83 Segundo denunciante foi Jos Madeira Mon- teiro, soldado de artilharia pertencente ao mes- mo regimento do anterior e egualmente preso por 'ulpas de libertinismo. Acusou-o porque, tendo amizade com os oficiaes protestantes, com des comia carne s sextas-feiras e dias prohi- bidos; em casa oonservava uma manceba a quem no deixava ir missa e era errifim tido por um 'dos mais impics e depravados libertinos che- gando a ser oficiante em umas exequias e en- terro Slolene de um co do capito Muller, ce- lebrados oom as ceremonias da igreja catolica! Facsimilc da assinatura do matematiro Jos Anastacio da Cunha. I Terceiro denunciante foi Henrique (eito de Sousa, cadete do mesmo regimento dos an- fenores e, oomo e1es, preso por culpas de li- bertinismo. Repetiu as acusaes j sabidas e disse de cr .o principio dos versos de cuja tradu_o era acusado Jos Anastacio. So como se segue: Oh Deus a quem to mal o homem conhece Oh Deus a quem tod:> o Univers.> aclama As palavras escuta derradeiras Que a minha boca forma Sem me enganar foi tua santa lei buscando Pode o meu corao da boa estrada perder-se !Mas de ti sempre est cheio Sem 'me atemorisar diante dos meus olhos 84 EPISDIOS DRAMA TICOS A Eternidade vejo e crer no posso Que um Deus que o ser me deu Que um Deus que tantas benos Lanado tem sobre os meus dias Agora, extintos elles, finalmente Haja de atonnentar-me eternamente etc. Quarto denunciante foi Aleixo Vachi, cirur- gio-111r do mesmo regimento e tambem preso como libertino. Descreveu o noso ru como pes- soa de loucas palavras e resguardo e s d'uma vez lhe disse: -Senhor Vachi, vamos 'Missa, porque eu tenho espies para observarem se a ouo ou no e se faltar a ela receio que me acusem. E assim l foram os dois i!rreja de Santo Es- tevo .... Surgem agora novas acusaes mas estas espontaneas, em 22 de junho do mesmo ano, a primeira, do estudante do segundo ano juridi- co, Jos Jacinto de Sousa. Disse que Jos Anas- tacio tido por libertino, entrando nas igre;as sem venerao e faz .o mesmo ainda quando nellas est exposto o San'tissimo Sacramento. E acrescentou: Ele testemunha presenciou na igre;a de Santa Clara d'esta cidade (Coimbra), em sexta-feira santa d'este ano, entrar o de- lato e sahir d'ella sem a;oelhar. Em 18 de julho, j depois de preso, o dou- tor Jos Joaquim Vaz Pinto, opositor em leis, o veio tambem acusar em Coimbra dizendo que a me, mulher de virtude e probidade muitas vezes o tem repreltendido do sistema da vida de filosofo que seguia e ouvio dizer rr.ais que ele no cria no infemo e tinha dito que se DA INQUISIO PORTUGUESA 85 sua miie falecesse lhe no havia de mandar fazer sufragios. Como acima dizemos Jos Anastacio da Cunha, estava j, a tal tempo, preso pois no dia 1 de julho, ao bairro de S. Bento, ento extra- muros de Coimbra, lhe fra deitar a mo o familiar Jos Antonio de Oliveira e dra en- trada no carcere baixo. Tambem a esse tempo se tinha j procedi- do, em Valena, inquirio doutras testemu- nhas de acusao cujos depoimentos so bem mais explcitos e curiosos. Assim, uma d'elas} Jos Antonio Ramos, artfice de fogo da companhia de bombeiros do regimento de artilharia do Porto, acusou-o de mostrar fastio a 'iodas as cousas sagradas e funes da Igreja e de dar pouco credit.o verdade das Escrituras Santas; alm disso quando o seu regimento ia ouvir missa ele en- trava na igreja com a sua companhia e logo sahia para fra e porta da mesma igreja andava passeando e conversando com' lOS ofi- ciaes protestantes; comia carne em dias prohibi- dos e, quando assistio em Valena, eslava pu- blicamente amancebado com uma '(n:oa chama- da Margarida, tendo-a em sua casa e nos seus versos sempre os concluia com a sua Margarida. No ficaram .s por aqui as acusaes; esta tes- temunha, antigo oficial inferior da companhia de Jos Anastacio, acrescentou que este se to- mava do vinho de tal sorte que perdia o juizo e era necessario lev-lo a casa pela mio. Um conego da colegiada de Santo Estevo depoz dizendo que Jos Anastacio e os ofi- ciaes protestantes eram inseparaveis nos diver- timentos ilicitos, duvidava da existencia do Pa- I .,_<.. . . ,.. ... . 1 o ... . S Jnquilidores Apotlolicoscontra a Hiretica .:l pravid:ide , eapoUazia nefta Cidade de Coim ;. bra, e teu dillril:p, &c. Mandamos )Famaliar,ou Official Santo ?ffido ,a < dts da nof.. \.. ;,:!a parte for aprezentado Jl ue FiMk- a "Y. .
.rh {%rf.,, "" . hM.-9--5 .. fequcltro, de bens por culpas que coi'): Ctra elr$2-'' ha nefieSnto Offido obrigatorias prizam, / bom recado coni .cama, e mais fato para'fe:uzo ?e d!nheiro para athe .. trare1s, e dc?axo d chave /lioAlcaydcds carcetes ddta InqUJfJao em prezena > de hNotariO'ddJa. E mandamOs em virtudcdeSanN ::;_ta e fob pena de excommunha:mayor lata:: J f.entcntia!,, e de quinhentos cruzados aplicados para \ :1 .. ns defpezasdoSantoOfficio, e deprocedermoscomo 'i ::. mais nos parecer a to9as as pefloas aflitn Ecdefiafii;. i ficas como' feclares , de quaLquer grao , degnkl11de, "' ;jl H. condia' e prehetninencia que feja. vos na impt .. d,a faz,er o fobre dito, antes fet?.do por vs. .l & dos, vos dem todo o favor., e aJuda, mantunentos, ! ',i. camas' pouzadas, ferros' cady;is, cavalgaduras. ,,.. . . : cos, e tudo o m is por vs pedido , e. que neceJario I tor para bem da dita priza , pelo preo, e efiado da , 1 .. terra; cautella? e 9 /_;. j ::;:(e al nao faats. Dado em Coimbra noSantofficJo ., da lnquifia foJ.> e fello delle :1 : kv b # V ,
' . .. '.
. =:.:z: ... ,;.: .. _.,,.._-.... ""'_,. :. i l .,:) ... ..;;.\: .. ..:. Mandado de captura contra Jos Anastacio; tem' no fundo, do lado direito, o slo branco da Inquisio de Cuimbra, a.o p da assinatura do inquisidor Manoel Antonio Ribeiro, DA INQUISIO PORTUGUESA 87 raiso terreal, tinha livros prohibidos, tendo uma mulher varias tempos fechada na sua casa por concubina e fazendo-lhe seus elogios nas obras poeticas que compunha, gloriando-se assim da sua culpa. Tambem de bebado o acusou. Outra testemunha acrescentou a seguinte no- ta caracteristica: Jos Anastacio est publicamen- te amancebado com uma moa chamada Jvtarga- rida, que se dizia ser da vila da Barca, tendo-a em sua casa continuamente e s na vespera que se havia de confessar pelo preceito mal a lanava fra mas logo ao outro dia a mandava chamar e nas suas poesias e versos que fazia sempre se lembrava 'lia sua Marga- rida. A SUA LIVRARIA E MOVEIS - PAPEIS APRE- !-!ENDIDOS A JOSJ:: ANAST ACIO DA CUNHA - TRADUOES DE POPE E VOLTAIRE - CURIOSA COLLEAO DE CARTAS ENTRE AS QUAES UMA DA AMANTE No se contentaram os esbirros inquisito- riaes com a priso de Jos Anastacio da Cunha. No. Foram mais alm: sequestraram'-lhe e inven- tariaram-lhe os bens e aprehenderam-lhe os seus papeis mais reservados e intimos. Debalde alegou que era filho-familia e tudo pertencia a sua me. Debalde. Comearam por lhe arrolar as cadeiras de roca, as bancas de pi- nho, os tamboretes com assentos de damasco de l amarelo., a barra de taboas de pinho e a lCama de campanha, as arcas encoiradas, a escrivaninha de po pintada de preto, a cama da India, os 88 EPISDIOS DRAMTICOS mapas e quatro floretes, dois de vestir e dois de ;ogo. Passaram ao vestuario e arrolaram: um ves- tido de pano fino escuro de casaca; uma ves- tia e casaca de limeste i virado; uma capa de seda lisa; uma capa de droguete preto; uma casaca e vestia de pano fino alvadio com bo- t:es de requife de praia; rires pares de cales de meia preta; um colete com bandas de veludo preto; uma bolsa de damasquilo encarnado com o caplo de doutr dentro; um colte de ,ganga e outro de belbute branco; outro de fustiio bran- co; um calso e vestia de belbute branco; um par de fivlas de sapato e outro de ligas de pedras falsas; uma casaca e vestia de pano azul; um calso d;e ganga; uma cinta de retrs encarnada; um penteador comprido, de mangas; dois camisotes de esquia com punhos; pes- cocinhos brancos e um prelo em volta; meias de linhas brancas; ceroulas de linho; camisas da Bretanha, com punhos; lenos, um d'eles com riscas .. encarnadas; um chapu branco, de seda; uma toalha de mos, de Guimares; uma coberta de chita; um colc!tiio de brim,- um en- xergo de est.opa, vinte e dois botes de pra- la lisos, de vestia,- s e ~ e botes de prata, de casaca, lambem lisos e finalmente um par de sapatos. No esqueceram o seu jogo de xadrez, me- tido em uma bolsa de couro. A livraria do grande geometra e poeta foi ento arrolada. Na sua estante de -pinho, ava- liada em 480 ris, alinhavam-se as suas obras de estudo e de consulta. Obras de matemati- cos oomo Newton, Bessut, Hembert, Shervin, Muller, Lalande, Delacaille, Butler, etc. e obras DA INQUISIO PORTUGUESA 89 de literatura que certamente mais interessam a maioria dos leitores. E i-las: Calepino, avalia- do em 2:500 ris; Diccionario Portugus e La- tino, de Pedro Jos da Fonseca, avaliado em 2:000 ris; as obras do Padre Antonio Vieira, em quinze volumes, avaliadas em 8:000 ris; a Vida do Prncipe D. Theodoro avaliada em 200 ris; as obras de Cames em um volume ava- liado em 370 r is; as obras de Homero; o Pas- t,or peregrino, de Francisco Lobo, avaliada em 720 ris; Teatro de Voltaire; Historia de Por- tugal, por mr. de La Clede; as obras de C- cero, VirgiHo, Ovdio e Tacito; poemas de Mil- ton; Epstolas, de Plinio; F abulas de F edro; obras de Rabelalis e Moliere; Vida de Dom Qui- xote; Tragedias de Seneca; obras de Suetonio e de Luis de Gongora; a Cronica de D. Sancho 11, avaliada em 120 ris. Conjuntamente com a livraria que revolveram l foram tambem buscar a sua papelada e d'essa aprehenderam' varias cartas apensas ao _processo, algumas das quaes de dizeres mysteriosos. D'entre essas des- tacamos as seguintes: CARTA pE D. JOSEFA MARIA DO NASCIMEN- TO FERREIRA SOUTO Sr. Jos Anastacio da Cunha. Eu tencionava hoje neste de- morar-me para poder mostrar-lhe o quanto lhe 90 EPISDIOS DRAMTICOS merecemos as estimave:s expresses que nos faz da sua saudade e afeto: porm sabado da Madre de Deus e visi:ta do jubileo, tudo me embaraa. O que s posso protestar-lh<! o quanto estima- mos que v melhor da sua cabo!a e que continue a traduo para termos o gosto de o vermos para o tempo que esperamos. Ns passamos bem exceto a sua discpula que tem andado com um grande defluxo e alm deste tem continuado a padecer as costumadas rnolestias no obstante o uso da quina e va- rias remedios que tem tomado, mas quer Deus mortificar-nos. Quando tero fim? Maria Igreja protesta no ser ingrata nem preguiosa; porm diz que todas as diligencias que faz para estudar so baldadas. Visto a con- tinuao do seu padecer porque se uma hora est levantada as outras est deitada, emfim pa- dece continuamente. Eu lhe entreguei os li- vros e ela lhe faz sinceros agradecimentos de concorrer tanto para a sua consolao; ela me diz ficou encantada com o Drama, de Voltaire e com a Tragedia Bourge.ois,e e que cada um, no seu genew, tem para ela grande merecimen- to. Ela e sua irm se recomendam muito, muito. As noticias da crte so funestissimas. Di- zem que El-Rei est desenganado de no po- der viver seno dias. Deus queira que eles se enganem. Da noiva do Miho temos noticias tristes que est muito desconsolada e acha o marido mais velho do que lhe diziam com que isto no concorda com a noticia que o. criado do Robim deu. DA INQUISIO PORTUGUESA 91 Todo o emprego do seu obsequio me ser muito estimavel sempre porque sou Sua particular veneradora 9 de novembro de 1 776 D. Josefa Maria do Nascim'ento Ferreira Souto. (1) II CARTA FE,l\11NINA MUITO ENTERNECIDA AO RU Sr. Jos Anastacio. A sua carta que eu sinceramente estimei quanto se pde estimar no chegou minha mo a tempo de poder responder no mesmo correio. Uma dr terrivel que me tolhia a respirao e uma febre ardente paz em perigo a minha vida e em contuso a minha familia de sorte que me no deram as cartas seno quando a minha molestia comeou a ceder. Mas quem no sabe que este foi o motivo de eu deixar sem res- posta as cartas em que eu me vejo to lison- geada como julgaria a minha falta de agra- decimento? Quasi todo o mundo julga sobre aparencias mas como os filosofas se separam d'esta car- reira eu sei certamente que no terei sido con- denada. (1) Adiante se ver quem era esta senhora. 92 EPISDIOS DRAMTICOS Os seus versos que- eu tenho lido muitas vezes achando-lhe sempre uma nova beleza bas- tam para dar um grande merecimento ao seu auir. Em que arrebatamento era necessario que a alma estivesse quando se fizeram! Quanto- so- freria o corao I Alm diss' as informar.es de um to bom conhecedor como o seu amigo e as de mil outras pessoas que falam no seu nome com respeito, tudo concorre para eu formar um justo concei- to a seu respeito. Tenho uma impaciente curiosidade de saer toda a sua historia. No haver umas ferias que me de em essa ocasi:o? E ser certo o que me disse Dom Rodrigo? Um filosofo.... um filo.- sofo traa um casamento? E eis aqui, a meu ver, uma contradio da filosofia. A sua correspondencia far menos tris- te a minha solido: eu espero que ma con- tinue. Sempre terei a satisfao de confessar-me muito sua veneradora. 4 - novembro de 1775. Joan:o. Isabel. (1) P. S. Porque razo no fizestes justos Cus, porque razo Menos aspera a virtude Ou mais forte o corao? Quem sabe defender to bem os direitos da Natureza glosar muito bem este quarteto. (1) Adiante se saber quem era esta senhora. DA INQUISIO PORTUGUESA 93 III CARTA DA AMANTE DE J O S ~ ANASTACIO AO QUE PARECE Meu adorado Jos Recebi a tua carta que estimei mais do que posso explicar. Fiquei descanada da paixo que tinha. Havia poucos dias antes de receber a tua que me afirmaram tu estavas j fazendo: companhia a Liandro (Jos Leandro Meliani da Cruz) e aos mais. Todas estas malditas noticias me chegam. O juiz de fora d' esta terra disse algumas cousas publicas a teu respeito; ele natural de Vila Nova de Cerveira, conhece-te muito bem, essas no tas mando dizer por no ter a certeza de que esta te ir mo !Como al- gumas que eu te j escrevi. Se a jornada fra mais perto e no houvesse este mo tempo havia de ter j ido ver-te e contar-tas. Deus queira que estes ditos no pas- sem a mais. Cr, meu Jos, que se eu souber alguma coisa de maior que ainda que a chuva muita seja eu h-de ser a mesm carta. Tam-. bem se diz que ha-de ir breve o Canadi. Cr . que eu sou muito, muito, tua amiga e eu em ti conheo o quanto s meu. Desta tua criada .- ... ~ .. , CARTA A JOS ANASTACIO DA CUNHA DA SUA AMANTE. INTERESSANTE PELA SUA REDAC- O, PELA SUA ORTOGRAFIA, E PELOS INDECIFRAVEIS SINAES COM ELE COMBI- NADOS. (reproduzida photographicamente) )gp:;;-;:.: ;;;.?:.?-;.::..::- .1 ~ ~ c l ! DA INQUISIO PORTUGUESA 95 Barca, 12 de dezembro. Meu Jos querido. . Faso esta a saver da tua saude pela obri- guasam que tenho e jtamente saver se he serto hir do teu rigimento duas ou tres pesoas para .o.... por diversas cousas e que ... nisto me fala- ram tam bem te embocaro proguntaram se eu savia do teu viver que tinham noticia de que a tua ... era a mesma e que ... como querias eu gue disto desaonfio e lembrando do mais que me ti- nham dito e disse que nam poderia aver pesoa inais .... e a de ... do que tu asim mesmo tomara saver o fim destas aouzas e se he serto do mais que te relato. Eu fico oom grande cuidado perdoa pelo amor de deos eu fazer esta carta mas se o asim nam fizesse julguome que seria a pesoa mais em digna do mundo tenho esta obriguasam e mais ainda o que no papel no poso expelicar. Se poderes no me faltes com a resposta' desta, etc.. Note-se q u ~ as tres cartas so transcritas ipsis verbis, mas no ipsis literis. A ultima, es- pecialmente, de to boa redaco. foi por ns pontuada e ortografada. Neta se encontra por exemplo munio .por muito, etc. JOSE: ANASTACIO CONFESSA AS SUAS CULPAS ... Em audienci.a. de manh o senhor inquisi- dor Man.oel Anionio Rif}eiio 1 m'andou vir pe- 96 EPISDIOS DRAMTICOS rante si hum homem que no dia de hoie chega pr,eso aos carceres d'esta itUJuisio .... Disse cha- Jr'dlr-se Jos Anastpcio da Cunha, lente de Geo- metria Jiesta Universidade de Coimbra, soltei- ro.. filho de Loureno da Cunha, i defunto, lli{ural da cidade de Lisboa, de trinta e cinco anos de edade. Palavras sacramentaes do auto; isto passou- se no dia 1 de julho de 1778. O grande poeta e matematico comeou por se referir sua puercia em que christmente foi educado por sua santa me; at os 18 anos foi educado pelos padres da Congregao do Ora- todo e aos 19, por lhe oferecerem a patente de tenente de bombeiros para o regimento de artilharia da praa de Valena, que ento se formava, para ahi f,oi, e ahi teve familiaridade com alguns oficiaes protestantes. Por virtude d'essa convivencia lia frequentemente livros pro- hibidos, com ia carne em dias defesas, assentindo em erros contrarias f. Persuadia-se ser justa a tolerancia em materia de religio e que quem errasse nesta materia, no sendo por malicia, se salvaria; duvidou da justia das leis da Igre- ja, negou a tradio, duvidou da Predestinao, traduzio obras de Voltaire e seguia as suas dou- trinas. D'estas citou a tragedia Mafoma. Con- fessou-se mais partidario do tolerantismo e do que hoje chamaramos livre pensamento, enten- dendo que era impiedade e tirania obrigar os 'homens a ctitAar os seus entendimentos e dis- cursos a algumas regras, leis e preceitos. Ci- t0n uma ob:-a wa err: que vagamente criticara a Inquisio; confessou o caso do co atrs re- ferido e por tudo pois se mostrou muito con- trito e desejoso de reconciliar-se. DA INQUISIO PORTUGUESA 97 Em 11 de julho aditou as suas confisses. Lia livros prohibidos, especialmente Voltaire de quem formava o seguinte conceito: vendo nas suas obras o zlo com que ele querip. estabe- lecer que todos os homen.s reconhecessem um. Deus, e arnassem mutuomeriie e vivessem to- dos como irmos sem se perseguirem deixando a cada um a liberdade de pensar em materia de religio e pelo lr'.ais que tambem queria es- tabelecer a respeito da adntinistraio da Justia e muiios obietos de politica todos mteressantes ao g.enero humano, esteve persuadido que este, por ludo isto, lhe devip muito e que era d'elle um grande bemfeifor e que a respeito d'ou- tros se no lembra de ter feito o mesmo iuizo. Os inquisidores no estavam com meias me- didas e assim', a proposito da interessante carta, atrs transcrita e assinada por Joana Isabel pro- vocaram da parte de Jos Anastacio a seguinte explicao: Persuade-se ser ist,o por que se lhe per- . gunta o que passou com D. Joana Isabel For- iaz, a qual em uma ocasi,o lhe mandou dizer 1 escrevendo-lhe de Lisboa para esta U niversidade 1 lhe parece que haver ires anos, que tinha ou- vido dizer ele casava e que isto contradizia a sua Filosofia ou que se admirava de que um filosofo quizesse casar mas no sabe em que sentido ela dizia isto, pois ele ru nunca lhe deu noo algutr...a de Filosofia que contradis- sesse o estado do Matrimonio e que com a dila. senhora teve muito pouco trato e s1 de a vi- sitar algumas vezes por ceremonia e a tempo que estava assistida de outras visitas e que se persuade que esta cart.a se acharia entre os seus papeis e lambem a resposta minutatz que lhe 98 EPISDIOS DRAMTICOS fs na qual rejeitava o nome de Filosofo que ela lhe. dava. E que nunca julgou que isto ti- vs se a lminima referencia Religii.o. E que em ama das ocasies que a visitou em Lisba lhe deu uns sonetos que havia muito tem- po tinha feito e nada continham contra a re- ltgio por ela lhe ter pedido com instancia que desejava ver alguma obra sua. Agora as explicaes da carta que tambem atrs transcrevemos de D. Joana Maria do Nas- cimento: -Disse que nunca tivera discipalos de Fi- losofia, nem nunca admitira o nome de Filo- sofo e que s teve ama discipala chamada D. Maria /nacia Ferreira Souto, filha do Inten- dente Geral da Policia, lnacio Ferreira Souto, qual ensinava a lingaa a qual sabe as lingaas latina e franceza e tem mait.os co- nhecimentos e muita aplicao e . confessa que niio fs eleio de livros corrtos para lhe dar . as ditas lies e que llte mostrou nesta lingaa Pope na Epstola de Alaiza a Abelardo na qual niio havia cousa que ele conhecesse contraria religio e lhe levou outros como os Contos Moraes de Marmontel, Belisario, o Espetador e uns volumes de Voltaire e que no deixou de lhe advertir antes que neles havia alguma coisa contra .a Religio, que era preciso ser lido com caatla e que ela o assegurara que nenhuma impresso lhe fariam as ditas cousas nem cor- ria risco algum do que se persaadio e ainda se persuade por conhecer nela muita pieflde, christandade e juizo e algumas tradues lhe deu inocentes. Confessando assim to largamente dram os inquisidores po.r finda a sua misso. E por DA INQUISIO PORTUGUESA 99 T E R M O D E S E G R E D O. OS dias do mez . de mil fetecentos annos .. em Lisboa nos Efl:acs, e cafa do dcfpacho da San- tajnquifi!Ja, e!lando ah1 em audienCJa --os Se::1hores Inquifidore.s; VIr perante fi do carcere 'da pemtenc1a preze>contheud.,Ke'fie proceffo, e fendo prcfente , lhe foy dado JUramento dos Santos Euangelhos ,. em Gue poz a ma 1 e fob cargo delle lhe foy mandado, que tenha mwto fcgrcdo cm tudo o que vio 1 e ouv1o nefl:es carceres 1 c com cll fc paffou cerca de feu proceffo' e nem por palavra , nem cfcnto o dcfcubra , nem por outra qualquer via que feJa 1 fobpena de fer gravemente cafl:igad .... , o que tudo teo cumpnr, e fob cargo do dito JUramento 1 de q1:e fe fez efie termo de mandado dos ditos Senhores, que
Termo de segredo com que fecha o processo de Jos da Cunha. 100 EPISDIOS DRAMTICOS isso foi-lhe finalmente publicado o acordo con- denatorio no auto da F na sala ca da Inquisio de Lisboa, a 11 de outubro de 1 778 e por ele oondenado a tres anos de recluso na Casa da Congregao do Oratorio, nas Necessidades, tendo durante o primeiro ano 2 dias por ms de penitencia e, ,aps a re- cluso, desterrado por 4 anos para Evora, no podendo mais entrar em Coimbra nem em Va- lena, do Minho. . Cumpria Jos Anastacio da Cunha a pena de recluso e, depois de seu requerimento, lhe perdoado, em 23 de janeiro de 1781, o resto da pena, ou sejam os anos de degredo para E vara (1). Amargos foram os mses da sua recluso; deprimente e vexatria a pena a que o oon- denaram mas a Inquisio alicerou d'esta arte, embora custa de lagrimas, a sua celebridade imortal! (1) Inquisio de Coimbra, proc. n.o 8.087, dos apartados na T. do Tombo. VI O DICIONARISTA E GRAMATICO MORAES E SILVA PRIMEIRA VEZ (1779) SEGUNDA VEZ (1806 A 1810)
Quem de ns, por modesta que seja a sua livraria, no tem no meio dos seus livros o Di- cionario da lingaa portuguesa, por Antonio de Moraes e Silva? Perfilado solenemente, grave na sua enca- dernao de carneira, OOilTI os dourados do estylo, ahi o temos sempre pronto a elucidar-nos, a prestar-nos todos os esclarecimentos etimologi- cos, a apresentar-nos os passos dos classicos que nos "interessam, a ensinar-nos finalmente no justo significado das palavras. Pois o seu autr que vamos ver a bra- os oom a Inquisio. 102 EPISDIOS DRAMTICOS Em 17 de maio de 1779, na inquisio de Coimbra, perante o inquisidor Manoel Antonio Ribeiro, veio depr o estudante de Geometria na Universidade, Francisco Candido Chaves, de 23 anos de edade e filho do advogado nos auditorios de Lisba, Joaquim Pires Chaves. Contou: vira-se obrigado a pedir comida numa republica da. Travessa de Sub-Ripas oride vi- viam -estudantes de Lisba e do Funchal, repu- blica tambem frequentada pelo ento quintanis- . ta brazileiro, Antonio de Moraes, natural do Rio de Janeiro. Ahi se comia carne na quares- ma, se discutiam pontos da religio, se citavam autres como Voltaire, Rousseau, a quem cha- mavam pro]undisszlm:o filosofo e Helvecio. Fac-simile da assinatura de Moraes e Silva Ganhando com ele confiana asseveraram-lhe as seguintes era fabula tudo o que se dizi,a do inferno e dos seus castigos, sendo Deus to benigno; no havia purgatorio; a alma era mortal porque, estando no corpo havia de par logar, e ocupando logar era cor pore a e por conseguinte mortal; negavam factos da Escritu- ra, dizendo que em parte necessaria a sua doutrina smente para oonter os homens na so- ciedade, em muitas partes fabulosa e noutras DA INQUISIO PORTUGUESA 103 contem factos pecaminosos e menos lcitos; os preceitos do jejum e da abstinencia de carne nos dias prohibidos eram quimeras; as missas eram uma historia para ganhar dinheiro; negam a validade das indulgencias, escarnecem d'elas, da sua virtude e da autoridade pontifcia; por ocasio de prgar o padre mestre Duro ouvio- lhes dizer que ele tinha errado em querer pro- var a pureza de N. Senhora pela razo natural, quando, para ela se provar, s pela Escritura Sagrada, que eles negavam; falavam contra os frades e o estado eclesiastico. Em especial, de Antonio de Moraes contou que, vendo uma gata oom dres de parto, disse: -Eis ahi o pecado original de Ado.J tudo so efeitos naiaraes e no ha tal pecado. Longa era a lista de todos os denunciados: Diogo Jos de Moraes Calado, Antonio de Mo- raes, Antonio da Silva, LU:iz Carlos Mouro, Joaquim Cavalcante, natural de Pernambuco, quintanista de canones e companheiro de An- t o n ~ o de Moraes; Francisco de Melo, tambem brazileiro; Joo Theooro e Jos Maria da Fon- seca, de Lisba; Antonio Pereira Caldas, bra- zileiro, do segundo ano de Direito Civil; e Joaquim Jos Ferreira, de Alhandra. Ainda o estudante Chaves n chegaria egreja de Santa Cruz, no proprio dia da de- nuncia, imediatamente os inquisidores de Coim- bra oficiava:m para Lisba nestes termos: Senhora. A Meza d'esta Inquisio chegou hoje Francisco Candido Chaves, estudante de Geo- metria nesta Universidade, a denunciar nella os 104 EPISDIOS DRAMTICOS ros e os Crimes que da mesma denuncia cons- tam, que com esta pmos na presena de V. Magestade. E porque estes factos so to hor- . rooosos e to prejudiciaes conservao e pu- reza de nossa santa f catolica, sem que fosse bastante a cohibi-los a demonstrao publica, com que V. Magestade foi servida proximamen- te castiga-los em outros ros. dos mesmos de lictos e ficaro agora estes impunidos, no se procedendo contra elles por esta unica teste- munha, que smente contra si tem; temendo- nos do evidente perigo, que ha, de que per- guntando-se antes de p110ceder captura d'elles, as testemunhas referidas pelo denunciante, che- gue noticia dos delatas esta deligencia e se frustre o fim d'ella; e ponderando as gravissi- mas de que este negocio se re- veste e de que a qualidade d'elle no sofre dilaes muito especialmente por ser chegado o tempo de ferias para a mesma Universidade, nos pareceu preciso p-lo logo sem perda de tempo na presena de V. Magestade, para que se fr servida resolver se ponham os seis pri- meiros delatos em custodia e se passe logo a perguntar as ditas testemunhas referidas, assim o executarmos. Coimbra no Santo Oficio em Mesa, 17 de maio de 1 779. Jos A.!fonio Ribeiro 'da 'Mofa. 'Manoel Antonio Ribeiro. A isto respon'deu o Conselho Geral do San- to Oficio: Visto no ser bastante a .prova de uma s testemunha, os inquisidores prcedam com toda DA INQUISIO PORTUGUESA 105 a cautla, diligencia e brevidade a procurar to- dos os meios por que possam inquirir mais al- guma testemunha que concorde com o denun- "ciante e, conseguindo-o assim, procedam logo sem mais recurso prisio aos delatos. Lisboa, 21 de maio de 1779. 6 rubricas. Com efeito assim se procedeu. Em 27 de maio, foi interrogado o estudan- te de medicina Joo Laureano Nunes Lager e contou que, indo a sua casa o qtiintanista Anto- nio de Moraes e Silva, companheiro de Joaquim Jos Cavalcante, morador no bairro do Salva- dor, junto rua do Loureiro, lhe perguntou se queria ser pedreiro livre, ao que a testemunha respondeu: ~ Q u e r o , sim senhor. E o quintanista Moraes e Silva, voltando-se para os presentes, replicou que seria bem fei- to darem-lhe umas poucas de pancadas por dar tal resposta, parecendo entretanto ser de brin- cadeira. Outra vez, no dia 29, veio Inquisio o denunciante Francisco Candido "Chaves e con- fou como, aps a sua denuncia, os denuncia- dos, entre os quaes Moraes e Silva, chama- ram-no a um quarto e disseram-lhe que des- confiavam do Santo Oficio e por isso se vi- nham confessar declarando que tinham um com- panheiro tlo, ele denunciante, a quem, por brin- cadeira, convidaram para a seita dos Pedrei- ros Livres e por isso, caso fosse chamado, no desdissesse as suas declaraes. Encarregaram- 106 EPISDIOS DRAMTICOS no de lhes declarar tudo o que passasse no Santo Oficio. Em 15 de junho, pela terceira vez, o no- vato Francisoo Candido Chaves veio mesa da Inquisio e acusou espeialmente o futuro dicio- narista. Ouviu-lhe dizer que o Santo Oficio era um tribunal sem autoridade pois, com bulas falsas, viera a Portugal um italiano, Savedra, e o instituira, oam auxilio dos padres da companhia; era 10 Santo Oficio contrario Escritura Sagrada pois Christo mandava que nin- guem fosse obrigado. a crer na sua lei com vio- lencia e o Santo Oficio obrava mal em obrigar por fora a :seguir a religio christan, pois devia ser livre a cada um seguir a religio que me: lhor se ajustasse sua raziQ. S, por politica, comprehendia pois a Inquisio: para evitar as diferenas crenas no mesmo paiz. A esse tempo, j a 28 de maio-o nosso An- tonio de Moraes se havia apresentado Inqui- sio. Transcrevemos as declaraes que sua biografia interessam: -Disse chamar-se Antonio de Moraes Sil- estudante do quitti.o ano de leis, solteiro, fillw de Antonio de Moraes e Silva, natural do Rio de Janeiro e morador na rua do Lou- reiro, freguezia do Salvador d'esta cidade, de 23 anos de edade. ! Que fazendo-se huma funiQ em caza de de Diogo Jos de Moraes Calado, natural de Lisboa, morador na Rua de Sob Ripas, estudan- te do quinto anno de Leys, aonde jantaro no ultimo dia de Entrudo d'este ano asim elle I DA INQUISIO PORTUGUESA 107 apresentado, o dito Diog Jos, e os companheiros . deste: Louteno .Justiniano de Moraes Calado, seu Irmo, Francisco Jos de Almeida, Antonio Caetano, Francisco de Mello Franco, natural das Minas, morad!or na Rua do Norte, estudante do primeiro anno de Medi- cina; Vicente Julio natural :da Ilha da Madeira, morador nas vizinhanas do Pro- vedor da Comarca, estudante do primeiro ann Jurdico; Nuno de Freitas, patricia e compa- nheiro do dito, e outros, de que no est bem lembrado, crescendo carne do . dito jantar que se no pde oomer naquelle dia, na quarta feira de Cinza, de tarde, perto da noite, a co'"' mero asim elle apresentado, como todos os sobreditos menos Francisco Mel lo Franco, que nesse dia no apareceo na referida casa. Disse mais que por se achar molesto na quaresma passada de huma gonorrea o sobre- ditOo Antonio Caetano pelo que em toda, ou na mayor parte della, oomeu carne, hind0o elle a_presentado a caza do dito como muitas vezes costumava fazer desde o principio deste anno lectivo em razo das literarias que tinha coan 10 dito Diogo Jos, por trez vezes estando ceando o dito Antonio Caetano, ou an- tes, ou depois disso wmeu elle apresentado carne, da que se tinha feito para o mesmo doente, sempre foy prezunto e vio que tambem della comero os sobreditos tes que asima tem di.to comero na quarta feira de cinza, n> todos juntos nas referidas trez ocazioens, mas sim h umas vezes huns, e em outras outros, e em todas as _oca- zioens que elle aprezentado comeu carne,. o no fez por desprezo do Preceito da Igreja, mas 108 . EPISDIOS DRAMTICOS sim por Oolozina, reconhecendo que pecava, pelo que se confesou destes peccados. Disse mais que chegando de Lisboa, etn Dezembro passado, para estudar nesta Univer- sidade Francisco Candido Chaves e no tendo meyos para nella subsistir, por caridade o fez recolher em huma caza junto da Igreja de San- ta Justa o Padre Fr. Felipe, cujo sobrenome no sabe, Religiozo do Collegio de Nossa Se- nhora da Graa e por ser o dito Francisco Can- dido, patrcio e conhecido de Joo Lauriano e Francisco Jos d' Almeida amigos deli e apre- sentado, toro todos trez vizitallo, e se com- pdecer'o delle por verem que dormia no cho, pelo que ajustaro entre si comprar-lhe huma c<mJa no principio do mez seguinte em que havio de receber as suas mezadas, mas pouco depois o Senhor das Cazas deitou fora o dito Francisco Candido por dar escandalo na vizi- nhana com mulheres, de sorte, digo por ser escandalozo vizinhana que fossem a caza do dito Francisco Candido estudantes, e ainda que constasse aos ditos Joo Lauriano e Francisco Jos d' Almeyda que o dito Francisco Candido era to paralvilho, que vendera a cama, que lhe dera o sbredito Padre Fr. Felipe, e fa- zia o mesmo do azeite que tambem lhe dava para se alumiar, alem da reo, movidos de piedade o recolhero em sua caza, aonde ainda est, suposto que nella no tenha tido bons procedimentos porque ath vendeo huns livros que lhe emprestou o dito Joo Lauriano para estudar, e como notassem, que e1le era estu- pido, tollo, sendo aliaz vilhaco, o envestio mui- to frequentemente e hindo elle apresentado a caza dos ditos pouco antes} ou depois da . Pas- DA INQUISIO PORTUGUESA 109 coa, vio que estavo falando em pedreiros li- vres, no segredo desta seita, seu Instituto e couzas similhantes, de que mostravo no ter noticia e elle aprezentado tinha ouvido a Fr. Anastacio Furtado de Mendona, Doutor da ar- bona, Religioso da Ordem do Carmo Calado, que foy seu mestre de Filosoffia no Rio de Ja- neiro, que todo o segredo della hera huma mera lograo, perguntou por graa ao dito Fran- cisco Candido se queria Ser Pedreiro 1Livre e respondertdo que sim, pondo-se t!"Jdos em tom serio, para melhor o lograrem, pois esta era a sua teno e no outra, lhe disse elle apresen- tado, que fasia diligencia porsatisfazer aos seus desejos e passados alguns dias, que no foro os precizos para vir resposta de Lisboa, aonde disse havia de escrever por estar ai i o Chefe dos Pedreiros Livres, fingindo que tinha ordem para ser admitido, o levou em huma noite a caza de Antonio da Silva Lisboa, natural de Angola e morador ao Collegio Novo, estudan- te 'do segundo anno do curso, jurdico, aonde tambem faro, mas separados delles, os sobre- ditos Diogo Jos de Moraes Calado, seu Ir- mo Loureno Justiniano de Moraes Calado, An- tonio Caetano, Vicente Julio Fernandes e Fran- cisco Jos de Almeyda, que chegou por fim do brinco, e introduzido o dito Francisco Candido Chaves ein huma caza escura por elle apresen- tado aonde lhe disse estava muita gente, vendo que estavo ss porque os mais estayo em hum quarto vizinho para lhes no perceber o rizo, que no poderio suster e perguntando- lhe Antonio da Silva se queria ser pedreiro li- vre respondeu que sim, perguntando-lhe mais se :sabia o que era respondendo que no, e que 110 EPISDIOS DRAMTICOS s entendia ser huma sociedade em que os mais ricos ajudavo aos mais pobres e feitas outras perguntas conforme as materias ocorrio de Re thorica e Methaphisica a que no respondeu em termos, lhe mandou o mesmo Antonio da Silva fazer hum com. que captasse as benevolencias dos socios ao aceitarem, o que fez muito tola e rediculamente e no podendo j conter o rizo o fizero pr em p no me_yo da 'Caza, e metendo-lhe na mo hum papel o pri- meiro que mais mo achou lho mandou pr na cabea como por ceremonia da seita e ultimamente lhe mandou despir a vestia e ca- miza o que fizero os sobreditos e elle apre- sentado e Diogo Jos de Moraes Calado lhe dero humas poucas de chicotadas e vindo luz, rindo muito da lograo em que cahira, o re- prehendero de todos os seus maos procedi- mentos passados que lhe referiro e de que elle tivesse a improdencia de querer entrar . em huma sociedade que ignorava e que no sabia se haveria nella alguma couza que fosse offen- siva da Religio assim como elle apresentado que; naquele tempo no sabia que fosse con- dennada como depois soube vendo em Berti que o Papa Clemente XIII, segundo. a sua lem- brana, prohibira a dita seita e dissero mais ao dito Francisco Candido que se intendessem que elle queria ser membro da dita seita com teno de se afastar dos sentimentos: da Igreja sem duvida o denunciario ao Santo Oficio, mas elle protestou que no era esta a sua ten- o, mas deste brinco e investida resultou. ini- mizade e m vontade que tem o dito Francisco Candido a todos amiaando-os por muitas vezes dizendo: DA INQUISIO PORTUGUESA 111 Deixem esiar. Disse mais que ouvindo o Sermo que, em dezagravo da Pureza da Nossa. Senhora pregou em Santa Anna o Padre Mestre Duro na festa que ali se fez no ha muitos tempos, depois de sahir da Igreja, perguntando-se no lhe lem- bra por quem a Francisco Jos d' Almeida, de quem tem dito o conceito, que fizera do Ser- mo respondera este que fora bom, e s lhe no agradara querer o orador provar o miste- rio da virgindade com provas tiradas de Feno- menos naturaes, de que uzou como foy a de passar a Luz por hum vidro, e por bum Dia- mante sem os arruinar, ou quebrar, fecundarem as plantas tais como a Palma estando o maxo e a femea distantes. Que pois a Virgindade da Senhora era hum mlsterio e hum Dogma da f', ficava incomprehensivel nossa razo, e acrescentou mais o meSIIllO Francisco Jos de Almeida que no ero necessarias aquellas pro- vas naturais, pois que pela revelao ficava cer- to, e indubitavel aquelle misterio e que fazia estas reflexes por haver cabido em tal des- cuido, hum to grande Teologo e Filozofo como era o orador, o que ouviro Francisco Candido Chaves e Francisco de Mello Franco) e se no lembra de mais pessoas, que estivero a isto presentes. Disse mais que haver dois annos pouco mais ou menos estando na Loje do Livreiro Joo Pedro Alho, morador na Rua das Fangas, che- gara ali um estudante que no conhecia, e per- guntara a elle aprezentado, que conceito for- mava da obra do Professor de Felice, que trata do direito natural, e respondendo-lhe que era' boa, e por tal a julgavo os homens doutos \ 112 EPISDIOS DRAMTICOS como alli se achasse tambem bum clerigo do Seminario desta Cidade que no conhece replicou este dizendo que aquelle livro estava cheio de hereiias e pedindo-lhe lhe quizesse lembrar al- guma pais no tinha advertido nisso replicou que em cada pagina se encontravo ao menos cinco proposies hereticas e fez meno de di- zer o mesmo autor que a obrigao de cazar era universal e que esta Proposio era here- tica ao que elle apresentado respondeu que aquelle autor era naturalista e falava nos termos do direito natural e no como Teologo, que en- tendia a sua Propozio como preceito do velho testamento dado a Ado pelo qual todos os ho- mens ero mandados propagar e multiplicar a especie e que assim como ns entendamos do preceito de Deus em huma universalidade no methafisica, como nas escollas s ~ diz, nem de todos os indivduos de especie humana assim po- deramos entender a do referido autor e haven- do 10utras razes de que se no pode lembrar, por haver passadio tanto tempo, mudando p dito clerigo, a questo entro_u a provar, que o es- tado do celibato ou castidade perfeita era me- lhor do que o de cazado e entre varios lugares de S. Paulo, que referio, se lembra daquelles em que o Apostolo diz, quizera que todos fos- sem castos oomo elle, ao que elle apresentado respondeu que aquella no era a questo que o Apostolo no citado lugar no provava nem man- dava que todos os homens fossem ou devessem ser castos absolutamente e no devio casar e que era conselho de mayor perfeio Evange- lica que dava o Apostolo assim como o era offe- recer a face a quem ferisse na outra, que to grande absurdo lhe parecia dizer que o pre- DA INQUISIO PORTUGUESA 113 ceita do Genezis era universal metaphisioo como dizer que o apostolo queria que todos absoluta- mente se abstivessem do matrimonio, tanto por- que este era Sacramento Santificado, e institui- do por Christo,- como porque devendo-se veri- ficar a obra da Redempo nas nacs ras era precizo que as gentes existentes actual- mente no tempo do apostolo se reproduzissem alm de outras Profecias que se havio de veri- ficar e verificaro depois daquelle tempo em que escrevia o apostolo e que elle no tivera ten- o nem o tinha de negar, que o Estado da castidade absoluta fosse menos perfeito, que o do matrimonio pois era anatematizado pelo San- to Consilio de Trento o que tal dissesse. Disse mais que por algumas vezes; no lhe lembra os lugares nem as pessoas, que estive- ro presentes dissera, que era abuZJO, ou o po- deria haver na multiplicidade de ordenaoens de Pessoas sem Beneficio, ordenadas a titulo de Patrimonio, fazendo-se regra geral o que era lemitao no sobredito Consilio, principalmen- te por que os ordenandos ero sem letras, e alguns tinha visto embaraados na traduo do Cathecismo ad Ordinandos e o que mis he faltos de probidade e. modestia tanto que mo- tejavo da probidade, e Santa Simplicidade do Prelado, referindo gestos e senistros meyos de hipocresias com que alcanaro as ordens o que comtudo no entendera de todos os nem tambem; que houvesse erro no referido, ou resultasse ludibrio e desdouro ordem Ecle- ziastica. Disse mais, que geralmente se lembrava de haver disputado, explicado, referido e conversa- do com diversas pessoas; qe no pode indivi- s 114 EPISODIOS DRAMTICOS duar e em diversas ocaiioens sobre pontos taes como verbi grafia o comercio da alma com o corpo, da sua natureza, espiritualidade, liberda- des, immortalidade, da existencia de Deos e Religio natural, necessidade da Revelao, di- zendo, e fazendo meno no s dos funda- mentos destas verdades, mas tambem dos argu- mentos oontrarios, que elle apresentado sabe por haver lido as obras de Oenuensis, Abadi Clarqui, Pedro Daniel Depini, Bregier, nas suas admiraveis refutaes do Desmo, e mtrialys- mo o que fez po.r se haver aplicado a Filosofia, cte que as referidas materias so parte muito essencial, e por ser obrigado pela sua profisso a sabellas, seus fundamentos, e re:wens contra- rias, ainda aquellas de que os mpios se servem, e de que os sobreditos autores se fizero cargo para as refutar em vendo por exemplo argumen- tarem os impios que refuto e impugno a ver- dade da Historia do Oenezis, dizerem que pois os animaes femeas da especie irracional parem seus filhos oom dores, sem haverem incorri- do em culpa alguma mas por Ley Fisica da na- tureza; a sim as mulheres por hum a Ley da na- tureza e no por castigo do pecado original sofrio dores nos partos. E como se suppem que o re-ferido castiga he consequencia do mesmo pecado, e com tudo o no he, tambem, ser falso o antecedente que he a existencia do dito pecdo; argumento que elle apresentado ouvia ha anos na Rio de Janei- ro em humas concluzoens d ~ Teologia que de- fendia um Religioso Beneditino cujo nome no sabe aonde elle apresentado estudou Filosofia, e este mesmo argomento referia ha pouco tempo em casa de Diogo Jos de Morais Calado, p'Or DA INQUISIO PORTUGUESA 115 ocasio de ver parir uma gata e lhe parece que o ouvio Francisco Candido Chaves, que ainda ento no tinha por inepto, e outros, ali estavo, de que ao presente se no lembra, por rem hir a dita caza muitas pessoas, e hindo elle apresentado a referir a resposta que ouvira dar ao dito argumento que foy a sua brana, que a especie irracional he incapaz de peccado, e que a natureza do homem antes da culpa tinha outras leys acerca da do seu esprito e padecimento do seu corpo e que se os homens no em Ado nenhuma dor sofririo, se meteu outra conversa, pelo que no pode referir a dita resposta. Disse mais que no duvdava poder-lhe ter escapado por imprudencia ou por fora de ar gumento alguma Propozio impia ou erronea, ou ter ouvidu algum'a e semelhantes a outras pessoas pelas mesmas ocaziloens mas n.'io adverte que as ditas pessoas tivessem adhezo a doutrinas erra- das assim com10 elle apresentado protesta que a no teve nem tem e que est firme e sempre o esteve na nossa Santa F Catolica e Religio Christ e de qualquer erro inculpavel, que ti- ver cometido, pede perdo e mizericordia. Coimbra era meio pequeno e o segredo da Inquisio estava bem longe de ser guar- dado risca, motivo porque o futuro gramatico e dicionarista se apressou a ir assim de encon- tro s acusaes que lhe faziam. Em 12 de junho iioi novamente interrogado pelo inquisidor Jos Antonio Ribeiro da Motta, acerca da sua genealogia. Estudante do quinto ano jurdico era natu- ral do Rio de Janeiro e morador na rua do Loureiro, freguesia do Salvador como j disse 116 EPISDIOS DRAMTICOS mos. Ao tempo tinha 23 anos de edade e os seus paes, ainda vivos, eram Antonio de Moraes Silva e Rosa Maria de Carvalho, ambos raes e moradiores no Rio de Janeiro, e vivem dos lucros de uma botica que administram por um caixeiro. Batisadio, segurido parece, na s do Rio de Janeiro por fr. Joo Batista, relig1oso barbadinho italiano, toram seus padrinhos Bento Liz de Carvalho, padrasto de sua me, j funto e sua av Teresa Ferreira de Carvalho, ainda ento viva, natural das visinhanas dio Porto e aquelle tambem natural de Portugal, mas no sabia d'onde. Continuando na sua disse que estudou gramatica oom seu tio Manoel Rodrigues de Carvalho, vigado da vara da vila de Parati, districto do Rio de Janeiro; rhetorica, sem tre; filoSIOfia nos conventos dos padres de S. Bento e do Carmo calado no Rio de Janeiro; geometria nesta universidade de Ooimbra. se aplicado ao estudo das linguas francsa, sa e italiana, que sabe e tem lido o Systema da Naturesa, de Mirabea!l. Resolvendo matricular-se em Coimbra sahio do Rio de Janeiro pela Bahia onde se d-emorou doze dias e por Lisba, onde esteve dois mezes, e d'ahi para Coimbra d'onde s sahio uma vez para ir a Lisba. Em 18 do mesmo junho foi novamente terrogadio especialmente por causa da leitura do livro de Mirabeau e confessou ento que no so este autr tinha lido, como tambem tesquieu, Becaria, Voltaire, etc. Em 6 de julho novamente confessou que fivera com um seu camarada discussio sobre o seguinte ponto: qual era maior pecado faltar DA INQUISIO PORTUGUESA 117 nos Domingos missa ou s aulas a que, por juramento, eram obrigados? Acrescentou ainda que lera Rousseau. No dia 7 ligeiramente aditou as suas con- fisses e os inquisidores de Coimbra proferiram ltm despacho determinando mandar ao conselho geral os autos. Com efeito este em 20 de julho de 1779, ordeoou a priso de Antonio de Moraes e Silva. Mas no lhe faltava boa policia e por isso iioi nesta altura que o nosso gramatico fu- gia, escapando-nos infelizmente as peripecias d'esta fuga talvez romantica como a de Filinto Elysio (t). NOVO PROCESSO (14321 DA INQUISIO. DE LISBOA) CONTRA O BACHAREL ANTO- NIO DE MORAES SILVA Datado de Pernambuco, d ~ 7 de maio de 1806, recebeu-se na Inquisio de Lisba um oficio, assinado pelo commissario d:o Santo oficio, Joaquim Marques de Azevedo, do qual transcre- vemos o seguinte: - Na freguesia da Moribeca, d'este bispa- do, que fica, distante d'este Pernambuco tres leguas, acha-se um bacharel chamado Antonio ( 1 ) Inquisio de Coimbra, proc. n.o 8.094. No Boletim d-a segunda classe, da Academia, vol. I, publicou o acadernico Sousa Monteiro urna noticia intitulada O Diccionarista Antont:J de Moraes Silva e a lnquisiio. Faz, com o seu costumado brilho literario, um extracto d'este processo, mas no se refere ao cta inquisio de Lisba que, por isso supmos totalmente desconhecido. 118 EPJS.DIOS DRAMTICOS de Moraes Silva, o qual sendo regente da mes- ma freguesia vive escandalosamente, falto de re- ligio e pouco catolico e por isso tem sido va- rias vezes denunciado, e de prezente denuncia Francisco da Costa Cordeiro que o dito bacha- rel no ouve missa nos dias de preceito- e come carne nos dias de jejum e do mesmo rrrodo conduz a .sua mulher, filhos e escravos e alm de no mandar ps escravos missa, os obriga a trabalhar nos dias santos e diz por desprezo que ha-d'e mandar ordenar a dous escravos seus para dizerem missa na capela do seu engenho; e diz !mais o dito denunciante que vio aos fi- lhos d!o denunciado arrastando pelos campos uma imagem do menino Deus e que o mesmo ba- charel, estando na Universidade de Coimbra, fra acusado ao Santo Oficio, por crimes tocantes ao conhecimento do mesmo e que para se subtra- hir pena fugira para os reinos estrangeiros e ao tlepois aparecera neste bispado e na dita freguesia onde, OD'Ill efeito, se acha vivendo li- bertinamente com publioo escandalo de todos os moradores seus subordinados por ser ele o regente d'aquela freguesia ... Em 31 de maio dJo mesmo ano novamente o mesmo comissario insistia: -J fiz presente a V. JI.mas que Francisco da Costa Oordeiro denunciara que o bacharel Antonio de Moraes Silva, regente _da freguesia da Moribeca, no ouvia missa ns Domingos e dias sanctos e do mesmo modo comia carne nos dias de jejum, conduzindo assim a sua familia e escravos, os quaes obrigava a trabalhar nos dias de preceito; e depos d'esta denuncia cer- DA INQUISIO PORTUGUESA 119 tificara isto mesmo Manoel do Carmo lnojoza, morador na mesma freguezia que o dito bacha- rel vivia com escandaLo e libertinamente, obran- do semelhantes aes e outras de pouco catho- Iico, sem temor algum de Deus e, por causa de egual procedimento, fra tambem denuncia- do estando na Universidade de Coimbra e :passan- do V. Il.mas a bormar conhecimento da vida d'este bacharel se passara para reinos estrangeiros e agora se acha neste bispado e dita freguesia de Moribeca, onde corm efeito pratica aes escan- dalosas e indignas de um verdadeiro catholico ... Em 20 de setembr-o do mesmo ano os in- quisidores de Lisba tomavam conta do caso e determinavam ao commissario respectivo que indagando mais circumspedamente sobre estas faltas de religio nos diga se as mesmas so pretextadas com algumas causas temporaes, ou com erro de dotltrina, .persuadindo n.o serem pecaminosas a pratica de semelhantes transgres- ses, etc. Corm efeito, em oficio de 11 de dezembro, respondia o aludido comissario: ... Fiz a diligencia informando-me mais exac- tamente de Francisco da Costa Cordeiro e Ma- . nuel do Carm10 lnojosa que denunciaram ao dito bacharel, confirmam tudo quanto declararam nas suas denuncias e que as faltas nele notadas eram faltas de religio porque no ouve missa nos dias de preceito e come carne nos dias de jejum sem causa legitima e obriga aos seus escravos a trabalharem nos Domingos e dias santos no s para exigir d'eles este servio mas para reputar a missa por cousa inutil e 120 EPISDIOS DRAM TICOS trnsoria, tanto assim que diz, quer mandar orde- nar a dous escravos seus para dizerem missa na sua capella, a qual tem quasi vindo a baixo 'desornada e sem decencia alguma; e uma ima- gem do menino Deus, que estava na dita ca- pela, nos braos de S. Jos, foi por um filho do dito bacharel arrastada pelos campos e es- tranhando D. Antonia Timotea de Albuquerque esta ao :disse o pae que no fizesse caso que aquilo era um calunga; e, alm de serem estes denunciantes pessoas que merecem credito apon- tam outras pessoas que as reputam fidedignas e afirmam que o dito bacharel Antonio de Moraes Silva homem mui libertino e por tal conheci- do em toda aquela freguesia da Moribeca e que antes de vir para Pernambuco fra acusado ao Santo Oficio por viver sem religio alguma estando na Universidade de Ooimbra e que ten- do noticia que o tribunal procedia contra ele se retirara para Inglaterra e, passados anos voltara para Portugal; assim 10 declaram os referidos denunciantes e do por testemunhas ,ao: capito Jos Maria de Albuquerque, senhor do engenho Moribeca; o capito Andr de Albuquerque, se- nhor do engenho Sto. Andr; o capito Joaquim Florencio da Fonseca, senhor do engenho Pe- nanduba; o tenente Luiz Bezerra, senhor do en- genho S. Bar'tiol001eu; Joo de Barros Correia, senhor do engenho Megoipe de cima; o padre Manoel Antonio do Esprito Santo, o padre Joo do RegJo, o padre Jos Inacio Ribeiro) todos moradores na mesma freguesia de Moribeca ... E nada mais consta do processo, que foi arquivado. A Inquisio j<i no podia morder. DA INQUISIO PORTUGUESA 121
:J) # UA- p u.tV,cV {Ja)--rc .2J- Rosto do original da primeira tentativa do Dicionario de A-faraes; pertencem Mesa Censoria, cujo carimbo se v ao alto. Tinham-lhe partidlo os dentes. Os tempos no lhe oorriam prosperos. O visconde de P10rto Seguro escreveu a bio- grafia do ilustre lexicografo Moraes e Silva e conta-nos que ele tencionara seguir a carreira da magistratura mas Antonio de Moraes ou i perseguido ou receiando perseguies do Santo Oficio emigrou. <<Partia para Londres, diz-se no Dicionario Popular, e ahi foi bem acolhido e protegido at por Luiz Pinto de Souza Couti- nho, homem ilustrado que ento era nosso 122 EPISDIOS DRAMTICOS ministro em Londres e que foi depois visconde de Balsemo... Foi ahi que adiantou bastante o seu Dicionario para o poder comear a publicar logo no ano seguinte ao da sua chegada a Por- tugal, porque o Dicionario comeou a publicar- se em 1789 ns estamos convenCidos que foi, em 1 788, que Moraes e Silva regressou a Por- tugal. Moraes e Silva refere-se discretamente ao caso nas . seguintes palavras do prologo da 1.a edio dio seu Dicionario: Apliquei-me pois lio dos bons autres e succedia.Jme isto em terra estranha, 10nde me levaram trabalhos, desconhecido, sem recomen- dao, e marcado com o ferrete da desgraa, origem d<e ludibrios e vituperios, com que se afoitam aos infelises as almas triviaes. Agora se ficam pois conhecendo esses tra- balhos. . dkcionario de Moraes limitava-se na primeira edio a um resum1o do de Bluteau; porm na segunda (1813) e na terceira (1823) apareceu to enriquecido, que se converteu em obra original e de muitissima utilidade. Mo- raes, livre das garras da inquisio, obtivra no principio do presente seculo licena para passar a Pernambuco e na Moribeca se achava j em 1802. Ahi, apezar dos cuidados que demandavam d' elle a lavoura di::> assu{:ar, qual se entregou, prosegui na obra emprehendida, votando-se com o maior afinco ao estudo dos classicos, e reco- lhendo dias campos e dos engenhos muitos ter- mos usados familiarmente no nosso paiz, e a que deu, por assim dizer sanco litteraria ... - pag. 1176 da Hisiori(J. geral do Brasil, 2.a edi- o, pelo visconde de Porto Seguro. VII DOIS POETAS APONTADOS A INQUISIO I PEREIRA CALDAS (1779 A 1781) JOO XAVIER DE. MATOS (1798) Vagamente 'se sabia que o grande poeta brazileiro Antonio Pereira Caldas, ao frequen- tar a Universidade de Coimbra, fra incomo- dado peLo Santo Oficio. Mas era-lhe desconheci- do o processo, como desconhecido rontinuar, pois no tivmos a fortuna de o deparar. Entretanto alguma coisa acrescentaremos. Vimo-lo delatado em 17 de maio de 1779 pelo mesmo estudante Chaves que denunciou Moraes e Silva. Vamos agora ver-lhe novas de- laes. Da denuncia do estudante do terceiro ano de Leis, Jos Maria da Fonseca, filho de Joo da Fonseca Garcia, natural de Lisboa, feita em 11 de Agosto de 1779, consta o seguinte: 124 EPISDIOS DRAMTICOS Tambem s vezes se costumava ajuntar (em Coimbra) Antonio Pereira Caldas, o qual ex- pondo o que lia em alguns livros prohibidos mostrava a todos os instantes contrariedades comsigQ mesmll e inconstantissimo nos seus pen- samentos negava hoje o que amanh havia de- fender; de sorte que o mesmo Francisco Jos de Almeida affirmou ouvir-lhe dizer sinceramente que de tantos argumentos que ~ n c o n t r a r a con- tra a nossa r lligio nem hum s o satisfizera A 18 de agosto acrescentava: Antonio Pereira Caldas, do 2.o ano jur- dico, muitas vezes vinha conversar com o Nuno e Antoni1o Caetano (outros estudantes) e ten- do lido o Ross (Rousseau) e mais lguns li- vros d'estes. expunha as suas doutrinas, tocandv em muitas ... ; porm nisto com grande inconstan- cia no as affirmando seno por pouco tempo. Emquanto a pratica pareceu-me ve-lo rezar al- gumas vezes, de -confisso no me lembro ouvi-lo fallar, nunca o vi oomer carne em dia prohi- bido ( 1 ) , A Inquisio procedeu e o poeta foi em Coimbra ao auto da f de 1781. lnocencio apresenta Xavier de Matos como poeta que empregava todo o seu tempo a verse- jar nos outeiros a compr canes que depois de impressas em papel pardo lhe rendiam al- guns minguados oobres. Bohemio, grande foi a voga que teve no seu tempo. (1) Cad.o 130 do Promotor da Inquisio de Lisoa na Torre do Tombo. DA INQUISIO PORTUGUESA 125 A um episodio d'essa bohemia se refere o oficio seguinte dirigido ao juiz do crime do bairro d' Andaluz, em Lisboil, que se encontra registado no livro V de Avis1os, fl. 95, d Arquivo do Ministerio do Reino, na Torre do Tombo: Recebi a conta de V. mce. na data de 23 do corrente, em' que dava conta de que Joo X a ~ vier de Matos, arrancara o espadim contra o Pa- dre Joseph Matheus, no Mosteiro de Santa Anna, dando causa a esta desordenada aco a illicita correspondencia que o dito Joo Xavier de Ma- tos praticava no mesmo Mosteiro, e que fra logo preso: E para fazer presente a S. Mag. o referido, e haver um pleno conhecimento deste cazo, he preciso que V. Mc. informe do mo- tivo que teve o sobredito para arrancar o espa-. dim contra o mesmo Padre Joseph Mathias. Deus guarde a V. mce. Pao a 26 de Mayo de 1763. Francisco Xavi.er de Mendona Furtadm>. Tambem com a Inquisi.o teve contas. Com efeito o estudante canonista Jeronymo Francisco Lobo, fez em 1798 denuncia de varias pessoas e entre essas do poeta Joo Xavier de Matos, natural de Lisboa. Resumindo .o seu 'de- poimento quanto a este escreve um inquisidor: Joo Xavier de Mattos, celebre poeta, em Lx.a Paresse q escarneou dos versos sagrados pelo modo prox.: supr.:; ou ao menos esteve prezente ao referido escarneo de Joo Pereira. H mais duvidoso por qual desses modos de- liqquio, pelo mal que se acha escripto no tres- 126 EPISDIOS DRAMTICOS lado .desta (a de Jeronimo Lobo) extena apre- sentao; sendo certo que por qualquer dos dous modos he muito capaz de delinquir: porque cons- ta da laxido aonn que he costumado a dis- correr (t). A Inquisio no procedeu. I t I l (1) FI. 77 do cad.o 130 do Promotor da lnqui" sio de Lisboa. VIII O POETA BOCAGE (1802 - 1803) 't n Ul n n Eu Maria Theodora Severiana Lobo, fi- lha de Roque Ferreira Lobo, moradora na rua da Era, freguesia de Santa Catharina, da ci- dade de Lisba, atendendo ao preceito e obri- gao que impe o tribunal do Santo Oficio aos que souberem alguma das cousas conteu- das nos interrogatorios do edital do dito santo tribunal declaro que ouvi dizer a Manoel Ma- ria de Barbosa do Bocage que elle e Jos Ma- ria de Oliveira e um fulano do qual no sei o nome mas sei que filho de Matias Jos de Castro, o qual ouo dizer que christo novo, que todos os tres referidos, Bocage, Oliveira e' Castro, do qual no sei nome proprio eram pedreiros livres; e ainda que o dito sujeito o disse debaixo de segredo, ella o denuncia ao Sto. Tribunal, obedecendo a seus preceitos . .111aria Tlteodora Severiana Lobo. 128 EPISDIOS DRAMA TICOS P. S. Declaro que sou filh:A. do adminis- trador do correio do nno e que os sobreditos moram: Manoel Maria num bco que est na rua Formosa; Jos Maria dentro do correio do qual escrituraria, no sei bem a freguesia mas parece-me que das Mercs e o ditn ca- pito Cast11o na Travessa da Condessa do Rio e tambem no sei decerto de que freguesia mas parece-me que de Santa Catarina. Tambem declaro que o dito Manoel Maria no sei que tenha ocupao e creio que vive das suas obras em verso e no sei se tambem em prosa. 1 Tal a reproduo ipsis verbis da denun- cia contra Bocage e seus companheiros apresen- tada ao Santo Oficio. Que andamento lhe deram os inquisidores? t o que vamos ver. Em 23 de novembro de 1802 oficiaram ao confessr da delatnra, dizendo que a no .cha- mavam a perguntas por ser .filha-famlia mas que ele, fra da confisso, lhe podia pedir para lhe declarar tudo, sob o maximo segredo. Com efeito, em 28 de abril de 1803, o pa- dre Jos dos Reis Marques respondia que a denunciante confirmara toda a sua delao acres- centando que no estava rerfa no tempo em que o tal Bocage lho tinha dito, mas que es- tavq certa que tinha sido depois da _quares- ma {le 1802, em casa de uns visinhos da sua escada, aonde ,ele e o tal Jos Maria tn.m.- bem algumas vezes iam de visita e disse mais que ria mesma casa, achando-se t:la presente em que estavam o dito Bocage e o dito Jos 'Ma,ri,a, o, tal Jos Maria flesenhara em cima DA INQUISIO PORTUGUESA 129 Retrato muito conhecido, de Bocage. de uma banca um triangulo e em um angulo d'ele um olho e dentro d'ele o sol, a Jua. e algumas estrlas e duas mos dadas e que dissra, se havia co /teste mundo era aqule e chamando o tal Bocage para ver ele se es cusou que !o gostava de desenhos, mas ins 9 130 EPISODJOS DRAMTICOS taJJdo o dito Jos Maria veio cm efeito ver e disse que d'aqule que gostava e apagou-o logo porque no viesse alguem que entendesse. E que o tal Bocage quando lhe declarou as coisas no lhe declarou o lagar nem o tem- po das suas assembleias, mas sim que a tal sociedade tinha muitos socios tanto neste reino, co.nw em outros e que se comunicavam e que tinham muitas vantagens, que se ajudavam uns aos outros e que tinham vp:rios sinrws com que se entendiam, etc. : A Inquisio apezar d'isto no procedeu. Bocage pouc!e continuar a frequentar despre- ocupadamente o caf Nicola e a Posteridade perdeu c:!ecerto algumas belas P.ncidues do seu estro poetico, ao sentir-se algemado ... IX O POETA CURVO SEMEDO ( 1803 e 1 81 9) Por duas vezes o nome do arcadico Belmi- ro Transtagano foi pronunciado perante os jui- zes dos Estos. Da primeira ainda o advertiram, mas da segunda a Inquisio tombava a olhos vistos, a revoluo de 20 estava no horisonte e o pobre Belmiro bem passivei que no estivsse no seu oompleto juizo. Pelo menos nos ultimas anos da sua vida apag10u-se-lhe a luz da razo. Eis as duas denuncias: Em 13 de Maio de 1803 foi apresentada a seguinte: Ouvi que Belchior Manoel Curvo Seme- do, filho de Francisco Ignacio Curvo Semedo, escrivo dos Portos Seccos, morador em casa de seo pay s Fontainhas d ~ Arroios, dissera que todo o padecer era neste mundo, dando a 132 EPISDIOS DRAMTICOS entender que no havia inferno, do que se es- candalizou entre outras pessoas sua cunhada O. Anna Clementina. Lisboa, 13 de Mayo de 1803. P. Dionisio Franco de Barbuda. ~ I ,.,, I "' I 1 Item ouvi que o mesmo Belchior Manoel Curvo Semedo dissera que estas cousas ero boas para conter o povo. Lisba, 13 de maio de 1803. P. D t ~ o n i s i o Franco de Barbuda. Por letra do Inquisidor: Foi advertido em 28 de novembro de 1803, IJI.ello. (1) E por aqui ficou. Em 19 de novembno de 1819 Silvestre An- tonio Diniz, professor regio de primeiras le- tras em Lisboa, denunciou por escrito aos in- quisidores as seguintes blasfemias proferidas por Belchior Manoel Curvo Semedo, escrivo da Mesa Grande d' Alfandega e morador m rua Direita de Tham: . I Diz que N. S. Jesus Christo filho ( 2 ) adulterino porque sendo N. Senhora casada com S. Jos se tinha copulado com o Espirito Santo. (1) (2) liferis. Proc. n.o 17.225 da Inquisio de Lisboa. A transcripo ipsis verbis mas no ipsis DA INQUISIO POR.TUGUESA 133 II Como podia hum Deos (a quem nada futuro) dar uma lei e depois vir deroga-la? III Que a lei que 'Moiss trouxe ao Monte Sinay, que aquelle fog.o que elle trouxe era arteficial. IV Nega a resurreio de Jesus Christo e diz que umas mulheres foram cnin bebidas e em- bebedaram as sentinellas e dormiram com ellas para neste meio tempo o tirarem da sepultura, pois se elle fosse Deos no devia deixar de fazer uma resurreio magestosa vista de to- dos. v Diz se a alma incriada que tem Deos l no outro mundo um armazem d'almas e do mesmo armazem d'onde tira aquellas que fa- zem boas obras e se salvo tira a outra para o infeliz que se no batisou por alguns motivos e no fez boas obras e manda para o inferno e se criada que tudo quanto tem principio ha-de ter fim. VI Que na cnaao do mundo queria Deus ser servido por homens ignorantes pois lhe prohi- bia que comesse da arvore da sciencia e mais que uma criana como se julga inocente no 134 EPISDIOS DRAMTICOS peca pois no sabe o que faz e que logo Ado e Eva no sabia o que fazia e que admira que no tivesse medo de uma serpente nem da sua babuge pois aceita o pomo da boca d'ella e que j no encontra serpentes to mansas e que fallem como aquella. VII Diz mais que o diabo tem feito mais do que Deos tem oom tantos castigos feito pois que leva tanta gente para o inferno e Deos por este modo leva muito menos quinho. VIII Que admira que os santos escritres uns dm a Asceno de Deus na Galileia e outros em outra parte pois que logo Jesus Christo estava com as pernas abertas. IX Como podia ele ser levado a um alto mon- te d'onde visse o mundo todo sendo o mundo como uma bola' e quem est em cima no pode ver o que est por baixo? As que disse e muitas mais que me no lembram as tem (Curvo S.emedo ), escritas que ho-de ser mais de 40 e disse que aquellas proposies as tinha apresentado um lente que foi nomeado para lecionar em Coimbra na ca- deira de Theologia pois que no aceitava o dito lugar sem que lhas decedissem e diz mais que a paga que lhe deram foi consumi-lo e que DA INQUISIO PORTUGUESA 135 logo aqui no se podia dizer nada porque q u a l ~ quer cousa que um homem dissesse era logo metido na Inquisio e que' o que eu ( denuncian te) devia fazer era viver na Religio que me educaram como tambem me mostrou escrito os vidos de muitos Papas que nada me ficou na memoria (I):. (1) Inquisio de Lisboa, proc. n.o 17.610. X O POETA JOS AGOSTINHO DE MACEDO (180! e 1807) A vida libertina do. demaggo padre la- gsta, assim alcunhado pela sua cr rubra, ha- via de necessariamente lhe grangear inimigos em barda. Poeta d altissimo merecimento; ora- dr sagrado, pamfletario cheio de; talento, a sua vida nem sempre foi isenta de senes. Que admira pois que 10 seu nome fosse levado pe- rante os inquisidores? No lhe faltavam porm amigos por outro lado e a Inquisio no tinha j foras para proceder. Segue-se a primeira denuncia contra ele que supmos indita: Em 1 O de Maio de 1804 Soror Mariana Faustina da Purificao, religiosa professora no convento de Sta. Marta de Jesus, denunciou por escrito ter tido por dois anos com o pa .. L S . ~ ; r O poeta Agostinho de Macdo, de solidu na cabea c pena de pato na mo ao uso da epocha. 138 EPISDIOS DRAMTICOS dre Jos Agostinho de Maceclo, morador na rua Velha da Palma, !z!lnta amizade e traio iii- cito e pecaminozo. Quando d'ella se despedia dizia: - Adeos meu bem! A madre Mariana tinha ento 39 anos de edade e interrogada em 19 de setembro d'esse ano declarou que <> dito Pe. Jos Agostinho de Macedo no he confessor e s pregador, mas vindo prgar por muitas vezes a este convento (de Sta. Marta) e costumando falar com ela depoente, em huma d'ellas em que estava o sacramento exposto e no podendo por esse motiVIO vir grade falar-lhe, foro ao confessio- nario da igreja, aonde falando naturalmente, no fim da conversao, lhe disse huma expresso de afecto e em outra ocasio, na grade do cro da igreja, lhe apertou 10 denunciado a mo e acompanhou com expreoens de afecto o que tudo ela depoente, depois de passado algum tempo, lhe pareceo dever denuncia-lo Meza do Santo Oficio, o que com efeito praticou. Informando acerca d' e lia dizia o commissa- rio 'do Sto. Oficio: ... padece muito da cabea, tem falado e procurado a maior parte dos con- fessores desta crte para seos directores por cujo m10tivo no tem a melhor escolha e esta molestia a tem obrigado a estar por muitas vezes fra do oonvento a tomar ares, com que no tem tido alivios; porque a mcilestia conti- nua em maior auge. Por outro lado o mesmo comissario infor- mando, aps interr:ogatorio de testemunhas, acer- ca 'do Pe. Jos Agostinho de Macedo dizia DA INQUISIO PORTUGUESA 139 ' ,_ w i; ' "
": . :_;, :-J_.... :..: __ : . " . --.., ,4< .. ..... .. ,,_,i::: Outro retrato de Agostinho de Macdo! a farta cabeleira, j grisalha, cahe-lhe pelas costas. que ele era pregador regro, caio ministerio exer- cil.a com geral aaelfao roest.a crte (t):. 0' esta vez poude o padre Agostinho de (1) Inquisio de Lisba, processo .n.o . 6. 776.
vj/tft:n / .. u.1?"- Rst,o do exemplar manuscrito do poema Gama apresentado censura do Dezembargo do Pao. :&:..;#:)a #UM fe-u 'Uit,ra j; . Hf-A-rn #tAd Vl.nA.-1 ':J " d.t?-7U t-..d .4 ./ u-?4' .Ji:4 1-P na.J I a (IU1' ,4/Zt!'W 1 .4A4 I J:f..L .... r-",-,;v, :J;.L.t!t ?;./JU.L' /un ?1" :1-U#).t' ;yprn" rd" 'JU.L n" !tu . Ultima pagina do exemplar ' manuscrito do poema Gama apresentado censura do Dezembargo d.:> Pao: ao altc o slo d'este tribunal e no fund-:> o despacho mandando publicar o livro. 142 EPISDIOS DRAMTICOS "...u.
t1 {(/ (:-/"111 n-z .tU-? /4?'1-,::::' .a.n Jf:t' &U' Z . . (T J Rsto do original de outra obra de Jos Agostinho: ao alto o slo da Imprensa Rgia. Macedo oontinuar dormindo descanadamente na sua cma sacerdotal. Passaram-se anos e nova denuncia surgio contra ele. Em 28 de abril de 1807 foi escrita, a rogo de Josefa Maria do Nascimento, antiga criada do pe. Jos Agostinho de Macedo, uma denuncia em que ela declarava que estan- do em conversao com Domingas .... mulher in- famada de 11Ulncebia com o referido pe. Jos este, porque algumas vezes a dit 1 a DA INQUISIO PORTUGUESA 143 Domingos ... no queria condescender aos torpes apetites delle por temor dos castigos etemos, o dito Pe. disse para a dita Domingas que no havia inferno, que isto da formao do mando era huma historia, etc. ( 1 ) Um ms depois a Inquisio ainda fingia vida e por isso em 9 de maio de 1807, Domin- gas Rita Ebrard, de 30 anos, foi interrogada por causa da seguinte denuncia contra. o Pt. Jos Ag1ostinho de Macedo: ouvio-lhe dizer que no avia infemo e que a gente em morendo hera como os animais que no tinho nada que sentir que com a morte acalxlV'a o espirita e que N. S. hera hum filosifo (sic) daquele tempo, taes so as proprias palavras e letras com que est escrito 10 autografo no processo n.o 17:071. Ha apenas uma carta d'onde consta que o pe. Jos Ag1ostinho tinha ameaado mata-la, se ela viesse fazer tal denuncia (2):. Por tudio isto pois se v a verdade com que Jos Agostinho escrevia: -Eu nunca fui acusado Inquisio, nem l estava o meu nome, Mestre Pedro ( 3 ). (1) Proc. n.o 16.439. Publicada na integra a pag. 183 das .A1emorias para a !ida intima de Jos Agostinho de ilrfacedo. . (!) Publicada a pag. 186 das Memorias para a vida intima de Jos Agostinho de Macedo. ( 1 ) Memorias para a vida intima de Jos Agos- tinho de Macedo, p. 57. XI O ECONOMISTA SILVESTRE PINHEIRO FERREIRA DENUNCIADO INQUISIO A 10 d'e abril de 1806 pedio audiencia, na inquisio de Lisba, um Gregorio Pedro que, em tempos fra creado de Silvestre Pinheiro Fer- reira a quem acompanhara para Beriim, quando Pinheiro Ferreira para l fra como encarre- gado de negocias. Depois de l estar foi man- dado, loamo correi.o, a Holanda e no seur regresso a Berlim veio enoontrar o seu patro casado com uma senhora que tinha abjurado- a seita lutherana e se tinha feito catholica romana. Mas, segundo era publica voz em Berlim, essa se- nhora era casada oom um lutherano, vivo ainda quando oom Pinheiro Ferreira se ligou. Nisto consistia a culpa do grande econo- mista portugus, mas culpa a que a Inquisio no deu seguimento algum. Foi publicada a pagina 158 do Arquivo Historico Portugus, volume VIII. PTI11tbJmfiiR
Retrato de Pinheiro Ferreira: o sorriso que lhe aflora aos labios transparece n0s olhos pJr detraz dos oculos de sabio enciclopedista. lO XII O AV DE ANTHERO DO QUENTAL 1808 Andr da Ponte do Quental da Camara foi companheiro de carcere de Bocage. Est dito tudo: bohemio, esturdi, pandego Era ento cadte do primeiro regimento da armda. Poeta e homem de letras, foi, nas crtes que se seguiram revoluo de 20, deputado pela ilha de S. Miguel. Morgado prepotente faleceu provavel- mente na ignorancia da boa vontade que lhe tinha a senhora Gertrudes Porfida da Con- ceio. Eis a denuncia contra le: Em 17 de Maio de 1808, apresentou-se na Mesa do Santo Officio, uma denuncia de Gertrudes Porfiria da Conceio, moradora na Calada do Sacramento N.o 22, 4.o andar, em . que dizia que estando Mesa haveria cinco me- ses, em casa de Jos Maria Marques, morador DA INQUISIO PORTUGUESA 147 no Chiado, nas Casas da irmandade do Sacra- mento, fallando-se de varios males que pade- ciam, e dizendo que Nossa Senhora nos acudisse, disse Andr da Ponte, official do regimento do verde: - ra a que vem ci Nossa Senhonf, ou, o que c Nossa Senhora, eu tinha uns poucos de santos em casa, mas j quebrei toda essa brejeirada- o que a todos custou ouvir. Assignada pela propria, e escrita e assi- gnada pelo seu confessor, Fr. Domingos Moreira, Lente Substituto de Philosophia ( 1 ). No estivsse a Inquisio em decadencia que a Andr da Ponte seria bem aplicavel aquela linda quadra do seu inspirado neto: Encostados s grades da priso, Olham o co os palidos cativos .. J com raios obliquas, fugitivos bespede o sol um ultimo claro. (1) Inquisio de Lisboa, n.o 15.023.
XIII O PAE DE REBELO DA SILVA f: DENUNCIADO INQUISIO EM 1812, MAS ESTA NO PROCEDE O Padre Domingos Jos Fernandes de Me- deiros dirigio aos inquisidores d ~ Lisba, em 19 de setembro de 1812, o seguinte officio: Il.mo Sr. Inquisidor O Pe. Domingos Jos Fernandes de Me- deiros, presbitero secular, natural d'esta cidade e morador na rua dos correiros n. 0 144y denun- cia perante V. S.a que, achando-se no dia 27 de agosto do presente ano na vila de Almada em casa do juiz de fra, Luiz Antonio Reblo da Silva, e estando s com ele, por ocasio de se falar da sua ordenao, ouvira dizer ao dito ministro que no havia diferena entre os sacerdotes egpcios e os dos christos seno em que os primeiros estavam persuadidos da falsidade do que faziam e entre os segundos havia alguns que se persuadiam da verdade DA INQUISIO PORTUGUESA 149" do seu culto"; e que todas as religies eram o mesmo, pois assim como os gentios a d ~ a vam a Marte como deus da guerra, asstm agora os christos procuravam o patrocnio dos santos para as suas necessidades. O denunciante, assim que ouvio taes erros, retirou-se para outro quarto e no seu sem- blante mostrou no os aprovar, porm no se atreveu a impugna-los directamente tanto por conhecer de tempos anteriores pela muit familiaridade que tem conservado com o dito ministro a tenacidade em todas sUas opinies e a subtileza dos seus argumentos, (com a qual certamente o denunciante no pode com- petir) e que por isso nada aproveitaria e tal- vez obstinaria numa contestao declarada; como tambem porque, achando-se em outros quartos dous creados e acendendo-se a disputa viria a patentear-se o motivo d'ella e seguir-se escandalo para a familia e infamia para o dono da casa. Denuncia mais que o sobredito ministro tinha em seu poder os livros L'Esprit por Helvecio e a Historia Geral, de Voltaire, os quaes no sabe se so d'elle, ou se os l. Declara porm o denunciante que no se entreteve na leitura d'essas obras, mas s as vio pelos titulos. O denunciante confirma a verdade da sua denuncia com o juramento dos santos evan- gelhos, sendo necessario. Lisboa, 19 de setembro de 1812. O Pe. Domingos Jos Fernandes. de 11-fe- deiros ( 1 ). (1) Inquisio de Lisboa, n.o 14.502. 150 EPISDIOS DRAMTICOS Que pena! O sr. padre Domingos, talvez muito familiar e muito querido da casa do illustre juiz de fra, enganou-se na era. Devia ter vindo um seculo antes para cevar vontade a sua vileza de delatr ruim. Assim, nada conseguio; a no ser descar- regar a consciencia e praticar uma aco feia e ingrata ... Reblo 'da Silva continuou a sorver a the- riaga das paginas pecadras de Voltaire e por- ventura dos outros encyclopedistas e passou -o que mais -a pecha para o filho que to notavel se tornara nas letras patrias! VARIA COMO OS CIUMES DA ESPOSA DE D. JOO V PROVOCAM A INTER- VENO D'UM INQUISIDOR GERAL C ORRIA o ms de Setembro de 1729 e d'elle oito dias eram j andados. Ms de Setembro, ms canicular, ms esbraseante em toda Lisboa e principalmente no Terreiro do Pao onde vmos apear-se grave e solne da sua liteira o Inquisidor Geral D. Nuno da Cunha, acompanhado pelo seu secretario e do Conselho Geral do Santo oficio: Boatos, bem de vr, logo no horisonte. Mas boatos que no tiveram eco na Gazeta de Lisba. Qual seria a misso do austero e sinistro inquisidr? Porventura a Heresia ganharia p sob os sales esplendidos do christianissinio Pao da Ribeira? A Apostasia tentaria medrar sombra dos zimborios, torrinhas e mirantes, da habitao dos nossos reis sempre to temen- tes a Deus? Feriria a Blasphemia os tectos das ante-camaras reaes, as bellas e luxuosas tape- 154 EPISDIOS DRAMTICOS arias, com debuxos de Rafael, Ticiano, ou Rubens? Nada d'isso. Caso de bigamia ou sodomia? Nem pensar em tal. Porventura o Cardeal da Cunha desejaria ir alongar a vista janela do torreo do Forte, ver sumir no horisonte a ultima leva de condemnados pela Inquisio a degredo para o Brasil ... Talvez, oh, mas isso seria requinte de crueldade e tanto no possivel. A verdade, a verdad na e cra, vae dizer- no-la, aqui baixinho, um processo do arquivo da Inquisio de Lisboa, o n. 0 16:892. Mas, coi- tado, todo elle treme de susto, no o vamos ns denunciar, pois comete um delicto- a inconfidencia- em cuja represso o Santo ofi- cio costumava ser inexoravel. foi o caso que no primeiro de Setembro do mesmo 1729 num corredor escuso do pala- cio, apareceu, como que abandonado de pro- posito, um papel que provocou grosso escan- dalo entre as saias do Pao, e foi objecto da cuscuvilhice palatina. Encontrou-o a criada d'uma dama da Rainha, D. Filipa de Faro, que regalou a sua curiosidade lendo-o e foi, palreira e indiscreta, mostrai-o a D. Helena de Portugal, dama da Princeza e por ultimo entregai-o propria Rainha. -Mas que diria papel to avidamente lido, sublinhado e comentado com risinhos maliciosos, pelos ~ o s das janelas e pelos re- cantos das alcovas e corredores? - Falaro as proprias que o lram porque em assumpto de tanta monta em nada, abso- lutamente em nada, queremos modificar o seu DA INQUISIO PORTUGUESA 155 depoimento, lembrados de que quem conta um conto lhe acrescenta um ponto. Perante pois o Cardeat da Cunha, a cujas mos o papel foi parar, por interveno da Rainha D. Marianna d' Austria, deporo sob juramento; Primeiro, a criada que o encontrou 'decla- rar que entre outras coisas, se dizia n'elle que se invocassem varias castas de almas para entrarem nos nervos (sic) d'El-Rey N. S. para que morresse de .amres pela sra. Infanta D. Francisca, Segundo, D. Filipa de Faro declarou que nesse papel se falava em invocar varias almas em ordem a que El-Rei N. S. quizesse estar bem com outra pessa, mas que no conheceu a letra nem sabe que as taes rezas se fizes- sem e essa pessa era a infanta D. Francisca, que nada sabia do caso. Terceiro, D. Magdalena de Portugal, dama de honra da Princeza, disse estar lembrada que no dito papel se falava em se invocarem varias almas para que mov.essem a vontade d' E l- Rei N. S. a que fizesse a da sra. infarzta D. Francisca e tivsse com e !la amizade... pre- sume que alguma mulher de pouca conside- rao ou tonta quereria aconselhar a dita sra. infanta semelhante cous.a oa ainda reputa por mais certo que o intentaria fazer sem lho participar . .. Quarto, a criada de D. Magdalena de Por- tugal depoz que no tal papel se falava em se invocarem almas enforcadas e outras que no recebro o sangue de Christo e outras que por amres morrro para entrarem no cora- o d'El-Rei para que fizesse a vontade sra. 156 EPISDIOS DRAMTICOS ' ,( ~ . '? Retrato de D. Mariana d' Austria DA INQUISIO PORTUGUESA 157 infanta D. Francisca, acrescentando supr a sra. infanta totalmente ignorante de tal. Em 15 de Setembro punha-se finalmente pedra sobre o caso. A vontade da .Rainha estava satisfeita; a intriga palaciana desenredada, o Inquisidr Geral dava por finda a sua misso, e a leitora desejosa de conhecer mais uma aventura amorosa do monarcha freiratico, O. Joo V, fica agora desiludida ao saber que esta infanta O. Francisca era irm do rei Fide- lssimo. Assim a descreveu um escritr contem- poraneo: Foi a Infanta de estatura alta, grossa, mui fermosa, com grande bizarria, e excelentemente airosa, rosto redondo, os olhos grandes e par- dos, muito branca e crada, nariz e boca peque- nos e proporcionados, . dentes perfeitssimos, com fisionomia alegre e sumamente agrada- daveh> (1). Embora haja lisonja no retrato, honl soU qui mal y pense . .. Ciumes portanto da Rainha?! Decerto, mas ciumes no sentido casto da palavra. Como uma bola de sabo fugia o boato e a cuscuvilhice tambem, e O. Mariana d' Aus- tria, se tornou a ter ciumes e razes . demais teria para isso -foi smente da Madre Paula e das provocantes freiras de Odivlas, perfu- madas de incenso e rescendentes de oraes. (1) f/isfor.:a Oenea!o{{ica da Casa Real Portu- g t t ~ M , tomo VIII, pag. 405. O LENTE CANONISTA DE COIMBRA CHRISl:OV O JOO E O SANTO OFICIO GRAVE ESCANDALO NA SALA DOS ACTOS GRAN- DES DA UNIVERSIDADE: UM LENTE, NA PRESENA DO REITOR, RASGA O CAPELO E A BORLA- A INQUISIO TOMA CONTA DO CASO, MAS A SUA SENTENA J:: ILUDIDA PELO LENTE INSUBMISSO Se a imprensa periodica j existisse em 1590, de tl manei r a reI ataria um caso, grave, bem grave mesmo, sucedido na cidade do Mon- dego, adentro das paredes universitarias. Caso at agora indito, se as nossas informaes no falham. Foi seu protagonista o doutr Chrisbvo Joo, lente de Decreto na Faculdade de Ca- nones. Figura apagada na sciencia, pois d'ele nenhuma obra nos resta, figura pequenina se correspondia ao nome, mas grande pelos seus feitos insubmissos e chicaneiros que distrahiram DA INQUISIO PORTUGUESA 159 a Inquisio coimbr do perigo dos christos novos e chegaram at - pasmai oh cus! che- garam at a perturbar as digestes do Inquisi- dor Geral! A que/que chose malheur est bon, se no fra as suas questes com a Inquisio, quem falaria hoje no lente Christovo Joo? Por duas vezes d que fazer aos notarios do Santo Oficio. Primeiramente no ano de 1583. Acusou-o, em 26 de maio, o seu collega, doutr Gonalo Mendes de Vasconcelos, cathedratico de sexto na Universidade e deputado da Inquisio. Culpa: ter afirmado, em contrario ao denun- ciante, em plena sala dos actos publicos uni- versitarios que a agua no era de essencia do baptismo. . No se afoite o leitor a avaliar a gravi- dade da culpa pelo criterio actual, pois muito outros eram os tempos e de bem desvairadas crenas. Confirmada a denuncia por Pero Homem de Azevdo, Paulo Sodr e outros, foi o nosso doutr chamado ao tribunal e interrogado sobre o caso em 16 de outubro de 1583. No negou a sua afirmao, mas explicou-a, asseve- rando que o seu intento foi dizer que no era tji.o ess.enci.al, qu.e no podesse Deus fazer baptis- mo sem agoa. No colheu porm a explicao e o Con- selho Geral, por despacho de 8 de novembro de 1583, mandou-o retratar na mesma sala dos actos publicos, dando-lhe at formula para isso. Christovo Joo no gostou; do alto das suas prosapias cathedraticas e do seu feitio altivo, resolveu no se submeter. Vacilou, hesi- 160 EPISDIOS DRAMTICOS tou, foi protelando, at que, mezes depois,. em 16 de abril de 1584, se vio forado a ir . sala dos actos universitarios; retratou-se mas no nos precisos termos ordenados pelo Con- selho Geral. . ~ O facto. transpirou; o Inquisidr Geral estranhou-o. . Passa-se meia duzia de annos. Entretanto ao doutr Christovo Joo , em 24 .de setembro de 1586, passada carta de dezembargadr da Casa da Suplicao, logar para que foi no- meado por alvar de 21 de outubro de 1581 ( 1 ). Tambem conego prebendado da S, no lhe faltariam certamente os odios e as invejas, porventura derivados em parte do seu feitio demasiadamente altaneiro. Corria o ms de maro de 1590 e efe- tuava-se o bacharelamento em canones do aluno Manoel das Povoas. Presidia o reitor D. Fer- no Martins Mascarenhas e era padrinho o nosso Christovo Joo. Argumento sobre argumento, argucia se- guindo a argucia, citaes atraz de citaes. Assembleia numerosa composta de lentes e estudantes. O reitr poz uma duvida e o padrinho, depois de ter respondido, acrescen- tou que, se el-rei de Frana .tivsse uma mulher estril, podia casar com outra, por faltar neste caso a lei natural. Replicou-lhe o reitr que tal proposio era falsa e Christovo Joo, rubro de indignao, fra de si, batendo com as mos na cadeira doutoral, a 'darmos cre- (1) T. do T. - Doaes de Filipe I, liv. 11, fi. 362. DA INQUISIO PORTUGUESA 161 dito a uma categorisada testemunha presencial, vociferou: - V. M. fala muito mal porque quando hum homem to grave como eu preside e est neste lugar e diz que huma cousa he verdade no ha V. M. de dizer que he falso, porque nem em Portugal nem fra d'elle o entende ninguem milhar que eu e eu o entendo milhar que todos e mais quando V. M. no tem razo como esses senhores doutres todos que esto presentes assy o entendro. Resumindo agora as do nosso irtformadr, o secretario da Universidade, Ore- gorio da Silva, continuaremos. A isto acrescentou Christovo Joo que no queria ser lente da Universidade nem viria mais quelle lagar porque isso merecia quem vinha padrinhar em taes actos e, descendo da cadeira com agastamento, tirou o seu caplo verde e de mo mdo o arremes- sou para a parte direita, onde estava o reitr, no se metendo entre ambos mais que uma cadeira e o mesmo fez borla do barrte e por duas ou trez vezes arremeteu para sahir da sala e se assentou no assento que corre da cadeira em diante, onde se costumam sentar os dezembargadres e d'ahi disse ainda ao reitr que no tratasse os lentes to mal por- que todos eram seus negros e ele mais que todos. Placida e serenamente o reitr disse ape- nas ao fogso cathedratico: - primeiramente mo ensino. Ficou a assistencia abismada ce-m tal falta de respeito. O secretario foi dar os AA e RR para votarem e da parte do reitr chamou 11 162 EPISDIOS DRAMTICOS . Christovo Joo, que a principio. recusou, mas depois veio, tornou a tomar o caplo que ainda estava no lagar onde o deixou e subindo cadeira deu o gro ao dito bacharel e lhe fs sua orao de louvr. Terminou por fim o secretario da Univer- sidade: -Foi este o mr caso que at oje acon- teceo na Universidade segundo que dizem os antiguos. Outras testemunhas confirmaram mais ou menos estes factos mas, como o doutr C h r i s ~ tovo Joo deu o secretario por suspeito, apre- sentaremos tambem a verso oficial, qual a do auto mandado levantar por D. Ferno Mar- tins Mascarenhas em 30 de maro de 1590. Depois da insolente resposta do lente canonista atrs referida continuou, dirigindo-se ao reitr que no tratasse os lentes como negros- verso diferente da que vimos-, que no queria ser lente da Universidade, que isso merecia quem vinha padrinhar aos taes autos e dizendo estas e outras palavras semelhantes se desceo da cadeira onde estava e tyrou as insgnias doutoraes assy capelo como borla que tinha no barrete e arremessou tudo de muito mo modo para a parte onde elle senhor Reitor estava que hera junto delle senhor Rei- tor, prometendo e affirmando o dito dr. Chris- tovo Joo de no tornar mais alli com outras palavras mais e se desceo da dita cadeyra. A INQUISIO TOMA CONTA DO CASO " Levantado pois o auto respectivo por ordem do Reitor da Universidade e feitas as DA INQUISIO PORTUGUESA 163 devidas averiguaes, em 19 de maio de 1590, foram as diligencias enviadas inquisio de Coimbra. D'esta vez o caso fiava mais fino. A pro- posio incriminada foi censura dos quali- ficadres do Santo Oficio e o doutr Christo.- vo Joo, chamado em 2 de julho de 1590 msa do Santo Oficio de Coimbra, foi relegado, por o caso ser melindroso, para o .Conselho Geral do Santo Oficio. Ordenaram-lhe pois que partisse para Lisba debaixo da mesma pri- so e menagem em que ora est preso em sua casa e chegando dita cidade se apresen- tar em, uma casa que para isso e_scolher da qual no sahir sem ordem de S. A. Christovo Joo devia estar abatido. O vexme era grande; mas, nos doze dias, praso maximo que assinaram sua viagem de Coim- bra a Lisba, devia ter sentido consolao ao arquitectar montado no classico macho d'alu- guer, a. ambicionada vingana. Tinha ao tempo quarenta e oito anos de edade, veremos se ele Sucumbe. Em 16 de agsto foi o seu primeiro inter- rogatorio e em quatro successivas audiencias atentamente o escutaram e por fim, na msa do Conselho Geral, a 24 de janeiro de 1591, foi publicada a seguinte SENTENA FINAL Acordo os deputados do conselho geral do santo officio da Inquisio e os assesso- res aqui assinados que, vIstos estes Autos,. e ..confisses do Doutor Christovo Joo, conigo 164 EPISDIOS DRAMTICOS magistral na see da cidade de Coimbra e lente de vesporas de canones na Universidade della, que _presente est, por que se mostra que padrinhando elle nos Autos de hum Bacharel na salla dos autos publicas da ditta univer- sidade, estando presente o reitor, e alguns dou- tores de todas as faculdades e muitos estu- dantes, respondendo a hum argumento acerca da materi.a de que se tratava, poz por exemplo que se el-Rey de Frana tivesse a molher este- ril podia casar com outra, tendo o :Reyno neces- sidade de socessores, affirmandosse nisso, sem fazer nenhua distino emtanto que sendo logo advertido pello argumentante que a ditta pre- posio era falsa elle a defendeo dizendo que era verdadeira, e que sabia muito bem o que dezia, e o entendia milhar que ninguem do que logo e depois ouve escandalo nas pess.oas que lho ouviro e, avendo informao de todo o sobreditto na mesa do conselho geral, lhe foy mandado que apparecesse nella, onde, sendo perguntado e examinado pello ditto exemplo e proposio e como a entendia. con- fessou que era verdade que elle posera o ditto exemplo del-Rey de Frana da maneyra acima ditta e o deffendera sem fazer distino algua do tempo da ley natural ao da ley evangelica. nem se avia de ficar com' a primeyra e segunda molher, ou se podia repudiar a primeyra e ter a segunda. Mas que elle o entendera fallando em termos da ley natur.al e no da ley da gra.a, o qual entendimento se collegia das apos- tyllas- que tinha dado lendo nas eschollas e tambem da materia de que se tratava no ditto Auto, e doutras cousas que precedero antes DA INQUISIO PORTUGUESA 165 de elle defendei" o ditto exemplo, e que assy 9 entendia ainda agora, declarando mays que ento entendera que el-Rey de Frana podia casar com a segunda molher ficando tam- bem com a primeyra, e assy que podia ter duas .molheres juntamente e que se esta pro- posio assy entendida em termos da ley na- tural no era averiguada e verdadeira, que teria e seguiria o que lhe fosse mandado; o que todo visto e a diligencia, que se fez com as testemunhas que se acharo presentes e o exame feito em suas apostyllas, e assy as censuras e qualificaes que se mandaro fazer por pessoas doctas e pias, pellas quaes censuras consta a ditta proposio afirmada no tempo da ley da graa ou ditta indistinta- mente ser erronea e contra a determinao do sagrado concilio tridentino, e ainda tomada nos termos da ley natural, como o ditto doutQr a declara em suas confisses, posto que seja opinio dalgus doutores catholioos, ser falsa, e que se no deve ter, nem ensinar nas eschol- las, principalmente nestes tempos por ser inco- moda. a Igreja de De os, e a . contraria ser ver- dadeira, e p i a ~ e conforme a santa escrittura I e aos sagrados canones e ao uso romu .da Igreja catholica, e porquanto elle no decla- rou o exemplo ao tempo que o defendeo, da maneyra que disse despois de ser. perguntado, tendo obrigao de o fazer pella qualidade de sua pesso:a e graos e da profisso de _Iehte na ditta universidade, dando motivo a muitos dos ouvintes terem para sy que elle defen- dia o ditto exemplo del-Rey de Frana no estado da Jey da graa: I Mando ao ditto Doutor Christovo Joo 166 EPISDIOS DRAMTICOS para satisfazer ao escandalo que tem dado, que despois de estar na Universidade no pri- meiro auto publico de canones, que se fizer na Salla, em que elle ou outrem padrinhar, estando na cadeira, declare que entendeo o ditto exemplo dd-Rey de Frana cons:derado no esrtado da ley natural somente e no no tempo da ley da graa, n ~ m del-Rey ,de Fran- a do tempo presente, e que ainda tomado nos termos da ley natural o tem por falso ,e que se no deve ter nem ensinar nas eschollas, princi- palmente nestes tempos por ser incomodo a Igre- ja de Deos e o contrario tem por verdade:ro con- forme as censuras acima dittas, a qual declarao far lendoa por escritto na forma que lhe sera dada sem acrescentar, nem diminuir cousa algua, sendo presente hu notario do santo offi- cio, que ter na mo hua copi1a da dita decla- rao pera dar fee como cumpre, o que per esta mesa lhe foy mandado, e visto mays como elle foy ja denudado doutra proposio erronea que sustentou na materia do Baptismo padrinhando em outro Auto no mesmo lugar, da qual lhe foy mandado por ordem do ditto con- selho geral que se retrattasse como consta dos autos appensos, o ,amocsto que daqui em diante seja advertido que no leia nem ensine doctrinas falsas e perigosas e que pos- so causar escandalo. Antes tenha e siga as opinies comus dos doctores mais pios e doct:::>s, e as octrinas mays seguras e recebidas pella Santa Madre lgreia, por que no o fazendo assy se procedera contra elle com rigor. - An- tonio de Medoa- Dioguo de Sousa---' Luis DA INQUISIO PORTUGUESA 167 Gonalves de Ribafria Lopo Soares d' Alber- garia-Bertolameu da Fseca ( 1 ). Ouvio o doutr Christovo Joo lr esta sentena, desbarretado, e sentado numa cadeira d'espaldas, baixa. Intimamente furioso, cogitava a maneira de a iludir. Com efeito consta do processo que, comeando por pedir trinta dias para a sua retratao, e no a fazendo, o Con- selho Geral novamente lhe assinou mais dez dias e depois ainda mais vinte e no consta que a fizsse. Decididamente, alm de padre-mestre uni- versitario, era-o tambem na chicana, na insub- misso e na falta de respeito ao Santo Oficio. Soube ludibriar por duas vezes a lnqui- sfo, est di to tudo per omnla sa:cula. ) (1) lnquisifo de Lisboa, proc. n.o 76. OS SORTILEGIOS DE UMA FREIRA (1719) ACUSA-SE DE INOCENTES BRINCADEIRAS NAS NOITES DE S. JOAO E S. PEDRO, ATRI- BUIDAS TODAS AO DE.M.ONIO Soror Catharina Madalena de Menezes era professa d'um convento dos arredores de Lis- ba e, d'esses mesmos arredores natural. J declinava na e d a d ~ pois passava dos cin.- coenta e talvez tambem um pouco no entendi- mento. O certo que veio confessar culpas - supostas est bem de ver - culpas praticadas havia mais de vinte anos. Santa Senhora foi, se na sua mocidade no cometeu mais faltas alm das reveladas aos inqu:sidores, que o notario inqu:sitorial escreveu com a melhor grafia do tempo e agora ahi ficam assoalhadas urbi et orbi. DA INQUISIO PORTUGUESA 169 Definem uma epocha; Ei-Jas, tal qual o original: Aos quinze dias do Mes de Junho de Mil e Sette centos e dezanove no Convento de Nossa Senhra dos Poderes, e no locutorio delle, chamado a grade dos Olhos Verdes, deste lugar de Via longa, termo 1:! Arcebispado de Lisboa Oriental, e onde veio, de ordem verbal de .Sua Em.a, o Snr. Deputado Joo Paes do Amaral Comigo Joo Colao da Costa, Nota- rio do Santo Officio, pera effeito de bmar . judicialmente a aprezentao que huma reli- gioza do mesmo Convento fs por seu Con- fessor na meza do Santo Officio, como consta da carta contheuda nestes autos, sendo presente a ditta religioza que mandou vir perante si o ditto Snr. Deputado lhe foi dado o juramento dos Santos Evangelhos sob cargo do qual lhe foi mandado dizer verdade, e guardar segredo, o que tudo prometteo cum- prir, e disse chamar-se Soror Catherina Mag- dalena de Menezes, filha d<! Manoel Cirne de Sousa, e de sua mulher Dona Luiza Maria de Menezes, natural da freguezia de So Julio do Tojal, termo da Cidade de Lisboa Occi- dental, e religioza professa deste Mosteiro de Nossa _Senhora dos Poderes de Via longa, e disse ser Christa velha, e de idade de cin- coenta e tres annos. E preguntada se he verdade a noticia de que consta a ditta carta, a .qual lhe foi lida, e pera que effeito deu pello confessor a dita conta meza do Santo Officio. Disse que era verdade a ditta noticia,. e a dera com animo, e pera effeito de apresentar-se de suas culpas, as quais quer confessar. . 170 EPISDIOS DRAMTICOS E logo foi admoestada que pois tomara to bom conselho como o de apresentar-se volunta- riamente de suas culpas devia fazer ddlas huma inteira, e verdadeira confisso trazendo todas memoria no impondo porem sobre si, nem sobre outro testemunho falso algum por ser o que lhe convem pera descargo de sua consciencia e salvao de sua alma, e pera alcanar a mise- ricordia que pretende, e disse que s a ver- dade diria, a qual era que haver trinta e trez annos pouco mais ou menos sendo ella religioza prof6ssa neste Convento de Via Longa por occasio de huma amizade illicita e dezordenada que tinha com outra religioza do ditto Convento, e ir ella declarante pellas dez horas da noite per a effeito de communi- car-se com a ditta rel!gioza, ficando em huma caza s esperando pella mesma, em rezo de estar obscura a ditta caza, e ella declarante se achar s, e conceber mdo disse por pala- vras expressas: -No me ponhas meo, que bem sabes estou em teu servio- as quais palavras dirigia a pedir ao demonio lhe no mettesse medo por entender que em tal cazo lhe no metteria horror visto que hia comunicar-se com a ditta religioza, e sup- posto que sem animo de peccar, pello perigo a que .se expunha, entendia fazia ao diabo servio expondose ao perigo de offender a Deos. E em outra occazio pella mesma cauza lhe veio ao pensamento fazer ao demonio a mesma supplica, mas que entende que o no chegou a invocar, nem nunca crera nella, e s pella perturbao e medo obrou o referido. Disse mais que haver o mesmo temp0, DA lNQlllSIO PORTlJOlJESA 171 e no da sua mocidade, por occazio de dezejar saber se a ditta religioza era amiga della con- fitente, e por ver que algumas pessoas fazio vulgarmente alguns sortilegios, ou adevinha- ces pera saber da vontade de outras fs tam- bem alguns sortilegios na forma seguinte: Tomando huma bochexa de agoa na bocca, e pondo-se a alguma janella ou varanda donde ouvisse fallar gente pera advertir se ouvia nomear a ditta pessoa por quem deitava a; sorte, ou alguem que dissese Sim -ou No- E juntamente que tambem no est certa se fes a ceremonia de passar por tres, ou sinco portas com a bochexa de agoa por haver muito tempo que passou o referido, e s se lembra que tinha ouvido assim se fazia a ditta adevinhao aqual se fazia na noite de. So Joo, e entendi que alguns annos repe- tia na ditta noite s dittas adevinhacens, mas que se no lembra quantas vezes. I E na mesma noite fazia tambem outra adevinhao de deitar no fogo huma alcarra- cachola, tosquiando-lhe primeiro a flor, e de- pois de queimada na mesma noite de So Joo a punha a huma janella pera ver se florecia, entendendo que quando florecia era indicio que lhe querio bem e quando no flo- recia que lhe no tinho amor e disse mais que, sendo da mesma edade e tempo ditto, fazia1 na noite de, So Pedro a ceremonia de pr sobre huma meza huma toalha, e sobre a mesma toalha hum espelho, humas pedras de sal, huns gros de trigo, huma pouca de cinza, e livro tudo em partes distinctas para effeito de saber ella declarante, e as mais pes- soas com quem fazio o ditto sortilegio que 172 EPISDIOS DRAMTICOS estado, ou sorte havio de ter, vindo cada huma de per si com os olhos fechados rezando primeiro hum Padre Nosso com huma Ave Maria a pr a mo sobre as dittas couzas que estavo em sima da ditta meza, entendendo que a que puzesse a mo sobre o livro havia de ser freira, a que a puzesse sobre o espelho havia de cazar, a que tocasse a cinza havia de morrer sem tomar estado, e das mais c o u ~ zas lhe no lembra a significao por faser tudo o. referido materialmente com as mais religiozas e mossas do dHto convento por mera curiosidade e brinquo das tais noites sem ,anim.J algum de entender que nestas cousas havia interveno do demonio nem dellas fazia e s c r u ~ pulo algum naquelle tempo, pello que respeita a estes sortilegios, e se haver quinze dias pouco mais ou menos que confessando-se a9 Padre Frei Manoel de Santa Roza de Viterbo lhe disse o mesmo Padre que devia de recor- rer ao Santo Officio pera a absolvio dos dittos sortilegios, como tambem de humas pa- lavras que ella declarante costumava dizer no ditto tempo da sua mocidade, e haver vinte annos das quais agora se no lembra, e s se lembra as achou nas epstolas de Dom Antonio de Ouevarre, e uzava dellas para effeito de todas as pessoas que a vissem lhe quizessem bem, e havio ser dittas ao primeiro vivente que visse todos os dias pella manh ou fosse racional, ou irracional, e as conti- nuou pello tempo de dous mezes pouco mais ou menos, athe que adevirtida por outro con- fessor, com quem naquelle tempo se confes- sou, deixou de uzar das dittas palavras por lhe dizer ero superticiozas, no obstante que DA INQUISIO PORTUGUESA 173 no ditto Livro das epstolas de Dom Antonio Ouevarre, o qual no tem por prohibido, se dezia que se havia de uzar das dittas palavras pello dito modo. E que estas ro as culpas que tinha que confessar, e de que se aprezentou pello conselho de seu confessor, e pello mesmo . lhe dizer era assim precizo, supposto que outros confessores a tinho absolvido de todas as dittas culpas que tem confessado e de as haver comettido est muito arrependida e pede perdo e que com ella se uu de mizericordia. Foi-lhe ditto que tomou muito bom con- selho em se aprezentar de suas culpas, e prin- cipiar a <:onfessalas, e lhe convem muito recor- rer pella memoria pera fazer dellas huma inteira, e verdadeira confisso no impondo sobre si, nem sobre outrem testemunho falso algum, declarando outrosi a teno que te.ve em commetter as que tem confessado por ser o que lhe convem pera descargo de sua consciencia, salvao de sua alma e canse- guir a mizericordia que a Santa Madre Igreja costuma conceder aos bons, e verdadeiros con- fitentes. E por dizer que tinha confessado toda a verdade, nem tivra outra teno mais que a que tem declarado, foi outra vs admes- tada em forma e mandada pera dentro, sendo lhe primeiro lida esta sua confisso que por ella ouvida e entendida disse que estava escripta na v e r d a d ~ e que nella se afirma, e ratifiqua, e torna a dizer de novo sendo necessario, e que nella no tem que acrescen- tar, ou diminuir sob cargo do mesmo jura- mento dos Santos Evangelhos que outra vs 174 EPISDIOS DRAMTICOS lhe foi dado, e assinou com o ditto Senhor Deputado, e eu o notario Joo. Colao da Costa o escrevi. Joo Paes do Amar.al. Soror Catharina Magdalena ( 1 ). t l (l) FL 105 do caderno n.o 1 123 -' numerao moderna do Promotor da Inquisio de Lisboa. ALGUNS ROMANCES HISTORICOS DE CAMILO E RESPECTIVOS PROCESSOS INQUISITORIAES S comprehendemos bem a extraordinaria obra de Camilo Castlo Branco quando um dia nos foi dado l-la sob uma frondosa latada do alto Minho d'onde os cachos negros pendiam como brincos de orelhas senhors. Uma jor- naleira tangia os bois para a fonte, pelas con- gstas os anhos barregavam e ao longe, na estrada a mac-adam, um cocheiro azorragava doidamente a chicote uns burros, como l cha- mam aos cavlos pequenos, depois de os ter consolado com sopas de vinho tinto. S ento, embrenhado na vida rural 'do Minho, onde a tradio se conserva pura e onde a linguagem tem ainda o sabr archaico, nos foi possvel caracterisar certos typos c a m i ~ Iianos e admirar a fina observao com que o Mestre soube carrear os vocabulos populares para a linguagem erudita, dando-lhes, bem avi- sadamente, fros de classicismo. f: preciso comer-se o caldo feito com as coives do eirado, 176 EPISDIOS DRAMTICOS beber o vinho tirado da loja, ainda espumante, vr cegar herva para os chicos e qui supor- tar umas maleitas para conhecer bem o Minho popular, o Minho das dynastias de caseiros e jornaleiros, o Minho que aparece na obra de Camilo Castlo Branco. Em contraste com esse, outro l aparece tambem: o Minho aristocratico, das dynas- tias fidalgas que, nos seus solares ainda braz- nados, procuram conservar as tradies dos pergaminhos e a religio das suas genealogias. Uns so os senhores, recebem a penso e mandam; outros so os servos da 'gleba, acor- rentados ao humus, sabem revolver e fabricar o torro e obedecem. Sim, para conhecer bem o Minho popular, preciso que sejamos tratados por senhores fidalgos e que o rapazio de bcas sujas se dispnha- a beijar-nos a mo, como nos tempos ftadscos bem distantes j de ns. Camilo no cultivou s com mo de mes- tre o romance de costumes, no. Dedicou-se tambem, embora com menos felicidade, ao romance historico e bem comoventes so as paginas d'alguns, inspirados em scnas da Inquisio. . Por no conhecer seno copias das sen- tenas, em miscelaneas manuscritas to nume- rosas nos seculos XVII e XVIII, curiso complet-las com o estudo d-::>s respectivos pro- cessos. O leitr, que conhece os personagens camHianos, luz d'uma imaginao viva, fertil e fecunda vae v-los agora coados atravez as paginas amarelecidas dos processos inquisito- riaes. Menos brilho, menos fantasia, mas mais realidade e verdade. . . DA INQUISIO PORTUGUESA 177 E queremos crer que as duas se com- pletem. Comearemos pelo mais notavel, mais comovente e mais conhecido de todos. O JUDEU UMA FAMILIA DE BRASILEIROS PERSEGUIDA Antonio Jos da Silva, o famigerado autr da Guerra do Alecrim e da Mangerna, o poeta comico do p0pular theatro do Bairro Alto, poderia decerto ter figurado entre os homens de letras condenados pela Inquisio. Mas tambem aqui fica em sitio proprio ligado ao grande nome que, acima de tudo, o i m o r ~ talisou. Apresenta-lo-hemos tal qual resalta das estiradas paginas traadas pelos notarias do Santo Oficio, ligando o seu processo ao de sua me Lourena Coutinho, e ao de sua mulhr Leonor Maria 'Carvalho ( 1 ). Depois faremos o confronto com a narra- o de Camilo. Comecemos pela me de Antomo Jos da Silva, Lourena ,Coutinho. Seu pae, Balthasar Rodrigues Coutinho, era christo nvo natu- ral do Rio de Janeiro e pessa de relativa abas- tana pois sua filha o dizia, senhor de engenho. (1) Inquisio de Lisboa, proc. n.o 3.464. 12 178 EPISDIOS DRAMTICOS Em m hora atravessou ela o oceano; em 11 de Outubro de 1712, dava entrada no carcere da inquisio de Lisba, acusada de judai- sante, o que efetivamente confessou. Apesar de solteira era possuidra no Bra- sil de um partido de ca!Ul no sitio de Anhauma, com oito escravos e ela mesmo nos dir, con- fidenclalmente j se v, como o declarou ao sa- grado tribunal, que na sua casa do R:o de jan- ro possua ma:s de oito escravos. D2 moveis en- contrar-lhe-hemos, s ~ nos transportamos ao Rio, um leito de jacarand, dois buftes da mesma madeira e outro de vinhatico; seis tambortes de s la e uma cadeira tambem de s la; um guarda-roupa de caixta; um espelho; uma alcatifa grande de estrado nova; duas rdes e uma serpentina. Se as joias se limitavam a uns brincos de ouro com pedras de crystal o mesmo no dirmos das suas pratas: 'uma salva com tres marcos de psO, um castial, seis colheres e dois garfos. Sumario foi este primeiro processo que lhe moveram; ensinada na lei de Moyss, con- fessou, como dissmos, imediatamente as suas culpas e por isso, condenada. a carcere e habito penitencial perpetuo, foi ao auto da f celebrado no Rodo em 9 de julho de 1713, na presena do lnquisidr Geral, cardeal da Cunha. Pouco tempo porm lhe durou a priso pois, em 20 de julho, era slta com a condio de se no ausentar para fra do reino sem licena da msa do Santo Oficio. No chegra a estar um ano prsa! Mas l ficou com o cadastro nos . Estus e a Inqui- sio sempre a vigi-la e a traz-la dbaixo d'lho. DA INQUISIO P)RTUGUESA 179 PRESA SEGUNDA VEZ JUNTAMENTE COM O FILHO ANTONIO JOS. . SO A ' , ,MENTA DOS : Treze anos aps a primeira condenao, a 8 de agsto de 1726, novamente Lourena Coutinho dava entrada nos carceres inquisi- toriaes e d'esta vs era acompanhada por seu filho mais novo, Antonio Jos da Silva, ao tempo de vinte e um anos de edade. u i Neste intervl legalisra ela a sua situ'ao domestica e amorosa, casando com o advogado Joo Mendes da Silva. , r "I Judaisaram os dois, est 'bem de vr. Embora Lourena Coutinho continusse na mesma penuria a respeito de bens de raiz certo que bastantes moveis lhe encontra- remos. Trazidos do Rio ou adquiridos em Lisba? No sabmos, mas ei-los: um guarda roupa de po santo; uma meia papeleira de castanho ou brdo; um contadr pequeno de charo; um leito de po prto sem armao; cinco paineis ou laminas de Roma; quatro ches; dois bahs de: moscovia; uma caixa grande de po do Brasil;' .,seis cadeiras 'de moscovia; a livraria de seu marido e por ultimo a pea que causar a morte. de seu filho, a escrava Leonor. . ,1, O' esta vez o andamento do .processo foi bem mais morso pois se tratava d'uma rein- cidente ou, na linguagem inquisitori<}l, uma relapsa. . l ';. Durante tres anos foi jazendo no crcere: : Posta a tormento em 13 de setembro de 1729 assim reza o respectivo tenno: 1, ; 180 EPISDIOS DRAMTICOS Foi lanada no ptro e comead{l a talar ... e sendo atada perfeitamente em oito partes lhe foy dado o tormento a que estava jul- gada em que se gastada mais de um quarto de hora em que chamava por Santa Rita e que pelas chagas de Christo . tivessem d'ella misericordia. i Pouco demorou a condenao e, se nos quizermos meter no lusido sequito de D. Joo V ou dos infantes D. Francisco ou D. Antonio, ir-lhe-hemos ouvir a sentena no auto celebrado na igreja do convento de S. Domingos, a 16 de outubro de 1729: degrdo por tres anos para o couto de Castro Marim. Muito mais rapido foi o processn de Anto- nio Jos da Silva. . Talvez sugestionado pela me, que do caso tinha experiencia como vimos, logo no dia da priso comeou as suas confisses. Con- fessou pois que, haveria quatro ou cinco anos, em casa de sua tia D. Esperana, j defunta, a proposito dos seus amres com uma cr-iada; ela lhe dissra, no ser issn pecado, segundo a lei> de Moyss, induzindo-o assim a crr em tal religio, que ele alis bebra com o leite m a ~ terno. Esta sua tia, viuva de Diogo de Montar- royo', era natural do Rio de Janeiro e. havia tambem sido reconciliada pelo Santo Oficio. Tambem, em Coimbra, em casa de seu primo Joo Thoms, estudante de medicina, natural do Rio de Janeiro, praticara ceremoc nias judaicas e em >Casa de sua prima, Brites Eugenia, irm da anterior, em Lisba. Ainda judaisou com outros, entre os quaes seus DA INQUISIO PORTUGUESA 181 irmos Andr Mendes da Silva e Baltasar Rodrigues. Em tres de setembro continuou com as suas confisses, o que ainda fez no dia sete, mas no quiz apresentar defsa nem con- traditas. Os inquisidores porm no estiveram por to poucas confisses e inexoravelmente sujei- taram-no a tormento em 23 de setembro d 1726. Chamados Mesa os medicas, assim reza o respectivo ass,ento, e cirurgwo e mais mmts- tros da execuo do tormento, sendo o Ru despojado dos vestidos que podiam servir de embarao ao dito tormento, foy lanado no ptro e comeado a atar lhe foi notificado por mim notaria em nome dos senhores inqui- dores que se naquelle tormento morresse,.que- brasse algum membro, perdesse algum sen- tido, a culpa seria sua e no dos senhores inquisidores e mais ministros que foram na sua .causa, que a sentenciaram conforme o merecimento d'ella, e por dizer que no tinha mais culpas que confessar se lhe continuou o tormento e sendo atado em oito partes e levando nela meia volta em todas as ditas oito partes, que corresponde a um trato cor- rido a que tinha sido julgado, foi mandado desatar e lepar a seu carcere e duraria o dito tormento um quarto de hora em o qual gritou muito e s6 chamava por Deus e no por Jesus ou santo algum ... Antonio Jos da Silva estva ento na fora da vida, pois contava -smente vinte e um anos. 182 EPISDIOS DRAMTICOS .. _Imaginamos as suas atrozes dres e d'elas temos um indicio quando o processo nos reve- la que o no consideraram capaz de assinar o auto do tormento! . Nascido no Rio de janeiro, paes tam bem nascidos no Brasil, os seus avs paternos foram de Portugal e a av materna era de Lisba, vindo ele para Lisba aos oito anos de- edade. Para bem, no havia duvida alguma! Foi finalmente condenado a carcere e habito penitencial perpetuo e a ser instruido nos mistrios da f. Publilcada esta sentena, no auto da f celebrado na igreja de S. Domingos em 13 de outubro de 1726 com a assistencia do rei e do infante D. inquisidres, etc. Longa no foi a clausura de Antonio Jos da Silva JX>is, em 23 de outubro, era afinal slto. NOVA PRISO DO JUDEU, DE SUA ME E ES. POSA. - EM SCENA A ESCRA- VA LEONOR Durante onze anos gozou a liberdade Antonio Jos da Silva e nesse meio tempo constituio familia e acabou a me o seu tempo de degrdo em Castro Marim. Parece que a vida lhe sorriria entre os aplausos do publico frequentadr do theatro do Bairro alto, os clientes que procuravam o seu escritorio de advogado, a esposa que o idolatrava e as caricias d'uma criancinha que para le- como seu unico amparo - estendia os rosados bra- DA INQUISIO PORTUGUESA 183 cinhos de inocente. Pura iluso, porm. A Inquisio espreitava-os e, em 5 de outubro de 1737, davam os dois, marido e mulhr Leonr Maria Carvalha, entrada nos carceres do Santo Oficio, le prso pelo familiar, o Monteiro-mr, ela, pelo familiar conde de Atou- gtJia. Para ambos no eram estranhas as pri- ses inquisitoriaes, embora la s tivsse cahido, ainda menor, sob a alada da inqui- sio de Valhadolid. Acompanharam-na as joias seguintes: dois pares de botes de ouro lavra_- dos de camisa e dois botes das orelhas de prata com pedras vermlhas. Ambos acusados de judasmo, fra sua prindpal denunciante a escrava Leonor atraz referida. Eis na integr.a o seu depoimento: Aos dez dias do mez de outubro de 1737 em Lisba, nos Estos, e casa primeira das audiencias da Santa Inquisio, estando ahi na de tarde o sr. inqdor. Theotonio da Fon- seca Souto-Mayor mandou vir perante si, por pedir audiencia do carcere da penitencia aonde foi mandada reservar, a Leonor Gomes, escrava de Lourena Coutinha, e sendo presente, lhe foi dado juramento dos santos evangelhos em que poz a mo sob cargo do qual lhe foi man- dado dizer verdade e ter segredo, o que tudo pt:ometeo cumprir. Perguntada para que pede audiencia disse que para declarar nesta mesa toda a verda- de a respeito das perguntas que se lhe f.ize .. ram na manh de hoje, porquanto movi"da do mdo que se lhe tinha ( m.ettldo) em casa de sua senhora, de que nesta mesa se mandava enforcar toda a pessoa que vinha a esta mesa 184 EPISDIOS DRAMTICOS dizer mal de outra e tambem lembrada do rigoroso castigo que lhe tinha dado ,sua ;senhora Lourena Coutinho, meter um tio de lume na boca, e com efeito lhe che- gou com ele : cara por ela te-r dito ama, que se achava em casa crecmdo uma filha de Leonor Maria, nora da dita sua senhora, o que todos faziam em casa que a declarante, lhe no parecia bem, foi ocasio da dita ama dizer dita sua senhora que ela declarante lhe tinha dito que todos eram judeus e que os havia de acusar no Santo Oficio, de que nasceu fazerem-lhe tantos castigos que por no chegar a experimentar outros semelhantes que negou esta manh tudo quanto sabia e, arrependida de assim o ter negado e faltado quela. verdade, que devia dizer nesta mesa debaixo do juramento que se lhe deu, vem agora a declara-Ia e a pedir perdo e que com ela se use de misericordia e que a no mandem para poder. dos ditos seus senhores porque infalivelmente a ho-de afogar o que pede pelas cinco chagas de Christo, mas que seja a uma presa como ella. Disse mais que, morrendo os dias passa- dos Ant.a Nunes, mulher de Antonio Froes, a dita Leonor Maria, nora da dita sua senhora, foi para casa do dito Antonio Froes em um Domingo pela manh e l esteve at a sexta- . feira tarde sendo pelas quatro ou cinco horas e .Jhe parece, segundo sua lembrana, que era vespera de So Matheus e no dia seguinte mandou a dita Leonor Maria, que ella decla- rante lhe aquentasse agua para se lavar e nesse mesmo dia, que era sexta-fe-ira, antes de jantar lavou todo o corpo e vestio roupa lavada DA INQUISIO PORTUGUESA 185 e uma saia de camelo, que ela declarante! lhe escovou e alimpou muito bem, e assim esteve sem comer nem beber todo. o dia ainda que a mesma na mmpanhia do dito seu marido Anto- nio Jos, estando comendo uma talhada de belancia (sic) a dita Leonor Maria lhe pegou em um bocado de casca, dizendo para ella declarante, que era muito boa belancia (sic) aquella, porm a verdade que ella a. no tinha comido, mas tirou da no do marido o bocado da casca para usar daquelle fingi- mento e ela declarante no perceber alguma cousa de a no ver tomar da mesma belan- cia (sic) que o marido comia. Disse mais que hoje que quinta-feira, faz oito dias, via ella declarante que a dita sua senhora Lourena Coutinho e a irm d'esta Isabel Cardosa ambas se lavavam no dito dia de quinta-feira pela manh e os ditos Antonio Jos e sua mulher Leonor Maria o fizeram, na sexta-feira antes de jantar, tendo j ela declarante esfregado algumas casas no dia de quinta-feira e na sexta pela manh lavou e esfregou a camara onde dormem o dito Anto- nio Jos e sua mulher Leonor Maria sacudindo tambem as paredes, alimpando tudo muito bem por assim lho mandar a dita sua senhora no s nesta ocasio como em todas as mais em que elas faziam as ditas ceremonias e a dita Leonor Maria fez a sua cama s, sem que a chamasse para a ajudar, pondo-lhe roupa lavada, travesseiros lavados, e com aquele aceio que cabe na sua possibilidade e depois de feita, sendo ao sol posto, perto das A v e Marias se ps a chorar dizendo que lhe doia o corpo e que estava doente e ela declarante 186 EPISDIOS DRAM TlCOS percebeo que tudo nela era fingimento e mali- da porque de repente que comeou a dizer que estava molestada e no pode ela decla- rante dizer se no dito dia de sexta-feira levou a dita Leonor Maria- porquanto o dito Antonio Jos, seu marido, no quiz consentir que ela declarante entrasse na dita camara depois que a dita Leonor Maria se deitou, mas ao dito An- tonio Jos deu ella declarante um prato com salada e ovos que no sabe nem pode depr se elle os comeu ou no, mas o que sabe que no dia seguint.:, que era sabado, vestidos todos quatro com camisas lavadas e a dita Leonor e seu marido com elas novas, estiveram todo o dia sem comer, nem beber, e a dita Leonor Maria lhe disse a ella declarante que nunca Deus faltava porque j tinham que cear, pois sua irm, Paschoa dos Rios, lhe tinha mandado peixe frito, e um covilhete de abobora, o qual peixe frito que eram lingua- dos, ela j tinha vi,sto em um alma;- rio s escondidas dos ditos seus senhores, porm em jantar lhe no falaram, nem ela fez para si mais que uma posta de bacalho e um pouco de arroz com mantiga que, suposto o dito Antonio Jos lhe pedia de camer para S!Ja me, tudo era afectado porque nenhum d'eles o comeu e posto que disseram que estava o melhor arroz que ela nunca tinha feito no era possvel que no tempo em que tiraram um pouco de arroz para o prato, pas- sado menos de um credo, lhe tornaram a tra- zer o prato sem arroz e ento que lho gabavam muito. Disse mais que muitas vezes deixam de ir missa assim a dita sua senhora, a irm DA INQUISIO PORTUGUESA 187 d'esta, filho e nora, regularmente esto com boa saude em todos os dias da semana at o sabado, mas chegado este dia se fazem doen- tes assim para se absterem de trabalho, como para no irem ao Domingo missa e s quando sucede prender-se alguma pessoa pelo Santo Oficio que lhe desperta a devoo de a ouvirem e pela semana santa na quinta- feira maior, sexta-feira de paixo e sabado, em nenhum d'estes dias vo Igreja pelo que ela declarante tinha assentado que as ditas pessoas de casa, excepto o dito Baltasar Rodri;- gues e sua mulher Antonio Theodora porque vivem catholicamente os mais vivem como herejes apartados da f sem emenda, porque de serem presos, como depois de sahir rem, viveram na mesma forma ... Dois dias depois era pela terceira vez presa Lourena Coutinha e assim ficavam os tres sob as garras dos juizes dos Estus que, contra eles no teriam muito ba vontade, pois bem os podiam considerar como relapsos. Ao depoimento da escrava acresceu o da ama do filhinho de Antonio Jos da Silva. Eis pois, ipsis verbis o depoimento de Maria Thereza, engeitada, solteira, natural de Lisba, moradra no recolhimento do c::mde de S. Loureno : Aos 30 dias do ms de outubro de 1737 ... disse que esteve em casa de Andre Mendes da Si1lva, -christo novo, administrador d::> contrato do pao da madeira, casado com Paschoa dos Rios, moradores nesta de Lisba s Fon- tainhas, d'onde se mudaram para a calada de Santa (sic) e ela declarante na companhia dos mesmos por lhe estar dando de mamar a uma 188 EPISDIOS DRAMTICOS sua filha, chamada Ins, e ao mesmo tempo outra, que era sobrinha, d adi.ta Paschoa dos Rios e filha de Leonor Maria, sua irm, ca. .. sada com Antonio Jos da S:tva e, estando na dita casa por tempo de 8 mezes com pouca diferena, se retirou para a da dita Leonor Maria, por causa da dita Paschoa dos Rios se enfadar com ella declarante e, no decurso de todo este tempo, no vio em casa dos ditos Andr Mendes da Silva e Paschoa dos Rios cousa ou ao em que pudsse fazer reparo algum porque sendo christos novos vi.viam acau- telados e nunca d'ela se poderiam fiar em cousa alguma, mas via que a dita Paschoa dos Rios regularmente se vestia com aceio e muitas vezes sahia para fra d-.! casa, indo umas vezes para casa de uma Brites Henriques, moradra no e outras para a de uma filha .da mesma Brites Henriques, chamada Catarina lna- cia, casada com Filipe de Mesquita, escrevente e em outras para casa de Antonio Froes, im1o da mesm:(l! e para o bairro alto a casa de Anto- nia de Miranda e .para todas estas partes cos- tumava ir comumente nos dias de semana e em muitos dTeles ia de manh e sempre com os melhores vestidos que tinha, lavando"se muitas vezes nas vesperas dos dias de maior enfeite em todo o corpo e nos sabados o faziam da mesma sorte todos os de casa, a saber a dita Pascho,a dos Rios e seu marido Andr Mendes, como tambem em casa de Ant.o Jos como logo referir. E advertio ela decla- rante sendo uma das cousas em que faz maior escrupulo que a dita Paschoa dos Rios deixasse em muitos Domingos e dias santos de ir missa e sahir fra nas tardes dos mesmos DA INQUISIO PORTUGUESA 189 dias e que tambem sabe um tanto em casa da mesma Paschoa dos Rios como na de sua irm Leonor M.a se esfregavam as casas na 6.a-feira tarde e se varriam e espanejavam no sabado pela manh ... PEQUENA CONDENAO DA ME E DA ESPOSA DO JUDEU. - A ME I: ATORMENTADA E A MULHER DECLARA A SUA GENEA- LOGIA E INVENTARIO Lourena Coutinho, ao tempo d'esta sua terceira priso, era j viuva. Poupra a Pro- videncia, a israelita j se v, a seu marido o assistir a to lancinantes transes quaes eram as prises de pessas to chegadas de famlia e, acima de tudo, a morte infamante na fogueira do fi'lho cuja carreira de advogad:o havia tambem segui:do. Prsa pelo crime de relapsia foram, como vimos j, suas principaes denunciantes a escrava Leonr e Maria Thereza, ama de seu neto. Quasi dois anos esteve no carcere sem lhe fazerem diligencia alguma at que, a 28 de setembro de 1739, foi a tormento: Foy assentada no banco ... e sendo prin- cipiada a atar lhe foy logo dado o tormento a que estava julgada e gritava que tivessem d'ella misericordia pelas chagas de Christo e pela Virgem Senhora Nossa em que se gasta- ria menos de meyo quarto de hora. foi afinal condenada a carcere a arbtrio e publicada a sua sentena no auto da f ;na igreja do convento de S. Domingos, de 18 190 EPISDIOS DRAMTICOS de outubro de 1739, na presena de D. Joo V e dos infantes D. Francisco e D. Antonio. Bem semelhante foi a sorte de sua nra Leonor Maria Carvalho. No seu processo porm se encontram va- rias curiosidades como o inventario da casa do Judeu, que em nenhum dos outros se v e bem assim a explicao de varios enrdos e intrigas. Eis pois o inventario dos moveis da casa, segundo as suas proprias declaraes. Primeiramente a livraria do seu marido, tambem pertencente aos dois cunhados, Bal tasar Rodrigues Coutinho e Andr Mendes da Silva, livraria que pena no conhecermos nos seus numerosos volumes de Ordenaes, de Direito e nas suas apostilas e comentados. Como revestimento da casa: seis cadeiras forradas, tres buftes d;! madeira do Brasil; uma caixa de po avermelhado que lhe custou dezaseis tostes; dois bahs de moscovia; um leito cuja madeira ignora; uma msa de pinho redonda pntada; uma caixa de pinho e um caixote; um banco, e duas msas tudo de pinho; um cofre da India pintado de charo preto e um taboleiro do mesmo charo. Nas pardes veremos dez paineis de paiza- gens e tres 1 lami.n,as, uma das quaes de N. S. da Graa avaliada em cinco moedas d'ouro. Na cosi- nha se enoontra um arme, uma chocola- teira de cobre, uma caldeirinha de aquentar agua tambem de cobre, dois candeeiros de lato, um dos quaes custou dona da casa doze tostes e para comr oito pratos, duas pelanganas, tres sopeiras e uma chicara, daJS que servem para chocolate, com seu pires, tudo de loua da India. DA INQUISIO PORTUGUESA 191 De pratas havia pouca coisa: apenas seis lheres seis garfos que custaram doze tostes. Em oompensao as joias eram em- bora de puco valr: dois cordes de ouro., mi- dos; um rosicler do pescoo de ouro com seus diamantes que parece custou qualto moedas de ouro; um par de brincos orelha de ouro com seus diamantes custou tres moedas d'ou- r.o; dois pares de de cam:sa de ouro com seus rubins; um par de brincos de orelha de ouro co:n suas pedras verd.:s e um corao pe- quenino de ouro da sua filhinha. Tal era o recheio da casa do Judeu situada defronte da igreja de N. S. do Socrro. Leonor Maria de Carvalho teria ao tempo vinte e seis anos de edade e apezar de nova na sua vida contava j varias aventuras. De edade d..: dezaseis anos foi, na inquisio de Valhadolid; reconc'liada por culpas de judasmo. Esta inquisio tinha-a condenado a abjurao em frma dos seus erros, estando seis mezes na casa da penitencia e sofrendo depois oito anos de degrdo para Vilegodinho. Foi-lhe lida a sentena na igreja paroquial de S. Pedro, a 26 de janeiro de 1727. Vindo para Lisba, antes mesmo de casar, tivra relaes amorosas com Antonio Jos da Silva, haveria dois anos lhe nasceu uma filha e agora ahi estava novamente pejada e, em to adeantado estado, que no carcere da inqui- sio lhe nasceu esse fructo dos seus amres! Negou todas as acusaes e a ama Ma-. ria Thereza, novamente perguntada, em 21 de janeiro de 1739 disse, entre outras sas, que lh.e no vi o fazer cousa alguma que fosse contra nossa santa f calholica,. nem 192 EPISDIOS DRAMTICOS de que pudsse receber suspeita contra ela etc. Depois de lhe lerem o primitivo depoi- mento acrescentou que declarava que a dita limpeza da casa se fazia no s .as sextas- feiras tarde e sabados pela manh, mas lambem nos outros das da semana tanto de tarde como de manh, confrme sucedia etc. As suas culpas iam-se pois atenuando e como confirmao o tormento nada deu tam- bem. Realisado em 10 de outubro de 1739, l.anada no ptr.o e comeada a atar, lhe foy dado todo o tormento a que estav.a ;utgada, em que se gastaria um quarto e meio e nele chamava por Jesus e N. Senhora da Penha de Frana. Condenada a carcere a arbtrio foi, como a sogra, ao auto celebrado na igreja do con- vento de S. Domingos, a 18 de outubro de 1739, mas, passados poucos dias, a "2.7 de outu.-. bro, era slta, com obrigao de se confessar neste primeiro anv quatro vezes pelas princi- paes festas. Coitada, estava viuva, pois no mesmo ano, como vermos, lhe queimaram o marido. O PROCESSO DE ANTONIO JOSE. - A DENUN- CIA DA ESCRAVA LEONOR. - POUCO VALOR DO SEU DEPOI,MENTO. - PRA- TICA ANTONIO JOSE JEJUNS JUDAICOS NA PRISO. - PRINCIPALMENTE ESTES LEVAM-NO FOGUEIRA j vimos que a escrava Leonr Gomes, reservada pelos inquisidores no carcere para DA INQUISIO PORTUGUESA 193 indagaes, denunciou os trs. Eis o que se l no processo de Antonio Jos da Silva: Hoje que he quinta feyra faz oito dias vio ella declarante que a dita sua senhora Lou- . rena Coutinho e a irm desta Isabel Car- doso ambas se lavaro no dito dia de quinta feyra pella manh e o filho desta dita Lou- rena Coutinho, chamado Antonio Jos, e sua mulher Leonor Maria o fizero na sexta feyra antes de jantar, j ella declarante esfre- gado algumas casas no dito dia de quinta feyra, e no dia sexta feyra pella manh lavou e esfregou a camara onde dormem os ditos Antonio Jos e sua mulher Leonor Ma- ria, sacudindo tambem as paredes e alimpando tudo muyto bem por assim lho mandar a dita sua senhora no s nesta ccasio como em todas as mais em que ellas faziam as ditas ceremonias e a dita Leoner Maria fes a sua cama s, sem que a chamasse para a ajudar, pondo-lhe roupa lavada com aquelle meyo que cabe na sua possibilidade e depois de feyta sendo ao sol posto, perto das Ave Marias, se poz a chorar, dizendo que lhe dohia o corpo e que estava doente, e ella declarante percebeo que tudo nella era fingimento e malcia, porque de repente he que comeou a dizer que estava molestada, e no ella declarante dizer se no dito dia de 6.a feyra ceou a dita Leonor Maria, porquanto o dito Ant.o Jos, seu marido, no quiz consentir que ella declarante entrasse na dita camara, depois que a dita Leonor Maria se deitou, mas ao dito Antonio Jos deu ella declarante um prato com salada e ovos, que no sabe, nem pode depr se elle os c;omeo ou no; mas o que sabe que no 13 194 EPISDIOS DRAMA TICOS dia seguinte, que era sabado, vestidos todos quatro com camizas lavadas e a dita Leonor e seu marido com ellas novas, estiveram todo o dia sem comer nem beber e a dita Leonor Maria lhe disse a ella declarante que nunca Deos faltava porque j tinham que cear, porque sua irm Paschoa dos Rios, lhe tinha man- dado peixe frito, ero lingoados, ella decla- rante j tinha visto em hum armario, s escon- didas dos ditos seus senhores, porem em jantar lhe no fallaram nem ella fez para si mais que huma posta de bacalho e um pouco de arroz, que, supposto o dito Antonio Jos lhe pedia de comer para sua me, tudo era afectado, porque nenhum delles o comeo e posto que disseram que estava o melhor arroz que ella nunca tinha feito, no era possivel que no tempo, em que tiraram um pouco de arroz para o prato, passado . menos de um credo, lhe tornaram a traur o prato sem arroz e ento que lho gabaram muito. Disse mais que muitas vezes deixavam de ir mi,ssa, assim a dita sua senhora e irm d'esta, filho e nora, e regularmente esto com boa saude em todos os dias da semana at o sabado, mas chegando este dia se fazem doentes, assim para absterem do trabalho, como para no irem no Domingo missa e s quando prender-se alguma pessoa pelo Santo Oficio que lhe desperta a devo- o de a ouvirem; e pela semana sancta, na quinta-feira maior, sexta -feira de paixo e sabado em nenhuns d'estes dias vo igreja pelo que ela declarante tinha assentado que as ditas pessoas de casa, exceto o dito Baltasar Rodrigues e sua mulher Antonia Theodora, por- DA INQUISIO PORTUGUESA 195 que vivem catholicamente, os mais vivem como hereges apartados da f e sem emenda, porque antes de serem prsos, como depois de sahirem, viveram sempre na mesma fnna ... Mas que credito, que autoridade tinha a escrava Leonr, cujo depoimento, apenas ver- bal, motivra as prises dos tres desgraados, embora no a condenao de Antonio Jos da Silva? Assim d'ela se defendia Leonor Maria de Carvalho: Era pessa de muito mo genio e pessi- mos costumes e andava amancebada com um preto, que dizia ser escravo do Provedor da moeda, e lhe dava entrada em casa de dia e de noite, aparecendo-lhe nas janelas e man- dando-lhe recados e escritos; e, porque a r e . sua sogra, que viviam em a mesma escada, ainda que em quartos distintos, a repreendiam e castigavam pelos ditos desatinos, de nenhuma sorte se emendava, antes cada vez fazia pior e lhes dava muito ms respostas, faltando-lhes obediencia e respeito e fazendo muitas gritarias com que amotivava a visinhana, dizendo que no queria estar naquela casa, que tratassem de a vender e falando a algumas pessoas para que lhe buscassem comprador e se no que havia de fugir para casar com o dito prto e, por no querer a sogra da r vend-la, nem consentir no dito casamento e fazer as diligencias e cautelas para impedir a dita communicao com o dito prto, lhes tomou a todos grande odio. De alcoviteira lhe servia uma D. Antonia, visinha de Antonio Jos da Silva, que escrevia bilhtes da escrava para o prto! 196 EPISDIOS DRAMTICOS Contra a escrava Leonr apresentou con- traditas Antonio Jos da Silva, alegando a inimizade contra ele da ama de leite de sua filhinha e da escrava de sua me. Esta vivia amancebada com um preto e aquela servia-lhe de capa. Por esse motivo Antonio Jos a repre- hendeu e castigou muitas vezes e a escrava respondia-lhe muito mal, bradando que no que- ria estar na dila casa, que tratassepz de a vender. Era vulgar chamar-lhes judeus e por isso a ama a induziu a vir denunci-los ao Santo Oficio. Confirmaram na verdade as testemunhas as differenas entre Antonio Jos e as dua.s contraditadas. Afirmaram que a escrava lhes chamava cachorros e judeus e dizia que lhes havia de pr o fogo casa. Certa testemunha declarou mesmo: A ama de leite aconselhou a dita escrava que levantasse falsos testemunhos ao Ru e a toda a gente da casa, porque assim se veria frra para casar com um prto, com quem tinha trato, dizendo a preta tambem por muitas vezes, quando a castigavam, que havia de vir ao Santo Oficio e levantar a si mesma um testemunho falso de ser feiticeira s a fim de se vr livre do cativeiro d'aquela casa. E taro- bem dizia, quando a castigavam, que ela no tinha feito cousa alguma contra a f, havendo continamente motins em casa por conta da desenvoltura da dita prta e ama de leite. Decididamente a escrava Leonr no mere- cia credito algum. Isso msmo reconheceriam os inquisidres, pois, tendo-a tanto tempo prsa, no procuraram a ratificao do seu depoi- mento e, um pouco mysteriosamente, em 11 DA INQUISIO PORTUGUESA 197 de maio de 1738, falecia Leonr Gomes, mulher preta que se achava em um dos car- ceres da mesma penitencia. J no fazia falta aos inquisidres, pois contra Antonio j0s as provas eram sobejas e os testemunhos multi- plicavam-se, desde os espies do Santo Oficio, at os seus proprios companheiros de carcere. No fez falta pois e at faria conta o seu desaparecimento. A Inquisio tinha processos de investiga- o que no passavam pela cabea dos rus. E, quando eles se supunham a ss, ahi: estava o alcaide do carcere e por fim os pro- prios familiares a vigia-lo atentamente. Tal aconteceu com Antonio Jos da Silva. O familiar Maximiliano Gomes foi encar- regado de o espionar em 10 de abril de 1738 e ele mesmo nos dir o que vio e- que, como natural, desperta muito a nossa curiosidade. De manh cedo subio o bom do familiar a uma das vigias e vio um prso na cama, da qual se levantou seriam seis horas, sem se benzer, e logo chegou o alcaide e lhe deu os bons dias, que ele aceitou, e se foi deitar sobre a cama, depois de lavar as mos e de dar alguns passeios; depois que o carcere esteve claro, vio elle testemunha ser o dito preso, rrvagro, alvo, de medianfl estatura, cablo curto, castanlto escuro, vsfitCl p!Irda, roupo azu- lado, e forrado de encarnado. Sentindo o d[to prso assas, levantou-se e aceito!J 2 pes que llze deu o guarda Antonio Franci':sco R.odrigus e os ps sobre a canastra ;unto tia qual estava uma palangana que tinha cousas de comer, e levando a mesma palangana para o canto do carcere, lanou a cousa que tinha de comer 198 EPISDIOS DRAMTICOS no vaso imundo e a foi por aos ps da cama e s.e tornou a deitar sobre a mesma e, no tempo em qa.q ele testemunha o vigtjou, se levantou mais 3 vezes e de cada vez passeava, andando sempre com as miios met'idas nas man- gas do roupo e bulindo com o.s beios, como quem resava, at que, sendo 10 horas e meia, lhe trouxe Jos Antunes, que servia de guarda, o jantar que aceitou o dito preso e foi logo lanar o caldo no vaso imundo, e guardou a carne na canastra da mesma palangana e lavando as mos se foi deitar sobre a cama, e sendo meio dia para I hora, estando o preso ainda deitado, foi rendido a vigia ... O familiar Antonio Gomes Esteves, que o continuou a vigiar, declarou: ... Vio-o deitado sobre a cama at as 2 horas e levantando-se passeou pelo carcere at as 3, com os olhos sempre no cho e as mos meiias nas do roupo, e, tor- nando para CIJUl . da cama, nella esteve deitado at as 4 horas e tornando a leV'antar-se se foi assentar sobre um tanho junto da porta do car- cere, a tempo que chegou o guarda AntonioFnn- cisco Rodrigues com um ce.sto; levantou-se o dito preso e, em um pano, recebeu /8 laran;as e as ps junto a uns ovos que tinha junto canas- tra e, voltando para o canto do c.arcere, pre- parou a candeia e encheu 2 pucaros de agua, um dos quaes ps junto caJiastra e com agua do outro lavou. as mos; depois do que se tornou a deitar sobre a cama aonde esteve at as Ave Marias e entzo se ps de rezou, e benzea-s.e e levantando-se passeou pelo carcere at qa.e lhe demm luz: e, sendo 7 hr;ras e meia, chegou porta do carcere e, vol- DA INQUISIO PORTUGUESA 199 tando para dentro, senfou-s.e sobre o tanlw e pondo a mesa sobre a canastra da qual tirou po, manteiga e queijo e, acabando de comer, deu graas e benzeu-se e foi fazer a cama, no qual tempo se retirou ele testemunha da vigia ... Tal foi o t.o jejum judaico que Ant.o Jos da Silva realisou no carcere. SEGUNDO JEJUM Em 14 de abril de 1738 pelas 5 e meia da manh tambem o familiar Pedro da Silva de Andrade vio a hum preso sentado sobre a cama, calando os sapatos e com hum roupo de baeta azul forrado de encarnado e, depois de calado, se tornou a deitar sobre a cama, sem fazer ao alguma de catolico, e sendo 6 horas, com pouca diferena, veio o alcaide abrir-lhe a porta para lhe dar os bons dias, o que o dito preso fo-i receber, e se tornou a deitar sobre a cama, e ento vio ele teste- munha que o dito preso era de mediana esta- tura, cablo curto, castanho-escuro, de feies e cara meda e pouca barba. Levantou-se da cama e passeou pelo car- cere, o que fez por repetidas vezes, sem usar de contas, nem pegar em umas Horas, que estavam sobre uma canastra, no qual exerccio andou at horas de jantar e ento vieram os guardas e lhe trouxeram uma rao de carne, que o preso r.eceb&u em uma palangana e, vol- ianrfo para dentro, foi l7nfar o caldo no vaso imundo e ps a palangana com a rao da carne sob:ce um estrado, que esta11 aos ps 200 EPISDIOS DRAMTICOS da cama, e foi lavar as mos e, fei't'a esta deli- gencia, se foi deitar sobre a cama. Sendo meio dia para 1 hora chegaram outros dois fami- liares. Declarou ainda que o ru no doente e, se no gostasse do jantar, tinha no carcere ovos e laranjas para comer, o que demonstrava o seu jejum como usam os judeus. O familiar Domingos Carvalho, que veio para a vig:a do meio dia para uma, juntamente com outro familiar (eram 2 os vigilantes) depoz o seguinte: ... Vio o preso deitado sobre a cama, aonde esteve at depois das 3 horas, ento se levantou e ps-se a passear pelo carcere at as 4 horas, encheu dois pucaros de agua e poz um junto da cal/lastra e outro mais afastado, e, indo palang.ena, tirou a rao e carne, que nela eslava, e a lanou no vaso imundo; pegou em um dos pucaros, que linha com agua, e lanou p>::zrfe d'ella na palangana e com a outra lavou as mos e continuou a passear, acabado o passeio pegou em umas Horas, que eslav.am sobr.g a canastra, nas quaes no leu e foi-se deitar sobre a cama aonde esteve at s 6 horas e levantando-se passeou at s 7, sempre com as mos metidas nas mangas do roupo, neste tempo lhe vieram dar luz e as boas noutes a que o preso respondeu e d'ahi a pouco deram as Ave Marias, no qual tempo o R. ajoelhou, em que fez pouca demora, e benzeu-se apressadamente, continuou depois a passear para a porta do carcere, aonde fazia algumas paradas; acabado o passeio tirou da canastra um em que tinha alguns pedaos de piio, e uma palangana em que tinha manteiga e queijo branco, que DA INQUISIO PORTUGUESA 201 comeu com po, e depois c.om a manteiga tirou passas da canastra, que comeu, e lambem dce e bebeu o pucaro de agua, que tinha junto d(l canastra; acabando de cear recolheu o restante dentro da mesma canastra sem dar graas a Deus e continuou a passear. Seriam 8 horas pegou em um capote forrado de baeta encar- nada, estendeo-o no estrado e ali fez cama e apagou a candeia. Os outros dois vigias fizeram egual depoimento. TERCEIRO JEJUM Foi a 15 de abril de 1738. O familiar Ant.o Gomes Esteves depoz o seguinte: Pelas 5 horas d(l manh/ vi o a um preso, que se estava levantando da cama, o qual, depois de vestido, foi lavar as mos em urna bacia, que estava junto da canastr,z, e limpou-se em uma toalha e logo foi para a porta do carcere aonde ajoelhou e, demorando-se pouca tempo, bet}ou os ladrilhos e se ps a passear at s 6 horas e ento, por estar o carcere mais claro, vio elle testemunha que o dito preso era de mediana estatura, claro, magro, cablo curto e com um roupo azul forrado de encarnado. Chegou o alcaide a dar..Jhe os bons dias, a que o preso respondeu. Seriam 7 horas e meia abrio o dito preso a canastra e tirou uma palangana, com cousas de comer, as quaes lanou no vaso imundo e .lavando as mos se foi deitar sobre a cama, passado algum tempo levantou-se e passeou, o que fs por 202 EPISDIOS DRAMTICOS repetidas vezes, e finalmente pegou em a palangana e ps nela dois ovos, que tirou de entre outros que tinha no cho e laranjas e ira .. zendo-lhe o guarda Ant.o Francisco Rodrigues o jantar, o preso o recebeu e l/te deu os 2 ovos, que tinha na palangana, e logo foi lanar o caldo da rao tzo vaso imundo e ps sobre o estrado a palangana com a carne e lavando as mos se foi deitar sobre a cama. O familiar Francisco dos Reis Campos en- trou de vigia com outro do meio dia para a 1 hora e depoz o seguinte: Vio o preso deitado sobre a cama, aonde esteve at 1 hora e ento se levantou e passeou . pelo carcere at s 2 o que js repetidas vezes at as quatro e sempre com as mos metidas nas mangas do roupo e ento chegou grade e, pela fresta do carcere, olhou para o co em que se demorou algum espao de tempo, posto de joelhos com alguma elevao para o ar. Levantou-se .e, pegalldo em uma pucara, a encheu de agua e a foi pr junto da cana.stra e voltando para onde estava a palangana a levou para o canto do carcere e tirou d'ela a carne, que fs em bocadinhos, e os lanou no vaso imundo como lambem a agua, que tinha em uma bacia, e lavando esta a ps com o fundo para cimll e sobre ela o candeeiro no qual deitou azeite, lavou as mos com a agua que tinha em a pucara e limpando-as se foi deitar sobre a cama aonde esteve at as 5 horas e ento se levantou e passeou at as 6 e meia e tornando-se a deitar no se levantou seno quando sentio vinha o alcaide dar-lhe luz, a qual j'oi receber em uma DA INQUISIO PORTUGUESA 203 torcida e com ela acendeu o candeetro e dando uns passeios ouvio tocar s Ave-Marias e se ps de joelhos junto da cama, levantou as mos e logo as meteu nas mangas do roupo e esteve de joelhos o tempo em que se podiam rezar tres Ave-Marias e no fim se benzeu apressadamente. Trouxeram-lhe 2 ovos que o p r ~ s o re- cebeu e continuou a passear, andando nesse exerczao, parou porta do carcere e enten- de ele testemunha que o prso fs . deli- gencia para ver a estrela, o que no poade divisar por estar distante da vigia, e ali se deteve at que foi noute e voltando para dentro lavou as mos e as limpou em uma toalha e estendeu um guardanapo sobre a canastra da qual tirou p/ia, queijo e passas que comeu .e os ovos que lhe tinham dado, o que tudo comeu como quem tinha boa vontade e depois bebeu agua; acabada a ceia levantou a msa e meteu na canastra o guarda'napo com o que restou da ceia e depois voltou-se para a cama, e ao p d'ela esteve em p e porque estava com as costas pa.r.a a vigia, no poude ver o que ele azia, finalmente continuou no passeio at s oito horas em que se retirou. A estes seguiram-se ainda quarto e quinto jejum, a 16 e 17 de abril de 1738. Mas no foram s os espies de profisso, que o vieram denunciar; tambem dois com- panheiros de carcere do infeliz hebreu lhe vieram sobrecarregar a culpa: Jos Luiz de Azevdo, em 10 de junho de 1738, veio acus- lo por lhe dizer que cria na lei de Moyss e por praticar jejuns judaicos e Bento Pereira, 204 EPISDIOS DRAMTICOS segundo parece acintosamente, acusou-o de factos que hoje se nos antolham perfeita- mente inverosmeis, como: nunca reza; ri-se quando falam em Jesus; ajoelha s Ave-Marias mas no reza e para o iludir finge que come mas nunca o v mastigar em certos dias; reco- mendou-lhe que no rezasse o rosa rio; decla- rou-lhe que vivia na lei de Moyss; e at che- gara a cuspir numas imagens que estavam no carcere! Tinha a carga toda. no) havia duvida. Antes porm de o vermos condenado pena ultima vejamos as suas d'Cclaraes quanto ao inventario de sua casa que sua mulher alis j tinha confessado. Em 22 de outubro de 1737 havia sido esse interrogatorio. Declarou pois no ter bens alguns de raiz e smente uma livraria, um bufte de p o santo com tres gavtas; seis tambortes torneados; um leito de p o do Maranho cha- mado rabuge; um bah de couro e uma arca de pu; camisas, toalhas de mo e de msa; seis colheres e seis garfos de prata; dois cor- des d'ouro de sua mulher; um pingente de diamantes de sua mulher, que lhe tinha custado tres moedas e meia d'ouro; uns brincos de diamantes de sua mulher cujo custo fram duas moedas d'ouro; dois pares de botes d'ouro com rubins de sua mulher; um tacho e um candeeiro j velho. Foi finalmente sentenceado Antonio Jos da Silva. Em 11 de maro de 1739, teria ele ento trinta e quatro anos de edade, vio a inqui- sio de Lisba , o seu processo parecendo- I. DA INQUISIO PORTUGUESA
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... ,:_, .. ... f ;I )' / 205 Um condenado morte pela Inquisio- gravura ex- trahida do livro Coutumes et crmonies rligienses de tous les peuples du monde. Encontra-se fambt'm na Hiswria das inqusies de Portugal irnprssa 1821. 206 EPISDIOS DRAMTICOS lhe convicto no crime de relapsia por que foi preso e acusado, porquanto ainda que se no haja de fazer caso da primeira teste- munha da justia, Leonor Gqmes, escrava.,, assim pela sua qualidade como por no estar repetida por ser morta, e o Ru a conlradict.ar e provar a contradicta, sempre tinha cinco jejuns feitos dentro dos carceres e prova- dos etc. Em 16 de Outubro foi-lhe notificada a sentena, de mos atadas e no auto de 18 de outubro de 1739 foi relaxado justia secular. No mesmo saihram, como vimos, sua me e mulher. Dar-lhe-hiam ocasio a d'ellas se des- pedir? E que palavras trocariam ou que olha- res? ... CAMILLO DOS TRES PROCESSOS SO CONHECEU FRAGMENTOS DO PROCESSO CONTRA O JUDEU. - COMO A SUA PODEROSA IMAGINAO SUPRIO ESSE CONHECI- MENTO. - REFLEXO DO POUCO QUE AO TEMPO SE CONHECIA DA ORGANI- SAO INQUISITORIAL. Do romance de Camilo Castelo Branco temos presente a l.a edio da Travessa da Queimada, 35. As suas paginas por isso fare- mos referencia. E, antes de mais nada, seja-nos permitida a transcrio do seguinte trecho de Camilo ( 1 ): (1) O Judeu, I polume, pag. 143. DA INQUISIO PORTUGUESA 207 Quem denunciou. a famlia dos Silvas, e que motivo dra Lourena Coutinho para ser especialmente acusada de hebrasmo? No o dizem os muitos biografos franrses, italianos, brasileiros e portuguses, que teem comemo- rado os infortunios d'aquela familia. Nem Bar- bosa, na Bibliotheca Lusitana, nem Sismondi na Littrature du midi de l'Europe, nem Ferdi- nand Denis, nem Joo Manuel Pereira da Silva no Plutarcho brasileiro, nem Varnhagen, nem Jos Maria da Costa e Silva, nem Vegezzi Ruscalla na biografia d'/l Oiudeo Portughese1>. D'uma frma terminante encontra essa e x ~ plicao quem ler as paginas precedentes. Ao contrario do que pensou e escreveu Camillo (1) no houve depoimentos no Brazil contra Lourena Coutinho, embora fsse presa pouco depois de ppr o p na metropole. Como Camilo se engana quando escreve: As esperanas dos protectores de Lou- rena Coutinho, no obstante os bons servios do promotor do santo offido, ficaram bastante quem do que se lhes antolhra. A presa estava de antemo absolvida, sem confisso, sem interrogatorio, sem tortura; mas era for oso que sasse reconciliad.:t para no haver quebra nas praxes inquisitoriaes; e, como reconciliada, smente em auto de f podia sahir. Felizmente para ella, naquelle anno cele brou-se ainda o santo espectaculo em julho, e no, como era costume, em outubro, no primeiro domingo do advento. Aos nove de julho, pois, saiu Lourena da egreja de S. (1) O Judeu, I volume, pag. 147 e 156. 208 EPISDIOS DR.AM TICOS Domingos, onde entrou sem habito, e foi, rece- bida a penitencia da imposio do inquisidr, entregue ao familiar Diogo de Barros ( 1 ). O grande romancista refere-se evidente- mente primeira condenao de Lourena Coutinho mas, mesmo sendo assim, s exacto o dia do auto da f, provavelmente bebido nalguma das numerosas copias de listas dos autos profusamente espalhadas no seculo XVIII. Ao procedimento da Inquisio contra a mulher de Antonio Jos mal se refere; em compensao faz larga referencia ao que com este se passou. Transcrevmos: processo d 1 Antonio Jos da Silva est no arquivo nacional da Torre do Tombo: para alli foi nos cartorios das inquisies em 1821. Alguns curiosos possuem copia do processo; eu no a vi, nem estou ao alcance de poder ainda consultar as peas principaes, que mere- ciam a publicidade, usurpada por ferragens inutilissimas que pejam as livrarias. Costa e Silva viu o processo, ou o principal d'elle; todavia, um sujeito que se presava de ser futilmente prolixo em numerosas paginas a proposito de nada, foi mais que omisso na biographia importantissima de to assignalado escriptor, e desasisado nalguns dos esclareci- mentos que levianamente d. Outro biblio- grapho de maior tmo, o sr. lnnocencio Fran- cisco da Silva, no obstante a breve e succinta noticia com que antecede a relao das operas do judeu, cuida em corrigir de passagem os graves frros de seus antecessores, e restaura (1) O Judeu, I volume, pag. 157. DA INQUISIO PORTUGUESA 209 lucidamente a verdade d'alguns essencialissi- mos factos. Como quer que seja, pelo que respeita ao processo, judicioso atermo-nos ao que estivr escripto por pessoa que o haja examinado. Nesta parte, irei trasladando o pouco de Costa e Silva ( 1 ). E, arrimado a tal bordo, Camillo cura por informaes. Confunde lamentavelmente as duas prises de Antonio Jos e da segunda priso oculta os curiosos depoimentos dos espies que nos pe ao facto do pasado adentro do lugubre carcere. Camilo fazia teno de examinar os processos. Ele mesmo n-lo diz: No posso conjeturar quando Lourena Coutinho fsse presa alm da segunda vez nos carceres de Lisba. Os biographos no o do levemente a perceber; e a nota da lista, se ella terceira vez entrasse na inquisio, mencionaria o segundo auto da f em que ella houvesse sahido reconciliada por culpas de judasmo. Quer-me parecer, se no ha des- cuido no traslado, que lhe ser con- tada como primeira priso nos carceres do Rio de Janeiro, d'onde foi remettida para Lisboa. Onde limpamente se pode esclarecer esta duvida na leitura do processo, o qual fao ten,o de brevemente examinar (2). Tudo agora se fica pois sabendo com o estudo que apresentmos dos tres processos to intimamente ligados. Camillo, que muito se serve do livro imprsso em 1688 Relation de l'lnquisition de (1) O Judeu, vol. II, pag. 212. ( ~ ) O Judeu, vol. II, pag. 59. li 14 210 EPISDIOS DRAMTICOS Goa, de Delon claudica em pontos internos da organisao inquisitorial como ao dizer ( 1 ) que a misso do qualificadr do Santo Oficio era qualificar e avaliar as culpas dos christos novos, hereges e feiticeiros, quando era classi- ficar e censurar as produes !iterarias e mesmo as proposies que ao seu criterio fos- sem submetidas. . Comprehende-se bem que Camillo clau- dicasse neste ponto pois s depois da publi- cao dos nossos trabalhos sobre a lnqus!o portugusa a organisao do Santo Oficio tem ficado suficientemente esclarecida. NO ROMANCE, O OLHO DE VIDRO: MANOEL FERNANDES VILA REAL E HEITOR DIAS DA PAZ. No nos ocuparemos detidamente do pri- meiro dos condenados cujo nome encima este capitulo. O processo de Vila Real j foi minu- ciosamente estudado pelo falecido academico e conservador da Torre do Tombo, Jos Ramos Coelho, no Ocidente. Mas veremos como a Inquisio procedeu com ,Heitor Dias da Paz, a quem Camillo consagra egualmente bastantes paginas do pri- meiro volume dos Narcoticos, ligando-o a Ferno da Paz e Duarte da Paz, hebreus celebres. , ' Heitor Dias da Paz deu entrada no carcere da inquisio de Lisba a 23 de agsto de (1) (} Judeu, vol. II, pag. 224, nota . 1. DA INQUISIO PORTUGUESA 211 1703, prso pelo familiar D. Felipe de Sousa( 1 ). Mais uma vez se nota, nesta primeira metade do s,eculo XVIII, lO zlo, o ardor, com que os' grandes fidalgos se prestam ao odioso mistr de prender christos novos. Era decididamente um sport aristocratico. Acusado de judaismo, Heitor Dias, alto, magro, com os olhos azues pequenos e barba ruiva, estava ao tempo na flr da edade. Con- tava smente vinte e sete anos e, sendo natu- ral de Lisba, viajara j por Beja, Serpa Coimbra, no sahindo porm de Portugal. Estudante de medicina era, segundo parece, judeu at a medula dos ossos. Pelo menos d'isso o acusaram muitos ros e inclusivamente a propria me! A ps juntos negou as suas culpas e nessa negativa se manteve firmemente at sete de abril de 1704, audiencia em que comeou as suas confisses. Mas que confisses! Se a nega- tiva era terminante mais terminante o era ,agora a afirmativa. E to extraordinaria era tal revira- volta, to fanaticamente se apresentava como crente na lei moysaica, que a todos abysmav, Em 15 de maio de 1705 foi largamente gado pelo inquisidr Nuno da Cunha de Athayde, ao depois Inquisidr Geral. . Da acta d'essa audiencia consta que sistio na crena da lei de Moyss, esperando nela morrer, o que ,no considerava como culpa; mas, por motivo ignorado, no a assinou. Desconfiaram ento os inquisidores que no estava em seu juizo e detidamente o man- '' " (1) Inquisio de Lisboa, proc. n.o 9.776. ut I 12 EPISODIOS DRAMTICOS '8 - , .ira ' ' de t! Lu..ritanu,.r,Bpi.tcoptu Tar, _qm.ru Gmual mLtullam.a Inquuuor J'. R. E. Pre.rb:J: ler Cardmali.r creatJu . .rs:''.l).]l. CLEMENTE PAPA XI. V, Cmi.rtorJ repreto lu:hito po1t J'emipuUi.cu:n- in .Auta IJucali Palatjj Vatu:l'll'li die 18 .Af"!I'Jn 4,1_.-J c ' , - - Retrato do lnqusidr Geral Nuno 1 da Cunha de Athay- de segundo tuna gravura da epocha. Teve larga in- terveno no processo Heitor Dias da Paz. ( I daram examinar. O alcaide dos cerceres tos, que com ele directamente privava, dizia-o louco a fingir e que,. vista de todos praticava DA INQUISIO PORTUGUESA 213 JeJuns e outros ados da religio moysaica. Examinado pelos medicos tambem como tal o no consideraram e para acalmar os nrvos receitaram-lhe ... uma sangria. vista de taes opinies enveredaram os inquisidores para outro caminho e escolheram pessoas doutas para o catequisarem na religio christ. Mas ele to fanatico era, to ferrenho e agarrado s suas ideias sempre na lei de Moyss, defendendo-a. q Crena, fanatismo? Em todo ot..caso fir- meza nas suas convies israelitas. To grande que o levaram fogueira aureolado porventura com a gloria de martyr da religio judaica. Condenado pena ultima, em 29 de agsto de 1706, foi admoestado pela ultima vez bem inutilmente para ver se ainda se convertia f catolica. Em dez de setembro foi afinal notificado para ir ao auto da f, no Domingo seguinte e ouvir ler a sentena pela qual era relaxado justia secular e logo pelo guarda lhe fo'ro atadas as mos. NO: ROMANCE CAVAR EM RUINAS: O FORRA- GAITAS - PROCESSO DE ATROZ INSIDIA j n n Teremos de remontar cincoenta anos atrs pra encontrar a inquisio de Lisba num periodo de intensa actividade sectarista. Noutro capitulo largamente nos referiremos ao peixe grande cahido por esse tempo nas malhas da rde inquisitorial, especialmente o abastado banqueiro e capitalista Duarte da Silva. A ele estava intimamente ligado o nosso Fran- cisco Gomes Henriques, tambem comerciante 214 EPISDIOS DRAMTICOS e banqueiro, mais conhecido pela alcunha do Forra-gaitas e d'este smente agora nos ocupa- paremos. Bem o merece; pois, embora no esti- vsse ligado a Camillo, to atroz, to perfido o proceder com ele da Inquisio que dificil- mente encontrmos caso com esse comparavel. Dir-se-hia que o Santo Oficio esgotou com o Forra-gaitas a sua perfidia e a sua ferocidade! juntar-lhe-hemos smente o estudo do processo movido contra o filho Gregorio Gomes Henriques (1). Ambos no mesmo dia, 4 de outubro de 1651, deram entrada no carcere inquisitorial e ambos acusados por Manoel Cordeiro de jura- rem falso no processo pda Inquisio movido a Duarte da Silva, inventando uma briga d'este com Domingos de Medeiros porta do Forra- gaitas, junto sua loja na Rua Nova. A essa mesma porta ele foi prso. , Conversava com o seu grande amigo Jero- nymo Nunes quando vio passar para baixo e para cima alguns familiares do Santo Oficio. - Que querero por aqui estes algozes? Jeronymo Nunes replicou-lhe que, para no estar sobresaltado, fugisse para Rma e nisto chegaram os familiares que lhe deitaram a mo sem ao menos o deixarem ir a sua casa! Francisco Gomes Henriques, baixo e grdo, como o descreve um amigo, tinha ento 66 anos de edade, morava ao Terreiro do Ximenes e era banqueiro em Lisba havia mais de quarenta anos. Filho do cirurgio Pero Gomes e de Filipa Henriques, com loja de (I) Inquisio de Lisboa, proc. ns. 10.794 e 1.309. DA INQUISIO PORTUGUESA 215 fancaria, restavam-lhe ento de sua mulher, Beatriz Mendes, os filhos seguintes: Violante Mendes, casada com Antonio Brando e mora- dra em Roma; Antonio Mendes Henr:ques, tambem moradr em RomaJ arcediago de Vzeu, secretario de S. Santidade e beneficiado em muitas partes, a quem deram o titulo de mon- senhor; Francisco Mendes, moradr em Li or- ne, agora em Roma com o irmo; Maria Hen- riques, casada com Estevo da Silveira Rosa, mercadr de B-.:!ja e tambem christo nvo. Fiado nas relaes de seu f:lho em R- ma, junto do pontfice, no ::ro de fidalgo que D. Joo IV lhe. outorgara e na promessa do habito de Christo, o Forra-gaitas se arrogantemente. Para mais o Promotor apenas requerera a sua priso por ter jurado falso; isto, segundo a jur:sprudencia inquisi- torial, era pouco e Francisco Gomes Henriques bem o sabia. Mas a cilada estava-lhe urdida por mo de mestre e nela havia de fatalmente cahir. Rodeavam-no espies sem tal lhe passar pela mente e as suas confidencias, os seus de_:aba- fos seriam hab:lmente apanhados e vilmente transmittidos, e at talvez acrescentados, mesa' do Santo Oficio. Em 22 de dezembro de 1651 vem pois denunci-lo Manoel Camacho de Barbuda e quem era esta testemunha? 1 Um pagem do Inquisidr Geral! Um pagem do Inquis:dr Geral,. que dos seus aposentos se fingio egualmente prso e soube puxar pela lngua ao desgraado forra gaitas. Eis as declara ;s d'este, se o Camacho, que para confrmadr improvisou um irmo 216 EPISDIOS DRAMTICOS egualmente pagem do Inquisidr Geral, no exagerou ou faltou verdade. Declarou-lhe pois o Ru que tinha um filho clerigo a quem El-Rei queria fazer bispo e a quem mandara a Roma negociar algumas pretenes dos christos novos e, na crte de Rma tinha tanta fora, que estava prestes a ser cardeal; de casa lhe mandaram uma cadeira e nela um escrito; mandara India uma no para fazer tornada, em servio d'El-Rei e por este servio estava prometido um bispado para um seu filho de muita autoridade e letras; no teve a sorte de fugir como Jeronymo Gomes e disse- lhe que j sabia fazer tinta com um pucaro de agua, chegando-o candeia e a pena havia de ser um po de alecrim pedido para defumar o carcere. Um dia perguntou a um dos Camachos se podia apresentar suspeies contra o inquisidr Belchior Dias Preto, seu inimigo e como em casa d'eles sentisse tanger viola e harpa o desgraado - suprma ingenuidade! - per- guntou como tinham podido introduzi-las no carcere. . Tudo isto era pouco e por isso, em 30 de janeiro de 1552, novamente o Camacho denun- ciava: dissra-lhe o ro que o melhor era negar e j no podia falar como d'antes porqu:Z lhe tinham feito um buraco no carcere, mas agora j l no iriam porque nele tinha p'sto uma clsa mal cheirosa ... e em 6 de fevereiro ainda o Camacho delatava Gomes Henriques afianar-lhe que havia de negar sempre, troava das ceremonias de quarta-feira de cinzas e comia galinha na quaresma. J era alguma coisa, mas ainda era pouco DA INQUISIO PORTUGUESA 217 e por isso lhe puzeram agora uma sentirila vista, como quem dissra lhe deram por com- panheiro de carcere um espio! Passam-se mezes e esse perfido com- panheiro fala. Assim, em 12 de novembro de 1652, vem declarar que o Forra.,gaitas tem as contas na mo em frma diferente da dos christos, parecendo fazer figas cruz; diz que os inquisidres prenderam Duarte da Silva para lhe apanharem o dinheiro; to grande amigo era d'ele que eram duas almas em um s corpo; de Leorne e d'outros pontos lhe escreviam contra a Inquisio; quando sahisse do carcere havia de ir para fra do reino; era irreverente com Christo; ameaava-o de que, se alguma coisa disssse, havia de o m a n ~ dar matar; embora lhe arrancassem a lngua no havia de confessar; sua vista cozeu no jubo um escrito para o filho com o seu nome, para o filho saber que era vivo e trabalhar pela sua liberdade. 1 Poucos dias depois, a 25 de novembro, voltava o mesmo Amaro Gonalves: dissra o Forra-gaitas que os inquisidores queriam prsos ricos para lhes comerem as fazendas; no o haviam de embaraar nos interrogato- rios porque sabia tanto como os inquisidres; embora lhe tirassem a lngua pelo toutio no lhe haviam de arrancar palavra; as confisses, havia de as fazer a Deus e no aos clerigos e era melhor no falar na cruz, nem em Christo. Ainda este desleal companheiro veio entre- gar mesa do Santo Oficio uns escritos de Gomes Henriques para seu filho por. ele, como se v, to bem confiados a Amaro Gonalves! Mas no melhor foi para o desgraado 218 EPISDIOS DRAMTICOS ru o seu novo companheiro, D. Jos Carreras. O testemunho do Gonalves era s por si juri- dicamente insuficiente e por isso procuraram novo delator e no podiam ser melhor sucedi- dos, como vae D. jose Carreras desempenhou-se altura da sua to nobre misso. Delatou confidencias, recebeu escritos que entregou, soube bem puxar-lhe pela lingua e at talvez lhe no faltasse inventiva para forjar conversas ou pelo menos exager-las. Eis as suas declaraes em 22 de abril 1653: .o Forra-gaitas cha- ma ces aos inqu:sidres e disse ao denun- ciante que El-Rei lhes tirara agora uma ba mama, isentando os judeus da pena do confisco e, se D. Joo IV no fra um rei bamba, t- los-hia mandado para Angola e Cabo Verde; costuma clamar: -Ladres, com que consciencia tivestes prso seis anos a Duarte da Silva e a um menino e uma menina de treze anos, filhos do mesmo, justia de Deus! Acrescentava: A casa da Inquisio casa de aflio e m ventura, onde as mentiras so verdades e as verdades, mentiras. A justia de Deus vir e o castigo no tardar. Tambem o ru lhe disse: que, por parte de Sebastio Cesar, nomado bispo de Coimbra se levara recado de Duarte da Silva que, se lhe desse 10 mil cruzados, sah:ria o dito seu- marido solto e "livre; a mulher de Duarte da Silva disse-o a.o ru e este aconselhou-a a no os dar porque o bispo de Coimbra s tratava de dinheiro e no podia fazer o que dizia. Tam- bem o ru disse: possiv.el que 3 clerigos (referindo-se aos inquisidres) tenham P'oder DA INQUISIO PORTUGUESA 219 de revolver nas barbas de um nl todo um reino, affrontando os homens de bem e honra- dos, e que El-R.ei o.s soflna! O ru contou test.a que, por occasio da priso do conde de Villa Franca, elle s;; encontra no Rodo com o conde capito e lhe dissera: Ns outros espe- ravamos que V. Senhorias fizessem alguma faco para que pudessemos mostrar o animo que todos temos de servir a V. Senhoria; ao que o conde respondeu que alguns souberam e outros o no souberam. Referindo-se ao inquisidr Joo de Vascon- cellos, chamou-lhe o ru, frad .. ~ , lairo, m alma que por uma testemunha smente depois de passados 34 amios prendeu uma parenta minha, -citando em lagar do lnquisidr Geral e ra fizesse estar 4 annos nestas miserias e cruel- dades que, por sahir d'ellas, confessou o que no fez e sahio samhenitada. Este frade, com sua IJeatido, foi o que primeiro deu voto para se prender Duarte da Silva, sendo o maior amigo que elle tinha e tendo-lhe gastado em comer e beber muita fazenda. O ru fiava-se muito nos filhos que tinha em Rma; teve Duarte da Silva fugido na sua casa; jurou falso no processo d' este; na occasio dos editaes da lnqo. contra Duarte da Silva, o ru o aconselhou a fugir mas Duarte da Silva disse-lh;; que fra fallar com j:I-Rei e este lhe ordenara que se viesse apresentar porque, dentro em 2 mezes, o faria pr na rua. Em 7 de maio de 1653 denunciou o ru de praticas judaicas; por dizer que os peni- tenciados da lnqu:sio eram martyres; os seus grandes amigos, Jeronymo Nunes Peres e Luiz 220 EPISDIOS DRAMTICOS Correia, muito haviam 'de fazer em seu au- xilio; () ru 'se correspondia com seu pri- mo Lopo Nunes, judeu publico de Hambur- go, queimado em esta tua nu.n auto da f; parecera-lhe que o .espreitavam por um bura- co da parede, mas elle tornara um rato pe- queno, e depois de morto, enchera-o de su- gidade e tapara com elle o buraco; os gu.ar.:.. das tiraram-no, mas .o buraco ficou sempre sujo; disse-lhe que sempre foi judeu e o h a-de ser; pedia testemunha para avisar seu filho Gregorio e seu genro Estevo da Silveira para fugirem. A pedido do ru esta D. Jos Carreras, traou a seguinte carta, pelo ru assi:. gnada e cujo original est nos autos, por en- trega da testemunha. , Senhor jeronymo Nunes .l I Amigo e Senhor. . Eu estou muito miseravel d'onde. estou por meus peccados, que ninguem me conhe- cer quando sahir e a minha ida no ser para esta cidade porque vae c. muito grande bulha sobre mim. Acuda-me. Deus que pode, que nelle tenho f e confiana como Pae e serihor de misericordia porque at o presente me no teem estes homens fallado a proposito. Estou vendo o desamparo da minha casa; V. Mc., como anjo d'alma, confio que su'prir a todas as necessidades urgentes consolando essa pobre desgraada de minha comp.a, filho e filhas; favorece-las quem pode e lhes d paciencia e a mim disponha como fr d seu DA INQUISIO PORTUGUESA 221 servio com soffrimento. Bem folgara de ter novas certas de minhas cousas e casa pois me serviriam de alivio nestas miserias em que me vejo, porm receio os impossveis que esto de permeio, porm siga V. M. a ordem que o portador lhe dr em tudo. Ao amigo e amigos minhas lembranas e que muito deveras me encomeni:lem a Deus e a nosso Andrada, do que fico certo por vida de nossa amizade, a quem Deus guarde como pode. Hoje, em 15 de junho de 1653. De V. Mc. Frc.o Ouo.'!tes Enriques. Em 19 de junho de 1653 acrescentou a testemunha, O. Jos, o ru afirmra que os inquisidres s tinham contra o ter jurado falso no processo de da Silva e que a' elle o no haviam castigar porque, pelos ser- vios a l/z,g esiaVLrz pmmettido o habito de Christo. t. Em 28, alm de fallar nas praticas judaicas do R., disse que este lhe dissera que havia de mandar matar Bento da Costa, residente na Hollanda, por o haver denunciado; que seu genro Antonio Brando era judeu; que seu filho, Grgorio Gomes, quando casou foi no dia da Purificao de N. Senhora, mas no consummou o matrimonio seno no sabbado seguinte, gastando esse intervallo em varias lavatorios, elle e a mulher, em obediencia religio israelita. Em 9 de julho de 1653 veio o ru pedir que o mudassem de carcere e, como os Inqui- 222 . EPISDIOS DRAMTICOS sidres lhe dissessem que no bastava tratar da sade do corpo, para que isso lhe era preciso, mas necessitava tambem tratar d'a da alma. como se referissem a confisso, elle zombou d'ella e, quando passava o Sanctissimo no Rocio, no se quiz ajoelhar, nem bateu nos peitos. D'isso se foi gabar ao seu perfido companheiro D. Jos, que a 14 de julho .o veio denunciar; assim co.mo tlo o ru pretendido converter ao juda:smo; que havia de pedir (o ru) papel para fazer o testamento para os inquisidores verem co.mo pretendia morrer. Surgem a.gora novos espies: Em 13 de agsto de 1653 os guardas dos carceres vieram denunciar que o ru l judaisa- va. Para isso, s 8 da manh, levantou-se da cama, lavou muito bem 2 bacias vidradas de lavar as mos, encheu-as de agua, p-las per- to uma da outra, disse ao co.mpanheiro que ali tinha agua para se lavar; na outra bacia; lavou as mos e rosto, limpou-se a uma toalha dependurada na parede, agarrou na sua bacia com agua e metteu-a debaixo do estrado. Do seu bah tirou uma toalha encrespada, depen- durou-a na mesma parede perto da outra e disse a D. Jos que ali tinha aquella toalha lavada para quando se levantasse. Depois chegou um tanho para ao p da grade, poz-se de joelhos, com as mos levantadas sem cruzar os polegares, olhando para o co, batendo com a mo no peito e depois andou passeando com as contas na mo, mas no fazendo o signal da cruz. Os guardas levaram-lhe o jantar s 10 horas que era para o ru um frango assado e para D. Jos uma rao de carneiro cosido com seu caldo .. DA INQUISIO PORTUGUESA 223 o ru embrulhou o frango num guardanapo e p-lo em cima de um vidrado em que estavam peras e melo. As 11 horas vieram os guardas buscar a loua e o ru ajoelhou-SJe novamente no tanho e at ao meio dia no comeu nada. S s 7 horas que comeu mar- melada. s 8 horas cearam: D. Jos, po, ovos e azeitonas; o ru, po, melo, queijo do Alem:. tejo, peras, 2 ovos e sua tigela de vinho. Comeram os dois, pondo uma toalha em cima d'uma canastra, sentados cada um em seu tanho. o ru tambe.in comeu dkzsidro e, quando acabou, metteu as mos na carapua branca da cabea. Os guardas de vigia depuzeram que o D. Jos comia marmelada s .escondidas do ru e lhe j.azia m;omos, como por escarneo, sem elle ver. D. Jos leu-lhe um testamento que o ru ouvia attentamente e metteu na canastra encourada. s 7 horas trouxeram-lhe lume que D. Jos tomou num rolo e accendeu um candeeiro de lato. 1 I Em 11 de novembro de 1653 novamente D. Jos veio denunc!ar o ru porque lhe pedioJ para, quando fosse livre, ir a casa de sua mulher, Beatriz Mendes, e avisa-la das pessoas que apresentaria para prova da sua defesa, e da forma como ellas deviam depr. Tambem lhe pedio para dizer sua mulher que signi., ficasse a Duarte da Silva, Rodrigo Ayres e Jorge Dias que, quando estiveram presos, ele ru dava muitas esmolas e praticava muitos jejuns para elles serem soltos. Que belo companheiro no teve Francisco Gomes Henriques durante oito mezes! Em 5 de dezembro de 1653 porm j outro novo e bQm companheiro o vinha denunciar: 224 EPISDIOS DRAMTICOS Manoel Godinho. Mas a carga era Ja mais que suficiente e d'este s aproveitaram a indi- cao, alis vaga, dos jejuns judaicos do ru, confirmada pelos depoimentos dos guardas. BENS DO FORRA-OAIT AS. - O SEU SEQUESTRO ARDENTEMENTE ALMEJADO. - A SUA DEFESA. - E: CONDENADO A MORTE -COMO COMOVEDOR O SEU TESTA- MENTO! No muito de fiar, por incompleta, a lista dos b.ens por Francisco Gomes Henriques apresentada Inquisio mas, como no temos outros elementos sirvamo-nos d'ela. Interrogado pois a 6 de outubro de 1651 declarou possuir: na entrada da rua de S. Mamede, vindo para Sete Cotovlos, uma habi- tao. Em sua casa tinha uma alcatifa grande de estrado, presente para seu filho, do se casou; colchas; uma ;aia, assim a signou, de diamantes, cujo valor seria dois mil cruzados, pertencente a seu filho. Em casa do prior de S. Mamede tinha empenhado joias no valr de dois mil cruzados. Era possuidr de muita prata, como jarro, prato etc., tda do pso de duas arrbas. Tinha embarcadas cem caixas de assucar remetidas para Hollanda e muita fazenda no Brazil e em Pernambuco, d'onde se v o genero de comercio a que principalmente se entregava. Vejamos agora as suas dividas: varias pes- da Beira e Alemtejo deviam-lhe vinte mil cruzados de bulas, os quaes pertenciam: DA INQUISIO PORTUGUESA 225 a seu genro Antonio Brando, ausente em Roma; o viga rio da Lourinh, GarcSI Frei- re, deve-lhe 250$000 rs. de bulas; Ambro- sio do Amaral dois mil cruzados; con- dessa do Sabugal deu seiscentos mil reis a razo de juros; D. Pedro de Castelo Branco deve-lhe 300$000 rs. Finalmente em sua casa tinha penhres de prata e aneis de varias pessas e na Companhia do Comercio Geral seis mil cruzados seus e de seu filho Gregorio. Em 3 de novembro de 1651 j ele tinha sido interrogado por causa das suas contas com Duarte Gomes da Mata. Este requerra, por causa -d'isso, a citao dos dois, pae e filho, pois lhe deviam tres mil cruzados o que ambos, Ufltll voce, contessaram serldo o juro de 5 o;o. Haviam dado de penhr para esta divida um livro de ouro, por sua vez recebido, de D ~ Pedro de Castelo Branco, quando entr.ou aos touros. Ainda o Forra-gaitas foi interro- gado por causa de contas com o escrivo do civel, Joo da Guerra e, em 11 de junho de 1653, deu-se por citado para a diligencia tocante a Francisco de Faria da Silva, almotac- mr, declarando que Ambrosio de Aguiar Couti- nho foi casado com a mulher d'este Francisco de Faria e lhe devia mil e tantos cruzados. Ainda finalmente declarou, em 22 de maio de 1652, que o Ld.o Joo Varla de Abreu, conego tercenarlo da s de Lamgo, lhe pedio, por intermedio de Simo Mendes Chaco para mandar vir de Roma bulas de renunCiao de uma conezia da s de Lamgo a favr do Ld.o Duarte Varela e conta entregou trinta mil ris. 15 226 EPISDIOS DRAMTICOS Em oito de outubro de 1654 fez um acrescento ao inventario dizendo que, quando o prenderam, tinha mandado para a India um patacho chamado N. Senhora dos Remedios, no qual tinha sociedade com seu filho e genro. Tambem, quando o prenderam, tinha dois aneis de diamantes engastados em ouro, um do valr de '50$000 rs. e outro de 20:ii000 rs. No era pois de despresar, apesar das omisses e dos sofismas em que os judeus eram ferteis, o recheio da casa commercial de Francisco Gomes Henriques. Por isso, em 19 de junho de 1653, os :inqui- sidres da primeira instancia foram de parecer que deviam ser-lhe sequestrados os bens, mas o Conselho Geral, em 28 de agsto de 1653, prudentemente emendou a m, dizendo que era conveniente dissimular por ora. L est, no processo, com todas as letras, esta prova da extraordnaria ganancia inquisito- rial! Na sua defsa alegou o Ru, entre outras coisas: fazer grandes festas, quer na igreja da Conceio, quer na de S. Julio, quando era oficial das confrarias e na igreja da Concei- o fez uma capla a N. Senhora da Piedade em que gastou muitos cruzados; servi o de pro- vedr na igreja de N. Senhora da Victoria. Citou como testemunhas entre outros: o prior de Santa Justa; Francisco Botelho Chac.o; Duarte da Silva; o jesuta Pe. Manoel Masca- renhas; o Pe. Manoel 'Lima; o companheiro do Pe. Vieira que foi a Rma; o banqueiro Jeronymo Nunes etc. Nas contraditas citou entre outros: a con- dssa do Sabugal e seu marido D. Joo Mas- DA INQUISIO PORTUGUESA 227 carenhas; D. Francisco de Castelo Branco; Gonalo Peixoto da Silva, conego da s de Lisba; Alexandre de Rezende, banqueiro; o conde de Vila Franca; Luiz da Silva Tles; D. Fernando, irmo d'este; O. Pedro de Cas- telo Branco; Duarte Dias, christo nvo, oon- tractadr do tabaco. Porm, para cumulo de parcialidade, nenhuma d'estas testemunhas foi interrogada! ... Mas a sentena contra o Forra-gaitas estava d'ante-mo traada. Quem o mandou ter um filho em Rma em situao proeminente e adversaria da Inquisio? quem o mandou ser rico, ter a lingua slta, pertencer entou- rage de Duarte da Silva? Com efeito, em 26 de fevereiro de 1654, foram os inquisidres de primeira instancia de parecer que devia ser relaxado justia secular, e o Conselho Geral confirmou. S passados mezes, em 28 de setembro de 1654, esta sentena lhe foi notificada e, quando lha notificaram, pretendeu Francisco Gomes Henriques apelar para Rma. Sempre a cega confiana nas protees superiores que lhe falharam. A primeira msa e o Conselho Geral, mais uma vez, lhe deram para traz, indeferindo o seu requerimento. Francisco Gomes Henriques vio-se ento irremediavelmente perdido e, num estado aflitivo facilmente comprehensivel e bem de ima- ginar, pedia uma flha de papel e eis o que escreveu, actualisando apenas a sua ortografia. Devia ento roar pelos setenta anos e a sua memoria no devia certamente ser das melhores. 228 EPISDIOS DRAMTICOS . Deus e N. Senhor esteja em vossa com- panhia para amparo de nossos filhos e genro e vos sustente vos d de seus bens para ampa- rar a minha honrada filippa, serva de Deus e virtuosa, dando-se-lhe os 10 mil cruzados que destes a todos, pois que meus peccados permittiram que eu o no fizesse e seja com pessoa egual a ns e de vantagem. Agora vos quero dar conta da minha des- graa que por meus peccados me condemna- ram estes senhores 2.a feira, 28 de setembro, morte, seja Deus louvado que me guardou isto perto de 80 annos para vir a morrer uma morte to affrontosa eu a tomei com grande animo, appellei da dita sentena para a Curia de Roma, tomaram a dita ,appella;1io com grandes protestos e a assignei no mesmo dia; a S.a feira seguinte me chamaram e me disseram que no recebiam a minha appellao, que me puzesse bem <:om Deus e os ditos senhores me responderam em tribunal supremo que se o no devia que o no dissesse que se passasse esta morte injustamente que gozaria do co eterno eu lhe respondi como no pri- meiro dia assim permittir Deus que o goze, pois vou conforme em sua sancta f e mise- ricordia. Velhacos, me chegaram a isto, ms almas ~ ms consciencias, Jesus Cluisto lhes pea conta com castigo e a mim ine d paciencia para p a s ~ sar este transe to agoniado. Luz e lume dos meus olhos, minha com- panheira de perto de 50 annos, ficae-vos embora pois que N. S. J. Christo no foi ser- vido que morresse nos vossos braos e de meus filhos. Treze filhos tive em vossa <:om- DA INQUISIO PORTUGUESA 229 panhia, N. S. os confirme, assim aos presen- tes como ausentes, em sua sancta f, para que roguem pela minha alma assim nem mais nem menos como os vs doutrinastes e eu de tamaninos. Meu Antonio Mendes, luz em que me revia em vossas grandezas e do meu honrado filho Francisco e a minha virtuosa Violante com o Antonio Brando e meus netos, a minha alma fica encarregada a vs, pois Deus vos poz em terras to sanctas e to virtuosas, encommendo-vos mt.o a minha alma com mis- sas e officios e esmolas e jejuns, no v::Js esqueaes do que vos encommendo pois vo-lo mereo que voz puz ricos e honrados e os meus netos j tero de edade para me encom- mendarem a Deus e lno quero que me faaes mais que conforme vos encommendava a Deus em minha liberdade e muito mais em meus trabalhos de 3 annos. que nelles estive. A todos vs, filhos de minha alma, e netos no vos esquea a devoo de N. Senhora da Gloria, pois de tantos annos e de devoo dos pobres que vinham a essa casa para que Deus se lembre da minha alma. Quando vim a estes canados trabalho"s prometti a Deus Nosso Senhor e Virgem Nossa Senhora da Gloria que se me livrasse e fosse para minha casa lhe daria que casaria uma orf onde lhe daria 150 000 rs. por letra, os peccados no deram este Jogar, porm foi Deus servido no deixar de Ia casar logo para que Deus ponha seus olhos de misericordia com a minha alma sendo ella serva sua, pois tanto o tenho fOffendido. Tinha em minha vontade que fosse aquella orph parenta vossa a quem dmos uma caixa 230 EPISDIOS DRAM. TICOS de assucar das muitas que nos vieram uma vez do Rio de janeiro e lh'a deram na alfan- dega livre, sem pagar direitos, no lhe sei o nome porque me no alembra, ou essa, ou a filha de Luiz Paes, a mais pequena, que honrada e mt.o formosa e no faltar quem case com ella por sua formosura e isto seja quella que a vs vos parecer em vossa eleio. Minha Maria Henriques, luz em que me revia, e meu honrado filho e genro, Estevo da Silveira, minha esmoler mulher e marido, sabe N. Senhor, filha, as ancias que levn vossas e de vosso marido porque ereis honra da nossa gerao, Deus vos deixe lograr e gozar vossa mocidade em servio de N. Senhor que a verdadeira e a mim me d paciencia pan passar este transe de agonia. Pe-vos muito a vs e a vosso marido, pois fazieis bem a todos, faaes bem a este desgraado pois f::Ji Deus servido que no morresse em vossos bra- os e em nossa casa pela minha beno e a de Deus que vos no esqueaes do que vos encommendo estes dias que viverdes, e assim vos peo que o escrevaes ao meu Antonio Mendes e a Francisco' e a Violante o que atraz lhe digo a elles em todas as occasies esti- marei _que vos lembreis da minha alma assim como eu o fazia em meus trabalhos e todas as vossas obrigaes tocante a nossa casa a meu filho Estevo da Silveira lhe peo que busque o irmo de Pero Lopes c lhe pea muito e lhe ponha em conscicncia que muito devoto dos lnglezinhos que me cncommende a minha alma a Deus que o mesmo fizera cu se estivera em liberdade como elle est DA INQUISIO PORTUGUESA 231 e assim o confio que o far e teria cuidado d'essa casa pela muita amizade que entre ns havia que lh'o mereo e gozando da vista de Deus, como confio, em sua misericordia, eu terei cuidado de me lembrar d'elle e de todos os mais. As advertencias que acho para descargo da minha consciencia so as seguintes: a Jaques, mercador, lhe devo., conforme me parece, 9 000 rs. de 2 pagas da sobreloja em que vivia, ou o que elle por sua verdade dissr; tambem lhe devo mais 5 ou 6 tostes que lhe pedi para dar a um pobre; se no os tivr assentado d-se-lhe satisfaco com o demais. No acho que deva mais para de!i- carregar minha consciencia isto encommendo tres bulias de composio para ir mais satis- feito; se fr vivo Pedro Gomes no deixem de I he fazer bem, dando-lhe oito ou dez tostes cada mez e um vestido cada anno, suas cami- sas e meias e sapatos e lhe paguem as casas em que viver por amor de Deus. O Vigario da Lourinh, que se chama F. Oarcs Freire, me deve 250.000 rs. e custas, o que a sentena dissr, a qual divida me deve da igreja em que est, das bulias que lhe mandei vir de Roma que me no pagou, de que escrivo dos vigarios F. Pinto que mora a N. Senhora dos Martyres, cunhado do surdo o dito vigario me pagava cada anno 20 000 rs., Natal e S. Joo 10.000 rs. em cada paga e devia-me 2 pagas antes que me prendessem e o irmo de Alvaro da Costa, mercador, me disse 2 dias antes que me prendessem que tinha 20 000 para me dar por conta do dito vigario se que os no deu deve de 232 EPISDIOS DRAMTICOS meus trabalhos c o mais que por dcantc vac correndo at dar satisfaco por inteiro c no satisfazendo tudo o podem mandar excommun gar na conformidade da sentena e no pagava mais que os ditos 20 000 rs. cada anno porque tinha grande penso e o havia mistr se achar por meus escriptos de recibos lhe levaro em conta quando lhe deram quitao. Ambrosio d' Aguiar, que Deus tem, era muito pontual e por isso lhe emprestei 2 000 cruzados em que entrou um cavallo, que me tinha custado 80.000 rs. naquelle ms,. que o havia oomprado lh'o dei logo por 60.000 rs. ainda menos do que me havia custado, cobre- se de seu marido, porque dia tomou a casar, de que est uma escriptura sua no escriptorio dos meus papeis e faa-se-lhe embargo nas casas dos Remolares para se irem pagando, quando no pudr ser menos .. A condessa do Sabugal me deve 600.000 rs.,. que lhos dei ha 6 annos a razo de juro, de que tenho escripto seu e, antes que me prendessem, me deu con- signao nas lojas das suas casas da R. Nova, cuido que cobrei 100000 rs. ou o que na ver- dade se achar por meus recibos o mais se cobre d'ella os creditos que os pagar com o primor com que lh'os dei. Na R. da Moira- ria morava um alfaiate entrada da nossa porta empenhou uma salva p ~ q u e n a em 4 000 rs. e nella esto outros penhores de um homem que nos podava as pereiras e esto em 4 000 rs., con- forme minha lembrana, os penhores dir os que so em sua consciencia pouco mais valiam do que lhe emprestei; tambem est um ces- tinho de prata empenhado em 8 000 rs., vieram- no buscar eu disse que o buscaria, se o vierem DA INQUISIO POR ruGUESA 233 buscar dcem-lho; tambem esto umas galhe- tas com seu pratinho, tudo de prata, empe- nhado em 1 O 000 rs. que M.a Ayres, mercador de pannos, sabe de quem so, pedindo-as lh'as deem. Ahi esto muitos penhores de diversas pessoas de colheres e garfos e copos e anneis que todos, conforme minha lembrana, nelles est assentado o que devem, assim nas casas da Mouraria, mas empenharam, como na loja, vindo-se buscar se deem que no quero levar esse encargo, basta-me o encargo dos meus per.cados. Uma visinha forgideira da Mouraria tem empenhado ama anagua de baixo em 1 800 rs. ou o que ella dissr; vinClo-a 'tirar, deem- lha. Na enxara dos Cavalleiros, quando fui ver minha irm, antes que me prendessem, vi tantos pobres que lhe tiz o que pude que me cortaram o . corao assim vos peo, minha companheira, que todos os annos, emquanto viverdes, lhe deis 2 maios de mistura ou centeio, ou milho, tudo repartido pelos mais pobres da dita villa a 4 alqueires cada um, conforme os filhos que tiverem, avantajando a me de Pelonia, a Paula de Bellas, filha do ferrador, e a suas filhas lhe acudam todos os mezes com suas amassaduras de po e dinheiro e so muito pobres para que todos me encommendem a minha alma a Deus. As esmolas que se fizerem na Enxara seja pelo mez do Natal que o maior aperto que elles teem e isto repartir meu cunhado Simo Vaz ou minha irm, se forem vivos c por vossa merc deixareis isto encarregado a quem vos parecer para que me encommendem a Deus para que me perdoe meus peccados. Com a Duro confeiteiro tenho contas largas, ella me 234 EPISDIOS DRAMA TICOS deve e cu lhe devo, faam-se contas quem dever que pague e havendo algumas dividas que eu deva que me no lembrem a todas se d satisfaco sem contenda de justia que assim a minha derradeira vontade. Minha senhora e companheira, peo-vos muito que a meu companheiro, que foi nestes carceres, que lhe tenho muitas obrigaes, o agasalhem no escriptorio de Gregorio, com muito amor porque no d'esta terra nem tem ninguem nella, que eu fazia conta, se tivesse liberdade, leva-l-o comigo e se lhe faa logo um vestido mt.o bom do que elle quizr, ou se lhe d o dinheiro bastante para tudo o que lhe fr necessario. e cama e de comer bastante e o mais que lhe fr necessario e jubo de seda e .toda a roupa branca que lhe fr neces- sario e aenos e tudo o mais se lhe d melhor do que a mim, porque assim minha derra- deira vontade. coisa que serve para essa casa e de muita utilidade por ser muito nobre como o tempo demonstrar sobre isto no tenho mais que vos dizer porque nada lhe falte pois forasteiro e no tenho em minha presena que lhe deixe, ou lhe deem logo 20 000 rs. para que elle faa o vestido a seu gosto dando-se-lhe tudo o mais que acima digo, no lhe faltando nada. Muito vos avisar, mas estou to aflicto que no me d o tempo lagar a mais. Adeus que vos guarde a todos e vos d paciencta e a minha beno que vos guarde a todos e a de Deus primeiramente. Deste vosso desgraado afrigido Frc.o Ouomes Enriques. r. I f r f DA INQUISIO PORTUGUESA 235 ..
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. ., i I Um coedenado morte pela Inquisio. Diz a legenda do sambenito: Por here;e ucgatilo mereceu queirrwd&. Do livro j citad':.> Crm,,- nies etc. Encontra-se, sem a legenda, na His- toritt das itzquisies, impressa em 1821. 236 EPISDIOS DRAMA TICOS Foi ao auto de 11 de outubro de 1654 servir de pasto fogueira e sanha nqui- sitoriaes. Ainda avistou o Tejo indifrente,. pois a ceremonia lugubre realisou-se no lerreiro do Pao, mas j no teve noticias do patacho que India, para servir El-Rei, em cuja proteo, como tantos outros, baldadamente confiara! GREGORIO GOME5 HENRIQUES. - COM ELE FOI A INQUISIO MENOS FEROZ QUE COM O PAE. - APEZAR D'ISSO FOI ATORMENTADO E DEGRADADO. Prso, como vimos, em 4 de outubro de 1651, era, alm de sacio de seu pae, agente de negocias que em Roma se tratavam, como dispensas do casamento etc. Dando larga conta dos seus negocias e haveres declarou, em 2 de novembro de 1651, que Jeronymo Gomes Pessoa lhe devia 2:800$000 rs. das memorias das bulas de Roma; em 28 disse que Manoel Pedro, mercador alemo, lhe devia um barril de breu, assim como sete peas de artilharia de ferro. Brites Golias Franca lhe empenhou uma meiada de dezanove voltas de aljofar com dois afogadres, chamados braceltes, do mesmo e um cavalinho com jaezes d'ouro por vinte mil ris. Ao dr. Diogo Lobo Pereira, do Con- selho Ultramarino, emprestou cem mil ris, empenhando-lhe ele as seguintes peas de prata: um prato de aguas ms; sete pratos pequenos; um saleiro; um castial; tres palan- ganas, uma grande com bicos e duas pequenas sem eles, com as armas dos Lobos douradas DA INQUISIO PORTUOUESA 237 no meio. Como o Ru precisasse de dinheiro empenhou estas peas, algumas ao irmo do Correio Mr, Duarte Gomes da Matta e outras a Sebastio Nunes Collares, familiar do Sant() Oficio. Em 2 de agsto de 1652 declarou que, por causa do extravio de uma caixeta de telas dirigidas a El-Rei, se obrigou a pagar 400 patacas em ser, mas como, por prova teste- munhal, se demQnstrou ter sido o seu extravio na alfandega S. M., houve por bem que se no pagasse. O tal escripto entregou-o a An- tonio Cavide. Declarou mais que, por sua m- dem, se fez em Roma uma obrigao ban- caria de 100 escudos de ouro de camara nova isto 106 escudos, e a; 8 de ouro das estam- pas por 6 annos, que o abbade de Guide, Antonio Antunes de Paiva, se lhe obrigou a pagar.- Declarou ainda que possua uns bra- celtes de pemlas dados por Estevo da Sil- veira Rosa, seu cunhado, os quaes estavam ou em poder de Duarte Gomes 'da Matta ou 'de . pessoa conhecida do notari() apostolico Manoel Alvares Palma encarrega"d() de os empenhar por 2.000 cruzados. Disse que, dos ultimos 1.000 cruzados, OO!lU que acudiu junta por emprestimo, recebeu escripto de Dio .. ~ o da Sil- veira, thesoureir.o: geral d'ella. Disse que a D. An- tonia da Cunha e Menezes, recolhida no mos- teiro de Saut' Atma, dava 16 mil e tantos: r is por mez. Em 16 de janeiro de 1653 foi despachado um requerimento de D. Marianna de Noronha e Castro pedindo para ser citado o ru para a habilitao da supp'Iicante, .como herdeira de D. Francisco de Castro, seu irmo. 238 EPISDIOS DRAMTICOS Em 30 de janeiro de 1653 foi interro- gado sobre as suas contas com Ignacio de Sousa declarando que lhe passou 2 lettras uma sobre o deo de Braga, O. Ignacio Pouzado de Brito e outra sobre Simo Alvares, quartanario da mesma s. Em 1 de maro de 1653 foi interrogado sobre o caso de Jorge Breton, ingls, que queria cobrar do ru o valor de um navio, N. Senhora das Mercs, que tinha simulado ven- der-lhe para o livrar do sequestro; geral, man- dado fazer nos bens dos inglezes. 'Gregorio Go- mes Henriques declarou que oomprou o navio por 600.000 ris,; dinhedro pago, assim oomo pa- gou a competente sisa e, como fosse denunciado o caso, houve uma sentena favoravel ao ru. Em 23 de abril declarou ter contas com o Pe. Mestre, Fr. Andr Telles, por lhe ter ven- dido 4 caixas de assucar branco, tendo elle de lhe tratar certo negocio em Roma, por inter- medio do irmo, monsenhor Mendes Hen- riques. Em 5 de maio de 1655 declarou o ru que estava lembrado ter mandado vir de Roma um breve de absolvio para o Dr. Francisco de Leiria Monteiro. Este porm dizia que era uma dispensa p.a casar com sua prima O. Sebas- tiana da Cunha. O Dr. Belchior de Brito e Robles, abbade de S i ~ v a Escura, bispado de Vizeu, moveu-Jh1e uma aco por causa de 500.000 rs. que dizia o ru dever-lhe. E por aqui 1 fka a estirada lista dos negodos dos Gomes Henriques, apresentando-nos em fla- grante a sua fi.sionomia to encydopdicamente mercantiJ! DA INQUISIO PORTUGUESA 239 Acusado de judaisar procurou Gregorio Gomes Henriques demonstrar as suas boas aes de catolioo. E assim,. na sua defesa, alle- gou ter servido na igreja da Concdo a Confraria do Sanctissimo, como juiz, mordomo e escrivo; na igreja de S. Julio servia de mordomo da Mesa grande e juiz da irmandade e. na igreja de St.a Justa, servia de mordomo do Sanctissimo. Citou entre outras teste- munhas: o sectetario Gaspar de Faria Seve- rim; o Dr. P.o Fernandes Moriteiro; Ant.o do Couto de Castro, :sargento-mr, morador a Vai- verde; Joo da Guerra, escri;vo do cvel, no Rodo; o capito :Belchior Henriques Soares, Cutelaria; o visconde de Castello Branco, D. P.o de Castcllo Branco; Frandsco Bo- telho Chac.o e seu sobr.o Thm Botelho; o Dr. Vicente Feio Cabral; o J csuita, Pe. Mel. de Lima; Pe. Ant.o Antunes de Paiva, da casa do Bispo, Capello-Mr; D. Philippa Soa- res, mulher do Dr. Ferno Soares Pereira, mo- radora a par de S. Nkolo; etc. O ru ainda allegou em sua defesa que S. M. Unha feito mc. a seu pae do foro tle fidal- g ~ e ao ru do habito de Christo com 20.000 rs. de tena na mesa dos Azeites por terem dado um navio, aprestado por sua conta, p.a ir com certo aviso lndia, c;:ujos papeis esto em poder do secretario Gaspar de Faria Severim. A este art.o citou como testemunhas: Pedro Vieira da Silva; Gaspar de Faria Severim; o conde de Cast.o Brco.; Dr. P.o Fernandes Monteiro; Ruy de Moura Telles, vdor da Faz.enda.; o comle camareiro-mr. Interrogada a testemunha ']oo da Guerra, escrivo do civel, disse ter sido companheiro 240 EPISDIOS DRAMTICOS do ru no Limoeiro, onde os 2 estiveram presos, e vi o-o praticar actos de catholico; vlo muitos religiosos vindos de Roma darem-lhe parabens do logar e 'auctoridade do irmo em Roma. Nas suas contraditas o Ru fallou nas inimizades de: Francisco de Faria, almotac- mr, a quem executou por lhe no querer pagar 250 000 rs.; o conego Pedro de Tavares de Tavora, tambem ipor o ter demandado por 1$212:000 rs'. que !file lhe dcvia das custas das bulias da sua conezia; Paulo Nunes, escrivo da alfandega, 1por o ter argu:do de perjuro; e Pe'. Fr. 1Manoel Moniz da Silva, religioso da Sanctissima Trindade, porque o demandou p.a elle pagar uns breves que mandou vir de Roma; Pedro Lopes Pardo, que foi contractador de bacalhu, porque, bri- gando na R:. 'Nova com o pae do ru, eisfe puchou da espada e lhe deu cutiladas; Antonio Serro, boticario, morador na rua dos Escudei- ros (deve ser o poeta dos Ratos da Inquisi- o), porque brigaram com elle na R. Nova por causa de um vaso de trB,aga que o filho de Al- varo Gomes Bravo, tinha para venden Bento da Costa, por terem brigado por causa de umas le- tras, "Manoel da Silva e Estevo da S:lva, merca- dores de seda, 'porque tiveram uma briga; Fer- no Martins, mercador, morador S, porque entrou numa briga, por causa de Jorge Dias Brando, em que foi morto o seu cunhado (do Ferno) . Francisco Ribeiro; o corretor Antonio Pereira Viveiros, com quem tinha de- mandas, por causa da fazenda de Duarte da Silva; Joo Duarte, contractador que f.oi do tabaco, porque mandou executar um seu sbr:.o, por causa de um pouco de tabaco que lhe h- DA INQUISIO PORTUGUESA , 241 nha dado de contrato; Joo Lopes Serra, porque ,o executou por causa de 2.500 cru.- zados; Francisco Carlos por suspeitar que fhe galanteava a mulher e por isso brigou o ru em casa d'elle com seu cunhado n. Fran; cisco de Mendoa; Sebastio Nunes de Lisboa, thesoureiro do direito de c.omboyo da Comp.a Geral, porque lhe fez namoro mulher aru- tes de casar; Manoel da Costa por ter ciumes do ru; Manoel Ayres Barrosa, mercador de pannos, moradr na Rua Nova, por lhe fazer namoro a uma filha. Em l.o de fevereiro de 1656 foi o C.o, Geral de parecer que o R. devia ir ao tormento, nelle ter um trato esperto, e ser 2.a vez comeado a levantar. Foi com effeito atado perfeitamente e comeado a levantar subia at roldana, gri- tando e chamando por N. Senhora da Piedade e nada confessando. Pela sentena final foi mandado ouvir a sua sentena na salla do St.o Off.o, com vella accesa na mo e degradado por 4 annos para Africa .. Foi publicada a 28 de fevra. de 1656 na salla da Inquisio de Lisboa. Em 25 de abril de 1656 foi.-lhe concedido mais um ms, alm dos doiiS, que lhe tinham: j concedido para se curar e isto rem a atteno a um requerimento em que allegava no ter podido ainda tratar da sua cura porque o remedio conveniente p.a seu brao so dego- ladouros e mostos. Em 11 de maio de 1656 foi despachado outro requerimento em que pedioo a comutao do degredo para um dos logares das fronteiras, foi irldeferido, mas elle, allegando falta de em- Je 242 EPISDIOS ORAM.\ TICOS barcao, no foi,. Em 23 de maitO de 1656 foi novamente mandado embarcar, em vista d'um re- querimento em que pedi.a mais 2 mezes de dila ... o:. Em 30 de maio de 1656 novamente f.oi mandado embrcar, em vi'sta d ~ outro requeri,.. mento em que insistia pela commutao d'O de- gredo. Por isso, em :10 de junho, apresentou- se em Faro, afim de ir p.a Tanger cumprir a sua sentena. A 14 d'esse ms porm par- tio uma perna, cahindo por uma escada abair xo e, allegando isso, n'OVamente ped!o c o m ~ mutao de sentena. Os inquisidores porm deram-lhe parecer desfavoravel em 18 de julho. Em 30 de agsto de 1656 finalmente foi-lhe perdoado o degredo para Africa, pa- gando cem cruzados para as despezas do Sant"O Officio .. Na verdade cinco anos de atroz martiric eram mais que sufiCientes como releno das suas faltas (t),. NO ROMANCE A CAVEIRA DA MARTYR: t JUS- TIADO RUY DE PINA. No comovente romance de Camillo A Caveira da Martyr encontrmos larga referen- . cia a dois condenados pela Inquisio: Jorge Mendes Nobre e Ruy de Pina, dos Pinas, de Montemr-o-Nvo. (1) Processo n.o 1.309 da Inquisio de Lisboa. DA INQUISIO PORTUGUESA 243 Este deu entrada no carcere da inquisiao de Coimbra a 5 de junho d" 1623 ( 1 ), acusado de judasmo e, em especial, por se ter achadd uum togar onde se levantou hum altar, com .:ertas velas acesas e com um livro de certa confraria que tinha em uma folha uma pin- tura de um frade de certa religio ardendo em fgo o qual morreu queimado. t a confraria aludida no piimeiro volume d'estes ao tratarmos do processo d:o canonista, doutr Antonio Homem. Tinha quarenta e oito anos de edde data da priso e era meio christo nvo e moo fidalgo da casa Real. Natural e moradr em Monte-mr.,o-nvo, vivendo algum tempo na sua quinta ;chamada o Vidual, f.oram seus paes Alvaro de Pina Cardoso, christO' velho, e Andreza d' Andrade, christ nva. A vs pater- nos: Ruy de Pina, christ:io velho e Maria Car- dosa, tambem christ velha. Avs maternos: Paulo Roiz e Orcia de Andrade, christos nvos. Todos moradres em Montemr. Casado com Luiza Gomes tambem gemen,. do nos carceres inquisitoriaes, d'ela tinha cinco filhos, o mais velho dos quaes de 11 anos de edade. Batisado na igreja de S. Mar- tinho de Montemr-o-velho, foi R.uy de Pina para Ceuta com o 'duque de Caminha e mar- qus de Vila Real onde esteve sete anos e onde casou pela primeira vez com uma tal D. lgns de quem, segundo parece, no logrou descendencia. (1) /nquisiro de Coimbra, proc. n.o 1.823. 244 EPISDIOS DRAMTICOS Era Ruy de Pina pessa abastada. Em 8 de julho declarou que, em dinheiro, tinha tres moedas d'ouro de quatro cruzados; um pucaro e uma salva de prata; colheres e garfos de prata e quatro facas com os seus cabos tam- bem de prata; tres panos d'armar d'arrs que custaram 80: 000 rs.; mui ta roupa; tres pipas de vinho; setenta alqueires de azeite; quatro moi os de trigo; seis ou sete moi os de milh3; um cavalo do valr de vinte cruzados; uma mula e uma egua; uma azenha; duas geiras de terra; quatro aguilhadas no Amieiro; oito aguilhadas no Trvo; cinco aguilhadas barca de Verride; e mais doze aguilhadas em varios si tios; casas em Montemr, vinhas e uma capla cuja administrao arrendava. Mas contra le os depoimentos fram em grande numero e de peso: Clara de Faria, sua sobrinha; Francisco de Pina Perestrlo, primo co-irmo do seu pae; Baltasar de Pina da Fonseca, seu tio; o pe. Baltasar de Pina Cardoso, seu primo co-irmo; D. Antonia, sua prima co-irm; D. Joana, sua sobrinha; Joo d' Andrade e D. Sebastiana, seus primos; Andrsa Lopes e Margarida de Andrade, suas tias; Maria de Faria, sua prima; Manoel de Sei- xas, seu cunhado; Antonio de Oliveira e Francisco de S tambem seus parentes, etc. Todos uma o deram como um grande judaisante, o que ele a ps firmes negou sempre. Debalde pois alegou os seus actos de christo; dar muitas esmi as; prestar servios como provedr da misericordia; servir a con- fraria do Santssimo Sacramento; mandar doi- rar o sacrario do Santssimo. DA INQUISIO PORTUGUESA 245 Assim lhe notificaram a sua condenao morte: Aos dous dias do mez de Maio de 1625 annos em Coimbra nos carceres do Santo Offi- cio de mandado dos senhores inquisidores fui eu notari-a porta da quarta casa do corre., dor atrs onde estava prezo Rui de Pina meo christam novo conthendo nestes autos e estando a porta da ditta casa lhe notifiquei que estava entregue Justia secullar por suas culpas pello que dispozesse de sua alma e. ~ o que lhe convinha para salvao dlla e se encomendasse a Christo nosso Sor. pedindo-lhe o encaminhasse e iluminasse no caminho da verdade e da salvao de sua alma e atentasse a segueira que em seu inten- dimento tinha e logo o citei e ouve por citad:) pera hir ouvir sua sentena no auto publico da fee que se avia de fazer na praa desta cidade Doming-o 4 dias do presente mes de Maio a qual notificao lhe fis presente o alcaide dos carceres Miguel de Torres Ferreira e dos guardas dos dittos carceres e o reict.or dos carmelitas descalos que logo ficou com elle pera lhe tratar as couzas necessarias pera sua salvao e lhe foro logo atadas as mos pera mayor seu desemg9.no. Antonio Monteiro notario do Santo Officio o escrevi.- Foi pois relaxao justia secular que com a costumada benevolencia se houve com ~ l e , queimando-o. 246 EPISDIOS DRAMTICOS DO ROMANCE A CAVEIRA DA MARTYR: JORGE MENDES NOBRE: DOIS HOMONYMOS, TIO E SOBRINHO. COMO, PARA DIS- TRAO, SE SUPLICA UM LIVRO DE DIREITO. A 7 de novembro de 1660 deu entrada no carcere inquisitorial de Lisba o advogado Jorge Mendes Nobre (1). Formado em leis na Universidade de Salamanca, frequentou Coim- bra durante dois anos, d'onde veio, j senhor do Digesto e das Pandectas e enfronhado nas Ordenaes, advogar em Trancso e depois na Guarda. Tinha sessenta e dois anos de edade e tinham sido seus progenitores Diogo Rodrigues Nobre e Guiomar Nunes, da Guarda. Apezar da eleio o favorecer com o cargo de mrdomo do bem-aventurado Santo Anto- nio; apezar de ser irmo. e confrade do servio dos nobres da Santa Casa da Misericordia de Trancso, ocupaes pias e devotas, contra le se levantav,a a tremenda acusao de judaisante. Nos intervlos dos manuseamentos dos feitos orfanologioos de Trancso, antes de apresentar o Iiblo ou a contrariedade numa ao, se pensava dirigir-se divindade, fazia-o ao Deus prgado por Moyss e no ao Deus preconisado por Jesus Christo. Muitas foram as pessas que o delataram; Miguel Gomes Henriques, advogado em Tran- cso o oficial do mesmo oficio!- ; Simo (1) Inquisio de Lisboa, proc. n.o 5.323. DA INQUISIO PORTUGUESA 247 Rodrigues Ayres; Jorge Nunes da Costa, ban- queiro da Guarda; Gaspar Soares, cereeiro, de Trancso; Francisco Mendes Pardes, curtidr da Guarda; Jorge Rodrigues Monsanto, curti- dr da Guarda; Ld.o Manoel Mendes Nobre, seu filho, tambem advogado na Guarda; Isa- bel Nunes, sua mulher; suas filhas Josefa Maria e Luiza Nunes; Brites Mendes Chaco, seu filho Henrique Jorge e outros. Durante anos se arrastavam de ordi- nario os processos da Inquisio. A ma- quina do Santo Oficio era demasiadamente grave para acelerar a execuo do cumprimento da justia e d'a.hi vinha os pobres culpados suportarem a custo aqules dias to longos que lhes pareciam mzes, aqules mzes to lon- gos que lhes pareciam anos. Isso aconteceu ao pobre Jorge Mendes Nobre. Implorou por isso a graa do emprestimo de um livro de Direito para se distrahir. Com efeito os inquisidres da primeira instancia participavam: Jorge Mendes Nobre, christo novo, advo- gado da cidade da Guarda, est preso nos car- ceres desta Inquisiam por culpas de judasmo que no tem confessado, he homem velho e melanconico, tem pedido por varias vezes nesta . meza lhe queiro dar hum livro de direito p.a poder ter e ler no carcere, no lhe podemos deferir a este requerimento sem li.a de V. S. a quem damos delle conta p.a que seja servido ordenar o que mais convir. Lx.a em meza 27 de jan.o de 1662. A esta partkipao dos inquisidores r e s p o n ~ deu o C.o Gal. 248 EPISDIOS DRAMTICOS s inquisidores podero dar ao supHcante o livro que lhes pare<:er. 'Negou sempre Jorge Mendes Nobre as suas culpas at que, em 14 de maro de 1664, como persistisse na negativa, mandaram-no ir a tormento e, no se executando este despacho, novamente foi mandado ir a tormento a 17 de junho de 1664. No se executou porm por ter comeado a confessar as suas culpas e de todos os seus cumplices. Por isso foi o Ru smente condenado a ir ao auto da f ouvir ler a sua sentena, com carcere e habito penitencial perpetuo. Foi publicada a sentena no auto celebrado no Terreiro do Pao num Domingo, 4 de abril de 1666. O protagonista da Caveira da Marfyr porm outro. Um sobrinho do mesmo nme e egual- mente advogado. Foi mandado prender, com sequestro de bens, a 23 de agsto de 1703 ( 1 ). Mais sl to da lingua que o tio, comeou a confessar as suas culpas logo a 25 de to de 1703. Dedarou ser advogado, casa- do <:om D. Mariana de Mendona, de Tran.- cso e ter 35 anos de edade. Haver 18 anos, achou-se em Abrantes, em casa de seu tio paterno, Jorge Nobre, homem de negocio, solteiro, filho de Jorge Mendes Nobre, . advogado e condenado pela inquisio,, christo novo e de Isabel Nunes,, natural da Guarda, seu tio o convidou a seguir a lei de Moyss, o que! fez. Acusou todas as pessoas com as quaes tinha (1) Inquisio de Lisboa, proc. n.o 8.279. DA INQUISIO PORTUGUESA 249 judaisado em successivas audiencias, sem instan- cia de maior. Era filho de Manoel Mendes Nobre, .advo.- gado da Guarda, e de Jacinta Mendes da Costa; neto paterno de Jorge Mendes Nobre, natural da Guarda e ouvidr da vila de Fer- reira; avs maternos, o conde de Mesquitla, D. Rodrigo da Costa e D. Catarina Cabral. Foi condenado a ir ao auto publico da f e l3.hi ouvir ler a sua sentena, tendo car- cere e habito penitencial a arbtrio. Foi com efeito ao auto de 1703. Em 1706 veio confessar que no sabt:: se sua me era filh.a do conde de Mesquitl;a. se de Diogo Mendes Sola, christo novo. Confrontem agora este extracto do pro- cesso com o que Camilo diz a paginas 15 da segunda edio da Cateira da Martyr, que temos presente. Ahi se afirma que o alcaide recebeu o mandado de priso, que se cumpria no mez. de fevereiro de 1701.. Pura fantasia, como vimos! A paginas 16: O preso orava ento pelos quarenta anos; com efeito, vimo-lo de trinta e cinco. De trinta e cinco anos e a . querer enfei- tar-se, como o graculus da fbula, com a ascendencia aristocratica, embora adulterina, dum conde de Mesquitla. Um poeta annimo do tempo fustigou-o nas de cimas publicadas por Camilo: Jorge Mendes! espantado Se mostra o mundo ao presente Sahires roo delinquente 250 EPISDIOS DRAMTICOS Sendo to grande advogado. Porm que muito que errado Andasses nas letras, se O mais candido da f Denegriste com borres, Ignorante das lies D catholico A-b-c? O TORMENTO SEGUNDO OS COOIGOS INQUISITORIAES E IS uma palavra s. de per si suficiente para nos horrorisar! O tormento! A casa dos tormentos 1. . Aos nossos piedosos olhos de sentimen- taes o ptro e a pol eram j bem duro castigo para quem prevaricasse, quanto mais para inocentes. No se pensava porm assim na Inquisio; e quer a jurisprudencia ecle- siastica, quer a jurisprudencia civil, encara- vam-no apenas como um meio de prova, alis bem falivel. Tanto que quem confessasse durante o tonpen'to deveria depois ratificar a sua confisso. O primitivo Regimento inquisitorial de 1552, indito que pub!icmos e estudmos ( 1 ), I1JO seu artigo 46, no s permitia, como at (1) A Inquisio em Portugal e no Brazil, in Arquo Historico Portugus. 252 EPISDIOS DRAMTICOS ordenava, esse meio de prova. E j por 1541 o inquisidr Jorge Rodrigues consultava o Inquisidr Geral sobre a aplicao da tortura. No sabia ele se directamente a haveria de aplicar, se devia remeter os culpados a S. A. ao que O. Henrique respondeu d'uma frma bastante vaga que sen'tenciasse o que fosse de justia e que chamasse para a ela assistir o Ordinario, ou o seu representante, segundo a disposio da bula e do Direito. O tormento podia ser aplicado uma vez s se o ro durante ele confessasse a sua culpa e ratificasse a sua confisso at o terceiro dia depois, sendo ento despachado como confitentte (art.o 46 do Regimento de 1552). No ,caso porm de negar a culpa depois de a ter confessado no tormento podiam-lho repetir (artig.o 46) (2). O Regimento de ll3 ocupa-se do tor- mento no artigo 47 e seguintes. Manda-n executar como at ento se fazia, podendo o Ordinario a s s i s t i r ~ ou o seu representante e chega no artigo 52 a determinar tormento ao ro relaxado para mais testemunhar, de- vendo-se-lhe fazer sentir que ele he atormen- tado como testemunha e no como parte. No Regimento de 1640 intitula-se o titulo XIV: De como se ha de proceder com os ros que ouverem de ser postos a tormellto e na execuo d'le. Alm dos preceitos de ordem jurdica dos Regimentos anteriores s encon- tramos o seguinte 6 que nos elucida, em- (1) Vide os meus estudos sobre Inquisio no A. Historico Portugus, V, 207. DA INQUISIO PORTUGUESA 253 bora muito vagamente acerca do que se pas- sava na casa dos tormentos: O tormento ser ordinariamente de pol; e quando o medico e cirurgio entenderem que os homens por fraqueza .ou indisposio o no podero sofrer de pol, lhe ser dado no ptro, aonde logo ser levado; porm s mulheres se no dar nunca no ptro pelo muito que se deve atentar por sua honesti- da<1e e f:'m caso que n.o possam ter nenhum tormento de pol, nem haja logar para se dissimular com ele, os inquisidres daro conta ao Conselho, para ahi se determinar o que fr justia. Sendo necessario dar trato esperto nos quinze dias antes do auto, por no hirem os presos a elle, m10strando os sinaes do tormento, lho daro no ptro e na sesso que se fizr na casa do tormento, faro os inquisidres sempre declarar a razo que ouve para se dar no ptro, e no na pol; e em todas as sesses se dir a hora em que comeou e aca'bou o tormento ... No Regimento pombalino do Santo Ofi- cio, datado de 1774, encontra-se tambem o titulo III que se ocupa dos tormentos. Porem estatue expressamente no l.o que no deve haver no Santo Olficio este modo de averi- guar detidos e a teniio com que se co- metem. 1 Em todo o caso o 3. 0 exceptua os ros heresiarchas ou dogmalistas que tiverem dis- seminado erros e feito sequazes d'e!es; se os no confessarem e as pessoas que com eles coniamburam. At aqui os preceitos legaes; agora a sua execuo. 254 EPISDIOS D"AM TICOS COMO SE EXECUTAVA O TORMENTO- PREPA- RATIVOS EQUJVALENCIAS DO POTRO ?OL REGRAS SECRETAS A QUE OBEDECIAM OS INQUISIDORES O QUE ERA LEVANTAR AT O LOOAR DO LIBtLO, DAR UM TRATO ESPERTO E CORRIDO Quem compulsa os processos inquisito- riaes to cheios de minucias em todos os seus incidentes, tem grande desiluso ao chegar aos termos do tormento. Nada mais laconico, mais frio, mais hirto, mais glaci3.L O notario entrincheira-se na formula con- sagrada e pouco mais. D'ahi a nossa inten- sissima curiosidade de saber o que ordinaria- mente se passava na sinistra casa que bem forte devia ser para se no abalar com os gritos lancinantes das victimas. Vejamos os preparativos u s a d ~ s na inqui- sio de Lisba segundo um apontamento de inquisidr seiscentista: ENTRANDO-SE EM TORMENTO EM LISBOA Seis dias antes se d recado ao alcaide que veja se falta alguma correia ou cordel e se o cala'ore est so e que lhe ponha um peso e o solte oomo que houvsse trato e deixe estar at um dia antes do primeiro DA INQUISIO PORTUGUESA 255 tormento; mandar recado por um solicitadr a um corregedr crime que nos d minis- tro etc. ---.,_' .. , .' O;; trrr.t:ntos segundo uma gravura das cr- mc.nies et coutumes. Apezar de no ser rigo- rosamente histrica v-se um condenado pol, outro ao ptro e outro a suplicio que no supmos ser da Inquisio. Um dia antes de se entrar no tormento mandar com a licena do corregedr do crime buscar o ministro e estando preso traga-o um solicitadr com dois homens do meirinho de noite aos carceres e. ahi fica e est como em priso emquanto o tormento dura e d-se-lhe de comer e o nece.ssario 4 custa da Inquisio; 256 EPISDIOS DRAMTICOS em o ministro entrando se lhe mostram os apparelhos para ver se esto bons e se falta alguma cousa e d-se-lhe juramento de se- gredo de que Se faz termo; chamam-se o cirurgio e o medico e declaram-se-lhe as horas em que ho-de vir C). Feitos os preparativos eis agora os dicta- mes a 1que tinham de obedecer os inquisidres na execuo do despacho que mandava ir tortura. Foram escritos decerto como fixao de doutrina para inquisidres novatos. ou para desfazer duvidas da jurisprudencia do Santo Oficio. Quem os escreveu- mal pensaria que, volvidos seculos, se tornaria publico o que de sua natureza era to rodeado de mysterio e segredo. Aqui vamos. tambem encontrar a expli- cao de expresses absolutamente desconhe- cidas como levantar at o togar do liblo, levantar at a roldana, ter um iraio esperto e ter finalmente um trato corrido. Vae-se pois fazer um juizo, no direi to completo quanto quereriamos, mas em todo o caso profundamente verdico do que se pas- sava dentro da casa das torturas. E depois o leitr ter a explicao das duas frases, por- tuguesissim.as de lei, amarrado ao ptro da ignominia e inflingir frat'os de pol. Seguem os documentos copiados ipsis ver bis, mas no ipsis literis: (1) FI. 149, do cod. 1.441 do Snn!o Oficio, na TQfrc do Tombo, (apontamentos do seculo XVII). DA INQUISIO PORTUGUESA 257 EXECUO DO TORMENTO Conforme o Regimento liv. 2.o, tit. 14, 6. 0 o tormento que se deve dar ordina- riamente aos ros no Santo Oficio o de pol. E quando no possa ser por fraqueza e indisposio dos ros, com parecer e infor- mao dos medicos e cirurgies lhe ser dado o de ptm. O que se entende a respeito dos homens; que s mulheres nunca ser dado no ptro pelo muito que se deve atender por sua honestidade, mas em caso ,que a mulher no possa ter tormento algum de poJ, nem haja logar para se dissimular oom ela se dar conta ao Conselho para l se determinar o que fr justia. Quando o impedimento que o Ro alega para se lhe no dar tormento de pol no fr patente, ou se no pudr ver honesta- mente, em duvida, mais seguro ser dar cre- dito ao Ro e dar-lhe o tormento no ptro. Como se computa o gro da pol com o do ptro Pol 1 Ad fadem 2 comear a atar 3 primeira correia 4 segunda correia 5 atado perfeitamente 6 comear a levantar 7 levantar t o lugar do liblo Ptro 1 Assentar no ptro 2 atar em 8 partes sem apertar 3 meter os garrochos em quatro partes sem an- dar a roda 4 meter garrochos em oito partes 17 258 EPISDIOS DRAMTICOS 8 levantar at a roldana 9 um trato corrido 10 um trato esperto 5 comear a apertar em quatro partes 6 comear a apertar em oito partes 7 um quarto de volta em quatro partes 8 um quarto de volta em oito partes 9 meia volta em oito partes 10 volta inteira em oito partes Out'ro computo da pol para pt'ro 1 A um trato corrido de pol corres- ponde no ptro 4 ou 5 voltas de cordel nos braos posto um sobre outro, assentado o Ro no ptro. 2 A um trato esperto de pol corres- ponde no ptro sete voltas de cordel nos braos posto um sobre outro. 3 A dois tratos espertos de pol cor- responde no ptro ste voltas de cordel nos braos e duas voltas em cada um baixo do brao e ouas duas nas coxas, posto o colar no pescoo e deitado o Ro de costas no ptro. 4 A tres tratos espertos corresponde tudo ao proxime dito mm . mais duas voltas de cordel em cada canela das . pernas. 5 A todo tormento corresponde. Assen- taro o Ro no ptro e antes de o deita- rem lhe daro nos braos posto um sobre o outro nove voltas apertadas com o cordel, e sendo assim atado ser admoestado que con- DA INQUISIO PORTUGUESA 259 fesse e no querendo, neste passo, se lhe ler o liblo (aonde se oostuma ler) e aonde no se oostuma o deixaro ~ e s t a r assim atado por algum tempo admoestando que 'confesse; ser. logo deitado de oostas sobre o ptro e lhe poro o colar de ferro na garganta e lhe daro com o cordel duas voltas em cada b 1 aixo do brao e outras duas em cada ooxa e duas em cada canela das pernas, indo-o sempre admoestando que confesse. Depois se lhe por o vo na bca com o pucaro de agua na bca, sobre o vo para que v entrando o vo na bca oom a agua na forma que se costuma e isto se far de modo que no abafe a arbitrio do medico, cirurgio e inquisidr. Em qualquer gro e estado que estivr o tormento se o Ro dissr que quer con- fessar logo pra o tormento e ahi mesmo ouvido. Em qualquer gro de tormento que o Ro estivr, se o medioo e Cirurgio dis- serem que ele no est para levar mais tor- mento ser logo tirado d'ele e se dir no termo: que por dizerem o medioo e o cirur- gio que o Ro no estava em estado para poder levar mais tormento os ditos senhores o mandaro desatar e levar a seu carcere, etc., .e assinam o medico e cirurgio. Quando o Ro leve todo o gro de tor- mento a que foi oondemnado se dir no termo e por estar satisfeito o assento da mesa etc. (). 1 (1) Codice do Santo Oficio, n.o 1.422, na Tor- re do Tombo, fi. 7. 260 EPISDIOS DRAMTICOS Oros do tormento segundo co s ftiflJie: ' 1 ' Prim 1 eiro na pol: I > Ad fadem, pondo o ro no banco com as mos postas atrs, imitindo-lhe o calabre em' um 'b 1 rao sem mais nada; COimiear a atar que atar com a primeira correia, sem apertar e logo se lhe faz o f>ro- testo; Atar com a primeira correia; Atar com .a 2.a 'correia; Atar perfeitamente, que ' depois de atado com toda a correia, ir pegar no calabre, mas no levantar; Coru:ear a levantar que at o primeiro so'brado; Levantar at o logar do libllo SJUe at o segundo sobrado; 1 Levantar at a roldana, que at o alto e vir descendo mo, mansamente; Trato mrrido, que depois de chegar ao alto vir descendo com pressa, sem largar: Primleiro no ptro ad fadem: t.o Despido o Ro se senta e deita no ptro pondo-lhe a ooleira smente ao pescoo; 2.o Atar o Ro em quatro partes uma corda em ,cada :blrao e outra em cada perna, fazendo-lhe o protesto logo; 3.o Atar em 8 partes, uma por b'aixo e DA INQUISIO PORTUGUESA 261 outra por cima do cotovlo e uma por baixo e outra por cimia de cada joelho; 4.o Meter os arrochos em quatro partes; 5.o Meter os arrochos em 8 partes e d'esta sorte est preparado para se lhe vol- ~ ~ ; I 6. Com'ear a apertar os arrochos em 4 partes; 7.o Com'ear a apertar os arroChos em todas as 8 partes; S. o Um quarto de volta nas 4 partes; . 9.o Um quarto de volta em todas as 8 partes. Pol: lO.o Trato oorrido e JOOI)l1eaoo a levantar; 11.o Trato corrido e levantado at o Jiblo; l2.o Trato corrido e levantado at a roldana; 13.o Trato esperto; 14.o Trato esperto e levantado at o libelo; l5.o Trato esperto e oorrido; l6.o Dois tratos espertos; 17. 0 Dois tratos espertos e levantado at o litilo; tS.o Dois tratos espertos e um corrido; l9.o Tres tratos espertos; 2o.o Todo o tormento; lO.o (sic) Meia volta em quatro partes; tt.o Idem e nas outras 4, depois de um quarto, comear a apertar ma.is nelas_; 12. 0 Meia volta em 8 partes; 262 lJ.o 14.o volta em 15.o, 16.o partes; 17.o em todas lS.o 8 partes; 19.o partes; 20.o todas as EPISDIOS DRAMTICOS Uma volta inteira em 8 partes; Volta inteira e mais um quarto de todas as 8 partes; Volta e meia em todas as 8 partes; Duas voltas inteiras em todas as 8 Duas voltas inteiras e um quarto as partes; Duas voltas e meia em todas as Tres voltas inteiras em todas as 8 Tudo quanto se pudr apertar em 8 partes. O Torm 1 ento se deve dar de manh e antes das 10 horas, estando o ro em' jejum; no durar mais de uma hora (t). Nem esta ultima recommenda,o escapou. Ensinou-lhes provavelmente a experiencia- nos outros,. bem entendido - que as dres agu- das no iam bem oom os estomagos cheios!. .. E completamos o atpituf.o apresentando o caso singular do christo nvo Antonio Soa- res,. por ser sinistramente typioo .. I ... E logo na casa e lugar do tormento es- tando ahi os senhores inquisidores e sendo o ru presente lhe fui dado juramento dos Santos Evangelhos em que ps a mo sob cargo d'ele lhe fui mandado que dissesse verdade e lhe foi dito que pelo lugar em que estava e instrumen- (1) Codice 1.428, 'fi. 3, da seco o Santo Oficio, na T. do Tombo. DA INQUISIO PORTUQIJESA 263 tos que nelle via poderia entender qual era a diligencia que com \ele ru estava mandado fa- zer pelo que para a poder escusar o tornam ad- moestar com muita caridade da parte de Christo N. S. queira confessar suas culpas para com isso alcanar a misericordia que nesta mesa se d aos bons e verdadeiros confitentes e por o ru dizer que no tinha culpas que confessar foram chamados os ministros e o ru despoj.ado de seus vestidos e ass.entado no banquinho,, pelos senhores inquisidores foi protestado que se elle ru no dito tormento morresse, quebrasse al- gum membro ou perdesse algum sentido a cul- pa fosse d'elle Ru e no d'elles senhores in- quisidores, rdinario, deputados e mais officiaes e ministros do santo officio, pois wm tanto atre\;imento se punha a to grande perigo e sade de sua vida. E por os medicos e cintrgi.o dizerem ven- do e apalpando pelas costas ao ru que se que,i- xava de dr em uma espadua direita de dbena que tivera de an10s a esta parte, e vendo que havia nela alguma leso disseram que convinha dar-se--lhe tormento no potro aonde logo foi pos 1o e lhe puzeram os cordeis em todas as oito partes aonde de novo lhe foi feito o pro.testo pel'O sr. inquisidor na forma acima di,ta e o ad- moestou de novo com muita caridade e por di- zer- que no tinha culpas que confessar lhe fo- ram dando a primeira volta com todas as ditas oito partes e o sr. o foi admoestando que no tinha que confessar, que era christo, repetindo esta palavra e dizendo quandO o moestavam mas que que era christo, que StObre os senhores inquisidores havia de fi- car, que no fizera tal cousa, e sendo admoes- 264 EPISDIOS DRAMTICOS tado oom caridade que 'Confessasse, disse que no queria confessar, que o matassem e caindo no que tinha dito que no queria confessar tor- nou a dizer que no tinha culpas que confessar e tomou outra vez a dizer que no queria,. que no tinha que confessar e lhe deram s;egunda rolta, em todos os cordeis e sendo admoestado no disse palavra mais que dar ais, misericordia de Deus me farorea pois me no crem, ella me socorra. }esus seja com 11. minha alma, estou acabado, dizendo estas palavras em tom como que cantava e sendo outra vez admoestado res- pondeu: -No me digam nada que hei-de. morrer pela f de Christ.o e logo lhe foram dando a terceira volta em tnd'as as oito partes e ele di- zendo i.Misoricordia de Deus me valha, -no te- nho que covzfessar, sou christo, no me digam nada e logo lhe foram ;dandii quarta volta e o for- ram admoestando c01111 muita caridade sem ele fal- lar palavra, nem dar um ai, s que se .calasse'm que era christo e logo lhe foram dando cinco voltas e o tornou o sr. inquisidor a admoestafl oom: muita caridade da parte de Christo que . oonfessasse respondeu: -Sou christo, no me digam mais nada e se lhe deu sexta volta e setima volta sem res- - ponder cousa nenhuma, sendo os cardeis gros- sos quebraram alguns e foi dito pelos medicas e cirurgies que se lhe tinham dado tratos mui- do expertos e que at os cardeis delgados que- . bravam e sendo admoestado com caridade que pedisse tempo para cuidar suas culpas respondeu que no tinha que confessar,; que era bom chris- to mas que o matassem e que lhe no disses- sem mais palavra: DA INQUISIO PORTUGUESA 265 - Querem que diga mentira uo o hei-de taz.er. : ' : i . l [ r E por dizerem os cimrg.ies e medicas. que tinha levado todo o tormento que devia levar e estar satisfeito do assento mandou o sr. inqui- sidor o desatasserrt/ e o levassem a s.eu carcere de que fis este termo que ele sr. inquisidor assir nou e eu, notaria, Antonio 1\t\onteiro, o escrevi. Diogo Ozorio de Castro - Anfo!flio Mon- teiro - Laiz Alvares da Rocha. ..... , ' ' ", "-... - ~ " ' " ' - - ' - :. E suporiam estas creatUras- de . frma hu- mana que tinham oorao? I. O BANQUEIRO DUARTE DA SILVA DURANTE ANOS A INQUISIO MANOBRA NA SOMBRA - PRELIMINARES DA SUA PRISO P RECISAMS de remontar ao primeiro 'quartel do seculo XVII e tomar ento a liberdade de entrar numa casa que bem poderemos classificar de remediada,. da ento villa de Viana da Foz do Lima, para travar conhecimento oom Brites Henriques ( 1 ), pa- renta do ;banqueiro cuja perseguio nos pro- pmJOS narrar. Apezar das suas vinte e duas primaveras nada de desconfianas, senhoras minhas, pois nada sabemos da sua formosura e alguma coisa poderemos dizer entretanto das suas desditas. Passageiras vo ser as nossas rela_es, rapida a vista d'olhos que lanamos sua ltabitao, suficiertte comtudo para avist!lrmos o leito de po, de cortinas de linho_, com (1) Inquisio de Lisba, processo n.o 2.122. INQUISIO PORTUGUESA 267 os devidos lenoes, cobertores_, travesseiros e cabeaes; suficiente GOmtudo para repousar- mos um pouco nas suas cadeiras de couro ... Ao canto l ast a arca encourada, cujo recheio nos vedado; para comer l tem os seus pratos de estanho e se lhe obtivermos a confiana poder-nos-ha mostrar desvane- cida dois aneis d'ouro COilTI uns gros d?al- jofar; o seu tero de aoraes, com uma cruz d'ouro, e cinco extremos d'ouro e os seus dois relicarios pequeninos de cristal com uma argolinha tambem d'ouro em volta. Dissmos que passageiras haviam de ser as nossas relaes e assim de facto pois nate porta a justia inquisitorial represen tada pelos seus familiares e ela inexoravel mente a entregar em Lisboa, nos Estos, a 10 de dezemblro rde 1618. Nada mais poderamos dizer de Brites Henriques, ag-ora entregue ao invulneraveJ segredo da Inquisio, se no tivessem esca pado furia destruidora dos tempos os milha- res de processos movidos pelo Santo Oficio, em' Portugal. Assim poderemos informar os nossos leitores de que havia mses fra denunciada como judaisante, quer dizer, como praticante de actos da religio judaica, por duas criadas que tivera e por duas suas irms, criadas cheias de despeito e irms faltas de senti- mentos. Na verdade a desgraada, fiada talvez no seu Messias, pois no marido no podia ser, visto que comerciava l para o Brazil, a desgraada confessou-se... judia. Judia sim, d ' u m ~ familia de christos novos de Viana; 268 EPISDIOS DRAMATICOS seu pae fra o cirurgio Manocl Esteves e entre os seus innlos apontaremos o botica- rio Henrique Nunes; Manoel Esteves, casado em Flandres; Joo Nunes, emtgrado no Per e outros residentes em Viana 1 o que bem demonstra a disperso das familias hebraicas nesse tempo. Em 19 de agosto de 1619 era posta a torm 1 ento. Sentada no escabelo, defronte da pol, puzeram-lhe os 'braos atraz, apertaram- na .oolm' a correia e dando as voltas ao redor Brites Henriques clamava: Jesus mie valha, valha-me a Virgem Nossa Sen'hora. Por fim foi atada de todo com a correia. e cordel, mas nada adiantou. Eim face d'isso sentenciaram-na a abju- rar publicamente os seus erros e a carcere. e habito penitencial perpetuas. Publicada tal sentena no auto da f celebrado na Ribeira, a 5 de abril de 1620, dois mises depois era modificada, felizmente no sentido benevolo, assinando-lhe Lisboa como carcere e, em 20 de maro de 1621, mandou-lhe o Inquisidor Geral tirar o habito de penitencia e pagar dez. cruzados de pena pecuniaria. . A desgraada tinha j dois filhos me- nores e o m'arido, que em m hora do Brasil, a contas com o terrvel tribunal. A pena a que foi suJeita no servio de lio a Brites Henriques. No. Passados mais de vinte annos, isto , cm "23 de de 1644, novamente a vamos ver; a dos Estos, toda cabisbaixa e tremula no seu manto j safado e no seu habito de baeta velho... E se estivrm\Qs todo o dia es- DA INQUISIO PORTUQUESA 269 preita l veremos tambem chegar Maria Hen- riques, sua filha, mais nova, de doze aJios .. bem lacrimosa por sinal, vestida de manto velho de tafet e saia de baeta verde e Francisca da Silva, de quinze anos, com a sua roupeta de picotilho. Escaparam as duas mais ausentes, Joana, em Sevilha Porto, ambas casadas. Seno, tam 1 bem. velhas por e Ins, no ali estariam Brites Henriques era ao tempo J.a viuva, a sua vida cheia de dificuldades, a ponto de sem destino ter peregrinado por Castela. Os moveis da casa bem denotam a sua pobreza franciscana: 1quatro cadeiras de couro negro velhas, decerto no as mesmas que havamos j encontrado; dois tamboretes do mes- mo couro.; um bufte sem gavetas; um escri- trio de po da lndia, sem chaves; um ma- fameda da lndia destinado a guardar o fato e uma caixa pequena em que tinha uma colcba de caniquiml oom frocos amarelos, um cobler- tr de papa usado e um bah com' lenoes de linho e estpa. Onde para vam 1 os seus ouros? ... Escusado certamente dizer aos leitores o motivo da priso: judaisavam e, com tanta pertinacia, que at depois de presas realisa- vam: jejuns judaicos! ... bem sabido que um dos meios de investigao do Santo Oficio era, sem' os ros saberem, colocarem-nos nuns carceres especiaes em que continuamente os esbirros do tribunal espreitavam os seus mnimos actos. Esses carceres tinham a designao de casas da vigia. Foi neles que as rs, crentes na 270 EPISDIOS DRAMTICOS f moysaica, se a praticas que as ajudaram a condemnar. Outras vezes as companheiras do carcere, colocadas adrede para infamemente espiona- rem, vinham denunciar e foi o _que aconteceu com Maria Henriques ( ). Ao lado porm d'esta grave falta, punida ao tempo pela justia da Inquisio, havia, oomo tantas vezes sucedia, urna vingana pessoal. Brites Henriques e suas filhas eram prin- cipalmente vidimas duma tal Luiza Barrosa, creatura que se entregava ao baixo mistr de alcoviteira, nos intervlos de se pavonear de virago, armada de faca e pistola. Vivend:o de expedientes, a aventureira Luiza Barrosa che- gou a organisar um' rol ou lista de christos novos aos quaes extorquia dinheiro sob a a.mieaa de denuncia ao Santo Ofido. Natural do termo das Pias, de perto das Areias, filha de um medico chamado Francisco Moniz, sabemo-la ora dizendo-se Anastacia da Sil- veira, ora Anastacia de Carvalho e at com a alcunha da Castelhana; ora engomladeira, ora fazendo atacas, mas sempre creatura capaz de tudo como nesta conjuntura bem demon- . Tentara desencaminhar as filhas de Brites Henriques e no faltou quem disssse que o tinha conseguido com' Francisca da Silva. Como a me naturalmente levasse isso a mal ahi vem ela aos Estos descarregar a sua consciencia ... -Tristes os tempos em que os tribunaes (1) Inquisio de. Lisba, proc. n.o 11.564. DA INQUISIO PORTUQUESA 271 servem de vingana e instrumento s insidias, aos despeitos e odios, emfim a todas as pai- xes ruins e baixas da Humanidade!-- Mas se o depoimento de Barrosa no era) na verdade,. digno tde grande credito, j o mesmo no acontecia, quer com a tal vigia dei1tro do tribunal quer com as acusaes que umas s outras fizeram. As desgraadas de- nunciaram-se reciprocamente! E assim as filhas encravaram: a nie. Maria Henriques, atormentada em 12 de julho de 1667, no teve papas na lingua e, entre outros acusou o banqueiro Duarte da Silva, seu tio, e respectiva familia. Talvez, por isso, eml 10 de julho de 1650, foi publi- qda a sentena condemnando-a a carcere e habito perpetuas, mas, onze dias depois, era mandada em paz 'para sua casa. Paralelos foram os tramites d:o processo de Francisca da Silva (1), mm ligeiras va- r.iantes potm. Presas no mesmo dia... ambas confiaram nas oompanheiras dos carceres, .que as denunciaram e am'bas, sujeitas vigilancia dos esbirros inquisitoriaes, judaisaram. fran cisca da Silva confessou que lhe ensinaram a seguinte orao: Vivo e Eterno Ser Que o Co e a Terra fizstes O ser, vida, e valr E a mim, sendo pecadr, Mostrastes vossa verdade Sendo nada em vaidade Me olhaes e daes favr. (1) /r.quisio de Lisba, proc. n.o 3.098. 272 EPISDIOS DRAMA TICOS Pois vs sois meu Creador Que em vs nada posso Quanto tenho tudo vosso No me deixeis, meu Senhor. Tam'bem confessou que secretamente se tinha correspondido no carcere com Domingos de Medeiros, servindo-se para isso da t!gla do e, no s o fizra por escrito, como tam'bem improvisando um alfabto, por meio de _pancadas na parde ... Como porm as suas confisses no fos- sem bastantes condemnara111-n fingidamente morte e, (lepois de lhe ser no"tificada .a sentena, acusou Duarte da Silva, o cunhado d'este Rodrigo Brando . etc. Pela sen- tena final publicada em' 10 de julho de 1650 foi oondemnada a carcere e habito _penitencial perptuos, sem remissito. . A esse tempo j Brites Henriques expiara cruelmente as suas supostas culpas: relaxada justia secular, foi publicada a sua sente11a no auto 'Celeb!rado no terreiro do Pao em 25 de junho de 1645. Portanto os seus gritos fugiram pelo espao e as suas cinzas infama- das foram impiedosamente lan_adas ao vento. PRIMEIRAS DENUNCIAS DE DUARTE .DA SILVA Antes d'isso, porm, j o nome de Duarte da Silva era proferido solJ as abobadas dos Estos. I Em 6 de dezembro de 1632 apresentou-se na Inquisio um meio christo novo chamado DA PORTliQUESA 273 Pedro da Silva, natural de Anvers, e disse que, haveria ano e meio, se encontrou com Duarte da Silva, morador nos baixos das casas do Arcediago, detraz de S. Mamede, e ouvio-lhe chamar ces aos padres e christos velhos e ces aos inquisidores, acrescentando que fodos os ha-de levar o diabo. Duarte da Silva cumpria o jejum grande e d'ahi o conceito einr que o denunciante o tinha de judeu. Quatro anos depois, em 19 de maio de 1636, o preso Luiz de Mello, advogado na Relao de Lisboa, vagamente aludio tambem a praticas judaicas de Duarte da Silva. Em 8 de maro de 1644 e dois dias depois duas testemunhas se apresentaram de ouvido: Anastacia de Carvalho, a quem j atraz alu- dimos e Maria Ribeiro. A ambas dissera Maria Henriques que Duarte da Silva pra- ticava actos de judeu. E at, em Oa, o preso Baltasar da Veiga disse ter ouvidlo em1 Anvers a um mercador rico que Duarte da Silva era judeu. A isto acres.:eu o depoimento de Domin- gos de Medeiros (1 ). Este deu entrada no carcere em 31 de janeiro de 1646. Denunciara-o o proprio irmo, Manoel Castanho, no convento de S. Domingos, de Viana, na cla do Padre Fr. Estevo da Luz, prior nesse mosteiro e mandado colocar na casa de vigia entregou-se a jejuns judaicos! Pequenos eram os seus bens, apenas umas caixas de assucar mascavado e um vestido d'e barbe risco pardo! Foi infeliz com as teste- (1) Inquisio de LisbtJa, proc. n.o 3.099. 18 274 EPISDIOS DRAMTICOS rn'Unhas que apresentou, pois, em 2 de sdem- b'ro de 1646, avisava o comissario da Inqui- sio em Viana, Manoel Lobo de Mesquita, que Joo Malheiro Reymo no estava na vila mas na sua quinta, bem como Agostinho Casado na sua de Refoyos. No admira porque se aproximava o tempo das vindimas. Durante ano e meio se manteve discre- tarn'ente sem acusar nenhum correligionario, mas em agosto de 1647, condemnado simu- !morte, acusou a familia de Duarte da Silva, se 'bem .que a este j muito antes se houvera referido d'uma maneira vaga. Ainda poucas eram porm as pessoas que acu- sava e por isso, em 6 de julho de 1650, foi ao tormenfo, despojando-o dos vestidos, puze- Ta'm'-no no banquinbo, ataram-no com a se- gunda correia, puzeramlhe o cordel e deram as voltas ordinarias at ser atado perfeita- mente. Nada porm adeantou e, em vista d'isso, foi ao auto da f de 1 O de julho de 1650 de vla acesa na mo, habito peniten- cial com' insgnias de fog,o e degradaram-no cinco ;anos para as gals, onde serviria a remo, sem soldo e assinaram-lhe carcere e h'abito penitenciaes perpetnos. Um ano depois era-lhe comutada a pena das gals por outro tanto tempo de degredo para Angola. Taes foram pois as primeiras denuncias contra Duarte da Silva (l ). Em vista d'elas a instancia da Inquisio proferia, em 4 de junho de 1646, um despacho em que se dizia: (1) Inquisio de Lisba, processo n.o 8.132. DA INQUISIO PORTUQUESA 275 ... E por haver informao nesta que o delato estava prestes para se em!barcar para as partes do <:q\ffi sua famlia, e ser j ido para fra do reino seu filho mais velho, se devia dar orde'm d'esta mesa a algum ministro da justia secu- lar para prender no Limoeiro ao dito Duarte da Silva, sem se entender que por ordem do Santo Oficio e 'QUe, isto feito, se ordene logo saber-se por sumario judicial se o de- lato se quer ausentar, porque, sendo certo, so as culpas bastantes para ser preso etc. . No lm'esmo dia _porm o Conselho Geral foi de parecer que as cu\pas no eram ainda frma. E por esta vez se escapou, sendo pois mluito de notar a cautla e prudencia mm que o Conselho Geral do Santo Oficio pre- tendia proceder. As razes vamos v-las em breve. t QUEM ERA DUARTE DA SILVA? I ., 1 l1 Tefia ao tempo cincoenta e um anos de edade e a si mesmo se intitulava homem de negocio. D'uma famlia de christos novos de Alter do Cho viera fixar-se em Lisboa, depois de ter estado, quando solteiro, residindo em' Viana da foz do Lima. durante dois anos. Viajou por Castela e pelo Brasil e assim ga- nhOu a pratica de comercio em que se tornou exmio. -lhe betn devida a designao d-e comerciante de grosso trato, largamente rela- cionado nas praas estrangeiras. A sua casa era um entrq>oasto comercial entre as nossas 276 EPISDIOS DRAMTICOS colonias, especialmente o Brasil e a Europa Do Brasil vinham os canegamentos de assucar e tabaoo; assucar em caixas e tabaco em rolos. De Lisba eram reexpedidos para as praas europeias, pois vemos que Duarte da Silva mantinha relaes oom Roma, Veneza, Hamlburgo, Holanda, Liorne, Londres, Anvers, Ruo, etc. Pela sua casa passavam: fardos de seda em/ : rama, tafets, sacas de arroz, peas de serap'hina, peas de bombasina, quin- taes de bacalho, roupas finas da India, caixas de banequins (?) finos, caixas de ooral, dia- m'antes, etc. n M,as onde miais se afirmava a importan- cia m10netaria de Duarte da Silva era como crdor ao estado e ~ e m misses ligadas s suas finanas. Era pois a Fazenda Real deve- dora a Duarte da Silva de quinze mil :cruzados; mais 5 :000 de bisooito; mais 24 :000 do resto da conta do assento do Brasil; tres folhas de pelouros, dos quaes ele e Francisoo Botelho Chacon ;deram satisfao nos armazens de artilharia; uma iolha de 1 :320 e tantos mil ris do resto do assento da polvora de 1645; 25:000 cruzados de um assento de arma!?, mur- ro, chumbo e pelouws. A guerra sustentada oom a Hespanha punha a Fazenda Real em apuros e dificul- dades e por isso recorriam fre.quentemente ao dinheiro e ao crdito de Duarte rda Silva. Tendo-se incumbido, com Francisco Botelho Ohacon, de pr.over as fronteiras de dois mil quintaes de polvora e de mil quintaes de oo'bre, recebeu Duarte da Silva 45:000 cru- zados; a.o almoxarife da t ~ o r r e da oolvora entregou cem 'barris que o conde de Ode- DA INQUISIO POIHUQUESA 277 mira tomou para o socorro que Salvador Cor reia de S levou ao Rio de Janeiro. Sendo preciso oomprar em Flandres dezaseis galees para servio do reino oi ao crdito de Duarte da Silva que recorreram pedindo-lhe cem mil cruzados, por ordem do proprio rei, e d'esses ainda, data da priso l'he deviam s"etenta mil cruzados. r m Finalmente Duarte da Silva _quem em- presta dez mil cruzados para a armada que foi B.ahia e ,quem, por ordem d'El-Rei, dada por intermedio do dr. Pedm Fernandes Mon- teiro, encarregado da informao da gente por que havia de ser dividido o empr:estimo de cem mil cruzados. Se da Fazenda Real passarmos :s fazen- das dos particulares veremos, entre os seus devedores, algumas das principaes figuras do tempo: o correio-mr Luiz Gomes da Mata; O. Juliana de Noronha, senhora de Vila Verde; O. Joo Mascarenhas, o conde d'Obidos, o conde do Prado, ,o prior e rel!giosos do convento d ( ~ S. Domingos de Bemfica, etc. -1 NOVAS DENUNCIAS- NOVOS DESPACHOS CON- TRA DUARTE DA SILVA- APRESEN- TA-SE DEPOIS DE BALDADAMENTE PROCURADO _:_ O QUE CONTAM DES- TA PRISO O EMBAIXADOR SOUSA COUTif'..'HO, O PE. ANTONIO VIEIRA I E OUTROS A tres de junho de 1647 o preso Bento da Costa Brando, de quem ad'eante nos ocU- 278 EPISDIOS DRAMTICOS parmos, disse ter ouvido a Beatriz Henri- ques que Duarte da Silva cria na lei de Moyss e o mesmo confirmou, em 13 e 15 de julho a presa Maria Henriques. li1 A impaciencia dos inquisidres era ma- nifesta e por isso, em 16 de julho, foi a primeira mi!sa, como quem disssse a pri- instancia, de parecr que j havia prova contra Duarte da Silva suficiente para priso. Porim o Conselho Geral moderou-lhes os m- petos no a achando suficiente, pois conheciam bem 10 valimento e alta proteco, nascida dos degro.s do thrno,, de que gozava ro to ca- tegorisado. Em 4 de dezembro .'de 1647 surge nova acusao: a prsa Francisca da Silva disse que, haveria cinoo anos, na propria casa d'le lhe aonfessra Duarte da Silva que jejuava 'Illloda judaica e que, ao contrario de sua mulhr, D. Branca da Silva, no usava comr toucinho. Veio este depoimento encher a medida inquisitorial e por isso, em seis de dezembro, proferiram' eontra le os inquisidres o des- pacho da pronuncia, 'cuja confirmao o Con- selho Geral decretou na mesma data. No m:esmo dia era passado mandado d'e captura contra Duarte da Silva, contractadr, homem de negocio, devendo trazer at 40$000 ris em dinheiro para seus alimentos. Mas a policia do perseguido no dormia e por isso o familiar IPedro do Vle debalde o pro- curou de -dia nas' suas estancias e npi- te, levando oomsigo os famHiares Vicente F'er- nandes de Andrade e jeronymlo do Vad're, postou-se em sitio d'onde bem avistava a DA INQUISIO POIHUOUESA 279 porta do Ro. A um estudante que o pro- curou responderam! que no estava e gran- des foram os sustos em casa, segundo per- cebeu, quando chegou o lacaio com' o maCho_, os criados vieram com um esper-lo e no maCho ninguem vinha. Reduzidas estas declaraes do familiar a auto os inquisidres sabresaltaram - se tamlbem. Pois qu? Era a Inquisio atra!oada? Duarte da Silva sabia o que contra ele se planeava? No dormiam socegados os iqquisidres.; e, em oito de dezembro, foi o Conselho Geral de parecer que contra o Ro se procedesse por ditos por estar ausente. No mesmo dia o famso Inquisidr Geral, O. Francisco de Castro, dava ordem para que os inquisidreii indagassem porque frma Duarte da Silva tinha tido infonnqes do processo contra le, devendo ser d'ois os inquisidres a iazerem o interrogatorio. O caso era na verdade sensacional. Que mutuas desconfianas n.o iriam por l! Mas o passaro no tardou a cahir na gai.la: a nove de dezemibro de 1647 apresen- tou-se pois Duarte da Silva, de cincoenta e dois anos de edadie, moradr a S. Mamede. Seu so'brinho, Jorge Dias Brando, havia-lhe dito na ermida da sua quinta de Palhav ,que a Inquisio o _procurava e por isso ali estava espontaneamente para _provar que tudo era falso e poder livremente andar _pela Receava-se smente das calumnias de suas parentas Francisca da Silva e Maria Henri- 280 EPISDIOS DRAMTICOS ques a .quem recusara dinheiro que emprestado lhe pediram!. No m'esmo dia, 9 de dezembro, tinham sido oontra le publicadas cartas citatorias editaes. No chegaram porm a ser precisas. Passados quasi dez anos, em carta de treze de agsto de 1657, escrevia textualmente o embaixadr Sousa Coutinho: Estava eu em: Holanda quando prende- ram a DJ,larte da Silva, e sendo que viveu toda a sua vida em' Lisbia, nunca foi judeu seno quando passou um crdito de 300 mil cruzados rpara em Hola.nda se fazer umas fragatas para a nossa armada e chegou ali primeiro o aviso que -crdito cotp .que no teve efeito a obra; cinco anos esteve prso, oou'IJe le que o queriam prender, avisou a Sua Magestade e lhe respondeu que se dei- xsse prender ,que o livraria e sendo a culpa s por querer saber segredoi da ln.,Auisiq, puderam mais os inquisidres que o Rei e no sahio dos carceres seno para o cada- falso que V. Magestade vio (1). A informiao predosa de Sousa Couti- nho no porm completa. Contra Duarte da Silva havia duas queixas parallas: de judasmo a mais antiga e de pretender des- vendar os invulneraveis arcanos do Santo Oficio, a mais recente. A proposito da priso de Duarte da Silva . l-se na Historia do infante D. Duarte (2): (1) Corpo Diplomalico Poriugus, vol. XIH, pa- gina 450. (1) Historia do infante D. Duorte, tomo 11, pa- gina 487. DA INQUISIO PORTUGUESA 281 No dia em que chegou a noticia . Haya, diz o padre Antonio Vieira, ento ali mora- dr, o camlbio subio a cinco por cento. Por amor da priso de Duarte da Silva, escrevia Lopo Ramires, ao nosso embaixadr em Ho- landa, Francisco de Sousa Coutinho, no se achava etn Amsterdam quem quizesse enviar um vintem para Portugal e em Hamburgo, estando embarcadas muitas munies que vi- nham! para o reino por conta do mesmo preso, apenas constou o que lhe sucedera desembar- caram-nas logo. A imprudencia do nosso go- verno chegou, porm, ao seu auge, no pre- venindo os tristes resultados do mau passo que dra. Duas coisas me admiram a mim mais que todas, escr.evia o padre Vieira ao mtarquez de Niza, relatando-lhe estes factos: a primeira que se fizesse em Portugal o que se fez; a segunda que, depois de feito, se no puzsse r e m ~ e d i o aos assentos e mais negocias d'el-rei, p4,ra que no faltassem; mas pde ser que um' e outro efeito nasa da mesma causa. Referindo-se ainda ao mesmo, diz o nosso jesuta: Depois do que escrevi a V. S. sob're Andr Henriques, nos entrou quarta-feira pela porta, resoluto a se embarcar para Lisboa, com a nova da priso de Duarte tia Silva, com' que no ha .que falar em se pagarem os crditos, por ser o dinheiro nas m'os d'estes homiens como fortalezas de homena- gem, que nem ao dno se entregam, se est preso. O ldno que esta priso faz e ha de fazer ao comercio de Portugal maior do que l se considera. . . e por ventura que seja 282 EPISDIOS DRAMTICOS egual ao que .s;e de9eja, que no posso cuidar outra coisa. Emfim para que o tempo se no passasse, e se acudisse a esta necessidade de alguma maneira, resolve.u o senhor embaixa- dr comigo que Andr Henri_ques se no fosse para Lis'boa, seno para HambuJ:go, com car- tas que lhe dmos muito encarecidas Duarte Nunes, pedindo-lhe quizesse assistir com seu credito compra de at seis navios, e segurando-lhe eml nome de S. Mde. a pron- tido do pagamento, sobre o que ser bom que V. Ex.a escreva. Jeronymo Nunes escre- veu tamlbem a seu pae animando-o, e cuido que por. sua parte quer egualmente fazer com- pras de fragatas em Amsterdam . D'ahi a pouco necessitou-se de arranjar dinheiro para a passagem de Christovo Soares de Abreu a Frana, que ento estava quasi a realisar-se, e nem para isso se en- contrava, porque as prises de entre as quaes se contava a do opulento negociante, tinham1 acabado o crdito de Portugal naqueles paizes. No era s o padre Vieira que desapro- vava o comportamento do governo portuguez; desaprovava-o outrosim o de Niza e o nosso infante (D. Duarte de Braganca) o qual recebia d'aqui prejuzo gravssimo, ou pela dificuldade de se arranjar dinheiro em geral para os negocias, e em para o projecto da sua liberdade, que ento se tra- tava com Hespanha, promovido por D. Joo d' Austria, ou porque essa dificuldade obriga- va os nossos ministros a recorrerem ao seu correspondente Duarte Nunes da Costa, e a JeronymiO Nunes da Costa, seu filho, como DA INQUISIO PORTUGUESA 283 Retrato de O. Joo IV, protectr de Duarte da Silva, Sf'gundo uma gravura italiana quasi oontemporanea. 284 EPISDIOS DRAMTICOS ha pouoo nos disse o padre Vieira, agente d'el-rei em Hamburgo e Amsterdam, com quem o mesmo governo j no costumava andar muito em dia nas suas contas. D'aqui nascia oomplicar-se a situao financeira do pobre encarcerado, o qual via assim distra hidos os fundos de que precisava, ou que lhe estavam destinados. Taes motivos particulares, alm do pul:ilioo do reino, levaram o infante, como j dissmos, a aconselhar a el-rei que perdoasse ao ro, por ser to necessario. Na verdade D. Joo IV e o seu governo no se pouparam a esforos nesse sentido e neste ponto injusta a critica de Ramos Coe- lho, mas nada conseguiram. O baluarte dos Estos era inexpugnavel e, oomo adiante se ver, s oondescendeu em o soltar depois de anos de clausura, de o vexar e de o atonnen- tar, l:Jem oomo familia e aderentes. ONDE ESTEVE ESCONDIDO DUARTE DA SlLVA? DIUGENCIAS lNQUISITORIAES PARA DESCOBRIREM O SEU INFORMADOR Tres dias pois mediaram entre o despacho de pr.onuncia e a apresentao de Duarte da Silva. Tres dias de lagrimas para os seus, de incalculavel excitao para le, de receio para os amigos e de fundada ira, de sobrecenho carregado para os inquisidres. Quaes foram os seus passos nesses tres dias? Quem to bem o informou e to habilmente o ocultou? Esta foi a primeira preocupao dos DA INQUISIO PORTUGUESA 285 JUizes dos Estos i foi, como vimos, o cum- primento de uma ordem do austro hrquisidlr Geral e ser tambem o fio da nossa narrao. No mesmo dia da apresentao do Ru pessa intima da casa era interrogada: Bar- bara da Silva, a ama de um seu filhinho. Tinha estado com os amos na quinta de Pa lhav e asseverou que Duarte da Silva dur- mio na sua casa a S. Mamede na noite de oito para nove, pois s cinco da manh lhe deu uma toalha para Umpar o rsto. 1 Nada adiantou o seu pagem, Oregodo d'e Sequeira, tambem interrogado no dia nove i mas, no dia seguinte, tomando decerto me- lhor consetho com o duro travesseiro do car- cere da penitencia, vei.o revelar a verdade toda. Disse ter ouvido que Duarte da Silva tinha razo para se recear d.o Santo Ofici.o e por isso o v.to muito atem:orisado por oca- sio do ultimo auto da f; a sua filha mais velha, D. Catharina, haveria dez dias que se ausentra para casa de seu primo Duarte da Silva Leo para .onde o seu patro tinha mandado dois sacos com dinheiro e varios papeis que supe escritos de dividas. Por ultimo elucidou, na sexta-feira, dia 6, Duarte da Silva sahio de casa a cavlo com um lacaio em direco . morada de Pedro Fer- nandes Monteiro. Alguma coisa tinham portanto j averi- guado, mas era preciso continuar espremendo os familiares do abastado banqueiro israelita. Tem agora a palavra outro seu criado, Antonio da Fonsca. Disse que na semana anterior sua priso se juntaram em casa d'le: Jorge Dia.s 286 EPISDIOS DRAMTICOS Brando e Rodrigo Ayres Brando, seus sobri- nhos, bem (jOJTIIO seu primo Duarte da Silva Leo. Calculava o Fonsca que essas reu- nies fossem motivadas pela priso de uns parentes do seu patro na inquisio de Lisba e de outros, naturaes de Viana da foz do Lima, na inquisio de Coimbra. Soube, pelo pagem, que Duarte da Silva, na noite de sexta para sabado, isto do dia seis para sete, vira para casa depois da meia no'ite muito chorso e de quarta para quinta, isto de quatro para cinco, lhe notou grande di- ferena, dizendo-lhe o pagem que nessa noite sahiram de casa do seu patro muitas fazen- das e dinheiro. Era constante o murmurio dos lacaios por Duarte da Silva ir muito ao terreiro de S. Sebastio, supe a testemunha que para rece- ber noticias dos encarcerados de ha um ano a esta parte. O Fonsca estava persuadido de que as parentas prsas do seu patro nada diziam pois, lhe deviam imensos favres taes como: viverem na sua casa, ora em Lisba, ora na quinta; dar-lhes mesadas e ajudar a casar duas irms d'elas. E assim deveria ser na verdade se a gratido no fosse para elas mais que uma palavra. Quem veio porm a elucidar completa- mente .os in,quisidres foi Gaspar Jorge Mo- reira, homem de pee que o servia, mandado vir do carcerc e interrogado no dia 11 de dezembro. Disse que na quinta-feira passada, dia 5, Duarte da Silva fra a casa de seu primo Duarte da Silva Leo, morador Praa da Palha; . na sexta, s A v e Marias, sahio DA INQUISIO PORTUQUESA 287 Duarte da Silva num macho, com a teste- munha, direitos Carreira dos Cavallos, por junto da igreja nova, freguezia da Mouraria e, por S. Lazaro; ahi apeou-se, entregando . testemunha o macho, e foi para o lado de Santo. Antonio dos Capuchos, voltando d'ahi a uma hora, desceram para os Anjos, d'ahi s Olarias, e a Santo Andr a casa de Pedro Fernandes que no estava,, ficando o macho e a testemunha detraz da igreja de Santa Marinha. Depois de falar com este montou novamente e dirigio-se para as portas d' AI- fofa, d'onde mandou recado pela testemunha para seu cunhado ir ter com elle a casa 'de Clemente Felix. Jorge Dias Brando montou no macho e foram encontrar Duarte da Silva junto das casas onde vive o inquisidr Fran- cisoo Cardoso do Tornoo e muito atemo- risadas, mandaram embora a testemunha, com recado para dizer mulher de D u a r t ~ da Silva que este, com o cunhado tinham ido para casa de Pedro Fernandes Monteiro. Ao ouvir isto, em casa de Duarte da Silva: choraram e a sua mulher quiz saber se le fra prso ou ferido. Jorge Dias Brando veio para casa meia noite e Duarte da Silva s tres da manh. Referi.o por ultim.o que pelo S. Joo passado le e .o seu companheiro trouxeram' a O. Catharina, filha dos seus amos, da quinta de P.alhav, onde ento estavam, para casa de Duarte da Silva Leo. Conhecidos mais ou menos os passos do banqueiro prso durante os tres dias tragicos vamos vr d'ora vante estreitamente enla- adas as duas investigaes. O mysteriso infonnadr de Duarte da 288 EPISDIOS DRAMTICOS Silva vae ser durante anos o espectro perse- guidr dos inquisidres. O proprio Gaspar Jorge Moreira, no depoimento a que nos acabmos de referir, informou que a pessa com quem Duarte da Silva ia secretamente conferenciar era um cle- rigo de cara comprida e de meia edade. No mesmlo dia 11 de dezembro foi inqui- rido outro criado do Ru: Francisco da Fon- sca, egualmente prso no carcere. V-se que a lrtquisio os arrebanhou a todos, a _pre- texto de averiguaes. Este declarou que seu amo vinha todas as semanas, j de noite, a cavlo, ao adro da igreja nova de S. Sebas- tio da Mouraria, ahi ~ e apeava e se enca- minhava para a igreja de Santo Anto dos EstudDs. Fazia tanto isto estando na sua quinta de Bemfica, com 1 o na de Palhav. Acrescentou que ia fa1ar com um clerigo ou frade ao adro do Destrro. No dia doze foram interrogados mais dois creados: Belchior Monteir.o e Antonio Gon- alves. Se o primeiro nada disse j o mesmo no aconteceu ao segundo. Declarou que ps filhos de Duarte da Silva apresentavam como motivo de tristeza que lhes ia em casa ter seu pae prometido a EI-Rei dinheiro e faltar- lhe com le. Seis dias depois foi interrogado fr. An- tonio Nabo de Mendona, :companheiro de 'carcere de Manoel Barbosa Dantas, caixeiro de Duarte da Silva haver vinte e cinco anos e tambern prso, claro. Revelou-l'he o Dantas que sabia que o seu patro tinha avisos secretos do tribunal da Inquisio, mas DA INQUISIO PORTUOUESA 289 este, interrogado, nada mais adeantou seno que Duarte da Silva faltara em< casa na sexta- feira, dia 6, pelas cinco da tarde. No se pde dizer que dsse grande novidade e tambem se no pde dizer ;que fosse muito fructifera esta primeira fase do inquerito inquisitorial. Ficaram- se conhecendo os passos do banqueiro mas continuou-se na ignorancia do traidr Inquisio. No se pense porm que os juizes dos Estos desanimaram. NOVAS DILIGENCIAS - PISTA FALSA POR IN- FUNDADAS SUSPEITAS - INTERROGA- TORIOS SOBRE INTERROGATORIOS Passou-se o resto de 1647 e, em nove de janeiro de 1648, reataram-se as investi- gaes inquisitoriaes. Com efeito nesse dia foi inquirido outro homem de p de Duarte da Silva, Thom Antunes. Disse que o acompanhou muitas vezes egreja nova. freguezia da Mouraria, quer da sua casa da cidade, quer da sua quinta da Cruz da Pedra junto a Bemfica; um pagem do seu patro lhe contara que ouvira dizer p o. Branca que seu marido costumava levar uma blsa de moedas d'ouro para com elas presentear um dezembargadr. Ainda outras testemunhas foram nesse dia interrogadas e entre elas novamente o pagem Belchior Monteiro, prso na noite anterir. 19 290 EPISDIOS DRAMTICOS Contou ste que um filho do seu patro, chamado Dig.o Pinto, o convidara para fugir para Rma, dizendo que o fazia por ordem de seu pae, apezar d'le querer que se dis- ssse que era sem seu consentimento. Dis- sramt-lhe os lacios que Duarte da Silva ia falar com um homlem desconhecido, vestido de comprido, no adro d'a egreja de Santo Anto dos padres da Companhia; por oca- sio do auto da f, anterir ao proximo passado, tirou Duarte da Silva de casa um caixte de prata e levou-o para casa de Ferno Rodrigues, o Penso. Tambem o Mon- teiro ouviu que Duarte da Silva levou d'uma vez uma blsa d'ambar cheia de moedas d'ouro para dar ao tal hom'em com quem ia falar, mysteriosa incognita que debalde os in- quisidres procuravam I A 13 de janeiro de 1648 inquirido Joo Reimto Toscano, moradr a Santo Antonio dos Capuchos, m ~ s na-da deps. No dia seguinte Catharina Sim'es, ama da filhinha de Duarte da Silva, confirmou o caso da blsa, ao m'esmo tempo pecaminosa e oonvidativa, cheia de moedas d'ouro. E no m:esmo dia foram interrogados os dois marido e mulher: Duarte da Silva e O. Branca da Silva. Esta referio-se vagamente a supostas infidelidades conjugaes e declarou que quando seu marido vinha tarde para casa se demo- rava no Pao, em casa de Pedro Fernandes Monteiro ou do bispo do Prto. Duarte da Silva explioou as suas idas . noite, ora ao terreiro do Colegio de Santo Anto, ora bica do mosteiro de N. Senhra do Destrro, ora a Santo Antonio dos Capuchos, para ter DA INQUISIO PORTUGUESA 291 entrevistas com' uma senhra, Donana Hen- riques, casada com Diogo de Mlo. Por ela, em noites claras, se disfarava vestindo roupta grande de estudante e chapu tambem de estudante. Este rom'ance porm no pegou porque na rua de Santo Antonio dos Capu- chos no morava nenhum Diogo de Mlo nem D. Ana E a investigao proseguio ... . A 31 de janeiro era inquirido o prso Jorge Dias Brando que nada adeantou e novamente instado Duarte da Silva para dizr com quem ia falar aos stios indicados repe- tio o que dissra acrescentando que travra relaes com a tal D. Ana por inter- medio de uma mulhr que a sua casa fra empenhar uma cadeia d'ouro por vinte mil ris, dizendo que a sua ama era fonnosa .e le podia v-la e de tal maneira realisaram a primeira entrevista. A 18 de maro foi inquirido o prso Rodrigo Ayres Brando, cunhado de J::?uarte da Silva; declarou que na sexta-feira, 6 de dezembro de 1647, esteve at s quatro horas em casa desse banqueiro para despacharem para Pernambuco uma caravela e, quando sahio, Duarte da Silva ficou de capa e espada, dizendo que ia a casa de Pedro Fernandes Mnteiro, sobre lu.uzs assentos com S. M. Passados m3es, em 17 de julho do ms- mo 48, foi interrogada Ana de Sousa por ter dito a Rodrigo Ayres que sua inn lhe con- tra estar le, Duarte da Silva . e Jorge Dias acusados Inquisio Francisca da Silva. 292 EPISDIOS DRAMTICOS E, no dia seguinte, essa irm interrogada explicou como estando no carcere ouvio uma altercao de Francisca da Silva oom a sua companheira e:m que esta a increpava por a ter f.orado a denunciar os seus parentes, entre os quaes os acima referidos, sendo tudo falso .. Nada pois de positivo se apurava e por isso, em 21 Ide agsto de 1648, foram .os inquisidres da primeira instancia de parecr que havendo evidentemente alguem a infor- mar Duarte da Silva, esse alguem devia ser o notario Domingos E..'lteves. Sendo isso po rm smente uma presuno ele devia apenas ser escuso do servio da Inquisio, sendo aposentado com o ordenado por inteiro ou transferido para Coimbra ou Evora. Em 25 de agsto porm o Conselho Geral no c o n ~ finnou tal despacho e ordenou que fsse c h a ~ m'ado Gaspar jdrge para vr se conheceria o clerigo que vio a falar com Duarte da Silva e, se responder afinnativamente devem no pr em sitio d'onde veja sahir todos .os ministros do Santo Oficio e depois dir se algum d'les. Com efeito, no dia 28, era novamente interrogado Gaspar Jorge, aqule que lhe ficava com o macho quando Duarte da Silva ia s suas entrevistas, mas s adeantou que a pessa que secretamente falava com Duarte da Silva era de rsto comprido, sobre o magro e usava chapu pequno de cpa baixa. D'esta se livrou o notaria Domingos Es- teves e o caso continuou imerso na msma escurido. DA INQUISIO POIUUOUESA 293 No cessaram por isso as investigaes. Em 21 de outubro foi chamado e inter- rogado um Manoel, que servio de muchilla a Duarte da Silva, moradr, como temos dito, atrs da egreja de S. Mamde. Este declarou que o banqueiro costumava 'frequentar os seguintes Jogares: na Rua Nova, a casa da polvora; armazens; habitao do dr. Pedro Fernandes Monteiro: adro do convento de N. Senhora do Destrro, apeando-se do la.do de S. Lazaro, na rua direita que vae para a "freguezia dos Anjos. Era este Manoel auto- ridade no assunto pois D. Branca, ciumenta do marido corno vimos j, incumbia-o con- tinuamente de o vigiar, mas le nunca canse- guio vr a pessa com quem Duarte da Silva tinha as suas noturnas entrevistas. Entretanto era este apertado e vivamente instado, mas persistia na negativa. Em 19 de novembro 'de 1648, chamada a mulhr em cuja casa afirmra ter:as entrevistas, negou-o terminantemente e o banqueiro, em 24 de novembro, s declarou que na tal casa das suas entrevistas vivia uma mulhr que usava toalha na cabea como de mulher casada, porque no era capello de viuva. E passou-se todo o ano de 49 e 50 e os inquisidres sem. nada apurarem. Decidida- mente Duarte da Silva sabia guardar um segrdo e rodear-se de precaues para que outros, no to discrtos omo le, o no pudssem revelar. At que uma malvads para eles providencial os veio elucidar. 294 EPISDIOS DRAMTI::OS A CARTA ANONYMA EM SCENA - O VIL DENUNCIANTE MANOEL CORDEIRO -_ PRISO COMO TRAIDOR DO NOTA- RIO GASPAR CLEMENTE, ] REFE- RIDO NO PRIMEIRO VOLUME Ainda grande parte do 1651 os inquisi- dres permaneceram na ignorancia daqule que os atraioava revelando c fra os seus invulneraveis segrdos at que, a 7 de setem- bro, o dominicano e padre mestre fr. Pedro de Magalhes veio, triunfantemente decerto, comunicar o seguinte escrito recebido em. con- fisso pelo tambem padre mestre fr. Fer- nando Soe iro: Logo que Duarte da Silva se apresentou no Santo Oficio, vendo V. S.as a causa de seu retiro o como ~ o i ajustada, contra a dis- posio e procedimento do que estava decre- tado, entraram V. S.as em grandissima oon fuso d'onde procederia o retiro dio dito Silva, to ajustado sua pronunciao, fazendo . tantas diligencias com mulher, criados, paren- tes e amigos, sem alcanar mais que ver-se fallar de noite em togares solitarios com pes- .sa de roupas mmprida:s . e ass'm se ficou tudo nesta confuso e foram correndo com elle os procedimentos ordinarios do Santo Oficio. Obrigao logo correr a V. S.as a mr- tina d',esta duvida para que (como em claro espelho) oonheam e vejam a causa d'esta confuso logo que Duarte da Silva usou mal do disfarce de fazer prender as duas moas DA INQUISIO PORTUGUESA 295 r- 41- tLl \i 2
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1{- . ; ' I . -1 c me, para haver de sanear e disfarar se 1 u erro e ruim procedimentoy logo procurou cor- romper os ministros do Santo Oficio, o que com facilidade fez ao sugeito do secretrio 296 EPISDIOS DRAMTICOS Gaspar Clemente que j neste tempo era useiro e vezeiro e muito antigo em seme- lhantes obras e logo que teve corrente cozid::> se ficou com a quietao que. todos vimas. parecendo que por es-te meio tinha sanead::> e seguro seu ruim proceder, antes que passe vante, quero dizer a V. S.as quem foi o interprete d'este conhecimento e sempre ficou correndo oom as embaixadas e pontes nas occasies que foi necessario, foi este um Manoel Rodrigues, natural de Lamego, que vivia ao Cho do Loureiro e assiste em ca:m de Jorge Gomes do Alemo e foi preso pelo Santo Officio em Coimbra e degredado para gals, e profanavam estes dois sugeitos de qualidade e segredo o Sto. Off,o. que tinham ramo aberto para quem se queria valer d'elles para suas velhacarias. Este pois, ou estes pois, foram os que davam clareza ao dito Silva de tudo o que ia succedendo e lha deram, quando os decretaram priso, cousa que elle sabia antecedentemente, mas naquelle dia que sobio ao Supremo o decreto do Ordinario, para ver se procedia priso ou no e baixou decre- tado de c i m ~ , eslava elle retirado desde a tarde aguardando a resoluo que se tomava, e corno lhe deu a noticia certa o sugeito refe- rido, se ficou retirado at hora em que se apresentou no Sto. off.o por conselho do mes- mo sugeito, parecendo-lhe (como via as aguas to revoltas) que com sua apresentao pa- rasse o Sto. off.o nas diligencias e ficasse tudo quieto. Nestes dias da retirada que foram tres, houve sempre conselhos sobre se havia de ausentar ou no. A culpa recusava a priso, a perda da fazenda o retiro, e assim com con- DA INQUISIO PORTUOUESA . 297 sclho do grande amigo, tomando por funda- mento que o testemunho de Luiz de Mello, o letrado, era de um falsario e no tinha vigor, e que o testemunho das duas moas oontradictaria elle com as fazer prenaer e que, caso que o Medeiros (que neste tempo catava convencido e relaxado) o culpasse, que em tempo estava para fonnar contradictas e dei- xai-as correntes. Posto isto neste estado, o secretario aconselhando e sollicitando a apresentao por causa do medo oom que estava elle, abraando-a tambem pela ambio da perda da fazenda, se sugeitou a fazei-a, elegendo por seus valedores, sollicitadores e protecto- res aos Forragaitas e dispondo na forma seguinte: Aos Forragaitas ficou formada a contradicta para o livramento do oito Silva s mas dizendo o referido, como elle as accusara e fizera prender ao Medeiros, como elle certo dia, defronte da loja d:os ditos Forras, na Rua Nova, tivera desavena de plavras com o Medeiros e at lhe dera bo- fetadas, e elle o ameaara jurando que lh'o h'avia de pagar, e queixando-se que elle era s bom para e:xtranhos e patifes e no para os parentes, uma e outra cousa foi phantastica, que tal pendencia n'o houve, antes estavam muito amigos, o Medeir.os reclhido e agasa- lhado em casa de R. o Ayres; e assim tratou o forragaitas, velho e moo, de correr o ferro com as testemunhas que ficaram qpontadas e ambos as andaram advertindo muito tempo, at que chegou o tempo de as chamarem e inquirirem (como tarnbem os ditos forras) c a chamar outras para este mesmo effeito . que 298 EPISDIOS DRAMTICOS no perguntaram e logo de seus ditos viram V. S.as como era feito o conluiot pois no havendo no mundo tal pendencia elles a jus- tificaram por verdadeira pela induco de .monsenhores Forras que to sollicitos andaram nesta materia e tanta jactancia fazem d'ella, oomo tambe:m a fazem de que sendo elles ... Era to grande a devassido do secretario Clemente que o ttl'inimo pensamento que contra este . sugeito se {:Ommunicasse lhe revelava logo, oomo 'foi o dia sancto ou Do- .mingo farde que V. S.as abriram o Tribunal pelo indicio de que se queria ausentar o Silva na no Flr de M,ao, ingleza, em continente despedio o avizo quinta de Bemfica aonde ento estava pelo Manoel l>drigues, que foi levar-lh'o pelos ares, elle lhe disse como a moa das 2 irm:s a mais velha, estava con- vencida por jejtun e culpas do carcere, e em- fim a ausencia do filho para Roma, o retiro da filha, e outras cousas que sucederam todas foram nascidas dos pontos . que dava este de- vasso administradr. Jorge Dias 'Brando, com o sobrinho que est em Roma, antes de se ir, foram a Viana a fazer a confirmao de suas judiariast Lisba est ardendo em heresias, a mulher de Duarte da Silva fallando mil d'esa- vergonhamentos sobre os secretos e procedi- . mentos do Santo Oficio. Os Forras fazendo alarde de que o Silva e toda a sua gerao esto despachados livres e que no ho-de sahir em auto publioo por virtude de um decreto d'El-Rei . Imagine-se a estupefao dos inquisid- res. Ninguem ousra pensar em Gaspar Cle- mente agora gozando a pingue abadia de S. DA INQUISIO PORTUGUESA 299 Pedro da Queimada, junto a Lamgo. Mas ... urgia proceder quanto antes. E por isso os inqisidfes, informados quem era o autr da carta anonyma, trataram de lhe deitar a mo. Manoel Cordeiro, tal se chamava o figu- ro, foi prso a trinta de setembro. Era pes- sa j bem conhecida no palacio dos Estos, pois j estivra a contas com a justia sitorial (t ). Narrmos, embora sumariamente, o seu primeiro processo. Prso em 29 de maro de 1629 era acu- sado por varias testemunhas.. entre as quae's sua irm e primos, de judaisante. Teria ao tempo dezoito para dezenove anos e j tinha servido na quinta de O. Lopo da Cunha, senhr de Santar, junto Azinhaga e na de Luiz de Miranda Henri- ques. Confessou as suas culpas em nove de agsto de 1630 mas como a confissso no fsse completa foi atormentado. Para isso os vestidos, assentaram-no no banquinho e quando o iam para atar pedio que o "deixassem, completando ento a sua confisso. Pela sentena final foi mandado abjurar publicamente oos seus erros e ter carce're e habito pe.nitencial perpetuo. Publicada esta sentena no auto da f celebrado na Ribeira a 1 de maro ide 1632, a 15 de julho mandado retirar o habito penitencial e levan- tar o carcere. Agora, passados quasi vinte anos, ahi estava novamente nas enxovias do Santo ., ( 1 ) ln.quisifiio de lisba, proc. n.o 643. 300 EPISODIOS DRAMTICOS Oficio, no sem ter tentado fugir para Ho- landa, recomendado por "Gaspar Tiias de Mes- quita e no sem ter estado escondido durante quatro dias! Foi a tentativa de fuga por Setubal, mas o advogado Belchior Fernandes Soares, d'es- confiando d'le, no o auxiliou e a propria carta de recomendao fra falsificada pelo Cordeiro. V-se que lhe no faltavam as boas qua- lidades ... A dois d'outubro fs as declaraes que mais nos interessam por serem respeitantes importantissima revelao que veio fazer, em'bora por escrito e acobertado com o ano- nymato. Disse pois que fra o mercadr christo nvo, Ferno Martins, morador S quem lhe confidencira os segrdos que puzera nas duas cartas anonymas -duas porque alm da que publicmos, outra adiante respigarmos dos processos-, a quem os contara o proprio Gaspar Clemente e tambem os dois Forra- gaitas (Francisco Gomes Henriques e Drego- rio Gomes Henriques); que Rodrigo yres Brando era o mats esperto em alcanar os segrdos do Santo Oficio, chamando-lhe at no carcere campainha; que os confidentes da mulher de Duarte da Silva; que tambem um Manoel Rodrigues contava segrdos da Inqui- si0 a Ferno Martins e era quem levava recados de Gaspar Clemente a Duarte da Silva: um dos Forragaitas dirigi o-se-lhe para ir jurar falso a favr de Duarte da Silva; que Ferno Martins lhe dissra: -Mal haja o Forragaitas, em no querer DA INQUISIO PORTUGUESA 301 largar de si vinte mil cruzados para livrar a Duarte da Silva porque, com isso, estivra o seu negocio lanado de parte e ele em sua casa. Continuou o Cordeiro afirmando: que voz publica que Manoel da Gama de Padua um grande protectr de christos novos, procura impedir o procedimento do Santo Oficio at com a proteco d'El-Rei e que, d'esta frma, alcanou a isen.o do fisco; que os Forragaitas se gabavam de ter amigos no Santo Oficio e que esperavam um breve de Rma para a Inquisio no ter juris.dio sobre les; que os Forragaitas se gabavam que Duarte da Silva e toda a sua gente esta- vam despachados livres e no haviam de sahir em auto publioo por virtude de um decreto d'El-Rei; que Ferno Martins e Francisco Ro- drigues Vila Real, mercadr que vive detrz de N. Senhra da Palma, filho de Gaspar Rodrigues Vila Real, sustentavam' duas victi- rrias da Inquisio; por fim que Gaspar Cle- mente queria sahir do servio da Inquisio para no ser descoberto. Taes fram as graves delaes, graves e variadas, feitas pelo vil falsificadr confesso Manoel Cordeiro. E antes de vermos a frma como a Inquisio as compensou refiramos um requerimento despachado em 14 de no- vembro de 1651 em que O. Luiza Guedes de Queiroz, viuva do Dezembargadr Bartho- lomeu Gonalves de Castelbranoo, dizia ter mandado para o Brasil. por ordem de Manoel Cordeiro, varias encommendas: 1, continha um vestido de mulher de tela parda, saia e jubo e uma pulheira de tela encarnada com fl- 302 EPISDIOS DRAMTICOS res de prata e ouro e um jubo, remettida a Angola a um Manoel Rodrigues Nunes, feitor d'El-Rei, assente aos procuradres d'e Gaspar Dias de Mesquita; a 2.a um vestido d ~ mulher, saia e saio e jubo de pinhoe!a azul e negra guarnecida de palrn'as de galo de ouro fino e um manteo de cochonilha com p a l m ~ s de passimaninho de ouro fino roda, encommenda esta que levou o capito Manoel da Veiga no navio de Gaspar Dias de Mes- quita. Como os conhecimentos tinham ficado em poder de Manoel Cordeiro a requerente pedia a entrega d'etks. Manoel Cordeiro interro- gado disse que a 2.a encornmenda referida fra vendida por 6()$000 rs. e a La por 3 peas da India. Manoel Cordeiro, como recompensa das suas boas aes, foi absolvido e assignou o trmo de segrdo em dois de dezembro de 1652. Como porm havia s o testemunho de Manoel Cordeiro contra o padre Gaspar Cle- mente Botelho mais uma vs os inquisidres se dividiram. A primeira instancia no julgou tal depoimento suficiente para priso mas o Conselho Geral, em tres d'outubro de 1651, foi de parecer coptrario e assim a Lamgo o iam prender quando estava no gso da sua abadia de S. Pedro da Queimada e, em 20 d'outubro dava entrada no carcere inqui- sitorial. DA INQUISIO PORTUGUESA 303 QUEM ERA O EX-NOTARIO E O M!TUAL ABADE GASPAR CLEMENTE? O PRO- CESSO QUE A INQUISIO LHE MOVEU E' DEGRADADO PARA O BRASIL O Ldo. Gaspar Clemente Botelho, Co- nego prebendado n ~ s de Elvas, e tendo j sido secretario da agencia portugusa em Roma, requereu para servir o Santo Oficio e por isso, em 27 de junho de 1620, foram-lhe mandadas tirar as provanas respectivas. Era natural de Rezende, filho de Clemente Gomes e Brites Sim'es; neto paterno de Gonalo Luiz e Veronica Gomes e neto materno de Simo Gonalves e de Esperana Botelho. Inquiridas as testemunhas chegou-se concluso de que era limpo de sangue, e por isso lhe foi a sentena favoravel e ~ em 11 de setembro de 1620, era habilitado para poder servir o St:o. Oficio em qoolquer. lugar que coubr em soo pessoa ( 1 ). Vejamos a frma como d'le se desem- penhou. Dizem-nos os seus acusadres. O denunciante Manoel Cordeiro no ficou isolado na acusao ao Ldo. Gaspar Cle- mente. No. Em 1 O de outubro de 1651 foi interro-. gado o familiar Mathcus Gonalves e disse que, haver seis anos, via Manoel Rodrigues falar em segrdo com le, sendo muito ami- (1) Habilitaes (} Santo Oficio, m. 1, Gaspar, n.o 46. 304 EPISDIOS DRAMA TICOS gos ( 1 ). E quando trocou a sua situao na Sant Oficio pela abadia na Beira, como a testemunha o aconselhasse a no aceitar, replicou-lhe que no era para os segrdos do Sanio Oficio. Em 21 de outubr.o, ainda antes do Ldo. Gaspar Clemente ser interrogado, foi.,Q o familiar que de Lamgo o acompanhou por nome Francisco Paes. Contou pois como o desgraado notaria lhe tinha revelado que no sabia a razo por que o prendiam; s se fra por vingana de inimigos porque quando servia o Santo Ofici'), se entendia que alguns presos estavam inocentes, em muitas cousas gostava de os favorecer. - Ah, senhor Licenciado, agora sob os fer- ros inquisitoriaes, no sabia que quem entra para o servio da Inquisio no pde ter cora- o condoido? Bem cara lhe vae custar a comiserao. Em 26 de outubro comeou pois o seu in- terrogatorio. Comeou por contar a sua amizade com Manoel Rodrigues, que no supunha christo nvo, com o qual muito embirrava sua so- brinha Isabel Botelho e era muito mentirso e embusteiro. Na occasio do auto da f nas estadas do Hospital, consentio que o tal Ma- noel Rodrigues fosse ao cadafalso ver se l . sahia uma tal Cardoso; que esse Manoel Rodrigues foi preso no Limoeiro e d'ahi foi para as gals; que o marqus de Pto. Seguro o livrou e deu-lhe um logar nas m ~ s m a s gals; que um tal Diogo Pinto lhe negociara em (1) Inquisio de Lisba, processo n.o 1 O. 793. DA INQUISIO PORTUGUESA 305 Roma um breve, mas no sabia q u e ~ efl era e s Manoel Rodrigues o informou ser filho de Duarte da Silva; que d'ahi vieram as suas relaes com Duarte da Silva, comeadas em abril de 1647; que Duarte da Silva negociava em vinhos na sua quinta; que para ir a eiie aproveitara um'a occasio em que teve de ir Charneca falia r a D .. Simo de Castro; que Duarte da Silva estivera no Brasil e recebera muitas mercs do rei de Castlla e d'el-rei D. Joo 4.o. 1 Referia-se s suas relaes com Francisco Fernandes Vila Real, contratadr que foi do priorado do Crato, e Luiz Fernandes Vila Real, com' loja de mararia e Gaspar Rodri gues Vila Real. Este, quando prenderam Duarte da Silva, disse-lhe: -Basta. que chegaram a prender a Duarte da Silva. Valha-nos Deus pois f que iinha amigos e amigos de lho e teve avisos de que se podera aproveitar! Oimos ag.ora Manoel Rodrigues que nos faz uma importante declarao. lnterro-' gado em 29 de dezembro de 1651 confirm10u o seu papel de intermediaria entre os dois prsos referidos, o banqueiro e o notaria, acrescentando que d'uma vs Duarte da Silva' mandra por le ao Licenciado a quantia de cem cruzados que le desinteressadamente no qus aceitar. S foi depois interrogado a 4 de janeiro de 1652. Declamu que, em conversa com Manoel Rodrigues Lamego e com Gaspar Ro- drigues Vila Real fallaram em os familiares do Sto. Offo. procurarem Duarte da Silva e Vila 1 Real disse que muita gente se temia das tas 20 306 E.PISDIOS DRAMTICOS Francisca da Silva e Maria Henriques,; porque, sendo pobres e indo a muitas casas pedir, como lhe no davam quanto queriam respon- diam mal e por isso eram capazes de culparem essas pessoas. Se at ento havia estado numa especie de priso preventiva no chamado carcere da penitencia, passou por despacho de 9 de janeiro de 1652, para .O carcere do secrto. Em onze de janeiro foi o seu interroga- torio in specie. Confessou ter amizade com Luiz Lopes Franco que lhe quiz gratificar certa informao do Santo Oficio, chegando a dar-lhe uma blsa de ambar. Foi advogado do Licenciado Gaspar Cle- mente o dr. Antonio Pereira de Sousa. Ale- gou em sua defsa os servios que prestou durante vinte e sete anos em que foi notaria da Inquisio; servia de secretario das duas visitaes, uma em tempo do capelo-mr D. Joo da Silva e outra em tempo de Diogo de Sousa; servia em 'Rma o Dr. Francisco Pereira Pina quando ahi era agente de Por- tugal; e em Lisba tinha uma casa mu!to mo- desta pois n.o tinha pagem nem mla. Apezar d'isso tudo os inquisidres pro- feriram no caso a sentena segttinte: Accordo os inquisidres, ordinario e deputados da Santa Inquisio, que, vistos estes autos, culpas e confisses de Gaspar Clemente Botelho. . . por que se mostra que, sendo, como christo e sacerdote e mais em particular como notaria do Santo Officio, obrigado a zdar o bem dos negocias tocantes nossa santa f, e c01111 promessa e juramento judicial, a no ter trato, nem communicao DA INQUISIO PORTUGUESA 307 com pessoas de nao que se esperasse hou- vessem de ter causas no Santo Officio, nem receber d'ellas dadivas,' nem perturbar ou impedir por algum modo seu justo, recto, e livre procedimento. Houve informao que o Reo, esquecido de sua obrigao o fizera pelo contrario, e que, com temeraria ousadia, pouco temor de Deus N. Senhor e da Justia, em grave damno de sua consciencia e prejuzo dos negocios tocante3 nossa sancta f, tivera oommuntcao com algumas pessoao; da naa, e que uma alcanara por sua via muitas par- ticularidades do estado em que estava a causa que, contra elle, se tratava na mesa do Santo Officio; e, outrosim, houve informao que a outra certa pessoa da nao mandara o Ro aviso que estivesse de bom animo porque outra pessoa presa no fallara neiie; E que, em occasies de auto da f, antes d'elles serem celebrados, mandara avisos antecipados a outras pessoas tambem da nao, da forma e modo em que haviam de sahir neiles certas pessoas que estavam presas, recebendo, por esta causa, algumas dadivas e sendo, pela mesma, respeitado e estimado das ditas pes- soas; Pelas quaes culpas, sendo o Ro preso e, com caridade, admoestado as quizesse con- fessar para descargo da sua consciencia e se usar com' elle de m'isericordia, disse e confes- sou que, com certa pessoa da nao q w ~ tinha negocio no Santo Officio fallara algumas vezes, mas que era em cousa sua particular e que d'ella acceitara certa dadiva d'e pouco valor, no querendo acceitar dinheiro que lhe mandava, aconselhando-a do modio que devia ter na dita causa e que, a outra, consolara e 308 EPISDIOS DI{AM TICOS animara a que esperasse bom despacbo em certa causa de outra pessoa sua conjuncta; e que esta mesma lhe offerecera uma pea de valor que no quizera acceitar, acceitando, por cortezia, umla de pouca estimao e que, outrosim, tivera co:mmunicao com outras pessoas da nao, recebendo d'eJlas algumas cousas em confiana porm que a nenhum revelara segredo algum do Santo Officio, nem por outra via tratava de impedir ou pertur- bar seus pwcediment:Os o que tudo visto, cotm o mais que dos autos consta, e a grande culpa que o Ro >Commetteu no sobredito contra sua obrigao e o .grande prejuzo que d'ahi resultou ao procedimento do Santo Of.: ficiQ, e o mais que dos autos resulta, havendo porm respeito prova da justia no ser bastante para maior condemnao, mandam que to R. Gaspar Clemente B o t e l h o ~ :em pena e penitencia das ditas culpas, oua sua sen- tena na sala do Santo Officio na forma cos- tumada, em corpo, com vella accesa na mo, perante os lnquisidres, mais ministros e offi- ciaes e algumas pessoas de fra e o privam da aposentadoria que fem na Inquisio e o degradam por tempo de 6 annos para o reino de Angola, e cumprir as mais penas e peni- tencias principaes que lhe forem impostas e pague as custas. Luiz Alvares da Rocha Pe- dro de Castilho Belchior Dias Pret'to. Foi publicada esta sentena em 20 de dezembro de 1652, estando presentes os inqui- sidres, deputados e notarias; 2 dignidades do cabido; ministros e officiaes do mesmo; prelados das rligies e outros religiosos; DA INQUISIO PORTUGUESA 309 alguns fidalgos e familiares e outras pessoas de fra. E:nr 9 de janeiro de I653 foi 'transferido para o Aljube a seu requerimento para ahi poder tratar de certos negodos seus. Em 20 de maro de 1653 requereu Gaspar Clemente para que o degredo d' Angola lhe fosse commutado para clausura em um dos conventos de S. Joo d' Alpendurada; de An- cede; ou . de Santa Cruz em Lamego. S opteve porm a commutao para o Brasil. Em I de outubro de I 653 parti o para a Bahia e, em 2-1 de maro de 1656, foi-lhe perdoado o tempo que faltava para cumprir do seu degredo. r Regressaria ainda a Portugal? Onde no voltou foi decerto sua antiga abadia. u PERSEGUIO A FAMILIA DE DUARTE DA SILVA - COMO SUA FILHA ZOMBA DOS INQUISIDORES DURANTE MAIS DE UM MEZ Ao despacho que pronunciou Duarte da Silva seguio-se de perto o despacho de pro- nuncia de sua filha, D. Catharina da Silva, de. seus cunhados Rodrigo Ayres Brando e Jorge Dias Brando e,, um nis aps, o de seu filho Francisco Dias da Silva. Todos judaisantes est bem de ver. I Em 14 de dezembro pois deram entrada no carcere inquisitorial os dois Brandes mas j o mesmo no aoonteceu filha de Duarte 310 EPISDIOS DRAMTICOS da Silva. Ocupmo-nos d'esta para- logo aten- tarmos nos cunhados e no filho do perseguidn banqueiro. O. Catharina da Silva, procurada, no foi encontrada e aqui oomeam pertinazes diligenCias inquisitoriaes. Constando pelos criados que a filha de Duarte da Silva se refugira em casa de seu primo Duarte da Silva Leo contra este se voltaram as iras dos inquisidres e marido e mulher vieram gemr sob os ferros do palacio dos Estos ( 12 ). Duarte da Silva de Leo foi prso a 23 de dezembro de 1647 e bem assim sua mulhr Catharina Alvares. Moradres praa da Palha confessaram que O. Catharina estivra em sua casa desde tera-feira 3 de dezembro at sete d'esse mesmo lm's, dia em que j no jantou em sua casa, acrescentando Catharina Alvares que nesse dia tomando o manto se fra embora. Tambem foram interrogadas Isabel da Silva, filha dos dois novos prsos e a creada, dizendo apenas esta de nvo que no dia em que O. Catharina veio para casa de seus patre; lhe mandaram, alm d'uma ca- misa, para comr peixe frito, fructa e uma galinha ensopada. To apressada fra a sua fuga que nem tempo tivra para oomr ... Pequno foi o resultado d'este interro- gatorio, mas quem devia ser conhecedra do segrdo todo era sua me O. Branca da Silva e por isso no mesmo dia 23 de dezembro lhe lanaram a mo. Reservada no carcere (1) Inquisio de LisiJa, processos n.os 7.216 e 12.209. DA INQUISIO PORTUGUESA 311 da penitencia organisaram-Ihe processo, pois desgraada me entenderam que no basta- vam os transes aflictivos por que ia passando da priso e fuga dos seus entes mais que- ridos e adorados. , Declarou ter 4 filhos machos: Diogo Pinto que far para abril 18 annos; Francisco Dias, de 14 annos; Sim'o Henriques, de 12 para 13 annos e Joo, de 7 mezes e meio; as filhas so: D. Catharina, de 16 annos, solteira, cujo paradeiro desconhece, D. Serafina, de 4 annos e D. J oanna, de 2 annos e meio as quaes vo estar s vezes a casa de Vicencia de Pina, viuva de Manol de Sousa Reimo. Encobrir o destino de sua filha tal era o crime de D. Branca da Silva. Em 10 de maro de 1648 foram os 'inqui- sidres de parecer que, no constando d'os autos saber D. Branca os sitias por onde andou sua filha, devia ser absolvida, o que foi confirmado pelo Conselho Geral no mes- mo dia (ts). Entretanto esclarecia-se completamente o caso e D. Catharina da Silva dava entrada no carcere inquisitorial a 29 de janeiro de 1648, denunciada de judaisante por Anastacia Carvalho, uma infme a quem aludimos ao principiar este capitulo, por Maria Ribeiro, Maria Henriques e Domingos de Medeims. Agora, que a temos debaixo de ferros, vo os inquisidres satisfazer a curiosidade da sua clandestina peregrinao e tambem os Ieitres, no ha duvida nerihuma. Em 1 de fevereiro de 1648 foi efectiva- (1) Processo n.o 13.101 da Inquisio de Lisba. 312 EPISDIOS DRAMTICOS mente interrogado Gonalo Pinto Soares, mo- radr junto s casas do marqus de Nisa a quem serve e disse que suppunha ser chamado por causa do manifesto que fez da filha de Duarte da Silva. Declarou que foi igreja de Santa Justa para informar o mercadr, Ferno Rodrigues Penso, da priso de Duarte da Silva e depois a S. Mamede, onde encon- trou Jorge Dias, a quem deu os pesames por causa da priso do cunhado e, passados dias este lhe pedio para ir para casa d'elle D. Catharina da Silva, no que a testemunha con- sentio, sendo apenas por 3 dias e mudando ella o nome, o que effectivamente fez, pas- sando a chamar-se Maria Ferreira. Quando porm a testemunha soube da priso de Jorge Dias Brando, foi condessa de Vila Franca e pedio-lhe para ella ir para l, dizendo-a filha de um seu soldado d'a India, ausente; ahi esteve at de Reis, dia em que a condessa se havia de mudar para a sua quinta de Cruz da Pedra e ento, a testemunha. levou-a num coche para casa do capito Jeronymo Saraiva, moradr na R. Larga, defronte do postigo da Trindade. A testemunha vendo as prises de toda a fam- lia, foi-se aconselhar com o Padre Luiz Bran- do, jesuta, e este disse-lhe que no tinha obrigao de a vir denunciar. Como porm a Inquisio publicasse editaes sobre o caso, Ferno Rodrigues Penso foi ter com a tes- temunha e dizer-lho e a testemunha resolveu- se a entregar a sua protegida. A 1 de fevereiro foi interrogado Ferno Rodrigues Penso. Disse que o. Catharina tinha ido para casa da condessa de Vila ,, ' DA INQUISIO PORTUGUESA 313 franca na segunda-feira, depois do auto d'e 16 de dezembro. D. Catharina da Silva estava ento na flr da vida. Com esperanas de rica pelos avultados cabedaes de seu pae, quem diria que to negra nuvem havia de empanar' as suas risnhas dezoito primaveras?! .. Fac-simile de D. Catarina da Silva (copiado d.o seu processo). A sete de fevereiro rde 1648 lhe dram como curadr o alcaide dos carceres e no mesmo dia foi largamente interrogada acrca dos sitios onde estivra oculta e das suas culpas que, a p juntos negou. A dse do mesmo ms eram-no tambem os primos d'ela que primeiro lhe draiJ! asylo Duarte da Silva de Leo e Catharina 'Alvares, mas nenhuma novidade puderam dar tm do que j sabmos, mas esta ultima, em nove de maro, veio tocar num rivo ponto muito curioso: o da oorrespondencia clandestina dos prsos a que adiante nos referirmos. Contou ela que no cabaz vinha fructa e duas canastrinhas negras fechadas e uma bocetinha de veludo vermllho, forrada de tafet branco e dentro uma rosa de diamantes redonda e outra boceta oom um colar de ouro de favo ( ?) ; quando D. Catharina veio para casa d'.ela deu-lhe uma bocta redonda de chumbo do feitio de tinteiro, dizendo que 314 EPISDIOS DRAMTICOS o pae d'ella lhe pedia para a guardar porque tinha tres onas d'alm'iscar que valiam muito dinheiro. No dia seguinte era posta em liberrlade e bem assim seu marido e O. Branca da Silva, mas a joven O. Catharina da Silva l CD'Il- tina em lucta aberta com os seus algozes A FILHA OE DUARTE DA SILVA t. DUAS VEZES ATORMENTADA MAS RESISTE HEROICAMENTE TORTURA - AO REQUINTE DE CRUELDADE DOS IN- QUISIDORES OPOE-SE O REQUINTE DE CORAGEM DA DONZtLA - SALVA-A O MEDICO Duas graves acusaes pesavam sobre a nossa judiasinha: fazer obras da religio moy- saica e corresponder-se secretamente no car- cere com seu tio Rodrigo Ayres Brando por via da cosinha. J vimos que se refugiava na negativa e em sua defsa alegou por ela o seu advogado Luiz Ferro que, se fugira de casa dos paes fra por doudice e no por mdo. Antes leviana que israelita! A's suas contraditas citou, entre outras testemunhas o Padre Manoel Nunes de Freitas, beneficiado. Em 30 de janeiro de 1651 foram os inquisidres de parecer que a R devia ser posta a tormento; os inquisidres Luiz Al- vares da Rocha, Belchior Dias Preto e depu- tados, Bispo de Targa e Joo Delgado Fi- DA INQUISIO PORTUGUESA 315 gueira foram de parecer que ella tivesse um traio corridQ_ .e. fosse levantada segunda vez at o logar do libello, aos deputados Fran- cisco de Miranda Henriques e Manoel Crte- Real de Abranches que livessse um ttato es- perto e outro corrido e ao deputado Martim Afonso de Mello que tivesse um trato es- perto. Em 4 de fevereiro de 1651 o Conselho Geral foi de parecer que a R tivesse um traio corrido e seja 2.a vez levantada at o togar do libello. A 21 de abril de 1651 realisou-se o tor- mento e persistia na negativa e por isso, des- pojada dos vestidos, comearam-na a atar, atando-a com a 1.a correia, depois com a 2.a, mas ella negou sempre, chamando por Jesus, N. Senhora e pelo medico que bem sabia que ella tinha estado doente levantaram-na, deram- lhe um trato corrido e foi levantada segunda vez, at. que por fim a desataram. Em 11 de setembro de 1652 foram os inquisidres Luiz Alvares da Rocha e Bel- chior Dias Preto e deputados Estevo da Cu- uha e Manoel Crte-Real de Abranches de parecer que a R devia ser posta novamente a tormento e atada perfeitamente; ao inqui- sdr Pedro de Castilho que fosse atada com a l,a correia; aos deputados bispo de Targa, Francisco de Miranda Henrique? e Martim Afonso de 'Mello que a R ficasse reservada e ao deputado Padre Mestre Fr. Pero de Ma- galhes pareceu que a R fosse posta ad fadem to r menti. Em 12 de setembro de 1652 o Conselho Geral opinou que a R fosse posta em carcere 316 EPISDIOS DRAMTICOS ' de vigia. Todavia o medico no consentia nisso pelas suas continuas doenas e pelo estado de fraqueza em que estava no era possivel que estivesse s. Apezar d'isso foi para o carcere de vigia em 14 de outubro de 1652. Em 19 de novembro de 1652 foram os inquisidres da La instancia de parecer q u ~ a R 'f!Osse a tormento; e o deputado Bispo de Targa que fosse atada com a La correia e aos deputados Francisco de Miranda Hen- riques e Martim Antonio de Mello que fosse atada perfeitamente. Em 21 de novembro o Conselho Geral opinou pelo tormento sendo atada perfeita- mente. Foi com effeito novamente atormen- tada em 22 de novembro de 1652; deram-lhe 3 voltas com a primeira correia e ento inter- yeio o cirurgio, mas 'lla nada confessou. No accordam final seritencearam que D. Catharina aa Silva fosse ao auto da f, de vella accesa na mo, abjurasse de levi sus- peita e tendo carcere a arbitrio dos inqui- sidres onde ser instruida. A sentena f()i publicada no t.o de dezembro de 1652. Pagas as custas foi, em 6 de dezembro de 1652, dada como bastante instruida nas coisas da f ca tholica ( 1 ). O FILHO DE DUARTE DA SILVA l: TAMBEM ATRMENTADO DUAS VEZES I Quinze anos a p ~ n a s e j prso em mas- morra inquisitorial! (1) lnquifio de Lisba, proc. n.o 8.133. DA INQUISIO PORTUGUESA 317 Foi a 10 de janeiro de 1648 que o fami- liar Joo Baptista de Cordes deitou as gar- ras a Francisco Dias da Silva. Acusado de Penitentes da Inquisio encaminhados por um inquisidr vestid() de sobrepeliz e estla e na mo um IiHo. Dirigem-se a um templo. (Gra- vura da primeira metade d0 se cu lo XVII). jtidaisar tambem Antonio da Fonseca, cai- xeiro de seu pae, o acusou porque, na ves- pera do dia de Reis, em casa de Duarte da Silva, onde o Fonseca estava de guarda por: 318 EPISDIOS DRAMTICOS ordem dos juizes do fisco, Belchior Monteiro lhe comunicou, em segrdo, que "Francisco Dias asseverava que o havia de mandar matar, por lhe atribuir os trabalhos da casa paterna e, com tal fim, havia de o mandar esperar a deshoras, ao Convent.a de Bem- fica para ahi darem cabo d'le (1;). Inocentes bravatas juvenis que o 'Belchior Monteiro confirmou, mas 'de que os inquisi- dres pouco caso fizeram. Em 21 de janeiro confessou que o tinham aconselhado a no comer carne de prco e, nas suas contraditas, referio-se ao furto de uma salva de prata praticado por uma filha de Beatriz Henriques a quem ele esbofetera. Bagatlas porm aos olhos dos seus jul- gadres que queriam mais. Por isso em 23 de janeiro de 1651 pareceu aos inquisidres Luiz Alvares da Rocha e Belchior Dias Preto e deputados Bispo de Targa, Estevo da Cu- nha e Manoel Crte-Real de Abranches que devia ir ao tormento, ahi tivesse um trato esperto e fosse 2.a vez levantado at ao lagar do libello; ao deputado Jo8 Delgado Figueira que fosse atado perfeitam'ente; aos deputados Francisco de Miranda e !Martim Affonso de Mello que o Ru tivesse um trato esperto. Em 26 de janeiro de 1651 o Conselho Geral mandou..o ir a tormento e ter um trato corrido e ser 2.a vez levantado at ao lagar do libello. Com effeito realisou-se o tormento a 7 (1) lllquisto de Lisba, proc. n.o 5.407. DA INQUISIO POIUUOUES\ 319 de fevereiw de 1651 mas elle s disse que era catholico e que m:orria. Em 14 de fevereiro de 1651 foram de parecer os do Conselho Geral, confirmando a 1. 11 instancia,. que o Ru abjurasse de levi sos peito, tivesse carcere a arbitrio, penitencias espirituaes e pagasse as custas. Em 11 de maio porm comearam a fazer-lhe exame s.obre os escriptos do car- cere. O Ru confessou que a cosinheira se 'lhe offerecera para transmittir as suas noti.:ias ao pae e confcss:.:>u d2pois a paternidade dos escriptos, que adeante publicarmos. Em 19 de novembro de 1652 foram os mqmsidres, Bispo de Targa, Estevo da Cu- nha, Manoel Crte-Real e rr. Pedro de Ma- galhes de parecer que o Ru fosse a tormento,. atado oom a 1.a ,correia; ao deputado Joo Delga- do Figueira que smente fosse posto vista do tormento e aos deputados Francisco de Miranda e Martim Aftonso de Mello que fosse atado perfeitamente. Em 21 de novembro de 1652 mandou o Conselho Geral que o ro fosse a tormento, o que se realisou a 22, mas sem resultado. Apezar da sua pouca edade no o fizerttm inventar culpas e culpados. Pela sentena final mandaram-no ir ao auto da f ouvir a sentena, abjurar de levi suspeito na f e carce re a arbtrio. Foi publicada no dia 1 de dezembro e pagou de custas 5 :046 rs. 320 EPISDIOS DRAMTICOS PRISAO DE JORGE DIAS BRANDO, CUNHADO DE DUARTE DA SILVA E HOMEM ABASTADO- APREENDEM-LHE PAPEIS E ATORMENTAM-NO POR DUAS VEZES As prises a que assistimos no principio d'es.te capitulo das Henriques puzeram em fundo sobresalto todos os parentes, natural- m'ente mais os ricos, cujas fortunas seriam ardentemente cubiadas. Entre estes estava o nosso Jorge Dias Brando mercadr e con- tratadr de cabedal. Certamente por isso requereu passa-porte para le e um criado irem a Italia, alegando ter l a receber muito dinheiro que lhe no queriam remeter. Puro pretexto evidentemente. Em' 10 de maro de 1646 foi dada infor- mao pela Junta, dizendo que devia prestar fiana porque, d'outra maneira poderia no voltar e era grande prejuzo para o reino irem-se os homens de negocio. El-Rei D. Joo IV conformou-se com este parecer assi- na<1o pelo dr. Martim Monteiro, por despacho de 26 de maro de 1646. Jorge Dias ficou fiado na alta proteco rgia e as denuncias contra ele iam-se acu- mulando no. tribunal do Santo Oficio. A's Henriques sucedeu Domingos de Medeiros e outros e Jorge Dias, homem de cabedal grosso, como le proprio se dizia, de grande crdito na praa de Lisba, tendo dado a juros grandes partidas de dinheiro comeava afoutam'ente e continuava com a mesma ou- DA INQUISIO PORTUOUE5A .321 sadia obras na sua quinta de Palhav nas quaes hora da pri5o tinha j oonsu- mido o melhor de sete mil cruzados. Por isso a priso do argentario Duarte da Silva o surpreeneu amargamente e a sua o fulminou em 14 de dezembro de 1647. Era le natural de Viana da 'foz do 'Lima, Iilho de Francisco Dias, homem de negocio, e de Joana Branda; neto paterno de Jorge Dias e de Branca Mendes e materno de Rodrigo Ayres e Isabel da Silva, moradres qu.e foram em Lisba. Havia na sua familia um ourives de Viana, Paulo Mendes; um botica rio; um lapidado Ferno Dias da Fonsca e at- pas- mae oh crentes!- freiras professas no con- vento de Odivlas e no de Vai de Pereiras. Era Jorge Dias viajado pois no s: residira no Brasil, como peregrinra por Frana e In- glaterra. (1) Colhido pois inesperadamente, como li- mos, aparece no processo copias de cartas a le dirigidas que punham os "inqui-;idres um pouco ao facto de manejos judaicos contra o sagrado tribunal. . Primeiro, uma carta escrita de Viana por Bento de Mlo Pinto, em 27 de maro de 1646, na qual se refre a certas informaes sobre as sobrinhas do Ro- as Henriques j referidas - sahirem muito honradas; segundo outra escrita em 28 de fevereiro de 1646 por Rafael de Burgos onde vagamente se diz que espra sahirem com victria dos inimigos e refere-se s boas conjecturas que alcanamos; terceiro, outra escrita de Viana por Miguel ( 1 ) Inquisio de Lisba, proc. n.o 11.752. 21 322 EPISDIOS DRAMTICOS Velho em 17 de fevereiro de 1646; quarto, outra de Manoel Pinto Cardso, escrita no Prto, em 12 de maio de 1646, na qual pre- vine o Ru que se acautle porque Faustino Pereira disse no adro de S. Domingos que Diogo Pinto faltava e fugira por ordem do pae; 5. 0 outra, escrita do Prto por Alvaro Lobo Tavares, cm 16 de Ag-osto de 1646, na qual diz ao Ru q.ue faa vir proviso d'El-Rei para se entregarem seus bens e sua casa toda a Luiz Femandes ou a quem V. A-ferc ordenar por iirar a justia d'esta casa e se lhe no verem seus papeis, eic.; 6.o outra, escrita de Viana, em 22 de fevereiro (sic) por Fran cisco Mendes, na qual se refere a avisos que espera sobre a Inquisio e .a negocias entre os dois como, ter chegado embarcao de Vianna, com bacalhau e breu, e pede que o avise se o Padre Vieira, da Companhia de Jesus, foi sobre abertas e publicadas a Frana; 7.o outra de 22 de maro de 1646, escripta pelo mesmo Francisoo Mendes, na qual faz referencia a varias segredos da Inquisio; S.o outra do mesmo Francisco Mendes, escri- pta em 5 de abril de 1646, na qual diz que tinha estado toda a tarde com o prior de S. Domingos, porque correram muitas deli- gencias depois ia priso e me deu grandes alivias de bom fim, referindo-se a emulos '(om olhos de lince; 9.o outra, do mesmo, escripta em 1 de maro de 1646, na qual diz que esteve com o prior de S. Domingos, que lhe assegurou todas as esperanas; 10. 0 outra do mesmo, escripta em 30 de abril, na qual se refere ao triumpho que espera, dizendo que nisto se tinha mettido a Rainha; 11.o outra DA INQUISIO PORTUGUESA 323 do mesmo, datada de 17 de maio de ~ 6 4 6 ; 12.o outra na qual ha uma allegoria; 13. 0 outra, datada de 28 de fevereiro de 1646, do mesmo, na qual diz que- da genie de c no ha que ter cuidado. Interrogado sobre estas cartas em 8 de fevereiro de 1651, Rodrigo Ayres Brando, o irmo do Ru de quem adiante nos ocupa- rmos, cuja sorte acompanhou, declarou que de facto oonhecia seu primo co-irmo Fran- cisco Mendes, de Viana; que o negocio refe- rido nas cartas a priso de Clara de Me- deiros, Joana Mendes, Ana Castanho, 1-,abel, Maria e Bernardo de Medeiros; finalmente, que Francisco Mendes lhe mandra dizer para visitar Fr. Lpo, religiso capucho, irmo de O. Pedro da Costa, ao ifa:eto de taes negocios. INVENTA RIO DE JORGE DIAS Em 23 de janeiro de 1648, o Ru decla- rou possuir: Uma quinta no limite de Lisboa, onde chamam Palhav, que consta de casas nobres com sua ermida, pomar e v"inhas comprada peLo Ru a O. Manoel Pereira Coutinho e a O. Anta da Cunha, sua mulher, por 27$000 rs. de juro, e por ella ser vinculada obteve O. Manoel proviso d' E I- Rei. Para pagamento da quinta comprou o Ru 20$000 de juro ,a O. Brites Tibo, mUlher do senhor de Aguas Bellas; nessa quinta havia os seguintes mo- veis: uma armao de pannos de arraz, 9 ou 10, de differentes estofos e podero valer at 100$000 rs.; um caixo da India, onde esta- 324 EPISDIOS DRAMTICOS vam -colches, peas de panno de linho e carros de linhas; 2 caixes feitos no Brasil, 2 IOU 4 oontadores tambem do Brasil, um buffete da mesma origem e 2 ou 3 buffetes mais da terra; 4 quadros de paisagens; 6 cadeiras novas e 4 tamboretes e peas d'ara- me que serviam na cosinha e 250$000 rs_ de madeira que tinha para continuar a obra d:t quinta. O. Ant.a da Cunha, recolhida no con- vento de Sant' Anna de Lisboa,. deve ao Ru 380$000 rs.; Francisco Bre5sane, italiano, ho- mem do o o m m e r c i o ~ deve ao Ru 450$000 rs.; Jorge Pereira, sirgueiro da R. Nova, deve-lhe 50$000 rs. e mais 53$000 rs., por ter sido fiador de Braz da Horta,, fugido para o Brasil; Francisco Teixeira Tibo, que vive numa quinta a Palha v, deve-lhe 25$000 rs.; O. Guiomar de Sousa, sogra de Francisco Teixeira, atraz referido, deve-lhe 5$000 rs. que o Ru no quer receber por ser viuva e pobre; a viuva de Henrique de Barreira, mora- dora numa quinta juncto a Bemfica, deve-lhe 16$000 rs.; Christovo Peixoto Cyrne deve- lhe quantia pela qual o Ru lhe tinha em pe- nhor urna mldha de setim; O. Luiz d' Almada deve-lhe 550$000 rs.; enumera varias dividas pequenas; com Lourerwo Vaz Preto, juiz de fra em Coimbra e morador numa quinta a Palhav, tem o Ru contas; O. Ursula, reli- giosa no convento da Rosa, deve-lhe 12$000 rs., para cujo penhor tinha o Ru uma alcatifa; Christina dos Anjos, filha de Leonor Luiz, moradora em casa de O. 'Mada de Almada, mu- lher do Phisioo-rnr do Brasil, era-lhe deve- dora de quantia, pela qual lhe penhorara 2 DA INQUISIO PORTUGUESA 325 alcatifas da India, uma colc'ha de Montaria e uma gargantilha de ouro,; a D. Ignez Bote- lho, viuva do Dr. Baltasar Fialho emprestou o Ru 2 cadeias de ouro para empenhar uma afflico; Manoel de Brito de Almeida, mo- rador na sua quinta do Lumiar,. deve ao Ru 30$000 rs.; Christovo de Burgos, letrado despachado para a ilha <ie S. Miguel, deve ao Ru 26$000 rs. e alm d'isso mais 30$000 rs., em penhor dos quaes lhe deixou uma cadeia d'ouro; Luiz da Mota da Silveira, da Bahia, deve ao Ru 2.500 cruzados; D. Fran- cisca d'Ea, moradora na Capitania dos llheos (Bahia) deve-lhe 200$000 rs. dinheiro que entregou aos filhos d' e lia, Balthazar Peixoto, j fallecido, Jeronymo Peixoto, estudante em Coimbra e D. Ursula, religiosa na Rosa; An- tonio Correia de Bulhes, procurador da cora do arraial de Pernambuco,, deve ao Ru 20$000 rs.; Jos Rodrigues do Lago, ouvidor geral do Brasil,. deve lhe 60$000 rs.; Luiz Fernan- des Lopes, natural de Ponte do Lima, levou, por ordem do Ru, para a India, uma carregai- o com varias coisas; Ambr.cisi.o Pereira de Berredo, deve-lhe 77$000 rs.; com Domingos Antunes, caeiro, combinou o Ru o forneci- mento de cal para as obras da sua q u i n t ~ 1 a 7$000 rs. a carrada; na quinta tinha o R. 2 castiaes de prata que um italiano lhe em- penhara, uma bacia de barbear de prata, um jarro, 2 salvas e 1 tembladeira (?), 3 ou 4 colheres e garfos, tudo pertencente ao Ru; no armazem de Rodrigo Ayres Brando tinha uma caixa de assucar branco e uma de mas- cavado; com Francisco Mendes, negoiante de Vianna, tinha o Ru contas e elle dir quanto 326 EPISDIOS DRAMTICOS o Ru lhe deve; idem,, com o capito cisco de Barros. morador no Porto; idem, com Simo Fernandes Dias, tambem morador no Porto; idem, com Francisco Pereira, mora- dor .no P()rto; idem, oom jeronymo Gomes Pessoa, Ferno Rodrigues Pinto e Gonalo, homens de negocio de Lisboa; idem, com Ma- noel Rebello e Manuel Fernandes Brando, mercadores de loja de sedas na R. Nova; a D. Maria de Almada, mulher do phisico-mr do Brasil, devia o Ru 380$000 rs. que tem pago, estando s a dever 25$000 rs.; a An- tonio Coelho, almoxarife dos vinhos, deve 54$000 rs.; deve ao carpinteiro e pedreiro que, nas suas obras de Palhav, trabalhavam na occasio da priso; a Duarte Gomes da Matta pedia 130$000 rs. e empenhou-lhe para isso 10 ou 12 pratos de prata. oito dos quaes eram de Rodrigo Ayres em sua casa tinha tambem 2 alcatifas da lndia e 1 ou 2 tapetes. Em 7 de fevereiro de 1648 continuou a declarar que Antonio Luiz de Oliveira, filho de Diogo Luiz de Oliveira, deve o Ru 70$000 rs. e outras dividas pequenas; Em 20 de maio de 1648 declarou ter man- dado fazer uma cadeira de mos de velludo carmesim por ordem de Francisco Alvares, por causa da qual tinha contas com Joo de Sousa, latoeiro, por causa das ferragens; Em 14 de julho de 1648 declarou mais pertencer-lhe a 4.a parte de uma carregao de uma caravella que tinha por mestre An- tonio Gonalves Mealhada; Em 27 de agosto de 1648 declarou que recebeu de Vianna, de Antonio Rodrigues Pinto, 80$000 rs. para enviar para resgate DA INQUISIO PORTUGUESA 327 de um captivo, o que no poude fazer por causa da sua priso; Em 7 de setembro de 1648 declarou que Bento de Brito, morador em Uome, lhe remet- teu 14 peas de velludo; Em 29 de janeiro de 1649 declarou que tinha contas com Antonio Alvares, mestre de uma no inglesa; que emprestou por 2 vezes, dinheiro a D. Luiza de Noronha, religiosa do mosteiro de Odivellas, sobre varios penhores de prata e sobre uma colCha branca, franjada de retroz branoo; e que na sua quinta tinha um captivo por 25$000 rs. cada anno. Entre os seus bens avulta a quinta de Palhav. Declarou o Ru, como vimos, t-la mm- prado a D. Manoel Pereira Coutinho. D. Manoel Pereira Coutin'ho era capito de uma companhia de infantaria no exercito do "Alemtejo. "Pedio mil cruzados emprestados a Antonio Gomes d'Elvas, hirx>tecando-lhe as propriedades do seu morgado mas como a . guerra o preocupava mais que a administra- o da sua casa no pagou no tempo devido. O credr requereu execuo, mas ahi veio a munificenda rgia mandando suspender a exe- cuo emquanto andasse ocupdo na defsa da patria. Tem o alvar a data de 10 de abril de 1641 (Doaes de D. Joo IV, liv. 12, fi. 76). Mais tarde, em 17 de agsto de 1645, foi autorisado a trocar as bens do seu mor- gado, institudo por Leonr Anes, que consta de duas quintas, uma vinha e umas casas terreas, taberna, pomar e vinhas, em Palha v; pelas casas na calada de Paio de Navaes 328 EPISDIOS DR AM TJCOS que pertenciam ao morgado de Joo Oomes da Silva. Este tinha em Palhav uma quinta que confinava oom a de D. Manoel Pereira Coutinho (Doaes de D., Joo IV, liv. 19, fl. 63). Devia ser uma d'estas a quinta com sua ermida onde Jorge Dias Brando consumia o seu dinheiro para afinal vir o 2.o conde de Sarzedas, D. Luiz da Silveira, aproveitar-se e gozar d'essas bemfeitorias em 1656, se no ha erro na Identificao bastante difcil por haver mais d'uma quinta chamada quinta de Palhav, pois, alm das duas de que fal- mos) ambas em Palhav, encontrmos nos assentos paroquiaes de S. Sebastio da Pe- dreira referencia a uma senhra D. Maria de Mesquita, morador em 1620 na sua quinta de Palhav. Em 12 de outubro de 1648 veio o Ru com a sua defesa, tendo tido para advogado o Ldo. Luiz Ferro. Nella allega em seu favor o seguinte: servir na. confraria do Se- nhor, de S. Mamede, fazendo festas sua custa e mandando fazer tambem um septil- chro para 5.a feira de endoenas; por occa- sio da sua priso servia a con"fraria de S. Sebastio da Pedreira; servio N. Senhora do Parto da igreja de S. Crispim e no Brasil servi o varias confrarias; todJs os Domingos mandava dizer missa em umla capella que tinha na sua quinta de Palhav, etc. Citou, entre outras testemunhas: Rodrigo de Ceita Fer- ro, morador em Palha v; Dr. Loureno Vaz Preto. idem, etc. Com effeito algumas das teste- munhas citadas foram interrogadas em 17 de maro de 1649. A testemunha Ruy de Ceita DA INQUISIO PORTUGUESA 329 Ferro, familiar do Santo Officio, e almo- xarife das 7 casas,. :lioi interrogado em 20 de maro de 1649. Disse que verdade que o Ru em S. Sebastio da Pedreira mandou fazer uma festa com boa muska; que todos os Domingos e dias sanctos mandava buscar padres, no seu macho, para dizerem missa na sua capella de Palhav. O Padre Urbano da Silva, prior de S. Mamede, disse que ia s \rezes dizer missa na capella do Ru em Palhav e elle o ajudava com devoo. O Padre Paulo Carreira d' Almada, cura da freguezia de S. Sebastic. da Pedreira,. disse que o Ru quando o prenderam. era juiz da confraria de jesus de S. Sebastio da Pedreira. Em 12 de dezembro de 1650 foi interrogado Francisco Teixeira Tibo, que vive lei da nobreza na sua quinta juncto a Sete Rios. Em 27 de outubr.o de 1650 veio o Ru com as suas contraditas. Sobre ellas foram interrogados: Antonio Pereira de Viveiros que s falLou na inimizade do Ru com Ferno Martins, por lhe ter morto um cunhado numa briga, tendo estado por isso preso no Li- moeiro e tambem com jeronymo Correia .. Em 22 de novembro foi interrogado Francisco Gomes Henriques, o Forragaitas, e seu filho Oregorio Gomes Henriques. Ainda por causa d'este ro foram interrogadas varias pessoas em Braga. e no 'Porto, entre outros, Dami:J Cardoso, escrivo dos aggravos na Rela:), de 70 annos, interrogado em 13 de dezembro de 1650. ' I : Em 24 de janeiro de 1651 disse o Ru que se costumava corresponder com: capito Francisco de Barros, Faustino Pereira, Dami:io 330 EPISDIOS DRAMTICOS Cardoso e F. Dias, todos do Porto; Fran cisco Mendes, Bento de Mello Pinto e An tonio Lopes Ortiz, moradores em Vianna; em Amsterdam correspondia-se com Bento Ose>rio e Duarte de Palacios; em Hamburgo com os herdeiros de Duarte Esteves de Pina e Carlos Lmfort; em Veneza oom Jos Peres; em Leornc oom Rafael de Peralta e Antonio Men des Henriques. Em 27 de janeiro de 1651 foi novamente interrogado Jorge Dias Brando sobre as cartas a que atraz fao referencia, negando a paternidade da que no estava por elle assignada. Em 15 de fevereiro de 1651 foram os inquisidores de parecer que devia ser posto a tormento, o que foi confirrmido pelo Con selho Geral em 28 de maro, devendo ter no tormento um trato esperto e outro oorrido. O tormento realisou-se, com efeito, em 22 de abril de 1651; examinado porm pelo cirurgio-mr e pelo cirurgio Balthazar Tei xeira disseram que o R. era quebrado de ambas as virilhas e tinha atmorreim.as e por isS no podia levar tormento esperto na pol nem no potro e s o podia levar corrido . e soccorrido. Por isso foi atado com a 1.a correia, depois com a segunda, 1J1eg1ando sempre a falta e chamando por Jesus, foi. levantado e lhe deram um trato corrido. Em 5 de setembro de 1651 foram os do Conselho Geral de parecer que elle tivesse carcerc a arbtrio, pagasse 500 cruzados para as des pezas do Santo Officio. Acresceram-lhe porm mais culpas. DA INQUISIO PORTUGUESA 331 Bm 19 de junho de 1652 foi inter- rogado especialmente sobre os escriptos secre- tos trocados na priso. Apresentou contraditas ao libello e, por causa d'estas, foi interrogado no Porto Damio Cardoso, morador na rua das Flres, de 70 annos, escrivo dos aggra- VJOS na Relao do Porto, a quem atrs aludimos. Em 5 de setembro de 1652 pareceu aos inquisidores e deputados Martim Affonso de Mello e Fr. Pedro de Magalhes que se devia repetir o tormento,; ao inquisidor Pedro de Castilho que elle seja atado perfeitamente; ao inquisidor Luiz Alvares da Rocha e depu- tado Martim Affonso de Mello que tenha 2 tratos espertos; ao inquisidor Belchior Dias Preto que tivesse 2 tratos corridos; aos depu- tados Francisco de Miranda Henriques, Es- tevo da Cunha e Manoel Crte-Real de Abranches que ficasse reservada no 'Carcere. Com effeito, em 10 de setembro de 1652, o Conselho Geral foi d'este ultimo parecer. Em 19 de novembro porm j o Conselho Geral dava o seu parecer para o Ru ir nov8l- mente a tormento. O tormento realisou-se effectivamente em 20 de. novembro de 1652 e, comeado a atar, negou as culpas; dando-lhe a 1.a volta disse que queria misericordia e pedia o auxilio da Virgem Sanctissima e, sendo ento admoestado, disse: lllastrissimo, no tenho mlpas e, continuan- do as voltas disse que morria. Na sentena final determinado que v 810 auto da f na frma do costume,, em crpo e oom vella accesa na mo, faa . abjurao de vehemente suspeito, com carcere .,. 332 EPISDIOS DRAMTICOS _,., , . ~ ... a arbtrio dos inquisidores e dever pagar as custas. Esta sentena foi publicada no auto da f de 1 de dezembro de 1652 e, em 11 de dezembro de 1652, foi finalmente solto. O OUTRO CUNHADO DE DUARTE DA SILVA, RODRIGO A YRES BRANDO - COMO CONSEGUE ILUDIR A VIGILANCIA IN- QUISITORIAL M.\NDANDO ESCRIPTOS PARA FORA - TENDO SOFRIDO O MAX IMO DO TORMENTO POR POUCO NO t CONDEMNAOO A MORTE Rodrigo Ayres Brando foi preso no mesmo dia 14 de dezembro de 1647 ('). Irmo de Jorge Dias Brando teria ao tempo quarenta e dois anos de edade. Apezar de novo tinha ido j Biscaia, a Madrid, a Valencia e por varias vezes assistia no Brasil. Foi denunciado, em 30 de junho de 1647, pelo preso Bento da .Costa Brando, porque, estando no Rodo com o confitente, com Mar- tim Affonso da Costa, christo novo, contra- dador e com seu creado Bento pae, Alvaro Gomes Bravo e com Rodrjgo Ayres, allui- ram ao jejt1m de Quipur. Tambem foi culpa!o por: Francisco da Silv<l e Domingos de l'v\e- deiros, sobrinho do Rodrigo; ;por Joo Velho Be- zerra, morador em Pernambuco em 24 de feve- (1) Inquisio de Lisba, proc. n.o 4.107. DA INQUISIO PORTUOUESA 333 reiro de 16-13 e pelo preso Leandro de Medeiros, seu sobrinho. Em 13 de abril de 1652 o preso Joo Lopes, agora no carcere da penitencia, veio dizer que, haveria anno e meio, tendo no carcere por companheiro Rodrigo Ayres, natu- ral de Vianna e Antonio Lopes Savedr:t, cor- ::eu que se faria um auto da f e nelle Sahiria Antonio Lopes Savedra. Ento Rodrigo Ayres fez alguns escriptas em pedaos de papel, que seriam 14 ou 15. e pedio testemunha para os coser nas pal- milhas . das meias do Antonio Lpes e entre os cales e respectivos forros. Assim fez e par iss palmilhou umas rneias de seda apa vonadas r.om as soletas das palmilhas dobra- das e entre coiro e coiro metteu alguns dos papeis e outros pelas ilhargas dos cales, os quaes eram de estamenha parda, guarnecidos de rendas apavonadas. O Rodrigo prometteu a Antonio Lopes que l fra lhe dariam um vestido de baeta comprido e uma roupeta for- rada de tafet. Em l6 de abril de 1652 deps Antonio Lo- pes d..:: Savedra,. mas o 1 seu depoimento foi j tras- ladado no processo de Duarte da Silva e acrescentou que os escriptos atraz referidos eram alm de Rodrigo Ayres, de Jorge Dias e de Duarte da Silva e Antonio Lopes os devia entregar !mulher de Rlodrigo Ayres. Nesses escri- ptos Rodrigo Ayres dizia mulher que, com D. Branca da Silva, fossem ter com EI-Rei para ver se elle, o irmo e cunhado, sahiam livres depressa, como acontecera a Jorge Lopes da Gamil que devia ter sahido com a proteco d'El-Rei, por causa de Manoel da Gama, seu 334 EPISDIOS DRAMTICOS innJo E desconfiava Rodrigo Ayres d'isto porque o no sentia escarrar no corredor, como d'antes. Tambem Rodrigo Ayres o encarregou de fazer varias visitas, entre as quaes con- dessa de Serem, grande amiga do Ru. INVENTARIO DE RODRIGO AYRES BRANDO Em 19 de fevereiro de 1648 foi R.o Ayres interrogado sobre o inventario. Declarou que n'o tinha bens alguns de raiz e dos moveis enumerou: Um prato e jarro de prata; ur:. saleiro grande; umas galhetas; duas salvas; dois castiaes; uma b:lcia de ps de cama; colheres, gatios e facas de prata; tembla- deiras (?); em casa de Sebastio Nunes, ce- reeiro tinha v a r ~ o s objectos empenhados. Rodrigo ferandes Trancoso,. residente no Rio de Janeiro. deve ao Ru o resto de umas car- regaes; Luiz da Motta Silveira, morador na Bahia, tambem lhe deve; tinha contas com varias pessoas. Duarte da Silva, cunhado do Ru, pedio.-lhe para depositar, em razo de uma demanda, uma abotoadura d''our.o com diamantes que o Ru tinha em seu poder e era do condt: d'Obidos, D. Vasco Mascarenhas: O. felippe de Moura deve. ao Ru 300 mil reis que lhe pedia emprestados a 6 1 1 4 o;o. fez varias despachos na alfandega de assucares, sedas e chumbo, de sociedade com Duarte da Silva. Pra o apresto da armada que no anno passado foi para o Bra?il em- prestou o Ru mil cruzados, para servir S. M.; DA INQUISIO PORTUGUESA 335 D. Branca da Gama, tmie de D. Litiz da Gama, deve-lhe 120$000 rs., como herdeira de D. Joo da Gama, seu filho, ao qual o Ru emprestou essa quantia quando passou ao Brazil, em companhia do marqus de Montalvo; Francisco Peres da Silva, tenente general, morador em Elvas, deve-lhe 30$000 rs. emprestados na Bahia; Bernardo Velho Lioho, morador em Vianna, deve-lhe 26$000 rs. que lhe emprestou quando veio c.omo pr::>- curador de Vianna s crtes passadas; Ant.o de Sousa de Menezes, morador em Vian- na, deve ao Ru 16$000 rs.; Tristo da Cunha de Athayde deve ao Ru cento e tantos mil reis; D. Joo de Almeida alcaide-mr de Al- cobaa, deve ao Ru 200$000 rs. a 6 1 / 4 o;o; Luiz Correia da Silva, que foi abbade de Lordello, deve-lhe 28$000 rs.; Sebastio Gon alves de Alvellos, morador juncto igreja de S. Jos, deve-lhe 186$000 rs.; Bento de S de Miranda, morador em Coimbra ou Con- deixa, deve-lhe 32$000 rs. que lhe emprestou na Bahia; os herdeiros de D. Thomaz Velas- ques Sarmen'to d e v e m ~ l h e 200$000 rs. do que sabedor seu cunhado AJ.onso de Cisneiros; D. Joanna Coutinho, recolhida no convento de Lorvo, deve-lhe 20$000 rs.; tinha c.ontas c.om Ferno Rodrigues Penso e outros; com Simo Fernandes Dias, do Porto, tinha contas; o capito Duarte Lopes Ilhoa empenhou an Ru em 10$000 rs. umas oontas de tartaruga engrazadas em prata e uma salva de prata com um pucaro do mesmo metal, declarando que pertenciam a uma religiosa do convento de Odivellas. Manoel Esteve3 Carreira, pro- curador das religiosas do convento de Santa 336 EPISDIOS DRAMTICOS Martha, pedio. ao Ru 10$000 rs. emprestados, dando-lhe em penhor uma colcha usada e um pavilho de pouca valia; Sebastio Nunes, cereeino, emprestou ao Ru dinheiro, dizendo ser de Antonio Telles da Silva; D. Manocl Rolim de Moura, tambem lhe havia pedid.o dinheiro emprestado, dando como penhor 2 cadeias d'ouro. uma 1:land'eja e uma confei- teira com outras peas de prata; Maria Ferraz, com tenda,. empenhou ao Ru oito almofadas de estrado de velludo carmesim bordadas com retalhos de tella e toraf de ouro e seoa, 1 cama de damasco carmesim com alamares e franjas de ouro, retroz e qlp1aravazes de vel- ludo,, por 65 mil reis, declarando ao Ru que esses objectos pertenciam a D. Luiza Guedes, viuva do Dezembargador. Bartholomeu Gon- alves de Castelbranco; o Padre Manoel Nu- nes Peniche, beneficiado em S. Nicolau pedio emprestados ao Ru 6$000 rs. e para isso lhe empenhou um annel, umas contas de po d::> Maranho com extremls de ouro e cruz tam- bem de ouro; Sebastio Nunes, familiar do Santo Officio emprestou ao Ru 360$000 r s . ~ empenhando-lhe 7- cadeias de ouro, dios quaes emprestou 300$000 rs. a Ruy de Ceita Fer- ro, almoxarife dos vinhos, a quem pertencem 6 das ditas cadeias; D. Manoel Sarmento, filho de Thomaz Velasques, pedio ao Ru 122$000 rs. emprestados, empenhando para isso um trancelim de ouro com pedras brancas de crist.aes e um annel com um diamante e uma cadeia d'ouro, obra das Judias, e um irmo d'elle, D. Pedro, foi na .arm'ada de 1647 oo Brazil; tambem o Ru emprestou a D. Manoel Sarmento, para ir para a sua casa DA INQUISIO 337 de Penella, 14$000 rs. e, como penhor d'isto, deu-lhe um habito de Aviz, com alguns dia- mantes, e um saleiro de prata pequeno, dou- rado; o tio d'este O. Manoel Afonso de Cis- neiros, morava na rua Direita do Loreto; com Bento de Araujo, !morador na Bahia, tinha contas e elle por conta lhe remetteu um vestido de damasw para a mulher do Ru, Em 5 de outubro de 1648 apresentou a sua defesa, assignada por Luiz Ferro, seu advogado. Nella allegou o Ru que tinha per- tencido a varias confrarias,; quer em Lisboa, quer na Bahia, ora como escrivo, ora como juiz, etc. Citou, como testemunhas, entre outros: o marquez de Montalvo; o filho d' este, conde de Serem; o criado d'este Belchior Rangel de Macedo; Jacintho Fagundes Bezerra, secreta- rio do Pao; Tristo da Cunha de- A thayd'e que mandava muitas lampreias ao Ru; O. Ma- noel Rolim.t que mandava ao Ru muitas mar- rs e coelhos. Em 12 de dezembro de 1650 foi interro- gado o Dr. Antonio de Sousa de Tavares, Dezembargador dos Aggravos, de 50 annos de edade; no mesmo dia foi interrogado Ferno Gomes da Guarda, homem de negocio, morador s Janellas Verdes, cunhado do Ru, isto , casado com tuna irm da mulher do Ru. Nas testemunhas de contraditas foram interrogados: o Forra Gaitas; Antonio Pe- reira de Viveiros; Manoel Barbosa Dan tas; Sebastio Nunes de Lisboa, morador ao Poo de Borratem; Luiz Lopes Franco, homem de negocio, etc. 22 338 EPISDIOS DRAMTICOS Em 2 ~ de maro de 1651, foram os inqui si dores da 1 .a instancia de parecer que devia ir a tormento: aos inquisidores Luiz Alvares da Rocha e Belchior Dias Preto, deputados Bispo de Targa e Martim Affonso de Mello pa- receu que devia ter 2 tratos corridos e ser outra vez levantado at o togar do libello; os inqui- sidores Pedro de Castilho e deputado Mancel Crte-Real de Abranches_, que tivesse um trato esperto; ao deputado j.o0 Delgado Figueira que levasse um trato -corrido; ao deputado Francisco de Miranda Henriques que tivesse todo o tormento. Em 28 de maro de 1651 o O:mselho Geral foi de parecer que o Ru .. posto a tormento, tivesse 2 tratos corridos e levantado pela 3.a vez at ao logar do libello. Realisou-se o tormento em 22 de abril de 1651. Comeado a atar oom os primeiros cordeis, chamou por Jesus, Maria e. Virgem do Rosario e deram-lhe os 2 tratos corridos e levantado 3.a vez. Em 5 de setembro de 1651 foram os inquisidores da l.a instancia de parecer que o Ru devia ir ao auto da f, abjurar de levi sospeito, carcere a arbtrio, e pena pecuniaria. Quanto a esta os inquisidores e deputados Joo Delgado Figueira, Fmncisco de Miranda Henriques, Estevo da Cunha e Manoel Crte Real de Abranches foram de parecer que devh pagar' 200 cruzados; o Bispo de Tarl:;a e Mar- tim Afonso de Melo que pagasse 400 cruzados. Em 5 de setembr.o de 1651 foi confirmada a sentena pelo Conselho Geral. No chegou a ser lavrada a sentena final. Em 16 de abril de 1652 foi R.o Ayres interrogado por causa da correspondencia clan DA INQUISIO PORTUGUESA 339 destina. Confessou-a e acrescentou ao depoi- mento j extractado sobre .o caso que os escriptos para fra foram feitos em tiras de papel impresso que lhe haviam dado com assucar; que o Ru foi enfermeiro de Anto- nio Lopes Savedra, seu oompanheiro de carcere. f>.r causa das culpas que lhe acresce- ram teve de vtr oom nova defesa. Apre- sentou varias testemunhas e, entre ellas, o capito Andr Botelho, seu companheiro de carcere, o qual disse que o Ru passava no carcere a maior parte do dia a rezar por umas Horas de N. Senhora e por umas camandu!as e at de noite faz isso. Em 3 de setembro de 1652 foram os inquisidores Pedro de Castilho, e Antonio de Mendona, Martim Affonso de Mello e Fr. Pedro de Magalhes de ,parecer que o Ru ficasse reservado no carcere; ao inquisidor Belchior Dias Preto e Martim Affonso de Mello pareceu que elle devia ser posto novamente a tormento, tendo o trato todo que pudesse; ao inquisidor Luiz AI vares da Rocha, deputado Francisco de Miranda Henriques e Manoel Crte ReJ.l de Abranch(!S pareceu que devia ir ao auto e ser en- tregue curia secular, oom confiscao de bens. O Conselho Geral, em 10 de novembro de 1652, mandou-l_he applicar todo o tor- mento que pudesse ter. Realisou-se este tor- mento em 20 de novembro de 1652 e ata- ram-no com 6 voltas, 2 em cada perna, e duas no brao direito e no outro brao tinha uma fonte e dando-se-lhe voltas comeou a 340 EPISDIOS DRAMTICOS dizer que morria, que lhe acudissem, chamando pela Virgem, etc. Pela sentena final o Ru mandado abju- rar de vehementi sospeito, carcere a arbtrio e pague as custas. foi lida a sentena no auto de 1 de dezembro. As custas do processo so 12$765 rs. COMO A PRISO DE DUARTE DA SILVA FEZ SENSAO ATt JUNTO DOS DEGRAOS DO THRONO Te mos de retroced r um pouco para s vermos na frente a figura 'principal e de maior prestigio d'este tenebrso e hagico trma, a potencia monetaria e financeira do tempo, esteio e aooio economico do vencedr da revoluo d'e 1640, o israelita portugus, Duarte da Silva. Do processo movido a Gaspar Clemente atrs largamente referido respigaremos pois os seguintes depoimentos elucidativos dos pormenores d'esta priso, alm dos j refe- ridos em Jogar proprio. Em 13 de dezembro de 1647 Alvaro de Lima, escrivo da correio do crime, disse que, a 9 d'este ms, estando a jogar, no Rodo, em casa do corregedr Pedro Alvares Scco, defronte d'onde ele estava ficava Pedro Alvares Moreira, moradr jurito da egreja da Victoria e estavam tambem: Manoel Freire de Mattos, alcaide, morador nos aroos do Rocio; Luiz Angel que tem o habito de Christo, DA INQUISIO PORTUQUESA 341 moradm entrada da Caldeiraria; Gonalo Rodrigues, sobrinho d'este, que tem o habito de Sant'lago; Leonardo Ximencs; Antonio pc Sequeira Pestana, procurador d'a villa de Arronches s crtes, morador numa estalagem defronte do pao que foi das comedias. Es- tando assim todos fallaram na priso de Duarte da Silva e ouvio dizer que tinham feito uma juncta no Santo off.o e decidido que se sobrestivesse na priso de Duarte da Silva e que um ministro do Santo off.o. estando com Duarte da Silva, lhe dissera que era bom ter amigos em toda a parte. Em 19 acrescentou que o dr. Pedro Vieira da Silva, secretario d' Estado, mandara cha- mar Francisco Botelho Chaco, mercador. mo- rador ao terreiro dos Martyres e lhe dissera que o seu cunhado Duarte da Silva andava para fugir de Portugal, ao que Chaco res- p.ondeu que no era seu cunhado, mas seu amigo. Pedro Vieira da Silva perguntou-lhe ento se elle queria ser fiador de Duarte da Silva e Chaco respondeu -que sim. A Inqui- sio mandou fazer diligencia sobre o facto e, como visse tudo socegado, fizeram a junta a que a testemunha se referia no t.o depoi- mento. Isto foi contado por Chaco a Gonalo Rodrigues Angel, em presena do dr. Paulo da Fonseca. Em 20 de dezembro de 1647 foi interro- gado o Dezembargador da Casa da Suppli- cao, P.o Paulo de Sousa, mas nada disse. Em 20 de dezembro de 1647 foi interro- gado Gonalo Rodrigues Angel, cavalleiro do habito de Sant' lago, morador a Sete Coto- vellos, e contou o j referido }X>r Alvaro de 342 EPISDIOS DRAMTICOS Lima no 2.o depoimento, acrescentando que Pedro Vieira da Silva tinha dito ao Chaco para dizer a Duarte da Silva que lhe peJisse para este ser fiador d'elle. Que depois d'isto Duarte da Silva fra fallar com El-Rei, asse- gurando-lhe que no tinha inteno de se ausentar, seno de o servir. Disse finalmente que lhe constava que Duarte da Silva tinha amigos no Santo off.o que eram:: f. Joo de Vasconcellos e o Bisp::> do Porto. Em 3 de janeiro de 1648 foi interrogado Francisco Botelho Chaco e declarou que: haver anno e meio, estando El-Rei em AI- cantara, foi a testemunha l chamada pelo secretario d'Estado, Pedro Vieira da Silva o qual lhe disse que El-Rei sabia que Duarte da Silva queria fugir e por isso o havia de mandar prender se Duarte da Silva lhe no desse fiador, do que Chaco prevenia Duarte da Silva. Disse mais que, pouco depois do que :passou com o secretario d'Estado, foi a casa do Dr. Sebastio Cesar, Bispo do Porto, por causa de negocias do servio d'El-Rei) e fallando em Duarte da Silva contou a tes- temunha o 'que passara com o secretario d'Es- 't:ado e Sebastio Cesar lhe respondeu que bom era ter amigos em toda a parte. Em 8 de janeiro rle 1648 veio Chaco additar o seu testemunho, dizendo que, poucos dias depois da priso de Duarte da Silva. foi a testemunha a casa d'elle visitar Jorge Dias Brando e, faJlando na priso, lhe disse Jorge Dias que El-Rei sentira tanto a dita priso que fizera ir sua presena os i ~ q u i sidores para se procurar algum meio de a atalhar ou dilatar. DA INQUISIO PORTUGUESA 343 INTERROGATORIOS DO RW - NOVAS DENUN- C I A ~ - DOIS PROCESSOS S COSTAS - ILUDINDO A VIGILANCIA DOS ES- BIRROS INQUISITORIAES CORRESPON- DE-SE COM MANOEL FERNANDES VILA REAL E COM OS PARENTES - DUAS D'ESSAS CARTAS APANHADAS EM BO- CADINHOS PEL03 INQUISIDORES SO POR ELES RESTITUIDAS E AGORA PUBLICADAS Encerrado nas lugubres masmrras inqui- sitoriaes vamos assistir agora aos apertados interrogatorios que o Sant.o Officio lhe urdio. Alguns da praxe regimental, outros porm especiaes para o Ru. A 27 de janeiro de 1648 comeou com as declaraes respeitantes ao seu inventario, que prolongou durante mais oito audiencias. Merecem largo extracto, embora recordmos que no faltaro as dividas fantasticas e outros subterfugios usuaes aos abastados israelitas que pretendiam livrar o maximo do fisco inquisitorial. Declarou ele pois dever a Diogo de Ara- go Pereira, moradr na Bahia 600$000 rs.; a Antonio da Silva Pimentel, tambem moradr na Bahia. alm do constante do seu livro Razo, duas caixas de assucar; a Diogo de Arago Pereira 300$000 rs. de caixas de assu- car que foram ao Fayal; a Paulo Antunes Freire, moradr na Ba'hia. o que declara o seu livro Razo; a Diogo Moniz Telles_, mo- radr na Bahia. metade de cinco caixas de 344 EPISDIOS DRAM TJCOS assucar branco, metade de seis caixas de pa- nelta (sic) vindas a Lisba, metade de cinco caixas de panella que foram ilha Terceira; ao capito Francisco de Barros deve 6 cargas de linho e os gastos das entradas e sabidas de quatro caixas de tabaoo do Brazil; a Pedro Franco d' Albuquerque, moradr em Li orne, 4.000 cruzados; a Ruy Lopes da de Rma, 300$400 rs. e 00$000 rs. de um credito dado a D. Joo da Costa; a Fran- cisco Nunes Sanches, de Rma, a quarta parte do rendimento de certa sda em rama e a tera parte dos tafets; a O as par de Paiva, em Rma, o que constar; a Henrique Oil da Veiga, morador em Liorne, 800$000 rs. de metade de 59 peas de tafet de cate!la; oom 'Antonio de Franchy, Antonio e Simo Mendes d' Almeida tem contas e deve-lhes 1 : 800$000 rs. de nove fardos de seda; a Francisco da Serra, fallido, deve metade do rendimento de 1.196 sacas de arroz; a Diogo morador em Lisboa, deve 34 caixas de assucar do Rio de Janeiro que Duarte da Silva mandou para Hollanda; a Antonio Pe- reira de Viveiros todas as corretagens con- stantes do seu livro, 30$000 rs., uma pea de seraphina vermelha, 16 peas de seraphi- nas, 50 peas de bombasina e 42 quintacs de bacalhau; com Jorge Dias Brando tinha oontas antigas e est por tudo o que elle dissr; a Rodrigo Ayres Brando devia 3.000 cruzados pouco mais ou menos; a varios, fretes de caixas; a Manoel Francisco Migueis frete de 7 <Caixas e wlos de tabaco Haver; Jorge Dias Brando tinha em sua casa um sacco de dinheiro, com 380 e tantos mil reis; em DA INQUISIO POIUUQUESA 345 casa d'elle Ru havia 30 fardos de seda em rama, valendo 38.000 cruzados, a quarta parte da qual pertencia a Francisco Nunes, morador em Roma, a outra quarta a nio e Simo Mendes d' Almeida, moradores em Veneza; em sua casa esto 100 peas de tafet singelo. a tera parte das quaes pertence a Francisoo Nunes Sanches, de Rama e outra tera a Antonio e Simo Mendes d' Almeida; em casa tem .uma caixa grande de roupa da India fina de Bonina de 80 xerafirts a corja; em sua casa tem uma caixa d'e banequis (?) fin10s; idem 366 maos de seda floxa (?) per- tencentes a Antonio de Franchy e Antonio e Simo Mendes d' Almeida, moradores em Veneza. A fazenda real -lhe devedora de 30 mil cruzados, metade dos quaes pertence a Fran- cisoo Botelho Chacon; de 5.000 cruzados de biscoito; 24.000 cruzados do resto da conb do assento do Brazil; 3 folhas de pelouros, dos quaes elle e Francisco Botelho Chacon deram satisfaco nos armazens de artilharia; uma folha de 1 :320 e tantos mil reis do resto do assento da polv.ora de 1645; 25.000 cru- zados de um assento de armas, murro, chum- bo e pelouros; de um assento para elle Rllt e Francisco Botelho Chaoon proverem as fwnteiras de 2.000 quintaes de polvora e de mil quintas de recebeu o R6u 45.000 cruzados; ao almoxarife da torre da polvora entregou 100 barris de polvora que o conde d' Odemira tomou para o socrorro de Sal- vador Correia de S ao Rio de janeiro; por ordem d'El-Rei pediram-lhe credito para que, em Flandres, se dessem I 00 mil cruzados 346 EPISDIOS DRAMTICOS para oomprar 16 galees de servio do reino, dos quaes ainda lhe devem 70.000 cruzad:::>s; o Ru e Francisco Botelho Chacon entregaram nos armazens cento e tantos quintaes de pe- louros; na India, em Affonso Monhoz, tinha 12 mil xerafins, que so 9.000 cruzados; Affonso Monhoz era-lhe devedor de 1 :200$000 rs., para pagamento da qual quantia estavam em Anvers certos diamantes ainda oor vender; na lndia tinha 10 Ru, em mo p dos Reis, um resto de 4 caixas de para a lndia mandou certas caixas coral, e nellas coral redondo lavrado e outras mais que valero 14.000 cruzados; em 5 de de- zembro mandou o Ru para os portos de Per- nambuoo uma caravella para lhe trazer 150 caixas de assucar, levando um carregamento que valeria 8.000 cruzados; em outra cara- vella mandou o Ru 3.000 cruzados em dinheiro e 1.500 cruzados em fazendas; para o Rio de Janeiro mandou varias carregaes e por troca tem recebido 6.000 cruzados em assucares; para a Bahia mandou o Ru carregaes de dinheiro e fazendas para em troca receber assucares e tabaco; numa caravella que estava para partir para os portos de Pernambuco tinha 3.000 cruzados de fazendas e esperava 150 caixas de assucar; em ltalia tinha o Ru 2 carregaes de assucares para vender, com 120 caixas; em Hamburgo, na mo da vi uva e herdeinos de Duarte Esteves de Pina,, tinha carregaes de assucares e diamantes por vender; em Ruo, em poder de Manoel Rodri- gues Nunes, tinha cincoenta e tantas caixas de assucar por vender; em Ruo tinha mais 1 O caixas de assucar em poder de Agostinho DA INOt POIHUQUESA 347 Coronel Chacon; Bento Osorio era corres- pondente do Rcu em Hollanda e minha em. seu poder algum dinheiro do Ru e 7 4 caixas de assucar c alguns diamantes; para Londres tinha mandado o Ru para a casa de Drick Host (?) sessenta e tantas caixas d'assucar; em Anvers, em poder de Gaspar Rodrigues Passarinho, ti- nha varias partidas de diamantes. Aossuia alm d'isso propriedade de casas na Fancaria de baixo, de 150$000 rs. de rendiment::l. Manoel Estevo da Silveira deve-lhe 10 mil cruzados, 100$000 rs., pouco mais ou menos, das sedas e tafets; Philippe d' Araujo deve-lhe 2:500$000 rs. de seda em rama; Gabriel Ferreira deve ao Ru 3.000 cruzados; Francisco Ferreira deve-lhe 700$000 rs.; Gaspar Fernandes, torcedor de seda, deve- lhe 3: 400$000 rs. de seda em rama; Manoef MaChado deve-lhe 3.000 cruzados e 5 caixas de assucar; Manoel RebeiJo deve-lhe 120$000 rs. de uma pea de tafet; o cirgueiro Sebas- tio Ferreira deve-lhe quantia que no pde precisar; Miguel Pereira deve-lhe 670$000 rs. e um flamengo, de quem Miguel Pereira foi fiador, deve-lhe 650 mil reis; o cirgueiro Ma- noel Carreira deve-l:he 580$000 rs.; Antonb da Costa Raya deve 550$000 rs.; o correio- mr Luiz Gomes 3a Matta deve-lhe 100$000 rs., que lhe emprestou; O. Juliann:t de No- ronha, senhora de Villa Verde, deve-lhe 300$000 rs. que lhe emprestou; O. Joo Mascarenhas deve-lhe 1 00$000 rs. que lhe em- prestou; o conde d'Obidos deve-lhe 400$000 rs. que lhe emprestou e, alm d'isso, 17 mil e tantos reis; Luiz de Goes de Ma ttos deve-lhe 150$000 rs.; o prior e religiosos do convento 348 EPISDIOS DRAMTICOS
de S. Domingos de Bemfica devem-lhe 150$000 rs. que lhes emprestou; Fr. Antonio de Len- castre, provedor do Hospital de N. Senhora da Luz deve-l!he 200$000 rs.; Jorge Pereira deve-lhe um fardo de seda. O Ru emprestou para a armada que foi Bahia 1 O mil cruzados. O aonde do Prado\deve ao Ru 130$000 rs.; Jorge Fernandes, de Elvas, deve 40$000 rs.; o herdeiro de Affonso de Barros Caminha deve cento e tantos mil reis. A 13 de maro de 1648 continuou a declarar o inventario. A Bernardo Ferreira, sollicitador do Ru,. deve 4$000 rs. que pelo Natal de cada anno lhe costumava dar; a Andr Luiz, tambem devedor; idem a Joo Rodrigues Calvo. A 24 de abril continuou o mesmo assum- pto e declarou que: Manoel Fernandes Cama- cho, morador na ilha da Madeira onde foi commissario do R., no era muito correcto em contas e a elle nada devia; depois d'elle passou a ser seu .commissario na Madeira Manoel de Ceia. A 30 de abril declarou mais: que era devedor de fretes a Jorge Rodrigues Calvo,. mo- rador na Pederneira. A 11 de maio declarou mais que, a ins- tancias do seu correspondente na ilha da Madeira, foi fiador de 100$000 rs., preo de 2 escravas. A 18 de maio continuou: dever a An- tonio Thom,, frete de 7 caixas d'assucar; a Diogo Fernandes Crespo, mercador do Al- garve, 140$000 rs.; igreja de S. Julio uma lampada de prata. O Ru arrendou a Francisoo DA INQUISIO PORTUGUESA 349 Mascarenhas Henriques uma quinta sita na Cruz da Pedra, em Sete Rios, freguezia de S. Sebastio da Pedreira, por 35$000 rs. anuaes e a Francisco Mascarenhas deu por ,conta 100$000 rs. em 1643, quando El-Rei foi ao Alemtejo. A 13 de julho declarou mais: que com o ferrador Antonio Lopes ajustara ferrar-lhe 7 cavalgaduras por anno pelo preo de 11$000 rs.; a BelChior Duarte Ramos deve um frete de 8 caixas de assucar, de Pernambuco. A 29 de julho declarou as suas corifas com Henrique Gil da Veiga, morador em Liorne, de quem recebeu tafets e uma caixa de coral grejo (?) e, em troca, mandou-lhe 6 caixas d'assucar, ficando-lhe a dever uns oito centos e tantos mil reis. A 27 de agosto acrescentou que o cor- retor, Antonio Pereira, lhe deu 2 peas de baeta quando morreu a me do Ru e se lhe devem pagar. A 18 de maio de 1649 declarou mais que BelChior Monteiro, seu pagem, lhe furtou 1 pea de setim e umas meadas d'ouro e certos pares de meias de l e por isso nada lhe deve. A 3 de agosto de 1649 declarou ainda que a Loureno de Brito Correia, morador na Bahia, agora preso no Limoeiro. nada deve. A 14 de fevereiro de 1650 declarou final- mente,, depois de especialmente interrogado sobre 10 assumpto, que: a Balthazar Rodrigues, que foi cirgueiro, deve o que se gastou no enterro de sua filha e alm d'isso: 2 piviteiros de prata; um ora to rio de po preto; e 2 conta- dores de p o preto; e Balthazar Rodrigues tambem deve ao Ru. 350 EPISUJOS DRAMTICOS A 10 de maio de 1650 elucidou ainda as suas contas com Loureno de Brito. Este Longo relato de dividas e operaes comerciaes tx>de bem ser destituido de exadi- do; mas d-nos seguramente ideia curiosa da vastido da actividade mercantil do judeu Duar- te da Silva. E bem assim das suas relaes oom o estado portugus e com individualidades seiscentistas de destaque. Entretanto a 19 de fevereiro 'de 1648 h a via sido interrogado sobre a sua genealogia. Disse chamar-se Duarte da Silva, ter 52 annos d ~ edade, ser christo novo e natural e morado.r em Lisboa,. homem de negado. Seu pae chamou-se Diogo Pinto, natural de Alter do Cho, d'onde veio para Lisboa; sua me chamou-se Catharina Henriques. Seus avs paternos foram: Duarte da Silva, natural de Alter do Cho, onde foi escrivo das cizas e Beatriz Pinto. Seus avs maternos foram: Ferno Jorge e Marquesa Lopes, ambos natu- raes de Lisboa. Declarou-se primo de Duarte da Silva de Leo, moralor Praa da Palha, casado com Catharina Alvares. Dos seus tbs maternos, tres fo-ram para a India e ahi me>rre- ram. Teve o Ru um irmo e duas irms,. todos j defuntos. I: casado com D. Branca da Silva, filha da sua prima Joanna Brando, e tem quatno filhos e tres filhas. 0. 0 Pinto da Silva de 19 a n n o s ~ residente em Roma; Francisco Dias, de 14 annos; Simo Henriques de 12 para 13 annos; Joo de 6 para 7 mezes; D. Catharina da Silva de 16 annos, solteira; D. Seraphina de 4 annos; e D. Joanna de 3 annos. DA INQUISIO PORTUGUESA 351 O Ru declarou ter sido baptisado na igreja de S. Nicolu, sendo seu padrinho Luiz Rodrigues de Paiva; s sabe ler, escrever e con- tar; esteve em Castella e no Brazil e viveu do.is annos em Vianna, quando solteiro. A 20 de fevereiro de 1648 fallou nos seus cunhados: Jorge Dias Brando, solteiro, morador em Palhavan; Rodrigo Ayres Bran- do, casado com Leonor Rodrigues, christ nova; Orcia Brando, freira em Odivellas; Isabel de Solis e Maria Brando,. ambas casadas em Castella. Assim ficou satisffeita a curiosidade inquisitorial neste pnto. Comea agora o torniqute das subtis perguntas d.os inquisidres. No dia tres de junho de 1648 foi inter- rogado in specie, negando tudo o que lhe perguntavam. A 29 de outubro do mesmo no fizeram-lhe nvo exame in specie, mas negou terminantemente ter querido saber segrdos do Santo oficio. No o largavam. A 5 de novembro novo exame tambem, mas oontinuou negando e disse que tanto no supunha ser prso pelo Santo oficio que, poucos dias antes, havia despachado para os prtos de Pernambuco duas caravls com quantidade de dinheiro em sacos e outras fazendas para lhe virem carregadas de assu- car; quatro ou cinco dias antes tinha feito as- sento na Junta dos tres estados de armas e mu nies que importavam em 25.000 cruzados e, um ms antes da priso,. fizra assistencia a S. Magestade com 100.000 cruzados para lhe vi- rem navios do norte. Instado baldadamente em 16 de novembro de 1648 ainda anos depois, em 20 de fevereiro de 352 EPISDIOS DRAMTICOS 1652, negqva terminantemente querer saber segrdos da Inquisio. A 8 de junho de 1648 prestou juramento o seu procurador. Luiz Ferro. Na contestao ao libello defendeu-se recordando ter praticado toda a sua vida actos de christo e tanto assim q u e ~ por tres vezes ,foi eleito para servir na igreja de S. Mamede a confraria do Senhor,, a de Santo Antonio e a de S. Sebastio e, por causa de um ju- bileu, ahi gastou mais de 300 mil reis; sua custa mandau concertar os telhados da igreja e deu o painel para o cro. Na igreja de S. Julio, da qual foi freguez por 1626, poz uma tam- pada de prata. Em 1645 servia o Sanctissimo Sacramento do mosteiro de S. Domingos e ~ como Antonio Cavide o quizesse servir e os frades estivessem inclinados a dar-lh'o, elle desgostou-se com isso e os fra.des lh'o no tiraram, dando elle tudo o que faltava para se acabar a custodia rica e na festa do Corpus dava de jantar a toda a communidade. Obri- gou os filhos a irem aprender latim no ms- teiro de Bemfica. Mandou acabar de azulejar sua custa a igreja de S. Sebastio da Pe- dreira; ao mosteiro do Sacramento, para se fazer a sua capella} deu de esmola 20$000 rs.; aos carmelitas descalos de Carnide deu tam- bem. Allegou ainda que todos os annos mandavam vir para gasto de casa, do Porto e de Lamego, canastras de presuntos e do Alemtjo marrans e chourios e ainda em sua casa faziam matana. Entre as teste- munhas avultavam: Gaspar da Silva de Vas- concellos, musico d'El-Rei; Fr. Antonio de Lencastre, provedr do hospital da Luz; An- DA INQUISIO PORTUGUESA .353 tonio Reblo de Moura, almoxarife da cabana; o Padre Antonio Vieira, em Santo Anto; Luiz Gomes de Barros, proeuradr da cidade; Gonalo Pinto Soares, em casa do marqus de Niza; o correio-mr Luiz Gomes; D. Joo Mascarenhas; Diogo Bernardes Pimenta, des- embargadr; o conde d'Obid:os; D. Joo da Costa; Dr. Pedro Fernandes Monteiro; conde de Odemira etc., notando-se que o Padre Vieira foi apresentado como testemunha a trs pontos. Foi esta defsa recebida em 19 de junho de 1648. Vo agora seguindo os tramites ordinarios do. processo. Em 28 de novembro de 1648 foi-lhe feita achnoestao antes do liblo. e, quando este lhe foi lido, Duarte da Silva declarou tudo falso. A 9 de dezembro fez o seu devido juramento e defensr Licenseado Luiz Ferro que, no dia onze, logo dois dias depois, veio com a contes taio ao liblo que lhe foi recebida. Na sua defesa Duarte da Silva nega o ter querido saber segredos do Santo Officio e diz que tanto isso verdade que no lem1J que procedeu a sua priso andou publicamente fazendo o seu negocio. Assim poucos dias antes fez um assento de armas na Junta dos tres Estados no valor de 25.000 cruzados; a 5 ou 6 de dezembro ide 1647, sendo chamado Junta dos tres Estados, para effeito de fazer melhora em um assento de 6.000 quintaes de polvora e 2.000 de cobre que importavam em 90.000 cruzados, deu palavra de o fazer depois de um dos contendentes que eram Oregorio Dias contra Gaspar Pachet;o se descer hum 23 354 EPISDIOS DRAMTICOS delles; um mez antes deu credito em Flan- dres para se darem 5.000 cruzados por conta d'El-Rei para mmpra de xaos (?) para o servio da armada, o qual dinheiro devia ser cobrado do procedido das provindas do Alemtejo e Beira do emprestimo que a El-Rei se fazia; que, pedindo-lhe o conde de Odemira para, por servio d'El-Rey, fazer um assento de mil quintaes de polvora,. que importavam em 25.000 cruzados, um mez antes da priso, Duarte da Silva se obrigava a faz-lo. e, como o conde de Odemira lhe man- dasse instar por intermedio do dr. Pedro Fer- nandes Monteiro,. assim o fez; poucos mezes an- tes da priso,. pedindo-se-lhe da parte de S. M. ajuda para a .armada da Bahia emprestou, sem juros, 10.000 cruzados; para Salvador Correia ir em soccorro ao Rio de Janeiro emprestou 4.000 cruzados. -Tanto era verdade Duarte da Silva no esperar a priso que, poucos mezes antes, comprou um predio de casas na Fan- caria por 8.000 cruzados; em sua casa ti- nha 60.000 cruzados de seda em r.1ma,, peas de tafet, e roupas da India, o que tudo vendia a praso; a 5 de dezembro de 164 7 despachou Duarte da Silva para a costa de Pernambuco a caravella do mestre Gaspar Palhano com muitas fazendas e 5.000 cru- zados para compra de um carregamento de assucar. A 17 de maro de 1649 foi chamado Antonio da Fonseca, seu antigo caixeiro e confir- mou quanto allegou na sua defesa quanto. parte oommercial. A 18 de maro foi chamado Gonalo Pinto Soares, cavalleiro do habito de Christo, DA INQUISIO PORTUGUESA 355 tambem testemunha de defeza do Ru,. em cujo. favor depoz. A 29 de maro chamado Miguel de Aze- vedo. official da secretaria da Junta dos tres Estados, confirmou o que o Ru allegara em sua defeza referente J. dos 3 Estados. N.) mesmo dia Pedro de Abreu, ourives, teste-munha de defeza do Ru, depoz em seu favor. No mesmo dia foi chamado o Dr. Joo Cc.rreia de Carvalho do Dezembargo d'El-Rei, tambem testemunha de defeza, cujos factos confirmou. A 9 de abril de 1649 Ruy Correia Lucas, tenente general da artilharia, ministro da Junta dos tres Estados,. testemunha do Ru, depoz egualmente em sua defesa. A 22 de abril de 1649 foi chamado o Padre Manoel Nunes de Freitas, beneficiado na igreja de S. Christovo, testemunha que depGz em defeza de Duarte da Silva e no mesmo dia Diogo Barreiros,. cidado 'de Lisboa, c<Jnfirmou o facto da compra das casas. A 17 de maio Francisco Botelho Chaco depoz em favor do Ru e no mesmo dia Tho- m Botelho da Silveira,. christo novo, casado com D. Guiomar Pereira tambem depoz a seu favor. A 10 de junho de 1649 foi chamado Ma- noel Rodrigues da Costa, christo novo, mer- cadr, e depoz em 'favor do Ru e bem assim An- tonio Pereira de Viveiros, corretor do numero, o qual contou ter O'Uvido ao Ru que o haviam intrigado com El- Rei, dizendo-lhe que se queria ausentar do reino e por isso El-Rei o chamara e, como lh'o perguntasse, 356 EPISDIOS DRAMTICOS Duarte da Silva respondeu ser falso. Na verdade como poderia elle ausentar-se se a fazenda Real lhe devia mais de cem mil cruzados e El-Rei mandou-o fallar com o secretario d'Es- tado. Deu tambem a perceber que Duarte da Silva desconfiava de qualquer coisa da Inqui- sio. A 1 O de junho de 1649 foi finalmente cha- mado Jorge Pereira, familiar do Santo Officio, e depoz em favor do Ru. terminando por elle o extenso rol da prova testemunhal. Duarte da Silva veio _depois com as suas con- traditas e nellas allegou que: Antonio da Fon- seca, caixeiro do Ru, lhe foi inimigo por elle o ter repre'hendido por causa das suas incon- fidencias em materias de negocio, precisando at de o pr na rua; que Monteiro, agente que foi do Ru era se:u inimigo,. por o ter roubado; idem o lacaio Fonseca, seu litei- reiro e o lacaio Moreira, por descontos que lhes tem feito; idem Gonalves, azemel d'agua do Ru, porque este lhe quiz bater;_ que, se na sua casa havia tristezas antes da sua priso era por lhe ter morrido a me,. haveria um mez; que. por causa dos emprestimos a El-Rei, vi- nham do Alemtejo os negociantes Gaspar Fer- nandes, o marqus e Joo Rodrigues Mesas e da Beira, Nuno Fernandes de Carvalho e Ferno !Mendes,. los 1quaes oom o Ru tinham ronferencias. Entretanto novas acusaes iam acres- cendo contra Duarte da Silva, novos liblos, novas contraditas e quatro defsas! A 11 de maio de 1649 foi interrogado Leandro de Medeiros, irmo de Domingos de !Medeiros, e disse ter-lhe o irmo contado que Duarte da Silva e\familia criam na .lei d ~ Mo.yss. DA INQUISIO PORTUGUESA 357 A 24 de novembro de 1650 o Padre Urbano da S i l v a ~ prior da igreja de S. Mamede depoz que, estando na sua quinta. de Palhav, lhe disseram que Duarte da Silva quando passava pela cruz que estava na Cruz da Pedra nunca tirava o chapeu, nem lhe fazia reverencia; tambem o familiar Pedro de Sousa disse testemunha que Duarte da Silva nunca tirava o chapeu cruz que est na ilharga da igreja de S. Mamede, defronte da casa diQ correio-mr; e Duarte da Silva foi juiz da confraria do Sanctissimo Sacramento da igreja de S. Mamede. no fez festa, mas s- mente um terceno. A 26 de novembro foi chamada Maria da Silva, mulher de um sapateiro, morador Cruz da Pedra, junto a S. Domingos d'e Bemfica e disse que Duarte da Silva alugou uma quinta defronte d'ella testemunha, na estrada de Bemfca. junto a.o mosteiro, onde chamam a Cruz da Pedra e ahi passou os tres veres anteriores ( 1 ) sua priso e con- (1) Onde fica\<a a quinta da Cruz da Pedra que Duarte da Silva alugou para descano dos seus ar- duas trabalhos financeiros e mercantis? Hesitmos durante algum tempo entre a quinta da Macaista pertencente hoje aos herdeiros do dr. Carvalho Monteim e assim chamada por ter per- tencido a Joaquim jose Ferreira da Veiga, capita- lista em Macu (Resenha dw ttutres, vol. II, pag. 206) e a qumta da Infanta que confina com a cr- ca do convento de S. Domingos de Bemfica e com a quinta dos marquezes de Fronteira e pertenceu, por meados do seculo XVIII, a Gerardo Devisme. No era porm nenhuma d'essas. A quinta da Cruz da Ped'ra, to falada no processo de Duarte da Silva, foi depois nada mais 358 EPISDIOS DRAMTICOS firmou que elle nem da janla da casa, d'onde avistava a cruz grande de pedra, lhe tirva o chapu. O marido d'esta testemunha decla- rou que a quinta onde Duarte da Silva morou pertencia agora a Duarte Gomes da Mata; e Duarte da Silva fez uma festa dita mas no lhe tirva o chapu. Sobre este caso da Cruz da Pedra,, foram interrogadas vrias testemunhas que nada adian- taram e, entre ellas, o sapateiro Manoel da Sil- va. Afirmou este que a tal Cruz da Pedra grande e tem as imagens de Christo e N. Se- l!llwra em cima. ' evidentemente o lindo cruzeiro quinhen- tista da quinta das Larangeiras do qual se ocupa Sousa Vterbo pagina 11 da primeira serie dos Cruzeiros de Portugal. nada menos que a crca do Convento de Santo An- tonio da Convalescenca. Com efeito oonst do processo, pelo dito de uma testemunha, que a sobredita quinta pertencia a Duar- te Gomes da Mata. E percmrendo-se os poucos pa- peis do cartorio do Convento de Sto. Antonio da Convalescena, hoje na Torre do Tombo, encontra- se a origem d'este convento em duas doaes: a priiT!eira duma quinta de Palhav que pertenceu a D. Antonio de Mascarenhas e d'ela fez doao para se curarem os dQentes da provinda de Santo An- tnio dos Capuchos, tomando os padres posse em 4 de setembro de 1637; outra datada de ,29 de de 1663 e feita pelo arcediag de Cerveira, Duarte Gomes da Mata, irmo do correio-mr, da sua quinta Cruz da Pedra, para convalescena dos doentes dos padres capuchos da provinda de Sto. Antonio, de Lisba. Com razo pois lhe chama o padre Joo Batista de . Castro, no seu Mapa de Portugal, Convento de Santo Antonio da Cruz da Pedra. DA INQUISIO PORTUGUESA 359 Mas tOS interrogatorios proseguiam. Em 24 de novembro de 1650 foi interro- gado Manoel Barbosa Dantas,, ainda caixeiro em casa de O. Branco. da Silva, e disse ser verdade que Manoel Fernandes de Moraes. morador no Porto, e Francisco Mendes, de Vianna, mandavam canastras de presuntos e lnguas a Duarte da Silva e do Alemtejo vinham, por via de Duarte da Silva de Leo e de Balthazar Rodrigues, marrs, chourios e queijos. A 28 de novembro de 1650 foi interrqgado Manoel Martins de Frana, mercador; e depoz em faVIOr do Ru; idem,; Joo Burger. Manoel Barbosa, novamente interrogado, disse ser ver- dade mandar o Ru dizer muitas missas no convento de S. Domingos de Bemfica e nesse convento tem uma capella, a da Senhora do Rosario, na qual j est enterrada a sua me. E as contraditas no faltavam. Nestas o Ru allegou a inimizade de: Licenciado Luiz de Mello, morador s Pedras Negras, com quem brigou em .casa de Gaspar Rodrigues Passarinho; Pedro de Mesquita, mercador, por o ter demandado deante do ouvidor da alfandega; Gaspar Fernandes Nu- nes, mercador de pannos, por ser seu deve- dor; Francisco Dias Mendes de Brito e D.o Mendes de Brito, seu irmo, moradores ao Poo do Borratem, por os ter desacredi- tado, commercialmente fallando, na praa; Beatriz Henriques e suas filhas Francisca da Silva e Maria Henriques porque Maria Hen- riques, indo em 1643 sua quinta da Cruz da Pedra, lhe roubou uma salva de prata e a escondeu num saco de trigo e por. seu 360 EPISDIOS DRAMTICOS fillro, Diogo Pinto, ter relaes illicitas com Francisca da Silva, 10 que o Ru no levou a bem, mandando sahir o filho para o Porto, e por isso lhe mandaram uma carta anonyma, ameaando-o; a mulher de Pedro de Carnide, porque tendo o Ru um grosso negocio com Affonso Monhoz, irmo d'essas presas, na lndia, no quiz dar a Pedro Carnide certo di- nheiro que elle desejava; Gaspar Fernandes e Joo Rodrigues Mesas, de Estremoz, so inimig10s do Ru porque elle no quiz re- commendar certa preteno a S. Magestade; Ferno Martins, homem de negocio, mora- dor em Lisboa seu inimigo porque o seu cunhado, Francisco Ribeiro, teve na Rua Nova uma loja com Jorge Dias Brand:o, cunhado do Ru; Domingos de de Vianna da Foz do Lima,. nimigo do Ru porque lhe bateu por lhe no _pagar uma caixa de 1<1ssucar; Branca Gomes, vi uva de Fernando Dias da Fonseca sua inimiga por a ter censurado pelos seus costumes. An- tonio da Fonseca, caixeiro do Ru, seu ini- migo, por elle o ,criticar nas suas aptides profissionaes e o substituir por Barbosa Dan- tas; 10 liteireiro Fonseca, porque o Ru lhe chamou markas e lhe descontou no orde- nado; o lacaio Moreira, por 1causa de des- contos; Gonalves, azamel da agua, por lhe ter chamadb nomes feios, em virtude de lhe trazer o comer guisado da quinta de Palhav para Lisboa mal arranjado; o pagem Belchior Monteiro, por o ter roubado; a Barrosa, visi- nha de Beatriz Henriques,, porque se associou tal carta de ameaa que Duarte da Silva rece- beu. DA INQUISIO PORTUGUESA 361 Terminam as contraditas por o Ru dizer que as no pde concluir sem lhe declararem os logares em que as testemunhas formam as suas culpas, o que foi feito, em 30 d'e agosto de 1650, dizendo-se-lhe ser em Lisboa e arredores. Depois d'isso veio com segunda de feza: O Ru nunca pensou em se ausentar e,. se chegou a fallar nisso nos prindpios de dezem- bro de 1647, pouco antes do auto da f d'e 15 d'esse mez, foi porque o Dr. Pedro Fer- nandes Monteiro, por ordem d'El-Rei, o en- carregou da informao da gente por que havia de ser dividido o emprestimo de cem mil cru- zados e, por causa de ajustar a diviso na comarca de Setubal, foi para a quinta de Pa- lhav afim Ide trabalhar com mais socego. Como testemunhas das .contraditas foram inquiridos: Antonio Pereira de Viveiros, cor- retor d'o numero, o qual depoz ter ouvido que Duarte da Silva questionara com o Me- deiros; Estevo Luiz da Costa, mercador, christo novo; Francisco Gomes Henriques, o Forragaitas, de 66 annos de edade; Gregorio Gomes Henriques, christo novo, homem d'e de 33 annos_; Fr. Antonio dos Reis, dominicano; D. Maria de Almada, mulher do phisico-mr d'o Brazil. Em 28 de novembro de 1650 foram inqui- ridas mais: J eronymo Gomes Pessoa, contra- dador, morador ao Rocio; Alvaro Fernandes, de Elvas, contratador; Maria Marinha, filha d'e Luiza d'Ea, moradora na rua da Rosa de Carvalho. A 19 de dezembro de 1650 foi inquirido: Ferno Rodrigues Penso, homem de negocio, 362 EPISDIOS DRAMTICOS morador ao Rodo. Foram tambem interroga- dos: Francisco Guedes Pereira, thesoureiro- mr de Portugal, morador a S. Chrispim; Ruy Correia Lucas, tenente general de artilharia, morador ao Caes do Carvo; Joo Guterres, homem de negocio, morador no becco de Joo de Deus; Gaspar Malhe iro, familiar do Santo Officio, homem de negocio, morador na Ribeira; D. Alvaro de Abranches, ministro da Junta dos tres Estados; Joo Nunes Santarem, mer- cador, morador Magdalena. Em Setubal foi interrogado Phelippe Ser- ro, mercador. Da terceira defesa com que veio o Ru se deduz :que elle de outubro a maio costumava estar .na sua casa em S. Mamede e no vero ia para t3. quinta da Cruz da Pedra de Pa- Ihav. Veio Duarte da Silva com quarta defesa e nella allegou .que, em 1644, morando Cruz da Pedra, no dia da Inveno da Cruz) man- dou fazer um altar de grande ostentao na mesma cruz e uma festa, com pregao, mu- sicas e carreiras de caval.fos, ordenadas estas por seu filho Diogo Pinto; que desde 1643 a 1647 viveu todos os veres nas quintas da Cruz da Pedra e Palhav e, ao vir para Lisboa, . passava a S. Sebastio da Pedreira,., juncto a uma cruz grande, qual costumava tirar o chapu. Citou, entre outras testemunhas, Luiz Go- mes de Barros, procurador da cidade, morador s portas de Santa Catharina; Francisco Tei- xeira Tibo, morad'or Palhav; Joo Ba- ptista de Cordes,, familiar do Santo Officio, the soureiro do fisco; o correio-mt:, Luiz Gomes DA INQUISIO PORTUGUESA 363 da Matta; e Manoel da Fonseca que foi official maior do correio-mr. Esta defesa foi recebida em 9 de dezembro de 1650 O Ru veio ainda com contraditas,, as ter- ceiras das quaes no foram j recebidas e o mesmo lhe aconteceu s quartas. Nestas falla- va. elle na inimizade de: Jeronymo Serro Pimentel, porque, passando o Ru para a quinta da Cruz da Pedra, teve em Sete Rios uma altercao com elle que ento estava numa quinta de Manoel Gomes da Costa; Francisco Soares Serro, mercador, morador na Rua Nova, porque o Ru lhe pedia um dinheiro que lhe devia. Entre outras testemunhas citou a viuva do Ldo. Manoel de Sousa Reimo,. sua visinha, chamada Vicencia de Pina. Entretanto surgio um facto extrordinario ao qual j anteriormente aludimos: as cartas anonymas, cujo autr foi, como vimos, o vil Manoel Cordeiro. Mas antes d'isso tambem j a Inquisi- o estava de sobreaviso. Com effeito, em 18 de janeiro de 1651, foi chamad:o Joo Baptista Cardes, thesou- reiro d'o fisco, e declarou que, indo a casa de Duarte da Silva, lhe pareceu que ali havia preveno porquanto O. Branca, sua mulhr, o recebeu como quem esperava que ali fossem para fazer inventario, no se encontrando o livro de caixa principal de Duarte da Silva, nem papeis que apareceram depois, nem os vestidos de sua filha mais vlha, nem joias, nem livros de carregaes de sedas. A ~ r a a explicao do facto: 1 A 26 de abril de 1651 foi levantado um auto de um papel cerrado que o ipquisidor 364 EPISDIOS DRAMTICOS Luiz Alvares da Rocha; o Dr. Pedro Borges, e o notaria Jos Cardoso. encon- traram antes das dez horas da manh. na varanda da Inquisio, fra das grades, para onde fra atirado na noite anterior, em que tinha chovido torrencialmente. Nesse _papel, carta anonyma como hoje lhe chamaramos, eram avisados os inquisidores que todos os dias mulhr de Duarte da Silva, por mo de Manoel da Gama de Padua, chegavam noti- cias do que l se passa. D'esta correspondencia sabem smente a mulher de Duarte Barbosa, uma ama sua, um criado por nome Barbosa e o dito Gama. Em vista d'esta denuncia fizeram busca no mesmo dia 26 nos fatos de Duarte da Silva e Rodrigo Ayres Brando, quer dizer nas suas respectivas capas, roupetas, gibes, ceroulas, camisas e sapatos e nada encontraram. Foram fazer busca aos carceres e s encontraram avisos de communicao entre Rodrig.o Ayres Brando, Manoel Fernandes Villa Real e Duarte da Silva, por interveno de Maria das Candeias. Tambem no carcere de Duarte da Silva encontraram penas. Juntaram os inquisidres os papelinhos e restituram alguma da correspondencia que no processo se encontra transcrita e da qual res- pigmos as duas seguintes e interessantes e moventes cartas: a primeira de iManoel F,ernandes Vina Real, a segunda 'de Francisco Dias da Silva para seu pae, o perseguido comerciante israe- lita. Ei-las ipsis verbis: DA INQUISIO PORTUGUESA 365 I Amigo e Senhor meu Com a doena do nosso anjo (porque nesta casa at os anjos padecem) no pude responder mais cedo e sabe Deus o alivio que tive com o que V. M. me d'iz do estado da sua causa, que espero seja como V. M. deseja. Eu, senhor, estava despachado com 50$000 reis cada mez pQr ordem de S. Mde., de quem era bem visto e de todos os mi- nistros e, alm d'isto, nomeado por commis- sario dos 3 Estados e o meu officio esta- belecido. Tudo perdi com a liberdade e querem perca tambem a vida; tenho dado contraditas, queira Deus aproveitem. Darei a V. M. novas de Maria Ferraz, que com muitas lagrimas fallavamos em V. M. e ia muitas vezes visitar a senhora O. Branca. O com- panheiro, ainda que no conhece a V. M. agradece a M. que V. M. lhe faz e queira Deus d a V. M. liberdade para que v alle- grar sua casa de quem V. M. pode estar certo que lhe no falta mais que a vista de V. M. a quem Deus guarde. Amigl d'alma V. R.. II Meu querido e amado conde dos meus olhos Miranda pede muito a V. M. que para conservar a vida convem muito fazer por dormir, porque o somno o que assenta no 366 EPISDIOS DRAMTICOS bastando o sentido a nada, e que descance porque a sua vida no smente para res- taurar assim mas para augmento de muitos penhores e que almoce sempre um pastel porque os mais achaques cedo sararo com a vista d'a condessa que tinha grande valor em tudo e Miranda tem sabido por 3 vezes de certos companheiros que teve 22 mezes _que ella estava no mundo. Ter animo, tudo ha-de sarar o que convem que Henrique Oreli no bote o humor por uma das 2 feridas que entendo tem, suposto que lh'as espremam e... mais feridas e as do conde sararo. Miranda, alm do RUe se lhe receitou, curou a cutilada por boa traa) porquanto lh'a deu os amores de Catharina, a Lavan- deira, e declarou as proprias mesinhas a Ma- noel .Jorge para que elle e o conde o articu- lassem tambem, que importa na coartada no quizeram tomar nada, porquanto era pouca distancia, com ella encheu Miranda meia folha e com o mais uma at ao cabo e no queriam nada de naxo (?), eu me agastei e as fiz por com razes que dei e a Deus ter animo . - N. B. Ha no processo a transcripo de mais 1cartas que foram apanhadas no cho do carcere de Duarte da Silva em bocadinhos que os nota- rios junctaram em 17 de julho de 1652. Em 3 de junho de 1652 foi interrogada a presa Maria das c:.andeias acerca da trans- misso de bilhetes. Confessou que, indo para a casinha e, por saber escrever, uma. sua com- panheira lhe dera papel, uma pena de galli- escreveu um bilhete a O. Cafharina, filha de DA INQUISIO PORTUGUESA 367 Duarte da Silva. A companheira da testemu- nha ensinou -lhe forma de transmittir os bilhetes, pois quer D. Catharina, quer seu pae, comiam em covilhete assim como seus cunhados. D'uma vez fez um escripto para Duarte da Silva dizendo-lhe que a filha se livrava e a sua companheira Beatriz Rodri- gues metteu-o dentro d'um frango. Disse mais que o Miranda a quem um escripto se refere era um filho de Duarte da Silva; que a abbadessa em que falia 1era a filha de Duarte da Silva e o conde, Duarte da Silva. A 11 de maio de 1652 o preso Francisco Dias da Silva confessou que escrevera ao pae e a forma porque o fazia, dizendo Chamar-se na correspondencia Miranda; o pae, conde; a cosinheira, menina; a me, a condessa. Que esta, quando Francisco Dias da Silva foi preso, sua me ficou presa nas Escolas Geraes. Que tambem usava do nome supposto de Henrique Greli, e fallava allegoricamente nas cartas. Larga foi a investigao sobre este caso da correspondencia nos carceres da Inqui- sio. Em 16 de abril de 1652 o preso Antonio Lopes Savedra,, companheiro de carcere de Ro- drigo Ayres Brando,, disse que a este appareceu um gato com um papel na bocca no qual esta- vam escriptas estas palavras: Filho, no me faas mal, em letra que parecia ser feita oom algum pausinho. Tambem para o Rodrigo Ayres vieram muitos escriptos da cosinha mettidos na carne de carneiro e nos ovos escalfados, entre a gemma e a clara, respondendo Rodrigo Ayres pela mesma via da cosinha :quer a seu cunha- 368 EPISDIOS DRAMTICOS do Duarte da Silva, quer a seu irmo Jorge Dias Brando, quer a seu sobrinho Francisco Dias. Nesses escriptos diziam Qs presos o estado das suas causas e em especial Duarte da Silva tambem contava ter escripto a seus filhos Francisco e Catharina, presos, que olhassem o que faziam e avisara-os de como haviam de proceder noS' seus livramentos. Os escriptos que Rodrigo Ayres enviava iam pegados no fundo de uma das tigellas, .Pondo- se outra tgella por baixo e, na cosnha. uma das cosinheiras os encaminhava. Esses escri- ptos eram feitos em tiras fde papel que pare- ciam ma!gens de alguns livros. Em 5 de abril de 1652 em Coimbra o preso Leandro de Medeiros disse que, haver 12 annos, estando em casa de Duarte da Silva, D. Branca lhe disse que acreditava na lei de Moyss. Tambem, em 12 de julho de 1652, foi o proprio Duarte da Silva interrogado acrca dos escritos clandestinos do carcere. Confes- sou ento ter escrito a Jorge Dias Brando e a Manoel Fernandes Vila Real; instado disse que havia escrito a Rodrigo Ayres Brando e mais instado ainda disse ter recebido um escrito de seu filho. Voltarmos um pouco atrs para o vrmos a braos com um exame 1que, aos nossos olhos actuaes, se antolha vexatorio. Foi em 24 de janeir-o de 1651 e os inquisidres da primeira instancia foram de parecer que se devia exa- minar se o Ru era ou no circumddado. Fez-se-lhe na verdade, no dia 27, esse exame e acharam os medicos que le no era cir- DA INQUISIO PORTUGUESA 369 cumcidado, falhando assim uma das armas corr. que os inquisidores contavam. Em 4 de setembro de 1651, considerando que contra le havia dois processos, um por culpas de judasmo e outro por querer saber segrdos do Santo oficio discutio-se se deviam despachar as causas juntamente ou em sepa- rado. Dividiram-se os votos na primeira ins- tancia da Inquisio e por isso o Conselho Geral inclinou-se, por despacho de . 5 de setembro, no sentido de serem os dois pro- cessos despachados em separado. Contra o Ru foi pois apresentado segundo libello, com factos concretos, por ter preten- dido conhecer os segredos do Santo off.o. Por causa d'isso a 5 de maro de 1652 esteve com seu novo procurador, o Dr. Antonio de :Magalhes, sendo a sua segunda defesa recebida em 8 de maro de 1652. Na defesa diz no se lembrar de ter pedido para Roma algum breve para alguem; mas a certeza d'isso pode ter-se examinando o seu livro de rraso; nunca esteve escondido nem retirado tres dias em razo de algum auto da f,; vei>se apresentar numa 2.a feira 9 de dezembro, pelas 7 da manh e na 6.a feira estivera na Rua Nova e depois na sua casa; nessa 6.a fei- ra, pelas 1 O da noite, estivera em casa de P.o Fernandes Monteiro; depois. para fazer lllJla repartio na comarca de Setubal por causl:l do emprestimo para a armada do Bra- zil,_ foi para a quinta de P a l h a ~ , de seu sobrinho Jorge Dias Brando; era tido na praa por homem de mais credito e cabedal. Em 14 de maro de 1652 foi chamado (test. de defesa do R.) Antonio Pereira de 24 370 EPISDIOS DRAMTICOS Viveiro, corretor do numero, que depoz em favor de Duarte da Silva. Em 16 de maro foi chamado o inglez, Guilherme Roles, fretador e disse ,que Duarte da Silva era commerciante tido pelo mais grosso mercador e de mais credito que havia nesta praa. Joo Roles, filho do anterior, disse que Duarte da Silva carregava de ordi- nario grande quantidade de assucares em nos inglezas. A 5 de abril de 1652 o Promotor requereu para ser publicada ao Ro .mais prova contra elle e o Ru negou tudo, dizendo ,querer vir com contraditas e para isso esteve com o seu procurador em 15 de abril. Nas oontraditas allega: que Belchior Monteiro, seu pagem, seu inimigo por ter contra elle procedido por lhe roubar uma pea de setim, meadas d'ouro de Milo e pares de meias de l; e Ferno Martins,, homem de negocio, morador S, seu inimigo capital porque, altercando o seu cunhado Francisco Ribeiro com o sobr.o e cunhado do Ru,. Jorge Dias Brando, puxaram das espadas e d'essa briga cahio morto Francisco Ribeiro e, como o assassino fosse preso, o Ru pedio por elle. Estas contraditas no foram porm recebidas. DUARTE DA SILVA e ATORMENTADO-QUASI .CONDEMNADO A MORTE, DEGRA- DADO PARA O BRAZIL, MAS SALVO POR EL-REI D. JOAO IV - COMO ELE SE VINGA DA INQUISIO - HON- DA INQUISIO PORTUQIJESA RARIAS E MERCES NO LHE FALTAM E BEM ASSIM AOS FILHOS. 371 J em 24 de julho de 1652, os inqui- sidres da primeira instancia tinham resolvido que Duarte da Silva fosse posto a tormento mas, em 22 de agsto o Conselho Geral man- dava esperar pelo resultado do outro processo. Antes d'este despacho do Conselho Geral, em 2 de agsto de 1652, por acordo da pri- IT).ei ra instancia inquisitorial dividiram -se os vtos: ao inquisidr Luiz Alvares da Rocha e aos deputados bispo de Targa que assistia pelo Ordinario; Francisco de Miranda Hen- riques, Estevo da Cunha, Martim Affonso de Mello e Manoel Crte-Real de Abranches pareceu que o Ru devia ser entregue curia secular, sendo-lhe confiscados todos os bens. Ao inquisidor Belchior Dias Preto e ao depu- tado Antonio de Mendona pareceu porm que devia ser posto a tormento. Em 22 de agosto de 1652 foi o 'Inquidtor Geral e os do Conselho Geral de parecer que ficasse reservado no . c a r e r e ~ Em 19 de novembro de 1652 veio o Pro- motor requerer rriais publicao contra o Ru o qual negou tudo. Na sua defesa diz que seu filho O.o Pinto da Silva fugia para Roma para no ser obrigado a casar com certa mulher e indo, sem Ru saber, para casa de seu tio Ruy Lopes da Silva, cavalleiro do habito de Sant'Iago. Esta defesa porm no foi recebida. Em 20 de novembro de 1652 os inquisi- dores, que votaram pela entrega curia secu- lar, persistiram nessa opinio, e o inquisidor 372 EPISDIOS DRAM TI':OS Pedro de Castilho que da primeira vez no tinha votado foi de parecer que o Ru devia ir a tormento e, em 21 de novembro de 1652, o Conselho Geral votou peLo tormento. F1oi pois posto a tormento em 23 de novem- bro de 1652. C101meado a atar,; deram-se-lhe as primeiras \'\Oltas que foram 8 e o Ru sempre a dizer q;ue no tinha que confessar e morria. Deu-se-lhe mais meia volta mas o medico disse que 10 Ru era quebrad01 e no podia supportar mais. Por isso o deixaram. Em 23 de novembro de 1652 foram vistos pela terceira v e z ~ na primeira instancia os autos e foram de parecer que o Ru fosse condemnado em pena de degredo e pena pecuniaria; o inqui- sidor Luiz Alvares da Rocha e deputados Fran- cisco de Miranda Henriques e Martim Affonso de Mello foram de parecer que fosse d e ~ gradado para Angola por 6 annos; os inqui- sidores P.o de Castilho e Belchior Dias Preto e deputados Bispo de Targa, Estevo da Cu- nha, Manoel Crte-Real de Abranches e Fr. P.o .de Magalhes que o degredo fosse para o Brazil pelos mesmos 6 annos. Quanto pena pecuniaria: pareceu aos inquisidores Luiz Alvares da Rocha e Pedro de Castilho e depu- tados Francisco de Miranda Henriques, Este- v,o da Cunha, Manoel Crte-Real d' Abranches e Fr. P.o de Magalhes, que pagasse 5.000 cruzados para as despezas do Santo off.o; ao inquisidor Belchior Dias Preto, deputados Bispo de Targa e Martim Affonso de Mello pareceu que pagasse 2.000 cruzados, pare- cendo a todos que a quantia no devia exce- der a tera parte dos seus bens .
DA INQUISIO PORTUGUESA 373 O Conselho Geral foi de parecer que elle v ao auto da f, abjure de vehemente suspeito, carcere a arbtrio, pague as custas e 1.000 cruzados para as despezas do Santo off.o e degredo para o Brazil por 5 annos. (Tem a data de 25 de novembro de 1652). No accordo final mandam-no efectivamente ir ao auto da f, fazer abjurao de rehementi, carc.ere a e o rlegmdam para o Brazil poc 5 annos, devendo pagar as custas. Esta sentena foi publicada no auto da f celebrado no Lo de dezembro de 1652, com a assistencia dos Reis, Prncipe, Inqui- sidor Geral D. Francisco de Castro, etc. Em 11 de dezembro de 1652 foi Duarte da Silva chamado do carcere da penitenciaria, mandado oonfessar nas quatro festas principaes do anno e jejuar uma 6.a feira por ms. Duarte da Silva requereu ento em vista do seu estado de saude, sob fiana, o dei- xassem ir convalescer para casa. Com effeito, em 1 O de dezembro de 1652, o Inquisidor Geral consentio nisso sob a fiana de mil cruzados. As custas d'este processo foram: 23$458 reis. Mas os inquisidores no o perdiam de vista. Em 24 de abril de 1653, em virtude de Duarte da Silva andar so e bem disposto, f,oram de parecer no praso de 3 mezes, devia ir para o degredo. Tinha sido seu fiador Manoel da Gama de Padua. O praso dos tres mezes acabava em 26 de julho de 1653. O Ru allegando gra- ves achaques de que se est curando e estar occupado em muitas cousas do servio de S. 374 EPISDIOS DRAMTICOS Magestade e por ordem d'El-Rei recorreu ao Conselho Geral e este, em 31 de julho de 1653, perdoou-lhe o degredo, podendo ir em paz para onde quizesse. Para alguma coisa servio, afinal depois de tantas demoras, a proteco do monarcha res- tauradr. Bem grandes deveriam ter sido os servios por Duarte da Silva prestados a uma nao que como a nossa se via ento em srias dificuldades financeiras! Mrto D. Joo IV seguio-se-lhe a regen- cia de D. Luiza de Gusmo e vamos ver o hebreu Duarte. da Sl v a, condenado pela Inqui- sio, a tripudiar sobre esta e a encher-se de honorarios e ddivas, embora lhe surgissem dificuldades facilmente vencidas. Com efeito eis os termos d'um decreto real: EI-Rei Nosso Senhor tendo respeito aos muitos servios que Duarte da Silva, fidalgo da sua casa, fez por varias vezes assi em tempo de S. Magestade que Deus haja como depois de seu falecimento,, sempre que foi necessario valer-se de sua pessoa e fazenda, com que ajudou nas ocasies de maior aperto e falta de cabedaes. Ha por bem fazer-lhe merc para seu filho mais velho Francisco da Silva de uma comenda efectiva de at cem mil ris da ordem de Christo, a cujo titulo tomar logo o habito d'elle. Lisboa, 14 de fevereiro de 659.- Por despacho de S. Magestade de 20 de maio de 659. EI-Rei -N. S. em satisfao da promessa de comenda, conteda na portaria acima de que havia feito merc a Duarte da Silva para DA INQUISIO PORTUGUESA 375 seu filho mais velho Francisco da Silva ha por-bem fazer-lhe merc para o mesmo Fran- cisco da Silva nomear-lhe a comenda por ele apontada de Santa Maria do Ma_o ,que vagou por Manoel Pereira Coutinho com reserva de 50$000 rs. de penso para soldados beneme- ritos a quem S. Magestade os tem mandado nomear. Lisboa em 23 de maio de 659. El-Rei N. S. ha por bem mandar lanar o habito da ordem de Christo a Francisco da Silva para o ter a titulo de uma comenda efectiva de at 100$000 rs. e manda que para haver de receber o habito se lhe faam as provanas e habilitaes de sua pessoa na forma dos estatutos e definies da mesma ordem. Lisboa, 14 de fevereiro de 659 ( 1 ). Nas provanas ergueu-se contra 1le o sangue israelita, mas a pmteco real tudo venceu. Eis o que resta d'esse processo: Senhor Para Francisco da Silva, filho de Duarte da Silva, receber o habito da ordem de Christo que V. Mgde. lhe tem mandado lanar, se lhe fizero nesta corte donde disse ser natural, seu pai e avs paternos, as provan- as de sua pessoa; e em Viana foz do Lima pelo que tocava a sua my e avs maternos e porque em hfia e outra parte por dito de (1) T. do T. - Portarias do Reino, liv. 4.o, fl. 27. 376 EPISDIOS DRAMTICOS todas as testemunhas que para este effeito se perguntaro, constou que Francisco da Silva he descendente da nao hebrea, e ,que elle e seu pay f.oro presos pello Santo Officio e sahiro em auto publico com vella na mo; foi sentenceado por incapaz do habito e por reprovado para aver de entrar na ordeni de que na forma dos novos diffinitorios se d cnta a V. Mgde. e a razo que ouve para se no dar despacho a este justificante. Mesa 5 de julho de 1659. Tal era a informao da Mesa da Con- sciencia e Ordens. Piorm 1o rei no se conformou e margem fez lavrar o seguinte despacho que rubricou: De todos estes deffeitos havia noticia qudo se lhe fez esta mas houve consideraes to persisas (sic) que fizero no reparar nelles. E assi se guarde o que pellos decre- tos que foro Mesa tenho reso- luto. LX. 8 de julho de 1659 .( 1 ). Agora era o outro filho contemplado: Por despacho de S. Magde. de 5 de junho de 659. El-Rei N. S. tendo respeito a hum servio particular que Duarte da fidalgo da sua casa lhe fs ha por bem fazer-lhe merc do (1) T. do Tombo - Habilitaes da ordem de C/1risto, m. 37, n.o 58. DA INQUISIO PORTUGUESA 377 habito da ordem de Christo para seu filho Joo da Silva com 50$000 rs. de penso con- sjgnados na comenda de Santa Maria de Ma- o da mesma ordem, de que provido Fran- cisco da Silva lambem seu filho com esta reserva e manda que conformidade se lhe passem os despachos necessarios. Lisba, 23 .de junho de 659.
Em data de 23 de junho de 659 foi man- dado c.om efeito lanar o habito de Christo a j10o da Silva,. filho de Duarte da Silva ( 1 ). Mas agora surgem novamente as dificulda- des provo-cadas sempre pela terrvel infeo de judaismo. Valeu-lhe entretanto muito o prece- dente do irmo Francisco da Silva j ter sido agraciado e,. mais que tudO., a deciso e firmeza dos secretarios d'estado da regente D. Luiza de Gusmo. Eis pois, ipsis ver bis, as peas do cesSio que, por tal motivo, correu na Mesa da Oonsciencia e Ordens: Diz Duarte da Silva que V. Mde. lhe fs merc para seu filho Joo da Silva, de 50$000 rs. de peno na comenda de seu irmo Francisco da Silva, e a este titolo mandou V. Mde. a meza da consiensia e hor- dens lhe desem os despachos nesearios pera tomar o habito de Christo e porque se lhe tem feito as provanas nesta
aonde (1) T. do Tombo, Poesias do Reino, livro 4.o, fi. 55. 378 EPISDIOS DRAMTICOS naseo, e em Viana e ha muitos mezes que se lhe no daa o dito despacho pera tomar o habito P. a V. Mde. lhe faa mc. man- dar se lhe dem os despachos e ordens nesearias na mesma comformidade com que se dero a Francisco da Silva, seu irmo, porquanto na mes- ma forma he V. Mde. servido fazer mc. ao dito Joo da Silva pera tomar o habito de Christo. E. R. M. Despacho margem: Pela Mesa da Consciencia e Ordens se passem os despachos necessarios para Joo da Sylva filho do suplicante tomar o habito da ordem de Christo de que lhe tenho feito merc na mesma forma em que o tomou seu irmo Francisco da Silva porque por razes que a isso me movem o hey assi por bem. Lx.a 28 de fevereiro de 660. Rubrica real. c Senhor Pello decreto posto no rosto da. petio inclusa de Duarte da Silva manda V. Mde. que por este tribunal da Mesa da Consciencia e Ordens se passem os despachos necessarios DA INQUISIO PORTUGUESA 379 para Joo da Silva, filho do mesmo Duarte da Silva, tomar o habito da ordem de Christo, de que V. Mde. lhe tem feito merc na mesma forma em que o tomou seu irmo Francisco da Silva porque assim o !ha V. Mde. por bem. Sobre o que pareeo dar conta a V. Mde. que as provanas de Joo da Silva se tem feito ha dias nesta crte e em Vianna, donde de- clarou serem seus pais e avs naturaes, mas porque nas provanas que se fizero a Fran- cisco da Silva ouve hua testemunha que disse ouvira dizer que os pais de Duarte da Silva, avs paternos do justificante hero de Mon- forte, se teve por conveniente antes de sen- tencearem as suas provanas (posto que nellas no ouve testemunha que o declarasse) man- dar aquella villa a averiguar a verdade do que se ouvera dito, porque de mais- de o pedir assim a raso, podia esperar Joo da Silva que se fizesse esta diligencia, que se deixou de fazer antes de se habelitar seu irmo, por dizer hia para fra do reino e a dila_o lhe hera de perjuizo, causa que no concorre em Joo da Silva, que pode esperar sem rece- ber dano da dilao que j no pode ser muita. Lx. a 4 de maro de 660. ( Assinaiuras do presidente e vogaes da Mesa da Con- sciencia e Ordens). Despacho margem: Os defeitos que podem resultar destas provanas so conhecidos e a parte os no nega e com esta noticia houve reses muito forsosas para se lhe fazer esta mc. que obri- 380 EPISDIOS DRAMTICOS go a que a mesa d cumprimento ao metu. decreto. Lx., 6 de maro de 1660. Rubrica real. Senhor A Joo da Silva, filho de Duarte da Silva, a ,que V. Mde. tem mandado lanar o habito da ordem de Christo, segundo se vio de huma portaria do secretario Gaspar de Faria Se- verim de 23 de junho :do ano passado se fizero provanas em Vianna e nesta cidade .. e em huma e outra parte constou por todas as testemunhas 'que elle era descendente da nao hebrea; as quaes provanas sem em- bargo de no averem vindo as que se tem mandado fazer a Alter, como se disse em huma consulta que sobre isso se fez a V. Mde. em 4 do presente por V. Mde. assim o mandar por soluo tomada na mesma consulta, e tambem por no apresentar breve nem ordem para se lhe guardar, se viro e pello que delas constou foi Joo da Silva julgado por ine<;1paz do habito e sentenceado para aver de entrar na ordem; de que se d conta a V. Mde. como mestre que he da dita ordem, para que seja presente a V. Mde. a ras.o que ouve para se no dar despacho a este justificante. Mesa 17 de maro de 660. Depois de feita esta consulta offereceo Joo. :da Sylva neste tribunal o breve de S. Sde,. e decreto de V. Mde. porque manda que se lhe guarde e posto que se lhe mandou dar despacho comtudo pareceo dar conta a DA INQUISIO PORTUGUESA 381 V.- Mde. do que se refere por se no faltar forma por que dispoem os difinitorios_ (Assinaturas do presidente e vogaes da Mesa da Consciencia e Ordens). Despacho margem: A mesa he presente as reses que houve para mandar proceder nesta materia e como se tem dado os despachos na forma dos meus decretos no ha que alterar do que est feito. Lx.a 22 de maro de 660. (Rubrica Real) (1) O hebreu Duarte da 1 Silva, o presq e vexado durante anos, o atormentado, o condenado pela Inquisio, vencia mais uma vez. Devia consi- derar-se feliz. Tratava-se agora do casamento de D. Ca- tharina, filha do nosso D. Joo IV, com o monarcha ingls, acto em que andava envol- vida a fina flr da diplomacia portugusa da Restaurao. Bem conhecido o facto, pois a rainha in- glsa tem sido ultimamente alv:o de monogra- fias muito completas; aqui s pretendmos (1) Habilitaes da ordem de Christc 1 m. 93, n.o 45. 382 EPISDIOS DRAMTICOS salientar o papel de Duarte da Silva e as correspondentes recompensas. Segundo parece o banqueiro israelita mu- dra a residencia para Londres, ou por l andaria nas negociaes preliminares do casa- mento. O certo que da seguinte carta consta oomo suportou um grave dissabr. Ei-la: Carta original de Antonio de Sousa de Macdo ao marquez de Sande Estas regras que vo a ventura de ainda alcanarem hum navio pelo qual hontem se escreveo a V. Ex. fao 'para dizer a V. Ex. que por Holanda chegou noticia de ficar prezo Duarte da Silva, conforme huma carta sua de 24 de maro cuja copia remeteo o conde de Miranda, sobre o que nam pode S. Mde. responder couza particular sem ter carta de V. Ex. e do mesmo Duarte da Silva com rela- wo mais meda do cazo. Entretanto pelo que em geral consta da dita copia da carta de Duarte da Silva no pode deixar de causar gran- de admirao ser ellemolestado pelas causas que aponta e o que por agora se pode dizer a V. Ex. he que bem sabe V. Ex. que o conde de Sandwich vio aqui as joias e tudo mais que hia e -ficou aprovando tudo o que no refuzou e sobre as joias disse que quando El-Rey seu sr. as no quizesse se venderio e assy paree razo esperar que se vendo e no _querer. que entrem em conta as pero- las e joias que tem a Rainha e El-Rey tomou, no se alcana que razo tenha. Emfim com cuidado se espera avizo de V. Ex. sobre isto DA INQUISIO PORTUGUESA 38:j e que oom. suas deligencias mande S. Mde. Britanica proceder como he justo e a Duarte da Silva certefique V. Ex.a do pezar que aqui ha deste seu trabalho e desejo de o remediar em tudo. Lx.a a 19 de dezembro 661. Antonio de Sousa de Macdo (1) Clomo era elevada a considerao ligada ao antigo. preso dos carceres inquisitoriaes para Sou- sa de Macdo se lhe referir em taes termos I No admira por isso que, em documento oficial se lhe referissem nos honrosissimos ter- mos seguintes: El-Rei N. S. em considerao dos muitos servios que Duarte da Silva fidalgo de ~ u a casa tem continuado em varias ocasies que o ocupou e emprestimos que fez sua fa- zenda e particularmente em respeito do zlo e boa vontade com ,que ora se ofereceo e disps passar a Inglaterra, tomando sua conta os creditas e passagens do dote de S.ma Rainha de Gr-Bretanha sua muito pre- zada irm, demais de outras mercs que s ~ p a radamente por portarias particulares lhe fez pelos mesmos respeitos ha por bem fazer-lhe merc do fro de. fidalgo de sua casa para (1) T. do Tomoo, Coleo de S. Vicente, vol. XII, fi. 435. 384 EPISDIOS DRAMTICOS Jorge Dias Brando, genro d'ele, Duarte da Silva. Lisba, 17 de fevereiro de 662 ( 1 ). Em oito de abril de 1662 foi oassada procurao por D. Affonso VI, tendo respeito muita confiana que fao 'da prudencia, ver- dade e z/o de meu servio que se acha em Duarte da Silva, fidalgo da minha casa, e ao acerto com que procedeu nos negocios de que o encarreguei, esperando d'elle, que neste to grande, de que hora o encarrego, proceda muito minha satisfao; d-I11e pois pro- cura,o para entregar ordem de Carlos II de Inglaterra o dote da rainha D. Catharina. Tem a procurao a assinatura .da rainha D. Luiza de Gusmo, regente do reino e encontra- se em minuta a fi. 268 do tmo VIII da Co- leo de S. Vicente, na Torre do Tombo e publicada a pag. 222 do tomo IX do Suple- mento colteco dos Tratados publicado por Jud'ice Bicker .. (Lisba, 1872). E continuam largamente as recompensas: El-Rei N. S. em considerao (te haver feito mc., entre outras, por despacho de 21 de abril de 1662 a Duarte da Silva de 20$000 rs. de penso com o 'habito de Christo para a pessa que ele nomeasse, tendo r e ~ i t o boa vontade com que se ofereceu passar a Inglaterra com os efeitos do primeiro milho do dote da Serenssima Rainha kle Inglaterra e ora nomear Duarte da Silva a merc refe- (1) T. do Tombo, Portarias do Reino, liv. 4.o, fi. 298. DA lNQI,JlSIO PORTUGUESA 385 rida em Alvaro da- Silveira, fidalgo da casa de S. Mde., ha por bem fazer merc ao mesmo Alvaro da Silveira dos 20$000 rs. de penso referidos para os ter com o habito de Christo que lhe tem mandado lanar. Lisboa, 16 de agosto de 662 ( 1 ). El-Rei N. S. alem de outros despachos com que Duarte da Silva fidalgo de sua casa foi re!)pondido em 13 de fevereiro do presente ano com ocasio de passar a Inglaterra em companhia da Serenssima Rainha de Or Bre- tanha e de 20$000 rs. de penso com o habito de Christo para Alvaro da 'Silveira, depois em 21 de abril, de que j se lhe passou por- taria, ha por bem fazer-lhe merc de 20$000 rs. de tena pagos nos sobejos do rendimento da alfandega da ilha da Madeira sem prejuzo das primeiras consignaes que tiverem para nomear logo em filho, neto ou neta, cujo vencimenb comear a correr desde o dia que fizr a tal nomeao e que havendo o oficio por ele pedido de tesoureiro do dinheiro e dei- tos aplicados para a paz de Holanda o pro- ver S. Mde. na .pessa de Jorge Dias Brando, seu genro com o ordenado que ento parecer. Lisba, 18 de agosto de 662 C). El-Rei . . . ha por bem fazer merc ao genro de Duarte da Silva, Francisco Nicolo, residente na curia de Roma e 20$000 rs. de (1) T. do Tombo, Portarias do Reino, li v. 4.o, fi. 352, v o ( 2) T. do Tombo, Portlzrias do Reino, li v. 4.o, fi. 353, v.o. 25 S86 EPISDIOS DRAMTICOS tena para os" ter com o habito de Sant'Iago. ' Pra isto atendeu-se aos mesmos servios pelos quaes foi dado o 'fro de fidalgo a Jorge Dias Brando. ( 1 ). j ' -' N rezam os papeis seiscentistas da cara despeitada dos inquisidores ao terem co-nheci- mento de tal chuveiro: de benesses e mercs; Mas Roma estava vigilante . .Ror i s s o ~ em 11 de fevereiro de 1663, o ;papa Alexandre VII expedio um breve aos inquisido- res de Portugal, Ex omni /ide, para se op- rem ao oferecimento do hebreu portugus, Duarte, morador em Londres, e j castigado na Inquisio de Portugal. Este oferecia di- nheiro e foras maritimas e terrestres com 3 condies: um Ioga r segura para os hebreus terem synagogl:!; perdo geral para eles e publicarem-se-lhes os nomes das testemunhas. (Pag. 26 do vol. XIV do Corpo Diplomatico Portugus). c O opulento argentario era d'esta vs porm derrotado e os seus correligionarios haviam de continuar sem templo onde erguer as preces ao Deus de Moyss e Israel! ' .'\ _,, \ (l) T. rlD Tombo,\. Portarias do Reino. liv. 4.o, fl. 298. t - ~ <oS lN DI CE ,, -INDICE r: (J . PRIMEIRA PART < .. r. Homens de letras e de sciencia condenados pela Inquisio j ) . ( ( . I -O poeta. dos ratos da Inquisio, . Serro de .Castm (1672.a 1682) .. . . 9 11 -O engenheiro e inventor Bento de Mou- i ra Portugal (1743 a 1748) . . .. . 35 III- O Cavaleiro d'Oliveira (Outubro de 1756 a Setembro _de 1761) . . . . . , . 49 IV-O poeta Fral}cisco Manuel do Nascimento (1778) . . . . . . . . . . . . . 54 V - Jos Anastacio da Cunha (Julho de 1778 a Outubro do mesmo ano) . . . . . 82 VI -0 dicionarista e gramatico Moraes e Sil- va - Primeira vez (1779) - Segunda vez (1806 a 1810) . . . . . . . . 101 VII - Dois poetas apontados Inquisio - Pereira Caldas (1779 a 1781) - Joo Xavier de Matos ( 1798) . . . 123 VIII -O poeta Bocage ( 1802- 1803) . . . 127 IX -0 poeta Curvo Semedo (1803 e 1819) 131 X --0 poeta Jos Agostinho de Macedo (1804 e 1807) . . . . . . 136 XI- O ec-onomista Silvestre Pinheir:> Ferrei- ra denunciado Inquisio . . . . 144 390 EPISDIOS DRAMTICOS XII-O av de Anthero do Quental (1808) 146 XIII-O pae de Rebelo da Silva denunciado Inquisio em 1812, mas esta no pro- cede. 148 VARIA Como os ciumes da esposa de D. Joo V pw,ocam a interveno d'um Inquisidor Geral . . . . . O lente canonista de Coimbra Christovo Joo e o Santo Oficio . . . . Os sortilegios de uma freira (1719) . Alguns romances historicos de e res- pectivos processos inquisitoriaes . . O Judeu - Uma familia de brasileiros per- seguida. . . . . No romance 0 Olho de Vidro>): Marioel Fer- nandes Vila Real e Heitor Dias da Paz No romance Cavar em Ruinas: O Forra - Gaitas - Processo de atroz insidia . . No rorr._ance A Caveira da Martyr: e jus- ! tiado. Ruy de Pina . . . . . No romance A Caveira da Martyr: Jorge Mendes Nobre: dois homonymos, tio e sobrinho - Como, para distrao, se su- plica um livro de Direito . . . . . . Os tormentos segundo os oodigos inquisitoriaes O banqueiro. Duarte da. Silva . d ,, .i . ' ' I) I G I I) 'I ( l t., ...... , .. \. I' l. . 1 153 158 168 175 177 210 213 242 246 251 266 ACABOU DE SE IMPRIMIR NA TYPOGRAPHIA DO ANNUARIO DO BRASIL, (ALMANAK LAEMMERn R. D. MANOEL, 62 RIO DE JANEIRO AOS 16 DE JANEIRO DE 1924