Ézio Flavio Bazzo - Manifesto Aberto À Estupidez Humana
Ézio Flavio Bazzo - Manifesto Aberto À Estupidez Humana
Ézio Flavio Bazzo - Manifesto Aberto À Estupidez Humana
flavio bazzo
manifesto
aberto
à
estupidez
humana
Este livro foi escrito e publicado pela primeira vez em
castelhano, na Cidade do México, no ano de 1979. Hoje,
traduzido ao português pelo autor.
Impresso no Brasil
Verão de 1987
A
ESTUPIDEZ
É
UMA
ENFERMIDADE
DO
CARÁTER
E
PORTANTO... ALGO
PASSÍVEL
DE
MUDANÇAS
E
ATÉ
MESMO
DE
CURA
[ . . .patíbulos, calabouços e masmorras prosperam sempre à
sombra de uma fé., dessa necessidade de acreditar em algo
que infestou o espírito para sempre. . .]
E. M. Cioran
A
ESTUPIDEZ
É
UMA
ENFERMIDADE
DO
CARÁTER
E
PORTANTO... ALGO
PASSÍVEL
DE
MUDANÇAS
E
ATÉ
MESMO
DE
CURA
[ . . .patíbulos, calabouços e masmorras prosperam sempre à
sombra de uma fé., dessa necessidade de acreditar em algo
que infestou o espírito para sempre. . .]
E. M. Cioran
PRIMEIRA PARTE
Tristan Tzara
Ora, ora, então acreditavas passar desapercebido por outros vinte séculos,
populacho? Acreditavas que as massas fossem formadas unicamente por
fantoches e tontos como tu? Que todos teus crimes, teus delírios, megalomanias e
arbitrariedades seguiriam repousando intactas no fundo de teu covil? Que engano!
Outra vez te equivocaste! Tua vida é um monstruoso e trágico equívoco. . .
Tenho cem páginas em branco sobre minha mesa nesta noite de
primavera, e nelas imprimirei o grito de todos aqueles que vitimaste, e terás que
tragá-lo ou, num último gesto de ignomínia, retirar-te de uma vez por todas da
história.
Conheço a relatividade de tua culpa e por estares demasiadamente longe
da vida real, não há lei ou gesto que te possa executar, pois guilhotinar-te agora
seria um crime, outro ato de barbárie e demonstração de não entender nada de
tua posição miserável diante do mundo. Sempre tivestes “razões”, “motivos” e
estupidez suficiente para fazer o que fazes e, principalmente, para inventar o
sistema opressor que, quando não foi engendrado por ti, o foi por teus bisavôs ou
outros ancestrais longínquos, indivíduos de vida débil, de corpo enfermo e de
pensamentos sempre impregnados de um chauvinismo crônico.
Nunca avançaste um passo além de tua casa, além de teu escritório, de tua
igreja ou de teu grupo neurótico de amigos, de mulheres submissas, escravas e
dependentes que jamais puderam ou quiseram tomar uma posição libertária diante
da escravidão vergonhosa sob a qual rastejam há séculos.
Tu, com toda essa coreografia de demente, jamais visitaste uma prisão, um
manicômio ou um sanatório de velhos, e por isso não sabes nada de ti, nem
daqueles que por ti pagam com a vida. Nunca pensaste na prostituição das
mulheres da rua, das elites sociais ou da tua própria mulher, e estás sempre
pronto para “viabilizar” outras maneiras de prostituir e de viciar os aspectos mais
naturais da vida, sem suspeitar que amanhã, indiscutivelmente, serás vítima de
teus próprios crimes, vítima de tuas próprias vítimas. . .
Tu, tecnocrata arrogante, nunca deixaste escapar uma palavra de
solidariedade para com o mendigo que cruza cambaleante por teu caminho e és
invariavelmente o mesmo, aqui ou em outra parte do mundo, com teu porte de
macho-doméstico, as roupas da moda pagas em prestações absurdas ou à vista
com os 10% que embolsas nas negociatas do Estado.
Sempre tu, vil chefezinho, embarcado em teu sorriso falso, rebaixando-te
aos superiores ou a quem possa recomendar-te amanhã. Nunca observaste a
natureza a teu redor, nem nunca te atreveste a duvidar, investigar, questionar ou
repudiar valores que escravizam e reprimem a milhares de seres como tu. Nunca
respeitaste verdadeiramente um homem ou uma mulher e quando juras que o
fazes, é porque confundes respeito com indiferença.
Ah, populacho dominador, autoritário e impotente! Sempre teu perfil a
colorir o tape das novelas, a ante-sala das embaixadas, os salões do vaticano e as
privadas dos bordéis. Sempre tu a conduzir as rédeas das reitorias, do poder
oligárquico dos Estados (não existe Estado que não seja opressor e autoritário) e
da comédia humana. Sempre teus gestos ambivalentes e reprimidos a manipular
talheres de ouro que custaram a vida e a miséria de gerações e gerações de
trabalhadores e ingênuas senhoras que, sem suspeitar jamais de tua chacalice,
geraram filhos para o escravismo e para a frente de batalhas infames. . .
Te entendo, populacho! Te entendo e te compreendo, precisamente quando
vejo que retornas cansado e com o símbolo do abutre impresso no peito. Para ti a
filosofia é inútil e quando em público, recitas algum axioma ou algum postulado, o
fazes sempre para camuflar tua chaga incurável de populacho e para dissimular o
grito de tuas origens que te chamam. . .
Te observo e vejo que comes com fúria, que limpas os dentes como um
macaco e que sentas na varanda de tua casa para saudar doutores, políticos,
secretárias, comerciantes, ladrões e outros representantes dessa comédia
vergonhosa a que chamas SOCIEDADE.
Te sigo pela multidão desvairada e vais sempre espelhando-te nas vitrines,
passando a mão pela bunda, cuidando para não sujar os sapatos e competindo
até mesmo com os delinqüentes famintos da rua, que lambem as rodas de teu
carro em troca de alguns cruzadinhos mijados. Conheço tua neurose obsessiva
por dentro e entendendo tua necessidade doentia de ser admirado por todas as
mulheres e invejado por todos os homens. Queres que os gerentes levantem e
tirem o chapéu quando entras apressado com uma pasta sob o braço, como se
todos devessem saber que transportas o saldo de teus roubos, sem nunca te
permitires pensar que nem todos são aves de rapina como tu.
Em tua casa te embriagas com uma semana de férias, desfilas de uma
janela a outra dentro de um pijama de presidiário e exiges que teus filhos tenham
medo de ti, que tua companheira seja tua escrava e que teus vizinhos suportem
teus gritos em silêncio. A poesia te repugna, a música te é indiferente, a arte te
parece “coisas” de vagabundos e as viagens as fazes sempre cercado por
cicerones e só visitas monumentos históricos, túmulos de heróis, museus ou
cabarés famosos e, assim mesmo, somente quando estas visitas te puderem dar
status, caso contrário, ficas enclausurado no trigésimo andar do Sheraton,
assistindo a filmezinhos americanos e roubando cinzeiros ou outras porcarias que
já foram feitas e destinadas para hienas como tu.
Da paixão, fizeste um ato exclusivista onde tudo termina numa triste e
precoce ejaculada. Tua ciência são as ordens que recebes e teu engrandecimento
tem sempre a influência e o cheiro da bolsa de valores. Por ironia, quanto mais
dinheiro acumulas, mais pobre te tornas, e cada vez mais te pareces com aqueles
miseráveis de quem queres, a todo preço, fugir e diferenciar-te. Ah, mas é tão
pouco o que te separa deles! Tão pouco que acaba resumindo-se no dinheiro que
conseguiste, na projeção deliróide que povoa teus sonhos e na tua presença
inconfundível nos teatros de luxo ou nas sociedades herméticas.
Pobre populacho! Pobre caipira enganado! Pobre manipulador de dados e
de sentimentos!. . . Fumas com gestos que não são teus, consomes uma MODA
planejada e executada por uma rede de “viados internacionais” e repetes
compulsivamente uma frase francesa com a intenção de ir galgando um lugar na
Academia de Letras de teu país ou continente. Tua filha já fala idiomas, já pode
executar Liszt (porque tu a obrigaste) e já foi apresentada ao noivo, rico e
licenciado, só que é impotente e viciado em heroína. . . apesar de que não te
preocupas com essas coisas, com essas “bobagens” sociais; principalmente, é
claro, quando existe muito dinheiro em jogo, quando a herança do noivo virá
solidificar teu capital e quando as “pequenas incompatibilidades matrimoniais”
podem ser comprimidas entre as paredes da alcova matrimonial.
Em nada te preocupa a realização sexual de teus filhos e muito menos a de
teus netos, uma vez que viveste a tua própria de modo enrustido e que foste um
ideólogo dos mais ilustres no processo de educar para a ausência de sexualidade
ou mesmo para a anti-sexualidade. Também, porque tua filha não teria outra
alternativa a não ser de cair nos braços do populacho, já que é o populacho quem
descreve e prescreve todos os “avanços” e todos os passos que as massas,
cegas e enganadas, devem dar.
Ah, pupulacho! Percebo clara e cientificamente que em ti tudo foi
estruturado sobre os pilares do medo e que é por isso que já na adolescência
penduras no peito uma cruz, uma figa ou uma foto de teu mestre. É por isso que
necessitas identificar-te com um time de futebol, com um artista de novela ou
mesmo com um estuprador anônimo. . . e engordas como um suíno e fazes
questão de cultuar tua mediocridade mais desprezível e de ser um bestalhão que
apoiará uma por uma todas as ditaduras que se instalarem no mundo. Em ti não
existe nenhum desejo de pensar, nem mesmo admites a hipótese de ir além dos
limites que te foram DEMARCADOS pelos dementes que te antecederam. Por
incrível que pareça, para ti os símbolos são mais importantes que as coisas que
simbolizam e os fantasmas de “outros mundos” te fazem defecar na rua ou sentir-
te um Superman numa casa de umbanda.
Não tenho dúvidas de que és um Dobermann acorrentado e que quando
deixas escapar algum latido, não o fazes por convicção, nem por nada, mas única
e exclusivamente por submissão e por medo. Acotovelas-te nas universidades
com outros membros da grande multidão de estudantes e estás sempre buscando
erudição, nunca sabedoria. Nunca te preocupaste em descobrir as causas de tua
miséria e da misérias de todas as gerações que te antecederam e preferes
discursar horas a fio sobre besteiras que já foram ditas, discutidas e superadas há
séculos, ainda pelos primeiros descendentes dos gorilas.
A primeira vez que falamos, dizias ser Marxista e veneravas a Marx. Um
pouco mais tarde, dizias ser Leninista e oravas a Lênin no saguão de tua casa e
um pouco mais tarde, no dia de tua formatura, até um cego podia perceber que
estavas apaixonado pelas teorias de Mussolini e que teus cabelos se punha em pé
só de pensar nos projetos e nas diretrizes “honrosas” do imperialismo.
Sobes as rampas dos jornais para ser fotografado e quando suspeitas que
teu gesto de vilania. Finges beijá-la, mas tens cuidado para não sujar o paletó e os
bigodes naquele rosto esquelético e desnutrido, naqueles dentes podres e
naquela mísera migalha do espetáculo humano. A imprensa não percebe, teus
guarda-costas não percebem, o bispo não percebe, a multidão frenética não
percebe. . . tu mesmo não percebes nada de teu gesto feudal e vais assim, pelos
dias afora, acreditando piamente nesse filantropismo asqueroso. . .
Estás triste e deprimido em tua casa, quase apto a pôr fim à tua vida, mas
basta que alguém bata à porta, para que apareças perfumado e com um sorriso
de Monge Zen, por que tua especialidade é simular, representar, fazer de conta
neste palco sem categoria que tu e que os de tua laia engendraram.
Mesmo passando a maior parte de tua vida mergulhado num poço de
depressão, de inutilidade e de constrangimento, estás sempre tentando
demonstrar discernimento, convicção e liberdade. . . mas lá no fundo, nos porões
de tua história, sabes que não passas de um hipócrita e um canalha de segunda
categoria. Persegues as filhas dos outros como se tivesses direito de copular
com elas; enquanto que as tuas, mesmo quando conseguem gozar e ter prazer
fora do matrimônio, são expulsas de casa e acusadas de libertinas ou putas, por ti.
Ontem, fizeste um escândalo e agrediste uma velha alemã, por que dizias:
“é uma velha agiota e ladra!”. Hoje, alguns anos depois, emprestas dinheiro a 15%
ao mês, compras jóias de famílias desempregadas e falsificas alimentos. Gostas
de lançar os olhos para além das persianas das casas vizinhas e de levantar as
orelhas para ouvir as intimidades dos outros, como se tu e tua mulher vivessem
em permanente “lua-de-mel” e como se o que os mantém lado a lado não fosse
única e exclusivamente o ódio, por um lado, e a impossibilidade de viver
separados, por outro.
É interessante e patológico teu projeto de ser o mais rico, o mais famoso, o
de renome e, para tal, mentes, roubas e escarras na face do mundo. Invades os
cofres públicos, falsificas dados científicos, determinas leis econômicas selvagens
sobre a comunidade, essa comunidade ingênua e estúpida que te deu poder
absoluto sobre ela e, se for preciso, ainda tens o poder de criar outros sistemas
repressivos, corpos paramilitares, de acionar a polícia-médica sobre as pessoas e
de cavar um poço profundo para enterrar aqueles que considera impertinentes. Só
que tem uma coisa: nos teatros tu aplaudes de pé, mesmo quando não entendeste
uma palavra, uma nota, uma sátira. . . porque sabes que teus padrinhos e tua
classe estão presentes, que te observam e que te julgam pelos aplausos e pelo
estado de sua casimira importada.
Passas a vida inteira induzindo teus filhos, amigos e serviçais ao
matrimônio, não porque acreditas que ele seja algo natural e saudável dentro de
nossa cultura, mas unicamente porque não queres ficar só na armadilha em que
caíste e porque a liberdade dos outros te amplia a certeza de ser um escravo.
Depois os incentivas a viajar para a Europa, a comprar uma casa de campo, a dar
o dízimo, a pertencer à máfia, a seduzir adolescentes e a sonegar impostos; tudo
dentro de um quadro visivelmente patológico.
A enfermidade é tua companheira de sempre, necessitas dela como do ar
que respiras e é sob seus açoites que desenvolves tuas metas, teus objetivos e
teus delírios. . . através do que, se pode facilmente entender as razões e a
magnitude de tuas taras sociais e de todas as barbaridades que institucionalizas.
És o cliente número um do populacho médico e comes até excrementos quando
este os recomenda, porque para ti a medicina é a última palavra em tudo, desde o
aleitamento materno, até as pontes de safena e os preservativos de borracha. Por
debaixo de tua roupagem de “delicadeza” e através de teu caráter de escravo,
conseguiste fazer da medicina e de todos os abusos que nela são cometidos, uma
espécie de xamanismo moderno, onde a palavra do feiticeiro é inquestionável. Ah,
populacho! às vezes é quase desesperador constatar que tu, através de tua
mediocridade crônica, foste conquistando tudo no mundo a ponto de hoje até os
meios de comunicação estarem sob teu domínio. Em tiragens cada vez mais
faraônicas, teus jornais invadem os pontos mais longínquos das nações e
dedicam-se quase que exclusivamente a tagarelar sobre crimes, oscilações da
bolsa, bacanaizinhos culturais ou diplomáticos, enfim, em uma palavra, sobre a
PROSTITUIÇÃO SOCIAL. Adquiriste, ninguém sabe como, o direito de vomitar
indiscriminadamente sobre as massas, sem preocupar-te com as conseqüências
íntimas e pessoais de teus vômitos sobre aqueles que não pediram e nem
desejam ver-te acenando do balcão de teu palácio. Adquiriste a liberdade de
“afogar” a vida em assaltos, demagogias comerciais, histerismos políticos e
informações ridículas e estúpidas como tu mesmo. . . sem que, para isso, pelo
menos imediatamente, tenha que prestar contas ao povo e à história.
E amanhã, vais outra vez ao teatro, com tua voz reprimida, com teu passo
de asno domado e te confundes com outros pederastas ou homossexuais como tu
e, enquanto seduzes garotos e garotas “indefesas”, acreditas estar fazendo a mais
louvável das REVOLUÇÕES SÓCIO-SEXUAIS do século. As ruas, as escolas, as
igrejas e os clubes, assim como os chamados centros científicos que proliferam
com o a lepra na atualidade, estão cheios de pessoas covardes, mentirosas,
hipócritas e suas que não merecem nem mesmo um olhar, uma palavra, um voto
de confiança. Homens de tua índole proliferam como as ratazanas e são, todos
sabemos, os hospedeiros diretos da decadência!
Estou cansado de saber que tu, quando pertences a algum tipo de
“aristocracia”, és sempre um aristocrata de nascimento ou de dinheiro, jamais um
aristocrata de “espírito”. Nenhumas das denominadas aristocracias, até hoje,
passou de delírio racial, de crise esquizofrênica ou de manifestações fascistas de
alguns grupos que, apoiados em pistoleiros de aluguel ou em exércitos,
defenderam essa patologia. Tu e todos os que te cercam, quando assumem esses
ares de “aristocratas”, deveriam olharem-se num espelho ou, pelo menos,
visitarem a jaula dos gorilas do Zôo, o que seria suficiente para entenderem que
essa “aristocraciazinha” é algo tão besta e tão canibal que não caberá em
nenhuma sociedade futura. . . Agora, uma coisa é certa: neste mundinho de
répteis, todos teus planos foram convertidos em LEI. Aqui, tua voz foi ouvida, teus
projetos levados a cabo até as últimas conseqüências, tuas paranóias foram
transformadas em CONSTITUIÇÕES e teus distúrbios intestinais considerados
males universais pela ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (OMS). Aqui, neste
planetinha ridículo, tuas “leis pessoais” foram convertidas em “leis sociais” e a
bandeira que projetaste, balança soberbamente ao vento contínuo da falsidade
humana. Tu, com teus lacaios, conseguis-te confundir-te a ti mesmo, inutilizar o
solo, retardar velhos e crianças, esquizofrenizar a juventude e esquematizar uma
rota suicida para a vida. Conseguiste criar os ESTADOS, os países, o FMI e todas
as demais instituições internacionais que, por debaixo dos panos, têm um papel
INTERVENCIONISTA, uma função de repassar e de impor ideologias macabras
sobre povos mais indefesos; ideologias estas, sempre contra o prazer, contra
EROS e contra a vida.
Nem suspeitas que para conhecer-te estive durante muito tempo sujeito às
tuas idéias, que convivi pacientemente a teu lado, que assisti a tuas conversas e
aos teus planos sem nunca perder de vista o grau de tua debilidade mental.
Acompanhei-te por estradas diversas, olhando pasmado para teus gestos,
escutando com atenção tuas mentiras infames e investigando rigorosamente teu
ciclo vegetativo. Algumas vezes atreví-me a comentar sobre teus braços rígidos,
sobre a nítida repressão de tua coluna dorsal, de teus conceitos autoritários sobre
a sexualidade humana e sobre o porvir dos homens. . . e tu reagias imediatamente
com uma resposta evasiva e desviavas o discurso para outro lado, acusando-me
de ter inveja de teu “êxito” profissional ou de ser um esquerdista imaturo, conforme
a teoria de Lênin. Também dizias que a estética e o corpo eram para ti absoluta e
simplesmente uma merda. . . pobre populacho!
SEGUNDA PARTE
Raoul Vaneigem
(1) “. . . Busquei em vão nos Evangelhos um traço simpático e concluí que nele não existe absolutamente nada que
seja livre, franco, leal. No Novo Testamento, só existem instintos maus e tudo é covardia, olhos fechados e auto-
engano. Qualquer tipo de literatura se torna honesta depois de ler-se o Novo Testamento; por exemplo, li com
prazer, imediatamente depois de São Paulo, esse encantador e cínico que se chama Petrônio. . . imortalmente
saudável, imortalmente alegre e afortunado. . . Em todo o Novo Testamento existe apenas uma figura honorável:
Pilatos, o governador romano. Pilatos não poderia haver levado a sério uma disputa de judeus. Um judeu a mais ou
a menos, que importância teria? A nobre ironia de um romano, ante o qual se fez um descarado abuso da palavra
verdade, enriqueceu o Novo Testamento com a única frase que possui valor escrito e bem delimitado que é sua
crítica e até seu aniquilamento: que é a verdade?”
Nietzsche F. El Anticristo. México, ed. Libros Económicos, pp. 93-94.
envergonhadas que, desde que perdemos o rabo, são massacradas, enganadas e
aniquiladas. Rio quando apareces na TV, um paletó comprado em prestações, os
olhos cravados na objetiva do repórter com a intenção de transmitir aos teus
“discípulos” uma imagem de iluminado e, ao mesmo tempo, sem te dares conta,
apertas os maxilares para não deixar escapar um grito de desespero e de pânico.
Rio em segredo, certo de que não suportarás esta comédia por muito tempo e
porque sei até onde teu discurso se contrapõe à tua prática. És capaz de dar uma
parte de tua vida para ocupar um cargo de chefia, para poder dar ordens, correr
de um lado ao outro da fábrica, vigiando e punindo trabalhadores. És capaz de
não dormir em paz no dia em que não agredires nem prejudicares um de teus
subalternos, porque teus acessos de “poder” estão basicamente sustentados na
debilidade e na vulnerabilidade dos que te cercam. Entre seu discurso de líder
sindical ou de fanático religioso e tua prática cotidiana existe um abismo
vergonhoso que te transforma num verdadeiro palhaço, vil e demente parasita que
julga tudo e todos a partir de tua própria enfermidade.
Ah populacho! Estive durante quinze anos viajando pelos labirintos de tuas
cidades, vestindo tua roupa, hibernando diante de tuas novelas, rezando para teu
“deus”, fingindo ter epilepsia em teus terreiros de macumba, relacionando-me
intimamente com tuas filhas e mantendo-me sério e sóbrio diante de teus
achaques de grandeza e de messianismo. . . mas nunca me enganaste. Sempre
pude ver-te além das máscaras, além de teu sobrenome, além das escravas que
tua mãe, cem anos depois da chamada Lei Áurea, ainda mantém segregadas em
tua casa, além de teus gestos “finos” e estereotipados e de tuas dissimulações de
pedante e de teórico insuportável. Tu e toda tua laia de professores, padres,
políticos, místicos e pais de família, se fossem submetidos a um julgamento real,
estariam abaixo, muito abaixo das putas, dos delinqüentes e dos cachorros
famintos das ruas. E é por isso, exatamente por isso que quero mijar a cores
sobre teu nome, sobre teus títulos, armas e desejos criminosos!
(2) “. . . a história não é mais que um desfile de falsos absolutos, uma sucessão de templos levantados a pretextos,
uma prostituição do espírito diante do improvável. Inclusive quando o homem se afasta da religião permanece
sujeito a ela, esgotando-se na luta para inventar simulacros de deuses, os adota depois febrilmente. sua
necessidade de mitologia e de ficção triunfa sobre a evidência e o ridículo. Sua capacidade de adorar é responsável
por todos seus crimes; aquele que ama indevidamente a um deus obriga outros a amá-lo ou os extermina quando
estes se recusam. As épocas de fervor religioso-místico são sempre saturadas de façanhas sanguinárias. Santa
Tereza não poderia haver deixado de ser contemporânea dos “autos-de-fé” e Lutero das matanças de camponeses.
Nas crises místicas, os gemidos das vítimas são paralelos aos gemidos de êxtase. . . Patíbulos, calabouços e
masmorras prosperam sempre à sobra de uma fé, dessa necessidade de acreditar em algo que infestou o espírito
dos homens para sempre. Os verdadeiros criminosos são aqueles que estabelecem uma ortodoxia sobre o plano
religioso ou político, os que distinguem o “fiel” e o “crítico”. A sociedade atual é um inferno de salvadores, bestas
enfermas que se dizem iluminadas e até aptas para curar. . .” E. M. CIORAN
um número, de um carnet, de uma gratificação ou, quem sabe, da ficha que
permitirá o internamento de tua filha ou de teu filho num desses manicômios ditos
judiciários. Ah, gostaria que conhecesses a farsa que significa o que hoje se
respeita como ciência e a armadilha que representa o que hoje se entende por
SOCIEDADE. . . tua incompreensão e tua preguiça me enchem de ódio.
Te odeio também quando queres fazer-te passar por gênio ou quando me
cumprimentas encolhido, perfumado e com roupas de palhaço. Te odeio quando
queres exibir-me tuas riquezas, tuas fortunas ou teus objetos de ouro, porque
imediatamente penso nas cifras e nos dados estatísticos que revelam a
quantidade de famintos, de miseráveis e de trabalhadores que pagaram por eles.
E não adianta jurar-me que foram comprados com o suor de teu rosto, porque sei
que teu rosto suou apenas por “outras razões” porque entendo que a riqueza e o
supérfluo só podem ser adquiridos através do roubo, da fraude, dos desvios de
verbas públicas, dos 10% recebidos sob os panos de tua prefeitura, de tua
secretaria ou de teu cartório. Um dia, esses ladrões oficiais terão que ocultar suas
riquezas, porque todos saberão que a riqueza não é viável pelas vias laborais e
que todo homem rico de hoje foi um ladrão e um farsante ontem. Provocas asco
quando massacras os mais débeis, quando torturas teus filhos ou roubas com um
sorriso religioso nos lábios. É odioso ver-te embriagado, supostamente para
comemorar um avanço revolucionário, como foi no caso da derrubada de Somoza;
porque hoje, alguns anos depois, encontro-te fazendo a contrarevolução em troca
de um apartamento em Miami ou de cinco mil dólares ao mês que a CIA deposita
em tua conta no Texas. E o recado é também para ti, delinqüentezinho de 5.a
categoria que, ao invés de, pelo menos, ir roubar as grandes mansões, os bancos,
as multinacionais, a zona luxuosa da cidade; preferes esperar de tocaia pelos teus
companheiros de miséria, sem saberes, evidentemente, que estás, outra vez,
servindo de lacaio a um sistema que te considera uma merda. Entendo, entendo
que o estado de alienação em que vives não te permite questionar essa
gigantesca instituição que se chama ESTADO e que é por isso que só sabes gritar
por ELEIÇÕES DIRETAS, pelo FASCISMO, PELA CONSTITUINTE, pelo
COMUNISMO ou pela revolução SIONISTA. Te vi várias vezes e em diversos
países do mundo, sempre gritando pela liberdade de votar, pelo direito ao povo,
pela democracia das urnas, etc., etc; e ao mesmo tempo em que te observava, ia
pensando nas palavras de Bellegarrigue, que proclamava: “. . . por meio do voto o
eleitor diz ao candidato: dou-lhe minha liberdade sem restrições nem reservas,
ponho à sua disposição minha inteligência, meus meios de ação, meus créditos,
minha atividade e toda minha fortuna; cedo-lhe meus direitos de soberania. Bem
como e por extensão, também os direitos e a soberania de meus filhos, parentes e
concidadãos, tanto ativos, como inertes. Tudo isto lhes entrego para que usem
como lhes pareça melhor, seu humor é minha única garantia. E não importa que o
candidato seja um ou outro, comunista ou fascista, republicano ou democrata; o
homem que se faz eleger é meu amo e eu sou uma coisa sua. Com o que, fica
claro que o voto é, por um lado, uma farsa; e por outro, uma maldade ou, para
dizer mais claramente, uma exploração. Quando pedes liberdade ao governo, a
estupidez de teu pedido demonstra imediatamente a este que tu não tens nenhum
conhecimento de teus direitos. Teu pedido é um ato de subalterno e uma
declaração de inferioridade. Ao constatar sua superioridade, o governo aproveita-
se de tua ignorância e comporta-se a teu respeito como deve comportar-se com
um cego, porque realmente estás cego. . . Para ser livre só é necessário querer. A
liberdade, que estupidamente aprendemos a esperar como um DOM dos homens,
está em nós; nós somos a LIBERDADE e portanto, para obtê-la, não são
necessários nem os fuzis nem as barricadas, a agitação, os votos, as facções,
etc., já que tudo isso não passa de histerias. E como a liberdade é honesta, só se
pode alcançá-la com reserva, serenidade e decência.”
Ah, populacho! Inúmeras vezes o mundo tem proclamado contra ti parte do
ódio milenar que foste depositando no coração dos homens libertários e, assim,
como não tens nenhum preconceito contra a burrice, é justo que o mundo não
tenha nenhum contra o ódio e, depois de tudo, talvez só o ódio poderá conduzir-te
outra vez para o lugar de onde migraste.
Vives permanentemente fingindo viver em harmonia e em “lua de mel” com
tua esposa, submissa e escrava de teus temores, mas no fundo sabes muito bem
que tu e ela estão ligados apenas pela simbiose, pela competição e, inclusive, por
um forte laço de violência. sabes que a odeias, e muito mais, que és odiado por
ela; mas a suportas, porque queres exibi-la, usá-la, aniquilá-la e porque, de
nenhuma maneira, queres dar chances para que a sociedade te rotule como
solteirão, solitário, viado ou eremita. É bom que saiba, populacho: casado, solteiro,
bicha, viúvo, ou o que quer que seja, estás condenado a ser para sempre um
estereótipo perfeito da mediocridade, uma criança dependente, frágil e perdida. . .
Agora, uma coisa é certa: estou perdendo meu tempo no teclado desta
velha Olivetti. Por quê? Ora, por quê? Porque sei que para ti, nada disso que
escrevo tem valor, tudo não passa de um “despeito literário” que, evidentemente,
em nada alterará tua marcha, nem tua demência precoce. Te esqueces
rapidamente das barbaridades que praticas e sou capaz de apostar que em tua
mente, já não existe mais o mínimo vestígio dos acontecimentos desencadeados
por ti e que levaram SACCO e VANZETTI à cadeira elétrica. Ou estou enganado?
Lembras-te desses dois homens corajosos que levaste sujamente para a morte?
Desses dois italianos que, instintivamente perceberam a dimensão de tuas
alianças imperialistas e que dedicaram contra elas a própria vida? Ah, jamais
chegarás aos pés de um SACCO e nunca terá o valor de um VANZETTI, porque
és um covarde e estás cego para os atos mais espontâneos da vida. Tu,
homenzinho alienado, politicozinho cruel, jamais poderá entender as palavras de
SACCO a seus verdugos um pouco antes de receber no corpo a voltagem da
morte: “morrerei porque sou um militante anarquista, e é verdade, o sou. Mas
estou tão convicto de estar certo que se me pudessem matar duas vezes e eu
pudesse nascer duas vezes mais, voltaria a viver como vivi até agora. . .” Tu,
jamais, terá a valentia de, diante de um juiz como Thayer, dizer o que
disse VANZETTI: “. . .você nos vê, juiz Thayer, faz sete anos que estamos
encarcerados. O que sofremos nestes sete anos nenhuma língua humana pode
contá-lo, entretanto, você vê: não tremo diante de você! Você vê: olho-o
diretamente nos olhos e não me ruborizo, não mudo de cor, não me envergonho,
nem sinto medo!. . .” E estes homens foram assassinados inocentemente por
bastardos como tu, por teu silêncio e com tua conivência. Foram assassinados por
indivíduos que jamais tiveram o prazer de mergulhar na vida e que vivem
simbioticamente sob a tirania de quatro enfermidades seculares: a FAMÍLIA, a
ESCOLA, a IGREJA e o ESTADO.
[A RELIGIÃO] “Eis aqui a fonte de tudo o que vos propõe como santo e
mais sagrado em tudo o que se lhes obriga chamar piedosamente religião. Eis
aqui a fonte e a origem de todas essas pretendidas “santas” e “divinas” leis que se
lhes obriga a observar como procedentes de deus. A religião é a fonte e a origem
de todas essas pomposas e ridículas cerimônias que nossos sacerdotes simulam
fazer, a fonte e a origem de todos os falsos mistérios e de todas as solenidades e
dos cultos divinos. Eis aqui a origem de todos esses soberbos títulos de SENHOR,
PRÍNCIPE, REI, MONARCA, etc., em virtude dos quais, e sob o pretexto de
governá-los, vos oprimem como tiranos. Em virtude dos quais, sob o pretexto do
bem e da necessidade pública, vos roubam tudo o que possuis de belo e melhor, e
ainda, em virtude dos quais, sob o pretexto de possuir sua autoridade de alguma
outra autoridade suprema, fazem-se obedecer, temer e respeitar a si mesmos
como se fossem deuses. Enfim, eis aqui a fonte e a origem de todos esses nomes
de NOBRE e de NOBREZA, de CONDE, DUQUE e de MARQUÊS, dos quais a
terra está cheia. Todas as religiões não são mais do que erros, ilusões e
imposições fanáticas!” (J. Meslier).
(3) “. . . a tolerância com a imbecilização sistemática de crianças e adultos pela publicidade e propaganda, a
libertação do espírito destrutivo ao volante dos automóveis, o recrutamento e treinamento de forças militares
especiais, a importante e benevolente tolerância com a fraude declarada no comércio, no desperdício, na
obsolescência planejada, não são distorções e aberrações, constituem a própria essência de um sistema que
fomenta a tolerância como meio de perpetuar a luta pela vida e suprimir as alternativas. As autoridades em
educação, moral e psicologia vociferam contra a delinqüência juvenil; vociferam menos, porém, contra a orgulhosa
apresentação, em palavras, atos e imagens de foguetes cada vez mais poderosos, mísseis, bombas – e
delinqüência adulta de toda uma civilização.” (H. MARCUSE)
infame. Não se submeter emocionalmente nem fisicamente a um trabalho alienado
e inútil é para ti o símbolo máximo da vagabundagem. Não admitir tuas leis
escravagistas, teu Estado opressor e tua política obscurantista é, para ti,
representar o ANARQUISMO na América e, por fim, não rastejar aos pés de teu
“deus” idiota e impossível, é estar tomado pelos fluídos malévolos do demônio. Ah,
populacho! Pobre débil mental! Pensas assim porque estás completamente
intoxicado pelas fezes da vida. Entre ti e um asno poucas são as diferenças, se
respeitamos o ATEÍSMO natural dos eqüinos e a obsessão religiosa dos homo-
sapiens.
Estive propositalmente entre teus filhos e entre tuas filhas por todos os
lados dos continentes, sobre tapetes luxuosos de palácios e por debaixo da
imundície de mansardas infectas e posso te assegurar sem temor de errar: TEUS
FILHOS ALIMENTAM POR TI UM ÓDIO IRREPARÁVEL. Tu, farsante, já os
repudiaste ainda no útero e só os geraste para adquirir segurança, para dar
mostras de tua “virilidade” ou “fecundidade”, sem lembrar-te que os porcos e os
lobos também podem ter filhos. Tuas vaidades foram além da vida(5) e agora
deliras com uma eternidade fantasma, com um deus todo poderoso, com muitos
quilos de ouro e com um cargo de chefia no Estado, através do qual possas
manipular trinta ou cinqüenta escravos a tua volta.
(5) “De todas as paixões, a que mais se esconde é a vaidade: e se esconde de tal forma que a si mesma se oculta, e
ignora. Ainda as ações mais pias nascem muitas vezes de uma vaidade mística que quem a tem, não a conhece
nem distingue: a satisfação própria, que a alma recebe, é como um espelho em que nos vemos superiores aos
demais homens pelo bem que obramos, e nisso consiste a vaidade de obrar bem.” (M. AIRES RAMOS)
sem grandes esperanças, retiro-me cabisbaixo e envergonhado, tentando violar e profanar
tua história secular e aceitar-te para sempre como populacho. (6)
(6) “. . . Agora consumo meus dias em minha toca, debatendo-me com o consolo maligno e vão de que o homem
inteligente jamais chegará a ser algo sério, que só o imbecil consegue algo. Sim, é isso mesmo, senhores, o
homem inteligente está moralmente obrigado a ser uma criatura sem caráter; o homem de ação costuma ser
medíocre, esta é minha convicção de quarenta anos.” (F. DOSTOYEVSKY)
TERCEIRA PARTE
Durante algum tempo tua filha e teu amante fizeram amor e o faziam pura e
simplesmente para gozar, para mergulhar no prazer e na luxúria de seus corpos,
mas tu, quando descobriste, tiveste uma crise histérico-religiosa. Não podias
admitir que alguém, e principalmente tua filha, fizesse uso dos genitais a não ser
para reproduzir ou para mijar, porque acreditas que todos os seres do mundo
possuem uma sexualidade nula como a tua e porque acreditas que todos teus
contemporâneos devem ser rígidos e impotentes como tu. Nunca pudeste ver a
sexualidade como algo natural, como uma fonte de prazer e de alegria, como uma
necessidade fundamental de um organismo tão complexo como o é o corpo
humano, porque quando eras criança foste surpreendido masturbando-te e
alguém, tão ignorante como tu, jurou que se voltasses a tocar o pau, o cortaria
literalmente com uma tesoura. O que hoje acreditas ser tua “concepção”, “filosofia”
ou “educação” sexual, não passam de cicatrizes neuróticas de tua infância e
adolescência, marcas traumáticas que se confundiram dentro de ti e que hoje te
fragmentam perante os desejos naturais de teus filhos e perante teus próprios
desejos. Já pensaste alguma vez sobre a ambivalência dos teus valores morais e
dos teus desejos mais ou menos pervertidos. Já tentaste pensar sobre as razões
que te levam a reprimir brutalmente a sexualidade de teus filhos, de teus alunos e
de teus fiéis??? Ah, populacho, um dia descobrirás que estás cometendo um ato
vil e cruel, como se estivesses impedindo uma criança de ouvir, com argumentos
de que poderia ouvir COISAS PERNICIOSAS, que só poderá ouvir depois do
matrimônio, junto com o cônjugue e sob bênção de deus. Ora, que babaquice é
essa, populacho? Enfim, teu coração petrificado não pôde admitir que tua filha
gozasse fora do matrimônio, nem que estudasse NIETZSCHE, nem que ouvisse
Piazzola dentro daquelas noites outonais.
E isso não foi tudo, populacho, populacho, porque logo depois, tiveste uma
briga também com teu filho e o internaste numa clínica psiquiátrica, dizendo,
covardemente, que ele havia penetrado no mundo da loucura. Mas, eu sei o tipo
de loucura a que te referes. Para ti, todos os que não se submetem a tuas
palhaçadas religiosas e sociais são dignos de internamento; e os psiquiatras, com
uma formação acadêmica digna de pena, são teus cúmplices para o que der e
vier, basta que tenhas os “cruzadinhos” necessários para pagar a hospitalização,
não é verdade CHEFEZINHO DE FAMÍLIA? BUROCRATAZINHO ULCERADO?
CHACAREIRO DE MERDA que comprou sua chácara com fundos públicos e que
inclusive a emprestou a grupos paramilitares para a tortura. . . Não é verdade o
que eu digo? Por acaso já visitaste o manicômio onde internaste teu filho? Por
acaso já dialogaste com tua filha sobre sua afetividade, sobre seus desejos e
necessidades? E por acaso já viste onde tua mulher vai procurar as aventuras que
tu não podes dar? Abre esses olhos de múmia e questiona essa baboseira infame
que defendes e se não vês remédio para teus males, pelo menos deixa que teus
filhos escapem da ratoeira onde caíste. Lembra-te de que as crianças não são
propriedade de ninguém, não pertence a ninguém, nem a seus pais, nem à
sociedade e que só pertence a sua própria liberdade futura. . .
Vejo que discursas em rodas de café e que te diriges sarcástico para uma
menina que passa e olhas diretamente para seus genitais e fazes força para ser
reconhecido pelo grupo como “macho”. Jamais te passou pela cabeça alguma
dúvida com respeito a esse teu comportamento? Acreditas realmente que o fazes
por TESÃO, ou porque sabes que teus genitais estão, há muito, atrofiados e que
só consegues te relacionar com prostitutas, essas mulheres dotadas de uma
paciência infinita que te suportam secularmente sem reclamar, sem vomitar, sem
enfiar-te um punhal no ventre? Tu o fazes, realmente, por que tens uma atração
natural pelas mulheres; ou por que tens medo que tuas experiências
homossexuais do ginásio ou do quartel venham à tona e te comprometam diante
da hipocrisia social? Às vezes é bom pensar, simplesmente pensar, para saber o
motivo de tuas taras ou mesmo para interromper processos que te levarão, mais
cedo ou mais tarde, a uma situação insustentável.
Te entendo pequeno SIONISTA disfarçado, mesmo quando te escondes
por debaixo de uma falsa democracia e quando te aproveitas da ignorância
coletiva para fazer-te passar por coisas que tu próprio detestas. Sei o que existe
por debaixo de tuas palavras, de teus espantos repentinos, de teu aparente
“bom-senso” e de tua amizade simulada. Já te vi correndo na penumbra da noite
para delatar um de teus companheiros, para comprar a casa de uma família
necessitada ou para violar uma adolescente. E no outro dia, aparecias no teu
posto de trabalho com as mãos limpas e com a bíblia debaixo do braço.
Acompanhei uma por uma de tuas simulações AMOROSAS, mulherzinha
de família, e conheço teus argumentos permanentemente reiterados contra a vida,
contra a sexualidade, contra teus filhos, contra tudo aquilo que não seja conivente
com tuas descabidas concepções religiosas. Ainda não te cansaste de simular
“enamoramentos”, “paixões” e “orgasmos”, sempre que vislumbras a possibilidade
de enganchar teu braço num otário que deverá suportaste ao INFINITUM. Sei
perfeitamente bem o que queres dizer com tua frase célebre: SEXO NÃO É TUDO
NA VIDA!, e sei também o que buscas com tuas enxaquecas diárias e com tua
verborréia masoquista. Não és tão “misteriosa” como pensas, não enganas tão
facilmente como a turba em cio parece crer e nem és tão santa como os séculos
medievos pregaram.
Assisti várias vezes, e com muito interesse, a forma como recebias as
crianças na porta da escola, como abraçavas teus clientes nos centros de
prostituição de Barcelona e como seduzias políticos e empresários nos labirintos
do Senado ou do Ministério, onde circulas como uma dama respeitável, e é
curioso perceber que és a mesma, exatamente a mesma, em todas as situações.
Muitos foram os homens que te quiseram como amante, mas para isso,
tiveram que suportaste como mãe, como cozinheira, como parideira e como
neurótica obsessiva. . . arrumando teus jarrinhos, limpando vinte vezes por dia o
umbral das portas e vasculhando as paredes, noite e dia, em busca de um ovinho
de barata. Mantinha-te elegante e sedutora quando ainda era solteira, porque tuas
tias, comadres e avós insistiam que esta era uma estratégia eficaz para levar um
“macho” ao matrimônio, mas depois de casada, em desrespeito absoluto contra ti
mesma, engordas como uma zebra e deixas tuas ancas de avolumarem de
maneira assombrosa. Só pensas em fofocar (E A FOFOCA TEM UMA RELAÇÃO
ENORME COM A ENFERMIDADE MENTAL), em competir com as vizinhas, em
transmitir tua religião e tua moral a teus filhinhos e a evitar, a qualquer preço, teu
divórcio. Não passas de um verdadeiro parasita! A simbiose é para ti a antítese do
suicídio! E logo tu, logo tu a quem cabe apoiar os primeiros passos dos bebês e os
primeiros afetos das crianças! QUE IRONIA! QUE CANHALICE!
Em teu cofre dormitam moedas e riquezas alheias que, por ironia, te
transformam em servo e em escravo. Todas as vezes que as tocas, teus dedos
tremulam, tua voz se transforma e teu olhar se torna assustador. Às vezes penso
que só te restam duas opções: tornar-te um libertino desprezível ou um tirano
insuportável. De moedas é a tua moral! De remordimentos é a tua história! e de
mentiras é a tua existência. A “altitude” ilusória que atinges é sempre catastrófica,
teu êxito é sempre simulado e tua aparência de gigante nunca foi mais que a
sombra de um anão pretensioso e vil. Na escuridão da noite, tentando camuflar
teu fracasso, rastejas montanha abaixo, sem ar e sem forças, expressando todos
os sintomas de quem comeu PEYOTE estragado no deserto. Te vejo pedindo
ajuda a teus santos e feiticeiros, deuses e messias que, apesar de terem
demonstrado, durante milênios, total e absoluta indiferença para com teus gritos
de abandono, seguem sendo para ti os criadores e controladores de tudo, desde o
peido de uma baleia até o balbuciar de uma criança oligofrênica.
Talvez uma das características que mais justificam um estudo minucioso
sobre tua existência seja o teu interesse quase patológico por dinheiro, por poder
e por coisas relacionadas com o OCULTISMO. Por outro lado, queres estar
sempre em rebanhos, ocultar tuas negociatas e distorcer a essência límpida das
coisas até o ponto de convertê-las numa banal máscara de barro. Não, eu não me
iludo com mudanças mágicas, sei até onde és inflexível e até onde chegam as
raízes de tuas convicções. Tenho absoluta certeza de que assinarias outra vez a
TROTSKI; que queimarias outras mil vezes a GIORDANO BRUNO, que
derramarias NAPALM sobre outros Vietnames, que consolidarias a
contrarevolução em qualquer país que não compactue com suas psicoses
imperialistas, que manterias a fome, as enfermidades e a miséria entre milhares e
milhares de crianças do Terceiro Mundo, que não “descobrirás” os medicamentos
para combater o “CÂNCER”, porque ele tornou-te para ti um negócio lucrativo, e o
mesmo se pode dizer a respeito da miopia, dos anticoncepcionais e até mesmo de
um simples resfriado. . . e sei também, que, depois de tudo isso, ainda receberás
o Prêmio Nobel da Paz, o Prêmio Nobel de Medicina, o Prêmio Nobel dos Direitos
Humanos!!! Bah, que saco! Que canalhice domina todos os setores do
conhecimento humano! Que vergonha não poder interromper esse festival de
agiotismo, essa lepra social que se propaga com a velocidade da luz. . .
Como dizia, não tenho ilusões a respeito de teu futuro, principalmente
quando entendo a dimensão histórica de teus valores, políticos e sociais, de tua
moralidade castradora e de tua ética judaico-cristã. Também não tenho
esperanças de poder me relacionar contigo, porque entre nós dois se abriu um
abismo profundo. Eu sou o vagabundo que relaxa ao sol da primavera, tu és o
senhor que passa cercado e protegido por escravos ou o comerciante que vende
pão bromatado e carne podre aos próprios vizinhos. Eu como e durmo quando
tenho fome e sono, tu tens fome quando não comes e só consegues dormir com
DIAZEPAN. Eu vivo, tu existes!
Ah, populacho! Nunca fizeste uma mulher chegar ao orgasmo e tua falsa
sexualidade machista desmorona sempre na sombra de tua ejaculação precoce,
nas tuas crises de ciúmes e na tua necessidade de monopolizar o corpo e dos
desejos de tua mulher. Impedes que ela conheça outros homens, porque sabes
que isso será suficiente para que te abandone ou que, pelo menos, te instale dois
gigantescos chifres nas têmporas. Pobre de ti! Pobre de tua mulher! Pobre de teus
filhos e filhas, porque gastas a vida para ganhar a vida e, enquanto isso, tua
sexualidade, juntamente com tua criatividade e rebeldia, caminha para o nada;
ingressas rápido na neurose e todos te temem e pervertem-se por tua causa.
Comes enlatados como uma hiena e necessitas tomar cachaça para suportar-te.
Teu corpo trás visíveis as enfermidades que sustentas. . .
Faz muito tempo que te olho com interesse, talvez desde o dia em que me
obrigaste a beijar teu anel de bispo ou desde o dia em que me expulsaste da
escola, porque me surpreendeste lendo um livro de poemas eróticos. Talvez tenha
nascido aí meu interesse psicológico por ti, ou então, no dia em que me torturaste,
respaldado por outros dois ou três débeis mentais que vestiam uma farda imunda
apenas para sobreviver. . . pobres analfabetos, de expressões tristes e anêmicas,
que mais tarde encontrei mendigando na praça centra de outra cidade e pude
olhar para aquelas mãos apodrecidas com uma certa náusea, as mesmas mãos
que me haviam arrebentado os pés a pauladas. Confesso que não tive nenhum
desejo de acertar contas contigo, apesar de ter todas as condições para te matar
como se mata uma barata pestilenta. . . a história e o tempo já o haviam feito por
mim. Sim, acredito que foi desde esses tempos que passei a interessar-me por ti,
por tua expressão corporal, por tua maneira de dar o passo direito, de coçar o
queixo, de encarar um “inferior” ou um “superior”, ou de apresentar-te como
membro da “inteligentzia”.
Simulaste centenas de reformas, mas nunca deixaste de ser um “hipizinho”
alienado, um místico oriental, um discípulo de Mussolini, um orientador de noivos,
ou um agente secreto que, quando não está delatando, corre aos estádios lotados
para aplaudir a outros selvagens que, como tu, possuem um Q.I. abaixo de 80.
Quando muito, consegues chegar a ser um intelectual e, então, logo te
tornas míope, pedante e obcecado por livros. Entre tua teoria e tua prática sempre
houve um abismo dantesco. Escutas as mentiras mais degradantes e movimentas
afirmativamente a cabeça e abres teu sorriso hipócrita ao mesmo tempo em que
deixas teus filhos serem domesticados em escolinhas-prisões por professores
incompetentes e neuróticos. Foste-te tornando “super-organizado”, um escravo
público, e não sabes viver além dos postulados e das regras através dos quais
inviabilizas toda e qualquer manifestação de tua loucura primal. O dinheiro é teu
deus e teu querubim assexuado, sem ele tu não saberias viver um só dia e te
implantarias uma bala no cérebro. Aliás, tua vida é uma constante
AUTODESTRUIÇÃO, um massacre bestial contra tudo o que representa a vida.
Às vezes dirijo-me a ti espontaneamente e quase nunca me entendes, e
quase sempre estás com medo, cercado por defesas, angústias e culpas
mefistotélicas. Então, começas a brincar com os dedos, acendes outro cigarro e
jamais relaxas o corpo e te “deixas” acontecer livremente. Tua voz muda, inventas
sempre um motivo para fugir, sofres e te consideras um ser decadente. . . tudo
isso por absolutamente nada! Quando chego em tua casa, queres de imediato que
eu coma, beba ou ligue a radiola, para que assim não necessitemos dizer nada,
discutir nada, criar nada. Ou então tomas a palavra para relatar tuas “bravuras” e
tuas “conquistas” sexuais, tuas heranças, tuas enfermidades e tuas valentias, que
por mais atento que se possa estar, é impossível assistí-las. Não paras de falar
durante horas, deixas escapar, prolixamente, os discursos mais caóticos e não
tens o mínimo interesse em ouvir, nem te interessam as vivências alheias, uma
vez que te consideras o centro da ilha terrestre.
Convenço-me cada vez mais de que fazes parte de uma classe
exploradora, dominante e universal, e que, com teu dinheiro, procura cercar-te de
intelectuais, religiosos e de políticos, na esperança de soterrar definitivamente
tuas origens. Convenço-me cada vez mais, de que são poucos os homens e as
mulheres que não pertencem à tua classe e que somos poucos os que te
surpreendem articulando contra o mundo façanhas macabras e por isso, cabe a
nós a vergonhosa e incômoda dissecação de teu cadáver.
(*) F. T. Marinetti. Manifiestos y Textos Futuristas, Ediciones del Cotal S.A Barcelona, Espanha, 1978.
(8) “. . . foi formada uma banda musical no campo de concentração. A maioria dos músicos eram
ciganos. Era assustador ver e ouvir os ciganos tocarem suas marchas ao mesmo tempo em que
prisioneiros cansados levavam seus camaradas mortos ou moribundos ao campo, ou escutar sua
música acompanhando as chicotadas que se davam nos prisioneiros. também lembro-me de uma
noite de fim de ano. . .: de repente o som de um violino cigano deslizou para fora de um dos
barracões mais afastados como se estivesse chegando de tempos e de climas mais felizes, melodias
da estepe húngara, melodias de Viena e Budapeste, canções de casa(. . .). Mais tarde, Boger e outros
recorreram aos barracões e arrastaram para fora as crianças ciganas que aí haviam se escondido. As
crianças foram levadas a Boger que as agarrava pelos pés e as amassava contra a parede”. B.
NAUMANN, AUSCHWITZ, Pall Mall Press, 1966, London.
(9) “. . . o mundo sofreu imensamente pelo fato de acreditar que J. Cristo morreu para salvá-lo – haveria sido muito
melhor se pudéssemos vê-lo historicamente tendo um orgasmo para salvar-se a si mesmo. A crucificação não foi
nenhum orgasmo, pelo contrário, na estrutura do poder da igreja emergente, significou a introdução histórica da
submissão aos interesses da sociedade feudal” (COOPER). “Religião, sexo e sofrimento constituem provavelmente
a mais constante trindade das experiências humanas. O crucifixo, o corpo de um homem torturado, pregado numa
cruz de madeira” (M. WEST). “Um corpo magro, esvaindo-se em sangue, semi nu, maltratado pelo populacho em
fúria, pregado em dois paus sobrepostos. . . eis aí o símbolo máximo de uma religião sadomasoquista que
pretende, depois de tudo, fazer-se passar por ética, saudável e a favor da vida” (E. F. BAZZO).
de Deus” em amigos dos homens; os crentes fanáticos, em pensadores; os
beatos, em trabalhadores; os que sonham com outro mundo, em exploradores e
conquistadores deste; e os místico, que segundo eles mesmos são metade animal
e metade anjos, em homens plenos??? (FEUERBACH) Não, populacho, não
posso ou não quero entender como a chamada TEO-LOGIA ainda não cedeu
lugar à ANTROPO-LOGIA. . .
Aos domingos circulas pelas ruas de Paris ou de São Paulo a procura de
selos usados e com tuas lentes de aumento mergulhas em papéis velhos como
uma traça. COLECIONADOR! Este é o título mais nobre que mereces, já que
sabemos que todo colecionador é relativamente um bocó, um obsessivo, um
pateta que estagnou na ribalta da história e um agiota frustrado. E quando não
procuras por antiguidades, então caminhas pretensiosamente pelos corredores
escuros do LOUVRE e depois te retiras com reproduções de Van Gogh ou de Dali
sob o braço, para que a ralé que te cerca possa confundir-te com um homem
culto, emancipado e sensível. Quando os pintores ainda estão vivos, és o primeiro
a acusá-los de esquizofrênicos e de afeminados, mas logo depois de suas mortes
(quase sempre prematuras e por tua causa) és o primeiro a chegar engravatado e
com um talão de cheques aos locais do leilão, exibindo essa tua carinha de
demente precoce. Ontem compraste uma cueca de Charles Chaplin por um valor
que seria suficiente para instalar saneamento básico em toda a periferia de tua
cidade. . . e amanhã, tenho certeza, comprarás um pentelho do Presidente dos
Estados Unidos por uma fortuna semelhante. Que asco! Compras tudo, exibes
tudo, e como Tertuliano resmungas: “CREIO PORQUE É ABSURDO!”
Abres clínicas, hospitais, laboratórios, representações, etc., e com teu
bisturi realizas cirurgias absurdas e desnecessárias com um único objetivo:
ENRIQUECER. E depois roubas de teus pacientes, a casa, os filhos, os livros ou a
própria mulher para saldar teu trabalho, (trabalho?). Qualquer revolução social
decente que por acaso venha concretizar-se um dia, deverá destruir completa e
sumariamente essa máfia de branco, essa medicinazinha incompetente,
reacionária e criminosa, símbolo do fascismo e da imbecilidade social. Nenhuma
dúvida: essa feitiçaria moderna deverá ser varrida de nosso cotidiano, porque até
hoje não aprendeu o que é um organismo vivo, o que é a saúde e muito menos o
que é a vida. Tudo o que pretende ser verdadeiro nessa profissão, foi
fundamentado em cadáveres, em organismos já destituídos da chispa vital e
fisiologicamente inexistentes. Ah! medicozinho feudal que, sem ter
consciência, envergonhas ao velho Hipócrates. Medicozinho aborteiro clandestino,
que usas de tua clandestinidade para “COMER” tuas pacientes e do sofrimento
humano para acumular fortunas! E o mais interessante é que sempre estás
amparado pela maior das farsas, aquela farsa que em todo o mundo é conhecida
pelo nome de ÉTICA. Que é a ética além do véu cinza que cobre e disfarça teus
atos de corrupção e de incompetência? E toda tua classe se une em volta dela e
todos protegem-se mutuamente ao estilo do que ocorria em Chicago com os
discípulos de AL CAPONE. Mas, mesmo assim, licenciado em medicina, tens
todas as portas desse teatro abertas para ti e para tua laia. A ignorância do povo
chegou a tal ponto, que estás sempre recebendo aplausos, elogios,
complementações salariais e convites para copular com mulheres que pensam
como tu e que são o resultado de anos de massacre. Evidentemente, não recusas
nada: em primeiro lugar, porque és uma criança semi-burguesa com sonhos
monárquicos; e, em segundo, porque tens a impressão de que ninguém te
conhece no íntimo, de que ninguém “saca” o que se esconde por detrás dessa
mistura de vigário, farmacêutico e macumbeiro que encarnas. E realmente tens
razão, pois somos poucos os que te entendemos os gestos, as mentiras e os atos
de vilania.
Jean Cocteau
Depois que o porre aumenta, vens falar-me com esse olhar fugidio, e
discursas sobre temas que só interessam a pessoas como tu, como tua família,
como teus parceiros de futebol e de igreja. Te escuto como quem elabora a
(*) “. . .aquilo fôra para mim desilusório. Vi-me a mim mesmo arrastando-me pelo deserto do além, como um
peregrino morto de cansaço, carregado com os inúmeros livros inúteis que havia escrito, como todos os artigos e
opúsculos que havia publicado, seguido de um exército de leitores que se viram obrigados a tragar tudo aquilo.
Meu Deus! E além disso, ali estavam também Adão e a maçã e toda a restante culpa hereditária. Tinha de purgar
tudo aquilo e só então, poder-se-ia levantar a questão se, após tudo aquilo, havia algo pessoal, algo próprio que
considerar, ou se todos os meus atos e suas conseqüências não seriam mais que espumas boiando no mar,
ondulação sem sentido na torrente dos acontecimentos. . .” p. 187, O Lobo da Estepe. HERMANN HESSE
anamnese de um suicida e em todas tuas palavras se expressa uma criança
OPRIMIDA e um adolescente que joga as últimas cartas no cassino da vida. As
águas correm revoltas, as borboletas ziguezagueiam sobre nossas cabeças vazias
e o silêncio da natureza vai ampliando a ridícula confissão de um HOMEM
ACABADO, sem fontes onde refazer-se do cansaço mortal que alguém, com ou
sem direito, introjetou em suas veias. ÉS O PROTÓTIPO PERFEITO DO
POPULACHO. . .
(*) “Outra vez vi que te afastavas, quase dançando por entre os raios incandescentes do sol e, seguramente,
também em ti nascia uma sensação de desconforto e uma dor sem remédio. Tu e eu, náufragos ingênuos, atirados
no meio da borrasca! Um ou dois momentos de paixão e o resto gasto inevitavelmente para suportar o desastre.
Como loucos passeamos em vão pelos fugazes prazeres de nossos corpos e de nossos delírios. . . e ambos nos
prometem o impossível, enquanto a paixão nos acorrenta ao engano, como os deuses acorrentaram PROMETEU
numa rocha. Os seres desfilam ao nosso lado como fantoches, escutam confusos nossos sonhos de amor e se
vão, levando segredadas suas verdades e suas mentiras que, talvez, sejam idênticas às nossas. Arrisco outro olhar
e tu caminhas como um sol dentro do sol, os cabelos tristemente caídos pelo rosto e como quem cravou os olhos
para sempre no solo em que pisa. Uma estranha emoção me oprime o peito, não sei por que nos entristecemos por
tão pouco, nem por que nossas angústias se parecem tanto! Ah, angústias prenhes de coisas que não são daqui,
nem dali, nem de nenhum lado. Desapareço sem rumo. A vida cotidiana me enche de asco, vou deslizando pelas
plataformas, como um assassino sem lei, quero-te mas não te quero, me enlouqueces e me normalizas; e o sol,
essa bola infame de energia, debocha de nossos desencantos. Não sei o que fazer com essa inquietude e com essa
PAIXÃO que me faz ver-te mesmo onde não estás e que me ilude de, em ti, poder amenizar essa agonia que vem de
longe, de tão longe que nem imaginar se pode. Como dois lobos inquietos, circulamos pelos mesmos labirintos,
buscando um no outro aquilo que nem um milagre pode dar. . . e o espaço é pouco, o tempo se esfuma, nossos
dedos se acariciam como os de duas grandes vaidades e, pouco a pouco, o espetáculo se acaba e nos
encontramos nos elevadores com a mesma “indiferença” com que se entrecruzam esses fantoches da burocracia e
os membros dessa manada de imbecis que, tu e eu, contemporanizamos. Ah, se eu pudesse correr por teus
passos! Se eu pudesse levantar-te o rosto suave e descobrir nele a maneira de roubar-te em definitivo, ou pelo
menos, de despertar desse gostoso e diabólico sonho! E como me vem, neste momento, as imagens finais do filme
CARMEM, de Carlos Saura. . .”
Ah, populacho! Tu, depois que te separas de tua mulher, passas o resto de
tua vida atacando-a de frígida, de esquizofrênica, de prostituta ou de mãe
perversa, como se com isso pudesses reconquistar tua AUTO-ESTIMA perdida e
tua segurança. E tu, mulherzinha abandonada, passas a descarregar teu ódio
contra os filhos daquele que não te suportou, abrir inquéritos contra sua vida,
minar todos os seus caminhos e ainda, a exigir dele o dinheiro que nem teus pais,
nem o ESTADO, nem ninguém tem o dever de te dar, numa manifestação
parasitária infame que nunca te permitirá emancipar-se. . . E tudo isso porque
nenhum dos dois entendeu que as causas e as razões do DESASTRE
MATRIMONIAL não estão no comportamento das “vítimas” mas, sim, na origem
mesma desse costume troglodita de COABITAR com estranhos e, ainda pior, de
tentar impor sobre eles nosso ponto de vista sobre as coisas e sobre o mundo.
E não adianta seguir simulando que teu casamento é uma “coisa sagrada”,
que “estás realizado”, que “é tudo o que esperavas da vida”, etc., porque te
conheci profundamente convivendo com teus filhos e filhas em vários lugares do
mundo, porque dormir com tuas esposas, porque interroguei mendigos e reis
sobre a questão, além de viver no mesmo quarto que tu e ter tido oportunidade de
presenciar teus pesadelos. Não adianta tentar dar tréguas à tua mentira, porque
conheço uma por uma de tuas expressões e porque conheço o conteúdo de tuas
vinte e quatro horas de tormentos. Estive contigo, e tu deves lembrar-te disso,
durante os mais diversos momentos e nas mais variadas “gestalts” de décadas; e
fui busca na história tuas partes perdidas, com as quais montei um quadro
completo de tuas chagas. Confesso que poucas vezes me interessei por tuas
palavras ( * ), sempre quis guiar-me por teus gestos, teu cinismo, teu olhar que
treme, tua definição do prazer e pela maneira como tu simulas diante dos
ingênuos mortais que te cercam.
(*) “. . . os homens falam uns aos outros mas não se entendem. Suas palavras se chocam contra as palavras dos
demais e não existe ilusão maior do que pensar que a linguagem é uma forma de comunicação entre eles. Falamos
com alguém, mas de maneira que ele não nos entenda. Seguimos falando e o outro entende ainda menos. Gritamos
e ele nos devolve o grito. Os gritos ricocheteiam de um lado a outro, como balas, debatem-se, esperneiam e por fim
caem sem vida ao solo. Raras vezes chega a penetrar algo no outro e, quando isso acontece, é quase sempre
algo distorcido e falso.” (ELIAS CANETTI)
Por incrível que pareça, enquanto juras ser MONISTA, teu corpo deixa explícito
um DUALISMO fanático e, enquanto lutas para captar a essência do YING-YANG,
dás provas de que jamais chegarás a harmonizá-los em ti. A astrologia te fascina,
só que pelo que tudo indica, os astros que regeram teu nascimento e que regem
tua vida não te quiseram mais que populacho. Sempre fico adivinhando qual será
teu astro e concluo que deve ser uma abóbora chinesa que tem como ascendente
um belo e alongado pepino nacional. Torna-te um prato cheio aos psiquiatras,
quando procuras te fazer passar por um mago, feiticeiro ou iluminado e inventas
um deus para cada estação do ano, um mestre para cada momento e uma mentira
para cada vez que me encontras.
Tu, vil parasita, tu que não te suicidas, foste a causa do suicídio de homens
interessantes como José Ingenieros, Lucrécio, Cesare Pavese, Stefan Zweig, Raul
Popéia, Pedroa Nava e muitos outros. Não é fácil entender a origem de tua mágoa
e de teu ressentimento contra os homens lúcidos e corajosos e, muito mais difícil
ainda, é entender como, desde teu covil, consegues forçá-los a abandonar a
vida(10).
Pobre irmão de mundo! É triste e desesperador concluir que de nada
adiantaram os milhares de livros escritos nestes últimos séculos; as novas
concepções da vida; os trovões da ciência; as religiões que proliferaram de
maneira caótica no planeta; as couraças mecânicas do corpo e da arte. . . sim,
tudo parece ter sido em vão, uma vez que não te trouxeram nada, nada especial
que te auxiliasse no salto para fora da armadilha.
Em uma rua de San Salvador de Jujui, arbitraste contra a liberdade de um
estrangeiro, separaste-o de sua companheira peruana e de seus amigos
brasileiros, interrogaste-o com tua voz reprimida de policial e com tua falsa
segurança, fundamentada sempre em metralhadoras. Com o dedo no gatilho
quiseste saber seu nome, a origem de sua bagagem, o motivo de sua barba, qual
sua religião, sua ideologia e seu destino. És tão imbecil, este sistema te
imbecilizou tanto, que o interrogaste sobre tudo, menos sobre sua própria vida.
Conduziste-o, depois, para tuas salas de tortura, fotografaste-o de todos os
ângulos, arquivaste suas impressões digitais, seu peso, a cor de seus olhos. . . e,
tudo isso feito de maneira suja, burocratizada e abjeta. E ele não te devia nada,
nem a ti, nem aos grupos paramilitares de teu país, nem ao mundo. Esta
chegando da Bolívia, escutando a voz suave da Elena, observando os indígenas
sorridentes, comendo pão preto e tomando o vinho puro e natural que os
camponeses fabricam para teus porres. Nunca havia tido interesse pelos teus
crimes, pelas matanças que vens executando há séculos, porque conhecia suas
origens e, se alguma vez idealizou apontar-te uma Parabellum ou dinamitar teu
refúgio, foi sempre porque tudo, absolutamente tudo que te cerca, evidencia teu
mau caratismo. . . De tanto que havia vivido entre a escória populesca, aquele que
te parecia tão perigoso, tinha por ti e por teus capangas, apenas nojo e interesse
científico, nada mais.
(10) “De todas as coisas que movem os homens, uma das principais é o terror da morte. Depois de DARWIN,
o problema da morte como problema evolutivo chegou a ser muito importante, e muitos pensadores logo
advertiram que este era um dos principais problemas psicológicos do homem(. . .) Para se ter consciência da morte
é necessário refletir a manipular conceitos, e os animais não possuem esta qualidade. vivem e desaparecem com a
mesma indiferença: uns poucos minutos de temor, uns quantos segundos de angústia e tudo termina. Mas viver
toda uma vida com a idéia da morte obsessionando nossos sonhos, mesmo nos dias mais felizes, isso é diferente”.
ERNEST BECKER
Outra vez, quando um negro viajava pelo mundo, fechaste para ele as
portas de teus hotéis e mentiste, com cara de porco chauvinista, que não havia
quarto disponível, que estava lotado, que a negritude era uma sub-espécie. Se os
negros fossem realmente uma sub-espécie como apregoas, já teriam
desmantelado radicalmente essa sociedade racista e covarde; com barras de ferro
teriam invadido teu Parlamento, tuas fábricas, igrejas, latifúndios e não teriam
deixado nada no lugar. . . sinceramente, não sei até hoje o que é que impede aos
negros de tomar essa medida! Pobre branco! Pobre bastardo! Pobre filho de uma
rameira! No aeroporto de Londres, criaste uma prisão para negros,
latinoamericanos, espanhóis, asiáticos. . . e para todos aqueles que não
identificavas como teus ex-colonizados e que não levavam os bolsos abarrotados
de dólares e, numa tarde de agosto, acusaste uma africana de traficar cocaína,
apenas para justificar tuas arbitrariedades racistas contra ela. Mas és tão doente,
que nem entendeste o quanto ela era superior a ti e a todos os que te protegiam
com cassetetes e cachorros. . . Um dia tomarás consciência que esses povos que
sugaste durante décadas (hindus, chineses, africanos, latinoamericanos, etc.,)
esperarão o tempo que for necessário para pisarem tua caveira e jogá-la ao lado
das estradas. Um dia, descobrirás que o próprio Shakespeare já escreveu teu
perfil em [Timom de Atenas], onde estás representado na figura de Vintídio, sendo
hipócrita e fingido, amigo na aparência, mas, na realidade, falso e traiçoeiro. Ouça
as palavras de Timom dirigidas às prostitutas e amantes de Alcebíades, para que
vejas como esse talento já conhecia teu íntimo por inteiro:
Tristan Tzara
Existe uma trilha pela qual se pode readquirir outra vez a saúde, a
voz confortável, os gestos livres e o batimento vital uniforme. . . quando
então os “deuses” e os mestres, que até hoje infernizaram a mente
humana, evaporarão do mundo como o éter, para deixar-te voltar, outra
vez, ao nomadismo daqueles que, por muito tempo, cuspiram sobre as
PÁTRIAS, renegaram toda e qualquer filosofia e que sem medo, e sem uma
pedra onde repousar a cabeça, viajaram de um extremo a outro das
estradas.
Não tenho dúvidas de que estou perdendo meu tempo sobre esta
mesa e sobre estes velhos papéis, porque tenho certeza de que não é teu
hábito entrar em livrarias e, muito menos, ler “obras panfletárias” que te
retratam. Conheço muito bem tua literatura predileta e também tua
capacidade interpretativa.
Separa-te dos teus, como faz o filhote das águias e inventa teu
próprio Everest. Porque se um dia tiveres que perguntar quem é teu pai,
quem é tua mãe, quem é teu amigo ou inimigo, terás a surpresa de ver-te
mergulhado num silêncio mortal e terás que assumir, em um minuto, uma
solidão de séculos.
(11) “. . . minha propriedade é o que pertence somente a mim, aquilo do qual posso fazer o que quero, aquilo que
ninguém me pode roubar, que seguirá sendo meu até o fim de meus dias e o que devo usar, acrescentar e
melhorar. Essa propriedade de cada homem, é ele mesmo”.
SEXTA PARTE
Hubo Ball
Ah, confesso que tenho náuseas neste sábado de sol, por ter que
suportar-te! Por saber que és imutável e que tens direito de reproduzir-te
como uma hiena. Tenho náuseas por saber que infestaste todos os setores
da vida, dos hospitais às academias de letras e que, por muitas décadas
ainda, tuas bombas de efeito retardado seguirão dilacerando as vidas e os
sonhos. . . E tudo fundamentado na enfermidade, nesse teu desejo de
PODER e na fera faminta que se agita dentro de teu peito.
Olha para trás, e verás claramente que até hoje tudo foi
fundamentado no NADA ou, quando muito, na fraude. Ali estão tuas
mulheres: rígidas, reprimidas, assexuadas, enfermas e escravas de todas
as futilidades da vida. Vê o olhar que fuzilam sobre seus filhos e a intriga
que tecem para seus amantes. Ah, e vê como lutam para te seduzir e para
te prender, moço de família, trabalhador e honesto palhaço; a ti que te
esqueces do mundo quando estás diante de um espelho, delirando ser tão
belo como Apolo. Sim, é a ti que elas devem caçar, não porque necessitam
de ti afetivamente ou sexualmente, mas porque precisam ter acesso ao
CAPITAL, ao TRABALHO e à própria vida, já que de outra maneira, tu não
o permites. E é interessante ver como te dominam! Como te fazem rastejar
sob o peso da depressão! Basta uma abrida de pernas, uma amostra dos
seios, para que te interesses por elas e as convertas em tuas esposas. Por
mais que te aches erudito, por mais que penses ser um Don Juan ou um
Casanova, diante de uma simples prostituta, não passas de um asno. E
elas sabem onde está teu ponto débil, teu temor e tua ferida sangrenta. . .
e a tocam com uma precisão invejável.
Estou convicto de que serei absolutamente descrente enquanto tu
vivas. De que nunca terei um galo, um guarda-chuva e nem um centímetro
de terra registrado em meu nome e que a idade me encontrará sem
novidades. Que serei para ti o mesmo vagabundo de sempre, marchando
meu passo ao vento e espiando tua velocidade infame em direção ao mais
cruel dos patíbulos.
Dormirei na umidade noturna e me aquecerei ao sol das alamedas
com um surrado poema de Hansun decorado. . . Só, só como sempre, mas
com meu MANIFESTO sob o braço. Não morrerei sem antes mostrar-te a ti
mesmo, sem denunciar-te ao mundo, sem antes fazer com que cores essa
face que tanto tempo permaneceu como um bloco de gelo. Quero enfiar-te
na cara uma retrospectiva de teus crimes e terás que olhar para as árvores
destruídas, para os rios envenenados, para os campos infecundos, para a
juventude imbecilizada e para a servidão popular. . . e terás que bater no
peito e assumir tua culpa. Terás que assumir teus crimes, advogadozinho
extorquidor de bens e defensor de canalhas. Terás que bater nesse peito
fatigado e assumir a responsabilidade perante milhares e milhares de
crianças que usaste para criar “armadilhas-judiciais” contra ou a favor dos
cônjugues e por ter, juntamente com as mães paranóicas e covardes,
proibido o contato paterno com seus filhos.
E o mais louco de tudo isso é que contra ti nada pode ser feito,
absolutamente nada, uma vez que tens a igreja, a justiça, a ralé e a
burguesia inteira a teu favor e que tuas máscaras dominicais são: a
TEOSOFIA, o CRISTIANISMO, o JUDAÍSMO, o BUDISMO, a POLÍTICA, o
FUTEBOL e os CABARÉS. . .
Te olho curiosamente nos olhos e meus pensamentos se perdem ao
longe por uns instantes e quando retornam, trazem na língua uma maldição
de Platão: “Se a vingança não te alcançar na terra ela te alcançará no
inferno ou em outro lugar ainda mais terrível”. Pagarás por todos teus
caminhos duvidosos e terás que perambular pelos barrancos das estradas
e só repousar na solidão do deserto, o rosto apoiado entre as mãos e um
cáctus atravessado na garganta. Terás que despertar e perceber o tempo
infame que investiste no processo sádico e mórbido imposto sobre a vida e
sobre toda manifestação VITAL.
O aniquilamento de teu caráter começou há muito tempo, no
momento em que nascias num hospital clerical, cercado por robôs de
branco, ansiosos e preocupados acima de tudo, com o preço do parto.
Foste aprendendo a mentir desde cedo, aprendeste a simular e a servir sob
pena de castigo. Depois de adulto, acreditas piamente em tuas próprias
dissimulações e mentiras e não há quem te possa arrancar desse
atoleiro. . . nem através da lógica nem através do chicote.
Como intelectual, sempre oscilaste de um extremo a outro como o
velho Mussolini. MARXISMO ou FASCISMO; IDEALISMO ou
MATERIALISMO; DETERMINISMO ou DIALÉTICA; SENSUALISMO ou
INTELECTUALISMO; ATEÍSMO ou MISTICISMO; DEUS ou DIABO;
PROMISCUIDADE ou ASCETISMO; VIDA ou MORTE! Sem nunca
entender que todo esse maniqueísmo não passa de uma visão idiota da
vida. Sofismas, mentiras e covardias escritas em uma mesa de hotel ou em
uma sala de castelo. Retórica melancólica para confundir os espíritos
decadentes e para injetar o VÍRUS do medo nas veias das civilizações.
Passaste toda tua adolescência “optando” por uma profissão, lutando
para descobrir em qual bando te sairias melhor: um veterinário, um
professor, um padre, um arquiteto, um rabino, um proxeneta. . . mesmo
quando em teu íntimo cantava solenemente a voz de um cigano nômade e
vagabundo. Preferiste ouvir a voz FUTURISTA da sociedade e hoje tens
uma rede de hotéis, uma rede de escolas ou de supermercados,
engordaste como um porco e suas na bunda como um macaco australiano.
Oras todas as manhãs para teu DEUS que, longe de ser o DEUS dos
primitivos, está simbolizado pelas AÇÕES DA BOLSA DE VALORES.
Caíste na armadilha social e disseminas essa bactéria sobre teus filhos,
sem o mínimo remorso. Lembras das palavras do Duce: CREDERE,
OBBEDIRE, COMBATTERE? O fascismo parece ter deixado de ser um
movimento social e ter-se transformado num fato celular-biológico que está
em teu sêmen e em tua saliva.
Que comédia ridícula tua existência! Todos teus gestos são fecundos
em dores! Todas tuas reivindicações levam a marca de tua escravidão e,
enquanto trabalhas obsessivamente para acumular riquezas, permites
abertamente o aniquilamento de tua sexualidade, e a subserviência a
patrões enfurecidos e ávidos pela mais-valia. . .
És obrigado a mentir, a usar roupas de palhaço e a dar o rabo em
nome da comunidade. Enquanto isso, um vagabundo se deleita ao sol
grego, longe de tuas garras vampirescas. Enquanto isso, alguém caminha
sem rumo pelas estradas de Marrocos, brincando e cantando com os
mendigos sob o olhar melancólico das cabras, essas ruminadoras de
cascalho que tanto lembram tua coreografia e tua “gestalt”. Enquanto pagas
a oitava prestação de teu túmulo no cemitério mais luxuoso do Estado,
centenas de combatentes palestinos apodrecem na superfície da areia.
Enquanto contratas detetives para vigiar e controlar a intimidade de tua
mulher, alguém que não pensa como tu a enlouquece de amor e desperta
com o cantar dos pássaros ou com o apito de um barco pirata que invade
as águas do caribe.
Flores, cogumelos, carneiros, casas brancas como a neve, uma
mulher do mundo, o púbis em caracol de uma adolescente e alguns dólares
amarrados numa bolsinha de couro. Talvez aí, e unicamente aí, esteja a
vida. . . a razão primeira de nossa existência. Mas antes disso, terás que
lutar e romper a barreira do tempo, essa muralha exquizofrênica que te
separou de ti mesmo.
Um dia, enquanto a neve caía silenciosamente, alguém bateu à tua
porta para pedir-te um prato de comida ou um trago de café e tu apareceste
por detrás dos vidros da janela para gesticular negativamente, com essa
cara de “cidadão respeitável” e com esse teu gesto de cristão eunuco.
Depois, em outra oportunidade, estavas no Porto de Alcântara matando
gaivotas por prazer e tentando me impedir de embarcar no Giulio Cesare.
No Alentejo, dormi com tuas mulheres enquanto tu estavas em São
Francisco rastejando aos pés de quatro ou cinco sionistas e sonhando que
um dia voltarias para teu “querido Portugal”, curado da impotência e com os
bolsos recheados de dólares. Trocaste tua mulher e teus filhos por uma
promessa sustentada no vil metal, sem saber quando conseguirás
levantar-te deste abismo. E tua mulher também quer saber quando deixarás
de pensar como o psicótico Jó, que gritava de mãos postas: MESMO QUE
ME MATES, EM TI ESPERAREI! Quando, enfim, saltarás pela janela dessa
prisão onde vives e entenderás que és imortal e eterno desde o momento
em que te decidires a obedecer a lei da razão? ( * )
(*) “. . . descobri por mim que a velha humanidade, a antiga animalidade, a noite dos tempos em sua totalidade e o
passado de qualquer ser sensível continuam a escrever em mim, a amar, odiar e concluir. . . desperto subitamente
em meio a este sonho, mas acordo somente com a consciência de ter sonhado e de dever continuar a sonhar para
não perecer: como deves fazer o sonâmbulo para não cair. O que é a aparência, agora, para mim? Certamente não
será o contrário de um ser. . . que saberia eu dizer de qualquer que não fosse, que não seja os atributos de sua
aparência? Aparência para mim é a própria vida e ação, a vida que troça suficientemente de si para mostrar-me que
nela há apenas aparência, fogo-fátuo, dança dos elfos e nada mais; que em meio a tantos sonhadores também eu
que “conheço” danço no mesmo passo que os demais; que o “conhecedor” é um meio do qual se serve para
prolongar a dança terrestre, que ele faz parte, ao mesmo tempo dos córregos da existência e que o sublime espírito
da seqüência, sublime coordenação de todos os conhecimentos, é talvez o meio supremo que lhe permitirá manter
a generalidade do devaneio, o entendimento de todos esses sonhadores e destarte a duração do sonho”.
(NIETZSCHE)
Te calas, não por sabedoria, mas por pânico e sei que esquecerás
tudo o que leste neste MANIFESTO, cinco minutos depois de havê-lo lido.
Basta um trago de cachaça, uma oração ou um miligrama de heroína para
que tudo seja relegado ao “esquecimento”, ou não é verdade? E isso não
significaria nada, se o silêncio e a timidez não fossem duas armas potentes
da contrarevolução. A vergonha, a modéstia, a humildade, etc., todas estas
enfermidades do caráter, são e promovem sutilmente os espíritos
contrarevolucionários. Talvez seja pela certeza de tua amnésia que
pretendo dedicar grande parte de minha vida à tarefa de conhecer-te,
confundir-me com tuas castas, comer teus manjares totêmicos, escutar-te
nas comemorações e nos funerais, sentir tua respiração, teus desejos e tua
megalomania.
Escreves ficção e passas de uma primavera a outra inventando
contos, anedotas ou novelas policiais que serão consumidas por uma
burguesia estúpida que dispõe de tempo, dinheiro e que não sabe dormir
sem essa espécie de VALLIUN. Mesmo pensando ser um intelectual, um
erudito ou uma antena cultural, não passas de um assalariado que escreve
para fazer rir ou chorar àqueles que não possuem nada dentro de si. Não
sei se na essência, populacho, te diferencias das putas noturnas, apesar de
ter certeza de que o mal que causas ao mundo é, às vezes, muito maior.
“. . . O que é uma prostituta? A mesma coisa que uma operária, que uma
caixa do banco, que uma funcionária do correio, apenas com a seguinte
nuança: ela ganha a vida muito mais facilmente e seu cinismo radical a
impede de acreditar na divindade do genital. O psiquiatra gostaria que ela
fosse ninfômana ou psicopata; o Tartufo gostaria que ela tivesse isso na
pele; a irmã caridosa desejaria preencher a carência afetiva que a jogou na
degradação; o maoísta, afim de curá-la, a mandaria trabalhar no campo; e o
trotskista a mandaria para a fábrica; quando na verdade sua única doença é
o ATEÍSMO: ela perdeu a fé no GENITAL”. (B. F)
Em teus escritos, procuras, sutilmente, fazer-te passar por gênio e,
por incrível que pareça, a multidão adormecida cai em tua armadilha. A
multidão neurótica segue chorando diante do holocausto, gargalhando
diante do Chaplin e mijando nas calças diante do Inferno de Dante. Ah,
essa classe média é algo tão surrealista que não consegue dar nem mesmo
um peido com naturalidade! Comerciantes, advogados, médicos,
empresários, religiosos, ladrões, burocratas, contrabandistas. . . eis aí a
classe mais crivada de tormentos, de farsas e de bobagens. Robespierre,
Hitler, Mussolini, Franco, Salazar, Trujillo, Pilatos, Heródes, Somoza,
Fulgêncio, a Inquisição. . . todos eram no íntimo, filhos e articuladores desta
classe de víboras sem identidade, todos estavam furiosos pela certeza de
que NÃO ERAM NADA, absolutamente nada!
É interessante seguir teus passos, intelectualzinho de meia tigela,
que nem sequer foi molestado pela ditadura. Talvez um dia se descubra
que todo intelectual que é tolerado por um regime autoritário é,
indiscutivelmente reacionário, demagogo e hipócrita.
Te vejo saindo de casa pela manhã. Vestes uma jaqueta francesa,
deixaste crescer a barba, levas um livro de Rosa Luxemburgo sob o braço e
te observas nos espelhos das vitrines como uma profissional do Moulin
Rouge. Estás convicto que a verdade te pertence, que ocuparás uma vaga
na Academia de Letras e que a grande maioria desta sociedade analfabeta
tirará o chapéu diante de tua sapiência. Teu delírio não é assim tão
“delirante” e só quem conhece as raízes de tua história, da história do
populacho, é que poderá entender a etiologia desse processo.
Quando convivo contigo além de quatro ou cinco dias não posso
deixar de entender e acreditar no Breviário de Cioran que diz: “. . . existe
mais suavidade no vício que na virtude, mais humanidade na depravação
que no rigor. Um homem que reina e que não crê em nada, eis aqui o
modelo de um paraíso de decadência, de uma soberana solução da
história. Os oportunistas, até hoje, foram quem salvaram os povos; os
heróis os arruinaram. É necessário sentir-se contemporâneo, não da
revolução de Bonaparte, mas, sim, de FOUCHÉ e de TALLEYRAND (. . .)”.
E são poucas as esperanças de que venhas a afastar-te, um dia,
dessa cloaca de SOCIEDADES herméticas, de EMPRESAS ANÔNIMAS,
de RELIGIÕES ESQUIZÓIDES e de SERVIÇOS SECRETOS a que, com
total dedicação, pelos anos afora, vens servindo. São poucas as
esperanças de que, no futuro, venhas a transcender o papel ridículo de
macho doméstico ou de EJACULADOR PRECOCE e, muito menos, que te
afastes de todos os tabus, sob os quais, até hoje, como os canibais
australianos, agonizas e esperneias de horror. Nunca saberás viver sem a
sombra de teu chefe, sem o punho de teu agiota, sem uma ou duas
relações sadomasoquistas por semana. . .
Quando, quando levantarás e apagarás de teu rosto a marca da bota
de teus verdugos? Quando ensinarás teus filhos a questionar a vida, os
dogmas, as mentiras e as farsas que os estados e a educação
contemporânea lhes introjetam nas veias às forças? Quando preferirás uma
criança rebelde, crítica, criativa e autônoma em lugar dessas pobres
criaturas domesticadas, massificadas e servis que povoam tuas escolas?
Quando entenderás que o que te diferencia dos NOBRES e dos RICOS é
apenas a quantia de dinheiro que NÃO POSSUES, e que o que te
diferencia dos miseráveis, mendigos e marginalizados é apenas a farsa que
sustentas? Ah, teu silêncio e teu sorriso estóico são uma afronta à vida. . .
simbolizas a mais abjeta das vergonhas que o mundo já conheceu!
Como dizia, às vezes chego a pensar que teu caso é orgânico, mas
logo depois, percebo que o que te falta é discernimento, vontade, sabedoria
e vergonha e que, indiscutivelmente, representas o HOMEM ACABADO
deste mundo. Uma sombra inútil e petrificada num mundo cheio de
encantamentos! De paixões irreverentes! De altos picos para escalar! És
exatamente como aquele Conde que, trancado em sua mansão de inverno,
só não se pendura numa corda, porque espera ansioso pelo seu contador.
Tua gaveta está cheia de barbitúricos, estupefacientes, soníferos e
narcóticos e teu intestino não funciona desde tua última noitada. Se me
permites, sem que os abutres da medicina saibam, vou revelar-te um
segredo. TODOS OS GRANDES ASSASSINOS DA HISTÓRIA SOFRIAM
DE PRISÃO DE VENTRE. Pobre ratazana! Pobre barrigudo que tens uma
rede de apartamentos alugados e que sugas o sangue de trabalhadores
vigorosos. . . és como dizia minha companheira, podre por dentro.
E de nada adianta levantar tua voz no SENADO ou no
PARLAMENTO, no SINDICATO ou na SINAGOGA, na ACADEMIA DE
LETRAS ou no ENCONTRO INTERNACIONAL DOS JOVENS ESPÍRITAS,
para acusar-me de generalizar, de exagerar, descarregar minhas
“frustrações” sobre o mundo, ser niilista, não ter nenhuma utilidade para o
progresso humano, mijar sobre os tabus e dogmas morais, proclamar a
libertinagem e o nomadismo, ser apolítico, ateu, individualista, egoísta,
rebelde, comunista, anarquista ou, até, para espanto nacional, um
psicanalista.
De nada adiantará essa tua atitude, pois já te vi diversas vezes no
mesmo palco, com esse teu discurso mórbido, fanático e demagogo, e não
convences ninguém, além de alguns velhotes ridículos como tu e de uma
massa de beatas histéricas que, sempre e sempre, fortaleceram as
DITADURAS e os IMPÉRIOS. . .
Agora, uma coisa é certa: com todo esse arsenal de imbecilidades e
de “normalismos”, chegaste a dominar o mundo. Parabéns, populacho!
O mundo te pertence, com tudo que nele nasce e se desenvolve, desde
uma bactéria invisível no fundo de uma ferida, até a mais sensual das
índias do norte. Soubeste semear enquanto o tempo estava a teu favor e
agora colhes o fruto de tuas sementes e tens o direito de distorcer a vida e
os rumos dos povos. PARABÉNS, líder carismático ou acionista de bens
que foram engendrados com o braço e com a escravidão de milhares e
milhares de anônimos! PARABÉNS, por sustentar-te intocável neste teatro
de quarta categoria e por dar continuidade ao último ato dessa mentira
miserável que é A SOCIEDADE MERCANTILISTA. . .
Ora, populacho, o ser humano está completamente alienado, frágil e
estupidificado, ninguém tem dúvida disso; mas não a ponto de ignorar tuas
trapaças por detrás dos bastidores.
Vou à janela para assistir a teu trote nas ruas e para confirmar que
realmente és como te descrevo, e as nuvens correm atônitas no espaço.
Existem ruídos dispersos em uma construção e paisagens desoladas a teu
redor. Um martelo vigoroso cumpre sua função na muralha da frente, um ou
dois automóveis rodopiam no final de uma ruela e, de uma escola, escapam
gritos e canções de crianças apátridas. CRIANÇAS! Aí se encontra a
energia mais saudável deste mundo e só dela deveríamos esperar uma real
transmutação de valores. Corro os olhos em direção ao norte, por sobre os
galhos secos da vegetação longínqua, e os meus pensamentos brincam por
entre os andaimes da história. Em meio a esta vegetação desértica, tu
constróis teus campos de tortura e enterras tuas vítimas no silêncio da
noite. . . como um abutre.
Ah, companheiro, sei o que vais dizer-me quando te encontro,
quando aperto tuas mãos duras de escravo, teus dedos calejados de
assassino ou tuas extremidades frias de depressivo. Conheço teu programa
diário, semanal, anual e de toda sua vida: PASSAR O TEMPO. O tempo,
esse monstro que insiste em tornar-te suportável. Tua essência foi perdida
ainda antes dos cinco anos e, em seu lugar, instalaram-se as “sabedorias”
dos professores, as obsessões religiosas, a repressão sexual, a compulsão
pelo dinheiro e o repúdio à ti mesmo. Claro que não tens consciência de
nada disso, pois teu servilismo, tuas origens e tuas crenças foram-te
cegando e fechando tuas portas perceptivas. Fazes plástica no rosto,
reformas teu guarda roupa e te submetes a situações vexatórias; mas
sempre certo de que jamais lutarás para deixar de ser populacho. A vida
para ti resume-se em EXISTIR, mas já te deste conta de que as pedras e
os cavalos também existem? E que existe uma monumental diferença entre
EXISTIR e VIVER?
Te percebo de longe e mudas de calçada quando me enxergas,
porque sabes o que penso de ti e de teus cupinchas. Um dia te falaram de
Erasmo, de Cioran e de Nietzsche. Participaram-te grande parte dos
segredos que as fronteiras escondem, do mecanismo psíquico que
movimenta e dirige as massas, da importância da autonomia e da
sexualidade criadora. . . E tu olhavas em pânico para quem te falava, os
olhos injetados de sangue e os dedos trêmulos. Um dia te relataram sobre
os desertos marroquinos, da praça DJEMA EF FNA onde dezenas de
crianças dormem amontoadas e famintas. . . e tu te mantiveste indiferente,
porque teus filhinhos dormem em berços seguros e confortáveis. Porque
nunca foste enfrentar uma metralhadora no SAARA – nada disso te
interessa. Ah, populacho! Neste dia as lágrimas brotaram em meus olhos e
tu acotovelaste teus amigos com ironia, porque para ti, rir, chorar e gozar
são símbolos de debilidade. Para ti, que não te diferencias de um iceberg, o
homem deve ser frio, duro e inflexível para poder, sempre que possível,
gritar, maltratar e explodir granadas no pátio das escolas ou nos pés de
CULTURAS indefesas.
Patife assassino! Talvez eu ainda venha a amar-te um dia, mesmo
depois de ter assistido tua violência nas ruas de Barcelona, na fronteira da
Argélia e em vários outros cantos do mundo. Mesmo depois de viver vinte
anos sob teu terror sistemático e ter presenciado a barbárie de teus
massacres. Vestido com casemira inglesa ou esfarrapado na porta de um
mercado, arrogante ou servil, príncipe ou pária. . . impossível confundir-te.
Levas a marca da enfermidade neste olhar rápido e esquivo!
Entras como Homero pelas portas abertas da sociedade e não
descobres nunca que és um ZERO à esquerda e que não saberias
responder a alguém que te perguntasse: que significas TU, teu ESTADO,
teu PAÍS, tua PÁTRIA e teu CONTINENTE? DE que serve teu patriotismo
ridículo, teu nacionalismo e teu chauvinismo fanático? Vamos, levanta esse
perfil de cachorro treinado e contempla esta noite de outono! Olha o
movimento lento das estrelas e revoluciona esse teu coração desgastado
que, até agora, só vivenciou o desencanto da vida.
Vais caminhando assim pela existência, inventando paixões,
aventuras, façanhas e mentiras, para, de alguma maneira, sobreviver. E a
velhice te encontra paranóico, doente e insuportável, porém cheio de
riquezas, fortuna e escravos. Teus filhos ocupam posições “políticas” no
ESTADO, tua filha é, enfim, uma pianista, o primogênito escolheu o celibato
e o mais novo graduou-se na escola de medicina. . . tudo como havias
previsto!
Chega por fim o dia de tua agonia e estás em coma numa cama de
prata, cercado por teus familiares e por teus credores; uma cruz na mão
direita e um testamento na esquerda. Em tua cabeceira são inaugurados
candelabros orientais e expostas algumas fotos de tua juventude. Os
abutres são, nada mais nada menos, que teus filhos, teus escravos,
confessores e tuas amantes que te repartem aos grunhidos.
(*) “teste baseado no conteúdo do livro De la huelga salvaje a le autogestión generalizada. Ediciones Acción Directa,
RATGEB
c). O tempo de trabalho “forçado” é uma mercadoria. Em qualquer
parte onde exista mercadoria, existe trabalho forçado e quase todas as
atividades, pouco a pouco, vão se aliando a ele: produzimos, consumimos,
comemos e dormimos para um patrão, para um chefe, para o ESTADO,
para o sistema da mercadoria generalizada.
d). Trabalhar mais é viver menos, etc., e já lutas, conscientemente
ou não, por uma sociedade que assegure a cada um o direito de dispor por
si mesmo do tempo e do espaço, de construir sua própria vida, como a
desejar.
Eu, que assino como Alberto Krishna, digitei e revisei este livro. A versão
original do livro, que foi publicado pela Lilith Editora & Cia, como se pode ler
no Prefácio, não possuía direitos autorais: era grátis. Essa versão, é claro,
é grátis também. Ou seja: você pode copiar a vontade o texto, extrair
pedaços deles imprimir e levar para onde você quiser ou presentear alguém
com esse texto... tanto faz. Mas... sendo grátis, a partir do momento em que
você resolve vender esse livro ou, de alguma forma, usá-lo para ganhar
dinheiro, poderei dizer com certeza de que você é um grande FILHO DA
PUTA, a personificação do Populacho descrito nesta obra. Este livro é para
todos, e não para os que podem pagar. Se você pagou para tê-lo, você foi
ROUBADO, exija seus direitos, reclame com o babaca que te vendeu, dê-
lhe umas boas pancadas para que ele aprenda, tanto faz. Só espero que
muitos se beneficiem da sabedoria contida neste livro e que espalhem
como puderem essa leitura, pois, como disse, é para todos. Este é um
manifesto a todos, é um manifesto à humanidade. Então, boa leitura e boa
reflexão.
Alberto Krishna