Revista PARQUES E VIDA SELVAGEM N.º 26, Inverno de 2008-2009
Revista PARQUES E VIDA SELVAGEM N.º 26, Inverno de 2008-2009
Revista PARQUES E VIDA SELVAGEM N.º 26, Inverno de 2008-2009
Inverno/Winter
Esta Revista faz parte integrante da edio do Jornal de Notcias e no pode ser vendida separadamente
Actualidade PARABNS, DARWIN! Reportagem ESTURIO DOS RIOS MINHO E COURA Entrevista A GUERRA DAS GAIVOTAS
SUMRIO 3
Jorge Casais
FICHA TCNICA Revista Parques e vida selvagem. Director Nuno Gomes Oliveira. Editor Parque Biolgico de Gaia. Coordenador da Redaco Jorge Gomes. Fotografias Arquivo Fotogrfico do Parque Biolgico de Gaia, E. M. Design Rita Coelho Propriedade Parque Biolgico de Gaia, E. M. Pessoa colectiva 504888773. Tiragem 120.000 exemplares. ISSN 1645-2607. N. Registo no I.C.S. 123937. Dep. Legal 170787/01. Administrao e redaco Parque Biolgico de Gaia, E. M. - Av. Vasco da Gama, 5413 4440-000 Vila Nova de Gaia Portugal Telefone: 227878120. E-mail: [email protected] - Pgina na internet: http://www.parquebiologico.pt Conselho de Administrao Nuno Gomes Oliveira, Nelson Cardoso, Jos Urbano Soares. Impresso Lisgrfica - Impresso e Artes Grficas, Rua Consiglieri Pedroso, 90 - Casal de Santa Leopoldina - 2730 Barcarena, Portugal. Capa: DOWN HOUSE, Downe, Kent. Retrato de Charles Darwin cerca de 1880.
SECES
8 Ver e falar 9 Portfolio 13 Fotonotcias 17 Contra-relgio 18 Dunas 22 Espaos verdes 36 Reportagem: Museu Zoolgico de Coimbra 42 Reportagem: Tartarugas de So Tom 52 Quinteiro 59 Biblioteca 60 Colectivismo 63 Crnica
Os contedos editoriais da revista PARQUES E VIDA SELVAGEM so produzidos pelo Parque Biolgico de Gaia, sendo contudo as opinies nela publicadas da responsabilidade de quem as assina.
4 EDITORIAL
Mais um passo
Com este nmero da Parques e Vida Selvagem d-se mais um importante passo: o aumento do nmero de pginas da revista, de modo a poder publicar mais artigos e informaes, correspondendo s expectativas criadas e aos muitos incentivos que nos chegam
Queremos, com esta publicao peridica, fomentar o interesse pela natureza, recuperando o sempre actual conceito de histria natural e ajudando a criar naturalistas amadores que, outrora, to abundantes foram em Portugal, e muito contriburam para o avano das cincias naturais, pela colaborao prestada aos cientistas. Mas tambm queremos que a opinio pblica perceba que Portugal rico em paisagens, em fauna e em flora, valores que importa defender cada vez mais pois so o suporte de actividades econmicas, tursticas e de lazer. No caso de Vila Nova de Gaia, queremos demonstrar que, embora seja um concelho maioritariamente urbano, temos constantes e crescentes manifestaes de uma rica biodiversidade. Desde que a ateno est mais voltada para o Esturio do Douro, na sequncia da sua classificao como reserva natural local, as observaes inesperadas no param: Colhereiro, espcies pouco comuns de Limcolas, Patobranco (Tadorna), Perna-vermelha, Falcoperegrino so algumas das muitas espcies observadas nas ltimas semanas. Com o trabalho de gesto do habitat que ali se vai desenvolver logo que termine o processo de classificao da rea e nos sejam atribudos fundos comunitrios para o efeito, a variedade e quantidade de aves neste espao natural vai, seguramente, aumentar. E, por falar em aves aquticas, vem a propsito reflectir sobre as recentes notcias vindas a pblico sobre o excessivo nmero de gaivotas na regio do Porto, e as medidas para as controlar, pois estaro a causar problemas. De facto, algumas espcies de gaivotas (h variadssimas espcies) aumentaram muito na regio, nas duas ltimas dcadas e comearam, mesmo, a nidificar nos telhados de Gaia e do Porto. Podemos dizer que as Gaivotas, habitualmente associadas ao meio aqutico, particularmente marinho, se urbanizaram. De quantidades modestas, nos anos 60 (a ponto de a lei da caa de Agosto de 1967 ter proibido a sua captura) passamos, hoje, a uma populao enorme; a que se deve isto? Deve-se, muito simplesmente, ao lixo, e alterao de hbitos comportamentais das gaivotas (de algumas espcies, insisto) que aprenderam a tirar partido das lixeiras municipais e das montureiras que, at h poucos anos atrs, eram vulgares entre ns. Deve-se, igualmente, ao facto das gaivotas, em meio urbano, no terem praticamente nenhum predador que, de forma natural, controle o seu nmero; um ou outro Falcoperegrino que visita o Esturio do Douro pode alimentar-se de gaivotas, mas raro. Actualmente, apesar de praticamente erradicadas as lixeiras, criou-se o mau hbito de colocar restos de comida para gatos, pombas e gaivotas em muitos pontos das nossas cidades. Embora feito com boa inteno, isto um pssimo servio prestado fauna. Graas a esses restos de comida e mais recentemente ao novo comportamento das gaivotas, que j perseguem e se alimentam de pombos, o seu nmero subiu imenso e, de facto, comeam a causar problemas de higiene pblica e, por exemplo, de obstruo de caleiras com os seus ninhos e dejectos. A soluo muito simples: deixemos de colocar restos de alimentos para os animais, e as suas populaes naturalmente diminuem, e a natureza e as cidades agradecem. O excesso de gatos vadios responsvel pela destruio de um nmero incontvel de pssaros e outros pequenos animais e as pombas das cidades so portadoras de doenas que podem transmitir s aves selvagens. Estas e muitas outras coisas nos ensinou, tambm, Charles Darwin, nascido h 200 anos, autor do clebre livro A origem das espcies, publicado h 150 anos, e que
o Parque Biolgico de Gaia homenageia com uma exposio que estar patente durante um ano, com inaugurao marcada para 12 de Fevereiro. O essencial da mensagem de Darwin todos os seres vivos se vo modificando um pouco, de gerao em gerao, num processo de melhor adaptao ao ambiente de uma actualidade absoluta, num mundo em profunda mudana ambiental, devido destruio dos habitats, ao aquecimento global, concentrao urbana, s novas formas de poluio e crescente dependncia alimentar de uma reduzida panplia de recursos. Espcies aparecem, e a maior ritmo desaparecem, ganham novos comportamentos e novas formas, adaptam-se a novos habitats. Darwin teve a clarividncia de encontrar, no terreno, as provas da evoluo, e a lucidez de construir uma teoria que, ento, abalou o mundo; a gentica moderna confirmou as suas teses. Hoje sabemos prever o que pode acontecer ao homem se prosseguir nesta saga de alterao profunda do Planeta; e sabemos que o que acontecer, acontecer ao homem, porque o Planeta sobreviver nossa espcie. Sendo o tributo a Darwin uma das actividades importantes do Parque Biolgico para 2009, no a nica. A exposio
permanente do Parque, num espao novo, est a ser remodelada e em breve estar pronta. Uma nova exposio sobre as Razes da Histria Natural em Portugal abrir mais para o fim do Inverno e, no fim da Primavera, teremos pronto o novo Biorama, um conjunto de mais de 2000 m 2 de pavilhes, feitos da raiz, com recriaes de alguns biomas terrestres, da savana floresta tropical, do deserto a um ambiente pr-histrico. Pela primeira vez usaremos, nestas exposies, uma combinao de plantas e animais vivos e rplicas de animais produzidas na Filipinas e que, neste momento, viajam por mar a caminho do Parque Biolgico. Falando de animais, importa saudar a RTP/Porto e o seu novo programa Vida animal, da responsabilidade do jornalista Lus Henrique Pereira, com o apoio do Parque Biolgico, e que recentemente passou nas televises. H muito que se notava a falta, na programao televisiva, de um espao dedicado natureza, mas feito em Portugal. Esta srie foi uma boa nova para todos os que se interessam pela natureza e, esperamos, continue e se institucionalize. evidente que temos excelentes documentrios estrangeiros com destaque para os filmes de altssima qualidade da
BBC. Mas tambm verdade que algumas produtoras que nos habituaram qualidade, como o caso da National Geographic, se esto a deixar arrastar por algum sensacionalismo fcil; sucedem-se os filmes com tubares, com os animais de mordedura mais potente, ou os casos de ataques por ursos ou tigres. Que saudades Flix Rodriguez de La Fuente! Mas 2009 , tambm, o Ano Internacional das Fibras Naturais, uma boa ocasio para nos recordarmos da nossa dependncia desse recurso que usamos para quase tudo, a comear pelo nosso vesturio, desde a mais longnqua Antiguidade. O Parque Biolgico, em colaborao com o CITEVE (Centro Tecnolgico das Indstrias do Txtil e do Vesturio de Portugal), est a preparar uma pequena exposio e uma srie de iniciativas sobre o tema, como a publicao de um manual do cultivo e confeco do linho, em colaborao com a Associao de Estudo e Defesa do Patrimnio Histricocultural de Castelo de Paiva. Muitas outras iniciativas esto previstas para o ano em curso e, de entre elas, queremos destacar a atraco de novos visitantes, nomeadamente estrangeiros e, de entre estes, especialmente os que fazem turismo em auto-caravana. Para isso, estamos a construir um parque para autocaravanas e j anunciamos esta iniciativa
Joo L. Teixeira
6 EDITORIAL
no nmero de Janeiro da revista inglesa Birds (da Royal Society for the Protection of Birds), um dos mais populares peridicos sobre ornitologia, com mais de um milho de exemplares de tiragem. De imediato recebemos pedidos de informao, pelo
que acreditamos que a iniciativa vai ter sucesso. A Campanha de Sequestro do Carbono continua a bom ritmo e, em 2009, iniciaremos a compra de terrenos e a plantao de nova floresta, estando previsto
o acto simblico de plantao da 1. rvore para 22 de Maio, Dia da Biodiversidade. 2009 ser, pois, um ano cheio de actividades no Parque Biolgico da Gaia, actividades que promovemos exclusivamente a pensar em si.
Contactar:
Jorge Casais
OPINIO 7
Por Lus Filipe Menezes Presidente da Cmara Municipal de Vila Nova de Gaia
Joo L. Teixeira
8 VER E FALAR
preocupaes vo no sentido da conservao da natureza no seu todo, e no dos animais isolados. Embora tenhamos todo o respeito para cada ser vivo, preocupa-nos, de facto, a conservao das espcies, integradas no seu habitat natural. Uma Toutinegra, por exemplo, muito importante; mas o que verdadeiramente importante conservar uma populao de Toutinegras, que se reproduzam e assegurem a continuidade da espcie. Para isso, necessrio conservar o seu habitat natural (matos, no caso das Toutinegras), que lhes fornece alimentao, abrigo e local para fazerem ninho. Por isso penso que mais adequado do que adoptarem um animal, seria adoptarem uma espcie, por exemplo uma espcie portuguesa ameaada, e estudarem tudo sobre essa espcie; na internet podem obter imensa informao. E porque no escolher uma espcie que exista no estado de liberdade natural, em Canedo? (...). Francisco Goulo, surdo e professor de s u rd o s , i n f o r m a s o b re a h i s t r i a animada/desenhada "Descobrir Portugal" em lngua gestual portuguesa. A obra completa pode ser visitada em http://profsurdogoulao9.no.sapo.pt. Ao passar por Vila Nova de Gaia, o Parque Biolgico de Gaia alcana uma distino. Por isso, em jeito de cartoon, no deixe de visitar este trabalho para crianas surdas, criada, escrita, ilustrada, desenhada e realizada por este professor.
http://profsurdogoulao9.no.sapo.pt
Errata A perfeio incompatvel com a eficcia? A pergunta prende-se com o lapso que saiu na pgina 22 da anterior edio. No ajuste de um milmetro, depois da reviso e das emendas, um tnue movimento de acerto e a caixa de texto, na paginao electrnica, recua. A ltima linha desaparece sem deixar rasto, at que, com o papel impresso, preto no branco, a sua ausncia grita aos ouvidos do editor em pleno fimde-semana. Na prova final de reviso l-se: (...) Em jeito de balano, o que sabemos agora que no sabamos h um ano? Jos Manuel Grosso-Silva Temos um inventrio com quase 400 espcies, que inclui aranhas e insectos de nove grupos, o que um avano significativo e ultrapassa j os catlogos de invertebrados de diversas reas protegidas portuguesas. Conhecemos a presena de mais uma espcie protegida, de seis espcies exticas e diversas espcies raras ou interessantes a nvel nacional. Alm disso, ampliamos a distribuio conhecida de muitas espcies no pas. um balano muito positivo, pois deu-se incio a uma nova etapa do conhecimento do patrimnio natural do Parque Biolgico de Gaia.
VER E FALAR 9
Vm a as monarca
Na Madeira, a mariposa conhecida como monarca tornou-se habitual. Nem sempre foi assim. Ter vindo sobre o oceano dos EUA e do Mxico, onde realiza migraes fantsticas? Ou deslocou-se boleia numa planta importada? A pesquisa ainda est por fazer. Certo que no sculo passado surgiram os primeiros registos, conforme Santos Pereira, madeirense, nos diz na primeira pessoa. parte o testemunho que fica em baixo, hoje esta espcie de insecto observa-se nas pocas quentes do ano sobretudo nalguns stios do Sul do pas. Fora isso, quem sabe, segundo algumas observaes, estar a ver-se j no Norte, embora esporadicamente. o aquecimento global...
em qualquer stio sem o conseguir, devido ao malfadado espeto!... Finalmente consegui apanh-la e guard-la num frasco de compota de boca larga. Como no tinha conhecimentos de como conservar borboletas, falei com o meu pai que me indicou que fosse a casa do seu colega e amigo tenente-coronel Alberto Artur Sarmento, que nessa data j se encontrava reformado, sado pouco de casa, devido ao seu estado de sade. L fui at Rua da Carreira... O sr. tenente-coronel, assim que viu o frasco com a borboleta disse: Olha uma Monarca!... So raras aqui na Madeira, mas so habituais no Mxico e Estados Unidos. Vai ao Museu Municipal ter com sr. Maul.
O museu Municipal no Palcio de So Pedro, na Rua das Maravilhas. Procurei o sr. Gunther Edmund Maul, preparador-conservador do museu, que rapidamente me confirmou ser uma borboleta Monarca (Danus plexippus L.) de que j existia um exemplar na coleco do museu. Infelizmente, na madrugada de 10 para 11 de Janeiro de 1947, deflagrou um grande incndio no sto do museu que destruiu parte dos arquivos e artigos que estavam em salas contguas. Nunca fiquei a saber das borboletas, que so vulgares na Madeira e Porto Santo, como se pode ver em algumas fotos em anexo. Texto: Antnio Jorge Santos Pereira Fotos: Lus Pereira e Antnio Pereira (1998)
10 PORTFOLIO
luz da Natureza
Joo L. Teixeira
Pelo sexto ano consecutivo, o concurso nacional de fotografia da natureza do Parque Biolgico de Gaia abriu em 1 de Novembro depois de ter desafiado os fotgrafos portugueses. Graas a isso, abriu o seu salo com meia centena de trabalhos, seleccionados pelo jri entre 800 fotografias, recebidas de 102 autores. A entrega dos prmios decorreu na data mencionada com a afluncia de numeroso pblico. Esta nova galeria de exposio, criada como um outro espao com melhores condies, nas palavras de abertura de Nuno Gomes Oliveira, director do Parque, foi um local privilegiado para o evento.
O jri desta edio do concurso Parques e vida selvagem fez-se presente: Ricardo Fonseca, Nuno Gomes Oliveira e Pereira de Sousa. Este concurso ficou marcado na sua edio de 2008 pela distino de trs trabalhos, sendo atribudo o 1. Prmio mil euros a Guarda-rios, de Rui Farinha, o 2. Prmio 200 euros a Galgando as guas, de Jorge Casais, e o Prmio Jornal de Notcias a Matinal, de Gaspar de Jesus. Este ltimo concorrente, um conhecido reprter-fotogrfico da imprensa de grande tiragem, salientou o salto qualitativo desde a 1. edio, em 2003. Destacou a ateno dos fotgrafos da natureza que se tm empenhado (no fcil) e que permitem ver de perto um patrimnio natural desconhecido de muitos: A maior parte das pessoas nunca viu um guarda-rios. Concluiu a interveno ao afirmar que este concurso honra o Parque e os fotgrafos da natureza. Face inevitvel limitao de espao que impede uma exposio com mais trabalhos, o jri elegeu meia centena de trabalhos. A mostra abriu num novo espao criado para este fim e est aberta das 10h00 s 18h00, encerrando dia 2 de Maro para dar lugar a uma mostra colectiva sobre flora selvagem da regio, na qual poder correr o risco de participar, se enviar as suas melhores fotos at 2 de Fevereiro de 2009 para a Redaco desta revista e elas forem aprovadas. Por mrito dos concorrentes da presente edio do concurso nacional de fotografia da natureza PARQUES E VIDA SELVAGEM, para o ano haver uma nova edio do mesmo, a ser lanada na Primavera de 2009.
PORTFOLIO 11
12 PORTFOLIO
PORTFOLIO 13
14 FOTONOTCIAS
Que frio
Mais verstil que a gua difcil. Tanto corre no ar, vaporizada, como vai entre pedras ou simplesmente se pendura, slida, a desafiar a fluidez dos outros dois estados. Num caso e noutros, parece que a lei da gravidade e o oceano deram as mos numa aliana finria. S o calor os ilude e acumula uma pequena parte, pouco a pouco, na atmosfera. As altas e as baixas presses fazem-se rivais e pem o vento a mexer. Empurrado l vai o vapor para terra. Mais saturada, a nuvem abandona a alvura e toma ar austero, plmbeo. Sem parar em nenhum momento, passa a praia e encontra adiante a serra. Quer trepar, e sobe. ento que arrefece e comea a formar gotculas que se juntam. J vai cair! Em baixo, junto dos mortais, no h dvida, chove. Se isso garantido, incerto o stio em que vai tombar. Na vila? No campo? No bosque? Numa cidade, estatela-se no cimento ou no alcatro. Desce, rpida, por esgotos para ribeiros entubados e vai dar ao mar. Depois disto, quem chamar rpido ao Pepe? Se verte numa regio agrcola, rega campos e a terra engolea, mesmo que seja granizo ou neve. Contribui para que os lenis freticos se refaam. Ao esfacelar-se numa cumeada ardida aps queda livre, lava penedos e arrasta mais terra pelas linhas de gua, impe perda de solo onde este poderia estar a ser criado pelo bosque. Bosque? Disse bosque... mas queria dizer bosque autctone. Bem, dantes era fcil descrever uma dessas mquinas naturais, brilhantes na capacidade de produzirem oxignio, terra frtil, alimentos, diversidade biolgica, depsitos purificadores de gua potvel... Bens a que na nossa cultura no estamos habituados a dar grande valor, mas sem os quais organicamente nenhum ser humano sobreviver.
Guilherme Limas
FOTONOTCIAS 15
16 FOTONOTCIAS
Ou vai ou racha
O frio no meigo. Exige mais alimento s gaivotas. Ao contrrio dos animais que dependem da temperatura externa para estarem mais activos, como os insectos ou os rpteis, estas aves carecem de energia tambm para manterem a temperatura corporal. Por isso a busca de alimento intensa. Uma populao abundante tem de engendrar expedientes sbios para prover ao sustento de cada dia. E de duas uma: ou h conflito, quando os bens alimentares so escassos, ou h interajuda. Aquela parece dizer: comadre, dme a um bico. O peixe at depois de morto escorregadio. Vestidas a rigor mas sem guardanapo e sem dentes, guardam a vantagem de se tornarem mais leves. Obviamente no mastigam, engolem. No cai em saco roto: um outro rgo, a moela, prepara os alimentos para chegarem ao estmago. Se as suas patas amarelas ostentam membranas interdigitais, isso quer dizer que a espcie est adaptada gua. Agora em piso seco, tambm do um jeito, j que a necessidade obriga. Contudo, onde se mexem melhor no no nem em ambiente lquido nem slido: no ar. Viajantes de muitos destinos, so mestres a planar. Quando querem subir em busca de fontes de alimento, encontram colunas de ar quente onde ns, pesados mamferos, nada vemos, e usam-nas com xito para, l de cima, em total segurana, localizarem conforto para o estmago na vastido. maneira de grifos de menor escala, em bando, sabero at interpretar sinais, numa rede espaosa de sinais instintivos que propagam uma eficcia de varrimento do grupo. Dois pares de olhos vem mais do que um, quatro mais do que dois, e por a fora. Imagine 20 ou 30 pares. Cada par uma malha. E malha que descobre uma fonte de alimento arrasta as restantes, aterrando primeiro as mais prximas... Quando a cadeia alimentar descompensa, os desperdcios do ser humano vm a calhar. Mas surgem excepes. Por vezes h cozinheiras fiis ao rigor desta espcie. Como ferrinhos, a uma dada hora do dia invariavelmente saem em plena cidade ao quintal de panela em riste e l vm as comensais, guardadoras do filo, e to certinhas que at ficam todo o ano e criam nos telhados prximos. Com espinhas ou sem elas, ovelha que berra bocado que perde. No caso, gaivota distrada fome porta.
Ana Scarpa
CONTRA-RELGIO 17
18 DUNAS DE GAIA
Henrique N. Alves
Cordo dunar
O cordo dunar gaiense conta cerca de 15 quilmetros e estende-se entre a Foz do rio Douro e Espinho. Pelas caractersticas da misso, o Municpio entregou ao Parque Biolgico de Gaia a tarefa de o recuperar. Esto em curso duas candidaturas aos fundos comunitrios (QREN), entretanto aprovadas. Uma dirige-se instalao de regeneradores, de reabilitao e instalao de passadios, bem como a remoo de plantas infestantes. A outra candidatura vai no sentido da implementao de um estudo da eroso e risco da costa de Vila Nova de Gaia e envolve as universidades do Minho e do Porto. Se previsvel que as obras da primeira candidatura estejam concludas antes da prxima poca balnear, juntamente com uma campanha de sensibilizao para a importncia das dunas, nomeadamente na defesa da costa face aos avanos do mar, os estudos dos tcnicos universitrios desdobrar-se-o durante cerca de dois anos.
Joo L. Teixeira
DUNAS DE GAIA 19
Olhar as aves
Os borrelhos-de-coleira-interrompida so o ex libris das aves que se aproveitam do resguardo proporcionado pelo Parque de Dunas da Aguda. No fim do Inverno, estas aves j no andaro em bandos de dezenas de indivduos e, casal a casal, trataro de dividir as dunas com demarcaes invisveis ao olho humano, que defendem uns dos outros com diversas formas de expresso corporal, na terra e no ar. No sentido de ver borrelhos e gaivotas, rabirruivos e poupas, entre outros, nos domingos 5 de Abril e 3 de Maio, entre as dez e o meio-dia, o Parque Biolgico de Gaia organiza observao de aves neste local.
Fmea de borrelho-de-coleira-interrompida
Joo L. Teixeira
20 DUNAS DE GAIA
Joo L. Teixeira
DUNAS DE GAIA 21
Apesar dos telescpios e dos binculos, h sempre algo a confirmar: sbado, 7 de Fevereiro, entre as 10h00 e as 12h00 h novas observaes no esturio do Douro
Joo L. Teixeira
Joo L. Teixeira
22 ESPAOS VERDES
Ar livre sade
Para alm das diversas reas verdes j existentes em Vila Nova de Gaia, no prximo Outono dever abrir ao pblico o Parque do Vale de So Paio, prximo da Reserva Natural Local do Esturio do Douro. O facto mais importante do que se pensa, quando se tem em conta alguns dos estudos que se vo fazendo por esse mundo fora. A evidncia gigantesca: os espaos verdes aumentam os ndices de sade da populao que os frequenta. A concluso desdobra-se em vrias alneas e resulta da pesquisa realizada por investigadores da Universidade de Glasgow, na Esccia, orientados por Richard Mitchell. Os diversos estudos desenvolvidos garantem que os espaos verdes proporcionam a quem os frequenta reduo da presso sangunea e conseguem at anular alguns processos orgnicos negativos causados pelo stress, diz Mitchell. Entre outras concluses, os investigadores sublinham que as crianas que tiveram pais que lhes criaram o hbito de frequentar zonas verdes tm tendncia para replicar esse comportamento saudvel nos seus prprios filhos, passando-o de gerao em gerao. O orientador deste estudo que se desenrolou entre 2001 e 2005, insiste: As evidncias mostram que as pessoas que tm por hbito participar em actividades que se desenvolvem nestes espaos geralmente so mais saudveis do que as que no o fazem Tendo em vista melhores nveis de sade, seja do ponto de vista corporal seja mental, h que encorajar a populao a praticar exerccio atravs de caminhadas em espaos verdes.
Joo L. Teixeira
ESPAOS VERDES 23
Parque da Lavandeira
Cerca de 800 estudantes deram corpo a um corta-mato organizado pela Escola Secundria Antnio Srgio no Parque da Lavandeira em 18 de Dezembro do ano passado
Trata-se de uma actividade de desporto escolar que, por motivo de obras que decorrem na prpria escola, criou a ideia de transferir a iniciativa para este parque municipal. Para alm do passeio com a famlia ou local de encontro com os amigos, este espao de cerca de 15 hectares sobejamente arborizado revela-se agora um palco privilegiado para este tipo de aces escolares que, como se demonstrou, no criam qualquer conflito com os habituais utentes do Parque da Lavandeira. J no Vero passado, outra actividade escolar, centrada na Junta de Freguesia de Oliveira do Douro, animou os relvados do Parque com inmeros espantalhos construdos de forma criativa por crianas e jovens atravs da utilizao de materiais que a populao habitualmente considera lixo, como tampas de garrafas, recipientes de plstico, entre outros. No sabemos se estas figuras com forma de gente assustaram algum pssaro, mas o certo que atraram o olhar dos visitantes. Neste ano de 2009, prev-se que a estufa de ferro fundido, uma bela construo com valor histrico, venha a ser recuperada. Para a Primavera a gesto do Parque da Lavandeira informa que est a agendar uma srie de actividades inovadoras e levanta o vu convidando os leitores a, nessa altura, por exemplo, experimentarem jogar xadrez num tabuleiro gigante. Em breve estas informaes sero divulgadas com maior pormenor. Se tiver alguma dvida, pode enviar as perguntas para: [email protected] ou ligar para 227 878 1380.
Joo L. Teixeira
Organizao do corta-mato
Corta-mato feminino
A exposio de espantalhos do Vero passado, neste mesmo Parque, evidencia ser Corta-mato masculino este espao propcio organizao deste tipo de eventos de ar livre
Joo L. Teixeira
24 ESPAOS VERDES
Agenda
Eis alguns destaques das actividades do Parque Biolgico de Gaia para os prximos meses...
Parque colabora com a Central Nacional de Anilhagem, coordenada pelo Instituto de Conservao da Natureza e da Biodiversidade, num projecto europeu de Estaes de Esforo Constante, para monitorizao das aves selvagens. Com a colaborao de ornitlogos credenciados, so capturadas aves selvagens, para anlise biomtrica, aps o que so anilhadas e libertadas. Qualquer pessoa que tenha motivao, independentemente da sua profisso, pode frequentar o curso de anilhagem cientfica dado por estes anilhadores. Blogue:http://anilhagemdeaves.blogspot.com exposio colectiva de fotografia sobre flora espontnea da regio.
Mscaras da Natureza
Ateliers para crianas e jovens das escolas (sob marcao), de 16 a 20 Fevereiro. Vagas limitadas e inscrio obrigatria.
Oficinas de Carnaval
Dias 23 e 25 de Fevereiro. Com entrada s 9h00 e sada s 17h30 destina-se a crianas e jovens dos 6 aos 15 anos. Vagas limitadas, inscrio obrigatria.
Sbado no Parque
Todos os primeiros sbados de cada ms, o Parque Biolgico de Gaia prope um programa especial e contempla os seus visitantes com vrias actividades. Em 7 de Fevereiro, eis o programa: 10h00, Atelier: Sada do Parque Biolgico em autocarro para visita de estudo e observaes ornitolgicas no Esturio do Rio Douro. 14h30, Conversa do ms: Zonas Hmidas de Portugal. 15h30, Visita guiada pelos Tcnicos do Parque e Percurso ornitolgico.
Percursos de Descoberta
Sbado, 14 de Fevereiro, das 9h00 s 18h00. Visita guiada s lagoas de Cantanhede no autocarro do Parque. Vagas limitadas, inscrio obrigatria.
Oficinas de Primavera
De 30 de Maro a 3 de Abril e de 6 a 9 de Abril. Para crianas e jovens dos 6 aos 15 anos. Vagas limitadas, inscrio obrigatria.
Joo L. Teixeira
Oficinas e campos
As frias escolares de Dezembro levaram ao Parque Biolgico de Gaia inmeras crianas e jovens entre os seis e os 15 anos durante os dias 22, 23, 26, 29, 30 de Dezembro e 2 de Janeiro. Das 9h00 s 17h30 os inscritos pintaram a manta atravs de diversas actividades. Se um dia se destinou recolha de materiais pelo trilho de descoberta da natureza do Parque para posteriormente cada participante dar asas imaginao e construir presentes originais para os amigos, outros foram ocupados, por exemplo, com uma oficina de sabores: o que doce nunca amargou, por isso aprenderam a fazer guloseimas de chocolate alusivas poca. Dia 29 houve lugar festa de fim-de-ano, alargada famlia: durante o dia, os participantes prepararam roupas, adereos e ensaiaram uma coreografia. Em breve, o programa replicar-se-, adaptado ao Carnaval: o caso do programa Mscaras da Natureza, que tem como pblico-alvo as crianas e jovens das escolas (sob marcao), de 16 a 20 Fevereiro. Por outro lado, as Oficinas de Carnaval decorrem em 23 e 25 de Fevereiro, com entrada s 9h00 e sada s 17h30, para crianas e jovens das idades j referidas. Quem desejar inscrever-se deve contactar o Gabinete de Atendimento do Parque: [email protected] - telefone directo: 227 878 138 - Fax 227 833 583.
Jorge Gomes
Joo L. Teixeira
26 ESPAOS VERDES
Rouxinol-bravo
Cettia cetti
O Rouxinol-bravo (Cettia cetti), na fotografia, e a Felosa-do-mato (Sylvia undata) so duas novas espcies de avifauna selvagem do Parque Biolgico de Gaia. Foram capturadas em 18 de Outubro de 2008 e imediatamente restitudas liberdade, depois de anilhadas. Passou desde esta data o Parque Biolgico de Gaia a contar com 81 espcies de aves inventariadas, num total de 946 espcies de fauna e flora.
Por Nuno Gomes Oliveira
Rouxinol-bravo
Jorge Gomes
foram depois anilhados e libertados, contam 173 aves de 28 espcies. Em breve ser feita uma leitura dos dados colhidos que trar luz desta pginas histrias que ningum imaginaria como autnticos superheris desconhecidos...
Aves Total Amieiros Tabua Matos Ponte de madeira 851 155 137 54 133
Espcies 56 18 26 19 22
Salto-dos-carvalhos
Meconema thalassinum (De Geer, 1773)
O Salto-dos-carvalhos um insecto pertencente ordem Orthoptera (inclui saltes, grilos, ralos e gafanhotos) que vive exclusivamente em rvores, principalmente carvalhos. Este pequeno salto caracteriza-se pela colorao verde clara e por possuir duas mculas acastanhadas no dorso e uma linha longitudinal amarela na cabea, tornando-se difcil de observar por se confundir com as folhas das rvores. As fmeas, como em outros ortpteros de antenas compridas, apresentam um longo e conspcuo ovipositor, com o qual depositam os ovos nas fendas das cascas das rvores. Nos machos, que no possuem esta estrutura, so evidentes dois longos cercos na extremidade do abdmen. Esta espcie apresenta actividade nocturna e alimenta-se exclusivamente de artrpodes, na maioria dos casos larvas de insectos (como lagartas) ou pulges, que deambulam pelos ramos das rvores. Trata-se de uma espcie com distribuio ampla na Europa, mas relativamente rara na Pennsula Ibrica. Nos Estados Unidos da Amrica, onde foi introduzida, esta espcie conhecida como drumming katydid
Snia A. Ferreira
uma vez que, para comunicar, tamborila com as patas posteriores nas folhas. Os adultos surgem em meados de Julho e as fmeas, que apresentam uma maior longevidade, podem ser avistadas at Novembro. Apesar de no ser uma espcie rara no Parque Biolgico de Gaia, a sua observao durante o dia difcil, uma vez que os indivduos se refugiam na face inferior das folhas das rvores.
ESPAOS VERDES 27
Joo L. Teixeira
A revista cientfica de entomologia Heteropterus, publicou recentemente um artigo que redefine as espcies de pirilampo dadas para Portugal sob o ttulo A review of Portuguese fireflies with a description of a new species, Lampyris iberica sp. nov. (Coleoptera: Lampyridae). Um dos locais em Portugal em que a nova espcie se observa o Parque Biolgico
de Gaia. Sendo de habitat ripcola, esta espcie que anteriormente era confundida com uma espcie europeia parecida (Lampyris noctiluca). Como a maior parte dos pirilampos na fase larvar, este alimenta-se sobretudo de caracis e em adulto costuma reproduzirse entre Maio e Julho. As outras espcies de pirilampo existentes
no Parque, e agora confirmadas pelos especialistas, tambm no deixam de ser importantes, at porque este espao verde passa a ter cinco espcies de pirilampos, das sete registadas para Portugal: Lampyris iberica, Lamprohiza mulsantii (Kiesenwetter, 1850), Lamprohiza paulinoi E. Olivier, 1884, Luciola lusitanica (Charpentier, 1825) e Phosphaenus hemipterus (Goeze, 1777).
28 RECUPERAR
Amigos-do-gatilho
Fotos: Joo Lus Teixeira Texto: Jorge Gomes
Se certo que tendem a ser minoria as histrias de xito de qualquer centro de recuperao de fauna selvagem, quando abre a poca de caa, por razes difceis de compreender, a quantidade de aves feridas chumbada cresce em avalancha. Os amigos-do-gatilho quebram a lei so aves protegidas , por mero gosto pessoal, e a fiscalizao que esteja em campo raramente cobre a larga fronteira ultrapassada pelos marginais.
Falco-peregrino: Est cheio de chumbo. Era uma fmea, bem alerta, e perfeitamente incapacitada porque estava com paralisia dos membros inferiores. Para tratar essa paralisia ainda se tentou um tratamento com crtico-esterides, s que o animal no mostrou evidncia de evoluo positiva de forma nenhuma. Com muita pena nossa, eutansia Aor: Tambm est cheio de chumbo. Tinha fracturas difceis, uma na asa e outra na pata, de difcil resoluo. Ambos so ossos pneumticos e so fracturas cominutas. Isto quer dizer que no so fracturas simples, so fracturas complicadas. O tratamento iria implicar um procedimento longo e encavilhamento em que, depois, o ps-operatrio provoca um stress enorme nos bichos e esse stress pode inclusive matar
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Estas aves excludas pela lei do regime cinegtico no se comem, muitas delas no so abundantes e cumprem um papel regulador da maior importncia nos habitat em que vivem. Falces, peneireiros, guias, aores, tartaranhes, bufos-reais, garas... Os caadores no so amigos-dogatilho, mas como ocorre noutras reas h quem queira vestir-lhes a pele. Ningum tem licena para matar, mas executa-se esta fauna protegida s pelo gosto de dar ao dedo. As radiografias aqui lanadas, comentadas pela veterinria Vanessa Soeiro, so uma pequena amostra dos danos finais, que no lhe vo mostrar a agonia destes seres talhados para deslizar no cu e desempenharem na Terra um papel ecolgico insubstituvel. Com um comentrio breve, afirma: Estas aves entraram no nosso centro de recuperao no incio da presente poca de caa. Acho que bastante improvvel que estas aves, mesmo em voo, tenham algum tipo de semelhana com aves cinegticas e que um caador, habituado a ver aves cinegticas, consiga confundi-las.
guia-de-asa-redonda ou bteo
Trigger-friendly
When the hunting season opens, the numbers of birds injured birds increase and, unfortunately, the stories of successful rehabilitation Centres for wild animals are always too few. If hunters are not trigger-friendly, then who else is responsible for this damage to wild-life?
Bteo: fractura da asa, do mero, e um gro de chumbo alojado na cavidade abdominal, entre outros.
30 REPORTAGEM
Ao fundo, o monte de Santa Tecla, em Espanha: paisagem do esturio dos rios Minho e Coura
O rio Minho nasce em Espanha, na serra de Meira. Depois de correr por montes e vales, passados quase 300 quilmetros une-se ao rio Coura e, por fim, abraa o oceano Atlntico ao p de Caminha e de A Guarda. Separador de pases, do ponto de vista da paisagem este esturio um mundo maravilhoso que se estende ao longo de quase 3400 hectares e envolve Valena, Vila Nova de Cerveira e Caminha...
O sol acordou com o bater de asas das garas brancas no esturio dos rios Minho e Coura. Onde estes cursos de gua se juntam, h plantas aconchegadas sobre os sedimentos que ali repousam graas ao caudal tranquilo das guas que ainda no escutam a maresia. A tudo o sol d um tom indisfarvel, como Midas, e os que vem mais longe vislumbram nestes recursos naturais algo bem mais importante na sustentao da vida do que o ouro. difcil resistir vastido verde e dourada do sapal dominado por juncos. Alguns tufos despenteados revelam o afago nocturno da gua e um pequeno banco de areia guarda os desenhos ondulados da despedida breve. Apesar das presses a que est sujeito, como
Pilritos vista
as que se vem nas extremidades da fotografia em cima, contemplar este esturio leva a perceber o talento da vida que encontra caminhos para se organizar e, nesse esforo, presta servios insubstituveis ao ser humano. Este vasto espao um refgio de biodiversidade nos mais variados sentidos. Isto comea por significar que uma rea rica para a pesca, como sabem h milnios os pescadores locais e as muitas espcies de aves aquticas que abundam no stio. Mesmo sem o elogio dos operrios da pesca, as aves zelam pela sade dos cardumes. Compreende-se: mais difcil a um corvomarinho, debaixo de gua, apanhar um peixe saudvel do que um alquebrado pela doena, pelo que com agilidade controla a propagao
de molstias capazes de pr em risco populaes inteiras. O esturio protagonista no ciclo de vida de variados animais marinhos. Uns usam-no como local de desova. Outros, como o svel ou o salmo, vm do mar para passarem por ali rumo a locais de desova em rios mais acima, mais cristalinos, a no ser que as barragens os frustrem. As plantas do sapal so tambm esconderijos e funcionam como maternidade de peixes juvenis, que se refugiam nos meandros dos caules.
Instabilidade natural
H dispositivos naturais que regulam o ciclo de nutrientes e, numa parte significativa,
O maarico-real Numenius arquata assemelha-se ao maarico-galego, mas maior, no s no bico Um corvo-marinho seca as asas encharcadas depois de uma sesso de pesca submarina
32 REPORTAGEM
REPORTAGEM 33
Borrelho-grande-de-coleira
Pinhal do Camarido
eliminam e reciclam certos resduos. Stio onde gua doce e salgada se encontram, ao sabor das mars, o esturio oferece diversidade. Duas vezes por dia h grandes extenses de areia e de limo que ora se cobrem de gua ora emergem. Viver ali exige percia a bivalves e outros seres discretos, mas abundantes. So eles que tambm atraem a esta rea inmeras aves. Este esturio atlntico, difere bastante dos do Sul, mediterrnicos. Transita nele uma maior quantidade de gua doce, j que a chuva se impe com frequncia. A no ser assim, os juncos recuariam para montante pelas margens dos rios e a vegetao da foz estaria preenchida com espcies mais adaptadas salinidade, como a salicrnia. Sob este esturio pendem ameaas vrias. Sofre com a urbanizao, a construo de estradas, a poluio. A dragagem de fundos estuarinos tambm prejudica os ciclos de vida das espcies locais, assim como a pesca por artes que agridem o fundo. A fragilidade do esturio vem tona at pela introduo de espcies exticas invasoras por guas de lastro do casco de embarcaes. Estes e outros factos at podem parecer exagero. Mas quando se esboroa o equilbrio do esturio por mo humana e comea a faltar salmo e svel, j se v a ponta do icebergue que cresce com o aumento da degradao das zonas hmidas.
Observar as aves
No muito longe v-se passar o comboio e na ponte que em Caminha atravessa o rio
Coura o trnsito soluante de carros e camies colhe a indiferena das aves que ali tratam de sobreviver. H que mudar o ngulo, alterar a posio para se ver melhor aquela paisagem e as histrias em curso, com respeito pela distncia de uns e de outros. A ponte que passa o rio Coura entre Caminha e Cerveira tem um passeio estreito, cuidado com a mochila. O trnsito papa-lguas e, com descuido, papa-gente. Nem a vigia das gaivotas nos lampies previne desateno. Classificado como Stio de Importncia Comunitria, nem assim h um observatrio neste esturio. A alternativa ir pela ponte. Mesmo sem binculos, ao atravess-la a p h muito para ver. Em poucos minutos detecta-se a presena de trs mergansos, aves do Norte da Europa parecidas com patos-bravos. Mais perto, um maarico-das-rochas dispara da bodelha, uma alga que trepa o pilar da ponte. Nem o via! Pousa a 20 metros e continua a alimentarse. A caminho da mar-baixa a vegetao abre trilhos gua e nem a alvura das garas que pousam perde a pureza ao pescarem com os ps na lama. Esto adiante fuselos e outros maaricos, bem maiores. Dois so parecidos: o galego e o real. No confiam na presena humana e calhou-lhes a vez de se distanciarem em voo baixo. Aquietam-se prximo de uma ave branca que o sol da manh destaca na paisagem: uma gaivota? No. Inicia actividade o bico no engana! Bem maior do que uma gaivota grande, trata-se de um colhereiro. Consegue-se perceber que est
Eruca-marinha >
Camarinha, j em flor
REPORTAGEM 35
de olho na ponte, mas no se apoquenta. Oscila o bico em forma de esptula ao nvel da gua em semicrculo e colhe o que lhe passar na boca. Entre crustceos, bivalves e pequenos peixes a ementa rica. Est de passagem possivelmente para sul. Se a temperatura anda agora pelos seis graus, o relgio mexe os ponteiros entre as nove e as dez. No se sente o vento e, face da vila, a natureza resiste ao imprio humano. Observaes de outros dias de Inverno referem uma guia-pesqueira, um mergulho-depescoo-preto, corvos-marinhos-de-crista, ostraceiros...
Flora
H plantas que no querem mudar. O canio forma pequenas ilhas douradas no domnio dos juncos. Esta flora tem de se levantar junta e sincronizada, caso contrrio o caule fino facilmente quebra sob a corrida do vento. No topo dos seus dois metros de altura, uma espiga, boa maneira de qualquer gramnea. No outro extremo, razes profundas mergulhadas na lama. Este organismo vegetal saca os nutrientes da gua, depura-a. No cerne do canial abunda a proteco da vida selvagem, em especial das aves. Se ainda no altura de nidificar, no vestbulo da Primavera chegaro voos discretos, de rouxinis-dos-canios, de garas e mergulhes. Agora, esta vegetao d lar a galinhas e frangos-de-gua. Ora nos juncos ora no canial, andam felosas, escrevedeiras e outras pequenas aves. Os invertebrados so um alimento rico que sustenta no Inverno este grande nmero de animais alados, prefiram eles migrar ou residir. Ao longo do esturio h tambm galerias ribeirinhas, compostas essencialmente por amieiros e salgueiros. Esses corredores verdes
so vitais para a sobrevivncia de variadssimas espcies, inclusive a nossa. Defendem a gua, protegem a biodiversidade. Mais prximo de Valena, a veiga de So Pedro da Torre rene uma zona hmida palustre com um amial grande e bem conservado. Aqui e acol, mesmo entre plantas, h perigos para o esturio. Vemos ali uma grande ervadas-pampas, deslocada e agressiva. O seu habitat natural fica longe, na Argentina. Accias de vrias espcies, naturais da Austrlia, assaltam as margens e, infestantes, onde afundam raiz galgam metros contnuos e anulam outras espcies. A interligao de espcies nos habitats naturais faz-se por trocas: diz uma espcie a outra, toma l d c. A vegetao extica no d nada, impese e rouba, com desequilbrio dos ecossistemas.
Camarido
Quando a gua do esturio se encontra com o mar, na margem portuguesa fica a mata do Camarido. O sol coado discreto e cai pela copa do pinhal que ter sido vontade j do reinado de D. Dinis. H vrias camarinhas cheias de botes e umas raras flores. No cho h cogumelos e de quando em quando aparece uma pinha roda que denuncia a presena de esquilos. Seguindo o passadio suspenso sobre a areia chega-se praia. As dunas estendem-se e mostram as plantas tpicas: o estorno, a eruca-marinha, o cardo-martimo, o lrio-daspraias A pouca distncia da areia, alm das ondas do mar, v-se o forte da nsua, um antigo mosteiro construdo por monges franciscanos no sculo XIV posteriormente convertido em forte. H alguns sculos, o sargao que o oceano lanava praia era adubo desejado
Forte da nsua: entre Portugal e Espanha, no sculo XIV os monges franciscanos erigiram um mosteiro
pela agricultura, ficando o imposto a cargo dos religiosos. Em 1703 a regulamentao ia ao pormenor de referir que as mulheres solteiras s podiam apanhar sargao noite na companhia do pai, sob pena de 300 ris. Em 1780 o bispo de Braga determina que noite as mulheres no poderiam apanhar sargao na presena de homens. A roupa no esconderia a tentao. Ontem como hoje, passeiam as guas estuarinas entre bancos de areia e vasa, penetram caniais, juncais e espreitam as matas ripcolas. Mesmo em fugaz passagem, este esturio cativa qualquer olhar.
36 REPORTAGEM
Esturjo
Lince-ibrico
apenas o maior museu de histria natural que hoje temos no pas. Criado no sculo XVIII, fica em Coimbra e ao revelar a aventura da vida, em tamanho real e com um bom espao dedicado ao patrimnio natural ibrico, abre caminhos de educao ambiental a quem o visita
Segundo Jos Augusto Reis, tcnico superior em servio no museu, os pontos mais fortes da casa so as coleces que possui. Dentro delas h vrias espcies emblemticas. Uma a cabra-brava do Gers, pelo simples facto de estar extinta, e que serve muito para a mensagem que aqui passamos sobre a preservao do meio selvagem. Outra espcie a destacar a baleia, que impressiona as pessoas pela dimenso do seu esqueleto: 20 metros. Trata-se de uma experincia nica para os visitantes, uma vez que conseguem estar perante um exemplar vendo-o na totalidade. Olhar as baleias na televiso diferente, para alm de aparecerem fora de gua ou s a cabea ou s a cauda. Dentro do ponto de vista do anfitrio, as coleces zoolgicas representam uma rea que atrai pessoas de todas as idades e, ao contrrio de outras, no se cinge a um pblico restrito. Acresce o facto de o prprio edifcio, do sculo XVIII, apesar das alteraes que sentiu ao longo da histria, inclusive o seu mobilirio, serem atractivos. Sublinha: J tivemos visitantes que vieram c s para isso. O cenrio desta conversa a sala dedicada fauna ibrica. Vemos espcies que outrora j existiram em Portugal, como o quebraossos. Esta grande ave de rapina, com dois metros e meio de envergadura, voava em regies como o Douro Internacional, recolhendo com as garras parte dos esqueletos expostos por lobos e necrfagos. L do alto, deixava cair os ossos que, ao partir, revelavam o nutritivo tutano. Mas nem s de animais de penas ou plo se faz o grupo zoolgico exposto. Entre os peixes, o museu expe um valente esturjo, com mais de um metro. Jos Augusto Reis fala desta espcie de grande valor comercial, que se explorou em tempos tambm no nosso pas: O Tejo e Sado foram ricos em esturjo. Depois, este peixe tpico de esturio acabou por desaparecer. Completa: Em Espanha ainda existem. H uns anos tivemos c investigadores espanhis que se interessaram pela espcie para ver se era possvel a reintroduo em maior escala, a ver se se aguentava. O caviar, feito das ovas deste peixe, continua a ser um negcio: Sobre Espanha tenho ouvido que nalguns rios houve sucesso. E salienta: H quem pense, tal qual os golfinhos, que servem de barmetro da qualidade da gua quantos mais houver maior a indicao de que as guas so boas.
Um dos trunfos do museu a raridade de algumas espcies e a diversidade das coleces, afirma Jos Augusto Reis junto do grande esqueleto de baleia
Mimetismo
Se uma fatia desta diversidade se extinguiu, outros esto beira do precipcio: ao olhar as vitrinas, vemos um gato-bravo, ameaado sobretudo pelo hibridismo com o gatodomstico. Tambm entre felinos ali perto esto vrios linces-ibricos... Num instante repesca-se uma ideia fantstica: e se um dia a tecnologia evoluir ao ponto de ser possvel clonar alguma destas espcies extintas? Esse outro ponto forte do museu. Jos Augusto Reis informa que h investigadores portugueses e estrangeiros que procuram este museu para conseguirem pequenas amostras. Necessitam de uma amostra de plo possivelmente para testes de ADN. E de onde tero vindo tantos animais embalsamados? Com 230 anos de existncia, as peas das coleces deste museu foram provavelmente caadas. Antigamente no havia a escassez de hoje e muito menos a preocupao de que se viriam a extinguir. Outros exemplares resultam de uma morte em cativeiro e, como acontece hoje, perguntam com frequncia ao museu se est interessado neles. Todo este conjunto fantstico aproveitado da natureza suscita reaces. Por exemplo, entre
os visitantes de mais tenra idade, os comportamentos so engraados. Nos verdes anos tudo grande aos seus olhos. at necessrio incentiv-los a andar, porque ficam parados, de boca aberta, a ver esta diversidade toda. A visita de crianas que vm da cidade provocou um elemento novo: a dada altura comemos a perceber que havia midos que no sabiam de onde vinham os alimentos: o frango, o porco, a cabra, etc.. Da a colocao da quinta, com alguns dos seus animais domsticos. Um outro espao revela ambientes exticos, da Amrica do Sul. A preguia, os beija-flor, borboletas enormes, entre outros, antecedem a representao opulenta de frica. Aps os herbvoros, uma gibia africana de quatro metros: J tivemos aqui quem passasse com ligeireza a olhar para o lado.
Sabem que est tudo morto, mas. Os sons da selva do ambiente, o que no dificulta s crianas a compreenso de que no h qualquer perigo. Na galeria dos mamferos marinhos e da malacologia domina o som do mar. O imenso esqueleto da baleia at parece ondular, sob uma luz azul coada. A origem primeira deste museu liga-se ao marqus de Pombal. Em 1772, ordenou uma reforma dos estudos superiores. Surgiu a Faculdade de Filosofia da Universidade de Coimbra. Os seus estatutos queriam que os alunos observassem a natureza e fizessem demonstraes experimentais. Ontem, como hoje, o interesse didctico deste museu continua de vento em popa.
CONTACTOS
Museu Zoolgico Largo Marqus de Pombal 3004-517 Coimbra Tel.: 239491650 Fax: 239855789 E-mail: [email protected] Site: www.uc.pt/museuzoo
As coleces mais antigas na altura o registo dos animais e plantas fazia-se com rigorosos desenhos
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Em 2009 cumprem-se 200 anos do nascimento de Darwin e 150 anos da publicao da sua obra decisiva, A origem das espcies, que ainda cria polmica. Parece difcil de acreditar mas so muitos os que continuam a atacar a teoria da evoluo
Nos sculos que se seguiram ao nascimento de Charles Darwin, o homem que postulou que as espcies se transformam noutras graas seleco natural sem qualquer tipo de interveno divina, deparamo-nos com um facto chocante: nos EUA, a nao cientificamente mais avanada da Terra, 48% dos seus habitantes pensa que o ser humano foi criado directamente por Deus nos ltimos 10.000 anos, segundo um inqurito de uma revista cientfica de prestgio, PLoS Biology. E a mulher que aspirava ocupar o segundo cargo poltico mais poderoso do planeta, a governadora republicana Sarah Palin, afirmou em 2006 que o criacionismo deveria ser ensinado nas escolas como um ponto de vista alternativo evoluo, dado ser "importante um debate saudvel", avana a revista Nature. O que se pode pensar de uma potencial vice-presidente que simpatiza com a ideia de que a Terra conta apenas com uns quantos milhes de anos de idade? "Adoraria que algum fizesse essa pergunta", responde Tim Berra, professor emrito de Evoluo da Universidade de Ohio. " realmente frustrante e desmoralizador verificar que metade dos norte-americanos no aceita a evoluo". Berra o autor de um novo livro, Charles Darwin, a histria concisa de um nome extraordinrio (John Hopkins University Press). Agora que se aproxima o bicentenrio Darwin nasceu em Shrewsbury, Inglaterra, a 12 de Fevereiro de 1809 , destaca o renovado interesse dos fundamentalistas religiosos em reavivar um falso debate atacando a teoria da evoluo com "pontos de vista alternativos", o que se torna "ridculo". E ainda que seja um jogo tipicamente americano dar o mesmo tempo ao adversrio, a igualdade de oportunidades "o que deve ser ensinado numa aula de cincia precisamente cincia e no religio". Estes ataques foram extremamente subtis. Os nomes mudaram. Na melhor das hipteses fala-se "dos pontos fracos e fortes" da evoluo. Na pior, de "concepo inteligente", a existncia de uma misteriosa intencionalidade ou de uma inteligncia sobrenatural por detrs do surgimento da espcie humana. Existem iniciativas legislativas em meia dezena de estados norte-americanos de Alabama Florida para introduzir falsas dvidas. Todas elas se depararam com a rejeio dos tribunais, mas isso no impediu que o criacionismo se infiltre ilegalmente em muitas salas de aulas. Entre 12% e 16% dos professores norte-americanos de biologia mostram a sua simpatia, segundo o inqurito da PLoS. A anedota o Texas, um dos estados mais numerosos, com 23 milhes de habitantes. No Conselho Estatal de Educao do Texas, Don McLeroy, o presidente, e sete dos seus 15 membros so partidrios do criacionismo. Um voto separaos da imposio nas escolas. McLeroy possui um doutoramento e uma profisso de engenheiro e, segundo o dirio The New York Times, as suas crenas religiosas no interferem com a sua tarefa educativa, apesar de estar convencido de coisas "incrveis como a histria do Natal, segundo a qual aquele menino nascido numa manjedoura foi quem criou o Universo". Os antievolucionistas deram tambm o salto para a Europa, ainda que aqui a situao seja muito mais complexa. Apesar de 70% dos europeus aceitar a evoluo, houve algumas tentativas para proibir o seu ensino nas escolas. Em 2004, a ministra italiana da Educao Letizia Morati retirou-a como cadeira por instigar uma perspectiva excessivamente materialista nos estudantes, o que causou uma revolta pblica. Em Hesse, na Alemanha, dois colgios ensinavam abertamente o criacionismo com a bno do cristo-democrata Karin Wolf, vicepresidente desse estado federal. Na Turquia distribui-se literatura criacionista importada dos Estados Unidos por grupos islmicos, dado que a ideia da evoluo no aceite pelo Islo. Outro exemplo que custa a acreditar: Maciej Giertych, membro polaco do Parlamento Europeu, bilogo e com um doutoramento em fisiologia vegetal no acredita na evoluo e organizou seminrios para transmitir aos parlamentares a ideia de que se est a ensinar aos estudantes uma hiptese falsa. Em Espanha, a incurso destes grupos ainda tmida, ainda que se tenha tentado organizar sem xito conferncias em algumas universidades espanholas. E no Reino Unido, o bero de Darwin, o grupo denominado Truth in Science (A Verdade na Cincia) trabalha activamente enviando material audiovisual para as escolas para que a concepo inteligente seja mostrada como uma "alternativa", definindo-a como uma hiptese impossvel de verificar cientificamente, "que sustm que determinadas caractersticas do Universo e dos seres vivos so mais facilmente explicadas por uma causa inteligente". Darwin publicou o seu livro A origem das espcies em 1859. Os ecos da polmica que causou so muito antigos e desapareceram pouco depois. "Isto foi h 150 anos", conta-nos John Van Wyhe, historiador de cincia da Universidade de Cambridge e autor de uma pgina da internet que recolhe todos os trabalhos de Darwin e que recebeu mais de 50 milhes de visitas desde 2006 (darwin-online.org.uk). "Cerca de quinze ou vinte anos aps a publicao, a controvrsia sobre a sua obra chegou ao fim. A comunidade cientfica internacional aceitou que Darwin tinha razo sobre a evoluo. E isso ocorreu h muito tempo. Os que agora o atacam no apenas desconhecem a cincia mas tambm a histria, e acredito que necessrio relembrar". A polmica de A origem das espcies no foi nem geral nem alargada:
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as crticas provieram fundamentalmente dos sectores mais religiosos, mas a recepo pelos cientistas da poca foi considerar que "Darwin era um gnio", assegura este historiador. Este debate criacionista provm dos muito conservadores grupos evangelistas norte-americanos de princpios do sculo XX. Criaram-se volta de Darwin outros falsos mitos, assegura este perito. Um deles referese exasperante lentido com que a sua obra definitiva foi publicada muitos anos depois da sua famosa viagem no HMS Beagle volta do mundo (desde a sua partida de Inglaterra, a 17 de Dezembro de 1831, at ao seu regresso, a 2 de Outubro de 1836). Muitos quiseram ver neste atraso um certo medo para informar o mundo sobre as suas concluses; outros sugerem que Darwin temia magoar a mulher, Emma, com quem tinha acabado de contrair matrimnio (a 24 de Janeiro de 1839), devido sua sensibilidade religiosa. " o tipo de histrias que toda a gente gosta de ouvir", afirma Van Wyhe. "Quando regressou, Darwin comeou a tirar notas sobre a teoria da evoluo, mas ainda no estava madura. E antes de lhes dar forma, teve de escrever livros sobre todos os
espcimes que recolheu durante a viagem, o que demorou cerca de 18 anos". Darwin foi realmente um escritor prolfico: publicou trs livros de geologia, cinco volumes sobre zoologia, quatro sobre cirrpedes, o seu livro sobre a viagem do Beagle, e inmeros artigos cientficos, antes da sua obra-prima. O prestgio ganho como naturalista, conta-nos Van Wyhe, facilitou a aceitao por parte dos cientistas da seleco natural e transformao das espcies. Outra lenda sugere que a observao dos diferentes bicos dos tentilhes das Galpagos, quando o HMS Beagle chegou em 1835, desencadeou em Darwin uma fasca com nome prprio: a evoluo. Esta ideia falsa, assegura Van Dyhe. Surgiu em meados do sculo XX numa reunio da Associao Britnica para o Avano da Cincia. Algum associou os dois conceitos, que foram reproduzidos no jornal The Times e, posteriormente, recolhidos em vrios livros (e, em finais da dcada de 70, transpostos para a televiso numa esplndida srie da BBC que recriava a viagem do Beagle). Na realidade, Darwin no escreveu uma nica vez a palavra 'evoluo' na sua obra-prima
(o que no quer dizer que no explique com enorme preciso que as espcies se transformam gradualmente noutras com o passar do tempo). Ele nem sequer sabia que aquelas aves das ilhas eram tentilhes e, por esse mesmo motivo, recorreu a um dos seus amigos, o ornitlogo John Gould, para que os classificasse correctamente aquando do seu regresso a Inglaterra. Darwin tinha um aspecto fsico extremamente agradvel. Um homem alto, com mais de 1,80 metros, corpulento, sem ser gordo a viagem do Beagle conferiu-lhe uma compleio atltica , olhos cinzentos, vestido de forma conservadora como era habitual na poca, com trajes de fraque, camisa de linho com gola e chapu alto, conforme descreve Deborah Heiligman na sua obra Charles and Emma (Henry Holt and Company Books), publicada recentemente nos EUA, e que aborda um singular retrato do seu matrimnio com Emma Wedgwood, prima dele. Os Darwin e os Wedgwood eram aparentados e os casamentos em famlia eram um hbito. Darwin aparece como um homem seguro das suas convices, apesar de no gostar do seu nariz, que considerava
ACTUALIDADE 41
desproporcionado e carnudo. Heiligman relembra o episdio de um homem que anotava tudo. Em 1838, aps dois anos de permanncia em Londres, e numa casa alugada na Rua de Great Malborough, Darwin pegou numa folha de papel e escreveu na margem esquerda a palavra "casar", debaixo da qual enumerou as vantagens do matrimnio. direita redigiu uma lista com as vantagens de se ser solteiro, como liberdade sem limites para escrever e dedicarse vida social em reunies de clubes. A frieza mostrada no momento de colocar as coisas numa balana mostra-se mais superficial que real. A obra de Heiligman aprofunda no aspecto emocional de Darwin o corao debaixo da mscara de uma mente analtica. Um homem apaixonado pelo seu trabalho de naturalista, sem dvida, mas que procurava na famlia e nos filhos ele gostava muito de crianas a contrapartida perfeita. Darwin tinha medo do casamento dada a dor que lhe causaria a morte de um filho, algo que ocorria, dependendo da classe social, em um em cada quatro ou cinco filhos nascidos na Inglaterra vitoriana. O parto era tambm causa de uma mortalidade extremamente alta entre as mulheres, uma morte em cada 200. A medicina da poca, sem antibiticos e habituada a usar sanguessugas para sangrar os doentes, apresentava um caminho extremamente duro para qualquer matrimnio, incluindo o de Darwin, apesar de pertencer a uma classe abastada. O seu pai, Charles, foi um bom mdico e algum com uma mente bastante liberal, o que era comum sua famlia (o seu av e os seus irmos sempre se declararam livrespensadores). Darwin arriscou. Teve dez filhos, dos quais morreram trs. Mary faleceu pouco depois de nascer a 16 de Outubro de 1842 e Darwin refugiou-se nos seus escritos sobre geologia vulcnica depois de enterrar a beb. O pior golpe da sua vida ocorreu quando a sua segunda filha, Anne, morreu aos 10 anos de idade por causa de umas febres, aps uma longa agonia num sanatrio, sem que os mdicos pudessem fazer nada. Tim Berra resume este episdio de forma dramtica: "Charles esteve todos os minutos com ela". Darwin escrevia constantemente sua mulher, Emma, que estava grvida de sete meses e no podia viajar. "Nessa poca os correios eram muito eficazes e, por vezes, as cartas eram recolhidas duas vezes ao dia. Se escrevia segunda, era provvel que recebesse a resposta na tera e, eventualmente, a resposta sua resposta
na prpria noite de tera". Todas estas cartas foram guardadas e, para Berra, reflectem a fora que mantinha o matrimnio, a dimenso humana de Darwin. "Foi um pai devoto, imensamente familiar, muito diferente do tipo de pai rgido e inflexvel da poca vitoriana". Darwin foi uma criatura da sua poca e algum que ia tambm frente: religioso no incio, acabou por pr a Bblia de lado o argumento de que a Terra e as criaturas tinham sido criados em seis dias mostravase incompatvel com os factos e com o seu trabalho. Para Berra, a morte da sua filha Annie "acabou com qualquer resqucio de cristandade em Darwin. Ele no conseguiu racionalizar o facto de uma criatura inocente sofresse durante tanto tempo apenas porque era a vontade de Deus". Essa incompatibilidade no afectou o seu matrimnio. Foi como um cadinho no qual conviveram cincia e religio. A sua mulher, Emma, acreditava na Bblia e era uma crist convicta. "Escreveu uma carta afirmando que odiava a ideia de que, por culpa dos seus pensamentos cientficos, no pudessem estar os dois juntos na eternidade", afirmava Berra. Contudo, conforme refere a escritora Deborah Heiligman, Emma continuou a manter as suas crenas crists mas tornou-se mais tolerante para com as ideias do seu marido. A sua convivncia foi muito estreita, a ponto de, em 1876, uma carta de Darwin referir que jogava backgammon com a sua esposa todas as noites e anotava os resultados: "Ela ganhou em 2490 ocasies, ao passo que eu ganhei 2795 vezes". A mente analtica de Darwin sobressaiu dos moldes conservadores antes de alcanar os 30 anos. Apesar de, em 1807 o Parlamento britnico ter aprovado a legislao que proibia a escravido, Berra recorda um episdio que Darwin teve com o capito do Beagle, Robert Fitz Roy. Numa plantao de escravos no Brasil, o jovem naturalista comentou o quo terrvel era viver nessas condies. Fitz Roy, que era apologista da escravido, chamou um trabalhador e perguntou-lhe se se sentia feliz sob o jugo do seu dono, a que respondeu afirmativamente. Darwin perguntou, ento, ao capito: "Como possvel acreditar na resposta de um escravo na presena do seu mestre?". A resposta desagradou tanto Fitz Roy que este proibiu que Darwin jantasse com ele no barco, como era costume. Outro aspecto menos conhecido de Darwin foi o seu contacto com a lngua oficial de Espanha. A viagem do Beagle durou quase
cinco anos mas, na realidade, a sua estadia no barco foi de 18 meses. O resto do tempo foi passado fundamentalmente em pases e regies onde se falava castelhano. "Darwin viveu durante semanas e meses na Amrica do Sul, convivendo com gente que falava castelhano. Todas as informaes que recolhia sobre as montanhas e os animais eram nesse idioma", afirma Van Wyhe. "No seu caderno anotou os nomes de muitos lugares e de aves em castelhano. E tambm escrevia as perguntas colocando o ponto de interrogao antes da frase e no final". Em Outubro de 1844, o jornalista Robert Chambers publicou um livro annimo chamado Vestgios da histria natural da criao (Vestiges of the natural history of creation, em ingls), no qual argumentava que as espcies estavam em constante transformao. A obra, para espanto de Darwin, tomava em considerao as teorias do seu amigo e gelogo Charles Lyell, que postulavam que a Terra era dinmica e mudava com o tempo. Causou uma reaco muito significativa no pblico, ainda que as descries geolgicas e zoolgicas fossem muito pobres. Contudo, o livro era incapaz de propor um mecanismo para esta transformao como era a seleco natural. Darwin seguiu o seu caminho, escrevendo as suas notas e aperfeioando a sua teoria. Passado 14 anos, recebeu uma carta de um jovem naturalista chamado Alfred Russell Wallace, que tinha viajado pelo mundo inteiro recolhendo espcimes e chegado a uma concluso parecida com a de Darwin. Conta a lenda que a carta de Wallace empurrou Darwin a publicar o seu livro um ano depois. Mas o certo que, em 1858, os dois assinaram dois trabalhos que foram apresentados um de cada vez na Sociedade Lineana de Londres, com uma introduo de Charles Lyel, na qual afirmava que estes dois cavalheiros tinham chegado de forma independente mesma e engenhosa teoria. Ainda que existam diferenas entre Darwin e Wallace, conclui John van Dyhe, "Wallace pensava mais em grupos de organismos e Darwin fazia-o com indivduos. Wallace no aceitou que as plantas e os animais domesticados pelo homem constituam um exemplo paralelo da evoluo na natureza. E, nos ltimos anos, Wallace pensou que os seres humanos tivessem algo de extraordinrio capaz de os tornar to especiais, algo sobre o qual Darwin no conseguiu encontrar qualquer indcio". * Cortesia do Jornal El Pas Internacional, 14/12/2008
42 REPORTAGEM
Proteger preciso
H todo o interesse nisso: so muitos os perigos que ameaam estas populaes pressionadas por actividades humanas. Para alm de predadores, as pequenas tartarugas enfrentam, por exemplo, alteraes de habitat, para o ser humano insignificantes, para elas fatais. No sendo o caso so-tomense, j que a maior parte da sua costa no dispe de iluminao artificial, um pouco por todo o Globo as praias urbanizadas exibem uma claridade que desorienta as tartarugas. Estas ao eclodir sentem o instinto de caminhar para a abundante luz reflectida pelo mar. Com as lmpadas da urbe, estes pequenos seres aparecem no meio da rua, exaustos e inapelavelmente expostos a predadores dos turnos da noite e do dia. Ratazanas, gatos, atropelamento so-lhes fatais. Algum estar a pensar que as tartarugas devero por isso eclodir de dia, adaptar-se. At que tal seja possvel, j se percebeu que o vu da noite uma defesa indispensvel no ciclo de vida destes rpteis fantsticos.
Casa Tat
A diferena que aqui h um eco-museu chamado Casa Tat. Tat o nome local da tartaruga-olivcea, uma das espcies que mais desovam na regio. No interior do eco-museu h cartazes com informao sobre as espcies de tartarugas que procuram as praias do pas para desova. V-lo uma surpresa. Como surgiu? Resultou da expanso das aces socioambientais de desenvolvimento local na comunidade com o objectivo de criar alternativas econmicas ecologicamente sustentveis. A praia de Morro Peixe uma aldeia de pescadores no sentido mais literal destas palavras. As casas de madeira suspensas por estacas falam dos aguaceiros das estaes das chuvas e da eroso que poderiam causar.
REPORTAGEM 43
As canoas cavadas num s tronco de uma certa rvore da floresta so-tomense dispemse na areia e aguardam a prxima ida ao mar, impelidas pelos remos do pescador. Enquanto um milhafre em voo deita as garras a um peixe a vinte metros de ns, ao longe, em negras rochas vulcnicas h garas brancas que espreitam oportunidades. As crianas fazem a festa com a dzia de estrangeiros que ali passam em visita ao ecomuseu, dentro do programa do Seminrio de Ecoturismo e Biodiversidade que o Parque Biolgico de Gaia organizou em Maro do ano passado neste pas.
margem do ofcio, enquanto uma rvore frondosa se inclina na foz de um rio encantador que desagua ao lado da aldeia, irresistvel espreitar e imaginar as paletas naturais que se sucedem por esse curso de gua acima.
Qual qual?
Entre os nomes vulgares s o nome cientfico destes quelnios tira teimas. A grande tartaruga-couro conhecida na regio por Ambulncia: Dermochelys coriacea. A tartaruga-verde a Mo-branca: Chelonia
mydas. A tartaruga-de-escamas a Sada: Eretmochelys imbricata. Todas estas espcies desovam nas praias do arquiplago sotomense. H ainda uma outra tartaruga marinha que j foi observada no seu litoral, mas nunca a desovar: a Caretta caretta, uma espcie que tende a viver nas correntes do oceano Atlntico e que desova sobretudo no continente americano. Voltando a frica, a Repblica Democrtica de So Tom e Prncipe agrega duas ilhas e uma vintena de pequenos ilhus de origem vulcnica, unidos pelo Oceano Atlntico.
44 REPORTAGEM
5% 10%
Mo-branca
Chelonia mydas
Tat
Lepidochelys olivacea
Sada
Eretmochelys imbricata
46% 39%
Ambulncia
Dermochelys coriacea
Percentagem de tartarugas observadas por espcies em So Tom e Prncipe durante as estaes de desova (2003/2007)
Recinto de incubao junto da Casa Tat
Ecoturismo
Com o propsito de sensibilizar os turistas para a causa da conservao das tartarugas marinhas, a associao Marapa organiza quando possvel sesses de libertao de crias. No as marcam, dada a fragilidade. Fazem-no apenas a adultas, a fim de conhecerem melhor os seus hbitos. Sempre de noite, numa praia sossegada ao luar, de um balde escuro saem as crias, recmeclodidas. Hiplito, pescador e tcnico da associao Marapa, retira-as do recipiente e deposita-as na areia clara, como um investimento precioso para a biodiversidade. Os turistas fazem-se ouvir, quase sem palavras. As exclamaes sucedem-se. As tartarugas que sobreviverem s redes deriva, aos plsticos e outros objectos a boiarem na gua e que estes animais confundem com alimento, ou aos seus predadores, podero durar umas boas dezenas de anos. O esforo de sensibilizao da populao maior nos dias que correm. A carne e os ovos destes animais eram uma ementa tradicional apetecida. As carapaas, trabalhadas artisticamente, destinavam-se a venda turstica. A proteco legal destas espcies ajudou-as
Patrimnio portugus
Apesar de no serem da fauna portuguesa mais observvel, o patrimnio natural luso engloba uma srie de rpteis do oceano, embora no desovem nas nossas praias. H inclusive no pas vrias instituies que possuem departamentos que reabilitam tartarugas marinhas, regra geral ali chegadas ou por acidente ou por trfico, portanto neste caso apreendidas pela polcia. Se comearmos pelo Livro vermelho dos vertebrados de Portugal, encontramos de imediato a tartaruga-comum, Caretta caretta. Para Aores e Madeira est oficialmente considerada em perigo. O fundamento para esta classificao prende-se com o facto de a espcie ter tido uma reduo do tamanho da populao de pelo menos 50% nas ltimas trs geraes. Em Vila Nova de Gaia, na Estao Litoral da Aguda, h tambm esforos no sentido de contribuir para a resoluo deste problema. Entre Fevereiro de 2001 e Setembro de 2007, onze indivduos de tartaruga-comum passaram pelos seus servios, tendo sido reabilitadas e libertadas no mar todas, excepto trs, ainda em recuperao.
Esporadicamente h outras espcies de tartaruga marinha que do costa, nomeadamente a tartaruga-couro e outras: a tartaruga-de-kemp (Lepidochelys kempii), a tartaruga-verde (Chelonia mydas), a tartaruga-de-escamas (Eretmochelys imbricata). Outra instituio portuguesa que contribui para estas operaes de conservao da natureza o Zoomarine, no Algarve. Depois de reabilitados, os rpteis marinhos so largados com a cooperao da Marinha a cerca de dez milhas da costa, conforme explica lio Vicente, bilogo e director do Porto dAbrigo: A ideia consiste em encontrarem logo grandes profundidades e assim evitarem a maior parte das redes costeiras sem se confundirem. Estas tartarugas navegam, entre outras coisas, pelo cheiro da gua. A essa distncia a gua j pouca influncia tem da costa e assim no tentam regressar praia e evitam a maior parte das embarcaes. Afinal, seja em frica, na Europa, na sia ou nas Amricas, o problema global e a conservao destes rpteis marinhos passa por esforos concertados em todo o planeta.
* Os milhafres so designados por falces em So Tom e Prncipe.
SALPICOS 45
Inteligncia animal
Diariamente os animais do provas das suas capacidades de comunicao e aprendizagem, bem como de transmisso de conhecimento. Apesar disso, o conceito de animal irracional frequentemente utilizado reduzindo-os a meros seres inteis. Foi a partir de muitas observaes ao reino animal que o Homem melhorou e adaptou comportamentos ao seu quotidiano. Se os animais fossem assim to irracionais, no veramos necessidade de utilizar alguns para nos auxiliar; note-se por exemplo os ces-guia ou ces-polcia. Cada espcie evoluiu respondendo a presses diferentes, muitas adaptaes e os comportamentos ocorrem por imitao, deduo ou tentativa e erro. Os golfinhos fazem as delcias de todos, em espectculos de exibio. Esse facto confirma que estes animais so dotados de inteligncia e, pode o leitor no saber, mas, tal como para ns, a repetio sistemtica de exerccios torna-se enfadonha e leva-os a exigir novos estmulos. s vezes observando comportamentos conseguimos obter respostas, das quais nem sempre estaramos espera. Outra das formas evidentes de inteligncia nos animais o fabrico de ferramentas e utilizao de objectos que auxiliam os animais em diversas tarefas. Os primatas sero os que mais interesse despertam devido proximidade dos humanos. Testes mostram que so capazes de comunicar atravs de linguagem gestual, aprendem palavras e conseguem tambm organiz-las em frases. Algumas organizaes sociais em grupos de animais so bastante mais desenvolvidas e foi possvel perceber que vivendo em grupo tm uma maior capacidade de sobrevivncia. Quem lida com animais domsticos apercebe-se facilmente que estes sentem emoes, tm personalidades e preferncias. Distinguem bem quais os comportamentos dos donos que lhes proporcionam prazer. Como evidente o treino e facilidade de aprendizagem sero pontoschave para desenvolvimento da sua inteligncia. A diferena entre inteligncia e instinto baseia-se na experincia e este no influenciado por experincias anteriores. verdade que muitos comportamentos animais aparecem por instinto, contudo h tambm inteligncia e num mesmo acto pode haver instinto e inteligncia. Chegamos concluso que cada ser possui uma forma particular de inteligncia adaptada ao seu meio, necessidades e mudanas. Nem s os seres humanos possuem o dom da inteligncia e sentimentos. Texto: Sara Pereira, biloga
Jorge Casais
46 ENTREVISTA
Joo L. Teixeira
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Viver na cidade
Jorge Gomes
Gaivotas h muitas
48 ENTREVISTA
No admira: numa mesma espcie h plumagens de Inverno e de Vero, e diferem em vrias idades. Peter acha que no preciso exagerar e puxa a brasa sua sardinha: A realidade que quanto mais te interessas por um assunto mais o dominas. Por este ponto de vista, quanto mais trabalhares com gaivotas, mais facilidade ters em identific-las. A experincia resolve as dificuldades. No h como ignorar o bando em repouso na areia. D gosto v-lo. Quantas espcies estaro ali? Neste momento h claramente trs. Uma a gaivota-de-asa-escura, outra a gaivota-de-patas-amarelas e v-se tambm o guincho. Para descobrir outras teria de olhar com mais tempo. Em Inglaterra a atitude dos observadores de aves diferente, defende: Os observadores de aves julgam-se todos excelentes e, na sequncia de um encontro internacional em 1995, ficou claro que podamos separar as espcies. No seu pas, querem ser bons em tudo! Para eles, quem no as conseguir identificar no sabe nadar, afirma. Nesse evento passou-se a ideia de que podes
Joo L. Teixeira
Uma das gaivotas-de-patas-amarelas urbanizada: Na ltima dcada os ninhos nos telhados tornaram-se habituais
falar da cor das patas, da plumagem, mas at teres uma anilha que possas acompanhar no consegues dizer com certeza como evolui a plumagem. A partir da comearam a ter mais ateno s anilhas. Sobre os lusitanos, Peter diz sem rodeios: Os portugueses so lentos. Aqui ningum
Esta cria de gaivota-de-asa-escura foi anilhada no telhado de um prdio em Bristol, em 9 de Julho de 2007, e foi fotografada recentemente em Matosinhos; trata-se de um macho que talvez venha a reproduzir-se s em 2010
Peter Rock
liga muito s gaivotas. Por outro lado, os espanhis tm progredido muito. E, sobrando para todas as nacionalidades, v como interessante quanto mais comuns so as aves menos ateno lhes dedicada. As pessoas tm-nas como certas e no lhes ligam. O caso dos pardais em Inglaterra tpico: de ave banal passou a ave rara. O motivo claro: Pensa-se que no h muito mais para saber, o que um erro. As andorinhas-das-barreiras foram anilhadas durante muitos anos no meu pas. Um dia algum decidiu, no British Trust for Ornithology, que j se sabia o suficiente. Pararam com o projecto: Em poucos anos houve uma grande quebra da populao e ningum soube explicar porqu com dados concretos. As ondas do mar no se cansam de vir areia e parecem indiferentes polmica. Esta praia est vista por hoje. Enquanto caminha pela areia comenta: Por vezes h espcies menos habituais. O gaivoto-real (Larus marinus), o famego (Larus canus), j vi por a a gaivotade-bico-riscado (Larus delawarensis) e, entre outras, em Palmela, uma vez vi a primeira gaivotadas-pradarias (Leucophaeus pipixcan) para Portugal. Na Afurada, vi uma difcil para o vosso pas, a gaivota-alegre (Larus atricilla). E h fenmenos engraados: por alguma razo a gaivota-de-cabea-preta (Larus melanocephalus) v-se mais na Afurada do que noutros locais. Explica: Agora estou aqui a olhar para as aves procura de anilhas. Enquanto espreita mais uma vez pelo telescpio, comenta: Dei-me conta de que desde 1992 j controlei mais de um milho de gaivotas. H muito tempo gasto nestas observaes e num grupo de aves como este cerca de 0,5% ter anilha. Tratando-se de grandes quantidades, torna-se significativo. Antes de entrar no caf, ainda espreita mais uma vez e exclama: Olha, outra das minhas aves. Vs? Est a andar para a direita. Uma anilha verde.
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Joo L. Teixeira
convenes. Nesta instituio sou eu quem coordena as anilhas de cor na Europa. Por isso, devem contactar-me e verei do que precisam, dar-lhes-ei um esquema com plstico de cor de forma que o cdigo seja vlido. importante no haver confuso entre os vrios critrios, sob risco desse trabalho se tornar invlido: Se no houver essa coordenao perdem-se muitos dados.
Rotas
Segundo Peter, no grupo de gaivotas que se v pela janela, algumas devero ficar por aqui e outras seguiro para sul: Ontem vi aqui em Matosinhos uma gaivota anilhada na Dinamarca. Em 23 de Novembro estava na Figueira da Foz e quatro dias passados esteve em Leixes. Ento no quer dizer que, numa migrao de Outono, vo sempre para sul! Tm uma rea de deslocao. No vm para aqui ver se algum lhes d sardinhas, procuram comida at a encontrarem. H essencialmente dois trajectos migratrios: Uma grande deslocao pelo litoral oeste da Europa, da Noruega, Frana, Portugal, frica; e outra que interessa mais, por exemplo, a aves que se vem em Itlia estas passam pelos Alpes na Primavera. A velocidade da migrao difere: Quando se deslocam no Outono, a sua velocidade mdia de 3 km por dia, ri-se. Devem pensar Gosto disto aqui, vou ficar mais uns dias. muito lento! Na migrao primaveril a velocidade mdia j de 29 km por dia. Algumas destas aves j tm histrias de vida longas: H aves com cerca de 400 registos! Quanto mais antiga a anilha mais informao proporciona: Poderei dizer que uma certa ave migrou para Portugal, mas regressou para Bristol, e quantas vezes repetiu a viagem. Se deu um salto a Espanha esta e aquela vez. Com a boa disposio de quem faz o que gosta, relembra: As gaivotas urbanas esto a tomar conta do mundo. No vo criar em colnias selvagens. Iro apenas trs ou 4%, o que muito pouco. Isso quer dizer que as colnias que nidificam em habitat natural podero diminuir. Com um cheirinho de Darwin, conjectura: Tendes um novo problema em Portugal. Eventualmente podero vir a transformar-se em novas espcies dentro de 10 mil anos. Ainda h alguma luz diurna e Peter quer aproveit-la. Noutras praias h outros bandos. No dia seguinte regressa a Inglaterra: At prxima!. Por isso, se um dia com os seus binculos conseguir ler um cdigo numa pata de gaivota, ou fotograf-la, no deixe cair essa informao.
Anotado o registo, arruma o trip e pousao na esplanada vazia. A chuva recente encharcou as cadeiras. H que entrar no caf. Remata, bem-disposto: Comecei a anilhar gaivotas em 1979. Sabes o que vai acontecer? Quando eu morrer, algumas destas aves continuaro ainda a viver. As minhas aves mais velhas j tm 24 anos de idade!. O melhor registo de longevidade andar pelos 35 anos.
Migraes
Quando Peter Rock foi de lua-de-mel escolheu um pas africano, a Gmbia: Levei o telescpio de observao de aves, uma vez que sabia da existncia de gaivotas nesse pas. A 20 minutos do hotel havia uma bonita praia. Era boa para nadar e fazer um piquenique. Ao olhar pelo telescpio tive o prazer de ver uma das minhas aves. Mais tarde soube que ela fez essa viagem entre Bristol e a Gmbia vrias vezes, atravs dos registos de outros observadores. Na opinio deste especialista em lardeos, a gaivota-de-asa-escura provavelmente a espcie mais importante entre as migradoras que existem em Portugal, dado o seu grande nmero e visibilidade, o que no acontece por exemplo com as andorinhas. H muito para aprender a partir daqui. uma via importante de informao. At como dado complementar das alteraes climticas: Antigamente a gaivota-de-asaescura era uma migrante exclusiva que descia a costa europeia, mas em meados da dcada de 80 comearam a deslocar-se para o interior. Na dcada de 90 em Madrid descobriu-se a primeira ave desta espcie. Em Janeiro de 2007 eram j 58 mil. Observar estas aves d informao sobre uma srie de coisas: Se olharmos para o aquecimento global, um tero dos adultos
destas aves ficam em Inglaterra. Porqu? Chegaram primeiro ao territrio e tm mais tempo para procurar e conquistar os melhores locais. Outra porque j no to frio. A temperatura est invariavelmente acima de zero graus. J quase no h neve ou gelo. Esta adaptao provoca indagaes: o que que fazem aqui? Eu prprio vi uma das gaivotas que anilhei em Madrid, na neve, e apeteceu-me perguntar-lhe o que fazia ali, que que a levou a migrar para Madrid quando a nica coisa que faz sentar-se na neve. Uma gargalhada: Se ficasse em Inglaterra estava melhor. Face aos dados recolhidos, Peter Rock taxativo: Um tero destas aves j no migra. E mais: Provavelmente migram at menos longe, as que migram. Tambm regressam mais cedo. Se dantes chegavam em Maro, agora chegam em Fevereiro: Algumas at em Janeiro. Portanto, quero confirmar que aves esto agora aqui. Malcolm ajuda-me frequentemente. Vive c e vai observando as aves procura de anilhas e toma nota disso. Sem estes dados poderia supor que migram, mas no teria a certeza disso. No universo deste tema destaca: O importante no so os indivduos. O mais interessante que milhares destas aves passam em Portugal. Vm das ilhas britnicas, da Noruega, da Dinamarca, da Alemanha, da Polnia... de todas as partes da Europa. Para as gaivotas-de-asa-escura Portugal a rota mais importante do mundo. J contei 40 mil espcimes, em Outubro, garante. Aceita colaboradores? Se algum quer aplicar anilhas tem de me contactar. Sou coordenador. H outros critrios de anilhagem. Portugal tem um, de anilhas metlicas. A Euring controla todas essas
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que se levanta a identificao: que nome ter? Ser mesmo um pardal ou antes uma toutinegra-de-barrete? Um tentilho? Alguma das espcies de chapim ou de felosa? Verdilhes? Se deitou a mo a um guia de campo de aves selvagens da Europa, entre os passeriformes h-de haver alguns que se aproximam do que viu. Nalguns casos, podem ainda persistir perguntas: ser mesmo isto? Os binculos podem ajudar. Mais tarde ou mais cedo, a dvida dissipa-se. O tira-teimas insistir na observao. Pormenores que tinham passado despercebidos surgem com clareza e, depois da espcie identificada, sucedem-se outros nveis. Se as aves no se sentirem observadas, podem revelar comportamentos interessantes, seja quando se alimentam, quando reforam os laos entre o casal ou quando defendem o seu estatuto e territrio.
Percebida a identificao o observador da vida selvagem chega a outros patamares. Entre a meia dzia de espcies de aves que frequentam o seu alimentador de jardim, qual delas o manda-chuva? O estatuto preponderante cabe aos chapins-azuis, aos chapins-reais ou aos verdilhes? s aves que aparecem em bando ou s que aparecem isoladas? Surgir de permeio algum piscode-peito-ruivo territorial? E no seio das aves que andam em bando, quais as dominantes e as menos influentes na sustentao da sua vontade face ao grupo? So perguntas nem sempre linearmente fceis de satisfazer, mas s quais o prazer da observao de aves vai dando resposta. Ao falar-se de nutrio, ocorre que h aves tipicamente granvoras as que preferem uma ementa de gro. o caso de verdilhes e pardais, de chapins ou tentilhes. H tambm
David Guimares
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Feita a identificao o observador da vida selvagem chega a outros patamares. Entre as aves que frequentam o seu alimentador de jardim, qual delas tem um estatuto preponderante? Os chapins-azuis, os chapins-reais ou os verdilhes? As que aparecem em bando ou as que aparecem isoladas?XXXX
os generalistas, como os melros, os tordos, os piscos. H ainda os que so claramente insectvoros, como as carrias e as felosas. Se bem que ao longo do ano e dependendo da oferta de alimento as ementas se reajustem, a tabela estende-se por essas bandas. No que toca s aves apreciadoras de fruta ou de sementes, h uma srie de alimentadores de jardim que se transformam, desde que criado o hbito, em ncleos de excelncia para observao destas aves selvagens. H alimentadores de mesa diversos, bem como comedouros de tubo. Estes objectos devem ser limpos periodicamente e nunca os deixe esvaziar. Se tiver jeito para trabalhos manuais pode fazer alimentadores tubulares de rede, para gro, onde como autnticas acrobatas as pequenas aves se agarram enquanto no conseguem extrair da malha a semente preferida. Fcil e barato. E h muito mais para fazer se quiser atrair estes vizinhos to cativantes. Por exemplo, se num recanto do seu jardim guardar uma pilha de ramos e folhas de vegetao autctone entremeada de algumas pedras criar condies para que insectos e outros artrpodes ali se concentrem, proporcionando outro tipo de alimento para as aves das suas redondezas. Uma taa com gua limpa tambm lhes agrada. Como em breve comearo a nidificar, se ainda no o fez, instale uma caixa-ninho. No havendo bosques com velhas rvores, h muitas aves que tm dificuldade em encontrar os buraquitos em que aconchegam a prole. Entre as espcies que apreciam as caixas-ninho encontra desde o pardal-monts a diversas espcies de chapim. Experimente!
Lus Frana
Chapim-azul
JG
52 BREVES
no desenvolvimento do programa de biomonitorizao das linhas de gua da zona Norte das ribeiras do Oeste. Esta mesma quinta est etiquetada como sendo de elevado interesse botnico e conservacionista enquanto pequeno reduto de uma flora antiga com um sub-bosque muito rico e espcies de elevado interesse botnico. Foto: Csar Garcia, investigador do Jardim Botnico Fonte: http://diario.iol.pt/noticia.html?id=1018289&div_id=4070
Congresso de herpetologia
O X Congresso Luso-espanhol de Herpetologia decorreu em Coimbra entre 15 e 18 de Outubro. Com cerca de 150 participantes, destacou-se a preocupao sentida com um eventual desaparecimento massivo de anfbios e rpteis, a matria-prima da investigao destes cientistas. Alm do aquecimento global da Terra, h outros factores que prejudicam a sobrevivncia deste sector da diversidade biolgica. Uma representante da comisso organizadora do evento, Maria Jos Castro, apontou a desflorestao e a drenagem de reas hmidas para conquista de terras, bem como a alterao de zonas agrcolas em regime de monocultura, como as ameaas mais preponderantes sobrevivncia deste tipo de fauna. O mais gravoso dos factores foi contudo fixado na destruio de habitats naturais e, segundo o bilogo Jos Miguel Oliveira, a espcie humana quem mais est a contribuir para este desequilbrio. As principais vantagens na conservao destes animais ligam-se ao controlo de pragas agrcolas; as cobras, por exemplo, controlam as populaes de roedores (estes sim, perigosos para a espcie humana) e fazem parte da cadeia alimentar de aves e mamferos, tambm eles fundamentais nos ecossistemas. Feitas as contas, a progressiva perda de espcies de rpteis e anfbios criar um efeito-domin de extino de outras tantas espcies.
Na Quinta da Boneca, no centro das Caldas da Rainha, o investigador Csar Garcia, do Jardim Botnico do Museu Nacional de Histria Natural da Universidade de Lisboa, encontrou uma planta que se pensava estar j extinta no nosso pas: a Fissidens exilis. Trata-se de uma pequena planta da famlia das Fissidentaceae, que vive em taludes geralmente calcrios, hmidos e sombrios, no formando geralmente populaes de elevada dimenso. A populao agora descoberta nas Caldas da Rainha importante porque ocupa uma rea considervel, afirma uma fonte da Associao Nostrum, que adianta ser uma espcie presente na Lista Vermelha dos Brifitos da Pennsula Ibrica, onde se encontram as espcies em maior risco de extino no territrio Ibrico. Csar Garcia identificou esta rara planta na ribeira da Quinta da Boneca
Hugo Oliveira
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Sequestro do carbono
Cada dia que passa h mais empresas e cidados a confiarem ao Parque Biolgico de Gaia o sequestro de carbono
Ablio e Margarida Almeida Alice Branco e Manuel Silva Ana Filipa Afonso Mira Arnaldo Jos Reis Pinto Nunes Bernadete Silveira Carolina de Oliveira Figueiredo Martins Carolina Sarobe Machado Dinah Ferreira Dinis Nicola Famlia Carvalho Arajo Famlia Loureno Francisco Saraiva Ins, Ricardo e Galileu Padilha Joaquim Pombal e Marisa Alves Jorge e Dina Felcio Jos Afonso e Lus Antnio Pinto Pereira Empresas que j aderiramTeixeira Gomes Jos Antnio campanha: Jos Carlos Loureiro Jos da Rocha Alves Jos, Ftima e Helena Martins Luana e Solange Cruz Paula Falco Pedro Manuel Lima Ramos Rita Nicola Sara Pereira Serafim Armando Rodrigues de Oliveira Srgio Fernando Fangueiro Vnia Rocha
AGIR 55
Joo L. Teixeira
56 BAZAR
Loja do Parque
Prxima da Recepo do Parque Biolgico de Gaia esta loja disponibiliza-lhe inmeros produtos inspirados na natureza. Deixamos-lhe algumas sugestes...
Livro
Livro
Uma Escola sem Muros 7.00 euros
17.70 euros
Livro
reas de Importncia Natural da Regio do Porto - Memria para o futuro 20.00 euros
BIBLIOTECA 57
Vila Nova de Gaia, numa ilustrao do livro o Minho Pittoresco, de Jos Augusto Vieira (Porto, 1887). Coleco do Parque Biolgico.
58 FOLHEAR
O prazer de ler agarra os livros que vo saindo e quer conserv-los. Num tempo em que as edies electrnicas avanam, damos nota de alguns dos ttulos que nos passaram pelas mos
Leituras
Lagoas
O livro As lagoas do novo milnio rene vrias sequncias fotogrficas das zonas hmidas de Ponte de Lima. Com fotos e textos de Jos Antunes, as vrias estaes do ano marcam o ritmo da obra que sai a pblico num formato horizontal. Enquanto nas estaes frias os patos-bravos batem as asas entre a bordadura despida de salgueiros e amieiros, nos perodos mais amenos do ano o coaxar das rs face da gua encontra no limite o voo das guias. Com cerca de 150 pginas, esta obra uma edio do Municpio de Ponte de Lima e regista uma viso da natureza limiana.
Lontras
Paulo Caetano assina os textos de um livro sobre as lontras centradas no territrio portugus. Com suporte num trabalho que se desdobra do Norte ao Sul do pas, o trabalho de vrios investigadores o ponto de suporte da apresentao dos factos alusivos a este musteldeo que, no prefcio de Mrio Zambujal, surge como uma esquiva criatura que tem sorte em no figurar, por c, no rol dos animais em vias de extino. Outro galo cantaria se a sua carne no fosse intragvel para o paladar humano (...). Com cerca de 130 pginas, a edio de M-Criao.
Cogumelos
Os guias de campo abordam os mais diversos temas: aves, plantas, borboletas, vida marinha, astronomia... A editora Everest publica agora uma coleco cujo produto mais recente escolheu os cogumelos como tema de eleio. O assunto no fcil. Uma mesma espcie nem sempre de uma s cor e por vezes at a forma e a textura podem modificar-se. Alguns so mortais, outros perigosos e outros comestveis. Se certo que, por segurana, h uma advertncia sensata Os dados que aparecem neste guia foram cuidadosamente investigados e comprovados. Apesar de tudo, a editora declina qualquer reponsabilidade por danos pessoais, materiais ou econmicos , vale sem dvida alguma pela preciosa ajuda na compreenso destas formas de vida que surgem quando menos se espera como chapus mgicos a espreitarem do cho. Com o formato de livro de bolso, esta obra tem 191 pginas.
CARTOON 59
COLECTIVISMO
Parque Biolgico de Gaia 4430 - 757 Avintes Tel. + Fax: 227 878 120
[email protected] www.vidaselvagem.pt
60 COLECTIVISMO
Lagartagis: reabertura
O Lagartagis, a estufa de borboletas vivas do Jardim Botnico dos Museus da Politcnica, est fechado ao pblico desde Setembro de 2008. Devido a problemas financeiros, vimo-nos obrigados a tomar esta difcil deciso, aps quase dois anos de intenso trabalho, e apesar dos bons resultados obtidos em termos de pblico. J contamos com mais de 60 000 visitantes, com particular destaque para os muitos alunos que vieram aprender sobre borboletas, plantas, ecossistemas, biodiversidade, outros insectos ou sobre aranhas. Pela conscincia que o projecto do Lagartagis uma iniciativa nica no pas e extremamente importante para a educao e sensibilizao ambiental da sociedade portuguesa, insistimos teimosamente em criar as condies necessrias para o seu funcionamento. Atravs do apoio dos Museus da Politcnica e da Fundao para a Cincia e Tecnologia, a reabertura ao pblico pode desde j ser equacionada. Ns podemos apresentar ao pblico uma estrutura que cumpra todos os objectivos para que foi criada, onde seja possvel observar de perto mais de 20 espcies nos seus diversos estados do ciclo de vida ou realizar actividades pedaggicas baseadas na experincia. Para que o Lagartagis se converta num local de eleio da conservao ex-situ em Portugal, continuamos a precisar do vosso apoio. Queremos melhorar as infra-estruturas do laboratrio, instalar um sistema de rega automtica, fazer muito trabalho de campo, promover campanhas publicitrias, divulgar os resultados cientficos, e especialmente apostar na realizao de propostas pedaggicas inovadoras. O Plano Tecnolgico da Educao em Portugal, com o desenvolvimento de um programa de modernizao tecnolgica das escolas pblicas, permite explorar novas metodologias de aprendizagem. Esperamos j no prximo ano avanar com um projecto-piloto de aulas on-line, a partir do Lagartagis para escolas localizadas no interior do pas. Sabemos que o Lagartagis j importante para muitas pessoas. A notcia do seu encerramento temporrio suscitou manifestaes de indignao de muita gente. Achamos que o momento de apelar directamente interveno dos cidados. De modo a garantir a viabilidade deste projecto, e abrir de novo as portas na Primavera de 2009, propomos a doao mensal de 5 euros para a estufa das borboletas. Com o apoio financeiro de pelo menos
Jorge Gomes
400 pessoas atingimos a viabilidade econmica do projecto. Para alm da importante contribuio para a reabertura e funcionamento da estufa de borboletas, os Mecenas do Lagartagis tero tambm diversas contrapartidas imediatas, das quais destacamos: entrada gratuita no Jardim Botnico e no Lagartagis; scios efectivos do Tagis; participao na programao das actividades da estufa; recepo de um relatrio trimestral das actividades realizadas e benefcios fiscais. Para aderir Campanha de apoio para a reabertura do Lagartagis, pedimos o favor de consultar a informao disponvel em www.publico.pt/borboletasnaweb Por Patrcia Garcia-Pereira, biloga
Tagis Centro de Conservao das Borboletas de Portugal Museu Bocage MNHN Rua da Escola Politcnica, 58 1250-102 Lisboa Tel. + Fax: 21 396 53 88 [email protected] www.tagis.org
Transumncia e natureza
A Associao Transumncia e Natureza (ATN), ONGA com sede em Figueira de Castelo Rodrigo, e o Colectivo Germinal organizaram campos de trabalho voluntariado para a reflorestao da Reserva da Faia Brava, que decorreram em 24, 25 e 26 de Outubro e em 7, 8 e 9 de Novembro. O objectivo primeiro foi o repovoamento de reas ardidas e agrcolas abandonadas, promovendo assim a recuperao destes ecossistemas. Houve tambm a manuteno de um viveiro florestal e recolha de sementes de espcies autctones. As rvores utilizadas para os repovoamentos so autctones, como carvalhos (sobreiros, azinheiras, roble, etc), freixos, entre outras. As reas intervencionadas so propriedade da Associao Transumncia e Natureza, sendo portanto protegidas. Toda a rea est inserida num projecto de criao de uma futura reserva natural. Estas aces tm por objectivo criar as condies necessrias para a recuperao de um ecossistema natural onde espcies da fauna e flora autctones, possam sobreviver e prosperar.
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Amigos do Parque
Os scios da Associao dos Amigos do Parque Biolgico de Gaia com as quotas em dia tm livre trnsito no Parque Biolgico de Gaia. Apesar do tempo incerto, ora sol ora chuva, um passeio no percurso de descoberta da natureza continua a funcionar como um livro aberto capaz de desvendar surpresas inesperadas. Agora que caiu uma grande parte das folhas do arvoredo, os ninhos que as aves fizeram na Primavera passada esto vista. Mais interessante ainda que, sobretudo se trouxer binculos, ver desfilar uma srie de aves selvagens em liberdade que nunca ningum se cansa de ver. o caso dos guarda-rios. Estas aves vem-se com frequncia num dos ltimos lagos do percurso, a seguir ponte de madeira sobre o rio Febros. Silncio! Voou do ramo do amieiro e mergulhou. Sai logo da gua com um pequeno peixe no bico e pousa perto. Bate com o peixe no ramo uma e outra vez. Com ritmo, engole-o. Os piscos-de-peito-ruivo andam ali volta. Apesar do Inverno, sempre territoriais, o que quer dizer que se fartam de tirar satisfaes com os rivais mais prximos a cantam nos preliminares. parte essas visitas espontneas, h actividades em que pode participar, como por exemplo em 7 de Fevereiro. Todos os primeiros sbados de cada ms, o Parque Biolgico de Gaia prope um programa especial e proporciona aos seus visitantes um programa variado. Com incio s dez, o atelier habitual ser substitudo por uma sada do Parque Biolgico em autocarro para visita de estudo e observaes de aves selvagens no Esturio do Rio Douro. Depois do almoo, s 14h30 h uma palestra sobre As zonas hmidas de Portugal. Pelas 15h00 quem quiser pode aderir visita guiada pelos tcnicos do Parque que realizam em simultneo um percurso ornitolgico. Ser difcil no ver as grandes garas-reais selvagens que escolhem o Parque enquanto aguardam pela Primavera para regressarem aos seus locais de nidificao, mais a Norte.
Joo L. Teixeira
O Inverno uma estao do ano com caractersticas diferentes e que pode revelar uma observao da natureza distinta das outras pocas do ano. Siga o nosso conselho e faa as suas prprias descobertas.
Associao dos Amigos do Parque Biolgico de Gaia Parque Biolgico de Gaia 4470-757 AVINTES Tel. 227878120 [email protected]
Joo Neves
SPEA Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves Avenida da liberdade, n 105 - 2 - esq. 1250 - 140 Lisboa Tel.: 21 322 0430 / Fax: 21 322 04 39 - E-mail: [email protected] Pgina da Internet: www.spea.pt
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Durante as grandes mudanas climticas pleistocnicas, com avanos e recuos dos gelos continentais (glaciares), o territrio continental portugus esteve coberto de florestas diferentes das actuais at ao perodo subsequente que se prolongou at actualidade com um clima atlntico e ou mediterrneo. Hoje, quem percorre as cumeadas das serras portuguesas dificilmente imagina que estiveram cobertas de floresta. Todavia, o conhecimento adquirido atravs da anlise de plen fssil e outros fitofsseis mostram que as nossas serras no eram um deserto de pedras mas sim cobertas de florestas. A tnica da reflexo histrica de Aquilino sobre a da floresta incide na degradao a que as serras foram sujeitas, vtimas de ocupao excessiva, procedimentos incorrectos e desrespeito pela Natureza desde tempos remotos. O escritor conhece e menciona as descries de Estrabo na poca romana: a Lusitnia era um pas farto e povoadssimo (Geografia Sentimental). A populao sempre utilizou os carvalhos e os respectivos ecossistemas (carvalhais), alterando a sua composio e estrutura, fazendo-os desaparecer de vastas reas do pas. Assim, nas encostas das montanhas do Centro e Norte de Portugal, para suprir as necessidades, particularmente alimentares, a populao rural ordenou o territrio em zonas de pastoreio, de cultivo e de floresta. Est demonstrado que o fogo foi um dos processos utilizados pelo Homem para desbravar as florestas originais. Aquilino tambm o refere: Sabemos pelas breves referncias dos gegrafos antigos, di-lo a crtica proto-histrica que a Lusitnia era espessa e contnua mata de Norte a Sul. O invasor latino deitou o fogo para vir s mos do brbaro. Depois, o rabe, para mais afeito ao deserto, acabou por escalvar o monte e a gndara. A vida vegetal renasceu das cinzas quem o duvida? e, quando porventura de novo a sombra aromtica e proveitosa da rvore se entranava sobre o territrio, as hostes de D. Afonso Henriques tiveram de recorrer ao fogo como ao ferro para expulsar o agareno. Imaginem os incndios colossais, verdadeiras imagens do fim do mundo, que devoraram a floresta secular! Que assim , sente-se no medo atvico assolapado no fundo da alma popular pelo fogo, o rebate dos sinos, o juzo final, as labaredas do inferno! (Aldeia); O habitante era bicho das brenhas. Guerras e vandalismo de toda a ordem destruram o produto benfico e previdente da natureza. O homem encarniava-se contra o homem e, para melhor facilidade no extermnio, o fogo predispunha a obra do ferro. As florestas
centenares, que vestiam os montes e vales, a arder no cu nocturno, mais de uma vez deviam dar aos homens a ideia pavorosa de cataclismo universal (Arcas Encoiradas). As florestas tambm foram importantes nas guerras e nas defesas dos invasores, como aconteceu, por exemplo, na Segunda Guerra Mundial em que os alemes nunca dominaram o exrcito clandestino francs, camuflado no maquis (floresta mediterrnica); na Guerra do Vietname, que os americanos no conseguiram ganhar por causa das densas florestas onde os vietnamitas se acoitavam, embora tentassem desfolh-las criminosamente; nas ltimas guerras coloniais, onde os nacionalistas se refugiavam e resistiam, sendo Timor o exemplo mais recente. Na realidade, a cobertura florestal do nosso pas sempre nos serviu nas guerras quer contra os romanos (Viriato e os lusitanos foram considerados por Estrabo como bandoleiros e salteadores que se refugiavam na floresta), quer contra os rabes, pois os nossos exrcitos expulsaram os mouros camuflando-se na floresta ou, como refere Aquilino, incendiandoas: as hostes de D. Afonso Henriques tiveram de recorrer ao fogo como ao ferro para expulsar o agareno( Aldeia). Estas e outras utilizaes provocaram modificaes do coberto florestal do pas e condicionaram o modo de vida das populaes, implicando alteraes sociais e alimentares. Quando Portugal estava coberto de florestas (carvalhais), Estrabo descreve como os lusitanos se aqueciam com lenha da floresta, dormiam em camas de folhas da floresta, se alimentavam da caa, do peixe e dos frutos da floresta (...vivem durante dois teros do ano de glandes de carvalho. Secam-
nas e trituram-nas, depois transformam-nas em farinha para fazerem um po que se conserva por muito tempo, e matavam a sede com gua dos rios e bebidas feitas com frutos silvestres, como por exemplo a cidra (Uma espcie de cerveja a sua bebida ordinria...). Com o arrotear das florestas e o aumento demogrfico, a caa diminuiu de tal modo que as populaes modificaram os seus hbitos e passaram a viver da pastorcia, utilizando muitas vezes o fogo para diminuir a rea florestal. Desta maneira, ficaram sem frutos silvestres e sem po do monte (feito de bolota e de castanha). Assim, viram-se na necessidade de cultivar as plantas que lhe dessem o po e a fruta. O povo, que antes vivera da floresta, passou a viver da agricultura e da pastorcia com as inerentes modificaes da paisagem. O escritor tambm explica a paisagem desflorestada em consequncia da prolongada ocupao humana daquele territrio: Cresciam ali exemplares que davam madeira bastante para uma nau. No se fala do pinheiro (...) Alguns daqueles carvalhos e castanheiros viram passar visigodos e agarenos, e alimentaram de castanhas e glandes os velhos portugueses quando ainda ignoravam o milho, a batata, o trigo e outros primores exticos importados modernamente para os nossos agros (Geografia Sentimental). Na Primavera e Vero, com os campos ocupados com produtos agrcolas foi necessrio derrubar ou incendiar reas florestadas para criar prados para pastoreio nessa poca do ano, hoje designados lameiros ou prados de lima. Por outro lado, a pastorcia extensiva e intensiva teve grande impacto na destruio da flora
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portuguesa. A transumncia dos rebanhos das plancies para as montanhas no Vero, e vice-versa no Inverno, s decaiu no sculo XX com o plano de rearborizao do Estado Novo. Os fogos e a prtica das queimadas nas regies agrcolas e tambm nas regies de pastoreio foram um factor que contribuiu, e continua a contribuir, para a desertificao das nossas montanhas. As referncias de fogos em Portugal podem remontar-se, pelo menos, aos fins do sculo XII, e os seus nefastos efeitos operaram uma modificao quase integral na cobertura vegetal de Portugal, e o consequente assoreamento de uma grande parte dos nossos rios. Os ecossistemas florestais portugueses foram sendo substitudos por urzais (Erica spp. e Calluna vulgaris), giestais (Cytisus spp.) e tojais (Ulex spp.) ou formaes naturais mistas de urzes, giestas, tojo e carqueja (Pterospartum tridentatum), vulgarmente conhecidos pela designao genrica de matos. Estes matos aumentaram muito a sua rea aps os Descobrimentos e respectiva Expanso, pois a madeira mais utilizada para a construo das naus foi a de carvalho, particularmente a do carvalho-alvarinho (Quercus robur). Nestes matos antrpicos (baldios), a aco humana foi continuada e provocou alteraes na respectiva composio e estrutura. A urgeira (tambm designada urze, torga ou queiroga) tornou-se predominante e, no tendo a populao a floresta que lhe dava lenha, comeou a utilizar a lenha destes ecossistemas. Algumas destas plantas atingiam o porte arbreo, como, por exemplo, a urze-branca, que Lineu designou por Erica arborea. Quando pelo corte intensivo estas comearam a escassear, as populaes comearam a utilizar carvo. Para o fabricar, usavam as toias das urzes e nunca as das giestas, tojos e carqueja (leguminosas). O povo sabia empiricamente que as leguminosas enriquecem os solos de compostos azotados, tornando-os mais frteis, o que era importante para o desenvolvimento das herbceas relevantes para a pastorcia. De facto, as leguminosas (tremoceiros, feijoeiros, faveiras, ervilheiras, tojos, carqueja, giestas, etc.) tm uma associao radicular simbitica com uma bactria (Rhizobium leguminosarum) que fixa o azoto atmosfrico, enriquecendo o solo em nitratos. Alis, quando um campons abastado tinha muitos campos para agricultar e no tinha estrume suficiente para todos, nos terrenos que no cultivava por falta de estrume, semeava tremoceiros (leguminosa), colhia o tremoo e enterrava as plantas para nitrificar o solo. por isso que nestes matos quando no cortados como cama para o gado os tojos e as giestas atingem porte invulgar, como j o escritor refere: Para o cume da serra, onde o
marco geodsico acusa os seus 1110 metros de altitude, a vegetao predominante a urgeira, de que o indgena extrai o carvo para as forjas, e o mato galego, em que entra toda a casta de arbustos, sargao, fieito, carpanta, bela-luz, rosmaninho, esteva, etc, etc. Estas plantas esto ali desde o tempo das cavernas e acusam propores inusitadas. Uma haste de carqueja chega a medir mais de dois metros de altura (O Homem da Nave). Mais tarde, para a construo da rede de caminho-de-ferro foram desbastadas as florestas onde predominava o carvalho-negral (Quercus pyrenaica), cuja madeira servia para o fabrico de dormentes (travessas para assentar os carris). Foi assim que as montanhas do Norte e Centro de Portugal se despojaram de florestas e se cobriram de matos. Como j se referiu, estes matos assumiram uma importncia crucial na economia rural, pois eram reas de pastoreio, produtores de combustvel (lenha e carvo) e usados para alimentar o gado nos currais, para lhe servir de cama e, depois de pisado e misturado com urina e excremento, como adubo natural. Daqui resultou o empobrecimento vegetal da cobertura do solo, com a sua consequente eroso, e a transformao das montanhas em zonas pedregosas, plenas de afloramentos e blocos rochosos tambm descritas por Aquilino: A maior parte das vezes o fraguedo a forma ulterior que insculpiu a eroso na face dos montes, em seguida ao desnudamento vegetal. Da carcaa que apodrece ao ar livre perduram ossos brancos, lisos e inteis (...) O penedal a runa palacega da montanha (O Homem da Nave); A eroso acabou por pelar os outeiros. Em muitos j desagarrou a coirama ferrenha do matio. O que subsiste pouco mais que a armadura de pedra (Geografia Sentimental). Aquilino conheceu algumas das serras com outro revestimento e estava consciente das alteraes ecolgicas desencadeadas pela desarborizao: Se retraio a vista para o crculo de horizontes prximos, montes e plainos apresentam-se despojados da vestidura vegetal que lhes conhecia. Que das belas matas e moitas onde as rolas, o cuco, o marantu, a popa, o cavalinho, o melro dos rochedos lanava, s madrugadas de Primavera jucundssimas cavatinas? (Geografia Sentimental). A partir da segunda metade do sculo XIX, essas reas de mato comearam a ser rearborizadas com o pinheiro-bravo (Pinus pinaster). O pinheiro-bravo ecologicamente uma rvore bem adaptada aos ambientes de Portugal atlntico. Sendo uma resinosa de crescimento mais rpido que o carvalho, foi semeada ou plantada com maior profuso do
que o pinheiro-manso (Pinus pinea) e do que as folhosas, tendo ampliado extraordinariamente a respectiva rea, particularmente aps a criao dos Servios Florestais e da poltica de arborizao do Estado Novo. Outrora cobertas fundamentalmente por carvalhais caduciflios, as nossas montanhas transformaram-se ento num imenso pinhal, formando a maior rea de pinhal contnuo da Europa. O povo que vivera da floresta primitiva (caa, bolota, castanha, etc.), aps a destruio desta, passou a viver dos matos (pastorcia), foi obrigado a modificar novamente os seus hbitos para viver com e do pinhal. Estas ltimas alteraes foram contestadas pelas populaes. Na poca da implementao da arborizao dos baldios comunitrios, delegaes de pastores deslocaram-se a Lisboa para reclamar contra a poltica que lhes retirava as reas de pastoreio. No tendo sido escutados, os pastores chegaram a incendiar reas que os florestais arborizavam. Muitas vezes os Servios Florestais usaram as foras militarizadas para conseguirem arborizar as serras. Aquilino foi um ptimo cronista destes episdios histricos, expondo argumentos a favor e contra a poltica de arborizao, testemunho das diferenas de interesses socioeconmicos e polticos, e da relao entre o Homem e a Natureza e nunca concordou com uma arborizao dos baldios que impusesse s populaes uma alterao dos seus hbitos, como aconteceu com a poltica florestal do Estado Novo. O escritor refere a argumentao favorvel tanto dos Servios Florestais: Com o revestimento vegetal dos oiteiros, beneficia o regime hidrulico da regio. Minas e fontes de superfcie adquirem mais constncia no seu fluxo, e os rios e corgos inundaro menos os campos e possvel que no arrastem terras. No se fala das vantagens de ordem sanitria e climtica (Quando os Lobos Uivam), como individuais, como a de um emigrante regressado do Brasil, que questionava os seus conterrneos: Esto vocs certos que ficam roubados? No para vosso bem que vem o arado mecnico rasgar o maninho? (Quando os Lobos Uivam). Porm para os serranos a resposta era clara: Os pinheiros cortam-nos eles, quando forem medrados. As estradas que se propem fazer pela serra fora s para eles que servem, as casas constroem-nas para os guardas. Pem telefones, mas para uso prprio, prevenirem os postos se os mateiros andam lenha ou lhes cortam uma estaca (Quando os Lobos Uivam). Dos recursos que o baldio fornecia s populaes serranas aproveitavam principalmente os mais pobres: Muita gente vive de arrancar torgas
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e fazer carvo (...) A serra para uns e outros, especialmente para o pobre, a possibilidade de fazer o molho, encher o carrinho, que lhe vai buscar o lavrador amigo ou condodo, e a liberdade (Quando os Lobos Uivam). A populao serrana estava disposta a resistir: A serra era de nossos pais e avs, dos nossos rebanhos, dos lobos que no-los comiam, do vento galego que afiava l pelos descampados as suas navalhas de barba (...) Quem vier para no-la tirar, connosco se h-de haver! (Quando os Lobos Uivam). Esta afirmao muito semelhante que o escritor reproduziu noutra obra: A serra nossa... C nascemos, c vivemos, c ficamos. Que se adiantem, e depois que se queixem (O Homem da Nave). Aquilino discorreu sobre as consequncias desta arborizao: a serra arborizada renderia, no futuro, economicamente dez, vinte vezes mais do que tal como est, abandonada lei das estaes, rapada hoje pela sachola dos roadores, espontada de vegetao nova, na Primavera, pelos gados (Quando os Lobos Uivam). Defendeu como soluo para a gesto florestal uma mudana de uso e coberto, garantindo ao mesmo tempo um valor que prezava acima de tudo, a liberdade: Mas havia de ser o povo, guiado pelos Servios Florestais, assistido em tudo pelo Estado que deveria proceder arborizao, sem o obrigarem a perder o sentimento de liberdade que ali desfruta (Quando os Lobos Uivam). Com os baldios transformados em pinhais o povo foi obrigado a abandonar a pastorcia, terminar com as transumncias, acabando por ter como soluo pinheirar as suas reas de matos, que lhe davam madeira, lenha, resina, e muitos objectos manufacturados artesanalmente, como socas, colheres, garfos e at facas. Ocorre ento mais uma modificao
de hbitos. O gado ficou restrito s cortes (reas vedadas) servindo o mato dos pinhais para cama e produo de estrume. Esta silvicultura mono-especfica teve como consequncia a maior facilidade da origem e propagao dos incndios e pragas, como o caso da doena da murchido do pinheiro, provocada pelo nemtode-da-madeira-dopinheiro (Bursaphelenchus xylophilus), que est a dizimar os pinhais de pinheiro-bravo. At dcada de 1970, os incndios florestais no tinham a dimenso actual porque os Servios Florestais estavam apetrechados com pessoal e tecnologia para os detectar e combater, mesmo quando resultavam de aces criminosas. Tambm Aquilino previu a ocorrncia de grandes fogos florestais naturais ou criminosos, nas plantaes monoculturais de pinheiro e respectivas consequncias. Assim, descreve o fogo posto que conduziu destruio de vastas extenses de pinhais: Ajuntou mato, carquejas, ramos secos, que havia por um lado e outro em pleno bastio. Acendeu um fsforo, viu as primeiras flamechas, voltou a cavalgar, e toca rumo ao Norte. Repetiu a cena (...) noitinha, a serra do Milhafres era um pavoroso mar de chamas. O calor sufocava. J os primeiros rescaldos, empestando a atmosfera, exalavam um hausto envenenado, que era molesto respirar (Quando os Lobos Uivam). Nas ltimas dcadas incrementaram-se to desenfreadamente as plantaes de eucaliptos (Eucalyptus globulus), rvores de crescimento mais rpido do que os pinheiros, que se criou, em Portugal, a maior rea de eucaliptal contnuo da Europa, com piores consequncias, pois constituem reas de baixssima biodiversidade. Porm, Aquilino no as refere, por ser prtica florestal relativamente recente. Tal como na poca de Aquilino Ribeiro, a
questo florestal um tema nacional da maior relevncia. Durante sculos, arrotearam-se reas florestais para campos agrcolas e pastagens, criando um mosaico agro-silvo-pastoril, como so exemplo as paisagens de bocage e dos prados de lima ainda existentes no Norte de Portugal. Este modelo de ocupao compartimentada do solo aquele que maximiza a biodiversidade escala regional. Ao contrrio, as arborizaes contnuas e monoespecficas, e com rvores no autctones das montanhas (pinheiro-bravo e eucalipto), diminuem drasticamente a biodiversidade e so responsveis pela ocorrncia e propagao rpida de grandes fogos florestais, como os das ltimas dcadas. Para evitar estes males, deve proceder-se a uma recuperao das reas ardidas, por regenerao natural e arborizao com resinosas e folhosas. Uma florestao compartimentada e ordenada e com utilizao de espcies autctones, com resultados a longo prazo, pode garantir um futuro florestal sustentvel e sem incndios devastadores para as geraes. Tambm esta estratgia para um futuro melhor tinha sido j referenciada por Aquilino: Quantos anos levaria a revestidura de castanheiros? Se todo o homem de corao vive no tempo, plantados ali hoje, ainda que fossem pequeninos como espargos, daqui a dois, trs, quatro sculos, seriam gigantes, e falariam de ns melhor que poemas picos ou monumentos de bronze (O Homem da Nave). Foi pena que no s, no seu tempo, a sua obra tivesse sido pouco lida (foi persona non grata do Estado Novo), como tambm os governantes e os florestais nunca o tivessem ouvido. Infelizmente, tal como ontem, continuamos na mesma: ningum ouve os ambientalistas.
O Parque Biolgico de Gaia pretende florestar mais 23 hectares, prximo do n de Vilar de Andorinho, do IP1, a juntar aos 35 hectares de rea florestada. Nestes 23 ha ficaro assinaladas as pessoas e entidades que contriburem para a sua aquisio. Ajude a neutralizar os efeitos das emisses de CO2, adquirindo rea de floresta em Vila Nova de Gaia com a garantia dada pelo Municpio, atravs do Parque Biolgico, de a manter e conservar e de haver em cada parcela a referncia ao seu gesto em favor do Planeta.
O objectivo adquirir 230 000 m2 de terreno e t-los totalmente arborizados at ao fim do perodo previsto no Protocolo de Quioto (2012)
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