(Trecho) Literatura Ocidental - Salvatore D'onofrio

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DONOFRIO, Salvatore. Literatura Ocidental: autores e obras fundamentais. So Paulo: tica, 1990.

A poca Romntica da Era Moderna


Link Romance do Sculo XVIII O gnero narrativo (p. 334-6) A prosa de fico afirma-se como um dos gneros literrios mais cultivados e lidos somente a partir da segunda metade do sculo XVIII. Enquanto antes o romance era considerado uma forma de literatura amena, feita para o entretenimento e a diverso de uma camada da sociedade no-educada na severidade dos estudos clssicos, com o advento do Romantismo a narrativa em prosa passa a exercer a funo da antiga poesia pica, que tinha a finalidade de representar a totalidade da vida, quer explorando os conflitos existenciais, quer analisando comportamentos e paixes humanas. No Romantismo alemo, avulta a figura de Goethe (1749-1832), cujo romance Os sofrimentos do jovem Werther teve larga repercusso internacional. Seu protagonista tornouse o prottipo do heri romntico, homem doente, inconformado, melanclico, que encontra no suicdio a soluo do problema fundamental do homem romntico: a impossibilidade de adequar as aspiraes ao absoluto do eu com as limitaes da vida cotidiana. Tambm a narrativa romntica de lngua inglesa apresenta vrios autores e obras de extrema relevncia. O escocs Walter Scott (1771-1832), com seu Ivanho, cria o romance histrico, de larga imitao na literatura ocidental. Ambientado na Idade Mdia da poca das cruzadas, expressa bem o gosto romntico de reviver o mundo gtico dos castelos, das damas, do amor cavaleiresco e das aventuras mirabolantes. Na Frana, as idias geniais de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), mais filsofo do que ficcionista, tiveram o mrito de preparar os adventos do Romantismo e do Socialismo. Suas obras mais importantes so: Emlio, em que apresenta seu pensamento pedaggico: a tese da bondade natural do homem (o mito do bom selvagem) e da maldade como conseqncia das exigncias da civilizao leva Rousseau a propor um tipo de educao segundo a natureza de cada um, de forma que a criana possa desenvolver suas aptides espirituais; Contrato social, tratado de teoria poltica em que ele sonha com o surgimento de uma sociedade onde os indivduos, sem deixar de serem livres, vivam em funo do bem comum; A nova Helosa, romance epistolar que exalta o amor idealizado. Pela insistncia sobre o conceito de liberdade e de fraternidade, por exaltar as foras da natureza e, sobretudo, por considerar o sentimento como a faculdade mais sublime do homem e a fonte de todo o verdadeiro conhecimento, Rousseau considerado o grande precursor do movimento romntico na Europa. O idealismo romntico foi introduzido na Frana por madame De Stel (1766-1817), filha de um banqueiro protestante de Genebra. Atravs de sua obra De lAllemagne e das convenes culturais e polticas que mantinha no seu salo de Paris, ela conseguiu quebrar o monolitismo da civilizao clssica francesa, mostrando a beleza das paisagens, dos costumes e da cultura do centro e do norte da Europa que, nos albores do Romantismo, estava em franco desenvolvimento. Suas obras de fico, os romances Delphine e Corine so exemplos de narrativas sentimentais, bem ao gosto da poca.

Mas o verdadeiro iniciador do Romantismo francs foi Chateaubriand (1768-1848), herdeiro do pr-romntico Rousseau. Suas obras de fico mais importantes so os dois romances Ren e Atala, em que, num estilo retrico, quase jornalstico, descreve a beleza das paisagens exticas e as relaes sentimentais que envolvem os personagens romanescos. Ao exemplo de Rousseau (Confisses), ele tambm cultiva a autobiografia ficcional: Memrias de um alm-tmulo. Alexandre Dumas (1802-1870), chamado de pai para distingui-lo do seu filho natural homnimo, tambm romancista e teatrlogo, teve enorme sucesso com suas narrativas de capa e espada. Suas obras principais, Os trs mosqueteiros e O conde de Monte Cristo, se tornaram uma verdadeira literatura de massa, sendo exploradas, mais tarde, pela cinematogrfica. Stendhal (1783-1842), pseudnimo de Marie-Henri Beyle, introduziu na Frana o romance psicolgico, com ntida tendncia para o estilo realstico de descrio da vida. O tema da ambio do jovem pobre que quer ascender socialmente atravs do amor com damas de nobre prospia predomina em sua prosa ficcional. Julien Sorel, protagonista de O vermelho e o negro, e Fabrcio, protagonista de A cartuxa de Parma, tornaram-se personagens-tipo do jovem aventureiro, ambicioso e apaixonado. O maior expoente do Romantismo francs , porm, Victor-Marie Hugo (1802-1885). Fazendo referncia apenas sua prosa de fico, assinalamos as seguintes obras: Han de Islndia (1823), obra juvenil, que seguia a moda do romance negro; Bug-Jargal (1826), romance de aventura no estilo de Walter Scott; prefcio ao drama Cromwell (1827), considerado como o manifesto do movimento romntico na Europa; Notre-Dame de Paris (1831), romance de personagem e de espao; Os miserveis (1862), a obra-prima da fico romntica em prosa; Os trabalhadores do mar (1866); O homem que ri (1869).

Realismo, Naturalismo, Parnasianismo


Link romance do sculo XIX A fico realista em prosa (384-9) Muito embora a narrativa de fico conquistasse um lugar de destaque na histria da literatura ocidental na poca romntica, com o movimento realista que ela se afirma como o gnero literrio mais cultivado, substituindo a poesia pica na expresso da totalidade da vida. Segundo a tese de R. Jakobson, o Romantismo esta vinculado mais diretamente ao plano metafrico da linguagem em que o eixo da similaridade predomina sobre o da contigidade, enquanto a literatura realista se relaciona melhor com a figura retrica da metonmia, mais indicada para expressar as conexes complexas de tempo, espao, aes e personagens, que povoam o mundo da fico em prosa. A narrativa realista inicia-se com Honor de Balzac (1799-1850), considerado o pai do romance moderno. Ele retrata a sociedade da poca numa obra cclica, que denomina Comdia Humana, em oposio Divina comdia, de Dante Alighieri. O conjunto de romances encontra-se dividido em trs partes. Na primeira parte, Balzac apresenta a descrio artstica dos costumes da sociedade burguesa (A mulher dos trinta anos, O pai

Goriot, Eugnia Grandet, entre outros romances); as obras da segunda parte expressam seu pensamento reflexivo sobre a vida (Lus Lambert, Pele de Onagre, etc.); na terceira parte, de que publica apenas Fisiologia do casamento, analisa o comportamento humano face as instituies sociais. Pelo seu aspecto de participao, a narrativa balzaquiana est impregnada de "Realismo crtico", termo mais tarde utilizado por vrios tericos do romance. A narrativa francesa da poca realista, alm de Balzac, apresenta mais trs escritores de primeira linha: Alphonse Daudet (1840-1897), famoso pelo romance Tartarin de Tarascon e pelos Contos da segunda-feira; Guy de Maupassant (1850-1893), escritor que Se definiu "objetivista" deixando-nos uma rica coletnea de romances, contos e novelas; Gustave Flaubert (1821-1880) tornou-se imortal pelo romance Madame Bovary, a obra-prima do Realismo francs. Nesta, como em outras obras do autor, sentimos a preocupao em descrever a vida com a imparcialidade do mtodo das cincias naturais, burilando a linguagem e livrando-a das adiposidades retricas e metafricas, de forma a apresentar um estilo verdadeiramente ''natural''. O pai do chamado "Naturalismo", movimento cultural e artstico que levou as extremas conseqncias os princpios do Realismo, foi mile Zola (1840-1902), inventor do romance "experimental". Imitando Balzac, ele produziu uma obra cclica com a inteno de retratar a totalidade da sociedade francesa de sua poca, mediante o uso de um estilo direto e incisivo, que se aproxima do mtodo cientfico de anlise dos fenmenos naturais e humanos. A srie "Rougon-Macquart" contm romances em que se nota a preocupao do autor de concretizar na arte literria a tese sustentada pelos pensadores positivistas e deterministas de que o comportamento humano e a resultante de duas foras: os caracteres hereditrios e o ambiente social. As melhores narrativas ficcionais de Zola exploram temas extrados da realidade da poca: Nana (alta prostituio), Germinal (a luta dos mineiros), A besta humana (misria dos ferrovirios), A taberna (L'assommoir). Na Inglaterra, a narrativa de tipo realista preexistiu escola do realismo francs. E isso porque, devido a Revoluo Industrial, a classe burguesa se desenvolveu primeiro naquele pas. A histria de Tom Jones, um enjeitado, de Fielding, publicado em 1749 e considerado o primeiro grande romance da literatura inglesa, j uma narrativa realista pela pardia do sentimentalismo romntico e pela crtica hipocrisia puritana. Mas o grande romancista do realismo ingls e Charles Dickens (1812-1870). Em sua obra mais famosa, David Copperfield, espcie de autobiografia ficcional, descreve a vida cotidiana dos pobres da Inglaterra, criticando as instituies sociais por no promoverem o bem da coletividade. Na Alemanha, onde a Revoluo Industrial e, conseqentemente, a escola realista com sua crtica ao comodismo conservador da classe burguesa chegaram decnios mais tarde, avulta a grande figura de Thomas Mann (1875-1955). Dele recordamos as obras mais famosas: Os Buddenbrooks: decadncia de uma famlia, romance que lhe proporcionou o Prmio Nobel de Literatura no ano de 1929, e a representao do declnio de uma famlia burguesa obcecada pela caa aos valores materiais; Morte em Veneza, onde Mann trata do tema da solido do artista, narrativa convertida em filme por Luchino Visconti; A montanha mgica: num sanatrio, intelectuais burgueses discutem sobre arte, religio, filosofia, costumes, refletindo nas personagens a podrido social; Doutor Fausto, de inspirao goethiana e j dentro das tcnicas estticas do Modernismo. A arte literria da Rssia se abriu ao conhecimento da Europa ocidental a partir da poca do Realismo. Uma srie de ficcionistas famosos (Ggol, Turgueniev, Tolstoi,

Dostoievski, Gorki etc.), embora de tendncias diversas, encontraram seu ponto de convergncia na crtica a sociedade de seu tempo. O maior expoente do Realismo crtico russo e o conde Leon Tolstoi (1828-1910). Suas mais importantes obras so Guerra e paz e Ana Karenina. O primeiro romance e um vasto painel histrico da Unio Sovitica e da Europa da poca de Napoleo. O ncleo central do volumoso trabalho de fico e a invaso da Rssia pelos exrcitos franceses e a herica resistncia do povo russo. Pela nobreza da ao fabular (salvao da ptria invadida pelo estrangeiro), pela condio social dos protagonistas (aristocratas da poca) e pelo estilo elevado, a obra e considerada a epopia da Rssia. Mas, ao lado das caractersticas do modo pico, encontramos a descrio de uma longa galeria de tipos humanos variados (camponeses, soldados, pequenos burgueses, estrangeiros, religiosos etc.), que fazem com que a viso realista da vida se sobreponha a funo idealizadora da epopia. O outro romance citado tem por tema o amor adltero e a explorao artstica dos conflitos que o adltero causa no esprito da personagem-ttulo, levando-a ao suicdio. Outro grande escritor russo, talvez o maior romancista da literatura ocidental, considerado o pai da narrativa "psicolgica", Fiodor Dostoievski (1821-1881). A crtica costuma dividir sua vastssima obra de fico em trs partes: 1) Novelas da juventude (Pobre gente, Corao frgil, Noites brancas etc.), que constitui a fase mais ''romntica" de Dostoievski, onde predomina a descrio do fundo humano das criaturas, com sua ternura e esprito de abnegao. Nestas obras, todavia, j vislumbramos alguns dos traos mais caractersticos da fico dostoievskiana posterior: traos auto biogrficos (recordaes da infncia, idealismo da adolescncia, descrio da vida do estudante pobre, carter introspectivo, timidez, complexo de dipo); seu pensamento sobre moral e religio (crena no destino, compaixo pelo pecador, a humildade e o sofrimento como catarse, acusao da injustia social, crtica s modas estrangeiras e apego natureza); elementos de sua esttica (crtica literatura retrica e divorciada da vida real, introspeco analtica, extravasamento da vida na arte, predominncia do uso do narrador em primeira pessoa, preferncia pelos cenrios noturnos e tempestuosos); construo dos personagens (esboos de vrios tipos humanos que encontraro seu acabamento perfeito nas obras da maturidade). 2) Obras de transio: Os quatro anos (1850-1854) passados na Sibria, condenado aos trabalhos forados por integrar o grupo revolucionrio de Pietrachevski, que pretendia depor o czar Nicolau I, constituem um divisor de guas na produo literria de Dostoievski. Na priso, o nobre e intelectual Fiodor entra em contato direto com a camada do povo russo mais miservel e comea seu amadurecimento espiritual, que se completara com as viagens ao exterior, as aventuras amorosas, as experincias desastrosas no jogo, o sofrimento fsico causado pela epilepsia e a dor moral provocada pela penria econmica. Entre as obras da fase juvenil e o primeiro grande romance da poca da maturidade (Crime e castigo, publicado em 1866) medeiam uma meia dzia de trabalhos literrios que atestam a gradativa passagem da primeira para a segunda fase. Lembramos os romances Humilhados e ofendidos, Memrias da casa dos mortos e Memrias do subterrneo. 3) Romances da maturidade: o conjunto das sete narrativas (Crime e castigo, O jogador, O idiota, O eterno marido, Os demnios, O adolescente e Os irmos Karamazov) em que Dostoievski atinge a plenitude de sua tcnica formal e consegue expressar sua

mundividncia pela temtica existencial e pela construo de personagens que se tornaram imortais. Quanto ao aspecto formal, assinalamos a tcnica da transposio, prpria da estrutura artstica da narrativa dostoievskiana. No seu intuito de explorar os subterrneos da alma humana, o grande escritor russo no cria suas histrias e no constri seus personagens de um modo linear e acabado, mas reparte fatos e caractersticas psicolgicas de forma a poderem ser vistos de vrios ngulos. O intertexto dostoievskiano acusa a existncia de homlogos, de duplos, de desdobramentos de personalidade, de embries, de imagens especulares, de prismas que refrangem a plurifacetao do ser humano. Assim, numa mesma obra e de uma obra para outra, as personagens de Dostoievski transpem seus caracteres, complementando-se e diferenciando-se. Quanto temtica, o motivo mais explorado pelo romancista o sentimento de culpa que aflige o homem na sua tentativa de reparar as injustias individuais e sociais atravs de um meio moralmente condenado, o crime. o fundamento psquico da inteno ou do ato criminoso e o complexo de dipo, que o leva a odiar qualquer forma de tirania, consubstanciada na figura do pai que submeteu a esposa e os filhos a uma autoridade brutal. Mas a temtica de seus romances, evidentemente, no se limita apenas ao tratamento deste motivo, abrangendo quase todas as contradies da poca em que viveu: foras do instinto versus misticismo religioso; imperialismo czarista vs. tendncias socialistas; violncia vs. sentido de humanidade; interdies scio-morais vs. livre-arbtrio; conscincia da culpa vs. compaixo para com os fracos e os degradados. A literatura italiana da segunda metade do sculo XIX no fugiu moda europia de reao ao Romantismo, abandonando o tom lrico, sentimental, extravagante e egocntrico, em prol de um tipo de arte mais aderente ao real e ao social. Na prosa de fico, entre outros escritores, aflora Giovanni Verga (1840-1922), romancista e contista siciliano. Aps a fase romntica, caracterizada por narrativas de inspirao patritica (Os carbonrios da montanha), influenciado pelo Naturalismo francs, cria o romance verista, com o intuito de adequar a arte literria a verdade da vida. Em suas obras mais conhecidas, Os Malavoglia e Mestre e D. Gesualdo, descreve a misria dos camponeses e pescadores sicilianos em sua luta do dia-a-dia pela sobrevivncia, exaltando o amor ingnuo e persistente ao trabalho e ao lar. Em Portugal, emerge a figura grandiosa de Ea de Queirs (1845-1900), o maior escritor portugus da escola realista. Suas melhores obras de fico so: O crime do padre Amaro, em que retrata a lascvia, a hipocrisia e a insensibilidade humana do clero de sua poca; O primo Baslio, onde ataca o falso moralismo da sociedade burguesa, focalizando particularmente as causas psquicas e ambientais que induzem a protagonista Lusa ao adltero; Os Maias, parte de um projeto inacabado de descrio da totalidade social atravs de romances seriados (o nome do programa era Cenas da vida portuguesa), seguindo o exemplo de Balzac. Alm de romancista, Ea foi tambm um timo escritor de contos. Um deles, Singularidades de uma rapariga loura, nos servir como exemplo de anlise da narrativa realista.

O Sculo XX
Link Romance do Sculo XX Vertentes da narrativa moderna (p. 430) No comeo do nosso sculo, e mais propriamente com o incio do Modernismo, a prosa de fico adquire aspectos multiformes. No seu intuito de representar a vida, a literatura ficcional tenta colocar em forma de arte os vrios problemas do homem moderno. O gnero narrativo sofre mudanas profundas, quer no tocante s formas estticas, quer no que diz respeito aos contedos ideolgicos. Devido grande variedade de tendncias e correntes, muito difcil definir e classificar o romance do sculo XX. Tentaremos delinear apenas algumas vertentes que nos parecem principais, enquadrando nelas os vultos mais expressivos da moderna prosa de fico. A nosso ver, trs files de narrativa ficcional podem ser detectados: a) as narrativas voltadas para os problemas sociais do mundo moderno, estritamente ligadas corrente realista, com vrias modalidades de descrio do social e sem o pretenso cientificismo do Naturalismo; a esta corrente Alfredo Bosi chama de romances de tenso crtica; b) as narrativas preocupadas com o mundo subjetivo do protagonista, influenciadas pelo romance psicolgico de Dostoievski e pelas doutrinas psicanalticas: so os romances de tenso interiorizada; c) as narrativas com tendncia a renovar o gnero literrio, experimentando novas frmulas de estrutura e novos padres lingsticos: so os romances de tenso transfigurada que, antes de transpor a realidade social ou psquica, tentam construir uma nova realidade, recorrendo a padres mticos. Evidentemente, esta tripartio categorial do romance moderno e contemporneo no tem um valor cientfico, mas apenas didtico, visando a encontrar alguns elementos de semelhana no meio das diferenas especficas dos muitos autores e das inmeras obras. O romance de introspeco psicolgica (p. 437-8) Link Macel Proust (...) Marcel Proust (1871-1922) famoso pela sua obra cclica Em busca do tempo perdido, composta de sete partes, publicadas separadamente, as ltimas trs pstumas: No caminho de Swan, sombra das raparigas em flor, O caminho de Guermantes, Sodoma e Gomorra, A prisioneira, A fugitiva e O tempo redescoberto. Este monumental trabalho literrio representa um painel da vida social da alta burguesia francesa da poca de Proust, analisada no do ponto de vista cientfico da moda naturalista, mas atravs da introspeco subjetiva do narrador, que geralmente o personagem principal. A grande contribuio do autor para a narrativa literria a descoberta do tempo psicolgico, pelo qual aes e sentimentos no esto sujeitos ao plano da sucessividade, mas ao da simultaneidade. Pela tcnica das associaes em cadeia, o passado, que estava esquecido e,

portanto, perdido, recuperado pela conscincia na sua integridade. A mente pensante, no momento em que recorda o passado, o torna presente, dando-lhe nova existncia. A realidade no existe em si numa forma absoluta, mas numa forma relativa, enquanto refletida pelo esprito. (...) Link Virgnia Woolf Virgnia Woolf (1882-1941) abriu sua residncia num bairro nobre de Londres aos escritores e aos artistas, discutindo as teorias freudianas, as idias socialistas, o pensamento bergsoniano, o teatro de Pirandello, os romancistas russos, as mudanas de costumes aps o fim da moral vitoriana. Chegou a fundar uma editora para a impresso de obras literrias mais importantes de sua poca. Este ambiente cultural e as crises depressivas de que sofria desde a infncia marcaram a sua sensibilidade de mulher e de escritora. Sua obra literria est voltada para a explorao das regies mais obscuras da alma, colhendo o conflito entre os desejos e a impossibilidade de sua satisfao. Em suas obras mais significativas (Mrs. Dalloway, Orlando, As ondas) ela enfrenta a temtica da impossibilidade da felicidade matrimonial, devido essencialidade andrgina e plurifacetada do ser humano, que lhe impede de se satisfazer com o papel nico que a sociedade impe ao indivduo. Sua tcnica narrativa peculiar est baseada no uso do monlogo interior, das associaes de idias e de sentimentos que envolvem no s a vida psquica de um personagem, mas que se transferem de um personagem para outro. (...) Link James Joyce O romance de experimentalismo formal (p.439) (...) James Joyce (1882-1941) considerado o pai da fico moderna, pois de sua obra beberam todos os romancistas que tentaram afastar-se da narrativa tradicional, adulterando a linguagem e inovando as tcnicas formais da prosa de fico, na tentativa de representar a fragmentao espiritual do mundo em que vivemos. Sua obra mais famosa, Ulisses, uma espcie de epopia do homem moderno, colocando perante nossos olhos todas as reas do conhecimento humano: reflexes filosficas, perplexidades religiosas oscilantes entre o helenismo e o hebrasmo, conscincia moral, cincias naturais e mdicas, psicologia do subconsciente, poltica, sociologia, economia, jornalismo, publicidade, literatura e artes plsticas. O volumoso romance, de dimenses mticas, est calcado sobre a Odissia, de que toma o nome, e descreve o que acontece a Leopold Bloom num dia comum (16 de junho de 1904), na cidade de Dublin, capital da Irlanda do Sul. O Ulisses est dividido em trs partes, separadas por algarismos romanos: I Corresponde Telemaquia de A odissia, onde se descreve a viagem de Telmaco a Pilos e a Esparta, procurando saber notcias sobre o retorno do pai. O protagonista desta primeira parte Stephen Dedalus, um professor de histria que, inconscientemente, busca um pai de verdade, visto que seu progenitor natural vive bbado, tendo abandonado a famlia na misria.

II a parte mais longa do romance e tem como paralelo mtico as viagens do heri homrico Ulisses. Seu protagonista Leopold Bloom, agente publicitrio casado com Molly, atriz de cabar. s oito da manh, Leopold se levanta da cama e, aps realizar as aes corriqueiras (toma caf, vai ao banheiro etc.), sai de casa para enfrentar a vida agitada da metrpole. As cenas que se sucedem tm correspondncias com episdios de A odissia: o enterro do amigo Dignam (descida de Ulisses ao Hades), o almoo (episdio dos Lestriges, povo antropfago), visita o bordel (episdio de Circe) etc. III Corresponde ao retorno de Ulisses a taca e o reencontro com sua esposa Penlope. Pelas trs da madrugada, Leopold, junto com Stephen (smbolo do encontro entre o pai e o filho), volta para sua casa e encontra sua mulher dormindo. A protagonista desta ltima parte Molly que, acordando, remi toda sua vida passada num longo monlogo interior. Este brevssimo resumo da fbula do Ulisses nos fornece apenas uma plida idia da estrutura da obra, que extremamente complexa. Os fatos no so apresentados de forma linear, numa ordem cronolgica, mas misturados com as lembranas, os desejos, as frustraes, as obsesses dos personagens, atravs da tcnica corrente do pensamento e das associaes de sensaes. Por exemplo, toda ltima parte composta de um nico perodo, sem nenhuma pontuao e com inmeras extravagncias morfolgicas e sintticas, apto a expressar o fluxo ininterrupto da conscincia da protagonista, que nos releva o encavalgamento, no seu esprito, de idias, sentimentos e sensaes passadas, presentes e futuras. Na obra de Joyce devemos ressaltar duas tendncias que, embora opostas, se combinam: a atmosfera naturalista, criada pela descrio das mincias da vida cotidiana, e o simbolismo pico, que universaliza e eterniza aes e sentimentos. Desta concordantia oppositorum surge o aspecto irnico da obra, que reduz seus personagens ao absurdo do herico-burlesco. Assim, a protagonista Molly, que deveria ser a correspondente fiel por antonomsia, descrita como uma mulher lasciva, sensvel aos chamamentos do sexo, pronta a se entregar ao primeiro amante que aparecer. A narrativa de Joyce, portanto, apresenta a mistura do mundo mtico, com seus arqutipos ideolgicos, e do mundo da realidade cotidiana, em que o homem solicitado pelas baixas exigncias do viver individual e social. O romance Ulisses, quando publicado em Paris, em 1922, pelo mecenatismo de uma amiga do escritor, encontrou srias resistncias nos ambientes puritanos da poca, que o consideraram uma obra obscura e obscena. Mas anos depois, pela crtica elogiosa de Stuart Gilbert, T. S. Eliot e Edwin Muir, o romance teve o merecido sucesso e foi traduzido para as principais lnguas da Europa. Joyce, ento, passou a ser considerado o grande inovador da prosa de fico e sua tcnica narrativa passou a fazer escola. Em verdade, no h ficcionista da Vanguarda que no acuse influncias joycianas, quer inove a linguagem romanesca, quer reestruture fbulas e personagens. Link Kafka A narrativa do absurdo: O Processo, de Kafka (p. 442-3) Traos biogrficos do autor Franz Kafka nasceu em Praga em 1883, filho de um judeu alemo, comerciante abastado, austero e autoritrio. Sua formao humana e intelectual deve-se relacionar com a encruzilhada de trs culturas diferentes e conflitantes: a cultura judaica, que herdou do

ambiente familiar, qual se ope a cultura crist da Tchecoslovquia em que viveu; a cultura alem de uma minoria dos habitantes de Praga, que apoiavam os interesses do imprio austrohngaro, de que a cidade dependia politicamente; a cultura tcheca da maioria no meio no qual Kafka viveu. Enfim, o jovem Kafka sentia-se estrangeiro na sua prpria cidade natal, malvisto pela minoria alem por ser judeu e malvisto pela maioria dos praguenses quer por ser alemo, quer por ser judeu. Mas Kafka sempre manteve-se alheio vida poltica e social, refugiando-se no mundo fantstico da literatura. Suas atividades profissionais serviram-lhe como experincia preciosa para coletar o material necessrio sua fico: o ano de estgio nos Tribunais de Praga (1906), complemento obrigatrio de sua formatura em Direito, colocou Kafka em contato com os meandros da prtica forense, referente do romance O Processo; o emprego em duas companhias de seguros ps nosso autor em relao com a mquina burocrtica, descrita artisticamente em O Castelo. Alm da Bblia, suas leituras preferidas foram as obras de Goethe, Dostoievski, Balzac, Dickens, Flaubert e Thomas Mann. Desde a primeira juventude, comeou a dedicarse prtica literria, compondo pequenas peas teatrais, encenadas com a ajuda de suas irms. Na Universidade Alem de Praga, onde estudou qumica, por poucos dias, e direito, sem nenhuma paixo, fez poucas mas profundas amizades: Oscar Pollak, que morreu jovem, e Max Brod, que o acompanhou ao longo de sua vida, sendo seu bigrafo, testamentrio e editor. Entre as numerosas obras ficcionais de Franz Kafka, publicadas postumamente e contra sua vontade, assinalamos, alm de O Processo, O Castelo e A Metamorfose, suas obras-primas, A construo da Muralha da China, Um artista da fome, A condenao, As investigaes de um co, Amrica, Um mdico rural e Na colnia penal. O grande problema humano de Kafka foi o sentimento de solido espiritual, provocado por uma srie de fatores: a rgida educao familiar, a fraca constituio fsica, a tuberculose que o acompanhou da primeira hemoptise (1917) at a morte (1924), um ntimo sentimento de culpa, o ambiente de conflitos raciais, religiosos e polticos em que vivera. Para lutar contra este sentimento de solido, ele encontrou dois aliados: a literatura e o relacionamento sexual. O mundo fantstico da criao literria e a paixo amorosa nutrida por vrias mulheres ao longo de sua vida, ora superficial ora profundamente, foram os dois refgios que atenuaram seu sofrimento fsico e espiritual. A grandeza da obra literria de Kafka reside, a nosso ver, em ter conferido dimenses universais ao seu sofrimento de angstia, provocado pelo absurdo do viver social.

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