Shakespeare, William - Hamlet
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A TRAGDIA DE HAMLET,
PRNCIPE DA DINAMARCA
William Shakespeare
A TRAGDIA DE HAMLET,
PRNCIPE DA DINAMARCA
William Shakespeare
Apresentao
SHAKESPEARE: A ARTE DA PERSUASO.
H mais coisas no cu e na terra, Horcio, do
que sonha a tua filosofia ( There are more
things in heaven and earth, Horatio, that are
dreamt of than in your philosophy)
libertei.
O cansao e o desgaste fsico, geralmente, so
fatores que aumentam a sugestionabildade em
muitas pessoas. Nas foras armadas a leitura da
ordem do dia realizada depois que os soldados
foram submetidos a pesados exerccios e longas
marchas. Nas academias de artes marciais, os
princpios morais e filosficos so discutidos ao final
do treinamento, quando os alunos j se encontram
exauridos. Petrucchio (A megera domada) forou
Catarina, imediatamente aps o casamento, a viajar
sob um inverno rigoroso, ocasio em que ela caiu do
cavalo sobre a lama. J em casa, ralhando com o
empregado, alegou que a comida estava ruim
jogando-a fora. Com isso deixou Catarina faminta por
logo tempo, levando-a quase ao desespero. No a
deixava dormir noite, fazendo muito barulho e
gritando com os empregados. No a deixava fazer
nenhuma afirmao sem contest-la. Ao cabo de
algum tempo a megera hostil transformou-se em
mulher gentil, delicada e obediente.
Recurso persuasivo muito utilizado, o apelo
indignao e ao sentimento de revolta, foi
empregado por Marx, Lenin, Hitler e tantos outros.
Cludio envenenou seu irmo, rei da Dinamarca,
tomou o trono e casou-se com a rainha. O fantasma
do rei assassinado apareceu perante seu filho,
Hamlet, convencendo-o a vingar-lhe a morte. Seu
apelo dizia o seguinte: Sou a alma de teu pai, por
algum tempo condenada a vagar durante a noite, e
de dia a jejuar na chama ardente, at que as culpas
todas praticadas em meus dias mortais sejam nas
chamas, ao fim, purificadas. Se eu pudesse revelar-
PERSONAGENS
CLAUDIO, rei da Dinamarca.
HAMLET, filho do defunto rei e sobrinho do rei
reinante.
FORTIMBRAS, principe da Noruega.
HORCIO, amigo de Hamlet
POLNIO, camareiro-mor.
LAERTES, seu filho.
VOLTIMANDO,(corteso)
CORNLIO,(corteso)
ROBENCRANTZ,(corteso)
GUILDENSTERN,(corteso)
OSRICO,
Um nobre.
Um padre.
BERNARDO,(oficial)
MARCELO,(oficial)
FRANCISCO soldado.
REINALDO, criado de Polnio.
Um capito.
Embaixadores ingleses.
Atores, coveiros.
GERTRUDES, rainha da Dinamarca, me de Hamlet
OFLIA, filha de Polnio.
Nobres, senhoras, oficiais, soldados, marinheiros,
mensageiros e criados.
O Fantasma do pai de Hamlet.
CENA
Elsinor.
ATO I
Cena I
Esplanada do castelo de Elsinor
Francisco, de sentinela; Bernardo entra
BERNARDO: Quem est a?
FRANCISCO: No; responda-me; pare e diga o nome.
BERNARDO: Viva o rei!
FRANCISCO: Bernardo?
BERNARDO: Ele mesmo.
FRANCISCO: Vindes exatamente na vossa hora.
BERNARDO: Meia-noite, Francisco. Vai deitar-te.
(Sai.)
Cena III
Um quarto em casa de Polnio.
Entram Laertes e Oflia.
LAERTES: Tudo o que meu j se acha a bordo;
adeus.
Cara irm, se houver ventos benfazejos
e navios no porto, no te ponhas
a dormir: d notcias.
OFLIA: E duvida-o?
LAERTES: O que respeita a Hamlet, e seu namoro,
toma-o como capricho, simples moda, violeta que a
estao produziu cedo, passageira e aromosa, no
durvel, perfume e refrigrio de um minuto, nada
mais.
OFLIA: Nada mais?
LAERTES: Isso, mais nada.
Nosso corpo, ao crescer, no ganha apenas volume e
msculos; o templo expande-se, e a par, tambm, se
alarga o esprito e a alma com seu culto interior.
bem possvel que te ame agora, sem que fraude
alguma lhe macule a virtude do alvedrio. Mas deves
ter cautela, que os de sua posio no so donos de
si mesmos. Ele escravo do prprio nascimento; no
pode, como o faz gente do povo, eleger para si, que
dessa escolha depende a segurana e o bem do
Estado. Da, necessitar subordin-la ao voto e
aprovao do corpo, cuja cabea ele . Se te disser
que te ama, cumpre tua prudncia dar-lhe crdito
Cena IV
A esplanada.
Entram Hamlet, Horcio e Marcelo.
HAMLET: Que vento forte! O frio insuportvel.
HORCIO: E o ar cortante e agitado.
HAMLET: Que horas so?
H0RCIO: Penso que falta pouco para as doze.
HAMLET: No; j bateram.
HORCIO: J? No ouvi; ento no falta muito para
que o fantasma volte a aparecer-nos.
(Toque de trombetas e tiros de canho atrs da
cena.)
Que significa esse barulho, prncipe?
HAMLET: O rei est acordado e d banquete. Bebe a
valer, rodando tudo em torno. Cada gole de Reno
por trombetas e timbales marcado, que o triunfo do
brinde lhe proclamam.
HORCIO: costume?
HAMLET: , de fato. Mas a meu ver - embora aqui eu
tivesse o bero e a educao - um desses hbitos
cuja quebra honra mais do que a observncia. Essas
orgias torpes nos difamam de leste a oeste, junto aos
outros povos. S nos chamam de bbedos, alcunha
que nos deprime, por privar os nossos
empreendimentos, ainda os mais brilhantes, da
essncia medular de nosso mrito. Isso acontece s
vezes noutros meios: se nasce algum com algum
defeito ingnito - do que no culpado, porque a
origem para si no escolhe a natureza, pelo excesso
de sangue, que, por vezes, os fortes da razo e os
diques rompem, ou somente por hbito, que estraga
a moral cotidiana - esse coitado, que leva pela vida
(Saem.)
Cena V
Outra parte da esplanada.
Entram o Fantasma e Hamlet.
HAMLET: Para onde me conduzes? No darei mais um
passo. FANTASMA: Ouve-me!
HAMLET: Isso o que desejo.
FANTASMA: J est perto o momento em que
foroso que de novo me entregue s labaredas
sulfreas do tormento.
HAMLET: Pobre esprito!
FANTASMA: No me lastimes; ouve com ateno o
segredo que passo a revelar-te.
HAMLET: Fala, que estou obrigado a dar-te ouvidos.
FANTASMA: E tambm a vingar-me, aps ouviresme.
HAMLET: Como!?
FANTASMA: Sou a alma de teu pai, por algum tempo
condenada a vagar durante a noite, e de dia a jejuar
na chama ardente, at que as culpas todas
praticadas em meus dias mortais sejam nas chamas,
alfim, purificadas. Se eu pudesse revelar-te os
segredos do meu crcere, as menores palavras dessa
histria te rasgariam a alma; tornar-te-iam, gelado o
sangue juvenil; das rbitas fariam que saltassem,
como estrelas, teus olhos; o penteado desfar-te-iam,
pondo eriados, hirtos os cabelos, como cerdas de
iroso porco-espinho. Mas essa descrio da
eternidade para ouvidos no de carne e sangue.
Escuta, Hamlet! Se algum dia amaste teu carinhoso
pai...
HAMLET: Deus!
FANTASMA: Vinga o seu assassnio estranho e torpe.
HAMLET: Assassnio?
FANTASMA: Sim, assassnio torpe, como todos; mas
esse estranho, vil e inconcebvel.
HAMLET: Conta-me, a fim de que eu, com asas
rpidas como a meditao ou os pensamentos de
amor, possa vingar-te.
FANTASMA: Acho que podes. Mais lerdo do que a
espessa planta que nas margens do Letes apodrece,
se isso no te abalasse. Escuta, Hamlet! Contaram
que uma cobra me picara, quando, a dormir, eu no
jardim me achava. Assim, foi ludibriado todo o ouvido
da Dinamarca por uma notcia falsa de minha morte.
Mas escuta, nobre mancebo! A cobra que peonha
lanou na vida de teu pai, agora cinge a coroa dele.
HAMLET: Oh minha alma proftica! Meu tio!
FANTASMA: Sim, esse monstro adltero e incestuoso.
Com o feitio pessoal e com presentes - dotes
maus, brindes, que tal fora tendes de seduo! pde a vontade da rainha conquistar, que parecia to
virtuosa, dobrando-a para o vcio. Que queda,
Hamlet! Do meu amor, que tinha tal pureza que
andava a par com o voto que eu fizera no nosso
casamento - a um miservel que em confronto
comigo nada vale! Mas se a virtude firme, ainda
que o vcio sob a forma do cu v cortej-la, a
luxria, conquanto a um anjo presa, num leito
celestial cedo se enfara, sonhando com carnia. Mas,
devagar! Pressinto o ar da manh. Serei breve. Ao
achar-me adormecido no meu jardim, na sesta
cotidiana, teu tio se esgueirou por minhas horas de
sossego, munido de um frasquinho de meimendro e
no ouvido despejou-me o lquido leproso, cujo efeito
de tal modo se ope ao sangue humano, que corre
POLNIO (indicando a cabea e os ombros) Arrancai esta destes, se isso falso. Pelo rasto
descubro onde se encontra escondida a verdade,
ainda que seja no prprio centro.
O REI: E como comprov-lo?
P0LNI0: Sabeis que ele passeia horas seguidas aqui
na galeria.
A RAINHA: hbito seu.
POLNIO: Mandarei minha filha vir falar-lhe; ns
ficamos atrs desta cortina. Observai bem os fatos;
se a no ama, mudai-me da funo de conselheiro
para a de carroceiro ou campons.
O REI: Faamos a experincia.
A RAINHA: Mas vede. Como triste! O pobrezinho
vem lendo um livro!
P0LNI0: urgente; deveis ambos sair, eu vos
suplico. Vou falar-lhe.
(Saem o Rei, a Rainha e os criados.) (Entra Hamlet,
lendo.)
Como passa o meu bom prncipe Hamlet?
HAMLET: Bem, graas a Deus.
P0LNI0: Conheceis-me, milorde?
HAMLET: Perfeitamente; sois um peixeiro.
P0LNI0: Eu, no, milorde.
HAMLET: Pois quisera que fsseis to honesto.
P0LNI0: Honesto, prncipe?
HAMLET: Sim, porque do jeito em que o mundo anda,
ser honesto equivale a ser escolhido entre dez mil.
P0LNI0: muito certo isso, prncipe.
HAMLET: Porque, se o sol gera vermes no cadver de
um co, carnia muito bela para ser beijada... No
tendes uma filha?
POLNIO: Tenho, milorde.
atores so eles?
ROSENCRANTZ: Os mesmos de que tanto gostveis:
os atores da cidade.
HAMLET: E por que esto viajando? Se ficassem
fixos, s poderiam ganhar, assim na reputao como
em vantagens materiais.
ROSENCRANTZ: Penso ser isso resultado da ltima
sedio.
HAMLET: Ainda gozam de conceito igual ao do tempo
em que eu estava na cidade?
ROSENCRANTZ: No tanto, meu senhor.
HAMLET: E qual a causa? Ficaram enferrujados?
ROSENCRANTZ: No; esforam-se como de costume;
mas apareceu por a uma ninhada de crianas, uns
frangotes que trazem a pblico todas as
particularidades da questo, pelo que so
barbaramente aplaudidos. Esto agora em moda,
cacarejando de tal maneira nos teatros comuns como eles lhes chamam - que muita gente de espada
receia ir l, com medo das penas de pato.
HAMLET: Como assim! So crianas? E quem os
mantem? Quem lhes paga ordenados? S exercero
a arte enquanto puderem cantar? No diro mais
tarde, se se tornarem atores comuns - o que de
presumir, uma vez que lhes faltam maiores cabedais
- no diro que os escritores abusaram deles,
fazendo os declamar contra seu prprio futuro?
ROSENCRANTZ Em verdade, de parte a parte no
tem faltado matria para brigas, sem que o povo
revele escrpulos em espica-los. poca houve em
que a pea nada rendia, se o poeta e o ator no
fossem s vias de fato com seus adversrios.
HAMLET: possvel?
assim.
A RAINHA: J me retiro. No que te toca, Oflia, s
desejo que seja a tua beleza a feliz causa da loucura
de Hamlet, pois espero que tua virtude o leve trilha
antiga, para honra de ambos.
OFLIA: Eu, de mim, o espero, tambm, minha
senhora.
(Sai a Rainha.)
P0LNI0: Chega, Oflia, para aqui... Majestade, ora
busquemos nosso lugar. E tu, l neste livro; a leitura
pretexto ser para tua solido. Freqentes vezes
somos passveis de censura, pois abundam provas
sobre isso, de que com bondade simulada e aes
pias conseguimos tornar aucarado o prprio diabo.
O REI: ( parte): Quo verdadeiro! Como essas
palavras me chicoteiam fundo a conscincia! O rosto
rebocado das rameiras no mais feio, sob a artificial
beleza, do que a minha ao debaixo do verniz com
que a enfeitam meus discursos. Oh fardo horrvel!
P0LNIO: Ei-lo que chega, meu senhor; saiamos.
(O Rei e Polnio saem.) (Entra Hamlet.)
HAMLET: Ser ou no ser... Eis a questo. Que mais
nobre para a alma: suportar os dardos e arremessos
do fado sempre adverso, ou armar-se contra um mar
de desventuras e dar-lhes fim tentando resistir-lhes?
Morrer... dormir... mais nada... Imaginar que um
sono pe remate aos sofrimentos do corao e aos
golpes infinitos que constituem a natural herana da
carne, soluo para almejar-se. Morrer.., dormir...
dormir... Talvez sonhar... a que bate o ponto. O
no sabermos que sonhos poder trazer o sono da
morte, quando alfim desenrolarmos toda a meada
mortal, nos pe suspensos. essa idia que torna
HAMLET: Nada.
OFLIA: O prncipe est hoje muito alegre.
HAMLET: Quem, eu?
OFLIA: O prncipe, pois no?
HAMLET: Sou apenas vosso bobo. Que pode uma
pessoa fazer de melhor, a no ser ficar alegre? Vede
minha me, como apresenta semblante prazenteiro;
no entanto, meu pai morreu apenas h duas horas.
OFLIA: No, prncipe; duas vezes dois meses.
HAMLET: H tanto tempo assim? Ento que o diabo
se cubra de luto, que eu vou vestir-me de zibelina.
Oh cus! Morto h dois meses e ainda no
esquecido? Nesse caso, h esperana de que a
memria de um grande homem lhe sobreviva meio
ano. Por Nossa Senhora, que trate de fundar igrejas,
ou ningum pensar nele, como se deu com o cavalo
de pau, cujo epitfio rezava: Pois oh! Pois oh! O
cavalo de pau ficou esquecido!
(Clarins.) Entra a pantomima: um rei e uma rainha,
com mostras de muito afeto; a rainha abraa o rei e
este a ela. A rainha se ajoelha diante do rei e por
meio de gestos lhe assegura submisso. Ele a faz
erguer-se e inclina a cabea sobre seu ombro;
depois, senta-se sobre um banco de flores. Ao v-lo
adormecido, ela o deixa. Logo depois, entra um
indivduo que lhe tira a coroa, beija-a, despeja
veneno no ouvido do rei e sai. Volta a rainha e, ao
verificar que o rei morrera, d mostras de grande
mgoa. O envenenador volta com duas ou trs
pessoas, parecendo lamentar-se com a rainha. O
corpo removido. O envenenador requesta a rainha
com presentes; a princpio, a rainha parece relutar,
mas acaba aceitando o seu amor.
(Saem.)
OFLIA: Que significa isso, prncipe?
HAMLET: Maroteira disfarada; significa infortnio.
OFLIA: Sem dvida a pantomima serve de
argumento pea.
(Entra o Prlogo.)
HAMLET: o que vamos ver por este fregus. Os
atores no guardam segredo. Vereis como vo
revelar tudo.
OFLIA: Ir dizer-nos o que significam aqueles
gestos?
HAMLET: No s aqueles, mas quantos quiserdes
representar-lhe. Se no ficardes acanhada, ele
tambm no o ficar, para explicar-lhes o sentido.
OFLIA: O prncipe mau; o prncipe mau; vou
prestar ateno pea.
O PRLOGO: Para ns toda a indulgncia, para a
tragdia e demncia de vossa alta pacincia.
HAMLET: Isso prlogo ou emblema de anel?
OFLIA: Foi curto.
HAMLET: Tal como o amor das mulheres.
O REI DA PEA: Trinta vezes j o Sol o giro h feito
por Tlus e Netuno, e com perfeito cmputo trinta
vezes doze vezes a lua assinalou ao mundo os
meses, ds que as mos Himeneu e Amor o afeto.
nos ligaram num vnculo concreto.
A RAINHA DA PEA: Que a luz e o Sol nos dem
iguais jornadas, sem que as rosas do amor fiquem
fanadas. Mas to cansado te acho e to mudado da
alegria primeira, certo, o estado normal em ti, que o
susto ora se apossa de mim, sem que isso, alis,
turvar-te possa, pois o amor, na mulher, se casa ao
medo: ou grandes at ao fim, ou morrem cedo. J
fogo?
A RAINHA: Como passa o meu senhor?
POLNIO: Suspendam a representao!
O REI: Tragam-me luzes! Vamos-nos embora! (Saem
todos, com exce de Hamlet e Horcio.)
HAMLET: Que sangre o veado e ponha-se a fugir,
enquanto descansa; uns precisam velar, outros
dormir; desta arte o mundo avana. Uma cena como
essa e mais uma floresta de penas - se algum dia a
Fortuna se me tornar madrasta - e um par de rosetas
nos sapatos rasos, no me assegurariam um lugar
em qualquer matilha de comediantes?
HORCIO: Com metade dos lucros, como no?
HAMLET: Nada disso, todo o lucro, pois bem sabes,
Damon, que o prprio Jove este reino desfez; agora
est no trono um verdadeiro... direi tudo?... um
pavo.
HORCIO: Podereis ter rimado.
HAMLET: Meu bom Horcio! Aposto mil contra um na
palavra do fantasma. Percebestes?
HORCIO: Perfeitamente, prncipe.
HAMLET: Na hora do veneno?
HORCIO: Com a mxima ateno.
HAMLET: Ah! Ah! Venha msica! Tragam os fiajols!
Porque se a pea ao rei em nada agrada, no vale
coisa alguma, est julgada.
Vamos! Tragam msica!
(Entram Rosencrantz e Guildenstern.)
GUIDENSTERN: Meu bom senhor, concedei-me uma
palavra.
HAMLET: At uma historia inteira.
GUILDENSTERN: O rei, senhor...
HAMLET: Como vai ele passando?
conseqncia? Vamos l.
ROSENCRANTZ: Deseja falar-vos em seus aposentos,
antes de vos recolherdes.
HAMLET: Obedeceria, ainda que ela fosse dez vezes
minha me. No tendes nenhum outro assunto a
tratar comigo?
ROSENCRANTZ: Houve tempo, prncipe, que me
tnheis amizade.
HAMLET: At hoje sou o mesmo; juro-o por estes
gadanhos de ladro.
ROSENCRANTZ: Meu bom senhor, qual o motivo de
vossa alterao? Pondes trancas em vossa liberdade,
negando-vos a revelar a um amigo o motivo de vossa
tristeza.
HAMLET: Falta-me ser promovido.
ROSENCRANTZ: Como isso possvel, se contais com
a palavra do prprio rei de que o sucedereis no trono
da Dinamarca?
HAMLET: certo: mas, Enquanto a grama cresce...
o provrbio j est enferrujado.
(Entram alguns atores com flajols.)
Oh, flajols! Deixa-me ver um. Falando-vos em
particular, por que motivo me rodeais desse jeito, a
tomar o meu faro, como se quissseis levar-me para
alguma cilada?
GUILDENSTERN. Oh, prncipe! Se o meu dever
ousado, minha amizade incivil.
HAMLET: No atino bem com o sentido. Mas, no
quereis tocar nesta flauta?
GUILDENSTERN: No posso, prncipe.
HAMLET: Por obsquio.
GIJILDENSTERN: Acreditai-me, prncipe, no posso.
HAMLET: Fazei-me esse favor.
(Entra Hamlet.)
HAMLET: Ento, me, que h de novo?
A RAINHA: Grande ofensa a teu pai fizeste, Hamlet.
HAMLET: Grande ofensa a meu pai fizeste, me.
A RAINHA: Devagar; respondeis com lngua ociosa.
HAMLET: Vamos, que me falais com lngua ociosa.
A RAINHA: Que isso, Hamlet?
HAMLET: Que h de novo agora?
A RAINHA Esquecestes quem sou?
HAMLET: No, pela Cruz!
No me esqueci. Sei bem que sois a rainha, casada
com o irmo de vosso esposo e - prouvera o
contrrio - minha me.
A RAINHA Vou chamar quem convosco falar possa.
HAMLET: Vamos, sentai-vos; no saireis enquanto
no vos apresentar eu um espelho que o recndito da
alma vos reflita.
A RAINHA Que pretendes fazer? No vais matar-me?
Socorro! Socorro!
P0LNI0 (atrs): Que que h? Socorro! Socorro!
HAMLET: (desembainhando a espada): Que isso?
Um rato? (Dando uma estocada no reposteiro.)
Aposto que o matei.
P0LNI0: (atrs): Estou morto!
A RAINHA: Santo Deus, que fizeste!
HAMLET: Ignoro-o. No era o rei?
A RAINHA: Que ao precipitada e sanguinria!
HAMLET: Aao precipitada e sanguinria?
To ruim, boa me, quanto matar
um rei e desposar o irmo do morto.
A RAINHA: Matar um rei?
HAMLET: Um rei; foi o que eu disse.
(Levanta o reposteiro e descobre o corpo de Polnio.)
juramento: (Canta.)
Pela Virgem e a Santa Caridade, que vergonha, meu
Deus!
Os moos o faro, se a se encontrarem...
Vergonha para os seus.F-lo-ia, respondeu, caso ao
meu leito no quisesses entrar.
O REI: H quanto tempo est ela assim?
OFLIA: Espero que tudo corra bem. Precisamos de
pacincia, conquanto no possa deixar de chorar, ao
pensamento de que vo dep-lo no cho frio. Meu
irmo h de ficar sabendo disso. Muito obrigada pelo
conselho amigo. Que venha o meu carro. Boa noite,
senhoras! Boa noite, encantadoras senhoras! Boa
noite! Boa noite!
(Sai.)
O REI: Ide-lhe em ps; vigiai-a com cuidado. (Sai
Horcio.)
Dor profunda a envenena; provm tudo do traspasso
do pai. Cara Gertrudes, as tristezas no andam como
espias, mas sempre em batalhes. Primeiro, a morte
do pai; depois, a ausncia de teu filho, causador de
seu prprio banimento; o povo alvoroado, crasso e
impuro, conjetura em cochichos sobre a morte do
bom Polnio; foi inexperincia sepult-lo s ocultas;
ora, Oflia, solitria de si e do prprio juzo, sem o
qual somos brutos ou pinturas... Por ltimo, o que
vale mais que tudo, seu irmo que voltou
secretamente, anda cheio de pasmo, vai s nuvens,
sem que os murmuradores lhe faleam com ditos
pestilentos sobre a causa da morte do pai dele, sem
falarmos que a prpria confuso, no conhecendo
como as coisas realmente se passaram, no deixar
de envenenar-me o nome de ouvido para ouvido.
regresso. Hamlet.
Que isso? E os companheiros, voltariam? No ser
tudo apenas uma farsa?
LAERTES: E a letra?
O REI: Os traos so de Hamlet: Nu; e adiante, em
ps-escrito, diz: Sozinho. Podeis aconselhar-me?
LAERTES: No sei tambm que faa. Mas que venha.
Sinto que se me inflama o peito idia de viver e
poder dizer-lhe aos dentes: Assim fizeste!
O REI: Se assim , Laertes, e por que no? Por que
de outra maneira? Quereis que vos oriente?
LAERTES: Ento, senhor! Contanto que de paz no
seja o assunto.
O REI: Vossa paz, simplesmente. J que a viagem
ficou frustrada e que ele j no cuida de reinici-la,
penso em concit-lo a um feito em que de h muito
estou pensando, que a morte dele implica, sem que
vento de censura nenhum nos incomode; a prpria
me ver no efeito o acaso, chamando-lhe acidente.
LAERTES: Estou de acordo e mais ainda estarei, se
dispuserdes que seja eu o instrumento.
O REI: Vem a tempo. Ds que viajastes, fostes
elogiado na presena de Hamlet por um dote em que,
se diz, primais. Todas as outras qualidades, reunidas,
no tiveram o poder de espertar-lhe tanto a inveja,
como essa, que, a meu ver, a mais modesta.
LAERTES: Que talento, senhor, gabaram tanto?
O REI: Um lao no chapu da juventude, conquanto
necessrio; porque aos moos cai bem a vestimenta
leve e simples, como peles e mantos velhice, que a
protegem, tornando-a circunspecta. Aqui esteve, h
dois meses, um normando. Lutei contra os franceses;
sei, de viso, que so bons cavaleiros. Esse bravo,
dizem.
HAMLET: Como estranha?
PRIMEIRO COVEIRO: Ora, perdendo o juzo.
HAMLET:E onde foi isso?
PRIMEIRO COVEIRO: Ora, aqui na Dinamarca. Entre
rapaz e homem feito, sou coveiro h trinta anos.
HAMLET: Quanto tempo pode uma pessoa ficar na
terra, sem apodrecer?
PRIMEIRO COVEIRO: A la f, se j no comeara a
apodrecer em vida, que hoje em dia h muitos
bexiguentos que mal esperam pela inumao, poder
durar-vos coisa de oito anos ou nove; um curtidor
demora nove anos.
HAMLET: E por que ele mais tempo do que os outros?
PRIMEIRO COVEIRO: Ora, senhor, que a profisso
lhe endurece a pele, tornando-a impermevel gua,
que o mais ativo destruidor do bandido do cadver.
Temos aqui outro crnio, que vos ficou na terra seus
vinte e trs anos.
HAMLET: De quem era este?
PRIMEIRO COVEIRO: Do mais extravagante louco que
j se viu. Quem pensais que ele fosse?
HAMLET: No posso sab-lo.
PRIMEIRO COVEIRO: Para o diabo com sua loucura!
Certa vez atirou-me cabea uma botija de vinho do
Reno. Esse crnio a, senhor, esse crnio ai, senhor,
era o crnio de Yorick, o bobo do rei.
HAMLET: Este?
PRIMEIRO COVEIRO: Precisamente.
HAMLET: Deixa-me v-lo. (Toma o crnio.) Pobre
Yorick! Conheci-o, Horcio; um sujeito de chistes
inesgotveis e de uma fantasia soberba. Carregoume muitas vezes s costas. E agora, como me
ela?
O REI: Laertes, est louco.
A RAINHA: Evitai-o, por Deus.
HAMLET: Com os diabos! Dize logo o que farias.
Chorar? brigar? jejuar? fazer-te em tiras? beber
vinagre e at engolir inteiro um crocodilo? Tudo isso
eu posso. Que vieste aqui fazer? Gemer apenas?
desafiar-me na cova? Se desejas que te enterrem,
tambm posso imitar-te. Se falas de montanhas, que
despejem sobre ns milhes de acres, at que o solo
v queimar-se de encontro zona ardente, deixando
o Ossa tornar-se uma verruga. Como vs, eu
tambm falo empolado.
A RAINHA: da loucura; o acesso dura pouco; mas
logo, to quietinho como a pomba, quando os
gmeos lhe nascem de cor de ouro, as asas o silncio
lhe adormece.
HAMLET: Respondei-me, senhor: por que motivo me
tratais desse modo? Amei-vos sempre. Mas isso
pouco importa; deixai que Hrcules faa como
entender; o gato mia; o cachorro tambm ter seu
dia.
(Sai.)
O REI: Meu caro Horcio, peo-te, acompanha-o. (Sai
Horcio.)
(A Laertes.) Fortifica a pacincia no que noite
conversamos, que breve decidimos esse assunto.
( Rainha.) Boa Gertrudes, cuida de teu filho.
( parte.) Esta cova h de ter moimento vivo.
Uma hora de sossego ainda vir;
com pacincia esperemos at l.
(Saem todos.)
Cena II
Uma sala no castelo.
Entram Hamlet e Horcio.
HAMLET: Sobre esse assunto, quanto basta; agora
cuidemos do outro. Lembras-te de todas as
particularidades?
HORCIO: Se me lembro!
HAMLET: Uma luta travou-se-me no peito, que o sono
me tirou; sofria como revoltosos em ferro. De
repente - Viva a temeridade! - muito certo que a
indiscrio por vezes nos ampara, quando a trama
periga. Isso nos mostra que um deus aperfeioa
nossos planos, ainda que mal traados.
HORCIO: bem certo.
HAMLET: Sa do camarote envolto s pressas no meu
roupo de viagem, para ach-los na escurido.
Consigo o intento, lano mo do pacote e me retiro
para meu quarto novamente. Com audcia, que o
medo vence o brio, os selos quebro da grande
comisso, achando, Horcio - oh banditismo real! uma ordem clara, com vrios argumentos relativos
ao bem da Dinamarca e da Inglaterra e no sei mais
que duendes e fantasmas, no caso de com vida me
deixarem, para que na mesma hora, sem delongas,
nem sequer a de afiar a machadinha, me
degolassem.
HORCIO: Qu! ento possvel?
HAMLET: Aqui tens o mandato. Podes l-lo com
vagar. Mas no queres que te conte como me decidi?
HORCIO: Com todo o gosto.
HAMLET: Cercado assim por tantas vilanias, mesmo
antes de eu poder dizer o prlogo, representava o
calor.
HAMLET: Ao contrrio, podeis crer-me; faz muito frio;
vento norte.
OSRICO: Realmente, prncipe, est fazendo bastante
frio.
HAMLET: Conquanto me parea que o tempo est
abafado e quente para a minha compleio.
OSRICO: Sim, no h dvida, algo abafado, de certo
modo... No sei como me exprima. Mas, senhor, Sua
Majestade me incumbiu de comunicar-vos que
apostou uma grande quantia sobre vossa pessoa. O
caso o seguinte...
HAMLET: (concitando a cobrir-se): Peo-vos, no vos
esqueais...
OSRICO: Deixai, meu caso senhor; estou vontade.
Mas senhor, Laertes chegou corte h pouco tempo;
um cavalheiro, podeis crer-me, na acepo lata do
termo, com excelentes qualidades, boa presena e
conversao agradvel. De fato, para falar dele com
toda a propriedade, a carta ou almanaque da
cortesania, por encontrar-se nele a smula de todos
os dotes que pode um gentil-homem ambicionar.
HAMLET: O seu elogio nada perdeu em vossa boca,
conquanto eu saiba que se fssemos fazer um
inventrio de suas qualidades, padeceria a aritmtica
da memria sem que na rota em que ele vai se
observasse a menor guinada. Para exalt-lo com toda
a sinceridade, considero-o um esprito muito aberto,
com dotes to preciosos e raros, que, para tudo dizer
em uma s palavra, igual a ele, s poder encontrar
em seu prprio espelho. Qualquer outra tentativa
para retrat-lo redundaria em sua simples sombra.
OSRICO: Vossa Alteza fala com convico.
(Fere o Rei.)
TODOS: Traio! Traio!
O REI: Amigos, defendei-me! Estou apenas ferido.
HAMLET: Incestuoso assassino, Dinamarqus maldito,
bebe, bebe tua parte, tambm. Contm tua prola?
Vai, vai com minha me.
(O Rei morre.)
LAERTES: justo! justo!
O veneno, ele mesmo o preparara.
Perdoemo-nos, agora, nobre Hamlet.
Que minha morte e a de meu pai no caiam
sobre ti, nem a tua sobre mim.
(Morre.)
HAMLET: O cu te absolva; sigo-te. Estou morto,
Horcio. Infeliz me, adeus, adeus. Vs que
empalideceis a esta catstrofe, que no passais de
mudos assistentes desta cena... Se o tempo me
sobrasse - que a Morte, o beleguim que no conhece
contemplaes, sempre rigorosa - Se pudesse
contar-vos! Que importa! Horcio, eu morro, mas tu
vives; perante os descontentes, justifica-me e
minha causa.
HORCIO: No; no penseis nisso; sou mais romano
antigo do que mesmo dinamarqus. Na taa ainda h
veneno.
HAMLET: Como o homem que s, entrega-me essa
taa. Entrega-ma, por Deus! Larga-a! Desejo-a!
Deus! Que nome eu deixo, Horcio caso continuem
confusas essas coisas. Se algum dia em teu peito me
abrigaste, priva-te por um tempo da ventura e
respira cansado mais um pouco neste mundo to
duro, para a todos contares minha histria.
(Marcha ao longe; tiros de canho por trs da cena.)