Filosofia Política 01 em Busca Da Essencia Do Politico
Filosofia Política 01 em Busca Da Essencia Do Politico
Filosofia Política 01 em Busca Da Essencia Do Politico
z Filosofia Política
Os regimes democráticos são exceção no espaço e no tempo. Este
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fato fortalece o argumento de Montesquieu, expresso no Espírito das
Leis, de que a natureza humana é individualista e egoísta. E, portanto,
democracia e república seriam regimes inatingíveis em termos práti-
cos, porque exigem que os interesses públicos estejam acima dos inte-
n
resses privados. Logo, democracia e república só podem ser pensadas
e efetivadas a partir de uma educação intensiva e extensiva capaz de
superar o individualismo egoísta em prol da cidadania ativa.
Temos que reconhecer, porém, que a modernidade trouxe conquis-
t
tas fundamentais como a valorização da subjetividade e da liberdade
individual. Contudo, ainda não conseguimos equacionar a liberdade
individual com a necessidade do exercício da cidadania e da consti-
tuição de uma esfera pública que viabilize a coexistência entre ética e
r
política.
Se, por um lado, o modelo da representação política foi a única
forma encontrada para viabilizar o retorno da democracia nas socie-
dades modernas, que já não podiam ou não queriam sustentar os al-
o
tos níveis de envolvimento e participação na esfera pública, tal qual
os antigos atenienses, quer pela carência de formação, quer pelos no-
vos interesses em jogo, quer pela ascensão da importância da econo-
mia (reino da necessidade) que passa a subordinar a vida política (rei-
d
no da liberdade).
Por outro lado, é preciso admitir que estamos em meio a uma crise
da representação política, que coloca em questão o atual modelo das
chamadas repúblicas democráticas liberais.
ç
No plano das relações internacionais, os recentes acontecimentos,
como guerras de invasão, ações terroristas estatais ou não, desrespeito
aos direitos humanos, nos demandam uma série de questões sobre o
sentido do poder, da soberania, da democracia, da liberdade e da to-
ã
lerância.
Entendemos, que o estudo das questões fundamentais da filoso-
fia política, das principais correntes e dos seus autores, clássicos e
contemporâneos, devem constituir-se como espaço fundamental a ser
o
ocupado, e que pode contribuir com o debate sobre os possíveis sen-
tidos da vida política, buscando assim a criação de uma linguagem ca-
158 Introdução
Filosofia Política
Filosofia
F
do uma comunidade mostra-se capaz de constituir uma unidade, uma
esfera pública, seja pela ação cidadã, em termos de autogoverno, seja
pela necessidade de um poder externo e coativo, característico da “ci-
dadania” passiva. O Folhas mostra como os atenienses da Antigüida-
I
de e os índios brasileiros, de antes da descoberta, atingiram a essên-
cia do político.
O Folhas A política em Maquiavel que apresenta a política como ela é,
construída pelos homens e indispensável para a constituição do Esta-
L
do. O pensamento maquiaveliano propõe uma “nova ética”, vinculada
à ação política e não ao ideal moral. Discutindo a questão do poder e
a importância fundamental da virtude política e da ação, Maquiavel traz
uma contribuição importante para o pensamento político moderno.
O
No Folhas Política e violência é apresentada uma reflexão sobre as
relações entre o poder instituído e a violência, a partir da perspectiva
weberiana do Estado como detentor do monopólio do uso da força. A
lei que emancipa ou a lei que reprime e domina? A lei como proteção
S
à violência ou como a oficialização desta? Este conteúdo articula con-
ceitos dos clássicos da filosofia política, como fundamentos para ques-
tionar e pensar as relações entre violência e poder no Brasil contem-
porâneo.
O
O Folhas A democracia em questão se propõe a pensar as razões que
estão no fundamento das democracias modernas e contemporâneas,
pautadas pelo capitalismo e pelo individualismo egoísta e possessivo.
Apresenta as diferenças entre as concepções liberal, a crítica de Marx e
o republicanismo, sobretudo no que se refere à idéia de liberdade in-
dividual e liberdade política. Convida a uma reflexão sobre a necessi-
dade premente de compreender e superar as democracias meramente
formais, através da restituição do pensamento e da ação política e de
uma esfera verdadeiramente pública.
F
Estes quatro Folhas, não têm, obviamente, a pretensão de dar con-
ta do universo desse conteúdo estruturante, mas sim de apresentar
aos estudantes e professores alguns dos problemas fundamentais que
constituem o pensamento e as práticas políticas, da sua invenção aos
I
dias de hoje, e que pela sua importância e complexidade, nos convi-
dam a filosofar.
A
160 Introdução
Filosofia Política
Filosofia
1
EM BUSCA DA
ESSÊNCIA DO
POLÍTICO <Jairo Marçal1
z O preconceito contra a
política e a política de fato
É comum que numa conversa sobre política se chegue, rapidamen-
te, à conclusão de que ela nada tem a ver com a ética, em outras pa-
lavras, que o poder político e suas realizações não se conduzem por
princípios e valores voltados aos interesses coletivos, mas sim, por in-
teresses utilitários de ordem individual ou corporativa, do tipo: “Mas
... o que eu ganho votando em fulano?”, ou “Votem em mim e eu lhes
darei privilégios ...”.
Essa é a percepção que o senso comum da sociedade tem da po-
lítica, e seria profundamente ingênuo afirmar que a política não passa
por esses descaminhos. No entanto, não é menos ingênuo e preocu-
pante o fato de aceitarmos tão rapidamente essa perspectiva exclusiva-
mente negativa da política como algo óbvio, natural e inelutável.
Em geral, as conversas sobre política enveredam por caminhos que
podem parecer interessantes, mas que no fundo são pouco produtivos
e frustrantes. Isso se dá porque, estimulados pelos acontecimentos e
pelas notícias da imprensa, fazemos questionamentos e afirmações so-
bre a honestidade ou desonestidade dos políticos; sobre seus salários;
negociações supostamente ilícitas; sobre os partidos; tendências; alian-
ças questionáveis; sobre quem será candidato; sobre um projeto que
está tramitando e suas possíveis conseqüências. Quase sempre esta-
mos reproduzindo, diga-se de passagem, com poucos ou insuficientes
dados e questionamentos, informações veiculadas pelos jornais, pelas
rádios ou telejornais, e mesmo aquelas que circulam pela internet.
Em O que é Política?, a pensadora Hannah Arendt escreve sobre a
necessidade de avaliar os preconceitos que todos nós temos contra a
política, decorrentes, em grande medida, do fato de estarmos aliena-
dos da vida política e de não sermos políticos profissionais.
Arendt estabelece duas categorias de preconceitos contra a políti-
ca: no âmbito internacional – o medo de um governo mundial totalitá-
rio e violento; no âmbito local ou interno – a política é reduzida a in-
teresses mesquinhos, particularistas e à corrupção.
Vamos ler e pensar sobre essa questão do preconceito contra a po-
lítica, a partir de um texto da autora.
< www.geocities.com/hoefig
Hannah Arendt, nascida na Alemanha, de família judaica, estudou filosofia em Berlin com
Heidegger e Jaspers. Na segunda guerra mundial, refugiou-se nos Estados Unidos, onde le-
cionou na New School for Social Research. Publicou: Entre o passado e o futuro; A condição
humana; Origens do totalitarismo; Sobre a revolução; Eichmann em Jerusalém – um relato
sobre a banalidade do mal; O que é política?( obra póstuma).
< Hannah Arendt (1906-1975)
DEBATE
Debata com seus colegas, os sentidos e a pertinência atual (ou não) dos argumentos de Hannah
Arendt sobre o preconceito contra a política.
Não esqueça de registrar, por escrito, as idéias surgidas no debate.
As regras para o debate encontram-se na introdução deste livro.
DEBATE
Vamos aceitar o desafio proposto por Wolff e tentar imaginar o que aconteceria se não houvesse a
política. Imaginem os humanos vivendo sem Estado, sem leis, sem nada em comum, sem a consci-
ência nem a responsabilidade de pertencer a uma comunidade, a uma cidade. Isso seria possível?
Teríamos mais ou menos liberdade? Como seria a vida sem a política?
Não esqueça de registrar, por escrito, as idéias surgidas no debate.
As regras para o debate encontram-se na introdução deste livro.
z O ideal político
O ideal político se caracteriza pela existência de uma comunida-
de e pela construção e manutenção de uma unidade desta comunida-
de, sem que para isso ela precise submeter-se a um poder externo (do
tipo: “eles” são o poder; eles fazem as leis que nós devemos obede-
cer). Não se trata, contudo, de uma defesa da anarquia. É importan-
te registrar que não é possível a vida em comum sem que haja regras
e sanções muito claras. Logo, uma comunidade política ideal deve es-
tabelecer suas finalidades, suas regras, suas prioridades, enfim, deve
autogovernar-se (nós somos o poder; nós fazemos as leis que norma-
tizam a vida na comunidade e isso constitui a nossa liberdade). No en-
tanto, a história testemunha o quão difícil é a consecução desse ideal
do político.
Se houvesse uma comunidade que, em lugar de manter-se por meio de um poder distinto dela mesma (uma instân-
cia organizada para esse fim, um chefe todo-poderoso, um grupo dirigente, uma classe dominante, um Estado), se con-
servasse em sua unidade apenas por sua própria potência, uma sociedade na qual o poder político só pudesse ser lo-
calizado na comunidade política em seu conjunto, poderíamos dizer dessa sociedade que ela realizou a idéia do político.
(WOLFF, 2003, p.31).
PESQUISA
Converse com os professores de História e faça também um levantamento na biblioteca e/ou inter-
net de quais foram e onde aconteceram os regimes que podem ser considerados democráticos na
História da Humanidade - da Antigüidade até o século XIX.
PESQUISA
z A democracia ateniense
Em Atenas, o princípio de soberania do povo significava, sobretu-
do, a igualdade entre os cidadãos, membros da comunidade política,
e se sustentava fundamentalmente pelo exercício da cidadania ativa,
através da isonomia, da isègoria e também da rotatividade dos cargos
e sorteio.
Aristóteles define a cidade e sua finalidade como “uma comunida-
de completa, formada a partir de várias aldeias e que, por assim dizer,
atinge o máximo de auto-suficiência. Formada a princípio para preser-
var a vida, a cidade subsiste para assegurar a vida boa”. (ARISTÓTELES, Políti-
ca. p. 53; 1252 b – 30).
É preciso reconhecer que a igualdade jamais foi plena,
mesmo no auge da democracia ateniense, quando eram con-
siderados cidadãos apenas os homens adultos, nascidos em
Atenas, sobretudo pelo fato de falarem a língua grega. Por-
tanto, eram excluídos da vida política: as mulheres, as crian-
ças, os escravos e os estrangeiros (metecos).
< Maquete da ágora de Atenas –
Enciclopédia Britânica
A última (classe) que reunia todos aqueles que tinham rendimentos inferiores a duzentas medidas
de grãos. Na época clássica, os tetas correspondiam sensivelmente à metade da comunidade cívica e
serviam na armada, como remadores. Ao acreditar no autor da Constituição de Atenas, os tetas não po-
diam ascender às magistraturas. Mas tinham, por direito assento na assembléia e nos tribunais. (...)
É perfeitamente legítimo supor que o acesso dos tetas às assembléias não tenha sido o resultado
de uma reforma concebida por um legislador, mas sim uma situação de facto, resultante dos tumultos
que caracterizaram a história de Atenas no séc. VI (...). (MOSSE, 1999, p.24, 25).
DEBATE
Discutir o sentido e possíveis implicações dos termos, soberania, alienação do poder e representa-
ção, apresentados por Rousseau. Debater também, a posição do filósofo, em relação ao papel e ao
poder dos deputados do povo.
Não esqueça de registrar, por escrito, as idéias surgidas no debate.
As regras para o debate encontram-se na introdução deste livro.
De volta à Antigüidade. Os atenienses exerciam seu poder, sua so-
berania, diretamente na ekklesia e faziam-no porque eram iguais. Uma
vez assegurada a igualdade de direitos perante a lei (isonomia) e tam-
bém o igual direito ao uso público e político da palavra (isègoria) nas
assembléias, os atenienses, após debates e deliberações, tomavam de-
cisões que deveriam ser executadas. Como isso acontecia? É preciso
saber que, no governo da coisa pública, os cargos fixos eram raros, em
geral, os cidadãos eram encarregados de executar tarefas.
De que forma se decidia a distribuição das tarefas ou dos cargos?
Havia escolha, indicação, eleição?
Não nos esqueçamos que, para os atenienses, a eleição era um
princípio antidemocrático, portanto, deveria ser evitado. Eles enten-
diam que a eleição, poderia criar distinções na sociedade, afinal, esco-
Uma vez colocados esses pressupostos, e sendo este o princípio da democracia, são de índo-
le democrática os seguintes procedimentos: eleger todas as magistraturas entre todos os cida-
dãos; governar todos a cada um, e cada um a todos, em alternância; sortear as magistraturas
ou na totalidade, ou então só as que não exijam experiência ou habilitação; não estipular qual-
quer nível de riqueza para se aceder às magistraturas, ou então estipular um limiar muito baixo;
impedir que o mesmo cidadão exerça duas vezes a mesma magistratura, a não ser em raras
circunstâncias e apenas naquelas escassas magistraturas que não se relacionam com a guer-
ra; reduzir ao mínimo o período de vigência de todas as magistraturas, ou então, do maior nú-
mero possível delas; atribuir administração da justiça a todos os cidadãos escolhidos entre to-
dos, discernindo as questões em litígio ou a maioria delas, e entre essas as mais importantes e
decisivas, como sejam, por exemplo, as relacionadas à fiscalização de contas públicas, com a
constituição, e com os contratos do foro privado; depor a supremacia das decisões nas mãos
da assembléia no tocante a todos os assuntos (...). Outro aspecto decisivo é o fato de nenhuma
magistratura ser vitalícia e, no caso de um determinado cargo ter resistido a uma antiga refor-
ma, ser democrático o facto de restringir o seu poder fazendo que a magistratura seja ocupada
por sorteio em vez de eleição. (ARISTÓTELES, Política, p. 445. 1317 b – 18 a 28; 1318 a).
DEBATE
Compare os fundamentos e práticas adotados na democracia direta dos atenienses (isonomia, ise-
goria, dokimasia, ekklesia), com aqueles existentes na vida política contemporânea (democracia re-
presentativa).
Não esqueça de registrar, por escrito, as idéias surgidas no debate.
As regras para o debate encontram-se na introdução deste livro.
Os índios, efetivamente, só dedicavam pouco tempo àquilo que damos o nome de trabalho. E,
apesar disso, não morriam de fome. Os cronistas da época são unânimes em descrever a be-
la aparência dos adultos, a boa saúde das crianças, a abundância e variedade dos recursos
alimentares. Por conseguinte, a economia de subsistência é, pois, compatível com uma consi-
derável limitação do tempo dedicado às atividades produtivas. Era o que se verificava com as < Povo Kuikuro. Museu do Índio.
tribos sul-americanas de agricultores, como, por exemplo, os tupis-guaranis, cuja ociosidade
irritava igualmente os franceses e os portugueses. (CLASTRES, 1998, p. 135).
PESQUISA
ATIVIDADE
Qual a diferença que Francis Wolff estabelece entre os termos política e político?
DEBATE
z Referências:
ARENDT, Hannah. O que é política? (editoria Ursula Ludz); Tradução Reinaldo Guarany. Rio de Janei-
ro: Bertrand Brasil, 1998.
ARISTÓTELES. A Política. Edição bilíngüe, grego-português. Tradução Antonio C. Amaral e Carlos Go-
mes. Lisboa: Vega, 1998.
CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. Pesquisas de Antropologia Política. Tradução
Theo Santiago. 4. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1998.
FINLEY, Moses, I. Os gregos antigos. Tradução Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 2002. Coleção: Lu-
gar da História.
MOSSÉ, C. O cidadão na Grécia Antiga. Tradução Rosa Carreira. Revisão da Tradução Ruy Olivei-
ra. Lisboa: Edições 70, 1999. Coleção: Lugar na História.
PETERS, F.E. Termos filosóficos gregos. Um léxico histórico. 2. ed. Tradução Beatriz Rodrigues Bar-
bosa. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1983.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Tradução de Lourdes Santos Machado. 4. ed. São
Paulo: Nova Cultural, 1987.(Os pensadores)
WOLFF, Francis. A invenção da política. In: NOVAES, A. (org.) A crise do Estado-nação. Rio de Ja-
neiro: Civilização Brasileira, 2003.
___. Quem é bárbaro? In: Novaes, Adauto (org.).Civilização e barbárie. São Paulo: Companhia das
Letras, 2004.
z Obras consultadas:
CHAUI, Marilena. Introdução à História da Filosofia. Dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo:
Brasiliense, 1994.
JAEGER, Werner. Paidéia. A formação do homem grego. Tradução Artur M. Parreira; adaptação pa-
ra a edição brasileira Mônica Stahel; revisão do texto grego Gilson Cesar Cardoso de Souza. 3. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 1995.
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. Tradução Neil
R. da Silva. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
PLATÃO. A República. Tradução e notas Maria Helena da Rocha Pereira. Tradução do texto grego J.
Burnet - Platonis Opera. 9. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
ANOTAÇÕES