Matemática
Bons de conta
Ilustração: Fernando Brum
Brasileiros perdem noites de sono em busca de respostas para
problemas que valem milhões
Camilo Vannuchi
Eles são obsessivos, adoram quebra-cabeças e enigmas. Um prêmio
de US$ 1 milhão lançado pelo Instituto Clay de Matemática, com sede
nos Estados Unidos, fez a obsessão dos matemáticos triplicar. Leva o
dinheiro quem conseguir resolver um dos sete desafios apresentados
pelo instituto. Mas engana-se quem imagina uma bateria de exercícios
com gabarito disponível ao final da prova. Os sete probleminhas até
agora não tiveram solução. Há séculos, vêm infernizando a vida dos
mais ilustres profissionais da área, capazes de fundir o cérebro por
horas a fio, afogados em fórmulas e equações.
Os brasileiros participam da corrida. O chefe do departamento de Matemática Pura do Instituto de
Matemática e Estatística da USP, professor Rui Almeida, quer oferecer uma explicação para a
Conjectura de Poincaré (leia quadro ao lado). Ele tenta decifrar o enigma há dez anos. Em 1997,
Almeida chegou a publicar artigo em uma revista especializada acreditando ter solucionado o mistério.
Existia um único erro em sua análise e ele foi obrigado a retomar os estudos. “Foi ingenuidade minha.
Achava que alguns desenhos simples resolveriam o problema”, admite. Às vezes, o professor acorda
assustado no meio da noite, certo de haver finalmente alcançado uma solução. Têm sido sempre
alarmes falsos. “Meu interesse pela conjectura é tão grande que a curiosidade se transformou em
atração fatal”, diz. Quando perguntado sobre a relevância prática de seus estudos, Almeida confabula
por longos minutos antes de responder contrariado. “O matemático é um pouco alienado da vida
prática. Ele costuma ficar imerso em um universo paralelo. Conceitos da matemática pura às vezes
demoram décadas para alcançar uma aplicação”, diz.
Os professores Newton da Costa, da Faculdade de Filosofia da USP, e Francisco Antônio Dória, da
Escola de Comunicação da UFRJ, estão há mais de seis anos debruçados sobre outro problema,
conhecido pela estranha expressão “P=NP?”. Costa tornou-se conhecido internacionalmente após criar,
em 1963, o palavrão “lógica paraconsistente”, uma lógica que admite premissas contraditórias entre si.
Agora, Costa entrega-se à nova batalha e espera uma enxurrada de concorrentes. “Com o prêmio,
devem aparecer diversos aventureiros em busca do dinheiro. Gente que nunca pensou no problema
passará a se dedicar a ele”, diz. Longe do estereótipo do matemático, Costa não trabalha com cálculos
e equações monstruosas em sua pesquisa. “Encontrar uma resposta depende apenas de raciocínio. Eu
costumo andar de um lado para o outro, pensando, fazendo alguns rabiscos. De repente, uma luz me
ocorre”, conta. O parceiro Antônio Dória está confiante na vitória, mas não descarta a possibilidade de
ser ultrapassado por um novato. “Tempo de estudo não significa nada. Pode aparecer um jovem genial
e resolver o problema na hora”, garante.
Acaso – É que na matemática as soluções podem surgir por puro acaso. A maioria das descobertas
científicas costuma despontar na esteira de uma pesquisa iniciada com outro objetivo. “Não basta
atravessar noites em claro trabalhando. Geralmente, o matemático desenvolve uma tese sobre
determinado assunto e, no meio das suas explanações, esbarra na resposta para uma outra questão”,
diz Luiz Barco, matemático e professor de Lógica da Escola de Comunicações e Artes da USP. O físico e
engenheiro Aguinaldo Prandini Ricieri, professor do curso pré-vestibular do colégio Anglo, em São
Paulo, e do Instituto de Tecnologia e Aeronáutica, em São José dos Campos, no interior paulista,
parece discordar de Barco. Para incentivar os concorrentes, Ricieri decidiu colocar no site
www.prandiano.com.br uma explicação didática das sete questões, com a qual promete auxiliar os
interessados em resolvê-los. Quanto ao prêmio oferecido pelo instituto americano, Ricieri ousa
qualificá-lo de irrisório. “O valor de mercado de alguns enigmas como as equações de Navier-Stokes é
altíssimo; US$ 1 milhão não é nada perto do que as indústrias poupariam ao prescindir de simulações e
testes de desempenho de automóveis”, acredita.
Assim que o Instituto Clay tornou pública a oferta dos milhões e disponibilizou as regras do
concurso no site www.claymath.org, outros desafios semelhantes foram lançados. Um deles é decifrar a
Conjectura de Goldbach, inexplicável desde a sua formulação, em 1742. Ela diz que todo número
natural par maior do que 2 é a soma de dois primos (números divisíveis apenas por 1 e por eles
mesmos). Quem for capaz de provar nos próximos dois anos que isso não é apenas uma enorme
coincidência será agraciado também com US$ 1 milhão pelas editoras Faber and Faber (Inglaterra) e
Bloomsbury (Estados Unidos).
Para quem não sabe, até da ficção surgem desafios matemáticos. Uma carta criptografada,
supostamente escrita pelo ficcionista inglês Edgar Allan Poe, espera uma tradução há 150 anos. É que
cada símbolo corresponde a uma letra e são necessárias inúmeras tentativas para descobrir as
correspondências. Há um prêmio de US$ 2.500 nos Estados Unidos para quem decifrar os garranchos
de Poe.
A Unesco promove em 2000 o ano internacional da matemática e estão sendo organizados
seminários e congressos pelo mundo. Não é de estranhar que tantos prêmios tenham aparecido. Os
brasileiros, por enquanto, estão tão preocupados com os enigmas que não pararam para pensar no
dinheiro. “Sei lá o que fazer. É provável que eu deposite num banco e continue dando aula
normalmente”, arrisca Dória.
P=NP? A conjectura de hodge
Todo problema não polinomial tem uma
Qualquer objeto pode ser descrito como a união
resolução polinomial?
de blocos geométricos? Um taco de beisebol
O desafio é descobrir se os problemas
pode ser simplificado em uma combinação de
resolvidos por tentativas admitem uma solução
esferas e cilindros? Um método facilitaria a
rápida. Um computador poderá organizar a
padronização dos manuais de produção das
grade horária de uma escola em poucos
indústrias
segundos
A conjectura de poincaré A hipótese de riemann
“Se uma variedade de dimensão 3 é compacta, Utilizando uma tal função
conexa e Zeta, procura-se explicar a
simplesmente conexa, então, disposição de números primos
ela é a esfera de dimensão 3”. no universo de números naturais. Ninguém
Seja qual for o signifcado disso, trata-se da conseguiu criar
descrição algébrica uma equação capaz de mostrar
de objetos abstratos se ela segue algum critério
Teoria de yang-mills Equações de navier-stokes
Já se estabeleceram equações capazes de
descrever o Acredita-se que essas equações estabeleçam
comportamento de partículas princípios para se entender o movimento dos
elementares como os elétrons. Jamais foi corpos em ambientes como a água e o ar. Após
explicado como agem partículas pesadas como decifradas, poupariam a indústria automobilística
os nêutrons, embora usem-se as mesmas e aeronáutica da tradicional bateria de testes
equações
Conjectura de birch e swinnerton-dyer
Equações com mais de duas variáveis e coeficientes fracionários podem
ou não apresentar solução com números inteiros. Falta descobrir quando
elas possuem esses resultados e quando eles são finitos ou infinitos
Colaborou Chico Silva