Justificação Pela Fé
Justificação Pela Fé
Justificação Pela Fé
Joelson Gomes
Introdução:
Cremos que Deus que é perfeitamente misericordioso e justo, enviou seu Filho
para tomar a natureza humana que havia cometido a desobediência, com o fim
de satisfazer e lavar o castigo dos pecados por meio se sua amarga paixão e
morte. Assim, pois, demonstrou Deus sua justiça contra seu Filho quando
lançou sobre ele nossos pecados; e derramou sua bondade e misericórdia sobre
nós que éramos culpáveis e dignos de condenação, entregando seu Filho a
morte por nós, movido por um amor perfeito, e ressuscitando-o para nossa
justificação, para que por Ele tivéssemos a imortalidade e a vida eterna.1
Só pela verdadeira fé em Jesus Cristo, de tal sorte que, ainda que minha
consciência me acuse de haver pecado gravemente contra todos os
mandamentos de Deus, não havendo guardado jamais nenhum deles, e estando
sempre inclinada a todo mal, sem merecimento nenhum meu, só por sua graça,
Deus me atribui e dá a perfeita satisfação, justiça e santidade de Cristo como se
não houvesse eu tido, nem cometido algum pecado, pelo contrário, como se eu
mesmo tivesse cumprido aquela obediência que Cristo cumpriu por mim,
contanto que eu abrace estas graças e benefícios com verdadeira fé.2
Creemos y Confessamos: A Confeción de Fé de los Paises Bajos (Rijswik: FELIRE, 1987), p. 41.
2
El Catecismo de Heidelberg (Rijswik: FELIRE, 1993), p.98.
A Confissão de Fé de Westiminster (1648).
Aqueles a quem Deus eficazmente chama, também livremente justifica; não por
infundir neles a justiça, mas por perdoar seus pecados e por considerar e aceitar
suas pessoas como justas; não em razão de qualquer coisa neles operada ou
neles feita, mas unicamente em consideração da obra de Cristo; não por
imputar-lhes para justiça sua própria fé, ao to de crer, ou qualquer outra
obediência evangélica; mas por imputar-lhes a obediência e satisfação de Cristo,
quando eles o recebem e nele e em sua justiça repousam pela fé; fé esta que não
possuem em si mesmos, pois que é um dom de Deus.3
3
Capítulo 11, seção 1; a Declaração de Savoy (Confissão de Fé histórica dos Congregacionais) 11.1
segue o mesmo ensinamento.
grego, não são verbos que fazem algo a alguém, mas que consideram,
tratam, alguém como algo.4 E a palavra grega para justificar é dikaioô.
Isto porque a palavra justificar na Bíblia tem um sentido judicial. Sempre diz
respeito as relações do ser humano com as sagradas leis do código divino,
perante as quais são declarados justos ou culpados. Assim, o justificado não se
transforma num justo, ele é declarado justo, pela justiça de Cristo que é
imputada (atribuída, aplicada) a ele.
Na época da Reforma Protestante a Igreja Romana convocou um concilio
para a cidade de Trento, começando em 1545. Neste concilio, entre outras
declarações, foi aprovado que não era somente pela atribuição ou crédito da
justiça de Cristo em favor do pecador, que ele poderia ser justificado. Observe
algumas decisões deste concílio obre o assunto:
4
BARCLAY, William. Romanos (Barcelona: CLIE, 1995), pp. 77-78.
Cânon 9- Se alguém disser que o pecador é justificado somente pela fé, querendo
dizer que nada coopera com a fé para a obtenção da graça da justificação; e se alguém
disser que as pessoas não são preparadas e predispostas pela ação de sua própria
vontade- que seja maldito.
Cânon 11- Se alguém disser que os homens são justificados unicamente pela
imputação da justiça de Cristo ou unicamente pela remissão dos seus pecados,
excluindo a graça e amor que são derramados em seus corações pelo Espírito Santo, e
que permanece neles; ou se alguém disser que a graça pela qual somos justificados
reflete a vontade de Deus- que seja maldito.5
Para a Igreja Romana, a justiça de Cristo tinha que ser, de alguma forma,
infundida para dentro do cristão, de forma que o pecador se transformaria num
justo. A conseqüência disso é que as pessoas passaram a buscar se justificar com
seus próprios méritos, suas obras, pela melhoria de caráter; e a entender que
são justificadas pela sua própria vontade. E este ainda é o ensino da Igreja
romana hoje, pois as decisões do Concílio de Trento não foram revogadas.
Isto biblicamente é um erro, pois a justificação é um ato da livre
graça de Deus, sem está atrelada a nenhuma obra nossa, mas unicamente pela
obra de Cristo na cruz a nós atribuída, creditada. Escreve C. H. Mackintosh:
Nós estávamos sob a maldição, por que não tínhamos guardado a Lei; porém
Cristo, o homem perfeito engrandecendo a Lei e tornando-a honrosa, devido
ao fato de a haver cumprido perfeitamente, foi feito maldição por nós sendo
pendurado no madeiro. Assim, na sua vida ele engrandeceu a Lei de Deus; e
na sua morte levou a nossa maldição. Portanto, agora não há para o crente
maldição, nem ira, nem condenação: embora tenha de comparecer no
Tribunal de Cristo, este tribunal ser-lhe-á tão favorável então como agora o é
o trono da graça. O tribunal manifestará a sua verdadeira condição, isto é,
que nada existe contra ele: o que ele é, foi Deus quem realizou. Ele é obra de
Deus. Deus tomou-o no estado de morte e condenação e fê-lo exatamente
como queria ele fosse. O próprio juiz apaga os seus pecados e é a sua justiça
de forma que o tribunal não deixará de lhe ser favorável; mais ainda, será a
declaração pública, autorizada e plena, feita ao céu, à terra e ao inferno, de
que aquele que é lavado de seus pecados no sangue do Cordeiro é tão limpo
quanto Deus pode torna-lo (1 Jo. 5:24; Rm. 8:1; 2Co. 5:5, 10-11; Ef. 2:1-0). Tudo
que era preciso fazer, o Próprio Deus fê-lo, e certamente ele não condenará a
sua própria obra. A justiça que era perdida, Deus a proveu; e, portanto, não
achará nenhum defeito nesse suprimento.6
Porque o ser humano deve ser justificado diante de Deus? Bem, a Bíblia nos
afirma que Deus é justo (Dt.32:4; Rm.3:25-26), todos os seus atos são corretos.
Como então Ele poderia salvar pecadores, que haviam descumprido a sua Lei?
Era seu desejo salvar, mas Ele não poderia colocar todos no céu, seria um ato de
injustiça, teria que haver um jeito de Deus justificar estes pecadores,, mas
permanecer justo. Jesus Cristo foi a resposta. O ser humano precisava ser
justificado por que estava em uma situação de desespero diante de Deus.
Observe:
Mas como é possível ter esta justiça diante da Lei de Deus, se eu não a cumpri,
ao contrário, eu a quebro todo dia? Veja o que a morte de Cristo fez.
3. A base da justificação.
Muitos acham estranho como um Deus que é amor (1Jo. 4:8), pode condenar
pecadores, mas se esquecem que este mesmo Deus é justiça (Gn. 18:5; Ed. 9:15;
Sl. 11:7; Ez. 33:20), e os seus atributos, justiça e amor, não podem se chocar.
Sabedores desta justiça de Deus, uma boa pergunta seria; “Como um Deus justo
pode justificar pecadores, em que se baseia ele?”
Deus se baseia no sacrifício de Cristo. Ele não nos vê como nós mesmos
somos, seres humanos pecadores, mas Ele nos vê em, e através de Cristo. Em
Rm. 3:24-25 Paulo nos diz que Deus fez de Cristo uma propiciação em favor dos
seus. Usando este termo o apóstolo está tratando de algo muito importante
instituído no Antigo Testamento: o propiciatório. Vamos entender isso:
Olhando Ex. 25: 17-22, notamos que quando Deus mandou Moisés fazer a
Arca da Aliança, disse que a tampa seria um propiciatório. Esta palavra vem do
verbo propiciar, que significa: tornar favorável, aplacar. Ali, na tampa da Arca, que
era este propiciatório, Deus disse que seria o lugar dEle se encontra com a raça
humana, falar com Moisés (Ex. 25:22; Lv. 16:2; Nm. 7:89). Era nesse lugar que,
uma vez por ano, o sumo sacerdote entrava e fazia um sacrifício de um cordeiro
pelos pecados de todo o povo da nação de Israel (Lv. 16:14-15), e assim desviar
a ira de Deus para com o pecado. Deus então não via o povo de Israel nos seus
pecados, mas via o povo através do propiciatório, onde o sacrifício havia sido
feito. Com vinda de Cristo, Nosso Senhor se tornou o Sumo Sacerdote e o
sacrifício, o que oferece e o que é oferecido (Rm. 4:25; 5:1-2, 25; Hb. 9:11-15).
A Lei de Deus havia sido quebrada pelo homem pecador, a ira divina se
acende para com o pecado, Cristo deu a Sua vida para propiciar, aplacar a ira
divina contra o mal. Recebeu em Si a condenação (Is. 53:4-5). Assim, do mesmo
jeito que Deus olhava o povo israelita através do sacrifício do cordeiro feito no
7
Confissão de Fé de Westiminster, XI.iii
propiciatório, hoje Ele vê os salvos através do sacrifício de Jesus na cruz.
Escreve o pastor congregacional Josué Gonçalves de Oliveira:
Como se vê, a cruz foi o lugar da reconciliação. Ali; o homem foi em direção a Deus, e
Deus desceu ao seu encontro. A cruz foi o ponto de contato, entre aterra e o céu, entre
o pecador e Deus. Somente ali seria possível a nossa justificação, pois o preço do
resgate foi pago por Jesus, o nosso eterno substituto.8
Ademais, lembrem-se de que Ele nos vê em Cristo. Eis que ele tem posto o Seu povo
nas mãos do filho do Seu amor. Ele até mesmo nos colocou no corpo de Cristo;
“porque somos membros do Seu corpo, da Sua carne, e dos Seus ossos”. Ele vê que
morremos em Cristo, que nEle fomos sepultados, e que nele ressuscitamos. Assim
como o Senhor Jesus Cristo é do agrado do Pai, assim também nós somos do agrado
do Pai; porque estarmos em Cristo nos identifica com Cristo. Se, pois, nossa aceitação
por Deus está baseada na aceitação de Cristo por Deus, ela fica firme, e é um
argumento imutável diante do Senhor Deus para Ele nos fazer o bem. Se ficássemos
diante de Deus em nossa retidão individual, nossa ruína seria certa e rápida; mas em
Jesus a nossa vida está oculta além do perigo. Creiam firmemente que a não ser que
Deus rejeite a Cristo, ele não poderá rejeitar o Seu povo; a não ser que Ele repudie a
expiação e a ressurreição, não poderá lançar fora aqueles com quem Ele fez aliança
no Senhor Jesus Cristo.9
4. A garantia da Justificação.
Para saber o que garante a justificação do salvo é preciso ler com atenção
Rm. 4:25:
Paulo ensina que Cristo foi entregue pelos pecados dos salvos e que a
Sua ressurreição foi a base legal da justificação deles. Por que a ressurreição de
Jesus foi tão importante para a justificação? Observe:
a) Cristo ao ir para cruz foi condenado em lugar dos que crêem nEle e ao
ressuscitar foi justificado em lugar deles também. Como assim? Devemos
prestar atenção no seguinte:
a.1) O pacto das obras- No Éden Deus entrou em uma aliança, um pacto de
obras com o primeiro ser humano, Adão, como representante da
humanidade diante dEle (Gn. 2:17). Adão não tinha vida inerente em si
mesmo, sua vida dependia de ele cumprir as determinações do pacto de
Deus, ser obediente. Diz a Confissão de Fé de Westiminster: “O primeiro
pacto feito com o homem foi um pacto de obras, no qual a vida foi prometida a Adão
e, nele à sua posteridade, sob a condição de perfeita e pessoal obediência”.11
E a Declaração de Fé de Savoy:
Deus fez um pacto de obras e vida com os nossos primeiros pais e todos os seus
descendentes neles, mas eles sendo seduzidos pela subtileza e tentação de Satanás
voluntariamente transgrediram a lei de seu Criador, e romperam o pacto comendo o
Fruto Proibido. 12
10
A Bíblia de Estudo de Genebra (AT, NT) (São Paulo: Cultura Cristã, 1999), p. 1324.
11
Capítulo II, seção ii
12
Cap. 6, seç. 1. Tradução minha do original: “God having made a covenant of works and life, thereupon,
with our first parents and all their posterity in them, they being seduced by the subtlety and temptation of
Satan did willfully transgress the law of their creation, and break the covenant in eating the forbidden
fruit”.
Isto pode ser visto nos termos do pacto feito por Deus; se a desobediência
trouxe a morte, a obediência consequentemente traria a vida.
Primeiro: Cristo fez algo que Adão nunca teve que fazer, isto é, satisfazer a ira
de Deus pela quebra do pacto das obras. Adão pecou, porém Cristo teve que se
submeter ao julgamento de Deus por causa da rebelião de adão que afetou toda
a sua posteridade. Ele levou sobre si o castigo que a rebelião de Adão provocou
(cf. Is. 53:4-12).
Segundo: Cristo é verdadeiro homem e verdadeiro Deus, por isso recebe uma
recompensa maior do que o primeiro Adão. Pois pela Sua fidelidade foi
exaltado acima de tudo (Fp. 2:9-11). Jesus foi obediente até a morte, cumpriu os
termos do pacto, e ganhou sua recompensa (Jo. 17:4-6; Hb. 5:7-8).
Quando lemos 1Tm. 3:16; Hb. 2:10; 5:8-10; vemos que os escritores dizem
que ele foi, “aperfeiçoado, justificado no Espírito”. Mas como, se Cristo já era
perfeito? A ressurreição de Cristo, sua volta da morte pela operação do Espírito
(Rm. 1:4; 8:11), foi a sua justificação diante de Deus, não pelos seus pecados,
mas pelos dos que Ele representava. Então, se como já vimos na parte 3, sobre o
propiciatório, Deus nos vê em Cristo, que é a propiciação, nós somos
justificados nEle, a justificação de Cristo foi para nosso favor. Se Cristo que foi o
13
Para este assunto vd.: BERKHOF, L. Teologia Sistematica, 3ª d. (Grand Rapids: T.E.L.L., 1976), pp.
250-259.
sacrifício não ressuscitasse, recebesse a vida de volta, isto queria dizer que Deus
não havia aceito sua oferta, e ele permaneceria morto (o salário do pecado), e nós
estaríamos mortos também. Veja como escreve Paulo:
E, se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã, a vossa fé; e somos tidos por
falsas testemunhas de Deus, porque temos asseverado contra Deus que ele
ressuscitou a Cristo, ao qual ele não ressuscitou, se é certo que os mortos não
ressuscitam. Porque, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. E,
se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados (1Co. 15:14-
17, grifos meus).
Mas porque Cristo ressuscitou da morte, recebeu a vida, isso significa que ele
pagou o resgate pelo pecado, e porque não tinha pecado pode ter a vida de
volta. Como ele era sem pecado, a justiça que Ele recebeu com Sua vida
obediente e sua morte, não foi para ele, mas para os que Ele representava.14
5. Os resultados da Justificação.
14
Vd. Para detalhes IRONS, Lee. “Ressuscitado para nossa Justificação” em Os Puritanos (4/6, 1996),
pp. 21-24.
crente e trouxe-o para perto de Deus, no mesmo favor que Ele
próprio goza. Em resumo: Cristo é a sua justiça. Isto põe fim a todas
as questões, responde a todas as objeções, e impõe silêncio a todas as
dúvidas. “Porque assim o que santifica, como os que são santificados,
são todos de um” (Hb. 2:11) (Grifos meus).15
Endereço do autor:
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15
MACKINTOSH, C. H. Estudos Sobre o Livro do Êxodo, 2ª ed. (Lisboa: Depósito de Literatura Cristã,
1978), p. 57.