Antônio Carlos - Morri e Agora
Antônio Carlos - Morri e Agora
Antônio Carlos - Morri e Agora
Petit
editora
Reconciliação
Cativos e Libertos
Filho Adotivo
O Talismã
Novamente Juntos
A Casa do Penhasco
O Mistério do Sobrado
O Último Jantar
Violetas na Janela
A Casa do Escritor
O Vôo da Gaivota
Nós, os Jovens
Flores de Maria
Cabocla
Valeu a Pena!
Violets by my Window
Violetas en Ia Ventana
Reconciliación
Sumário
Introdução.
um
A enfermeira 9
dois
Mala vazia 23
três
A artista 33
quatro
Em Coma 43
cinco
Preconceito 54
seis
Ana Preta 70
sete
O Presidiário 78
oito
O Suicida 88
nove
O Vestido Vermelho 98
dez
Ateísmo 106
onze
O Político 118
doze
treze
quatorze
Os Abusos do Sexo
153
quinze
A Guerra 163
dezesseis
dezessete
A Eutanásia 181
dezoito
dezenove
200
Introdução
e prendem quem as coleciona em lugares não tão agradáveis e seus frutos são
amargos. Também fazer essa mudança sem obras é como estar oco, vazio e infeliz
Continuamos
no Além como somos, com os mesmos conhecimentos, costumes, odiando ou amando
aos
outros.
Convidamos alguns amigos para que narrassem como foi defrontar-se com a
desencarnação.
Espero que nossos leitores acreditem nos casos aqui narrados, pois são
verdadeiros. E que aproveitem a oportunidade da encarnação, vivendo no bem para
o bem, a fim
de merecer, ao desencarnar, serem socorridos.
Antonio Carlos
Verão 2004
capítulo um
A enfermeira
Como sempre, toda manhã em casa era uma correria. Meus dois filhos, um moço e
uma adolescente acordavam para irá escola e meu marido para ir ao trabalho.
Naquela
manhã, meu filho me pediu:
"Mamãe, por favor, pregue o botão na minha camisa, quero ir à escola com ela."
Não conseguia mover-me nem falar. Reconheci os enfermeiros amigos ao meu lado,
olhando-me preocupados. Senti o doutor Murilo me examinar e escutei:
"Eu não!" - pensei aflita. - "O que está acontecendo meu Deus? Por que será que
acham que morri! Tenho de falar, reagir e mostrar a eles que estou viva."
-Calma, enfermeira Sônia! Tranqüilize-se. Sabemos que você está viva. Durma!
Escutei e não identifiquei quem falou. Uma mão quente fechou meus olhos com
carinho. Achei que me deram algum sedativo. Senti que estava sendo medicada e
dormi.
Mas não foi um sono tranqüilo. Às vezes sentia que mexiam comigo. Tentava
tranqüilizar-me, achando que estava sendo operada ou que me faziam curativos.
Depois ouvi
meus familiares chorando, principalmente minha filha, mãe e irmã.
Pensei: "Eles já sabem e estão chorando junto ao meu leito. Isso não é
permitido. Será que abriram exceção porque trabalho aqui?".
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Sentia um torpor e não conseguia entender o que me acontecia. Concluí que era a
anestesia que estava me fazendo delirar.
- Sônia - escutei uma voz forte falando comigo -, vamos levá-la para um local
sossegado. Acalme-se e tente descansar.
"Vou para a U.T.I." - pensei.
E esforcei-me para ficar tranqüila. Senti alguém mexer no meu corpo, mas não
senti dor, apenas aquele estado terrível de torpor. Parecia que sonhava, queria
acordar
e não conseguia.
Senti que me levaram para outro local e deitaram-me numa cama. Abri os olhos um
pouquinho e vi que estava numa enfermaria. Pessoas de branco carinhosamente
acomodaram-me
e uma delas falou:
Acordei. Acabou aquele estranho torpor. Olhei para o local onde estava, era uma
enfermaria bem-arrumada, limpíssima e silenciosa.
Curiosa, levantei o lençol. Estava vestida com uma camisola branca e pasmei:
nenhum ferimento. Movi-me com facilidade e pensei:
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Aconteceu algo estranho! O que será que houve? Talvez tenha batido somente a
cabeça e agora estou saindo de um coma. É isso! Mas por que não estou na U.T.I.?
Por
que não estou num quarto particular? Temos convênio!".
Parecia que o conhecia, mas não me lembrava de onde. Observei-o bem. Tive a
certeza de que ele não era médico do hospital.
"Será que fui transferida?" - pensei.
- Onde estou?
- Lado?! - balbuciei.
- Sônia - falou o senhor -, você compreenderá aos poucos o que lhe aconteceu. é
muito importante se esforçar para ficar calma e tranqüila para se recuperar.
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Uma senhora me trouxe um suco. Não estava com vontade, não quis. O senhor
afastou-se, foi conversar com outra pessoa. Fiquei ali aborrecida, sem
compreender o
que se passava.
Fingi dormir e quando o senhor se afastou e tudo ficou quieto, levantei-me com
facilidade e saí escondida do quarto, passei por um corredor e vi uma escada,
desci
e, aliviada, reconheci o hospital em que trabalhava. Estava como sempre, lotado,
pessoas indo e vindo. Voltei para o quarto e deitei no meu leito.
"Ela veio me visitar e chorou. Por que não me acordou? Mas está chorando agora!
Por que a escuto e não a vejo?"
- Escutei essa senhora chamá-lo de doutor José Augusto. Não me lembro de ninguém
com esse nome na equipe médica. Bem, isso não tem importância. Estava vindo
trabalhar,
atravessei a avenida e um carro me atropelou; depois não me lembro direito o que
aconteceu. Escutei o doutor Murilo
13
dizer que meu estado era grave, entrei num torpor, num sono estranho, com sonhos
confusos. O senhor pode me dizer o que houve?
incomodou mais.
- Sou, vou à igreja quando dá, gosto de orar no sossego de um templo - respondi.
- Não sei... - respondi sacudindo os ombros. - Por que está me perguntando isso?
- Porque o corpo físico nasce e morre. Nós o usamos para viver na Terra durante
um período. Você não pensa na morte, em morrer?
- Eu não! Ainda mais agora que sobrevivi daquele atropelamento em que ainda não
me recuperei. A pancada na cabeça me deixou confusa, deve ter afetado meu
cérebro.
Falei um tempão sobre o que sentia e tinha explicação para tudo. Doutor José
Augusto me ouvia atento. Aproveitando que fiz uma pausa, ele falou:
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- Sônia, não esqueça que a morte do corpo físico é para todos, e que somos
sobreviventes depois dessa ocorrência.
Mudei de assunto aceitando um suco que me foi oferecido. Não estava gostando nem
um pouco de estar ali, achei muito estranho. Quando minhas companheiras de
quarto
dormiram, levantei devagarzinho e saí do quarto. Uma senhora de aparência
agradável, aproximou-se quando estava no corredor perto da escada.
- Você pediu permissão? - indagou-me. - Não pode sair e andar por aí, pode ser
perigoso. Volte, por favor! Você está em recuperação e tem de obedecer às normas
do
hospital. Como enfermeira sabe disso, não é?
Fingi que ia voltar, mas corri e desci as escadas. Passei correndo pelos
corredores movimentados do hospital. Entrei na ala reservada ao corpo docente,
no vestiário
das enfermeiras. Apressada troquei de roupa. Saí do prédio, parei em frente da
avenida, quis estar em casa. E, logo estava. Aliviada, nem pensei como vim,
achei
que estava esquecendo alguns detalhes.
Meu lar estava bagunçado. Tentei arrumá-lo e não consegui. Quis colocar objetos
nos seus lugares, mas eles continuavam onde estavam. Cansada, sentei numa
poltrona
e adormeci. Acordei com meus filhos chegando com minha mãe. Corri para abraçá-
los, mas eles não me deram atenção. Pareciam não me ver. Escutei minha filha
dizer:
casa. Ela foi embora, meu marido chegou, estava abatido e triste. Também nem me
olhou. Chorei. E minha filhinha
- Filha, não chore! Estamos todos sofrendo. Tente reagir, temos de continuar
vivendo.
"Será que minha filha está chorando porque minha mãe, a avó dela, foi embora?" -
pensei.
Falei por minutos que estava bem, por isso saí do hospital e que eles não
precisavam me tratar assim. Meu esposo sempre fora muito atencioso comigo,
fingiu tão bem
que parecia não me escutar. Sentei-me no sofá e dormi.
Assim se passaram dias. Até que escutei minha mãe e minha filha conversando.
Diziam que iam ao hospital pegar alguns objetos meus que estavam lá.
"Bem" - pensei -, "se estão me tratando assim, com desprezo porque fugi de lá,
vou com elas, assim me desculpam e fica tudo bem."
- Oi, Sônia! Que bom ter voltado! Espero que tenha compreendido o que ocorreu
com você.
- Não, Sônia! Por favor, não se iluda mais! Observe-nos! Somos, você e eu,
diferentes dessas enfermeiras e desses doentes. Você não está louca! Quando foi
atropelada,
seu corpo físico morreu, porém você continuou viva, porque o espírito não morre.
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- Aceite essa forma de viver. Venha, vou levá-la para a parte do hospital onde
abrigamos desencarnados necessitados de orientação.
Aquela senhora me colocou no leito. Chorei por horas com dó de mim e com medo.
Senti-me abraçada. Era o doutor José Augusto.
- Sônia - falou ele carinhosamente -, minha amiga, não chore mais! A vida
continua.
Adormeci tranqüila.
Acordei sentindo-me bem. Compreendi tudo. Minutos depois, o doutor José Augusto
veio me visitar e perguntei para ele:
- E agora?
- Irá aprender a viver com esse corpo que agora reveste, o perispírito, para
depois continuar sendo a boa enfermeira que sempre foi.
18
- exclamei.
- Não poderiam vê-la. Você, Sônia, iludiu-se e não quis aceitar a situação. Via,
em seu trabalho, muitas pessoas desencarnarem, mas não pensou que isso
aconteceria
com você.
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Você foi desligada duas horas antes do enterro. Outros, não querendo abandonar o
envoltório carnal, são enterrados junto.
- Existem então desencarnados, como o senhor se refere aos que morrem, bons e
maus? Corri risco em ter saído daqui sem permissão? - indaguei-o.
20
Sonia
21
chega nossa vez, apegamo-nos a detalhes para crer que continuamos na matéria
física. Se tivermos conhecimento, fazemos essa mudança com mais facilidade.
Embora necessitamos
fazer jus para merecer o socorro. Não aceitar a desencarnação não depende do
motivo que levou os órgãos do corpo físico a findarem suas funções. O desencarne
de
Sônia foi brusco. Talvez, se tivesse doente por meses, ter-se-ia preparado e
aceitaria sem tantas dificuldades a mudança de plano. Mas, infelizmente, tenho
visto
doentes de anos também se iludirem. Não deveríamos ter pavor da morte, e sim
entendê-la e designar esse fenômeno pelo nome certo: desencarnação, aceitando
essa outra
forma de viver. com aceitação e compreensão, tudo fica mais fácil e agradável.
22
capítulo dois
Mala vazia
Que coisa! Não sei o que está contecendo comigo. E esta dor está bem chata!" -
resmunguei aborrecido.
- Teve um acidente na esquina, nada grave, logo o trânsito vai ser liberado.
23
Lembrei-me das vezes em que fiquei nervoso no meu segundo lar: a casa espírita.
'Acho que não fui caridoso com Toninho. Também ele estava levando alimentos
arrecadados para sua casa."
"Tentou ao menos saber o porquê de ele fazer isso? Será que não estava passando
necessidades?"
tudes que tive com outras pessoas que conviviam comigo no trabalho e na
sociedade.
Participado com mais atividades nas campanhas? Acho que não fiz visitas aos
doentes que poderia. Não levei consolo aos pais que tiveram filhos
desencarnados. Poderia
ter feito mais, muito mais."
24
O gerente me chamou:
"Chega! Que pensamentos persistentes! Se não fiz, vou fazer agora e pronto!"
- com algumas dores na coluna; vou marcar uma consulta com meu médico - respondi
Acordei de madrugada com uma forte dor, não consegui nem falar. Devo ter gemido,
pois, acordei minha esposa que acendeu a luz. Vi temor nos seus olhos. Ouvi-a
falar
ao tele-
Ela pegou na minha mão, senti-me seguro. Outra dor forte, aguda, que me deu a
impressão de que algo explodia
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em meu peito; fui apagando. Esse "apagando" quer dizer "sumindo". Ainda vi minha
esposa passar as mãos sobre meu peito, ajeitar minha cabeça e me chamar:
- Nelson!
quarto estranho. Somente mexi os olhos. Estava num leito com lençóis brancos. Do
lado esquerdo havia uma janela fechada, por onde entrava tênue claridade. Do
lado
direito, duas portas, uma mesinha de cabeceira e uma poltrona.
Não demorou muito, um senhor entrou no quarto. Olhei-o e achei que o conhecia.
- bom dia, Nelson! Como está passando? - ele me cumprimentou sorrindo.
- Não sou médico, e sim seu amigo - respondeu. Fiquei sem saber se perguntava
onde estava e o que
-Você, Nelson, sofreu um infarto e está se recuperando. "Sem soro? Não vejo
instrumentos hospitalares. Não
26
ria
-! Sem
n hospital >enlou-
,ondeu.
Olhei novamente para ele. Veio na minha mente a lembrança dos amigos da casa
espírita. Recordei-me da descrição dos médiuns videntes sobre os nossos
orientadores
desencarnados, lembrei-me com detalhes do que falavam de um deles, o que estava
sempre ao meu lado, orientando-me. José, assim o chamávamos.
Resolvi perguntar:
- O senhor é meu amigo porque trabalha no centro espírita que freqüento? Do lado
espiritual? É o José?
- O que aconteceu?
- Como já disse, você teve um infarto e os órgãos do seu corpo cessaram suas
funções. Nós, os companheiros desencarnados, que por anos trabalhamos com você,
pudemos
desligá-lo da matéria morta e trazê-lo para cá. Está na ala de recuperação da
colónia, situada no espaço espiritual da cidade onde viveu encarnado.
- E meus familiares?
27
Fiquei quieto. Depois de dois longos minutos, esse senhor, percebendo que eu
desejava ficar sozinho, sorriu e se despediu.
- Nelson, vou deixá-lo a sós um pouquinho. Volto logo. Acenei com a cabeça
concordando, e ao ficar sozinho,
fiquei a pensar:
"Ontem não estava me sentindo bem. Tive aqueles pensamentos estranhos. Não, acho
que não eram estranhos, eram reais. Deixei de fazer muitas coisas, e outras fiz
de forma errada. E a morte me surpreendeu...".
"Não fiz o que deveria ter feito! Não julgava que isso ia ser cobrado."
- E agora?
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- Pare! - ordenou-me José. - Não se recrimine assim! Você vai agora me dizer o
que fez de bom para a casa espírita.
- Sim, você! Que tal lembrar-se dos passes que aplicou, das entrevistas em que
aconselhou e consolou a muitos, das orientações que deu a desencarnados
necessitados
de ajuda por meio dos trabalhos de desobsessão, dos livros espíritas que
emprestou, doou e...
Foi falando dos pequenos atos que fiz, e fui melhorando. José parou de falar,
indaguei-o aflito:
- É, de fato é fácil. Lembre-se, Nelson, de que a vida continua sem saltos e sem
complicações, por isso não a complique. Não se deixe abater por pensamentos
negativos
como esses que teve. Pense no presente, é no momento atual que devemos fazer o
bem para sermos bons um dia.
Envergonhei-me do vexame que dei, José sorriu compreendendo.
- Nelson, todos nós sabemos que os órgãos do corpo físico um dia cessam suas
funções. Mas, quando ocorre conosco, é um acontecimento especial, porque esse
momento
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é nosso. E nós é que passamos. Agora, durma para descansar, ficarei aqui até que
adormeça.
Quando acordei vim a saber que trinta dias já haviam se passado da minha mudança
de plano. Cobrei de mim mesmo o que deixara de fazer quando encarnado,
amargurei-me,
entristeci-me, sentindo-me um pouco fracassado. Quem pode, tem obrigação de
fazer. E sofri, julguei a mim mesmo. Mas compreendi que não basta se lamentar e
me esforcei
para melhorar. Se não realizei mais coisas, agora estava tendo a oportunidade de
realizar.
Fiz uma viagem em que mudei de plano, e somente o que me acompanhou foram as
minhas obras! Voltei com a bagagem quase cheia, aproveitei encarnado muitas das
oportunidades
que tive. Aprendi, erradiquei alguns vícios, adquiri virtudes, mas me incomodava
o espacinho que deixei vazio.
Fiquei mais cinco dias no hospital, depois fui hospedado numa casa com amigos.
Encantei-me com as belezas da
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colónia. Lera em livros espíritas descrições das cidades espirituais, mas vê-las
pessoalmente é uma felicidade indescritível.
Hoje, acho engraçado ao recordar aqueles momentos em que receei, sem razão,
estar desencarnado. Sofri muito naqueles minutos. Mesmo com conhecimento não me
isentei
de ficar inseguro, de sentir medo. Ainda bem que aquela agonia passou rápido.
Hoje estou muito feliz, tentando não deixar mais nenhuma obra que possa ser
feita,
sem fazer. E, penso nas malas, não quero deixar nenhuma vazia, porque sei que
mudarei de plano novamente. Um dia, reencarnarei novamente. E quero ter uma boa
bagagem,
com boas obras, pois elas são tesouros conquistados.
Anseio servir sempre para ajudar a melhorar a Terra - o planeta que temos por
graça para morar -, pois tornando-o melhor, teremos um lar de bem-aventuranças.
Nelson
A história da vida de Nelson é um exemplo. Foi um servo útil, tanto que mereceu
um socorro imediato e foi levado para uma colónia. Infelizmente são raras as
pessoas
que ao desencarnarem não se sintam como ele, que poderia ter feito mais a si e
ao próximo, julgando-se
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32
capítulo três
A Artista
entia-me muito doente. Sabia que a doença que padecia era incurável, estava
sofrendo muito e o tratamento também era dolorido.
Pedi muitas vezes ao médico, que conhecia desde criança, para interromper o
tratamento.
Ele explicou por minutos que eu estava errada e que, embora doloroso, era o que
a medicina oferecia etc.
- Meu querido doutor deve ter pensado melhor e ter feito o que eu queria. Só que
não está mais me visitando! falei suspirando.
Meu mordomo, secretário, nem sei mais o que ele era para mim, porque fazia de
tudo em casa, entrou na sala em que eu estava. Talvez, pensando melhor, a
definição
que poderia lhe dar, era de apaixonado-amigo.
33
Silencioso e triste abriu a cortina de uma das janelas. Nada falou. Estavam ele
e uma das empregadas que ficou comigo, obedecendo-me. Eu não queria conversar.
Primeiro,
por não gostar mais de falar; não tinha assunto a não ser de doença e isso me
cansava. Segundo, porque depois que meu filhinho faleceu, desinteressei-me de
tudo.
Fechamos a casa com nós dentro, isso para que jornalistas ávidos por notícias
não conseguissem alguma foto minha doente. Já não parecia mais a jovem que fora.
E
ele, meu mordomo, não me dava motivos para recriminá-lo. Abriu a cortina da
janela que dava para os fundos da casa.
Depois da tragédia, fiquei doente e ele ficou ao meu lado, compreendi que esse
homem me amava, mas era tarde demais.
Pensei nos repórteres e jornalistas, agora me escondia deles. Antes não fora
assim, gostava de ser fotografada, exibia-me diante das câmeras. Fazia de tudo
para
ser entrevistada e sair em jornais e revistas. Mas o tempo passou e eu mudei.
34
"Pense na sua vida e preste atenção nas mudanças que houve!"
Escutei alguém me falar, mas como não vi ninguém, achei que eram pensamentos
meus. Às vezes sentia que escutava meu filhinho, achava que era por sentir muito
sua
falta.
Nos tempos de glória, aparentemente fui feliz. Fama, sucesso e com isso,
dinheiro. Fora os maridos, amantes e muitas badalações.
De uma relação mais séria, nasceu meu filho. Amei-o muito. com a separação, ele
ficou comigo e nos tornamos grandes companheiros, unidos por uma relação
maravilhosa
que somente existe entre mãe e filho. Estava com ele sempre que possível. Até
recusei alguns trabalhos para ficar juntinho dele.
Meu filho nunca saía sozinho, levavam-no e buscavam-no na escola. Um dia em que
eu estava viajando, tendo
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Caiu e ficou ferido por uma ponta no pescoço. Pessoas que passavam pela rua
viram, gritaram, meus empregados acudiram. O mordomo aflito levou-o para o
hospital,
onde morreu de hemorragia.
Sofri tanto, não queria acreditar. Quis, com sinceridade, ser enterrada com ele.
Fizeram o que eu pedi, não conversavam comigo e não recebiam visitas. Mas não
estava satisfeita. A solidão me
deixava mais triste e a doença me fazia delirar. Ora escutava alguém que me dava
a impressão de ser meu menino a me falar para analisar a situação, ora sentia
pessoas
orarem por mim. Ao sentir isso, achava que eram fãs querendo que me curasse. Mas
às vezes, sentia ou escutava pessoas chorarem achando que haviam me perdido.
Eram
sensações estranhas que me deixavam confusa; desejava que passasse logo, mas não
passava.
Por tempos vivi nessa agonia e tristeza, sem conseguir definir se foram meses ou
anos.
36
- Sente-se aqui perto de mim. Vamos conversar! Ele deu uma olhada pelo quarto e
saiu.
"Será que o ofendi? Certamente o fiz, mas não foi por querer" - pensei.
Conquistara, usando de minha beleza muitos homens, mas não o seduzi, nunca tive
a pretensão de ter um caso com um empregado.
- Já viu como é o corpo dele e como é o seu? - a voz que ouvia de vez em quando
me falou.
- vou telefonar para meu médico ou para meu irmão! Não consegui tirar o fone do
gancho. Toquei a sineta
que fora colocada na minha mesinha de cabeceira desde que ficara doente. Nada.
Depois de um tempo, o mordomo entrou no quarto. Olhou tudo, passou a mão pela
cômoda, pegou um portaretrato com fotos minhas, olhou-as com carinho e disse
baixinho:
- Perdoe-me! Não pude impedir que seu irmão, seu herdeiro, vendesse tudo! Amanhã
virá o caminhão para retirar alguns móveis que serão leiloados. Logo, os novos
proprietários
estarão aqui e modificarão tudo. Irei embora! Esta casa deveria ser um santuário
e não deveria ser modificada.
"Como?!" - gritei. - "O que está falando? Meu irmão vendeu tudo? Como pôde se eu
ainda não morri?"
Olhei para ele examinando-o e depois para mim. Estávamos muito diferentes. Ele
sadio e eu doente. Mas a voz
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insistiu. Analise-o novamente. O mordomo chorava sentido. Então percebi que seu
corpo era grosseiro e o meu leve e diferente.
Escutei barulho. Abriram o quarto, meu irmão e o mordomo entraram, meu mano deu
ordem:
-Você, por favor, pegue tudo o que era de uso pessoal e os retratos, coloque-os
nestas caixas, vou levá-las comigo, depois resolvo o que farei.
- Já faz! Entenda que não posso mais deixar esta casa sem moradores, e não
pretendo residir aqui.
- Minha irmãzinha morreu! Uma artista como ela, não deveria nunca morrer! Tem
pessoas que vieram à Terra para
serem eternas.
"Eu, morri?!"
Deviam estar enganados. Estava ali, doente, mas viva. Olhei-os, estavam sérios,
expressões sofridas e não iam brincar com esse assunto sério: a morte. Tremi de
medo.
E novamente a voz:
- Calma! Você nunca pensou nas coisas boas que fez? Não estava com vontade, mas
me lembrei. Pratiquei
muitas caridades, tinha muito dinheiro. Nunca maltratei ninguém e ajudava sempre
que podia, todos a minha volta.
38
Senti alguém pegar na minha mão. Olhei-a e vi uma mãozinha. Deliciei-me com o
contato e com o carinho. E junto da mãozinha foi se materializando a figura do
meu
filho.
- Filhinho do meu coração! Você veio me ver! Sinto tanto sua falta!
- Mamãe, tive meu corpo físico morto e continuei vivo em espírito. Tenho lhe
pedido para observar nossos empregados, os dois que ficaram nesta casa.
- Meu irmão quer vendê-la! - expressei-me sentida. Nisso o mordomo voltou com as
caixas. Abriu a cómoda, foi pegando alguns objetos e colocando-os dentro.
- Ele é nosso amigo querido! - disse meu filho. Observe*o, mamãe, ele é
diferente de nós. Nós dois morremos, ele não!
- Venha comigo! Aqui é local de moradia para quem ainda tem o corpo carnal, nós
que o deixamos, temos outros locais para viver.
Abraçamo-nos, confiei e fui com ele, que volitou comigo. Fui abrigada numa
colônia e internada num hospital. Minha adaptação foi longa. Sentia-me doente,
tive de
receber
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muita ajuda para me sentir novamente sadia. Quando melhorei, senti falta das
atividades artísticas, de ser admirada pelos fãs. Mas, acostumei-me,
principalmente
tendo ao meu lado meu filhinho. E a vida continuou muito diferente para mim. Era
acostumada ao luxo e a ser servida, ali tudo era lindo, mas simples, e tive de
aprender
a servir.
Ao desencarnar, meu espírito foi desligado da matéria e meu corpo enterrado com
pompas. Continuei em casa, sem compreender o que me acontecera. Fiquei muito
tempo
confusa. Meu filho ia sempre me visitar, tentando me explicar que meu corpo
físico morrera; era dele a voz que ocasionalmente eu escutava.
E o mordomo, amigo fiel, de fato me amou, dedicou-se a mim com fidelidade. Ficou
o quanto pôde em minha casa, tomando conta de tudo.
- Sim, respondo
Essa convidada não quis se identificar. Porque nomes são para sermos
identificados por uma encarnação. Podemos nos tornar conhecidos por muitos
motivos, por sermos
talentosos ou por um trabalho sério, seja esse
nas artes, na ciência, na religião etc. Já tivemos muitos *
nomes, e com certeza, teremos outros mais. E todos nós nos defrontamos com a
morte do corpo físico, famosos ou não. E essa foi a história dela. Muitos
indagam o
que acontece com pessoas conhecidas que têm muitos fãs. A desencarnação para
elas não é diferente. O corpo carnal morre. E o socorro logo em seguida é para
aqueles
que fizeram jus. Assim como se comenta entre os encarnados a mudança de plano de
pessoas famosas, na espiritualidade também se ouvem comentários quando isso
acontece.
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Dizem os desencarnados maldosos e cheios de inveja: "Teve de tudo e do melhor:
homens ou mulheres, carros, viagens, comeu muito bem, fez tudo o que queria. E
agora?
Morreu! Se pudermos a traremos para cá e sentirá então o que é viver sem nada!
Vai ter de sofrer! Etc."
42
capítulo quatro
Em Coma
Estava sentado na minha poltrona preferida, sentia muito cansaço e não conseguia
concentrar-me para ler o jornal. Não passara o dia bem, tivera muitas
preocupações
e aborrecimentos.
De repente, senti uma dor forte na cabeça, quis gritar e não consegui. Vi um
túnel, passei rápido por ele e fui ao encontro de uma luz clara e brilhante.
Senti-me
amparado
Confuso, parei; não consegui ver nitidamente a pessoa que me segurou pelo braço
e que falou comigo de modo carinhoso.
Olhei para baixo, estava na sala de minha casa, só que a um metro e meio acima
da poltrona. Vi-me sentado, quieto, pálido, com a respiração descompassada e
barulhenta.
43
- Pai! Papai! O senhor está sentindo alguma coisa? Como não respondi, ele se
inclinou para me ver melhor
e gritou:
- Mãe! Corre aqui! Papai não está passando bem! Eles correram e telefonaram
chamando uma ambulância.
Minha esposa segurou minha mão e chorou aflita. O socorro veio, colocaram meu
corpo na maca. A pessoa que me amparava disse:
-Vem!
Aproximei-me do meu corpo e não vi mais nada até que despertei. Não conseguia me
mexer nem falar, mas via e ouvia. Estava na U.T.I. de um hospital e acordei com
um médico com voz agradável. Senti que ele pegou na minha mão.
- Vamos lá, Niquelino, acorde! Sei que você é muito trabalhador, não vá agora
dar uma de preguiçoso. Você teve um acidente vascular cerebral e está no
hospital.
Deve se recuperar. Daqui a pouco é hora de visitas, vou pedir para fazer sua
barba. Vamos reagir!
Quis mexer-me, mas não consegui. Aproximou-se de mim outra pessoa que me
barbeou, limpou-me, mas essa
pouco conversou.
Foram embora e pensei que se não tivesse ficado tão preocupado, talvez não
estivesse doente. Mas sempre fui muito honesto, estava endividado e não
conseguia quitar
a
dívida. Isso muito me aborrecia, para não dizer enervava, a ponto de não me
alimentar direito nem dormir
Fiquei com muita pena da minha esposa e dos meus dois filhos. Eles cuidavam de
tudo sozinhos E eu nada mais
podia fazer, pois estava no hospital, vítima daquele acidente vascular, conforme
dissera o médico
Estava em coma e sentia uma sensação estranha. Dormia, acordava, mas não me
mexia. Ouvia e via os enfermeiros, médicos e as visitas. Às vezes, via pessoas
diferentes
que me orientavam.
- Calma, Niquelino! Seu corpo físico está em coma e seu estado é grave. Ore,
pense em Deus!
Não tinha medo. Sentia que todos me queriam bem. Escutei duas enfermeiras
conversando.
- O doutor Cláudio acha que sim. Ele é espírita! Talvez seja por isso que ele é
tão bondoso e caridoso. Conversa com os doentes em coma como se eles o
escutassem.
- Acho que é por isso que o doutor Cláudio está sempre nos pedindo para termos
pensamentos alegres, otimistas e tratarmos muito bem esses doentes.
De fato, doutor Cláudio - agora sabia seu nome -, era muito simpático.
Continuava falando comigo, incentivando-me a reagir.
45
Queria atendê-lo, mas não sabia como Não queria morrer, queria ficar perto de
minha família e ajudá-los a sair da situação difícil em que estávamos.
- Já estou - respondi
Vi o túnel de novo, a luz, ansiei para ir para aquela claridade brilhante e fui.
Aquele ser diferente me deu a mão e disse:
- É tempo! Venha!
Fiquei quieto, pensamentos vieram e parecia que via o médico dizer que faleci,
desligarem os aparelhos, meu corpo ser velado e o enterro.
46
- Os órgãos do corpo carnal param e esse falece. Nós continuamos vivos, somos
espíritos e uma outra forma de vida nos é apresentada.
Chorei.
temeroso e ansioso.
- E os meus? Minha família? Que será deles, passávamos por grandes dificuldades.
- Passavam, disse bem, tudo passa... Não se preocupe com eles - aconselhou-me o
senhor bondosamente.
Minha esposa e meus dois filhos já haviam resolvido quase todos os nossos
problemas, não achei que foi da melhor forma. Na minha opinião, deveriam ter
tentado sair
do aperto financeiro. Eles quitaram todas as dívidas, entregando a nossa pequena
fábrica aos credores e venderam até a casa onde morávamos. Chorei ao escutar de
minha esposa:
- Foi melhor assim. Niquelino morreu de tanto se preocupar, e não quero que isso
aconteça comigo ou com vocês.
Você, meu filho, tem um diploma, conseguiu um emprego, será um bom funcionário e
fará carreira dentro dessa empresa. Filhinha, você logo casará e irá ajudar seu
marido na loja dele. Vamos mudar para aquele pequeno apartamento. Nossa despesa
será menor, não precisarei de ninguém lá para me ajudar e estou pensando em
voltar
a costurar.
Fiquei pela casa, comecei a ter dores de cabeça, enjôo, muita tristeza e, às
vezes, sentia-me perturbado, não sabia há quanto tempo estava ali.
Meu filho chegou à noite em casa com um livro e começou a lê-lo. Escutei-o
comentar com minha esposa:
- Mamãe, esse livro é ótimo! É um relato de uma jovem que desencarnou, teve o
corpo físico morto aos dezenove anos. Ela chama-se Patrícia e o livro Violetas
na
janela. O que está escrito aqui vai de encontro com meu raciocínio. Parece que
sabia disso tudo, tinha esquecido e agora ao ler recordo-me. Ganhei-o de
presente
de um colega de trabalho. Ao me ver triste com a morte de papai, ele quis me
ajudar me dando esse presente. Disse que esse livro iria me auxiliar.
As duas, minha esposa e filha, foram dormir, e meu filho ficou lendo, estava
interessado. Fiquei ao seu lado.
- Papai! Meu pai! - disse meu filho baixinho. -Amo-o, quero que esteja bem e em
paz aí no plano espiritual, numa colônia linda! O senhor deve estar pensando em
nós,
pois sempre nos amou. Mas não deve! Passamos por uma lição
48
e estamos acertando. Sentimos sua falta, mas como o amamos, queremo-lo feliz aí
na espiritualidade! Receba meu beijo!
- Vem, Niquelino!
Atualmente, tenho permissão para vê-los São visitas agradáveis. Eles se tornaram
espíritas, passaram a ser mais tranqüilos e esperançosos. Minha filha se casou,
tudo deu certo para ela. Minha esposa e filho moram num apartamento pequeno, ele
trabalha muito, está bem, e minha esposa costura e tem muitas freguesas. Estou
feliz
como eles queriam que eu estivesse.
Para mim, a desencarnação me pareceu natural, tudo transcorria bem, mas quis
voltar para casa por me preocupar
49
demais. Sei que errei em sair de um local de socorro sem permissão. Voltei
porque quis muito e fui impulsionado pela vontade. Volitei sem saber e depois
não soube
retornar Quando se está abrigado em postos de socorro, sair é mais fácil. Temos
nosso livre-arbítrio para sair de locais de socorro, porque lá não se fica
preso.
Isso não ocorre para quem está preso no umbral, lá somente se sai pelo socorro.
Poderia ter ocorrido comigo muitos transtornos nesses vinte dias em que fiquei
no
meu lar terreno, porque lá estive sem preparo, conhecimento ou permissão.
Poderia, sem querer, trocar energias com os encarnados, ou até sugá-los,
vampirizar seus
fluidos vitais, prejudicando-os. Poderia também acontecer de desencarnados
Ainda bem que nada disso ocorreu. Recebemos a graça de um presente. Foi pelo
livro espírita que meu filho ganhou e leu que pôde compreender e agir diferente,
fazendo-me
querer o socorro.
Não é fácil deixar tudo o que amamos e julgamos ser nosso. Mas, querendo ou não,
a desencarnação nos faz deixar. A resposta que obtive para: "E agora?" foi que a
desencarnação é uma mudança e por ela defrontamos com uma continuação de vida
totalmente diferente. Necessitamos de coragem e incentivo dos que amamos e se
isso
acontecer, é como receber um empurrão, um alento que nos dá vontade de estar bem
para agradá-los. Hoje, não tenho mais esse sentimento de apego nem me preocupo
demasiadamente
50
com minha família. Somos solitários, porém não devemos deixar de ser solidários.
A vida continua...
Niquelino
Explicaçóes de António Carlos
Convidei Niquelino porque ele ficou em coma por cinqüenta e dois dias. O coma
não é sentido igual para os que passaram por essa experiência. Para muitos, o
espírito
fica no corpo físico sem se afastar, sentem como se dormissem, não se recordam
de nada. Temos muitos relatos de pessoas encarnadas que saíram do coma, umas não
se
recordam, outras se lembram de muitos fatos. O mesmo se sucede com os que
desencarnaram, alguns se lembram desse período e outros não.
51
duas vezes, na sala de sua casa quando apareceu o senhor citado, o socorrista, e
quando desencarnou. Niquelino, na U.T.I. do hospital, afastava-se do corpo, isto
é, seu espírito, alma, ligado pelo cordão prateado ao corpo físico, via os
encarnados que ali se encontravam e até alguns desencarnados. Tinha noção do que
se passava
ao seu redor. Isso ocorreu em alguns momentos e não o tempo todo. Ele foi uma
pessoa boa, caridosa, religiosa e muito honesta, teve por isso quem o auxiliasse
e
socorresse. O que aconteceu com ele, ocorre com muitos. Sentindo que seus afetos
queridos estão sofrendo acham que é imerecido sentir-se bem. Niquelino resolveu
ir auxiliá-los. Só que ninguém ajuda sem saber. Ele saiu do posto de socorro
impulsionado por sua vontade forte e foi para seu lar terreno.
52
Como deixá-los em dificuldades? São indagações que se resumem em: "E agora?". Em
vez de pensarem neles, preocupam-se com os outros. Sofrem até que compreendem
que
todos os problemas se resolvem e que
o amor continua.
Ser desapegado de bens materiais para pessoas que querem ser boas é mais fácil.
Mas ser desapegado dos afetos é mais difícil. Devemos aprender a amar sem apego,
pois é esse amor sem posse que é o verdadeiro.
capítulo cinco
Preconceito
que será de mim quando morrer? Ai, meu Deus! - exclamei baixinho.
Estava num leito do hospital morrendo em conseqüência da aids. Sofria com muitas
dores, enjoos, tonturas e mal-estares. Meu corpo definhava e, injeções, sondas
me
maltratavam.
- Nem fale isso! Você viverá muito - disse animando-me. Falou por minutos dando-
me notícias de amigos e de
- As crianças perguntam de você, do palhaço Ton. Quando lhes falei que estava
doente, os pequeninos oraram
54
para você se curar. Ontem fizemos uma festa para eles. Estou indo lá também às
quartas-feiras para dar aula de reforço, faço o que você me aconselhou. Isso me
faz
muito bem. Pedi para a diretoria do orfanato me empregar e se isso acontecer não
farei mais programas. vou viver do meu salário, só que não terei mais dinheiro
para
comprar presentes para a garotada.
- Faça isso, Glória! Veja bem o que pode ocorrer com nosso corpo, não somos
nada. Você não dará presentes, mas dará carinho, que para os órfãos é mais
importante
do que os objetos materiais.
Queria falar tantas coisas para ele, mas diante de sua expressão de desprezo,
disse somente.-
"Queria lhe dizer que tenho um apartamento que está usufruto de você e dos
nossos irmãos. Quando os avisarem
"Não, obrigado, tenho tudo o que necessito. Não tenho dinheiro em bancos,
somente possuo o apartamento. Gostaria de saber da família, dê-me notícias
deles" - pedi.
55
-"Estamos todos bem" - respondeu ele. - "Ainda bem que papai e mamãe estão
mortos para não terem mais essa vergonha de saber que você morrerá de aids por
ser homossexual."
Virei o rosto e esforcei-me para não chorar. Acho que ele queria me dizer umas
verdades segundo a opinião dele, mas teve o bom senso de se despedir e ir
embora.
Não tive mais nenhuma visita da família.
- Tratar de você é um prazer, José Antônio. É tão educado e não reclama. Acho
que é por isso que tem tantos amigos.
Muitos dos meus amigos eram homossexuais, garotos e garotas de programa, mas
também tinha muita amizade pelos companheiros de trabalho, com o pessoal do
orfanato,
vizinhos e proprietários dos locais em que fazia compras.
Não estava com vontade de ler e comecei a pensar na minha vida, em fatos que
nesses anos tinham me acontecido. Não gostava de recordar o passado, mas não
lutei com
meus pensamentos, deixei vir as recordações.
"Homem não tem essa atitude! Vai levar uns tapas para aprender!"
Meu pai me deu uma surra. E não podia chorar para não apanhar mais. E assim foi
minha infância, surras de papai, mamãe e ironias dos irmãos e parentes.
"Você é menino! Não é mulher! Ponha isso na cabeça e aja como homem, pelo amor
de Deus! Não nos envergonhe!"
56
Não entendia o porquê das agressões. Agia com naturalidade. As surras me levaram
a fingir, a tentar fazer coisas que meus irmãos e amiguinhos faziam. Mas era um
desastre. Não jogava bem os ]ogos ditos masculinos, não gostava de brigar e fui
me isolando. As meninas gostavam de mim e eu delas, como amigo, mas me era
proibido
ficar perto delas. Vivi a infância querendo fazer uma coisa e tendo de fazer
outra. Percebi que queria ser menina. E como queria!
Na adolescência foi pior. Passei-a isolado. Não podia ter amigas e os garotos
corriam de mim. Meus irmãos me detestavam, pois quando brigavam na rua eram
chamados
de irmãos de marica e outros adjetivos depreciativos.
Comecei a orar para Deus me fazer homem mesmo. Então minha mãe me falava:
"Você não deve orar. É uma peste maldita! Sua prece ofende a Deus. Você pertence
ao demônio!"
a Deus.
"Queria tê-los, mas não posso conversar com as garotas e os meninos fogem de
mim."
57
"Homossexual?"
"Não o sou, acho que sou somente diferente" - respondi, querendo chorar.
"Entendo-o. Embora eu não tenha sofrido tanto preconceito, sou como você e
muitos outros."
Júlio morava em outro bairro, mas perto. Fui para o apartamento dele. Tratou-me
como amigo. Ele tinha um bom emprego, morava num apartamento confortável.
Transferiu-me
de escola, passei a estudar à noite, e me arrumou um emprego. Éramos somente
amigos.
Ele me ensinou tudo o que sabia. Indicava-me bons livros para ler, como deveria
agir, falar, vestir e o que acontecia comigo. Conheci outros homossexuais e
compreendi
que
58
Escrevi muitas cartas aos meus pais, porém não foram respondidas.
Embora temeroso, um dia, em horário em que sabia que mamãe estava sozinha, fui
visitá-la. Fui recebido friamente.
"Entre" - disse ela -, "não quero que lhe vejam aí na porta. Foi bom ter vindo."
'Aqui estão algumas roupas suas, quero que as leve. Como também quero que não
escreva mais, não necessitamos de notícias suas, sabemos que mora com um homem.
Por
favor, se nos quer algum bem, vá para longe, onde ninguém o conheça e não nos
venham dizer que o viram.
Quis dizer a ela que nada fizera de errado; porém, diante de seu olhar rancoroso
e frio, nada disse, e mamãe continuou a falar.
Até então, nada fizera de errado. Não compreendia o porquê de sofrer assim, ser
discriminado; chorei muito.
Júlio resolveu mudar; fomos morar num bairro bem longe do local onde meus pais
moravam. Enturmamo-nos com outros homossexuais.
59
"Se vou para o inferno sem ter cometido pecados, então vou cometê-los" - pensei.
- "Por certo não sou mesmo filho de Deus. Se fosse, por que Ele me fez assim?"
Tive amantes.
Júlio adoeceu, cuidei dele com muito carinho, a família dele também o ajudou.
Ele ia à igreja e orava. Um dia, com muitos amigos no apartamento, um deles me
perguntou
por que não ia a nenhuma igreja e não orava. Júlio respondeu:
Tonzé" - era assim que muitos dos meus amigos me chamavam - "tem vergonha de
orar, acha-se indigno".
"Você indigno?! Nunca conheci alguém tão digno! Você é uma pessoa boa! Eu lhe
devo uns dez favores. Acho que se alguém deve se envergonhar de orar são os
hipócritas,
os corruptos, os que tiram dos pobres. Se Deus o criou assim, não irá se
envergonhar de você."
Sorri.
com dinheiro honesto do meu trabalho, comprei um ótimo apartamento para onde
Júlio e eu nos mudamos. Foi também nessa época que amigos me convidaram para
visitar
um orfanato. Aquelas crianças sem afeto me comoveram. Passei a visitá-las,
vestia-me de palhaço para alegrá-las. Tornei-me um voluntário. Aprendi a
disfarçar meu
jeito feminino, não queria ser, na minha opinião, mau exemplo. Era bem
remunerado. Do meu ordenado pagava nossas despesas, pois não quis que Júlio
trabalhasse mais,
o restante doava para o orfanato.
60
"Se não é dinheiro do pecado, aceito. Mas não venha aqui, mande pelo banco."
Apaixonei-me. Tive então um relacionamento sério, ele era como eu, honesto,
caridoso, trabalhador e ia comigo ao orfanato.
Descobrimos que éramos soro-positivos. Ele adoeceu, e eu cuidei dele até quando
piorou e sua mãe o levou para a casa dela. Essa senhora bondosa me tratava bem.
Ele
sofreu muito e depois morreu. Senti-me muito sozinho e não tive mais nenhum
relacionamento.
me amavam.
- Fiz coisas boas também, não fui somente ruim! falei baixinho.
- (osé António, trouxe uma pessoa para vê-lo! - falou uma enfermeira sorrindo e
me apresentando à visita. - Esse é o padre Luís; e esse é o nosso paciente
favorito!
- Boa tarde!
- Não acha que já pagou por esse erro? Você está sofrendo! Por que não pede com
sinceridade perdão a Deus por esses pecados já que reconhece que os praticou?
- Deus perdoa sempre! Agiu por acaso pior que um homicida ou ladrão? Forçou
alguém a ter relações com você?
- Pode ter certeza que Deus o entenderá - falou o padre com convicção.
Tive vontade de contar a ele meus medos, mas estava me sentindo muito mal, a
enfermeira teve de me colocar outra sonda para que respirasse e não consegui
falar.
O padre me abençoou e disse palavras de incentivo. Piorei, até que dormi
tranqüilo.
62
- bom dia José António! Como está você? - cumprimentou-me uma enfermeira, que eu
não conhecia, com alegria, parecendo-me que cantava.
E foi me dando as colheradas. Na primeira temi não engolir, mas tomei toda, e me
senti fortalecido.
Melhorei muito e senti-me aliviado pensando que certamente não iria morrer dessa
vez. Ofélia, assim chamava a enfermeira, mimava-me, parecia adivinhar o que
queria.
E dias se passaram tranqüilos. Ela me levava ao jardim, local onde gostei muito
de ir. Mas essa bondosa senhora tinha uma conversa estranha, gostava de falar em
morte, tema que me apavorava. Dizia que todos morrem, que entendemos
erroneamente esse fato natural, que o inferno não existe etc. Não queria ser
indelicado com
ela e não queria falar desse assunto. Estava me recuperando e já não me sentia
com o "pé na cova", como costumávamos nos referir aos doentes terminais. Decidi
lhe
pedir com carinho para falar de outras coisas.
Estava no jardim, sentado à sombra de uma árvore florida, quando senti que
alguém me observava, olhei para a porta que dava para o corredor e vi um menino
que ao
perceber que o vi, afastou-se.
'Aquele garoto parece muito com Aldo. Mas não é ele. Aldo já morreu! Não, não
pode ser ele!" - pensei.
63
- Como pacientes, não. Crianças aqui somente como visitas. Por que pergunta?
- É que vi uma criança, achei-a parecida com Aldo, um menino que conheci no
orfanato e que teve câncer. Sofreu muito, coitadinho, e morreu - respondi.
-É que...
- Seria muito grato a ela e se pudesse ajudá-la faria com todo carinho e amor.
- Sim, a você.
64
trabalhar. São excelentes pessoas, deram valor ao que receberam. Depois de algum
tempo não precisei mais ajudá-los financeiramente, mas os visitava e os
aconselhava.
Os dois acreditavam que os pais haviam falecido. Olhei bem para Ofélia, ela não
me pareceu ser capaz de abandonar os filhos.
- José António, você está gostando daqui, melhora e faz sessenta e cinco dias
que está conosco e nesse tempo não tem recebido visitas de amigos. Sabe que está
num
hospital onde não se aplicam medicamentos dolorosos. Não lhe parece diferente?
Ela tinha razão, mas se melhorava, para que saber. Fiquei curioso ao escutá-la e
indaguei:
- Calma, José Antônio! Tranqüilize-se! Já faz dois meses e meio que morreu! Que
desencarnou! Fique calmo! - ordenou Ofélia.
Fui acalmando-me.
- Claro que não! Vai continuar sua recuperação até ficar sadio e depois irá
aprender a ser útil na espiritualidade.
65
com um sinal de mão Ofélia chamou alguém. Vi Aldo sorrindo, vindo ao meu
encontro. Se já não estivesse morto, certamente morreria de medo. Ao vê-lo, tive
a confirmação
de que ela não mentira. Ele me abraçou.
- Aldo, morri! Que tristeza! vou ser julgado por Deus e ir para o inferno.
- Chega José Antônio! - falou Ofélia enérgica. - Se continuar falando assim vou
ficar brava com você.
Aldo pacientemente me explicou que o inferno como eu acreditava não existia, mas
sim lugares tristes para onde iam os que fizeram maldades. E que Deus não nos
julgava,
e não O víamos como uma figura, porque Ele é um espírito e está em todos os
lugares e dentro de nós.
Fiquei com medo, Aldo e Ofélia me tratavam com muito carinho. Compreendi que
desencarnara e esforcei-me para me recuperar. Dias depois estava bem e não tive
mais
receio. Recuperado, fui para uma outra parte do hospital fazer um tratamento,
não seria na espiritualidade um homossexual. com estudo, entendi que espírito
não tem
sexo, mas que o ser masculino ou feminino deixa reflexo no perispírito, e ao nos
livrarmos desses reflexos, tornamo-nos seres humanos, é o que de fato somos.
Soube do meu passado, de minhas vivências anteriores para compreender porque fui
homossexual. Queria muito
66
reencarnar e o fiz sem preparo. Sentia-me ainda muito feminino, mas animei um
feto masculino. Fora anteriormente muito preconceituosa, fiz por isso muitos
sofrerem
e infelizmente tive de aprender pela dor, sentindo o peso do preconceito para
não o ser mais, aprendendo assim que somos seres humanos, filhos de Deus,
criaturas
rumo ao progresso.
Nesse curso que fiz, ouvi muitos relatos, fatos que levaram espíritos a
reencarnar sendo homossexuais. Um senhor que participava disse-nos que na sua
encarnação
anterior fora uma mulher e ela e o marido assassinaram o
filho por ele ser homossexual. E as causas são muitas. Benditos aqueles que não
são promíscuos! Quando aprendemos a viver na espiritualidade sem os reflexos do
corpo
físico, não sentindo fome, sede, necessidade de dormir, também deixamos de nos
sentir masculinos ou femininos, para compreender que somos espíritos, seres
criados
pelo Pai para sermos felizes. Podemos aprender pelo amor, e esses ensinamentos
sempre nos são oferecidos e, quando recusados, a dor vem nos impulsionar na
nossa
caminhada.
O tempo passou rápido e fiz muitos amigos. Sou muito agradecido pelo socorro que
recebi, quis ser útil. Trabalho não falta e o faço com entusiasmo e gratidão.
Sou
feliz!
José Antônio
Aqueles que voltam sem eles, retornam à pátria espiritual sentindo-se vazios,
ocos, e essa sensação os faz sofrer
O erro de José Antônio foi ser promíscuo e ele teve por conseqüência a aids Se
assim não fosse, ele ficaria mais tempo no plano físico e certamente
desencarnaria
sem precisar sofrer tanto, doente. O que o padre lhe disse foi o que aconteceu,
resgatou com a dor da doença
seus erros.
José Antônio sofreu com o preconceito muito mais do que nos narrou
Preconceituosas são pessoas que não vêem uma trave no seu olho, mas vêem bem na
do outro, atiram
pedras esquecendo-se de que também têm vícios e pecam.
Esse convidado fez amigos, colecionou "Obrigados" e "Deus lhe pague". E muitos
que se sentiram beneficiados por ele, foram sinceramente gratos e quando ele
necessitou,
retribuíram.
As crianças do orfanato oraram por ele. Orações com gratidão produzem uma
energia benéfica maravilhosa. Ofélia, uma mãe grata, tratou-o como filho do
coração. Nesse
relato fica claro que a amizade é um tesouro e que o amor cobre multidões de
pecados. Mesmo sem
68
Capítulo Seis
Ana Preta
Estava cansada. Sentia-me isolada. Há tempos que a maioria das pessoas não me
davam atenção. Resmungava:
- Deve ser porque sou negra, feia e desdentada! É por isso que as pessoas não
conversam comigo. Devo também estar doente! Bêbada! Doente de tanto beber pinga!
Não gostava de recordar o meu passado. Tive um lar até a adolescência. Minha mãe
era empregada doméstica, cuidou de mim do modo dela e tive muitos padrastos. com
quatorze anos apaixonei-me por um homem de trinta anos que morava numa fazenda e
fui embora com ele. Minha mãe chorou, pediu para não ir. Essa fazenda era longe
e lá tive de trabalhar muito e cuidar dos filhos dele. Ele se embriagava e me
batia. Um dia, fugi e voltei para a casa de minha mãe. Ela havia morrido e não
encontrei
mais nada dela. Sem ter onde ficar, fui para uma casa de prostituição. Não
gostei e logo saí de lá com outro homem. Ele também se embriagava e
70
motivou-me a beber. Viciei-me. Morávamos numa casinha, num bairro pobre. Ele, às
vezes, trabalhava, mas bebia cada vez mais. Tive com esse homem três filhos. Ele
não os quis, deixei-os no hospital para serem adotados. No terceiro parto, o
médico me operou para não ter mais filhos. Esse meu companheiro morreu e desde
esse
dia, tornei-me andarilha e tive muitos outros amantes. Todos como eu,
embriagavam-se. Quando mais jovem, até trabalhava de vez em quando, depois não
conseguia fazer
mais nada e passei a esmolar.
Vivia pelas ruas, passava às vezes dias sem comer. Pessoas generosas me davam
roupas, alimentos e quando ganhava dinheiro, comprava bebidas
Bebia com amigos que agora não falavam mais comigo. Eu estava dormindo embaixo
de um viaduto, e comendo resto de lixo. As pessoas certamente cansaram de mim,
nem
respondiam quando lhes pedia esmolas.
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O mais estranho é que algumas pessoas que estavam no bar nem ligaram; pareciam
nem percebê-los. Esses homens, com aparência de maus, olharam para todos os
lados
e pegaram um dos freqüentadores.
O coitado gritou, pediu socorro. Alguns, estavam apavorados como eu, agrupamo-
nos num canto, tremendo de medo sem saber o que fazer. Os outros nem pareciam
vê-los.
Amarraram aquele que foram buscar com as correntes, e saíram. Não quis beber
mais e resolvi ir embora. Alguns pensaram como eu e saíram também. Um deles
comentou:
- Não temos segurança nem depois de morto! Coitado do Joca, os maus o pegaram.
Não sabia orar, mas tinha fé em Nossa Senhora Aparecida - sua imagem era negra
como eu. Estava inquieta sentindo falta da bebida, mas mesmo assim, ajoelhei-me
e
pedi para Maria, mãe de Jesus, ajudar-me.
Lembrei-me de umas pessoas e resolvi ir até a casa delas esmolar, pois sempre me
davam algo. Uma vez um dos meus companheiros me disse que elas eram espíritas e
que viam e conversavam com os mortos. Para mim, eram bondosas.
72
Fui lá e fiquei parada olhando a casa. Uma senhora veio até mim e me indagou:
- Venha comigo. Vamos, o dono da casa e nós, a um local onde você receberá
ajuda.
Fiquei desconfiada, mas esperei. O dono da casa saiu e essa senhora me puxou
pela mão.
Achei tudo muito bonito. Uma senhora alegrinha falou que devemos amar e pensar
em Jesus. Um senhor falou bonito, mas entendi pouca coisa. Gostei mesmo foi das
orações.
- Fale com eles Ana Preta! - pediu uma senhora. Cumprimentaram-me e eu respondi.
Como me deram
Um moço que conversava comigo fez-me ver que para se comunicar com eles, eu
deveria falar e a moça que estava
73
sentada repetia, porém ela não estava me imitando. Ele me pediu que prestasse
atenção em nossos corpos e vi naquele momento
que não éramos parecidos. com delicadeza
me explicou, até que compreendi, que há tempos, meu corpo físico morrera.
Mas foi nesse atropelamento que desencarnei. Senti um medo terrível, dó de mim e
indaguei:
Diante daquelas pessoas soube, então, que alguns estavam encarnados e outros
desencarnados. Todos, porém, eram bondosos
e me ofereceram ajuda; tranqüilizei-me e
aceitei o convite de ficar com eles.
Fui levada a um hospital; tinha um forte reflexo do corpo físico, das doenças e
uma vontade imensa de beber.
Havia bebido tanto na minha vida encarnada, viciando-me de tal forma, que para
me livrar dessa vontade tive de fazer um
longo tratamento. Nesse período em que estive
no hospital, estudei e aprendi a trabalhar, fazendo limpeza no local que me
abrigava.
74
Hoje sou chamada somente de Ana e meu aspecto está bom: estou limpinha, sadia e
alegre.
Até chorei de emoção quando o senhor António Carlos me convidou para contar às
pessoas o que senti quando desencarnei. Como
narrei, no instante em que meu corpo
físico morreu não senti nada, estava embriagada e fiquei por anos vivendo e
ignorando esse acontecimento. Foi somente numa
reunião espírita, de desobsessão que vim
a saber que mudara de plano e que necessitava aprender a viver na
espiritualidade. Foi difícil para eu me livrar da vontade
de me embriagar, mas quando pela compreensão,
livrei-me dos meus vícios, do reflexo do corpo físico, tornei-me muito feliz.
Ana
Ana foi, quando encarnada, uma andarilha que se embriagava. O choque foi grande
no atropelamento e os órgãos de seu corpo
físico pararam de imediato suas funções.
No impacto foi desligada, isto é, seu espírito vestido do perispírito saiu do
corpo carnal morto. Esse fato pode ocorrer
com muitos indivíduos vítimas de choques
violentos. Ela voltou para seu canto, sem entender o que lhe acontecera. Achava
que as pessoas não queriam conversar com
ela, mas quando ia aos bares encontrava
outros desencarnados, viciados na bebida. Iam vampirizar os encarnados que se
embriagavam.
75
se alimentassem.
A cena do bar, descrita por Ana, aconteceu porque espíritos moradores do umbral
vieram pegar um desencarnado que estava
lá. Os desencarnados que vagam correm perigo
de serem capturados e levados para o umbral e lá serem maltratados ou obrigados
a trabalhar
como escravos.
Quando Ana pediu ajuda, lembrando-se de Nossa Senhora Aparecida, foi instruída a
procurar quem podia auxiliá-la. A senhora
que ela viu na frente da casa era uma
trabalhadora da espiritualidade e mentora do morador daquele lar. Ambos, a
senhora e o encarnado, freqüentavam um centro
espírita, ao qual Ana foi levada. Lá ela
recebeu a orientação de que necessitava. Como o trabalho de desobsessão é
importante! Como se faz o bem a tantos iludidos!
Que esses trabalhadores
continuem a realizar essa tarefa e, sempre, com amor e carinho. Lembrando: quem
orienta não precisa, com certeza, de orientação,
pois já foi instruído a respeito
do assunto.
76
Realmente, ela não está preparada para ajudar pessoas viciadas No plano
espiritual existe cautela, e ela só estará apta
a fazer esse trabalho quando provar a si
mesma que tendo oportunidade não voltará a beber. Infelizmente muitas pessoas
iguais a ela passam anos enganando-se, iludindo-se
e achando que estão vivendo na matéria
densa, no corpo carnal Ela somente teve consciência dessa sua mudança quando
compreendeu, pela orientação de um encarnado,
num centro espírita, que seu envoltório
carnal morrera e aflita quis saber o que aconteceria com ela. Ana somente
sentiu-se viver novamente quando se livrou do
vício.
77
capítulo sete
O O Presidiário
Estava triste pensando nisso. Meu corpo físico havia morrido há dias. Sofri
muitas dores, tive câncer nos rins. A falta
de um diagnóstico mais detalhado e de um
tratamento abreviou minha estada encarnado.
Estive preso em um grande presídio e continuei ali. Bastava subir uma escada,
que antes não via nem sabia que existia, para
estar numa outra enfermaria. Ainda me
sentia adoentado, sem, porém, sentir as dores terríveis.
Acabrunhado, tentava disfarçar meu temor e me indagava: o que será de mim agora?
Havia morrido e continuava vivo. Confuso,
sem entender bem o que me aconteceu, vi
por ali companheiros que também haviam falecido, e deles escutei:
78
-Alguns saem daqui e outros não! Não se aborreça e procure não se entristecer!
Apesar de ouvi-los, continuei triste porque ninguém sentira meu falecimento, nem
fora ao meu enterro, e não recebera nenhuma
oração.
Esse desencarnado que me falou, era diferente, estava limpo e era agradável de
se ver
aconteceu.
físico morreu, e quando isso acontece continuamos vivos, vivendo com esse corpo
ao qual chamamos de perispírito. Muitos,
quando isso acontece, saem do presídio e
outros continuam, ficam aqui para aprender.
não a viam.
ali, alguns pareciam enlouquecidos, outros com ódio profundo dos encarnados que
ali estavam, a eles ficavam unidos,
79
permanecendo presos também. Outros, como eu, mudaram de plano e não sabiam o
que
fazer, E também haviam desencarnados que
eu sentia serem bons, que chamávamos de
Anjos do Senhor ou de socorristas, estes auxiliavam a todos. Trabalho duro o
deles!
- Como vê, nosso trabalho é difícil! Ele não está receptivo, isto é, vibrando
bem para receber nossa ajuda. Está com raiva.
Não tenho muito o que fazer. Outros encarnados
poderiam ajudá-lo.
- Não estou preso, trabalho aqui e posso sair. Todos os desencarnados que você
vê neste posto têm liberdade de ir e vir.
Vê aquele grupo? São desencarnados que vieram
verificar se seus desafetos estão sofrendo. Outros aqui vêm para visitar, dar
esperança aos entes amados.
- É a mãe dele que está no plano espiritual; ela veio acalentar o filho -
explicou o socorrista.
Não conheci minha mãe, fui criado pelo meu pai e minha madrasta. Era muito
impulsivo, a mulher de meu pai, aconselhava-me:
"Marcelo, não seja assim! Você fica nervoso
por qualquer coisa e agride. Um dia irá se arrepender".
80
- Marcelo, passe esse pacote! Venha me ajudar! Comecei a fazer pequenas tarefas
e me senti melhor.
- É ajudando que nos sentimos bem - explicou um deles. - Por que você não
trabalha conosco? Sabemos que se arrependeu por
ter assassinado uma pessoa. Pagou por isso
e na prisão ajudava seus companheiros.
Era"Verdade. Sofri muito quando fui para o presídio. Foi um horror Briguei,
bati, apanhei muito e aprendi a me controlar.
Trabalhei na cozinha, na enfermaria e estava
sempre consolando os que sofriam. E como se sofria ali.
- Por que tenho de ajudar assassinos? Por que vocês os auxiliam? - indaguei.
- Quero trabalhar! Posso aprender com vocês a ajudar! Mas para começar vou
auxiliar quem sei ser inocente. João da Pinha
está aqui sem ser culpado.
Por causa de uma armação, ele, um inocente estava preso. Ali todos o tratavam
bem. Eu, quando encarnado, facilitava sua
vida, dava-lhe até mistura da minha comida.
Estive preso, mas era culpado, ele não.
Aproximei-me do João da Pinha e estranhei, ele tinha a mancha rubra que tem os
homicidas. Fiquei observando-o. Examinei
Jair, o companheiro de cela do João, que
fora um ladrão hábil, ele não tinha o sinal de assassino. Cheguei perto do João
da Pinha e escutei seus pensamentos: "Matei
os dois e não me arrependo, devo continuar
mentindo, vou acabar conseguindo sair daqui".
Fiquei muito surpreso. Acreditávamos que ele era inocente. Tanto que um dia
reunimo-nos e pedimos para falar com o diretor
sobre a injustiça que estava sendo feita
ao João, pois ele era inocente.
Não me aproximei mais dele, estava decepcionado. João da Pinha, meses depois,
saiu do presídio. Eu fiquei ajudando os socorristas.
- Porisso que vocês dizem que aqui não há inocentes! Ainda bem que paguei pelo
meu crime.
Um socorrista me levou para ver meus filhos. Chorei de emoção, eles estavam
estudando, eram boas pessoas, tratavam o padrasto
como pai e esse gostava deles. Agradeci
o homem que ficou em meu lugar. Senti-me bem com esse gesto.
- Marcelo, agiu bem, sua atitude diante de sua família foi correta. Também
estamos satisfeitos com seu trabalho. Você está
apto a conhecer outros lugares e a estudar.
Quer ir para uma colónia espiritual?
83
- Acho que ainda tenho muito que aprender para ir morar em uma colônia. Quero
ficar mais tempo aqui!
Dez anos se passaram. Vi, no presídio, muitas coisas. Prisões são lugares de
resgate, deveriam ser escolas que educam. Muitos
presos melhoram através de lições dolorosas.
Outros, pioram, revoltam-se, desesperam-se, odeiam e aprendem lições que os
tornam piores e capazes de cometer crimes piores.
Todos são carentes de conselhos bons,
ajuda e orientação.
Aprendi pela dor a me conter, a não ser impulsivo, a não deixar a raiva me
dominar. Poderia ter aprendido pelo amor, pelos
conselhos. Atualmente sou calmo, modifiquei-me,
e isso ocorreu quando comecei a me preocupar com o próximo e passei a ser mais
caridoso.
84
Quando não se tem a consciência tranqüila, a morte do corpo físico nos dá muito
medo e insegurança. Temerosos indagamos:
"E agora?". Mas a vida continua e sempre
encontramos quem nos auxilia. Somente nos sentimos bem, quando passamos a ser
úteis.
Bendito o perdão!
Marcelo
Aqueles que têm percepção de ver enxergam tanto encarnados como desencarnados
envolvidos por cores. Refletimos na aura
o que somos de verdade e as cores indicam
o que pensamos, o que fazemos etc. Pessoas boas refletem cores claras e
brilhantes, parecendo luzes. Por isso que santos
são vistos, foram e são pintados envoltos
por luzes ou auréolas nas cabeças. Os viciosos e os que se entregam aos
sentimentos fortes irradiam cores escuras e acentuadas.
Dizem que os assassinos têm sangue nas mãos. Não nas mãos do físico, pois essas
são lavadas e ficam
85
limpas, mas nas mãos perispirituais, e para limpá-las, são necessárias lágrimas
de dor ou um trabalho edificante. Assassinos
são vistos também envoltos de um vermelho
forte principalmente nas mãos, como já disse, e na cabeça. Para Marcelo, essa
era a marca dos homicidas. Não deixa de ser,
porque no plano espiritual não tem como
mentir, enganar, não há como disfarçar o que somos.
Marcelo também tinha a sua aura rubra, até que se reconciliou, sentindo-se
perdoado, não só pelo outro, mas por si mesmo.
E essa cor forte desapareceu nesse convidado
quando ele passou a fazer o bem. com seu trabalho de ajuda diário, a marca foi
clareando e a cor rubra foi enfraquecendo
até que sumiu, dando lugar a outra mais
clara, a do aprendizado, da caridade e da compreensão.
86
Todos nós, onde quer que estejamos, podemos ajudar o próximo. Mas há tarefas que
requerem muito boa vontade, amor e dedicação,
como o trabalho dos socorristas que
servem no umbral, local onde há guerras, torturas e nas prisões.
87
Capítulo 8
O Suicida
Istava muito preocupado e não me sentia bem. Dava muita importância ao dinheiro,
colocando-o em primeiro lugar na minha
vida, e com sua escassez ficava nervoso e
inquieto. Nada mais tinha valor para mim; o resto era secundário e esses também
não estavam
bem.
- Papai, diga para nós o que o está aborrecendo tanto! Sinto-o nervoso e percebo
que está triste.
- Acho, pai - opinou meu filho -, que estamos gastando muito dinheiro. Talvez
deveríamos adiar nossa viagem
ao exterior.
- Filhos - disse minha esposa -, deixem seu pai em paz. Sei bem o que está se
passando. José, com certeza,
88
está tendo um relacionamento com outra mulher e sua consciência deve estar
doendo E você, meu filho, não se preocupe com
a viagem. Se ele gasta dinheiro com mulheres,
é justo que gastemos conosco.
Quase contei a ela. Fiquei ali na sala, esquecido por eles. Pensei pela milésima
vez no que ia fazer.
Ia à igreja, porém agora compreendi que tive o título de religioso, mas não o
fui realmente. Não tinha religiosidade dentro
de mim. Achei, naquele momento, que a
igreja que freqüentava não podia fazer nada por mim.
Tinha uma pequena indústria e poderíamos viver de sua renda se não fôssemos tão
esbanjadores. Não conseguia negar nada aos
meus dois filhos.
Anos antes, traíra minha esposa; não foi nada sério, porém ela descobriu, ficou
sentida e passou a gastar muito. Achava
que se não sobrasse dinheiro eu não iria
gastar com outras. Para não abaixar nosso padrão de vida, fiz empréstimos. Um
dia, um amigo pediu-me um dinheiro emprestado
e o fiz com juros mais altos do que os
bancários. Julguei que achara uma forma de ter mais rendimento. Pegava dinheiro
de pequenos poupadores a uma taxa de juros
baixa e emprestava com juros mais altos.
Fiz isso por anos. Mas houve mudanças financeiras do governo, tive prejuízo e
gastos mais
89
nem como pagar os juros. Era tão crítica minha situação que nem vendendo a casa
na qual morávamos e a fábrica não quitaria
a metade da dívida.
Pensava nas pessoas que confiaram em mim, que deixaram suas economias comigo.
Por mais que pensasse, não achava solução e não tinha coragem de dizer à família
a dificuldade pela qual passávamos.
"É melhor acabar com tudo! Não agüentarei passar pela vergonha de estar
arruinado e pela miséria."
Pensando somente em mim, planejei com detalhes meu suicídio, marquei até a data.
Na véspera, quis que minha esposa fizesse
um jantar especial. Conversamos normalmente,
disfarcei minhas preocupações.
Seguindo meu plano, entrei no escritório de nossa casa e dei um tiro no ouvido.
Não morri! Meu corpo físico sim, com o ferimento mortal, os órgãos findaram suas
funções. Meu espírito, que não morreu,
ficou grudado no corpo carnal. Confuso, com
muita dor, vi tudo o que se passava.
Soube que havia morrido pelas conversas que ouvia, pelo choro de minha filha e
pela confirmação do médico.
Foi horrível! Minha esposa que já não me amava mais, sentiu mágoa e raiva.
Somente meus filhos sofreram, eles
90
não conseguiam entender o porquê do meu ato. Foi no velório que um amigo disse a
minha mulher.
- Acho que José se matou porque tem muitas dívidas! E algumas pessoas não
tiveram nem compaixão; indagavam para minha esposa
e filhos sobre o dinheiro deles.
Deitado dentro de um caixão, sentia frio, sede e uma dor alucinante, como também
a raiva de algumas pessoas.
Apavorei-me, queria morrer mesmo, mas isso não ocorreu: continuava vivo sabendo
que já estava morto. Os seguidores da religião
que seguia tinham razão, sobrevivemos
à morte do corpo físico.
- Covarde! - falou uma voz, xingando-me. Você pegou emprestado dinheiro de minha
mulher. A coitada vai passar por dificuldade
por sua culpa. Por que não foi honesto?
Se sabia que não iria conseguir pagar, por que fez esse empréstimo? Por que você
não ficou encarnado e tentou resolver a
situação?
- Você transgrediu uma Lei Divina: "Não matarás!". Suicidou-se e agora irá
sofrer! - disse outra pessoa.
E, aquelas vozes tinham razão, escutei pessoas dizerem que merecia estar no
inferno. Outros me cobravam o dinheiro
91
que lhes devia. O pior foi a minha família. Minha esposa me maldizia por deixá-
la em situação difícil. Até meus filhos indagavam
o porquê de não ter dito a eles
sobre a nossa falência, de ter me suicidado, fugido do problema e deixado para
eles resolverem.
4 • Vale dos Suicidas são lugares situados no umbral, onde suicidas são
agrupados. E um local de sofrimentos, em que a permanência
depende deles próprios, do arrependimento
de cada um (N.E.)
92
muitos sofrerem como eu. Padecíamos juntos. Naquele local, para mim mais
sossegado, pensei no que fiz e me arrependi. O
remorso dói e, aos poucos, a dor desse sentimento
tornou-se maior do que as outras que sentira. Se pudesse voltar no tempo, com
sinceridade não me suicidaria, não seria covarde
abandonando os problemas e prejudicando
minha família com meu ato abominável.
Muitos anos se passaram. Fui socorrido. No hospital para onde fui levado não
senti mais dores no ferimento, frio, fome ou
sede, somente permaneceu a dor do remorso.
O tempo passou, poucos se lembram de mim e entre eles, somente alguns guardam
mágoa.
Minha ex-esposa casou-se de novo, não gosta nem de lembrar de mim, acha, e com
razão, que a fiz muito infeliz, que pelo
meu suicídio, passou muita vergonha e foi
humilhada. Ainda não me perdoou.
Meus filhos me acham covarde, ficaram sentidos com minha atitude, mas me
perdoaram Lembram-se muito pouco de mim e quando
o fazem me tacham de infeliz.
Tento esquecer o sofrimento pelo qual passei por minha própria escolha, mas não
é fácil, esses acontecimentos me marcaram
muito. Se me lembro do momento que desencarnei,
escuto o tiro, sinto a dor e choro.
93
Estou abrigado em uma colônia que socorre suicidas. Tenho por tarefa ajudar os
recém-chegados a esta casa de caridade. Tenho
escutado muitos relatos. Deserdara vida
física
é um erro e as reações não são iguais para todos. Eu sofri muito porque além de
suicidar-me, planejei e agi friamente. Muitos
agiram pior do que eu e sofreram bem
mais. Outros tiveram atenuantes, agiram num impulso, estavam doentes ou
obsediados. Alguns se arrependeram com sinceridade
logo após terem cometido esse ato tresloucado,
outros não.
Pela justiça divina, um suicida não sofre igual ao outro. Cada caso é um caso,
analisado com carinho por dedicados socorristas
que trabalham auxiliando-os. *• '
Para mim, o depois da morte física, foi um horror, desespero e muito sofrimento.
Aceitei o convite de vir contar o que me
aconteceu, na esperança de que meu relato
possa levar pessoas a refletirem e abolirem a vontade de se matar. Não vale a
pena fugir de um dos nossos estágios da vida.
Vivos sempre estaremos, porque não se
mata a alma.
Anseio por reencarnar. Mas tenho de esperar pela oportunidade, pois esta que
tive, desprezei.
Gostaria de ser perdoado por todos a quem prejudiquei. Estou dando muito valor
ao perdão. Aquele que perdoa é nutrido pelo
sentimento maravilhoso do amor. Também
estou aprendendo a ser grato e quero agir de tal forma que venha a receber a
gratidão de muitos.
Que Deus nos abençoe!
José
94
As estatísticas nos informam que temos muitas mortes por suicídio, muitos matam
seu próprio envoltório físico. José narrou-nos
o que aconteceu com ele. Para não
ficar extenso o relato nem muito triste, não nos descreveu nem um quarto do seu
sofrimento. As vozes que primeiramente escutou
eram de desencarnados que se sentiram
prejudicados por ele. O vulto que tentava ajudá-lo foi de um socorrista que
auxiliava desencarnados que sofrem em cemitérios.
Nem todos escutam vozes ou sabem o
que ocorre com a família encarnada. Muitos se perturbam tanto que não têm
condições de receber pensamentos dos encarnados.
Mas todos recebem o benefício das orações.
De fato, na espiritualidade não existe regra geral, fez isso e pagará assim...
Mas há algumas regras que são seguidas. Os
suicidas aqui da espiritualidade ficam
95
separados, quase sempre, dos demais. Alguns ficam no umbral, onde existem
numerosos locais que são chamados de O Vale dos
Suicidas, e que alguns denominam de Inferno
dos Suicidas e de muitos outros
96
Respondi a ele e resolvi colocar a resposta aqui, para concluir o assunto sobre
suicídio.
Existe o erro e sofrerão por essa atitude errada, terão a reação dessa ação
imprudente. Eles sofrem mais com a decepção
de não ser o Além, o plano espiritual, como
eles acreditavam. Padecem mais por serem homicidas do que suicidas."
97
capítulo nove
O Vestido Vermelho
Tudo mudou. Saí de um lugar sem entender como e fui parar em outro muito
confortável. Passei a ser tratada com carinho.
- Venha sentar-se aqui, Júlia. Veja que flores lindas! Só que não pode pegá-las.
- Por que a pegou? Não recomendei para não colocar as mãos nelas?
Ela não me castigou. Fiquei um pouco envergonhada e fui sentar num banco. O
médico aproximou-se, não gostava deles, mas
esse era diferente, não mandava me dar nada
que doía.
Gostei da minha resposta, quem mandou ele perguntar. O médico sorriu, esperou
que parasse de rir e disse:
98
Venha comigo!
Fiquei com receio, mas fui, pois aprendi nos anos em que estive em hospitais que
quando queriam nos levar a algum lugar
era melhor ir, porque senão nos levavam à
força. Atravessamos alguns corredores. O médico conversou com um outro, que me
pediu para sentar numa poltrona confortável.
Abri com medo. Ele examinou e mediu minhas gengivas. Senti os dentes na minha
boca.
Olhei e assustei-me. Minha boca que antes era banguela, porque os dentes
cariados foram extraídos, agora estava com todos
os dentes sadios e realmente lindos.
Puxei-os com força e não saíram. Estava com os dentes sem cáries e perfeitos.
- Eles são seus e não saem. Plasmei-os para você. Está contente?
- Acho que estou num hospício diferente; aqui até os médicos são loucos! -
exclamei. - Estranho! Estou falando
- Claro que está! - respondeu ele. - Não sou médico, sou dentista, ou exerci
essa profissão quando encarnado. Aqui estou
aprendendo muito. Você quer mais alguma
coisa, Júlia?
- Vocês dão de graça? Não tenho dinheiro para pagar meus dentes.
99
- Se puder quero meus cabelos compridos! Quando menina, e depois quando mocinha,
usava
- Aqui - explicou ele - é a sala da diretoria. E essa é Isabel. Vou dizer a ela
sobre seu pedido.
Olhei-me no espelho de novo,- espantei-me. Meus cabelos estavam abaixo dos meus
ombros e de tom castanho escuro como era
na juventude, pois atualmente estavam embranquecidos.
Passado o susto, puxei-os com força. Não saíram, foram os meus mesmos que haviam
crescido.
- Será que não dá para deixá-los um pouco mais lisos? Isabel sorriu, passou as
mãos neles novamente e ficaram
como desejei.
- Será que não estou abusando? Não! Queria tanto vestir uma roupa feminina. Um
vestido vermelho com renda
100
na frente, colocar um sapato preto com saltinho Nem sei quanto tempo faz que uso
somente esse uniforme do hospital.
- Deixe-me ver - Isabel leu uma ficha -, de fato faz tempo mesmo, quarenta e
dois anos que você vive em hospitais. Merece
o vestido e o sapato. Acho que tenho um
que lhe serve.
Isabel entrou em outra sala; aguardei alguns minutos, passando as mãos ora nos
meus dentes novos, ora nos meus cabelos.
Estava encantada.
- Aqui estão? Gosta! Venha aqui e troque de roupa. Maravilha das maravilhas! O
vestido e os sapatos serviram em mim. Eles
eram como eu sonhava.
Quis beijar a mão dela, mas Isabel emocionou-se e me deu alguns beijos no rosto
e uma caixa de maquiagem. Como uma menina
feliz com o presente, aproximei-me do espelho,
passei baton e depois esmalte nas unhas. Estava tão feliz que pedi a Deus que se
fosse um sonho, não me acordasse. Isabel
me deu também o espelho, e disse que poderia
voltar ao jardim.
"Por que será que esse hospital é assim? Posso estar louca, mas eles devem estar
mais Não! Eles não estão doentes e eu sinto
que melhoro a cada dia".
101
que faz quarenta e dois anos. Desde os meus dezesseis anos quando tive uma crise
séria, não saí mais do hospital. Minha
mãe ia me ver, e depois que ela morreu, recebi
algumas visitas dos meus irmãos; logo, todos esqueceram de mirrr. Sei que falo
coisas que ninguém entende, outras vezes
digo impropérios sem querer, outras falo
porque quero. Não queria ser doente! Queria sarar! Quero que o senhor me
explique o motivo de estar sendo bem-tratada e
por que estou melhorando. Não me lembro,
nesses anos todos, de ter falado tanto como agora. E parece-me que não estou
falando bobagens.
- Você, Júlia, ficou muito bonita com este vestido vermelho! É linda! Vou tentar
esclarecer suas dúvidas. Nós nascemos,
encarnamos, crescemos e um dia o corpo físico
102
Não entendi de imediato, ele precisou explicar-me muitas vezes que estava
vivendo agora, no plano espiritual.
A desencarnação para mim foi uma libertação onde deixei o corpo físico enfermo e
passei a viver sadia e feliz.
Saí do hospital, o médico achou que já vivera por muito tempo nesse tipo de
ambiente. Fui morar com quatro senhoras e uma
delas ficou comigo até eu me recuperar.
Gostei demais de morar numa casinha, e a nossa era linda. Lar é uma preciosa
bênção! Ganhei outros vestidos e sapatos. Encantei-me
com eles. Passei meses dando importância
à vestimenta*Arrumava-me, penteava meus cabelos e sorria para mostrar meus
dentes.
Aprendendo a viver sem os reflexos do corpo físico, tornei-me sadia, fui estudar
e depois quando estava apta, passei a fazer
pequenas tarefas.
Recordo-me de todos os detalhes, porém não consigo dizer tudo o que senti.
Compreendia, às vezes, que não devia fazer ou
dizer algo, mas fazia e dizia. Tinha um
medo terrível dos tratamentos e de ficar sozinha. Passava por períodos em que
não tinha consciência do que fazia; em outros,
compreendia melhor o que ocorria comigo.
103
O doente mental sofre e quase sempre sabe que sofre. Foram muitas vezes que
chorei por estar doente. Tinha vontade de sair
do hospital, morar num lar, ter roupas
bonitas e comer doces e outros alimentos. Sentia saudades da minha
família e não queria que eles tivessem medo de mim. Mas não conseguia expressar
minha vontade, dizer que queria.
Graças a Deus não tenho mais ações negativas para sofrer no futuro as reações
das dores. Quero me preparar bem, ser útil
para que quando reencarnar seja com conhecimento,
para ser uma enfermeira num hospital de doentes' mentais.
Júlia
104
dos recém-chegados. Júlia queria tão pouco: dentes, cabelo comprido e roupas.
Desejos assim, quando o abrigado aprende,
ele mesmo plasma para si, mas outros podem
fazer por eles. O espírito que foi dentista quando encarnado, plasmou para ela,
não os dentes que tivera, que creio não
eram sadios, e sim outros, perfeitos para
sua arcada dentária. Isabel plasmou as roupas que ela sonhara ter. Alegre,
feliz, Júlia recuperou-se logo. Teve de receber
ajuda para não sentir o reflexo do físico
e fez isso fora do hospital, num lar, com outras servidoras.
Nossa convidada tem razão, resgatou pela dor o que fizera de errado. Quando se
erra e se arrepende, querendo pagar pela
dor, sofrer, o espírito tem o livrearbítrio
para fazê-lo.
105
capítulo dez
Ateismo
Não sabia nem conseguia entender o que ocorria comigo. Eu sonhava? Era então um
pesadelo, do qual não acordava. Fiz de tudo
para despertar daquele sono horrível.
Bati a cabeça nas paredes e belisquei-me tanto que estava toda dolorida. Até
entrei n'água. Lembrei-me de que minha mãe
falava que a água despertava. Entrei num
chafariz de uma praça. E a água passou por mim e não me molhou. Escutei de um
senhor que passava por ali:
- Saia daí! A senhora morreu! E defunto não se banha! Respondi com grosseria, e
ele gargalhou:
- Sua doida! Morreu e finge não saber! Até quando manterá sua ilusão?
Achei então que enlouquecera. Sabia que na cidade onde eu residia havia um
sanatório e fui para lá em busca de ajuda. Se
estava doente necessitava de tratamento.
106
Morri1 E agora?
- Desculpe-me, não quero ser indelicada, mas essas respostas quero dar ao
médico.
- Irmã, aqui é um hospital para pessoas encarnadas, por isso devo saber o que
quer.
- O senhor é muito abusado e não sou sua irmã. Exijo vir alguém da diretoria. E
logo, senão vou me queixar de você.
Pegoif na minha mão e atravessamos o portão. Gritei. Ele nem se importou. Levou-
me para um local que não parecia hospital.
Era um salão, com muitas cadeiras e à
frente tinha uma mesa. Meu condutor largou minha mão e disse a outro senhor:
- Ela me destratou; acha que por ser porteiro sou inferior. Deve estar
acostumada a tratar mal aqueles a quem julga insignificante.
Deve ser por isso que está nessa
situação. Mas vou tentar ser mais educado. Estou esforçando-me para ser
paciente.
- Então, sente-se aqui, sirva-se de água fresca e descanse; assim que for
possível o médico virá lhe ver.
Resmunguei baixinho. Aquele hospital era um horror. Que atendimento ruim. Tomei
a água que achei muito saborosa e sentei-me.
Pensei e concluí que ali seria, com
certeza, maltratada.
Cansada e com fome, fiquei andando até que, mais exausta ainda, sentei-me no
banco de uma pracinha. Ali perto estavam três
pessoas que julguei serem vagabundos.
E um deles disse sorrindo:
108
- Desencarnados, somos nós que morremos! Ou melhor, o corpo material foi para o
cemitério, mas nós realmente não acabamos
e estamos vivendo aqui. E encarnados, somos
antes de morrer. Entendeu?
- Não! Não é verdade! Você brinca comigo e não lhe dei esse direito! Acabamos
quando o corpo morre. Extinguimos! Nada sobrevive!
Deus não existe! Só resta você falar
que já viu Deus e conversou com Ele.
- Deus está em todos os lugares e até dentro de nós como expressão de amor. Sou
um andarilho no plano espiritual. Gosto
de viver assim. Mas, entendo algumas coisas.
Acho que quando nós nos fazemos receptivos, sentimos Deus. É melhor rever seus
conceitos. Você acreditava em fatos falsos.
Tudo ficará mais fácil se entender que
seu corpo morreu!
Saí, deixando-os gargalhando, e fui para meu apartamento. Outro horror! Subi as
escadas, porque por mais que apertasse o
botão do elevador ele não vinha. A porta
do
109
meu apartamento estava aberta. Nele não estavam mais meus pertences e outra
família morava ali. Era um casal com dois filhos.
O som estava alto e eles riam e conversavam
animados, referindo-se a um passeio que fariam.
Desesperada, quis sair do apartamento e não consegui abrir a porta. Percebi que
estava presa. Foi horrível ficar ali sem
poder sair. Não adiantou gritar, bater,
ninguém me ouviu. Não consegui pegar o interfone nem o telefone. Foi um alívio
quando a porta se abriu e a família entrou.
Corri e saí. Fiquei no corredor e sentei-me
no chão.
Lembrei-me da Magali, uma vizinha que se escandalizava comigo por ser ateia.
Muitas vezes ela tentou me convencer que Deus
existia. Fiquei ao lado da porta do apartamento
dela. Esperei. Fiquei pensando no preconceito que sempre enfrentei por não ser
hipócrita e dizer abertamente que era ateia:
"Não acredita em Deus?! Não tem religião?!".
Eu escandalizava as pessoas. Às vezes discutia e gostava de expressar minha
opinião, tinha vasto conhecimento e achava um
absurdo pessoas esclarecidas e estudadas
acreditarem numa Divindade.
110
Avizinha chegou, cumprimentei-a, ela me ignorou. Em outra situação lhe diria uns
desaforos e iria embora, mas entrei com
ela no apartamento.
Magali não me respondeu e foi guardar as compras nos armários. Fiquei perto dela
que olhou o calendário e falou:
- Hoje faz nove meses que Carolina morreu! Embora ela não acreditasse em Deus,
que Ele a proteja!
Orou por mim. A campainha tocou, Magali abriu a porta; era o porteiro trazendo
alguns pacotes. Saí apressada, não queria*ficar
presa de novo. Desci pelas escadas
e fui para uma praça ali perto, sentei-me num banco e fiquei pensando: "Quem
devo procurar para pedir ajuda? Meu exmarido?
Não quero, a mulher dele e seus filhos
não gostam de mim. Depois, ele é um idiota! Era ateu e por causa da mulher virou
religioso! Para ele, todos os meus problemas
eram pelo ateísmo. Até Magali, para
me fazer acreditar em Deus, tentou me enganar dizendo que faleci. Alguma coisa
acontece comigo, mas o que será?".
Sofri muito.
Cansada, fiquei quieta por minutos, depois pedi para a mulher que falara comigo:
- Venha comigo!
Ela me levou para um local estranho em que havia pouca claridade. Parecia que
estava dentro de um filme de terror. A mulher
me deixou num canto, ao lado de umas
pedras.
-Aqui você pode refletir bastante. Pense em sua vida e no que quer agora que
está morta, mas viva!
Fiquei sozinha. Naquela rotina em que via tudo confuso, sentia sede, fome, frio
e muita tristeza, cheguei à conclusão de
que meu corpo morrera e eu era uma alma
penada, da qual tanto rira anteriormente.
"Morri e agora?"
Indaguei-me, chorei, tive medo e sofri. A decepção foi grande; para mim
morríamos e acabávamos, nada existia, nem Deus.
Muito tempo se passou. Saía dali, andava pela cidade e voltava para meu
esconderijo, no umbral. Ficava quieta e muito triste.
Um dia conversei com uma senhora, também
desencarnada.
- Acho isso maravilhoso! Não queria acabar. Não me queixo por estar
desencarnada, vivo bem sem o corpo físico.
- E agora?
- Acredito! - respondi com sinceridade. - Já achei que sonhava, estava louca até
concluir que meu corpo falecera, fora enterrado
e continuara viva. Deus me castigou
por não ter acreditado Nele.
112
- Acho, minha amiga - falou a senhora serenamente -, que você não acreditava em
Deus por não compreendê-Lo. Nosso Pai não
nos castiga. Ele existe, independente de
alguns crerem Nele ou não. Você está sentindo as conseqüências de sua
incredulidade.
Contei àquela senhora minha vida. Meus pais diziam ter religião, mas não a
seguiam; cresci sem dar importância aos preceitos
religiosos. Adulta, tornei-me ateia
convicta, casei-me com uma pessoa sem religião que se tornou ateu também. Tive
dois abortos espontâneos e passei a fazer
um tratamento para engravidar. Nesse período
meu marido e eu já não estávamos mais nos entendendo. Não quis engravidar mais e
acabamos nos separando. Vivi sozinha num
apartamento e não quis ter mais relacionamentos
sérios, tive namorados e amantes. Aposentei-me e passeava muito; sentia-me bem.
Não agi com maldade com ninguém. Pratiquei até algumas caridades e favores que
nada custaram. Pensava: "Para que fazer algo
por alguém? Não há motivos para ser caridosa,
não posso me privar de algo ou de horas para auxiliar ninguém, não vale a pena".
Encarnada, sentia a reação da vida egoísta que levava; tinha somente conhecidos,
nenhum amigo e minha família não ligava
para mim, porque os ignorava. Meu ex-marido
tinha a família dele.
Falei por horas e a senhora escutou atenta. Quando terminei ela comentou:
113
- Você recebeu a reação de suas ações. Não se importou com ninguém e por isso
não recebeu atenção. Viveu egoisticamente
e recebeu a indiferença. Não acreditava que
a vida continuava com a morte do corpo físico e quando esse fato aconteceu com
você, achou que sonhava, que estava doente
e sofreu.
- Por que não pede perdão, Carolina! Quando reconhecemos que erramos, pedir
perdão nos faz bem. Deus é Amor! Ele não se
ofende se um dos seus filhos não crê Nele!
Ajoelhei-me e em lágrimas pedi perdão. Fiquei assim por minutos. Estava sendo
sincera. A senhora, então, ajudou-me a levantar.
Senti-me bem, continuei chorando,
só que as lágrimas eram de alívio. Essa senhora me levou para um posto de
socorro. Encantei-me com aquela casa de caridade.
Fui acolhida. Aliviada e grata, fui aprender
a viver desencarnada e ser útil. Isso aconteceu depois de vinte anos. Sim,
vaguei por todos esses anos e padeci muito.
Hoje estou bem, trabalho e me esforço para dar ao próximo o melhor de mim, faço
tarefas nas quais aprendo a doar meu tempo,
horas do meu lazer em que poderia passear
ou descansar. No começo era para mim um sacrifício, hoje faço com carinho. Quero
aprender a amar!
Tenho observado que não é fácil a desencarnação para os ateus. Porque é nos
momentos difíceis que exclamamos:
114
'Ai, meu Deus!". E essa expressão nos dá conforto e a receptividade para receber
ajuda.
Carolina
Ela ficou presa no apartamento que tivera quando encarnada. Isso acontece com os
iludidos, os que não aceitam sua desencarnação
e não sabem como passar pela matéria
densa.
115
Já escutei de muitas pessoas: "Se isso fosse importante, Deus me mostraria para
que acreditasse. Se Deus existisse, Ele
me provaria". Como se julgam importantes!
Por que teria que lhes provar? Já não basta, como muitos dizem, a assinatura do
Autor: na natureza, no espaço, no nosso
corpo físico, perispiritual e na perfeição
do nosso espírito?
Nossa convidada foi ateia, digo foi, porque sem a ilusão do corpo físico, com a
sobrevivência do espírito depois da morte,
foi forçada a mudar a forma de pensar,
a rever seus conceitos. Porém, continuou sem ver Deus. Porque nosso Criador não
é uma figura, é um ser supremo, inteligência
suprema, e está em todos os lugares.
Compreendem-No os simples, os acadêmicos, todos
116
para crer.
117
capítulo onze
O Político
dinheiro não deveria continuar no meu nome. Tremi de medo. Eles falaram que
estava morrendo.
E pela primeira vez, indaguei-me o que seria morrer. Havia freqüentado, pelo
social, para arrecadar votos, muitas igrejas,
templos, e ouvido vários sermões, aos
quais, infelizmente, não dera muita atenção. Mas algumas coisas do que ouvira,
vieram naquele instante a minha mente: "Eu
acabaria com a morte?"
Ao pensar nesse fato, apavorei-me. Acho que ninguém
quer ser extinto. Creio que nada se acaba, até pela lei da
natureza, tudo se transforma, e comecei a pensar:
"Céu ou inferno? Prefiro que não existam, senão irei
com certeza para o inferno.
"Dormirei até o julgamento? Também não gostei dessa
teoria. Se houver uma sentença, por justiça, não me darei bem.
"Desencarnarei, como dizem os espíritas? Se assim
for, no Além terei comigo somente os atos que fiz, os bons
e os maus.
Tinha dinheiro que sustentava o meu luxo. A família e os
amigos, ali ao meu lado, esperavam minha morte. Somente
restavam-me as obras, essas iriam comigo.
Abri os olhos, os dois sorriram para mim, e meu filho
disse:
- Papai, o senhor ficará bem! Mas estou preocupado. Será que não é prudente
tirarmos o dinheiro de suas contas
bancárias?
- Sim - respondi com dificuldade. - Faça, filho, o que for melhor. Mas não deixe
sua mãe sem nada.
119
- Claro que não, papai. Mamãe tem muitos imóveis em seu nome e os senhores são
casados com separação
de bens.
Ele saiu e meu genro ficou ao meu lado. Comecei a
delirar. Via vultos, ouvia algumas risadas, e fui piorando.
- Ele morreu! - ouvi do médico.
Choros e risadas.
Minha esposa e filha estavam ao meu lado chorando.
Meu pai morreu! Que tristeza!
- Fiquei viúva! Que será de mim sem ele? Como cuidar dos negócios?
"Morri! Meu Deus! E agora?"
"Ficará aí para ver e ouvir outros hipócritas como você"
- falou um vulto, gargalhando.
Que sensação estranha. Senti a equipe médica desligar os aparelhos e tirar as
sondas. Meus familiares se afastaram, fui
levado para outro local. Limparam-me, colocaram-me
outra roupa e me maquiaram. Depois me acomodaram numa urna luxuosa, com muitas
flores.
Sentia, via, pensava, escutava, mas não me mexia ou
falava. E a todo instante me indagava cada vez mais aterrorizado: "E agora?".
E os acontecimentos vieram. Fui levado ao velório. Que horror! Qs familiares
chorosos, vestidos de luto, discretos, comportavam-se
como a sociedade exigia. Amigos
e mais flores foram chegando. Escutei muitos comentários. Poucos faziam orações.
Agiam como eu quando ia a velórios. Várias
conversas, pessoas que havia tempos não
se viam, falavam
120
Recordei-me de alguns atos bons que fizera, as esmolas que dera, favores que
prestara e mesmo os que foram realizados por
interesse. Nesses momentos sentia um pouquinho
de alívio. Lembrei-me de Deus de modo diferente, como um Pai, o qual antes
desprezara e que agora sentia falta. O remorso
me fez ver que era merecido meu
sofrimento.
Abusara dos prazeres, não seguira nenhuma religião e sentia falta de uma crença.
Sabia que muitos outros políticos sofriam muito mais do que eu. Os que foram
muito desonestos e corruptos padeciam ali no
umbral, de forma pior do que se fosse no
inferno, se esse existisse. Muitos ficavam presos na caverna dos horrores, num
buraco escuro e fétido sendo torturados e
humilhados.
Um dia, um moço aproximou-se de mim, abriu o aro do meu pescoço com facilidade e
me disse
- Vou tirá-lo daqui, siga-me quieto!
Saímos daquela cidade, paramos em frente de um veículo, entramos nele, e fui
levado a um hospital. Lá, fui tratado com dignidade,
bondade e me recuperei.
Muitos desencarnados ao passarem pelo que passei, enlouquecem, tornam-se débeis;
porém eu tive consciência e muito sofri.
Padeço ainda, não consigo esquecer o que
fiz de errado, sinto remorso, e esse sentimento me cobra, mas também me faz ter
vontade de acertar.
Mas o que mais sinto é ver meus familiares seguirem o mau exemplo que dei. Com
certeza irão passar e sofrer o que sofri.
E não posso fazer nada. Poderia até tentar,
mas eles não acreditariam. Para minha família morri e acabei.
124
Penso que seria bem mais fácil morrer e acabar. Mas não é assim.
Foi longo o tratamento com aprendizado que recebi.
Sei de pessoas honradas e idealistas que foram e são políticas. E àqueles a quem
muito foi dado e souberam usar, dignos
serão de receber mais. E espíritos que passam
por essa prova e trabalham se dedicando com amor à arte de governar, são
vencedores, eu os admiro. Sei que é difícil ter
dinheiro e poder. Mas se muitos aprenderam
a usar sem abusar, outros podem seguir seus bons exemplos.
Para mim, foi apavorante defrontar com a desencarnação. Não com o ato em si, mas
com as conseqüências de meus erros. Aprendi
com a dor. E tenho um propósito de colocar
em prática esses ensinamentos.
Quero reencarnar para ter a bênção do esquecimento
e de um recomeço. Desejo esquecer o que fiz de errado e
tentar fazer o certo.
Tenho orado muito para ser honesto, anseio por ter
essa virtude e provar a mim mesmo que posso ser uma
pessoa de bem.
127
capítulo doze
Maria, a Sequinha
- Seca! Sequinha!
Um grupo gritou ao passar por mim. Cansada, não reagi.
Costumava responder gritando que não era, e revidava os
desaforos levando-os a rir.
Nos últimos dias estava diferente, mais quieta, pensativa e já não achava tão
injusto estar naquele lugar sofrendo.
Nair aproximou-se e sentou-se ao meu lado, numa
pedra.
- Está quieta hoje, Seca, quer dizer, Maria.
Nair era uma mulher que se julgava esperta, entendida,
e às vezes conversava comigo.
- Hoje quero escutá-la com atenção. Fale-me, por favor, onde estou e o que
aconteceu comigo.
- Devia cobrar pelos meus conhecimentos! Mas como gosto de falar, vou lhe
explicar. Fique atenta! Você morreu!
Não fique com medo! Nada de pior poderá lhe acontecer e...
128
os que são tratados como escravos e são maltratados e há os que são presos em
buracos ou então em prisões horríveis. Sou
alegre!
- Feliz? - insisti.
- Acho que não. Tenho pensado e acho que somente pessoas boas são felizes. Aqui
é um tal de dá lá e toma cá.
- Nairzona, vamos lá? - chamou-a um moço.
Nair levantou-se e seguiu um grupo, sem se despedir
de mim.
- E agora? E agora? - resmunguei.
O umbral6 não é um lugar agradável, detestava-o. Andava por ali sentindo os
reflexos do meu corpo físico, sentia dores e
fome, não tinha sede porque tomava água
de um filete sujo. Sentia muito frio. À noite era pior, escuro e muito frio.
Tinha muito medo. Mas como Nair me disse, existiam
muitos que sofriam mais do que eu.
Fiquei recordando minha vida encarnada. Fui abandonada muito pequenina num
orfanato. Deram-me o nome de
Maria. Nunca tive um amigo.
- Acho que era uma criança problemática! - exclamei
baixinho.
Apesar de não ter sido feia, não fui escolhida para adoção e fui ficando.
"Maria, tenho muito o que fazer!" - diziam as funcio nárias.
6 • Umbral: ambiente espiritual trevoso e infeliz criado pela força do
pensamento
de milhares de criaturas em desajuste (N.Ej.
130
"Maria, não é somente você que temos aqui! Temos de cuidar de todos. Venha nos
ajudar" - diziam as bondosas
irmãs, as freiras que cuidavam do orfanato.
Não ajudava. Queria atenção, desejava que alguém ficasse comigo o tempo todo.
Quando alguma das meninas, internas como eu,
me dava um pouco de atenção, queria que
fosse somente minha amiga e fizesse o que eu quisesse. As garotas se cansavam,
deixando-me sozinha.
"Maria" - dizia sempre Madre Terezinha -, "você não
pode agir assim. Vá brincar, converse, dê amizade para
também recebê-la. É dando que se recebe.
E eu somente queria receber.
Na adolescência pensava: "Não recebo nada, por que
então dar?"
Amarga, desiludida, rancorosa e até invejosa, fui ficando
sozinha.
A diretora do orfanato me arrumou um emprego de doméstica, trabalhava durante o
dia e dormia no orfanato. Não era agradável
fazer todos os dias a mesma coisa - serviços
de casa -, mas era bem melhor do que ficar o dia todo no orfanato; pelo menos
trabalhava, tinha um ordenado e alimentava-me
melhor. Comprava, com o meu salário,
objetos para mim. Nunca dei nada a ninguém. Achando que as meninas mexiam nas
minhas coisas e que tinham inveja de mim,
pedi para meus patrões me deixarem dormir
na casa deles.
As irmãs se reuniram para a despedida, contrariada
escutei-as, não prestei atenção nos conselhos nem no pedido
para visitá-las.
131
"O senhor não está satisfeito com meu trabalho? Faço algo errado?"
"Não" - respondeu ele.
Desistiu também. Um dia escutei dois companheiros
de trabalho conversando. Um deles falou:
"Maria me seca! Sinto-me mal perto dela.
Aposentei-me. Saí do último dia de trabalho como outro qualquer. Mas senti muito
a falta do emprego e a solidão. Não conversava
com os vizinhos, achava que eles
somente queriam favores. Fiquei doente e não tinha ninguém nem para me
acompanhar às consultas médicas. Por causa de uma
enfermidade nos rins, sentia muitas dores.
Em uma consulta, o médico me internou. Não conversei com ninguém no hospital, e
ali morri sozinha. Agora sabia que morri
ali, internada. Porque no momento não percebi.
Achei que estava sendo desprezada, que não me davam remédios nem conversavam
mais comigo. Resolvi ir embora e ninguém se
importou. Saí andando, arrastando-me e fui
para casa. Lá me assustei, haviam tirado tudo o que era meu e outras pessoas já
moravam ali. Gritei e ninguém me ouviu.
Fui então à polícia; havia uma delegacia
perto de casa e fui andando com dificuldade.
Lá, vi muitas pessoas estranhas. Do lado de fora do
prédio estava um grupo esquisito que riu ao me ver.
- 01, Seca! Já sabe que morreu? Se não sabe, fique
sabendo!"
- Doido! - respondi.
Discuti com eles e os ameacei, dizendo que ia dar queixa
ao delegado. Eles me pegaram pelos braços, arrastaram-me
134
- Ela orou para a amiga e esta a levou embora. Acho que vou também orar. Estou
cansada de sofrer e começo a
entender que não foi injusto estar aqui.
Não briguei mais e passei a ajudar ao meu modo os
que ali sofriam mais do que eu.
- Olhe, aí vêm os bonzinhos! - disse uma senhora, mostrando-me um grupo que
silencioso e respeitoso passava
por ali.
Já os vira, e por muitas vezes jogara pedras neles com
os outros. Agora os olhava com respeito.
Aproximaram-se de nós e um deles indagou:
- Quem auxiliou aquele homem?
Tremi de medo, mas diante de seu olhar bondoso e voz agradável, respondi
baixinho:
- Fui eu!
- Fez um bom trabalho. Parabéns! Não quer aprender a ajudar melhor? Não quer vir
conosco?
Não sabia se queria ir, então não respondi. A senhora
que estava ao meu lado me cutucou:
- Vá, não seja boba! Essas pessoas são de fato boazinhas e realizam muitas
ajudas. Com eles você certamente
não sofrerá mais. Talvez deixará de ser sequinha.
Ele, o socorrista, estendeu-me a mão, segurei-a com firmeza. Minha vida mudou.
Fui para um posto de socorro, uma das casas
que já vira; fui tratada com carinho e
esforcei-me para ser simpática e útil. Minha aparência mudou, não era mais seca.
Depois de meses, tornei-me trabalhadora,
fazendo favores. Aprendendo a dar, principalmente
amizade, fiz amigos. Estou bem.
137
Maria
139
capítulo treze
Qf/1
Sombra de uma àrvore
Fui andando devagar, estava muito cansado. Desde o dia anterior eu não estava me
sentindo bem. Deitei-me,
nosso leito era de folhas e capim, dentro de barracos.
- Nunca pensei que minha situação nessa fazenda pudesse piorar e, piorou! -
reclamei baixinho.
Sozinho, naquela hora do dia, no barraco, fiquei pensando na vida.
De minha família, conheci somente minha mãe, uma morena bondosa e trabalhadeira.
Nunca soube quem fora meu pai. Não freqüentei
a escola, nem meu nome sabia assinar.
Mamãe trabalhava de diarista; trabalhava muito e ganhava pouco. Tentava ajudar
nas despesas de casa, e desde garoto ia para
as fazendas trabalhar nas plantações
com a enxada nas mãos.
Era tímido, achava-me feio e ninguém queria me namorar. Mamãe e eu nos dávamos
muito bem e gostávamos
um do outro.
- Se em vez de folha e capim meu leito fosse de palha, diria que essa cama era
como a manjedoura em que Jesus nasceu - balbuciei
e tentei me acomodar do melhor modo
possível ao meu improvisado colchão.
Lembrei-me então das festas natalinas, da época festiva em que se comemora o
nascimento do menino Jesus. Quando pequeno
queria tanto ganhar um presente, mas não
tínhamos dinheiro. Nunca fora revoltado, mas não entendia o porquê de algumas
pessoas terem e outras não. Ali, deitado e
com dores, recordei-me com detalhes da resposta
de minha mãe, quando certa vez perguntei o porquê de várias
141
crianças possuírem muitos brinquedos, alimentos, roupas, e outras, como eu, não
terem nada.
"Zé Pedro, meu filho, não sei lhe explicar o porquê dessa diferença, mas nunca
culpe Deus, Nosso Pai Amoroso. Somos nós
mesmos que fazemos essas diferenças. Acho
que é porque erramos, e Deus bondoso não nos manda para o inferno, mas para cá
novamente. É melhor não reclamar, aceitar
e ser bom. Viva de tal forma que quando
você vir Deus não tenha do que se envergonhar.
O rosto de minha mãe veio em minha mente. Como gostava de vê-la sorrir. Falei
baixinho:
- Mamãe, tenho feito o que me aconselhou. Estou sofrendo muito aqui, mas nunca
me desesperei, tampouco digo maldições. A
senhora tem razão. Fazemos e pagamos. Acho
que se eu vir Nosso Pai do Céu não vou me envergonhar.
Uma musiquinha de Natal veio em minha mente, não estava disposto a cantar e
lembrei-me do único Natal em que ganhei um presente.
Mamãe me levoü a um local, num centro
espírita, onde estavam distribuindo alimentos e brinquedos. Ganhei um carrinho,
uma bola e uma roupa nova. Como mamãe e
eu ficamos contentes! Segurar aqueles brinquedos,
sabendo que eram meus, foi uma doce alegria que inundou meu coração de gratidão.
- Como foi agradável aquele dia! - exclamei baixinho.
Mamãe fez uma comida gostosa e brinquei muito.
Antes de dormirmos, rezamos juntos agradecidos.
"Vamos orar" - disse ela -, "por aquelas pessoas bondosas, para que elas não
desanimem nunca de fazer o bem."
42
trabalhar numa fazenda longe dali. Dava preferência a jovens e solteiros. Já não
era jovem, estava com trinta e cinco anos,
mas era solteiro.
- Devia ter desconfiado! - resmunguei. Vomitei novamente, sentia-me fraco. E os
pensamentos
continuaram..
Despedi-me de mamãe e vim para esse lugar. Muito longe. Aqui ficamos isolados.
Não recebemos nada do que nos foi prometido.
Temos de comprar tudo, até alimento,
que é muito caro. E para comprá-los, contraímos dívidas, e tornamo-nos todos
devedores. Não temos onde dormir, não podemos
ir embora e somos obrigados a trabalhar
muito, e todos os dias. Os capatazes nos vigiam e até batem em quem os
desobedece.
- Somos escravos! - murmurei baixinho.
Não tive mais notícias de minha mãe.
- Mamãe, como a amo! Que saudades - falei.
Já fazia três anos e não soubera mais nada do que acontecia fora daquela
fazenda. Minha mãe devia estar sofrendo muito não
tendo notícias minhas. Ela deveria achar
que eu morri. Chorei de saudade e de mal-estar. Só que não escorriam lágrimas
dos meus olhos, achei estranho. Somente depois,
na espiritualidade, soube que esse
fato pode ocorrer com pessoas desidratadas.
Quando meus companheiros retornaram ao entardecer ao acampamento, foram
solícitos, ajudando-me a me banhar. Tomávamos banho
num riacho perto dos barracos. Eles também
lavaram minha roupa. Eu não quis me alimentar.
144
vir ficar comigo. Nosso encontro foi emocionante, choramos abraçados. Assim que
ela se recuperou, fomos morar juntos numa
casinha linda. Minha mãezinha também foi
estudar.
Aprendi muito na espiritualidade, podendo colocar os ensinamentos em prática.
Não recordei de minhas outras passagens pelo
plano físico, minhas outras encarnações.
Soube somente que fora anteriormente um capitão do mato, um perseguidor de
escravos. Por atos maldosos que pratiquei sofri
muito por remorso e essa encarnação foi
uma bênção, quitei minhas dívidas. E, graças a Deus, não me sinto mais devedor.
Não tenho mais carma negativo7.
Anos se passaram, tive a bênção de ser útil em várias formas de servir. E,
sempre gostei de sentar embaixo de uma árvore,
nas minhas horas de folga, durante o dia.
Fiz desse ato um exemplo que deveria ser seguido por todos. As árvores nos dão
muitos benefícios e nada nos cobram por eles.
Desse modo devo agir, fazendo o bem,
porque assim tem de ser feito. Quando desencarnei acomodei-me debaixo de uma
árvore, e aquela sombra foi um acalento, um
abrigo. Assim, desejei ser também um abrigo
de consolo para os outros, e tenho me esforçado para conseguir.
Quando pude escolher em que trabalhar, fui contente
fazer parte de um grupo de socorristas que auxiliam pessoas
-que foram assassinadas. Tenho, nesta tarefa, visto muitos
7 • carma: expressão popularizada entre os hindus, que em sânscrito quer dizer
"ação" a rigor, designa "causa e efeito". Leia mais: Ação e reação. Francisco
Cândido
Xavier. Ditado pelo Espírito André Luiz. Capítulo 7, 1 6 edição. Rio de Janeiro:
FEB,
1993 (N.E.).
149
José Pedro
150
Vemos, na história de José Pedro, que ele resgatou pela dor, erros cometidos em
vida passada. Agiu como alguém que, tranqüilo
e aliviado, foi quitando suas dívidas
e no término ficou feliz por dizer: "Quitei!". Poderia, José Pedro, ter
resgatado com trabalho no bem, ajudando a outros.
A escolha foi dele. Mas esse meu amigo
ajudou muitas pessoas. Caridade material, segundo ele, fez pouco, pois não teve
condições. Mas, não esqueçamos do óbolo
da viúva8, do Evangelho. Foram muitas as
vezes em que ele se alimentou pouco para dar sua porção aos outros, trabalhou
mais para os companheiros descansarem, e fez
muito bem ao seu próximo; porém, para
ele que era humilde, achou que não fizera nada, mas fez, pois foram esses atos
que lhe deram crédito.
O socorro realizado, no qual necessitados são levados aos abrigos, postos de
socorro, colônias, é visto pelos socorridos
de muitos modos. Para alguns estar na enfermaria
num hospital da espiritualidade não é bom. Como também outros não acham bonitos
os lugares simples como essas casas de auxílio.
Muitos se incomodam com a ordem e
a disciplina que tem de existir nos abrigos. E para outros como José Pedro,
8 • KARDEc, Allan O Evangelho Segundo o Espiritismo. Capítulo 13, item 5. São
Paulo: Petit Editora (N.E.).
151
são realmente locais de alegrias, felicidades, pessoas assim se afinam e os têm
por moradia.
O grupo de socorristas, do qual José Pedro faz parte, realiza um excelente
trabalho de auxílio, e, infelizmente, eles têm
tido muito o que fazer. A violência aumenta
em períodos difíceis, e eles com carinho, muito amor tentam socorrer vítimas
dessa violência e, dentro do possível, de suas
metas de trabalho, fazem de tudo para
ajudar pessoas que foram assassinadas.
E José Pedro não somente dá sombra aos seus acolhidos como também doa frutos de
amor para alimentar almas, deixando em cada
coração consolado uma semente da gratidão
que certamente um dia germinará, despertando neles a vontade de mudar a forma de
viver.
152
capítulo quatorze
Os abusos do Sexo
ausentar, você fica por aí, à noite venho buscá-la para levá-la ao bordel.
Fiquei sozinha, tive medo e vontade de chorar. Um homem tentou me agarrar, tive
de lutar para me livrar dele. Vi outro homem
chorando, sentei perto dele que me falou
desabafando:
- Estou cansado! Nunca pensei que cansaria de sexo. Tenho pensado muito na minha
avó, no que ela me dizia:
"Todo abuso cansa!". E esse cansaço me faz sofrer!
Uma mulher o puxou e rolaram pelo chão.
Quando minha companheira veio me buscar, falei a ela:
- Aqui, alguns parecem estar infelizes! Por quê?
- A morte do corpo é complicada e ao mesmo tempo simples. Sentir de um jeito ou
de outro depende da pessoa. Por isso não
complique a sua. Aqui, Mercedes, não é um
paraíso, deve ter percebido. Você não estaria num local desses. Inferno também
como nos ensinaram, fogo eterno, também não
o é, chamamos esse lugar de umbral. E
aqui, especialmente, moram os que abusaram do sexo, sejam homens ou mulheres.
Para uns é uma escola de correção, para outros
ainda é por algum tempo uma fonte de
prazer.
- Não pensei que depois de mortos continuaríamos abusando do sexo - falei.
- Somente o corpo de carne morre. Continuamos vivos e nós construímos,
encarnados, a nossa vida depois que desencarnamos.
Somos agora desencarnados e não usufruímos
do sexo como os que estão no plano físico; para ter as sensações temos de
vampirizá-los. Não percebe, Mercedes, que isso
aqui é um castigo!
157
- Por Deus, ajudem-me! Não quero ser mais má! Quero auxílio!
Eles me levaram para um hospital. Fui tratada pela
primeira vez como um ser humano, como o próximo deles.
Compreendi que errara muito e quis me modificar.
Erramos muito com o abuso e quando nos perdemos nos vícios. Tive de fazer um
longo tratamento para me livrar dos reflexos
que sentia do meu corpo físico, pois ainda
eram muito fortes no meu perispírito, e também para não ter mais vontade de
fumar, embriagar-me e entender a função verdadeira
do sexo.
É muito triste lembrar de tudo o que me aconteceu. Em bordéis, locais como
motéis e onde as pessoas bebem, fumam, drogam-se,
há sempre desencarnados para sugar,
vampirizar para sentir sensações. Depois, quando esses encarnados mudam de
plano, quase sempre continuam indo a esses lugares
para vampirizar a outros. É um círculo!
Escutei quando estava no umbral de uma companheira de infortúnio: "Mercedes,
você já gostou muito de um determinado alimento?
Comeu tanto que enjoou? Gostamos de
sexo, abusamos e aqui o temos até enjoar. E quando enjoamos é o começo do
castigo, não conseguimos parar".
Tive a vida que escolhi. Fui prostituta por opção. Fui humilhada, levei muita
surra, mas bati também. Odiei meu assassino;
mas o ódio passou e tive dó dele porque
sei que ele sofrerá um dia. Conheci no bordel algumas mulheres que não tiveram
escolha, estavam ali por vários motivos e
não gostavam. Quando morei no casarão, ajudei
159
Mercedes
Escutamos conselhos cautelosos para sermos cuidadosos com aquilo a que nos
dedicamos na vida encarnada. Vícios nos prendem,
virtudes nos libertam, Os reflexos do
corpo físico são muito fortes naqueles que cultuaram o envoltório carnal. Além
de sentir fome,
160
162
capítulo quinze
A guerra
Acordei e senti algo estranho, sem entender como, vi-me sendo levado para o
hospital, onde desencarnei. Em lances rápidos
vi meu corpo ser levado para meu país e
enterrado como herói. Senti por momentos a dor de meus pais, o choro de minha
esposa e a lamentação de amigos.
- Não devo pensar nisso - disse baixo. - Não devo dar atenção a sonhos.
Abri bem os olhos e sentei no leito. Olhei curioso para
o local em que estava e continuei a falar:
- Estou num hospital!
Estava numa enfermaria com muitos leitos, todos ocupados. Vi, no leito ao meu
lado, um companheiro e amigo,
estudamos juntos, e fomos convocados na mesma época.
- Você também está ferido? - indaguei-o.
Ele me olhou de forma estranha, parecia embriagado,
pensei que talvez estivesse anestesiado.
- Não sei - respondeu ele. - Parece que levei um tiro, senti-o na cabeça e
desmaiei. Acordei e não tenho nenhum
ferimento.
- Vocês não estão desconfiando de nada? - disse um outro soldado do leito ao
lado. - Fomos feridos e não temos ferimentos.
Acho que morremos! Deve ser isso, nosso
corpo teve suas funções cessadas e, como espíritos não morrem, estamos nos
sentindo vivos, porém estamos mortos.
Olhei para o meu peito, abri a camisa. Nada. Não havia ferimento. Alegrei-me.
Sonhara. Não tivemos ataque e não fora ferido.
Mas por que estava naquela enfermaria?
Senti um medo terrível e indaguei ao moço que falou:
166
- Por que disse isso? Acha mesmo que morremos?
- Não é agradável essa idéia. Mas estou raciocinando. Estávamos no meio de uma
guerra horrorosa. Todas as guerras são horríveis!
Fomos atacados. Fui atingido aqui
na testa, senti o sangue escorrer. Agora estou aqui nesta enfermaria
desconhecida. Li alguns livros espíritas, algo a esse
respeito. Minha avó segue essa Doutrina
e, segundo ela, morrer é assim mesmo. Algo bem natural.
- Não! Não quero morrer! Só tenho vinte e seis anos, estou noivo! Não quero
morrer! Por Deus, não quero! - Meu
amigo gritou desesperado.
Tremi de medo em pensar que fosse verdade, e também de ver meu amigo gritando.
Duas pessoas vestidas de branco vieram correndo
para perto de nós. Tentaram acalmá-lo.
Não sei como, fizeram-no dormir, não vi aplicarem nada nem injeção. Fiquei
encolhido no leito. Perguntei para a moça que
viera com um senhor ajudar meu amigo:
- Estamos mortos? E agora?
- Acalme-se e confie! Em qualquer lugar que estejamos, Deus está conosco!
Tive vontade de chorar; ela se aproximou de mim, pegou
na minha mão e continuou a falar:
- Darcy, você está entre amigos, não se desespere, ore e tente ficar tranqüilo.
Vivos estamos sempre, ocorreu com
vocês uma mudança e...
- Malditos! Mato-os! Ignorantes! - gritou um rapaz que estava perto de nós e que
saiu chutando tudo o que
via pela frente.
167
168
Chorei. A moça aproximou-se novamente. Nós dois a olhamos. Pedi explicações com
o olhar. Ela falou compassadamente:
- Sentimentos fortes nos acompanham após o corpo físico ter falecido. Aqueles
que vemos ali, são todos desencarnados, isto
é, vivos em espírito. Não somente guerreiam,
mas se odeiam. O ódio os perturba e continuam querendo o mal do próximo, dos que
julgam inimigos.
- Até quando ficarão assim? - perguntou Téo.
- Até se sentirem cansados de sofrer e resolverem perdoar e pedir perdão -
respondeu ela.
- O que vai ser de nós? - perguntei.
- Serão transferidos para o país de vocês. Lá irão para as cidades espirituais,
as quais chamamos de colônias, e que se
localizam no plano espiritual, perto da cidade
em que residiam quando encarnados. Nesse local irão receber orientações e
aprenderão a viver com o corpo que agora revestem:
Darcylley
acontecimentos do plano espiritual. Muitos que desencarnam numa guerra podem ser
socorridos de imediato, outros não. Vimos,
no relato desse convidado, que ele e
alguns companheiros puderam receber o socorro. Os que odiavam, desligaram-se do
corpo físico morto; porém sentiram os ferimentos
e a dor lhes dava mais revolta,
por isso continuaram guerreando.
Devemos orar sempre para que os homens se entendam e que não se faça mais
guerras.
Darcy sentiu a mudança de plano, e é natural que muitos a sintam. Deixar tudo o
que se ama não é fácil. Mas, diante da desencarnação,
temos de nos esforçar para
acostumarmos a viver na espiritualidade e amar também outras coisas e pessoas.
Jesus nos recomendou que nos cingíssemos com cinto para a viagem. Naquele tempo
as viagens eram feitas quase sempre a pé
e era necessário um bom preparo.
O Mestre Jesus compara a desencarnação com uma viagem que teremos de fazer, e
como não sabemos quando iremos viajar, devemos
estar preparados. Reencarnar, viver
provisoriamente no plano físico encarnado e desencarnar são acontecimentos
naturais; sábios são os que conseguem compreender
isso.
E esse convidado terminou seu relato com uma grande verdade que se resume em: É
dando que se recebe.
171
capítulo dezesseis
Somos espíritos
Tinha muito medo, pavor mesmo de espíritos. Se me falassem que em tal lugar
havia espíritos não passava nem perto. Somente
depois de ter voltado à pátria verdadeira,
a espiritualidade, foi que compreendi que somos espíritos e que eles coexistem
no corpo físico.
Minha vida encarnada foi complicada. Éramos cinco irmãos, meu pai era pessoa
severa, que nos educou dentro dos bons costumes,
porém ele não tinha muita paciência
comigo. Meus familiares achavam que eu era estranha, diferente dos outros.
Normalmente sabia o que iria acontecer com todos
nós, quem da família morreria ou se acidentaria
etc., isto é, previa o futuro. Via vultos, ouvia risadas e tinha horríveis
pesadelos que se repetiam. Sonhava que estava
num caminho estreito que contornava uma
cachoeira alta e as águas batiam nas pedras. Pegava três crianças e as jogava
172
Passei a ver nos pesadelos o dono da voz que me acusava, era um homem que
deveria ter sido bonito, mas quando me olhava
com seu olhar frio, transmitindo ódio, era
aterrorizante. Acordava e sentia-o ao meu lado.
Anos se passaram. Minha mãe ficou doente e se preocupava muito comigo. Meus
irmãos casaram e ela sabia que quando morresse
não iriam me querer na casa deles. Às
vezes, até meus sobrinhos tinham medo de mim.
Escutava uma voz, sabia ser daquele homem que via
nos pesadelos, ele me dizia:
- Suicida! Não seja covarde! Se você matou as crianças, tenha coragem e se mate!
- Não! - respondia e às vezes até gritava. - Não vou me matar! Não vou
assassinar mais ninguém!
Todos achavam que eu falava sozinha, mas estava
respondendo à voz que escutava, do obsessor.
- Mamãe - eu pedia -, vigie-me, não quero me matar!
Um dia saí de casa para dar uma volta e tive vontade de me jogar na frente de um
caminhão. Cheguei a ficar parada no meio
da rua escutando a voz: "Mate-se covarde!
Morra!".
Pessoas que passavam pela rua ao me ver ali parada,
gritavam comigo: - Sai da rua, Maria do Carmo! Vai para casa!
Uma vizinha me pegou pelo braço e me levou para meu
lar. Chorei muito e resolvi não sair mais de casa sozinha.
Esse espírito me falava muito para que me matasse.
Mas resisti, somente iria morrer quando Deus quisesse,
quando findasse meu tempo de encarnada.
174
Tomava remédios fortes que me davam um pouco de alívio, mas tinham muitas
contra-indicações, davam-me dores
no estômago e na cabeça.
Como é ruim estar o tempo todo com alguém que
nos odeia.
Mamãe passou a freqüentar um centro espírita, melhorou de sua doença e eu
também. Embora com muito medo
eu ia, às vezes, com ela e comecei a me sentir melhor.
As pessoas que freqüentavam esse centro espírita eram bondosas e me tratavam
muito bem. Para não dizer que ia num lugar
onde tinha o nome espírita, referia-me a
ele: A Casa do Caminho, era como chamava. Eles me deram de presente O Evangelho
Segundo o Espiritismo" e passei a lê-lo,
gostava muito do capítulo: Amai os inimigos
e as orações pelos obsessores'2.
Foi-me recomendado que perdoasse aquele desencarnado quê me perseguia e lhe
pedisse perdão. Comecei a
falar com ele quando o sentia por perto
- Meu irmão, não sei o que lhe fiz. Deve ter sido uma grande maldade para você
me odiar assim. Peço-lhe que me perdoe! Se
fui má, não o sou mais. Hoje não faço nem
sou capaz de fazer mal a ninguém. Rogo por Deus que me perdoe! É perdoando que
somos perdoados!
11 • KARDEc, Alian. OEvangelhoSegundooEspiritismo. São Paulo: Petit Editora
(N.E.).
12 • Maria do Carmo se refere ao livro O Evangelho Segundo o Espiritismo,
capítulo 12 "Amai os Vossos Inimigos", item 5
"Os inimigos desencarnados". E também ao
capítulo 28 "Coletânea de Preces Espíritas", item 5 "Pelos doentes e
obsediados". Se o leitor quiser saber mais sobre o
assunto, consulte: O Livro dos Espíritos
de Allan Kardec. São Paulo: Petit Editora. Capítulo 9 "Intervenção dos espíritos
no mundo corporal" (Nota do Autor Espiritual).
175
Quando mamãe desencarnou eu estava com quarenta e dois anos e meus irmãos me
colocaram num asilo. Não achei ruim, pois lá
não ficava sozinha, dormíamos em quartos
coletivos. Eles me deixavam ir duas vezes por mês na A Casa do Caminho.
Um dia, aquele homem, o obsessor, num sonho, despediu-se de mim, dizendo:
- Vou embora, Maria do Carmo! Adeus! Aproveite os anos que lhe restam na carne e
seja boa!
Não tive mais pesadelos. Sentindo-me melhor, passei
a ajudar meus companheiros. Minha família me esqueceu,
raramente recebia a visita deles.
Desencarnei com cinqüenta e oito anos. Fiquei doente
por meses, câncer nos pulmões, sofri muito, mas tive uma
mudança de plano tranqüila.
Mamãe me esperava, foi um reencontro alegre, adaptei-me facilmente a minha nova
maneira de viver.
Naturalmente, recordei-me de alguns fatos da minha reencarnação anterior. Tive
por amante um homem, aquele que foi meu obsessor,
que era casado e tinha sete filhos.
Ele não me quis mais e me vinguei dele. Consegui enganar seus dois filhos
pequenos que brincavam com um priminho deles.
Levei os três para um lugar perigoso, numa
cachoeira que ficava perto de onde morávamos. Joguei-os nas pedras. Os três
desencarnaram. Ninguém ficou sabendo do que
fiz, porém meu ex-amante desconfiou.
- Foi você quem os matou! - acusou-me.
176
Hoje, acho engraçado o medo que eu tinha dos espíritos. Somos todos nós
espíritos, esteja esse revestido ou
não do corpo físico.
Maria do Carmo
tivesse se suicidado não teria sido como ele queria, pois seria levado em
consideração essa subjugação. Na última encarnação,
nossa convidada não fez mal a ninguém
e quando teve oportunidade, ajudou os companheiros do asilo. Não reclamou de seu
sofrimento, suportou as dores da doença,
o câncer, sem se queixar, e não teve receio
da desencarnação.
Nem todas as obsessões são como a que aconteceu com Maria do Carmo, em que
houve
a reconciliação e nenhuma tragédia. Muitos
obsediados trocam ódio com os obsessores
e não se perdoam. Infelizmente temos visto muitos obsediados se perturbarem
tanto que até adoecem. E muitos outros fazem
o que os inimigos desencarnados querem,
mais atos errados, aumentando sua colheita de sofrimento. Ou até se suicidam
perdendo a oportunidade do aprendizado no plano
físico. O perdão é o remédio. O amor
é o preventivo. Quem ama não faz o mal. E a obsessão é o resultado de maldades,
erros e ausência de amor.
180
capítulo dezessete
A Eutanásia
A dor era insuportável! Não consigo descrevê-la. Era tanta que tive certeza de
que sofrimento não mata. Minha doença era
incurável, tinha câncer nos ossos, e isso
me fazia padecer, havia me transformado. Antes era bonita e, agora, com muitos
quilos a menos, estava magríssima, sem cabelos
e com expressão de sofrimento. Causava
pena. Ninguém reconhecia, naquele leito de hospital, a Emília de antes.
- Você quer morrer, Emília? - perguntou meu marido.
Pensei antes de responder. Sempre gostei de viver; era disposta, alegre, animava
as festas, os bingos de caridades, fazia
reuniões que eram famosas e nas quais recebia
amigos. Meus dois filhos eram adultos e me admiravam, tinham orgulho da mãe
bonita que aparentava ser mais jovem. Amava
meu marido e era amada. Queria viver, sim,
mas como antigamente, antes da doença.
181
prestei atenção. Gostei das orações, do carinho dos que estavam ali. Mas, depois
fiquei inquieta. Aproximavam os doentes
dessas pessoas pertencentes ao centro espírita,
eles falavam, elas repetiam e outras pessoas as orientavam.
Quis mais do que nunca acordar daquele terrível pesadelo, mas sentia estar
acordada.
Chegou minha vez. Com carinho uma mulher me fez
ver a diferença que existia entre meu corpo e o corpo de
quem repetia o que eu dizia. Explicaram-me o que é a morte
do físico para todos nós, e que eu havia mudado de plano.
Chorei desesperada. Fui consolada.
Voltei para a enfermaria, fiquei apática e não quis
levantar do leito. Queria ter a vida de antes, estar bem,
junto de minha família e amigos.
Novamente fui levada ao centro espírita. Gostei de conversar com eles, que me
animaram; senti-me melhor. Não aceitei a mudança
de plano, mas não tinha como reverter
a situação e acabei me conformando.
Quando melhorei, soube que meu irmão e meu marido
pediram para o médico aplicar-me uma injeção que acabasse
com meu sofrimento. Praticaram a eutanásia.
Quando ele me perguntou se queria morrer, respondi que sim. Mas nem desconfiei
que eles fossem fazer isso. Quando estamos
sentindo uma dor forte, insuportável, queremos
nos livrar dela. E se achamos que a morte nos livrará do sofrimento, a resposta
é "sim", para cessar a dor e não propriamente
morrer.
Não queria morrer, nunca desejei. Ainda bem que a morte
não é o fim, o extermínio. Não sabia, quando encarnada, o
183
difícil aceitação. Primeiro, sofri com aquele sono horrível, os enjôos e mal-
estares. O reflexo do meu corpo doente era
forte em mim, preferia mil vezes ter ficado
no corpo físico mesmo com dores alucinantes até que findasse o tempo que eu
mesma havia planejado antes de reencarnar.
Segundo, demorei a acostumar com a vida simples e ordeira do plano espiritual.
Gostava mesmo era a vida encarnada. Minha
adaptação foi lenta. Os orientadores me
aconselhavam:
- Emília, por que você não estuda? Tente!
As aulas para mim eram chatas, nunca gostei de estudar;
quando garota ia à escola obrigada.
- Leia esses livros!
Mais de um! Acho que nunca lera um inteiro.
- Então vá ao teatro!
Fui, mas as pessoas iam para ver a peça e eu gostava de ir para me exibir.
Passei a fazer tarefas e reclamava:
- Coma e não ache ruim! Se não quer, fique sem comer!
A orientadora pacientemente me orientava:
- Emília, não fale assim. Alguém aqui já se referiu a você desse modo? Aprenda a
ser educada.
Era educada, só que perdia a paciência. E mudei de
tarefa. Passei por umas dez.
- Não gosto de livros, por que tenho de organizá-los?
- Emília, por que você reclama tanto? O que quer fazer?
- Trabalhar com moda - expressei-me.
185
Leitor, dê valor à vida! É muito bom viver tanto aí no plano físico quanto aqui
na espiritualidade, depois que
acostumamos.
Emília
os que estão nos hospitais do plano espiritual. Eles são convencidos de que
mudaram de plano quando comparam seu corpo e
conversam com os encarnados. Emília precisou
conhecer o umbral para parar de reclamar.
Nos postos de socorro e nas colônias há muitos abrigados que não gostam do modo
de viver que essas casas oferecem, ou de
realizar tarefas, e reclamam. Necessitando
se educar, às vezes são levados para conhecer outros locais, como o umbral.
Entre os trabalhadores novatos, às vezes há
discussões, discórdias e reclamações, por
isso eles sempre se fazem acompanhar por um trabalhador experiente que interfere
e os orienta.
Eutanásia. Emília, como nos narrou, antes de reencarnar, havia planejado a
doença e o tempo que ficaria enferma. Ela poderia
ter amenizado o sofrimento se quando
encarnada tivesse se dedicado mais ao trabalho no bem. Ao abreviar seu tempo,
continuou sofrendo, desencarnada.
Nada na espiritualidade é regra geral. Aqui temos a história dela. Mas não é
certo a prática da eutanásia. Emília me indagou:
Meu irmão e esposo erraram ao decidir pela eutanásia?
Sim, erraram, não agiram corretamente. Não tiveram a intenção de matar. E a
intenção pesa muito nos erros que são cometidos.
Você continuou sofrendo, não aliviaram
seu padecimento.
188
religioso não pensará nisso, se crê na continuação da vida abominará essa idéia,
e se entende a lei justa e misericordiosa
da reencarnação compreenderá a razão do
seu sofrimento e não vai querer abreviá-la, deserdando-se do estágio físico.
Eutanásia não alivia o sofrimento de ninguém. Se o desencarnado não opinou, ele
não é responsável, se o fez, sua intenção
é realmente analisada. Aqueles que cometeram
ou cometem a eutanásia, responderão por esses atos.
A vida é bênção!
E o sofrimento, quando estamos encarnados, é, às vezes, mais fácil de suportar
do que quando estamos desencarnados.
Não à eutanásia!
190
capítulo dezoito
O médico saiu e fiquei pensando no que ele dissera. Por que ele me falara tudo
aquilo? Pareceu-me ser uma pessoa
séria, tinha o olhar vivo e inteligente.
194
Realmente, era incoerente achar que Deus estaria num local em que só os mortos O
vissem. Esse julgamento também me pareceu
improvável, como também o descanso eterno
que deveria ser uma chatice.
O médico entrou no quarto novamente e chamei-o com um aceno de mão. Ele se
aproximou e sentou-se numa
cadeira ao lado do meu leito.
rtrite, meus dedos das mãos estavam tortos e agora não estão mais. Não sinto
falta de ar nem tonteira.
Aqui é muito sossegado para ser um hospital comum, e estou num quarto sozinha,
luxo que não poderia pagar. E o senhor me
disse umas coisas estranhas. Por isso eu
lhe peço, diga-me a verdade.
Em vez de falar, ele me olhou, seu olhar era tranqüilo
e bondoso. Recordei-me:
De madrugada acordei com muita falta de ar e dores.
Meu esposo acendeu a luz, levantou minha cabeça e parei
de respirar.
A visão desapareceu e me vi no quarto do hospital. Aquele bondoso médico segurou
minha mão. Pensei de novo e assustei-me
com a minha visão. Vi meus familiares correndo,
o médico conhecido dizer que morri, depois o velório com muita gente, flores e o
enterro.
Vi-me novamente no quarto, olhei para esse senhor,
apertei sua mão, fiquei triste e chorei baixinho. Tive medo.
Por que teme? indagou ele.
Morri! E agora?
195
Ao voltar para nossa casinha agora meu lar fiquei pensando. Estava feliz
encarnada, mas a desencarnação para mim foi fácil
e continuei feliz. Tive a certeza
de que o bem que fiz a outros, para mim o fiz. E os “Obrigados e Deus lhe pague”
são tesouros que me acompanham.
Pude ver meus familiares em visitas periódicas; continuam a viver com problemas
e alegrias. Sou sempre lembrada com carinho,
pois deixei aos meus entes queridos
um bom exemplo de vida e isso foi a melhor coisa que fiz a eles que tanto amo.
Depois de dois anos de tarefas diversas e estudos, fuí
trabalhar no educandário local onde são abrigados os que
desencarnaram em tenra idade.
Cuido com muito carinho das crianças que sempre amei.
Minha desencarnação foi prazerosa!
Maria do Rosário
Como seria bom se todos tivessem uma mudança de plano como essa nossa
convidada.
A morte não nos causaria mais medo. Que
bom saber que existe desencarnação assim.
É tão fácil ser merecedor dessa dádiva. É só fazer o bem, ser bom, amar de forma
simples, verdadeira e sincera a nós mesmos
e ao próximo.
13 Se o leitor quiser saber mais sobre educandários leia o livro: Flores de
Maria,
do Espírito Rosângela. São Paulo: Petit Editora (N.A.E.).
198
199
capítulo dezenove
Vivi encarnado de modo muito errado. Cometi muitos atos ruins. Mas também fiz
coisas boas. É difícil uma pessoa ser somente má,
como são raros os que são totalmente bons.
Mas as ações más pesam muito mais.
Numa briga de gangues rivais, fui assassinado. Foram dois tiros no peito. Caí.
Perdi a consciência somente por minutos.
Tonteei e, o nada. Fui voltando do que pensei
ser um desmaio, e escutei gritos, xingamentos, percebi que ainda havia luta.
Silêncio. Pararam os tiros. Percebi que um
dos meus companheiros aproximou-se de mim
e falou:
Vamos embora! A polícia não tarda a vir. Zé, você tem certeza que Janu morreu?
Senti dois deles agacharem-se ao meu lado, olharam
meus ferimentos. Zé colocou a mão na frente do meu nariz.
200
atingido e seu corpo morreu. Sobrevivemos a essa tragédia. Está conosco, com
muitos desses sobreviventes, ou seja, desencarnado
numa cidade do Além. Logo aprenderá
a viver aqui.
Você é o chefe? indaguei-.
Sou chefe de muitos aqui, mas temos um comandante geral, um sujeito que é
maneiro com os fiéis, camarada
com o bando. Vai gostar.
Não vou sarar dos ferimentos?
Você já viu alguém se curar num estalo? Não! Então paciência. Fique aqui
deitado, duas escravas o servirão. Quer
alguma coisa?
Acabar com o bando rival! Sinto ódio deles!
Ótimo! Ódio nos sustenta! Terá tempo para prejudicar seus inimigos!
Duas mulheres me deram tudo o que queria. Os ferimentos doíam muito. Depois de
doze dias, aquele homem
que veio me ver, voltou novamente.
Ven comigo, Janu, vou levá-lo à presença do nosso
chefe.
Ajudou-me a levantar e me colocou numa cadeira de rodas. Observei tudo curioso.
Saímos da casa e vi uma rua estranha. Muitas
pessoas andavam por ali, achei-as esquisitas.
Entramos num prédio luxuoso. Admirei-o, achando muito lindo, era do meu gosto,
exagerado, com cores fortes e muita ostentação.
Aqui é a sala de audiência explicou meu acom panhante.
Ficamos numa fila. Um homem muito bem vestido,
calça e camisa combinando, estava sentado numa poltrona
202
Poderia ter feito isso assim que você chegou esclareceu Ká. Mas preferiu
deixá-lo sofrer um pouco como primeira lição.
Têm conhecimentos aqueles que trabalham
e estudam. Muitos acham que somente os bons sabem das coisas. Nós aqui sabemos,
só que é mais difícil de se aprender. Gostamos
mais de vadiar, farrear e não se encontra
fácil quem ensina, Aqui reina o egoísmo. Adiiro nosso governador, o chefão, ele
é poderoso e não gosta que o desobedeçam.
Estava acostumado a obedecer. Havia tido muitos chefes. Prestei muita atenção no
que via para aprender. Ali muitos sofriam,
poucos mandavam e a minoria se divertia.
Indaguei Ká:
Por que uns sofrem aqui e outros não?
Não se pode dizer que ninguém sofre nesse lugar. Acho que o mais certo é dizer
que uns vivem melhor, outros pior. Você
e eu somos ruins e os que mandam aqui, no
umbral, admiram os que são maldosos e que ainda não se arrependeram, pois pelo
que sei, o remorso vem, para uns mais cedo,
para outros mais tarde. Eles, os chefes,
necessitam de gente assim como nós, para servi-los. Protegem-nos, porém exigem
que trabalhemos com fidelidade para eles
e para a comunidade.
E por que alguns são maltratados?
Esses também não foram bonzinhos Ká me explicou.
Porque se fossem estariam em outros lugares. É merecido
o castigo que lhes damos. Alguns não servem para fazer
parte da equipe. Não gostam de obedecer e muitos são
hipócritas demais. Não se pode confiar. Outros estão sofrendo aqui, porque temos
muitas queixas deles. Aqui também
204
fazemos justiça. Tiraram dos pobres ou podendo, não praticaram a caridade.
Justiça?! exclamei espantado.
Por que não? Se achamos que a pessoa necessita sofrer, fazemos com que sofra.
Não existe Deus para isso? perguntei.
Ká riu, depois me esclareceu:
Na lei das pessoas boas é um ajudando o outro. Aqui é o contrário, castigamos.
Mas, não se preocupe nem tenha dó. Se não
merecessem, não estariam aqui e não conseguiríamos
maltratá-los. Com o tempo você verá que muitos ao se arrependerem, com
sinceridade, e querendo melhorar, são levados pelos
bons que entram em nossa cidade. No entanto,
sofrem porque merecem.
Adaptei-me facilmente. Fazia o meu trabalho da melhor
maneira possível. Continuei cometendo maldades a outros
desencarnados e encarnados.
Um dia, nosso chefe sumiu, houve muitos comentários:
que não fora cauteloso e os desencarnados bons o pegaram, ou fora preso pelos
grupos rivais. Falavam até que ele desistira
de sua posição porque se cansara. Outro
passou a ser o chefe. Estávamos sempre brigando entre nós mesmos ou com outros,
tinha de estar o tempo todo alerta e nunca
confiava em ninguém.
Recebemos em nossa cidade um folheto de outra localidade do umbral, dizendo que
precisavam de desencarnados que gostavam
e tinham talento para escrever. Interessei-me.
Desde que chegara ali, não escrevera mais. Mas, quando garoto, na escola, fazia
boas redações, gostava de escrever
205
cartas e textos. Resolvi ir e me informar direito o que eles queriam. Gostei do
lugar e de todos. Desejei fazer parte desse
grupo e pedi para meu chefe, que autorizou.
O que mais gostei foi que ali, naquela pequena cidade, não fiquei sob domínio de
ninguém. Éramos autônomos, denominávamo-nos
camaradas, não tinha de obedecer a tantas
ordens.
Passei na prova de redação, fui aceito e comecei a estudar. O objetivo era
instruir encarnados ou usar da mediunidade deles
para narrar o que a organização queria.
Depois de meses estudando juntos, fomos didos
em três grupos que se especializariam nas atividades d bando.
Na primeira turma ficaram os que iriam instruir ou usar
da mediunidade para incentivar a vingança, ódio, brigas e
endeusar o sexo.
O segundo grupo se especializaria em desanimar e levar descrença aos que
poderiam vir a ser e os que estavam
sendo úteis.
Passei a fazer parte do terceiro. Nosso aprendizado era mais sutil, iríamos
enganar, iludir para tentar levar divisão e
confusão dentro da Doutrina Espírita que
era um campo fértil a eles por ter muitos médiuns.
Para fazer isso, tivemos de ler muitos livros espíritas. Compreendi o porquê de
os moradores do umbral quererem combater
o espiritismo. Os livros narravam o que
acontecia com as pessoas que tiveram o corpo físico morto. Era desagradável ler
tantas coisas sobre Jesus e sobre o Evangelho.
Mas o estudo era sério, tínhamos de
fazê-lo.
206
Vocês têm de saber o que eles sabem. Somente se engana com perfeição dominando
o assunto dizia nosso
orientador que não gostava que o chamássemos de chefe.
Alguns dos que estudavam conosco sumiram no decorrer do curso.
É o perigo que corremos esclareceu o orientador. Por mais que escolhemos
nossos trabalhadores, há desertores. Quero pessoas
capazes de enganar, odiar e camuflar
esse ódio. Quero os fingidos!
Terminamos o curso com a turma bem menor. Mas os
que concluíram estavam treinados, com conhecimentos e
vontade de atingir os objetivos.
Nosso orientador não forçava ninguém e não se importava com os que deserdavam.
O trabalho é bem-feito quando se faz espontaneamente dizia ele.
Passamos a observar encarnados que seriam, ou que
queríamos que fossem, nossos instrumentos.
Agora vocês escolhem por quem querem se passar. Leiam com atenção tudo o que
essa pessoa escreveu, imitem seu estilo, vão
para perto dos médiuns psicógrafos e
boa sorte! recomendou nosso orientador.
Todos nós escolhemos nomes importantes e conhecidos. Para enganar melhor,
modificávamos até nossos perispíritos. Não tem
graça nem como imitar desconhecidos. Nosso
grupo adquiriu a forma de pessoas respeitadas e lá fomos nós colocar em prática
o que aprendemos. Fomos enganar.
Fui todo entusiasmado. Na primeira tentativa me dei
mal. Aproximei-me de um jovem que começava a treinar a
207
psicografia. Ditei a ele uma mensagem bonita, propondo um trabalho diário para
escrevermos um livro. Ele duvidou ser o espírito
que assinei. O moço deu a mensagem
para o pai, que era um espírita estudioso e cauteloso, analisar. Descobriram a
fraude e fui repelido. Conforme soube depois,
o mentor dele permitiu que eu me aproximasse
desse encarnado e ficou feliz com a prudência de seu pupilo. Aquele jovem não
seria enganado.
Na segunda tentativa, fui melhor. Aproximei-me de uma médium, fiquei meses
observando-a; ela freqüentava um centro espírita
onde pouco se estudava e achavam que
dificilmente seriam enganados. Quando escrevi por intermédio dela e assinei um
nome conhecido e respeitado, ela se empolgou,
sentiu-se importante, já se via dando
autógrafos e todos a respeitando. Mas era uma pessoa preguiçosa, queria tudo
pronto, não tinha tempo para se
dedicar ao trabalho de psicografia e dava muitas desculpas.
Desisti não tive paciência de enganar essa médium.
Alguns da minha turma estavam se dando bem, outros não. Muitos encarnados não se
deixavam enganar, por não serem vaidosos,
por analisar e indagar o porquê de um
espírito conhecido escrever por ele. Como também davam esses escritos para
pessoas que entendiam de literatura, principalmente
espírita, analisarem. Outros foram
enganados para a alegria do nosso orientador, que sabia que esse trabalho daria
frutos de separação e discórdia.
Achei interessante visitar uma pessoa que já trabalhava
com a psicografia, pelo menos essa não era preguiçosa.
208
Aproximei-me, fui tratado com educação, mas não deu para enganar. Ela orava
demais, era uma chatice ficar perto dela, suas
preces me incomodavam muito.
Vendo que ia fazer um livro com muitos convidados, pedi para escrever. Queria
contar aos encarnados que a desencarnação
de pessoas más pode ser prazerosa e que viver
fazendo o mal tinha vantagens.
A médium me respondeu que quem coordenava seu trabalho era seu mentor
desencarnado. Que se quisesse escrever, deveria falar
com ele. Ao desejar comunicar-me com
ele, vi-o, estava ali o tempo todo. Fiquei nervoso, mas disfarcei, esse espírito
aproximou-se de mim e apresentou-se:
“Chamo Antônio Carlos! Que Jesus esteja com você, Januário. Poderá escrever, ou
seja, ditar sua história, desde que assine
seu nome. Mas, como todos os convidados,
você terá de fazer um breve estudo em uma de nossas colônias.”
Ele sabia o meu nome e com certeza sabia muito mais sobre mim. Fiquei de pensar.
E passei dias rodeando a médium. Ela não
teve medo, acho que nem se importou. Fiquei
curioso para saber como era esse estudo e como seria a colônia deles. Aceitei.
Antônio Carlos me levou à Colônia A Casa do Escritor’5,
onde, segundo ele, desencarnados que queriam escrever por
médiuns vinham aprender.
Olhei tudo curioso, mas disfarcei fingindo não estar interessado. Achei-a
simples, porém encantadora. Impressionei-me
15 • Caso o leitor amigo queira saber mais sobre essas colônias de estudo, leia
o
livro: A Casa do Escritor, escrito por Patrícia. São Paulo: Petit Editora
(N.A.E.).
209
com a fraternidade que ali existia e com a forma carinhosa que se tratavam.
Antônio Carlos me deixou numa sala com doze alunos. Todos me cumprimentaram,
ninguém me indagou nada e o primeiro encontro
transcorreu normalmente. Estava resolvido
a enganá-los. O assunto estava interessante, prestei atenção e participei.
Quando a aula terminou, ao sair da sala, encontrei
com Antônio Carlos, que estava me esperando
e me trouxe de volta. Compreendi que não conseguiria ir a essa colônia sozinho,
não a acharia, isso me chateou.
Antônio Carlos todos os dias me esperava num local, levava-me à colônia e me
trazia de volta. Nas primeiras aulas, tudo
bem, deu para fingir. Mas percebi que já
não estava fingindo, estava gostando.
Seriam dez lições. Na sétima, pedi a Antônio Carlos:
Vamos sentar aqui um pouco?
Sentamos num banco do jardim da colônia, ele ficou quieto. Comecei a chorar,
nunca havia chorado daquele tão sentido e dolorido.
Sofria. Ele esperou que chorasse,
o que fiz por minutos, depois me olhou com carinho. Foi etão que temi e
indaguei-o apreensivo:
E agora?
Caminhe! Mude o rumo de sua vida respondeu ele bondosamente.
Fiz muito mal. Como será minha colheita?
Quando nos preparamos para a colheita, sabemos que irá ser trabalhosa, O
trabalho no bem facilita.
Terei muito o que fazer! exclamei em tom de queixa.
210
Chorei de novo.
Januário disse Antônio Carlos carinhoso , se você tem de caminhar duzentos
quilômetros e ficar sentado chorando, pensando
no tanto que andará, terá sempre esses
quilômetros pela frente. Mas se der passo por passo, um dia terá percorrido toda
a quilometragem. E você já andou alguns
metros.
Compreendi. Pedi abrigo, ajuda aos orientadores do
curso. Aconselharam-me a terminar o estudo e vir, como havia
prometido, escrever minha história ou parte dela.
Antônio Carlos, meu novo e sincero amigo, levou-me a uma outra colônia, onde
existe uma escola especial para desencarnados
que foram imprudentes a ponto de serem
tachados por eles mesmos de trevosos. Ali eram educados, recebendo a orientação
de que necessitavam. Gostei demais do que
vi, de todos, e quis com sinceridade freqüentá-la.
Escrevo hoje, no dia em que se comemora um feriado na cidade que a médium mora,
a Nossa Senhora, Maria, mãe de Jesus. Orei
muito para ela me dar forças e conseguir
mudar minha forma de pensar e de viver. Sei que terei de me esforçar para me
modificar.
E foi depois de muito tempo de desencarnado que,
angustiado e temeroso, indaguei: “E agora, que faço?”.
Ainda bem que recebi ajuda. Entendo que ninguém é
perfeito e que o importante é cobrarmos de nós mesmos o
que podemos fazer, e não observar o que o próximo faz.
Quando me aproximei pela primeira vez da médium,
queria escrever uma coisa, acabei escrevendo outra, pois
211
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho Antônio Carlos
compreendi que não estava bem como julgava. Ninguém é feliz não se sentindo bem
com as Leis Divinas, afastado de Deus.
Não queria continuar fazendo o mal, e decidi parar com a plantação da maldade e
me preparar para a colheita. Quero e desejo
fazer essa colheita com trabalho. Agradeço
a oportunidade que estou tendo. Fiz muito mais mal a mim mesmo do que aos
outros.
Januário
Januário teve uma desencarnação violenta, sentia ódio do inimigo e lutava com
rancor. Esse sentimento forte, o ódio, fez
num impulso, seu espírito sair do corpo
físico morto. Desencarnados que vibravam igual a ele, desligaram-no levando-o
para uma cidade do umbral. Se ele não tivesse
se enturmado e ficado submisso, teria
sido preso ou se tornado um escravo.
A desencarnação para Januário, de imediato, não mudou muito sua forma de viver e
agir.
No umbral, os chefes que lá moram, costumam agir de forma que seus companheiros
sofram, para depois
ajudá-los. Isso tudo para que tenham medo e sejam obedientes.
Muitos livros espíritas têm descrito as cidades do plano espiritual. Bonitas e
agradáveis são as moradas
212
dos bons espíritos ou daqueles que querem melhorar. Confusas, barulhentas e não
tão bonitas são as moradas dos que preferem
trilhar o caminho da maldade. Lá também
vivem os imprudentes, que são maltratados, normalmente os que fizeram vítimas e
essas não lhes perdoaram.
Os que se denominam moradores, fingem estarem bem e são alegres. Há os que
mandam, e a maioria tem de obedecer às leis,
que normalmente são cruéis.
Nessas cidades vemos muitas coisas estranhas, que não diferem muito de certos
lugares da Terra, onde encarnados vão para
usufruir paixões e vícios. Nós os vemos
vestidos de muitos modos. Há os que se vestem acompanhando a moda dos
encarnados.
Januário, na primeira vez que veio nos visitar, estava todo de branco, talvez
por tentar se passar por outra pessoa. Depois
veio vestido de preto. Acabou por último
vestindo-se de roupas claras e simples.
Somente alguns se vestem de forma muito estranha e os motivos são quase sempre
tentar assustar ou amedrontar quem os vê.
Januário viveu muitos anos no umbral. Pedi a ele que não escrevesse o que fez.
Errou muito.
Convidei-o a fazer o curso. Queria que ele conhecesse outra forma de estudar a
literatura e que conhecesse desencarnados
bons.
Deu resultado. Todos, professores e alunos, sabiam o porquê de ele estar ali e
ajudaram-no.
213
Somente se indagou: “E agora?”, quando teve consciência de seus erros. Ele
soube, pelo estudo na Colônia A Casa do Escritor,
que nossos atos nos pertencem. Somos
donos absolutos do que fazemos. Ficar inerte e chorar pelo que se fez de errado
não resolve, necessita-se caminhar e ser
útil. É o que ele vai tentar fazer. Em muitas
colônias existem escolas que orientam desencarnados que muito erraram. Lá, eles
estudam por um tempo. Depois de concluírem
o curso, há várias opções:
continuar a estudar em outras colônias, reencarnar, ou servir em muitos locais.
Desde que esse desencarnado, que se denomina orientador, fundou no umbral uma
escola para literatos, nós da Colônia A Casa
do Escritor sabemos e os temos acompanhado
de perto. Temos nosso livre-arbítrio, eles também.
Esse orientador, espírito talentoso na arte literária, sente muito ódio por tudo
o que melhora o indivíduo e principalmente
pela Doutrina Espírita. Acha ele, como
muitos outros perseguidores, que não adianta combater os bons. Segundo eles,
quanto mais as pessoas sofrem pressões, mais
se fortalecem. Acham, então, que devem
incentivar indivíduos sem preparo, médiuns vaidosos, a escreverem para que façam
livros sem treino, estudo e preparo. Pensam
que se criticarem, gerando discórdia
e rancor, criarão desunião, e tudo o que se separa, divide, enfraquece-se e
acaba.
Vou dar um exemplo referindo-me a mim. Eu, Antônio Carlos, era desconhecido no
meio espírita, atualmente
214
Mas, não é somente de nomes importantes que temos de nos acautelar, é também de
histórias confusas, exageradas, com mensagens
distorcidas e também quando o desencarnado
escreve criticando o médium com quem trabalhou ou trabalha há tempos. Dizendo
que ele é isso ou aquilo, que quer escrever
com alguém com mais instrução, com vocabulário
mais rico etc.
Sem treino, estudo, prudência e humildade da parte do encarnado, fica fácil
enganar.
Felizmente, há dentro da Doutrina Espírita encarnados sérios, estudiosos,
perseverantes, trabalhadores que a sustentam,
fazendo um bom trabalho.
Sugiro cautela e prudência para você que recebe mensagens pela psicografia. Não
tenha pressa em editar o trabalho. As árvores,
para darem frutos, necessitam de tempo
para crescer, fortalecer, dar flores e finalmente os frutos. A boa árvore
somente dá bons frutos.
Estude com toda atenção os livros de Allan Kardec, principalmente O Livro dos
Médiuns. Recomendo também o livro No invisível,
de Léon Denis’6. Transcreveremos aqui
alguns trechos por acharmos de grande importância:
“Nada verdadeiramente importante se adquire sem trabalho. Uma lenta e laboriosa
iniciação se impõe aos que buscam os bens
superiores. Como todas as coisas, a formação
e o exercício da mediunidade encontram dificuldades, bastantes vezes já
assinaladas;
DENIS, Léon. No Invisível. capítulo V “Educação e função dos médiuns”. Rio
de Janeiro: FEB (Nota da Médium).
216
217
Você, caro leitor amigo, espero que medite sobre as histórias verdadeiras que
leu, que possa ter uma mudança de plano tranqüila,
e não se apavore ao se defrontar
com a desencarnação. Que a resposta à indagação: “E agora?”, traga-lhe paz. E
que tenha o merecimento de estar entre os
bem-aventurados, os que escolheram o caminho
estreito, mas que o levará a uma sobrevivência harmoniosa.
E tenha sempre em mente: somente você pode desfazer o que fez de errado e fazer
o bem que ainda não fez,
e isso deve ser feito no presente, neste momento. Que Deus
o abençoe!
Ao terminar a leitura deste livro, provavelmente você tenha ficado com algumas
dúvidas e perguntas a fazer, o que é um bom
sinal. Sinal de que está em busca de explicações
para a vida. Todas as respostas que você precisa estão nas Obras Básicas de
Allan Kardec.
Se você gostou deste livro, o que acha de fazer com que outras pessoas venham a
conhecê-lo também? Poderia comentá-lo com
aquelas do seu relacionamento, dar de presente
a alguém que talvez esteja precisando ou até mesmo emprestar àquele que não tem
condições de comprá-lo, O importante é a
divulgação da boa leitura, principalmente
a literatura espírita. Entre nessa corrente!
218
Conheça um trecho do magnífico livro
Reconciliação
Romance do Espírito
Antônio Carlos
Psicografado pela médium
Vera Lúcia Marinzeck
de Carvalho
Um dos romances mais emocionantes do Espírito Antônio Carlos. Dramática, a
narrativa inicia-se com o assassinato de Raul
e sua mãe. O criminoso é Manuel, o próprio
pai do menino. A partir daÉ o desdobramento dos acontecimentos levará a momentos
inesquecíveis e a incríveis surpresas.
Uma nova reencarnação aguarda Raul. Seu pai
será, novamente, o mesmo: Manuel. Enquanto sua mãe recusa-se a superar o ódio
que toma conta do seu
espírito, Raul regressa ao corpo físico junto ao assassino.
Um dos grandes sucessos de Antônio Carlos, este livro
destaca a misericórdia de Deus, agindo por intermédio da
reencarnação, valioso aprendizado das Leis Divinas.
Mãe! Por que está aqui? Não deveria estar no céu? Por que está toda suja? A
senhora morreu, beijei seu corpo frio e fétido.
Não está com a vovó? E Raul? Morreram
juntos. Que faz aqui? Quer orações?
Taís falava depressa, cada vez mais assustada e com medo. Mamãe ficou parada,
não conseguiu falar nada, olhava Taís com
admiração e espanto. Minha irmã quis chorar,
tremia toda. O professor Eugênio aproximou-se de Taís, transmitiu-lhe um passe
de paz, tranqüilidade, fez com que retornasse
ao corpo.
Nós, como mamãe, vimos Taís como duas, seu corpo e sei espírito; mamãe teve um
choque ao presenciar esse fato e pelo que
escutara, saiu correndo do quarto. O professor
ficou com Taís e acalmou-a com passes, até que serenou.
Taís está bem, Raul, não deverá lembrar-se do fato.
Se lembrasse, seria triste para ela recordar a mãezinha
neste estado.
Fomos encontrar com mamãe, voltara para a escada. O professor se fez visível
novamente a ela e recomendou-me:
Não interfira, Raul, fique perto, ore, vibre, conversarei novamente com ela.
Fiquei a dois degraus dela e orei com fé, pedi a Deus que
nos inspirasse e fizesse com que meu mestre a convencesse, a
doutrinasse. O professor falou-lhe, calmamente:
Filha, ainda por aqui?
Mamãe assustou-se, quis fugir. Depois, reconheceu o confidente que encontrara à
tarde, acomodou-se novamente, não respondeu.
Nisto, passou meu pai em espírito, desligado
pelo sono físico, embaixo da escada. Estava tranqüilo, parecia que passeava.
Mamãe escondeu-se no vão da escada.
E ele! Não quero que me veja. Tenho medo!
Como quer se vingar dele se tem medo?
Ele matou e pode matar de novo.
Está morta, então?
Não sei, é tão confuso. Primeiro sinto a presença de minha mãe, que morreu há
tanto tempo. Depois, vi meu Raul, o meu filhinho
querido que morreu. Aqui ninguém
fala comigo, parece que nem me vêem. Agora mesmo, minha filha virou duas, uma
deitada na cama e a
outra estava como eu, falou comigo, disse que morri. Mas o senhor me vê, não é?
Fala comigo.
Filho adotivo
Dois irmãos são dados para adoção ainda crianças. Já adultos, voltam a se
encontrar e começam a namorar. Como a espiritualidade
os ajudará? Não deixe de conhecer
essa história repleta de surpresas.
Muitos são os chamados
Marcos, jovem médico recém-formado, vê em sua profissão apenas um meio de
ganhar
dinheiro e ignora totalmente os apelos
da espiritualidade na ajuda aos mais necessitados.
Mas, um dia, perceberá seu erro...
Reconciliação
Um dos mais belos romances espíritas publicados até hoje. Tudo começa com um
duplo assassinato, o pai matando a facadas
o filho e a própria esposa. Depois, uma lição
maravilhosa de perdão e reconciliação. Se você gosta de um belo romance, não
pode deixar de ler este livro.
Reparando erros de vidas passadas
Conheça a história de dois médicos que em encarnações passadas fizeram
experiências científicas com seres humanos e assumiram
assim inúmeros débitos. Um livro fascinante!
Leia e recomende!
À venda nas boas livrarias espíritas e não-espíritas
Cativos e libertos
Jorge, ao retornar de Paris, onde foi terminar os estudos, encontra seu lar
tumultuado. Seu
pai havia falecido e o irmão foi assassinado
justamente no momento de sua chegada. No
entanto, Jorge continua a acalentar sonhos abolicionistas... Não deixe de ler!
Novamente juntos
O tempo de cada um
Romance do Espírito Cornélio Pires
Por meio de uma história bem-humorada Cornélio nos mostra os perigos que os
dirigentes espíritas enfrentam ao se acomodarem.
Para vocês com saudade
Ditado pelo Espírito Filipe
Muitas das mensagens deste livro ainda não encontraram seus respectivos
destinatários. Independente disso trazem ensinamentos
preciosos e úteis.
Memórias da mediunidade
Ditado pelo Espírito Filipe
Filipe nos leva a conhecer vários casos de derrotas de trabalhadores das casas
espíritas que negligenciaram o orai e vigiai.
O portal da consciência
Ditado pelo Espírito Filipe
A caravana de Filipe nos leva a conhecer o posto de socorro Portal da
Consciência, onde os espíritos socorridos ficam frente
a frente com a própria consciência.
Leia e recomende!
À venda nas livrarias espíritas e não-espiritas
- e redenção
areias do Deserto do Saara, o encontro de almas divididas por crenças
religiosas Enfrentando-se em lutas que se prolongam
muito além da vida material sofrem o terrivel
calor, a sede, a falta de recursos e a
ferocidade de espíritos que desconhecem o bem Animis A rnmaas, nossos irmãos
Animais tem alma? Eles reencarnam? Eles têm carma? E emoções? Estas e muitas
outras questões você encontrará neste livro.
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escombros Um alerta do Espiritismo para aqueles
que se deixam levar pelas aparências.
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sociais distanciam o casal dos filhos. Uma
história que envolve amor e poder eoferece
uma bela lição de fraternidade.
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receber um catálogo, sem compromisso, envie seus dados para
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