Diagnosticos Na Era Dos Transtornos
Diagnosticos Na Era Dos Transtornos
Diagnosticos Na Era Dos Transtornos
antigos diagnsticos na
era dos transtornos
ESTA OBRA FOI IMPRESSA EM PAPEL RECICLATO 75% PR-CONSUMO, 25 % PS-CONSUMO, A PARTIR DE IMPRESSES E TIRAGENS SUSTENTVEIS. CUMPRIMOS NOSSO PAPEL NA EDUCAO E NA
PRESERVAO DO MEIO AMBIENTE.
Novas capturas,
antigos diagnsticos na
era dos transtornos
Memrias do II Seminrio Internacional
Educao Medicalizada: Dislexia, TDAH e
outros supostos transtornos
1a edio
julho/2013
IMPRESSO DIGITAL
IMPRESSO NO BRASIL
Sumrio
Prefcio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Carla Biancha Angelucci
Apresentao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
La (re)creacin del consumidor de salud
y la biomedicalizacin de la infancia . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
Celia Iriart
Lisbeth Iglesias-Rios
Medicalizao: o obscurantismo reinventado. . . . . . . . . 41
Maria Aparecida Affonso Moyss
Ceclia Azevedo Lima Collares
Indstria farmacutica e medicalizao. . . . . . . . . . . . . . . 65
Jos Gomes Temporo
O conhecimento na era dos transtornos:
limites e possibilidades. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
Ins Barbosa de Oliveira
Medicalizacin de la infancia a travs del anlisis del
Trastorno por Dficit de Atencin con Hiperactividad
(TDA/H) en Argentina: usuarios, psicofrmacos y
manuales de diagnstico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
Silvia Faraone
Eugenia Bianchi
Os bio-diagnsticos na era
das cidadanias biolgicas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
Luciana Vieira Caliman
Usos biopolticos do suposto Transtorno de Dficit
de Ateno e Hiperatividade: que lugar para o
sofrimento psquico na infncia?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
Gisela Untoiglich
Polticas da vida hoje: o fenmeno
bullying ou como recusar o que somos. . . . . . . . . . . . . . 133
Giovanna Marafon
Medicina & marketing marketing en medicina? . . . . . . 149
Len Benasayag
Muitos comeos para muitas histrias. . . . . . . . . . . . . . . . 169
Maria Teresa Esteban
Uma nova criana exige uma nova escola. . . . . . . . . . . . . 181
Lucia Masini
Uma nova criana exige uma nova escola:
a criao do novo na luta micropoltica . . . . . . . . . . . . 191
Adriana Marcondes Machado
O que dizem os projetos de Lei sobre Dislexia e
Transtorno de Dficit de Ateno e Hiperatividade:
contribuies da psicologia escolar. . . . . . . . . . . . . . . . . 203
Felipe Oliveira
Marilene Proena Rebello de Souza
Anormais do desejo: os novos no-humanos?
Medicalizao e biopoltica sinais que vm da vida
cotidiana e da rua . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221
Emerson Merhy
La infancia y los trastornos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 233
Beatriz Janin
Prefcio
Um livro que reflete as interlocues constitudas a partir das inmeras atividades realizadas pelo Frum sobre Medicalizao da Educao
e da Sociedade. Nele encontraremos contribuies de diferentes disciplinas do conhecimento, abordagens tericas e experincias de atuao profissional. Somos psiclogos(as), educadores(as), mdicos(as), fonoaudilogos(as), bilogos(as), socilogos(as), linguistas. Somos brasileiros(as),
portugueses(as), estadunidenses, argentinos(as), uruguaios(as).Somos profissionais que se dedicam produo de conhecimento e de estratgias
de interveno junto a muitas esferas da vida humana que vm sendo
medicalizadas.
Este conjunto de trabalhos, todos relacionados ao II Seminrio Internacional A Educao Medicalizada: dislexia, Tdah e outros supostos transtornos,
reafirma determinados compromissos com a atuao profissional, quais
sejam: o reconhecimento da diferena como valor fundamental, que complexifica e enriquece nosso processo de desenvolvimento individual e coletivo; a valorizao da dimenso subjetiva, que comporta construes de
sentidos especficos, relacionadas a trajetrias de vida; e tambm, como
aspecto complementar e no oposto, a reafirmao do cuidado com os
processos sociais, que so responsveis pela oferta de condies e determinaes na constituio de subjetividades.
Assumir tais compromissos significa colocar nossos conhecimentos a servio de um determinado projeto de convivncia humana, que faa
avanar a democracia e as garantias de direito. Trata-se, assim, de uma
9
Uma criana pode no suportar manter-se sentada durante o perodo de aula; um adolescente pode no conseguir se concentrar sequer cinco minutos nos estudos; uma travesti pode preferir permanecer em casa,
dormindo incessantemente, do que enfrentar a procura por um trabalho
vestindo trajes que a fazem se sentir despersonalizada; um homem de meia
idade pode preferir tomar plulas para dormir a ter que enfrentar as noites
em claro se martirizando por no conseguir sair de seu trabalho atual, que
julga to penoso; uma mulher pode no conseguir mais se comprometer
com o trabalho de educadora, pois j se sente absolutamente incapaz de
construir uma relao diferente na escola em que trabalha. Desateno,
depresso, ansiedade, burn out, pnico, transtornos, sndromes, doenas.
Expresses concretas do impacto violento de nossas formas de viver sobre corpos e subjetividades.
1.
13
Apresentao
Os processos de medicalizao e patologizao da vida e da poltica so crescentes no mundo contemporneo, assumindo propores que
conseguem nos surpreender e at assustar novamente, a cada dia.
As tentativas de padronizao e homogeneizao da vida avanam
mais e mais, buscando eliminar, pela estigmatizao, os diferentes modos
de ser, agir, reagir, sentir, afetar, ser afetado, aprender, lidar com os saberes j aprendidos, questionar, sonhar, se expressar... Busca-se silenciar
e ocultar conflitos, sofrimentos de diferentes ordens, fantasias, utopias,
discordncias, questionamentos. As possibilidades de construir futuros diferentes ficam mais difceis...
As diferenas que caracterizam e enriquecem a humanidade so
tornadas transtornos. Desigualdades so escamoteadas, transformadas em
doenas. As questes coletivas, de ordem poltica, social, econmica, cultural, afetiva, que afligem milhes de pessoas, so transformadas em individuais e reapresentadas como doenas, transtornos, distrbios. Problemas
polticos so tornados biolgicos, inatos pessoa.
A pessoa e sua famlia, que j sofrem a excluso decorrente dos estigmas e preconceitos e da culpabilizao, sofrem ento uma segunda excluso, agora disfarada de incluso: a da doena. A culpa por ser diferente
ou ter um filho diferente , assim, transformada em culpa gentica.
Essa biologizao da vida se embasa em concepo positivista e
determinista e se alicera em um paradigma que deveramos chamar de
antibiolgico. Lembremos que a biologia o campo da cincia que estuda a
15
Tudo se passa como se os graves e crnicos problemas do sistema educacional e da vida em sociedade fossem decorrentes de doenas
e que seriam resolvidos pelo campo da sade; cria-se um crculo vicioso,
em que a demanda assim construda amplia a patologizao, que aumenta
a demanda por servios de sade, que amplia ainda mais a patologizao,
que...
A medicalizao do campo educacional assumiu, e ainda assume,
diversas faces no passado recente, alicerando preconceitos racistas sobre
a inferioridade dos negros e do povo brasileiro, porque mestio; posteriormente, a inferioridade intelectual da classe trabalhadora foi pretensamente
explicada pelo esteretipo do Jeca Tatu, produzido pela unio de desnutrio, verminose, anemia. A psicologia diferencial e a psicometria tm sido
outros importantes alicerces da patologizao.
A partir dos anos 1980, ocorre a progressiva ocupao desse espao
por pretensas disfunes neurolgicas, a tal ponto que hoje a quase totalidade dos discursos patologizantes referem-se a doenas neurolgicas e/
ou psiquitricas eufemisticamente denominadas transtornos , entre os
quais ressaltam a dislexia, o Transtorno por Dficit de Ateno e Hiperatividade (TDAH) e, mais recentemente o Transtorno Opositor Desafiante
(TOD) e o espectro autista.
Uma vez classificadas como doentes, as pessoas tornam-se pacientes e
consequentemente consumidoras de tratamentos, terapias e medicamentos,
que transformam o prprio corpo e a mente em origem dos problemas
que, na lgica patologizante, deveriam ser sanados individualmente. As
pessoas que teriam problemas, seriam disfuncionais pois no se adaptam, seriam doentes pois no aprendem, teriam transtornos pois so indisciplinadas.
Vivemos a Era dos Transtornos, em que os interesses que alavancam
os processos medicalizantes ampliam seus tentculos. Vivemos a Era do
Biopoder, em que todos somos bioconsumidores.
Hoje, esse processo, vem, de modo crescente, se articulando judicializao das relaes, dos conflitos e dificuldades que permeiam o viver
em sociedade; o passo seguinte, que vem sendo atingido com grande facilidade, consiste na criminalizao das diferenas, das utopias e dos questionamentos ordem estabelecida.
17
A aprendizagem e os modos de ser e agir campos de grande complexidade e diversidade tm sido alvos preferenciais desses novos modos
de vigiar e punir as diferenas, sonhos, utopias, insatisfaes e questionamentos, justamente o amlgama das transformaes individuais e coletivas, da superao de preconceitos e desigualdades.
A medicalizao tem assim cumprido o papel de controlar e submeter pessoas, abafando questionamentos, desconfortos, conflitos, sofrimentos; cumpre, inclusive, o papel ainda mais perverso de ocultar violncias
fsicas e psicolgicas, transformando as vtimas em portadores de distrbios de
comportamento e de aprendizagem.
Nesse contexto, desde os anos 1970, pesquisadores brasileiros de
diferentes reas da sade e da educao vem estudando esses processos de
patologizao da vida, difundindo crticas e possibilidades diferentes, em
peridicos cientficos e na formao dos futuros profissionais. Sempre enfrentando dificuldades, por assumirem concepes contra-hegemnicas,
mas construindo caminhos e possibilidades.
A ampliao da abrangncia dos processos medicalizantes, tanto
no Brasil como no exterior, criou a necessidade e a possibilidade de articulaes entre profissionais, entidades acadmicas e de classe, e pessoas
envolvidas com a discusso, a crtica e a superao dessa situao.
nesse contexto que, em 2010, foi criado o Frum sobre Medicalizao da Educao e da Sociedade.
Desde sua fundao, o Frum sobre Medicalizao da Educao e
da Sociedade tem por princpios fundamentais a crtica e enfrentamento
dos processos de patologizao da vida e da poltica e o acolhimento das
pessoas que sofrem e vivenciam esses processos, na defesa intransigente
das diferenas e no combate radical das desigualdades.
Constitudo como um movimento agregador de pessoas e articulador de propostas e aes, o Frum vem, desde sua criao, discutindo e
socializando conhecimentos acadmicos, que embasam a crtica medicalizao da vida e da poltica.
Este movimento vem se ampliando, abrangendo vrias regies do
pas, com a criao de ncleos regionais vrios j consolidados e muito
ativos , e muitos outros em processo de constituio.
18
Em 2012, em decorrncia da intensa atuao do Frum, foi aprovada na cidade de So Paulo uma lei instituindo 11 de novembro como Dia
Municipal de Luta contra a Medicalizao da Vida. Essa iniciativa vem se
difundindo por outras cidades, em busca de conquistas semelhantes.
O Frum e os ncleos tm realizado vrios eventos, devendo ser
ressaltados trs, por seu carter internacional.
O I Seminrio Internacional Educao Medicalizada: Dislexia,
TDAH e outros supostos transtornos foi realizado em So Paulo no
perodo de 11 a 13 de novembro de 2010. Alm das apresentaes de
renomados pesquisadores brasileiros, de diferentes reas, a participao
de estudiosos estrangeiros possibilitou, alm do intercmbio acadmico, a
percepo de que o Frum se inscreve em um movimento internacional
de crtica patologizao da vida. Em torno de mil profissionais e estudantes participaram do Seminrio, assistindo suas conferncias, mesas
redondas, cursos e atividades culturais.
O II Seminrio Internacional Educao Medicalizada: Dislexia,
TDAH e outros supostos transtornos. Novas capturas, antigos diagnsticos na Era dos Transtornos ocorreu entre 11 e 14 de novembro de
2011, em So Paulo, com quase 2.000 inscritos, alm da transmisso via
web. Nessa edio do Seminrio, um maior nmero de pesquisadores de
diferentes reas (medicina, psicologia, fonoaudiologia, educao, lingustica) do Brasil, Argentina, Estados Unidos da Amrica, Portugal e Uruguai
apresentaram suas pesquisas em conferncias, mesas redondas e cursos.
Atividades culturais inseridas no tema permearam todo o evento.
O I Simpsio Internacional e I Simpsio Baiano Medicalizao da
Educao e da Sociedade: Cincia ou Mito? foi realizado em Salvador,
pelo Ncleo Bahia do Frum, no perodo de 29 a 31 de maio de 2012,
com grande repercusso, inclusive na mdia, e mais de 1.000 inscritos. Mais
uma vez, a competncia e renome dos pesquisadores brasileiros e estrangeiros participantes foram marcantes, como sempre tem acontecido em
todos os eventos promovidos pelo Frum sobre Medicalizao da Educao e da Sociedade.
Em julho de 2013, o Frum realizar, em So Paulo, o III Seminrio Internacional Educao Medicalizada: Reconhecer e Acolher as
Diferenas.
19
20