Costa-Cristina-PARTE 02 - A Sociologia Pré-Científica
Costa-Cristina-PARTE 02 - A Sociologia Pré-Científica
Costa-Cristina-PARTE 02 - A Sociologia Pré-Científica
A SOCIOLOGIA
PR-CIENTFICA
1. O Renascimento
2. A Ilustrao e a sociedade contratual
1o
Renascimento
Introduo
o RENASCIMENTO
19
Ilustrao da DIvina
comdia, escnta por
Dante Alighren. Nela,
o artista expressa
sua viso da
sociedade da poca
de um mundo que agonizava, caractersticas marcantes do perodo. Consideram sintomas de tudo isso os exlios, as condenaes e os longos processos
polticos e eclesisticos, os grandes genocdios que a Europa promoveu na
Amrica e o ressurgimento da escravido como instituio legal.
De fato, um certo clima de fim de mundo perpassa a produo artstica
do perodo, expresso na Divina comdia de Dante Alighieri, no Juzo final de
Michelngelo, pintado na Capela Sistina e em vrios quadros do artista
flamengo Heironymus Bosch. Um clima de insegurana e instabilidade perpassa a todos nessa poca de profunda transio.
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A SOCIOLOGIA
PR-CIENTFICA
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passa a ter uma dimenso eminentemente humana. Estimulado pelo individualismo e liberto dos
valores que o prendiam irremediavelmente famlia e ao cl, o homem j concebe seu papel na histria como agente dos acontecimentos. Ele vai aos
poucos abandonando a concepo que o tomava
por pecador e decado, um ser em permanente dvida para com Deus, para se tomar, na nova perspectiva, o agente da histria.
Shakespeare evoca constantemente em suas
peas a tragdia do homem diante de suas opes
e sentimentos, enquanto Michelngelo faz quase
se encontrarem os dedos de Deus e Ado na cena
da Criao.
nesse ambiente de renovao que o pensamento cientfico tomar novo flego e, com ele,
o pensamento acerca da vida social.
o RENASCIMENTO
Ao mesmo tempo, emerge uma nova classe social- a burguesia comercom novas aspiraes e interesses, que renova o pensamento social.
Nessa viso humana e especulativa da vida social est o germe do pensamento social moderno que vai se expressar na literatura, na pintura, na
filosofia e, em especial, na literatura utpica de Thomas Morus (A Utopia),
Tommaso Campanella (A cidade do Sol) e Francis Bacon (Nova Atlntida).
cial-,
As utopias
Como Plato, os filsofos renascentistas tentaram imaginar uma sociedade perfeita. Assim como a Atlntida, surge atravs da pena de Thomas
Morus uma comunidade onde todas as solues foram encontradas: a Utopia. Uma ilha cujo nome significa "nenhum lugar", onde existe harmonia,
equilbrio e virtude.
Desse modo, o pensamento social no Renascimento se expressa na
criao imaginria de mundos ideais que mostrariam como a realidade deveria ser, sugerindo entretanto que tal sociedade seria construda pelos
homens com sua ao e no pela crena ou pela f.
Utopia uma ilha onde reina a igualdade e a concrdia. Todos tm sob
as mesmas condies de vida e executam em rodzio os mesmos trabalhos. A
igualdade e os ideais comunitrios so garantidos por uma monarquia constitucional. Cada grupo de 30 famlias escolhe um representante para o conselho que elege o imperador; este permanece at o fim da vida como soberano,
sob o olhar vigilante do conselho, que opina sobre cada ato real e pode consultar previamente as famlias, quando considerar necessrio. .
Alm da igualdade quanto ao estilo de vida e ao trabalho, tambm a
distribuio de alimentos se d de forma comunitria. No h necessidade
de pagar por nada, porque h de tudo em profuso, uma vez que a vida
simples, sem luxo e todos trabalham.
Em A Utopia, Thomas Morus expressa os ideais de vida moderada,
igualitria e laboriosa, semelhantes aos praticados pelos monges nos mosteiros pr-renascentistas, assim como defende, em termos polticos, a monarquia absoluta.
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22
A SOCIOLOGIA
PR-CIENTFICA
Thomas Morus
(1478-1535)
Nasceu
em Londres.
Foi pensador,
estadista, advogado e membro da Cmara
dos Comuns.
Como
bom humanista,
desenvolveu estudos sobre o grego antigo.
Em 1518, foi nomeado membro do Conselho
Secreto de Henrique VIII e chegou em 1529 a
ocupar o mais alto cargo do reino. Ops-se
anulao do casamento de Henrique VIII,
recusando-se
a jurar fidelidade
Igreja
Anglicana fundada pelo rei, em parte por ser
catlico e em parte por ser contrrio aos
desmandos da autoridade real. Foi preso,
condenado
e executado.
Em 1935 foi
canonizado pela Igreja Catlica e sua festa
celebrada em 6 de julho, dia de sua morte.
Sua grande obra A Utopia.
SeriaA Utopia uma obra sociolgica? No no sentido moderno ou cientfico do conceito, mas como expresso das preocupaes do filsofo com a vida
social e com os problemas de sua poca. Toda a vida ou, como o prprio autor
chama, o "regime social" dos utopienses demonstra claramente a preocupao
com o estabelecimento de regras sociais mais justas e humanas como resposta s crticas que o auAnalisar as contradies sociais e
tor fez em relao Inglaterra de seu tempo.
procurar resolv-Ias, acreditar que
Analisar a sociedade em suas contradies
o bem-estar do homem depende
e visualizar uma maneira de resolv-Ias, acreditar que da organizao das relaes polticas,
das condies sociais o germe
econmicas e sociais derivam a felicidade do hodo pensamento sociolgico.
mem e seu bem-estar , seguramente, o germe
do pensamento sociolgico.
E, refletindo basicamente os anseios de sua poca, Thomas Morus considera esse mundo ideal possvel, graas ao plano sbio de um monarca absoluto: Utopos, fundador da Utopia.
O monarca esclarecido, justo e sbio o ideal poltico do Renascimento,
organizador das sociedades perfeitas criadas pela literatura de Thomas
Morus e de outros.
Maquiavel:
o RENASCIMENTO
23
Nicolau Maquiavel
(1469-1527)
Nasceu em Florena, mas fez sua carreira
diplomtica em diversos pases da Europa. De
1502 a 1512 esteve a servio de Soderini,
presidente perptuo de Florena. Ajudava-o
nas decises polticas, escrevia-lhe discursos
e reorganizou o exrcito florentino. Foi exilado
e afastado da vida pblica quando Soderini foi
considerado
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A SOCIOLOGIA
PR-CIENTFICA
vive. Nessa idia de monarquia se baseia a aliana que a burguesia estabelece com os reis para o surgimento dos estados nacionais, onde a ordem social
ser tanto mais atingvel quanto mais o soberano agir como estadista, pondo
em marcha as foras econmicas do capitalismo em formao.
Btividades
1. Qual era a forma de identidade social do homem medieval?
2. O que voc aprendeu neste captulo sobre a mentalidade
3. Como a tutela da Igreja impedia o florescimento
do homem renascentista?
do pensamento
e da crtica social?
do pensamento e
da crtica social? Faa uma pesquisa a respeito utilizando notcias sobre as campanhas empreendidas pela Igreja e que esto presentes nos meios de comunicao de massa.
5. O que voc entendeu por utopia? Escreva com suas palavras a partir do que foi expresso no
texto.
6. Faa uma pesquisa e discuta os significados
ao termo utopia.
7. "E, como disse ter sido preciso, para que fosse conhecida a virtude de Moiss, que o povo de
Israel fosse escravo do Egito; para conhecer-se a grandeza de alma de Ciro, que estivessem os
persas oprimidos pelos medas - assim modernamente, desejando-se conhecer o valor de um
prncipe italiano, seria preciso que a Itlia chegasse ao ponto em que hoje se encontra. Que estivesse mais escravizada do que os hebreus, mais oprimida que os persas, mais dispersa que os
atenienses, sem chefe, sem ordem, batida, espoliada, lacerada, invadida, e que houvesse, por
fim, sofrido toda espcie de calamidade." (p. 81)
Nesse trecho de O prncipe, como Maquiavel descreve a situao da Itlia?
Aplicao de conceitos
1. A idia de que existe um espao onde reina a felicidade e onde as necessidades do homem
sero satisfeitas est presente na literatura em todos os tempos. A literatura brasileira tem um bom
exemplo - o poema de Manuel Bandeira, "Vou-me embora pra Pasrgada", em que ele descreve
assim sua utopia:
o RENASCIMENTO
25
Analise o poema e tente imaginar essa utopia do poeta retirando dela os princpios de ordem
social criados nessa sociedade ideal para o escritor.
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A SOCIOLOGIA
PR-CIENTIFICA
2. Em Romeu e Julieta, Shakespeare aborda o conflito entre o indivduo e a sociedade, uma vez
que o drama dos amantes de Verona decorre da oposio entre as regras sociais vigentes e a vontade individual dos heris. Na seguinte fala de Julieta essa questo fica clara:
"Somente teu nome meu inimigo. Tu s tu mesmo, sejas ou no um
Montechio. Que um Montechio? No mo, nem brao nem rosto, nem outra
parte qualquer pertencente a um homem. Oh! s outro nome! Que h em um nome?
O que chamamos de rosa, com outro nome exalaria o mesmo perfume to agradvel; e assim, Romeu, se no se chamasse Romeu, conservaria essa cara perfeio
que possui sem o ttulo. Romeu, despoja-te de teu nome, que no faz parte de ti,
toma-me toda inteira!"
Analise o contedo social desse texto e perceba como j se colocava no Renascimento
cepo da relao indivduo e sociedade.
a per-
4. Vdeos: a) Agonia e xtase (EUA, 1965. Direo de Carol Reed. Baseado no romance de
Irving Stone. Durao: 140 min.) - Um pequeno documentrio dramatizando os conflitos de valores,
arte, religio e realizao pessoal entre o pintor renascentista italiano Michelngelo e seu patrocinador, o papa Jlio 11.
Observe como se estrutura a Igreja e a sociedade em torno de valores burgueses emergentes.
b) Giordano Bruno (Itlia, 1973. Direo de Giuliano Montaldo. Durao: 123 min.) - Esse filme
mostra a sociedade italiana do sculo XVI na qual o filsofo e astrnomo Giordano Bruno condenado morte pela Inquisio por se opor tradio geocntrica da Igreja Catlica.
Aborda o conflito entre a cincia e a religio na tica de Giordano e da Igreja Catlica.
Fico cientfica -
a utopia contempornea
o RENAS CIMENTO
leituras Complementares
1
[Sobre o surgimento do pensamento crtico -
Maquiavel]
extremamente provvel que tenha sido o trato cotidiano com assuntos polticos que, pela primeira vez, deu conscincia e senso crtico ao homem face ao
elemento ideolgico de seu pensamento.
Durante a Renascena,
entre os
concidados de Maquiavel, emergiu um novo adgio chamando a ateno para
uma observao comum na poca - que era a de que o pensamento do palcio
uma coisa, e o da praa pblica outra. Isto era uma expresso do crescente grau
em que o pblico ganhava acesso aos segredos da poltica. Podemos aqui observar o incio do processo no decorrer do qual o que antes havia sido apenas uma
ecloso ocasional de suspeita de ceticismo, face aos pronunciamentos pblicos,
evoluiu para uma procura metdica do elemento ideolgico em todos eles. A diversidade de formas de pensamento entre os homens ainda, neste estgio, atribuda a um fator que, sem exagerar o termo indevidamente, poderia ser denominado
sociolgico. Maquiavel, em sua profunda racional idade, tomou como tarefa especfica relacionar as variaes das opinies dos homens s variaes correspondentes em seus interesses. De acordo com sua prescrio de medicina forte para
toda subjetividade das partes interessadas em uma controvrsia, Maquiavel parecia estar explicitando e estabelecendo como regra geral do pensamento o que
estava implcito no adgio de seu tempo.
Karl Mannheim,
Ideologia
e utopia, p. 89.
2
[A repblica para Maquiavel]
A repblica outro tema fundamental de Maquiavel. Nos Comentrios sobre
a primeira dcada de Tito Lvio, o secretrio florentino analisa a liberdade como
fruto do conflito entre pobres e ricos no interior do corpo poltico. No texto de
Newton Bignotto, podemos observar:
Deixando de lado a questo tradicional das origens das instituies, que
parecia ser o melhor caminho para a compreenso do tema que nos interessa,
nosso autor nos mostra no somente que a liberdade deve ser pensada a partir
dos conflitos internos de uma cidade, mas tambm que nossas idias sobre a
criao das instituies polticas devem ser revistas. A liberdade, to adorada
pelos florentinos, mas to pouco realizada, o produto de foras em luta, o resultado de um processo que no pode ser extinto com o tempo. Os conflitos so os
produtores da melhor das instituies, e no o elemento incongruente de um
perodo infeliz na histria de um povo. Maquiavel resume seu pensamento numa
frase lapidar: "... e deve-se considerar como existem em toda repblica dois humores diversos: o do povo e o dos grandes, e toda lei que se faz em favor da
liberdade nasce da desunio entre eles".
Para passar da idia de uma sociedade ideal inteiramente voltada para a
paz ao elogio da sociedade tumulturia, foi preciso um enorme esforo de elabora-
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A SOCIOLOGIA
PR-CIENTFICA
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A SOCiOlOGIA
PR-CIENTFICA
~.
a:
A sociedade
concorrncia
Ao pregar o fim do
controle do Estado
sobre a economia
nacional, a
Ilustrao ajudou o
desenvolvimento da
indstria. (Londres
em 1870, gravura de
Gustave Dor)
31
32
A SOCIOLOGIA
PR-CIENTFICA
o pensamento
Jean-Jacques Rousseau
(1712-1778)
Nascido em Genebra, filho de burgueses
protestantes, Rousseau teve uma vida errante
que o levou continuamente da Sua Frana, Itlia e Inglaterra. Foi aprendiz de
gravador, secretrio de nobres ilustres e at
seminarista.
Dedicou-se tambm ao desenho, pintura e msica. Na Frana, foi
contemporneo
de filsofos da Ilustrao,
Iohn Locke, pensador ingls, tambm defendeu a idia de que a sociedade resultava da livre associao entre indivduos dotados de razo e vontade.
Para Locke, essa contratao estabelecia, entre outras coisas, as formas
de poder, as garantias de liberdade individual e o respeito propriedade. Seus
princpios deveriam ser redigidos sob a forma de uma constituio.
Entre os filsofos da Ilustrao, ganhava adeptos a idia de que toda
matria tinha uma origem natural, no-divina, e que todo processo vital no
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A SOCiOlOGIA
PR-CIENTFICA
era seno o movimento dessa matria, obedecendo a leis naturais. Esses princpios guiavam o conhecimento racional da sociedade, na busca das leis naturais da organizao social.
Podemos afirmar que a filosofia social da Ilustrao levaria descoberta das bases materiais das relaes sociais. Percebe-se claramente que
os filsofos dessa poca j desenvolviam a conscincia da diferena entre
indivduo e coletividade. J percebiam que esta possua regras prprias que
regulavam a vida coletiva, como as regras naturais regiam o surgimento, o
desenvolvimento e as relaes entre as espcies.
Mas, presos ainda idia de indivduos, esses fiA filosofia social da Ilustrao levou
lsofos entendiam a vida coletiva como a fuso
descoberta das bases materiais
de individualidades. O comportamento social dedas relaes sociais.
correria da manifestao explcita das vontades
individuais.
John Locke
(1632-1704)
Era ingls de Wrington.
Formado em
Oxford, ingressou na carreira diplomtica.
Durante o perodo em que residiu na Frana,
tomou contato com o mtodo cartesiano.
Sofreu perseguies polticas na Inglaterra
que o obrigaram a se refugiar na Holanda. Em
sua obra Dois tratados sobre o governo civil,
defende o liberalismo poltico, os direitos
naturais do homem e da propriedade privada.
Suas idias polticas tiveram grande reper-
Adam Smith:
Adam Smith
(1723-1790)
Legitimidade e liberalismo
As teorias sociais da Ilustrao no sculo XVIII foram ainda o incio
do pensar cientfico sobre a sociedade. Tiveram o poder de orientar a ao
poltica e lanar as bases do que viria a ser o Estado capitalista, desenvolvido no sculo XIX, constitucional e democrtico. Lanaram tambm as
bases para o movimento poltico pela legitimao do poder, fosse de carter monrquico, como na Revoluo Gloriosa da Inglaterra, fosse de
carter republicano, como na Revoluo Francesa, ou ainda do tipo ditatorial, como no imprio napolenico. To importante quanto seu valor como
forma de entendimento da vida social e poltica foi sua repercusso prtica na sociedade.
A filosofia social desse perodo teve, em relao renascentista, a vantagem de no constituir apenas uma crtica social baseada no que a sociedade poderia idealmente vir a ser, mas de criar projetos concretos de realizao
poltica para a sociedade burguesa emergente.
A idia de Estado como uma entidade cuja legitimidade se baseia na
pretensa representatividade da sociedade um avano em relao idia de
monarquia absoluta. O Estado j no a pessoa que governa, mas uma instituio abstrata com relaes precisas com a coletividade. Alm da circulao
de leis e de riquezas, o Estado criava o princpio da circulao de poder. O
confronto de interesses tambm est subjacente s idias propostas pelos
polticos iluministas.
As idias de Locke e de Montesquieu, outro importante pensador da
Ilustrao, foram a base da Constituio norte-americana de 1787. Ambos
pregaram a diviso do Estado em trs poderes: legislativo, incumbido da
elaborao e da discusso das leis; executivo, encarregado da execuo das
leis, tendo em vista a proteo dos direitos naturais liberdade, igualdade
e propriedade; e judicirio, responsvel pela fiscalizao observncia
das leis que asseguravam os direitos individuais e seus limites. Essa diviso estabelecia a distribuio das tarefas governamentais e a mtua fiscalizao entre os poderes do Estado. Locke defendia, ainda, a idia de que a
origem do poder no estava nos privilgios da tradio, da herana ou da
concesso divina, mas no contrato expresso pela livre manifestao das vontades individuais.
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A SOCiOlOGIA
PR-CIENTFICA
6tividades
1. "Uma vez que homem nenhum possui uma autoridade natural sobre seu semelhante, e que a
fora no produz nenhum direito, restam, pois, as convenes como base de toda autoridade
legtima entre os homens." (p. 25)
Nesse trecho de Rousseau, tirado do Contrato social, o autor:
a) considera natural a autoridade de um homem sobre outro? Por qu?
b) identifica alguma base legtima para essa autoridade?
Qual? Justifique.
2. "Como a natureza d a cada homem um poder absoluto sobre todos os seus membros, d o pacto
social ao corpo poltico um poder absoluto sobre todos os seus, e esse mesmo poder que,
dirigido pela vontade geral, recebe, como eu disse, o nome de soberania."
(p. 42)
3. Leia cuidadosamente
zam a Ilustrao.
4. O que o homem da Ilustrao esperava da cincia? E voc, o que espera da cincia hoje?
5. Em que termos se expressou o liberalismo da Ilustrao nas questes econmicas?
6. Nesse captulo procuramos
8. Qual era a fonte de riqueza de uma nao para Adam Smith? Por qu?
Os trechos a seguir foram extrados do Segundo tratado sobre o governo civil, de Locke. Leia-os
com ateno e responda s questes 9 a 11.
"O grande objetivo da entrada do homem em sociedade, consistindo na
fruio da propriedade em paz e segurana, e sendo o grande instrumento e meio
disto as leis estabelecidas
de todas as comunidades
nessa sociedade,
consiste em estabelecer
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Aplicao de conceitos
1. Vdeo: Danton, o processo da revoluo (Frana, 1982. Direo de Andrej Wajda. Durao:
136 min.) - Essa obra retrata a segunda fase da Revoluo Francesa, o perodo do Terror, marca o
debate entre os jacobinos Danton e Robespierre, este fortemente comprometido com as razes do Estado.
Procure perceber como na Revoluo Francesa criado o Estado burgus proposto pela Ilustrao.
leitura Complementar
As duas faces do liberalismo
Se, portanto, queremos compreender e apreciar o liberalismo, no temos
que escolher entre as duas interpretaes, no temos que optar entre o aspecto
ideolgico e a abordagem sociolgica. Ambos concorrem para definir a originalidade do liberalismo e para revelar o que constitui um de seus traos essenciais,
do
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A SOCIOLOGIA
PR-CIENTFICA
essa ambigidade que faz com que o liberalismo tenha podido ser, alternativamente, revolucionrio e conservador, subversivo e conformista. Os mesmos homens passaro da oposio para o poder; os mesmos partidos passaro do
combate ao regime defesa das instituies. Agindo assim, eles nada mais
faro do que revelar sucessivamente
dois aspectos complementares
dessa
mesma doutrina, ambgua por si mesma, que rejeita o Antigo Regime e que
no quer a democracia integral, que se situa a meio caminho entre esses dois
extremos e cuja melhor definio , sem dvida, o apelido dado Monarquia
de Julho: "o justo meio". porque o liberalismo um justo meio que, visto da
direita, parece revolucionrio
e, visto da esquerda, parece conservador.
Ele
travou, sucessivamente,
dois combates, em duas frentes diferentes: primeiro,
contra a conservao, o absolutismo; depois, contra o impulso das foras sociais,
de doutrinas polticas mais avanadas que ele prprio: o radicalismo, a democracia integral, o socialismo.
a conjuno do ideal e da realidade, a convergncia de aspiraes intelectuais e sentimentais, mas tambm de interesses bem palpveis, que constituram
a fora do movimento liberal, entre 1815 e 1840. Reduzido a uma filosofia poltica,
ele sem dvida no teria mobilizado grandes batalhes; confundido com a defesa
pura e simples de interesses, ele no teria suscitado adeses desinteressadas,
que foram at o sacrifcio supremo.
O liberalismo transformou a Europa tal qual era em 1815, ora graas s reformas - fazendo uso da evoluo progressiva, sem violncia -, ora lanando
mo da evoluo por meio da mudana revolucionria. Entre esses dois mtodos,
o liberalismo, em sua doutrina, no encontra razo para preferir um ao outro. Se
ele pode evitar a revoluo, alegra-se com isso. Na verdade isso aconteceu muito
raramente.
Talvez somente na Inglaterra, nos Pases Baixos e nos pases escandinavos
que o liberalismo transformou pouco a pouco o regime e a sociedade por meio
de reformas. Em todos os outros lugares, acossado pela resistncia obstinada dos
defensores da ordem estabelecida, que recusava qualquer concesso, o liberalismo recorreu ao mtodo revolucionrio. a atitude de Carlos X, em 1830, e a promulgao de ordenanas que violavam o pacto de 1814, que levam os liberais a
fazer a revoluo para derrubar a dinastia. assim tambm que a poltica obstinada de Metternich levar a ustria, em 1848, revoluo.
Ren Remand,
o sculo
XIX; 1818-1914,
p. 34-35.
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n,
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Em oposio
religiosidade medieval,
a cincia na era
modema se afirmava
como sinnimo de
verdade e progresso.
(Tela elaborada para a
Grande Exposio de
1851 na Gr-Bretanha)
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A SOCIOLOGIA
PR-CIENTFICA
Se esse pensamento racional e cientfico parecia vlido para explicar a natureza, intervir sobre ela e transform-Ia, ele poderia tambm explicar a sociedade vista como um elemento da natureza. E a sociedade, da mesma forma
que a natureza, poderia ser conhecida e transformada.
As questes de mtodo
o filsofo
o anticlericalismo
Um aspecto de especial importncia no pensamento desse perodo, sobretudo aquele de origem francesa, foi o anticlericalismo. Entre os filsofos e
os literatos que se insurgiram contra a religio, em particular contra a Igreja
Catlica, destaca-se Voltaire, que, no se atendo somente propagao de
idias anticlericais, tambm moveu processos judiciais contra a Igreja Catlica, a fim de rever antigas condenaes da Inquisio. Voltaire chegou a comprovar a injustia de alguns veredictos eclesiais e a obter indenizaes para
as famlias dos condenados.
Dessa forma, a Igreja foi questionada como fonte de poder secular, poltico e econmico, na medida em que se imiscua em questes civis e de
Estado. Tal questionamento
levou a uma descrena na doutrina e na infalibilidade eclesisticas, ass,im como ao repdio secular atuao do clero.
Esse processo, denO'f!linado por alguns historiadores
"laicizao da sociedade", por outros, "descristianizao",
atingiu seu apogeu no sculo XIX.
Nesse perodo desenvolveram-se
filosofias materialistas e o prprio estudo
da religio como instituio social, em suas origens e funes.
A sacralizao da cincia
A sociologia se desenvolveu no sculo XIX quando a racionalidade das
cincias naturais e de seu mtodo havia obtido o reconhecimento necessrio
para substituir a religio na explicao da origem, do desenvolvimento e da
finalidade do mundo.
Nesse momento, a cincia, com sua possibilidade de desvendar as leis
naturais do mundo fsico e social, por meio de procedimentos adequados e
controlados, havia conquistado parte da sacralidade que antes pertencia s
explicaes religiosas: a de descobrir e apontar aos homens o caminho em
direo verdade.
A cincia j no parecia mais uma forma particular de saber, mas a nica
capaz de explicar a vida, abolir e suplantar as crenas religiosas e at mesmo
as discusses ticas. Supunha-se que, utilizando-se adequadamente os mtodos de investigao, a verdade se descortinaria diante dos cientistas - os
novos "magos" da civilizao -, quaisquer que fossem suas opinies pessoais, seus valores sobre o bem e o mal, o certo e o errado.
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A SOCIOLOGIA
PR-ClENTFICA
de desvendar o mundo.
~tividades
1. De que maneira se desenvolveu a credibilidade no pensamento
sociais que contriburam para esse desenvolvimento?
cientfico?
Ouais os fatores
3. Ren Descartes afirmou em Discurso do mtodo: "Porque os nossos sentidos nos enganam s
vezes, quis supor que no havia coisa alguma que fosse tal como eles nos fazem imaginar". De
que maneira essa frase representa sua postura frent ao conhecimento?
4. Neste captulo procuramos explicar as diferenas entre dois mtodos de conhecimento - o dedutivo e o indutivo -,
5. Por que, na poca, sob o aspecto filosfico, o estudo cientfico era uma negao da religio?
6. O que significa laicizao da sociedade?
E O TRIUNFO DA CINCIA
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sociolgico cientfico?
Aplicao de conceitos ..
1. Hoje em dia podemos observar na propaganda outra forma contempornea
de sacralizao da cincia, por exemplo, quando anunciam poderes "mgicos" dos remdios - "Tomou
Doril, a dor sumiu". Em grupo, faa uma pesquisa nos jornais e peridicos buscando exemplos
dessa atitude.
2. Vdeo: Frankenstein (EUA, 1931. Direo de James Whale. Baseado no romance de Mary
Shelley. Durao: 71 min.) - Cientista, no sculo XIX, cria um homem a partir da unio de partes de
diversos cadveres, dando-lhe vida. Crtica cincia e sua pretenso divina.
Discuta a crtica que o filme apresenta ao poder da cincia.
1. Qual a transformao
profunda
Jos Calazans
p. 342.
sculo XIX?
religioso e pensamento
cientfico?
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A SOCIOLOGIA
PR-CIENTFICA
2
A medicina antes de 1700
p. 36.
leitura Complementar
[A sacralizao da cincia]
A cincia representa sempre a forma mais elevada da captao da realidade
pela mente humana, que cada poca se mostra capaz de produzir. Mesmo nas condies mais primitivas de cultura houve cincia, se aceitarmos que em tais situaes
possvel distinguir um conhecimento vulgar, cotidiano, no dirigido interpretao
que pretendia ser racional da realidade, de outro, que se presume derivar da aplicao de mtodos investigatrios e interpretativos, ainda quando sejam aqueles a que,
de nosso ponto de vista atual, atribumos o carter de mgicos. A historicidade da
cincia consiste na historicidade dos mtodos de que se utiliza e na do exame e
compreenso do prprio pensamento. Os mtodos foram se aperfeioando ao longo
do tempo, at chegarem s modalidades de anlise atual da capacidade de reflexo
subjetiva e s tcnicas instrumentais da pesquisa experimental e descoberta das
regularidades quantitativas entre os fenmenos, que permitiro o emprego, em escala cada vez mais ampla, dos raciocnios matemticos. A historicidade essencial
do mtodo o conceito fundamental que nos deve guiar na compreenso da cincia
e nos servir de regra para discernir em cada etapa civilizatria o que era a produto
do saber emprico, popular, tradicional, no cientfico, resultado de crenas injustificadas ou opinies individuais, em contraposio ao que, para essa fase histrica,
j possua o carter de cincia. Assim, nas civilizaes primitivas a interpretao
mgica da realidade, patrimnio de restrito crculo sacerdotal, que a detinha, quase
sempre em forma de saber esotrico, era a manifestao, ento a nica possvel, da
cincia nas condies histricas vigentes. Tanto assim era que seus detentores
mereciam socialmente o reconhecimento de sbios. Pouco importa que de nossa
perspectiva atual apaream ignorantes do que para ns so agora as verdadeiras
funcionalidades da natureza.
lvaro Vieira Pinto, Cincia e existncia,
p. 92.