Antropofagia PDF
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DIREITO BRASILEIRO
Lalson Braga Baeta Neves
Juiz de Direito em Montes Claros
Professor Universitrio
1. O Movimento Antropofgico.
Trata-se de um movimento que teve sua liderana Oswald de Andrade, Raul
Boop, Tarsila do Amaral, Mario de Andrade, dentre outros. Sendo considerado um dos
movimentos mais importantes da histria da arte nacional.
Era uma resposta semana da arte, ocorrida em 1922, que marcou a vida
artstica brasileira, tanto no modo de pensar como no de se expressar. Era uma maneira
de por fim ao velho na cultura brasileira; segundo Oswald de Andrade, por fim ao falar
difcil sem nada dizer.
O movimento antropofgico tinha duas vertentes, uma que era a de se voltar
para a produo nacional, ou seja, a cultura indgena, liberao dos instintos e
valorizao da inocncia. De outra sorte, no havia um xenofobismo, no sentido de
rejeitar tudo que era oriundo da Europa ou de outros pases.
Na verdade o que se pretendia era uma digesto daquilo que vinha de fora, ou
melhor, queria devorar o que vinha atravs dos rituais europeus, digerindo e
reconstruindo, superando a sociedade patriarcal e capitalista da poca.
Portanto, foi um movimento artstico que teceu mais crticas sobre a ento
ordem social e o capitalismo. Foi um desdobramento do primitivismo Pau-Brasil e
uma reao ao Nacionalismo Verde e Amarelo1. Teve o seu marco com o lanamento
do manifesto antropofgico em 1928, do qual falaremos mais adiante.
O fato marcante que, a partir de ento, comeou-se a pretender uma produo
artstica genuna e original na arte brasileira, sem que fosse uma cpia da expresso
artstica aliengena, mas, no significando uma rejeio produo estrangeira.
Oswald de Andrade buscou na cultura tupinamb, remontando ao
descobrimento do Brasil, a antropofagia ritualstica, aquela que quer assumir os poderes
e virtudes do outro, ao invs de aniquil-lo2.
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1.1 A antropofagia
A antropofagia entre os nativos deste Brasil tinha um cunho de respeito e
sagrado. Na verdade uma prtica quase universal, ainda que simblica.
Na tradio crist a comunho marcada pela ingesto do corpo de Cristo, a
fim que os seus seguidores possam, pelo sangue e pela carne do justo, se ver livre de
suas fraquezas e imperfeies.
Na tradio sacra indgena, o ato de devorar o adversrio indica respeito por
suas virtudes e a esperana de que estas se incorporem aos que o devoram, sem,
contudo, representar uma renncia prpria cultura, posto que assim, elas devem se
manifestar nos modos e na forma apropriada cultura do devorador.
Freud, por sua vez, em sua obra, Totem e Tabu destaca a importncia da
antropofagia, quando se refere ao parricdio3, o que ser mencionado mais adiante.
Segundo Adriano Bitares Netto4, O Movimento antropofgico, lanado em
1928 por Oswald de Andrade, promoveu um resgate do primitivismo, at ento
considerado de mau gosto pelo olhar clssico e tradicionalista da cultura brasileira.
Ainda segundo ele, a imagem do canibal foi eleita como cone que
representaria a postura independente, crtica, irreverente e parricida do brasileiro diante
do estrangeiro.
Assim, os intelectuais, por meio de uma atitude irreverente, satrica; atravs de
sua manifestao artstica, pretendem curar a nao brasileira de um dos seus maiores
males orgnicos, qual seja, o entreguismo cultura europia.
Portanto, Oswald de Andrade props uma orientao esttica e ideolgica que
deveria trazer a emancipao quanto submisso do Brasil e sua atitude conservadora
em relao s artes.
Surgem a partir da, as obras comprometidas com o antropofagismo, tais como:
a pintura o Abaparu, ou o homem que come carne, criao de Tarsila do Amaral e
dada de presente ao seu ento marido Oswald. Macunama de Mario de Andrade;
Cobra Norato, poema de Raul Boop; Menotti Del Picchia com o seu excelente Juca
Mulato, etc.
Segundo Miriam Cristina Carlos Silva7, difcil no rir com a sua poesia, que
na sua concepo, ertica, conforme segue abaixo:
Sinto-me cada vez mais brasileira: quero ser a pintora da minha terra.
Como agradeo por ter passado na fazenda a minha infncia toda. As
reminiscncias desse tempo vo se tornando preciosas para mim.
nossa
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AGIR, 2008.
ANDRADE, Mrio. Macunama, o heri sem nenhum carter. 4 reimpresso. Rio de Janeiro:
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BAUMAN, Zygmunt. Tempos Lquidos. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar,
2007.
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Quando deixamos que nos submetam a toda uma viso mundista e colonialista,
estamos a aceitar, em um Pas com profunda desigualdade social toda a angstia e
insegurana produzida por eles, sem contudo, possuir a estrutura scio-econmica deles.
O movimento antropofgico exige que, sem xenofobia, recebamos o que vem
de fora de uma forma criteriosa, digerindo e adaptando, transformando e at recusando
o inadaptvel.
Permeando sempre, a nossa cultura que deve ser salvaguardada, para que a
nossa produo artstica, cultural e intelectual tenha contornos prprios. Sem arremedos
despropositados, evitamos que nos tornemos seres caricatos, ou seja, caricatura de uma
cultura que no assimilamos e nem entendemos, posto que aliengena.
Somente atravs da antropofagia, esta deglutio saudvel e de uma atitude
criativa, poderemos construir uma sociedade moderna e equilibrada em suas prprias
bases.
6. A Antropofagia e o Direito.
Cabe a ns, a partir de agora, tentar fazer o nosso prprio exerccio
antropofgico, qui com que efetividade.
Ora em diante, tentaremos demonstrar a conexo entre o movimento
antropofgico, destacando a sua importncia na hermenutica, bem como na elaborao
da norma e sua aplicao.
KANT, Immanuel. Crtica Razo Pura. In Os Pensadores. Trad. Valrio Rodhen e Udo Badu
Moosburger. 4 Ed. So Paulo: Nova Cultural, 1994.
KANT, Immanuel. Introduo ao Estudo do Direito, Doutrina e Direito. Trad. Edson Bino. So
Paulo: Edipro Edies Profissionais, 2007.
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KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. Joo Batista Machado. 5 Edio. Coimbra:
Armnio Amado, 1979.
Vale dizer, uma concepo do direito que nasce quando o direito positivo e o
direito natural no so mais considerados da mesma forma, enquanto o direito positivo
passa a ser o prprio direito.
o que se v na obra O Direito Positivo, de Norberto Bobbio23.
Convm lembrar que Kelsen, em outra obra (O que Justia?)24, ao falar da
Justia coletiva e exemplificando quanto escolha de um comandante para uma
determinada tropa, deixou entrever a necessidade da legitimao da norma pela
comunidade a que ela se destina.
Assim, Kelsen quando fala de uma lei maior, nada mais faz do que se apoiar no
imperativo categrico de Kant, admitindo que existe uma norma no positiva, que
justifica as demais.
justamente essa contradio em Kelsen que permite a elaborao do
pensamento ps-positivista.
Assim, esta norma maior, legitimadora, este imperativo categrico, s ter
validade como afirmado acima, deixando entrever por Kelsen, se fundado no grupo
social, sem amarras ou de qualquer espcie, fsica, poltica ou econmica, respeitandose a sua cultura e forma de interpretar as suas necessidades regulamentadoras ou
normativas.
de se notar, que ainda sob uma tica positivista, a construo normativa s
ser legitimada se realizada sob a tica da realidade e universalidade da sociedade
brasileira, ainda que com todas as suas contradies, como visto em Macunama.
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6.3.1 Gaderman.
Hans-Georg Gadamer, filsofo alemo, autor de vrias obras, tem em
Verdade e Mtodo, Traos Fundamentais de uma Hermenutica Filosfica25 e o no
menos importante Hermenutica em Retrospectiva26, pode ser visto sob o ponto de
vista do movimento liderado por Oswald de Andrade.
Este conceituado filsofo europeu realizou uma reviso do pensamento
iluminista, que pretende uma postura absolutamente racional, um cientificismo
exacerbado para aproximar-se da tradio, afirmando que estamos irremediavelmente
incrustados na cultura e na linguagem, o que torna descabido uma certeza com base em
um mtodo inteiramente racional.
Para ele a hermenutica, a arte de interpretar corretamente os textos, est alm
da definio acima, passando pelo entendimento que hermenutico. Para ele a verdade
resulta do dilogo e no do mtodo, sendo, pois, a hermenutica ou o entendimento, um
resultado dos questionamentos conceitos e pr-conceitos da pessoa em face da outra ou
do texto posto diante dele. Assim, os significados nunca so completos ou definitivos,
posto que sempre resultam da fuso de horizontes distintos.
Em face disso, pode-se concluir que a fuso de horizontes entre nacionais ou
entre nacionais e estrangeiros, seja face a face, seja atravs de textos, deve resultar em
uma fuso de horizontes que permita um entendimento compatvel com a percepo
livre dos envolvidos, sem uma imposio ou subjuno da idia de um sobre o outro.
exatamente o que se prope no universo Oswaldiano, no que diz respeito a
essa deglutio que redunda na reconstruo e elaborao daquela verdade que prpria
daqueles envolvidos, no caso especfico, dos nacionais.
A hermenutica jurdica, consubstanciada pelo dito acima, deve tambm, ser
construda atravs desse dilogo que no exclui, segundo o prprio Gadamer, a cultura,
a arte e o mundo natural, vozes que se projetam de dentro numa conversao infindvel.
6.3.2 Gnther
Foi Gnther quem desenvolveu a teoria quanto diferenciao entre o discurso
de fundamentao e o discurso de aplicao e no Habermas, como muitos acreditam,
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embora exista uma relao entre eles, convm dizer que Habermas acolheu a teoria de
Klaus Gnther em sua obra Direito e Democracia, e no o contrrio.
Para ele, a fundamentao est ligada validade da norma. O processo de
justificao da norma se apia no seu critrio de validade.
A fundamentao se apia na participao dos interessados na criao ou
elaborao da norma que haver de ser destinada a eles prprios.
Est apoiada, portanto, no discurso dialgico que haver de resultar no
consenso quanto norma a ser criada.
De outra sorte, a aplicao ou argumento de aplicao, diz respeito ao
aplicador da lei (magistrado) que dever decidir qual norma mais adequada ao caso
concreto.
Esta definio quanto norma a ser aplicada, apesar de parecer um ato isolado,
no o , ou no deveria s-lo, posto que somente atravs da confrontao dos discursos,
do dilogo, da interveno dos interessados no processo, somado ao cabedal do
aplicador (fuso de horizontes), poder resultar em uma deciso legtima.
Em ambas as situaes, a devorao de conceitos (externos e internos), feita
de forma a obter-se um resultado compatvel com a verdade expressa no dilogo travado
entre os interessados quer seja quanto ao argumento de fundamentao (parlamentares e
membros da comunidade em questo), seja quanto ao argumento de aplicao
(magistrado, advogados, partes, peritos, testemunhas e demais meios probatrios).
6.3.3 Habermas
Habermas (Direito e Democracia), por sua vez, entende que a norma
legitimada, quando resulta de uma comunicao racional, que ela resultado do
consenso entre todos, ou seja, aqueles a quem ela se direciona.
Para Habermas, a norma legitima quando resulta do consenso daqueles a
quem ela destinada, razo pela qual s possvel na democracia, quando os direitos
fundamentais so garantidos e para ele o direito fundamental por excelncia o da
participao na elaborao das normas.
Habermas fundamenta sua teoria com base no agir comunicativo. Para ele os
processos de ao comunicativa tm funes recprocas de construo da sociedade,
cultura e personalidade pelas interaes e mediaes da linguagem.
Obviamente, um aproveitamento digno de um antropfago, quanto ao dito
acima, sem excluir que Habermas tambm adota a diferenciao entre argumento de
Concluso.
O Movimento Modernista Antropofgico tem profunda importncia para a
cultura nacional e tem bases muito mais slidas e profundas do que se possa imaginar a
primeira vista.
um movimento que pretende a preservao da cultura nacional no sentido
mais amplo da palavra, sem qualquer xenofobismo, mas sem admitir a submisso da
cultura nacional a valores aliengenas.
Em face disso, buscou a preservao dos nossos valores e uma adaptao e
reconstruo daquilo que provem da cultura estrangeira.
O Direito ptrio, tanto na prtica acadmica, bem como nas funes legislativa
e judiciria podem se valer do movimento antropofgico para a sua realizao,
construindo um sistema cada vez mais compatvel com os nacionais.
As modernas obras filosficas tais como as de Gadamer, Gnther e Habermas,
podem ser digeridas pelos operadores ptrios, sem um arremedo caricato, trazendo o
que de melhor existe para a consolidao de um direito ptrio legtimo e assentado nos
valores nacionais em face da contribuio dos membros da sociedade brasileira.
Referncias: