Desenvolvimento Sustentável: Do Ecodesenvolvimento Ao Capitalismo Verde
Desenvolvimento Sustentável: Do Ecodesenvolvimento Ao Capitalismo Verde
Desenvolvimento Sustentável: Do Ecodesenvolvimento Ao Capitalismo Verde
Resumo
O desenvolvimento sustentvel tem por objetivo conciliar o desenvolvimento econmico com
a preservao do ambiente, de modo a satisfazer as necessidades humanas atuais e futuras.
Entretanto, observam-se contradies na proposta de desenvolvimento sustentvel do
Relatrio Brundtland (ONU) que permitem duvidar do alcance daqueles objetivos por parte
dos apologistas do novo modelo de desenvolvimento. Este artigo tem por finalidade explorar
tais contradies e demonstrar, sobretudo atravs da Geografia e da Sociologia, que os
problemas socioambientais gerados pelo processo produtivo capitalista dificilmente sero
resolvidos atravs da proposta de desenvolvimento sustentvel, pois esse modelo de
desenvolvimento no questiona as relaes sociais capitalistas, no mximo prope mudanas
em suas relaes tcnicas.
Palavras-chave:
Capitalismo.
Desenvolvimento sustentvel.
Problemas
socioambientais.
Ecodesenvolvimento.
Abstract
Sustainable development has emerged as the main objective of the global ecology movement
at the end of the 20th century. Thats a proposal that aims uniting economical development
and environmental preservation, satisfying present and future human needs. However, the
analysis of the Brundtland Report (UN) presents contradictions concerning its sustainable
development proposal, which raise doubts about the possibilities of those goals held by the
apologists of this new model of development. This work aims at exploring those
contradictions and demonstrating that social and environmental problems generated by
capitalism will not be solved by the sustainable development proposal, because this
development model does not question capitalist social relations, only proposes changes in its
technical relations.
Key-words: Capitalism. Social and environmental problems. Ecodevelopment. Sustainable
development.
Introduo
meio
ambiente,
resultando
na
formulao
do
conceito
de
no
uma
crtica ao
capitalismo.
Existem
algumas
diferenas
entre
ecodesenvolvimento e DS que reforam a idia de que a crtica ecolgica tem sido apropriada
pelas foras de mercado.
A partir das caractersticas da proposta de DS identificadas atravs da anlise do
documento Nosso Futuro Comum, tambm conhecido como Relatrio Brundtland, no item 2
fazemos uma crtica ao DS. Para tanto utilizamos basicamente trs autores: o antroplogo
Guillermo Foladori (2.1), o gegrafo Milton Santos (2.2) e o socilogo Immanuel Wallerstein
(2.3).
Foladori, em Limites do desenvolvimento sustentvel, defende a tese de que a crise
ambiental, para ser melhor compreendida, deve ter o processo produtivo como elementochave de entendimento. Os inmeros problemas ambientais, que enchem as listas de
problemas divulgadas pelos organismos internacionais, podem ser organizados de acordo com
a produo da vida material, de modo a contribuir para um melhor entendimento das causas
dos problemas. A produo envolve relaes tcnicas (humano-natureza) e relaes sociais
(entre seres humanos), sendo que estas determinam aquelas, ou seja, as tcnicas so
produzidas, utilizadas e apropriadas de acordo com a forma de organizao social. Este
argumento pe em cheque a aposta em tecnologia da proposta de DS, uma vez que a
sociedade capitalista praticamente no questionada, somente criticam-se as tecnologias
sujas que devem ser substitudas por tecnologias limpas.
Sobre o primeiro pressuposto ver TOSTES, 2006. Em relao ao segundo pressuposto, encontra-se a
contradio capital-trabalho em O capital de Marx; sobre a segunda contradio do capital capital-natureza
ver MONTIBELLER F., 2004. O terceiro pressuposto baseado, sobretudo, em LAYRARGUES, 1998 e
LOUREIRO, 2006.
IUCN a sigla em ingls da Unio Internacional para a Conservao da Natureza, uma organizao nogovernamental criada em 1948 com o objetivo de elaborar estratgias para a conservao da natureza.
3
Comisso Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU.
Internacional (FMI) devem ter um papel central no financiamento dessas novas tecnologias.
Outra forma de mitigar a situao a transferncia de tecnologias limpas do Norte para o
Sul.
Ajuda financeira e transferncia de tecnologias somente so possveis se houver mais
cooperao entre os povos e aqui temos o segundo elemento bsico do DS. Essa cooperao
fundamental para assegurar o progresso humano continuado e a sobrevivncia da
humanidade (ibidem, p. 2). H uma crena de que governos realmente representam os povos
e, assim sendo, governos devem cooperar uns com os outros e ter conscincia de que
desenvolvimento humano (econmico) no est separado das questes relativas ao meio
ambiente. Deve haver cooperao entre todos os pases devido interdependncia econmica
e ecolgica.
O terceiro elemento bsico da proposta de DS a expanso do mercado. H autores
que defendem a tese da pobreza como culpada dos problemas ambientais. A CMMAD, por
exemplo, afirma que:
Em
outras
palavras,
os
pases
em
desenvolvimento
buscam
formas
de
A proposta de ecodesenvolvimento surgiu das discusses da ECO 72 em Estocolmo, na Sucia. O conceito foi
originalmente concebido por Maurice Strong e posteriormente desenvolvido principalmente por Ignacy Sachs.
Ao que tudo indica, o discurso ambiental vem sendo apropriado pelas foras de
mercado. Um indcio disso pode ser apreendido dessas diferenas entre as propostas de
desenvolvimento. O ecodesenvolvimento, com sua crtica ao livre mercado, com a defesa de
um teto de consumo material que limitaria o mercado e diminuiria o consumo de suprfluos
e com sua defesa autodeterminao dos povos na criao de tecnologias mais apropriadas a
cada regio, no conseguiu ser a idia-fora que pretendia, visto que sofria bastante
resistncia do capital. Durante os anos 1970 e 1980, a discusso entre preservao da natureza
e desenvolvimento no conseguiu encontrar no ecodesenvolvimento uma soluo. Entretanto,
no final dos anos 1980 surge o desenvolvimento sustentvel, um conceito vago e contraditrio
Depredao
Produo
(economia)
Excedente de
populao
Detritos
Poluio
Problemas ambientais
Fonte: Foladori, 2001, p. 103.
O processo produtivo est na raiz da crise ambiental. esse processo que determina o
uso mais ou menos intenso de certo recurso natural (problema da depredao e extino), a
quantidade maior ou menor de detritos aps o processo produtivo (problema da poluio) e
quem vai participar e de que forma no processo produtivo (problema do excedente de
populao, da pobreza). O processo produtivo, dessa forma, um fator-chave para o
entendimento da crise ambiental.
A partir do incio da produo da vida material, novas relaes entre o ser humano e o
meio ambiente foram forjadas, como: a) desenvolvimento de um conceito de tempo: distingue
a ao (presente) dos objetos (passado) com os quais se realiza e do propsito (futuro); b)
produo de instrumentos sem a presso do imediato, possibilitando a produo de objetos
gerao e as prximas tero seus interesses. De outro lado, h uma base de recursos naturais
limitada, que tende a diminuir cada vez mais devido ao crescimento populacional e falta de
tecnologias capazes de produzir mais com menos. A Comisso acredita que, atravs do
avano tecnolgico, temos o poder de reconciliar as atividades humanas com as leis naturais,
e de nos enriquecermos com isso. E nesse sentido nossa herana cultural e espiritual pode
fortalecer nossos interesses econmicos e imperativos de sobrevivncia (CMMAD, 1991, p.
1).
Em verdade, no h uma humanidade que se defronta em bloco com uma base finita
de materiais. Antes, h um confronto no interior da humanidade, entre classes sociais. Por isso
Foladori pauta a crtica dele em torno da confuso entre contedo e forma no processo
produtivo, ou seja, na confuso entre relaes tcnicas e relaes sociais. De acordo com
Foladori (2001, p. 106):
O sculo XVIII foi extremamente importante por dois fenmenos: 1) a produo das
tcnicas das mquinas; 2) o surgimento de idias filosficas (que tambm eram morais) que se
tornaram foras polticas. De acordo com o gegrafo Milton Santos (2003, p. 64):
Os pases do Sul devem buscar a cooperao entre eles prprios, uma associao que
se d de forma no-dependente, pois somente assim tero fora para romper com a obedincia
trade. Esse o desafio do Sul. Somente esse tipo de cooperao entre os povos pode
diminuir as desigualdades entre as naes e alterar os rumos da globalizao. Mas nada disso
fcil, pois depende de um novo avano de idias filosficas e morais que possibilitem o
surgimento de novas foras polticas capazes de diminuir ou mesmo eliminar o poder das
empresas multinacionais e resgatar a Poltica em seu sentido mais pleno.
o que o capitalismo histrico fez foi empurrar esses dois temas a expanso
real e sua justificativa ideolgica para o primeiro plano, e assim conseguir
suprimir as objees sociais ao terrvel duo. (...) A expanso teve um efeito
cumulativo. Toma tempo derrubar rvores. (...) Toma tempo despejar toxinas
nos rios ou na atmosfera (WALLERSTEIN, 2002, p. 113).
A contradio que, ao mesmo tempo, essa democratizao do mundo faz com que
muitas pessoas desejem diminuir a degradao do ambiente e reivindiquem um ar mais limpo,
uma gua potvel, mais rvores, etc. Wallerstein observa essa contradio quando afirma que
muitas pessoas querem desfrutar tanto de mais rvores como de mais bens materiais, e
grande parte delas simplesmente separa as duas reivindicaes em suas mentes (ibidem, p.
114).
O outro trao fundamental do capitalismo que os capitalistas no pagam todas as
suas contas, ou seja, durante a expanso da economia as empresas geram o que os
economistas chamam de externalidades. De acordo com a economia neoclssica, trata-se de
uma falha de mercado, em que o preo no d conta dos custos e benefcios sociais,
podendo a externalidade ser positiva ou negativa. Historicamente, os capitalistas geraram
vrias externalidades negativas no que diz respeito ao meio ambiente e justia social. Uma
empresa, por exemplo, polui determinado rio com sua produo e posteriormente a populao
da cidade abastecida por esse rio tem que pagar a uma outra empresa para despoluir a gua
para consumo humano. A empresa poluidora deveria responsabilizar-se pela despoluio, mas
no o fez, porque isso exigiria um grande gasto de recursos financeiros da empresa, o que
diminuiria seus lucros.
O objetivo de aumentar a produo, por parte dos capitalistas, obter lucro. Este a
diferena entre o preo de venda e o custo total de produo, multiplicado pelo montante total
de vendas. Para lucrar mais, deve-se diminuir o custo total ou elevar-se os preos de venda. O
problema identificado por Wallerstein o da restrio dos preos de venda pelo mercado, o
que leva a uma soluo capitalista: reduzir ao mximo o custo total da produo. Mas como?
Wallerstein argumenta que o preo da mo-de-obra tem a um papel muito importante, e isto
inclui, claro, o preo da mo-de-obra que entrou em todos os insumos (ibidem, p. 114). O
valor da mo-de-obra resulta de dois elementos: 1) relao entre oferta e demanda de mo-deobra e 2) o poder de barganha da fora de trabalho. Os capitalistas tentam impor de toda
forma um nvel baixo de salrios, diminuindo assim os custos de produo. Com um nmero
cada vez maior de pessoas indo para as cidades, o argumento marxista mais aceito que o
aumento da populao nas cidades forma um exrcito industrial de reserva necessrio ao
capital, pois o poder de barganha da fora de trabalho por melhores salrios diminui.
1)
2)
3)
Referncias
AMAZONAS, Maurcio C.; NOBRE, Marcos (orgs.). Desenvolvimento Sustentvel: a
institucionalizao de um conceito. Braslia: Edies IBAMA, 2002.