Sachs

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REVISTA ACADMICA SO MARCOS

RESENHA

SACHS, Ignacy. Desenvolvimento: includente, sustentvel, sustentado. Rio


de Janeiro: Garamond, 2008.
por Dulio Castro Miles1

INFORMAES SOBRE O AUTOR:


Ignacy Sachs (Varsvia, 1927) um economista polons, naturalizado
francs. Tambm referido como ecossocioeconomista, por sua concepo de
desenvolvimento como uma combinao de crescimento econmico, aumento
igualitrio do bem-estar social e preservao ambiental. H mais de trinta anos,
Ignacy Sachs lanou alguns dos fundamentos do debate contemporneo sobre
a necessidade de um novo paradigma de desenvolvimento, baseado na
convergncia entre economia, ecologia, antropologia cultural e cincia poltica.
Suas idias so hoje mais claramente compreendidas no cenrio das
mudanas climticas e da crise social e poltica mundial.
TRAJETRIA
Em 1941, refugiado da Segunda Guerra Mundial, Sachs chegou ao
Brasil, onde permaneceu at 1954, e graduou-se em Economia pela Faculdade
de Cincias Econmicas e Polticas do Rio de Janeiro (atualmente ligada
Universidade Cndido Mendes).
Por sua crena no comunismo, foi um dos raros judeus poloneses que
voltaram ao pas natal no ps-guerra e l trabalhou no Instituto de Relaes
Internacionais. Entre 1957 e 1960, esteve na ndia como funcionrio da
embaixada de seu pas. Nesse perodo, obteve seu doutorado na Escola de
Economia da Universidade de Dlhi. Ao retornar Polnia, foi encarregado de
criar um centro de pesquisas sobre as economias de pases subdesenvolvidos,
na Escola de Planejamento e Estatstica de Varsvia.
Em 1968, foi convidado por Fernand Braudel para integrar o corpo
docente da futura cole des Hautes tudes en Sciences Sociales (EHESS),
1

Mestre em Administrao UNISINOS, Especializao em Administrao de Recursos Humanos


PUCRS, Professor do Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia do Rio Grande do Sul,
e-mail: [email protected].
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onde criou, em 1985, o Centre de recherches sur le Brsil contemporain
(Centro de Pesquisas sobre o Brasil Contemporneo), do qual atualmente um
dos diretores.
Trabalhou na organizao da Primeira Conferncia de Meio Ambiente e
Desenvolvimento da ONU, realizada em Estocolmo, Sucia, em 1972, durante
a qual foi criado o Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente
(PNUMA). Nessa poca, a partir de uma proposta do secretrio da
Conferncia, Maurice Strong, Ignacy Sachs formulou o conceito de
ecodesenvolvimento que, anos depois, daria origem expresso
desenvolvimento sustentvel.
Sachs foi tambm conselheiro especial da Conferncia das Naes
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro,
em 1992.
Ignacy Sachs autor de mais de 20 livros sobre desenvolvimento e meio
ambiente.
OBRAS PUBLICADAS NO BRASIL E SOBRE O BRASIL

Capitalismo de Estado e Subdesenvolvimento: Padres de setor pblico


em economias subdesenvolvidas. Petrpolis : Vozes. 1969.
Ecodesenvolvimento : crescer sem destruir. Trad. de E. Araujo. - So
Paulo: Vrtice, 1981.
Espaos, tempos e estratgias do desenvolvimento. So Paulo: Vrtice.
1986.
Histoire. culture et styles de dveloppement : Brsil et Inde -esquisse de
comparaison sous la dir. de C. Comeliau et I. Sachs. L'Harmattan,
UNESCO/CETRAL, Paris.
Extractivismo na Amaznia brasileira: perspectivas sobre o
desenvolvimento regional. Ed. por M. Cllisener-Godt e Ignacy Sachs. Paris: UNESCO, 1994; -96 p. (Compndio MAB ; 18)
Estratgias de transio para o sculo XXI: desenvolvimento e meio
ambiente. Prefcio: M. F. Strong ; trad. Magda Lopes. So Paulo: Studio
Nobel : Fundao do desenvolvimento administrativo (FUNDAP), 1993.
Brazilian Perspectives on Sustainable Development of the Amazon Region. ed. by M. Clsener-Godt and I. Sachs. UNESCO/The Parthenon
Publishing Group, Paris-New York, 1995.
Rumo Ecossocioeconomia - teoria e prtica do desenvolvimento. So
Paulo: Cortez Editora, 2007.
Caminhos para o desenvolvimento sustentvel. Ignacy Sachs. Coleo
Idias Sustentveis. Ed. Garamond, 2006.
Desenvolvimento includente, sutentvel e sustentado. Ignacy Sachs. Ed.
Garamond, 2006.
Incluso social pelo trabalho. Ignacy Sachs. Ed. Garamond, 2006.

EXPOSIO SINTTICA DO CONTEDO DA OBRA


A obra de Ignacy Sachs trata principalmente do conceito e estratgias de
implementao do desenvolvimento, especialmente o endgeno.
Est composta de quatro captulos, alm do prefcio escrito por Celso Furtado.
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No primeiro Captulo, denominado Desenvolvimento e tica para onde ir
Amrica Latina, o autor parte do caso da economia Argentina procurando
demonstrar os equvocos que pases que seguiram a receita do Fundo
Monetrio Internacional FMI, cometeram sob o ponto de vista do conceito de
desenvolvimento.
Sob um olhar crtico, toma o exemplo argentino, para retratar a realidade
latinoamericana, de como pases com disposio de recursos naturais e
humanos podem, atravs de uma poltica equivocada, inspirada por uma viso
idealizada de uma globalizao simtrica e mutuamente benfica e pelo
fundamentalismo de mercado (Sachs, 2008, p.10), transformar-se no caso
mais extremo de pobreza na abundncia nas palavras de Keynes.
Constitui-se em um exemplo de: desenvolvimento (ou de involuo,
para usar um termo de Clifford Geertz) em circunstncias no blicas, uma
tragdia que resultou de uma mistura letal de dependncia excessiva de
recursos externos, de confiana cega no Consenso de Washington e de m
governana (SACHS, 2008, p.10).
Ao mesmo tempo, alerta sobre a receita proposta pelo que ele chama a
verso neoliberal do fundamentalismo de mercado, lembrando que este
apenas uma instituio entre muitas, que esto sujeitos a falhas e que somente
um Estado, enxuto, limpo, planejador e capaz de descortinar o futuro, que faz
possvel a sua correo.
Para tanto, registra que Estado nacional possui trs funes principais, a
saber:
a- A articulao de espaos de desenvolvimento, desde o nvel local (que deve ser
ampliado e fortalecido) ao transnacional (que deve ser objeto de uma poltica cautelosa
de integrao seletiva, subordinada a uma estratgia de desenvolvimento endgeno;
b- A promoo de parcerias entre todos os atores interessados, em torno de um acordo
negociado de desenvolvimento sustentvel;
c- A harmonizao de metas sociais, ambientais e econmicas, por meio de
planejamento estratgico e do gerenciamento cotidiano da economia e da sociedade,
buscando um equilbrio entre diferentes sustentabilidades (social, cultural, ecolgica,
ambiental, territorial, econmica e poltica) e as cinco eficincias (de alocao, de
inovao, a keynesiana, a social e a ecoeficincia (SACHS, p.11).

A partir disso, comea apresentar a sua proposta de desenvolvimento


endgeno, tendo como objetivo principal a gerao do trabalho decente para
todos, segundo a estratgia proposta pela OIT, promovendo o emprego e o
auto-emprego na produo de meios de subsistncia.
Prope, para a Argentina, como para o resto do continente
latinoamericano, a implementao do conceito de desenvolvimento
sustentvel, baseada nos cinco pilares da endogeneidade (oposta ao
crescimento mimtico): autoconfiana (oposta a dependncia), orientao por
necessidades (em oposio orientao pelo mercado), harmonia com a
natureza e abertura mudana institucional (What now?, 1975 apud SACHS,
p.12)
Portanto, sem negar a importncia das exportaes, as potencialidades
do mercado interno devem ser aproveitadas como primeiro passo para
revigorar as economias em crise.
Atravs do pensamento de Amartya Sem, registra a necessidade de
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resgatar as origens da economia e sua relao com a tica, que se perdeu com
o tempo, comeando a tecer vrios argumentos para caracterizar o que seja
desenvolvimento.
Primeiramente, diferencia desenvolvimento de crescimento econmico,
entendendo que os objetivos do desenvolvimento vo bem alm da
multiplicao da riqueza material.
E, afirma que o crescimento uma condio necessria, mas de forma
alguma suficiente (muito menos um objetivo em si mesmo) para se alcanar a
meta de uma vida melhor, mais feliz e mais completa para todos (SACHS,
p.13).
Outra forma de conceituar o que seja desenvolvimento, segundo
Amartya, quanto este promove a efetiva apropriao das trs geraes de
direitos humanos, isto : a) direitos polticos, civis e cvico; b) direitos
econmicos, sociais e culturais, entre eles o direito ao trabalho digno; e c) os
direitos coletivos ao meio ambiente e ao desenvolvimento.
Dessa forma, consegue-se promover o sentido de igualdade, equidade e
solidariedade entre os homens, superando a condio de pobreza, em um
mundo de abundncia.
Questiona o autor a confuso que se faz sobre o crescimento
econmico, entendendo que este no sinnimo de desenvolvimento, e que,
muitas vezes, amplia a condio de desemprego, aprofundando as
desigualdades, e o pior, gera em determinadas circunstncias a denominada
competitividade espria, que destri a fora de trabalho e os recursos naturais.
Registra, por ltimo, os cinco pilares do desenvolvimento sustentvel:
a) Social, fundamental por motivos tanto intrnsecos quanto instrumentais por causa a
perspectiva de disrupo social que paira de forma ameaadora sobre muitos lugares
problemticos do planeta.
b) Ambiental, com as suas duas dimenses (os sistemas de sustentao da vida como
provedores de recursos e como recipientes para disposio de resduos);
c) Territorial, relacionado distribuio espacial dos recursos, das populaes e das atividades;
d) Econmico, sendo a viabilidade econmica a conditio sine qua non para que as coisas
aconteam;
e) Poltico, a governana democrtica um valor fundador e um instrumento necessrio
para fazer as coisas acontecerem; a liberdade faz toda a diferena. (SACHS, p.15-16)

Resumidamente, prope que:

os pases devem se desenvolver a partir de suas prprias foras, isto ,


implementar uma estratgia de desenvolvimento endgeno, sem negligenciar a sua insero na economia global;

ter o emprego decente e o auto-emprego para todos como objetivo principal com vistas a assegurar simultaneamente a sustentabilidade social
e o crescimento econmico (SACHS, p.18) e;

lembra, ainda, que: os pases perifricos deveriam mobilizar as suas


capacidades intelectuais e polticas para organizar em todos os foros internacionais, antes de mais nada na ONU, promovendo uma intensa

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campanha a favor da reforma necessria da ordem econmica internacional (SACHS, p. 21).
No segundo captulo, intitulado de Desenvolvimento includente e
trabalho decente para todos, procura aprofundar o que venha a se constituir o
desenvolvimento includente, apresentando aes que deveriam fazer para de
uma estratgia de implementao.
Comea fazendo uma reviso sobre as discusses do que venha a ser
desenvolvimento. Registra por exemplo que os autodenominados psmodernos propem renunciar ao conceito, alegando que o desenvolvimento
tem funcionado como uma armadilha ideolgica construda para perpetuar as
relaes assimtricas entre as minorias dominadoras e a maiorias dominadas
dentro de cada pas e entre os pases.
Por sua vez, os denominados fundamentalistas de mercado consideram
o desenvolvimento como um conceito redundante.
Entendem que o
desenvolvimento vir como resultado natural do crescimento econmico,
graas ao efeito cascata (trickle down effect). No h necessidade de uma
teoria do desenvolvimento, basta aplicar a economia moderna, uma disciplina a
histrica e universalmente vlida.
Em relao a esse posicionamento, o autor considera que a teoria do
efeito cascata seria totalmente inaceitvel em termos ticos, mesmo se
funcionasse, o que no o caso. Em um mundo de desigualdades abismais,
um absurdo pretender que os ricos devam ficar mais ricos ainda, para que os
destitudos possam ser um pouco menos destitudos (SACHS, p.26).
Nesse particular, inclui a observao oportuna de Ricupero, destacando
que as economias no se desenvolvem simplesmente porque existem. O
desenvolvimento econmico tem sido uma exceo histrica e no a regra.
No acontece espontaneamente como conseqncia do jogo livre das foras
de mercado (SACHS, p.27).
Isso significa que seria um suicdio deixar ao jogo dos interesses do
mercado a orientao e os destinos da economia, como propem os
neoliberais, seguindo consenso de Washington.
Nesse sentido, lembra que os nicos pases em desenvolvimento que
se deram razoavelmente bem, na dcada passada, foram precisamente
aqueles que se recusaram a aplicar la lettre as prescries no Consenso de
Washington (SACHS, p.29).
Os pioneiros do conceito do desenvolvimento pregavam na sua origem a
prioridade do pleno emprego, a importncia do Estado de Bem-Estar, assim
como tambm a necessidade de interveno do Estado nos assuntos
econmicos para corrigir a miopia e a insensibilidade dos mercados (SACHS,
p.31). Percebe-se, ento, que tais preocupaes mantm-se atuais, da a
necessidade de se achar um equilbrio entre as metas de modernizao e
industrializao, de uma parte, e, de outra, a promoo do pleno emprego e/ou
autoemprego sem perder de vista a necessidade de aumentar continuamente a
produtividade do trabalho (SACHS, p.31).
Nesse sentido, registra que os autores latinoamericanos estavam certos
ao denunciar este padro de crescimento como concentrador e excludente.
Da a necessidade de se ter uma estratgia dupla, na qual tambm se d
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ateno s oportunidades para o que pode ser chamado de crescimento
puxado pelo emprego (SACHS, p.32).
Com a queda do muro de Berlim, alguns se apressaram para
desqualificar o conceito de desenvolvimento no capitalista, chegando a
proclamar o fim da histria. Tal concluso mostrou-se sem fundamento.
Verifica-se a existncia de diferentes modelos de desenvolvimento nas
economias, a saber: perifricas, estruturalmente heterogneas, predominncia
capitalistas e mistas.
E, para tanto, conceitua-as como:
- perifricas: opostas s economias capitalistas centrais, s quais esto
vinculadas por relaes assimtricas;
- estruturalmente heterogneas em vrios sentidos: apresentam um
contraste forte entre enclaves urbanos modernos em economias rurais mais
ou menos atrasada, enormes disparidades sociais, culturais e de estilo de
vida entre as elites ocidentalizadas e o grosso da populao padres
concentrados de distribuio de renda e de riqueza;
- de mercado predominantemente capitalista: j que o setor capitalista da
economia, mesmo coexistindo com outros modelos de produo prcapitalistas ou protocapitalistas, o mais dinmico;
- economias mistas, por terem diferentes configuraes de seus setores
privado e pblico e, pelo menos em alguns casos, um Estado
desenvolvimentista enxuto, limpo e proativo (SACHS, p.34).

Alm desses aspectos, registra que houve dois avanos conceituais


importantes:
a) o conceito do desenvolvimento sustentvel que obedece ao duplo
imperativo tico da solidariedade com as geraes presentes e futuras e exige
a explicitao de critrios de sustentabilidades social e ambiental e de
viabilidade econmica (SACHS, p.36);
b) a evoluo da ideia de desenvolvimento, apontando para a sua
complexificao, representada pela adio de sucessivos adjetivos
econmico, social, poltico, cultural, sustentvel e, o que mais importante,
pelas novas problemticas.
Mesmo assim, ainda se carece de um paradigma convincente capaz de
lidar com dois grandes problemas, desemprego macio/subemprego e
desigualdade crescente (SACHS, p. 37).
Finalmente, avana para a definio do que seja desenvolvimento
includente, como oposio ao padro de crescimento perverso, conhecido
como excludente e concentrador (de renda e riqueza).
Conforme o autor o desenvolvimento excludente caracteriza-se por:
a) mercado de trabalho fortemente segmentados, que mantm uma grande
parcela da maioria trabalhadora confinada a atividades informais, ou
condenada a extrair a sua subsistncia precariamente da agricultura
familiar de pequena escala, sem quase nenhum acesso proteo social;
b) fraca participao na vida poltica , ou completa excluso dela, de
grandes setores da populao, pouco instruda, suborganizada e absorvida
na luta diria pela sobrevivncia, sendo as mulheres, sujeitas
discriminao de gnero, as mais fortemente atingidas (SACHS, p.38-39).
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Para superar essa condio, prope que o conjunto da populao
tambm deveria ter iguais oportunidades de acesso a servios pblicos, tais
como educao, proteo sade e moradia (SACHS, p.39).
Alm disso, salienta que o universo do crescimento puxado pelo
emprego deveria ser plenamente explorado, recorrendo-se, em todas as
esferas da produo de no comercializveis, a mtodos intensivos em
trabalho (SACHS, p.46).
Em seqncia, descreve uma srie de aes que devem fazer parte de
uma estratgia para material a proposta do desenvolvimento endgeno,
includente e sustentvel:
a) Transformar os pequenos produtores em microempresrios, pois estes
respondem pela maioria dos postos de trabalho, tendo capacidade para
competir no mercado capitalista;
b) estimular o empreendedorismo e a cooperao como no caso dos Arranjos Produtivos Locais;
c) implementar formas de apoiar financeiramente os pequenos produtores
com a aplicao de crdito e microcrdito;
d) implementar o conceito de desenvolvimento territorial, empoderando as
iniciativas locais etc.
No final desse captulo, afirma que, embora a traduo arbica da
palavra globalizao signifique literalmente inclusividade global, as
assimetrias e desigualdades da globalizao favorecem os interesses dos
pases em desenvolvimento, excluindo a grande maioria dos pases perifricos.
Enquanto os includos vivem no capitalismo reformado, os excludos esto
condenados a formas mais duras e at selvagens de capitalismo.
O desenvolvimento includente pretende promover uma ordem
econmica baseada no princpio de tratamento desigual aos desiguais,
promovendo o comrcio justo, incrementando o fluxo da assistncia pblica
destituda de compromissos implcitos e transformando a cincia e a tecnologia
em bens pblicos (SACHS, p.164).
O terceiro captulo, intitulado Da armadilha da pobreza ao
desenvolvimento includente em Pases Menos Desenvolvidos, inicia afirmando
que os Pases Menos Desenvolvidos (PMD) esto tolhidos por uma armadilha
de pobreza estrutural, em virtude do acentuado subdesenvolvimento de suas
foras produtivas, agravado por um ambiente internacional desfavorvel e pela
falta de um compromisso autntico dos pases ricos no sentido de lhes dar
assistncia (SACHS, p.70).
Contudo, considera que so estes pases os quais apresentam grande
potencial para implementar estratgias de desenvolvimento nacionais que se
caracterizem por serem includentes, sustentveis e sustentadas, capazes de
quebrar o ciclo vicioso de subdesenvolvimento e pobreza, dentro de um
esquema de economias mistas, devidamente regulamentadas por estados
desenvolvimentistas enxutos, limpos e democrticos (Sachs, p.70).
Conforme o autor, os PMDs se caracterizam pela orientao para a
subsistncia, fraca capacidade de poupana e vulnerabilidade s importaes
(SACHS, p.73).
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Ao dedicar-se muito tempo s atividades de subsistncia, no
desenvolvem o mercado, a fraca capacidade de poupana, alm de ser
impensvel, pela prpria condio de pobreza, restringe a capacidade de
investir com necessidade de recorrer e se endividar com recursos externos.
Tanto o setor primrio quanto o secundrio sofrem com investimentos
insuficientes (devido ao baixo nvel de poupana) e com a falta de pessoal
qualificado disponvel domesticamente. Por ltimo, mantm uma estreita
dependncia com as importncias, decorrente da inexistncia de uma indstria
domstica de bens de capital e, algumas vezes, de alimentos e energia.
Cria-se e realimenta-se um ciclo vicioso nos PMDs, que aprofunda a
condio de pobreza.
O trecho a seguir caracteriza bem essa situao:
-uma agricultura primitiva, de baixa produtividade (tanto em termos de
rendimentos por hectare quanto de produtividade por trabalhador),
incapaz de produzir um excedente de alimentos para atender s
necessidades de uma populao urbana crescente (a armadilha ricardiana)
e de oferecer matrias primas agrcolas necessrias s industriais;
-por sua vez, a falta de industriais manufactureiras impede o fornecimento
aos agricultores de implementos e de mquinas agrcolas, fertilizantes e
pestecidas que eles poderiam usar para aumentar a sua produo (SACHS
p.77-78).

Resta ento, conforme o autor transferir o problema para o comrcio


externo, recorrendo importao de insumos e equipamentos para a
agricultura, mquinas para as indstrias etc., contratando especialistas
estrangeiros e atraindo capital tambm estrangeiro para aumentar a taxa de
investimentos.
Todavia, alerta que, se bem a capacidade de importar a varivel crucial
para se escapar da armadilha da pobreza, expandindo as exportaes, o risco
a acumulao de uma dvida externa impossvel de ser gerenciada.
Prope a implementao de uma estratgia tridica de desenvolvimento.
Entende que, na implementao dessa estratgia, deve-se dar prioridade
consolidao e modernizao do ncleo modernizador da economia, que
consiste de empresas industriais, mineradoras (e s vezes agrcolas) intensiva
em conhecimento, de alta tecnologia e de alto valor agregado. Eles tero papel
decisivo na transformao da estrutura econmica do pas, no aumento geral
da produtividade da sua economia e na produo de bens que sejam realmente
competitivos em mercados externos (SACHS, p.88).
Embora tal estratgia se caracterize pelo capital-intensivo, em
consequncia pouco gerado de novos empregos, produz efeitos indiretos, seja
pela compra de matrias-primas, seja pelas subcontrataes e pela
terceirizao de atividades como limpeza, manuteno e segurana e do
aumento das despesas de consumo por parte das pessoas empregadas por
esses empreendimentos modernos, movimentando a economia e os postos de
trabalho.
Complementarmente, deve-se explorar todas as oportunidades de
crescimento produtivo focalizado no emprego, tanto nos setores de atividade
naturalmente intensivos em trabalho, quanto nos setores que no sofrem
competio internacional por produzirem bens e servios chamados no
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comercializveis (non-tradables), de maneira a aumentar a elasticidade
emprego/crescimento e, possivelmente, a melhorar o desempenho do pas em
terno de taxa de crescimento e investimento (SACHS, p.88).
Devemos acrescentar, ainda, a utilizao dos servios pblicos,
promovendo o acesso educao, proteo a sade, gua potvel, ao
saneamento, a moradias decentes etc. A melhoria da qualidade de vida tem
que fazer parte de estratgia de desenvolvimento.
Em outras palavras, no h motivo para que, nos PMDs, a expanso do
consumo coletivo e do acesso a servios bsicos no deva figurar com
destaque no modelo de desenvolvimento emergente (SACHS, p.90).
A estratgia tem que estar acompanhada do desenvolvimento de aes
que visam aproveitar oportunidades de crescimento puxado pelo emprego.
Nesse sentido, o autor registra a existncia de quatro categorias de
oportunidades, a saber:
a) produo de bens no comercializveis que no sofrem concorrncia
internacional e , portanto, oferecem margens de liberdade muito maiores
para a opo por tcnicas intensivas em trabalho. A construo outro setor
no qual tcnicas intensivas em trabalho podem ser empregadas. Mas as
maiores oportunidades surgem na rea de servios (SACHS, p.91);
b) quase no comercializveis:alimentos perecveis e produtos agrcolas
volumosos que no suportam o custo do transporte a longa distncia. Parte
dos produtos da agricultura familiar de pequena escala intensiva em trabalho
se destina ao autoconsumo: o resto vai par aos mercados locais ou cidades
prximas ou processado por agroindstrias, algumas delas tradicionais,
outras pertencentes ao ncleo modernizador da economia (SACHS, p.93);
c) as indstrias e artesanatos naturalmente intensivos em trabalho, capazes
de produzir bens de salrio no agrcolas e uma variedade de produtos para
os mercados locais, nacionais e internacionais. Essas industriais enfrentam
uma dura competio- a dos outros pases em desenvolvimento que gozam
da mesma vantagem comparativa: mo-de-obra barata.(SACHS, p.96);
d) atividades intensivas em trabalho que levam liberao de recursos
adicionais para o desenvolvimento e o investimento. Trata-se das chamadas
fontes de crescimento que no exigem investimento (SACHS, p. 96). Todas
as atividades orientadas para poupar recursos naturais (conservao de
energia e gua, por exemplo), reciclar resduos e reutilizar materiais resultam
numa melhor utilizao das capacidades produtivas existentes e, ceteris
paribus, contribuem para uma taxa maior de crescimento e sustentabilidade
ambiental deste crescimento.

O ltimo captulo, intitulado Incluso social pelo trabalho decente:


oportunidades, obstculos, polticas pblicas o autor dedica ao Brasil e sua
problemtica de desenvolvimento.
Conforme o autor, o Brasil entrou no sculo XXI com um aparelho
industrial moderno e diversificado e um setor de agronegcios que lhe confere
a liderana mundial em vrios outros campos. No entanto, a sua estrutura
ocupacional reflete o atraso social do pas (SACHS, p.111).
Apesar de a economia brasileira ter empresas que so consideradas de
classe mundial, convive-se com uma estrutura empresarial conservadora,
marcadamente de baixssima produtividade. Soma-se a isso a histrica
concentrao da riqueza e m distribuio de renda.
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Ainda temos o grande desafio de integrar, ano aps ano, mais de um
milho e meio de pessoas na fora de trabalho.
As taxas de crescimento operadas no Brasil, mesmo na poca do
milagre, na dcada de 70, no geraram empregos suficientes, portanto, dever
buscar uma soluo ao dilema seguinte: Sem emprego, a equao brasileira
no fecha. Sem crescimento acelerado e industrializao, o Brasil no tem
conserto (SACHS, p.117).
No que se refere a desenvolvimento, devem ser compatibilizadas as
suas duas vertentes:
a)em nvel econmico, trata-se de diversificar e complexificar as estruturas
produtivas, logrando, ao mesmo tempo, incrementos significativos e
contnuos da produtividade de trabalho, base do aumento do bem-estar;
b)em nvel social, deve-se ao contrrio, promover a homogeneizao da
sociedade, reduzindo as distncias sociais abismais que separam as
diferentes camadas da populao (SACHS, p. 117).

No Brasil, tambm encontra o dilema de como investir no ncleo


modernizador constitudo de indstrias e agronegcios de alta tecnologia,
amparados por uma infra-estrutura eficiente nos setores de energia e
transporte capazes de expandir as exportaes em condies de
competitividade genuna, baseada em conhecimentos, tecnologias avanadas
e aproveitamento de vantagens naturais, sabendo que o impacto na gerao
de empregos baixo.
Portanto, o grande desafio desenharmos uma estratgia que seja
ambientalmente sustentvel, economicamente sustentada e socialmente
includente, vale dizer, capaz de caminhar na direo de pleno emprego e
autoemprego decentes, no sentido que a OIT d a este adjetivo, ou seja,
condies de trabalho e remunerao dignas (SACHS, p.118-119).
Em conseqncia, prope que sejam aproveitadas ao mximo todas as
oportunidades de gerao de empregos nos setores da economia em que o
crescimento puxado pelo emprego ainda possvel, ou seja, nos quais existem
margens de liberdade para escolher tecnologias intensivas em mo-de-obra.
(SACHS, p.119).
A partir disso, comea a enumerar as potencialidades econmicas do
Brasil, apresentando alguns dados concretos que fundamentam o seu
otimismo.
Inicia registrando que o Brasil apresenta potencialidades excepcionais
para avanar nessa direo.
Dentre os argumentos expostos, registra:
a) o fato de possuir uma fronteira agrcola ainda no totalmente explorada,
junto com a maior biodiversidade do mundo e climas diversos e menos
favorveis produtividade primria, permite-nos pensar em um novo ciclo de
desenvolvimento rural (SACHS, p.124);
b) os diferentes setores de produo de bens e servios no comercializveis,
portanto no sujeitos competio internacional, podero resultar na criao
de numerosos empregos e autoempregos, em particular na rea dos servios
(SACHS, p.119-120);
RASM, Alvorada, ano 1, n. 1, p. 95-106, jul./dez. 2011
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c) empregos e autoempregos ligados valorizao das biomassas o Brasil
possui a maior biodiversidade do mundo. Seu extenso territrio abriga
ecossistemas variados, em sua maioria dotados de recursos hdricos
abundantes e de climas favorveis produo de biomassas as mais variadas,
terrestres, florestais e aquticas (SACHS, p.129).
As biomassas tm oito usos principais: alimentos, rao animal, bioenergia,
fertilizantes, materiais de construo, matrias-primas industriais (fibras,
celulose, leos, resinas etc.), frmacos e cosmticos. (SACHS, p.130).
Lembra, ainda, oportunidades de desenvolvimento atravs do Programa
de Pr-Alcool hoje Pr- Cana; Pr leo, os segmentos a serem explorados
de madeiras e fibras; o potencial da revoluo azul; o turismo, a construo
civil, devido ao dficit habitacional, a obras de infra-estrutura etc.
COMENTRIO CRTICO SOBRE A OBRA
O tema desenvolvimento est em pauta, sendo revisto no seu conceito,
principalmente com a premncia que trazida pela ecologia, que promove no
somente a sustentabilidade ambiental, como a social e a econmica. Portanto,
ser sustentvel implica em novas formas de se posicionar perante uma
orientao da economia capitalista, que tem sido responsvel ao mesmo tempo
pelo progresso econmico e pela acentuao das desigualdades sociais.
Sabe-se que no existe mais espao para um crescimento sem limites,
que a lgica do capitalismo, porque alm de no permitir a renovao dos
recursos naturais, a ganncia tem levado a favorecer uma minoria de pases
em detrimento da excluso de muitos, como o exemplo vivo do continente
africano.
No h dvida de que no h como no se filiar corrente de um
desenvolvimento includente, sustentvel e sustentado. Entretanto, entendemos
que temos um desafio pela frente, principalmente fazer com que aqueles que
detm uma condio de privilgio se solidarizem com os outros. O jogo de
poder duro e tem sido demonstrado claramente nas cpulas dos pases que
analisam a situao mundial, seja no que diz respeito ao meio ambiente,
distribuio desigual das riquezas, etc.
A obra traz alguns conceitos que entendo relevantes. Sem dvida, o
elemento marcante a proposta do desenvolvimento endgeno. Os pases
procurando implementar a suas estratgias, olhando para sua realidade, seus
recursos, seu territrio, sua cultura, enfim, o seu interesse. Isso soa como uma
redeno para os pases do terceiro mundo, que conviveram por muitas
dcadas endividados, para tentar alcanar o tal de desenvolvimento, sendo
que, quanto mais procuravam, mais longe ficava a sua materializao. As
novas geraes tinham sobre si a demanda do pagamento de uma dvida que
no tinham gerado e sequer poderiam desfrutar de algum benefcio que a
mesma no promovia.
Outro aspecto relevante que a estratgia no exclui as possibilidades,
mas as integra quanto mais desenvolvido seja um pas internamente,
melhores sero as condies de insero no mercado externo.
Sachs procura desmistificar o papel de interveno do Estado na
atividade econmica. Certamente, a desgosto dos fundamentalistas do
RASM, Alvorada, ano 1, n. 1, p. 95-106, jul./dez. 2011
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mercado, entende necessrios os ajustes dos desequilbrios gerados pelo
prprio crescimento econmico, concentrador de riquezas e marcadamente
com distribuio de renda desigual interna e externamente.
A importncia do protagonismo de setores da economia tido em um
segundo plano como os pequenos empreendimentos, os produtores rurais que
so os que efetivamente, mesmo com precariedade, geram empregos para
grande parte para a populao. O que se espera que estes segmentos com
experincias concretas que ratificam o seu potencial para profissionalizao
consigam oferecer condies de trabalho decente.
Lembra a necessidade de ter uma nova agende internacional que trata a
ordem econmica. to importante ajustar a economia interna quanto
participar ativamente dos fruns internacionais para pressionar um novo
consenso mais equilibrado e solidrio entre as naes.
O livro de Sachs, alm de denunciar, prope algumas aes concretas,
apresenta um carter informativo, pois como teses precisariam de um maior
aprofundamento. Mesmo assim, a proposta do livro no foi complicar. Por meio
de uma linguagem simples, mostra que h possibilidade mesmo para pases
que esto abaixo da linha de pobreza.

RASM, Alvorada, ano 1, n. 1, p. 95-106, jul./dez. 2011


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