013 Amostra Te Pego La Fora
013 Amostra Te Pego La Fora
013 Amostra Te Pego La Fora
contos de
RODRIGO CIRACO
Concepo
editorial
VERO
APRENDIZ
Vagabunda no! J lavei, j passei pra fora. J ajudei
minha me a faz coxinha, bolinho de carne, esfiha. Agora
tomo conta dos fio da tia Carla. E ela me paga, num nada
de graa no. Nem pass a mo nos meus peito eu dexei de
graa pra esses muleque. Num s otria. Tudo tem seu preo,
n no? Eles at perguntaro: - E p cum? Me ofereceram
dez real. Mas eu falei no, isso no. Isso a s quando eu tiv
di mai. Na quinta srie.
13
16
QUESTO DE POSTURA
O professor observa o menino no canto da sala, sozinho.
Suando frio. Esfregando a mo dentro da cala. Estranha.
Aproxima-se, com calma. O aluno de cabea baixa, concentrado.
No percebe a chegada. Assusta. Coloca de volta, rpido. O
professor, meio sem jeito, pergunta:
- O que isso, Lucas?
O aluno no v outra soluo. Abaixa o zper. Mostra o
revlver.
- Ah! Tudo bem. Pensei que fosse outra coisa.
- , que isso! T tirando, prussr?
21
OUtOnO
poltica
de incluso,
32
- O qu?
- Quem que tem hemorrida?
- No, c t brincando?
- No, no t. Na hora eu estranhei, at fiquei pensando:
nossa, ser que ela vai fazer divulgao igual aqueles cara
que vem na escola, vender curso pra computao, vender
passeio? Mas divulgao para hemorrida? Pomada?
- E a?
- A que um aluno teve uma idia genial n?
Tia,
o que
hemorrida? Rapaz, essa mulher comeou a gritar: Hemorrida a porra dum caralho dum negcio que d no
meio do olho do cu, que d uma coceirinha no dedo que faz
vocs ficarem apertando essa merda de interfone. D pra
parar ou eu vou ter que soc pra dentro? Bateu a porta
plam! e saiu.
- Nossa, vio, eu no acredito.
- Te juro.
- Que rampeira! E os alunos, o que fizeram?
- Comearam a rir, no entenderam nada. Eu fiquei mudo,
perdi a respirao, comecei a suar frio. Pedi mil desculpas
pro escritor, falei que aquilo nunca tinha acontecido, e no
tinha mesmo, pra ele entender.
- Nossa, que louco. No d pra acreditar. J pensou
se fosse um dirigente de ensino que tivesse ali dentro e
ela fizesse isso? Ia dali pra roa, sem assunto. Ia rodar
bonito.
40
- Mas foi justamente por isso. Ela sabia que era eu que
estava l, junto com um escritor. Que perigo que a gente
representa? Em quem que a gente impe respeito?
- Que barato sem noo...
- No, e o pior foi a gozao, a molecada na escola depois.
Qualquer coisinha, qualquer mancada que um aluno dava,
algum gritava: - A, vou soc pra dentro, hein!
41
PAPO RETO
Vou te explicar, s uma vez, porque apesar de parecer
inteligente voc ainda muito novo pra entender. No tem
a malcia, a experincia da vida. Aqui, as coisas no so do
jeito que voc quer. Tudo tem o seu ritmo, o momento certo.
Voc no pode chegar aqui e querer mudar tudo. Fazer a
revoluo, entende? No, aqui voc entra no esquema, no
jogo. Ou entra no jogo ou t fora do baralho. E te digo:
carta fora fica marcada. C t lascado.
T falando isso porque vocs, professores, criticam, mas
no entendem como difcil ficar aqui atrs dessa mesa.
Acham que fcil dirigir uma escola. S reclamam, reclamam:
ah, que no tem organizao, ah, que no tem transparncia
nas coisas; ah, que eu nunca t presente. Vou deixar uma
coisa bem clara, j que voc me questionou: a minha vida
no isso aqui. Isto uma pequena, pequena parte dela. Eu
tenho outras preocupaes, entende? Por exemplo, tenho o
financiamento do meu carro. Tenho a escola particular dos
meus filhos, tenho o meu apartamento. Eu trabalho em trs
empregos, professor. Trs! Veja a minha responsabilidade.
Se vocs no me vem aqui quando precisam, no por
43
Tra-ba-lhan-do.
eles
colaboram
comigo.
44
INVERNO
A PLACA
A minha aluna virou uma Placa. H trs meses ela deixou
de vir escola por isso: virou uma Placa. E no uma placa
qualquer, de trnsito, que ningum respeita. Ela virou
uma
Placa
publicitria.
Agora
tem
uniforme,
endereo
A minha aluna virou uma Placa. Ela diz que trabalha numa
empresa tica, sria. No registram, mas pagam todos os
impostos. Todo final do dia ela recebe o seu salrio. E vai
embora pra casa. A empresa s fez uma exigncia: que
deixasse a escola. Questo de escolha. O trabalho das nove
da manh s sete da noite. Segunda a domingo. E sempre h
um novo bico. Setor imobilirio em expanso. As propostas
esto em expanso. Eles precisam de Placas. Ela j uma
Placa. Quem precisa de estudo?
A minha aluna virou uma Placa. Outro dia, pura sorte, eu
a encontrei. Andando sozinha, pela noite, voltava do servio.
Descaracterizada. No parecia ser a menina frgil da sexta
srie que at outro dia eu conheci. A menina tmida que
sonhava em ser modelo, e s estudava. Falei: - E a? Voc
precisa voltar pra escola. Ela respondeu, em tom de deboche:
Eu no! J tinha uma profisso. Tinha seu prprio dinheiro,
ajudava a me em casa. Responsvel, no precisava mais
de conselhos, no precisava de mais ningum. S do big
boss, o chefinho. Aquele que lhe deu valor. Deu emprego,
deu presentes, prometeu castelos. O nico que no lhe fez se
sentir mais como uma qualquer. A transformou numa Placa.
Uma Placa-viva.
62
PRiMAVERA
95