Alain Badiou - Por Uma Estética Da Cura Analítica
Alain Badiou - Por Uma Estética Da Cura Analítica
Alain Badiou - Por Uma Estética Da Cura Analítica
Alain Badiou2
Traduo: Analucia Teixeira Ribeiro
R ESU M O :
O autor estabelece um paralelo entre certas operaes poticas e o
destino de um a anlise, a partir do conceito de transposio, na obra de
M allarm . Trata-se da passagem de um estado de im potncia a urna
experincia do real e, portanto, a uma experincia do im possvel. Essa
passagem da im potncia ao im possvel constitui, na lngua, uma vitria
sobre o desaparecim ento, j que o poema, criao afirmativa, im plica a
anulao do sujeito da impotncia. A anlise tambm criaria algo de eterno,
com o o poema, perm itindo ento essa hiptese de que um a anlise bem
sucedida seria uma obra de arte inteiram ente subjetiva.
R ESU M EN :
El autor establece un paralelo entre ciertas operaciones poticas y el
destino de un anlisis, a partir del concepto de transposicin, en la obra de
M allarm . Se trata del pasaje de un estado de im potencia a una experiencia
del real y, por lo tanto, a una experiencia de lo imposible. Este pasaje de la
im potencia a lo im posible constituye, en la lengua, una victoria sobre el
desaparecimiento, ya que el poema, creacin afirmativa, implica la anulacin
del sujeto de la im potencia. El anlisis tam bin creara algo de eterno,
com o el poema, perm itiendo entonces esta hiptesis de que un anlisis
bien sucedido sera una obra de arte enteram ente subjetiva.
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A psicanlise e os discursos
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A final, o problem a para M allarm muito claro. E m prim eiro lugar, todo
pen sam e n to um a v it ria sobre o desap arecim en to e, em seg u n d o lugar, o
desaparecim ento , no entanto, absoluto. Com o conseguir um a vitria sobre um
desaparecim ento absoluto? Para M allarm , esse o problem a do poem a e tambm ,
creio eu, o problem a form al da anlise: o problem a de fazer surgir o im possvel no
lugar onde havia a im potencia. E a soluo desse problem a que M allarm cham a de
transposio, e esse conceito que eu gostaria de esclarecer a seguir.
P ara entend-lo bem , preciso notar trs coisas: contra a im potncia, para
conseguir um a vitria, o pensam ento exige um encontro fortuito ou um acaso. Se
no fosse assim , vocs teriam a um a dialtica, vocs teriam um a transform ao do
desaparecim ento em afirm ao. M as se vocs no tiverem isso, se no tiverem
redeno, ser preciso que algo acontea, que haja um evento, um encontro fortuito,
um acaso. Portanto, e este o prim eiro ponto, h um a funo da contingncia.
E m segundo lugar, um encontro fortuito, um evento, um acaso tam bm
algo que desaparece, no algo que seja instalado ou necessrio. A ssim , vocs vo
tratar o desaparecim ento atravs de um outro desaparecim ento. E vo reconhecer a
algo de se m elh an te p o si o do analista, que deve d esap a re cer onde algo
desapareceu. H, no poem a de M allarm , a organizao de um desaparecim ento,
na lngua, para conseguir a vitria sobre o desaparecim ento inicial. Com o vocs
vem , no a afirm ao que trata o desaparecim ento, antes um a espcie de
desaparecim ento segundo. E o poem a o lugar desse desaparecim ento segundo, na
lngua, com o tam bm a anlise o teatro de um desaparecim ento segundo. N esse
sentido, verdade que o analista o poeta da anlise, no sentido de ser ele o
organizador desse desaparecim ento.
T erceira observao: o resultado, contudo, um a criao afirm ativa. O
resultado no um desaparecim ento. Vocs tratam a perda do objeto atravs do
desaparecim ento segundo, na anlise, mas algo se afirm a no final. Se nada se afirmar,
no haver vitria, o que significa que a im potncia superou o real.
Finalm ente, tem os assim a passagem do desaparecim ento afirm ao, por
interm dio do desaparecim ento segundo. exatam ente essa operao que M allarm
ch am a de tra n s p o s i o . A tran sp o si o , com o o p era o p o tica, p arte da
im potncia, cuja causa um desaparecim ento ou um a perda, organiza no poem a
um d esap a re cim en to segundo (p o d er-se-ia d izer q u ase um d esap a re cim en to
m im tico) e produz, finalm ente, um a afirm ao, que um a afirm ao real e a
afirm ao de um ponto de im possvel. E nessa profundidade que h um a sem elhana
entre o poem a de M allarm e a cura analtica.
G ostaria de fazer cinco observaes sobre a transposio:
1.
O resultado final da transposio, aquilo que criado pela transposio e
que M allarm cham a de notion pure. A noo p u ra vem no lugar onde algo
desapareceu. M allarm diz: la notion d un objet qui fa it dfaut - a noo de um
objeto que falta . N o fundo, a noo pura de M allarm o real daquilo que foi
perdido. N o o objeto, pois o objeto falta, m as o real do objeto perdido. E
M allarm vai distinguir o real da perda daquilo que perdido na perda. E sta a
prim eira observao sobre a transposio, o objetivo da transposio: ela ,
verdadeiram ente, a experincia do real.
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anlise, o que M allarm prope a seguinte idia: o poem a faz advir um sujeito
que, naturalm ente, no o eu im aginrio do poeta, no o Sr. M allarm , no o
sujeito da im potncia, m as o que poderam os cham ar de sujeito p u ro do poem a,
isto , o sujeito tal com o o poem a o faz advir.
So estas as cinco observaes que eu queria fazer sobre a transposio. E
vocs podem ver que elas term inam com a idia de que a anlise, se ela se assem elhar
ao poem a, porque houve advento de sujeito. D ito de outra form a, a idia potica
de M allarm que a vitria sobre a perda criao subjetiva e, certam ente, anulao
do antigo sujeito, anulao do sujeito da im potncia. S er possvel estender essa
idia cura analtica? D iscutirem os isso um pouco m ais tarde, m as fiquem os com a
idia de que a construo potica, em todo caso, assuno do sujeito.
R e sta -n o s p erg u n ta r com o o poem a trab alh a. O qu e to rn a p o ssv e l a
transposio? O que torna possvel a transposio que todo desaparecim ento deixa
um rastro, um vestgio e, nesse sentido, M allarm prope exatam ente um a teoria
potica do sintoma. H sem pre um vestgio. O desaparecim ento absoluto, no h
retorno do objeto, o m orto vai continuar no tmulo, o navio naufragado continuar no
fundo do mar, o sol que se ps no renascer no meio da noite, portanto, no haver
retorno da perda. M as haver sem pre um vestgio desse desaparecim ento, e preciso
encontr-lo. M allarm fala depresque dispurition vibmtoire - quase desaparecimento
vibratrio, a respeito da linguagem. O trabalho potico um trabalho sobre o quase
e a vitria sobre a perda , de incio, unicam ente a partir dos vestgios.
M as com o? Pois bem, o desaparecim ento ser reencenado a partir desses
vestgios. E nos tom arem os senhores desse desaparecim ento fazendo desaparecer os
vestgios do desaparecim ento. E sse procedim ento absolutam ente extraordinrio.
Ele pode ser analisado em cada poem a de M allarm. Vocs tero um esquem a do
poema: no incio a perda, em seguida a busca do vestgio, depois a organizao potica
do desaparecim ento do vestgio e em seguida o aparecim ento da noo pura. A noo
pura, que o real, s aparece se vocs souberem fazer desaparecer o vestgio. E, no
fundo, vocs no tm nada alm do vestgio, com o no tm nada alm do sintoma, na
situao artificial que a de vocs. E, finalmente, pode-se dizer que a transposio
d e fin e u m a p o e s ia do v estg io crian d o , no p en sam e n to , um e q u iv a le n te do
desaparecim ento. Tanto que o objeto no volta, mas o desaparecim ento do objeto
sim, esse volta, sob a form a do desaparecim ento dos vestgios.
Vocs podem ver que essa lgica de M allarm aparentada lgica da
anlise, num ponto essencial: no se trata de m odo algum de um a in terp retao ,
trata-se de um a reorganizao form al, no m bito da qual algo se repete: o prprio
desaparecim ento. Se realm ente o desaparecim ento que se repete, vocs no tero
o objeto, m as tero o seu real, na prova da repetio de seu desaparecim ento. Q uais
so as hipteses em que se fundam enta esse trabalho? Penso que h duas hipteses
a serem exam inadas:
P rim eira hiptese, todo desaparecim ento deixa um vestgio, o que eu
cham aria de otim ism o do poem a e talvez tam bm de otim ism o da cura analtica. O
que aconteceria, se form ulssem os a hiptese de um desaparecim ento absolutam ente
sem vestgio, um desaparecim ento absoluto? P ara que haja um desaparecim ento
absoluto, preciso haver desaparecim ento do objeto, mas tam bm desaparecim ento
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do desaparecim ento, o que quer dizer exatam ente que no h vestgio. H averia ai
desaparecim ento do prprio desaparecim ento. M allarm sustenta que isso nunca
acontece, h sem pre algo com o urna borda do desaparecim ento e pode-se trabalhar
sobre essa borda. Esta a prim eira hiptese.
A segunda hiptese que, se e n c o n tra m o s a boa form a, poderem os criar o
pensam ento do desaparecim ento e, eu insisto, sem ter necessidade do retom o do
objeto. E nesse caso, vocs tero um a repetio criadora. Esta um a hiptese
fundam ental da psicanlise: h um a capacidade criadora da prpria repetio, se
essa repetio estiver num quadro form al ou lgico conveniente. E vocs vem que
no pode ser um a repetio natural. Estam os certos de que um a repetio natural
no tem nenhum p oder criador, a repetio formal, artificial que tem poder criador.
Sob essas duas hipteses, em prim eiro lugar, todo desaparecim ento deixa
um vestgio e, em segundo lugar, existe um quadro form al para um a repetio
criadora, existe a possibilidade de um a vitria sobre a perda, ou seja, de um a vitria
sobre a im potncia, adm itindo-se que toda im potncia conseqncia de um a perda.
E um a vitria sobre a im potncia um a experincia do real. Pode-se ento dizer
que algo criado com o um sujeito sobrenatural, eu digo sobre-natural justam ente
no sentido de que a situao artificial e formal, o que quer dizer um sujeito que
atravessou a perda e que no sim plesm ente a presa, a vtim a dessa perda. Isso
pode ser cham ado de um sujeito de pensam ento'. E nesse caso, diram os que o
poem a e a anlise criam um sujeito de pensam ento, se tiverem xito. P orque o
poem a pode fracassar, o prprio M allarm reconheceu isso. E talvez a anlise tambm
possa fracassar, so vocs que podero dizer isso.
M as se h um sujeito de pensam ento, se h um a vitria sobre a perda, ento
preciso com preender que h algo ali que no est m ais no tem po, no no tem po
natural. P recisaram os ento chegar a essa idia extraordinria de que a anlise cria
algo de eterno. Isso sem pre foi dito do poem a, o poem a sem pre teve a am bio de
criar algo na lngua que fosse eterno, algo na lngua natural, que fosse sobrenatural.
E ssa , evidentem ente, a am bio do poeta. Ser possvel estender essa am bio
cura analtica? Ser possvel dizer que a anlise toca, no sujeito, em algo de eterno,
em algo que sua eterna contingncia? Se assim for, seria com o no poem a, seria
realm ente um a esttica da criao. U m a anlise absolutam ente bem sucedida seria
absolutam ente um a obra de arte, um a obra de arte inteiram ente subjetiva. E com
isso vou deix-los, na esperana de que vocs sejam todos grandes artistas. Obrigado.
N OTAS E R E F E R E N C IA S B IB L IO G R FIC A S:
1. C onferncia pronunciada no dia 29/11/2002, durante o Coloquio sobre O desejo
do analista, organizado pela E scola L etra F reudiana, no R io de Janeiro.
2. Filsofo, professor na Ecole N orm ale Suprieure e no C ollge International de
P hilo so p h ie, de Paris.
3. B E R S A N I, L eo. T he culture o f reclemption. C am b rid g e, M ass.: H arv ard
U niversity Press, 1990.
Escola Letra Freudiana - A p sic a n lis e & os d iscursos - Ano XXIII ns 34/35 (2004).
ISSN 1516-5221
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