Observação Participante

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Ficha de Leitura

Cabral, Joo de Pina (1983), Notas crticas sobre a observao participante no contexto da
etnografia portuguesa, Anlise Social, XIX (76), pp. 327-339.

O artigo analisado foi publicado na revista Anlise Social, a qual se tem dedicado reflexo

sobre os problemas da investigao nas cincias sociais, em particular na etnografia.


da autoria de Joo de Pina Cabral, antroplogo social, que tem tido um relevante papel
na Antropologia, no s em Portugal como na Europa. O seu primeiro trabalho
etnogrfico foi sobre a sociedade rural do Alto Minho.
Neste artigo, publicado em 1983, Cabral faz uma anlise crtica observao
participante enquanto tcnica de recolha da etnografia e debrua-se sobre alguns dos
desafios adjacentes a este mtodo, em particular, no contexto portugus.
A anlise pretende relevar a funo do investigador, enquanto indivduo, dado que,
segundo a opinio do autor, o etngrafo que realiza a observao participante tem sido
pouco falado e as dificuldades que este enfrenta tm sido descuradas. O artigo comea,
inclusive, com uma citao de Malinowski, considerado o pai da observao
participante, que enfatiza exatamente a importncia do etngrafo e o seu dom
superior.
Desde os seus primrdios, a observao participante sofreu significativas alteraes e
ainda que, alguns autores, como Jean Copans, previssem o desaparecimento deste
mtodo no trabalho de campo, a verdade que este continua a ter uma grande
importncia na pesquisa etnogrfica. Consequentemente, o papel e a posio do
investigador tambm evoluram. Em primeiro lugar, o objeto de estudo dos etngrafos
expandiu-se, por um lado, graas facilidade de acesso aos povos mais distantes e, por
outro lado, devido ao interesse de estudar os centros urbanos. Em segundo lugar, o
estudo dos povos primitivos passou a ser facilitado pelo facto dos dados serem
acessveis atravs de diversas fontes histricas. Em terceiro lugar, evidente um
crescente interesse dos antroplogos no estudo dos seus prprios povos. Por fim, a
atitude do etngrafo perante os povos que estuda tambm mudou, ele passa a designar
por amigos, vizinhos ou companheiros as suas fontes de informao.

Relativamente tendncia do etngrafo em posicionar-se numa pesquisa de terreno cujo


objeto de estudo a sua prpria sociedade, Cabral considera que uma posio
duplamente falsa. Desde logo, porque o facto de no se conhecer a cultura que se estuda
o que torna o etngrafo isento e distante do seu objeto, posies necessrias para a
objetivao da investigao, tal como defende Jos Cutileiro na obra Ricos e Pobres no
Alentejo. No entanto, a verdade que mais uma vez importante olhar para o etngrafo
enquanto indivduo e perceber que aspetos como a idade, o sexo e a classe so to
importantes para a sua prpria compreenso da sociedade em estudo como o
distanciamento do objeto de estudo. De facto, as caractersticas do investigador podem
permitir que a anlise seja mais profunda e completa. Por outro lado, Cabral considera
que a prpria expresso estudar a sua prpria sociedade deve ser clarificada. No
contexto portugus, um jovem lisboeta que faz um estudo numa aldeia de Trs-osMontes ter tanto distanciamento quanto um investigador europeu que vai estudar uma
tribo em frica. De facto, o que define o distanciamento no a distncia fsica em si
mas a diferena social e cultural das populaes. Esta diferena, ainda que seja
complicada de ultrapassar ao incio, necessria e importante para o prprio processo
de estudo. Cabral refere-se a esta como um choque de culturas (1983: 331), na qual,
durante o perodo de aceitao social, o investigador forado a questionar-se sobre o
seu objeto de estudo.
A observao participante apresenta dois grandes desafios ao etngrafo, por um lado,
este tornar-se apenas participante e, por outro lado, apresentar-se unicamente como
observador, sendo que nenhuma destas duas situaes deve ocorrer durante o processo
de estudo. De facto, a relao que o investigador cria com a populao que estuda uma
das caractersticas mais importantes da observao participante pela riqueza do seu
detalhe. Mas isso s ser possvel se o investigador, por um lado, no se exprimir sobre
assuntos que possam ferir as suscetibilidades da populao em estudo, mantendo assim
uma boa relao com ela, e se, por outro lado, reinterpretar sempre a informao que lhe
dada pela populao. De facto, o investigador tem sempre de pr em causa o que se
lhe diz (Cabral, 1983: 333), devido inconsistncia da informao que lhe passada.
No contexto portugus, o autor aponta a diferenciao de classes como um dos
principais desafios consistncia da informao. O receio dos preconceitos
estabelecidos e a tentativa de aumentar o seu prestgio levam a que a populao em
estudo (camponeses ou proletrios) tenha tendncia a deturpar aquilo que conta ao

investigador burgus. De acordo com a viso destas populaes, a posio privilegiada


em que o investigador se encontra confere-lhes tambm a elas um importante prestgio
pelo simples facto de associao. Esta apresenta-se como a melhor forma de retribuio
de favores e troca de servios entre investigador e objeto de estudo. Cabral alerta, no
entanto, para o eventual risco de se cair no paternalismo.
Uma das principais motivaes do etngrafo continua a ser a atrao por aquilo que
considerado extico, sendo que este tanto pode dizer respeito a etnias diferentes como
sua prpria sociedade. No entanto, o principal objetivo desta motivao deve ser, na sua
essncia, a busca de conhecimento de solues sociais que operam num contexto
concreto, com o intuito de uma mais clara perspetiva da prpria realidade social.
O etngrafo tende, muitas vezes, a manipular os dados, no s pelo seu interesse pelo
extico, como pelo paternalismo, anteriormente referido. De facto, surge uma tendncia
para exagerar, no descrever ou descrever apenas algumas partes daquilo que observa,
acabando assim o investigador por reforar os valores ideolgicos da classe ou
sociedade considerada dominante. Estas tendncias devem ser evitadas e o etngrafo
deve fazer um esforo para que o seu registo seja, o mximo possvel, livre de
subjetividade.
Uma forma que aconselhada para que o etngrafo se salvaguarde o recurso ao dirio
de campo, onde este aponta tudo aquilo que observa, incluindo as suas prprias reaes
pessoais. O ideal que o investigador se critique a si mesmo no dia-a-dia, observandose continuamente com o objetivo de evitar produzir um conhecimento ideolgico.
Em tom conclusivo, Cabral procura esclarecer que mais do que a observao
participante enquanto tcnica, o que mudou realmente foi a posio do etngrafo
perante os seus objetos de estudo, da que seja de extrema importncia olhar mais para o
etngrafo enquanto indivduo.

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