O documento discute a ampliação das fronteiras do conhecimento na Europa do século XVIII através da análise dos modelos de classificação do mundo natural desenvolvidos por Carl von Linné e Buffon. Os contatos com o Novo Mundo revolucionaram a forma como a natureza era classificada e entendida, expandindo os limites do saber científico europeu.
O documento discute a ampliação das fronteiras do conhecimento na Europa do século XVIII através da análise dos modelos de classificação do mundo natural desenvolvidos por Carl von Linné e Buffon. Os contatos com o Novo Mundo revolucionaram a forma como a natureza era classificada e entendida, expandindo os limites do saber científico europeu.
O documento discute a ampliação das fronteiras do conhecimento na Europa do século XVIII através da análise dos modelos de classificação do mundo natural desenvolvidos por Carl von Linné e Buffon. Os contatos com o Novo Mundo revolucionaram a forma como a natureza era classificada e entendida, expandindo os limites do saber científico europeu.
O documento discute a ampliação das fronteiras do conhecimento na Europa do século XVIII através da análise dos modelos de classificação do mundo natural desenvolvidos por Carl von Linné e Buffon. Os contatos com o Novo Mundo revolucionaram a forma como a natureza era classificada e entendida, expandindo os limites do saber científico europeu.
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Ampliao das fronteiras do conhecimento na Europa
setecentista: Uma anlise dos modelos de classifica-
o do Mundo natural 1
Priscila Rubiana de Lima (UEM bolsista de mestrado CAPES) [email protected]
Resumo: Uma das caractersticas da Europa do sculo XVIII foi o deslumbramento e entusiasmo pelas coisas da natureza, resultante dos contnuos contatos com as notcias e descobertas do Novo Mun- do. As novas descobertas acerca da fauna e da flora originaram um grande volume de escritos que buscavam descrever, classificar e esquadrinhar a natureza das novas terras. Em particular, analisamos os postulados de Carl von Linn e Buffon, afim de conhecer como os estudos destes filsofos naturais, permitiram um alargamento do conhecimento sobre o mundo natural na Europa. Regidos pelo Ilumi- nismo, buscaram por meio da razo, a formao de um conhecimento organizado, que lhes permitisse uma melhor compreenso do funcio- namento do mundo natural. Tais estudos classificatrios representa- ram uma expanso da fronteira do conhecimento cientfico. Muitos modos de compreender a natureza e conceber o mundo foram desa- creditados, aps a disseminao das novas teorias, como por exem- plo, o desenvolvido por Aristteles que vigorou at meados do sculo XVII. Conclumos com este estudo que os contatos com o Novo Mundo revolucionaram o modo de classificar e justificar a presena e utilidade de cada ser vivo no mundo, rompendo com paradigmas e ampliando ao mesmo tempo as fronteiras fsicas, espaciais e cientfi- cas da Europa iluminista.
Palavras-chave: Fronteiras do conhecimento; Novo Mundo; Systema Naturae.
1. Introduo
A anlise das diversas fronteiras na Histria constitui um Anais do V Frum de Pesquisa e Ps-Graduao em Histria da UEM ISSN: 2178-8448 2060
importante recurso terico para a compreenso das frentes de colonizao do Novo Mundo. Neste trabalho, em particular, recorremos ao conceito de fronteira do conhecimento, onde o contato com novos territrios forneceu meios para a formulao e questionamento do saber sobre o mundo natural. O modo como o europeu passou a reconhecer e classificar o mundo natural aps a descoberta do Novo Mundo revelou como o mundo passou a ser traduzido. Tal conquista permitiu- lhe ampliar simultaneamente muitos aspectos do seu modo de viver, como por exemplo, a cultura, a cincia, a arte, a alimen- tao, bem como reconhecer a si mesmo e classificar o outro. Neste estudo analisamos especificamente as fronteiras do conhecimento produzidas e ampliadas no sculo XVIII, com o fomento dos estudos realizados pela Filosofia Natural, que desenvolveu mtodos e teorias para se adaptar a nova realida- de que lhe foi imposta com a descoberta e reconhecimento da natureza e dos seres do continente americano. No Novo Mundo, considerado a nova fronteira do universo europeu, no ocorreram apenas contatos entre etnias diferen- tes, mas houve tambm interessantes intercmbios e snteses culturais, que quando analisados e compreendidos na perspec- tiva da fronteira, permitem que compreendamos a ampliao das fronteiras dos saberes acerca das Cincias Naturais no sculo XVIII. Esta anlise se faz necessria, pois com a descoberta do assim considerado Novo Mundo, os preceitos de Aristteles, tidos durante toda a Idade Mdia como verdade, foram questi- onados em sua maioria, pois o seu mtodo de classificao da natureza tornou-se invlido medida que no condizia com a nova realidade. As reclamaes contra filsofos naturais aristo- tlicos se tornaram mais intensas e graves medida que a Filosofia Natural aristotlica tornava-se obsoleta. Posto que, no incio do sculo XVIII, poucos estudiosos estavam familiariza- dos com ela. Percebia-se que a Europa estava em processo de mudanas drsticas, talvez a prova mais gritante disso fosse o uso disseminado da palavra novo. Anais do V Frum de Pesquisa e Ps-Graduao em Histria da UEM ISSN: 2178-8448 2061
O sentido de novidade que prevalecia no sculo XVII e consequentemente no XVIII era, sem dvida, resultado da crena de que muito do conhecimento que estava sendo divul- gado era recente. Isso representava um distanciamento signifi- cativo da Filosofia Natural de Aristteles e da sabedoria tradi- cional dos antigos (Grant, 2009, p.358). Compreender os estudos realizados para desvendar os mis- trios da natureza, um instrumento essencial para a anlise dos impactos culturais dos processos de colonizao. Tal entendimento nos demonstra que mesmo o europeu tendo realizado seus primeiros contatos com a Amrica no sculo XV, se no sculo XVIII, ele tivesse viajado para Amrica, destitudo de publicaes acerca da flora ou da fauna, ele se veria metido no meio de um mundo novo, ainda to desconhecido como no primeiro dia do descobrimento (BRIGOLA, 2003, p.194). Ele se veria novamente diante da fronteira, no limite entre os dois mundos, mas isso no aconteceu, devido a ampliao das fronteiras do conhecimento que ele alargou, conhecendo, classificando, nomeando e desta forma legitimando o domnio da fronteira, fazendo conhecido o desconhecido. Ao compreendermos que o conhecimento da natureza exer- ceu forte influncia para a conquista da fronteira imposta pelo Novo Mundo podemos reconhecer mais claramente o modo como o europeu passou a reconhecer-se a si mesmo e classifi- car o outro, aquele na regio da fronteira, bem como tudo o que estava a sua volta. A preocupao em desenvolver sistemas classificatrios no foi uma exclusividade do homem setecentista. Ela perpas- sou boa parte da Histria do Ocidente, no qual notamos que a cada modelo de classificao, o homem elegeu um mecanismo categorizador para executar as ordenaes necessrias. Essa busca por um critrio de ordem permitiu-nos desenvolver um principio orientador acerca do mundo a nossa volta, estabele- cendo hbitos, semelhanas e diferenas, reconhecendo lugares, espaos, seres e acontecimentos. Ao se classificar o mundo natural, o homem, independente Anais do V Frum de Pesquisa e Ps-Graduao em Histria da UEM ISSN: 2178-8448 2062
de seu contexto, pde usar critrios naturais ou arbitrrios. A escolha de um sistema classificatrio se faz a partir da maior ou menor ateno s afinidades que permitem reunir, em classes, as diversas realidades descrever. O fato mais inte- ressante que a cultura fornece aos homens os meios de se orientar, de recortar o espao e de explorar o meio. Os deta- lhes mais significativos de cada ambiente diferem segundo a cultura, pois o suporte ecolgico que lhes chama a ateno muito sensvel aos traos que lhe so teis (CLAVAL, 2001, 189-190). Vale ressaltar que o conhecimento do mundo apoiou-se i- gualmente na distino dos meios, e no saber que permitiu utilizar espao para servir de suporte a sociedade. Por esses traos possvel notar o quanto para o europeu do sculo XVIII era importante conhecer, reconhecer, classificar e distinguir os elementos da natureza. Uma das caractersticas da Europa do sculo XVIII foi o deslumbramento e entusiasmo pelas coisas da natureza, resultante dos contnuos contatos com as notcias e novidades das novas terras. As recentes descobertas acerca da fauna e flora originaram um grande volume de escritos que buscavam descrever o exotismo da natureza das novas terras, alm dos hbitos dos homens que nelas habitavam. Neste perodo, os europeus encontravam-se movidos por uma curiosidade voltada ao indito, que os tornou grandes colecionadores, viajantes, cronistas, fomentadores, por exem- plo, dos princpios de uma medicina em estreita cumplicidade com a Histria Natural. Envolvidos pelo Iluminismo, buscaram a elaborao de um conhecimento organizado, que lhes permi- tisse uma melhor compreenso do funcionamento do mundo natural. Para tanto, os filsofos naturais buscavam organizar as pro- dues naturais de forma rigorosa e sistemtica, o que envol- veu processos de descrio, comparao e classificao, ou seja, a construo de sistemas ordenados de conhecimentos que constituram a base para o desenvolvimento da cincia Anais do V Frum de Pesquisa e Ps-Graduao em Histria da UEM ISSN: 2178-8448 2063
moderna (CARDOSO; VANDELLI, 2003, p. 17). A ateno se fixou, primeiramente, nas curiosidades, mas sempre esteve ligada s coisas atrativas e teis que a natureza poderia oferecer, pois o homem ilustrado possua percepes de riqueza diferentes daquelas presentes no homem renascen- tista. Afinal, no sculo XVIII, o estudo da natureza descortina- va-se enquanto uma nova e eficiente metodologia de enrique- cimento a ser adotada por Estados europeus como Inglaterra, Espanha e Portugal. Entretanto, o modo de abordar a natureza em busca de su- as potencialidades foi resultado de um esforo metodolgico anterior empreendido por todo viajante, cronista ou filsofo natural 2 que se debruava sobre um novo fruto, rvore ou animal encontrado no Novo Mundo. Esta natureza onde se procurava, primordialmente, a fruta comestvel, a rvore de madeira mais resistente ou o animal com a pelagem mais lucrativa, necessitava antes passar por um processo prvio de organizao e classificao, que visava no somente a orde- nao dos seres, mas sua traduo. Alm de que, as espcies de vegetais e animais, no foram conhecidas por serem teis, elas foram consideradas teis e ou interessantes porque foram primeiro conhecidas. Ademais, ordenar os animais e plantas de uma dada regio significava estabelecer uma regra para sistematiz-los e classific-los dentro de uma norma, ou seja, uma maneira de socializar e perpetuar, atravs do saber, uma cultura, neste caso em espe- cial, a cultura europeia. A grande questo que permeava a todos, era a de encontrar e legitimar o lugar do homem neste mundo natural, compreen- dendo o que o diferenciava de um arbusto ou um quadrpede. O homem procurava elencar aquilo que poderia torn-lo espe- cial (CASTNEDE, 1995, p. 33-50). No que se refere especificamente ao ato de classificar, os estudiosos europeus careciam de um sistema universal de nomeao prtico, simples e de fcil manuseio. Podemos afirmar que, mesmo na Europa do sculo XVIII, diversos siste- Anais do V Frum de Pesquisa e Ps-Graduao em Histria da UEM ISSN: 2178-8448 2064
mas classificatrios coexistiram. O problema que as diversas denominaes, atribudas s plantas e animais, sofriam variaes conforme as localidades regionais e/ou atributos que lhes eram dados, o que resultava em plantas com dezenas de nomes, dados pela utilizao das categorias mentais populares. Havia a necessidade de um modelo abrangente, capaz de ser utilizado e padronizado em todo o mundo, um modelo universal de sistematizao e classi- ficao do mundo natural. Desta necessidade, surgiram dois modelos que se sobres- saram e cujos postulados influenciaram muitas geraes. O primeiro, do francs, Georges-Louis Leclerc (1707 1788) conhecido popularmente por Conde de Buffon 3 , que desenvol- via suas pesquisas no Jardim do Rei em Paris. O segundo, chamado Carl von Linn 4 (1707 1778), encontrava-se na Universidade de Uppsala na Sucia. Nosso objetivo neste trabalho exatamente analisar como os postulados destes dois homens influenciaram na maneira com a qual o europeu pas- sou a olhar para a natureza do Novo Mundo e para si mesmo. Pois na fronteira, principalmente, no momento em que obser- vamos e analisamos o outro que passamos a reconhecer melhor a ns mesmos. nesse sentido que ampliar as frontei- ras do conhecimento no sculo XVIII permitiu um olhar duplo para a Amrica. Um de deterioramento e inferioridade, forneci- dos pela teoria da degenerescncia de Buffon e outro de po- tencialidade e exclusividade desenvolvido por Linn. Tais disputas por uma hegemonia taxonmica na Europa setecentista desdobraram-se em novos paradigmas no que tange ao estudo e classificao dos seres na Modernidade. Discusses como as promovidas pelas divergncias terico- metodolgicas entre Lineu e Buffon corroboraram para o esva- necimento de sistemas classificatrios com uma longa tradio no saber medieval. As similitudes, por fim, no sustentavam mais a ordenao de um mundo onde o nmero de espcies conhecidas aumentava exponencialmente. Usar partes do conhecido para descrever o desconhecido tornava-se algo Anais do V Frum de Pesquisa e Ps-Graduao em Histria da UEM ISSN: 2178-8448 2065
obsoleto. E dizer que a ema era simplesmente uma avestruz do Novo Mundo ou ainda que o europeu degenerado era o homem americano j no convencia mais. Destaco que o objetivo central deste trabalho o de analisar como pelos avanos cientficos foi possvel ampliar as frontei- ras do Novo Mundo. Esse dilogo da fronteira entre o descobrir e o reconhecer por meio da classificao da natureza e de todos os seres, bem como os critrios que nortearam tais classificaes, so os objetos de estudo deste trabalho. visvel que o europeu procurou dar ordem e racionalidade ao mundo natural, aproximando-se de seu controle. Pois ao ampli- ar as fronteiras territoriais, o europeu ampliou e inovou suas fronteiras do conhecimento e/ ou do saber elaborado para classificar e justificar a presena de cada ser vivo no mundo, partindo sempre dos princpios cientficos e lgicos tpicos da Europa ilustrada.
2. O Conde de Buffon e a Teoria da Degenerescncia
Buffon foi um dos naturalistas que tentou no sculo XVIII, explicar a natureza do Novo Mundo. Ele declarou que somen- te pela comparao que podemos julgar, buscando as seme- lhanas e as diferenas entre as coisas. O mtodo dele nasceu calcado neste empirismo observador, tratava-se de uma tese que afirmou ser o continente americano, de alguma forma, inferior Europa. E que este novo continente, quando compa- rado com o mundo antigo, demonstrava uma imaturidade, um impedimento do desenvolvimento que fazia com que a vida animal sofresse uma degenerao (MORAES; SANTOS; NE- TO, 2010, p.55). Ao assumir a direo do Jardin du Roy, o Conde de Buffon se organizou, para escrever uma extensa obra, a qual deu o ttulo de Histoire Naturelle, gnrale e partuculire, na qual explicitou seus postulados. A obra, dedicada ao Rei, teve sucesso imediato, prova disso que a primeira tiragem, em duas semanas, havia sido esgotada, o mesmo acontecendo Anais do V Frum de Pesquisa e Ps-Graduao em Histria da UEM ISSN: 2178-8448 2066
com a segunda. A publicao de 1750 obteve um ndice de vendas surpreendente e, rapidamente, foi traduzida para o ingls, holands e alemo. A obra de Buffon foi bem recebida, tambm, pelos jesutas, com publicaes elogiosas e o Journal des Savants, em seu nmero de 1749, teceu elogios anlise do primeiro volume de sua Histoire Naturelle (Idem). A proposta do Conde de Buffon, em seu discurso inicial, era a de utilizar um mtodo de classificao natural em defesa dos princpios de continuidade e de afinidade entre as espcies. Segundo Buffon, um organismo se distinguia de outro por gradaes minsculas e contnuas. Para fazer tal afirmao, estudou as afinidades dos animais comparando suas estruturas anatmicas. Buffon buscava a imagem viva dos diversos tipos de animais.
(...) Querer julgar a diferena das plantas, unicamente, pela di- ferena de suas folhas ou de suas flores, como se quisesse conhecer a diferena dos animais pela diferena de suas peles ou pela diferena das partes da gerao. E quem no v que esse modo de conhecer no uma cincia e que, no mximo, no mais que uma conveno, uma lngua arbitrria, um meio de entender, mas do qual no pode resultar em nenhum co- nhecimento real? (BUFFON, 1749: 16).
Nas concluses de Buffon, as diferentes espcies descen- diam de um antepassado comum. Para o Conde francs, os seres vivos eram deformaes de um arqutipo original criado por Deus e, que teve como um dos seus intuitos, a busca pelas espcies principais, ou seja, de onde todas as outras deriva- ram, dentro de um padro onde a natureza intocada no seguia um sentido progressivo de aperfeioamento, mas sim caminha- va para a degenerao da paisagem e das espcies (MORA- ES; SANTOS; NETO, 2010, p.62). As consideraes e disputas tericas de Buffon no se limi- taram natureza europeia. Em vrios momentos, suas obras versaram sobre a natureza dos domnios coloniais situados no Novo Mundo. As teorias lanadas por ele originaram-se, princi- Anais do V Frum de Pesquisa e Ps-Graduao em Histria da UEM ISSN: 2178-8448 2067
palmente, de reflexes suscitadas a partir da descoberta de uma Geografia dos seres vivos (mais tarde chamada de Bioge- ografia) que reunia uma flora e uma fauna, nunca antes vista por olhos europeus. Sobre a existncia deste novo ecossiste- ma lanaram-se as bases de uma moderna teoria que colocaria em cheque o primeiro tratado a discutir, a origem e disperso das espcies, contido no Livro do Gnese. A descoberta de novos continentes e a consequente singu- laridade que estes apresentavam, colocou fim a uma hegemo- nia de autoridade tradicional representada pela unicidade da viso de mundo cristo, viso esta que, durante muito tempo, constituiu-se em um carter modelador. Segundo Antonello Gerbi (1996), o Conde de Buffon orgu- lhava-se de suas descobertas e entre elas figurava a maior de todas: as espcies animais do Velho Mundo e a das Amricas so diferentes. No s diferentes, mas, em alguns aspectos, inferiores ou debilitadas. As teorias de Buffon eram ricas em motivos e sugestes ou- sadas, infelizmente, ele chamou mais a ateno do observador comum, justamente naquela em que ele se valeu de conota- es moralistas e nas quais o seu juzo de valor foi o principal critrio para designar o que era melhor ou pior. Em outras palavras, a teoria da degenerescncia de Buffon, apesar de no ser uma de suas melhores ideias, foi a que, de fato, popu- larizou-se. Em 1761, no volume IX, de sua Histoire Naturelle, o Conde de Buffon estudou as espcies comuns ou semelhantes entre o Velho e o Novo Mundo. Chegou, pois, concluso que os mamferos originaram-se de um nico centro de disperso situado no Velho Mundo, mais precisamente Europa. Depois de detido exame das espcies conclui que, graas a um pro- cesso de degenerao, as espcies do Velho Mundo transfor- maram-se naquilo que foi encontrado no Novo (MORAES; SANTOS; NETO, 2010, p.64). Referindo-se inerente inferioridade das Amricas desfilou, comparativamente, todos os animais do Velho e Novo Mundo; Anais do V Frum de Pesquisa e Ps-Graduao em Histria da UEM ISSN: 2178-8448 2068
comparou-os e concluiu, sempre, pela debilidade dos animais da Amrica. Afirmou que no continente americano no encon- traramos o grande rinoceronte ou o elefante, entre os felinos nenhum ostentava a juba e a fora de um leo. Os animais da Amrica seriam at, dez vezes, menores que os animais do Velho Mundo.
(...) h obstculos ao desenvolvimento e talvez formao dos grandes germes; aqueles mesmos que, pelas doces influncias de um outro clima, receberam sua forma plena e toda sua ex- tenso, se encapsulam, diminuem, sob o cu avaro dessa terra vazia, onde o homem, em pequeno nmero, esparso e erran- te; onde, longe de usar, como mestre, este territrio que seu domnio, no exerce imprio algum; onde, jamais tendo subme- tido nem os animais nem os elementos, no tendo domado os mares, nem retificados os rios, nem trabalhado a terra, no era ele mesmo seno um animal de primeiro escalo e no existia para a natureza seno como um ser sem conseqncia, esp- cie de autnomo impotente, incapaz de reform-la ou de se- cund-la: ela havia-o tratado menos como me que como ma- drasta, recusando-lhe o sentimento de amor e o desejo vivo de multiplicar (BUFFON, 1753. IN: PAPAVERO et.al., 1997: 161).
O julgamento negativo que o naturalista aplicou aos mam- feros quadrpedes da Amrica repentinamente direcionado ao nativo americano. Acusados de selvagens dbeis, pequenos nos rgos de reproduo, sem ardor pela sua fmea e de no domesticarem a natureza hostil em seu benefcio. Os nativos da Amrica, no julgamento de Buffon, no diferiam das demais criaturas. Na construo da teoria, to difundida, a comparao do Novo Mundo com o antigo, descortina uma imaturidade; um impedimento do desenvolvimento que fazia com que a vida animal sofresse um processo de degenerao (MORAES; SANTOS; NETO, 2010, p.65). A contnua adjetivao depreciativa sobre a Amrica, sem- pre presente e usual nas crnicas de religiosos, descries de viajantes e naturalistas eurocntricos, esteve presente desde as primeiras notcias sobre o Novo Mundo. Sendo crena Anais do V Frum de Pesquisa e Ps-Graduao em Histria da UEM ISSN: 2178-8448 2069
largamente difundida desde a Idade Media e Renascimento, esta calcava-se no princpio de que a degenerao de um constitua-se na gerao do outro. Obviamente que o Conde de Buffon no foi um mero continuador desta tradio terica, suas conjecturas, acerca da degenerescncia, eram sofistica- das o suficiente para alcanar o patamar de novo paradigma no que se referia origem e disperso das espcies do Novo Mundo. Antonello Gerbi (1996), ao refletir sobre as ideias do Conde de Buffon, considerou que a repulsa tese da inferioridade das Amricas se deve s observaes e aos elementos apresenta- dos pela teoria da degenerescncia, onde foi acrescentado um sentido pejorativo, desqualificando a natureza e o homem americano (MORAN, 1994). A teoria da degenerescncia acabou se revelando um jul- gamento, cuja caracterstica de polaridade, utilizou dados das mais diferentes reas da cincia moderna, como as nascentes Geografia, Biologia, Geologia, Zoologia e Botnica que, naque- le momento, comeavam a definir suas reas de atuao e objetos de estudo. Na prpria condio de nomear-se Velho e Novo Mundo, a dualidade iluminista se apresentou classifica- dora e taxonmica. Sem dvida, a cincia no defende mais a tese da degenerescncia dos homens e dos animais que foram encontrados nas Amricas a partir de fins do sculo XV (MO- RAES; SANTOS; NETO, 2010, p.68). E finalmente, ao centro de todos os continentes, teremos a representao da Europa, numa imagem gloriosa. Tais circuns- tncias, de imediato, possibilitam-nos a leitura da imposio hierrquica etnocntrica do europeu no somente pelas artes, mas, principalmente por aquelas cincias que revelavam ver- dades convenientes. Vale ressaltar que a historiografia tambm fez uso da teoria da degenerescncia de Buffon para explicar a ampliao das fronteiras no continente americano. Como resultado temos vrias referncias explicativas que esto sempre a exaltar a Europa e o homem europeu e a minimizar e inferiorizar o Anais do V Frum de Pesquisa e Ps-Graduao em Histria da UEM ISSN: 2178-8448 2070
homem e a natureza americana, como podemos constatar nos escritos de autores clssicos que inspiraram geraes de historiadores como por exemplo Frederick Jackson Turner, dos E.U.A. Nos escritos desse autor possvel constatar o quanto o saber concebido por Buffon o influenciou a constatar que o homem americano era o resultado da degenerao do homem europeu.
Na colonizao da Amrica, devemos observar como a vida eu- ropeia entrou no continente e como a Amrica modificou e de- senvolveu aquela vida e reagiu sobre a Europa. Nossa histria primitiva o estudo dos germes europeus se desenvolvendo no ambiente americano (...). A fronteira a linha de americani- zao mais efetiva. O Serto domina o colonizador. Ele o en- contra como um europeu em roupa, em industrias e nos modos de viajar e pensamentos. Leva-o de trem e o coloca numa ca- noa. Tira-lhe a roupa da civilizao e o veste com camisa de caa e de botas. O Serto o coloca numa casa de madeira dos Cherokee e Iroquois e coloca uma certa indgena ao redor dele. Logo ele comea a plantar milho e a arar, grita o grito da guerra e tira a pele do crnio na melhor moda amerndia. Na fronteira o ambiente muito forte para o homem. Ele deve aceitar as condies que lhes so dadas ou ele morre; e por isso ele , se encaixa nas clareiras dos ndios e segue o caminho deles. Aos poucos, ele transforma o serto, mas o produto no a Velha Europa, no apenas o desenvolvimento dos germes germni- cos. O fato que aqui h um produto novo, um ser americano. (...) (TURNER, F. J., 1996, p. 3) 5
3. Carl von Linn e o Systema Naturae.
Com a ampliao das fronteiras geogrficas, de influncia europeia, houve a necessidade da criao de um modelo abrangente, de fcil manejo e eficaz, capaz de ser utilizado e padronizado em todo o mundo. Este modelo deveria ser capaz de classificar os seres j conhecidos e os por vir a serem descobertos. Por ser capaz de responder a estes requisitos o sistema de classificao do mundo natural desenvolvido por Anais do V Frum de Pesquisa e Ps-Graduao em Histria da UEM ISSN: 2178-8448 2071
Carl von Linn, teve grande repercusso e aceitao na Euro- pa, pois ele respondia a carncia de um mundo de cincias em formao. Por meio da biografia e escritos de Linn, tambm conheci- do pelo nome latinizado de Lineu, verificamos a relao entre o conhecimento natural e a poltica econmica do Iluminismo. Lineu encontrava-se na Sucia, mas especificamente na U- niversidade de Uppsala. Buscava uma estratgia econmica de substituio de importaes para seu pas. Por meio de seus estudos, inovou ao propor processos de adaptao e aclimata- o botnica, onde ambicionava reconstituir as condies para os produtos do reino vegetal prprios de climas tropicais de modo que pudessem frutificar na regio do Bltico. Desta forma, o domnio cientfico das coisas naturais auxiliaria nas reformas econmicas da Sucia, superando o deficit da balan- a comercial e maximizando a auto-suficincia econmica nacional (CARDOSO, 2009, p.6). As preocupaes de Lineu se baseavam no fato de que o clima sueco frio, caracterizado por longos e escuros invernos com temperaturas mnimas de -15C/-20C, o que acarretava em dificuldades para o cultivo da maioria das plantas. Em Uppsala, Lineu realizou experincias para aclimatar plantas originrias de outros climas e durante dcadas trabalhou com a hiptese de que seria possvel habituar os vegetais ao frio sueco (KURY, 2008, p.74). Em 1746, escrevendo para a Universidade de Uppsala, Li- neu apresentou uma anlise que permitia compreender uma das lgicas que regiam o mundo natural. Ao observar a nature- za de diversos lugares e climas, compreendeu que a natureza havia arranjado uma maneira para que cada pas produzisse, em escala agrcola, algumas espcies singulares, proveitosas e teis. Tal tcnica seria consideravelmente lucrativa para os pases que conseguissem dominar a natureza, coletando plantas teis de um lugar e cultivando-as em seu prprio solo. Lineu almejava, deste modo, cultivar em solo sueco, o maior nmero possvel de plantas exticas e agricultveis de vrias Anais do V Frum de Pesquisa e Ps-Graduao em Histria da UEM ISSN: 2178-8448 2072
regies do globo (KOERNER, 1999). Nesta carta, Lineu, consi- derou a natureza como um recurso inigualvel disperso por todo o globo. O modelo de classificao proposto por Lineu partia do pressuposto de que a natureza inteira tendia a prover o bem- estar do homem, cuja autoridade se estendia sobre toda a terra, podendo este apropriar-se de todos os produtos, caracte- rizando assim o forte vis antropocntrico que marcou o pen- samento iluminista (CARDODO, 2009, p.3). O modelo formulado por Lineu teve sua origem em meados do sculo XVIII, e teve em sua essncia a idia de reproduo e consequente formao de um novo ser. Seus preceitos foram to bem aceitos, a ponto de ser considerado o criador da sistemtica zoolgica e botnica, sendo responsvel por esta- belecer uma das mais slidas e importantes redes cientficas do sculo XVIII. Lineu utilizou-se da abordagem de muitos estudiosos para formar seu sistema de classificao do mundo natural. Uma abordagem importante para os seus postulados, foram os estudos de Sir Matthew Hale (1995), ao afirmar que todos os seres humanos aumentavam de nmero a cada gerao pela reproduo, e se procedssemos inversamente, notaramos que a cada gerao o nmero de indivduos seria menor do que naquela que a seguiu; este processo levou, necessaria- mente, concluso que todos os seres humanos provinham de um nico casal inicial, Ado e Eva, conforme o saber bblico contido no livro do Gnesis. Esse casal no poderia, claro, provir de nenhum outro, da a necessidade de invocar um criador. Hale estendeu o mesmo argumento aos animais, cada espcie s poderia ter provindo de um casal inicial, o casal levado por No em sua Arca e, antes disso, criado por Deus no den, confirmando o relato de Gnesis. (HALE, 1995). Em princpio, o objetivo de Lineu no era introduzir uma nomenclatura binomial 6 . Sua pretenso era proporcionar uma relao concisa e manejvel de todas as plantas conhecidas com diagnsticos breves, referencias a bibliografia precedente Anais do V Frum de Pesquisa e Ps-Graduao em Histria da UEM ISSN: 2178-8448 2073
e observaes sobre sua distribuio geogrfica. Por conseguir tal faanha Lineu acreditava ser o instrumento eleito por Deus para por fim ao caos que imperava na nomenclatura e classifi- cao dos animais, vegetais e minerais. Na poca das luzes, o mundo das cincias no era visto como uma esfera independente da poltica e economia. Lineu foi conhecido nos sculos XVIII e XIX como o sistematizador da moderna concepo de economia da natureza. Lineu e seus discpulos envolveram-se com a aplicao utilitria dos trs reinos naturais, vegetal, animal e mineral (KURY, 2008, p.74). Desse modo, a obra de Lineu tornou-se um conjunto pode- rosamente articulado de mtodos, pressupostos filosficos e intervenes prticas que se compuseram enquanto uma forte referncia para a Histria Natural na Europa e Amricas. A fama de Lineu e a fora de sua sistemtica mantiveram-se por muitas dcadas. Mesmo depois de sua morte, seus postulados foram empregados no sculo XIX, inclusive por Charles Darwin (Op. Cit. p.75). O Systema Naturae, de Lineu, possua dois princpios fun- damentais. O primeiro foi o de usar palavras latinizadas para denominar grupos de organismos. O segundo foi usar categori- as para distribuir os organismos a partir de grupamentos am- plos at chegar a grupamentos limitados (LINNAEUS, 1735). Para formular o segundo princpio de sua sistemtica, Lineu utilizou a diviso lgica aristotlica para classificar cada um dos trs reinos da natureza. Tomou cada um deles como gnero, introduziu algumas diferenas, que resultaram na obteno de espcies lgicas. Lineu descobriu que entre os Reinos e as Espcies, eram necessrios trs nveis de diviso, seja qual for o grupo, mineral, vegetal ou animal. Lanou ento o sistema das categorias: Classes, Ordens, e Gneros e por fim as Esp- cies (BUFFALOE, 1974, p. 65). Esta lgica permitiu que os organismos pudessem ser distribudos, de forma que um reino consistisse em muitas classes, uma classe abrangendo vrias ordens, uma ordem diversos gneros, um gnero muitas esp- cies e uma espcie contendo organismos intimamente relacio- Anais do V Frum de Pesquisa e Ps-Graduao em Histria da UEM ISSN: 2178-8448 2074
nados. A inovao de Lineu situou-se na sua capacidade em distri- buir os organismos e grupos de organismos em uma ordem natural. At este perodo, os sistemas tinham sido, em grande parte, artificiais, classificando os animais devido s semelhan- as superficiais que apresentavam (BUFFALOE, 1974,p.5-7). Lineu estabeleceu nomes compostos de duas palavras para a classe de indivduos, o primeiro nome se referia a um grupo inteiro de objetos/seres 7 , enquanto o outro nome designava um elemento singular do conjunto. Hoje, esse modo de classifica- o universal, mas Lineu foi o primeiro a aplicar deliberada- mente o sistema binomial a plantas e animais. O sistema efetivou, com originalidade, o que seria um com- pndio de toda Histria Natural do seu tempo. Com a implanta- o desse sistema de nomenclatura binominal, Lineu propor- cionou aos seus contemporneos um modo de recensear os organismos j conhecidos, bem como aqueles que viriam a ser descobertos. O melhor testemunho da abrangncia do sistema por ele elaborado encontra-se no fato de que mais de um milho de espcies de plantas e animais foram denominados e classifica- dos de acordo com seu sistema, nos dois sculos que segui- ram a primeira publicao do Systema Naturae. Para delinear e estruturar o Systema Naturae, Lineu descar- tou caractersticas que ele considerava enganosas e inteis como tamanho, semelhana com outro gnero, localidade, poca de desenvolvimento, cor, odor, sabor, usos, sexo, ano- malias, velocidade, durao e aumento do nmero de seus elementos. O pensamento de Lineu tomou como base de seus postulados, a sexualidade. (LINNAEUS, 1735; BLUNT, 1982, p.261). Lineu tinha o pressuposto de que a ordem deveria imperar nas coisas concebidas pelo criador. Ele via a si mesmo como o descobridor da ordem imposta por Deus natureza viva. Sendo, inclusive, chamado panegiricamente, entre outros ttulos, de segundo Ado, pois teria feito como seu antepas- Anais do V Frum de Pesquisa e Ps-Graduao em Histria da UEM ISSN: 2178-8448 2075
sado, apontado para as plantas e lhes designado um novo nome. Lineu sabia que os organismos podiam ser classificados em grupos mais amplos, por meio de caractersticas naturais e tambm por um grande nmero de caractersticas associadas, consideradas por assim dizer artificiais (BLUNT, 1982, p. 260). Depois de estabelecer um sistema de classificao do mun- do natural, Lineu se debruou tambm sobre o problema da origem das espcies e a sua disperso pelo planeta. Ele procu- rou explicar a disperso dos vegetais pelo mundo com base no relato bblico, conforme o indicado no livro de Gnesis sobre o jardim do den. Lineu concluiu que o criador colocou todas as espcies vivas, no incio, em um s lugar da Terra, o Paraso Terrestre, sendo este, o centro de origem e disperso dos seres vivos. (PAPAVERO, 1999, p. 97) Ao se dedicar ao estudo da peloria 8 , Lineu conseguiu com- preender e admitir um princpio de mutabilidade das espcies originalmente criadas por Deus. Hoje, segundo as observaes de Lineu, no temos as mesmas espcies que Deus criou numericamente, pois espcies, e at gneros, teriam surgido, a partir de hibridaes dessas espcies imutveis, primeiramen- te, criadas Deus (PAPAVERO; PUJOL-LUZ, 1999, p.166). O surgimento de espcies novas, por hibridao, salvava a hiptese traducionista de Lineu expressa em 1744, j que ele defendia que todas as espcies foram criadas por Deus e se dispersado originalmente a partir do den. O problema era explicar como tendo plantas de um mesmo ambiente vivendo sempre juntas, existiam espcies que so exclusivas de uma regio? A hibridao ajudou Lineu a compreender o fenmeno de disperso e especiao das espcies originalmente criadas por Deus. (PAPAVERO; PUJOL-LUZ, 1999, p.171). Por essa poca, Lineu tambm pensou na hibridao de a- nimais. A questo levantada pelo sistemata dizia respeito a origem do prprio Homo sapiens, este questionamento era importante para os estudiosos do sculo XVIII, pois dizia res- peito s nuanas que permeavam a discusso acerca dos Anais do V Frum de Pesquisa e Ps-Graduao em Histria da UEM ISSN: 2178-8448 2076
conceitos de raa e espcie, bem como compreender o nebu- loso limite que separava um e outro. No Systema Naturae essa discusso se manifesta nas vrias espcies que, segundo Lineu, pertenciam ao gnero Homo (LINNAEUS, 1735). Na perspectiva de Lineu, no importava se o homem era branco, amarelo, negro, vermelho, alto, baixo, europeu ou americano. Segundo os postulados de Lineu, todos so antes de qualquer outra caracterstica, Homo Sapiens. Com essa conjectura, a hiptese lineana acerca da origem e disperso das espcies ganhou fora. Tal princpio corroborava para afirmar que somente algumas espcies primigenias teriam sido postas no den. Desse modo, haveria lugar de sobra para elas, as espcies, no cume da montanha do paraso terrestre. Outro dado importante tambm pde ser demonstra- do, ou seja, Deus havia permitido que, por meio da hibridao, a obra da criao continuasse. Estes seres primignios, originalmente criados por Deus, seriam as espcies primordiais reunidas numa classe; seus descendentes, por sua vez, gerariam espcies que culminariam em uma ordem lineana; enquanto os descendentes destes, continuando a se hibridar, originariam as espcies que iniciari- am os primeiros grupos de espcies que constituiriam os gne- ros lineanos e, por fim, chegar-se-ia s espcies nfimas linea- nas, que apresentavam alto grau de variabilidade. Lineu acreditava que com essas formulaes tivesse conseguido penetrar profundamente a mente de Deus (PAPAVERO; PU- JOL-LUZ, 1999, p.172-173). O conhecimento transformador, e o sculo XVIII vivenciou com as teorias e postulados de Buffon e Lineu, inmeras transformaes no campo que hoje identificamos como cientfi- co. A ampliao do saber sobre si mesmo e sobre o outro, permitiu ao europeu romper fronteiras, no s espaciais, mas tambm fronteiras culturais e cientficas. Ao formular um meio de classificao do mundo natural, Carl von Linn, durante o iluminismo, comprovou cientificamen- te que os homens so iguais, pois pertencem a mesma esp- Anais do V Frum de Pesquisa e Ps-Graduao em Histria da UEM ISSN: 2178-8448 2077
cie. Tal saber deu abertura para que alguns homens letrados comeassem a ter inclusive uma conscincia antiescravista. Este nunca foi um de seus objetivos, mas o conhecimento nos leva a lugares nunca imaginados. Uma vez que no s Lineu, mas diversos estudiosos iluministas consideravam o homem como a obra mais importante de Deus. Bastava identificar qual homem. A resposta de Lineu foi, todos os homens. A resposta de Buffon foi a de que Deus criou apenas o europeu e a Euro- pa e que o restante do mundo e dos seres eram desmembra- mentos destes tidos como superiores, sendo os demais dege- nerados. Lineu e Buffon foram dois grandes naturalistas, e cada um a sua maneira buscou compreender o mundo que se apresenta- va cada vez maior, cheio de novidades e seres nunca antes vistos ou estudados. Suas interpretaes e postulados tiveram inmeras consequncias, principalmente no que se refere ao olhar que o europeu passou a ter do Novo Mundo, sua nature- za e seus habitantes. Historicamente o modelo de Lineu tornou-se universal, sua tese foi aceita pela praticidade e simplicidade, e at mesmo Buffon, por mais que no fosse favorvel a sua sistemtica foi obrigado a adota-l, visto que em 1774, o rei Luis XV, decretou que se adotaria na Frana, a partir daquela data, o sistema lineano (BLUNT, 1982, p. 165).
4. Concluso
Das vrias fronteiras rompidas e ampliadas pelo conheci- mento cientfico, destacamos neste trabalho aquela que foi motivada pela classificao do Mundo natural. A maior preocu- pao deste trabalho foi a de destacar os objetivos da cincia e as formas de produo conhecimento. Uma vez que dominar e compreender a natureza do Novo Mundo foi um dos meios que o europeu desenvolveu para controlar e usufruir melhor dos seus domnios. Classificar mundo natural foi a prova de que conhecer detalhadamente os espao da fronteira que separava Anais do V Frum de Pesquisa e Ps-Graduao em Histria da UEM ISSN: 2178-8448 2078
os dois mundos, tambm foi uma grande conquista, a medida que incorporou as novas terras, e rompeu com a fronteira do desconhecido no sculo XVIII. A necessidade de conhecer e reconhecer o outro localizado no Novo Mundo gerou o reconhecimento e classificao da natureza de todo o globo. Os filsofos naturais europeus no estavam satisfeitos com os modelos at ento desenvolvidos, pois no eram nem de reconhecer a natureza dispersa pela Europa, muito menos para dar conta das novidades que o Novo Mundo apresentava. Destacamos neste trabalho as teorias e teses de classifica- o do Conde de Buffon e de Carl von Linn, por entender que estas diferentes vises do mundo natural foram as de maior impacto no sculo XVIII, no que tange ao modo como ambas influenciaram na maneira como a Amrica foi vista e compre- endida neste perodo. Compreender o conceito de limite e de fronteira foi essencial para a anlise deste trabalho, pois para Buffon e Lineu, estes conceitos possuam significados diferentes. Para Buffon o limite que separava um ser do outro era algo que buscava a sua diviso, e anunciava a diferena. Enquanto para Lineu o limite era apenas um disfarce concebido como instrumento do saber, que delimitava o todo para que cada uma das suas partes fosse reconhecida em sua especificidade dentro da totalidade. De acordo com o geografo, Cssio Eduardo Viana Hissa, uma reflexo sobre limites e fronteiras , tambm, uma reflexo sobre o poder. Fronteiras e limites foram desenvolvidos para estabelecer domnios e demarcar territrios. Foram concebidos para insinuar preciso: a preciso que pede poder (2002, p.35). Os mtodos de classificao do mundo natural foram a arte que permitiu ao europeu conhecer e agir no espao da fronteira imposta pelo Novo Mundo. Classificar foi o agir que se concre- tizou na prtica pelo colonizador europeu. Mas a ao, por sua vez, pressups um conhecimento que a antecedeu. (HISSA, 2002, p.201).
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A praticidade desse saber que prescinde da reflexo mediada pela tcnica e por instrumentos tomados como rigorosos que, hipoteticamente, estariam livrando o sujeito de fantasias, perni- ciosas construo do conhecimento objetivo. O que no se ajusta s medidas de calculabilidade e da utilidade suspeito para o iluminismo. O mundo moderno foi iluminado pela cincia (HISSA, 2002, p.203).
Assim, construiu-se um entendimento de que as atividades que permeavam o estudo das plantas e animais deveriam se guiar por um sistema nico. Tal necessidade pde, enfim, ser suprida com a adoo de normas classificatrias simples, mas que conseguiram englobar os seres j descobertos e descritos, bem como tambm aqueles em vias de ser, haja vista os inmeros novos animais e plantas que eram, constantemente, descobertos no Novo Mundo e enviados aos gabinetes de estudiosos europeus. Por fim, o Systema Naturae, de Lineu, tambm promoveu outro importante fator presente nos princpios iluministas: o de universalizar e instrumentalizar o saber, ampliando as fronteiras do conhecimento, permitindo ao europeu conhecer-se a partir do encontro com o outro, na fronteira entre o Velho e o Novo Mundo. Notas
1 Este trabalho resultado das discusses realizadas na disciplina de Historiografia e Fronteiras, ministradas pela Profa. Dra Hilda Pvaro Stadniky cujos debates tericos e conceituais, auxiliaram na anlise do projeto de mestrado que desenvolvo atualmente na Universidade Estadual de Maring, sob o ttulo Cartas, flores, frutos e semente: A correspondncia entre Vandelli e Lineu sobre a flora da Amrica Portuguesa. 2 A Filosofia Natural era o estudo racional da natureza. Isto significa a natureza do ponto de vista de sua especificidade substancial e de suas propriedades, usando o pensamento meramente raciocinativo. Na condio de estudo da natureza, ocupa-se a Filosofia Natural amplamente dos corpos e da vida. Resulta, assim, haver um conhecimento racional da natureza, conhecimento que, em tal situao, tem o carter de filosfico (SANTOS, 2001). Anais do V Frum de Pesquisa e Ps-Graduao em Histria da UEM ISSN: 2178-8448 2080
3 O naturalista Conde de Buffon (1707-1788) nasceu em Montbard, na Frana, e teve sua fama de naturalista ampliada a partir da divulgao de sua Histoire Naturelle (1749), obra que influenciou cientistas como Lamarck (1744-1829) e Darwin (1809-1882), famosos por suas teorias evolucionistas. 4 Linn foi considerado o criador da sistemtica zoolgica e botnica, cujo ponto mais alto de suas pesquisas se deu a partir da publicao de sua obra intitulada Systema Naturae. Alm ser o sistematizador da nomenclatura binomial 4 , Lineu foi tambm o propositor do sistema sexual para a classificao dos vegetais, alm de ser consultor do Estado e dos particulares no que se refere produo agrcola na Sucia. 5 Em 1893 Chicago era a sede da Exposio Mundial sobre Colombo, foi realizada uma grande feira para comemorar os 400 anos da viagem do descobrimento. Embora a palestra de Turner passasse quase despercebida, mais tarde adquiriu notoriedade a ponto de ser considerada a escrita mais influente na histria dos Estados Unidos. Esta citao, foi extrada da obra intitulada The Significance of the frontier in American History, onde Turner analisa o sentido da fronteira na histria americana. 6 Nomenclatura binomial designa nas cincias biolgicas o conjunto de normas que regulam a atribuio de nomes cientficos s espcies de seres vivos. Chama-se binominal porque o nome de cada espcie formado por duas palavras, o nome do gnero e o restritivo especfico, normalmente um adjectivo que qualifica gnero. A utilizao do sistema de nomenclatura binomial um dos pilares da classificao cientfica dos seres vivos sendo regulada pelos cdigos especficos da nomenclatura botnica, zoolgica. 7 Lembrar que a sistemtica lineana tambm se ocupa em tentar estabelecer critrios para o reino mineral. 8 Peloria um vegetal que possui uma anomalia. Ela especial, pois retm em sua composio uma estrutura irregular capaz de sofrer modificaes. Anais do V Frum de Pesquisa e Ps-Graduao em Histria da UEM ISSN: 2178-8448 2081
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