Erros Na Prescrição Hosp - Med Potencialmente Perigosos - Mario Rosa

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Rev Sade Pblica 2009;43(3):490-8

Mrio Borges Rosa


I
Edson Perini
II
Tnia Azevedo Anacleto
I
Hessem Miranda Neiva
I
Tnia Bogutchi
III
I
Fundao Hospitalar do Estado de Minas
Gerais. Belo Horizonte, MG, Brasil
II
Departamento de Farmcia Social.
Faculdade de Farmcia. Universidade
Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte,
MG, Brasil
III
Departamento de Estatstica. Pontifcia
Universidade Catlica de Minas Gerais.
Belo Horizonte, MG, Brasil
Correspondncia | Correspondence:
Faculdade de Farmcia - CEMED
Universidade Federal de Minas Gerais
Av. Antnio Carlos 6627, sala 3111
31270-901 Belo Horizonte, MG, Brasil
E-mail: [email protected]
Recebido: 7/2/2008
Revisado: 9/7/2008
Aprovado: 3/11/2008
Erros na prescrio
hospitalar de medicamentos
potencialmente perigosos
Errors in hospital prescriptions of
high-alert medications
RESUMO
OBJETIVO: Os erros de medicao so atualmente um problema mundial de
sade pblica, sendo os mais srios os de prescrio. O objetivo do estudo foi
analisar a prtica da prescrio de medicamentos de alto risco e sua relao
com a prevalncia de erros de medicao em ambiente hospitalar.
MTODOS: Estudo transversal retrospectivo abrangendo 4.026 prescries
com medicamentos potencialmente perigosos. Durante 30 dias de 2001,
foram analisadas todas as prescries recebidas na farmcia de um hospital
de referncia de Minas Gerais. As prescries foram analisadas quanto a:
legibilidade, nome do paciente, tipo de prescrio, data, caligraa ou graa,
identicao do prescritor, anlise do medicamento e uso de abreviaturas. Os
erros de prescrio foram classicados como de redao ou deciso, sendo
avaliada a inuncia do tipo de prescrio na ocorrncia de erros.
RESULTADOS: Houve predomnio da prescrio escrita mo (45,7%).
Em 47,0% das prescries escritas mo, mistas e pr-digitadas ocorreram
erros no nome do paciente, em 33,7% houve diculdades na identicao
do prescritor e 19,3% estavam pouco legveis ou ilegveis. No total de 7.148
medicamentos de alto risco prescritos, foram observados 3.177 erros, sendo
mais freqente a omisso de informao (86,5%). Os erros se concentraram
principalmente nos medicamentos heparina, fentanil e midazolam; e os setores
de tratamento intensivo e a neurologia apresentaram maior nmero de erros por
prescrio. Observou-se o uso intensivo e sem padronizao de abreviaturas.
Quando computados todos os tipos de erros, vericou-se 3,3 por prescrio.
A prescrio pr-digitada apresentou menor chance de erros do que as mistas
ou escritas mo.
CONCLUSES: Os resultados sugerem a necessidade da padronizao
no processo de prescrio e a eliminao daquelas feitas mo. O uso de
prescries pr-digitadas ou editadas poder diminuir os erros relacionados
aos medicamentos potencialmente perigosos.
DESCRITORES: Erros de Medicao. Prescrio de Medicamentos.
Medicamentos com Prescrio. Medicamentos de Controle Especial.
Estudos Transversais.
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491 Rev Sade Pblica 2009;43(3):490-8
Os estudos Harvard Medical Practice Study I e II,
4,12
marcantes e pioneiros na rea de segurana do paciente,
mostraram que os eventos adversos relacionados as-
sistncia so comuns e inesperadamente altos em hospi-
tais norte-americanos, acarretando danos permanentes
e mortes.

A partir desses dois estudos, estimou-se que
cerca de 98.000 norte-americanos morrem por ano devi-
do a erros associados assistncia sade, sendo estes
considerados uma das principais causas de mortes nos
Estados Unidos.
10
Os eventos adversos mais freqentes
relacionados aos medicamentos foram registrados no
Harvard Medical Practice Study II,
12
sendo uma parte
considervel deles evitvel.

Nos ltimos anos, o incre-
mento considervel no nmero de estudos em segurana
do paciente levou a um maior conhecimento sobre o
assunto, conrmando sua importncia como proble-
ma mundial. Em consonncia com este preocupante
quadro, a Organizao Mundial de Sade lanou em
2004 o programa Aliana Mundial para a Segurana
do Paciente. Trata-se de um programa permanente que
ABSTRACT
OBJECTIVE: Medication errors are currently a worldwide public health issue
and it is one of the most serious prescription errors. The objective of the study
was to evaluate the practice of prescribing high-alert medications and its
association with the prevalence of medication errors in hospital settings.
METHODS: A retrospective cross-sectional study was conducted including
4,026 prescription order forms of high-alert medications. There were evaluated
all prescriptions received at the pharmacy of a reference hospital in the state of
Minas Gerais, southeastern Brazil, over a 30-day period in 2001. Prescription
were checked for legibility, patient name, type of prescription, date, handwriting
or writing, prescriber identication, drug prescribed, and use of abbreviations.
Prescription errors were classied as writing or decision errors and how the
type of prescription affected the occurrence of errors was assessed.
RESULTS: Most prescriptions were handwritten (45.7%). In 47.0% of
handwritten, mixed and pre-typed prescriptions had patient name errors;
the prescriber name was difcult to identify in 33.7%; 19.3% of them were
hardly legible or illegible. Of a total of 7,148 high-alert drugs prescribed,
3,177 errors were found, and the most frequent one was missing information
(86.5%). Errors occurred mostly in prescriptions of heparin, phentanyl,
and midazolam. Intensive care and neurology units had the highest number
of errors per prescription. Non-standard abbreviations were frequent and
widespread. Overall it was estimated 3.3 errors per prescription order form.
Pre-typed prescriptions were less likely to have errors compared to mixed or
handwritten prescriptions.
CONCLUSIONS: The study results show there is a need for standardizing
the prescription process and eliminating handwritten prescriptions. The use
of pre-typed or edited prescriptions may reduce errors associated to high-alert
medications.
DESCRIPTORS: Medication Errors. Prescriptions, Drug. Drugs with
Prescription. Drugs of Special Control. Cross-Sectional Studies.
INTRODUO
conclama todos os pases membros a tomarem medidas
para assegurar a qualidade da assistncia prestada nas
unidades de sade de todo o mundo.
23
Recentemente, publicao sobre erros de medicao
considerou o nvel e as conseqncias desses eventos
inaceitveis, e registra que cada paciente internado em
hospitais americanos est sujeito a um erro de medica-
o por dia.
2
Conforme Barber et al
3
(2003), os erros de
prescrio so os mais srios dentre os que ocorrem na
utilizao de medicamentos.
Muitos paradigmas so confrontados na discusso de
erros em instituies de sade. Os prossionais de
sade normalmente associam falhas nas suas atividades
vergonha, perda de prestgio e medo de punies. De
modo geral, o ambiente nas instituies de sade no
propcio para uma discusso franca sobre o assunto,
visando melhoria do sistema como um todo. Essa
tendncia negao com conseqente subnoticao
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492 Erros em prescries hospitalares Rosa MB et al
dos erros na rea da sade muitas vezes diculta a
avaliao dos eventos, prejudicando o conhecimento
sobre eles.
21
Outro obstculo encontrado para o estudo
e preveno de erros de medicao a falta de padroni-
zao e a multiplicidade da terminologia utilizada para
classic-los. Esta situao prejudica a comparao
entre os estudos sobre o tema e retarda o conhecimento
epidemiolgico sobre o assunto.
24
Embora a maioria dos medicamentos possua uma
margem teraputica segura, alguns frmacos tm risco
inerente de lesar o paciente quando existe falha no pro-
cesso de utilizao. Esses frmacos so chamados de
high-alert medications ou medicamentos de alto risco,
aqui denominados de medicamentos potencialmente
perigosos (MPP). Os erros que acontecem com esses
medicamentos no so os mais rotineiros, mas quando
ocorrem, possuem severidade alta e podem levar a
leses permanentes ou serem fatais.
5,8
O presente estudo teve por objetivo analisar a prtica
da prescrio de medicamentos de alto risco e sua
relao com a prevalncia de erros de medicao em
ambiente hospitalar.
MTODOS
Realizou-se um estudo transversal com coleta retros-
pectiva de dados em todas as segundas vias de prescri-
es contendo um ou mais MPP, emitidas entre 29 de
agosto e 27 de setembro de 2001, recebidas na farmcia
hospitalar de um hospital de referncia localizado no
estado de Minas Gerais.
Conforme Cohen et al
5
(1998) e Federico
8
(2007), foram
considerados MPP: atracrio ampola com 25 miligramas
(mg), cloreto de potssio ampola com 10 mililitros (mL)
a 10%, digoxina comprimido com 0,25mg, dobutamina
ampola com 250 mg, dopamina ampola com 50 mg,
epinefrina ampola com 1 mg, fentanil ampola 1 mL com
0,5 mg e frasco-ampola 10 mL com 0,5 mg, fosfato cido
de potssio ampola 10 mL com 2 mEq/mL, gluconato
de clcio ampola 10 mL a 10%, heparina ampola 0,25
mL/5.000 unidades e frasco-ampola 5 mL com 5.000
unidades/mL, insulina NPH com 100 unidades/mL e
regular com 100 unidades/mL, midazolam ampolas com
50 mg, 5 mg e 15 mg, morna ampola 1 mL com 10
mg, nalbuna ampola 1 mL com 10 mg, norepinefrina
ampola 1 mL com 1 mg, pancurnio ampola 2 mL com
4 mg, petidina ampola 2 mL com 100 mg, suxametnio
frasco-ampola com 100 mg, tramadol frasco 10 mL a
100 mg/mL, vecurnio ampola 1 mL com 4 mg, varfa-
rina comprimido com 5 mg. A essa lista de 26 MPP foi
necessrio incluir mais quatro denies para ns de
registro no formulrio (midazolam, heparina, insulina e
fentanil sem concentrao, forma farmacutica ou outro
parmetro), em funo de vrias situaes em que os
MPP apareciam prescritos sem parmetros, impossibi-
litando sua classicao na lista original.
O formulrio foi elaborado contendo as oito variveis
da pesquisa com suas devidas classicaes, utilizado
na coleta e construo do banco de dados. O preenchi-
mento do formulrio foi feito por estagirios, graduan-
dos em farmcia nos ltimos perodos e revisados por
dois farmacuticos hospitalares com ps-graduao
em farmcia hospitalar. Uma reviso nal foi feita
por um terceiro farmacutico hospitalar, com curso de
especializao na rea e mais de 15 anos de experin-
cia em farmcia hospitalar. Em caso de discordncia,
discutia-se a classicao at o consenso. Aps reviso,
discusso e consenso, os formulrios eram encaminha-
dos para a digitao.
Foram utilizadas oito variveis ou grupos de variveis
e duas denies de erros, conforme especicaes
a seguir:
1. Legibilidade das prescries em funo de seu
alto grau de subjetividade e dependncia da experincia
do avaliador, foi estabelecido um padro de avaliao
mais homogneo possvel, reduzindo aspectos da sub-
jetividade envolvida no julgamento. Foi classicada
em trs possibilidades:
a) graa com boa legibilidade: lida normalmente sem
problemas para entendimento da escrita;
b) graa pouco legvel ou duvidosa: levava maior de
tempo de leitura, sem certeza de compreenso total
de todas as palavras, nmeros, smbolos e abrevia-
turas; e
c) graa ilegvel: impossvel o entendimento da es-
crita.
2. Nome do paciente alm dos critrios de legibi-
lidade, esta varivel foi classicada em: incompleto
(omisso de partes do nome, mas sem problemas na
legibilidade); ilegvel/alterado (nome ou sobrenome do
paciente alterado durante o perodo de observao); ou
no identicado (paciente internado sem documentos e
no foi identicado por nenhuma pessoa).
3. Tipo de prescrio classicada em: pr-digitada
(as prescries feitas em computador e impressas);
escrita mo; mista (prescrio parte digitada e parte
escrita mo).
4. Data da prescrio alm da classicao de legi-
bilidade, pode ser incompleta ou omitida.
5. Caligraa ou graa aplicada ao corpo da pres-
crio, sendo classicada como ilegvel quando pelo
menos 50% das palavras que as compunham estavam
indecifrveis.
6. Identicao do prescritor Foi estabelecida como
padro a identificao completa com os seguintes
parmetros: prescrio assinada ou rubricada, com
carimbo, nome do prescritor e nmero do Conselho
Regional de Medicina (CRM) ou Odontologia (CRO)
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493 Rev Sade Pblica 2009;43(3):490-8
legveis. Todas as outras identicaes do prescritor
que no eram classicadas conforme o padro foram
consideradas incompletas. Na classicao de pres-
crio annima, no existia qualquer identicao do
prescritor.
7. Anlise dos MPP Divida em quatro partes:
a) legibilidade do MPP: legvel ou pouco legvel/
duvidosa.
b) forma farmacutica: confrontou-se o prescrito
com referncia sobre farmacologia de Fuchs &
Wannmacher
9
(1998) e a bula do medicamento,
sendo classificada como correta ou incorreta;
incompleta (na prescrio no estava descrita a
forma farmacutica completa, mas sem problemas
de legibilidade); pouco legvel/duvidosa (a forma
farmacutica prescrita deixava margem a dvida
e interpretao); omisso (prescrio sem a forma
farmacutica do medicamento).
c) concentrao e via de administrao: critrios iguais
aos da forma farmacutica.
d) intervalo e taxa de infuso: critrios iguais aos da
forma farmacutica, com acrscimo da classicao
no se aplica, porque em algumas situaes o
intervalo no usado. Exemplo: infuso contnua
de medicamentos.
Todas as classicaes utilizadas so excludentes, em
todos os parmetros avaliados.
8. Uso de abreviaturas foram contadas quantas e
quais as abreviaturas estavam presentes em cada prescri-
o e registradas como erros somente aquelas pouco le-
gveis ou duvidosas. As legveis no foram consideradas
erros porque no havia padronizao de abreviaturas no
hospital estudado. As abreviaturas U ou UI signicando
unidades foram contadas separadamente, pois so con-
sideradas as abreviaturas mais perigosas.
1,2,11
Os erros de prescrio foram classicados conforme
Dean et al
6
(2000). Os erros de deciso so relaciona-
dos ao conhecimento do prescritor, como erro na dose,
prescrio de dois medicamentos com o mesmo m, de
medicamento no indicado para o paciente ou sem consi-
derar insucincia renal e heptica e outras. Foram con-
siderados erros de deciso as seguintes classicaes:
forma farmacutica, concentrao, via de administrao,
intervalo e taxa de infuso errados. J os erros de redao
relacionam-se ao processo de elaborao da prescrio,
tais como ilegibilidade, uso de abreviaturas confusas
(UI), omisso de forma farmacutica, concentrao,
via administrao, intervalo, taxa de infuso, erro na
unidade do medicamento e outros. Foram classicados
como erros de redao: nome do paciente (pouco legvel
ou duvidoso, incompleto, ilegvel, alterado), data (pouco
legvel ou duvidosa, omisso, ilegvel, incompleta),
caligraa (pouco legvel e ilegvel), identicao do
prescritor (todas aquelas que no estavam completas),
nome do MPP (pouco legvel), forma farmacutica,
concentrao, via de administrao, intervalo (incom-
pleta, pouco legvel/duvidoso e omisso) e abreviaturas
(somente as pouco legveis).
Os dados foram digitados, trabalhados em sua consis-
tncia, revistos e analisados no Epi Info 6.04. A anlise
exploratria dos dados foi feita por meio de estatstica
descritiva, com clculo de medidas de posio (mdia,
mediana) e variabilidade (desvio padro e coeciente de
variao). Anlises complementares foram realizadas
no SPSS 11.0, a saber: regresso logstica univariada,
com clculo de odds ratio (OR) para vericao da
relao entre o tipo de prescrio e erros.
O presente estudo foi aprovado por Comit de tica
em Pesquisa institucional em 30/01/2001.
RESULTADOS
Durante os 30 dias foram analisadas todas as prescri-
es contendo MPP recebidas na farmcia hospitalar,
totalizando 4.026 prescries de 456 pacientes (mdia
de 8,80,4 e mediana de 6,0 prescries/paciente).
O primeiro quartil apresentou um mximo de duas
prescries e o terceiro um mnimo de 13, dos quais
os ltimos 5% apresentaram mais de 28 prescries.
Quanto estrutura da prescrio, destaca-se o predo-
mnio daquelas escritas mo. Houve erros no nome
do paciente em 47,0% do total de prescries e 19,3%
problemas de legibilidade (Tabela 1).
Quanto identicao do prossional que elaborou
a prescrio, observou-se uma relao de 1,3 prescri-
tor por prescrio (5.153 registros para um total de
4.026 prescries). Em 1.734 (33,7%) dos registros
houve diculdades ou foi impossvel identicar quem
prescreveu.
Quando analisados os erros na prescrio dos MPP,
vericou-se uma concentrao em cinco tipos, envol-
vendo 93,5% dos registros, e 86,5% se refere a algum
tipo de omisso de informao. Os erros relativos
concentrao dos MPP somam 1.900 (59,8% do total
registrado) conforme Tabela 2.
Assim, foram registrados 7.148 MPP em 4.026 pres-
cries, nas quais se observou algum tipo de erro em
3.177 (44,5%). A prevalncia de erros se apresentou
signicativamente diferenciada nos diversos setores.
O centro de tratamento intensivo (CTI) e os setores de
queimados agudos e crnicos apresentaram a maior
relao de MPP por prescrio, enquanto o CTI, a
unidade de tratamento intensivo (UTI), e os setores
de neurologia e cuidados intermedirios foram os
que apresentaram maior percentual de MPP com erro
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494 Erros em prescries hospitalares Rosa MB et al
(Figura). As propores de erros por prescrio do CTI
(2,8) e cirurgia plstica (0,2) mostraram diferena de
11,2 vezes na prevalncia de erros entre os dois setores,
na qual as clnicas de queimados agudos/crnicos e
cirurgia plstica utilizavam predominantemente pres-
cries pr-digitadas e as demais usavam prescrio
escrita mo.
A Tabela 3 mostra que 90% dos erros com MPP se
concentraram em nove medicamentos, entre os quais
a heparina, fentanil e midazolam. A heparina foi o
MPP que originou mais erros, sendo mais freqentes
a omisso da forma farmacutica e da concentrao,
a pouca legibilidade e a concentrao incompleta. A
heparina ampola e o midazolam foram responsveis
pela maioria dos erros relacionados concentrao.
Vericou-se tendncia omisso da forma farmacu-
tica quando a heparina e o fentanil eram prescritos,
Tabela 1. Caractersticas das prescries analisadas: tipo de
prescrio, nome do paciente, data e caligraa. Minas Gerais,
2001. (N=4.026)
Caracterstica Classicao n %
Tipo de
prescrio
Escrita mo 1.840 45,7
Mista 1.519 37,7
Pr-digitada 667 16,6
Nome do
Paciente
Legvel 2.069 51,4
Incompleto 1.329 33,0
Pouco legvel/duvidoso 480 11,9
No identicado 63 1,6
Alterado 53 1,3
Ilegvel 32 0,8
Data Legvel 3.646 90,6
Pouco legvel/duvidosa 316 7,8
Omitida 28 0,7
Incompleta 30 0,7
Ilegvel 6 0,1
Legibilidade Legvel 3.251 80,8
Pouco legvel/duvidosa 743 18,5
Ilegvel 32 0,8
Tabela 2. Tipos e freqncias de erros nas prescries de
medicamentos potencialmente perigosos (MPP). Minas
Gerais, 2001.
Tipo de erro n % (%)
a
%
acumulado
Concentrao
Omisso 1.581 49,8 22,1 49,8
Duvidosa 179 5,6 2,5 55,4
Incompleta 140 4,4 2,0 59,8
Omisso forma
farmacutica
807 25,4 11,3 85,2
Pouca legibilidade
do MPP
264 8,3 3,7 93,5
Taxa de infuso
duvidosa
47 1,5 0,7 95,0
Omisso via de
administrao
42 1,3 0,6 96,3
Outros 117 3,7 1,6 100,0
Total 3.177 100,0 44,5
a
Percentagem em relao ao nmero total de prescries
de MPP (n = 7.148).
Figura. Nmero de erros e de medicamentos potencialmente perigosos (MPP) por prescrio e por setores em um hospital de
referncia. Minas Gerais, 2001.
0
0,5
1
1,5
2
2,5
3
3,5
4
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0
0,5
1
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2
2,5
3
3,5
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Razo MPP/Prescrio
Razo Erro/Prescrio
miolo_43_3.indb 494 28/4/2009 16:02:07
495 Rev Sade Pblica 2009;43(3):490-8
pois juntos, originaram a quase totalidade dos regis-
tros assim classicados. Para o fentanil os erros mais
freqentes foram omisso da forma farmacutica, da
concentrao, da via da administrao e medicamen-
to pouco legvel e para o midazolam os problemas
estavam relacionados principalmente omisso da
concentrao, concentrao duvidosa e medicamento
pouco legvel. Ressaltam-se tambm os erros obser-
vados na prescrio do cloreto de potssio injetvel:
taxa de infuso duvidosa, medicamento pouco legvel,
concentrao duvidosa, falta via de administrao,
concentrao incompleta, omisso da concentrao e
via de administrao pouco legvel/duvidosa.
Foram observados 23 erros de prescrio do tipo deci-
so, um sendo de forma farmacutica, dez de concen-
trao e 12 de administrao. O MPP mais prevalente
foi a heparina, com 43,5% dos registros. Foram com-
putados somente os erros de deciso onde foi possvel
identic-los a partir da prescrio.
Nas 4.026 prescries foram registrados 70 tipos
diferentes de abreviaturas, com um total de 133.956
ocorrncias (mdia de 33,3 por prescrio). Desse
total, 5.427 foram classicadas como pouco legveis.
As abreviaturas mg (miligrama), h (hora), mL (milili-
tro), cp/comp/cp (comprimido), EV/IV (endovenoso/
intravenoso), gts (gotas), amp (ampola), vo (via oral),
g/gr (grama), SF (soro siolgico), min/X (minuto),
sc (sub-cutneo), ABD (gua bidestilada), S/N e SN (se
necessrio) e ACM (a critrio mdico) representavam
90% delas. O maior nmero de abreviaturas observado
em uma nica prescrio foi de 211. As abreviaturas UI
ou U foram utilizadas 2.062 vezes em 1.971 prescries
(48,9% do total de prescries).
O total de erros de prescrio (redao e deciso) foi de
13.387, com uma mdia de 3,3 por prescrio, sendo
99,8% dos registros de erros de redao. Os erros de
redao somaram 13.364 eventos classicados em:
3.154 (erros com MPP), 1.894 (nome do paciente), 380
(data da prescrio), 775 (prescrio pouco legvel ou
ilegvel), 5.427 (abreviaturas pouco legveis) e 1.734
(identicao do prescritor).
A anlise de regresso logstica univariada, mostrada
na Tabela 4, revela que o tipo de prescrio tem in-
uncia nos erros de prescrio (deciso e redao).
Foi testado o tipo de prescrio: pr-digitada, escrita
mo e mista, e considerada a prescrio pr-digitada
como referncia para essa comparao. Observou-se
que a chance de erros na prescrio escrita mo foi
aproximadamente trs vezes mais freqente que na
pr-digitada e na prescrio mista esta chance de erros
foi 2,5 vezes mais freqente.
DISCUSSO
A presente investigao corrobora indicaes inter-
nacionais da importncia dos erros de prescrio de
MPP em ambientes hospitalares, seja do ponto de vista
de sua prevalncia ou de seu potencial de risco aos
pacientes.
2,8,14
Entretanto, algumas limitaes devem ser
ressaltadas: uma diz respeito probabilidade de falhas
no diagnstico dos erros de deciso, pois a anlise iso-
lada de prescries, sem considerar a condio clnica
do paciente e sem discutir o caso com o prescritor, no
permite avaliar alguns tipos de erros. Por esta razo,
somente foram classicados como erros de deciso:
forma farmacutica, concentrao, via de administra-
o, intervalo e taxa de infuso errados. Assim, erros
de deciso podem no ter sido registrados, provocando
subestimao nos dados.
Outra limitao relevante refere-se subjetividade
da avaliao da legibilidade. Para seu controle foram
realizadas avaliaes independentes por prossionais
com larga experincia na leitura de prescries, deciso
centralizada em um prossional com experincia maior
e consenso entre eles em caso de dvidas.
Tabela 4. Relao entre o tipo de prescrio e a freqncia
de erros. Minas Gerais, 2001.
Tipo de prescrio OR IC 95% p
Pr-digitada - - 0,00
Escrita mo 2,96 2,47;3,55 0,00
Mista 2,49 2,07;3,00 0,00
Tabela 3. Freqncia dos erros de prescries por medicamento
potencialmente perigoso. Minas Gerais, 2001.
Medicamento
potencialmente perigoso
n
a
%
%
acumulado
Heparina amp. 0,25mL 1.072 33,7 33,7
Fentanil 669 21,1 54,8
Midazolam 363 11,4 66,3
Nalbuna amp. 1mL 305 9,6 75,8
Pancurnio amp. 2mL 143 4,5 80,3
Dopamina amp. 20mL 116 3,7 84,0
Cloreto de potssio
amp.10mL
101 3,2 87,2
Midazolam amp. 10mL
c/50mg
58 1,8 89,0
Tramadol fr. 10mL 48 1,5 90,5
Epinefrina amp. 2mL 47 1,5 92,0
Petidina amp. 2mL 40 1,3 93,2
Morna amp. 1mL 39 1,2 94,5
Outros 176 5,5 100,0
Total 3.177 100,0
a
Nmero de erros registrados no total de prescries
analisadas.
miolo_43_3.indb 495 28/4/2009 16:02:07
496 Erros em prescries hospitalares Rosa MB et al
A terceira limitao que foi testada somente uma
varivel para explicar a ocorrncia de erros de prescri-
o. Outros fatores podem ter inudo na prevalncia
encontrada de erros de prescrio, mas no foram
considerados no presente estudo, cujo interesse foi o
tipo de emisso da prescrio.
Problemas de identicao do paciente, do prescritor
e na data apareceram em 47,0%, 33,7% e em 9,4% das
prescries, respectivamente, situaes que aumentam
a probabilidade de erros. Miasso & Cassiani
18
(2000)
vericaram que 33,9% dos erros de administrao de
medicamentos em um hospital de ensino foram os
problemas de identicao do paciente. Como docu-
mento legal, a prescrio deve ter a identicao no
apenas do paciente, mas tambm do emitente, para
que em situaes de esclarecimento de dvidas, seja
possvel localizar o responsvel pela prescrio. E,
em um ambiente hospitalar, onde centenas ou mesmo
milhares de doses de medicamentos so dispensadas
diariamente pela farmcia hospitalar, a omisso da data
do documento pode tambm levar a erros.
A diferena de ocorrncia de erros na prescrio de
MPP entre os setores (Figura) guarda uma relao
inversa com a utilizao da prescrio pr-digitada.
Esta relao refora o papel do tipo de prescrio na
determinao dos erros e pode ser explicada em parte
pelo tipo de prescrio adotada nos variados setores
de internao.
A heparina, ao longo dos anos, tem sido associada a
altas taxas de erros e est entre os dez medicamentos
mais freqentemente relatados em notificaes de
erros com danos provocados em pacientes nos Esta-
dos Unidos. Entre 1999 e 2002, a heparina ocupou os
primeiros lugares nos registros de erros graves (4,5% a
5,5%) e, em 2002, foi responsvel por 9,5% dos erros
que causaram leses nos pacientes.
19
Nas prescries do fentanil, o segundo medicamento
mais envolvido em erros (21,1%), a omisso da forma
farmacutica foi o erro mais freqente, uma falha que
pode acarretar a troca de uma apresentao pela outra.
O fentanil um derivado opiide de grande potncia
e seu uso indevido pode acarretar problemas graves
para o paciente. A prescrio do midazolam com a
omisso da concentrao ou concentrao duvidosa
tambm relevante por ser utilizado com freqncia em
terapia intensiva, sendo fundamental a administrao
da dose correta.
Os erros na prescrio do cloreto de potssio injetvel
ressaltam a necessidade de preveno de acidentes
graves. Uma infuso ou diluio errada deste medica-
mento, ou administrao do produto concentrado, pode
ter conseqncias fatais.
2,8,13
Em estudo realizado em 24
unidades de terapia intensiva no Reino Unido, com an-
lise de 21.589 prescries, os cinco medicamentos mais
envolvidos em prescries incorretas foram: cloreto de
potssio (10,2%), heparina (5,3%), sulfato de magnsio
(5,2%), paracetamol (3,2%) e propofol (3,1%).
20
A falta de padronizao e o freqente uso de abrevia-
turas (33,3/prescrio) mostram falhas latentes que po-
dem contribuir para a ocorrncia de erros de medicao.
O uso intensivo da abreviatura UI ou I pode levar a erros
graves, pela possibilidade de ser confundida como o
nmero zero e acarretar administrao de concentrao
10 ou 100 vezes maior do que a prescrita.
1,2
A utilizao
de abreviaturas em prescries mdicas est entre as
causas mais citadas de erros de medicao por seu po-
tencial de confuso e falhas de comunicao, sendo j
antiga a idia de eliminar o seu uso. O Institute for Safe
Medication Practices (ISMP) tem se preocupado com
este problema h vrios anos. A Joint Commission on
Accreditation of Healthcare Organizations, instituio
que acredita hospitais no mundo todo, estabeleceu a
proibio do uso de uma lista de abreviaturas, dentre
elas o U e UI, nos hospitais candidatos a acreditao.
1

Segundo Koczmara et al
11
(2005), alguns nomes nunca
devem ser abreviados devido aos freqentes enganos
provocados, estando entre eles: unidades, microgramas,
sub-cutneo e centmetro cbico.
Um exemplo clssico de falha na utilizao da abre-
viatura UI foi registrado no Canad, onde ocorreu erro
de administrao por equvoco na dose da insulina. O
paciente teve leso grave permanente, pois recebeu 70
unidades de insulina em vez das sete prescritas, porque
a abreviatura U foi confundida com o nmero zero.
11
A alta prevalncia dos erros de redao em ambiente
hospitalar tambm foi observada por Lisby et al
15
(2005).
Os autores vericaram que 75% dos erros encontrados
nas prescries podem ser classicados como erros de
redao, sendo os mais prevalentes os problemas com
a forma farmacutica, a omisso da dose e a via de
administrao. Em outro estudo, realizado em clnicas
mdicas de 60 unidades de sade nos Estados Unidos,
foi observado que os erros no clnicos, ou de redao,
foram responsveis por 79,1% dos registros.
7
Os erros de redao levantados na presente pesquisa
e relacionados aos MPP podero ser minimizados
com a padronizao e elaborao de normas para a
prescrio de medicamentos.
2,17,22
A ausncia de padro
denido e o intenso uso de abreviaturas nas prescries
estudadas, como UI signicando unidades, enfatizam
a necessidade de padronizao do uso de abreviaturas
nas prescries. Sugere-se que algumas abreviaturas
como a UI sejam eliminadas das prescries devido
ao potencial de erros associado.
1
Quanto aos problemas de legibilidade, uma importante
diminuio poder ser obtida com a padronizao do
tipo de prescrio a ser utilizada em ambiente hospi-
talar. Erros de prescrio podem ser reduzidos com a
miolo_43_3.indb 496 28/4/2009 16:02:08
497 Rev Sade Pblica 2009;43(3):490-8
utilizao de editores de textos para a prescrio ou
prescries pr-digitadas, evitando sempre que possvel
as prescries feitas mo.
22
Uma abordagem diferente deve ser utilizada para a
reduo dos erros de prescrio do tipo deciso, j
que medidas de aperfeioamento do conhecimento
do prescritor e interceptao desses tipos de erros so
diferentes daquelas preconizadas para erros de redao.
2

A importncia de problemas de deciso na prescrio
foi observada em estudo sobre antibiticos realizado em
hospital universitrio brasileiro, tendo sido registrados
91 incidentes, dos quais 7,7% foram considerados erros
de prescrio e de tipo de deciso.
16
Conforme Aspden et al
2
(2007), as recomendaes com
maior evidncia cientca para a preveno de erros
de medicao em hospitais so: adoo da prescrio
eletrnica com o devido suporte clnico, incluso de
farmacuticos nas visitas clnicas, viabilizao de
contato com farmacuticos durante 24 horas para solu-
cionar dvidas em relao a medicamentos, e presena
de procedimentos especiais e protocolos escritos para
o uso de MPP. Esta ltima medida poder prevenir
parte considervel dos erros com medicamentos de
alto risco.
2,8,13
Entretanto, pesquisas devem ser feitas
em hospitais brasileiros para vericar o real impacto
da implantao de protocolos no uso dos MPP e na pre-
veno de eventos relacionados a esses medicamentos
em nossa realidade.
A implantao da prescrio eletrnica pode ter forte
impacto nos erros de prescrio, devendo ser buscada a
sua instituio. Dado que o seu custo pode ser impediti-
vo para parte dos hospitais brasileiros, recomendvel a
adoo de prescrio pr-digitada ou editada para evitar
ao mximo as prescries escritas mo.
2
Entretanto,
h necessidade da elaborao cuidadosa das prescries
pr-digitadas ou utilizao de editores de texto para
prescrio, no sentido de evitar o aparecimento de no-
vos tipos de erros ou a simples transposio de antigos
problemas para um novo modo de prescrever.
Finalmente, observa-se nos achados da presente investi-
gao e no seu confronto com a literatura internacional,
que os erros de medicao envolvendo os MPP tendem
a apresentar padres denidos, fato importante para a
tomada de decises dirigidas ao seu controle. Todavia,
todo conhecimento dessa natureza, quando produzido
em ambiente diverso, implica a necessidade de adap-
tao realidade cultural onde se objetiva intervir e ao
perl dos problemas detectados em cada local.
miolo_43_3.indb 497 28/4/2009 16:02:08
498 Erros em prescries hospitalares Rosa MB et al
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REFERNCIAS
Artigo baseado na dissertao de mestrado de Rosa MB, apresentada Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de
Veterinria, em 2002.
Pesquisa parcialmente nanciada pela Fundao Hospitalar do Estado de Minas Gerais.
miolo_43_3.indb 498 28/4/2009 16:02:08

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