Candomble - A Terapia Musical No Candomble (Reginaldo Prandi) - Por Omirohumbi

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A terapia musical no candombl

Rosa Maria Susanna Barbara


USP/Ps Graduao em Sociologia
Trabalho apresentado no seminrio temtico ST0 !"#peri$ncias religiosas e no%as espiritualidades!&
'((( )ornadas sobre Alternati%as *eligiosas na Amrica +atina
So Paulo, -- a -. de setembro de /00
st012&
3Possui %erdadeira m4sica em si s a5uele 5ue comp6e uma sin7onia a7inando a harmonia
do corpo com a5uela da alma8
Plato, Timeo, (9, .0/ d&
"m %rios lugares do mundo a m4sica e a dana dominam todo o uni%erso do ritual& Apesar de %rios
estudos terem relatado o papel e a import:ncia da m4sica e da dana no ritual do candombl ;<arbra,
/00.= <ehague, /0>, /02= ?ossard1<inon, /0@>, /0/= +odA, /00.= +uB, /00.= +unhing, /000= Cartins,
/00.= Dmari, /000= Segato, /00.E 7alta uma anlise apro7undada sobre o tema&
Um estudo 5ue abordou a 7uno da dana e da m4sica no ritual e a ligao entre elas 7oi 7eito pelo
antroplogo Fe Cartino e o etnomusiclogo ?arpitella, 5ue no 7inal dos anos .0 analisaram o tarantismo&
D tarantismo 7oi um 7enGmeno obser%ado at os anos @0 no sul da (tlia, embora segundo pes5uisas
recentes ainda pode ser encontrado nos dias contempor:neos ;Fi +ecce, /00>E em Puglia, uma regio da
(tlia do sul& Segundo a tradio, em momentos especH7icos do ano, uma tar:ntula ;e#istem %rios tipos
dela na regioE mordia os camponeses, na maioria as mulheres, mas tambm os homens, usualmente nas
mos, nos ps ou no p4bis& As pessoas mordidas caHam em um estado catatGnico, 5ue encontra%a soluo
num ritual cor$utico
/
1musical 5ue era organiBado em poca preestabelecida na capela de So Paulo em
Galatina& D ritual pre%ia um longo mdulo cor$utico1musical com a presena de um simbolismo onde so
/
A pala%ra coreutica %em do %erbo grego, #opeuoI danar em circulo e dJ pala%ra te#neI arte, tecnica& Kuer diBer a arte de
danar em circulo&
/
en7atiBados pelos participantes os mo%imentos e os comportamentos da tarantula, tendo tambm papel
7undamental as cores& Procurando abordar a comple#idade do 7enomeno do tarantismo Fe Cartino
desen%ol%e uma analise 5ue aborda %arias dimens6esL a historico1religiosa, a social, a psicologica e a
psi5uiatrica, conduBendo a pes5uisa com uma e5uipe multidisciplinar& D ritual do tarantismo pode ser
de7inido como 3terap$utico
-
8 na interpretao 7eita por Fe Cartino& As conclus6es de Fe Cartino
o7erecem hipoteses importantes para pensarmos a 7uno da m4sica e da dana em rituais p4blicos, em
particular na sua dimenso psicologica 1 terapeutica&
Segundo ele, o modelo cor$utico1musical ser%ia como uma tcnica protetora em um 5uadro magico1
religioso, 7uncionando como meio de proteo contra as crises atra%s do acionamento de modelos
tradicionais de gestos, sons, 7iguras cor$uticas, ritmos e melodias& Alm disso 7unciona%a como
instrumento de e%ocao e de controle socialmente admitidos e operantes cada %eB 5ue percebia1se a crise
do tarantismo&
Fe Cartino trabalha com a relao entre crise e som no ritual& Para ele a crise o momento em 5ue a
tar:ntula toma posse do corpo e dei#a o indi%Hduo em um estado descrito como catatGnico ou de grande
agitao& Para ser resol%ido esse estado tem 5ue ser inserido num conte#to ritual onde a m4sica
desen%ol%e o papel da organiBadora da desordem e a dana e#pressa a ordem&
Messe estudo utiliBamos algumas das suas obser%a6es para a in%estigao da dimenso terap$utica do
candombl& "ntendemos 5ue no candombl pode1se pensar a crise en5uanto chamado do ori# 5ue
promo%e a suspenso da identidade cotidiana& Seguindo as indica6es da m4sica 5ue prepara
culturalmente o 7iel a ser possuHdo, as iniciadas resol%em 3terapeuticamente8 a crise, dei#ando o ori#
danar no seu corpo ao longo do ritual& Furante o 7enGmeno do transe, o corpo da filha ou filhou-de-
santo torna1se o prprio ori# superando a dicotomia corpo/espirito, 7orma/conte4do&
DbNeti%o desse artigo mostrar a ligao 5ue une a m4sica e a dana na resoluo da crise no conte#to do
ritual, o7erecendo uma resoluo 5ue pre%$ a suspenso da identidade cotidiana para dar espao a uma no%a,
a identidade do ori#& "ssa ligao nos le%a a considerar a e#peri$ncia do corpo, 7undamental na construo
da no%a identidade religiosa e na trans7ormao da doena e do so7rimento em 7undamento pessoal&
QUANDO O CORPO FALA
D candombl uma religio 7undamentada sobre crenas em di%indades chamadas ori#s e sobre a procura
do encontro com o sagrado %ia o 7enGmeno da possesso& D transe no candombl, como diB PrandiL !&&& pelos
menos em suas primeiras etapas iniciticas, e#peri$ncia religiosa intensa e pro7unda, pessoal e intrans7erH%el&
?omo a dor e as pai#6es no1religiosas e#perimentadas, no pode ser mensurado nem descrito, a no ser
meta7oricamente e indiretamente! ;Prandi, /00/L />/E&
-
Terapeutico no sentido 5ue tem uma resoluo J momento da crise, da chamada do ori#&
-
Segundo a 7iloso7ia do candombl, o homem de%e estar em contato contHnuo e harmGnico com a natureBa,
5ue 7ala aos mortais atra%s de %rios tipos de mensagens e atra%s das suas %ibra6es captadas pelo
corpo& Ds seus ritmos so acompanhados de uma e#peri$ncia sensual contHnua, 7undamental para a
aprendiBagem esotrica, 5ue comea desde os primeiros contatos com o terreiro e continua ao longo da
%ida toda& Tendo como base o conte#to cultural holHstico do candombl, o corpo est diretamente
relacionado a uma di%indade e, por e#tenso, a um dos elementos naturais primordiais e aos demais
elementos a ele associados, como relatam <arros e Tei#eira ;/00-L 2OE& D corpo percebido como uma
das mani7esta6es das di%indades e por isso sagrado e construHdo segundo padr6es culturais ao longo do
caminho religioso e da iniciao, 5uando necessria&
Sendo, para a 7iloso7ia do candombl, o corpo humano uma cpia das 7ormas e das energias do cosmo, os
prprios elementos ;ar, gua, terra, mata e 7ogo
O
E Nuntam1se segundo ar5utipos
2
di7erentes& As pala%ras
de Pelosini ;/002L02E aplicam1se bem a essa concepo do corpo humanoL 3&&&o uni%erso ;macrocosmoE e
o homem ;microcosmoE so criaturas similares, 5ue obedecem Js mesmas leis como um tipo de 7antstico
e per7eito relgio csmico 5ue marca com harmonia os ritmos uni%ersais!& Assim cada parte do corpo tem
um signi7icado simblicoL a parte 7rontal relacionada ao 7uturo e ao ori# dono-da-cabea, en5uanto a
parte posterior relacionada ao passado& D lado direito ligado aos ancestrais masculinos en5uanto o
lado es5uerdo aos ancestrais 7emininos& ?ada parte est relacionada a um ori# em particular e as aberturas
do corpo a "#u
.
& As orelhas, por e#emplo, sendo ori7Hcios so de7endidas com argolas pingentes 5ue
balanando produBem um barulho 5ue a7asta os in7lu#os negati%os& As palmas das mos e as solas dos ps
so pontos em 5ue pode1se perder energia e receb$1la& Por isso na presena das di%indades os 7iis %iram
as palmas de 7rente para elas& ?ada parte do corpo corresponde a uma di%indade& A cabea 7undamental
por5ue a sede do or
@
5ue contem o od, o destino pessoal&
!Para os iorubs a cabea a parte mais %ital do corpo humanoL contem o crebro, a morada da sabedoria
e da raBo= os olhos, a luB 5ue ilumina os passos do homem pelos labirintos da %ida, o nariB 5ue ser%e
como uma espcie de %entilao da alma= os ou%idos com os 5uais o homem escuta e reage aos sons, e a
boca com a 5ual ele come e mantm o corpo e a alma Nuntos& ! ; <abatunde +aPal, /0OL 2@E&
Fe 7ato e#iste um dito iorub 5ue diBL !Dri buruQu, Qossi ori#! ou seNa !cabea no e5uilibrada no d
ori#!&
O
D 7ogo no considerado uma substancia prima, mas uma conse5R$ncia do ar em mo%imento&
2
A pala%ra ar5utipo no usada como termo da psicologia Nunghiana, mas em um senso mais genrico&
.
S interessante relatar o 7ato 5ue "#u Nunto com Dgum o guardio das entradas e das saHdas como pode1se obser%ar numa
7otogra7ia de 'erger 5ue mostra um assentamento de Dgum 5ue e%idencia entre os seus instrumentos uma cha%e&
;/0/L/00E& D corpo humano possui tambm entradas e saidas, lugares onde entram as energias boas, como a comida e
outros onde e#pelir1se os deNetos&
@
Para os iorubanos, o ori tem status de di%indade e recebe cultos comple#os& Mo <rasil, o rito de dar comida J cabea
preser%ou1se como primeira etapa da iniciao e !D culto J indi%idualidade do homem, J cabea, o 5ue est dentro da
cabea& D ritual de dar comida a cabea o bori! ;Prandi, /00/L /-2E &
O
Senhora da cabea, (emanN 5ue harmoniBa as energias positi%as e negati%as e por isso numa das suas
coreogra7ias dana le%ando alternati%amente as mos a 7rente e atrs da cabea& (emanN e#ecuta a 7uno
de orientar e de e5uilibrar seus 7ilhos& "la protege tambm os seios, por ser a Ce por e#cel$ncia e por
isso ocupa1se da nutrio dos seres humanos& Uma lenda conta da e#uber:ncia do seu corpo e dos seus
seios, dos 5uais um maior 5ue o outro&
D %entre, sede dos rgos se#uais, e o 4tero so protegidos por D#um, por e#emplo& As cadeiras tambm
so uma rea sagrada do corpo humanoL a bacia e as ndegas representam a 7ertilidade
>
&
Dgum, o dono dos caminhos, o dono dos ps, do mo%imento, da %ida 5ue continua&
A %oB do ori# o ke ou o il, um grito 5ue emitido s ao longo do transe& "sse grito o sHmbolo da
indi%idualidade, a energia da5uela pessoa= o som criador e indi%idual 5ue testemunha a identidade
da5uela 7ilha ou 7ilho&
Ds olhos so muito importantes, por5ue con7orme as pala%ras de algumas mes1de1santoL !nos 7alam do
ori# da5uela pessoa!& Ao longo da pes5uisa percebi o olhar di7erente das mes1de1santo em %arias
ocasi6esL durante a adi%inhao o olhar parece suspenso, en5uanto ao longo do transe, os olhos esto
7echados indicando 5ue a ateno %oltada para o interior do corpo, para uma outra dimenso, a do
espirito, segundo a 7iloso7ia iorub e con7orme a pes5uisa de campo&
D corpo no candombl o templo do sagrado por e#cel$ncia, sagrado por5ue %i%o, %ida e#pressa
atra%s da motricidade 5ue e#perimenta o espao e o tempo e 5ue comunica aos outros, aos 7iis, J
comunidade, e#pressando assim o conceito central da 7iloso7ia da e#ist$ncia a7ricana 3"u sou por5ue %oc$
8, conceito 5ue sublinha a import:ncia de cada um na comunidade e o encontro harmGnico com o outro

&
D corpo pode ser considerado um %aso 5ue contem o ori#, algo de muito precioso 5ue !manda em nos!,
con7orme as 7alas das entre%istadas& "is o por5ue da 7orma das 5uartinhas 5ue lembram o corpo das
mulheres
0
5ue segundo alguns in7ormantes a7ricanos teriam uma 7acilidade a ser possuHdas&
Mo momento da possesso a postura do corpo muda completamente, o rosto ad5uire uma e#presso
7echada, as %eBes os lbios so empurrados para 7rente, os olhos so 7echados, a 7igura humana tremendo,
ad5uire para as iabs da gua
/0
uma postura 3mais redonda8 no sentido 5ue os coto%elos so alargados a
altura do busto 5ue le%emente dobrado para o bai#o, e para os ori#s guerreiros, Dgum e 9angG mais
reta= mais %oltada para o cu para as di%indades mais No%ens, Dgum, D#ossi e (ans e mais dobrada para o
cho para as di%indades %elhas, Mana e Dbaluai&
>
D corpo das mulheres representado em %rias estatuetas encontradas na Migeria, sentado, como a5uela de Tside, e
simbolicamente um trono, onde a criana senta no colo da me ou o 7iel senta no colo do ori#& (side era uma antiga
di%indade egipcia& Uamosa maga era consagrada ao culto da lua, 7oi a esposa e a irm de Dsiride&

?iclos de aulas sobre etnomusicologia a7ricana ministradas na Ps1Graduao da USP por o Pro7& Vasadi Pa CuQuna& ;So
Paulo, /00>E
0
"m rea mediterranea e#istem muitos %asos de bairro com uma 7orma id$ntica a5uela do corpo das mulheres, com %rios
seios ou com olhos pintados& ;Cuseo Pitr& Cuseo etnogra7ico del popolo siciliano& PalaBBina cinese, Palermo, (taliaE
/0
As iabs da gua so os ori#s 7emininos D#um e (emanN
2
O TRANSE E A IDENTIDADE FEMININA
Ma %iso do candombl, com a iniciao as mulheres
//
recuperam uma identidade natural e social perdida
por %arias causas
/-
5ue o fundamento ou melhor a tradio religiosa e 5ue esta%a presente desde o
nascimento& "sta inscrita no corpo, construHdo ritualmente atra%s de longas etapas de aprendiBagem e
incorporao dos 7undamentos da %ida religiosa& A medida em 5ue o filho-de-santo %ai a%anando nos
passos de sua iniciao, estar tambm ingressando numa ordem scio1cosmolgica, onde o corpo e suas
sensa6es ocupam lugar de desta5ue ;<rito Pol%ora, /00.E& D processo de construo de um filho-de-
santo se d basicamente pelos rituais nos 5uais o suNeito ter impressos 3os sinais8 desta iniciao no
corpo ;<arros e Tei#eira, /00-E, N 5ue ser no e atra%s deste 5ue se inscre%em tais rituais&
Segundo os contos das no%as iniciadas, o chamado do ori# acontece em %rias 7ormasL sonhos, sensa6es,
%is6es, doenas estranhas 5ue no so con7irmadas pela medicina tradicional e em geral um so7rimento
psH5uico ou 7Hsico 5ue mani7esta1se de um dia para o outro sem uma e#plicao certa& Mas 7alas das
mulheres percebe1se uma dicotomia na %i%$ncia das emo6es, e#iste um 3dentro8 do corpo e um 37ora8 do
corpo& Um dentro rico e tumultuado e um 7ora neutro& Fe um lado as mulheres e#plicitam as suas
emo6es, mas s a5uelas 5ue so aceitas no cotidiano e na lgica do grupo= do outro, praticam ritos 5ue
lhe do a liberdade para abrir outras possibilidades e#pressi%as sobre um mundo emoti%o 5ue, para poder
ser e#presso, tem 5ue encontrar modalidades 5ue 7ogem ao controle do tempo e do espao do cotidiano&
As pro7undas emo6es subNeti%as so incorporadas e %eiculadas no corpo e sobre o corpo& Ma con%i%$ncia
com as filhas-de-santo e nas longas con%ersas com elas percebe1se a pro7undidade e a ambigRidade do
mundo 7eminino cheio de deseNos, de emo6es 5uase sempre secretas e no atendidas, algo de
incontrol%el&
Segundo algumas mes1de1santo o corpo 7eminino um corpo mais acessH%el as energias e#ternas pela
prpria caracterHstica do ser mulherL um corpo !aberto! 5ue dei#a a mulher, mensalmente aberta, ao
longo da menstruao e ao longo da gra%ideB& "ssas e#peri$ncias to 7emininas so momentos nos 5uais as
mulheres so particularmente sensH%eis e t$m seus corpos trans7ormados, acompanhando obrigatoriamente
os ritmos da natureBa&
?on7orme a pes5uisa, as iniciadas esperam o momento de ser recolhidas, momento nunca 7alado
antecipadamente, com ar deprimido, tocando a cabea como para mostrar dor e se lamentando, ou
//
Meste artigo so mencionadas as mulheres em pre%al$ncia, por5ue no terreiro onde 7oi desen%ol%ida a pes5uisa, o (l A#
DpG A7onN 7undado no /0/0, a maioria dos 7iis iniciados so mulheres, como 7oi instituHdo pela 7undadora do terreiro, Ce
Aninha& Cas tambm nos outros terreiros ha uma grande pre%al$ncia de mulheres 5ue participam da roda sagrada&
/-
A iniciao tem a 7uno de re1aprosimar a 7ilha ao prprio ori#& Por algum moti%o a antiga ligao com o duplo di%ino
5uebrou1se e a di%indade pretende a cabea da sua 7ilha& Simbolicamente com a iniciao a 7ilha nasce no%amente, no
santo, 7orte no seu ori#, de%er assim reaprender a %i%er& Periodicamente receber o prprio ori# nos rituais ou em
5ual5uer momento o ori# 5ueira&
.
deitadas na esteira, no podendo se le%antar mais pelas %ertigens& S como se o mundo interior das
emo6es, 5ue por muito tempo este%e 7echado, saHsse prepotentemente 7ora do seu lugar e conseguisse
tomar conta do corpo sem limites& S muito comum, de 7ato 5ue as iniciadas de%am abandonar o trabalho
en5uanto esperam a data da iniciao& Segundo a obser%ao da %ida no terreiro e as 7alas das 7ilhas1de1
santo percebe1se o corpo das mulheres como 7ragmentado& As e#peri$ncias da %ida, o casamento, os
7ilhos, a 7alta de trabalho comprometem o 7luir das emo6es e o mundo interior pretende sair e se mostrar
ao lado e#terior, o mundo&
Fe um lado as mulheres %i%$nciam esse corpo e#terno 5ue no e#pressa as emo6es e 5ue %i%e o mundo
rotineiramente, atuando numa gestualidade cotidiana= do outro se encontram no terreiro e contam as
sensa6es do prprio corpo e as dores com met7oras muitos 7ortes comoL 3a cabea tomou 7ogoW!
!Ma5uele momento senti uma corrente correr por bai#o da peleW! !"sta%a ai esperando o Gnibus e a terra
roda%a, parecia de estar sobre um barcoW S uma sensao de arrepiarW8&
Mas entre%istas apareceu um mundo 7antstico e em mo%imento 5ue agita1se no corpo das mulheres e 5ue
com grande di7iculdade pode ser e#presso com pala%ras e ser entendido por a5uele 5ue no o
e#perimentaram& Por isso as percep6es %i%enciadas separam, con7orme as 7alas das entre%istadas, o
mundo dos do candombl da5uele 3de 7ora da seita8, di%iso muito 7orte para os 7ieis&
A iniciao d um sentido a essas e#peri$ncias e inscre%e o corpo com uma prpria identidade subNeti%a na
ordem cosmolgica e social atra%s da trans7ormao dessas sensa6es e atra%s da in%erso do espao e
do tempo cotidiano&
As sensa6es da %ida so e#peri$ncias %aloriBadas 5ue so transmitidas e so 7aladas num conte#to ritual
em 5ue ao corpo e as suas percep6es permitido um lugar de desta5ue na cerimGnia religiosa&
D ritual religioso repete um padro id$nticoL as 7oras, as energias penetram, do e#terior, no corpo
7eminino= pode ser atra%s da mordida da aranha, no caso do tarantismo, ou da energia do ori# ou de
uma outra di%indade conduBindo a uma e#peri$ncia e#istencial 5ue d J mulher um no%o 7undamento para
a prpria histria pessoal e social& Cuitas %eBes ou%i, de 7ato, as iniciadas diBerL !"u tinha 5ue passar por
isso, para aprenderW!&
?om a iniciao d1se a trans7ormao das e#peri$ncias interiores, do so7rimento, da dor em paB ou pelo
menos ali%io e e5uilHbrio atra%s duma no%a histria pessoal e social 5ue todas as mulheres incorporam
nos seus prprios corpos, como uma sorte de memria secreta 5ue s a5ueles 5ue %i%enciam a mesma
coisa podem perceber&
@
A iniciao 5ue como relata PrandiL !consiste, pois, em etapas de aprendiBado ritual, por parte da 7ilha1de1
santo e em estgios de adensamento da sacralidade do ori# particular desta iniciada!
/O
;/00/L />/E e o
desen%ol%imento de uma no%a identidade permite a e#peri$ncia e a orientao de emo6es subNeti%as a ser
orientadas no mundo e#terior& D corpo aprende assim a lidar com essas emo6es e a conduBi1las sempre
mais at ser 37echado8, num sentido de no se dei#ar mais in%adir e assim dirigir a prpria %ida no mundo&
A DOENA E O SOFRIMENTO NO CANDOMBL
A noo de sa4de no candombl algo de muito complicado a ser entendido, tem a %er com o lado
espiritual, 7Hsico, psicolgico, cosmolgico e social, uma e#peri$ncia holHstica 5ue o 7iel chamado a
%i%enciar& Sendo os rituais %oltados para a reconstruo da antiga ligao entre o ai, a terra e o orum, o
mundo dos ori#s, a doena 7Hsica ou psH5uica na maioria das %eBes, o sinal de uma 7alta de ligao, de
uma desordem com o mundo espiritual, como por e#emplo uma pessoa 7eita raramente de%e dei#ar de
tomar conta do seu ori#, por5ue a di%indade pode mandar um problema 7Hsico especH7ico para sinaliBar
5ue a comunicao com ela 7oi interrompida&
A chamada do ori# e a seguinte entrada na religio pode acontecer por %rios moti%osL por herana
7amiliar, pelo so7rimento, pelo amor, como relatam as mes1de1santo&
Ma categoria do so7rimento esto as doena cuNas causas podem serL
/E A doena como pedido da di%indade 5ue 5uer ser 7eita& As %eBes aparecem doenas estranhas 5ue a
medicina o7icial no sabe e#plicar e cuidar e 5ue somem com o desen%ol%er das cerimonias,
obrigaes& Ds iniciados contam claramente 5ue tem uma grande di7erena entre o 3antes8 e o
3depois8 da iniciao&
-E 'rios problemas de ordem econGmica, a7eti%a ou de sa4de, etc& podem acontecer caso o iniciado se
a7aste do seu santo, no sentido de no cuidar mais dele& D santo dei#a seu 7ilho s e sem proteo&
OE Mo caso de ser tido 7i#ado na cabea do 7ilho um santo errado&
2E Mo caso do encosto de Egum, 5uer diBer 5ue uma pessoa carregada da energia de um espirito de um
morto&
.E Mo caso de estar com o corpo aberto, como durante a menstruao, causa 5ue permite uma perda de
ax, energia, o 5ue con7igura uma situao de %ulnerabilidade&
@E Mo caso do mal olhadoL muitas %eBes a in%eNa pode a7etar atra%s do olho grosso, uma capacidade,
5ue poucas pessoas tem, de passar in7lu$ncias negati%as atra%s do olhar&
Ao mesmo tempo e#istem algumas doenas como a5uelas de pele ou dist4rbios digesti%os 5ue so tratadas
a nH%el 7armacolgico, com base em um pro7undo conhecimento de plantas medicinais, ministradas atra%s
de chs ou banhos de er%as&

/O
D respeito 5ue se tem por um santo %elho, 37eito8 h mais tempo, bem maior 5ue a5uele de%ido a um ori# mais no%o
>
A IDENTIDADE SONORA INDIVIDUAL E A DO ORIX
Segundo as lendas a di%indade suprema d a %ida ao homem atra%s do sopro, em, por isso o candombl
pode ser considerado uma religio pneumtica
/2
, 5uer diBer 5ue a criao originou1se pelo ritmo da
respirao da di%indade& Segundo a mitologia cada pessoa nasce com um dono1da1cabea, 5ue %i%e no
corpo atra%s do seu ritmo indi%idual, da sua respirao, do seu andar& "sse ritmo pessoal por %rias
causas, pode ser es5uecido ao longo da %ida&
/.
D ritmo interior ligado ao ori# dono-da-cabea
/@
ao longo
da apro#imao J religio e mais e#atamente na iniciao 7eito emergir e 7i#ado de7initi%amente no
corpo&
A personalidade do ori# inscrita no corpo da iniciada em rituais secretos 5ue pre%$em como condio o
uso do ritmo e do som& Messa 7ase dramtica
/>
da %ida da iniciada, a base rHtmica do prprio dono-da-
cabea, o to5ue especi7ico e a sua cantiga %ai tornar1se um ritmo permanente 5ue ser%e como pano de
7undo para as ati%idades progressi%as do recm nascido& Assim todas as %eBes 5ue os alabs
/
tocarem, a
identidade sonora da filha-de-santo responder aos tambores cuNo to5ue chamam o seu ori#&
Sendo a iniciao a representao do nascimento, o 7iel nasce simbolicamente uma segunda %eB, numa
no%a %ida, e sendo o som, o ritmo, o mo%imento, elementos constantes da %ida 7etal, sero tambm os
mo%imentos e os ritmos 5ue as iniciadas aprendem no ronko 5ue iro ocupar uma parte importante da
sua memria originria e sero inscritos no seu corpo& Assim, no conte#to holHstico do candombl esses
elementos so partes integrantes do ser e da sua identidade, no e#istindo a dicotomia cartesiana
corpo/espirito& A identidade sonora ;o to5ue do ori#E pode ser e5uiparada a um 7undamento da iniciada
5ue ela mani7estar nos rituais peridicos&
Ds to5ues to di7erentes de Di ou de (emanN, por e#emplo, atestam ine5ui%ocamente os traos da
personalidade desses ori#s, a primeira ner%osa e li%re, a segunda uma matrona calma e independente& Fe
7ato, cada ori# tem seu to5ue 5ue 4nico e original e 5ue simbolicamente corresponde a sua %oB, a sua
personalidade, a seu mo%imento, as seus aspectos mitolgicos e aos elementos naturais dos 5uais
composto& "ssa identidade sonora do ori# contm a identidade sonora do possuHdo& A m4sica a
comunicao entre o 7ilho e o ori#, en5uanto a dana a mani7estao dessa comunicao& D possuHdo
reconhece, a um nH%el no consciente, os ritmos e os mo%imentos precedentemente inscritos no seu corpo
/2
A pala%ra pneumatica deri%a do grego pneumaI hlito& "ssa uma caracterHstica encontrada em %arias religi6es, como no
antigo testamento, na Genesi e no Xinduismo&
/.
Uma %eB 5ue o homem 7ormado por %rias energias 5ue o in7luenciam e podem atrapalh1lo ou con7undi1lo,
obscurecendo o ritmo1respirao do dono-da-cabea, possi%el 5ue tal es5uecimento esteNa relacionado ou %enha a conduBir
a uma 3guerra de ori#s8, ou seNa 5ue o indi%Hduo seNa tomado por outras energias alem da5uelas do prprio dono-da-
cabea&
/@
3?ada indi%Hduo pertence a um deus em particular, dono-da-cabea e da sua mente, do 5ual herdou as caracterHsticas do
7Hsico e da personalidade8 ;Prandi, /00/L@E&
/>
Uso o adNeti%o dramtica, por5ue a iniciao algo de muito pro7undo e di7Hcil a se 7alar& D iniciando morre para nascer de
no%o e por isso passa atra%s momentos de completa perda da %elha identidade, a5uela !oscilao da presena! 5ue Fe
Cartino identi7icou tambm no tarantismo&
/
Ds alabs so os sacerdotes1m4sicos, cuNa 7ormao tambm en%ol%e um ritual 5ue inclui recolhimento& ?abe aos alabs
conhecer todo o repertrio das m4sicas rituais& D papel e#ecutado por eles to importante 5ue em maio de /00 nos dias
01/0 7oi organiBado um seminrio sobre os alabs e as suas 7un6es rituais, chamado AlaAand Sir no (l A# DpG A7onN&

e todas as %eBes em 5ue ou%e a sua identidade sonora, ele responde& A comunicao acontece aH a um
nH%el muito sutilL o som dos tambores propaga1se atra%s de todos os sentidos, a m4sica en%ol%e a pessoa
como um todo e a obriga a comparticipar do som& "m geral com a passagem do tempo e aumentando os
anos de iniciao o ritmo interior corresponder sempre mais ao ritmo e#terior, numa progressi%a unio e
conhecimento com o ori# do 5ual se 7ilho& Segundo o po%o do santo o ori# 5ue decide se a prpria
7ilha tem 5ue receb$1lo e por 5uanto tempo e com 5ual intensidade&
AS CARACTERISTICAS DA MSICA E DA DANA
Para entender a 7uno e o sentido simblico da dana e da m4sica no ritual preciso lembrar 5ue o
candombl apresenta algumas das caracterHsticas bsicas das religi6es a7ricanas& "m primeiro lugar o 7ato
de ser uma religio holistica& ?ada aspecto da %ida ligado a um outro numa corrente in7inita onde cada
parte e#iste em 7uno da outra, em uma eterna procura de harmonia e e5uilHbrio& "#iste de 7ato uma
ligao indissol4%el entre o cosmo, o ser, o di%ino 5ue mani7esta1se na e#ist$ncia dos homens e, nessa
ligao entre sensH%el e supra1sensH%el, a m4sica ad5uire uma import:ncia especial por5ue a %ibrao do
ori#& Todo o ritual es7ora1se por %oltar ao tempo do mito, da origem e de recriar a5uele tempo, a5uela
antiga harmonia& A m4sica e a dana so utiliBadas nesse sentido& Possuem algumas caracterHsticas em
comum 5ue so 7undamentais ao desen%ol%er do ritual& Tendo como base o princHpio de 5ue o som o
resultado de uma interao din:mica entre as %ibra6es 5ue propagam1se do tambor percutido por o alab,
o sacerdote1musico& D som condutor de ax, poder de realiBao 5ue aparece em todo seu conte4do
simblico nos instrumentos musicais& Por isso os atabaques so instrumentos sagrados e recebem todos
os anos rituais apropriados, assim como so tocados s por sacerdotes especiais&
A m4sica no candombl caracteriBada por uma ciclicidade da 7rase musical, ou seNa o padro rHtmico, o
time-line repete1se ao in7inito& A noo de tempo a5ui e#pressa bem di7erente da noo ocidental& Mo se
trata, como nesta, de criar uma historia temporal, onde h um comeo e um 7im& Mo candombl o padro
rHtmico repetido sem um comeo nem um 7inal& Mo se trata de uma simples repetio
/0
, mas da
possibilidade de se criar todas as %eBes a origem& Assim na 7esta de (emanN, por e#emplo, cria1se a prpria
energia da gua do mar e esta re1originada atra%s a repetio do time-line e do mo%imento da dana&
Todos os 7ieis presentes tem 5ue se concentrar e danando e cantando a mesma cantiga tr$s %eBes origina1
se a energia sagrada do ori#& Por isso muito importante estar presente nos momentos rituais, por5ue s
nestes pode1se criar no%amente o sagrado& Parece 5ue e#iste 5uase uma tentati%a de parar o tempo e o
seu 7lu#o na busca de um centro 4nico, 7i#o e eterno&
/0
Sobre o conceito na musica de repetio e reciclagem %eda1se MQetia, ;/0@E&
0
A caracterHstica principal da m4sica de ser polirHtmica, 5uer diBer 5ue cada atabaque tem seu padro
rHtmico 5ue se liga J5uele dos outros tambores num ensamble thematic ccle 5ue harmoniBa os %rios
instrumentos&
D atabaque maior, o rum, o 4nico 5ue se permite %aria6es, ele toma conta da cabea 5ue manda sobre
o resto do corpo e dirige os ps atra%s da coluna humana& D rum tocado com as mos
-0
, corresponde ao
37undamento religioso8& D rum!i e o l so a base rHtmica& D primeiro manda sobre os braos en5uanto o
segundo dirige o mo%imento dos ombros, 5ue contHnuo e o mais solto possH%el= o l produB um som
seco, 7irme e penetrante& Toca1se com as %aretas e, segundo o to5ue utiliBado pelo alab, emite sons de
di7erentes alturas& Ds sons mais 3acentuados8, o stress, conduBem os mo%imentos do corpo todo da
filha-de-santo na dana& Assim os dois tambores menores criam um 7undo rHtmico sobre o 5ual o rum
manda e cria %aria6es& "#iste um outro instrumento, o agogG, uma campainha de metal 5ue percutido
com uma %areta& S um metalo7one 5ue emite um som com um timbre agudo& Mo to5ue de Di tocado
com um ritmo 7ortemente sincopado&
Pode1se entender melhor a 7uno da m4sica tomando outra %eB ?arpitella 5uando 7alando da m4sica da
tarantela e#plica 5ueL !&&&&tem uma di%iso entre a pulsao da seo rHtmica ;organeto, pandeiro e %ioloE
e a pulsao de 7ora, o o771beat do %iolino ;para o carter de impro%isao da parte meldicaE&&&7orma1se
assim uma sobreposio entre as pulsa6esL um ritmo isomtrico
-/
puro acentuado e e7eitos rHtmicos
atrasados, sHncope, 5ue Nunto do origem a uma estrutura polirHtmica& ;?arpitella inL Fe Cartino, /002L
O./E
"#istem dois aspectos e#pressos na m4sica 5ue re7letem dois momentos tHpicos das tcnicas religiosasL a
dilatao e a e#asperao da crise 5ue musicalmente elaborada com tcnicas e#pressi%as particulares
como os ritmos acentuados, sHncope, e7eitos instrumentais, %rios tipos de percuss6es dos tambores,
gritosE, e do controle e conteno da crise 5ue re7lete1se sobretudo no obstinado ritmo isomtrico& Tal%eB
en5uanto a poliritmia atua em 7uno da dilatao e da e#asperao da crise, o ritmo isometrico obstinado
7unciona como controlador e contendor da crise& Para entender a cone#o estreita entre a m4sica e a dana
e a e#peri$ncia do 7iel preciso ter em mente 5ue so percebidas por todos os sentidos, no s atra%s do
ou%ido e do olhar, mas tambm atra%s da pele, en%ol%endo o 7iel como um todo&
A caracterHstica polirHtmica da m4sica e#iste tambm na dana& ?ada parte do corpo segue um padro de
mo%imento, como se correspondesse a um ritmo, a um !time1line! especH7ico& A base dos mo%imentos, a
parte isomtrica, dada pelo mo%imento dos ps ligados J cabea %ia coluna %ertebral& Dutra
caracterHstica da dana, em estreita cone#o com os ritmos o policentrismo, ou seNa o 7ato do 5ue o
mo%imento tem 5ue sair do interior e propagar1se para o e#terior& Mo corpo humano no e#iste um s
centro de pulso energtica, mas muitos& Ds principais so a bacia, os ps e um ponto no 7undo do
-0
S tocado com as mos a depender do to5ue e da nao&
-/
(sometrico signi7ica de igual dimenso& Fo grego issoIugual&
/0
pescoo 5ue manda nos mo%imentos dos ombros, segundo os in7ormantes& A dana sagrada no puro
deslocamento no espao, mas o corpo se mo%imentando, ocupa uma estrutura espacial, cria um espao
pessoal& As filhas-de-santo mo%imentam1se em todas as dire6es, cada uma na sua estrutura espao1
temporal, seguindo a reciclagem da 7rase1musical&
Dutra caracterHstica a 7orma do cHrculo& As danas desen%ol%em1se em cHrculo e na direo anti1horria&
D circulo sagrado lembra o tempo1espao do mito 5ue segundo as lendas remete J antiga di%indade da
terra&
A repetio do mo%imento percebida como uma criao de algo de no%o, cada mo%imento d origem a
di%indade e d a possibilidade de %oltar no tempo e no espao da comeo&
Mas danas do candombl os ps esto em contato contHnuo com a terra para absor%er as suas energias e,
simbolicamente, percutindo1a ao longo da dana, o 7iel obrigado ao encontro com 3esse mundo8, a5uele
no 5ual %i%emos e estamos presente no a5ui e agora= no como na dana clssica onde a per7ormance
ad%m sobre as pontas do ps simboliBando a procura de um 3outro mundo8 e ou a reNeio deste&
D corpo em mo%imento assume um signi7icado simblico, segundo os nH%eis de %erticalidade, alto1mdio1
bai#o& D nH%el alto relaciona a pessoa com o elemento ar= o nH%el bai#o relaciona o corpo com a energia da
terra, 5ue, segundo Dli%eira ;/002EL 3tem 5ue dar o apoio necessrio para sustentar1se8= o nH%el mdio
inter1relaciona os outros dois& D corpo mo%imenta1se tambm na horiBontal, ampliando os mo%imentos
semelhante a uma bola hipottica, como nas danas de (emanN, ou desenhando com os braos, uma 7orma
redonda, como nas de 3a7astamento8 de Di1(ans& Assim as danas podem desen%ol%er1se tanto
ampliando os mo%imentos, 5uanto subindo e descendo ao longo de uma linha imaginria, como na dana
das ondas de (emanN&
Mas danas sagradas tudo tem um sentido e um signi7icado& Assim, os ori#s No%ens pulam danando, e
interrompem os mo%imentos com paradas repentinas e ner%osas, como Di1(ans ou Dgum,
demonstrando mais energia, en5uanto os ori#s mais %elhos danam com mais calma e com mo%imentos
mais contHnuos, como D#al ou Man <uruQu& Ds ori#s guerreiros danam com uma postura mais ereta,
com pulos nos momentos mais dramticos e alcanando com o corpo mais espao, seNa na linha %ertical
seNa na horiBontal, en5uanto as di%indades %elhas danam cur%adas na direo do cho& S o caso de
Dmolu ou de Man <uruQu, cuNa gestualidade e#pressa sua ligao com os ancestrais e com o retorno J
terra, ai , ao orum, o no conhecH%el&
"m geral todas as danas dos ori#s possuem as seguintes caracterHsticasL
/E a import:ncia do grupo 5ue 7orti7ica a ligao entre os 7iis e o7erece a possibilidade de %er a prpria
imagem re7letida como num espelho, danando os mesmos passos com os irm"os-de-santo e a
possibilidade de indi%idualiBar1se no transe, danando por si e para os outros a prpria identidade
rHtmica=
//
-E a relao com o elemento terra, a me terra 5ue alimenta e 5ue a base dos homens, sendo o lugar dos
ancestrais=
OE a import:ncia do ritmo 5ue como e#plica <elinga ;/002E o prprio 3%erbo8 e tem assim a 7uno de
chamar e de organiBar a desordem, o momento da crise seNa a nH%el macrocsmico, seNa a nH%el
microcsmico=
2E a simplicidade dos mo%imentos 5ue podem ser repetidos ciclicamente e 5ue aNudam o 7iel a si
concentrar sobre si mesmo para permitir a descida da di%indade e a sua 7i#ao no corpo=
.E a o7erta de uma simbologia danada, cantada, tocada 5ue permite J iniciada dar uma resposta ao no1
senso do so7rimento traduBindo a dor na linguagem do mito&
Mo ritual, a dana no pode e#istir sem a m4sica e %ice1%ersa, por5ue um para o outro um 3call and
response8 a nH%el energtico& D rum, o tambor mestre, na dana do transe, dialoga com o ori#, a filha-de-
santo possuida& D time-line no 7i#o, mas segue a dana e a dana segue os mandamentos do tambor&
Ma dana e na realiBao da m4sica a idia 7undamental de estar em harmonia consigo mesmo e com o
resto do grupo, tendo a comunidade uma maior possibilidade de sobre%i%$ncia 5uando todos os 7iis
participam& Sendo a m4sica to importante, assim so os sacerdotes1m4sicos, os alabs 5ue aprendem o
repertrio ao longo do tempo& So eles 5ue podem chamar a comunidade e sobretudo os ori#s a descer
na 7esta, so eles 5ue aNudam os 7iis a cair no santo acelerando os ritmos, e 5ue encerram a 7esta com um
to5ue especial&
A dana sobretudo na primeira parte do ritual, no xir, um tipo de meditao din:mica e por isso dana1
se 3pe5ueneninho8, com a 7uno de se concentrar& Ds to5ues dos ori#s poderiam ser comparados a um
mantra 5ue aNuda a se 7ocaliBar no prprio ei#o& A percusso dos ps, a repetio dos mesmos
mo%imentos sustentados pelos ritmos dos tambores, obriga o corpo a se centrar e a seguir o ritmo 5ue do
e#terior liga1se ao interior, parando o 7lu#o do pensamento cotidiano e obrigando o 7iel a se relacionar com
o interior, por isso na dana os olhos esto 7echados a simboliBar 5ue o olhar %oltado para o interior&
?on7orme N obser%ado atra%s da dana e da m4sica pretende1se parar o 7lu#o do tempo para poder %oltar
ao momento do mito, onde tudo comeou e onde pode1se agir com a aNuda da magia para poder
ree5uilibrar as energias, como era no comeo e sempre ser& D ritual todo um es7oro para %oltar ao
3comeo8&
D tempo o tempo circular do mito 5ue comea e acaba no mesmo ponto, ciclicamente e ritmicamente
seguindo os ritmos da natureBa, dia1noite, sol1lua, esta6es, etc& D tempo, nesse sentido mo%imento, a
materialiBao do mo%imento, como diB Fuplan ;/0>EL !para marcar o tempo, temos 5ue agir, batendo
sobre um tambor com a mo ou sobre o cho com os ps& ?riando o tempo, criamos o mo%imento&!
D espao sagrado o 3campo8 do culto, o lugar no 5ual o caos trans7orma1se em cosmo, tornando
possH%el a %ida humana, por isso poliss$mico& "#istem dois espaos, um interior, o prprio corpo da
/-
filha-de-santo, receptculo do sagrado, sagrado ele mesmo, e um e#terno o barrac"o# "sses dois lugares
so o teatro da trans7ormao ritual& Meles o 7iel dei#a o mundo cotidiano e alcana o encontro to
assustador, mas to deseNado, com o di%ino& S s no espao sagrado continente 5ue ele pode %oltar J
totalidade e comunicar1se com a di%indade&
A dana desenha no s o percurso do corpo no espao para chegar ao di%ino, mas tambm percorre a
planta ar5uitetGnica do templo, desenhando o caminho para alcanar o sagrado& D espao sagrado, o
barrac"o, durante a dana, preenchido com os corpos em mo%imento 5ue e#pressam as %rias
possibilidades no espao do di%ino e a liberdade do homem em se mo%imentar para todas as dire6es& A
di%indade e o homem podem utiliBar uma estrada cur%ilHnea ou um caminho 5ue pre%$ %arias mudanas de
dire6es&
OS RITMOS SINCOPADOS
A sHncope, outra caracterHstica tHpica da m4sica a7ricana e do candombl o e7eito rHtmico produBido pelo
prolongamento ou deslocamento do acento do tempo 7raco ao tempo 7orte&
D prolongamento do acento 7aB com 5ue no e#ista uma percusso na batida 7orte& Assim, produB1se uma
5uebra da e#pectati%a por uma batida 7orte e por isso %eri7ica1se um cho5ue& Ds ritmos sincopados
5uebram a ordem dos ritmos esperados e criam assim um no%o padro de ordem& D nosso corpo, o
corao, o nosso andar obedecem a um 7uncionamento rHtmico iscrono& A 7alta desse ritmo pro%oca um
cho5ue, uma sensao de caHda& Simbolicamente nos 7ala da possibilidade das coisas no acontecer sempre
na mesma 7orma, e obriga o corpo ao mo%imento& D ritmo sincopado proposto num modo obsessi%o
ad5uire, no conte#to ritual, uma grandHssima import:ncia por5ue altera a e#pectati%a do padro rHtmico,
mo%imentando os acentos do tempo 7orte para o tempo 7raco& Abre assim, tal%eB, a porta a outras
dimens6es, indicando meta7oricamente outras %ias de conhecimento= %ias 5ue re5uerem o corpo e no
apenas a mente& ?ontribui, Nunto com outras componentes do rito a abrir as portas do orum , o
inconheci%el&
"sse mo%imento contHnuo da sincope pode simboliBar o ritmo do uni%erso e de todos os seres 5ue o
habitamL 35ue mo%imentam1se entre os dois centros da %ida e da morte,&&&&& "ssa polariBao indica o
mo%imento contHnuo e a circulao do ax, a energia %ital, a 5ual a 4nica &&&a dar um sentido J m4sica e
ao canto entoado pelas 7ilhas ou filhos-de-santo8& ;+uB, /00.L.>/E& Segundo Sodr, a sHncope contribui a
dar uma idia de um tempo homog$neo capaB de %oltar continuamente sobre ele mesmo, onde cada 7im o
comeo cHclico de uma situao& ;/0>0L-/, cit de +uB, /00.L .@>E
/O
A sHncope produB simbolicamente uma ao cHclica 5ue liga1se ao conceito de re%ersibilidade do tempo e
do espao no mito, 5ue permite aos 7ieis %oltar na5uele tempo e, assim, se Nuntar a energia do
ori#& "ssa %olta no uma simples emoo, mas produB e7eitos 7Hsicos no organismo, na
respirao, no mo%imento, muito mais 7luido, en7im no corpo todo&
CONCLUS!O
D conceito de doena algo de muito di7Hcil a ser de7inido no candombl, por5ue em geral 5ual5uer
desordem ou modi7icao da normalidade tem a %er com o lado espiritual& ?on7orme obser%ei, no
candombl o ori# pode chamar o 7iel de %rias maneiras, muitas %eBes atra%s de uma doena ou de uma
desordem psH5uica& Se a di%indade e#ige ser 7eita, a filha-de-santo ser iniciada, obtendo em %rios casos a
cura da doena e um maior e5uilHbrio psicolgico& D tratamento em grande medida conduBido atra%s da
m4sica 5ue p6e em comunicao a terra, o ai com o mundo espiritual, o orum= o e#terior e o interior&
A cura da doena na terap$utica do candombl representa um aspecto muito 7ascinante, e oposta J
terap$utica o7icial, onde o doente pri%ado do prprio corpo 5ue na maioria das %eBes 7ragmentado e
sem uma prpria historia& Mo candombl, o so7rimento inscrito numa rede de rela6es 5ue consegue
Nuntar a e#peri$ncia pessoal, social e sobrenatural, o7erecendo uma e#plicao e um tratamento mais
abrangente da prpria dor&
S um tratamento 5ue utiliBa basicamente o elemento sonoro 1 musical
--
& A m4sica coloca o 7iel em uma
no%a dimenso e#istencial, a da e#peri$ncia religiosa, protegendo1o no conte#to ritual&
Mo momento em 5ue e#iste uma harmonia entre a musica interior e a5uela dos tambores, ad%m o
conhecimento do outro, do di%ino e atra%s do outro de si& Aparece assim o conceito do 3duplo8 di%ino=
a filha-de-santo, dei#ando1se possuir, cria ela mesma o 3outro8 e nesse processo de criao1incorporao
o e#perimenta intensamente dentro de si, at ela mesma possui1lo, at inscre%$1lo no prprio corpo como
uma no%a identidade1rHtmica interior a 5ual poder 7aBer re7er$ncia ao longo da sua %ida&
Mo candombl atra%s do corpo 5ue o homem comea o caminho da cura e do conhecimento religioso&
S no corpo 5ue %i%em as e#peri$ncias e unem1se as %rias in7orma6es simblicas sobre o mundo= no
corpo 5ue, %i%endo as energias sagradas, o 7iel pode comunicar com o di%ino& D corpo com a iniciao age
primeiro no mundo sagrado depois no mundo cotidiano atra%s uma gestualidade e uma dana aprendidas
ao longo da estadia no terreiro e interage dinamicamente com o espao e com o tempo aos 5uais d no%os
sentidos e no%as dire6es&
Ma dana de possesso, o corpo possuHdo pelo ori#, como relata GalimbertiL 3habita o mundo& Um habitar
5ue no conhecer, mas se sentir em casa8 ;/00OL@0E& D espao no um espao posicional ;no 5ual o
corpo posiciona1se como obNeto 7rente a outros obNetosE, mas situacional ;no sentido de ser %i%ido pelo
--
A m4sica in7luencia especialmente a dimenso corprea e os processos psicocorpreos, con7orme as pes5uisas recentes em
musicoterapia&
/2
corpo com todos os sentidosE por5ue se mede a partir da situao na 5ual o corpo se encontra& S um
espao 5ue e#iste por5ue esse corpo e#iste, assim 5ue o corpo no um gro de areia no espao, pois no
e#istiria espao se ele no e#istisse& Fesde o corpo possH%el tomar todas as dire6es no espao& "sse
espao corpreo ;considerando o espao realmente %i%ido e conhecido sensualmenteE no tem um
signi7icado s terico, mas traB consigo os traos dos sentimentos pessoais, das necessidades sociais e dos
elementos emoti%os, como os de ter lugares conhecidos onde o corpo pode %oltar&
Mo espao cada obNeto, cada planta, cada parte do corpo humano remetem simbolicamente a outras coisas&
Assim como a coluna sagrada presente em %rios terreiros liga o ai, a terra ao orum, o mundo
sobrenatural, a coluna %ertebral liga a cabea, o ori com os ps, a ancestralidade, permitindo ao longo do
transe de %oltar ao tempo da origem 5uando no e#istia o corte entre o mundo dos homens e a5uele das
di%indades&
Mo candombl o corpo aprende a conhecer a prpria origem e a prpria ess$ncia no s como mero
conceito cogniti%o, mas atra%s da e#peri$ncia direta e %i%ida das emo6es 5ue o 7ormam&
?ada homem possui o prprio duplo sonoro no orum 5ue encontra no momento da possesso 5ue
aprende a conhecer e a e#pressar atra%s da m4sica e da dana, aprendida em momentos especH7icos e num
estado alterado de consci$ncia para dar a possibilidade de construir uma no%a identidade& A musica dos
ataba5ues conduB o 7iel em uma %iagem simblica 5ue o trans7orma& A filha-de-santo possui, danando o
prprio ritmo, o prprio tempo e o prprio espao&
A percusso dos tambores, como sublinha Fuplan
-O
a materialiBao do tempo e ter consci$ncia do
tempo conhecer a historia da prpria 7amHlia, saber de ser um anel numa corrente in7inita 5ue originou1
se com o primeiro ancestral mHtico do 5ual o homem uma parte&
As danas ligadas estreitamente J m4sica, permitem a presena %i%a, partHcipe e consoladora da di%indade
entre os homens& Atra%s das coreogra7ias e atra%s a contrao e a e#panso dos mo%imentos o ori#
e#pressa a prpria 5ualidade energtica, percebH%el s pelas iniciadas& A dana e a m4sica e#pressam a
di%indade numa 4nica imagem onde conte4do e 7orma se interligam estreitamente& "sta unidade s
alcanada em momentos especH7icos, construHdos ritualmente, seguindo modelos culturais 5ue repetem1se
no tempo& S transmitida atra%s da e#peri$ncia corporal e musical por5ue os conte4dos so to pro7undos
5ue no poderiam ser comunicados s com pala%ras& "is por5ue o uso da linguagem no1%erbal nos ritos
remete a imagens e sentimentos raramente e#pressos e por isso ad5uire um grande poder& Ds gestos
possuem um signi7icado, um e7eito restaurador 5ue as simples pala%ras no podem o7erecer&
'i%endo o mito, danando1o e cantando1o, o 7iel consegue assumir, canaliBar e e#pressar os a7etos e os
prprios sentimentos= o ritmo das percuss6es 5ue ressoa no interior do corpo obriga o 7iel ao ser, J
presena e no J 7uga 5ue o homem e#perimenta na 7renesi do mundo contempor:neo&
-O
Fuplan danarino e 7ormador na rea de danaterapia& "le 7undou uma prpria metodologia chamada "#pression
Primiti%e& Ds seus conceitos so tomados dJ *e%ista Arteterapia ;/00OE&
/.
A comunicao com o mundo in%isH%el atra%s do transe permite de meter em ato e de dinamiBar as
e#peri$ncias mitolgicas 7a%or%eis J cura, com a mobiliBao das identidades mHticas 5ue podem traduBir
a doena e canaliB1la em no%as e#peri$ncias corporais no interior da estrutura continente do rito&
A m4sica e a dana so terap$utica num sentido 5ue no atra%s das pala%ras 5ue ad%m a cura, mas
atra%s das e#peri$ncias emocionais %i%idas pelo corpo at a construo de uma no%a identidade mais
pro7unda 5ue ser a no%a base da5uele 7iel&
As percep6es do corpo no so mais reNeitadas como algo de desconhecido, mas aceitadas e
e#perienciadas como algo de precioso e de aconselhador& ?reia1se assim no%as possibilidades e#istenciais
atra%s de uma dialtica 5ue liga o e#terior e o interior&
"sses rituais articulam e ordenam no%as 3possibilidades e#istenciais8, 7a%orecendo assim uma no%a
organiBao e uma no%a harmonia interna& Mo%as possibilidades e#istenciais 5ue so o7erecidas do
e#ternoL das outras 7ilhas N iniciadas e d Ce1de1santo& As sacerdotisas 37alam8 J iniciada agindo com
ela, danam, cantam e trans7ormam as %elhas e#peri$ncias em e#peri$ncias preciosas&
A iniciada recolhe essas no%as in7orma6es passadas a nH%el no1%erbal com as 5uais acorda, %i%e e
canaliBa as prprias emo6es& As iniciadas aprendem a reconhecer o prprio ritmo sonoro e ao acolh$1lo&
"ssa e#peri$ncia no puramente auditi%a mais en%ol%e todos os sentidos& A possesso permite assim um
Nogo, uma ligao entre o interior e o e#terior& D 7iel dei#ando1se possuir cria o outro e nesse processo de
criao1incorporao o e#perimenta intensamente dentro de si at ele mesmo possui1lo& D tempo
mo%imento e criando o tempo cria1se o mo%imento 5ue %ida, ax, energia de %ida, por isso o candombl
permite a presencia das di%indades %i%as, por5ue aclama a %ida como algo de precioso e sagrado 5ue de%e
ser %i%ido agora e a5ui &
A arte e#ecuta a5ui a parte do leo criando 7ormas 5ue simboliBam os sentimentos humanos ;+anger,
/00L20E& D so7rimento e a desordem interna so acessH%eis s atra%s da linguagem dos sHmbolos 5uer
diBer atra%s da comunicao no1%erbal& D ritmo, a musica, a dana, as cores permitem uma
comunicao bem mais pro7unda do simples comunicado e#plHcito& D ritmo das pala%ras, o to5ue parecido
a um mantra, a concentrao e a e#panso do corpo, o nH%el de %erticalidade e de horiBontalidade, o uso
do espao, o uso do tempo, da m4sica e da dana o7erecem J filha-de-santo a possibilidade de construir e
%i%er a prpria identidade1ritmo, atra%s uma pluralidade de meios impregnados de emoo e no
transmitidos mecanicamente&
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