Capítulos
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1. INTRODUÇÃO
“[...] não se pode ser tão original no mundo científico. Uns e outros contribuem
para uma continuidade que nos irmana”.
(Maurício Knobel)
Nos hospitais-escola faz parte da rotina, quase diária, a prática da visita médica
à beira do leito. Tal atividade tem objetivos didáticos e assistenciais, que visam
possibilitar aos estudantes e residentes de medicina o contato com pacientes
(QUAYLE, 1998). Assim, acompanhados por professores e médicos mais experientes,
eles apresentam os casos e discutem o quadro clínico e os exames físicos dos
pacientes internados. Nota-se então que a prática da medicina envolve o médico, com a
sofisticação técnica e o especialismo; e o paciente, com sua fragilidade diante do
desconhecido (ESTIVALET, s/d); justificando então a importante relação estabelecida.
durante a mesma, uma vez que saber o que pensam e sentem os pacientes a respeito
pode auxiliar na formulação de atividades práticas desenvolvidas pelas escolas
médicas, contribuindo para a melhora do cuidado prestado aos doentes.
Levando-se em conta tais dados, este trabalho de revisão bibliográfica conta com
três capítulos teóricos, abordando os seguintes assuntos: história do hospital,
enfatizando os hospitais-escola e a influência da hospitalização nos indivíduos; a
relação médico-paciente, uma relação estabelecida, muitas vezes, por dependência,
regressão e uma difícil comunicação entre as partes; e finalmente a visita médica a
beira do leito, foco de nosso estudo, levantando também a importância da equipe
multiprofissional (incluindo-se o psicólogo) participativa das visitas à beira do leito para
a humanização hospitalar. Finalmente faz-se uma discussão, ressaltando divergências
e convergências da literatura com a prática percebida no trabalho junto à equipe de
Cardiologia da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de São Paulo durante as visitas
médicas à beira do leito.
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2. DO HOSPITAL À INTERNAÇÃO
A palavra hospital vem do latim ‘hospes’, que significa hóspede, a qual deu
origem à ‘hospitalis’ e ‘hospitium’, que designavam o lugar onde se hospedavam na
Antigüidade, além de enfermos, viajantes e peregrinos (CAMPOS, 1995). A figura do
hospital surgiu historicamente no ano 360 d.C. (CAMPOS, 1995; FOCAULT, 1979;
NIGRO, 2004). Nessa época, a doença era considerada com base em uma concepção
mítico-mágica, e a prática da “medicina”, como uma função religiosa nas civilizações
grega e romana. Na Grécia politeísta acreditava-se que as pessoas adoeciam ou
recuperavam a saúde porque essa era a vontade dos deuses.
Antes do século XVIII, somente eram cuidados no hospital os indivíduos que não
possuíam recursos financeiros ou os excluídos do meio social; assim, o hospital era
uma instituição de assistência ao pobre, como também de exclusão e separação. Neste
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ambiente, a equipe de saúde era apenas um pessoal caritativo que estava ali para fazer
uma obra de caridade que lhe assegurasse a salvação eterna (FOUCAULT, 1979).
Frente a isso, Pitta (1999), defende a idéia de que com algumas mudanças
significativas que o hospital vem incorporando nos últimos séculos, ele está
transformando cada vez mais suas características de ofício em processo tecnológico de
trabalho. E, ao falar-se em processo tecnológico vale ressaltar os Hospitais-Escola,
também chamados de Hospitais Universitários, ou Hospitais de Ensino.
2.1.2 – Hospital-Escola
e usuários, o que é feito na maior parte dos casos nos Hospitais-Escola, observando
como o fazem seus professores, aprendendo e modelando sua relação com o paciente.
extremos: a mais alta sofisticação técnica e o especialismo, por um lado, e por outro
prevalece a necessidade do contato básico diante do sofrimento e da fragilidade
humana (ESTIVALET, s/d). Diante disso, deve-se pensar na representação da
hospitalização para o paciente.
3. RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE
Todo paciente, segundo Sancovski (2007), tem muito da criança medrosa que
procura a mãe cuidadora no médico, em busca de apoio. Assim, do mesmo modo que
os pais durante a infância, o médico posteriormente passa a ser depositário de
fantasias que configuram a transferência1 (BOTEGA, 2006).
Para Zimerman (1992) essa relação de transferência tanto pode ser negativa
como positiva. Ou seja, um mesmo médico pode estar sendo visto por um paciente
como uma mãe boa que dá a ele cuidados e alimentos (no caso, medicamentos),
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De acordo com Laplanche e Pontalis (2001), a transferência designa em psicanálise o processo pelo
qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no quadro de um certo tipo de
relação. Numa explicação mais simplista, implica um deslocamento de valores, de direitos, de entidades,
mais do que um deslocamento material de objetos.
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enquanto para outro paciente esse médico pode estar sendo visto como a mãe má, que
o envenena com medicamentos.
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A contratransferência é um fenômeno normal, em uma convergência e integração dos campos
intrapsíquico e interpessoal, sendo processos inconscientes que a transferência provoca no outro.
(BOTEGA, 2006).
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Dubé (2000, apud ROSSI; BATISTA, 2006) afirma que a efetiva comunicação,
relevante para os serviços de prevenção e para a prática diária, está na base das
habilidades do médico, não somente para o levantamento da história básica e de mais
dados, mas para a construção da relação com o paciente, na facilitação, negociação e
parceria.
De acordo com Fiske (1990, apud ROSSI; BATISTA, 2006), podemos identificar
dois eixos principais no processo comunicacional: o primeiro considera a comunicação
como uma linha de transmissão da mensagem entre o emissor e o receptor, onde A
informa B; para o segundo a comunicação é uma interação, uma troca de signos,
significados, significantes, onde A e B se relacionam.
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Enfim, a sociedade atual tem favorecido contatos interpessoais cada vez mais
numerosos e superficiais, nos quais as necessidades de comunicação ficam
acumuladas, conforme Sancovski (2007), favorecendo insatisfações e revoltas. E como
ressalta Rossi e Batista (2006): saber se comunicar é entender o paciente e se fazer
entender por ele, entrando em vigência o esquema clássico de comunicação: emissor -
mensagem - receptor, e o foco do processo é a mensagem.
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4. A VISITA MÉDICA
A visita médica é uma prática quase que diária nos hospitais escola, a qual
didaticamente contribui para a formação do médico. Sempre acompanhados por um ou
mais professores, um grupo de residentes e estudantes participa das discussões
clínicas à beira do leito e dos exames físicos dos pacientes internados, apresentando
os casos. A partir do século XIX, esse exame do doente diante de uma assembléia de
vários estudantes tornou-se rotina em todo o mundo, constituindo assim, a clássica
visita médica, método privilegiado para o ensino da medicina (LIMA FILHO, 1990, apud
MARTINS et al., 2003).
Há muito tempo se fala das apresentações dos casos à beira do leito. Conforme
Sylvius (1679, apud SANCOVSKI, 2002), esse modelo de apresentação evita a
passividade, o dogmatismo e uma visão estreita e vazia da medicina. Longe do leito os
estudantes podiam receber uma mensagem perniciosa sobre o valor dos pacientes,
assim, à beira do leito as visitas proporcionam uma oportunidade de encorajar,
exemplificar valores e atitudes de sustentação. Num levantamento com 100 pacientes,
em uma pesquisa de campo, Romano (1941, apud SANCOVSKI, 2002) concluiu que
quando conduzida com simpatia e tato, a visita à beira do leito não é uma experiência
emocional negativa para os pacientes, ao contrário, ela os informa e lhes dá maior
segurança. Em uma outra pesquisa, com a utilização de uma entrevista estruturada
para detectar os efeitos emocionais da visita médica e da visita cirúrgica, Kaufman e
colaboradores (1956, apud SANCOVSKI, 2002), confirmaram que os pacientes menos
instruídos – com baixo nível de escolaridade – ficam menos satisfeitos com as
apresentações à beira do leito, possivelmente por um desconforto com a complexa
terminologia médica. Payson e colaboradores (1965, apud SANCOVSKI, 2002)
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descreveram o quanto essas visitas médicas são voltadas ao ensino e quão pouco se
toca nos aspectos sociais e psicológicos das doenças e se dá atenção para o paciente.
Seguindo esse pensamento, Siegler (1978, apud SANCOVSKI, 2002) ressaltou a
importância de ver o paciente como um sujeito, humanizando com isso os cuidados
médicos. Diferentemente, Wartman e colaboradores (1983, apud QUAYLE et al., 1998),
apuraram que freqüentemente os pacientes mostram-se satisfeitos quanto aos
aspectos formais e de informação da visita médica, embora insatisfeitos no que se
refere à comunicação com os médicos durante a mesma. A capacidade do médico em
utilizar técnicas de comunicação, para Verhaak (1989, apud SANCOVSKI, 2002),
enfatiza a importância da atenção, do interesse e da capacidade em esclarecer
queixas. Com isso, Brody e colaboradores (1989, apud QUAYLE et al., 1998) também
observaram satisfação do paciente quanto à visita médica, desde que recebessem
orientação do médico, aconselhamento e informações sobre sua doença; o que para
Lerman e colaboradores (1990, apud QUAYLE et al., 1998) conclui em aumento de
confiança por parte do paciente e também expectativa de melhora. Enquanto, para
Milner e Hafner (1991), a visita médica aumenta a ansiedade do paciente.
Alguns pacientes percebem o objetivo didático da visita sem que isto interfira no
seu tratamento. Trata-se de uma percepção neutra, que não interfere no vínculo
médico-paciente, não despertando sentimentos conflitantes (MARTINS et al., 2003).
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O fato de os médicos irem até o leito discutir sobre o caso traz segurança e
confiança, fazendo com que o paciente sinta-se valorizado, prestigiado e importante
(MARTINS et al., 2003). Os pacientes interpretam as perguntas rotineiras em relação a
sono e alimentação, por exemplo, como se fossem preocupações pessoais dos
profissionais com o seu bem-estar (CORTOPASSI et al., 2006).
5. DISCUSSÃO
temores dos pacientes ficam sem o devido esclarecimento, não sendo abordadas, o
que pode gerar ansiedade e frustração. O paciente é mantido à margem, à beira, da
discussão; o que foi possível observar no momento das visitas médicas na Irmandade
Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, e logo após as mesmas.
Nos hospitais-escola o paciente não tem como referencial um único médico, isso
favorece, de acordo com Quayle (1998), ao concluio do anonimato, dificultando a
instalação da relação médico-paciente. Por sua vez, a hora da visita médica é a hora
em que todos aqueles integrantes estão cuidando e discutindo sobre o seu caso, mas
que não estabelece a inter-relação com seu maior interessado: o paciente. As principais
funções dos sentidos de cada um daqueles membros da equipe ficam privadas e
impedidas; não se vê, não se ouve, não se sente os odores daquele clima, daquela
relação, não se toca o ser e o que se pode deixar destas ausências é um gosto muito
ruim (SANCOVSKI, 2002). Assim, para Sancovski (2002), seria benéfico apresentar o
grupo da visita ao paciente, tendo um médico que declara em público ser o responsável
pelo tratamento daquele paciente, apresentando o professor ou assistente, sem usar
termos técnicos, e se usados, imediatamente traduzidos, já leva a uma descontração.
De acordo com Diniz e Carvalhaes (2002), as trocas das dores físicas, psíquicas
e sociais dos pacientes podem resultar em benefícios assistenciais, abrindo caminhos
para mais pesquisas e conseqüentemente contribuindo para o desenvolvimento da
psicologia hospitalar e principalmente para a humanização hospitalar. Acredita-se que
somente será melhor o atendimento e a humanização do hospital quando os pacientes
receberem por parte da equipe os devidos cuidados e sentirem-se incluídos enquanto
sujeitos.
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através deste estudo, foi possível perceber que a visita médica tal como é
conduzida na Irmandade Santa Casa de Misericórdia de São Paulo muito se assemelha
às descritas na literatura, sendo percebida pelo paciente de maneira ambígua e
conflitiva.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADAMS, ”PATCH”. A terapia do amor: trazendo saúde com a melhor das terapias:
humor e alegria. Rio de Janeiro: Mondrian, 2002.
BLANK, D. A propósito de cenários e atores: de que peça estamos falando? Uma luz
diferente sobre o cenário da prática dos médicos em formação. Rev. bras. educ. med.
Rio de Janeiro, v. 30, n. 1, 2006. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-
55022006000100005&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 10 Out 2007.
HALL, C.S.; LINDZEY, G.; CAMPBELL, J.B. Teorias da personalidade. Porto Alegre:
ArtMed, 2000.
JASPERS, K. Il Medico nell´Età della Técnica. Milano: Raffaello Cortina Editore, 1991.
QUAYLE, J. et. al. Opiniões de gestantes hipertensas internadas sobre a visita médica
e a internação: estudo preliminar. Rev. Ginec. & Obstet. São Paulo, 9 (2): 61-65, 1998.