A Inspiracao Da Escritura Sua Perfeicao e Harmonia
A Inspiracao Da Escritura Sua Perfeicao e Harmonia
A Inspiracao Da Escritura Sua Perfeicao e Harmonia
A genuna convico que os crentes tm da Palavra de Deus, acerca de sua prpria salvao e de toda a religio, no emana das percepes da carne, ou de argumentos humanos e filosficos, e, sim da selagem do Esprito, o que faz suas conscincias mais seguras e todas as dvidas resolvidas Joo Calvino, Efsios, So Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 1.13), p. 36.
Introduo:
A Bblia um livro maravilhoso! Quando fazemos esta afirmao, podemos ter em mente diversos elementos que contribuem para tornar este Livro maravilhoso. Podemos, por exemplo, considerar a Bblia como uma obra sem igual no campo da literatura, tratando com simplicidade de problemas universais que atingem os homens de todos os lugares e pocas, estando ainda na pauta das preocupaes do homem moderno. Trata da origem do mundo, da criao do homem e do propsito final da sua existncia bem como da histria. Apresenta o sentido da vida em Jesus Cristo e como encontr-lo. Na Bblia h trechos de singular beleza literria, tais como: Rt 1.14-17; 1Sm 18.1-4; Sl 23; Mt 5.1-12; Lc 10.25-37;15.11-32, entre outros. "No Livro Sagrado encontramos romance, como na histria de Sara, de Rebeca, de Raquel e de Rute. Encontramos legislao, como nos incomparveis preceitos de Moiss. Na histria dos reis de Israel e de Jud e dos reinos do mundo, encontramos verdadeira histria. E nela temos poesia real, como essa contida no lindo Salmo 23; e ainda encontramos provrbios e profecia. Um tero da Bblia 2 profecia". Apesar de toda a Sua beleza literria, que mesmo o homem natural pode reco1 2
Estudo ministrado na Escola Dominical da Igreja Presbiteriana em So Bernardo do Campo, SP., no dia 21 de junho de 2009. W.A. Criswell, A Bblia para o Mundo de Hoje, Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1968, p. 32.
A Inspirao da Escritura: Sua Perfeio e Harmonia Rev. Hermisten 23/06/09 2 nhecer, "a nossa persuaso e certeza da sua infalvel verdade e divina autoridade provm da operao interna do Esprito Santo, que pela palavra e com a palavra testifica em nossos coraes". (Confisso de Westminster, I.5). (Leia: Jo 16.13,14; 1Co 2.10-12). Em outras palavras: S reconhecemos a Bblia como Palavra de Deus, por obra e graa do Esprito Santo. Estudemos a sua origem, coeso e unidade.
B.B. Warfield, The Inspiration of the Bible: In: The Works of Benjamin B. Warfield, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1981, Vol. I, p. 79.
A Inspirao da Escritura: Sua Perfeio e Harmonia Rev. Hermisten 23/06/09 3 Desse modo cremos que a inspirao foi plenria, dinmica, verbal e sobrenatural. 1) Plenria: Porque toda a Escritura plenamente expirada. De Gnesis ao Apocalipse, tudo o que foi registrado, o foi pela vontade de Deus (2Tm 3.16; 2Pe 1.20,21). 2) Dinmica: Porque Deus no anulou a personalidade dos escritores, por isso, inspirados por Deus, eles puderam usar de suas experincias, pesquisas, aptides e manter o seu estilo (2Pe 3.15,16). Deus, na realidade, separou os seus servos antes de eles nascerem e os preparou para desempenharem essa funo (Is 5 49.1,5; Jr 1.5; Gl 1.15,16). A Bblia no um livro qualquer; a sua origem est em Deus que falou por meio de homens que Ele mesmo separou para registrar a Sua Palavra. Sabemos que a questo do carter humano das Escrituras no algo acidental ou perifrico: os homens escolhidos por Deus para registrarem as Escrituras eram pessoas de carne e osso como ns, com personalidades diferentes, que viveram em determinado perodo histrico num espao de aproximadamente 1600 anos , enfrentando proble6 mas especficos, dispondo de determinados conhecimentos, etc. Aqui, sabemos, 7 no h lugar para nenhum docetismo: Os autores secundrios tiveram um papel a8 tivo e passivo. No entanto, devemos tambm acentuar, e este o nosso ponto neste texto, que o Esprito chamou Seus servos, revelou-Se a Si mesmo e a Sua mensagem, dirigiu, inspirou e preservou os registros feitos por esses homens. O Esprito Santo habitou em certos homens, inspirou-os, e assim dirigiu-os que eles, em plena conscincia, expressaram-se na sua singular maneira pessoal. O Esprito capacitou homens a conhecer e expressar a verdade de Deus. Ele impediu-os de incluir qualquer coisa que fosse contrria a essa verdade de Deus. Ele tambm impediu-os de escrever coisas que no eram necessrias. Assim, homens escreveram como homens, mas, ao mesmo tempo, comuni9 caram a mensagem de Deus, no a do homem. Esta compreenso que nos advm da prpria Escritura caracteriza distintamente o Cristianismo: Os profetas no
4 4
A inspirao tambm chamada de orgnica porque a Escritura pode ser comparada em certo sentido a um organismo, onde h uma interao harmoniosa de foras. Deus preparou os seus servos desde eternidade, tornando-os rgos da inspirao (Ver Homer C. Hoeksema, The Doctrine of Scripture, Grand Rapids, Michigan: Reformed Free Publishing Association, 1990, p. 78ss).
Ver L. Boettner, A Inspirao das Escrituras, Lisboa: Papelaria Fernandes, (s.d.), p. 30; B. B. Warfield, The Inspiration of the Bible: In: The Works of Benjamin B. Warfield, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1981, Vol. I, p. 101. Encontramos uma abordagem til e esclarecedora deste ponto em: Augustus Nicodemus Lopes, A Bblia e Seus Intrpretes, So Paulo: Editora Cultura Crist, 2004, p. 23-29. Ver: Robert Laird Harris, Inspirao e Canonicidade da Bblia, So Paulo: Cultura Crist, 2001, p. 96.
6 7 8
Vejam-se: Gordon R. Lewis, A Autoria Humana da Escritura Inspirada: In: Norman Geisler, org. A Inerrncia Bblica. So Paulo: Editora Vida, 2003, p. 268-312. (Especialmente, p. 287-312); J. Gresham Machen, Cristianismo e Liberalismo, So Paulo: Os Puritanos, 2001, p. 75-83.
9
Gerard Van Groningen, Revelao Messinica no Velho Testamento, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1995, p. 64-65. Veja-se tambm: J. Gresham Machen, Cristianismo e Liberalismo, So Paulo: Os Puritanos, 2001, p. 78-79.
A Inspirao da Escritura: Sua Perfeio e Harmonia Rev. Hermisten 23/06/09 4 falaram aleatoriamente o que pensavam; antes, testificaram a verdade de que 10 era a boca do Senhor que falava atravs deles. Ainda que Calvino no tenha detalhado este assunto no que se refere ao processo de inspirao, um conceito fica claro em seus escritos: os autores secundrios das Escrituras no foram simplesmente autmatos; Deus se valeu livre e soberanamente de seus conhecimentos e personalidade. Contudo, tudo que foi escrito o foi conforme a vontade de Deus. Os profetas e apstolos tiveram em seus coraes gravada a firme certeza da doutrina, de sorte que fossem persuadidos e 11 compreendessem que procedera de Deus o que haviam aprendido. Argumentando em prol do conceito de Calvino concernente participao humana no registro das Escrituras, Puckett resume: Os comentrios de Calvino, sobre o estilo literrio do texto bblico, refletem sua crena que a mente dos autores humanos permaneciam ativas na produo da escritura. Ele atribui variaes de estilos pelo fato de que vrios escritores so responsveis por diferentes pores da Bblia. Ele rejeita a autoria Paulina da epstola de Hebreus porque ele encontra estilos diferentes entre esta e as epstolas que ele cr serem genuinamente Pauli10 11
Joo Calvino, As Institutas, So Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1985, I.6.2. Em outro lugar: Eis aqui o princpio que distingue nossa religio de todas as demais, ou seja: sabemos que Deus nos falou e estamos plenamente convencidos de que os profetas no falaram de si prprios, mas que, como rgos do Esprito Santo, pronunciaram somente aquilo para o qual foram do cu comissionados a declarar. Todos quantos desejam beneficiar-se das Escrituras devem antes aceitar isto como um princpio estabelecido, a saber: que a lei e os profetas no so ensinos passados adiante ao bel-prazer dos homens ou produzidos pelas mentes humanas como uma fonte, seno que foram ditados pelo Esprito Santo [Joo Calvino, As Pastorais, (2Tm 3.16), p. 262]. Do mesmo modo: Joo Calvino, O Profeta Daniel: 1-6, So Paulo: Parakletos, 2000, Vol. 1, p. 29; John Calvin, Calvins Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996 (Reprinted), Vol. 2 (Preface), p. 14; (Ex 3.1), p. 59; Vol. XVII (Jo) (Argument), p. 22; Joo Calvino, As Institutas, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1989, IV.8.6). Em outro lugar Calvino diz que os Apstolos foram certos e autnticos amanuenses do Esprito Santo (As Institutas, IV.8.9). No entanto, devemos entender que Calvino usa esta expresso no para sustentar o ditado divino, mas sim, para demonstrar que os Apstolos no criaram de sua prpria imaginao a sua mensagem, antes, a receberam diretamente do Esprito. Ou seja, ele se refere ao resultado do registro, no ao processo em si. Entendia que Moiss escreveu os cinco livros da Lei no somente sob a orientao do Esprito do Deus, mas porque Deus mesmo os tinha sugerido, falandolhe com palavras de sua prpria boca [John Calvin, Calvins Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996 (Reprinted), Vol. III, (Ex 31.18), p. 328. Vejam-se tambm: John Calvin, Calvins Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996 (Reprinted), Vol. X (Jr 36.28), p. 352]. Veja-se uma boa exposio sobre este ponto em: B.B. Warfield, Calvin and Calvinism, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House (The Works of Benjamin B. Warfield), 2000 (Reprinted), Vol. V, p. 63ss.; Edward J. Young, Thy Word Is Truth, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1957, p. 66-67; Wilson Castro Ferreira, Calvino: Vida, Influncia e Teologia, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1985, p. 356-257; David L. Puckett, John Calvins Exegesis of the Old Testament, Louisville, Kentucky: Westminster John Knox Press (Columbia series Reformed Theological), 1995, p. 25ss. Curiosamente, o Conclio de Trento, na sua quarta sesso (08/04/1546), usa esta expresso para as Escrituras: Spiritu Sancto dictante (Ver: P. Schaff, The Creeds of Christendom, 6 ed. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, (Revised and Enlarged), 1977, Vol. II, p. 80; Robert Laird Harris, Inspirao e Canonicidade da Bblia, So Paulo: Cultura Crist, 2001, p. 18 e 306).
Nas Escrituras temos todos os Livros que Deus quis que fossem preservados para a nossa edificao: Aquelas [epstolas] que o Senhor quis que fossem indispensveis sua Igreja, Ele as consagrou por sua providncia para que fossem perenemente lembradas. Saibamos, pois, que o que foi deixado nos suficiente, e que sua insignificncia no acidental; seno que o cnon da Escritura, o qual se encontra em nosso poder, foi mantido sob controle atra14 vs do grandioso conselho de Deus. 3) Verbal: Porque Deus se revelou por meio de palavras e todas as palavras dos autgrafos originais so Palavra de Deus (2Sm 23.2; Jr 1.9; Mt 5.18; 1Co 2.13). Em Glatas 3.16 interessante observar que Paulo, depois de analisar a genuna natureza da aliana de Deus com Abrao, coroa o seu argumento recorrendo a uma 15 s palavra usada no original hebraico. A inspirao se estende aos pensamentos 16 bem como s palavras. 4) Sobrenatural: Por ter sido originada em Deus e produzir efeitos sobrenaturais, mediante a ao do Esprito Santo, em todos aqueles que crem em Cristo (Jo 17.17; Rm 10.17; Cl 1.3-6; 1Pe 1.23). por intermdio da Palavra que Deus gera 17 os seus filhos espirituais.
David L. Puckett, John Calvins Exegesis of the Old Testament, Louisville, Kentucky: Westminster John Knox Press (Columbia series Reformed Theological), 1995, p. 27. Numa linha semelhante, resume Crampton: A viso que Calvino mantinha sobre os autores da Escritura que o Esprito Santo agiu neles em um caminho orgnico, em acordo com suas prprias personalidades, carter, temperamentos, dons e talentos. Cada autor escreveu em seu prprio estilo, e todos eles foram movidos pelo Esprito Santo para escreverem a verdade infalvel. Realmente cada estilo de autor foi nele mesmo produzido pela providncia de Deus (W. Gary Crampton, What Calvin Says, Maryland: The Trinity Foundation, 1992, p. 23).
13 14 15
12
Ver L. Boettner, A Inspirao das Escrituras, Lisboa: Papelaria Fernandes, (s.d), p. 11; Edwin A. Blum, The Apostles of Scripture: In: Norman L. Geisler, ed. Inerrancy, Grand Rapids, Michigan: Zondervan Publisching House, 1980, p. 50,51. Ver uma boa discusso sobre o argumento de Paulo in John Calvin, Commentaries on The Epistles of Paul to the Galatians and Ephesians, (Calvins Commentaries) Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1996 (Repinted), Vol. XXI, p. 94-96; G. Hendriksen, Glatas, Grand Rapids, Michigan: Subcomision Literatura Cristiana de la Iglesia Cristiana Reformada, 1984, p. 142-145. Ver Cornelius Van Til, Na Introduction to Systematic Theology, Phillipsburg, New Jersey: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1974, p. 152.
16 17
Ver J. M. Boice, O Pregador e a Palavra de Deus: In: J.M. Boice, ed. O Alicerce da Autoridade Bblica, So Paulo: Vida Nova, 1982, p. 162.
2. Diversidade de Escritores:
A Bblia foi redigida por cerca de 40 escritores, os quais tiveram uma formao cultural diferente e com suas personalidades prprias. Moiss, por exemplo, ".... foi educado em toda a cincia dos egpcios" (At 7.22). Ams, era um homem rude, boieiro e colhedor de sicmoros (Am 7.14); Daniel era da linhagem real de Jud, instrudo em toda a sabedoria, douto em cincia e versado no conhecimento (Dn 1.3-7). Salomo, o grande rei de Israel, a quem coube a honra e a responsabilidade de construir o Templo do Senhor (2Sm 7.12,13; 1Rs 6.1-13), tendo sido reverenciado como o homem mais sbio de todos, at mesmo pelos pagos (1Rs 4.29-34; 10.113). Mateus, cobrador de impostos (Mt 9.9; Mc 2.13,14; Lc 5.27,28). Pedro e Joo, eram pescadores, com uma formao cultural notoriamente "inadequada" (Mt 4.1822; At 4.13). Lucas, era mdico (Cl 4.14); Paulo, um intelectual (At 22.3), sendo isto demonstrado em todos os seus escritos, quer pelo contedo, quer pela forma. Todos estes homens, a despeito de suas caractersticas pessoais, das suas falhas e limitaes, foram usados por Deus para registrar a Sua vontade, por meio da ao inspiradora do Esprito Santo. Todos eles "...falaram da parte de Deus movidos pelo Esprito Santo" (2Pe 1.21). O estilo deles varia, de acordo com a caracterstica de cada um; entretanto, h uma unidade e coeso em tudo que escreveram.
3. Diversidade de Tempos:
Entre o primeiro livro do Antigo Testamento e o ltimo do Novo Testamento,
18
William Barclay informa-nos que o vocabulrio hebreu dispunha de menos de 10 mil palavras e o grego de 200 mil. (W. Barclay, El Nuevo Testamento Comentado, Buenos Aires: La Aurora, 1974, Vol. 5, p. 35).
A Inspirao da Escritura: Sua Perfeio e Harmonia Rev. Hermisten 23/06/09 7 h uma distncia de aproximadamente 16 sculos. Entretanto, os escritores do Novo Testamento citam os livros do Antigo Testamento com frequncia, confirmando os ensinamentos ali registrados, aplicando-os ao contexto em que viviam e demonstrando a comprovao neotestamentria daquilo que fora profetizado no Antigo Testamento. Num perodo de 16 sculos, muita coisa muda. Os conceitos mudam, as explicaes se modificam, a compreenso da realidade se transforma. Por mais vagarosas e tmidas que fossem as transformaes na antiguidade, na realidade, muitos elementos novos surgiram no cenrio da histria humana. No perodo em que a Bblia foi escrita, o cenrio militar conheceu uma sequncia em que pelos menos cinco exrcitos dominaram grande parte do mundo conhecido, tais como: Os egpcios, assrios, babilnios, gregos e romanos; no campo da Filosofia, aps um perodo de mitos e lendas, passando pelos Pr-socrticos, surgiram homens como Scrates (469-399 a.C.), Plato (427-347 a.C.) e Aristteles (384-322 a.C.), at hoje respeitados em muitas de suas contribuies; na organizao jurdica, os romanos so at hoje estudados, respeitados e copiados. Tudo isto evidenciando um longo processo de maturao e transformaes, onde os conceitos antigos eram adaptados ou simplesmente rejeitados... O prprio povo judeu foi formado e viveu como escravo durante um longo perodo de 430 anos em que esteve no Egito (Ex 12.40,41); aps o xodo, peregrinou 40 anos no deserto, foi governado pelos juzes, teve reis, viu a diviso das doze tribos, o aniquilamento do Reino Norte, a destruio de Jerusalm e o exlio de 70 anos de Jud, com implicaes sociais, econmicas, polticas e religiosas. Entretanto, os ensinamentos bblicos atravessaram de forma coesa todas as vicissitudes e incertezas da histria. Sabe por qu? Porque o Deus que se revelou no Livro de Gnesis o mesmo de toda a Bblia, coroando a Sua revelao progressiva no Apocalipse; sendo Jesus Cristo a Sua Palavra Final: "Havendo Deus, outrora, falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais pelos profetas, nestes ltimos dias nos falou pelo Filho a quem constituiu herdeiro de todas as cousas, pelo qual tambm fez o universo" (Hb 1.1,2). Toda verdade verdade de Deus. A verdade de Deus no sofre correes, modificaes ou acrscimos: A verdade atemporal; ela permanece no tempo e ultrapassa a barreira da eternidade (Mt 5.18; Lc 16.17). O Deus que falou a Moiss o mesmo que falou a Joo na ilha de Patmos e a todos os outros escritores sagrados.
A Inspirao da Escritura: Sua Perfeio e Harmonia Rev. Hermisten 23/06/09 8 anjo vindo do cu vos pregue evangelho que v alm do que vos temos pregado, seja antema. Assim como j dissemos, e agora repito, se algum vos prega evangelho que v alm daquele que recebestes, seja antema" (Gl 1.8,9).
1. Harmonia na Autoria:
Conforme vimos, a Bblia foi escrita por cerca de 40 escritores; entretanto, na realidade, h SOMENTE UM AUTOR: DEUS O AUTOR DA ESCRITURA, DO EVANGELHO. "A Bblia apesar de ser um livro humano, que fala de pecado e do erro e em muitos lugares da fraqueza dos seus autores, no deixa de 19 ser, acima de tudo, uma obra divina, cujo autor primrio Deus". Pink segue o mesmo raciocnio, quando diz: "A imagem divina se acha estampada em cada uma das pginas. Escritos to santos, to celestiais, to profun20 damente criadores de temor no poderiam ser produzidos pelos homens". A Bblia atesta em diversos textos a origem divina de seu contedo (Is 30.1,8; Jr 30.2; 36.2; Hc 2.2; Mt 19.4,5; At 4.25,26; Hb 1.6; 3.7-19; 2Pe 1.20,21; Ap 1.19; 21 14.13; 21.5, etc.). Deus registrou a Sua Palavra por meio de Moiss, Josu, dos Profetas, de Davi, Salomo, dos Apstolos, enfim, por meio de todos os escritores sagrados. A harmonia da revelao de Deus est presente em todas as pginas da Bblia. "Cada um deles fez um relato do homem, de Deus, do caminho da salvao e do corao humano. V-se como a verdade revelada e desenvolvida atravs deles enquanto se percorre todo o volume de seus escritos, mas nunca se descobre qualquer contradio ou contrariedade real em seus pontos 22 de vista". A Bblia a verdade inerrante e harmoniosa de Deus, produzida por Ele mesmo!
2. Harmonia no Tema:
Jesus Cristo o tema central das Escrituras. "Jesus Cristo em si a 23 mensagem eterna da Bblia". De Gnesis a Apocalipse, a Pessoa e a Obra de Cristo esto presentes. No Livro de Gnesis encontramos o prenncio da Sua primeira vinda; em Gn 3.15, temos o protoevangelium o primeiro vislumbre histrico da redeno que seria efetuada por Cristo. "Estas foram as primeiras palavras
J.I. Packer, Revelao e Inspirao: In: F. Davidson, ed. O Novo Comentrio da Bblia, 2 ed. So Paulo: Vida Nova, 1976, p. 29.
20 21 19
Quanto a um tratamento mais detalhado sobre o testemunho interno das Escrituras a respeito da sua inspirao e inerrncia, Vd. Hermisten M.P. Costa, A Inspirao e Inerrncia das Escrituras: Uma Perspectiva Reformada, 2 ed. So Paulo: Editora Cultura Crist, 2008. J.C. Ryle, A Inspirao das Escrituras, So Paulo: Publicaes Evanglicas Selecionadas, (s.d.), p. Billy Graham, Em Paz com Deus, Rio de Janeiro: Record, 1984, p. 29.
22
3.
23
A Inspirao da Escritura: Sua Perfeio e Harmonia Rev. Hermisten 23/06/09 9 da graa a um mundo perdido". No Apocalipse, antevemos a vitria final do Cordeiro de Deus. Os dois Testamentos, o Antigo e o Novo, "formam uma unidade orgnica, que se completam mutuamente num harmonioso testemu25 nho de Cristo". Filipe, quando encontrou Natanael, disse-lhe o seguinte a respeito de Jesus: "....Achamos aquele de quem Moiss escreveu na lei, e a quem se referiam os profetas, Jesus, o Nazareno, filho de Jos" (Jo 1.45). O prprio Senhor Jesus Cristo ensinou esta verdade, dizendo que Moiss escreveu a Seu respeito (Jo 5.45,46). Jesus afirma que as profecias de Isaas se cumpriram nEle (Lc 4.16-21/Is 61.1,2) e, aps a Sua morte e ressurreio, Ele mesmo fez um resumo da mensagem que pregara durante o Seu Ministrio, assim falando aos Seus discpulos: ".... So estas as palavras que eu vos falei, estando ainda convosco, que importava que se cumprisse tudo o que de mim est escrito na Lei de Moiss, nos Profetas e nos Salmos" (Lc 24.44. Leia tambm os versculos 45 e 46). Pedro, juntamente com os demais discpulos, pde entender esta mensagem. Mais tarde, no seu discurso, Pedro fala ao povo mostrando que mais de mil anos antes, Davi j escrevera a respeito de Jesus Cristo (At 2.25-28/Sl 16.8-11. Leia tambm: 1Co 15.3,4). A constatao de Jesus Cristo, procede do fato de que toda a Escritura aponta para Ele. "Examinais as Escrituras porque julgais ter nelas a vida eterna, e so elas mesmas que testificam de mim" (Jo 5.39). "As Escrituras testificam acerca de Cristo como o nico Salvador dos pecadores que perecem, como nico Mediador entre Deus e os homens, como o nico por intermdio de quem nos podemos aproximar de Deus Pai. Elas testificam, igualmente, acerca das admirveis perfeies de Sua pessoa, das glrias variegadas de Seus ofcios, da suficincia de Sua obra terminada. parte das Escrituras, Cristo no pode ser conhecido. Somente por meio delas que Ele re26 velado". Jesus Cristo o tema que perpassa toda a Escritura; Ele apresentado como Aquele que viria, Aquele que veio e Aquele que retornar (At 1.11). "H um Salvador que deve vir. H um Salvador que j veio. H um Senhor onipotente que vir de novo. E este vasto tema h produzido surpreendente e admirvel u27 nidade na diversidade da revelao nas pginas das Sagradas Escrituras". Assim, toda pregao que se diga crist, mas que no toma a Cristo como o centro da Sua mensagem, no expressa o verdadeiro ensinamento do Evangelho;
24 25 24
Henry Law, O Evangelho em Gnesis, So Paulo: Editora Leitor Cristo, 1969, p. 33.
J.I. Packer, Revelao e Inspirao: In: F. Davidson, ed. O Novo Comentrio da Bblia, 2 ed. So Paulo: Vida Nova, 1976, p. 30. Em outro lugar, Packer escreve: Da mesma forma que o Antigo Testamento, sem o evangelho cristo um alicerce sem o edifcio, assim tambm o evangelho cristo sem o Antigo Testamento um edifcio sem alicerce (J.I. Packer, Vocbulos de Deus, So Paulo: Vida Nova, 1994, p. 29).
26 27
A.W. Pink, Enriquecendo-se com a Bblia, p. 28-29. W.A. Criswell, A Bblia para o Mundo de Hoje, p. 32.
A Inspirao da Escritura: Sua Perfeio e Harmonia Rev. Hermisten 23/06/09 10 portanto, deve ser rejeitada.
28
3. Harmonia de Propsito:
"Porque, assim como descem a chuva e a neve dos cus, e para l no tornam, sem que primeiro reguem a terra e a fecundem e a faam brotar, para dar semente ao semeador e po ao que come, assim ser a palavra que sair da minha boca; no voltar para mim vazia, mas far o que me apraz, e prosperar naquilo que a designei" (Is 55.10,11). O Deus Soberano que livremente se revelou e inspirou os escritores sagrados para registrar a Sua revelao, faz com que a Sua Palavra escrita alcance o Seu objetivo, o Seu propsito. Mas, o que que Deus pretende? Qual o Seu propsito? Retornemos um pouco na histria bblica. Com o pecado de nossos primeiros pais (Gn 3.6), a morte passou a ser o selo de toda a criao. Contudo, Deus fez a Sua promessa (Gn 3.15), evidenciando, assim, que proporcionaria historicamente o caminho da salvao, de restaurao do homem cado. A Bblia s se tornou necessria devido Queda, ao pecado do homem, pois, antes do pecado, havia uma maravilhosa harmonia em toda a criao (Gn 1.31) e Deus falava diretamente com o homem (Gn 3.8-13); todavia, com o pecado, houve um transtorno na vida humana, com alcance fsico, moral e espiritual (Gn 3.16,19. Leia tambm: Gn 4.1-11; 6.5) e a natureza tambm sofreu os efeitos devastadores da desobedincia do homem (Gn 3.17,18). A Bblia o registro da Palavra e dos atos salvadores de Deus na histria. A Bblia traz o registro das promessas de Deus e da sua respectiva execuo, a fim de nos conduzir de volta a Deus, encontrando, desta forma, a esperana que emana do prprio Deus (1Co 15.4). O apstolo Pedro escreveu dizendo que Deus nos regenerou para uma viva esperana em Cristo (1Pe 1.3); Paulo tambm escreveu com a mesma convico, afirmando ser ".... Cristo Jesus, nossa esperana" (1Tm 1.1) e em outros de seus escritos, Paulo demonstra que os homens sem Cristo esto sem esperana, sendo carcomidos (corrodos) pela desesperana que gera o desespero (Ef 2.12; 1Ts 4.13). "O evangelho de Jesus Cristo no algo que nos oferecido para debate ou discusso, e sim para nossa aceitao e f. No busca nossa aprovao, mas exige nossa obedincia. No convida discusso, ao contr29 rio, comanda diligncia". No Seu Evangelho, Deus no se prope a satisfazer a nossa curiosidade; Ele almeja conduzir-nos a Ele mesmo em adorao e gratido, a fim de recebermos dEle a esperana inconfundvel da vida eterna (Rm 5.5;
Todo e qualquer movimento ou ensino que no faa do Senhor Jesus Cristo e Sua morte na cruz, e Sua gloriosa ressurreio, uma necessidade absoluta e absolutamente central, no cristo, e sim, uma manifestao das astutas ciladas do diabo. (D. Martyn LloydJones, O Combate Cristo, So Paulo: Publicaes Evanglicas Selecionadas, 1991, p. 128). Cristo tanto o centro como a circunferncia, Ele tudo, tudo se cumpre nEle (D. Martyn LloydJones, As Insondveis Riquezas de Cristo, So Paulo: Publicaes Evanglicas Selecionadas, 1992, p. 70).
29 28
D.M. Lloyd-Jones, Sermes Evangelsticos, So Paulo: Publicaes Evanglicas Selecionadas, 1989, p. 30.
A Inspirao da Escritura: Sua Perfeio e Harmonia Rev. Hermisten 23/06/09 11 2Ts 2.16; Tt 1.2). O propsito harmonioso de Deus a Sua prpria Glria (Is 43.7; Rm 11.36; Ef 1.3,6,11,12). Deus " o fim de todas as Suas obras. Ele no existe para o nosso interesse, mas ns para o interesse dEle. Sua natureza e prerrogativa agradar-Se a Si mesmo e Seu beneplcito revelado fazer-Se grande aos nossos olhos (Sl 46.10). O alvo predominante de Deus glorificar-se a Si 30 mesmo". No esqueamos, entretanto, que a justia, bondade, misericrdia e o amor (dentre outras perfeies de Deus), permeiam toda a Sua obra (Sl 9.8; 33.5; 89.1; Lm 3.22; Jo 3.16; Rm 5.8; Ef 2.7). Deus, como j vimos, nos conduz a Ele para que, na contemplao da Sua Majestade, recebamos a salvao preparada por Ele mesmo, executada por Jesus Cristo e aplicada pelo Esprito Santo. A salvao do Seu povo e a sua consequente felicidade, esto subordinadas Glria de Deus (Rm 11.36; 1Co 8.6; Cl 1.16; Ef 1.3-6,11,12). Paulo, escreve: "O mistrio que estivera oculto dos sculos e das geraes; agora, todavia, se manifestou aos seus santos; aos quais Deus quis dar a conhecer qual seja a riqueza da glria deste mistrio entre os gentios, isto , Cristo em vs, a esperana da glria; o qual ns anunciamos, advertindo a todo homem e ensinando a todo homem em toda a sabe31 doria, a fim de que apresentemos todo homem perfeito em Cristo" (Cl 1.26-28). A Glria do Pai s se torna visvel a ns quando, pela f, contemplamos o resplendor da Glria de Cristo: O Deus encarnado (Hb 1.3). "Um dos maiores benefcios para um crente neste mundo e no porvir considerar a glria de 32 Cristo", escreveu corretamente o puritano John Owen (1616-1683).
Consideraes Finais:
A Bblia, apesar das divergncias apontadas, revela em seu contedo "uma interconexo orgnica que se impe no decurso dos muitos sculos que sua 33 composio levou". Mesmo havendo diferenas de idiomas, do estilo de cada escritor, dos objetivos especficos de cada livro e do tempo e circunstncias em que foram escritos, h em todos estes livros que compem a Bblia, uma unidade que desafia as tentativas antigas e principalmente modernas de negar a agncia de Deus na formao e preservao da Sua Palavra escrita. A unidade e coeso bblica atestam de forma incontestvel a ao de uma mente nica, a mente sbia e soberana do prprio Deus, dirigindo os escritores sagrados, sem anular as suas personalidades, para a concretizao de Sua vontade.
30 31 32 33
J.I. Packer, O Plano de Deus, So Paulo: Publicaes Evanglicas Selecionadas, (s.d.), p. 14-15. Leia as perguntas 1 e 2 do Catecismo Menor de Westminster. John Owen, A Glria de Cristo, So Paulo: Publicaes Evanglicas Selecionadas, 1989, p. 13.
Gleason L. Archer Jr., Merece Confiana o Antigo Testamento, So Paulo: Publicaes Evanglicas Selecionadas, 1974, p. 15.
A Inspirao da Escritura: Sua Perfeio e Harmonia Rev. Hermisten 23/06/09 12 "Toda Escritura inspirada por Deus e til para o ensino, para a repreenso, para a correo, para a educao na justia, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra" (2Tm 3.16,17). ".... Nenhuma profecia da Escritura provm de particular elucidao; porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana, entretanto homens santos falaram da parte de Deus movidos pelo Esprito Santo" (2Pe 1.20,21). Devido a esta unidade coesa a Escritura se auto-elucida (interpreta) por meio da comparao dos textos (At 15.12-21; Jo 5.46). Foi justamente isto que fizeram os crentes de Beria, que receberam a pregao de Paulo e Silas com avidez e entretanto, conferiram o que era pregado com as Escrituras para ver se coincidiam (At 17.11). O resultado foi que: por intermdio deste exame sincero e criterioso, sob a iluminao do Esprito Santo, muitos se converteram (At 17.12). A Confisso de Westminster (1647), adotada pela Igreja Presbiteriana do Brasil, no Captulo 1, seo 9, diz: "A regra infalvel de interpretao da Escritura a mesma Escritura; portanto, quando houver questo sobre o verdadeiro e pleno sentido de qualquer texto da Escritura (sentido que no mltiplo, mas nico), esse texto pode ser estudado e compreendido por outros textos que falem mais claramente". (Mt 4.5-7; 12.1-7). O Esprito no encerrou o Seu Ministrio Escriturstico na Inspirao e no registro da Bblia; cremos que Ele continuou guiando o Seu povo verdade (Jo 16.13), fazendo isto de forma evidente, no 3 Snodo de Cartago (397), quando foi oficialmente reconhecido o Cnon Bblico, como temos hoje. Ele continua hoje aplicando a verdade bblica aos nossos coraes. O conhecimento de Deus e da Sua Palavra no visa satisfazer a nossa curiosidade pecaminosa mas, sim, conduzir-nos a Ele em adorao e louvor: A Escritura perfeita em seu propsito! So Paulo, 19 de junho de 2009. Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa