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REVOLU<;:AO MOLECULAR 139
Pistas para uma esquizoanalise
- os oitos principios* Seria a esquizoanil1ise um novO culto a maquina? Talvez. Mas, com certeza, nllo no quadro das sociais 0 pro- gresso monstruoso dos maquinismos de toda especle, em todos os campos, e que parece estar levando a especie a uma ine1utave1, poderia, da mesma forma, tomar-se a via real de sua hber- ta9 110 . Entllo continua 0 velho sonho marxista? Sim, ate certo ponto. Pois, ao inves de apreender a hist6ria como seoda lastrada por IDaquinas produtivas e economicas, ao cont: ano , que sao as maquinas, todas as maquinas, que funclOnam amanerra da hist6ria real, na medida em que ficam permanentemente abertas tra90s de singularidade e as iniciativas criadoras. Como contestar, hOle em dia, que s6 uma revolu9110 generalizada podera nllo melho- rar de maneira sensivel 0 modo de vida na Terra, mas slIDplesmente salvar a especie humana de sua destrui9110? tanto imensos meios materiais coercitivos quanta ffilcroscoplCOS melOS de dos pensamentos e dos afetos, de das rela9 0es humanas. Tanto faz voltar-se para? Oeste, ou SuI, a questao continua seoda a mesma: como organlZar a socledade de autra maneira. A repressllo continuara sendo um dado de base de toda e qualquer organiza9110 social? Mas nada disso e inelutavel; ouu:os agen- ciamentos sociais outras conexOes maquinicas sao concebivels! Neste ponto, pouco parecer estar recitando 0 pode esperar nada de bom de uma volta as naturezas pnmelras. Nem geral nem a menor catar50 em pequena escala! Nllo 50 pode resolver coisa alguma sem a instaurac;ao de agenciamentos altamente diferenciados. So que deve fiear claro que as maquinas revolucionarias que mudarllo 0 curso do mundo s6 poderllo emergir, s6 poderllo ter uma consistencia que as fac;a efetivamente passar ao ato, com uma dupla condic;ao: 1) que tenham por objeto a destrui9110 das rela90es de explora9110 capitalisticas e 0 fim da divisllo da sociedade em classes, castas, ra9as, etc.; 2) que se estabele9a em ruptura com todos os valores fundados sobre uma certa micropolitica do l1)usculo, do falo, do poder territo- rializado, etc. Eis que voltamos a questllo da esquizoanil1ise! Nllo se trata, como podemos perceber, de uma nova receita psieo16gica ou psicossocio16- gica, mas de uma pratica micropolitica que s6 tomara sentido em a um gigantesco rizoma de revolu90es moleculares, prolife- rando a partir de uma multidllo de devires mutantes: devir mulher, devir erianc;a, devir velho, devir animal, planta, cosmos, devir invisi vel. .. - tantas maneiras de inventar, de "maquinar" novas sensibili- dades, novas inteligencias da existencia, uma nova doc;ura. Isto posto, se eu fosse obrigado a concluir com algumas reco- de bom senso, algumas regras simples para a dir09110 da an31ise do inconsciente maquinico, eu proporia os seguintes aforismas, que, alias, poderiam ser aplicados a campos completamente diferentes, a com09ar pelo da "grande politica": 1) "Nllo atrapalhar." Em outras palavras, deixar como esta. Ficar bern no limite, adjacencia do devir em curso, e desaparecer 0 mais cedo possiveI. (Portanto, ficam fora de cogita9110 as curas se arrastando durante anos, dezenas de anos, como esta na moda na psi- canil1ise atualmente.) 2) "Quando alguma coisa acontece isto prova que alguma coisa acontece." Tautologia fundamental para marcar, ai tambem, uma diferen9a essencial em rela9110 a psicaniilise, da qual um dos principios de base reza que: "quando nada acontece, isto prova que, na realidade, alguma eoisa acontece no inconsciente". Principio que serve ao psica- nalista para justificar sua politica do silencio e das esperas indefinidas. Na verdade, e raro que rea/mente acontec;a a/guma coisa nos agen- ciamentos de desejol Alias, convem guardar todo 0 relevo de tais acontecimentos, e toda vitalidade das componentes de passagem que sllo sua manilesta9110. Os psicanalistas gostariam que acreditassemos que eles estllo em constante com 0 inconsciente, que oles dis- poem de uma cgnexllo privilegiada que os liga a ele, uma especie de telefone vermelho, como 0 de Carter e Brejnevl Os despertares do inconsciente sabem se fazer ouvir por si pr6prios. 0 desejo incons- ciente, os agenciamentos que s6 se exprimem pelos sistemas domi- nantes de semiotizac;ao, manifestam-se por outros meios, que nao 140 FELIX GUAITARI REVOLU<;AO MOLECULAR 141 enganam. Eles nao tSm necessidade alguma porta-yoz, de inter- pretes. Que esta de pretender que 0 IUconSClente trabalha em segredo, que nao se pode dispensar um tipo de dete?ve para decifrar suas mensagens, e sobretudo a de afirmar que ele esta sempre vivo, latente, recalcado, ate mesmo quando ele esta visivelmente ador- mecido, e.sgotado, morta, .e que nao haveria mais recurso senao reconstrUlr, as vezes, partindo quase de zero. Que aliVIO um .co- yarde que e encontrar alguem que te credita, apesar das aparenClas, uma riqueza inconsciente inesgotavel, quando tudo ao teu redor - a sociedade, a familia, tua pr6pria - parecia ter conspirado para esvaziar-te de todo e qualquer desejo, de toda e qualquer espe- de mudar tua vidal Um desses nao tem e dO. para compreender por que os psicanalistas se fazem pagar tao carol 2 3) "A melhor para se escutar 0 inconsciente nao consiste neeessarlamente em ficar sentado atras do diva." 4) "0 inconsciente molha os que dele se aproximam." Sabe-se que ualguma caisa acontece", quando 0 agenciamento esquizoanalitico revela uma "escolha de materia"; toma-se entia impassivel ficar neu- tro, pois esta escolha de materia arrasta em seu curso todos aqueles que encoDtra no caminho. 5) HAs caisas importantes Dunea acontecem onde esperarnos." Outra do mesmo principio: "a porta de entrada nao coin- cide com a porta de saida". Ou ainda: "as materias dos componentes que uma nao sao da mesma que os componentes que efetuam esta . (Exemplo: a fala Val virar soma:tica, ou 0 somaticD, economica, ou ecologica, enquanto que o ecol6gico vai virar fala ou acontecimentos s6cio-hist6ricos, etc., etc.) A riqueza de um processo esquizoanalitico se medir e pelo grau de heterogeneidade destas de micas, de maneira que mais nenhuma especle de slgmfi: cante, de hermenSutica universal ou de politica podera pretender traduzi-Ias, coloca-Ias em equivalSncia, teleguia-Ias para finalmente extrair delas um elemento comum facilmente exploravel pelos sistemas capitalisticos. Um significante decididamente nao repre- senta a subjetividade esquizoanalitica por um outro significante! En- quanto os componentes nao cheguem a organizar seus pr6prios nucleos maquinicos e seus pr6prios agenciamentos de permane- cem empacados diante da pretensao dos significantes dominantes de querer interpreta-Ios. E, em seguida, sao eles que fagocitam 0 compo- nente significativo. E preciso repetir: isso nao e absolutamente sino- nimo de um primado sistematico dos componentes nao verbais "de antes do tempo das maquinas". 6) Ja se esbarrou na questao da transferSncia, acho que seria born distinguir, em quaisquer circunstancias: as transferencias por ressonancia subjetiva, por identificac;ao personol6gica, por eco de buraco negro; transferSncias maquinicas (maquinas - transferencias) que procedem aquem do significante e das pessoas globais, por diagramaticas a-significantes e que produzem no- vos agenciamentos em vez de representar e decalcar indefini- damente antigas 7) "Nada e adquirido de uma vez por todas." Nenhuma fase, nenhum complexQ nunea sao vencidos, nunea sao superados. Tudo permanece sempre em suspenso, disponivel a todos os reempregos, mas tambem a todas as degringoladas. Um buraco negro pode esconder um outro! Nenhum objeto pode ser designado por uma identidade fixa; nenhuma e garantida. Tudo e uma questao de consistSncia de agenciamento e de reagenciamento. A no mercado de uma consistSncia simb6lica garantida 1000/0 ("como e que vocS passou seu complexo de e uma desonesta e perigosa. So- bretudo por parte de pessoas que pretendem tS-la adquirido, eles pr6prios, no decorrer de uma analise dita didatica! 8) Oltimo, mas de fato, primeiro principio: "toda ideia de prin- cipio deve ser considerada suspeita". A te6rica e tanto mais necessana e devera ser tanto mais audaciosa quanto 0 agenciamento esquizoanalitico tomar a medida de seu carater essencialmente pre- carlo. NOTAS (1) Nio epor acaso que os diferentes fascismos Dio pararam de se dec1arar seus adeptos. (2) Poderiamos transpor, ;psis linens, 0 que dissemos aqui. do psicanaIista, para o militante profissional incumbido de "fazer existir" a classe-operana-como-motor-da- historia, mesmo quando ela estA aplastrada e desmilingilida, cUmplice da or<lem domi- nante como em certos do capitalismo 00, 0 que epior. quando ela praticamente inexiste no campo, comoe0 caso de inumeros paises do Terceiro Mundo.