Camoes
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LUS DE CAMES APONTAMENTOS BIOGRFICOS PREFCIO DA EDIO DO CAMES DE GARRETT COM NOTAS DE TEFILO BRAGA I O protagonista do sempre formoso poema de Almeida Garrett um Lus de Cames romntico, remodelado na fantasia melanclica dum grande poeta exilado, amoroso, nostlgico. A ideal tradio romanesca impediu, com as suas nvoas irisadas de fulgores poticos, passante de duzentos e cinquenta anos, que o amador de Natrcia, o trovador guerreiro, fosse aferido no estalo comum dos bardos que imortalizaram, a frio e com um grande sossego de metrificao, o seu amor, a fatalidade do seu destino em centrias de sonetos. Garrett fez uma apoteose ao gnio, e a si se ungiu ao mesmo tempo prncipe reinante na dinastia dos poetas portugueses, criando aquela incomparvel maravilha literria. Ensinou a sua gerao sentimental a ver a corporatura agigantada do poeta que a critica facciosa de Verney e do padre Jos Agostinho apoucara a uma estatura pouco mais que regular. Cames ressurgiu em pleno meio-dia do romantismo do sculo XIX, no porque escrevera Os Lusadas, mas porque padecera duns amores funestssimos. O sculo XVIII citava-o apenas nos livros didcticos, e nas academias eruditas, como exemplar clssico em eptetos e figuras da mais esmerada retrica. Tinha cado em mos esterilizadoras dos gramticos que desbotam sapientissimamente todas as flores que tocam, apanham as borboletas, pregam-nas para as classificarem mortas, e abrem listas de hiprboles e metforas para tudo que transcende a legislatura codificada de Horcio e Aristteles. Lus de Cames, qual o figuram Garrett no poema trgico e Castilho no drama ultra-romntico, e as musas indgenas e forasteiras nas suas contemplaes plangentes, o que se requer que seja o mrtir do amor, o soldado ardido, o talento menoscabado pela camarilha dos reis. Os maviosos sentimentalistas afizeram-nos a estas cores prismticas s refulgncias das auroras e dos luares teatrais. Mal podemos encarar o nosso Cames a uma grande luz natural. Queremo-lo na tristeza crepuscular das tardes calmosas, na mesta solido dos mares, nas saudades do desterro. no desconforto das primeiras precises, vivendo da mendicidade do Jau do escravo, como se alguma hora houvesse em Portugal escravos de procedncia asitica e das economias da preta, arrastando-se sobre muletas do adro de S. Domingos para o catre do hospital. Quem nos mostrar Cames luz com que a histria e a crtica indutiva elucidam as confusas obscuridades dos homens extraordinrios e por isso mais expostos deturpao lendria poder avizinhar-se da verdade; mas, do mesmo passo, se desvia da nossa inveterada opinio, e talvez incorra em delito de ruim portugus. 1
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Camilo, para fugir deturpao lendria, apresenta Cames como um criminoso defraudando os dinheiros do cofre dos Defuntos e Ausentes, que se o seu grande gnio faz perdoar! Tambm para se libertar dos convencionalismos da lenda, Antero de Quental considera a vida de Cames como a de um
Eu me vejo neste perigo e no me poupo s eventualidades da ousadia. Pretender exibir novidades inferidas de factos comparados e probabilidades em uma biografia tantas vezes feita e refeita, ser irrisrio atrevimento quando mas puderem contraditar com provas solidamente cimentadas. O que no parecer novo nestes traos ser uma justificada emenda aos erros dos bigrafos antigos e recentes em que nomeadamente avultam os senhores visconde de Juromenha e doutor Tefilo Braga que segue muito confiado aquele douto investigador com uma condescendncia extraordinria para escritor que tanto averigua. 2 II Direi primeiro do amor meio lendrio de Lus Vaz de Cames a D. Catarina de Atade, como causa essencial da sua vida inquieta e dos reveses da sinistra fortuna procedentes desse desvio da prudncia na mocidade. Diogo de Paiva de Andrade, sobrinho do celebrado orador, deixou umas Lembranas inditas que passaram da opulenta livraria do advogado Pereira e Sousa para o meu poder 3 . Diogo de Paiva nascera em 1576. contemporneo de Cames. Conheceu provavelmente pessoas de convivncia do poeta. Poderia escrever amplamente, impugnando algumas notcias de Mariz, de Severim e de Manuel Correia. Era cedo, porm, para que o assunto lhe interessasse bastante. Na juventude de Paiva, as memrias de Cames no tinham ainda atingido a consagrao potica de que se formam as nebulosas do mito. Diogo de Paiva pouco diz; mas, nessas poucas linhas, h duas espcies no relatadas pelos outros biogrficos: Lus de Cames, poeta bem conhecido, tendo 18 anos, namorou Catarina de Atade, e principiou a inclinao em 79 ou 20 de Abril, do ano de 1542, em sexta-feira da semana santa, indo ela igreja das Chagas de Lisboa, onde o poeta se achava. A esta senhora dedicou muitas das suas obras, e ainda que com diferentes nomes a mesma de que fala repetidas vezes. Foi depois dama da rainha D. Catarina, e continuando os amores com boa correspondncia, mudou ela de objecto para os agrados de que Cames se queixa em suas composies. Por estes amores foi quatro vezes desterrado: uma de Coimbra, estando l a corte para Lisboa; outra de Lisboa para Santarm; outra de Lisboa para a frica; e finalmente de Lisboa para a ndia, donde voltou muito pobre, sendo j falecida D. Catarina, por quem to cegamente se apaixonara. O desterro de Cames de Coimbra, onde estava a corte, a novidade que no
rapaz que teve a ventura de dar largas s solturas da idade. um realismo subjectivo feito imagem dos crticos; e quem no for nestas guas, por mais investigaes que apure s faz um misto de ingenuidade crtica e paixo idoltrica. (T. B.). 2 (2) Camilo ressentia-se nesta poca das agulhas ferrugentas, que o intrigavam capciosamente contra Tefilo Braga. Quando o veio a conhecer, confessou que estava farto daqueles medocres que se escondiam detrs dele para atacarem Tefilo. E citava-lhes os nomes. Depois disso deu o mais belo testemunho da sua generosidade de esprito no inigualvel Soneto da Maior Dor Humana. Outros crticos tambm acusam Tefilo Braga de ir nas pegadas de Juromenha; to fcil dizer coisas! Quem corrigiu o erro de Juromenha do pai de Cames, Simo Vaz de Cames, confundido com o homnimo turbulento primo do Poeta? Quem apagou o erro de Cames conhecido por S de Miranda e memorado pelo cunhado Manuel Machado de Azevedo, mostrando que se referia a Vasco Pires de Cames, terceiro av do Poeta? Como estes podem apontar-se mais factos, que no foram exibidos como erros de um benemrito investigador, mas como elementos mais seguros de construo, tais como, o quadro dos estudos de Cames em Coimbra, a corte literria de D. Joo III, o problema de Ternate e de Macau, dos dois naufrgios e da sua sepultura. Mas a Juromenha caber sempre a glria de nos ter libertado do quadro de Faria e Sousa e de ter encetado a pesquisa dos cancioneiros manuscritos. (T. B.). 3 Por compra feita ao livreiro Sr. Rodrigues, da Travessa de S. Nicolau, em 1871.
pude conciliar com o facto de ter residido D. Joo III em Coimbra nos anos imediatos a 1542, ano em que o poeta vira D. Catarina na Igreja das Chagas. Os impressos que consultei, e no foram poucos, no me esclareceram. Sei to-somente que o rei esteve em Coimbra por 1527 e 1550. Nesta segunda data j Cames se repatriara do segundo desterro em frica. Quanto inconstncia da dama da Rainha novidade de mais fcil averiguao os factos que vou expender a persuadem coerentemente. D. Joo III, o rei-inquisidor, e piedoso por antonomsia, antes de fazer um filho em Isabel Moniz, fizera outro em Antnia de Berredo. Eram ambas de linhagem ilustre. A primeira finou-se num convento da Guarda, sem ter visto seu filho Duarte que, aos 22 anos, morreu arcebispo de Braga. A segunda ficou na corte, e achou marido de raa fina, sem embargo da cuncubinagem real, agravada pelo acto da sua notria fecundidade. A criana tinha morrido. Os nobiliaristas chamaram-lhe Manuel e ocultaram-lhe o nome da me, visto que ela propagou altos personagens, sujeitos envergonhados. Antnia de Berredo casara com um vivo rico e velho, Antnio Borges de Miranda, senhor de Carvalhais, lhavo e Verdemilho, que de sua primeira mulher, da Casa de Barbacena, tivera dois filhos, a quem competia a sucesso dos vnculos. D. Antnia concebeu do marido, e deu luz um menino que se chamou Rui Borges Pereira de Miranda. O marido faleceu. Os filhos do primeiro matrimnio, Simo Borges e Gonalo Borges foram esbulhados da sucesso dos vnculos um estrondoso escndalo em que influiu o arbtrio desptico do rei a favor do filho da sua amante. 4 Apossado iniquamente dos senhorios de Carvalhais, lhavo e Verdemilho, Rui Borges, filho de Antnia de Berredo, afeioou-se a D. Catarina de Atade, filha de lvaro de Sousa, veador da Casa da Rainha, senhor de Eixo e Requeixo, nas vizinhanas de Aveiro. D. Catarina era pobre, como filha segunda; seu irmo Andr de Sousa era um simples clrigo, prior de Requeixo; o senhor da Casa era o primognito Diogo Lopes de Sousa. D. Catarina aceitara o galanteio do poeta Lus Vaz de Cames, talvez antes de ser requestada por Borges de Miranda. O senhor de lhavo, rivalizado pelo juvenil poeta, sentia-se inferior ante o esprito da dama da Rainha. 5 Seria um estpido consciente: queixou-se talvez me. No de presumir que a mulher de D. Joo m se aviltasse protegendo o galanteio repelido do filho da Berredo amante notria de seu marido; mas natural que a me de Rui Borges recorresse directa e clandestinamente ao rei solicitando o desterro do perigoso mulo de seu filho. Assim pde motivar-se o
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Nobilirio das Geraes de Entre Douro e Minho escrito por Manuel de Sousa da Silva. Deste genealgico nos d notcia abonatria D. Antnio Caetano de Sousa, no Aparato Histria Genealgica , pg. CLXIII: Manuel de Sousa da Silva, filho de Antnio de Sousa Alcoforado e de sua mulher D. Isabel da Silva. filha de Duarte Carneiro Rangel. Foi capito-mor do concelho de Santa Cruz de Ribatmega: escreveu notas ao conde D. Pedro em um grande volume em flio que se conserva original da sua mesma letra na livraria de Lus Carlos Machado, senhor de Entre Homem e Cvado. Escreveu em quintilhas os solares de todas as famlias do reino manuscritas e um grande nmero de ttulos de famlias com muita exaco porque viu os cartrios dos mosteiros antigos do Minho de que tirou muitas antiguidades para as famlias de que tratou. 5 Camilo adoptou a lenda dos amores de Cames com D. Catarina de Atade, filha de lvaro de Sousa, mas esta hiptese caducou desde que Jos do Canto publicou a nota da certido em que se d baixa no Livro das Moradias da Rainha. em 1543, tendo deixado a corte por casamento com Rui Borges de Miranda. Portanto desmorona-se todo o romance dos cimes de Borges de Miranda, e vingana da Berredo, amante de D. Joo III, causa do conflito do poeta com Gonalo Borges na procisso de Corpus: e tambm a inferncia de que a conhecesse Cames j de Coimbra, pelas proximidades em que estava de Aveiro. A frase de Paiva de Andrada, nas Lembranas: Por estes amores foi quatro vezes desterrado: uma vez de Coimbra... tem outra interpretao, que se no pode referir a Catarina de Atade de Lima, porque estava na infncia e nunca viera a Coimbra.
primeiro desterro de Cames para longe da corte, e o segundo para frica em castigo da teimosia dele e das vacilaes de Catarina de Atade na aceitao do opulento Rui Borges, vacilaes transigentes com a riqueza do rival do poeta pobre, a meu ver. A dama no seria muito escoimada em primores de fidelidade. Das damas da corte de D. Joo III, dizia Jorge Ferreira de Vasconcelos: todas so mui prvidas em no estarem sobre uma amarra por no ser como o rato que no sabe mais que um buraco e talvez pensasse em Cames quando escrevia: Ele cuida que por discreto e galante hde vencer tudo; eu quisera-lhe muito mais dinheiro que todas suas trovas, porque este franqueia o campo, e o al martelar em ferro frio. 6 Saiu Cames para a frica em 1547, e l se deteve proximamente dois anos. Quando regressou, a dama da rainha era j casada com Rui Borges e vivia na casa do esposo convizinha de Aveiro, entregue ao ascetismo, sob a direco de Frei Joo do Rosrio, frade dominicano. Subsistem umas Memrias comunicadas a Herculano em 1852, e datadas em 1573 por aquele frade, nas quais o confessor revela que D. Catarina, quando ele a interrogava acerca do desterro de Cames por sua causa, a esposa discreta de Rui Borges respondia que no ela, mas o grande esprito do poeta o impelira a empresas grandiosas e regies apartadas. Esta resposta, um tanto anfibolgica, argi e justifica o honestssimo melindre da esposa. Se respondesse: fui a causa de seu desterro, daria testemunho menos nobre da sua ingratido, e teria de corar como esposa voluntria de Rui Borges, como treda amante do desditoso poeta, e ainda como filha espiritual do frade nimiamente indagador que vrias vezes e indelicadamente a interrogava sobre o caso melindroso: E todas las vezes que no poeta desterrado por sua razo lhe falava... escreve Frei Joo do Rosrio. O arrependimento, o tdio e a saudade no a mortificaram longo tempo. Morreu Catarina de Atade em 28 de Setembro de 1551, e foi sepultada na capela-mor que dotara no Mosteiro de S. Domingos de Aveiro em sepultura que talvez mandasse construir. Cames no ignorava a tristeza raladora de Catarina. Este soneto exprime o sentimento duma vingana nobre at ao extremo de compadecida: J no sinto, senhora, os desenganos Com que minha afeio sempre tratastes, Nem ver o galardo, que me negastes, Merecido por f h tantos anos. A mgoa choro s, s choro os danos De ver por quem, senhora, me trocastes! Mas em tal caso vs s me vingastes De vossa ingratido, vossos enganos. Dobrada glria d qualquer vingana, Que o ofendido toma do culpado, Quando se satisfaz com causa justa; Mas eu de vossos males a esquivana De que agora me vejo bem vingado, No a quisera tanto vossa custa.
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Semelhante soneto dirigido outra D. Catarina de Atade, dama do pao que morreu solteira, no tem explicao. Claro que Lus de Cames alude mulher que o vinga padecendo as mgoas resultantes duma aliana em que ele foi ingratamente sacrificado. outra dama que morreu, estando para casar, segundo a verso colhida pelos primeiros bigrafos, no diria Cames: ... a vingana No a quisera tanto vossa custa. Como o vingaria ela, desconhecendo as tristezas de casada que no chegou a ser? Era mister que se desse mudana de vida irremediavelmente aflitiva e remordida de arrependimento para que o poeta se ufanasse de vingado, e tanto que implicitamente lhe perdoa. O soneto que trasladei no atraiu ainda notvel reparo dalgum bigrafo, sendo a pgina mais para estudo nos amores de Cames. 7 Antes do generoso soneto, quando a julgava contente, Cames exprimia-se de mui diverso teor. O cime, o despeito e a clera desafogara noutros versos perdoveis dor, mas somenos fidalgos. Chamou-lhe cadela. O vivo Rui Borges passou logo a segundas npcias como quem procura em outra mulher a felicidade que no pudera dar-lhe a devota Catarina absorvida no misticismo, como num refgio aos pungitivos espinhos da sua irremedivel ingratido. O poeta granjeara inimigos na corte. Deviam ser os Berredos e os parentes de Rui Borges de Miranda. Entre os mais prximos deste havia um seu irmo bastardo, Gonalo Borges, criado do pao, a cargo de quem corria a fiscalizao dos arreios da Casa Real. Teria sido esse o espia, o denunciante das clandestinas entrevistas do poeta com a dama querida de seu irmo? Em Maio de 1552, Gonalo Borges curveteava u seu cavalo entre o Rossio e Santo Anto, no dia da procisso de Corpus-Christi, em que se mesclava um paganismo carnavalesco de exibies mascaradas. Dois incgnitos de mscara enxovalharam Gonalo Borges com remoques. Houve um recproco arrancar das espadas. Neste comenos, Lus de Cames enviou-se ao irmo de Rui Borges e acutilou-o no pescoo. O golpe, segundo parece, era a segurar; mas no deu resultados perigosos para o ferido. Cames foi preso; e, ao terminar um ano de crcere, solicitou perdo de Gonalo Borges que, voluntrio ou coagido por empenhos, lhe perdoou, visto que no tinha aleijo nem deformidade. A Carta de perdo, produzida pelo Sr. Visconde de Juromenha, datada em 7 de Maro de 1553, e est integralmente copiada. 8 Dias depois, Lus Vaz de Cames safa para a ndia, na mesquinha posio de substituto dum Fernando Casado, e recebia 2$400 ris como todos os soldados rasos
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O facto notado por Camilo est hoje esclarecido na Recapitulao da Histria da Literatura Portuguesa (Renascena, p. 401 a 404). Na Cano I, Cames celebra uma desolada partida de Coimbra, e como ali passara a sua encantada mocidade, enlevado nos mais ideais amores. E esse idlio celebrado em diferentes Sonetos em que o nome da Belisa e Sibila personifica o objecto desse sonho, orgulhosa, soberba e desigual no seu afecto; era sua prima Isabel Tavares, irm do estouvado Simo Vaz de Cames. A famlia dela, opulenta em Coimbra, no levou a bem esses amores com seu primo pobre. E a sada de Coimbra foi forada, como uma espcie de desterro, para evitar complicaes, Isabel Tavares casou pouco depois. Podem-se nos Sonetos, Elegias e glogas destrinar aquelas que se dirigem a Isabel Tavares pela psicologia da mulher idealizada, to diferente da tmida ternura e ingenuidade da Catarina de Atade de Lima, que ilumina outros Sonetos. Joo Vaz de Cames casara em segundas npcias com Branca Tavares, e dela houve esta filha Isabel Tavares; e para cujo casamento obteve do seu primognito Simo Vaz de Cames o solar da Porta Nova do Cho de Joane Mendes. Efectivamente casou com um lvaro Pinto. (T. B.). 8 Obras de Lus de Cames , ed. Jur., tom. I pg. 166.
que embarcavam para o Oriente: e para isto mesmo prestou a fiana de Belchior Barreto, casado com sua tia. Aqueles 2$400 ris eram o primeiro quartel dos 9$600 ris, soldo anual do soldado reino! Expatriou-se na humilhao dos mais desprotegidos. Devia de ter alienado a estima e o favor de amigos influentes, porque saa do crcere rebaixado pelo desbrio com que implorara o perdo, e ru confesso de uma vingana por motivos menos honestos aos olhos dos velhos srios, e desdourados na prpria fidalguia pelas ribaldarias amorosas dum mancebo de nascimento ilustre. Se Lus de Cames embarcasse para a ndia como o comum dos mancebos fidalgos, receberia 300 ou 400 cruzados de ajuda de custo. A famlia Cames, no reinado de D. Joo III, esteve relegada da considerao da corte. O mais notvel dessa famlia, o crzio D. Bento, prior-geral da sua Ordem, gozou apenas a prelazia monstica, mas sem influncia civil dalguma espcie. Simo Vaz de Cames, parente do poeta, senhor dum morgado mediano, era, por esse tempo, um libertino espiado pela justia, desonrado por delitos graves e alianas matrimonialmente ignbeis. Os outros ramos vegetavam obscuros; e alguns dessa famlia que militaram na sia no alcanaram alguma qualificao notvel nos minuciosos anais de Gaspar Correia. Diogo do Couto nem sequer os nomeia. No reinado de D. Joo II, Anto Vaz, av do poeta, casara com D. Guiomar da .Gama, parenta de Vasco da Gama, a quem seguiu ndia, capitaneando uma caravela, talvez escolhido por Vasco, em ateno ao parentesco. O heri de Os Lusadas enviou Anto Vaz embaixador ao rei de Melinde, a cumpriment-lo, a levar-lhe presentes e a concertar as pazes. 9 Lus de Cames, com rara modstia, omite o nome de seu ilustre av; d-lhe, porm, predicados de elegncia oratria e compraz-se em o fazer discursar largamente. Na dilao do discurso transluz uma lcita vaidade. Vasco Manda mais um, na prtica elegante, Que co rei nobre as pazes concertasse Partido assi o embaixador prestante, Com estilo que Palas lhe ensinava Estas palavras tais falando orava. 10 Nenhum bigrafo, que me conste, aproximou ainda a passagem do poema do nome do embaixador Anto Vaz. Verdade que Joo de Barros. Damio de Gis e o bispo Osrio escondem o nome do enviado; e a maioria dos bigrafos no conheceu os mss. de Gaspar Correia, nem consultou seno os expositores triviais. Anto Vaz, como se l noutros trechos daquele prolixo cronista, sempre o preferido nas mensagens em que essncia o discurso. Conhece-se que Vasco da Gama o reputava eficaz no dom da palavra. Passado o ano de 1508 no tenho noticias dele, nem sei que se avantajasse no posto com que saiu do reino, comandante de caravela, em 1502. Provavelmente no fez fazenda, como l se dizia na sia, ou porque tinha espritos por demais levantados da terra nas asas da eloquncia, como se depreende do conceito do neto, ou porque pertencia raa ainda generosa e desinteressada dos primitivos soldados do Oriente. O certo que a sua descendncia, filho e neto, no inculcam herdar-lhe os haveres. III Posto que na Carta de perdo se diga que o pai do soldado, Simo Vaz de
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Lendas de Gaspar Correia, tom. I, pg. 560 e 561. Veja as estncias desde LXXVII a LXXXIV do canto II.
Cames, cavaleiro-fidalgo, morava na cidade de Lisboa, isto no afirma que ele, no ano em que o filho embarcou, ali residisse. Simo Vaz estanciara muito pela ndia, e possura em Baaim, em 1543, a aldeia de Patarvali que D. Joo de Castro, vice-rei, lhe aforara por 60 pardaus. 11 Estes aforamentos eram vitalcios e concedidos como remunerao de servios a fidalgos pobres, porque, dizia o vice-rei, no dispunha doutra moeda. Falecido D. Joo de Castro, os governadores subsequentes Garcia de S e Jorge Cabral, insinuados por D. Joo III, que j vivia do expediente de emprstimos, anularam as concesses do vice-rei como nocivas aos interesses da monarquia. A aldeia de Patarvali foi reivindicada para a Coroa, e a fortuna de Simo Vaz manifestou-se na pobreza da sua viva e do seu filho nico. Pedro de Mariz e a srie de bigrafos mais antigos testificam que Simo Vaz, tendo naufragado em terra firme de Goa, a custo se salvara e morrera depois nesta cidade. Ora, em 1552, a nau Zambuco varou no rio de Seitapor, a trinta lguas de Goa, salvando-se a tripulao. Seria essa a nau em que Simo Vaz de Cames ia novamente no engodo da fortuna esquiva? Se era, em Maro de 1553, quando. Cames saiu do crcere, a morte de seu pai no podia ainda saber-se em Lisboa. certo que, nas Lendas de Gaspar Correia e Dcadas de Couto, o nome de Simo Vaz inteiramente desconhecido. Seja como for, necessrio expungir da biografia de Lus de Cames um Simo Vaz, residente em Coimbra, primo do poeta, que o Sr. Visconde de Juromenha por desculpvel equvoco da homonmia reputou pai de Lus, descurando as indues da cronologia e todas as provas morais que impugnam semelhante parentesco. Das poesias de Cames nada se depreende quanto aos seus progenitores. Em toda a obra potica e variadssima do grande cantor no transluz frouxo sentimento filial, nem um verso referente ao pai. Em todos os seus poemas escritos na frica e sia, na juventude e na velhice, no h uma nota maviosa de saudade da me. Os poetas da Renascena tinham esse aleijo como preceito de escola. Desnaturalizavamse da famlia, da trivialidade caseira para se enaltecerem s coisas olmpicas. Gastavam-se na sentimentalidade das epopeias e das clogas. O amor da famlia, se alguma hora reluz, no o da sua o das famlias hericas. Apaixonavam-se pelo mito, timbravam em nos comoverem com as desgraas de Agammnon ou Nobe. Isto no desdoura a sensibilidade do cantor de Ins e de Leonor de S; mas vem de molde para notar que do poeta para com seus pais no se encontra um endecasslabo que lhe abone a ternura. O mesmo desamor se verifica em todos os poemas coevos, quer picos, quer lricos. S uma vez em Diogo Bernardes se entrev tal qual afecto de famlia a um irmo que professa na Arrbida, e em S de Miranda a um filho e esposa mortos; mas de amor filial escusado inquirir-lhes o corao nas rimas. Parece que o haverem sido um produto fisiolgico do preceito da propagao os sentava de grandes afectos e respeitos a quem os gerou. No os escandecia em raptos poticos essa vulgar aliana de filhos a pais. IV Lus de Cames achou-se bem, confortavelmente em Goa. As suas cartas conhecidas no inculcam nostalgia, nem a estranheza dolorosa do insulamento em regio desconhecida. Rescendem o motejo, o sarcasmo e a vaidade das valentias. No se demora a bosquejar sequer, com sria indignao, o estrago, a gangrena que lavrava no decadente Imprio ndico pelos termos graves de Simo Botelho, de Gaspar
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Tombo do Estado da ndia, por Simo Botelho. (Na Coleco dos Inditos para a Histria das Conquistas dos Portugueses, pg. 198).
Correia, Antnio Tenreiro, Diogo do Couto e dos telogos. Narra de relance e com frases jocosas as faanhas desses ignorados acutiladios, as bazfias de Toscano, a moderada fria de Calisto, e as proezas do duelista Manuel Serro. Era este Serro um ricao de Baaim, senhor de quatro aldeias, que fizera desdizer um bravo da alta milcia. Comprazia-se Cames nestas histrias faanhosas, chasqueando os pimpes de l e os de c, uns que nunca lhe viram as solas dos ps por onde unicamente podiam vulner-lo como ao heri grego. Acha-se tranquilo como em cela de frade pregador, e acatado na sua fora como os touros da Merceana. Preocupava-o fortemente a bravura. Como a metrpole da ndia portuguesa, no havia terra mais de feio para chibantes. Escrevia Francisco Rodrigues da Silveira: Dentro em Goa se cortam braos e pernas e se lanam narizes e queixadas em baixo cada dia e cada hora, e no h justia que sobre o caso faa alguma diligncia: dando por razo que o no permite a ndia, porque ceda qual pretende satisfazer-se por suas mos de quem o tem agravado. 12 Depois, as mulheres. As portuguesas caem de maduras, ou porque a lascvia as sorvou antes de sazonadas, ou porque vm ao cho de velhas: opiniativa a inteligncia do conceito picaresco. As indgenas so pardas como o po de rala, tm uns palavreados que travam a ervilhaca, e gelam os mais escandecidos desejos. So carne de sal onde amor no acha em que pegue. Lembra-se das lisboetas que chiam como pucarinho novo com gua, e manda-lhes dizer que, se l quiserem ir, recebero das mos das velhotas as chaves da cidade. De envolta com estas prosas facetas, envia um soneto e uma cloga fnebres morte dum amigo. Esta carta encerra a nota melanclica duma frase de Cipio: Ptria ingrata, no ters meus ossos. Mas a comparao, para no ser um dislate de orgulho, era decerto um gracejo de Lus de Cames. Que lhe devia a ptria em 1553? Ele tinha 30 anos; escrevera poemas lricos excelentes, apenas louvados na roda dos palacianos e dos menos cultos. Ferreira e S de Miranda parece que no o conheciam. O bravo que sara do crcere com perdo de Gonalo Borges a quem golpeara o cachao, ou o toutio, como disseram os fsicos do exame, em verdade, confrontando-se com Cipio Africano, ao desterrar-se, no primava em pontos de modstia. O seu avantajado e indiscutvel direito gratido da ptria era um poema comeado apenas, ou talvez ainda no tracejado. Cames tem ante si dezasseis anos para pleitear com Vasco da Gama a imperecedoura glorificao que lhe prepara. A ptria desconhecia ainda o seu grande acredor que se estava germinando no crebro potentssimo daquele seu filho nico filho que todas as naes cultas conhecem, e o mximo na imortalidade que tem de sobreviver terra que cantou. Os feitos valorosos de Lus de Cames na sia no tiveram a notabilidade que os cronistas do Oriente e de D. Joo III deram a lances insignificantes de homens obscuros. O difuso autor das Dcadas, Couto. apenas o nomeia numa crise de pobreza convizinha da mendiguez. Os antigos bigrafos e comentaristas no o condecoram como quinhoeiro nos fastos das carnificinas memorandas. Seria grande elogio primorosa probidade de Cames o exclu-lo desses canibalismos, dessa ....bruta crueza e feridade, como ele invectiva na estncia XCIX do canto IV. Mas entrevejo na cerrao de trs sculos que o poeta, na apoteose do Albuquerque terrvel e do Castro forte elaborando a epopeia que sagrou em idolatria de semideuses uma falange de piratas, escrevia com as mos lavadas de sangue
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Memrias dum Soldado da ndia, compiladas por A. de S. Costa Lobo, Lisboa 1877.
inocente do ndio, a quem apenas os conquistadores concediam terra para sepultura como precauo contra a peste dos cadveres insepultos, quando no exumavam as ossadas dos reis indgenas na esperana de que lhas resgatassem com aljfar e canela. (13) Faanhas de Cames no sei decifr-las nos seus poemas; eles os poemas s por si sobejam na sua histria como aces gloriosssimas. V As suas composies satricas aos festejos do governador Francisco Barreto parece-me que nunca seriam vistas dos ofendidos nem explicam dios desnecessrios motivao dos infortnios do poeta. Esse papel em prosa chegou a Portugal, incluso na carta que vinha com a candeia na mo morrer nas mos do amigo. 13 Os Disparates na ndia no ofendem, no individualizam nem exprimem nitidamente a feio social. So banais. O desterro para Macau uma lenda. No se desterra um inimigo desprotegido e desvalido com uma provedoria, cujo trinio afianava uma riqueza relativa, Provedor dos Defuntos e Ausentes de Macau, Lus de Cames frua abundantes recursos para trabalhar com sossego, despreocupado, estudando a histria e a geografia asitica nas Dcadas de Joo de Barros, ao passo que cinzelava de primorosos lavores a epopeia arquitectada. O poeta gastava medida dos proventos e talvez o que licita mente podia dispensar sem menoscabo da sua rectido. Mariz culpa-o de demasias nas liberalidades consigo e com os outros: Gastador, muito liberal e magnfico, no lhe duravam os bens temporais mais que enquanto ele no via ocasio de os despender a seu bel-prazer, Mas nem a enchente de bens que l granjeou (em Macau) o pde livrar que em terra gastasse o seu liberalmente, e no mar perdesse o das partes em um naufrgio que padeceu terrvel. 14 Sem umas intermitncias de estouvanice dissipadora e destemperada desordem de costumes, Cames seria a excepo do gnio. Tem o talento transcendente crises vertiginosas, doudices sublimes que o extraviam da pauta do bom viver, Ele apreciava mais os gozos, a magnificncia, as comoes do que os pardaus amuados na arca. Sabia que o arranjar dinheiro na ndia era fcil, excludos os escrpulos. Disse-o ele: Os que se c lanam a buscar dinheiro, sempre se sustentam sobre gua como bexigas; mas os que sua opinio deita las armas Mouriscote como mar corpos mortos praia, sabei que antes que amaduream se secam. 15 Parece, pois, que no
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Carta II. Vida de Cames. 15 Camilo, escrevendo em 1880, embalava-se na tradio errada da ocupao de Macau antes de 1558, e do estabelecimento a de uma Provedoria dos Defuntos e Ausentes. Partindo Cames de Goa na expedio do princpio de 1556, como que podia ser despachado provedor dos Defuntos e Ausentes de Macau, que era ainda a ilhota chamada dos Ladres onde se acoutava o pirata Chassilau? Aceitando este erro dos antigos bigrafos, Camilo tira-lhe as consequncias, explicando o injusto mando; ps Cames, nas crises vertiginosas do talento e sublimes loucuras que o extraviam: Sabia que o arranjar dinheiro era fcil, excludos os escrpulos. A publicao de uma carta do capito-de-mar Leonel de Sousa, de 1561, em que descreve o naufrgio nos baixios das ilhas de Pracel, no princpio do ano de 1559, vindo a comandar a nau de Prata, veio revelar o quadro do naufrgio de Cames, que era seu companheiro de viagem, e com ele se salvou na foz do rio Mecom em uma lancha com vinte e trs companheiros. Leonel de Sousa diz nessa carta que trazia o dinheiro da Provedoria dos Defuntos, que nesse naufrgio perdeu, e ao chegar a Goa o obrigaram a repor imediatamente. Queixava-se disto ao celebrado ministro Pro de Alcova Carneiro. Acabe-se de vez com a lenda dos Defuntos e Ausentes, que era degradante para o nobilssimo gnio de Cames, arrancado ao rigor da justia criminal por prepotentes amigos, e tudo o mais que o artificioso estilo fabrica.
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procedeu com o esplio cios defuntos e o direito dos ausentes de modo mais zeloso e exemplar que o comum dos provedores das cidades asiticas. Os polticos organizadores e residentes na ndia aconselhavam D. Joo III que nomeasse tesoureiro privativo para o esplio dos mortos, e obstasse a que os dinheiros passassem pelas mos dos provedores. Logo citarei um exemplo desse alvitre que foi grande parte na acusao que Lus de Cames sofreu como delapidador dos esplios.
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Acusado e chamado a Goa, sob priso, pelo governador Francisco Barreto, antes de fechado o trinio da sua proviso, naufragou e perdeu os haveres prprios e os alheios de que lhe pediam conta. Recolhido cadeia, instaurou-se-lhe processo para o capitularem e remeterem ao reino. Raramente, porm, os capitulados por culpa dessa espcie Vinham ao reino. Francisco Barreto, gabado exageradamente na sua honra e limpeza de mos pelo bispo D. Francisco Alexandre Lobo e pelo Sr. Visconde de Juromenha, havia sido tambm concussionrio quando, oito anos antes, governava Baaim. Contra ordem expressa de el-rei D. Joo III desmoutava as matas e de mos dadas com o feito vendia ao Estado a madeira pelo triplo da quantia que lhe custava o corte uma ladroeira que no o impediu de ser governador da ndia, assim como Garcia de S, duas vezes preso como concussionrio, substituiu no governo o honrado D. Joo de Castro. Em 1552 escrevia o veado, da ndia, Simo Botelho, a D. Joo III estas graves acusaes de Francisco Barreto: O capito de Bagaim tomou tanta posse com os poderes que lhe vossa alteza mandou, que fez mercs em seu nome, como o vice-rei; vi-o por dois mandados seus; fez escrivo de Fazenda a que ps de ordenado cento e cinquenta mil-ris, sem licena do vice-rei, e mandou-lhe logo pagar um ano de antemo; paga quanto soldo quer... E conquanto vossa alteza defendeu por sua proviso que os capites de Baaim no cortassem madeira, no o quis Francisco Barreto deixar de fazer, mas antes pediu ao vice-rei, depois de a tirar, que lha tomasse para vossa alteza por avaliao; e custando-lhe a corja de dezoito at vinte pardaus, lha avaliaram a cinquenta e oito pardaus em que se montou perto de dezoito mil pardaus de ouro, que se fez bem a sua vontade; e assim tinha certos cavalos seus, e vende-os no soldo, para que tambm lhe o vice-rei deu licena para se pagar dele, o qual comprou, em que se montou seis ou sete mil pardaus; e dizem alguns que estavam concertados ele e o feitor sobre estes ganhos, e por se agora desavirem se souberam estas coisas e outras, e mal pela fazenda de sua alteza... 17 Aqui est o perfil do to encomiado Francisco Barreto que ps em justia Lus de Cames. Daquele governador diz magnanimamente o Sr. Visconde de Juromenha: homem por todos os respeitos mui digno de ocupar um lugar to elevado... E no acha motivo para que o poeta o censurasse apaixonadamente. 18 Chama-lhe jovem e o Sr. Tefilo Braga tambm adjectiva de jovem o governador. Porqu? Francisco Barreto em 1548 saiu do reino capito-mor de trs naus. To importante cargo no era dado a moos, Nove anos depois era provido no governo da ndia. Oraria por perto dos cinquenta anos uma juventude realmente duvidosa,
Como em 1880, Camilo escrevia que os feitos valiosos de Cames na sia no tiveram notoriedade, Antero de Quental em 1891 seguia a mesma ideia explicando pela vida repousada na prolongada residncia de Macau, em um emprego civil. Na Elegia III, escrita logo ao chegar ndia, fala Cames da sua expedio ao Chemb, e sucessivamente cruzeiros do mar Roxo em 1554 e de Adm em 1555 Numa mo sempre a espada e na outra a pena. (T. B.). 16 Carta I. 17 Carta de Simo Botelho, pg. 32. (Na Coleco de Monumentos Inditos para a Histria das Conquistas dos Portugueses, tom. V). 18 Edi. Jur., tom. I. pg. 70 e 83.
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Cames estava preso quando cessou o governo de Barreto. D. Constantino de Bragana deu-lhe liberdade, quer movido por compaixo do poeta, quer por indues de sua inocncia, Livre deste perigo, Lus de Cames voltou vida dos amores e das suciatas. Um dia, banqueteava os seus amigos: a primeira cortina do jantar, espiritualmente suculenta, eram trovas. Fez poesias elegacas incgnita Dinamene, uma quem quer que fosse que morreu afogada. Ah! minha Dinamene! assim deixaste Quem nunca deixar pode de querer-te!... Puderam essas guas defender-te Que no visses quem tanto magoaste!... Nesta dor, porm, deve descontar-se o que vai de artifcio no ritmo e de engenho calculado: ................. Torno a bradar Dina E antes que diga Mene, acordo e vejo Que nem um breve engano posso ter. Cantou a bailadeira Lusa Brbora, cativo, Da cativa gentil que serve e adora. sempre amores. Diz ele sinceramente: No tempo que de amor viver sola Em vrias flamas variamente ardia. O certo que no h vestgios de lgrimas nem sinais duma grande mortificao. Vivia de emprstimos. Miguel Coutinho embargava-o na cadeia por dvidas, e ele satirizava o fero Miguel armado com a sua espada de fios secos. No cala aquele forte esprito a repeles de infortnio. Transigia com a desgraa como quem no pode queixar-se conscienciosamente da injustia humana e da fatalidade das coisas. Arrostou os perigos de segundo encarceramento. A no se darem motivos, Cames no pudera ainda ilibar-se da nota de peculato, quando o conde de Redondo lhe deu liberdade. Os Srs. Visconde de Juromenha e Doutor Tefilo Braga, encarecendo a estima que o poeta granjeara com o vice-rei conde de Redondo, citam uma carta escrita para o reino em que o conde, falando do expediente do seu governo, mo stra a considerao que lhe merece Cames, nesta passagem: Remeto-me a S. Domingos, e mando tirar os prega dores do plpito para que venham despachar comigo os feitos; agora me valho algum tanto do provedor-mor dos defuntos. Este equvoco original do Sr. Visconde, como feio nova na histria de Cames, disparatado pelas incongruncias que sugere. Como se h-de crer que o vice-rei chamasse mesa do despacho um ex-funcionrio arguido de concusso no exerccio da provedoria de Macau, e ainda no julgado nem absolto, porque, segundo Pedro de Matiz, devia vir para o reino capitulado acusado em captulos, ou, como hoje se diria, pronunciado? Concedido ainda que o ouvidor-geral de Goa o absolvesse de ambas as vezes que foi preso o que se no prova, porque a sua liberdade foi acto arbitrrio e porventura equitativo de dois governadores como admitir que os
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magistrados se acamaradassem com o manchado ex-provedor dos defuntos no expediente dos negcios? Esta incompatibilidade facilmente se deslinda e no viria a lume na obra erudita do Sr. Visconde de Juromenha, se, ao versado escritor ocorresse que em Goa havia um provedor-mor de defuntos e que esse devia ser o provedor a quem aludia o conde de Redondo. E, de feito, esse magistrado era o licenciado Cristvo Ferreira, homem probo, consoante o testemunho do veador Simo Botelho de Andrade que, em carta de 30 de janeiro de 1552, dizia a el-rei D. Joo III: ...O ouvidor-geral Andr de Mendanha infamado nesta terra acerca de peitas; pode ser que ser mentira: e no mais do seu cargo parece que o faz bem: o provedor-mor Cristvo Fernandes muito bom homem, segundo dizem, se no um pouco embaraado no cargo: parece que havia de haver tesoureiro do dinheiro dos defuntos, porque ser melhor despacho para as partes, e andar o dinheiro mais liquido e certo, quando o no houver de arrecadar a pessoa que houvesse de julgar. 19 O frade dominicano que o vice-rei chamava ao seu despacho era esse mesmo Simo Botelho das cartas austeras, que depois de ter sido muitos anos veador e capito de Malaca, vestira o hbito de S. Domingos, e assim mesmo era consultado por todos os vice-reis, e acompanhara D. Constantino na jornada de Jafanapato, em 1560, arvorando frente da hoste um Cristo crucificado. Rodrigo Felner, prefaciando os escritos inditos de Simo Botelho, mostrou-se pesaroso por no saber o fim daquele homem, um dos mais ilustrados do seu tempo, e alma incorruptvel. Fcil era averigu-lo, se buscasse na vulgar Crnica de S. Domingos, por Frei Lus de Sousa, ou sequer em Diogo do Couto os ltimos actos de to interessante personagem. Outra hiptese que me no parece aceitvel: a do provimento da feitoria de Chaul em Lus de Cames pelo vice-rei D. Anto de Noronha. Achou o Sr. Visconde de Juromenha o alvar de Filipe I de Portugal que concede a Ana de S a tena de 15$000 ris que recebia o filho falecido. Diz o alvar: ...havendo respelto aos servios de Simo Vaz de Cames e aos de Lus de Cames, seu filho, cavaleiro da minha casa e a no entrar na feitoria de Chaul de que era provido, etc. Disto depreendeu o bigrafo que Lus de Cames fora provido pelo vice-rei D. Anto de Noronha. Cames no regressaria pobre, empenhado, vivendo do bem-fazer dos passageiros, se o vice-rei o provesse na vaga duma feitoria que avultava ao rendimento de 500 pardaus, como rendimentos e cargos anexos licitamente percebidos. Esse provimento lhe bastaria como hipoteca a adiantamentos e independncia relativa. 20 A mim me quer parecer que a feitoria de Chaul lhe foi dada por proviso real depois da publicao de Os Lusadas ao mesmo tempo que se lhe deu a tena, sob condio de residir na corte. A condio de residncia seria inexplicvel doutro modo. Logo que a feitoria vagasse, cessaria a tena. A condio inibia-o de auferir a tena desde que exercesse o oficio. VI
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Cartas de Simo Botelho, pg. 40 e 41. Este alvitre do veador, sempre honrado e muito aceito ao monarca, surtiu as cautelas e desconfianas que puseram Cames . lado de muitos rus do mesmo delito, porque sentenciavam a entrega dos dinheiros que arrecadavam, tornando-os por isso menos lquidos e certos. 20 Camilo desconheceu o facto apontado por Diogo do Couto no Soldado Prtico, que estas nomeaes para as Capitanias se faziam por sobrevivncias em Capitanias que estavam providas. Era o que se chama estar bica, para entrar em uma vagatura. s vezes uma nomeao era para uma quarta ou quinta sobrevivncia. Cames nomeado em 1565, pelo vice-Rei seu amigo da mocidade, resolveu em 1569 regressar a Portugal, para no morrer na ndia espera da sobrevivncia da feitoria de Chaul. (T. B.).
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A sentena dos 15$000 ris, o apregoado escndalo da sovinaria dos ministros, no era, quele tempo, a misria que se nos c figura. Vejamos e comparemos os ordenados daquela poca. O ordenado dos desembargadores do cardeal-infante eram de 30$000 ris, do copeiro-mor 6$000 ris, do vedor das obras 4$000 reis, do guarda-mor 13$000 ris, e do veador da Fazenda 30$000 ris. As tenas de 30$000 ris eram apangio de homens de muitos servios. Na conta de receita e despesa de 1557 v-se que o regedor da Justia, 45 desembargadores, e os do pao que no eram poucos, e os da Fazenda que eram muitos, todos juntos, receberam dos seus ordenados 3 777$800 ris. O governador da Casa do Cvel, 24 desembargadores, 6 alcaides, 100 empregados e outros oficiais de justia, todos juntos, receberam dos seus ordenados 1664$200 ris. 21 Trinta anos depois, o numerrio no estava mais barato, e os 15$000 ris de tena de Cames haviam de parecer um excesso, um esbanjamento da Fazenda nacional a qualquer daqueles desembargadores. Diogo Botelho, to celebrado em frica e sia, recebia 12$000 ris de tena. 22 Lus de Cames no se julgaria desdourado com os 15$000 ris, nem essas hipteses de fomes, frios e mendicidades que se encarecem deve aceit-las a crtica desligada de velhos preconceitos. Eu creio tanto na mendicidade de Homero como nos peditrios nocturnos de esmola do Antnio de Java para sustentar Cames. Se o poeta chegasse ao extremo da penria, acharia no refeitrio dos seus bons amigos dominicanos com quem tratava frequentemente a farta mesa que ali encontravam somenos benemritos. No me sofre o conceito que formo desse egrgio esprito que ele quisesse a vida sustentada com to desprimorosos expedientes. a lenda da misria em que se comprazem as imaginaes sombrias. Porque ele pediu em verso uma camisa em Goa, decidiram que o poeta no tinha camisa. 23 Parece ignorarem que a ddiva duma camisa como elas por esse tempo se presenteavam era um objecto caro e luxuoso. A fbula tecida sobre a fome de Cames originou-se talvez dalguns poetas subalternos que entenderam desforar-se da sua pobreza afrontando a nao que vira finar-se no desconforto o prncipe dos poetas da Espanha. Consolavam-se assim com a camaradagem e vociferavam contra a ingratido dos parvos, Espanta, porm, que se no clamasse com mais justia contra os ulicos que deixaram morrer no hospital Antnio Galvo, o apstolo das Molucas, e Duarte Pacheco Pereira. No se pode ajuizar que os proventos do poema impresso lho auxiliassem a vida. Os Lusadas talvez lhe no surtissem o equivalente da tena nos oito anos de sua maior popularidade. Devia ser vagarosa a extraco da obra, atentas as calamidades daqueles anos pestes, ameaas de guerra, pobreza do Estado, corrupo de costumes, desavenas no pao, a preponderncia dos livros msticos e o descaimento das letras profanas. A segunda edio do poema, no mesmo ano de 1572, em vista dos argumentos plausveis do acadmico Trigoso, 24 no aceitvel nem sequer verosmil. Falsificaram retrospectivamente a data porque havia razo para recear que uma censura mais severa proibisse nova edio sem os cortes das estncias que desagradaram clerezia e pudiccia duns velhos que poderiam, na verdura dos anos, ter assistido sem pejo s chocarrices obscenas de Gil Vicente, No se pode calcular
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Rebelo, da Silva, Histria de Portugal, tom. V. Hist. Gen. da Casa Real. Provas, tom. VI, pg. 633 e seg. 23 Refere-se a Oliveira Martins que fazia histria na efervescncia do estilo; essa camisa era galante , como o declara a rubrica da poesia. porque se tratava de uma festa. (T. B.). 24 Histria e Memrias da Academia Real das Cincias. Tito de Noronha no estudo da primeira edio de Os Lusadas deu pelo exame tipogrfico dos textos a soluo definitiva do problema literrio. (T. B.).
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quantos anos intercorreram da primeira segunda edio; , todavia, provvel que a segunda se fizesse em vida do poeta. Lus de Cames, se a vida se lhe prolongasse, teria mais abastada velhice. Filipe II de Castela, vindo a Portugal meses depois da morte do poeta, perguntou pelo autor de Os Lusadas. No me consta que os reis naturais, os legtimos, alguma hora perguntassem por Cames. O intruso concedeu provecta me do poeta falecido a tena que o filho recebia. Este procedimento, e a curiosidade benvola do usurpador o nico acto honorfico que liga a biografia de Cames dos monarcas. D. Joo III desterrara-o. D. Catarina e o cardeal desprezaram-o, D. Sebastio ouviria novas do seu poema, l-lo-ia, e no impugnaria a concesso da tena e do ofcio na sia. No desprezo, se no dio da rainha D. Catarina transpira a vingana do rancoroso Francisco Barreto contra quem Cames, livre dos ferros, dardejaria violentas, mas no injustas stiras. Barreto, chegado a Lisboa, vingou-se de quantos inimigos deixara na ndia. O bravo Gonalo Falco, que logo que ele saiu do Governo o desafiara a combate singular, foi mandado carregar de ferros e conduzir a Lisboa. Pde fugir a tamanha ignomnia o bravo de Jafana pato, escondeu-se em Lisboa, e conseguiu ser absolvido, alegando que os duelos ainda no eram proibidos pelo concilio tridentino, quando ele reptou Francisco Barreto. No obstante, a Rainha mandou-o riscar dos livros da nobreza e reduziu-o misria. D . Sebastio, volvidos anos, restituiu-o capitania de Sofala, onde expirou apenas tomou posse, Barreto fanatizara a Rainha brindando-a com uma pedra milagrosa que levou da ndia. O seixo tinha sete cus de cores diversas e uma figura de mulher com um menino no colo. Era Nossa Senhora, achada nas mos dum bonzo! gua onde mergulhassem a pedra sarava muitas doenas; mulheres de parto muito bem pariam, assevera Miguel Leito de Andrade na Miscelnea; e nas mos da Rainha o calhau fazia os mesmos milagres. A viva de D. Joo III, alm destes seixos milagrosos, gostava muito que os governadores do Levante lhe vendessem bem e pelo maior preo a pimenta. o que ela pedia fervorosamente a D. Joo de Castro e aos outros vice-reis. A respeito de poetas e via jantes, dava tanto por Lus de Cames como por Ferno Mendes Pinto rivais no infortnio, mas no iguais no merecimento de melhor sorte, Os favores, embora apoucados, que Lus de Cames recebeu da corte so posteriores s finais desavenas de D. Sebastio com sua av. Esse divrcio deu-se em 1571, e o alvar da tena lavrado em 1572. No vituperamos Filipe I pelo desamor com que tratou os nossos escritores. No cai a ponto aqui a lista dos talentosos protegidos pelos reis castelhanos, desde Diogo Bernardes, o moo da toalha, at Manuel de Sousa Coutinho, o incendirio da casa de Almada, que, depois de frade, oferecia a sua crnica ao terceiro dos usurpadores. Se Cames se bandearia com Castela como Gabriel Pereira de Castro, Caminha, Pereira Brando e Corte Real no sei; porm, quando o Sr. Tefilo Braga me nomeia os amigos de Cames parciais do prior do Crato, e entre eles est Miguel Leito de Andrade, lembra-me se Cames, vivendo, seria tanto por D. Antnio como o preconizado Leito de Andrade. Diz o Sr. Doutor Tefilo Braga na sua primeira Vida de Cames e repete na segunda, publicada h dias, que o autor da Miscelnea esteve a ponto de ser degolado pelo invasor espanhol. O Sr. Braga entendeu a passagem do carnaz. Miguel Leito esteve a pique de ser decapitado justamente porque fugia de D. Antnio para o usurpador Filipe. Ele mesmo o refere na Miscelnea nestes termos explcitos: No tempo que o Sr. D. Antnio se levantou rei, me achei com ele em Lisboa, por no poder escusar servi-lo, sendo fidalgo de sua casa. Porm, vendo entregar-se a fortaleza de S. Gio a sua majestade me pareceu ir-me para o dito senhor, e indo j na Goleg, a meu parecer fora j do perigo de morte a todos os que
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se fossem de Lisboa, a qual executava cruelmente Manuel da Silva fronteiro de Santarm, ali me prenderam, etc. E conta depois como pde evadir-se pela latrina, e foi depois mais tarde a Madrid requerer com o traslado autntico dos trabalhos que passou para fugir. Tambm o Senhor Visconde de Juromenha conjecturou que Cames estivesse no Pedrgo, convidado por Miguel Leito de Andrade quando foi desterrado para Ribatejo. Cames sofreu este desterro em 1546, e Miguel Leito de Andrade nasceu em 1555. No me parece aceitvel que Cames fosse visitar um sujeito que nasceu nove anos depois da visita. Que processos to de palpite e fantasmagricos tm usado estes doutos na biografia de Cames! Se no seria melhor estudar o assunto! Acusam os jesutas de propulsores da jornada de frica, porque aferventavam o zelo religioso do prncipe fanatizado contra a mourisma. Porque no acusam com maior justia e sobre provas escritas Lus de Cames? Afirma o Sr. Tefilo Braga que o poeta no simpatizava com a jornada de frica. Tanto simpatizava que, ao propsito da seta enviada pelo Papa a D. Sebastio, lhe escreveu uma epstola recheada de versos assinalados por uma virulenta retrica sanguinria: J por ordem do Cu, que o consentiu, Tendes o brao seu, relquia cara, Defensor contra o gldio que feriu O povo que David contar mandara, No qual, pois tudo em vs se permitiu, Pressgio temos, e esperana clara, Que sereis brao forte e soberano Contra o soberbo gldio Mauritano. ................ ................ ................ Que as vossas setas so na justa guerra Agudas, e entraro por derradeiro (Caindo a vossos ps povo sem lei) Nos peitos que inimigos so do Rei. Est revendo a incitadora carta um corao que ainda vibra hostil como outrora o brao valoroso do mancebo que se estreara em Ceuta. No se condene Lus de Cames por esse entusiasmo; mas reservemos os louvores da prudncia discreta e previdente para o bispo Jernimo Osrio e Martins Gonalves da Cmara. Se pretendem ilibar Cames da ndoa quase comum dos fidalgos para que nos dizem que o alquebrado poeta escreveu bastantes estncias cantando, por hiptese, o regresso triunfal do coroado imperador de Marrocos? Essa mal estreada epopeia condiz ndole belicosa de Cames foi a ltima e malograda exploso do seu patriotismo; todavia, uma prova negativa do seu juzo poltico. Enfim, sempre poeta e sublime poeta do amor e das batalhas, foi astro que refulgiu at ao ocaso, apesar dos anos agravados de doena, de necessidades suportadas com a impacincia da velhice, e um pouco do fel do cime doutros poetas eleitos para cantarem a Ilada africana. VII Se Lus de Cames, em pureza de costumes, condissesse com a sobre-excelncia do engenho, seria exemplar nico de talento irmanado com o juzo. No se conciliam as regras austeras da vida serena e pautada com as convulses da fantasia. Amores de alto enlevo e de baixa estofa, o ideal de Catarina de Atade e as carnalidades das
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malabares e bailadeiras levantinas o exalar-se a regies de luz divina e o cair nos tremedais do vulgo essas vicissitudes que a si mesmo fazem o homem assombroso em sua majestade e misria, tudo isso foi Cames, e em tudo isso foi semelhante aos gnios eminentssimos, 25 mas nenhum homem como ele pde redimir-se de suas fragilidades, divinizando os erros da imprudncia, fazendo-se amar nos extravios, e imortalizando-se em um livro que ao fechar de trs sculos, alvoroa uma nao. de ns todos esse tesouro legado por um homem que no dia 10 de Junho de 1580 expirava na obscuridade. Ele teve de esmola a mortalha. Permita a providncia das naes que Os Lusiadas no sejam a esplndida mortalha que Lus de Cames deixou a Portugal. Camilo Castelo Branco.
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Antero de Quental, que sofreu a mesma hiperestesia de Camilo, tambm retrata Cames visto atravs do seu temperamento. Agradecendo ao lusfilo Mximo Formont o livro Les Inspiratrices em que estuda o tipo de Catarina de Atade e o amor de Cames, desenha um extraordinrio retrato moral do Poeta como um flagrante vencido da vida: A verdade que Cames no foi na ndia seno um soldado como os outros soldados; no se cita dele nenhum feito de armas particulares; o seu nome no est ligado a nenhum acontecimento militar importante, e mesmo uma parte da sua vida no Oriente passou-se em Macau, onde se no batalhava e em funes civis. Ele no foi mesmo to Particularmente desgraado como se pretende: excepo de alguns altos fidalgos, providos de bons governos, toda a outra gente levava ali vida de aventureiro, cheia de altos e baixos, mas passava-a alegremente, porque geralmente era-se rapaz, e no fundo isso era uma vida herica. Cames divertia-se por l como os outros; a fazia representar os seus Autos, compunha versos facetos, banqueteava-se com amigos, o consolava-se da sua grande paixo com as moas indgenas, com o que no se dedignava tanto, que as Endechas Brbara Cativa, provem, que nisso entrava mais que o capricho dos sentidos. que at metia muito dos seus afectos e do seu corao, Eu creio que h ainda uma boa parte de legenda e de romantismo na ideia que se faz da vida de Cames; bem ponderado tudo, Cames foi antes um homem mais feliz do que um homem desgraado. A ventura burguesa e sossegada no lhe convinha; ele teve a vida da aventura e da forte emoo que quadrava ao seu gnio, e que todo o verdadeiro poeta preferir sempre do que estou convencido, no se importando com tal ventura calma e montona. (Cartas de Antero de Quental , p. 232. Coimbra, 1915). As palavras que com mais justia se podem aplicar a este juzo sobre Cames, sero 08 Prprias palavras de Antero de Quental amesquinhando o Centenrio em 1880: H para um grande poeta alguma coisa mais triste do que ter morrido miseravelmente, como diz o Epitfio de Lus de Cames. no ser compreendido, nem ainda depois de morto, e julgado por aqueles que se apregoam herdeiros e intrpretes do seu pensamento. (No Crculo Camoniano).
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NA PRIMEIRA EDIO A ndole deste poema absolutamente nova; e assim no tive exemplar a que me arrimasse, nem norte que seguisse Por mares nunca dantes navegados. Conheo que ele est fora das regras; e que, se pelos princpios clssicos o quiserem julgar, no encontraro a seno irregularidades e defeitos. Porm declaro desde j que no olhei a regras nem a princpios, que no consultei Horcio nem Aristteles, mas fui insensivelmente deps o corao e os sentimentos da natureza, que no pelos clculos da arte e operaes combinadas do esprito. Tambm o no fiz por imitar o estilo de Byron, que to ridiculamente aqui macaqueiam hoje os Franceses a torto e a direito, sem se lembrarem que para tomar as liberdades de Byron, e cometer impunemente seus atrevimentos, mister haver um tal engenho e talento que, com um s lampejo de sua luz, ofusca todos os descuidos e impede a vista deslumbrada de notar qualquer imperfeio. No sou clssico nem romntico; de mim digo que no tenho seita nem partido em poesia (assim como em coisa nenhuma); e por isso me deixo ir por onde me levam minhas ideias boas ou ms, e nem procuro converter as dor outros, nem inverter as minhas nas deles: isso para literatos de outra polpa, amigos de disputas e questes que eu aborreo. A aco do poema a composio e publicao de Os Lusadas; os outros sucessor que ocorrem so de farto episdicos, mas fiz por os ligar com a principal aco. To sabida a fbula ou enredo dos Lusadas e a vida de seu autor, que nem tenho que fazer mais explicaes a este respeito, nem ser difcil ao leitor o distinguir, no meu opsculo o histrico do imaginado: mas no separar decerto muita coisa, porque das mesmas fices que introduzi, tm sua base verdadeira as mais delas. Sobre ortografia (que fora cada um fazer a sua entre ns, porque a no temos) direi s que segui sempre a etimologia em razo composta com a pronncia; que acentos s os pus onde sem eles a palavra se confundiria com outra; e que hoje de boamente seguirei qualquer mtodo mais acertado, apenas haja algum geral e racionvel em Portugus: o que to fcil e simples seria se a nossa academia e governo em to importante coisa se empenhassem. Paris, 22 de Fevereiro de 1825
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NA SEGUNDA EDIO A primeira edio deste poema, que se concluiu em Paris em 21 de Fevereiro de 1825, extinguiu-se logo em dois anos pelo ingnuo favor do pblico, que se no faziam ento ainda em Portuga! as reputaes dos homens e ds escritos a tanto por linha nas colunas de um jornal. Era, de mais a mais, obra de um proscrito: apenas se anunciava entre os amigos, ao ouvido. S um ano depois de publicada e mais de meia extrada a edio, que dela se pde fazer aviso nas folhas publicar de Portugal, quando restaurada a liberdade pela outorga da Carta. No fim de 1827 j se reclamava segunda edio do poema Cames. Mas primeiro as vicissitudes polticas do reino e ocupaes graves do autor, depois o desejo de se mostrar grato ao favor pblico, aperfeioando e corrigindo em idade de mais reflexo o que ele sinceramente entendia que s lhe fora desculpado por verdura juvenil, foram adiando indefinidamente a execuo deste que era comum desejo do autor e do pblico. No entretanto contrafeies brasileiras reproduziram as primeiras edies desta assim como de outras obras do autor: estimulo que principal e finalmente o resolveu a tirar s horas do descanso de suas ocupaes para corrigir n obra e a entregar de novo ao prelo. Muitas publicaes literrias nacionais e estrangeiras tinham, no intervalo, examinado, censurado e louvado o Poema Cames. Entre outros jornais, o Portugus em Londres, a Padre Amaro, o Popular, os Ocios de los Espaoles emigrados, Mr. Kinsey no seu Portugal Illustrated, o Foreign Quaterly Review, e ultimamente a Revista do Porto. Cada um a seu modo e gosto notou o que lhe pareceu beleza ou defeito: todos porm o fizeram com urbanidade e indulgncia tal, que no s penhorou o autor mar produziu em seu nimo o que infalivelmente produz sempre a censura bem-criada o contrrio dar invectivas grosseiras que hoje so moda desejo e empenho verdadeiro de emendar os defeitos notados, e os muitos mais e maiores que por si prprio descobrira e de que se acusava. Neste intuito releu o seu juvenil ensaio, e algum tempo hesitou se o renovaria dos fundamentos e trataria inteiramente em novo plano. Resolveu porm no o fazer, porque embora ficasse a obra melhor quem sabe se ficaria? era outra, no j a mesma: e entendeu ser quase um crime de falso para com o pblico dar-lhe. com o mesmo nome e titulo, uma composio diferente da que j merecera, ainda que por insigne indulgncia, a sua incontestada aprovao. Sem alterar portanto a contextura original do poema, todo se deu a corrigir o estilo, a suprir algumas no poucas deficincias no desenho de vrios quadros, a aperfeioar as cores de todos, enriquecendo-o e aumentando-o tanto, que, sendo indisputavelmente a mesma, todavia uma nova obra a que nesta edio se publica. Algumas das notas exuberantes e em que se via o desejo de criana que queria brilhar de erudita, foram cortadas; muitas outras necessrias inteligncia do texto, ou teis para ilustrar alguns pontos de arqueologia e histria literria, foram aumentadas. Repetimos que inteiramente uma nova obra, e a mesma todavia. Por parte dos editores houve todo o esmero e cuidado: algumas pequenas incoerncias ortogrficas so devidas incerteza da medida legtima entre ns, que o autor tanto tem forcejado por fixar, aferindo-a pelo seu nico tipo verdadeiro e possvel, a etimologia modificada pela pronncia. Lisboa, 30 de Setembro de 1839
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NA TERCEIRA EDIO Demos o segunda edio autntica do presente poema em mais de meado de 1839; e em menor de um ano estava extinta, quase no s consumo da Europa, pois que as contrafeies brasileiras impedem o da Amrica. Vem to demorada esta terceira edio porque o autor a no queria consentir sem rever escrupulosamente a obra, sem a corrigir e aumentar de novo, como seu costume. Faltava-lhe vagar; mas resolveu-se enfim a satisfazer ao empenho do pblico: e hoje sai outra vez o poema Cames mais perfeito e mais digno da sua popularidade, pela muita correco, aditamentos e melhorias que leva. Entre as muitas homenagens que este belo poema tem recebido de nacionais e estrangeiros, escolhemos, Para lhe dar lugar aqui e para mais ilustrar esta nossa terceira edio, a elegantssima ode de Mlle. Pauline de Flaugergues, publicada na sua bem conhecida coleco que tem por ttulo Au Bord du Tage (Paris, 1841). Ao p dela achar o leitor, no lugar competente, a linda traduo que dedicou ao nosso ilustre poeta um de seus mais distintos admiradores, o Sr. J. M. do Amaral, actualmente ministro do Brasil na Rssia. Lisboa, 8 de Julho de 1844
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NA QUARTA EDIO Conclumos enfim esta quarta edio autntica do poema Cames que h tanto era desejada. Foi revista e aumentada pelo autor ainda com mais escrpulo e esmero do que as antecedentes, que nenhuma delas, e esta menos que nenhuma, se pode dizer reimpresso da antecedente: todas tm sido aditadas assim no texto do poema coma nas notas. A nitidez e elegncia tipogrfica da presente edio tambm fcil de ver quanto excede as outras: homenagem de reconhecimento no menos devida pelos editores que pelo autor excessiva indulgncia e favor pblico com que esta obra tem sido universalmente acolhida. Lisboa, 21 de Maro de 1854
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CAMES
CANTO PRIMEIRO Esta a ditosa ptria minha amada, qual se o cu me d que eu sem perigo Tome com esta empresa j acabada. Acabe-se esta luz ali comigo. Lusad.
I Saudade! gosto amargo de infelizes, Delicioso pungir de acerbo espinho, Que me ests repassando o ntimo peito Com dor que os seios de alma dilacera, Mas dor que tem prazeres Saudade! Misterioso nmen que aviventas Coraes que estalaram, e gotejam No j sangue de vida, mas delgado Soro de estanques lgrimas Saudade! Mavioso nome que to meigo soas Nos lusitanos lbios, no sabido Das orgulhosas bocas dos Sicambros Destas alheias terras Oh Saudade! Mgico nmen que transportas a alma Do amigo ausente ao solitrio amigo, Do vago amante amada inconsolvel, E at ao triste ao infeliz proscrito Dos entes o misrrimo na terra Ao regao da ptria em sonhos levas, Sonhos que so mais doces do que amargo, Cruel o despertar! Celeste nmen, Se j teus dons cantei e os teus rigores Em sentidas endechas, se piedoso Em teus altares hmidos de pranto Depus o corao que inda arquejava Quando o arranquei do peito malsofrido foz do Tejo ao Tejo, deusa, ao Tejo Me leva o pensamento que esvoaa Tmido e acovardado entre os olmedos Que as pobres guas deste Sena regam, Do outrora ovante Sena. Vem, no carro Que pardas rolas gemedoras tiram, A alma buscar-me que por ti suspira.
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II Vem; no receies a acintosa mofa Desta volvel, leviana gente: No te conhecem eles. Eia, vamos! Deixa o caminho da infeliz Pirene: Tais mgoas, como a vo, poupa a meus olhos; Assaz tenho das minhas. Largo! aos mares: Livres corramos sobre as ondas livres Do Oceano indomado por tiranos, Livre como saiu das mos do Eterno, Sua feitura nica no globo Que mpias mos de homens no puderam inda Avassalar, destruir. A de entre as vagas Surge a princesa altiva das armadas, Ptria da lei, senhora da justia, Couto da foragida liberdade. Salve, Britnia, salve, flor dos mares. Minha terra hospedeira, eu te sado! Se ora pousando em tuas ricas praias, Pudesse ir abraar fiis amigos Que pelas ribas desse nobre Thamesis Vivem sombra da rvore sagrada De abenoada independncia a vida! No posso; mus sobeja-me a lembrana Indelvel, e a voz no morredoura Da amizade gratssima e sincera. III Certo amigo na angstia, que aos tormentos Mirradores que a vida me entravavam, Adoaste o amargor, e com benigna Destra cravaste roda do infortnio Cravo que o giro brbaro lhe impea; A ti, a quem a vida, que se me ia Em desalento, em desconforto, devo, A ti minhas endechas mal cantadas Nus solides do exlio, onde as repetem Os ermos ecos de estrangeiras gruas, A ti meus versos consagrei na lira: Quebrada sobre o escolho da desgraa Inda lnguidos sons desfere a medo, Que a teu fiel ouvido vo memrias Lembrar da ptria e recordar do amigo. IV Ouves? Rija celeuma aos ares sobe E fere os ventos que nas ondas folgam.
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Terra, terra! bradou gajeiro alerta. Terra! ecoa confusa vozearia Da martima turba: Oh! voz querida, Doce aurora de gozo e de esperana Ao corao do nauta enfraquecido, Do alquebrado sequioso passageiro, Que a esposa, os filhos, ou talvez a amante, Nessa voz doce e grata lhe alvejaram. V Terra, e terra da ptria! Debuxada Se v pulando a mgica alegria Nos semblantes de todos. J contentes, Um se afigura surpreender o amigo, Outro esposa fiel cair nos braos; Este da velha me, que h tanto o chora, Ir enxugar as lgrimas aflitas; Aquele, entre alvoroos e receios, No ousa de pensar se ao pai enfermo Na descarnada mo rugosa e seca sculo filial lhe dado ainda Respeitoso imprimir, ou se a ternura, Se o amor de filho sobre a laje avara Se ir quebrar de glido sepulcro Que em sua ausncia to longa lho roubasse. Qual da amada, que sempre foi constante, Ou sempre, ao menos lha pintou de longe A namorada ideia perto agora Comea de temer que tal distncia, Separao tamanha e to comprida, Novo amante mais perto... Mas quem sabe? Talvez... E esse talvez de esperana Sempre querida, sempre lisonjeira. VI Um s no meio de alegrias tantas Quase insensvel jaz: calado e quedo, Encostado amurada, os olhos fitos Tem nesse ponto que negreja ao longe L pela proa, e cresce a pouco e pouco. Era esse o extremo promontrio Que dos montes de Cntia se projecta Sobre o fremente Oceano que na base Tremendo quebra as enroladas vagas. No gesto senhoril, mas anuviado De sombras melanclicas, impresso Tem o carcter da cordura ousada Que os filhos enobrece da vitria:
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Gesto onde o som da belicosa tuba Jamais a cor mudou, nem feito indigno Tingiu de pejo vil. Na tez crestada Honrada cicatriz, que envergonhara Adamados de corte, d realce s feies nobres do gentil guerreiro. Desses olhos que a luz ateou do engenho, Quem um dos lumes apagou? A guerra No campo das batalhas. Um que resta Vivaz centelha, e vido se alonga recobrada ptria. Ptria disse Em voz to baixa, que a tom aras antes Pelos ecos do interno pensamento Falando ao corao sem vir aos lbios, Ptria, alfim torno a ver-te E lacerando Entre os lbios mordidos o ai sentido Que as piedosas palavras lhe seguia Recaiu na tristeza taciturna De que a ideia da ptria o despertara. VII Galerno e fresco o vento sussurrava Pelas inchadas velas. J na terra, Que a olho se avizinha, as mal distintas, Diversas cores surdem; logo o escuro Dos pardos sulcos discrimina a vista Dos arrelvados campos; depois vem-se As casas alvejando entre a verdura: Eis claro o porto amigo. Tal observas, Sob os pincis de artfice divino, Primeiro a incerta cor de vagas tinias Que aos toques mestres, nesse caos de arte, Se desenvolvem ciaras, se aviventam; Azula o cu, alteia-se a montanha, Copa-se o bosque, escarpam-se os rochedos, De amenas flores se recamam prados Que pisam ninfas belas... Pasma absorta, Admirando-se n'arte a natureza. VIII O sol descia rpido, e j perto De seu diurno termo, comeava A destingir no verde-mar das guas A aafroada cor de que se adorna No ocaso derradeiro. Leves giram, Do seguido baixel cruzando em torno, Como um bando de toucas mariposas Em derredor da chama, as destemidas
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De frrea proa rpidas muletas. Grosseiros parabns em brado rudo Dos leves barcos soam: modulada Ao rouco som das vagas nos cachopos, A voz do pescador brama como elas. Piloto! gritam; e a um sinal de bordo Do alteroso galeo, dum salto pula, Qual delfim namorado nas campinas Do azul-escuro mar o palinuro Nos segredos do Tejo iniciado. Rege a manobra falador apito: Al... amaina! Eis passada a estreita boca Por onde seus tributos de gua e de ouro Leva ao Oceano o rio de Ulisseia. Junto da torre antiga e veneranda, Hoje to profanado monumento Das glrias de Manuel ncora desce; E aos ingratos, inspitos baloios Do longo velejar, sucede o brando Meneio da suavssima corrente, Que no remanso de seguro porto To doce de sentir ao nauta exausto Dos repeles irados de Neptuno. IX A montona grita compassada Da festiva companha se ala o esquife Ao bordo erguido, donde desce s guas. Alegres, como a noiva que franqueia O limiar da paternal morada No risonho cortejo que em triunfo A leva s casas do ansiado esposo, Ao pintado escaler velozes saltam Dos passageiros a vida caterva. Desce ltimo o guerreiro pensativo. X Rema! Da popa, onde modera o leme, Brada o mestre: obedece voz o remo; E ao golpe certo resvalou dum pulo Pela corrente lisa o leve esquife. Um sentido clamor, como suspiro De amargurado tom, vem da amurada Do alteroso galeo. Volvem-se os olhos Maquinalmente ao stio donde veio. Quem viram nele? Um plido semblante, Onde malaia cor requinta o cobre Viva expresso de angstia. Os olhos negros,
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Nessas faces tostadas do sol de sia, Brilham por entre as nvoas duma lgrima, E parecem dizer na muda splica: Oh! no abandoneis o pobre escravo! XI Do homem, que mau do bero sepultura, Uma s coisa natureza deixam Os hbitos ruins que no pervertam: Do corao o primeiro impulso. O gesto aflito do ndio suplicante Dos remeiros contrai as mos calosas, E involuntria a compaixo se pinta No parecer de todos. Mas no tarda A sufocar a dbil voz do instinto O que chamaram reflexo no mundo: Melhor dirias reaco. dos hbitos Que um instante vergou a natureza. Avante! clama o torvo mestre Avante! Como que envergonhado do momento Que involuntrio ao corao cedera. f que no gritou co acento austero Que to bem fica aos lbios da virtude, Quando ante a prepotncia ousam de abrir-se, f que no bradou, e em p se erguia O nobre, melanclico soldado, Sem desfitar do humilde escravo a vista, Encontrai a tom-lo. O qu, amigo? Por vida minha, o que quereis ao ndio? Neste meu escaler dessa fazenda No levo a terra. Tal fazenda ela, Que desse estofo a no vereis amide. Gro valor o do escravo! meu amigo. Amigo! amigos tais trazeis ao reino! Rico vindes da ndia. Rico!... certo: De feridas ao menos... Suspendeu-se, Corrido das palavras que soltara Diante de tal gente: a cor do rosto Claro lhe indica o pejo que envergonha O homem honrado de indiscretos lbios No calor da disputa lhe caram Em repreensvel gabo de si prprio. XII
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No gesto do guerreiro se fixaram Os olhos circunstantes e o respeito Que uma aco generosa inspira ao vulgo, Por aqueles semblantes se pintava. Mas o grosseiro mestre no se corre Do feito descorts: e os sinais tantos Da desaprovao geral o irritam. Rudas imprecaes, que rudas soam Como os calabares que reger costuma, De novo os remos a vogar excitam. De alta amurada do galeo suspira O desprezado escravo. Um movimento De involuntria clera e despeito Leva a mo do guerreiro malsofrido Da espada ao punho. Olhou-o e c'um sorriso Que parece dizer: Quem sobre as ondas Vida de p'rigos vive, no enfia Aos lampejos da espada s responde O carrancudo mestre. Nesses tempos, Que hericos chama o entusiasta ardente, Brbaros o filsofo, e que ao certo Foram pasmosa mescla de virtudes E atrocidades, de honra e de crueza, Era o sangue juiz de tais pendncias E ao defeito da lei supria a espada. Brbara usana!... porm nobre ao menos. Hoje que hemos sofrido de covardes, Sem pejo, que nos roube a prepotncia Dos tribunais as leis, das mos a espada... Degenerados netos, ousaremos N ossos livres avs taxar de brbaros? XIII Vira o Tejo suas guas cristalinas Roxas ali de sangue; e o breve espao Do curvo esquife no tivera as iras Da mal-avena aos dois, se um poder alto, To Forte quanto meigo, no viera Intervir na disputa malferida. Num canto do escaler, humilde e absorto Em pensamentos que no so da terra, Um velho, em que at ali no atentaram Indiferentes olhos, se assentara. Alvejavam-lhe as cs das longas barbas No burel negro que lhe cobre o peito. O tempo, que to longo tem passado Pela acurvada frente, lhe ceifara Messes em que talvez a mocidade
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Viosa lourejou: hoje o que cesta, Raro respigo ao segador cado Tira cor baa do ligado argento. Como que a humanas cousas retirados, Se encovaram nas faces descadas Os olhos, onde a luz quase assemelha lmpada que ardeu no tabernculo Inteira a noite, e ao arraiar do dia Falece mngua de leo. A mo tremente Em viageiro bordo arrima; e calam Nus os ps as sandlias costumadas A sacudir o p da terra do mpio. Rico de afrontamentos e trabalhos, Vinha do longe oriente ocdua praia, No ao repoiso plcido velhice, Mas a solicitar novas fadigas Em recompensa de outras. Destes eram Antes de se enredar em vs disputas De orgulho e presuno mais que mundana Os que n'sia opulenta, frica adusta Levavam deps si naes inteiras Ao culto de um s Deus, da lei mais santa, Que tirai-lhe o que os homens lhe ho mescladoJamais na terra apregoaram homens. XIV Foi este o anjo de paz que em tal fermento De azedas iras verteu mel suave Da branda persuaso que as amacia. Cavaleiro, essa mo na cruz da espada Disse grave e solene o missionrio Quer dizer inimigo, frente, na asa 26 Da batalha, em pendncia generosa Pelo rei, pela ptria... Aqui amigos, Cristos, merc de Deus, somos ns todos Quantos somos aqui. E ao cu no praza Que um cavaleiro portugus arranque Contra seu natural armas de sangue. Perdoai as lhanezas de um soldado Que cercos tambm viu, e jogou lanas Com mouros e gentios: neste velho Corpo nem sempre andou burel de monge; Malha tambm vestiu... mas uma espada Ou na batalha em mos de cavaleiros, Ou fora dela a rufies s cabe. To covarde no sou que a tal contrrio... Balbuciou, serenando o cavaleiro: Mas e de novo a voz se lhe animava,
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Ala.
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Mas o meu Jau fiel, o meu amigo, nico amigo! Honra-vos diz-lo, Honra-vos, cavaleiro torna o velho, Que andrajos e pobreza vos no pejam, E ousais chamar amigo ao desgraado. Mas, filho... mas, senhor, no h bom feito Que justifique um mau. Ao duro nauta Voltando-se lhe diz: Amigo, justo O que pede este nobre cavaleiro. Duros de corao Deus no ajuda. Que pesa o pobre escravo? Ir-me-ei a bordo, E o meu lugar lhe cederei com gosto. Que tem? Filho de Deus como ns somos. Mal enroupado? Coraes bem nobres Encobre amide o saio remendado. Se o cavaleiro te ofendeu, seguro Que no ele de negar o justo A quem devido for No sou por certo: O guerreiro acudiu; e mal pesada Tirou pequena bolsa: -A tendes, mestre; Poucos pardaus contm... (Menos me ficam, Talvez nenhuns... em tom mais baixo e trmulo, Quase de no se ouvir; nem certo o ouviram.) Porm daqui praia no vai muito, E a passagem do Jau... Guarda a tua bolsa Ruda interps a voz rouca do nauta, Cavaleiro orgulhoso; tanto quero Os teus pardaus, como a tua espada temo. Mas este padre fala como um anjo; E o que ele disse, dito. Atraca a bordo; E abaixo o amigo Jau. Rema! De um salto O ndio na lancha; e a lancha em mores pulsos De oito nervosos braos compelida Sobe do Tejo a lmpida corrente. XV Aps o disputar veio o silncio, Que em finda altercao, mal repoisado O nimo pede, e aos na contenda estranhos Por simpatia natural se estende. Era ento noite: rpidos se esvaem Em nossos doces climas os momentos,
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Que entre as trevas e a luz vacilam curtos. A natureza, prdiga em beldades Por to risonhas terras, lhe h negado A mgica iluso que os vus estende Nessa hora de saudosos pensamentos Sobre os campos boreais: hora to triste, Mas de tal suavidade melanclica! No te ho formado o corao no peito As maternais entranhas, se no ouves, Nessa hora misteriosa do crepsculo, Uma voz que te diz: Estes momentos Consagrou natureza a doces mgoas. O amigo ausente, a solitria amante, O pai longe, o filhinho em terra estranha, Imagens so que do vapor das terras Amigas fadas no crepusc'lo formam. E ante os olhos volteiam de alma absorta N'hora sagrada ao gnio da saudade. Oh! serei eu nos sonhos do sepulcro, Entre o nada das cinzas, quando a noite, Qualquer que seja o ngulo do mundo Em que meus ps se poisem, me no traga Lembranas dos momentos deliciosos Que, nesse intercalar de dia e noite, Da nebulosa lbion gozei nos campos, Quando no bero teu, bardo ' sublime, Inimitvel, nico, espraiava Por infindas plancies de alvo gelo Os desleixados olhos, e topava, Ao cabo l da vastido, coas cimas Das elevadas grimpas que se aguam Sobre as arcadas smplices do templo, Entre as choupanas da vizinha aldeia; E se me afigurava mente alheada Ouvir o canto fnebre das harpas Que da sensvel Julieta ao tmulo As nnias acompanham. XVI Mas quo longe Me tornou a volver do Tejo ao Thamesis, Cortado de memrias que o confundem, O pensamento vago! Escura a noite Suas roupas de d tinha estendido Pelas torres da nclita Ulisseia. Naquele puro cu nem leve sombra: Ausente era Diana e seu modesto, Sereno brilho: mas, sem luz que as vexe Com mais vivo fulgor, se esparze doce
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O alvo lume das cndidas estrelas, Que em trmulos reflexos pelas guas Do cristalino rio se espelhavam; Donde consoladora se exalava, Como um sussurro de viosas folhas, A alma brisa da noite, refrescando Os corpos ento ridos das chamas Com que o touro celeste em fria ardia. Raras comeam a brilhar nas trevas, Pelas estreitas gticas janelas, As veladoras luzes: acalmava-se O vivaz burburinho da cidade, E no sossego plcido da noite, Pouco a pouco, insensvel se perdia. XVII Esta se abria majestosa cena De ante os olhos dos nautas que surcavam ureos caudais do Tejo. Silenciosos Se derramavam de olhos satisfeitos Por quadro to magnfico, e buscava Cada qual, pelas trevas mal cortadas De froixo lume aqui, ali aceso, Descobrir o paterno, amigo tecto. E o leve fumo que do lar se eleva, Onde a ceia frugal, que o no espera, Apronta cara esposa, mal cuidosa Que h-de aquinho-la o pai cos tenros filhos. XVIII To vivas se pintavam nos semblantes Estas ideias aos calados nautas, Que lhas leu neles quem tais pensamentos Triste no participa. Quem esse? O filho melanclico da guerra. Leu-lhas; e um sentimento quase inveja... No to baixo e amarga, oh! mais do que ela! Lhe trouxe do mais ntimo do peito Um suspiro que morre flor dos lbios. E sufocado ao corao reflecte. Aguda foi a dor, acerbo o espinho Que esse ai lhe pungiu de alma. Quem soubera Os mistrios desse ai! Quem revelara Os segredos do incgnito guerreiro! Consome-o acaso a eiva da doena? De mal vingada afronta a injria o rala? Injustias dos homens o perseguem? O u so penas de amor? Silncio! deixa
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Ao corao do triste o seu segredo. Espreitar indif'rente os pensamentos Que os lbios do infeliz fecham no peito, Curiosidade v, mal generosa E de nimo insensvel: no exijas, Se o podes consolar, preo to duro Por teus confortos. Pouco vale a destra Que no enxuga as lgrimas do aflito, Sem lhe rasgar primeiro os seios de alma Para lhe esquadrinhar do pranto a causa. XIX O escaler abicou na praia amiga; E a suspirada terra enfim pisaram Os desafeitos ps. Quantas penrias, Quantos perigos, desalentos, sustos Em viageiras fadigas se ho penado, Este momento s, esta alegria, Oh quo sobejo as paga! O sentimento Quase devoto com que beija o nauta As areias da ptria, porventura, Na peregrinao da nossa vida, Se exceptuas a morte o mais solene. XX Separaram-se; e foi caminho usado Cada um de seu lar. Ledos se foram... Todos? No: trs diviso sobre a areia, A quem parecem vacilar na mente As ideias penosas que acometem O viajante isolado em terra alheia. So estrangeiros? Dois. Que ptria, longe Do pas lusitano, os trouxe ao dia? Entre as palmeiras do cheiroso Oriente Um na infncia folgou: deu-lhe mpia guerra, Em troco pela ptria e liberdade, Ferros de escravido: mas h nos ferros Vnculo s vezes que t prende o nimo. Raro o caso vers; porm no chora O Jau pelos palmares do seu ninho: Prende-o a amizade, no grilhes de escravo, A seu senhor, amigo e companheiro. E ess'outro? Deu-lhe o ser matrona do Ebro; E os pendes de Isabel hasteou nos muros Da vencida Granada: mas a frente, Hoje de raras cs mal povoada, Nem. s das murtas se coroou da Alhambra: Capelas de magnlia em mundos novos
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Lhe deram sangue e crimes... Crimes foram, Que o scio de Cortez cobriu do saco, E humilhou nas cinzas a cabea Dos louros da vitria discingida. Pardo burel lhe roa a penitncia Nos membros que luziram de ao e de oiro. Voto solene e zelo de outra glria O levou de alm cabo das tormentas Da aurora aos roxos seios. Estes eram Os que junto ao guerreiro silencioso Mudos como ele e quedos o fitavam XXI Longo o calar no foi: com passo trmulo Do jovem se aproxima o ancio guerreiro: Nesta grande cidade ambos estranhos Somos, ao que parece. Estranho eu?... Quase. Sou e no sou estranho. No me de uso O meter mo curiosa nos segredos De quem os tem. -Segredos no nos tenho: Sou portugus, e de ser tal me... prezo. Mas de Lisboa no? minha ptria. Desejais saber mais? Minhas perguntas, Cavaleiro, no so de curioso; Outra vez o repito: um pobre monge Tem uma pobre cela e magra ceia, Mas ambas oferece de alma e gosto. tarde; e se outro hospcio mo no tendes, Sereis benvindo a um gasalhado humilde De quem melhor, a t-lo, o oferecera. M noite passareis; mas um soldado No teme estrados maus nem leitos duros. Soldado fui tambm: ser-me- ventura Em meus quartis de Inverno receber-vos. A cortesia de nimo sincero; Nem sou homem, senhor, que a desvalie. Mas um desconhecido, e porventura Dela no mer'cedor, deve aceit-la? -E porque no, se lhe mister e a Preza? Conheo... A noite passa. Horas so estas Imprprias de ir buscar outra pousada. Se vos no peja de aceitar a minha, Vinde. E pejo de qu? Mesquinha e pobre
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, j vos disse; mas senhores grandes Em mais pobres mosteiros albergaram. Ancio venerando, sou convosco: Honra-me, no me peja a oferta amiga. Uma s coisa... Nada. Eu j vos sigo. XXII parte chama o escravo, e da pequena Bolsa tirou poro pouco avultada De seu mdico haver. Busca poisada Para esta noite; e amanh bem cedo... O que fazeis, senhor! acode ansioso O velho que os intentos lhe percebe, O que fazeis, senhor. Sou eu mais brbaro Que o mestre do galeo? Pude com ele Que de um servo fiel no separasse O senhor generoso, e havia agora De fazer eu pior! Envergonhais-me... Ofendeis-me talvez. Amigo, vinde, Segui vosso bom amo; para todos Em nossa humilde casa h tecto e abrigo. XXIII Ao Jau fiel caiu de puro gosto Uma furtiva lgrima que havia Rebentando de tmido receio, Mgoa de se ver s, deixar seu amo, E ir procurando por tamanhas ruas A quem?... Ningum conhece o pobre escravo.
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CANTO SEGUNDO Assim como a bonina, que cortada Antes do tempo foi cndida e bela, Sendo das mos lascivas maltratada Da menina que a trouxe na capela, O cheiro traz perdido, a cor murchada, Tal est morta a plida donzela, Secas do rosto es rosas, e perdida A branca e viva cor coa doce vida Lusad.
I Que sons descompassados troa o bronze Nas torres do mosteiro? Que ais carpidos, Que agudos uivos desgrenhadas gritam Essas mulheres plidas? Que fnebres Alas so essas de homens todos luto, De escuro vaso e longo d vestidos? Que hinos de morte roucos murmurando Vo esses cabisbaixos sacerdotes? Que pompa essa? Um atade a fecha. Orgulho do homem, ds o arranco extremo Na vaidade da campa. Que grandezas, Que distines queres pleitear ainda Na igualdade terrvel do sepulcro? Desengano da morte, s tu acaso Outro sonho dos mseros viventes? Quem desenganas tu? Viram de longe, Caminho do mosteiro, os viajantes Enfiar a porta mxima do templo Ordem longa de tochas, bao lume, Claro triste de mortos. Sons perdidos Do salmear montono lhes trouxe A gemedora virao da noite; E o ar pelos ouvidos lhe estremece Com o dobrar das campas desentoadas. II Ruim agouro! Um saimento fnebre Ao regressar ptria! No se pde Conter do involuntrio pensamento O portugus viajante. Mal conhece A intrepidez dos bravos esse louco Terror do vulgo que estremece vista
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Dum glido cadver: costumados A ver a face plida da morte, As agonias roxas, e o transido Suor do passamento, no se movem Seus msculos to fcil. Mas ressumbra No sei qu to solene e grave e augusto De um funeral entrando a passo lento As portas do jazigo, que essa pompa Triunfal da morte, do mais duro peito, Ao gesto mais tranquilo traz de fora Contraco impossvel de encobrir-se. No lhe chamo terror, nome lhe assignem Qual queiram mais; que o sentimento de alma, A impresso natural sempre a mesma. III Desta comum fraqueza se tal era No foi isento o Luso; e porventura Um pressgio de incgnita desgraa, Pressentimento vago e mal distinto De no sabido mal, se uniu quela. O Jau supersticioso, como de ndios, Fez claro um gesto de terror, a face Volveu esquerda, e coa mo fria trava Da curta capa ao amo: A esquerda, esquerda, Meu senhor no encares um finado Em sua ltima viage: h mal em v-lo Face por face. Deixa-me, ignorante, Com teus medos ridculos. Embora Embora: mas na ndia... No prossigas. E que h disse, apontando para o fretro Que entrava a igreja ento, o missionrio, Que h to medonho e mau nesses despojos Da passageira vida? Um tronco seco, Pelos ventos do outono despojado Do vio e folhas, tenda abandonada Pelo viandante que voltou ptria. Oh! seja-lhe piedoso o juiz eterno. IV Chegavam aos cancelos do convento, E o missionrio disse: Cavaleiro, Da casa do Senhor aberta a porta, No passarei sem ir ante os altares
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Meu tributo de graas of'recer-lhe Cuido me seguireis: o humilde cntico De nossa gratido ir juntar-se Com as preces dos mortos. Mas que importa? Ouvir Deus a todos. Se lho impedem Supersties e medo, fique embora E nos aguarde o escravo. No! responde O guerreiro, mas segue o ancio piedoso. V Fosse terror, ou sentimento fosse De mais oculta origem, pelas naves Do templo entrou com passos mal seguros Ele, que tantas vezes h rompido As cerradas fileiras, que guardada Brecha se apresentou com rosto frio, E a entrou sem vacilar! Oh! que ente s, homem, Incompreensvel tu! Do templo em meio, Alto e funreo estrado se levanta, Negro da cor dos tmulos. Em cima Poisava um atade. Alva capela De quase murchas, desbotadas rosas Indicava que a vtima da morte De himeneu ilibada sucumbira. Pesados lutos e arrastados fumos Cobriam, perto, amigos e parentes Fnebre silenciosos. Arde em torno Renque de brandes plidos; e afumam Do embalado turbulo os vapores Da resina sabeia. Ecoa o templo Coas tremedoras notas desses hinos Que, na solene entrada do sepulcro, Terrvel canta a igreja, quase um eco Da profundez do abismo, que reflecte Pavoroso na terra. A ponto entravam Os viajantes no templo quando o coro: Tdio da vida concebeu minha alma; E fora que desate a prpria lngua Contra mim mesmo, e desabafe o peito A amargura falando de minha alma. Direi a Deus: no me condenes, ouve-me. Porque assim me julgaste? Acaso digno De ti caluniares-me, avexar-me, A mim que sou das tuas mos feitura? So teus olhos de carne como os de homem? Como eles vs e julgas? Porque ao dia, Do crcere materno, me hs trazido? Oxal que eu no visto perecera
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De olho nenhum vivente, e houvera sido Como se nunca fosse, trasladado Do ventre sepultura! O escasso nmero Dos dias meus no ser findo em breve? Deixa-me pois chorar a minha mgoa, Gemer coa minha dor antes que desa, Para mais no voltar, tenebrosa Terra que a escurido cobre da morte: Terra de mngua e trevas, habitada Pelas sombras da morte, onde mais ordem Que o sempiterno horror h i nenhuma. 27 VI As vibraes da msica, as palavras No menos forte, o lugar, a hora, A grinalda de rosas sobre o tmulo, Porventura ignoradas circunstncias Que s sombras deste quadro do relevo Com mais fortido na alma, tudo a um tempo No predisposto crebro, de embate, Violento abalo deu ao Lusitano. Os cabelos na frente se ouriaram Como selva de lanas ergue sbito Ao grito alarma em dia de batalha. O corao parou-lhe, e o corpo trgido Pesou sobre os joelhos, que vergaram De golpe a terra. Do que sente ignaro, E de sua fraqueza envergonhado, Baixa o rosto, e se encosta balaustrada Do coro que por caso tem diante. VII Ou no sentiu, ou de sentir no mostra A turbao que o esprito aliena Ao companheiro seu, o missionrio: Junto dele ajoelhou, e em voz submissa Ao Deus dos vivos e dos mortos ora. VIII Findava o canto lgubre das preces: Quatro enlutados cavaleiros sobem Os degraus do moimento; da ea tomam, Levam nos braos o atade, e descem. Todo o cortejo, murmurando os salmos Das rogaes extremas, se encaminha
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Job., cap. X.
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Em passo lento a lateral capela Que ornam vasados, gticos pilares De mrmore to negro como as vestes Dos enlutados vultos que os rodeiam. Da procisso ao cabo, os anojados Levam de uma das mos o triste peso, Coa outra sobre os olhos segurando O usado emblema do dorido choro. 28 IX Junto ao guerreiro ajoelhado, passa O insensvel objecto dessa pompa. Fosse caso ou teno, neste momento Alevantando a face descada Coa vista no vizinho cavaleiro Deu... estremece... ao atade os volve: J longe o levam; mas viu inda escudo De conhecido emblema no arremate. Cus! que viu!... A coroa de alvas rosas, Nesse instante um baloio descontrado Dos cavaleiro s, a desprende, rola Por terra, e junto dele pra... Avante Foram: ningum nessa grinalda atenta Que desprendeu do fretro o acaso. Acaso foi? Mistrios h na campa Que em tradies de sculos fundados Me travam da razo: cr-los no ouso, Mas desprez-los... tambm no: pensava O atribulado, incgnito guerreiro... X O cortejo passou... e a c'roa fnebre Ergueu convulsa mo, trmula a aperta; E olhos, que desvairados a contemplam, Parecem perguntar-lhe: Flor de morte, Em que plida frente hs tu pousado? Quem lhe h-de responder? Em breve a loisa Se fechar, como os ferrados cofres Do avaro, onde nem lgrimas de aflitos, Nem suspiros de tristes lhes aventam Luz de esperana mnima. Segui-lo, Antes que o cerre a campa, esse atade Em que talvez... Oh brbara incerteza, Terrvel, cruelssima! E terrvel A verdade ser... Mas antes ela. Corre ao stio onde viu encaminhar-se
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O funeral; o som das vozes segue, Entra a capela escura. Escuro tudo; Nem uma luz, nem um vivente. O bao, Triste claro da lmpada que ardia Longe no mor altar, s l reflecte Tanto de claridade quanto as trevas Desse recinto fnebre amostrasse. XI Foi sonho quanto viu! viso fantstica Toda a funrea pompa, o canto, o fretro E essa fatal grinalda!... Ei-la, na destra Segura ainda a tem. Escuta: uns ecos Soterrneos, como hinos de finados Por noite aziaga em cemitrios, se ouvem. Inclina atento a orelha; um passo avante... Tropea... Em qu? Numa revolta loisa. Aberta est a porta do sepulcro. Um tnue bruxelear de luz descobre Na profundez do abismo; os degraus ltimos De hmida escada v: descer? Desce: Na estncia entrou das geraes extintas. XII Terra esquecida a jaz, a moram cinzas Por que em vo falam epitfios, letras. Sobre a face da terra que deixaste? Que feitos de virtude ou de herosmo Tua passagem nela assinalaram? Nenhum? Inteiro ao tmulo desceste, Traga-te o olvido todo. Ergue obeliscos, Amontoa pirmides; embalde! Livra um mrmore s do esquecimento: a memria do prestante feito Que as idades lembradas vo guardando De gerao em gerao na terra. XIII Ei-lo vai, entre as tcitas falanges De enfileirados ossos caminhando O atnito guerreiro; ao cabo extremo Desse arraial de mortos, d cos olhos No cortejo de d que hspede novo Traz morada eterna. A ponto o fretro Ia baixar ao perenal encerro Donde o no mover seno a tuba Terrvel, quando o sol se erguer do oriente
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A dar a extrema luz ao dia extremo. Dobra o passo; inda 8 tempo. Argntea chave Laada em fumo negro, um cavaleiro Tinha na mo: o mais ilustre esse era Ou o mais anojado: uso sabido, E venerada prtica dos nossos. Pela derradeira vez olhos de vivos Vero a face lvida do morto Que ao final poiso desce. Despedida Solene! E que expresso o h i na terra Em lngua de homens, que translade ao vivo Todo esse acumular de sentimentos Que em si de tal instante o adeus encerra! XIV J vacilante mo abre o atade... Amortalhavam cndidos vestidos O corpo ainda airoso duma dama No morta no boto de anos viosos, Mas na desabrochada flor da vida, To delicada no, porm mais bela. Velada a face tinha; mas conhece-a... Quem? o guerreiro... quem? o seu amante. XV Cus! ele mesmo, ele! Precipita-se Sobre o cadver... ergue o vu... Natrcia! Natrcia de eco em eco repetiram Os ecos dos moimentos, acordados Do sono sepulcral. Estremeceram Os do cortejo, e atnitos contemplam O incgnito. Ele uma voz disse; ele em torno remurmuram todos. XVI O sangue ao corao atropelado Recuou, estagna-se, e parou da vida As funes todas ao guerreiro; em terra De mortos semimorto fica. Entanto Deu a volta fatal e derradeira A chave do atade; cai a laje Sobre a boca do tmulo. A existncia Se esvaeceu... comea a eternidade.
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CANTO TERCEIRO Por meio destes hrridos perigos, Destes trabalhos grave, e temores Alcanam os que so da fama amigos As honras imortais e graus maiores Lusad. I Ah! meu senhor... bem o disse eu: mal trazem Vistas de mortos. Sossegai, amigo; Deixai-o repoisar: sono propcio J lhe acalmou o sangue; e mais tranquilo De nimo acordar. Submissas vozes Murmuravam assim em baixo acento Junto do leito em que prostrado e plcido Por benigno Morfeu jaz o guerreiro. De roxas violetas se toucava No horizonte primeiro o alvor do dia, E a claridade tnue da arraiada, De estreita fresta os vidros penetrando, morredoura luz de exausta lmpada Vinha juntar sua luz na humilde cela Onde este curto dilogo passava. II Pranchas de escuro til, rudo lavradas, Do aposento as paredes guarneciam. Sobre uma banca de igual custo e obra Poisava antiga cruz donde pendia Agonizando o Cristo: lavor fino Que no ndico dente a mo devota Dum nefito de sia executara, E fora dom do grato catecmeno Ao que nas guas msticas do Ganges, Por novo rito e lei, lhe consagrara Antigas ablues. nico um livro De pesado volume ao p do lenho, O livro dos cristos: dois frreos broches As grossas pastas fecham. Pende, a um lado Da parede, enfumado, antigo quadro Que os rudes traos do pincel recorda De Perugino ou Vasco, infncia da arte: Em cujo parecer traslado brando Deram tintas fiis dessa virtude
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Que o filsofo disse humanidade, Caridade o cristo. Dispute em nomes Quem de palavras cura: o homem sincero Sem vaidades de lngua, obra e no fala. Pintado estava ali um nobre velho Que a anglica beleza de sua alma Toda tinha no rosto retratada. Alvo-negro saial o ancio vestia; Junto dele, de penas variegadas Cingido a frente e rins, imberbe um homem De brnzea tez, jazia malferido. Convulsa dor em contraces se exprime No requeimado gesto; mas nos olhos, Se lgrima essa nuve' imperceptvel Que rara os cobre, no lha choram dores Mas de sensvel gratido desliza. Letra o painel no tem; mas claro amostra Novo Tobias no hemisfrio novo. III Do habitador da cela amigo e mestre Las-Casas fora, quando guerra injusta Seu brao, de mpio ferro outrora armado, Levou cruel aos povos mal defesos Que ajoelhavam pvidos, devotos Ante homens numes, dos troves senhores. De tal amigo o comoveu o exemplo. Pensada reflexo, no voto incauto, Extorquido fraqueza ou cega infncia, Lhe trocou no burel o azero e malha. IV Mas j no leito o adormecido acorda. Seus mal abertos olhos se descerram Ao primeiro luzir do sol, que nado Neste momento, agora: froixamente, Mas no turbados, derredor os volve Pelo aposento. Como quem se afirma, Um e outro dos dois que o acompanham Fita admirado, e a modo que procura Reconhecer feies que h visto algures: Com vagarosa mo correndo a frente Uma vez e outra vez, d parecenas De querer ajudar o envolto crebro A desligar ideias mal distintas. V
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Assim ao que tomou gelado espasmo Toda a aparente vida, os membros rijos, Sem cor os lbios, preso o sangue... morto: Ergue-se o carpir de rfos, da viva... J no sudrio envolto, j nas andas Os doridos amigos o conduzem A morada dos findos... Repentino, Do corao comea o calor vivo A devolver-se, manso e manso, s veias; Longes de esvaecida cor lhe tingem Os beios... pestaneja froixa a plpebra... Abre os olhos... que atnitos duvidam Se inda mundo o que vem. Tal contemplava Com pasmado semblante os que o rodeiam Do castelhano cenobita o hspede. VI Risonho, e com sossego apropriado A sossego inspirar, lhe disse o monge: Bons dias, cavaleiro; em pobre cama Ricos sonos se dormem diz o adgio, E hoje o provastes bem. O sol j nado Convida a erguer-vos; e este sino, que oio, s preces matinais me chama ao coro. De refeio tereis mister sadia, Se no mui esquisita, vou buscar-vos. No entanto levantai-vos: pouco tempo Do vosso Jau fiel na companhia Vos deixarei: no tardo. E aonde... estamos? No me recordo... Estais em casa amiga. A nossa cela esta: sossegai-vos. Atribulado h sido vosso esprito: Inseparvel condio da vida Padecimentos so; todos penamos. Mas a constncia a virtude do homem. E a pacincia a do cristo. Mais largo Conversaremos logo: a dor do peito Quer-se desabafada em peito amigo. Por ora conservai tranqui1o o nimo: Breve aqui sou. VII E cobre o manto, e parte. O si1ncio o seguiu; e o tardo piso A penas se escutava das sandlias
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No longo dormitrio ressoando. VIII Devo, dizia o incgnito guerreiro, Quando, volta do coro, cem seu hspede, Leve repasto da manh tomavam: Devo a to bondadoso e terno amigo, s solcitas penas e cuidados Que vos hei dado, confisso sincera... Quero explicar-vos o sucesso estranho Que ontem presenciastes; e do escndalo, Se a meu pesar o dei, perdo vos peo. Demasiado avaliais fracos servios. O segredo a rica jia de alma, Que no se mostra assim a olhos de todos. O corao cofre precioso De que, raro, confia homem prudente A chave a seu mais ntimo. Guardai-vos De baratear assim o ouro cendrado Da amizade fiel (confiana entendo) A qualquer que sorrindo vos estende Talvez curiosa mo, que no de amigo. Em barda os achareis... oh! perdoai-me, Sou velho, e pronta sempre a dar conselhos minha idade se prestar-vos pode Este nada que valho, se ajudar-vos De obra ou de aviso imaginais que posso, Ouvir-vos-ei de gosto e de vontade. Sou vosso amigo, sou: provas nenhumas De mim tendes; mas Deus, que une as vontades, E a quem prouve no peito gravar do homem Esse invisvel qu, essa lei mstica Que atrai o corao dum ente ao outro, Deus sabe se, de quando em Moambique Vos conversei primeiro, senti na alma No sei que voz dizer-me: Segue esse homem, Deves am-lo, infeliz e honrado. IX Do Lusitano ao descorado gesto Esvaecido rubor assoma, e foge, Qual foge aos olhos o lampejo rpido Da trovoada longnqua. Um tanto a face Descaiu sobre o peito amargurado, E com voz, firme no, porm serena, Disse: Lus de Cames tinha um amigo nico s na terra. No te escondas, Meu fiel companheiro: um feito honrado,
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Generoso te peja? O pobre Antnio Foi at aqui, senhor, o nico vivo, nico ser na face do universo Em quem meu corao achou abrigo. X Pelas faces do escravo, baga a baga, Enternecidas lgrimas caam, E peito sufocado comprimia A custo grande o soluar que o arfava. No pode mais: aos ps se deita do amo, E sem conter o choro: Oh! no me digas No me digas, senhor, que sou amigo. No o diga! Porqu? Porque isso parte O corao do escravo. Amigo falso. Os de Macau, de Goa e Moambique, Todos faltaram; e eu fui sempre... Corta-lhe Um mar de pranto a voz. Tu foste sempre O meu fiel Antnio. Humedeceram-se Os olhos do guerreiro; e como a efeitos De simptico influxo, ao velho austero Pelas rugas das faces deslizaram Gotas de suave, enternecido pranto. XI Serena a reflexo comoes de alma. O Lusitano continua: Certo Que hs dito bem: to profanado e abjecto De amigo o santo nome ho posto os homens, Que mal sei eu se injria ou honra ele. Parou aqui, como assombrado na alma Da amarga observao. Depois, volvendo-se Menos aflito ao missionrio, disse: Embora! pois que enfim tenho encontrado Consolao to doce a minhas mgoas. O meu nome inda mal! bem conhecido Por esse novo imprio do oriente Lus de Cames. Em tenros anos nsia ardente de glria e de renome, Porventura outra causa mais violenta, Mais nobre... e mais funesta me levaram s africanas praias, dura escola Da portuguesa mocidade. Alegre,
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Que me sorria ento verde esperana No enganoso porvir, entrei os muros Da veneranda Ceuta, insigne preo De sangue rgio e dum martrio ilustre. Paternas mos as armas me cingiram. Oh! pai tinha eu ainda... Honrado velho, Na vereda da honra me puseste; Fui, como tu, caminho da desgraa. XII Ah! se um filho que h visto na batalha O paterno valor, que ouve entre a grita Aquela voz que o acariciou na infncia, Bradar-lhe: Avante! aquele brao amigo Que o embalou nos dias da inocncia A apontar para a estrada da vitria; Oh? se a tal homem covardia pode Entrar no peito vil... No possvel. Eu aprendi a combater com ele, Lembra-me o dia porventura o mximo De minha vida, se ontem, se outro ainda Nos de minha existncia no contara Quando no Estreito 30 a barbaresca frota Nossas naus vitoriosas derrotaram. Era a minha primeira lio de armas. Foi a primeira vez que o mauro alfange Por de ante os olhos me cruzou coa morte. Junto a meu pai frente o viram sempre... Sobre o imigo baixel a pano cheio Caa a nau de seu comando... 31 Um silvo De peloiro soou. Mirado a ele Certeiro mouro tinha. Estendo o escudo... Movimento feliz! salvei-lhe a vida. A bala resvalou, e j sem fora, Leve aqui me feriu na sestra face, E fria aos ps me cai. Leve ferida Que um dos olhos!... Oh! dois nos h dado Liberal natureza. Que vale isso! Salvei meu pai. XIII Voltei por fim ptria Outra vez de esperanas iludido. Alguns servios, por benignos chefes
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De Gibraltar. Histrico.
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Exagerados sim, mas no mentidos, Nada obtiveram, nem o esquecimento Dum inimigo cru, jurado, injusto, Que jamais o ofendi, jamais. Se ofensa Ter olhos para ver a formosura, Corao para a amar, alma de fogo Para mandar aos lbios anelantes Fascas desse amor; se o dom da fira Di-lo-ei funesto ou chamar-lhe-ei ditoso? Que me outorgara o cu, votei s aras Desse amor que foi nica ventura De minha vida, nica, inocente Causa de meus acerbos infortnios, E agora... Sobre o peito a destra aperta, Como em chaga dorida a mo do enfermo Para acalmar a dor; pendeu-lhe a frente Para o seio agitado. Instantes breves As mostras de aflio se patenteiam. XIV Se crime, continuou, ter alma e vista, Foi essa a nica ofensa que lhe hei feito Ao vingativo conde. 32 Por m sorte, Laos fatais de sangue lhe prendiam De meus suspiros o adorado objecto. O nascimento igual, a igual fortuna, Tudo por mim, tudo por ns falava. Cobia empederniu seu duro peito: E o soldado s de honra herdeiro rico Que podia esperar? Seu vo orgulho Se envileceu, de baixo, a perseguir-me. XV Nada na corte obtive contrastado Por to forte inimigo, eu sem fortuna, Sem arrimo, sem pai. Como eu, perdido Entre o obscuro tropel dos desvalidos Que o sangue pela ptria ho barateado Para perder mngua o resto dele, Meu pai, de pura mgoa e de despeito, Fenecera em meus braos. S no mundo, Que me restava? Perecer como ele, Ou por um nobre feito despicar-me, Vingar a afronta duma ptria ingrata. XVI
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De tais ideias combatido o nimo, Um dia s margens do formoso Tejo, Curtindo acerbas dores, passeava, E os olhos desvairados estendia Por essa majestade de suas guas Coalhadas de baixis que as ricas preas, Que os tributos do oriente vm trazer-lhe Andando, meu esprito agitado Se enlevava nas glrias, nos prodgios Que a to pequeno canto do universo A metade da terra avassalaram. Transportava-me o ardente pensamento Aos palmares do Ganges envergados De trofus portugueses; via o nauta Que ousou galgar o tormentrio cabo, E nos balces da descoberta aurora Hasteou as Quinas santas. Retiniam-me Nos trmulos ouvidos os trabucos, Que, a golpes crebos, as muralhas prostram Do rico Ormuz, da prspera Malaca, E da soberba Goa, emprio novo Do novo imprio imenso. Ajoelhados Via os reis de Sio e de Narzinga Aos ps do vencedor depor os ceptros, E render, suplicantes, vassalagem Ao ferro lusitano. Os nobres muros Vi de Diu estalar, saltar aos ares Por infernal ardil; e entre as runas Dos inflamados basties, dispersos Os palpitantes membros desse filho Por quem no correm lgrimas paternas; No, que mrtir da ptria morto o filho. XVII Desse pai venerando esse Fabrcio Da lusitana histria, renovando Sob os arcos triunfais da nclita Goa Altas pompas de Roma, e altas virtudes Que s geraram Lusitnia e Roma! De Vasco, de Pacheco, de Albuquerque Inflamavam num xtase de rapto Meu peito portugus memrias grandes. Quem tais milagres de herosmo e de honra, Quem tanta glria a to pequeno bero Foi to longe ganhar? Quem a um punhado De homens, mais pequena nao do orbe Deu mares a transpor, veredas novas A descobrir na face do universo;
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Povos a subjugar, reis a humilh-los, Ignotos mundos a ajuntar ao velho. E, a dilatar-lhe a superfcie, a terra? Eles. E a ptria, por quem tanto ho feito, Que digno prmio lhes h dado? A fome Num hospital galardoou Pacheco; A Albuquerque a desonra ao p da campa; Castro a pobreza, que os socorros ltimos Sobre o leito da morte mendigava. XVIII Ingrata... Ingrata ptria! Fatigado Como de tanta glria e tal vergonha, Parei. Junto me achava ento do templo Que a piedade e fortunas apregoa De Manuel o feliz; padro sagrado De glria e religio, esmero de artes Protegidas dum rei que soube o preo Alguma vez ao menos ao talento, A lealdade, ao valor, ao patriotismo. Nem sempre; mas to pouco de virtude Basta num rei para esquecer-lhe os crimes! XIX Aberta em par do templo estava a porta; Entrei. Naquelas pedras animadas Por cinzel primoroso se pasciam Meus olhos admirados: as erguidas Colunas, as abbadas altivas, As palmas, as cordagens enlaadas, E o sinal santo que as remata e une, E que por toda a parte est marcando As vitrias do Lenho triunfante, O vexilo da glria portuguesa, Nunca, nunca to alto me clamaram Que ss sem Deus, ss pelo esforo humano No fariam jamais os portugueses O que ho feito no mundo... Dei co tmulo De custoso lavor que a resguarda As cinzas do monarca afortunado. Afortunado em vida; a morte, fecha-lhe Selo do Eterno os lbios descarnados: So segredos de Deus os do sepulcro. Mais cansado que pio, ajoelhei-me Sobre os degraus do tmulo; insensvel, No recostado brao a frente inclino, E desca num lnguido delquio Que nem morte, nem sono, mas olvido
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Suavssimo da vida. Sono embora Lhe chamaria, se as vises to claras, Mais rapto de alma em xtase sublime Que imagem v de sonhos, as no visse. Talvez seria natural efeito De agitados sentidos, porventura Mui crdulo serei... mais alta causa Do fenmeno estranho ento a tive. XX Oh! sonho no foi esse. Afigurou-se-me Ver do moimento erguer-se um vapor leve, Raro, como de nuvem transparente Que mal embaa o lume das estrelas No puro azul dos cus: foi pouco a pouco Condensando-se espesso, e longes dava De humana forma irregular qual soem Ao pr do sol fantsticas figuras As nuvens debuxar pelo horizonte. Logo mais certas, mais distintas formas, Qual mole cera em mos de hbil artfice, Tomando foi. J claro ante mim era. Roupas trajava alvssimas e longas; Seus braos de extenso desmesurada, Um sobre o peito co ndice apontava Ao corao, que as vestes resplendentes Transparecer deixavam. Viva chama, Como luz de carbnculo, brilhava Na vscera patente; e em radiosas Letras lhe soletrei: Amor d ptria. XXI Da maravilha como por encanto, Sem receio ou terror a contemplava, Quase por tal prodgio enfeitiado; Quando estes sons, entre spero e suave, Mas solenes ouvi: Jovem ousado, Grande empresa te coube, acerba glria, De que no gozars! Desgraas cruas Fadam teus dias... Mas a fama ao cabo. A ptria, que foi minha, que amei sempre, Que amo inda agora, gro servio aguarda De ti. Um monumento mais durvel Do que as moles do Egipto, erguer-lhe deves. Pirmide ser por onde os sculos Ho-de passar de longe e respeitosos. Galardo, no o esperes. Fui ingrato Eu, fui! Ingrato rei, ingrato amigo.
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E a quem! Maiores de meu sangue ainda Ingratos nascero. Tu serve a ptria: teu destino celebrar seu nome. Os homens no so dignos nem de ouvi-las, As queixas do infeliz. Segue ao oriente, Salva do esquecimento essas runas Que j meus netos de amontoar comeam Nos campos, nos alcceres de glria, Preo de tanto sangue generoso. Um dia... Em vo perante o excelso trono Do Eterno me hei prostrado; irrevogvel A sentena fatal tem de cumprir-se Um dia inda vir que, envilecido Esquecido na terra, envergonhado O nome portugus... Oprbio, mgoa, Dura pena de crimes! tbua nica Lhe dars tu para salvar-lhe a fama Do naufrgio. Tu s dirs aos sculos, Aos povos, s naes: Ali foi Lsia. Como o encerado rolo sobre as guas nico leva praia o nome e a fama Do perdido baixel. 33 Parte. Salv-lo! Salv-lo, enquanto tempo! Extinto... Infmia! Extinto Portugal... Oh dor!... Rompeu-lhe O derradeiro acento destas vozes Em som de pena tal e to tremendo, De to profunda mgoa, que inda agora Nos cortados ouvidos me ribomba, Estremeci, olhei; j nada vejo: Ou acordei, ou a viso se fora. XXII Dir-vos-ei que serena a mente e plcida, Que as ideias distintas conservava, No como de uso ao despertar dum sonho? F no me prestareis: mas em minha alma To claramente li como um reflexo De inspirao maior que humana coisa, Que, sem hesitar mais, sem um momento De incerto duvidar, assentei firme No pressuposto de seguir meu fado, E s descobertas plagas do oriente Ir demandar essa escondida sorte, Esse feito, essa glria prometida De engrandecer o ninho meu paterno. Uma s coisa confess-lo fora, Mas que diz-lo peje acobardava A teno resoluta. Ir mar em fora
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A terras l to longes, e deix-la, Deix-la... e sem esp'ranas, nem. ao menos De inda a tornar a ver!... Sabeis quem digo; Poupai-me a dor de proferir seu nome. Dura e ferida na alma se travavam Batalha, amor e ptria. Amor vencia Quase... no triunfou... XXIII Aqui chegava O contar de sua histria, quando Porta Da cela redobrados golpes batem. O missionrio abriu; um pajem moo E de custoso d ataviado Uma carta fechada a fio negro De seda traz. Um cavaleiro busco Ontem da ndia vindo. Ontem chegaram Os galees da frota: cavaleiros Muitos viriam. Santa-F se chama O galeo; e o cavaleiro... Lede. Do pajem se aproxima o Lusitano Da inesperada mensagem curioso. No sobrescrito leu que assim dizia: A Lus de Cames logo Escudeiro ; Mais abaixo Em mo prpria. Entregai, pajem: Sou esse. De quem vem? De quem no manda Mais palavras que as letras vos no digam. Corteja e parte logo. Que ser?
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CANTO QUARTO J a vista pouco e pouco se desterra Daqueles ptrios montes que ficavam; .................................................. Ficava-nos tambm na amada terra O corao, que as mgoas l deixavam; E j, depois que toda se escondeu. No vimos mais enfim que mar, e cu. Lusad. I Quem no teme ir de encontro a seu destino, E provar-se homem... nas desertas rocas Po castelo mourisco, sobre a serra Da Lua, achar prmio, o maior prmio! E castigo tambm de sua audcia. Amanh no expirar da luz. A carta Mais no dizia. Qual estranho enigma! Prmio, castigo a mim!... A mim! Duvidam Se tenho corao!... Exigem provas! Quem? Para qu... Irei? Porque no?... Vamos. Espera-me talvez a hora querida Da vingana... Amanh?... Amanh!... hoje. II Irei sim rompe o vate, continuando, Alto, o discurso que at ali na mente Consigo meditando revolvera, Irei sim. No achais que devo, amigo? Deveis o qu? Ir. Onde? Onde meu fado. Quereis dizer corte? Ouvi que a Sintra Se fora el-rei com o conselho e cabos Principais do exrcito. voz pblica Que ho-de a resolver graves projectos De alta valia: mas... E que me importa A mim corte e conselho? Outros motivos Tenho, outras razes... Tenhais embora. Mas, j que estais na corte, ou perto dela, Avisado seria aproveitar-vos Da ocasio. Por boca anda de todos
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Que do jovem monarca se prepara Nova jornada s costas africanas. Em bem o fade o cu! Dizem-no? certo? Um mancebo inexperto, nica esp'rana Do reino, que, inda mal! j tanto inclina Da primeira grandeza! Ah! confiana Tenho que inda haver nesse conselho Um portugus que portugus lhe fale, E com a respeitosa liberdade Que nossa natural e um bom rei preza... Preze ou no, deve ouvi-la: mau conselho Dar sempre o que, ao d-lo, se arreceia Da verdade que diz. tarde, tarde; Fomos, no somos j. Continuaram Em prticas iguais os dois amigos; Mas o Luso, a quem na alma se alevantam Ideias que as da ptria suspenderam, Dest'arte diz:-Amigo, um dever triste Me chama, a qu no sei: cobre-o mistrio Com vu impenetrvel. Minha vida Toda h sido de estranhas aventuras. Quem sabe? acabar por esta agora. de fracos temer, mus de prudentes Acautelar-se lei. Meu haver nico, Todos os meus tesouros so um livro. Pouco valor, nenhum tem porventura; Mas de longas fadigas, do trabalho Da vida inteira fruto. Escrito em partes Com lgrimas h sido, e bem pudera Com sangue em muitas. Sobre os calvos serros Das montanhas, nos vales deleitosos, No campo em tendas, na guarita em praas, No mar entre o arrudo das procelas, Ao dos grilhes nos crceres contnuo, Incessante, indefesso hei trabalhado Para levar ao cabo a empresa ardida Deste livro que tanto me h custado. J nufrago nas guas desse rio Onde tudo perdi, de um brao a vida, Nadando, s ondas confiei revoltas, Para no outro o salvar. Este depsito Em vossas mos confio. Se mais novas No houverdes de mim... quem sabe? acaso til poder ser minha ptria. Ela, e o seu amor, todo o inspiraram, sua glria inteiro consagrado. To longa viagem, to p'rigosa essa? Longa no; perigosa... Eu sei? No, certo. Quando intendeis partir?
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Eu? esta noite. -Assim que, em nada mais servir-vos posso... Nem j de vossa histria interessante Ataremos o fio? Oh sim: nem longo Ser ele. Suspenso alguns momentos, Como buscando, entre outras, uma ideia No tumulto confusa, assim prossegue: III Falei-vos, se a turbada fantasia Me no engana, da teno tomada Por quase inspirao vo sonho acaso. Com pensamentos tais sa do templo: Escondia-se o sol de alm dos montes Da outra margem do Tejo: alva e sem lume Parecia no azul dos cus tranquilos Infante a lua, como o arco ebrneo Que ao nmen que nesse astro afiguraram, Deram antigos vates. Mais sereno, Mais belo pr do sol jamais o hei visto Nos desvairados climas decorridos Em minha incerta vida. Ao longo vinha Da solitria praia respirando A fresca virao que mal das guas Leve encrespava a superfcie apenas; Uma voz me chamou, voz que em meu peito Ouve inda o corao voz doce e meiga, Que nunca mais... oh! nunca mais na terra Escutarei dos vivos... volvo o rosto: De baixa gelosia me acenava Com um cndido vu, mais nvea e cndida, Formosa e breve mo. Flutuando ao vento O vu caiu, e a dextra desparece. IV Ergui-o palpitando: um n o atava. Trmulo o desabrocho era oiro puro, Oiro daquelas tranas to queridas, Rica jia de amor. Coa doce prenda Vinha um bilhete: abri-o, li: Roubado Foi este instante a brbaros tutores. Insensatos! vigia mais do que eles Amor, que pode tudo. A minha glria, Pu-la em teu corao; minha ventura, Minha vida, o meu ser de ti confio. Parte fora partir... Ausncia dura,
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Separao cruel s pode unir-nos. Sai a frota amanh; vai alistar-te. Campo no oriente a grandes feitos se abre. Volta com nome tal que tudo vena Eu viverei de lgrimas... Embora. Matar-me-o saudades... No, no ho-de. Ver-me-s ainda; um anjo ontem mo disse Num sonho to feliz! Era eu vestida De riqussimas galas... e alva c'roa De rosas me toucava... tu a um lado, Triste no sei porqu, outros de luto: No me admirou, que nosso amor no querem. E o anjo assim me disse. E mais, que um dia Tamanho se far teu nome e glria, Que encha o universo. Vai: adeus!... Terrvel, Amargo adeus este... No importa. Parte... e jamais te esqueas... V Uma lgrima Delira o mais das letras; quente ainda A senti no papel... Mudo e sem vida Horas longas fiquei parado, exttico, No corao a carta, os olhos fitos Na avara gelosia. Alta ia a noite; Agua acima passava uma falua: Bradei, acodem., a Lisboa volto, E ao outro dia, na mar da tarde, Da popa dum galeo via fugindo O Tejo, as suas ribas deliciosas , Depois a terra; alfim o cu e as guas Ss com minhas tristezas me ficaram. VI Prspero o vento foi. Por esses mares 34 Que humana gerao jamais abrira, Seguindo fomos o atrevido esteiro Do grande Vasco. A sestra nos ficavam As mauritanas vrzeas to regadas De sangue luso. Vimos a frondosa, Vicejante Madeira, a primognita De nossas descobertas, e a mais bela De quantas pelo Atlntico dispersas O generoso Henrique adivinhara. Masslia estril, e os queimados serros Donde o Sanag negro se despenha, Passmos, o Arsinrio cabo vendo,
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Que Verde em seu extremo apelidmos. Vimos tambm as Fortunadas 35 ilhas, E entrando as que de Hesprio o nome tomam, As orientais costas africanas Rodemos de Jalofo e de Mandinga, Donde o curvo Gmbia ao Tejo manda As ricas preas do caudal luzente. As Drcadas 37 passmos, que dos silvos 38 Das vboras na areia inda retinem: Crespas tranas outrora que inflamavam O crulo Neptuno. Ao austro a proa, No imenso golfo entrmos, transcorrendo A Leoa serra asprrima, e o cabo Que dissemos das Palmas, e a frondente Ilha que do incrdulo discpulo O apelido tomou. 39 Ali a frtil, Vastssima regio que lava o Zaire, 40 Ganha por ns f, e conquistada Por armas s de paz. Assim transposto O que divide o mundo, ardente trmino, dextra nos ficava a plaga imensa No sonhada de antigos sabedores, Por onde o velho mundo dilataram Os nossos e os que aps dos nossos foram: Que ousar e perfazer tamanho feito Fora a humanos esforos impossvel Se o brao portugus no ajudasse. VII O astro novo, no visto de outra gente Antes que o luso nauta lho amostrasse, J no hemisfrio oposto nos brilhava. Vamos-lhe essa parte menos bela Onde raras estrelas pasce a plo Ali, pesar de Juno e de seus zelos, Vimos banhar nas guas de Neptuno As inflamadas Ursas. Pelos topes Dos mastros, e no horror da tempestade, Claro avistmos a azulada chama Do santo, vivo lume. Oh! recontar-vos As maravilhas tantas, os prodgios Que hei visto, longo fora; e conhecidas Sero elas de vs que os largos mares,
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Canrias. As de Cabo Verde. 37 Ilha do Prncipe, etc. 38 Lus., canto V, desde a est. 11, at 14. 39 Ilha de S. Tom. 40 Reinos de Angola e Congo.
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Que as vastssimas plagas descobertas Pela nobre ardileza lusitana Corrido haveis tambm. Destas paragens Velas demos ao noto que soprava Rijo, em vo, contra a fora descontrada Da impetuosa corrente. Ia uma noite Na cortadora proa vigiando, Quando atra cerrao medonha e feia Nos fecha o claro cu; amaina o vento, E em tanta escurido batendo as velas Em podre calma, pavorosa cena Dobram tremendo horror. O mar ao longe D longos, ocos brados que rebramam, Com o se desse em vo nalgum rochedo. VIII ramos cerca do famoso cabo A que mudou boa esperana o nome Que primeiro lhe demos, das tormentas. Ao pensar em to speras fadigas, Tanto sangue perdido, tanta morte, Tanto naufrgio cru, desgraas tantas Que a dobrar esse cabo nos custaram Para ir edificar sublime imprio, Novo reino entre gentes to remotas, Se me alargava o corao no perto, Vendo-me portugus. E pois tal feito Feito de homens?... O vento repentino Soprou, rasgaram-se as fechadas nuvens, E retremeu nos mares o estampido Dum trovo temeroso. Alheada a mente Na majestade da procela horrssona, E em tamanhas ideias confundida, No ar se me afigurou troar de irada A potestade imensa de algum gnio Que os cancelos do oriente ali guardasse; Cuidei ver a grandssima estatura De disforme gigante a quem as chaves Confiara de sia o rbitro do mundo, E que de tanta audcia portuguesa Irritado, ao primeiro que franquear-lhe Assim ousou seu passo to defeso, Da boca negra, e plido de clera, Fatdico dissesse gente ousada, Mais que tantas no mundo ho cometido Empresas grandes, no te basta o mundo De homens sabido para tantas guerras, Tais e to cruas, com que, to pequenos, Fatigais o universo? De to longe
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Vindes quebrar meus trminos vedados, A demandar em regies ignotas Onde cevar essa ambio de glria, Essa implacvel sede de conquistas Que no inquieto peito vos referve? Acabareis por fim coa empresa ardida; Sim, vencereis; mas a vitria cara Tem de custar-vos. Inimigo eterno, Aqui em meu tremendo promontrio Vos espero; aqui spera vingana De quem me descobriu tomarei. Morte, Morte o menor dos mates que vos guardo. Nem da beldade as lgrimas formosas, Nem suspiros de amor, nem ais carpidos De maternal ternura ho-de amolgar-me... E no se acabar s nisto o dano; Antes por vossas mos o mor castigo Recebereis: do imprio cimentado Com tanto sangue e com virtudes tantas, (Breve as heis-de perder) medonhos crimes, Devassa tirania, infandos vcios, Superstio cruel minaro cedo Os nobres fundamentos. Atudo Baquear por terra o slio altivo Que sobre as runas erguereis dos povos. Vis descereis pelos degraus do vcio Do trono a que a virtude vos alara. IX Assim na extasiada fantasia Um eco misterioso me soava: Di-lo-ei pressgio triste em j gro parte De seu fadar cumprido!... Enfim dobrado 41 O imenso, proceloso promontrio, Vogmos, longo, os mares interpostos, Que do ndico lago aqum separam As requeimadas costas africanas. Saudmos a dura Moambique, Porta do Oriente que a sia lusitana Parece unir aos fricos domnios, Por onde, desde a Europa s partes quatro Se dilatou o portugus imprio. X Do longo navegar alfim ao termo Desejado chegmos; da soberba
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Cidade de Albuquerque os muros entro. De sobressalto o corao batia-me Ao pisar essas praias que o triunfo Viram do forte Castro. Aqui da guerra No duro trato, ora ao Gentio rudo, Ora ao prfido Mouro combatendo, Longo continuei; porm do marte Portugus quo diversa hoje a sorte! No glria j, mas frvolas contendas, Injustas opresses nos arrancavam A preguiosa espada da bainha. XI Cheia a imaginao do misterioso Sonho ou viso que, no moimento sacro De Manuel, me incendiara a fantasia, Embalde aos p'rigos, ao Furor das ondas, Ao mais cru das batalhas me arrojava. Se era meu fado a glria, mais potente Foi que o meu fado a inveja de inimigos, dios, perseguies. J malferido De eiva de morte arqueja o imprio de sia. Os devassos costumes, a impiedosa Sede de mando, a srdida cobia Dos ministros da lei, e at sincero, Franco meu discorrer, e em mal! bem certo... Dos que, indignos do altar, o altar profanam Com sacrifcios brbaros de sangue, A um Deus s de paz e de bondade, Em vez do puro incenso de virtudes, Negro vapor de plidos cadveres, Suspiros da viva, ais do rfo triste, Lgrimas, sangue e morte oferecendo... Tudo, a golpes contnuos, redobrados, Vai prostrando o glorioso monumento Dos Pachecos, dos Castros e Albuquerques. Que desse esp'rito que animava os fortes? Que desse vivo ardor de fama honrada Que faiscava em lusitanos peitos, E a arriscadas aces, a empresas grandes, A mais que humanos feitos os levava? Extinguiu-se, acabou. J fomos Lusos; Fomos: de nossa glria o brado ingente Breve ser clamor que geme longe, Como voz de sepulcros esquecidos Balda soando no porvir que a ignora. XII
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Que me restava a mim, que me era dado Em tal descaimento, em tal baixeza, Cometer, perpetrar? Inteis p'rigos Em guerras mais inteis, cicatrizes Mal prezadas de quem valia ignora Do sangue desparzido em prol da ptria Que podiam valer-me? De indignado Ergui a voz, clamei contra a vergonha Que o nome portugus assim manchava, Esconjurei as sombras indignadas Dos heris fundadores dum imprio Que to bastardos netos destruam. Em vo clamei; minhas verdades duras Mole ouvido os tiranos ofenderam: Puniu desterro injusto a minha audcia. XIII Anos sete vaguei de terra em terra Ora vendo essas ilhas 42 escaldadas Do eterno fogo que as consome e anima, Ora os deliciosos habitantes Da malaia pennsula. Um repoiso, Plcido quanto o gozam desgraados, Encontrei na escalvada penedia, Onde na roca estril se alevanta Macau, frtil agora das riquezas Que o manancial do trfico lhe verte. Ali, s com meus tristes pensamentos, Livre ao menos dos homens, s comigo, Coas lembranas da ptria, coas saudades Que l me tinham corao e vida, Se no vivi feliz, sequer tranquilo. XIV Nas penhas dessa ilha abriu natura Cava na rocha, solitria gruta, 43 Onde as niades frias vo coitar-se Do ardor da sesta: entrada lhe vicejam Recendentes arbustos, heras crespas; E no vivo rochedo lhe entalharam Misteriosas mos ignotas letras. Talvez em longes eras meditasse Solitrio discip'lo de Confcio Nessa caverna as eternais verdades Do grande Tien, do deus da natureza, Que ao Scrates da China se amostrara
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Mais temporo, se lhes no mentem crnicas, Que ao amante de Fdon. 44 Vem quebrar-se Perto o mar, que se espraia longo e longo, T se perder no extremo do horizonte. Ali de soledade amarga e doce Esquecidas passei horas ditosas: Ditosas se jamais fio de areia Na voadora ampulheta me h corrido Horas que tais se chamem. Nesse poiso De suave tristeza me acudiam A memria as lembranas do passado, Magoadas coas ideias do presente, De envolta com receios do futuro; E acaso de esperana verdejava Leve folha dos ventos assoprada. XV Ptria, oh ptria! dizia pois um sonho Essa viso, que por celeste a tive? Teu nome eternizar, dar brado fama, Que de ti digno, digno de Natrcia As geraes pasmadas me aclamassem!... Assim vos dissipais, vises de glria, Como fumo que se ergue da choupana Para subir aos cus, que Euros dispersam, Quase punindo-o de tenes to altas! Que pode em pr da ptria um desgraado, Perseguido, no exlio imerecido?... XVI Uma voz c do ntimo do peito Cuidei ouvir que assim me respondia: Pode roais do que a espada, a voz e a pena; Feitos de glria imortaliza o canto, Salvam do olvido as musas. Viva a fama Que em versos divulgaram numerosos Vates de Grcia e Roma. menos digno De eterno carme o peito lusitano, A quem Neptuno e Marte obedeceram? Um Nuno fero, um Egas, um dom Fuas No excedem os sonhos mal fingidos De Orlandos falsos e de vos Rugeiros? De incerto Eneias para si no toma Fama e renome aquele Gama ilustre Que ousado em p'rigos firme e duro de alma Mais do que permitia esforo humano Cometeu e perfez aco tamanha?
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XVII Na mente, como um mpeto invencvel, Me dava abalo o altivo pensamento. Grande o arroja, desmedida a altura Onde me afoita de subir a ideia. Embora, embora! seguirei meu fado. As ninfas invoquei do Tejo ameno, Que em mim criassem. novo engenho ardente Que a to subida empresa se elevasse. Cometi, persev'rei no ousado intento; Trabalho de anos foi: e enfim completo, Com ele doce ptria me voltava No benigno favor esperanado De meus concidados, no de um monarca Prezador das virtudes, do herosmo Que em meus versos cantei. Mais doce ainda, De mais subido prmio outra esperana Me alentava... Ai de mim! um longo sonho Minha existncia h sido. E pois que nada, Nada j agora me ficou na terra... Ei-lo, senhor, o livro: apresent-lo Cuidei outrora esperanosa prole Do grande Manuel; cuidei dep-lo Aos ps de outro monarca mais potente, Que melhor galardo pudera dar-me Por quanto hei merecido... Hoje... XVIII Suspenso Nesta voz, som confuso e mal formado Que vinha deps ela, se disperde Em longo e cortadssimo suspiro.
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CANTO QUINTO Repousa l no cu eternamente E viva eu c na terra sempre triste. Cam., Sonet. I Correi sobre estas flores desbotadas, Lgrimas tristes minhas, orvalhai-as, Que a aridez do sepulcro as tem queimado. Rosa de amor, rosa purprea e bela, Quem entre os goivos te esfolhou da campa? II O vio de meus anos se h murchado Nas fadigas, no ardor sevo de Marte; Estranhas praias, ignoradas gentes, Brbaros cultos vi; gemi n'angstia, Penei ao desamparo, em soledade; Vaguei sozinho mngua e sem conforto Pelos palmares onde ruge o tigre: Tudo sofri no alento duma esp'rana Que, no instante de v-la me h fugido... Rosa de amor, rosa purprea e bela, Quem entre os goivos te esfolhou da campa? III Longe, por esse azul dos vastos mares, Na soido melanclica das guas Ouvi gemer a lamentosa Alcone, E com ela gemeu minha saudade. Alta a noite, escutei o carpir fnebre Do nauta que suspira por um tmulo Na terra de seus pais; e aos longos pios Da ave triste ajuntei meus ais mais tristes... Rosa de amor, rosa purprea e bela, Quem entre os goivos te esfolhou da campa? IV Os ventos pelas gveas sibilaram; Duras rajadas de escarcu tremendo As descosidas pranchas semeavam Pelas cavadas ondas... Feia a morte Nos acenou coas roxas agonias Malditas da esperana... E eu s a via;
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Eu s, na cerrao da tempestade, Via brilhar a luz da meiga estrela, nico norte meu. Por mar em fora Os duros membros negros estendia Esse gigante cujo aspecto horrendo Primeiro eu vi, primeiro a seus amores Corri o vu dos interpostos sculos: Quis-me punir do ousado sacrilgio Com que os segredos seus vulguei na lira. As iras lhe arrostei, ouvi sem medo Os amarelos dentes a ranger-lhe Por entre os furaces de atra procela. Vi-lhe a esqulida barba, de despeito, Arrepelar-se, e a cor terrena e plida Ao claro dos relmpagos luzir-1he Da sanguinosa clera inflamada. No me aterrou, que do almejado porto Me alumiava o farol de luz amiga... Luro e consolador, fanal de esp'rana, Quando na praia j, sem luz me deixas! Engano lisonjeiro da existncia. Que verdade cruel te h dissipado? Que mpia mo te ceifou no ardor da sesta, Rosa de amor, roca purprea e bela? V Os ecos das soides que lava o Ganges, As veigas onde cresce a palma do Indo Aprenderam teu no me. E o meigo acento De minha branda lira repetindo, No sussurro das folhas recendentes A filha de Ciniras murmurava; Seus perfumados troncos, entalhados Por minhas mos, embalsamado pranto Ao receber teu nome derramavam: A criminosa Mirra parecia De to virtuoso amor envergonhar-se... Rosa de amor, rosa purprea e bela, Quem entre os goivos te esfolhou da campa? VI Oh gruta de Macau, soido querida, Onde to doces horas de tristeza, De saudade passei! gruta benigna Que escutaste meus lnguidos suspiros, Que ouviste minhas queixas namoradas, Oh fresquido amena, oh grato asilo Onde me ia acoitar de acerbas mgoas,
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Onde amor, onde a ptria me inspiraram Os maviosos sons e os sons terrveis Que ho-de afrontar os tempos e a injustia! Tu guardars no seio os meus queixumes, Tu contars s porvindouras eras Os segredos de amor que me escutaste, E tu dirs a ingratos Portugueses Se portugus eu fui, se amei a ptria, Se, alm dela e de amor, por outro objecto Meu corao bateu, lutou meu brao, Ou modulou meu verso eternos carmes. Ptria, ptria, rival tu foste d'Ela! Tu me ficaste s, no desampares Quem por Ela e por ti sofreu constante, Quem por ti s agora o fio extremo Tnue conserva da existncia aflita... Rosa de amor, rosa purprea e bela, Quem entre os goivos te esfolhou da campa? VII Desamparou-me! Triste e sem conforto Fiquei s, neste vale de amargura. Linda. mimosa flor, sombra tua, Rasteira grama vegetava apenas Minha tmida esp'rana. Amarelece, Desabrigada planta, ao sopro ardente Do norte queimador. Quem te h cortado, Quem, rainha das flridas campinas, Te decepou sem d que faz, que espera, Que no leva tambm, que no arranca A humilde ervinha que sem ti falece? Rosa de amor, rosa purprea e bela, Oh! leva-me contigo campa fria. VIII Cano, cano de morte era esta sua, Que em som carpido os montes repetiam Da umbrosa Sintra. Sobre um calvo seno Na pedregosa encosta da montanha Que os mouriscos torrees inda coroam, Assim cantava aos sossegados ventos, Qual moribundo cisne gorjeando Pelas ribas do Eurotas. Parecia Que manso pelas auras suspirava A enternecida Ins, vendo seu vate, Seu imortal cantor gemer como ela. Ele uma seca, emurchecida c'roa De desfolhadas rosas apertava
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No ansiado peito: a fio e fio as lgrimas Embalde! sobre as flores ressequidas Corriam da grinalda; o acre do pranto Mais lhe queimava a tez: no torna ao vio Flor que poisou na loisa do sepulcro. IX Nascia o sol: a nvoa que rebua De hmido manto os cumes das montanhas No alvorecer do dia, em vu ligeiro Rara se adelgaava; resplendiam No sossegado mar os doces raios Da recm-nada luz. A amena veiga, 45 Delicioso vale a quem de Tempe Cede beldade e fama, se estendia Pelas faldas da serra. As perfumadas rvores de ureos pomos reluzentes Que veloz Atalanta o p ligeiro Na apostada carreira retiveram, E o to ligado cinto desataram; As verde-escuras, espinhosas plantas Donde, virgneas tetas imitando, Pende o creo limo, pendor no grato No lindo pomo a que o semelha o vate Sobre a relva, inda fresco-rociada Das lgrimas da aurora, se avistavam Pela imensa campina, recolhendo A aura criadora nas lustrosas folhas Donde a vida nos troncos se derrama. Toda se alvoroava a natureza A vinda alegre dessa luz benfica, Remoadora eterna da existncia, Cujas so alma e vida do universo. X Em toda a pompa e luxo de suas galas Sintra, a formosa Sintra se amostrava Ao monarca das luzes, qual princesa Do Oriente ao rgio noivo se apresenta, Voluptuosos perfumes exalando Das longas sedas com. que brinca o zfiro. XI Oh Sintra! oh saudosssimo retiro Onde se esquecem mgoas, onde folga De se olvidar no seio natureza
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Colares.
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Pensamento que embala adormecido O sussurro das folhas, co murmrio Das despenhadas linfas misturado! Quem, descansado fresca sombra tua, Sonhou seno venturas? Quem, sentado No musgo de tuas rocas escarpadas, Espairecendo os olhos satisfeitos Por cus, por mares, Por montanhas, prados, Por quanto h i mais belo no universo, No sentiu arrobar-se-lhe a existncia, Poisar-lhe o corao suavemente Sobre esquecidas penas, amarguras, nsias, lavor da vida? Oh grutas frias, Oh gemedoras fontes, oh suspiros De namoradas selvas, brandas veigas, Verdes outeiros, gigantescas serras! No vos verei eu mais, delcias de alma? Troncos onde eu cortei queridos nomes De amizade e de amor, no hei-de um dia Perguntar-vos por eles? Soletrando No irei pelas rvores crescidas Os caracteres que, em tenrinhas plantas, Pelas verdes cortias lhe entalhara? Oh! se inda eu vos verei! se os robres duros, Se me guardam fiis os seixos vivos O humilde nome do esquecido vate Que em dias de prazer to breves foram! Dias de glria, ternas mos gravaram! XII H coraes ainda que o conservam Esse ignorado, mal sabido nome. Oh! sim que os h! Salvai, salvai, musas, De meus escuros versos estas linhas, No para a glria sonho vo de nscios! Mas em memria, doce de guardar-se Nalgum sensvel peito. Onde no gira Meu sangue... E o sangue quo diverso corre Por veias que esquecidas no palpitam, Desleais! coa memria, mas que rara, Do infeliz, cujo seio enfraquecido Sangue, como esse, alenta... Onde no gira Meu sangue e o sangue quo diverso corre! Peitos achei sacrrios de amizade, Coraes de anjos... XIII Sintra, amena estncia,
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Tronco da vicejante Primavera, Quem te no ama? Quem, se em teu regao Uma hora da vida lhe h corrido, Essa hora esquecer? Teu nome soa Eterno j nos hinos enramados De imorredouras flores. Impotente A quebra a fria do fremente oceano raiz de teu firme Promontrio... Mas que infrenes um dia as altas guas Soltas da voz que disse ao mar: Suspende-te, Teu limite a galg-lo ousassem, E levar os delfins enamorados Folgar nos stios em que geme a rola, E filomela modelou queixumes, Suavssimo encanto da espessura; Mas que prodgio tal novos trouxessem Os sculos de Pirra, inda o teu nome No o esquecera transmudado o mundo. Leva-to alm das passadoras eras Do bardo misterioso 46 o eterno canto, A harpa sublime agora pendurada Nos louros do Pamiso , onde um suspiro De morte lhe quebrou a extrema corda Que Eleutria divina lhe afinara Do cantor que no alento derradeiro Ouviram as cidades contendoras Pelo bero de Homero, em cano ltima De moribundo cisne, o brado ingente Alar da glria aos filhos acordados De Lenidas que dorme... No, no dorme; Vela, co escudo e lana em torno roda Da arvorezinha tenra que plantaram Lanas dos bravos. Lanas mil a ameaam: Resistir? ou do consrcio adltero, mpia liga da Cruz e do Crescente, Nascer monstro que a devore, a trague, E a queimada raiz lhe exponha ao vento Da atra ambio dos reis? Morrei ao menos, Filhos de Heleno, perecei com. ela. XIV A vs j volvo, solides de Sintra, E ao vate que suspira melanclico Entre esses que parecem dispersados Tmulos de gigantes ou runas De algum primeiro tempo cujos mitos Esquecidos a jazem, desprezados Nesses brutos lasces. ltimas notas
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De sua triste cano inda zumbiam Pelas asas dos plcidos favnios, Quando uma voz: No de nimo grande Sucumbir aos reveses: gema embora O corao ferido; mas um prazo Deu a razo s lgrimas. Segui-me. Onde? a quem?... Ah! sois vs? Sou eu, amigo; Cavaleiro, sou eu. Vinde; justia Porta abrimos enfim: ver-vos deseja E ouvir-vos o monarca. A mim! Puderam Chegar ao trono as vozes da verdade. Sabe quem sois el-rei; louvou com nfase O amor da ptria glria que a alta empresa De perpetuar seu nome h cometido, Dando aos heris de Lsia eterna fama. Vinde, que hora nona vos aguarda Impaciente. Mas o livro?... Corte Vim por ele e por vs; comigo o trouxe. H muito o conhecia: amigos vossos Dele com grande preo me falaram Em Goa e Moambique. E como ao ouvido Chegou de el-rei meu ignorado nome? Sabereis tudo: dai-vos pressa; tempo De preparar-vos solene audincia Que havereis do monarca. XV Ambos desciam A ngreme serra; abordoado o velho Em seu cajado tosco, lhe dobrava Trmulos passos caridoso empenho Do oficioso corao. Renasce O ardor sopito no inflamado peito Do guerreiro acordado do letargo De que o desperta esperanosa a glria.
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CANTO SEXTO No tinha em tanto os leitos gloriosos De Aquiles, Alexandre na peleja, Quanto de quem canta os numerosos Versos; isso s louva, isso deseja, Lusad. I O ceptro de Manuel, nas mos j dbeis De Joane 47 comeado a desdourar-se Do esmalte das vitrias e triunfos Com que tanta virtude o adereara, O ceptro que, nas mos doutro Joane 48 Que ensinou a ser reis os reis do mundo, Fora vara de lei e de justia, Fiel de liberdade bem pesada Nu balana da pblica ventura, Ora na dextra de inexperto jovem Vergado a maus conselhos, vacilante Por meneio indiscreto, mal dirige A mquina do estado, que parece Mover-se ainda pelo antigo impulso De melhor regedor. O astro de Lsia Do znite de sua glria descrevia Curva afrontosa a miserando ocaso, Que de Alccer nas trridas areias Erros, crimes, traies lhe esto cavando. II Reinava Sebastio. Se nimo nobre, Se valentia, amor de fama e de honra Bastara a fazer reis, fora um rei esse; Alas... Sebastio reinava. Mal dormido Sobre os avitos louros, j correra A segar palmas na africana terra, Que de nossas conquistas e vitrias Bero fatal h sido e sepultura. Do primeiro triunfo embriagado Cuidou j da fortuna a vria roda Ter fixada coa espada do mancebo. Armas, Pelejas e vitrias sonha; E entanto sobre as ondas mal seguras Voga, lei delas, o baixel do estado.
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vidas mos, do abandonado leme Validos travam, no a endere-lo Para o rumo perdido; mas cobia Treda, que os move, a sirtes, a naufrgios Desarvorada a nau presto arremessa. Em suas iras de flagelo aos povos Um rei conquistador lhes manda o Eterno. III Do Escorial a ona refalsada Os negros fios da ambio urdia Que, por mos de vendidos conselheiros, Em labirinto escuro enrevezavam Os descuidados passos do monarca. Murmurava em silncio malsofrido Da nobreza real o escasso resto Que do antigo despejo lusitano Os francos sentimentos conservava. Impera o fanatismo, a hipocrisia: No profanado altar, fogueiras, vtimas, Do oriente ao ocidente lhes afumam O incenso da cobia, e o vapor negro De sangue e morte que regala os monstros. Em taas de ouro, com prazer de tigres, De lgrimas de vivas se embriagam; E os suspiros dos rfos desvalidos, Como deleite de suave msica, Os danados ouvidos lhes afagam. IV Eco antigo do nome lusitano Memrias de Pachecos e Albuquerques Ss continham ainda os inimigos Do vacilante imprio. Alucinado, Ignorante dos males que lhe encobrem, Cr reinar sobre um povo afortunado Do Tejo ao Zaire, e do Amazonas ao Ganges, O mancebo infeliz: to vastos reinos, Que no governa, dilatar procura. Cego! que triste fado, em mal, o aguarda! Que triunfos, que glrias, que esperanas, Que sec'los de vitria, que virtudes No vo, num dia, perecer com ele! Sorvei, areias de frica, essas cinzas, Bebei todo esse sangue. As asas mortas Exnime enrolou, caiu por terra O tenebroso Drago que amparara As Quinas tanto sec'lo: ento primeiro
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O Leo de Pirene o olhou sem medo. V Um s de honrada fama, inda virtuoso E portugus ainda, conservava No nimo real leve influncia. Aio dera o av ao jovem prncipe Dom Aleixo, estremado entre os mais nobres, E em virtudes e letras ilustrados Cavalheiros da corte. No se atreve, Conquanto o desejara, o rei mancebo, A afastar de seu lado este severo Amigo, que as verdades lhe no doira, Nem de lisonja vil empana o lustre Que em suas rectas palavras ps justia. Erros fatais, inquos procederes, Feios labus de prpura oh! e quantos Tem prevenido o velho! Quantas vezes Diante dessa honrada singeleza Tem recuado a intriga, e despeitosa Curvado a prepotncia a cerviz dura! Os validos, que o temem, que o detestam, Arteiramente vo minando surdos O favor do monarca mal experto: Mas no puderam inda. Pura, ingnua, Como a do homem de bem, era de Aleixo A religio sincera; detestava A hipocrisia, o orgulho dos ministros De um Deus todo amor, todo humildade, Que, sem comentadores, lhe mostravam O Evangelho e a razo. Poucos amigos Como de ver, contava o honrado velho, Mas dignos dele todos. Desse nmero Era e no muitos mais de seu estado, O castelhano ancio a quem o acaso Hspede e confidente ao vate dera. VI Santo fervo: que lusitana corte Trouxera o venerando missionrio, Do aio real na proteco confia Para obter o que importa a seus misteres Nas remotas regies onde deixara Cos nefitos seus alma e cuidados, Versado nos antigos exemplares De Grcia e Roma, aos cnticos sublimes De Job e Isaas se aprazia De comparar, em horas mais folgadas,
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Canes de Esmirna e Mntua: a mido o viram Sobre os prantos de Dido verter lgrimas, Talvez sem o remorso escrupuloso Do eloquente Augustinho. Recebendo Em depsito um poema de que ouvira Falar j tanto, e de homem to famoso Por seu grande saber, talento e arte, vido o livro abriu, leu. Admirado De ver trajar alfaias lusitanas s homreas belezas, aos apuros Das virgilianas graas, mais ainda De originais, de novas formosuras Por antigos cantores no sabidas, Cantores que jamais cuidou possvel Igualar, exceder por arte humana Seu generoso natural ardente Se lhe inflamou de nobre entusiasmo: obra tal (exclamou), tamanho engenho, To nobre amor da ptria, to sublime, rdua empresa, trabalho to difcil No ter galardo? Quem h mer'cido Tanto da ptria por espada e pena, Ingrata a ptria o deixar sem prmio? Ir mendigo e splice implorando A chatim mercador de ganho avaro, O humildoso favor de que lhe aceite Tal obra e tanta, por mesquinho preo Que, porventura, nem lhe mate a fome Nem lhe cubra a nudez Oh!... Resoluto Toma o bordo, caminho vai de Sintra, A Aleixo fala, expe-lhe o triste caso, Maravilhas que leu conta, e as virtudes E assinalados feitos do homem grande Que em vo apouca a sorte. Almas formadas Para a virtude e nobres sentimentos, Fcil se entendem, e fcil comunicam De seu ardor sagrado o ntimo fogo. VII Menezes disse ao rei: Senhor, um velho E fiel servidor de tantos anos Que jamais vos pediu merc nenhuma, Hoje um simples favor pequeno e nico Da bondade real talvez justia! Poderia esperar? Tudo: explicai-vos Tudo: que pretendeis? Pouco vos peo: Que ouais um infeliz.
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Onde est ele? Venha, mas seja breve; o tempo curto: E meus empenhos... Praza a Deus que sejam Aos portugueses e ao seu rei profcuos! Certo o sero: a glria nos aguarda Nas africanas praias impaciente. A mim me tarda j de ir encontr-la, E... Porm dom Aleixo no aprova As tenes do seu rei. Quando em conselho, Franco ouvireis o meu; mas fora dele, Real senhor, respeito e obedincia So os deveres nicos dum sbdito. O homem que sois, Menezes, bem conheo: Amei-vos desde a infncia, e inda vos amo. Sois meu amigo, sei-o, e to sincero, To leal o no tenho. O cu permita Que o cuideis sempre, e que infiis no sejam... Senhor, o desgraado por quem rogo, Nada vos pede; portugus e altivo, Como o so portugueses: mas tal feito, To gloriosa empresa em prol da ptria Cometeu e perfez, que j desaire Real seria de a deixar sem prmio Quem esse homem? Que fez ele? O Gama, O Albuquerque igualou? Fez mais do que eles; Que os tornou imortais. Podem um dia Erros nossos, baloios da fortuna Dar cabo dessas glrias do oriente, Dessas conquistas de Albuquerque e Vasco: Mas a fama das letras no perece, Nem a domina o fado. Tanta glria De Portugal padro eterno exige Que lhe assegure dos vaivns a sorte O porvir sempre incerto. Que soubramos Das faanhas de Aquiles, da piedade Do fundador primeiro dessa gente Romana cujo nome inda enche a terra, Se de Virglio e Homero no ficassem Mais durveis, seguros monumentos, Que as vencidas naes, que os altos muros Das erguidas cidades? Confess-lo No fora a ns outros cavaleiros: Renome e glria, bem o ganha a espada; Mas conserv-lo, s o pode a pena. Assim mo heis ensinado e o tenho certo. Dos mais famosos prncipes o exemplo
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Vo-lo dir melhor. Vede Alexandre Chorar de inveja, no pelos triunfos Do filho de Peleu, mas pelos cantos Que imortal o fizeram: vede Augusto Prmios, favores, honras dispensando A quem de Roma as glrias celebrava. Valem mais do que os feitos portugueses Os de Gregos, Romanos? Mais vitrias, Mais trofus, mais virtudes nos reconta Sua falada histria? No, amigo, No; e eu farei que inda maior se exalte O nome portugus pelo universo. Assim apraza aos cus! Praz, sim. Ou morte Honrada, ou glria igual a meus passados Ganharei eu. A glria dum monarca, Nem sempre armas a do. Dinis pacfico, Joane 49 o justo... Assaz mo tendes dito, Falemos, dom Aleixo, desse livro... VIII E Aleixo quanto ouvira ao missionrio Breve lhe expe: o mrito da obra, O glorioso renome que lhe fica De protector das letras; enfim tudo Quanto para inflamar o nimo ardente Do mancebo real melhor convinha. Ouvi-lo quero disse o rei, chamai-o Da minha parte: prmio ter digno Dele e de mim, se o que dizeis certo. IX O virtuoso Aleixo corre alegre Com a resposta ao empenhado amigo Que de tais esperanas enlevado Por devesas e grutas, por montanhas, Da fresca Sintra em derredor discorre, T que o seu protegido alfim encontra. Juntos desceram a escabrosa serra, E de gratos futuros embalados A hora aprazada para a audincia aguardam.
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D. Joo II.
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CANTO STIMO ........ Vereis um novo exemplo De amor dos ptrios jeitos valorosos, Em versos divulgado numerosos... E julgareis qual mais excelente Se ser do mundo rei, se de tal gente. Lusad. I Eu vi sobre as cumeadas das montanhas De lbion soberba as torres elevadas Inda feudais memrias recordando Dos Brites semibrbaros. Errante Pela terra estrangeira, peregrino Nas solides do exlio, fui sentar-me Na barbac ruinosa dos castelos A conversar coas pedras solitrias, E a perguntar s obras da mo do homem Pelo homem que as ergueu. A alma enlevada Nos romnticos sonhos, procurava ureas fices realizar dos bardos; Murmurei os tremendos esconjuros Do Escaldo sabedor falei aos ecos Das runas a lngua consagrada Dos menestris; perfiz solenemente Todo o rito; invoquei firme e sem medo Os gnios misteriosos, as areas Vagas formas da virgem de alvas roupas 50 Que, as tranas de ouro penteando ao vento, Canta as canes dos tempos que passaram Ao som da harpa invisvel que lhe tangem Os domados espritos que a servem, Como o subtil Ariel 51 , por invencvel, Encantado feitio... II Ou mal ouvido Foi o invocar do menestrel estranho, Ou triste realidade dissipava Fantasias de vates. Nem seteiras Me bruxuleavam namoradas cores De bordado talim, srica banda Por mo furtiva de gentil donzela
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Deitada em hora escusa ao cavaleiro Que aventuras correr se vai ao oriente E a ganhar do infiel a Terra Santa. Nem, de alm valos, nos corcis armados Vi descidas viseiras, peitos de ao Onde se espelha vacilante a lua, Enquanto aguardam que da ameia soe Corno de ano que abata a erguida ponte. No vi quadrigas de vistosas justas Nas praas de armas lanada viva Disputar-se o colar de ouro macio Prmio do vencedor, por mos bem lindas Ao peito inda sanguento pendurado. III Nada!... S pelos fossos entupidos Do desfolhar do outono, e bronco entulho Dos muros derrocados, soltas pedras F, imunda terra vista afiguravam Insepultos cadveres, golpeados Membros, inda cobertos de ao e ferro, Dos que em contenda injusta pereceram Peto vaidoso orgulho ou vo capricho Do castelo soberbo. Nas ameias Se me antolhavam hrridas cabeas Hirta a grenha, coas carnes laceradas Do corvo certo amigo dos tiranos, Que regalado o trazem. Tristes vtimas! Mais crime no teriam que a vontade Do imperioso senhor que a seus vassalos Viles de sua terra seus como ela Quis do poder que tem mostrar a alada! IV Ao p dessas janelas recortadas, Em que inda o tempo conservou resqucios Dos j pintados vidros, fresta escassa D luz medonha escurido sombria De ftidas masmorras inda inteiras, Mais duradoiras que os sales dourados: Como se a idade, que destruiu palcios, Memrias de prazeres, luxos, pompas, Catasse mais respeito a tais vestgios De atrocidade e crimes, e escrevesse, Ao passar, com a fouce enferrujada, Nu limiar dessas Portas: Escarmento s geraes porvir. Doa-me alma Na solido das runas; e a lembranas
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Mais gratas me fugia o pensamento, Para os vergis da ptria esvoaando. V Oh! nobres paos da risonha Sintra No sobre a roca erguidos, mas poisados Na plancie tranquila, que memrias No estais recordando saudosas Dos bons tempos de Lsia! Nem seteiras Nem torrees nem barbacs nem fossos. E que havia mister desse aparato Dado a tiranos, que inimigos vivem De inimigos cercados? Que soldados, Que mercenrias hostes de Janzaros Precisava um monarca lusitano Que Precedido vai por dbeis canas, Smbolo da brandura e singeleza De bom pastor de povos? Santas eras! Se pudsseis voltar, dias ditosos. VI Alto o dia, horas oito: j nos trios Girava do palcio a vria turba Que a audincia do rei, ou do valido, Quantos do mais escuro sevandija Que tais manses infesta! ah aguardam Acovardados uns, esperanosos Outros se amostram. Pretendente humilde Tmido se conchega a pobre capa, Porque no toque as rugedoras sedas Do corteso soberbo. Altivo o grande Com gesto protector ali corteja O artfice coitado, que nem ousa Recordar-se das dvidas antigas De tamanho senhor, to dado e lhano, Que tal honra lhe faz. O ndio abade, Que engordou nas fadigas evanglicas, Sem olhar, vai passando o triste cura A quem a escassa cngrua tanto abaixo Na hierarquia ps. Que requer este? Do real padroeiro esmola tnue Para uma caridosa albergaria Que em. seu pobre passal institura. E o que pretende aquele? O episcopado, A que tanto direito lhe conterem Os trabalhos dum pingue beneficio Desfrutado na corte.
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VII Nesta cena To variada em actores e interesses, Dois novos, que no gesto e ad'm bem mostram Quanto esteiras do pao os desconhecem 52 Entravam; curioso alvo das vistas Da turba pretendente: um velho monge, Um guerreiro de aspecto altivo e nobre, Mas de vaidade alheio. Vem da ndia A requerer: no trazem doutra gente Estas frotas de Goa? Abriu-se a porta: Volvem-se os olhos todos. Qual em Delfos Devotos peregrinos, quando os qucios Do misterioso limiar se movem, E o orculo terrvel ou propcio? Vai por obscuros carmes explicar-se. VIII dom Aleixo: no tropel confuso, Que se apinha de em torno, algum procura. Quem ser o invejado aventuroso? O aio real aos dois desconhecidos Cordial sada; e conversando juntos Poucos momentos, eis do os porteiros O devido sinal, menestris tangem; El-rei chega, no trono toma assento. Breve a audincia foi; no sobra o tempo Para as santas funes de magistrado A militares reis: s armas cede A toga mal prezada. Audincia finda. IX E el-rei, como inquieto, ao aio antigo: Dom Aleixo, entre tantos pretendentes O vosso protegido no no vejo. Ei-lo, senhor, o nobre cavaleiro Que desejais ouvir. Sim, quero ouvi-lo, Quero e desejo: no ignoro o preo Das boas letras, nem dum raro engenho A estima desvalio: em prol da ptria Uns obramos coa espada; cumpre a outros Coa pena honr-la. Se honra a minha pena, Real senhor, a minha amada ptria, Di-lo-o sabedores e letrados.
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Para servi-la... espada e brao tenho Que por si falaro. Digna resposta De portugus! Honrado sois, amigo. Por tal vos tenho e quero; e abonos vejo Em vosso rosto que voltar no usa Da face do inimigo. este (disse, Falando aos cortesos) de quantos de sia Aqui vm, o primeiro que no fala Em suas cicatrizes. Hastas eram, Senhor, as de Pacheco, e... Eu no ignoro Asperamente el-rei o interrompia Os feitos de Pacheco. X Olhos pasmados Os cortesos cravaram no soldado Que to crua verdade se afoitava A proferir ali; algum j cuida Que de escuro castelo a torre o aguarda, Ou que ao menos... Compondo um tanto o vulto, Tornou el-rei: Iremos, para ouvir-vos, Da Penha verde fresquido sentar-nos. Calmoso vai o tempo; e ademais, prazem Dobrado entre a verdura os dons das musas. XI Seguem todos o rei; a encosta sobem Do monte; e pelos bosques onde o louro Inda as glrias de Castro est c'roando Inda viceja coas memrias dele, 53 A real companhia vai entrando. XII Estavam de altas rvores sombra De aveludada relva em fresco assento. Atento o jovem rei fitava ansioso O guerreiro cantor que o nobre aspeito Tinha como de glria resplendente, E na divina inspirao aceso. Qual deveras o imita, qual fingindo; Mas todos se compem do rei a exemplo. O vate comeou: pausado acento,
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Respeitoso no tmido, lhe alonga Solenemente o cadenciar medido Do metro numeroso. O herico assunto 54 Primeiro expe do Canto: armas e glria Dos bares lusitanos que fundaram Do Oriente o Imprio novo; os grandes feitos Dos reis, dos cidados de eterna fama Que se ho da lei da morte libertado. Logo as Tgides musas invocando Porque alto som lhe dem e sublimado, Um estilo grandloquo e corrente: Dai-me com voz mais elevada clama Dai-me uma fria sonorosa e grande, E no de agreste avena ou ruda frauta, Mas da tuba canora e belicosa Que o peito acende, e a dor ao gesto muda, Um canto igual a meu erguido assunto. Se to sublime preo cabe em verso. XIII Depois ao jovem rei, segura esp'rana Da lusitana, antiga liberdade. Em versos de amor ptrio cintilantes, Ao ouvir cantar dos feitos portugueses Convida; pinta-lhe em vivazes cores A grandeza do povo a que preside, A lealdade, o valor; e recordando De seus avs famosos as virtudes. Digno exemplar de emulao lhe aponta. XIV J da tuba a Calope travando, Em terso estilo, e no de inchada pompa, Mas qual fluente e majestoso rio Por suas ribas magnfico se espraia Tal por seu grande assunto o vate imenso. XV No largo oceano, em prspera bonana As atrevidas naus vo navegando. Dos cus o alto Poder sublime e dino A conselho as menores potestades Sobre tamanha empresa convocava Cuidas ver, l num trono de diamante, Sentado o pai dos numes; por seus lbios Fulge o louvor da lusitana gente,
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Lus., canto I.
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Pasmo e terror do mundo. seu propsito De mor glria lhe dar no ignoto Oriente. De Nisa o vencedor cioso impugna A sentena do nume. Quem sustenta A herica Lsia? Vnus, Vnus bela, Afeioada a um povo, das romanas Qualidades herdeiro, e cuja lngua Com pouca corrupo cr que latina; Um povo to zeloso de seu culto, To devoto amador de seus altares! O fado o decretou, Jove o confirma; Abram-se as portas do Oriente aos Lusos. XVI J surgindo na treda Moambique, Ao fementido mouro pune o Gama Da prfida malcia. Eis l Mombaa, 55 Onde falsos Snons a engano o levam, Cru excio lhe estava preparando, Por artes do que sempre a mocidade Tem no rasto perptua, e foi nascido De duas mes. Tu, Ericina linda, Que a assinalada gente andas guardando, Tu, do velho Nereu, coas alvas filhas, Pondo ao duro madeiro o brando peito, Da cilada os salvaste. Aqui do vate O estilo se embrandece, espira o canto Suavssimos perfumes de Amatunte; Rosas de Pafos e jasmins de Gnido R namorada lira lhe coroam, Quando a bela Dione sexta esfera Segue enlevado. Est pelos semblantes Dos que o escutam debuxado o gosto Que o deleitoso quadro acende na alma. O mimo dos pincis to delicados, No lho deu natureza, que o no tinha; Deu-lho amor de seus cofres escondidos, Que nem a Ticiano to querido, To gro privado seu jamais abrira. XVII Mrmores de Praxsteles, esmeros De Fdias, de Cnova; oh! que beldades Retratais imperfeitas! Mas que os fados Vos outorgassem a invejada sorte Do venturoso Pigmalio obtida, Quando h-de o apuro do cinzel mais destro
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Lus., canto I.
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Tais mimos igualar? Aquele gesto Que as estrelas, o cu e o ar namora, Aquele afrontamento do caminho Que a beleza lhe aviva? Como as graas, Os espritos vivos que inspiravam Dos olhos onde faz seu filho o ninho? V-la diante do padre omnipotente Como na selva do Ida se amostrara Ao mui feliz troiano!... que, se a vira Tal o que j por vista menos bela Vulto humano perdeu, nunca seus galgos, Brbara lei! o houveram devorado, Que primeiro desejos o acabaram. XVIII Os crespos fios de ouro desparzidos; Pelo colo que a neve escurecia; Lcteas tetas que andando lhe tremiam, Com quem amor brincava e no se via; As flamas que lhe saem de alva petrina; Desejos que como heras enrolados Pelas lisas colunas lhe trepavam... Quem tal expressar, quem tais belezas, Na slice ou painel ou brandos versos, Pintar j soube ? No a viu to bela Graas pleitar pelo invejado pomo O real pastor de Pramo. Escondidos Por delgado sendal outros encantos... Escondidos s quanto mais o acenda E redobre o desejo que penetra O vu dos roxos lrios pouco avaro. XIX O omnipotente padre no resiste Aos feitios do anglico semblante, Aquela doce nuvem de tristeza Com riso misturada: Qual a dama Em amorosos brincos maltratada Do incauto amante que se ri, se aqueixa E se mostra entre alegre magoada. Jove no resistiu quem tal pudera ? Beijo acendido splica responde. XX Propcio o fado aos fortes viajantes De sorrir-lhes comea. j Melinde Amigos braos lhe abre: j do Gama
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Os lusitanos feitos recontados, Terra e costumes so. Pasma o rei brbaro De ouvir dos povos da soberba Europa As remotas regies, ignotos nomes. Pinta-lhe, quase cume da cabea 56 Da Europa toda, o Portugus Imprio, Ptria do esforo outrora e liberdade. Diz o pastor que do ferrado conto De seu cajado abate guias romanas; Henrique 57 o mauro jugo espedaando, E abrindo com sua espada triunfante De Lsia o fundamento. Ao filho ilustre Cabe glria maior: de c'roas cinco A vitria lhe tece; e as santas Quinas, Por eterno braso, dos cus recebe. De Egas Moniz a lealdade e a honra Aqui tambm refere. Olha, os filhinhos Tenros, e a doce esposa vo descalos A oferecer as inocentes vidas Pela dada palavra. Mais se estende Sob o primeiro Sancho o novo reino Pelos vencidos, trridos Algarves. 58 Vem outro Afonso 59 , o vencedor de Alccer, Do mouro pertinaz excio extremo. Mas do segundo Sancho a mole inrcia De privados regida, no tolera Nao altiva que outro rei no sofre Que no for mais que todos excelente. 60 Das impotentes mos as rdeas toma O conde bolonhs: 61 glria volvem As armas portuguesas. Melhor sorte Coube a Dinis, pacfico monarca: s conquistas da espada deu cultura. De artes a ornou e enobreceu coas letras; E s formosas campinas do Mondego Fez do Hlicon descer as ureas musas. Claros lumes da terra, sos costumes, Constituies e leis co ele florecem. XXI Mal obediente o valoroso filho, Domador das soberbas castelhanas, Do venerando pai empunha o ceptro:
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Lus., canto III. Conde D. Henrique. 58 Veja a nota a este verso, no fim. 59 D. Afonso II. 60 Lus., canto III, est. 93. 61 D. Afonso III.
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Afonso 62 , que nos campos do Salado As hostes granadis prostrou tremendas Com pequeno poder. Viosos louros De tamanha e to prspera vitria Caso triste murchou, crueza brbara Que belssima Ins deu morte injusta. O prprio amor, cuja ferina sede Nem com lgrimas tristes se mitiga, Inda s saudosas margens do Mondego, junto fonte que lgrimas formaram, Verte sobre ele desusado pranto. As naes do universo, que escutaram As endechas do vate, as vo cantando; E do brbaro Neva ao culto Sena, Desde o Tamisa frio ao Pado ardente, Os lamentos de Ins repete a lira. XXII Brandas ninfas do plcido Mondego, Vs que o doce gemer, que os namorados Ais do prazer ouvistes pela selva Que encobriu tanto amor, tanta ventura Em tempos de mais dita; que escutastes os magoados suspiros da saudade, Quando ausente daquele por quem vive, S, gemedora rola, vai carpindo A ausncia do seu bem, do seu amado, E aos montes, s ervinhas ensinando O nome que no peito escrito tinhas; Que depois, memorando a morte escura, Longo tempo das umas cristalinas S lgrimas formosas derramastes, E, por memria, em fonte convertidas, O nome lhe pusestes, que inda dura, Dos amores de Ins que ali passaram; Vs ao vate os segredos recontastes, Os mistrios de amor, e o pranto, as queixas Da malfadada Castro. A lira anseia-lhe, A voz carpe-se, os tons gemem to meigos, Mas to cortados de uma dor to viva, Que um partir-se o corao de ouvi-los. XXIII Ausente o esposo: solitria vaga Pela vrzea de flores recamada, No pensamento alheado revolvendo Ledos enganos de alma, suavssimas
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D. Afonso IV.
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Lembranas do passado. e a mais suave, Lisonjeira esperana do futuro. Oh! quando ela outra vez naqueles braos O tornar a apertar, quando... Armas soam De cavaleiros, e corcis nitrindo Nos trios do palcio... escuta... ele, O seu Pedro, oh ventura! Esposo, esposo! Mas pelo ausente esposo o pai responde. O amante no vem: juiz severo, Pelos beijos de amor, lhe traz castigo Que no merece amor, nem quando crime. XXIV Cos filhinhos, em vo banhada em pranto, Splice implora os brbaros. O ferro Embebem crus no peito cristalino; E as vivas rosas que das faces fogem, Pela ferida a borbotes se esvaem Cos inocentes filhos abraada, No geme, no suspira; a beijos colhe, Uma a uma, as feies que tanto ao vivo As do querido amante lhe retratam. J pelos lbios derradeira foge A ltima vida, o ltimo sopro em sculos Todos amor, todos ternura. Os olhos j da formosa luz se extinguem... Trmula, Inda coa incerta mo procura os filhos, Inda afagando imagens do seu Pedro, Entre os amplexos maternais. Esposo, Esposo... Esposo!... balbuciando, expira.
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CANTO OITAVO Em perigos, e guerras esforados, Mais do que prometia a fora humana Entre gente remota edificaram Novo reino, que tanto sublimaram. Lusad. I Aqui chegava o canto: houve crestadas, Guerreiras faces que enrugou Mavorte, E onde aflio, nem dor, nem transe de alma Jamais colheram lgrimas, houve delas Mal enxutas do pranto involuntrio Que ais de amor, que entusiasmo de virtude, Patriotismo ou glria destilaram De olhos torvos por centos de batalhas. Mas de alma ao rosto vai canal aberto Que s entopem vcios, ou fingido Orgulho do homem vo. Porque te escondes Na toga consular o vulto austero, Libertador de Roma? J suspensas As segures esto... To firme peito Que faz, que no sustenta o rosto ao golpe? Roma salva... Mas eles so seus filhos; E Bruto, o cidado, tambm homem. II Louvor ao vate insigne! Pouco dizem, Que sentem mais. O jovem rei aplaude Com franco entusiasmo, e entre si pensa: Um dia ofuscarei toda essa glria, E a mais altas canes darei assunto. III Trazem no entanto moos de pelote, Em ricas salvas de ouro alto-lavradas, Preas de avassalados reis do Oriente A casquinha gulosa e delicada, Da selvosa Madeira arte e renome, Luxo de lautas mesas; amplas jarras De lou, transparente porcelana, Raro produto do Chins longnquo Raro na Europa ainda, e ento condigno Ornato de reais copas. Ali se enchem
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Ao lmpido jorrar de fresca fonte Da fria gua de Sintra, e saborosa Mais que o licor do Reno, ou que as sulfreas Lgrimas de Partnope. 63 Tomaram Refeio leve a nobre companhia E o vate prosseguiu. IV Est contando O Gama ao rei amigo os mais famosos Feitos dos nossos. Diz-lhe de Fernando Os amores adlteros, e o tbio, Froixo governo que indefeso o reino Deixa ao furor imigo castelhano, E de total destruio em p'rigo: Que um fraco rei faz fraca a forte gente. V Mas do letargo vil em que o prostraram, 65 voz de Nuno 66 o portugus acorda. Com palavras mais duras que elegantes Glria bradou e liberdade e ptria, Nomes que outrora em peitos lusitanos Eram de chama elctrica cintilas Que os coraes briosos lhe inflamavam. Embalde o poder todo de Castela, Por sustentar Beatriz, feroz se ajunta. Joane 67 por seu rei levanta o povo; E o eleito do povo digno dele No curva a jugo estranho o coto altivo A nao, indomvel quando livre. VI Campos de Aljubarrota, inda em vs soa O eco da trombeta castelhana Horrendo, fero, ingente e temeroso. Guadiana, tuas guas de assustadas Vejo-as atrs volver. Que anjo de morte esse que discorre de ala em ala Coa fulminante espada? Jorra o sangue, Treme a terra debaixo dos ps duros Dos ardentes cavalos, soa o vale,
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Lacrima-christi. Lus., cant. III. 65 Lus., cant. IV. 66 Nuno lvares Pereira. 67 D. Joo I.
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Lanas escalam, os broquis sonoros Estalando retinem Sant' Tiago! So Jorge e avante! cada qual rebrama. Vitria! A quem? Ao Lusitano, a Nuno. VII J no cabe na Europa o nimo grande Dos Portugueses: treme a frica adusta, E a triunfada Ceuta abre suas portas Aos infantes magnnimos. Mas cara Custa a vitria: vs, o novo Rgulo Sb pelo amor da ptria est passando A vida, de senhora, feita escrava: Fernando expira em tenebrosos crceres; Vive porm seu nome e claro brilha Para glria da ptria, e eterno oprbio De prncipes covardes que ho descido A ignorado sepulcro em leitos de ouro. VIII Glorioso Joo, foi teu reinado Alto comeo lusitana glria Que, do extremo ocidente, a longes terras, A mundos novos, mares no sabidos Triunfante correu. Jamais no mundo Se viu trono real assim rodear-se De generosa prole. No se acoitam Molemente na prpura paterna Os filhos de Joo, nem se crem grandes Em torpe ociosidade vegetando sombra do diadema que em suas frentes Descuidadas no pesa: Henrique o grande, O sbio Henrique, o protector filsofo Das cincias que honrou; Fernando, o santo Mrtir da ptria; Pedro, o virtuoso, Legislador e justo; Joo, o austero, Alma romana em corao de Luso; E Duarte, o pacfico, o piedoso Que to breve reinou. IX Tenro inocente Vestiu manto real o quinto Afonso: Nas virtudes de Pedro achou tutela Sua idade inexperta. Ingrato e feio Caso, digno das torres de Bizncio, Viram de Alfarrobeira infames plainos
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Roxos do sangue das civis discrdias. Toda a tua glria, vitorioso Afonso, Esse apelido insigne que hs tomado Ao destruidor da desleal Cartago, Ndoa to negra fama te no lavam. Teu nome, e o de teus prfidos validos, Todo o bom portugus detesta. Esconde, Esconde, Afonso, a prpura sanguenta Trs a glria imortal que resplandece De em torno ao filho teu. Se h i rei justo Rei cidado, monarca magistrado, 68 Rei que obedea lei, que a guarde ao povo, Que o ceptro, vara angusta de justia, Equilibre entre grandes e pequenos, Puna opressores, oprimidos erga, Abata o orgulho vo, premeie o mrito, Busque a virtude em stos de humildade Para a exaltar sobre arrasados paos Do crime audaz e da soberba intil; Rei que o ofcio 69 de rei preencha e saiba; Joo segundo o foi. Celebrem-te outros Peto valor que Toro inda pregoa, Por domadas regies, arados mares, Por descobertos cabos, esperanas De futuras riquezas e conquistas: Eu s coroarei teu sacro busto Com a cvica folha imarcescvel Do carvalho, mais nobre e mais glorioso Que o louro dos heris. Sanguneas gotas Mancham sempre a grinalda das vitrias; E o clamor da viva, o grito do rfo Quebra a harmonia dos clarins da fama: Mas as bnos dum povo agradecido So melodia de suaves notas Que por eras e eras se prolonga s geraes Por vir. Um rei como este, Dai-lhes um rei como Joo segundo; E esquecido o tenaz republicano De Brutos e Cates, ajoelha ao ceptro. Este fez explorar de aurora os beros Com baldados trabalhos, que essa dita Ao feliz Manuel o cu guardava. X Ento reconta o sonho misterioso Do venerando Ganges, do rei Indo Que ao ditoso monarca, ao romper de alva
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Rei cidado, rei homem, pai e amigo Ferreira . Mon mtier de roi, dizia Frederico, o Grande.
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Em viso bem fadada apareceram. Diz a intentada, perigosa empresa 70 Que ousou de cometer; trabalhos, riscos Na longa e lassa via suportados: Moambique, a traidora, castigada Para escarmento e pena; e o temeroso, Namorado gigante em dura terra Por seus atrevimentos convertido, E, por dobradas mgoas, rodeado De Ttis formosssima que amava: Ttis que j cuidou de ter nos braos Louco de amores, nica, despida, Quando se achou c'um rido rochedo De hrrido mato e de espessura brava. XI Enfim chegados com ditoso auspcio As melindanas praias, aqui finda O ilustre Gama a narrao pedida. J pazes finda e aliana amiga 71 Com o africano rei; e alfim nos mares ndicos voga, demandando a terra Que desejada j de Tantos fora. 72 XII Consumou-se a alta empresa; aberto o Ganges Aos galees do Tejo. Em vo comprimem Na treda Calecut traidores ferros Ao Gama invicto os denodados pulsos: Tudo vence a constncia e nobre audcia Do forte capito. Coa alegre nova Do descoberto Oriente, meta austrina, Outra vez cometendo os duros medos Do mar incerto, pe a aguda proa. XIII Agora os sons do canto e embrandecidos Coas delcias de Pafos e Amatunte Por namorados bosques, guas lmpidas, Fresquides deleitosas vo soando. Eis vs a filha das cerleas ondas, A bela Vnus, que repoiso amigo, Delicioso lhes traz; ilha divina
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Lus., cant. V. Lus., cant. VI. 72 Lus., cant. VII. 73 Lus., cant. IX.
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Onde quanto espalhou a natureza Por mares, cus e terra em formosura., Tudo ajuntou ali: copados bosques, Coutos de amena sombra; vicejantes Relvas em que o primor de seus matizes Esmerou Flora, e lhas bordou mais lindas Que o prprio leito onde com doces beijos Zfiro lhe mitiga o ardor da sesta; Murmurantes arroios, mansamente Em seu correr, de amores conversando Coas as drades do bosque; os rubicundos E dourados tesouros de Pomona... Oh! que cena de lnguidos prazeres, Que paraso de deleite, Vnus! Pelo travesso filho asseteadas As esquivas nereidas suspirando, Seguem a bela deusa, que promete A suspirar to doce um doce prmio. XIV Mas em mar leite navegando alegres, Os esforados nautas j descobrem Entre a alva espuma das ambientes guas Viar a ilha formosa: qual no seio Lcteo tremente da modesta noiva Puro verdeja o esponsalcio ramo. J proa e rumo para ali apontam; Eis chegam, eis do encanto e maravilha Absortos pasmam... pela sombra amena Se embrenham, caa agreste procurando. Mas ferida lha tinhas, Ericina, Menos spera j, mais doce e linda. Correndo vo aps as ninfas belas, Que fogem, que se escondem, mas fugindo, Nem tudo escondem; fogem, mas to leve No corre o lindo p que no tropece... E caem... Certa amor canta a vitria, Se lhe cai sobre a relva o fugitivo. Oh! que famintos beijos na floresta! E que mimoso choro que soava! Que afagos to macios!... Breve e rpido, No seio do prazer se esvai o dia. XV Harpa sublime que n'altura soas Das cumeadas da glria, harpa que os hinos Fatdicos, nos ecos alongados Do porvir enublado, obscura tanges,
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Donde s vagos sons confusos coam Na terra, esperdiados por vulgares Orelhas de homens, harpa misteriosa! Clara te ouvia o vate sublimado Quando as notas profticas repete Na remontada lira. Etrea ninfa 74 Os porvindouros feitos e virtudes Dos heris Lusos no domado Oriente Ao cu com doce voz est subindo. XVI J voadores lenhos povoando O vasto oceano que lhe abrira o Gama, O senhorio dos frementes mares Vitoriosos ocupam. Reis que ousados A orgulhosa cerviz no do ao jugo, Do brao provaro que, forte e duro, Os faz render-se a ele ou logo morte. O gro Pacheco, o lusitano Aquiles, No passo Cambalo soberbos naires Do Samorim potente desbarata: Por vezes sete em spera batalha Triunfa em terra e mar. Eia, as coroas Rei dos Lusos, os carros lhe prepara, Que ptria volve com despojos cento A humilhar a teus ps. Que vejo! essa A prpura que o cinge! esse o templo Onde em triunfo o conduzis, ingratos! Num hospital, de andrajos vis coberto Morre Pacheco do seu rei na corte... XVII Almeida vem depois co nobre filho, Que do ndico oceano as guas tinge Do sangue imigo e seu. Atroz vingana Corre co iroso pai: Dabul, Cambaia, Enseadas de Diu, ei-lo no feno Destruidor vos traz excio e morte. Inveja vil de prfidos validos, No tua esta vitima; seus ossos, No lhos possuirs, ingrata ptria. Seu fado negro foi, mas antes ele; Antes perder a vida s mos selvagens Do rudo cafre na deserta areia, Que fome... fome, e no seu ptrio ninho! XVIII
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Lus., cant. X.
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Mas oh! que luz tamanha que abrir sinto! Luz do fogo e das luzentes armas Com que Albuquerque vence o altivo Persa. Rende-te Ormuz, Gerum, Mascate e Goa. Tu, Malaca opulenta, em vo te assentas L no grmio da Aurora onde nasceste; Em. vo embebes venenosas setas No arco certeiro, e os crises refalsados Com peonhas mortferas temperas: Malaios namorados, Jaus valentes, Todos ao luso vencedor sucumbem. XIX Medina abominvel, Meca tremem Co nome de Soares; as extremas Praias de Abssia tremem. Cede a nobre Ilha de Taprobana; hasteado impera Luso pendo nas torres de Columbo. XX Sequeira, os dois Menezes, e tu, forte Mascarenhas, depois vireis de glria Colmar. a mais e mais, o ptrio nome. Pelo famoso Heitor, Sampaio vence Frotas arbias. Baaim se entrega Ao Cunha ilustre. Ergue os altos muros Sousa da insigne Diu; Castro o forte O honrado, o vencedor, o triunfante, Castro os defende. Maior nome em glria, Em virtude, inteireza e amor de ptria Jamais pronunciaro homens da terra. XXI Tgides belas, que em meu verso humilde Os ecos reflectis da voz celeste, Das imortais canes que lhe inspirastes, No mais, no mais que me falece o alento. Na extenuada fira os sons se quebram, Como suspiros de oprimido peito. Diga Urnia bela aos seus validos Que segredos lhe disse das esferas, Da vastido dos orbes, do mistrio Da criao inteira: eu vate humilde Que s de longe respeitoso sigo O divino cantor, no ouso a tanto.
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XXII Da ilha namorada o Gama invicto Singrando vem para o seu ptrio Tejo; E o Tejo recebeu do Indo e Ganges Preito rendido e tributrio feudo.
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CANTO NONO Mas quem pode livrar-se porventura Dos laos, que amor arma brandamente? Lusad. I No sabia em que modo lhe mostrasse Ao vate sublimado o rei mancebo, O entusiasmo, o vivo prazer de alma Que lhe inspiraram as canes divinas. Louva a escolha do assunto, a arte engenhosa Que num s quadro majestoso e grande Todos uniu da portuguesa histria Os memorandos feitos, vares dignos De eternidade e fama: louva o estilo Nobre e terso, de pompa ou singeleza, Qual o pede a matria; o sacro fogo Do ptrio amor, de glria, de herosmo Que, dum por um, nos versos lhe cintila De cortesos, aplaudem co monarca Alguns; outros sinceros congratulam O trovador moderno que descanta Trasborda em jbilo a alma generosa Do honrado Menezes. Mas no faltam Ao p do slio nunca inda mal! nunca Peitos vis, coraes glria alheios. Por esses lavrou logo a inveja, o dio Ao cantor dos Lusadas: no sofre Apreciados, sejam, conhecidos. Fingem no entanto, que fingir arte Mxima de palcios... II Folguei muito Dizia o rei, e o gesto abraseado A verdade do dito afianava: Folguei de ouvir-vos; nunca tal virtude Em versos cri para exaltar o nimo Ao sublime entusiasmo da virtude, Aos feitos grandes. Sinto que me bate Com mais vigor o corao no peito. Alma ter pequena e bem mesquinha O portugus que no mover tal canto. Assim dizia o rei: caminho vinham Dos paos, despediu-se o herico vate;
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E o mancebo real: Voltai a ver-me, E vos farei merc, como devido. Entrou a corte pelos trios rgios. III Rpido ia o sol no cu descendo: O guerreiro cantor volve a embrenhar-se Pela espessura e bosques. No esp'ranas De melhor sorte, no lisonjas doces De amor prprio, mais doces quando ouvidas De lbios de monarcas: no promessas De merecido prmio, nada agita O sangue do esforado navegante. Se ideias tais despontam, breve as sorve Remoinho de encontrados pensamentos Que do ansiado esprito lhe travam. A mensagem, a carta misteriosa Revolve, e as circunstncias; as Palavras, Interpret-las quer. Em vo; no podem As conjecturas mais: fora do dia Aguardar impaciente o lento ocaso. IV No mais erguido cume da alta serra Que disseram da Lua eras antigas, De fbrica mourisca se alevanta Castelo hoje em runas derrocado. Escassa ameia vs em p suster-se No escalavrado muro. J trabucos, Dos sculos depois vaivm mais duro Petas ngremes rocas dispersaram As pedras que talhou a mo dos homens Outrora dessas rocas, para al-las Em torrees de morte: mpia fadiga Trabalho mprobo e duro! A asa do tempo Voando passa, e varre a obra do homem De sobre a face da esquecida Terra. V E disseras que de homens como os de hoje No puderam ser obra esses vestgios Do imenso Babel que vs prostrado. A braos de gigante sobreposto Monte a monte parece; arrebatada Por anjos infernais a roca antiga Que ao prumo a descaram e fixada No encantado equilbrio, desafia
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Foras da natureza e arte dos homens. Mouro o mais do que vs, e a doble cerca Do castelo, e a cisterna que s devotas Ablues, ali perto da mesquita, Suas guas filtradas ministrava. E essa que, de to longe a Meca olhando, Ouviu as derradeiras coxas preces Que ao surdo Al mandava aflito crente Quando j sobre as asas da vitria Cruz inimiga remontava altura, As humilhadas Luas arrojando De precipcio em precipcio ao abismo; Essa inda em p, no meio das runas Desmanteladas, seu fiel cimento, Tenaz na antiga f, guardando ainda, No azul que em sua glria lhe vestiram, As estrelas do Imen e os enlaados Caracteres do Hejaz!... VI rabe todo O aspecto que ests vendo. Mas atenta A nessas quebradas menos duras Como a pique se tem negro, inteirio Cltico dlmen recordando o culto Do sanguento Endovlico, o terrvel Irminsulf dos ferozes Lusitanos. VII Talvez permite AQUELE que de tudo norma eterna e lei, assim durarem Quaisquer memrias que o respeito, a crena, Errada embora, dos mortais levante Em Seu nome... Das fbricas dos homens Morredouras como ele estas resistem Mais do que nenhumas ao minar do tempo. VIII Ali, no mais solene das runas E no mais alto, ali num canto ainda Slido da muralha fabricara Solitrio habitante desses ermos Manso tranquila e s. Musgosas plantas Crescem nas fisgas do cimento antigo. Tapearia de heras verdejantes Forra a cortina da parede bronca E em cados festes se balanceia
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Sobre a entrada do lbrego retiro. IX Tradio que nomeado vate De alta beldade misterioso amante, Entre as fragas erguera a manso triste, Onde cevou de tristes pensamentos. O corao cortado de saudades. Saudade pelas pedras entalhada Se lia em caracteres bem distintos; E o nome de Beatriz, tambm gravado Na slice do monte, lhe responde, Como eco das endechas namoradas Do cantor da soido. Sentado viram O gnio da montanha, alvas trajando Roupas de nuvem, dar ouvido atento As canes magoadas e suavssimas De Bernardim saudoso e namorado. 75 Bernardim, que das musas lusitanas Primeiro obteve a c'roa de alvas rosas, Com que em seu mal romntico alade Engrinaldou para cantar amores Doces de alta princesa, inda mais doces Favores, que indiscretos revelaram xtase de alma em derretidos cantos. Fragueiros inda 76 vivem que de v-lo Se acordam pela noite andar vagando Por os picos da serra no mais alto, Ora ternas carcias dando ao vento, Ora imprecando com furor as rocas, E a mido suavssimas cantigas De apaixonado assunto modulando. X Sbito um dia, de bordo na dextra, Na opa de peregrino disfarado Desce os montes da Lua, e mais erguidas Serras demanda; em romaria aos Alpes Parte, a levar o corao votado A quem talvez, na prpura, suspira Pelos andrajos do mendigo amante. V-lo-, o objecto de suspiros tantos, De saudade to longa, da romagem Devota; mas s v-lo, e adeus eterno, E para sempre adeus!... Cruis lhe vedam Mais que esse adeus. Voltou ptria, e morre.
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Bernardim Ribeiro. Veja a nota a este verso, no fim. No tempo da visita de Cames serra.
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XI Este foi da poisada solitria O fundador e o nico vivente Que desde ento as frias cumeadas E runas habitou da antiga torre. E este era o stio que aprazava a carta De incgnita mensagem ao guerreiro. XII Alfim no oceano se mergulha a lmpada Do firmamento mxima. Descia, Como um vu, a nebrina sobre a serra; J lhe toucava a frente, e ia ligeira Pela espalda, insensvel devolvendo, T lhe poisar as orlas na plancie. No meditar profundo embevecido, O guerreiro, que aguarda h muito a hora Lenta da noite, no deu f da nvoa Que hmida todo em derredor o fecha. Despertou-o a frieza inesperada Que no alto das montanhas vem coa noite. Como no seio envolto de uma nuvem Misteriosa se cuida; olha de em torno, Nada v, tudo encobre a nvoa espessa; Nada v, mas distinta uma voz ouve: Cumprido o sonho, mas quebrando o encanto: Ainda a viste, nica vez na terra! Nunca mais a vers. O vu, que dele? E a tranca que, ao sepulcro sonegada, Prenda foi de ternura? Ei-la comigo, Sempre comigo. Restitu-la campa, Quando campa descer, a mim s cabe. Mas quem de meus segredos sabe tanto? Quem de amor os mistrios e os da morte Penetra assim? Do nmero dos vivos s tu, ou do moimento h suscitado Poder fatal as cinzas dos finados Para me interrogar! Vivo eu, sou vivo: Conhece-me, sou eu, teu inimigo, Teu inimigo hei sido; e eterna a vida, Se cruz, para tormento, os cus ma dessem. Toda a odiar-te, inteira a aborrecer-te Pouca seria. Tu s me roubaste Aquele corao: tu sim, tu foste. Tu mo roubaste, que, sem ti, meu fora.
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Em vida te adorou; na morte... A morte, Quem, seno tu, ingrata lha h causado? Saudades a privaram da existncia. Consola-me que ao menos no gozaste Tanto amor, tanta f, tanta beleza, Que no mer'cias no. Se digno dela Houve mortal, a mim, que no a um... Conde! Bradou convulso, e a mo ao ferro leva O insofrido guerreiro. Mas tranquilo O rival lhe tornou: Sois ofendido? Desafrontai-vos; ferro e brao tendes. Nem vos fujo eu: porm a minha espada Jamais demandar um peito que ela... Sim, que ela amou. Transviou-me a paixo de alma; Bebera o sangue que essas veias gira, Que nesse corao bate coa vida: Mas veda-o juramento sacrossanto; Guard-lo-ei. Maior o sacrifcio Que prometi, maior. XIII Tira um retrato Do seio: olhos sanguneos, arrasados De despeitosas lgrimas, cravava Na Pintura; com mpeto os afasta Logo, e diz Cumprirei o que hei jurado Houve-o de suas mos este depsito Nas derradeiras horas: confiada A um rival generoso foi a extrema Vontade sua; Fora dar-lhe inteira Execuo, qual minha honra cumpre. Ei-lo aqui, o legado precioso; Pela mo do inimigo amor to entrega. XIV Comovido do ntimo do peito, Magoada vista punha no retrato O guerreiro, em cuja alma combatiam Paixes to desvairadas, to confusos Sentimentos e afectos, que express-los No saberia o corao que os sente. Prenda cruel de amor, ddiva infausta... Antes querida!... Aqui parou cortado, Coas ideias, o fio das palavras. Mas continuou depois: Forais-me, conde, Mais que a admirar-vos: o dio que me tendes,
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Generoso rival, no me possvel Abrir-lhe o peito, no. Odiai-me embora, Que vos amarei eu, mau grado vosso. O retrato... Oh! jamais no ser dito Que em pontos de honra e generoso brio Fique Lus de Cames de outrem vencido. Guardai-o vs, senhor, guardai-o: vosso: A um inimigo tal amor o cede. XV Suspensos, mudos ambos se entr'olhavam Os dois rivais briosos que alta prova Assim do nobre peito herica davam Em magnnimo duelo de virtude. No rosto ao conde as rugas se alisavam Que ciosos rancores lhe frangeram; E bem se via que os jurados dios Ao generoso feito se rendiam. Lutaram todavia; mas vitria Em peito bem nascido h sempre o brio. Venceste, cavaleiro; as armas ponho. Faanha heis feito de homem, que imitada De muitos no ser. Meu repto nulo, Por vencido me dou em leal batalha; De mim disponde. Avaliar o preo De tais momentos, coraes s podem Grandes como esses dois tinham no seio. O guerreiro estendeu os braos. Cai-lhe Nos braos o brioso antagonista. Palavras no disseram: onde h lngua Com prprios termos para instantes desses? XVI Como inimigos foram, so amigos. Juntos choraram; juntos, esse objecto Que em vida os desuniu, na morte carpem. Separaram-se alfim. No deis ouvidos, Disse o conde ao guerreiro, despedida: A louvainhas tredas de palcios, E a promessas de corte. Hoje estivestes Com el-rei; grande fama heis alcanado E favor do monarca: mas dobradas Sero as malquerenas de inimigos, Os dios da ignorncia e vis conluios Da inveja negra e m. Por dom Aleixo Entraste a el-rei; mal acertada porta. Contai co desfavor dos precatados
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Validos que governam. Por honrado Vos tero e virtuoso: abonos tendes Em qualidades tais para seu dio. XVII Prximo o dia no tardou no oriente; Volve ao pao o guerreiro. Era partida Para Lisboa a corte. Na poisada, Cuidadoso da delonga, o missionrio Com nsia o aguardava: ambos caminho Da lusitana capital se foram. XVIII Correra a fama do louvor, do preo Que dera o rei ao sublimado canto. Pronto se oferece quem germanas artes 77 Em dar-lhe vida e propag-lo empregue. Doutos e indoutos com geral aplauso Viram do novo Homero o canto insigne Que ptria glria monumento augusto Sublime erguia. Soa o brado ingente J pela Europa; e o nome lusitano Ao nome de Cames eterno se une.
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Imprensa.
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CANTO DCIMO Que exemplos a futuros escritores! Lusad. I O Tejo o ouviu no algoso de suas grutas, E em despeitoso brado lhe responde. Gemem as ninfas que o lidado canto Inspirado lhe haviam, e em suas telas Com tristes, negras cores debuxaram A injria, o crime, a ingratido to feia Que indelvel nos fastos portugueses mancha horrenda e vil... II Arqueja exangue, Definha mngua, s, desamparado Dos amigos, do rei, da ptria indigna, O cantor dos Lusadas. Ah! como! Que das gratas promessas do monarca? Que de tanta esperana lisonjeira? Perfdia baixa e crua, onde hs pousado? No corao da inveja e da ignorncia, Do fanatismo brbaro. Soaram Tremendos, nos ouvidos criminosos Dos cortesos hipcritas e astutos Os livres sons do nobre patriotismo Com que a treda impostura de mpios bonzos E a tirania infame de validos O guerreiro cantor asseteara. Nus cavernas do peito refalsado dio cego lhe entrou; os beios roxos, ridos com a sede da vingana, Mordem convulsos. Nunca to terrvel, Nua a verdade lhes mostrou seus crimes, Como na boca desse vate ousado. III Vingar-se fora; mas vingana negra, Feia e covarde a querem. Sem amigos, Sem protectores, pobre, sem arrimo, indigncia, misria a sucumba, E de sua ousadia o crime expie.
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Assim no corao lhes fala o dio; E o cumpriram assim. Todo no apreste Da jornada fatal andava o nimo Po malfadado moo que em sua clera Rei dera o cu ao povo lusitano. S armas cura, s vitrias sonha: Geme entanto a nao, quase pressaga Do desastre que a aguarda. Em Sintra fora Resolvida afinal pronta partida, Que o monarca impaciente apressurava. IV De tal resoluo ignaro o vate A Lisboa chegara; o pao busca, Ningum o atende; o virtuoso Aleixo Procura... No palcio j no vive: To livre sustentou, to nobre e firme Seu parecer contra a jornada infausta, Que irado Sebastio de si o aparta; E triunfando da virtude a intriga, Por traidor e revel, ao cego jovem Seus inimigos infames o afiguram. Triste deixou as casas venerandas De seus reis, onde quase um sec'lo o viram, No coitar-se na prpura, mas dar-lhe Mais brilho e honra com leais virtudes. V Ao guerreiro cantor foi esta nova Triste pressgio, corte de esperanas. Corre audincias em vo; vazio o trono. Frio ministro em nome do monarca Ouve indiferente as splicas do povo. Entre a ignorada turba confundido De tristes, desprezados pretendentes O divino Cames... VI Entanto as velas J pelo Tejo undvago branqueiam; As falanges de intrpidos guerreiros Cobrem suas longas praias. Lamentando Esto de em torno as mes, esto esposas Os filhinhos nos braos amostrando Aos pais, que o gesto angustiado voltam Para os no ver, que se lhes parte alma.
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VII Mas quem so esses dois, que a na praia To estreitos se abraam? Correm lgrimas Por olhos que a vert-las no costumam; Em peitos se reprime o adeus sentido, Peitos que o no contm. Adeus!... A vida mais difcil, filho, do que a morte: Suportai-a; mostrai-lhes que sois homem, Que sois cristos: perdoai... Perdoar eu!... Nunca. Malvados que me roubam tal amigo! nico amparo s que me restava; Que de envolta coa ptria, coas esp'ranas Dum povo inteiro, a vil sepulcro o levam! Oh! perdoar-lhes, nunca: o derradeiro Acento de meus lbios moribundos Ser de maldio sobre essas frentes Carregadas de crime. Perdoai-lhes, Perdoai: a afronta prpria juiz suspeito. A minha afronta, oh essa, eu lha perdoo. Mas a da Ptria... Adeus, adeus! Chegava El-rei ento; sinal de Partir soa: E o vate e o missionrio assim findaram Sua triste despedida; que mandado Acompanhar a armada o monge fora Repentino, essa noite. O tredo fio Descobrira o cantor da vil intriga; Mas o paciente filho do Evangelho Resignado se inclina Providncia, E seus decretos humilhado adora. VIII Fora em efeito o dio dos validos Que ao infeliz Cames arrebatara Protectores e amigos. Desterrado Por eles o virtuoso e nobre Aleixo; Por eles enviado certa runa Que ao malfadado rei, flor do exrcito, A Ptria, nas areias escavaram De frica adusta, o missionrio fora. IX J se movem as naus; e as altas pontes
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Se ouriam de belgeras falanges. Redobra o pranto ncora sobe, antenas Se expandem... L te vs, e para sempre! Nas pandas asas dos traidores ventos, Independncia, liberdade e glria. X Que me resta j agora? os olhos longos Para a freta que perde no horizonte, Consigo o vate diz: O que me resta Sobre a terra dos vivos? Um amigo, Um amigo, neste rido deserto Da vida me falece. Um bordo nico A que me arrime na escabrosa senda, Me no ficou. O nmero est cheio De meus dias, contados por desgraas, Marcados, um por um, na pedra negra De fado negro e mau. Posso eu acaso Nos coraes contar dos homens todos Uma s pulsao que por mim seja? Posso dizer... Gemido, que ouve perto, O interrompeu: era o seu Jau que aflito O escutava: do humilde e pobre escravo O corao fiel se retalhava De ouvi-lo assim queixar: Ah! se eu no fora Com os olhos e as lgrimas dizia; Com os olhos, que os lbios no ousavam Ah! se eu no fora um desgraado escravo, Que corao que eu tinha para dar-lhe! XI Tu, generoso amo, lhe entendeste Seu falar mudo, seu dizer de lgrimas, Tens razo; injustia grande a minha: Inda tenho um amigo. Pausa longa Seguiu estas palavras; e no peito Ao generoso Antnio desafoga O corao que lhe apertava a mgoa; Nos olhos, rasos do chorar ainda, A alegria lhe ri por entre o pranto, E o amo, a quem sinais de tanto afecto Movem no ntimo de alma, sente um golpe De blsamo cair-lhe sobre as chagas Do corao lanhado, a dextra lnguida Poisa no ombro fiel, o peito encosta Sobre o peito leal do amigo... Amigo Direi, amigo sim: peja-te o nome,
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Orgulho do homem vo, por dado ao escravo? E que s tu mais? Era de ver, e digno Espectculo adonde se cravassem Os olhos todos dessa raa abjecta Que se diz de homens, a figura nobre Do guerreiro, em que toda se debuxa A altivez, a grandeza, a fora de nimo, Com o andrajoso, humilde e pobre escravo Em atitude tal. Rira-se o mundo; O homem de bem, de corao, chorara. XII Oh meu amigo, oh meu Antnio! disse, No remendado seio a face altiva Escondendo, o guerreiro. Oh! esta noite Aonde, ero que poisada a passaremos? Meu bom senhor, um gasalhado tenho 79 Achado j; que bem vi que no eis Nunca mais ao mosteiro. Digno, certo, De vs no ; mas sabeis... Sei, amigo, Que s tu, neste msero universo, E o sepulcro tambm alfim me restam. XIII Juntos margem vo do Tejo andando A lento passo. A noite era formosa, Clara e brilhante a lua. Oh! que memrias Na alma do vate, esse astro, a hora , o stio No suscitam amargas? Perto passa Daquela gelosia, aquela mesma 80 Donde os doces Penhores, donde a carta Recebera fatal. Quo demudada, Quo diferente est do que j a vira, Essa praia to plcida e saudosa! Um pltano frondoso que a crescia, Em cujo liso tronco tantas vezes Se encostou, aguardando a hora tardia, Prazo dado de amor, que tardo sempre! Cuja sombra, em luar pouco propcio A amantes, o ocultou de agudas vistas De curiosos profanos e inimigos... Ai! seca jaz em terra, e despojada De vio e folhas a rvore querida. Tudo, tudo acabou, menos a mgoa, Menos a saudade que o consome.
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XIV Sua pobre habitao os dois entraram; E tristes horas, dias, meses passam Arrastados e longos, qual o tempo Para infelizes anda sem que a sorte Mais ditosos os visse, ou a amizade Menos unidos. Mas a mo tremente, Encarquilhada e seca j sobre eles Ia estendendo a plida indigncia; E a fome... a fome alfim. Clamor pequeno Que de minhas endechas tnue soa, Se junte aos brados das canes eternas Com que o teu nome, generoso Antnio, J pelo mundo engrandecido ecoa. Vede-o, vai pelas sombras caridosas Da noite, de vergonhas coitadora, De porta em porta tmido esmolando Os chorados ceitis com que o mesquinho, Escasso po comprar. Dai, Portugueses, Dai esmola a Cames. Eternas fiquem Estas do estranho 81 bardo memorandas, Injuriosas palavras, para sempre Em castigo e escarmento conservadas Nos fastos das vergonhas portuguesas. XV No pode mais o corao coa vida; E lenta a morte co enfezado sangue Caminho vem do peito. O espao mede Que lhe resta na arena da existncia; Perto a barreira viu... A jaz o tmulo, Chegado pois o dia do descanso... Bem-vinda sejas, hora do repoiso! Com a trmula mo tenteia as cordas Daquela lira onde troou a glria, Onde gemeu amor, carpiu saudade, E a ptria... oh! e que ptria os cus lhe deram! Of'rendas recebeu de hinos celestes: Pela ltima vez as cordas fere, E este adeus derradeiro ptria disse, Cortando-lhe o alento enfraquecido Agora os sons, agora a voz quebrada: XVI Terra da minha ptria! abre-me o seio
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Na morte ao menos. Breve espao ocupa O cadver dum filho. E eu fui teu filho... Em que te hei desmer'cido ptria minha? No foi meu brao ao campo das batalhas Segar-te touros? Meus sonoros hinos No voaram por ti eternidade? E tu, me descarovel, me enjeitaste! Ingrata... Oh! no te chamarei ingrata; Sou filho teu: meus ossos cobre ao menos, Terra da minha ptria, abre-me o seio. XVII Vivi: que me ficou da vida, agora Que baixo sepultura? No remorsos, Vergonhas no. Para a corrida senda Sem pejo os olhos de volver me dado. E tranquilo direi: vivi; tranquilo Direi: morro. No dormem no jazigo Os ossos do malvado? No: contnuo, Na inquieta campa esto rangendo Ao som das maldies, deixa de crimes, Legado mpio dos maus. Eu sossegado Na terra de meus pais hei-de encostar-me... XVIII J me sinto ao limiar da eternidade: Vu que enubla, na vida, os olhos do homem, Se adelgaa; rasgado, os seios me abre Do escondido porvir... Oh! qual te hs feito, Msero Portugal!... oh! qual te vejo, Infeliz ptria! Serves tu, princesa, Tu senhora dos mares!... Que tiranos As guas passam do Guadiana? 82 A morte, A escravido lhes traz ferros e sangue... Para quem? Para ti, mesquinha Lsia. XIX Que naus so essas que ufanosas surcam Pelo esteiro do Gama? Pendes brbaros 83 Varrem o Oceano, que pasmado busca, Em vo; nas popas descobrir as Quinas. Em vo; da hstea da lana escalavrada Roto o estandarte cai dos portugueses. XX
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Cinza, esfriada cinza todo o alcar Da glria lusitana... Uma fasca, Esquecida a tiranos, l cintila: 84 Mas quo dbil que vens, sopro de vida! Um s momento com vigor no peito O corao te pulsa. Exangue, enferma S te ergues desse leito de misria Para cair, desfalecer de novo. XXI Onde levas tuas guas, Tejo aurfero? Onde, a que mares? J teu nome ignora Neptuno, que de ouvi-lo estremecia. Soberbo Tejo, nem padro ao menos Ficar de tua glria? Nem herdeiro De teu renome?... Sim: recebe-o, guarda-o, Generoso Amazonas, o legado De honra, de fama e brio: no se acabe A lngua, o nome portugus na terra. Prole de Lusos, peja-vos o nome De Lusitanos? Que fazeis? Se extinto O paterno casal cair de todo, ingratos filhos, a memria antiga No guardareis do ptrio, honrado nome? Oh ptria! oh minha ptria... XXII A voz, que afroixa, interromperam sons desconhecidos de voz de estranho que na estncia humilde entra do vate: Perdoai, se ousado entrei, senhor, mas.... Quem sois vs? H inda homem no mundo que a poisada obscura de um moribundo saiba? Cavaleiro, desde o alvor da manh que vos procuro: de frica hoje cheguei... Ah! perdoai-me. Sois vs, conde? Voltastes? E que novas me trazeis? Tristes novas, cavaleiro. Ai! tristes. Desta carta, que vos trago, sabereis tudo. Ao vate a carta entrega: do missionrio era, que dos crceres de Fez a escreve. Saudoso e triste,
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mas resignado e plcido, lhe manda consolaes, palavras de brandura, de alvio e de esperana. Extinto tudo nesta manso de lgrimas e dores As letras dizem tudo; mas a ptria da eternidade s a perde o mpio. Deus e a virtude restam; consolai-vos... XXIII Oh! consolar-me exclama, e das mos trmulas a epstola fatal lhe cai: Perdido tudo, pois!... No peito a voz lhe fica; e, de tamanho golpe amortecido, inclina a fronte... Como se passara, fecha languidamente os olhos tristes. Ansiado, o nobre conde se aproxima do leito... Ai! tarde vens, auxlio do homem. Os olhos turvos para o cu levanta, E j no arranco extremo: Ptria, ao menos Juntos morremos... E expirou co'a ptria. Onde jaz, Portugueses, o moimento Que do imortal cantor as cinzas guarda? Homenagem tardia lhe pagastes No sepulcro sequer... Raa de ingratos! Nem isso! nem um tmulo, uma pedra, Uma letra singela! A vs meu canto, Canto de indignao, ltimo acento , Que jamais sair da minha lira, A vs, povos do universo, o envio, Ergo-me a delatar tamanho crime, E eterna a voz me gelar nos lbios. Lira da minha ptria onde hei cantado O lusitano envilecido nome, Antes que nesse escolho, em praia estranha, Quebrada te abandone, este s brado Alevanta final e derradeiro: Nem o humilde lugar onde repoisam As cinzas de Cames, conhece o Luso.
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NOTAS AO CANTO PRIMEIRO Nota A Saudade: Mavioso nome que to meigo soas Nos lusitanos lbios A palavra saudade porventura o mais doce, expressivo e delicado termo da nossa lngua. A ideia, o sentimento por ele representado, certo que em todos os pases o sentem; mas que haja vocbulo especial para o designar, no o sei de outra nenhuma linguagem seno da portuguesa. A isto alude o verso mais abaixo, quando lhe chama ignorado. Das orgulhosas bocas dos Sicambros o que particularmente se deve entender dos Franceses, to presumidos de sua lngua to apoucada. De que a denominao de Sicambros cabe justa a estes povos, bom testemunho Boileau que, em um de seus opsculos latinos, de si prprio disse: Me natum de patre sycambro A causa natural da falsa ideia que tm os Franceses do seu idioma, a universalidade que ele por toda a Europa obteve: por aqui tambm se explica o mui pouco ou quase nenhum estudo que fazem dos alheios. Mais inexplicvel , em verdade, o tom magistral e tranchant com que dos autores e literaturas estranveiras ajuzam e decidem, ignorando, as mais das vezes, a menor slaba dos originais. Deixando outros de menor monta e nota, Voltaire, que todavia sabia o seu pouco de Ingls e em Inglaterra havia demorado, diz blasfmias quase incrveis quando se mete a traduzir as sublimidades de Milton ou as originais e enrgicas altivezas de Shakespeare. Iguais barbaridades cometeu pretendendo revelar os mistrios de Dante. E que injustias no fez ele ao nosso Cames, de cujo poema tanto disse, sem de portugus saber nem uma letra! Conhecia somente dos Lusadas o poucachinho que era possvel ver pelo infiel e bao reflexo da pssima traduo de Fanshaw em Ingls: lngua que ele Voltaire pouco mais sabia. Levou-me a pena mais longe do que eu queria a falar da vaidosa injustia de M. de Voltaire. De saudade quisera eu dizer ainda alguma coisa. Saudade, palavra, cuido que vem, por derivao oblqua, do latino solitudo. Oblqua digo, porque direitamente derivaram os nossos de solitudo, solido, soido e depois soledade, soidade, finalmente saudade. De modo que, por esta sntese (ou pela anlise, que bvia), se vem a entender claramente que o verdadeiro sentido de saudade os sentimentos ou pensamentos da soledade ou solido ou soido; o desejo melanclico do que se acha na solido, ausente, isolado de objectos por que suspira, amigos, amante, pais, filhos, etc. E tanto por saudade se deve entender este desejo do ausente e solitrio, que os Latinos, mngua de mais prprio termo, o expressavam pelo seu desiderium : Quis desiderio sit pudor aut modus
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Tam chari capitis? J de aqui mesmo se v a insuficincia do termo desiderium para vivamente pintar a ideia do poeta; mas, para melhor se ver a falta absoluta que de tal vocbulo padecem as outras lnguas, basta comparar as verses que desta sublime ode de Horcio fizeram os diversos tradutores. Nenhum livro aqui 85 tenho de meu, nem onde refrescar memrias do que li, nem para adquirir o que no sei: por isso, e porque no tenho a feliz reminiscncia de Bocage nem o memorio do Padre Macedo, no posso citar o que noutro tempo observei nos lugares paralelos de Francis e Daru, os dois mais nomeados tradutores do lrico romano. Tambm me no lembra se o nosso Filinto que porventura entre todos os poetas conhecidos melhor entendeu e profundou Horcio, como aquele que melhor o imitou verteu esta ode, e como a verteu. Parece-me que A. R. dos Santos usou do termo saudade na sua fora diz-lo inspida verso. Mas o certo que das lnguas que sei, em nenhuma conheo palavra com que a ideia e a expresso (embora insuficiente ideia) de Horcio se possa trasladar, se no for a saudade portuguesa, que lhe superior. O regret dos franceses, alm de diferente coisa, mais para a angstia do remorso, ou para o pesadume da amargura, que para a suavssima pena, terno e mavioso sentimento da saudade, se inclina. E ainda que, segundo a observao de Girard, regretter, para distino de plaindre, se diga das cousas ausentes; todavia nos mesmos Sinnimos de Girard se ver quanto acerto em arredar-lhe a significao paca longe da nossa saudade. Quisera eu tambm ver como se traduzir, a no ser em portugus, aquele to belo e delicadamente voluptuoso pensamento de Catulo, ao pardalzinho da sua Lsbia: Quum desiderio meo nitenti Carum nescio quid lubet jocari Et solatiolum sui doloris .................................... Quando saudades minhas a angustiam E acha no sei que gozo no folguedo; Pequeno alvio para a dor que a punge (Nota da primeira edio ). Amador Arrais traduzindo a bela e melanclica poesia do Salmo 54: Elongavi fugiens et mansi in solitudine, verteu assim: Alonguei-me fugindo e morei na soedade. No que fez ainda outra variante de ortografia e pronncia; mas descobre bem clara e positiva a origem da palavra, e no s nesta traduo, mas no uso amiudado que da palavra faz em outros muitos lugares; como: Seguro forte a soedade para almas dedicadas a Deus; e noutra parte: Bom foi a Lot fugir para a soedade. foro da lngua portuguesa conservar todas estas variedades de escritura e de sentido. Em prosa porm, eu diria sempre, nestes casos, soledade, e no saudade, soidade ou soedade para designar a situao do que est s; assim como direi solido
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em prosa, e solido ou soido em verso, para designar o stio solitrio em que esse est. Salvas todavia as liberdades poticas: as quais liberdades no so; inda assim, a anarquia das doudices romnticas exageradas. (Nota da segunda edio ). Nota B Entre os olmedos Que os pobres guas deste Sena regam Quase todo este poema foi escrito no vero de 1824 em Ingouville ao p do Havre-de-Grace, na margem direita do Sena. Passei ali cerca de dois anos da minha primeira emigrao, to s e to consumido, que a mesma distraco de escrever, o mesmo triste gosto que achava em recordar as desgraas do nosso grande Gnio, me quebrava a sade e destemperava mais os nervos. Fui obrigado a interromper o trabalho; e dei-me como indicao higinica, a composio menos grave. Essa foi a origem de D. Branca, que fiz, seguidamente e sem interrupo, desde Julho at Outubro desse ano de 24, completando-a antes do Cames, que primeiro comeara, e que s fui acabar a Paris no inverno de 24 a 25. E quase que tenho hoje saudades tal nos tem andado a sorte! das engelhadas noites de Janeiro e Fevereiro que numa gua-furtada da rua do Coq-St.Honor passvamos com os ps cozidos no fogo, eu e o meu amigo velho o Sr. J. V. Barreto Feio, ele trabalhando no seu Salstio, eu lidando no meu Cames, ambos proscritos, ambos pobres, mas ambos resignados ao presente, sem remorsos do passado e com esperanas largas no futuro Graas a Deus, de mim sei e dele creio, que estamos na mesma quanto ao passado e presente: mas o futuro!...(Nota da segunda edio). Nota C Vem, no carro Que pardas rolas gemedoras tiram Vali-me do exemplo de muito boa gente para personalizar e zade, ainda a ira, a tristeza, a alegria porque o no ser tambm a Saudade? Beatifico-a eu, que neste caso me tenho por to bom como os meus predecessores, e principalmente gregos, Que aviavam divindades Qual ns paternidades. Montaram de paves o carro da soberba Juno, de borboletas o do inconstante Cupido, de pombas o da amorosa Vnus; quem puxar o da terna Saudade se no forem as meigas, constantes gemedoras rolas? (Nota da primeira edio). Nota D Deixa o caminho da infeliz Pirene Quando se escreviam estes versos, todos os horrores da reaco absolutista de 1824 assolavam Espanha; e em Frana era tema de todas as vaidades da Restaurao o imbele triunfo do Trocadero. Da a seis anos estava vingada a injria da liberdade
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peninsular; vingada, no, castigada: que h um Deus e uma Providncia para os povos tambm. (Nota da segunda edio). Nota E Minha terra hospedeira, eu te sado! Na primeira edio l-se: Eu te sado, terra hospitaleira. E foi-me notado por pessoa em quem muito creio, que hospitaleiro neste sentido podia ser taxado de galicismo. Aconselharam-me gasalhoso, por superiores abonos clssicos. Mas gasalho, e seus derivados, parece-me significar um amparo amigo, ntimo, como de quem anima e conforta; mais que hospedar, o latino fovere. A quem s hospedado, d-se-lhe um quarto, uma cama em qualquer parte da casa: o hspede agasalhado levam-no para o melhor e mais interior dela, como a filho querido e bem vindo. Eu quis designar aqui o couto e guarida que os perseguidos achmos sempre naquela ilha feliz: por mim pessoalmente no encontrei s isso, mas casas e coraes abertos que me agasalharam, e em que me esqueci muita vez de que era estrangeiro e proscrito. (Nota da segunda edio ). Nota F Certo amigo na angstia O Sr. Antnio Joaquim Freire Marreco, a quem eu e tantos emigrados portugueses somos devedores de impagveis obrigaes, no s pelos muitos socorros com que generosamente acudia at a desconhecidos, mas sobretudo pelo modo cavalheiro e nobre com que o fazia. Devi-lhe os meios de publicar a primeira edio deste opsculo, e nesta segunda folgo de ter ocasio de estampar por inteiro o seu nome que, receoso de o comprometer, ali encolhera na s inicial de seu ltimo apelido. ( Nota da segunda edio). Nota G O extremo promontrio Que dos montes de Cynthia se projecta A Roca ou Cabo-da-Roca; ponta extrema da serra de Sintra a que os antigos chamaram serra da Lua. (Nota da primeira edio). Nota H Gesto onde o som da belicosa tuba Jamais a cor mudou Inverti naqueles versos a ideia de Cames:
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Mas da tuba sonora e belicosa, Que o peito acende, e a cor ao gesto muda; no no contrrio sentido, mas em outro diferente. Cames fala do tremendo som do clarim, no princpio da batalha, que muda a cor do rosto aos combatentes; eu quis expressar a serenidade do gesto de um guerreiro veterano a quem j nem esse tremendo som pode fazer enfiar. (Nota da primeira edio ). Nota I s feies nobres do gentil guerreiro No era Cames um homem formoso, mas gentil e nobre de feies, a no mentirem as descries dos bigrafos e o retrato de Severim de Faria. Alm disso, a palavra gentil nem sempre se refere s qualidades do corpo e semblante. Os Ingleses ainda hoje a usam para expressar atributos morais; e entre ns, s de modernos tempos tem ela outra significao. Gentil homem no quer dizer homem belo; gentileza de uma aco, gentileza de proceder, claro, no so frases que tenham nada com o corpo ou suas perfeies. (Nota da primeira edio). Nota J J na terra, Que a olho se avizinha, as mal distintas, Diversas cores, etc. Estes versos no podem ser inteligveis para quem nunca embarcasse; nem, se neles h alguma verdade de pintura, lha poder achar quem ignore o prazer inexplicvel que sentem olhos cansados da monotonia dos cus e das guas quando, ao cabo de longa viagem, se repoisam pela primeira vez no delicioso espectculo da terra que pouco a pouco se avizinha. (Nota da primeira edio). Nota K Piloto! gritam; e a um sinal de bordo de ver no riqussimo poema de Byron, o Child-Harold, a descrio da entrada de Lisboa, etc. O leitor portugus encontrar a coisa que no muito para lisonjear o amor prprio nacional: mas tenha pacincia, que ainda assim no muito grande a injustia do nobre lorde. (Nota da primeira edio). Nota L Torre antiga e veneranda, Hoje to profanado monumento Das glrias de Manuel o primeiro edital que est logo entrada de Lisboa paca dizer ao estrangeiro que chega: aqui moram brbaros!
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O belo monumento da Torre de Belm est com efeito literalmente desfigurado pelas superfetaes de moderna e vulgar arquitectura, do mesmo modo que esto viciadas e ininteligveis todas ou quase todas as antigas e venerandas relquias da antiguidade em Portugal. Da pequena pennsula em que hoje se acha a torre, lavrou o mal para o continente: a igreja e convento de Belm foram invadidos por estes iconoclastas de nova espcie, brbaros estpidos e destruidores como aqueles monges da meia idade que raspavam dos pergaminhos romanos os textos de Ccero e Tito Lvio para escrever por cima as inteis cenreiras de seus comentrios e smulas. No templo magnfico de Belm, naquele precioso exemplar de gtico florido, ou antes de um gnero to nico e especial que se deveria designar talvez manuelino, 86 as duas principais capelas do cruzeiro esto cobertas, uma por um presepe com bonecos de barro! outra com cortinas de damasco e painis destes de se dizer ao autor: Pe por baixo o teu nome e estou vingado! A frontaria da parte do convento que deita sobre a praia toda to recosida de remendos caiados no meio daquela pedra polida e amarelada dos sculos, com tanta janelinha de gua-furtada por entre aqueles venerveis arcos de sua primitiva estrutura, que ali s, est o verdadeiro emblema do triste Portugal de hoje: runas da grandeza antiga emplastadas da mesquinhez moderna, o triunfo do mau gosto e da ignorncia sobre a ci8ncia desprezada e proscrita. (Nota da segunda edio ). A Torre de Belm foi desemplastada e restaurada em 1843 pelo bom gosto do meu nobre amigo o Sr. Duque da Terceira, seu ilustre governador. A igreja de Belm limpou-se entanto, e se puseram vidros de cor em duas janelas, graas ao amorvel e ilustrado zelo de S. M. El-rei D. Fernando, a quem j tanto devem as artes e os monumentos de Portugal. S ao convento que no chegou limpeza nem restaurao, e cada vez esto mais absurdos e mais clamam barbaridade os seus vergonhosos remendos. Continuemos a bradar contra estes vndalos remendes. Os brados dos poetas no so como os do animal orelhudo que no chegam ao cu. certo que no atroam, como este, os ouvidos dos nscios que nos governam e que s a zurros atendem; mas chegam alma dos que a tm, e pouco a pouco vo calando na opinio, at que algum bem arrancam a esses mesmos papeles impotentes que erigiram a ignorncia farfalhuda e a impotncia presunosa em qualidades de homem de Estado. (Nota da quarta edio). Nota M Do homem, que mau do bero sepultura No quis, certo, enunciar a doutrina dos Hobbesianos, que no sou to misantropo como isso, nem creio que os homens sejam maus por natureza. Maus so, e por maus os tenho: mas fruto de hbitos ruins, e depravao que os degenerou: no que das mos do Criador sassem as bestas ferozes, traidoras, refalsadas e vis que cobrem a superfcie da terra. (Nota da primeira edio ). Nota N A f que no gritou co acento ousado
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Obteve por fim o indicado nome, hoje europeu, depois das ltimas publicaes do Sr. Conde de Racksinski.
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Bo'f e A'f so interjeies portuguesssimas ambas, que valem: por certo, por vida minha; e so abreviatura de: f de quem sou, por minha f; por minha boa f. Bo'f pode acaso ser taxado de arcasmo, e no o usarei eu em escritura sria; mas f, no. (Nota da primeira edio ). Nota O Por vida minha, o que quereis ao ndio? Na minha primeira edio l-se Por vida vossa: o que agora, novamente reflectindo, me parece melhor e mais certo. (Nota da segunda edio). Nota P Intervir na disputa malferida O advrbio mal, quando anteposto a ferido, em legtimo portugus aumenta, que no diminui a fora do particpio. Um homem malferido um homem gravemente ferido, Mas ferido nem sempre vem na significao natural; amido se toma em sentido translato; pois dizem nossos bons escritores: batalha malferida por batalha mui travada e renhida, etc. (Nota da primeira edio). Nota Q Rico de afrontamentos e trabalhos O afrontamento o efeito do nmio trabalho; e o trabalho a causa do afrontamento ou cansao: nisto se distinguem. Advirta-se porm que o uso vulgar de afronta e derivados, por injria, insulto, ou pena e aflio que delas resulta, o sentido figurado e translato, que no o prprio da palavra. Um homem afrontado um homem excessivamente cansado de qualquer fadiga, e tambm aflito de qualquer agravo. Mas afrontamento sempre se toma na acepo natural: afrontoso, ao contrrio, nunca vem no discurso seno no sentido de grandemente injurioso, desonrador e infamante. Morte afrontosa, castigo afrontoso, disseram os nossos autores. (Nota da primeira edio). Nota R Poucos pardaus contm menos me ficam Moeda da ndia que o comrcio e conquista fez corrente em Portugal: este e os outros mimos indianos Vieram fazer-lhe os danos, Que Cpua fez a Anbal O bom S-Miranda, que j disto se queixava naqueles versos, em outra parte d testemunho da muita abundncia com que a moeda circulava no reino at pelas mais sertanejas comarcas. Eu j vi correr pardaus
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Por Cabeceiras de Bastos. Nota S Quando no bero teu, bardo sublime Em Warwickshire, ptria de Shakespeare, que na cidade de Warwick nasceu, passei volta de seis meses, no os mais satisfeitos, mas os mais sossegados, e porventura os mais felizes de minha vida. Seja-me permitido asselar aqui os leais sentimentos da minha estima e saudade a uma famlia verdadeiramente respeitvel e inglesa, em cujo seio achei o que nem no meu sangue encontrei, verdadeira e desinteressada amizade. Se algum dia chegarem estas insignificantes folhas abenoada e tranquila pousada de Edgbaston, conheam os meus amigos Hadleys que no h um s pensamento no meu esprito em que se no misture a memria da sua amizade, mais sagrada para mim do que nenhuma outra. (Nota da primeira edio). Nota T E ess'outro Deu-lhe o ser matrona do Ebro A ideia deste missionrio castelhano no inteiramente de inveno, antes tem fundamento real e mui plausvel. Veja o a este respeito diz D. J. M. de Sousa na sua edio dos Lus., quando fala de um Fray Josepe ndio, proprietrio que foi do famoso exemplar de lorde Holland. (Nota da primeira edio ).
AO CANTO SEGUNDO Nota A Que agudos uivos desgrenhados gritam As carpideiras, mulheres cujo ofcio era preceder os cadveres nos saimentos, levantando sentidos prantos, arrepelando-se e fazendo outros vrios trejeitos que naquele tempo eram de uso. Este costume antiqussimo veio-nos dos Romanos ou mais de longe talvez. Provncias h ainda na Europa onde subsiste todavia. (Nota da primeira edio). Nota B De escuro vaso e longo d vestidos Que estofos estes fossem de vaso e d, ou luto e vaso, que o mesmo, no fcil dizer hoje ao certo. Conjecturo que vaso seria porventura o que agora chamamos fumo, raro e vasado tecido, emblema de tristeza e luto que se traz no chapu e espada, e que tambm no chapu antigamente se trazia, mas to comprido e arrastado que descia aos talares, como ainda agora se observa nos funerais dos nossos reis. No sei em que se possa fundar o autor do Elucidrio para dizer que vaso era um capelo. (Nota da primeira edio).
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Nota C A gemedora virao da noite Escrevo desvairadamente noite e noite, ouro e oiro, roxo, rouxo e roixo e semelhantes, no s, por conservar esses ricos foros da lngua, mas porque nesta variedade a poesia, e at a mesma prosa, ganham muita eufonia e beleza, ( Nota da primeira edio).
Nota D Claro triste de mortos frase mui comum entre ns, mas que no deixa por isso de ser potica e nobre, como so grande parte dos modos de dizer familiares. Convm muito distinguir o que familiar numa lngua, do que s vulgar : aquele quase sempre figurado e sublime, este rasteiro e muitas vezes vicioso. As figuras da dico tocam mui de perto com os defeitos; e mister bom critrio e uso dos mestres para no confundir uns com outros, e estremar os tropos dos solecismos. Luz de mortos dizemos de uma luz baa e que tristemente aclara, como a tocha fnebre roda da ea, ou na procisso do enterramento. (Nota da primeira edio). Nota E Ruim, agouro! Um saimento fnebre Funeral, enterro, saimento, enterramento, so palavras sinnimas, i. e. so termos cuja significao e uso no discurso, em mais ou menos se aproxima, no que seja identicamente a mesma. Vocbulos h que em sua raiz, derivao (e essncia, para assim dizer) tm acaso o mesmo valor, mas que pelas regras e ainda pelos caprichos do uso distingamos o uso clssico e o uso popular, da abuso de tarelos e ignorantes se classificaram em gradaes e modificaes distintas. Fora tambm dizer que os nossos quinhentistas nem sempre so infalvel norma neste ponto, e de seguir-se s cegas. Esta deficincia dos clssicos, a notou j o Sr. bispo titular de Coimbra, S. Lus, nos seus Sinnimos. filosofia dos nossos tempos, que tem aclarado as mais remotas provncias da literatura e das cincias, a ela s possvel o dar fio a este labirinto e mondar com regra e ordem as incultas devesas das lnguas que sem ela se formaram, cresceram, e, com todas as qualidades para a obterem, carecem contudo de perfeio. No minha opinio que vamos ns, que falamos uma linguagem solene, rica e sonora, decep-la, recort-la, cercear-lhe o vio e primor de suas flores, para a pr nu e descarnado esqueleto como a francesa: j no diga ingerir-lhe tanto vocbulo peregrino como a inglesa, que fique ela recosida manta de retalhos, belos de per si, mas de estropeada e feia simetria quando vistos juntos. No penso tal, por minha vida; mas direi sempre que sem um bom Dicionrio de Sinnimos, e outro de origens ou etimolgico, nunca chegaremos a falar uma lngua perfeita e de nao civilizada. Quem se ocupar disso? A Academia, que ficou no azurrar em o primeiro e ponderoso volume do seu vocabulrio? As palavras notadas parece-me que se podem distinguir assim sinonimicamente: Saimento a procisso que conduz o cadver (o que em Francs se diz convoi): mas o
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restante e o antecedente da cerimnia do funeral j se no podem chamar saimento. Enterro mais lato, e compreende, ainda alm da procisso, as outras partes do funeral. Enterramento a prpria e privativa aco de dar terra o cadver. Funeral o termo genrico em que todos estes, e ainda mais, como espcies, se compreendem. Digo ainda mais, porque exquias, por ex., so funeral tambm e nada tm com o enterro, saimento, etc. Assim aquelas quatro palavras, parecidas no sentido e escritura, e todas da mesma famlia, tm contudo entre si certas diferenas que, sendo matiz imperceptvel para o iliterato, so notveis distines para o que fala e escreve com exaco a sua lngua. (Nota da primeira edio ). Nota F Entravam Os viajantes do templo Diz-se por a em portugus, viageiro ou viajor, ou viajante ou viandante, indistintamente: mas mister distinguirem-se estes vocbulos, porque h entre eles marcadas linhas de separao. Viajor, que abonado por Arraes, to somente se pode dizer da pessoa do que viaja; pois da ndole da nossa lngua que os nomes em or, formados dos verbos, sejam personalssimos: desta sorte amador, s se pode dizer da pessoa que ama, quando amante no to restrito. Dizemos um homem amador, assim como um homem amante; mas, podendo dizer corao amante, pensamento, expresso, ideia amante, nunca dizemos corao amador, ideia amadora, etc. Assim viajor estrita e unicamente a pessoa que viaja; viajante no s a pessoa, mas tambm qualidades, circunstncias do que viaja. Viageiro, pelo contrrio, impessoal e s se refere a coisas, atributos. Trabalhos, incmodos viajeiros, nunca viajantes ou viajores, se dizem. Agora viandante, que letra quer dizer andador de caminho, tambm pessoal; mas distinguese de todos aqueles, em que somente se pode dizer do que viaja por terra. O marinheiro, o navegante so viajantes mas nunca viandantes. O viajante corre terras e mares; o viandante no passa da terra, n e m troca as fadigas da estrada pelos perigos das ondas. (Nota de primeira edio ). Nota G Natrcia de eco em eco repetiram Cames nomeou sempre nos seus versos com este anagrama a D. Catarina de Atade Maria, por exemplo, muito mais bonito e potico do que Mrcia ou Marlia com que nos secavam os poetas e soneteiros da escola que ultimamente morreu, apunhalada e envenenada pelos Antonys de aguda pra e longas melenas. At aqui, e muito mais alm, eu vou com a revoluo. Mas neste lugar conservei o anagrama em respeito ao meu heri e mestre. (Nota da segunda edio).
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O til madeira escura e de pouco polimento que naquele tempo se usava muito. Vem-se ainda restos em casas antigas. (Nota da primeira edio). Na ilha da Madeira, cujo nome lhe vem da natural floresta que era, vegeta ainda, como indgena que , esta bela rvore. (Nota da quarta edio). Nota B De Perugino ou Vasco, infncia da arte Perugino floresceu na Itlia volta do sculo XV, infncia da pintura; Vasco, dito o Gro Vasco, pelo mesmo tempo em Portugal. (Nota da primeira edio). Muitos escritores nacionais e estrangeiros tinham comeado a duvidar da existncia de Gro Vasco, a suspeitar que este nome querido dos Portugueses no fosse mais que um mito. As viagens e escritos do Conde de Rackzinski comprovam por fim a existncia de Gro Vasco, a sua naturalidade, que Viseu, e a exce1-encia de suas qualidades de artista. (Nota da quarta edio). Nota E Virtude Que o filsofo disse humanidade, Caridade o cristo J dos versos citados no princpio desta nota, e muito mais dos que se seguem, parece depreender-se uma ideia e pensamento falso, inteiramente falso, que necessrio rectificar. A filantropia, ou o que assim se chama, um como sentimento de egosmo, seno nos efeitos, no princpio ao menos: deriva da regra social faz aos outros o que queres que te faam. Espera retribuio, vem do desejo e da preciso dela. A caridade nasce da sublime elevao de alma a Deus, por Ele e para Ele obra, e nem espera nem precisa retribuio na terra, porque em Deus s reconhece o avaliador e premiador de suas aces. A Caridade pois no o mesmo que a Filantropia: ou, mais exactamente, a caridade uma filantropia mais pura. Aquela virtude de homens, esta de anjos. Ambas esto definidas nas sublimes palavras de Jesus Cristo: Amar os que vos amam de todas as leis; eu mando-vos que ameis os prprios inimigos. Graas a Deus que h catorze anos, quando escrevia estes versos, pensava e sentia como hoje sinto e penso. Mas naquela idade nem o esprito reflecte to fundo, nem o corao comunga to ntimo em nossas ideias e sentimentos. Da parece talvez agorentado pelo sarcasmo filosfico o pensamento ardente de alma que se envergonhou de aparecer todo e como . Reputo quase uma fraude ao pblico alterar em segunda edio as feies da primeira, por isso corrijo somente na nota o que no quis emendar no texto. (Nota da segunda edio). Nota D Do castelhano cenobita o hspede Nem uma s vez se achar em nossos escritores a palavra espanhol designando exclusivamente o habitante da Pennsula no portugus. Enquanto Castela esteve
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separada de Arago, e j muito depois de unida a Leo, etc., ns e as outras naes das Espanhas, Aragoneses, Granadis, Castelhanos, Portugueses e todos, ramos por estranhos e domsticos comummente chamados espanhis; assim como ainda hoje chamamos alemo indistintamente ao Prussiano, Saxnio, Hanoveriano, Austraco: assim como o Napolitano e o Milans, o Veneziano e o Piemonts indiscriminadamente recebem o nome de italianos. A fatal perda da nossa independncia poltica depois da batalha de Alccer-Quibir, deu o ttulo de reis das Espanhas aos de Castela e Arago, que o conservaram ainda depois da gloriosa restaurao de 1640. Mas Espanhis somos, e de Espanhis nos devemos prezar todos os que habitamos esta pennsula. (Nota da primeira edio). Nota E Veneranda Ceuta, insigne preo De sangue rgio e dum martrio ilustre Todos sabem que o infante D. Fernando, irmo de el-rei D. Duarte, tendo ficado de arrefns por Ceuta, em poder dos Mouros, morreu no cativeiro por se lhes ela no entregar. Cames imortalizou alis celebrou esta imortal constncia do infante santo que, diz ele: S por amor da ptria est passando A vida de senhora feita escrava. Mas, devendo-se a Cames a popularidade de to insigne feito, deve-se-lhe tambm o vulgarizar-se um erro comum Pois geralmente se cr pelos que no tm profundado a nossa histria (e quantos o fazem?) que por sua vontade nica o infante quisera antes passar a vida de senhora feita escrava, por se no dar aos Mouros a forte Ceuta; o que assim no . Nem foi o infante nem seu irmo el-rei D. Duarte, mas sim as Cortes que resolveram se no desse Ceuta pelo resgate do infante. O que el-rei muito sentiu, mas no ousou contrastar. (Nota da primeira edio). Nota F Ao vingativo conde O primeiro conde da Castanheira, D. Antnio de Atade, grande valido de el-rei D. Joo III. Veja o que a este propsito diz D. J. M. de Sousa na sua magnfica edio dos Lus., Vida de Cames. Veja tambm Memria do Sr. Bispo de Viseu, no tomo 7 da Academia R. das Cincias de Lisboa de 1821. (Nota da primeira edio). Nota G O templo Que a piedade e fortunas apregoa De Manuel o feliz O templo de Belm, em que me no canso nunca de falar, o nosso Westminster; e o seu convento desde que deixou de o ser, s devia aplicar-se a um asilo de marinheiros invlidos. A sua histria, s sua fundao, o feito de que monumento, a sua
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mesma posio, tudo o caracteriza para esse destino. Colgio de rapazes, obrigado portanto a alterar-se na forma, na perspectiva toda, que mais parece hoje um casaru velho, remendado sem gosto, do que o belo monumento antigo que , isso que ele nunca devia ser. Um nobre e precioso relicrio de tudo quanto fosse glria do nome portugus devera ser aquela bela igreja. Ali o verdadeiro Panteo. Ali jazigo de reis quanto melhor que num esconso recanto de S. Vicente! Ali todos esses tmulos e inscries que desaparecem e se obliteram todos os dias por essas igrejas devastadas de Lisboa e de todo o reino. Quem sabe se Pedro lvares Cabral no ser mandado sair um dia destes da igreja da Graa em Santarm pelo regedor de parquia? 87 Os ossos dos Velascos a andaram nas runas de Lisboa vista de ns todos em cima do monturo, rodos dos gozos da rua. Joo das Regras l est porta de S. Domingos de Benfica, como quem vai para sair: comearam os frades acabar outro possuidor to bom como eles. D. Dinis expulso pelas freiras de Odivelas para uma capelinha obscura, em ela caindo e que templo antigo e venerando ficar em p em Portugal com mais dez anos como estes ltimos cinco! ir o monumento do nosso Numa fazer companhia ao do poeta que por ele nos pintou o reino esclarecido e florescendo. Em constituies, leis e costumes Da terra j tranquila claros lumes! Ali, digo eu, em Belm o nosso Poets-corner, para desagravar os manes de Cames, para dar poiso honrado s cinzas de antigos e modernos que, pobres e desprezados toda a vida, deviam ao menos ser acatados na morte. Mas em Portugal nem pstuma vem a justia a ningum. No Dirio do Governo n 163 deste ano barbrico, a vem o Pao de Sousa a vender por quanto? um ministro portugus que se atreve a mandar pr em almoeda uma relquia daquelas, no sei com que o compare. Com o prdigo sem vergonha que manda Feira da Ladra os retratos de seus avs. Que tira da o miservel? Com que comprar uma sardinha, talvez. Viveu um dia mais, e desonrou-se para sempre. Mais outro captulo de acusao contra o nosso beduno Tesouro. A igreja do Carmo de Lisboa, que no s preciosa pelo fundador que teve, por ser memria do que , mas tambm por ser um dos mais belos tipos do gtico puro (ou assim dito) alugase todos os anos por no sei quanto: e aquelas relquas, que deviam ter sentinelas vista para se lhes no tocar, arrendam-se, digo, por uma soma que decerto h-de cumular o deficit do nosso oramento em muito poucos anos: creio que so doze mil ris! Que brilhante operao de finanas! S excedida pela do serrador de madeira que ali habita e trabalha, e que a ferro e fogo de tal modo degradou j o interior da igreja, que est quase na altura das ideias modernas. (Nota da segunda edio.)
O sr. Varnhagen copiou o ano passado, 1838. do jazigo de Pedr'lvares Cabral, que na Graa de Santarm, o singelo e curioso epitfio do ilustre descobridor do Brasil. diz assim: Aqui jaz Pedral uares Cabral e dona Isabel de Castro sua molher cuja he esta capella he de todos seus erdeyros aquall depois da morte de seu marydo foy camareyro mor da Infanta dona marya fylha del rey d Joo nosso snr hu ter ceyro deste nome. Esta infanta D. Maria a que nascera em Coimbra a 13 de Outubro de 1527. Casou em Salamanca com D. Filipe, prncipe de Castela, a 15 de Novembro de 1543. Morreu de parto a 12 de Julho de 1545 em Valladolid. Jaz no Escorial. Donde se deduz que Pedr'lvares Cabral se finou entre o ano De 1527, e o de 1545. (Nota da segunda edio ) O mais que neste lugar se diz na nota H ao terceiro canto, pg. 244 da seg. ed. de Lisboa 1839, e agora suprimo, erro que proveio da pressa com que se extraiu a inscrio e a notcia de um jornal literrio de Lisboa em que primeiro aparecera. (Nota da terceira edio.)
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Finalmente o Tesoiro teve vergonha e j no aluga a igreja de Nun'lvares. Mas quem toma cuidado destes e doutros que tais monumentos? Acho que ningum: no vale a pena. Vejam o que diz de ns o baro Taylor de quando os andou vendo em 1837. (Nota da terceira edio.) No memorvel ano de 1852 decretou o fomento que a igreja de Nun'lvares fosse convertida em sala de Exposio de Indstria. sempre progresso; mas bem mal pensado e pior sentido. No pode ser seno templo o que templo e de tal histria. Pasma como at os bons pensamentos sempre aqui andem pelo avesso. Um porm veio enfim a direito: que foi a nomeao do meu ilustre e nobre amigo, o sr. Marqus de Loul para provedor da Casa Pia. Do ilustrado zelo e apurado gosto daquele fidalgo se espera no s ver elevar o piedoso instituto ao grau de perfeio que ele merece e deve ter mas tambm que, restaurado o monumento, se desagrave a arte e a histria que nele esto vilipendiadas com tanto desacato. (Nota da quarta edio.) Nota H Como o encerado rolo sobre as guas nico leva ptria o nome e a fama Do perdido baixel Sucedeu mais de uma vez que, soobrando galees que vinham da ndia, lanava o capito ao mar um rolo encerado e bem fechado de folhas de flandres em Que inclua o nome do navio, dia e ano em que se perdera, para que, levado acaso a alguma praia, se soubesse o ltimo fim daquele galeo. Veja Hist. trg. mar. (Nota da primeira edio.)
Nota I Um reflexo De inspirao maior que humana coisa O pensamento verdadeiro e dominante deste poema ligar a vida e feitos todos de Cames como a um fado, a uma sina com que nasceu a de imortalizar o nome portugus com o seu poema. Seus amores, suas desgraas, suas viagens; seus estudos, suas meditaes; tudo tem um fim predestinado a composio dos Lusadas. (Nota da segunda edio.) Nota J Uma carta fechada a fio negro De seda Era o modo usual de fechar cartas. Muito tempo depois se usou ainda; e algumas cortes o conservaram nas cartas de faire part que se escrevem entre reis e prncipes nas grandes ocasies. (Nota da primeira edio ). Nota K Santa-F se chama O galeo
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Na primeira edio sacrificou-se a verdade histrica ao que pareceu mais potico, lendo-se: O galeo Dom-Vasco Se diz Assentei de restituir o nome exacto do galeo, que era Santa F. Nele embarcou em Sofala o nosso poeta com Diogo do Couto e os outros amigos que o libertaram das garras de Pedro Barreto. V. Couto, Dec., D. J. M. de Sousa, Faria e Sousa, etc. (Nota da segunda edio.) Nota L Corteja e porte logo. Que ser verso agudo, acintemente agudo para marcar mais a suspenso, e quebra de ideias que a acompanha. (Nota da primeira edio.)
AO CANTO QUARTO Nota A Por onde o velho mundo dilataram Os nossos e os que aps os nossos foram Julgava Cristvo Colombo ou Colon que a sia se prolongava para o oriente; e supunha, com a maior parte dos sbios do seu tempo, que a circunferncia da terra era menor do que ela na realidade. A este duplo engano, s informaes e papis que, pela parentela de sua mulher, houve dos navegadores portugueses, devemos principalmente a descoberta da Amrica. Casara na Madeira Colombo com uma senhora Perestrelo. Veja Vida de Colombo por seu filho Fernando Colombo, cap. V. Washington Irving, liv. 7 cap. 5. Os clebres mapas da Cartuxa de vora (que no sei onde foram parar na geral confuso de 1834-35) dizem-me provar que em Portugal, antes de Colombo, havia j noes da Amrica. Colombo residiu algum tempo em Islndia, cujos navegadores, est hoje fora de toda a dvida, conheciam o norte da Amrica muito antes dele. E os famosos sibilinos versos de Sneca: Non erit terris ultima Thule! quem os explicar? Pedro Alvares Cabral, por outro acaso o de Colombo no fora mais completou a descoberta do Italiano. Mas este decerto se no guiou por nenhuma esteira de Colombo. Amrico Vespcio, que nada descobriu, perpetuou o seu nome talvez para toda a durao do mundo. Assim a glria!
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Que no haja um portugus que reivindique as usurpaes que todos os dias nos fazem estranhos, e revele mais claramente o que j apontou o nosso Barros a este respeito! (Nota da segunda edio.) Temos no Sr. Visconde de Santarm quem nos desforce de todas estas usurpaes. (Nota da quarta edio.) Nota B O astro novo, no visto doutra gente Antes que o luso nauta lho amostrasse Os Portugueses s passaram o Equador em 1472. Ento lhes apareceram novo cu e novas constelaes; ento viram os primeiros olhos europeus o plo austral e as quatro estrelas ltimas que lhe ficam ao p. Mais de um sculo antes disso, Dante tinha adivinhado estas quatro estrelas! Io mi volsi a man destra; e posi mente Al'altro polo; e vidi quatro stelle, Non viste mai, fuor che a la prima gente DANTE PURGAT., CANT. I Quem inspirou ao Dante estes pasmosos versos Certamente o mesmo Ignotus Deus que inspirou a Sneca o Non erit terris ultima Thule. Valer pois mais o pensamento exaltado do poeta do que a cincia do erudito, o clculo do sbio? Em boa e singela prosa, o que me parece provvel que alguma tradio ctica, ignorada ou talvez desprezada dos sabedores desse tempo, chegasse a Sneca, e por superior talento avaliasse ele o que outros escarneceram talvez. Alguma Saga dinamarquesa ou islndica achou acaso no Dante o mesmo gnio transcendente que avalia e preza o que a vulgaridade trata muita vez de absurdo e ridculo. ( Nota da segunda edio.) Nota C No ar se me afigurou troar de irada A potestade imensa dalgum gnio Que os cancelos do Oriente ali guardasse Parece-me muito provvel que realmente a vista daquele imenso e terrvel promontrio suscitasse a Cames a ideia magnfica da sua metamorfose: talvez a no houvera ele concebido se de Portugal no sasse. (Nota da primeira edio). Nota D Ergui a voz. clamei contra u. vergonha Que o nome portugus assim manchava
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Alude clebre composio Disparates na ndia. Que ela foi inspirada por este sentimento de probidade e amor da ptria so abono todos os bigrafos de Cames. Faria e Sousa, na segunda Vida do Poeta, n 18, no se atreve a desculpar a aspereza e veemncia da stira. Na memria do Sr. bispo Lobo parece provar-se que o desterro para Macau fora suavizado com o provimento ao cargo de provedor-mor dos defuntos que o governador Francisco Barreto, simultaneamente ou logo depois lhe dera. D. J. M. de Sousa nega que seja de Cames esta stira fundando-se no nenhum talento potico que lhe nota. Por mim adopto mais facilmente a opinio do erudito bispo que a do nobre morgado. V. Ed. dos Lus., por D. J. M. de Sousa Botelho, Paris 1817; Mem. da Ac. R. das E. de Lisboa, tom. VII, 1821. (Nota da segunda edio.) Nota E Que ao Scrates da China se amostrara Mais temporo, se lhes no mentem crnicas, Que ao amante de Fdon............ As crnicas dos Chins reduzem toda a nossa cronologia a coisa nenhuma; e se fossem verdadeiras, no sei como seria. Confcio no inferior em bondade de moral a Scrates; e, quando os amores de Fdon fossem to platnicos como os viu Mendelssohn, ainda assim no seria o Grego superior ao Chim. (Nota da primeira edio.) Veja contudo a eruditssima obra de Paw, que reduz a seu justo valor as exageraes dos cronistas do imprio celestial, e as no menores exageraes dos padres Duhamel, Kircher, Couplet e dos Jesutas das Cartas edificantes. V. Recherches philosophiques sur les Egyptiens et les Chinois, Paris an. III de la Rp. Franc. 2 vol. (Nota da segunda edio. )
AO CANTO QUINTO Nota A Alta a noite, escutei o carpir fnebre Do nauta que suspira por um tmulo Na terra de seus pais Encontram-se no alto mar umas avezinhas que de noite do sentidssimos e longos pios, s quais os marinheiros puseram o nome de almas-de-mestre, crendo supersticiosamente que so as almas dos mestres ou capites de navios que se perderam, e que andam naquele fadrio de pios enquanto seu corpo no chega a terra e obtm sepultura crist. (Nota da primeira edio.) Nota B Este gigante cujo aspecto horrendo Primeiro eu vi
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O padre J. A. de Macedo pretendeu provar que a inveno do Adamastor era plagiato. Assaz foi refutada esta miservel acusao que s a paixo cega de to louca rivalidade podia fazer dizer a um homem alis erudito e no sem engenho. (Nota da segunda edio.) Nota C Na pedregosa encosta da montanha Que os mouriscos torrees inda coroam s abas dessa encosta parece ter sido antigamente a principal parte da vila, ou primitiva povoao de Sintra. (Nota da segunda edio). Nota D Do bardo misterioso o eterno canto Lord Byron, que em seu extraordinrio e inimitvel poema, o Child Harold, fala de Sintra com o entusiasmo que as belezas da natureza excitam em gnios como o dele. Este grande poeta, o maior do sculo presente, acabava de expirar na Grcia, onde o levara a nobreza de seus sentimentos, quando se isto escrevia; e sua morte aludem os seguintes versos, que so imitados de uns de seu amigo e bigrafo, o suavssimo Anacreonte do Norte, Th. Moore: Onde um suspiro De morte, etc. (Nota da primeira edio. )
AO CANTO SEXTO Nota A Africana terra. Que de nossas conquistas e vitrias Bero fatal h sido e sepultura Era grande e altamente poltico o pensamento dos nossos velhos que, vendo o resto da Espanha reunido sob uma s coroa, conceberam que Portugal, para ser independente deveras, precisava de se alargar pelas fronteiras terras de frica, os Algarves de alm. Mas foi sempre talvez ser sempre fado de Portugal no ter nunca ideia poltica, sistema constante de governo. Variou-se varia-se em tudo. O ouro da Mina, a especiaria e prolas de Asia, depois o ouro e diamantes do Brasil, fizeram desprezar as praas de frica, onde era preciso gastar muito e perseverar muitssimo antes que produzissem para a alfndega e para o errio. D. Sebastio e o seu projecto de se fazer imperador de Marrocos no eram to loucos como a desgraa os fez sentenciar. Loucamente dirigidos, sim.
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Esta mesma grande calamidade despopularizou a ideia. Tanto caso se fazia das praas de frica naquele tempo, que na revoluo de 1640 esqueceu mandar aviso a Ceuta para que seguisse a causa comum da nao. No entanto meteram-lhe os castelhanos guarnio e l ficou deles. O que so as coisas! Se ns tivssemos hoje as nossas praas de frica, no seramos poderosos e queridos aliados dos Franceses? Com sua boa vizinhana em Argel, no estava segura a nossa dominao da outra banda do Algarve? As portas do estreito, um p na frica outro na Europa, seria Portugal o reininho das noventa lguas de quem todos escarnecem? J no s de hoje em Portugal este desprezar de quanto velho, e correr para diante sem saber aonde. Sofisma que esqueceu a Jeremias Bentham. (Nota da segunda edio.) Nota B Dom Aleixo, estremado entre os mais nobres D. Aleixo de Meneses, aio de el-rei D. Sebastio. (Nota da primeiro edio). Nota C Um Deus todo humildade e singeleza Que sem comentadores, lhe mostravam O Evangelho e a razo Estes versos censuram a fastosa e farisaica profisso dos hipcritas; mas no houve a mnima teno de inculcar os gabos do puritanismo protestante e de sua falsa humildade alis orgulho ridculo e mal disfarado. J havia cristianismo antes de se escreverem e serem lidos os Evangelhos. Era pois a tradio e o consenso da Igreja o que s regia a Igreja. Este argumento de um Anglo-americano h pouco voltado ao seio da Religio Catlica, a morte do Protestantismo. (Nota da segunda edio.) Nota D Talvez sem o remorso escrupuloso Do eloquente Augustinho Veja as Conf. de S. Aug. (Nota da primeira edio. )
AO CANTO STIMO Nota A Oh! nobre paos da risonha Sintra, No sobre a roca erguidos, mas poisados Na plancie tranquila A grande questo de jurisconsultos e historiadores sobre se houve ou no nas Espanhas o sistema feudal propriamente constitudo, talvez em grande parte possa
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resolver-se pelo estudo e exame dos monumentos de arquitectura. Quem descendo o Rhin e vendo aqueles to ricos e pitorescos montes coroados de castelos senhoriais ainda ouriados de ameias e basties quem no dir: aqui dominou o feudalismo em toda sua plenitude? Mas o que visitar as ridas serranias, as florentes veigas de Portugal e Espanha, e vir coroadas as suas alturas de esmoronadas fortificaes moirescas, e o pao do nobre, o mosteiro do religioso, o casal do lavrador, a choupana do pegureiro todos igualmente espalhados pela aba da serra, ao longo do vale, e sem mais distino, apenas diferentes nas propores ou no gosto do edifcio esse dir necessariamente: Aqui um povo de irmos se uniu para expulsar o domnio africano; de um para outro no havia servido nem senhorio, nem mister de castelos e pontes levadias: destrufram o inimigo comum e ficaram vivendo em paz, com muito o que muito tinha ou adquiriu, com pouco o que tinha pouco; mas no houve raa privilegiada e exclusiva de possuidores do seu raa exclusiva de trabalhadores no alheio. O estudo das artes de mais auxlio cincia, do que talvez ela cuide em seu orgulho. (Nota da segunda edio.) Nota B Que precedido vai por dbeis canas Os porteiros da cana, que ainda se conservam no acompanhamento real, eram antigamente os batedores dos nossos reis. S-Miranda na sua Carta a el-rei D. Joo III faz a este respeito uma comparao dos monarcas portugueses com os das outras naes, sem exceptuar o papa, que dia de que todos os soberanos do mundo a lessem. (Nota da primeira edio ). Nota C Menestris tangem Nome que tinham no pao os msicos que ultimamente eram designados, creio eu, com ignbil ttulo de msicos das cavalherices. Dava-se-lhes ainda aquel'outro no tempo de D. Joo IV. (Nota da segunda edio ). Nota D E do brbaro Neva ao culto Sena, Desde o Thamesis frio ao Pado ardente, Os lamentos de Ins repete a lira As tradues dos Lusadas comearam logo a espalhar-se por todas as lnguas da Europa; e, segundo a reflexo do meu erudito amigo Joo Adamson, Memoirs of Camoens, este geral interesse e universal entusiasmo quase desde o momento que apareceu o poema, o adoptarem-no logo por seu tantos pases e lnguas diferentes, a mais clara prova de merecimento e valor real. Mas que infeliz tem quase sempre sido o pobre Cames, observa o ilustre literato, com os seus tradutores! A respeito de Mickle e Lord Strangford, diz o Annual Review para 1803: It is one of the curiosities of litterature that two englishmen of considerable genius should have employed themselves at different times in interpolating a portuguese poet notvel curiosidade literria
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que dois Ingleses de considervel talento se empregassem, em diferentes tempos, em interpolar um poeta portugus. Mas Inglaterra, e a sua literatura, se alguma ofensa ou injria fez ao nosso poeta, todas as reparou com a elegante, erudita e zelosa publicao do meu prezado e particular amigo o Sr. Joo Adamson, cujas Memrias so, com a edio do morgado de Mateus, e a Memria do Sr. bispo de Viseu, Francisco Alexandre Lobo, os mais dignos monumentos que ao nosso poeta se tm alevantado. Sabem todos os que me conhecem quo pouco tenho procurado, e quo rara me tenho servido das relaes de amizade estreita, de favor ou deferncia que, desde 1820, quase sempre tenho tido com os ministros que nos tm governado sob o regmen constitucional. Nestas raras excepes entrou a merc que empenhadamente solicitei do favor Real para se dar, em nome da Nao e da Soberana, um testemunho de gratido ao autor das Memrias de Cames. O Dirio do Governo, que tanta coisa nos publica que melhor fora no dizer, nunca se dignou comunicar Nao, este honroso acto, feito, no menos em seu nome e para sua glria, do que para glria da Rainha, Julguei de servio pblico deix-lo trasladado aqui. Atendendo ao que Me representou Joo Baptista de Almeida Garrett, do Meu Conselho, e Meu Enviado Extraordinrio, Ministro Plenipotencirio junto a sua Majestade Catlica; e Querendo Dar ao Cavalheiro Joo Adamson um pblico testemunho do apreo em que Tenho o distinto servio que fez Literatura Portuguesa na publicao das suas Memrias de Cames, que assim deram novo brilho glria toda Nacional do nosso primeiro Poeta: Hei por bem Fazer Merc ao mencionado Joo Adamson do o Nomear Cavaleiro da Antiga e Muito Nobre Ordem da Torre e Espada do Valor, Lealdade e Mrito. O Ministro e Secretrio de Estado dos Negcios do Reino assim o tenha entendido e faa executar. Pao das Necessidades, em 17 de Abril de 1838 RAINHA Antnio Fernandes Coelho. O episdio de Ins de Castro talvez a parte dos Lusadas que tem sido mais popular na Europa, e mais vezes traduzida em todas as lnguas cultas. Mas em todas ou quase todas o foi j o poema inteiro. O leitor folgar, creio eu, de achar aqui uma nota das tradues de que pude achar memria, ou examinei eu prprio. Tradues dos Lusadas desde a primeira edio portuguesa de 1572: I 1580 Traduo castelhana por Benito Caldera, com este ttulo: Los Lusadas de Luys de Cames, Traduzidos em octava rima Castellana per Benito Culdera residente en Corte. Dirigidos al ilustriss. Seor Hernando de Vega de Fonseca, Presidente del Consejo de la Hacienda de su M. y de la Santa y general inquisicion. Con privilegio. Impresso en Alcala de Henares, per Ju Gracian. Ao de M. D. LXXX. 1. vol. em 4 pequeno com uma gravura em madeira no princpio, representando um soldado no acto de montar a cavalo, sem numerao de pginas ou de flios. Antes do poema vem uma epstola ao leitor por Pedro Laynes sonetos ao A. pelo licenciado Garay por um amigo por Luiz de Montalvo pelo mestre Vergara por um amigo e pelo mesmo Pedro Laynes. Cada canto precedido por um argumento: o volume termina assim: En Alcala; En Casa de Juan Gracian 1580. Conserva-se um exemplar desta rara traduo na biblioteca de el-rei de Inglaterra em Buckingham-house.
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Veja Nic. Antnio, Bibl. Hisp. Nova: Barbosa, Bibl. Lus., tom. 1, p. 500; De Bure 3547; Brunet, Man, p. 207, tom. I; Duclos, Dict. tom. 1, p. 231Osmont, Dict. Typ. tom. I, p. 163 Fournier, Nouv. Dict. port. de Bibl Bibl. Croftsiana, n 4633. Bibl. Pinelliana, n 689 Adamson's Memoirs, tom. II. II 1580 Traduo castelhana por Luiz Gomes de Tapia, com este ttulo: La Lusiada de el Famoso Poeta Luys de Camoes. Traduzida em verso castellano de Portugues, por el Maestro Luys Gomes de Tapia, Vezino de Sevilla. Dirigida al illustrissimo Seor Ascanio Colona, Abbad de Sancta Sophia. Con privilegio En Salamanca. En casa de Juan Perier Impressor de Libros, ao de M. D. LXXX. 1. vol. 4 pequeno em 307 fol. Tem argumentos em prosa no princpio, e anotaes no fim de cada canto. Antes do poema contm dedicatria versos latinos de Francisco Sanchez um soneto em castelhano pelo autor versos latinos de lvaro Rodrigo Zambano um soneto em italiano por Diogo Vanegas, uma cano por D. Lus Gngora e Pedro de Vega sonetos em castelhano por D. Luiz Valenuela e D. Antonio Peralta Catlogo dos Reis de Portugal. Um exemplar desta obra existe na biblioteca de el-rei de Inglaterr em Buckingham-house; outro em poder do morgado de Mateus D. Jos Maria; outro no de M. Smith: Bisl. Smithiana, Venet, 1755, p. 87. Vej. Adamson's Mem., tom. II. III 1591 Traduo castelhana por Henrique Garces, com este ttulo: Los Lusiadas de Luis de Camoes. Traduzidos de Portugues en castellano por Henrique Garces. Dirigidos a Philippo Monarcha primero de las Espaas, y de las Indias. En Madrid, Impresso con licencia en casa de Guilhermo Drouy impressor de libros, Ao 1591, 1 vol. 4. H. Garces, natural do Porto, viveu e escreveu no Peru, e enviuvando foi cnego no Mxico. Vej. Nicolau Antonio Bibl. Hisp. Nova. 1. Barb. Bibl. Lus., tom. II Reis Enth poet., p. 1s0. O ttulo, privilgio, censura e quatro sonetos ocupam oito pginas sem numerao; o poema 185 fol. Um exemplar desta rarssima edio existe na biblioteca do meu amigo o Sr. James Gooden em Londres. IV 1612 ( volta de) Traduo francesa annima. No foi possvel aos mais diligentes bibligrafos modernos descobrir um exemplar desta traduo, de cuja existncia nos consta indubitavelmente todavia pelo testemunho de Nicolau Ant. Bibl. Hisp. ; Fernandes ed. dos Lus., de 1609; Baillet; Mickle; Garcez-Ferreira que a atribui a um M. Scharon; Adamson's Memoirs, tom. II; e outros. V 1613 Traduo italiana annima: provavelmente Ms. pelo testemunho de Nervi. Vej. Manuel Corra que lhe assina esta data de 1613; Adamson's Memoirs, tom. II. VI 1622 Traduo latina por D. Fr. Tom de Faria, bispo de Targa; com este ttulo: Lusiadum Libri X. Authore Domino Fratre Thoma de Faria, Episcopo Targensi, Ulyssipone ex oficina Gerardi de Vinea 1622. I vol. 8. Reimprimiu-se no Corpus Illustrium poetarum Lusitanorum, etc., Lisboa. 1745. Tive na minha pequena coleco um exemplar da edio original, adquirido na ilha Terceira; deve existir em poder do Sr. Jos da Silva Carvalho a quem o dei em 1822. Um exemplar desta 1 edio foi vendido na venda de Crevena por 2 fl. 14 st. Catal Crev., tom. III, p. 289. Vej. Nic. Ant. Bibl. Hisp. Nov. vol. II; Barbosa Bibl. Lus., III; Faria y Sousa: Severim de Faria; Adamson, tom. II; e outros.
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VII 163... Traduo latina por Andr Baio com este ttulo Lusiada Indiae orientalis argonautae Ms. actualmente existente na Biblioteca Romana. Andr Baio, natural de Goa, viveu principalmente em Roma, onde morreu em 1639. Vej. Bibl. Hisp. Nov., tom. I; Bibl. Lusit., tom. I; Montfaucon Bibl. Mss., vol. I, p. 179; Reis Enth. poet.; Adamson's Mem., tom. II. VIII 16.. Traduo latina de Antnio Mendes com este ttulo: Lusiaden Camonij Hispanorum vatum antesignani Poema Latinis versibus redditum. 4 Ms. Vej. Barb. Bibl. Lus., tom. I, p. 327. IX 16.. Traduo latina por Fr. Francisco de Santo Agostinho Macedo, com este ttulo: Lusiada de Luiz de Cames traduzida em lngua latina Ms. Macedo o enciclopdico nasceu em Coimbra, 1s96, morreu em Pdua em 1681. Esta traduo chegou a estar em poder do padre Reis para se imprimir no Corpus poetarum, cujo sexto volume todo ocupado pelas obras do mesmo Macedo, e no veio por fim a publicar-se por no ter recebido a ltima correco do seu autor, diz uma nota do editor no referido 6 vol. Deve existir hoje este Ms. na R. Biblioteca das Necessidades onde foi preparada e dirigida a edio do Corpus poetarum, creio eu. Vej. Barbosa Bibl. Lus., tom. I e II; Adamson, tom. II. X 1665 Traduo inglesa por Sir Richard Fanshaw, com o seguinte ttulo: The Lusiad, or Portugal's Historical poem : written in the Portingall language by Luis de Camoens, and now newly put into English by Richard Fanshaw Esq. Dignum laude virum Musa vetat mori; Carmen amat quisquis carmine digna facit HORAT London: printed for Humphrey Moseley, at the Prince's Arms; in St.-Paul's church yard. M.D.C.LV. fol. Foi ministro, e logo embaixador, de Inglaterra em Lisboa, e neste carcter residia quando se concluiu o casamento de el-rei Carlos II com a Infanta D. Catarina. Foi depois embaixador em Madrid, onde morreu em 1666. dedicada a traduo ao conde de Strafford. Antes do poema vem um extracto do Satyricon de Petrnia com uma traduo do mesmo Fanshaw, e o soneto de Tasso a Cames traduzido em verso ingls. Retratos de corpo inteiro do infante D. Henrique, de Vasco da Gama, de Cames. A palavra newly no fronstispcio desta edio parece inculcar que houvesse antes outra ou mais antiga traduo por autor diverso. Mickle, Dissert. on the Lus. em uma nota, resolve, cuido eu, toda a dvida, quando diz, citando o autor das cartas de Fanshaw: During the unsettled times of our anarchy some of his (Fanshaw's) Mss. falling by misfortune into unskilful hands, were printed and published without his consent or knowledge, and before he could give them his last finishing strokes: such was his translation of the Lusiads. Mickle, loc. cit.; Adamson's Mem., tom. II. XI 1658 Traduo italiana por Carlos Antnio Paggi, com o ttulo: Lusiada Italiana di Carlo Antonio Paggi, nobile Genovese. Poema Eroico del Grande Luigi de Cames Portoghese, Prencipe, de'Poeti delle Spagne. Alla Santita di Nostro Signore Papa Alessandro Settimo. Lisbona. Con tutte le licenze. Per Henrico Valente de Oliveira, 1658, I vol., 12. Contm uma alegoria precedendo o frontispcio, gravada; duas dedicatrias a Monsig. Giacomo Fcanzoni e al III. Sig. Gio Georgio Giustiniano, em que relata a vida de Cames; sonetos, elogios e licenas. Vej. Nicol. Ant. Bibl. Hisp. Nov., tom. II; Adamson's Mem., tom. II.
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A segunda edio, mui alterada da primeira pelo A. foi reimpressa na mesma tipografia logo no seguinte ano de 1659. H exemplares no Mus. Britan., na coleco de M. Adamson, na minha, e no so raros em Portugal. XII 1735 Traduo francesa por Duperron de Castera, com este ttulo: La Lusiade du Camoens, poeme hroique sur la Dcouverte des Indes Orientales. Traduit du Portugais, par M. Duperron de Castera, 3 vol. 12, Paris, 1735. Com uma srie de estampas, e uma alegoria no frontispcio. dedicada a S. A. S. o Prncipe de Conti. Contm, alm da dedicatria em verso francs, e da inscrio em verso latino da alegoria, um prefcio, a vida de Cames, licena do Rei notas no fim de cada canto, e ndice de matrias no fim da cada volume. De Bure; Brunet, Man. du Lib., tom. I, p. 207; Duclos, Dict. Bibl., tom. I; Osmont, Dict. Typogr., tom. I, p. 163. H uma ed. de Paris 12 mo, outra de Amsterdam em 8, ambas em trs vols. e no mesmo ano de 1735. Outra ed. de 1768. XIII 1762 Traduo em verso alemo dos episdios de Ins de Castro e de Adamastor por Meinhard na obra Den Cil. Beytr. Zuden Braimschwig Antreigen, 1762. St. 25 p. 193; St, 26, p. 210. XIV 1772 Traduo em oitava rima italiana annima; com este ttulo: La Lusiade o sia La Scoperta delle Indie Orientali fatta da'Portoghesi di Luigi Camoens : Chiamato per la sua excelenza II Virgilio di Portogallo. Scritta da esso celebre autore nella sua lingua naturale in ottava rima, ed. ora nello stesso metro tradotta in Italiano da N. N. Piemontese, insieme con un ristretto della vita del medesimo autore, e con gli argomenti aggiunti al Poema da Gianfrancesco Barreto. Torino 1772, Presso li fratelti Reycends Libraj in Principio di contrada nuova. Multosque per annos Errabant acti fatis maris omnia circum ENEID. LIB. I. 1 vol. 12 de 304 pp. dedicado al Nobilissimo ed ornatissimo cavaliere il Marchese D. Salvadore Pez di Villamarina. Argumentos em verso no princpio de cada canto, e natas marginais no decurso da obra. H um prefcio depois da dedicatria Atribui-se geralmente ao conde Laurreani algum tempo residente em Lisboa. Um exemplar na Bibl. Real de Inglaterra em Buckingham-house; outro em poder de M. Adamson. XV 1772 Traduo em verso francs por S. Gaubier de Barrault; com este ttulo: La Mort de Ins de Castro; et Adamastor; morceaux tirs et traduits de la Lusiade de Camoens; pour servir de Essai une Traduction Franoise en vers et complete de ce fameux Pome Portugais. Ouvrage ddi et prsent au Roi le VI de Juin M.DCC.LXXII jour anniversaire de la naissance de Sa Majst, par Sulpice Gaubier de Barrault. A Lisbonne. De l'Imprimerie Royale. Avec Approbatton. I folheto de 32 pp. em 4 com o texto ao lado. So unicamente os episdios de Adamastor e de Ins de Castro, traduzidos verso por verso, dedicatria em prosa francesa a el-rei D. Jos. Aquino, ed. de Cam., 1782; Adamson's, tom. II. XVI 1776 Traduo em verso rimado ingls por Jlio Mickle; com este ttulo: The Lasiad; or the Discovery of India. An Epic Poem. Translated from the original Portuguese of Luis de Camoens. By William Julius Mickle. Nec verbum verbo, curabis redere fidus interpres HOR. ART. POET. London. Oxford. M.DEC.LXXVI., 1 vol. 4. Muitas vezes reimpresso: o geral das edies contm, antes dos Lusadas, uma introduo; a histria da descoberta da ndia; a histria do crescimento e queda do imprio portugus no Oriente; vida de Lus de Cames; dissertao sobre os Lusadas; observaes sobre a poesia pica.
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Aquino ed., de Cam. 1782, tom. I; Adamson's Mem., tom. II. XVII 1776 Traduo, em resumo, em prosa francesa por D'Hermilly, revista por La Harpe; com este ttulo La Lusiade de Louis de Camoens; Poeme Hroique, en dix chants, nouvellement traduit du Portugais, avec des notes & la vie de 1'Auteur. Enrichi de figures chaque chant . 2 vol., 8, Paris, 1776. Precedem o poema uma advertncia do editor, uma vida de Cames: no princpio de cada canto um argumento em prosa. Excelentes gravuras com explicaes em prosa tambm. Aquino, ed. de Cam., 1782, tom. I, Mickle, Diss, Bibliothque de un Homme de got, tom. I, p. 239 (ed. de 1808); Brunet, Man. du lib., tom. I; Fournier Nouv. Dict. port. de Bibliog. XVIII 17.. Traduo em verso francs por Florian, com este ttulo: Episode de Ignez de Castro traduit de la Lusiade de Camoens chant III. Em todas as edies das obras de Florian. XIX 1788 Traduo annima em prosa francesa do episdio da Ilha dos Amores, na coleco intitulada: Voyages Imaginaires, Romanesques, merveilleux, allgoriques &c Amsterdam, 1788, 8, com o ttulo seguinte: L'Isle enchante. Episode de la Lusiade, traduit du Camoens. Tem uma bela gravura de Vnus falando a Cupido. XX 1807 Traduo em oitava rima alem por Frederico Kuhn e Carlos Teodoco Winkler; com o ttulo: Die Lusiade des Camoens. Aus dem Portugiesischen in Deutsche otavereime ubersetzt. Leipzig in der Weidmannischen Buckhandlung, 1807, 8. dedicada ao conde Carlos Boze secretrio de estado de el-rei de Saxnia: Pretende-se na dedicatria que a primeira traduo dos Lusadas em alemo. XXI 1808 Traduo alem do primeiro canto dos Lusadas, com o texto portugus ao lado; com este ttulo Probe einer neuen ubersetzung der Lusiade des Cames. Hamburg bey Friedrich Perther. XXII Traduo em verso francs dos episdios de Igns de Castro e da Ilha dos Amores, por Parseval Grand-maison, no poema rapsdico intitulado Les amours piques, I vol. 8. A edio que cito a segunda; no se pode descobrir a data da primeira. XXIII 1814 Traduo em oitava rima italiana. por Antnio Nervi; tem por ttulo: Lusiada di Camoens. Transportata in versi italiani da Antnio Nervi. Cenova, Stamperia della Marina e della Gazzetta, anno 1814, 8. Um breve aviso ao leitor acompanha o poema sem mais notas ou ilustraes. XXIV 1818 Traduo castelhana de Dom Lamberto Gil; com o ttulo seguinte: Los Lusiadas, Poema Epico de Luis de Camoens, que tradujo al castelhano Dom Lamberto Gil, Penitenciario en el real oratorio del Caballero de Gracia de esta Corte. Madrid 1818. Imprenta de D. Miguel de Burgos. 3 vols., 8. O primeiro vol. tem o ttulo acima, e contm prlogo vida de Cames juzo crtico relao da viagem de Gama e os primeiros cinco cantos dos Lusadas. O segundo volume contm o resto dos Lusadas, no terceiro h prlogo e poesias vrias que vm a ser uma escolha dos poemas menores, notas, etc. XXV 18.. Traduo inglesa de parte do IV canto dos Lusadas, e de algumas seleces das Rimas por Lord Strangford: com o ttulo Poems from the Portuguese of Luis de Camoens, London, 18.., um pequeno vol. em 12. XXVI 1825 Traduo em prosa francesa por Milli, com este ttulo: Les Lusiades, ou Les Portugais. Pome de Camoens, en dix chants Traduction nouvelle, avec des notes. Par J. Bte. Jh. Milli La dcouverte de Moambique, de Melinde et de
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Calicut a t chante par le Camoens dont le pome fait sentir quelque chose des charmes de I'Odysse et de la magnificence de I'Enide. MONTESQUIEU. Paris, Firmin Didot Pre et Fils, Libraires rue Jacob n 24. De l'imprimerie de Firmin Didot, M.DECC.XXV., 2 vols., 8. dedicada a D. Jos Maria de Sousa Botelho (morgado de Mateus). Antes do poema, um prefcio vida de Cames o soneto de Tasso e uma imitao francesa dele. No fim de ambos os volumes notas argumentos conceitos dos literatos sobre Os Lusadas notcia sobre Cames e suas obras, por D. Jos Maria de Sousa Botelho, traduzida em francs por M. Milli. XXVII 18.. Traduo em oitava rima alem pelo Dr. E. E. Heise, com o ttulo: Die Lusiade Heldengedicht von Camoens, aus dem Portugiesischen uberzetzt von Dr. E. E. Heise. Hamburg und Altona bei Gottfried Volmer. 2 vol., 12 No frontispcio tem este dstico alemo: Halb Romer, stammt er dennoch von Germanen. Contm, antes do poema, uma espcie de endereo a Cames argumentos nos princpios e notas nos fins de cada canto. Sem data de impresso conhece-se que deste sculo. XXVIII 1826 Traduo em oitava rima italiana por Briccolani; tem ttulo: I Lusiadi del Camoens recati in ottava rima da A. Briccolani. Parigi 1826, co'tipi di Firmin Didot, via Giacobbe, N 24, I vol., 32.mo. dedicada a S. M. a Rainha D. Maria II, ento de sete para oito anos. Tem no princpio a mesma gravura da edio portuguesa em 32.mo festa em Paris pela de 8 de Didot e na sua oficina mesma por J. P. Aillaud. XXIX I826 Traduo em verso solto ingls por Musgrave; com o ttulo: The Lusiad, An Epic Poem, by Luis de Camoens. Translated from the Portuguese by Thomas Moore Musgrave. Primum ego me illorum, dederim quibus esse poetis. Excerpam numero. Neque enin concludere versum Dixeris esse satis; neque, si quis seribat, uti nos. Sermoni propriora putes hunc esse poetam. Ingenium cui sit, cui mens divinior, atque os Magna soniturum, des nominis hujus honorem. HORAT. SAT. L. 1, 4. London: John Murray, Albemarle Street. M.DCCC.XXVI. 1 vol., 8. Precede o poema, dedicatria ao conde de Chichester prefcio seguem-se no fim notas. XXX 1828 Traduo dinamarquesa por Lundbye; com o ttulo: Luis de Camoen's Lusiade oversat af ort Portugisiske ved H. V. Lundby. Kopenenhagen, 1828. 2 vol., 8. O A. era secretrio da legao dinamarquesa em Tunes. XXXI 1833 Traduo em verso alemo por Donner, com ttulo: Die Lusiaden des Lnis de Camoens verdentscht von J. J. E. Donner. Stuttgard, 1833. I vol., 8. uma bela edio em caracteres romanos. Autor contemporneo bem conhecido. XXXII A traduo hebraica, referida por Mickle, e feita com muito engenho e elegncia por Luzzeto, um erudito Judeu, autor de vrios outros poemas, que morrera na Palestina trinta anos antes do tempo em que Mickle escrevia 1775. XXXIII A traduo em prosa latina por Filipe Jos da Gama, to louvada na ed. de 1779 das Obras de Cames, em Lisboa. XXXIV A traduo em verso latino por Manuel de Oliveira Ferreira com o ttulo: Lusiadum Libri VII. Ms.
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XXXV A traduo em verso francs pelo Sr. Duque de Palmela, que os particulares amigos do ilustre autor sabem estar muito mais adiantada, posto que dela s aparecessem amostras no Investigador portugus em Londres de l8.. Posso dar testemunho do muito que admirei algumas das mais difceis passagens de Os Lusadas, quando o nobre poeta (espero que se no ofenda do nome) me Pez a honra de mas ler, h onze para doze anos em Londres. XXXVI As duas tradues suecas que nos manifestou o Sr. Melin, ilustre viajante daquele pas que aqui vimos em Lisboa este ano de 1839. XXXVII Os comentrios e traduo russa em 2 vols., 8, que sabemos terem sido vistos por pessoa de confiana e de inteligncia. XXXVIII Carrion-Nisas, Boucharlat, H. Lefebure tambm traduziram em Francs parte de Os Lusadas. (Nota da segunda edio.) XXXIX 1839 Traduo sueca por Lovn, com este ttulo: Lusiaderne. Hjeltedikl of Luis de Cames Ofversatt frn Portugisiskan, J. originalets versform. Af Vils Lovn. Stockolm, tryckt hos L. J. Hjerta, 1839. I vol., 12 grande, de 224 pp., prefcio de IV pginas, notas no fim, em XVI pginas. XL 1841 Traduo em verso francs por Aubert; com o ttulo: Traduction des Lusiades de Camoens, por Ch. Aubert. Paris, 1841, I vol., 12. XLI 1841 Traduo em prosa francesa por Ortaire Fournier e Desaules; com o ttulo: Les Lusiades de Camoens. Traduction nouvelle, por M. M. Ortaire Fournier et Desaules, revue, annote et sulvie de la traduction de un choix de posies diverses, avec ane notice biographique et critique sur Camoens, par Ferdinand Denis. Paris, 1841. I vol., 12 (Nota da terceira edio. ) XLII 1852 Traduo em verso ingls dos primeiros cinco cantos, com o ttulo: The Lusiad of Camoens, Books I. to V. Translated by Edward Quillinam. With notes by Johrt Adamson, K. T. S. and K. C. of Portugal &c London, 1853. I vol., 8 (Nota da quarta edio.)
AO CANTO OITAVO Nota NICA Loua, transparente porcelana Raro produto do Chins longnquo Raro na Europa ainda, e ento condigno Ornato de reais mesas Rarssima era ainda a porcelana na Europa: de ver a admirao que em Roma causou o regalo de loua da ndia que fez o nosso santo arcebispo D. Fr. Bartolomeu dos Mrtires ao Papa, quando lhe aconselhava que deixasse as baixelas de ouro e prata, como imprprias de um sucessor de S. Pedro, e usasse daquela que nem era to cara nem to fastosa. Veja Frei Lus de Sousa, vida do Arc. (Nota da primeira edio.)
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O nome de trovador no foi privativo dos provenais, porque portugueses e castelhanos os houve. Toma-se aqui no sentido genuno da palavra, poeta guerreiro com seu tanto de cavaleiro andante, e no no vulgar e vicioso de hoje, improvisador, versejador: digo vicioso, porque para isso temos ns trovista. (Nota do primeira edio.) Nota B Arrebatada Por anjos infernais a roca antiga Que a prumo a descaram e fixada No encantado equilbrio, desafia Fora da natureza e arte dos homens Vistos de certo ponto e distncia, os rochedos primitivos e descarnados daquela serra parecem com efeito colocados ali por meios sobrenaturais. No haver entre eles algum que realmente seja o que ao poeta se afigurou nest'outros versos: Cltico dolmin recordando o culto Do sanguento Endovlico, o terrvel Irminsulf dos ferozes Lusitanos Dolmin, ou dlmen, o singelo monumento cltico de uma pedra solitria e a pique. Celtas somos ns sem dvida, alm do gnio, por sangue. Endovlico era deus celta, porventura traduo de Irminsulf assim arredondada pelo ore rotundo lusitano. Aqui esto altas e profundas questes, cujo interesse o poeta s indica: trate-as a cincia, que o valem (Nota da segunda edio.) Nota C Guardando ainda, No azul que em sua glria lhe vestiram As estrelas do Yaman e os enlaados Caracteres do Hydjaz Ainda agora A. D. 1839 se conserva em parte do tecto e de uma parede interior da mesquita quase todo o estuque, e bocados dele com o azul-vivo e animado, as estrelas, meias-luas e letras arbicas bem distintas, e luzindo ainda o dourado com que as debuxaram. Veja, sobre a admirvel conservao destes frescos, as observaes de Paw, Recherch. Philos., Paris, an 3 de la rpubl. Se algum fizesse ao menos copiar e estampar estes curiosos e notveis vestgios antes Que de todo se obliterem! (Nota da segunda edio.) Nota D Estas resistem
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Mais que nenhumas ao minar do tempo facto que pode cada um explicar a seu sabor, mas indisputvel para todos. Na cidade habitada ainda por geraes que sucederam a centenares de geraes na que jaz abandonada e deserta j os monumentos, os edifcios pblicos e particulares, ou renovados ou cados, ou sem deixar vestgio sequer, todos testemunham a fragilidade e instabilidade das coisas humanas. Porque ser que as casas de orao, os templos parecem privilegiados entre as obras dos homens? A Filosofia responder com um sorriso, a Piedade com um levantar de olhos ao cu. Nenhuma te convence: talvez. Mas se hei-de crer sem entender, porque h-de ser antes no que ri e zomba, do que nesse que vive to certo em sua f? (Nota da segunda edio.) Nota E De Bernardim saudoso e namorado Bernardim Ribeiro, cujo romance da Menina e Moa uma alegoria de seus altos amores do pao. Corre por verdadeiro o que aqui se diz a este respeito. A sua morada na serra de Sintra, a sua ida de peregrino aos Alpes, i. e. a Turim onde se achava a D. Beatriz casada com o duque de Sabia, so factos: o resto quem o pode afianar? (Nota da primeira edio.) No volume desta coleco em que se publica o Auto de Gil Vicente, vem ilustrado mais amplamente o ponto. Imprimia-se, na primeira edio, Isabe1 em vez de Beatriz, por engano desculpvel em quem escreveu e imprimiu em terra estranha, quase sem um s livro portugus. (Nota da segunda edio.) Nota F Na opa de peregrino disfarado Desce os montes da Lua, e mais erguidas Serras demanda Os derradeiros dias da vida romanesca e aventureira do apaixonado Bernardim Ribeiro so parte menos decifrada e decifrvel do enigma de sua vida. Aqui seguiu-se a tradio mais vulgar. Houve quem me acusasse de ter seguido outra diversa no Auto de Gil Vicente. No era erro quando tal tivesse feito, porque se ao poeta permitido violar a histria, que liberdades no ter ele com a vaga e desvairada tradio de uma aventura romanesca? Mas no foi assim, digo: Bernardim Ribeiro lana-se ao mar, no Auto de Gil Vicente; mas nenhum nuncius, nenhum koroj veio fora, como na comdia ou tragdia antiga, dizer ao pblico: Bernardim Ribeiro afogou-se com efeito: nunc plaudite. (Nota da segunda edio.) Nota G Faanha heis feito de homem, que imitada De muitos no ser
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Duarte Nunes de Leo define faanha, aco notvel em cavalaria que se pode citar como aresto e caso julgado do qual se argumenta para outro parecido. D. N. chron. (Nota da primeira edio. ) Nota H Pronto se oferece quem germanas artes Em dar-lhe vida e propag-lo empregue Cames chegou a Lisboa em 1569, e publicou Os Lusadas em 1572 na oficina de Antnio Gonalves. Fez logo segunda edio no mesmo ano, segundo demonstrou o Morgado de Mateus, e j Faria e Sousa tinha descoberto. Desde ento, pode dizer-se que a imprensa ainda no descansou de multiplicar exemplares desta assim como das outras obras de Lus de Cames. (Nota da segunda edio. ) Nota I Soa o brado ingente J pela Europa: e o nome lusitano Ao nome de Cames eterno se une Mais de uma vez se tem feito aluso, neste poema, imortalidade que o nome de Cames afiana nossa lngua e ao nosso nome. Poucos h to populares e europeus como o dele. Nestes derradeiros tempos quase que no h lngua em que a poesia e o romance no tenham celebrado o engenho e carpido as desgraas do Homero portugus. Lord Strangford com as suas parfrases, de pouco mrito alis, concorreu muito para fazer da moda em Inglaterra o nome de Cames. O Morgado de Mateus e o meu amigo o Sr. Adamson generalizaram as simpatias despertadas talvez pelo literrio dandy, O poemeto em prosa de M. Denis publicado na obra Scnes de la nature sous les tropiques, apareceu pouco depois em Frana, 1825. Na primeira edio do meu Cames, que desse ano, fiz a sensaboria de me pr a dar explicaes em como no tinha nada a ver a minha composio com a do Sr. Denis. Consta-me que, entendendo provavelmente mal as minhas palavras, aquele escritor, que to bem tem merecido da nossa literatura, se ofendera delas. Peo-lhe daqui solene desculpa, e declaro a minha convico ntima de que, assim como eu no sabia da sua obra nem a vira antes de publicar a minha, o mesmo estou certo que lhe acontecesse. Vi mais em Francs, publicado em 1831-32? um pequeno drama em prosa cujo assunto a volta de Cames a Lisboa. No me pode lembrar o nome do autor. Em Alemo apareceu Tod des Dichters romance por Ludwig Tiock, Berlim 1834. seguimento de uma publicao maneira dos anuais ingleses, intitulada Novellenkranz. 1 vol. 12 mo de 347 pg. Saram no vol. de 1835 as gravuras pertencentes a este. Tieck hoje um dos primeiros literatos de Alemanha. Numa colecco de poesias dinamarquesas que tem por ttulo Nye Digte. Af Schack Staffeldt Kiel 1808. 8 vo. a pg. 175 vem um poemeto intitulado Camoens em versos de diferentes medidas e a modo dramtico, sendo interlocutores Cames, um frade, o Jau de Cames, e vozes de anjos. Contm 24 pg. (Nota da segunda edio.) Li o ano passado dois dramas alemes cujo protagonista tambm o nosso Cames, so impressos 185... (Nota da terceira edio.)
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Acabo de receber de Paris, hoje 12 de Marco 18s4, um elegante e precioso estudo literrio sobre o mais interessante ponto da vida de Cames, pelo Sr. Adolpho de Circourt. Publicou-se primeiramente como artigo na Bibliotheqece Universelle de Genve, e tem por ttulo Catherine de Atayde. Genve imprimerie Ferd. Ramboz et Cie 1853. Sinto que a j demasiada extenso destas notas me no permita inserir por extenso todo este opsculo, bem digno do seu objecto. (Nota da quarta edio.)
AO CANTO DCIMO Nota A indigncia, misria a sucumba Seguindo a opinio do Morgado de Mateus, na Primeira edio do meu poema fiz carregar nomeadamente aos dois irmos Cmaras Lus Gonalves e Martim Gonalves com toda a fealdade deste crime que, realmente e sem paixo, se deve imputar a todos os que rodeavam el-rei, e que, segundo diz Faria e Sousa, eram enemigos del poeta. Com esta mais arrazoada opinio se conforma o Sr. bispo de Viseu, Lobo, quando, ajudado da autoridade e argumentos do mesmo Faria e Sousa, confunde a vilania de Mariz que to indignamente quis desculpar a ingratido da corte custa da reputao de Cames. Mas j que vai de fazer justia a todos, faamo-la tambm ao governo daquele tempo, absolvendo-o da acusao, to repetida h quase trs sculos, de que a penso dos quinze mil reis que lhe davam era, inda em cima, to mal paga que o poeta dizia: que havia de pedir a el-rei que trocasse os quinze mil ris por outros tantos aoites nos ministros por quem corria o pagamento. A penso foi mesquinha, indigna de quem a dava e de quem a recebia, mas pagouse. Dou por ntegra, em razo da novidade e interesse do seu contedo, os seguintes documentos cujas cpias autnticas me foram oficialmente comunicadas da Torre do Tombo. E folgo de dar aqui pblico agradecimento obsequiosa amizade do Sr. Guarda-mor e diligncia de seus empregados, que to zelosamente se prestaram a satisfazer ao meu pedido. Il.mo e Ex.mo Sr. Tenho a honra de passar s mos de V. Ex (de ordem do meu Guarda-Mor) as trs cpias juntas do alvar e apostilas de 15$000 reis de tena concedida a Lus de Cames, podendo assegurar a V. Ex no existir neste Arquivo outro algum documento (e muito menos autgrafo) que pertena ao dito Cames. Deus Guarde a V. Ex.a Real Arquivo da Torre do Tombo 27 de Julho de 1839 Il.mo e Ex.mo Sr. Cronista Mor do Reino. Jos Manoel Severo Aureliano Basto, Oficial Maior. Eu elrei fao saber aos que este aluara virem que avendo respeito ao servio que luis de cames caualleyro fidalgo de minha casa me tem feyto nas partes da India por muitos annos e aos que espero que ao diante me fara e a Informao que tenho de seu engenho e habellidade e a sufficiencia que mostrou no liuro que fez das cousas da Indya ey por bem e me praz de lhe fazer merce de quynze mil reis de tena em cada hum anno por tempo de tres annos somente que comearo de doze dias do mes de maro deste anno presemte de mil quinhentos setenta e dois em diante que lhe fiz esta mere e lhe sero pagos no meu thesoureiro mor ou em quem seu cargo servir cada hum dos ditos tres annos com certido de francisco de siqueira escrivo da matricola dos moradores de minha casa de como elle Luis de cames reside em minha corte. E portanto mando a
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dom martinho pireira do meu conselho vedor de minha fazenda que lhe faa asentar no livro dellas estes quinze mil reis no tittulo do thesoureiro mor pera nelle lhe serem pagos cada hum dos ditos tres annos com a certido acima decllarada e este allvara quero que valha como se fose carta feita em meu nome sem embargo da ordenao do segundo livro que dispe o contrario symo borralho a fez em Lisboa a vinte e oito de Julho de mi1 quinhentos setenta e dois e eu Duarte dias o fez escrever. Est conforme ao livro 32 da Chancellaria do Senhor Rei Dom Sebastio fl. 86 v Real Archivo 23 de Julho de 1839. Jos Manoel Severo de Aureliano Basto. Trellado de huma apostilla Que se pos ao pee de hum allvara de luis de cames que foi Registado no Livro de amtonio daguiar a folhas oitenta e seis E pasou pela chancellaria a seis de Setembro de setenta e dois. Ey por bem fazer mere a luis de cames dos quinze mil reis cada anno conteudos neste allvara por tempo de tres annos mais Que comearo do tempo em que se acabaro os outros tres annos paguos no meu Thesoureiro mor asy e da maneyra que se lhe ategora paguaro com certido do eserivo da matricolla de como Resyde em minha corte e com esa declarao se hasentaro no Livro de mynha fazenda e se levaro no caderno do asentamento E esta apostilla se cumprir posto que o efeyto della aja de durar mais de um anno symo borralho a fez em allmada a dois dagosto de mil quinhentos setenta e cinco E eu duarte dias a fiz escrever. Est conforme ao Livro 23 da Chancellaria do Senhor Rei Dom Sebastio fl. 229. Real Archivo 23 de Julho de 1835. Jos Manoel Severo Aureliano Basto. Trelado de huma postilla que se pos nas costas de hum allvara de Luis de Cames. Ey por bem de fazer merce a luis de cames contiudo no meu allvara escrito na outra meia folha atras que elle tenha e aja cada anno por tempo de tres annos mais os quinze mil reis que tem pela postilla que esta no dito allvara os quais tres annos comearo de dois dias do mes dagosto deste anno prezente de quinhentos e setenta oito em diante E os ditos quinze mil reis lhe sero pagos no meu thesoureiro mr assy e da maneira que ategora se lhe pagaro com certido dayres de siqueira escrivo da matricola dos moradores de minha casa de como Reside em minha corte e com essa declarao se assentaro no Livro de minha fazenda E se levaro no caderno de assentamento E esta apostilla me praz que valha e tenha fora e vigor posto Que o effeito della aja de durar mais de hum anno sem embargo da ordenao em contrario gaspar de seixas a fez em lisboa a dois de Junho de mil quinhentos e setenta e oito E posto que acima diga que o dito luis de cames comece a vencer os ditos quinze mil reis de dois dias do mes dagosto deste anno presente no os vencera seno de doze dias de maro passado do dito anno em diante que he o tempo em que se acabaro os tres annos que lhe foro dados pela dita apostilla Jorge da costa a fez escrever. Est conforme ao Livro 44 da Chancellaria do Senhor Rei D. Sebastio fl. 119 v Real Archivo 23 de Julho de 1839. Jos Manoel Severo Aureliano Basto. (Nota da segunda edio.) Os conscienciosos e infatigveis desvelos do meu amigo o Sr. Visconde de Jeromenha sairo breve a pblico para ilustrar esta e outras questes biogrficas relativas a Cames. (Nota da quarta edio) Nota B Meu bom senhor, um gasalhado tenho Achado j No sigo a opinio dos que fazem morrer o nosso Cames no hospital. O Sr. bispo de Viseu, na memria tantas vezes citada, claramente provou que o falecimento do
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poeta no hospital pblico de Lisboa, se no de todo falso, pelo menos muito duvidoso. Vej. Mem. da Ac. R. das Se. de Lisboa, tom. 7, pg. 230. (Nota da segunda edio). Nota C Uma fasca Esquecida a tiranos l cintila Esta uma profecia de poeta, cujo cumprimento pode ser explicado pelos sucessos de 1640, de 1800, ou de 1820, ou segundo prouver aos crentes, como acontece com a maior parte de tais profecias. Nota D Juntos morremos... e expirou coa ptria notvel coincidncia, e que muito lisonjeia o meu pequenino amor prprio, que enquanto eu, humilde e desconhecido poeta, rabiscava estes versinhos para descrever os ltimos momentos de Cames, o Sr. Sequeira imortalizava em Paris o seu nome e o da sua nao com o quadro magnfico que este ano passado de 1824 exps no Louvre, em o qual pintou a mesma cena. Valha-nos ao menos, descados ou esquecidos como estamos, que haja ainda portugueses como o Sr. Sequeira que ressuscitem, de quando em quando, o adormecido eco de nossa antiga fama. (Nota da primeira edio. ) Nota E Onde jaz, Portugueses, a moimento Que do imortal cantor as cinzas guarda? Cames foi enterrado em sepultura humilde e rasa ao lado esquerdo da porta principal da igreja do convento de Sant' Ana. que ento servia de parquia. Dezasseis anos depois, D. Gonalo Coutinho, o mesmo que to afeioado lhe fora noutro tempo, mas que parecia t-lo desamparado nos ltimos dias de sua atribulada vida e de todo olvidado depois de morto, D. Gonalo Coutinho, afora com diligncia e cuidado procurou o lugar quase esquecido em dezasseis anos! da sepultura do poeta; achouo, com no pequenas dificuldades, por no haver indcio diz o Sr. bispo de Viseu, Lobo, que o fizesse logo advertir; mandou trasladar as cinzas para uma jazida particular no meio da igreja, e assentou sobre ela uma pedra em que fez gravar aquele to conhecido epitfio de simplicidade eloquentssima: Aqui jaz Luiz de Cames Prncipe Dos poetas do seu tempo: Viveu pobre e miseravelmente: E assi morreu Anno M. D. LXXXIX
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Martim Gonalves da Cmara o famoso escrivo da puridade de el-rei D. Sebastio, ou que realmente no tivesse sido inimigo do poeta, ou lhe chegasse o arrependimento, tambm agora, com licena de Gonalo Coutinho, lhe mandou gravar na mesma lpide aquel'outro epitfio em dsticos latinos, composio do padre Mateus Cardoso jesuta, toda hiperblica, engenhosa e de conceitos, que ou me engano muito ou, por si mesmos, esses versos latinos se denunciam hipcritas e fingidos, quanto a singela prosa portuguesa da outra inscrio mostrava sinceridade de alma, pena e saudade bem sentida do corao. O cronista franciscano atesta ter visto e existirem ainda no seu tempo, A. D. 1709, uns azulejos que ornavam a parede da igreja no stio onde fora a primitiva sepultura do poeta, e ali foram postos em seu obsquio com emblemas e trofus militares. No terramoto de 1755 o tecto da igreja, que era de abbada, caiu com todo o seu peso sobre o centro dela e completamente arruinou toda a linha mdia do pavimento; as paredes ficaram em p, e o resto do pavimento de ambos os lados da igreja tambm no foi arruinado, segundo ainda hoje testemunha a existncia de muitas lpides, inscries tumulrias, brases, etc., com suas datas anteriores ao fatal dia primeiro de Novembro de l755. A igreja consertou-se; as freiras, que at ali no tinham tido seno coro de cima, fizeram coro de baixo tambm, tapando a porta principal da igreja que era fronteira ao altar mor, e deixando uma lateral para o povo. Por onde, o jazigo de Cames em que esteve ou est a sua cinza, veio a ficar exactamente no stio em que a grade do coro de baixo agora parte a igreja quase a meio. Mas depois destas obras, a ningum lembrou perguntar se se pusera ou no sinal naquela sepultura: todos se contentaram desmazeladamente com dizer: Perdeu-se com o terremoto. E passou em julgado. Envergonhava-se a gente quando os estrangeiros nos perguntavam pelo tmulo de Cames; dizia-se que era um oprbio, uma afronta nacional, mas no se tratou nunca de ver se era possvel repar-la. S neste sculo, um homem no suspeito de entusiasmo por Cames certamente, antes bem pouco respeitador seu, o padre Jos Agostinho de Macedo por vezes foi ouvido dizer, a vrias pessoas inda vivas, que a sepultura no estava perdida, e que o terremoto s destrura a loisa, no o jazigo. Provavelmente no havia empenho no presumido rival de Cames em que se verificasse a sua crena, ou esta incria geral portuguesa se ficou na preguia de que nada parecia poder j despertar-nos. Em 1825 quando imprimia em Paris a primeira edio do meu poema, eu ignorava absolutamente estas circunstncias locais, e no tinha nem o menor vislumbre de que fosse possvel virem a descobrir-se as cinzas de Cames. A objurgao com que terminei o poema, a modo de envoi de proenal ou com mais exaco de acre sirvente que fustiga um crime pblico em todo o caso era merecida: porque certo que Nao, Rei e Governo. todos pecaram de culposa incria em no ter feito a mnima diligncia para descobrir o monumento de sua maior glria. Volumes de providncias do Marqus de Pombal, milhes de despesas em desentulhos, consertos e edificaes novas; mas nem uma ordem dada, nem um cruzado gasto para se descobrir o jazigo de Lus de Cames. Estava reservado a um poeta, a um pobre poeta cego e sem valimentos, o empreender a desafronta da nao e o desagravo do seu grande gnio. Na sociedade que se formara em Lisboa em 183s com o ttulo de Sociedade dos Amigos das Letras, o Sr. Castilho props que se no desse toda a esperana por perdida, que ele tinha f que ainda talvez se pudesse achar a sepultura do nosso Cames, que ao menos se fizessem diligncias com zelo e empenho.
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Nomeou-se uma comisso; o Governo e o Sr. Patriarca da Silva deram as licenas devidas, foi cuidadosamente e com todas as solenidades explorada a igreja; achou-se o que acima referi do seu estado actual; e no prprio stio em que, a existirem, devem ainda jazer os restos mortais do imortal cantor dos Portugueses, aparece com efeito uma laje comparativamente nova, sem letra nem divisa, cobrindo um vo argamassado e ladrilhado, com dois ou trs degraus Que a ele descem; vo no mesquinho para uma sepultura singular, mas insuficiente para um carneiro ou jazigo de famlia, como outros que h na mesma igreja. Dentro deste vo uma ossada com alguma terra pouca. Para mim, para todos os que, mngua de autnticas formais, podem crer em relquias autenticadas com probabilidades to vizinhas da certeza, para mim moralmente certo, 8 provado, quanto humanamente se pode provar em casos tais, que ali esto as cinzas de Cames. O lugar o da histria; de todos os sinais que ela nos d para reconhecermos aquele sepulcro venerando, s nos falta a loisa que o terremoto esmigalhou. Aparece uma nova, como nova toda a linha mdia do pavimento da igreja. No aparece, apesar das mais escrupulosas diligncias, memria de jazigo, carneiro ou sepultura particular de nenhuma pessoa ou famlia que depois do terremoto ali viesse enterrar-se. Estamos como no tempo em que Gonalo Coutinho procurava e j esquecida primeira sepultura do poeta; acham-se dificuldades Que fazem hesitar, mas que so muito vencveis: nenhuma razo se oferece contra a probabilidade, e todas a reforam. Pelas sabidas ocorrncias de Setembro de 1836, tempo em que a comisso trabalhava, e quando, depois de alguns dias, chegava a este resultado, foram suspensos os seus trabalhos. Um relatrio circunstanciado e documentado de todo o processo da explorao vai aparecer brevemente ao pblico. 88 O meu amigo o Sr. Antnio Feliciano de Castilho, a cujo favor devo as preciosas informaes que aqui resumi, est actualmente dispondo aquele relatrio, de cuja publicao resultar certamente o generalizar-se a convico de to grande descoberta, e vir enfim a nao portuguesa a recuperar o seu Paldio literrio. Dar-lhe- depois santurio mais digno, mais durvel, e tal que o no possam vir a esquecer os seus ingratos filhos? Esperemo-lo ao menos. (Nota da segunda edio. ) Nota E Canto de indignao, ltimo acento Que jamais sair da minha lira O leitor dir provavelmente que foram promessas de poeta, o promitto tibi pater. Engana-se. Realmente desde esta poca no tornei a empreender uma obra potica, no tornei propriamente a fazer versos. A cano vitria da Terceira, assunto que faria poeta a burra de Balaam do mais prosaico jornalista com dois ou trs pecadilhos mais, se tanto, so os nicos de que me acuso. Coisas velhas e anteriores, emendei e conclui muitas. No capricho, nem vulgaridade baixa da que muitos tm que me julgue personagem grave de mais para fazer versos ou aos versos coisa menos grave para qualquer grande pessoa que eu no sou. No isso: que j no creio; e para ser poeta mister crer. J no creio seno em Deus: e agora s se fizer versos ao divino. Quem sabe?
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Escrevia-se esta nota em 1839. No me consta que nada aparecesse at hoje. Maro de 1854.
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Tom ara eu poder comigo que os fizesse meus ricos versos! Que me no faam almotac do bairro, como dizia o Tolentino regedor de parquia ou no sei que outra coisa que agora. Quando me chamam poeta com inteno, lembra-me sempre o caro M. Jourdain. Eu farei versos sem me sentir: eles, coitados, sabero eles que fazem prosa? (Nota da segunda edio)
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Ao Il.mo e Ex.mo Sr. JOO BAPTISTA DE ALMEIDA GARRETT Son nom suffit sa gloire J. J. Rousseau Publicou-se ultimamente em Paris um opsculo que contm algumas poesias de Mlle. de Flaugergues. Entre essas poesias deparei com uma ao autor do poema Cames. Tentei traduzi-la, e eis aqui a minha traduo tal qual a pude fazer. Ela no aspira seno a ser recebida como uma pobre mas sincera homenagem ao chefe da moderna literatura portuguesa, e a ser por ele corrigida. O corao nunca oferece seno bagatelas; as ddivas sumptuosas so de amor prprio. Lisboa, 26 de Fevereiro de 1842 Jos Maria do Amaral
A. M. DE ALMEIDA GARRETT Sur son pome "Cames" Du chantre de Gama, chantre mlodieux, Que ta voix a de clat! que ton luth est sublime! Sans doute tes accents tressaille et se ranime, Consol, radieux, Le barbe mconnu, de un sicle ingrat victime, Le grand homme veng par tes chants glorieux. Dis, quand la nuit endort les vains bruits de la terre, Dans le temple dsert as-tu port des voeux? Du tombeau dlaiss la lourde et froide pierre S'ouvrit-elle tes yeux? Un chant sublime et doux, grave et mystrieux Soudain a-t-il vibr, dans la nef solitaire? Un souffle a-t-il pass comme un clair brlant Sur ton front plissant de une terreur divine? As-tu senti, dis-moi, haleter ta poitrine? Fuir ton genou tremblant? As-tu, comme celui qu'un songe ardent fascine, Vu des feux se croiser dans l'air tincelant? Est-il venu vers toi sur la nue ombreuse! Sur le char embras qui porte le soleil?
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Ou dans la sainte horreur de la nuit tnbreuse, Quand, fuyant le sommeil, Tu chantais, attendant l'aurore au front vermeil Ou suivant dans son ours l'toile lumineuse? Planez de un vol gal aux sjours thrs, Aigles! allez de front sur vos ailes gantes! Dites vos fiers aeux au noir cap des tourmentes, Bardes, vos chants sacrs S'envoleront plus loin que leurs nefs triomphantes; Ces nefs qu'un Dieu porta sur les flots azurs. Astres de un mme ciel, vos harpes immortelles Eclairent ces beaux lieux comme un phare clatant; Des fabuleux gmeaux tels les astres fidles Brillent au firmament, Vos fronts sont couronns de palmes fraternelles, Mme encens vous est d, mme autel vous attend! P. de Flaugerguers
TRADUO: AO SR. ALMEIDA GARRETT Sobre o seu poema "Cames" Cantor mavioso do Cantor do Gama, Estro sublime em lira altissonante! Ao teu cantar se move e ressuscita, Ovante e j sem mgoas, De ingrato sc'lo o bardo mal prezado, Heri que os versos teus gloriosos vingam. Vate! Quem t'inspirou? Fizeste votos No silncio da noite, em ermo templo? E em teu orar que viste? Erguer-se a campa Do desprezado tmulo? Ouviste ecoar pela calada nave Em graves sons cantar misterioso? Crestou-te a fronte, de pavor gelada, Sopro ligeiro, qual corisco ardente? Nesse pavor faltaram-te, arquejante, Os trmulos joelhos? Viste, como esse que em delrios arde, No ar coruscante cintilarem jogos? Ergueu-se a ti Cames em nuvem densa?
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Vinha do Sol no carro flamejante? Ou nas da noite pavorosas sombras, Quando esquivado ao sono Cantavas aguardando a rsea aurora, Ou seguindo coa mente a estrela de alva? Ergueu-se a ti Cames em nuvem densa? Vinha do sol no carro flamejante? Ou nas da noite pavorosas sombras, Quando esquivado ao sono Cantavas aguardando a rsea aurora, Ou seguindo coa mente a estrela de alva? Correi, correi de par, guias gigantes, Subi aos astros nas possantes asas! Cantai vossos avs, os feros nautas Do cabo das Tormentas: Longe Deus lhes guiou as naus ovantes... Bardos, vosso cantar ir mais longe. Astros de um mesmo cu, so vossas harpas Faris eternos que do brilho d ptria; Tais fulguram no Olimpo essas, dos gmeos, Fabuladas estrelas Coas mesmas palmas enramais as frontes, Reinais no mesmo altar, co mesmo culto. J. M. do Amaral
********************************************************** Obra digitalizada e revista por Deolinda Rodrigues Cabrera. Actualizou-se a grafia. Projecto Vercial, 1998 http://www.ipn.pt/literatura **********************************************************