Do Sertão À Sevilha
Do Sertão À Sevilha
Do Sertão À Sevilha
João Cabral viveu por mais de dez anos em solo espanhol, sempre na área
diplomática, intercalando passagens por Barcelona, Madri e Sevilha. Chegou
pela primeira vez em Barcelona, em 1947, como vice-cônsul do Brasil, e ali
permaneceu até 1950, período em que ocorreu uma série de mudanças
irreversíveis em sua poesia, tanto na temática, como na forma. Embora a
carreira diplomática o tenha obrigado a aportar em vários países da Europa,
como Inglaterra, França e Suíça, foi a Espanha que mais influenciou sua obra.
"Assim que chega à Barcelona João Cabral tem um contato estreito com a
tradição ibérica e a poesia medieval castelhana, que ele reconhece na cultura
popular nordestina", explica a pesquisadora Nylcéa Pedra, da Universidade
Federal do Paraná, que estuda o poeta e participa do evento. "Isso impulsiona
uma mudança em sua poesia, que vai do verso livre de seus primeiros títulos
("A Pedra do Sono" e "Os Três Mal Amados") para uma métrica mais regular,
presente, por exemplo, em "Paisagem com Figuras" e "Quaderna.'"
Em Alcalá de Henares, no dia 14, uma das principais discussões será em torno
do legado deixado por João Cabral à capital do país, Madri. O poeta residiu na
cidade de 1960 a 1962, como primeiro secretário da Embaixada Brasileira,
época em que ele e Ángel Crespo (seu principal tradutor) fundam a "Revista
de Cultura Brasileña", em atividade até os dias de hoje. É também em 1960
que João Cabral publica por conta própria o livro "Dois Parlamentos".
Como parte evento, ainda será realizado nas quatro cidades, o relançamento
em formato digital da coleção completa da "Revista de Cultura Brasileña"
(atualmente com o apoio da Fundación Cultural Hispano Brasileña). O acervo
permitirá a pesquisadores o acesso gratuito a mais de 58 edições da revista,
editada nos últimos 50 anos. Além disso, o Instituto Moreira Salles fará o
lançamento exclusivo da primeira edição de "Cadernos de Literatura
Brasileira" em língua espanhola, dedicado ao poeta. Foi com João Cabral que
o IMS iniciou em 1996 essa série semestral de publicações que se tornou
referência no Brasil.
Foi também em suas passagens por Barcelona que João Cabral tornou-se
amigo do pintor Joan Miró - o processo criativo do artista plástico ganhou o
ensaio memorável "Joan Miró". "Pode se dizer que escrever sobre o pintor foi
uma forma de refletir sobre si mesmo, pois João Cabral começava a ver na
pintura as mesmas preocupações que tinha na poesia - com forma, espaço e
elemento visual", acrescenta a pesquisadora Nylcéa Pedra.
Para Pablo del Barco, livros como "Crime na Calle Relator" - quase todo
referindo-se à cidade - e, principalmente, "Sevilha Andando" podem ser
considerados o "ápice desse grande amor" entre escritor e a cultura
espanhola, usando as palavras do próprio pesquisador, que conheceu o poeta
na década de 1990 e publicou em 1982 uma versão em espanhol de "A
Educação pela Pedra" (1968). Por esses motivos, há grande expectativa no
encontro de Sevilha.
João Cabral mudou-se para Sevilha em 1956, mesmo ano em que publica
"Paisagem com Figuras", que traz poemas como "Campo de Tarragona",
"Fábula de Joan Brossa" e "Alguns Toureiros", no qual manifesta sua fascinação
pelas touradas e compara o poeta a um toureiro. Chega à cidade com o
encargo de pesquisar documentos sobre a história do Brasil presentes no
Arquivo das Índias, uma instituição criada em 1785 com o objetivo de
centralizar em um único lugar toda a documentação referente às colônias
espanholas. É lá, por exemplo, que se encontram os originais do Tratado de
Tordesilhas. O poeta permanece na cidade até 1958, quando é transferido
para o Consulado Geral em Marselha, na França. Em 1960, lança "Quaderna",
que traz entre outros, dois grandes poemas que versam sobre o flamenco -
"Estudos para uma bailadora Andaluza" e "A Palo Seco".
Entre 1962 e 1966, João Cabral torna a viver em Sevilha, o que consolida sua
paixão pela cidade, sentimento explicitado em livros como "Serial", "Museu de
Tudo", "Agrestes" e "Crime na Calle Relator", todos impregnados da cultura
espanhola.